Prochet Claudia SH Me 2008

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CLÁUDIA SOLANGE HEGETO PROCHET ESTUDO DAS POSSIBILIDADES JURÍDICAS PARA FORMALIZAÇÃO DOS EMPREENDIMENTOS DO PROGRAMA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA DE LONDRINA Londrina 2008

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  • CLUDIA SOLANGE HEGETO PROCHET

    ESTUDO DAS POSSIBILIDADES JURDICAS PARA

    FORMALIZAO DOS EMPREENDIMENTOS DO

    PROGRAMA DE ECONOMIA SOLIDRIA DE LONDRINA

    Londrina

    2008

  • CLUDIA SOLANGE HEGETO PROCHET

    ESTUDO DAS POSSIBILIDADES JURDICAS PARA

    FORMALIZAO DOS EMPREENDIMENTOS DO

    PROGRAMA DE ECONOMIA SOLIDRIA DE LONDRINA

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao, em Servio Social e Poltica Social da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Servio Social e Poltica Social. Orientadora: Profa. Dra. Maria Luiza Amaral Rizotti.

    Londrina 2008

  • CLUDIA SOLANGE HEGETO PROCHET

    ESTUDO DAS POSSIBILIDADES JURDICAS PARA

    FORMALIZAO DOS EMPREENDIMENTOS DO

    PROGRAMA DE ECONOMIA SOLIDRIA DE LONDRINA

    BANCA EXAMINADORA ________________________________________

    Profa. Dra. Maria Luiza Amaral Rizotti Universidade Estadual de Londrina

    ________________________________________

    Profa. Dra. Cssia Maria Carloto Universidade Estadual de Londrina

    ________________________________________

    Prof. Dr. Benilson Borinelli Universidade Estadual de Londrina

    Londrina, 11 de agosto de 2008.

  • Dedico este trabalho ao Ricardo, meu

    companheiro de longa e profcua caminhada,

    minha fora e meu conforto de todas as horas,

    que acreditou na minha capacidade de conclu-

    lo; e aos que no acreditaram, pelo desafio que

    me impulsionou a come-lo.

  • AGRADECIMENTOS

    Muitas pessoas contriburam para a realizao deste trabalho. Diante da impossibilidade de

    retribuir altura e a todas, destaco aqui algumas delas estendendo o agradecimento a todos os que

    ofereceram seu tempo, sua ateno e seu apoio inestimveis.

    minha orientadora Maria Luiza Amaral Rizotti, pela compreenso das minhas limitaes e

    apoio para superar os momentos difceis dessa jornada. Sua competncia, sua confiana e sua

    pacincia foram fundamentais para domar minha arrogante ignorncia.

    Aos funcionrios do Programa de Economia Solidria da Secretaria Municipal de Assistncia

    Social de Londrina, em especial sua coordenadora Sandra Regina Nishimura, pela ateno e

    fornecimento de material e informaes indispensveis.

    Aos grupos de gerao de trabalho e renda, pelas informaes e acolhida generosa.

    Universidade Estadual de Londrina, em especial ao Departamento de Servio Social e ao

    Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual de Londrina pela aceitao do

    projeto e Fundao Araucria e CAPES pela concesso de bolsa de estudos.

    Aos colegas de mestrado e funcionrios da UEL, na pessoa de Francisco Navarro, pelo auxlio e

    por compartilhar experincias e aprendizado.

    Aos professores Adriana Santos, Cssia Maria Carloto, Evaristo Clman, Maria ngela Silveira

    Paulilo, Miguel Arturo Curotto Oliveira, Olegna S. Guedes, Selma Frossard Costa e Vera

    Suguihiro, pela contribuio para o meu amadurecimento acadmico, e Benilson Borinelli pelas

    valiosas sugestes.

    Aos amigos Alamir e Regina, pelo incentivo e pela leitura e crtica do projeto que deu origem a

    este trabalho.

    minha me, Jlia, pelo exemplo de persistncia; e a Ricardo, Fausto, Vitria, Felcia, Liana e

    Dante por existirem e serem fonte de amor incondicional.

  • O homem um ser que vive de iluses e de esperanas, s quais nunca puderam dar morte os grandes cataclismos da histria. Uma das mais bonitas idias de um Direito do Trabalho que, de uma vez para sempre, na luta entre o Capital e o Trabalho, ponha o primeiro, e a Economia em si, a servio do segundo.

    Mrio de La Cueva

  • PROCHET, Cludia S. H. Estudo das possibilidades jurdicas para formalizao dos empreendimentos do Programa de Economia Solidria de Londrina. 2008. 175f. Dissertao (Mestrado em Servio Social e Poltica Social) Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008.

    RESUMO

    As transformaes neoliberais da poltica econmica internacional provocaram profundas alteraes no mundo do trabalho no Brasil a partir da dcada de 1990, especialmente no que diz respeito precarizao das relaes de trabalho, na ampliao da informalizao e na criao de novas formas de produo como alternativa ao desemprego. Contexto no qual se constituiu a Economia Solidria como campo filosfico, poltico, social e econmico, pautada nos valores comuns da posse e/ou controle coletivo dos meios de produo, distribuio, comercializao e crdito; gesto democrtica, transparente e participativa dos empreendimentos econmicos e/ou sociais; distribuio igualitria dos resultados econmicos dos empreendimentos mais adequados aos interesses dos trabalhadores, uma vez que nela estes utilizam os meios de produo, comercializao e crdito em funo de seus interesses. A institucionalizao da Economia Solidria como poltica pblica reconheceu a existncia desse novo padro de trabalho baseado em valores antagnicos ao capitalismo tradicional; e exigiu a reflexo sobre suas possibilidades de integrao e formalizao no universo scio- jurdico nacional, como um fator de representao da autonomia, indispensvel para acessar recursos oficiais de incentivo produo no provenientes da assistncia social, considerados vitais para todo o setor produtivo nacional. Por isso nosso objetivo a anlise das possibilidades de assuno de personalidade jurdica dos grupos de gerao de trabalho e renda do Programa de Economia Solidria de Londrina. O estudo se inicia com uma exposio das mudanas do mundo do trabalho, destacando os efeitos das polticas econmicas sobre a legislao e flexibilizao das suas relaes que levaram ao aumento da informalidade. Embasado numa reviso da legislao pertinente e em entrevistas com tcnicos do Programa de Economia Solidria e os grupos de gerao de renda de Londrina, so analisadas as opes de pessoa jurdica em vigor para determinar sua adequao formalizao dos empreendimentos ou, pela eventual impossibilidade jurdica, a necessidade de criao de uma forma exclusiva. Avalia-se a correlao entre a opo conceitual do programa pesquisado pelo modelo cooperativista e as restries legais de sua aplicao para os grupos individualmente; terminando por analisar a questo dos valores da produo solidria em detrimento da urgncia de incluso scio-jurdica. Por fim, recomenda, de forma pragmtica, a adoo da legislao em vigor para a formalizao enquanto se trava a discusso poltica e ideolgica, ainda longe de ser resolvida, sobre a criao ou no de um modelo jurdico especfico para os empreendimentos da Economia Solidria. Palavras-chave: Cooperativismo. Gerao de trabalho e renda. Economia Solidria. Flexibilizao do trabalho. Formalizao.

  • PROCHET, Cludia S. H. Reflexions on the possibilities of legal formalization of the entrepreneurships of Solidary Economy Program of Londrina. 2008. 175p. Dissertation (Master`s Degree in Social Work and Social Policy) Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008.

    ABSTRACT

    The neoliberal transformations in the international economic policies have caused deep changes in the Brazilian labor relationships starting in the 1990s, especially when concerning the precariousness of the labor relationships, the amplification of informalization and the creation of new ways of production as an alternative to unemployment. In this context, Solidary Economy is seen as a philosophical, political, social and economic field, based on the common values of ownership and/or collective control of means of production, distribution, commercialization and credit; democratic, transparent and participative management of economic and/or social entrepreneurships; equalitarian distribution of the economic results of entrepreneurships that are most adequate to the interests of the workers, once they use the means of production, commercialization and credit in them according to their interests. The institutionalization of Solidary Economy as a public policy has recognized the existence of this new labor standard based in values that are antagonistic to the traditional capitalism; and has demanded reflection on the possibilities of integration and formalization in the national social-legal universe, as a factor of representing autonomy, which is necessary in order to access official resources of production incentives not originated from the social assistance, considered as vital for all the national productive sector. This study begins with the exposition of changes in the labor world, highlighting the effects of the economic policies on legislation and the flexibilization of its relations driving to an increase of informality. Based in a review of the pertinent legislation and interviews with technicians of the Solidary Economy Program and income generation groups in Londrina, the options of legal entities to determine the adequacy to the formalizations or legal impossibility of these entrepreneurships are analyzed, as well as the need to create an exclusive form for it. The correlation between the conceptual option of the researched program by cooperative models and the legal restrictions of its application for groups individually are evaluated; finishing by analyzing the issue of solidary production values in detriment to the urgency of social-legal inclusion; and pragmatically recommends the adoption of the current legislation for the formalization while discussing the political and ideological issues of the creation of a specific legal model for Solidary Economy entrepreneurships or not, since this discussion is far from being solved. Keywords: Cooperativism. Labor and income generation. Solidary economy. Flexibilization of labor. Formalization.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO .............................................................................................................. 11

    2 CAPTULO I: REESTRUTURAO PRODUTIVA POLTICAS DE

    TRABALHO E RENDA NO BRASIL CONTEMPORNEO E O

    CAMINHO PARA A INFORMALIZAO.................................................... 16

    2.1 AS TRANSFORMAES DO TRABALHO NA REESTRUTURAO PRODUTIVA .................... 17

    2.2 CAUSAS E CONSEQUNCIAS DA INFORMALIZAO......................................................... 19

    2.3 A INFORMALIZAO DAS RELAES DE TRABALHO E AS POLTICAS PBLICAS DE

    EMPREGO ............................................................................................................... 23

    2.4 AS MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO .................................................................... 26

    2.5 A REFORMA ADMINISTRATIVA ....................................................................................... 28

    3 CAPTULO II: AS MUDANAS NA LEGISLAO TRABALHISTA................. 33

    3.1 OS PRESSUPOSTOS DAS MUDANAS NA LEGISLAO TRABALHISTA ............................. 33

    3.2 AS MUDANAS NAS RELAES DE TRABALHO............................................................... 35

    3.3 REFORMA TRABALHISTA E LEGISLATIVA ....................................................................... 39

    3.3.1 Efeitos Imediatos da Flexibilizao dos Contratos..................................................... 43

    3.3.2 Flexibilizao na Remunerao.................................................................................. 46

    3.3.3 Flexibilizao na Proteo e na Assistncia ao Trabalhador...................................... 48

    3.3.4 Reforma Sindical e da Justia do Trabalho ................................................................ 48

    3.4 TENTATIVAS INFRUTFERAS DE FLEXIBILIZAO DA LEGISLAO................................. 50

    3.5 MEDIDAS AVALIADAS COMO POSITIVAS PELA TICA DO TRABALHADOR ...................... 51

    4 CAPTULO III: O TRABALHO NO CENRIO DA FLEXIBILIZAO A

    ECONOMIA SOLIDRIA E O TERCEIRO SETOR.................................... 54

    4.1 ECONOMIA SOLIDRIA ALTERNATIVA SUI GENERIS..................................................... 55

    4.1.1 Poltica de Trabalho e Economia Solidria ................................................................ 57

    4.1.2 Conceito de Economia Solidria ................................................................................ 59

    4.1.3 Economia Solidria e a Regulao ............................................................................. 62

  • 4.2 O TERCEIRO SETOR OBJETIVOS NO ECONMICOS ..................................................... 65

    4.2.1 Origem do Termo ....................................................................................................... 66

    4.2.2 O Caminho Percorrido................................................................................................ 67

    4.2.2.1 Durante o Regime Militar........................................................................................ 68

    4.2.2.2 O Perodo de Redemocratizao.............................................................................. 69

    4.2.2.3 As ONG como Prestadoras de Servios .................................................................. 70

    4.2.3 O Terceiro Setor e a Descentralizao ....................................................................... 71

    4.2.4 O Terceiro Setor e o Mundo do Trabalho .................................................................. 74

    4.2.5 Marco Legal do Terceiro Setor................................................................................... 75

    4.2.5.1 Lei 9.608/98 Lei do Voluntariado ........................................................................ 76

    4.2.5.2 Lei 9.637/98 Lei das Organizaes Sociais.......................................................... 77

    4.2.5.3 Lei 9.790/99 Lei das Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico

    (OSCIP) ................................................................................................................. 80

    4.2.5.4 Decreto 3.100/99 Termo de Parceria.................................................................... 82

    4.2.5.5 Outros Dispositivos Normativos ............................................................................. 83

    4.2.6 Descentralizao e Desonerao do Estado................................................................ 83

    4.3 DAS COOPERATIVAS....................................................................................................... 85

    4.3.1 A Lei 9.867/99 Das Cooperativas Sociais ............................................................... 88

    4.4 OUTRAS FORMAS DE EMPREENDEDORISMO POPULAR .................................................... 89

    4.4.1 As Sociedades Simples............................................................................................... 90

    4.4.2 Lei Complementar 123/2006 Estatuto da ME e da EPP.......................................... 91

    5 CAPTULO IV: ECONOMIA SOLIDRIA EM LONDRINA ................................ 97

    5.1 PROGRAMA DE ECONOMIA SOLIDRIA DE LONDRINA .................................................... 98

    5.1.1 A Estrutura.................................................................................................................. 99

    5.2 Objetivo da Pesquisa ................................................................................................... 101

    5.3 METODOLOGIA DA PESQUISA ....................................................................................... 102

    5.4 ANLISE ....................................................................................................................... 103

    5.4.1 Caractersticas do Trabalho Solidrio em Relao ao Modelo Econmico

    Salarial ................................................................................................................. 104

    5.4.2 O Estado, os Empreendimentos Solidrios e suas Expectativas .............................. 108

    5.4.3 O Novo Modelo de Produo e a Formalizao....................................................... 113

  • 6 CONCLUSO............................................................................................................... 116

    REFERNCIAS .............................................................................................................. 121

    BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ................................................................................ 126

    APNDICES .................................................................................................................... 129

    APNDICE A Relao dos Grupos do Programa de Economia Solidria de

    Londrina em Fase de Produo ........................................................................... 130

    APNDICE B Relao de Entrevistas de Pesquisa........................................................ 136

    APNDICE C Entrevista com a Coordenadora do Programa de Economia Solidria

    de Londrina.......................................................................................................... 137

    APNDICE D Entrevista com Representantes da Secretaria Municipal de Educao

    no Conselho Geral de Gesto do Centro Pblico de Economia Solidria........... 147

    APNDICE E Entrevista com o grupo de gerao de trabalho e renda Casa de Pes... 155

    APNDICE F Entrevista com o grupo de gerao de trabalho e renda Parceria da

    Beleza .................................................................................................................. 158

    APNDICE G Entrevista com o grupo de gerao de trabalho e renda Sol para

    Todos ................................................................................................................... 164

    APNDICE H Entrevista com o grupo de gerao de trabalho e renda Marreca .......... 171

    APNDICE I Entrevista com o grupo de gerao de trabalho e renda Po Maravilha . 173

    APNDICE J Entrevista com o grupo de gerao de trabalho e renda Salgados

    Santa Isabel.......................................................................................................... 175

  • 11

    1 INTRODUO

    Os estudos da Economia Solidria no Brasil, at o momento, consistem em

    anlises dessa forma de gerao de trabalho e renda como contribuio para a promoo de um

    novo modelo de produo de lgica cooperativa e solidria, dirigido ao enfrentamento dos efeitos

    da reestruturao produtiva implementada no pas a partir da dcada de 1990 (SINGER, 2002;

    GAIGER, 2006). No cenrio nacional do trabalho combalido pelas reformas neoliberais, a

    Economia Solidria foi alada categoria de poltica pblica em 2003 com a criao da

    Secretaria Nacional da Economia Solidria (SENAES) vinculada ao Ministrio do Trabalho e do

    Emprego para atender aos excludos do mercado de trabalho. Por sua orientao intersetorial,

    vem sendo executada majoritariamente com recursos da poltica de assistncia social, atravs de

    programas de incluso produtiva dirigidos ao mesmo pblico-alvo.

    O grande empecilho para a consolidao da poltica e dos empreendimentos

    solidrios o confronto com a cultura da acumulao pela explorao do trabalho promotora da

    precarizao e da flexibilizao das relaes de trabalho, e com os interesses econmicos

    hegemnicos, apontados como responsveis pela apatia do poder pblico no sentido de regular as

    relaes jurdicas inerentes ao novo modelo de produo. Por outro lado, e apesar da legislao

    em vigor para o sistema produtivo tradicional no excluir os empreendimentos solidrios de sua

    abrangncia, questes prticas e paradigmticas so evocadas para justificar a impossibilidade de

    subsuno dos empreendimentos da Economia Solidria pelo repositrio legal nacional em vigor.

    Foi em razo de um quadro de incerteza quanto definio do modelo jurdico

    mais apropriado para a Economia Solidria que definimos como nosso objeto de estudo a

    formalizao dos seus empreendimentos. A inteno responder ao problema central desta

    dissertao que a anlise das possibilidades de assuno de personalidade jurdica dos grupos

    de gerao de trabalho e renda do Programa de Economia Solidria de Londrina.

    Para determinar a finalidade do trabalho estabelecemos como motivao da

    formalizao a autonomia do empreendimento como requisito do meio scio-jurdico- econmico

    para oferecer condies favorveis ao seu desenvolvimento; e suas implicaes diante de uma

    poltica econmica que institucionaliza a informalidade e a flexibilizao das relaes de trabalho

    retirando do indivduo a proteo e os signos de reconhecimento de cidadania do mundo

  • 12

    capitalista.

    Entendemos a formalizao como o resultado de procedimentos administrativos

    realizados com a finalidade de dar vida a iniciativas de produo no mundo scio-jurdico atravs

    do registro de estatutos ou contratos sociais nos rgos oficiais encarregados dessa funo

    pblica, civil ou empresarial. O registro formal dos estatutos do empreendimento de acordo com

    as normas legais o primeiro passo no sentido de participar do Cadastro Nacional de Pessoas

    Jurdicas (CNPJ), ensejador de direitos e obrigaes do mundo econmico.

    Este trabalho se constri sobre a anlise desse fenmeno complexo que a

    formalizao, composto de elementos poltico-administrativos, mais especificamente a vontade

    do Estado e as polticas pblicas (BRESSER, 1997; COSTA, 1998; FRANCO, 2003);

    econmicos, no que tange aos interesses hegemnicos (NOGUEIRA, 1998; MONTAO, 2007);

    e jurdicos, no que diz respeito legitimao dos interesses e nos mecanismos e instrumentos

    garantidores da eficcia das polticas (BUD, 2008; BUCCI, 2002; FRANA, 2002). A

    complexidade do tema requer um referencial terico abrangente que dividimos em trs

    macrocategorias, quais sejam a poltico-ideolgica, a econmica e a jurdica, todas elas

    imbricadas com as expresses do mundo atual do trabalho que representa a causa fundamental do

    problema.

    Sem desprezar as outras dimenses, todas muito importantes e que permeiam e

    suportam a argumentao do trabalho, e por no pretender engrossar ou apresentar solues para

    o debate ideolgico apropriado e democrtico sobre a Economia Solidria, atentamos mais

    para a dimenso jurdica do problema.

    No primeiro captulo apresentamos, em uma perspectiva histrica estrutural, as

    transformaes recentes no mundo do trabalho no Brasil, a reestruturao produtiva e o caminho

    para a institucionalizao da informalidade; a poltica internacional influenciando as aes de

    governo e a reforma administrativa, destacando o impulso do modelo econmico neoliberal

    criao de novos modelos produtivos (POCHMANN, 2006; BEHRING, 2007) em razo da

    substituio da poltica do pleno emprego pela do mercado de trabalho com a focalizao na

    qualificao do indivduo (ANTUNES, 2004).

    A impossibilidade capitalista de desenvolver polticas de emprego em

    detrimento de polticas compensatrias e de baixa eficcia transforma o trabalho em uma questo

    de mrito e competncia pessoal. o Estado agenciando a desestruturao do mercado porque o

  • 13

    desemprego somente no era mais capaz de balancear os nveis de explorao do trabalho, e

    focalizando as aes e recursos no combate aos efeitos mais visveis da pobreza atravs de

    programas apresentados como promotores do desenvolvimento social. Focamos, assim,

    inicialmente na apresentao das principais relaes entre a crise mundial do capitalismo e o

    caminho da informalizao do trabalho no Brasil como processo de mudana no mercado de

    trabalho indutor da Economia Solidria.

    Em seguida demonstramos a atuao do Estado no processo de

    desregulamentao e flexibilizao da legislao do trabalho brasileiro com o objetivo de mudar

    as relaes de trabalho, adequando-as ao modelo de acumulao flexvel que incidiu na

    reestruturao produtiva (CACCIAMALI; BRITO, 2002). So apresentados os aspectos

    relacionados substituio da lgica fordista de trabalho pela nova lgica toyotista e

    incorporados s relaes de trabalho como regimes flexveis e contratos temporrios de trabalho,

    de terceirizao e novas tecnologias flexveis de produo como a microeletrnica, a tecnologia

    digital e a robtica; todos eles ampliando a inseguridade tpica da fora de trabalho, acentuando a

    precarizao e aumentando os ndices de desemprego (SOUZA FILHO, 2004; OSAK, 2000).

    Alm da reforma da legislao trabalhista apresentada na sntese entre os anos de 1994 e 2000

    (POCHMANN, 2006), a que remanesce vem sendo desgastada, no cumprida e perdendo

    legitimidade social, enquanto novas alternativas de trabalho vm sendo estimuladas pelo Estado,

    numa poltica de transferncia dos servios no exclusivos do Estado para a sociedade civil.

    No terceiro captulo, o Terceiro Setor, denominado pblico no estatal, e o

    modelo de Economia Solidria so analisados como as novas formas de trabalho surgidas com a

    flexibilizao da legislao e o estmulo estatal. Procuramos fazer essa anlise relacionando a

    existncia ou a ausncia de regulamentao com o crescimento das iniciativas e com a natureza

    do trabalho desenvolvido.

    O Terceiro Setor se coloca como um aliado capacitado do Estado para a

    consecuo dos objetivos pblicos, com recursos destinados aos servios pblicos e legislao

    pertinente (FERNANDES, 1994; FRANCO, 2003; SZAZI, 2004); enquanto a Economia

    Solidria se apresenta como uma opo de gerao de trabalho e renda alternativa ao modelo

    capitalista, para o pblico-alvo da assistncia social: os excludos ou incapazes de ascender ao

    mercado tradicional de trabalho (SINGER, 2002; NISHIMURA, 2005; BARBOSA, 2006), se

    constituindo em poltica pblica descentralizada, com recursos pulverizados e muitos desafios

  • 14

    polticos, econmicos e jurdicos a superar para poder conquistar a autonomia scio-jurdica

    suficiente, se constituir como sistema e concorrer em condio de igualdade no mercado, fazendo

    frente ao modelo econmico vigente.

    Iniciamos o quarto captulo com uma descrio do Programa de Economia

    Solidria de Londrina objeto da nossa pesquisa, sua estrutura e seus projetos, como o apoio

    capacitao tcnica e de gesto do negcio (Apndice C). E prosseguimos com a apresentao

    dos fundamentos da poltica e sua dimenso que extrapola os limites do programa conduzido pelo

    Centro Pblico de Economia Solidria e reproduz a caracterstica multissetorial da poltica

    federal, apresentando ramificaes em vrios organismos pblicos, sendo que a iniciativa de

    caractersticas solidrias no setor de coleta seletiva do lixo se desenvolve ligada Companhia

    Municipal de Transporte Urbano (CMTU) e cinco empreendimentos so apoiados pela

    Incubadora Tecnolgica de Empreendimentos Sociais Sustentveis (INTES).

    Analisamos documentos oficias e a legislao para poder determinar se os

    modelos de personalidade jurdica em vigor, com ou sem fins lucrativos, atenderiam proposta

    de formalizao desta dissertao ou, em caso negativo, qual seria a configurao mais

    apropriada a ser proposta a ttulo de projeto de lei. E, para ter a exata noo de como o problema

    da formalizao como requisito para autonomia scio-jurdica do empreendimento afeta as partes

    envolvidas, e quais seriam os desafios e as expectativas da formalizao, seja para os grupos de

    trabalho, seja para a coordenao do programa, realizamos uma pesquisa utilizando o mtodo de

    entrevistas exploratrias semiestruturadas e qualitativas.

    O Atlas da Economia Solidria divulgado no ms de julho de 2008 pelo

    Ministrio do Trabalho aponta a existncia de 79 grupos na cidade de Londrina; destes, 63

    participam do Programa Municipal de Economia Solidria. Para esta pesquisa foram informados

    41 grupos de gerao de renda assistidos pelo programa que j se encontram em fase produtiva

    (Apndice A). Cinco entidades pblicas integram o Conselho Geral de Gesto do Centro Pblico

    de Economia Solidria; foram entrevistados, entre os meses de fevereiro e julho, trs de seus

    membros incluindo a coordenadora do programa, e seis grupos de gerao de trabalho e renda

    selecionados pela coordenao do programa de acordo com critrios geogrficos, abrangendo a

    zona urbana e a zona rural do municpio de Londrina.

    Foram colhidas informaes sobre a composio dos grupos; condies e

    caractersticas do trabalho; autonomia de renda; apropriao do significado da formalizao para

  • 15

    os grupos; do conceito de trabalho solidrio e do papel do programa na formalizao dos

    empreendimentos que mediaram os trs eixos de anlise do material coletado, quais sejam: as

    vantagens e desvantagens do modelo alternativo para os trabalhadores; as expectativas do

    programa em relao aos empreendimentos assistidos e a questo jurdica da formalizao

    propriamente dita.

    Baseamos a nossa reflexo sobre possibilidades de formalizao na revelao

    das necessidades urgentes de pessoas que vivem em situao de carncia, seja ela decorrente da

    baixa renda auferida com rduo trabalho ou da dificuldade de acessar direitos, por vezes ainda

    por elas desconhecidos. Essa urgncia de proporcionar condies de ascenso aos

    empreendimentos solidrios a um patamar de reconhecimento jurdico e de direitos pautou nossa

    anlise das solues possveis em curto prazo, ou seja, na legislao em vigor, mesmo que

    considerada antagnica ao modelo solidrio de economia. Espera-se que o reconhecimento scio-

    jurdico imediato dos empreendimentos e seu desejado sucesso possam contribuir para estudos

    futuros, no sentido da superao do embate ideolgico e do estabelecimento de um novo sistema,

    independente ou integrado ao sistema atual, desde que possa promover direitos e felicidade.

    Essa pesquisa no foi realizada com o objetivo de avaliar o mrito do programa

    ou da poltica pblica, mas de, antes de tudo, compreender a dinmica da Economia Solidria

    para poder contribuir de alguma forma com o sucesso dos empreendimentos e com a produo de

    material acadmico de referncia sobre o tema. Apesar de privilegiar elementos jurdicos,

    buscamos no utilizar uma linguagem essencialmente normativa em razo de uma perspectiva

    multidisciplinar, que talvez possa preencher um espao de reflexo coletiva sobre a face

    pragmtica da Economia Solidria, num universo bibliogrfico mais voltado para problemticas

    ideolgicas e subjetivas.

  • 16

    2 CAPTULO I: REESTRUTURAO PRODUTIVA POLTICAS DE TRABALHO E

    RENDA NO BRASIL CONTEMPORNEO E O CAMINHO PARA A

    INFORMALIZAO

    Uma viso de poltica social que a reduz vontade poltica dos sujeitos, regulao dos conflitos, busca de legitimao e consensos, resposta s presses dos movimentos sociais, com uma certa superestimao dos sujeitos polticos configurando o politicismo , e decorrente da subestimao das determinaes econmicas: a poltica social como trofu arrancado pelos trabalhadores no processo da luta de classes; [constitui um dos limites reviso da poltica social] (BEHRING, 2007).

    O objetivo deste captulo fornecer um embasamento terico sobre as

    transformaes recentes no mundo do trabalho no Brasil, especialmente no que diz respeito ao

    impulso do modelo econmico neoliberal criao de novos modelos produtivos. Focamos,

    inicialmente, na apresentao das principais relaes entre a crise mundial do capitalismo e o

    caminho da informalizao do trabalho no Brasil e seguimos com o processo de mudana no

    mercado de trabalho e de desconstruo de direitos sociais adquiridos no contexto do mercado

    industrial.

    Para fundamentar as mudanas ocorridas, apresentamos tambm, em largas

    pinceladas, consideraes sobre o Plano Diretor da Reforma do Estado, suas relaes com a

    poltica econmica internacional e sua influncia decisiva no aumento dos ndices de

    desemprego, na precarizao das relaes de trabalho, na informalizao funcional aos interesses

    do capital e na configurao das polticas pblicas de gerao de trabalho e renda.

    Com isso esperamos construir o cenrio sobre o qual se desenvolvem as aes

    do Estado na gerao de emprego e renda, destacando linhas que favoream a compreenso do

    incentivo Economia Solidria como poltica de desenvolvimento de um novo mercado de

    trabalho no conflitante com os interesses hegemnicos da economia capitalista desde os anos 90.

  • 17

    2.1 AS TRANSFORMAES DO TRABALHO NA REESTRUTURAO PRODUTIVA

    As alteraes ocorridas no mundo do trabalho na segunda metade do sculo XX

    contrapem-se ao modelo fordista1 de trabalho qualificado e especializado e do lugar ao

    toyotismo, baseado nos princpios de eficincia, produtividade, comrcio e troca internacional do

    laissez-faire. Um modelo de trabalho multifuncional e no especializado, no qual um nico

    trabalhador pode operar vrias mquinas, isso aps a liofilizao, compreendida como a

    substituio de todo o trabalho vivo possvel, ou seja, executado pelo homem, por trabalho morto,

    entendido como o realizado pelas mquinas.

    Essa mudana para o modelo ps-fordista de flexibilizao das relaes de

    trabalho e da produo, reformulao de contratos de trabalho para aumentar a competitividade e

    excluir o Estado da relao quebra a proteo dos trabalhadores, gera instabilidade e precariza

    suas condies de trabalho, criando um contexto de informalizao que se traduz em trabalho

    sem regulamentao, com reduo ou eliminao de direitos sociais.

    Sob o pretexto da inovao tecnolgica, segundo dados apurados por Pochmann

    (2006), a abertura da economia no Brasil eliminou, durante a dcada de 90, cerca de 1.200 postos

    de trabalho no setor secundrio e as mudanas do papel do Estado suprimiram aproximadamente

    550 mil no setor produtivo estatal. Alm dos outros tantos subtrados pela reforma na

    administrao pblica direta que facilitou as demisses e terceirizaes com o respaldo da Lei

    Camata2 e, posteriormente, da Lei de Responsabilidade Fiscal3. O estabelecimento da meta fiscal

    em 1994 determinou a conteno de gastos pblicos, sobretudo na gesto da rea social pelo

    Estado, reduzindo a mo de obra vinculada diretamente a ele. Nos anos 90 desapareceram cerca

    de 200 mil postos de trabalho no Governo Federal, reduzindo para 8% a ocupao nessa esfera do

    setor pblico, que era de 12% na dcada de 70.

    Tambm foram ferramentas de implementao das mudanas na gesto do

    1 Mtodo de especializao do trabalho desenvolvido inicialmente por Henry Ford nas primeiras dcadas do sculo XX, visando o aumento da produo na indstria de veculos americana, com controle de tempo e movimentos de produo no qual o trabalhador no tem o controle do processo como um todo. 2 Lei Complementar n 96 de 31 de maio de 1999. 3 Lei Complementar n 101 de 04 de maio de 2000. Impe regras, limites de gastos do governo e sanes pelo seu descumprimento, estabelecendo o controle institucional mltiplo que sujeita todos os poderes s mesmas regras e fiscalizao de receitas e despesas; e determina a disponibilidade da previdncia separada do Tesouro Pblico, proibindo o financiamento dos estados e municpios com recursos da Previdncia Social.

  • 18

    trabalho a terceirizao no setor privado, a reengenharia para corte de pessoal e explorao do

    sobretrabalho. A alta taxa de desemprego decorrente passou a afetar todas as classes sociais,

    inclusive aqueles com maior grau de escolaridade; enquanto que, pela caracterstica

    concentradora de renda do novo modelo, as vagas abertas relacionavam-se ao crescimento das

    formas servis de trabalho, sendo que 70% em ocupao domstica, ambulantes, limpeza e

    conservao e segurana, que no tm a ver com modernizao tcnica ou produtiva.

    De acordo com Pochmann (2006), as polticas de trabalho desenvolvidas no

    Brasil nos ltimos 25 anos levaram estagnao da renda per capita, perda de 50% do poder

    aquisitivo do salrio mnimo, a um aumento de trs vezes e meia do desemprego e a uma queda

    da participao do rendimento do trabalho na renda nacional de 50% em 1980 para 36% em

    2003. A posio do Brasil na economia mundial caiu do 8 para o 14 lugar nesse mesmo

    perodo, e a caracterstica da produo do pas para exportao de bens primrios, com baixo

    valor agregado e reduzido contedo tecnolgico, com postos de trabalhos mais simples e

    concentrados principalmente nos setores agrcola e de extrativismo mineral, num retrocesso ao

    modelo de insero internacional do sculo XIX. Enquanto isso a valorizao anual dos recursos

    investidos em ttulos da dvida pblica foi duas vezes e meia superior rentabilidade do capital

    produtivo. Estabelece-se, ento, um relacionamento diferenciado e liberal do Estado com o

    capital e as classes privilegiadas, segundo Santana e Ramalho (2003), e o processo de

    privatizao transfere parcela significativa do PIB para o setor privado, especialmente

    transnacional.

    Alm da diminuio dos postos de trabalho, a diminuio da renda modifica as

    caractersticas da renda familiar, faz com que a entrada das mulheres e dos jovens seja de

    fundamental importncia para a manuteno das famlias, engrossando o contingente de reserva

    de mo de obra. Por outro lado, a m distribuio da renda tambm pode ser responsabilizada

    pela reduo dos postos de trabalho disponveis, uma vez que leva permanncia no mercado de

    trabalhadores que j se encontram na aposentadoria, ou a ocupao de dois postos de trabalho

    pela mesma pessoa. As estatsticas apontam que 32% dos aposentados e pensionistas

    continuavam no mercado de trabalho em 2003; quase 20% dos jovens com menos de 16 anos j

    estavam ativos; que 29,3 milhes de pessoas trabalhavam mais que a jornada legal, ocupando

    com isso 4,1 milhes das vagas existentes; que existem 3,9 milhes de pessoas exercendo dois ou

    mais postos de trabalho, totalizando 21,2% que representam 17,2 milhes de postos de trabalho

  • 19

    que poderiam estar livres no fosse a presso exercida pela alta concentrao de renda

    (POCHMANN, 2006).

    Ao criticar o atual modelo de alterao do mundo do trabalho pela

    desconstruo de direitos sociais, a pesquisa de Antunes (2004) informa que entre 1980 e 2006 o

    nmero de bancrios foi reduzido de 850 mil para 400 mil; que dos 240 mil metalrgicos do ABC

    no incio dos anos 80, hoje restam 100 mil, e que em Campinas sua reduo foi de 70 para 40 mil.

    Alm de concluir que essa tambm uma das razes para a expanso do setor de servios como

    telemarketing, terceirizaes etc.

    A necessidade de modernizao tecnolgica e integrao aos recursos da

    economia mundial diminuram a ao do Estado na proteo social e na promoo do emprego

    nacional como empregador direto e indireto, na posio de regulador das estratgias de

    desenvolvimento econmico. O trabalho passa a ser visto como a pea principal de ajuste para a

    competitividade internacional.

    Com a taxa de desemprego ascendente, a estagnao do crescimento e o recuo

    do volume da renda do trabalho na soma nacional emergem, da sociedade, alternativas de

    interpretao do trabalho como o empreendedorismo, o autoemprego, o cooperativismo, o

    trabalho voluntrio e as prticas de Economia Solidria. Alternativas, entretanto, no so capazes

    de substituir uma ao mais efetiva do governo no sentido de reverter os expoentes da questo

    social, cada vez mais preocupante.

    2.2 CAUSAS E CONSEQUNCIAS DA INFORMALIZAO

    A mudana no mundo do trabalho a partir do incio dos anos 90 ocorreu atravs

    de polticas de ampliao da oferta de mo de obra e, de forma paradoxal, com a reduo do

    potencial ocupacional na economia nacional causado pelo baixo crescimento econmico e pelas

    alteraes de inspirao neoliberal no papel do Estado, sob o controle das classes dominantes.

    Dessa forma, a transformao do projeto da Constituio em processo no pode ser realizada por

    causa dos obstculos econmicos, polticos e culturais, com os direitos constitucionais

    submetidos lgica do ajuste fiscal, o que provoca uma defasagem entre Direito e realidade pela

  • 20

    opo do Estado por patrocinar aes pontuais e compensatrias, dirigidas para os efeitos mais

    perversos da crise, limitando as possibilidades preventivas ou re-distributivas (BEHRING, 2007,

    p.162):

    Na esfera da previdncia, um dos principais paradoxos a excluso quase total dos trabalhadores (principais financiadores) da gesto poltica. Ainda que sustentada predominantemente e direcionada especificamente a uma parcela precisa da populao os contribuintes diretos e seus dependentes , as decises a respeito do contedo e da abrangncia dos direitos e da modalidade de financiamento (s para citar alguns elementos) so tomadas pelo aparato burocrtico estatal, baseadas em pretensas anlises e clculos tcnicos que, falsamente, tentam impingir o mito da seguridade social como matria de natureza tcnica. (p. 163)

    Com a perda da importncia das polticas do pleno emprego no perodo ps-

    anos 90, cresce o setor informal e a precarizao do trabalho e das relaes de trabalho, pelo

    patrocnio do Estado a uma flexibilizao das normas de proteo atravs de institutos de

    desregulamentao que possibilitam uma alta variao de salrios reais, um alto ndice de

    rotatividade de mo de obra e o predomnio de contratos de curto prazo.

    A cartilha das instituies financeiras internacionais, como o Banco Mundial e

    o FMI Fundo Monetrio Internacional, recomenda a expanso do setor informal como uma

    ao complementar s polticas de assistncia, desviando a ateno da razo de fundo, qual seja,

    que a existncia do setor seria uma estratgia da organizao da produo de forma a contribuir

    para a acumulao capitalista. Dentro dessa linha de motivao apresentada pelas instituies

    financeiras internacionais e seguida pelo Estado brasileiro, atividades informais como

    cooperativas de trabalho, trabalho domiciliar, empresas familiares e outras formas de trabalho

    precrio so mostradas pelos liberais como estratgias de sobrevivncia.

    Porm, quanto mais informalidade e desemprego, maior a precarizao das

    relaes de trabalho e do mundo do trabalho e maior a sua funcionalidade economia flexvel,

    porque as atividades desenvolvidas atravs de relaes informais cumprem a mesma funo que,

    se realizadas formalmente, tornam explcita a produo de mais-valia. A informalidade

    desprotege o trabalhador e permite ao capital tirar proveito dos fatores de natureza social

    resultantes de sua prpria dinmica como um mecanismo para dissimular a ilegalidade, no sendo

    apenas uma mera questo de falta de carteira assinada.

  • 21

    Os membros da classe trabalhadora, expelidos da formalidade pelo novo

    modelo, no conseguem vender sua fora de trabalho e s lhes resta a possibilidade de encontrar

    os meios de subsistncia alternativos mediante uma atividade por conta prpria sem, contudo

    conquistarem a autonomia proporcionada pela propriedade dos meios de produo. Ou seja, os

    trabalhadores informais restam totalmente subordinados dinmica selvagem do mercado

    (ANTUNES, 2004).

    Sobre a postura do Estado de incentivar essa independncia sob a falcia da

    conquista da autonomia pelo trabalhador temos:

    Chamar trabalhador por conta prpria de empresrio serve para mascarar processos de extrao de mais-valia, e mesmo quando se trata de pequenos patres, no os torna capitalistas, porque no usa todo o seu tempo para apropriao, ou seja, controle do trabalho alheio e venda dos produtos desse trabalho. (MARX, 1980 apud TAVARES, 2002)

    Os pressupostos do novo padro agravam a questo social e limitam a

    capacidade do Estado de enfrent-la. A crise dos mercados de trabalho se revela pelo aumento do

    gasto pblico com polticas de proteo ao emprego, desemprego e aposentadoria. Para atender as

    demandas produzidas ou aumentadas pela recesso entre 1990 e 1992, o Estado desenvolve

    polticas de enfrentamento do desemprego, principalmente de intermediao e qualificao

    profissional, voltadas mais para a minoria vinculada ao setor formal da economia. Polticas estas

    de carter compensatrio, de baixa efetividade e eficcia, que continuaram fragmentadas e

    pulverizadas e contando com escassos recursos pblicos.

    H necessidade de que o Estado desenvolva tambm polticas para atender ao

    novo modelo de mercado de trabalho gerado: informal, de autoemprego e prticas de Economia

    Solidria, que se articula s diversas cadeias produtivas de forma estratgica para o capital;

    porm sem oner-lo com custos de proteo e direitos sociais, nesse caso transferidos para o

    Estado. Este seria o preo de atender aos interesses de promoo de competitividade e

    flexibilidade das economias abertas.

    Abandona-se o modelo fundado na qualificao e especializao para o trabalho

    e foca-se no profissional com habilidades mltiplas e capacidade de desempenhar vrias tarefas,

    como condio para atender aos interesses de explorar cada vez mais o sobretrabalho do

  • 22

    trabalhador, aprofundando a desestruturao do mercado de trabalho, justificada pela necessidade

    cada vez maior de acumulao do capital. Essa focalizao no indivduo decorrente da

    substituio da poltica do pleno emprego pela do mercado de trabalho, com a finalidade de

    deslocar o crescente desemprego e a excluso social da esfera de responsabilidade do Estado para

    a do indivduo (ANTUNES, 2004).

    No mbito das polticas pblicas de emprego e desenvolvimento cria-se a

    SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidria, com o objetivo de incentivar e

    desenvolver as prticas populares de Economia Solidria nascidas no seio da sociedade civil, de

    forma articulada com a sociedade. Essa articulao ocorre majoritariamente com o atualmente

    denominado Terceiro Setor4, que assume a execuo propriamente dita das aes, sem que o

    Estado estenda qualquer tipo de proteo social vinculada s polticas pblicas de trabalho a esse

    segmento de trabalhadores, estratgico aos interesses do capital porque articulado com as

    diversas cadeias produtivas. Assim, a poltica neoliberal de desregulamentao e adequao das

    condies econmicas e sociais s leis do mercado obedece garantia de ampliao do processo

    de acumulao do capital.

    A fragmentao da classe trabalhadora pela subproletarizao do trabalho e a

    ampliao do trabalho informal precrio provocaram grandes impactos na vida dos trabalhadores,

    colocando-os em situao de vulnerabilidade social e transferindo a responsabilidade por sua

    manuteno e reproduo ao indivduo e sua famlia. Nesse contexto, as polticas de proteo no

    contributivas leiam-se programas de transferncia de renda executados pela assistncia social e

    pautados na garantia do direito sobrevivncia passaram a se ocupar da populao

    economicamente ativa no absorvida pelo mercado formal de trabalho, ou obrigada a aceitar

    salrios insuficientes para a sobrevivncia em decorrncia de fatores citados anteriormente, como

    a financeirizao do capital, da convergncia das convenes internacionais para o Estado

    mnimo e da desregulamentao do trabalho pelos estados nacionais.

    4 Ser discutido no captulo III.

  • 23

    2.3 A INFORMALIZAO DAS RELAES DE TRABALHO E AS POLTICAS PBLICAS DE

    EMPREGO

    Segundo Barbosa (2006), o termo informal no contexto da reestruturao

    produtiva refere-se atividade econmica caracterizada por:

    a) unidades produtivas baseadas no descumprimento de normas e legislao

    concernente a contratos, impostos, regulaes e benefcios sociais;

    b) ocupaes sem proteo social, garantias legais e estabilidade, sendo

    recorrente ainda o fato de serem atividades de baixa produtividade e baixos

    salrios, quando no se realizam sem remunerao por ao de familiares e

    autoemprego.

    Dados do IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica informam que o

    saldo de empregos formais (com carteira de trabalho) entre 2003 e 2004 era de 23 mil e de

    informais 240 mil. Ento, para cada emprego formal criado, mais de dez informais

    corresponderam, significando que a recuperao do mercado de trabalho de que se fala ocorre

    sem carteira de trabalho.

    Barbosa (2006) considera os dados alarmantes quando comparados com o

    nmero de desempregados divulgado pelo IBGE, da ordem de 2,5 milhes, somados aos cerca de

    2,8 milhes que j no procuram mais emprego por desalento e que no so considerados na

    populao economicamente ativa. Agregados a isso, dados do DIEESE Departamento

    Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos baseados no Cadastro Geral de

    Empregados e Desempregados CAGED do Ministrio do Trabalho de 2004, apontam a

    evoluo do percentual dos trabalhadores formais que ganham entre e dois salrios mnimos,

    passando de 68% em 2002 para 72,13% no primeiro semestre de 2004, confirmando o

    achatamento salarial e a substituio de trabalhadores por outros que ganhem at 40% menos. Ou

    seja, h uma subjugao do trabalhador que no possibilita o crescimento da renda para poupana

    e consumo e o consequente crescimento sustentvel da economia.

    De acordo com a Fundao Getlio Vargas, 60% da populao

    economicamente ativa do Brasil esto na informalidade, que no pode ser considerada transitria;

    deixou de ser considerada exceo e excedente de perodos recessivos e passou a ser configurada

  • 24

    como forma produtiva acoplada aos processos de trabalho que dela se servem, casando modernas

    prticas de economia e processos arcaicos, numa combinao de formatos de produo

    econmica e reproduo social.

    Nesse cenrio de transformao acelerada do mundo do trabalho a partir da

    dcada de 1990, a poltica pblica a ele relacionada composta por um conjunto de programas de

    governo dirigidos ao mercado de trabalho nacional denominada tradicionalmente de Sistema

    Pblico de Emprego e tem como objetivos: a) combater os efeitos do desemprego atravs de

    transferncia de renda pelo Seguro-Desemprego; b) requalificar a mo de obra para reinseri-la no

    mercado e intermediar sua colocao; e c) estimular ou induzir a gerao de novos postos de

    trabalho, emprego e renda por meio da concesso de crdito facilitado para empresas ou

    trabalhadores na auto-ocupao ou ocupao associada/ cooperativada.

    Porm a taxa de desemprego no Brasil se mantm em patamares elevados desde

    meados da dcada de 1990, alm do grande contingente de trabalhadores que se situam margem

    da proteo do mercado de trabalho; o que atesta que, apesar de existirem h mais de quatro

    dcadas programas e polticas de proteo ao trabalhador, as mesmas apresentam grandes

    problemas.

    A impossibilidade capitalista de manter o pleno emprego e a proteo social

    universal (que, de fato, o Brasil nunca atingiu), protegendo o trabalhador e o vigor do mercado,

    levou o Estado nos anos 90 a investir nas ditas polticas passivas, ou pelo lado da oferta de

    trabalho, que so os programas de Seguro-Desemprego e intermediao de mo de obra e

    formao profissional respectivamente, que se tornam compensatrios e de baixa eficcia. Tudo

    isso em detrimento de polticas ativas pelo lado da demanda, renunciando possibilidade de

    melhoria do potencial macroeconmico de gerao de postos de trabalho e de melhoria das

    ocupaes a partir de polticas pblicas de emprego, trabalho e renda. O que, em verdade, visava

    a flexibilizao do mercado de trabalho e transmutava o trabalho em no- direito, tornando sua

    realizao uma questo de mrito e competncia individual.

    A nosso ver, entre os principais problemas para a efetivao da proteo,

    considerando a esmagadora maioria de trabalhadores em situao de informalidade, est a

    exigncia do vnculo assalariado contributivo como critrio de acesso ao Seguro-Desemprego, o

    principal programa do Sistema, que o limita a apenas um subconjunto dos trabalhadores. Alm

    disso, a estrutura de financiamento prpria da rea reprime a capacidade de gasto, uma vez que

  • 25

    fundada na arrecadao da renda do trabalho como o caso do FAT Fundo de Apoio ao

    Trabalhador, mantido com recursos do PIS/PASEP (uma parte sobre o faturamento das empresas

    e outra sobre a folha de salrios); e que tambm destina uma parte significativa, equivalente a

    20% da arrecadao, para financiamento do gasto pblico. Hoje essa fonte suficiente apenas

    para cobrir o Seguro-Desemprego e o abono salarial. Os outros programas esto na dependncia

    de recursos contingenciveis do oramento fiscal, casos dos programas recm criados no

    Ministrio do Trabalho e Emprego: Primeiro Emprego e Economia Solidria.

    Alm desses programas, na dcada de 90 tiveram incio outros. Entre 1996 e

    2002 foi executado o PLANFOR Programa Nacional de Formao Profissional, substitudo em

    2003 pelo PNQ Plano Nacional de Qualificao, com o objetivo de combater os efeitos da

    globalizao da economia, da reestruturao produtiva e da Reforma do Estado sobre o mercado

    de trabalho, alm dos dilemas do pas na educao profissional. Tambm entraram em cena o

    PROGER Programa de Gerao de Emprego e Renda e o PROEMPREGO Programa de

    Emprego, todos com recursos do FAT e considerados por Souza (2005) como ineficazes e de

    revalorizao da tica individualista, como se somente a qualificao dos trabalhadores fosse

    soluo para o problema do emprego e da competitividade, independente dos fatores econmicos.

    Sob os auspcios de organismos multilaterais como OIT Organizao

    Internacional do Trabalho, OCDE Organizao de Cooperao para o Desenvolvimento

    Econmico, Banco Mundial e FMI, buscou-se focar as estratgias de insero em grupos

    socialmente vulnerveis atravs de programas dirigidos, como aos jovens, por exemplo,

    deixando, porm, o trabalhador ainda refm de um mercado de trabalho extremamente desigual.

    Foram associados aos programas tradicionais os programas de gerao de

    trabalho e renda pelo empreendedorismo, financiados pelo CODEFAT Conselho Deliberativo

    do Fundo de Amparo ao Trabalhador e pelo PROGER. Contudo, de eficcia questionvel em

    razo do momento de baixo crescimento econmico que no favorecia a perenidade das

    iniciativas e pela dificuldade de acesso ao crdito, imposta pelas instituies financeiras federais

    que exigiam garantias semelhantes s exigidas pelas entidades financeiras privadas, alm da

    exigncia de juros oficiais de patamar elevado e o impedimento de gastos a fundo perdido:

  • 26

    A tendncia dos bancos oferecer crditos s atividades e empreendimentos de menor risco e maior lucratividade aparente, e no necessariamente a projetos com maior potencial de criao de empregos os segmentos com maior dificuldade de acesso ao crdito. Por isso, no exagero dizer que as polticas e programas de fato de gerao de mais e melhores empregos no pas ainda no esto sob o alcance do SPE atualmente existente no pas. (SOUZA, 2005)

    Como consequncia, esses programas de poltica ativa esto sendo financiados

    integralmente com outros recursos fiscais.

    Segundo Souza, as polticas citadas so consideradas como uma modernizao,

    dirigidas para a empregabilidade fundada na competncia e ligada dimenso subjetiva do

    indivduo. Uma empregabilidade, assim, focada no conceito toyotista de habilidades e

    competncias, onde a qualificao para uma maior produo no implica em compensao

    salarial; ao contrrio do modelo fordista, no qual o aumento do conhecimento tcnico e da

    responsabilidade significava promoo e aumento de salrios. Esse deslocamento da qualificao

    para a competncia se resume pelos componentes da empregabilidade destacados nos Planos, que

    so: aptido profissional, disposio para aprender continuamente e capacidade de empreender.

    Essa noo de competncia centrada nas habilidades bsicas do trabalhador, e que servem

    tambm para transform-lo em cidado produtivo por criar alternativas no mbito da autogesto,

    dando-lhe autonomia e mobilidade em curto prazo e com baixo custo, tambm pode ser entendida

    como estratgia de reduo de pobreza e economia de recursos.

    Essas polticas, entretanto, quando interpretadas no contexto das mudanas da

    poltica econmica iniciada nos anos 90, combinam com as estratgias de governo de apoio

    desregulamentao social do trabalho, impostas pelo movimento econmico mundial e traduzidas

    pelo Plano de Reforma do Aparelho do Estado iniciado na dcada de 1990, conforme veremos na

    prxima seo.

    2.4 AS MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO

    Para compreender a abrangncia das mudanas na economia mundial e

    relacionar seus efeitos no Brasil, produzindo um mundo do trabalho paralelo e margem da

  • 27

    proteo social, apesar de funcional aos interesses do capital, vamos discutir nesta seo os

    fundamentos polticos da produo legislativa referente flexibilizao do mercado de trabalho,

    assim como do interesse poltico no incentivo transferncia de responsabilidades de execuo

    de programas de polticas pblicas sociedade civil, aqui compreendida como o setor privado,

    majoritariamente sem fins lucrativos. Essa direo importante no sentido de possibilitar a viso

    das razes do crescimento da informalidade e do Terceiro Setor nas ltimas duas dcadas,

    ancorado, muitas vezes, em regulamentos que no respeitam a legislao fundamental, ou ainda,

    na falta de disposio de produzi-los.

    A dcada de 1980 no Brasil ficou marcada pela abertura poltica aps um

    perodo de mais de vinte anos de ditadura militar. O momento de redemocratizao do pas levou

    construo, em 1988, de uma Constituio com caracterstica de promotora de avanos em

    termos de direitos sociais, mas de fundo reformista e anacrnica com o momento econmico

    mundial neoliberal e globalizado, que

    se traduz essencialmente na tentativa de fazer coexistir, e mesmo conciliar, de modo que se tornem noes reciprocamente implicadas o fortalecimento da atuao (e da eficincia) estatal e a emancipao da sociedade civil. Esta, reconhecida na sua pluralidade, reivindica do Estado a efetivao de direitos sociais em nome da igualdade de oportunidades e da cidadania como condio de sua legitimidade [...] atravs do planejamento conseqente e responsvel das polticas pblicas. Polticas pblicas aqui tratadas como determinaes do Estado, atravs de programas de ao para atingir o bem comum. (BENTO, 2003, p. 10)

    Ocorre que na esteira do movimento econmico neoliberal, a definio das

    funes do Estado e a consequente forma de administr-lo sofreram evolues e exigiram a

    introduo de novos conceitos e ferramentas de gesto pertinentes; sem, contudo, abandonar a

    lgica capitalista de subordinao funcional do poltico ao econmico, de primazia do pleno

    funcionamento do mercado e seus mecanismos de autorregulao em detrimento da justia social.

    A Constituio Federal passou, ento, a ser atacada como perdulria e atrasada

    para justificar a obstaculizao ou redirecionamento das conquistas nela inscritas, levando a uma

    reconfigurao das polticas sociais pautada na reestruturao produtiva de hegemonia neoliberal

    que modificou a organizao e provocou o aprofundamento das mazelas do mundo do trabalho: o

    desemprego de longa durao, a precarizao das relaes de trabalho, a ampliao da oferta de

    empregos intermitentes, em tempo parcial, temporrios, instveis e no associados a direitos,

  • 28

    alm de limitar o acesso aos direitos derivados de empregos estveis (BEHRING, 2007).

    Agregue-se a isso o almejado aumento das taxas de lucro lquido empresarial,

    decorrentes muito mais da reduo dos salrios e da queda dos ndices de emprego do que do

    aumento da produtividade; a diminuio do investimento produtivo e o aumento da poupana

    com transferncia dos investimentos do setor produtivo para o setor financeiro e de servios,

    significando a reduo dos postos de trabalho; a diminuio da contribuio social que financia o

    sistema de proteo social e implica na reduo de gastos com ela; e o aumento da arrecadao de

    impostos indiretos que oneram toda a populao e penalizam mais os trabalhadores com

    rendimentos mais baixos e reduo de impostos diretos.

    Sucede, assim, um desmonte da rea social justificado por uma poltica de

    governo de privatizao, focalizao/seletividade e descentralizao; de transferncia de

    responsabilidades para a sociedade civil expandida pelo Programa de Publicizao. Embora no

    final dos anos 80 j tenha sido engendrada uma reorganizao da administrao, ela ainda foi

    muito mais enfocada na burocracia e na superao do patrimonialismo do que na modernidade e

    competitividade do mundo globalizado. s a partir de 1994 que o Poder Executivo vem, de

    forma mais consistente, implementar mudanas nas condies de regulao e regulamentao do

    mercado de trabalho brasileiro no sentido de sua desregulamentao e flexibilizao. Apesar de

    parecerem pontuais por sua digresso no tempo, se observadas de uma perspectiva

    macroeconmica percebe-se que essas iniciativas do Poder Executivo esto de acordo com as

    diretrizes dos marcos da reforma do Estado.

    2.5 A REFORMA ADMINISTRATIVA

    H mais de duas dcadas vm ocorrendo transformaes scio-econmicas em

    escala internacional pela acelerao do processo de globalizao produtiva e financeira, quando o

    crescimento do desemprego e das desigualdades sociais deixou de ser problema apenas dos pases

    em desenvolvimento5.

    5 Metas acordadas no Consenso de Washington, onde o Banco Mundial e o FMI apresentaram exigncias para sanar as deficincias financeiras da Amrica Latina, fazendo com que esta pudesse se estabilizar e aumentar sua

  • 29

    No Brasil, as transformaes nos planos econmico e social tiveram incio entre

    o final dos anos 80 e o princpio dos 90, mas deslancharam a partir de 1995 com a proposta da

    reforma administrativa do Estado de Bresser Pereira, que se declara de natureza gerencial. Na

    realidade, uma reforma do aparelho do Estado com caractersticas fortemente privatizantes

    consoantes com a poltica neoliberal dominante, de obstaculizao e ou redirecionamento das

    conquistas da Constituio de 1988 e que causou o aprofundamento da questo social com o

    desemprego e a violncia.

    No Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE) enviado ao Congresso

    Nacional em 23 de agosto de 1995 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, consta que a

    funo do Estado deve ser coordenar e financiar as polticas pblicas e no execut-las, conforme

    segue:

    [...] Devemos socializar com a iniciativa privada a responsabilidade de diminuir as mazelas provocadas pelo mercado, [...] se o Estado no deixar de ser produtor de servios, ainda que na rea de polticas pblicas sociais, para ser agente estimulador, coordenador e financiador, ele no ir recuperar a poupana pblica.

    Abrimos parnteses para destacar a utilizao do termo reforma pelo Estado

    neoliberal como apropriao indevida do termo cunhado pela social democracia no contexto de

    crise do capitalismo no incio do sculo XX, e que justificou a interveno do Estado nas relaes

    entre capital e trabalho. No momento de mudanas que visam o afastamento do Estado dessa

    relao corroboramos o entendimento de Behring e Boschetti (2007) de que esse movimento tem

    a caracterstica de uma contrarreforma, porque caracterizado pela supresso dos direitos

    adquiridos pelos trabalhadores no modelo de Estado social.

    Seguem os quatro componentes bsicos da reforma do Estado de Bresser

    Pereira na dcada de 90:

    competitividade no mercado internacional e propunha: cortes nos salrios dos funcionrios pblicos, demisses, cortes nos investimentos sociais, reforma da previdncia social, desonerao do capital especulativo, privatizaes das estatais e flexibilizao dos contratos de trabalho. O importante para os pases ricos era garantir que os pases devedores pudessem pagar seus dbitos. Na flexibilizao exigida, no se levava em conta o fim social das leis, mas o livre mercado, a abertura econmica, a riqueza produzida e no sua distribuio.

  • 30

    (a) a delimitao das funes do Estado, reduzindo seu tamanho em termos principalmente de pessoal, atravs de programas de privatizao, terceirizao e publicizao (este ltimo processo implicando na transferncia para o setor no-estatal dos servios sociais e cientficos que hoje [na poca] o Estado presta); (b) a reduo do grau de interferncia do Estado ao efetivamente necessrio, atravs de programas de desregulao que aumentem os mecanismos de controle via mercado, transformando o Estado em um promotor da capacidade de competio do pas em nvel internacional, ao invs de protetor da economia nacional contra competio internacional; (c) aumento da governana do Estado, ou seja, da sua capacidade de tornar efetivas as decises do governo, atravs do ajuste fiscal, que devolve a autonomia financeira ao Estado, da reforma administrativa rumo a uma administrao pblica gerencial (ao invs de burocrtica), e a separao, dentro do Estado, entre a formulao de polticas pblicas e a sua execuo; (d) o aumento da governabilidade, ou seja, do poder do governo, graas existncia de instituies polticas que garantam uma melhor intermediao de interesses e tornem mais legtimos e democrticos os governos, aperfeioando a democracia representativa e abrindo espao para o controle social ou a democracia direta. (CARDOSO JR; FERNANDES, 2000)

    Esses princpios serviram para nortear as transformaes recentes nas polticas

    sociais, com o desmonte precoce de um arcabouo institucional montado tardiamente, baseado no

    modelo de Estado de Bem-Estar.

    A reforma proposta divide o Estado em quatro setores, a saber:

    1 Ncleo estratgico: governo define leis e polticas pblicas e cobra o cumprimento das aes estratgicas. Integrado pelo Executivo, Legislativo, Judicirio e Ministrio Pblico; 2 Atividades exclusivas: servios que s o Estado pode prestar, como regulamentar, fiscalizar, fomentar; 3 Servios no exclusivos: onde o Estado atua em conjunto com outras organizaes pblicas no estatais ou privadas, sem o objetivo de lucro, como educao e sade; 4 Produo de bens e servios para o mercado: atividades econmicas, visando lucro, que esto com o Estado pela dificuldade de controle via mercado, como infra-estrutura. (COSTA, 1998)

    A marca da proposta a clara distino entre atividades exclusivas e no

    exclusivas do Estado e a orientao gerencial para a efetividade das aes, mas que pela

    caracterstica reformista e no revolucionria, no consegue estabelecer uma ruptura com os

    modelos administrativos anteriores, sejam patrimonialista ou burocrtico, que continuam

  • 31

    permeando todo o aparato administrativo brasileiro.

    Como resposta crise fiscal, exausto do modelo de substituio das

    importaes e ao centralismo administrativo ocorrido na dcada de 1980, o discurso de

    reconstruo do Estado pela busca de autonomia financeira e a retomada da capacidade de

    implementar polticas pblicas. Segundo Lcia Cortes da Costa (1998), o que ocorre, porm,

    um desmonte da rea social e uma prtica absolutista de supremacia do Executivo com opo por

    governar por medidas provisrias.

    A reforma sofreu duras crticas, tendo sido encarada como uma mera forma de

    ataque e desmonte do funcionalismo pblico e endeusamento da eficincia do setor privado, com

    a incorporao do discurso da qualidade total da esfera privada e tentativa de introduo dos

    riscos do mercado livre do trabalho ao setor pblico. Alm de denominar de publicizao a

    transformao de deveres constitucionais do Estado em responsabilidade da sociedade civil,

    atravs da colocao do Estado como subsdio das aes que seriam ofertadas por agncias

    privadas a ttulo de servios bsicos. Seus crticos advogam que a elevao da eficincia do setor

    pblico, justificativa da reforma, deve passar necessariamente por uma alterao nos nveis de

    sobrevivncia da populao brasileira que depende do processo de redistribuio da renda.

    Pode-se observar que o fio condutor que uniformiza e regula as mudanas em

    praticamente todas as reas sociais de concepo mais gerencial que planificadora,

    descentralizada e focalizada. A formatao da poltica social se orienta, primeiramente, pela

    gradual diminuio do ritmo de crescimento dos gastos sociais, considerados elevados em relao

    ao PIB, e enfatizao da eficcia e eficincia na aplicao dos mesmos. Como consequncia

    dessa orientao, um aprimoramento dos mecanismos de descentralizao e focalizao dos

    programas sociais, para transferir parte das responsabilidades federais aos estados, municpios e

    outros segmentos da sociedade civil como sindicatos, ONG, comunidades locais etc., na

    execuo das aes sociais finalsticas.

    Em segundo lugar, a focalizao das aes e recursos sobre as parcelas da

    populao mais vulnerveis, para combater as consequncias mais visveis da pobreza com base

    na minimizao da relao custo-benefcio e grau de seletividade do pblico-alvo, aumentando o

    poder de eficcia e eficincia dos programas governamentais.

    Uma terceira orientao da reforma do Estado em relao poltica social foi

    seu deslocamento da produo de bens e servios sociais pblicos para a atividade de regulao,

  • 32

    priorizando a gesto e o controle de sua produo pelo mercado privado, principalmente nos

    setores de sade, educao e previdncia (CARDOSO JR; FERNANDES, 2000).

    Esse novo modelo de Estado apresentado como promotor do desenvolvimento

    molda, assim, novas diretrizes para as polticas sociais. No que tange ao trabalho, o Estado

    emerge das reformas dos anos 90 como agenciador da desestruturao do mercado porque o

    desemprego, somente, no era mais capaz de balancear os nveis de explorao do trabalho. Com

    a transformao econmica e decorrente diminuio dos postos de trabalho, a alternativa de

    rentabilidade do capital passou a ser a diminuio dos custos sociais do trabalho, submetendo os

    trabalhadores penria econmica e instabilidade social.

    Neste captulo foram apresentados os fundamentos econmicos e polticos da

    precarizao e da desregulamentao das relaes de trabalho. Com eles no pretendemos exaurir

    o assunto, mas estabelecer uma base para o entendimento da flexibilizao da legislao

    trabalhista. Flexibilizao esta que, visando desonerar o capital do custo de proteo social do

    trabalhador, ampliou a informalizao existente, bem como o custo do Estado na manuteno do

    grande contingente de excludos do mercado formal. Embora esse aumento do contingente de

    excludos no tenha representado um aumento significativo dos investimentos em polticas de

    assistncia social, ou efetivamente na gerao de emprego e renda no sentido de recuperar a

    capacidade produtiva e a incluso no mundo do trabalho, mesmo porque incompatveis com as

    exigncias do capital e com a poltica fiscal adotada: no existe arrecadao suficiente de

    impostos para bancar a mquina pblica, a dvida interna e as polticas sociais.

    Esse entendimento dos vnculos entre economia, poltica e trabalho vai permitir

    acompanhar a anlise da legislao do trabalho que empreenderemos no prximo captulo, com o

    propsito de demonstrar sua instrumentalidade e compreender como se concretizaram os planos

    de flexibilizao das relaes de trabalho e consequente crescimento do mercado informal, no

    qual se inserem os empreendimentos de Economia Solidria objeto deste estudo.

  • 33

    3 CAPTULO II: AS MUDANAS NA LEGISLAO TRABALHISTA

    A legislao trabalhista brasileira no nasceu de uma revoluo burguesa, mas

    de uma modernizao conservadora com diversificao da economia brasileira na dcada de 1930

    trazendo consequncias para os trabalhadores, pois estavam pendentes a regulamentao do

    trabalho e o enfrentamento da questo social, at ento vista como questo de polcia. Para dar

    um salto na economia e impulsionar as outras oligarquias e a indstria, Getlio Vargas combina

    uma forte iniciativa poltica de regulamentao das relaes de trabalho mediando a luta de

    classes e impulsionando a criao do Estado Social que perdura at a dcada de 1980, quando os

    efeitos das grandes transformaes capitalistas internacionais comeam a exigir uma nova

    postura com relao ao mercado de trabalho nacional.

    Neste captulo, apresentamos uma anlise da legislao trabalhista

    predominantemente dos anos 90, procurando relacionar causas e consequncias de sua existncia

    de acordo com a transformao das relaes de trabalho.

    3.1 OS PRESSUPOSTOS DAS MUDANAS NA LEGISLAO TRABALHISTA

    O fundamento jurdico da flexibilizao se encontra nos princpios da clusula

    rebus sic stantibus, ao pretender que as normas e condies das relaes de trabalho, como em

    outros tipos de contratos, se ajustem aos ditames das mutaes econmicas e sociais, elevando,

    reduzindo ou mesmo suprimindo bases e vantagens concedidas aos trabalhadores. Dessa forma,

    sob a justificativa da necessidade de acompanhar a nova realidade mundial que dita novas regras

    de competio no mercado, so apresentados trs pressupostos da flexibilizao contra os quais

    no se poderia lutar.

    O primeiro pressuposto o desenvolvimento tecnolgico e o aumento da

    produtividade, considerados indispensveis no atual cenrio de competitividade. Ou seja, o

    surgimento de novas tecnologias, traduzidas em mquinas para aumentar a produtividade. Sobre

    esse pressuposto, Ricardo Antunes (2004) conclui que a automao, a robtica e a

  • 34

    microeletrnica, ou seja, a chamada revoluo tecnolgica tem um evidente significado

    emancipador, desde que no seja regida pela lgica destrutiva do sistema produtor de

    mercadorias, mas sim pela sociedade do tempo disponvel e da produo de bens socialmente

    teis e necessrios. A ele caberia perguntar: mas em que mundo vivemos?

    Observando o resultado de mais de 20 anos desse processo sobre o mundo do

    trabalho, vemos como mais realistas as palavras da economista Maria da Conceio Tavares

    (1999) que entende que a introduo de novos equipamentos e mtodos de produo tendem a

    reduzir o coeficiente de emprego por unidade de produto, onde ter-se-ia como contrapartida o

    aumento da produtividade do trabalho, ou seja, se no extingue empregos, tambm no os cria,

    ou no o faz na mesma proporo que os elimina.

    A globalizao o segundo pressuposto incitador da flexibilizao que,

    segundo Roberto Campos (1997), teve seu apogeu nos anos 1989/91. Ela se caracteriza pela

    abertura do comrcio e eliminao de barreiras para acelerar os processos de trocas entre as

    naes do mesmo e de outros continentes, atravs da organizao em blocos para expanso de

    mercados e maior e mais rpido desenvolvimento, tratando-se de um processo irrefrevel de

    integrao e intercmbio internacional envolvendo as pessoas, as empresas e as naes como um

    todo, nos aspectos poltico, cultural e econmico. Na realidade, a nosso ver, um processo de

    submisso dos pases em desenvolvimento, premidos pela necessidade imperiosa de integrao

    ao mercado internacional, s regras impostas pelos credores do capitalismo central.

    Destacam-se como terceiro pressuposto da flexibilizao da legislao

    trabalhista aspectos de ordem econmica. Embora grandes juristas como Dorval de Lacerda,

    Evaristo de Moraes Filho, Orlando Gomes, entre outros, defendam veementemente a autonomia

    do Direito do Trabalho, concordamos com Amauri Mascaro Nascimento (1993) que, como

    mostramos neste trabalho, diz que h uma ligao intrnseca deste com a economia, uma vez que

    os fatos econmicos influenciam no Direito do Trabalho e o Direito do Trabalho influencia a

    ao destinada produo de bens e distribuio de riquezas, uma vez que as solues das

    questes dizem respeito s relaes existentes entre os homens enquanto produtores.

    A elaborao desses pressupostos uma tentativa de criar conceitos anteriores

    prpria flexibilizao para explicar a imposio de diminuir custos devido liberalizao

    comercial e necessidade de atingir nveis de competitividade adequados aos padres

    internacionais, s mudanas tecnolgicas em andamento e seus reflexos sobre a organizao do

  • 35

    trabalho, como a perda do poder sindical em virtude da maior elasticidade da demanda de

    trabalho, do cenrio econmico recessivo e para que a empresa possa ajustar os nveis de salrios

    segundo sua produtividade e/ou capacidade de pagamento, e oferecer empregos que atendam a

    variao da demanda.

    3.2 AS MUDANAS NAS RELAES DE TRABALHO

    No mundo do trabalho brasileiro o objetivo do governo , entre outros,

    atualizar a legislao trabalhista e torn-la mais compatvel com as novas exigncias do

    desenvolvimento nacional, de maneira a favorecer a democratizao das relaes de trabalho,

    adequando-a e conferindo maior efetividade s leis em face das transformaes do mundo

    capitalista e da elevao do capital financeiro hegemonia e consequente determinao da nova

    dinmica de acumulao flexvel do capitalismo (SOUZA FILHO, 2004).

    O estabelecimento de mercados de trabalho flexveis tambm entendido como

    elemento-chave para a reduo do desemprego, ou ainda como fator primordial para as empresas

    serem competitivas e se adaptarem continuamente a mudanas no mercado e inovaes

    tecnolgicas (OSAK, 2000).

    Essa dita acumulao flexvel se apoia na flexibilidade dos processos e dos

    mercados de trabalho, incidindo na reestruturao produtiva, poltica e cultural de acordo com a

    lgica toyotista em contraponto lgica fordista anterior e, segundo Souza Filho,

    impondo momentos de grande desemprego e enfraquecimento do poder sindical, regimes e contratos de trabalho mais flexveis, desregulamentando dessa forma a relao trabalho-capital e acentuando a precarizao do trabalho com a terceirizao, os contratos temporrios, o banco de horas, a reduo da jornada de trabalho com reduo salarial entre outros aspectos que foram incorporados s relaes de trabalho e que ampliam a inseguridade tpica da fora de trabalho como mercadoria, num mundo continuamente invadido por novas tecnologias flexveis de produo como a micro-eletrnica, a tecnologia digital e a robtica. (SOUZA FILHO, 2004)

    O quadro seguinte, extrado do trabalho de Cacciamali e Britto (2002),

    demonstra de que forma foi engendrada a flexibilizao no mundo do trabalho brasileiro na

  • 36

    dcada de 90, dita neoliberal.

    Destacamos, contudo, que a literatura indica que o crescimento do nvel do

    emprego est mais associado ao crescimento da demanda efetiva do que reduo dos custos de

    mo de obra, pois os pases nos quais os governos efetuaram reformas laborais com vistas

    maior flexibilizao das relaes de trabalho no apresentaram expanso do nvel de emprego

    sem a presena do aumento da demanda efetiva; e nos pases da Amrica Latina sob estas ltimas

    condies o nmero de assalariados informais, sem contrato registrado, no diminuiu

    (CACCIAMALI; BRITTO, 2002).

  • 37

    Tipos de componentes

    dos contratos

    FORDISTA FLEXVEL

    Durao Indeterminada. Diferentes arranjos.

    Local Fixo e subordinado diretamente a

    um nico empregador.

    Pode variar e estar subordinado

    indiretamente a diferentes

    empregadores.

    Jornada Determinada, padronizada e em

    tempo integral.

    Varivel, no padronizada e pode

    ser em tempo parcial.

    Horas extras Utilizadas. Remunerao maior

    imposta pela legislao.

    Prticas de compensao de horas.

    Hierarquia Definida. Predominncia de nveis

    verticais.

    Definida. Predominncia de

    equipes e nveis horizontais.

    Funes e atividades Bem definidas. Polivalncia.

    Organizao do trabalho Hierarquizada. Valorizao da

    senioridade.

    Flexvel, exigindo formao

    profissional continuada.

    Salrio Fixo. Fixo adicionado de componente

    varivel ou somente varivel.

    Aumentos salariais Peridicos, vinculados a

    produtividade e indexados aos

    ndices de preos ao consumidor.

    Descontnuos, associados a metas,

    resultados, qualidade,

    adaptabilidade ou bonificaes.

    Estabilidade Valorizada. Valorizada apenas para o ncleo

    duro dos trabalhadores.

    Resciso do contrato por

    parte do empregador

    Restries impostas pela

    legislao.

    Diminuio ou eliminao das

    restries impostas pela legislao.

    Negociao coletiva Centralizada ou por setores. Descentralizada, preferencialmente

    por empresa.

    Contratos coletivos Definio de um contrato

    modelo.

    Perda da importncia de um

    contrato modelo.

    Quadro 1 Modelos Fordista e Flexvel de Relaes de Trabalho Extrado de Cacciamali e Britto (2002).

    Bud (2008) corrobora esse entendimento afirmando que existem estudiosos

    do direito que acreditam na falcia neoliberal de que a reduo dos nveis de proteo do

  • 38

    trabalhador uma forma de gerar empregos, imaginando que o impedimento criao de novos

    postos so os encargos trabalhistas. No entanto, a partir do estudo de casos da

    Argentina, do Mxico, da Espanha, entre outros, pode-se perceber que o fato de

    liberalizar as relaes de trabalho no traz gerao de emprego, mas estagnao econmica.

    Apesar do discurso oficial de necessidade de flexibilizao para a criao de

    postos de trabalho via investimentos pblico e privado, o resultado desse novo modelo de

    reproduo do capital, ao qual o novo mundo do trabalho flexvel se submete, se caracteriza pela

    precarizao crescente, aumento do desemprego, reduo dos postos de trabalho e reduo dos

    direitos dos trabalhadores. Segundo Behring,

    Do ponto de vista econmico, as polticas que vm sendo implementadas pelo atual governo no rompem com o favorecimento do capital financeiro, no assumiram uma inteno radical de reestruturar a organizao do trabalho em favor dos trabalhadores e no caminham para uma efetiva socializao da riqueza produzida. (BEHRING, 2007, p. 197)

    Pochmann (2006) cita fontes da OIT (2000) e OCDE (1999) para evidenciar

    que as reformas trabalhistas, sem atingir os efeitos esperados, resultaram na precarizao do

    emprego e maior desproteo social. Desta forma, no h como afirmar que o rigor dos

    mecanismos institucionais de proteo do emprego possa comprometer a gerao de empregos.

    Ao contrrio, apesar da reforma trabalhista em progresso no Brasil desde meados da dcada de 90

    ter alcanado sucesso no sentido de tornar o mercado de trabalho bastante flexvel e ter diminudo

    a proteo social do emprego, no houve crescimento do nvel de emprego ou queda da taxa de

    desemprego. Mas constatou-se o crescimento da precarizao das condies e relaes de

    trabalho notado pela elevao da participao do emprego parcial [sem proteo trabalhista] no

    total da ocupao (POCHMANN, 2006, p.40).

    Podemos adiantar que, no processo inverso ao engendrado por Getlio Vargas

    nas dcadas de 1930 e 1940, de formalizao das relaes de trabalho, a poltica de flexibilizao

    adotada no Brasil teve como resultado uma alterao nas relaes de trabalho que pode ser

    avaliada atravs dos nmeros levantados na pesquisa de Noronha (2003). Em janeiro de 1991

    55% da fora de trabalho possuam carteira assinada; 20% eram trabalhadores autnomos

    registrados, 4,5% eram empregadores e 20% estavam no mercado informal. Em janeiro de 2001

  • 39

    os trabalhadores informais representavam 28,1%, e o percentual dos trabalhadores com carteira

    assinada tinha sido reduzido em 12,8%, representando ento 42,2% do mercado de trabalho.

    3.3 REFORMA TRABALHISTA E LEGISLATIVA

    Desde que o Brasil comeou a ser influenciado pela onda mundial neoliberal, os

    governos brasileiros definem a flexibilizao do Direito do Trabalho como o instrumento de

    poltica social caracterizado pela adaptao constante das normas jurdicas realidade

    econmica, social e institucional; mediante intensa participao dos trabalhadores e empresrios,

    para a eficaz regulao do mercado de trabalho, tendo como objetivo o desenvolvimento

    econmico e o progresso social.

    Aps a contextualizao da flexibilizao do Direito do Trabalho no Brasil,

    vamos atacar nesse item a interveno do poder federal sobre o mercado de trabalho brasileiro

    atinente aos marcos legais que regulam as condies de uso, remunerao e proteo da fora de

    trabalho, como a reforma da legislao trabalhista e fixao do novo salrio mnimo associada

    aprovao dos pisos salariais estaduais. Assim, veremos as formas e condies de regulao do

    Estado sobre o trabalho no Brasil e analisaremos as principais mudanas na regulamentao.

    Para entender a finalidade da interveno na legislao, fundamental entender

    que todo o Direito do Trabalho tem como princpio dois preceitos da Consolidao das Leis do

    Trabalho, a CLT. O primeiro inscrito no artigo 468, que define a impossibilidade de alteraes no

    contrato de trabalho que resultem em prejuzo ao empregado; e o segundo no artigo 9, que torna

    nulos os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicao dos

    princpios contidos na CLT, configurando, assim, irrenunciabilidade de direitos.

    Segundo Bud (2008), o que se pretende hoje com a flexibilizao

    exatamente poder impedir que se apliquem esses preceitos da CLT atravs da conveno ou

    acordo coletivo, mesmo que disso resulte a diminuio dos direitos dos trabalhadores em

    questo.

    Assim, as reformas estruturais ocorrem por mudanas na legislao para reduzir

    a participao do Estado de forma gradual, j que afetam profundamente a formatao das

  • 40

    polticas sociais. Essas mudanas no mercado de trabalho so divididas em quatro grupos,

    segundo a classificao de Pochmann (1995):

    a) condies do uso da fora de trabalho, que diz respeito contratao e a

    jornada de trabalho;

    b) condies de remunerao da fora de trabalho, ou seja, referentes a salrio

    mnimo, negociao coletiva e participao nos lucros e resultados;

    c) condies de proteo e assistncia ao trabalhador, que tange aos programas

    de gerao de renda e emprego institudos pelo governo, regras de fiscalizao

    das condies de trabalho, acesso ao FGTS e Seguro-Desemprego e

    possibilidade de licena para requalificao profissional;

    d) alteraes na Justia do Trabalho e reforma sindical.

    Enfim, Poltica e Direito se entrelaam e a atividade normativa vem sendo

    exercida de forma abundante pelo Poder Executivo para atender s exigncias de acumulao do

    capital no universo capitalista brasileiro. E para evitar resistncias, todo um arsenal jurdico

    posto em ao para restringir aes coletivas e sindicais. O quadro abaixo, inspirado nos estudos

    de Pochmann (2006), demonstra os principais produtos da gerao normativa