Produção e Consumo de Energia Elétrica

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UNIVERSIDADE DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO DEEC / Área Científica de Energia PRODUÇÃO E CONSUMO DE ENERGIA ELÉCTRICA Produção de Energia Eléctrica Prof. J.M. Ferreira de Jesus Março 2010

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Produção e Consumo de Energia Elétrica

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO

DEEC / Área Científica de Energia

PRODUÇÃO E CONSUMO DE ENERGIA ELÉCTRICA

Produção de Energia Eléctrica

Prof. J.M. Ferreira de Jesus

Março 2010

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1 INTRODUÇÃO – FUNDAMENTOS DA ENERGIA 1

1.1 FORMAS DE ENERGIA 2 1.2 UNIDADES E CONVERSÕES 6 1.3 TRABALHO E POTÊNCIA 9 1.4 CALOR 12 1.5 PRINCIPIO DA CONSERVAÇÃO DA ENERGIA 14 1.6 OFERTA E PROCURA DE ENERGIA 15 1.7 BIBLIOGRAFIA 20

2 PROPRIEDADES TERMODINÂMICAS DAS SUBSTÂNCIAS. 23

2.1 SUBSTÂNCIAS PURAS E SIMPLES. 25 2.2 SUBSTÂNCIAS INCOMPRESSÍVEIS. 49 2.3 COMBUSTÃO 51 2.4 BIBLIOGRAFIA 52 2.5 APÊNDICE 2.1: TABELAS VAPOR SOBREAQUECIDO. 53 2.6 APÊNDICE 2.2: TABELAS LIQUIDO COMPRIMIDO 57 2.7 APÊNDICE 2.3: TABELAS DE LIQUIDO SATURADO (TABELAS DE TEMPERATURA). 58 2.8 APÊNDICE 2.4: TABELAS DE LIQUIDO SATURADO (TABELAS DE PRESSÃO). 60 2.9 APÊNDICE 2.5: PROPRIEDADES DO AR COMO GÁS IDEAL. 62

3 CENTRAIS TÉRMICAS A VAPOR. O CICLO DE RANKINE. 65

3.1 RENDIMENTO TÉRMICO E CICLO DE CARNOT. 65 3.2 O CICLO DE RANKINE. 67 3.3 IRREVERSIBILIDADES E PERDAS. 72 3.4 REAQUECIMENTO. 74 3.5 REGENERAÇÃO. 75 3.6 CRITÉRIOS DE DESEMPENHO DAS CENTRAIS TÉRMICAS. 81 3.7 CALDEIRAS, TURBINAS E CONDENSADORES . 83 3.8 BIBLIOGRAFIA 92

4 CENTRAIS EQUIPADAS COM TURBINAS A GÁS. O CICLO DE BRAYTON. 93

4.1 O CICLO DE BRAYTON. 94 4.2 IRREVERSIBILIDADES E PERDAS 99 4.3 REGENERAÇÃO 104 4.4 AQUECIMENTO E ARREFECIMENTO INTERMÉDIO. 106 4.5 TURBINAS A GÁS 110 4.6 INTRODUÇÃO ÀS CENTRAIS DE CICLO COMBINADO. 112 4.7 BIBLIOGRAFIA 121

5 CENTRAIS HIDROELÉCTRICAS. 123

5.1 TURBINAS HIDRÁULICAS. 126 5.2 VELOCIDADES ESPECÍFICAS. 136

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5.3 ESCOLHA DO TIPO DE TURBINA PARA UM APROVEITAMENTO HIDROELÉCTRICO. 138 5.4 BIBLIOGRAFIA 142

6 CENTRAIS NUCLEARES 145

6.1 FUNDAMENTOS DA ENERGIA NUCLEAR 145 6.2 A CISÃO NUCLEAR 147 6.3 RADIOACTIVIDADE 151 6.4 TAXAS DE DECAIMENTO 153 6.5 ENERGIA DOS NEUTRÕES 156 6.6 SECÇÕES TRANSVERSAIS NUCLEARES 159 6.7 REACTORES NUCLEARES 167 6.8 CONTROLO DOS REACTORES NUCLEARES 174 6.9 BIBLIOGRAFIA 176

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1 Introdução – Fundamentos da Energia

Energia é a aptidão que a matéria possui de produzir trabalho e transferir calor. Esta aptidão assume formas diversas e manifesta-se de diferentes maneiras. Independentemente da forma que assume e da maneira como se manifesta, a energia permite caracterizar o estado de um sistema.

A energia contida na radiação electromagnética, a energia libertada numa reacção química, a energia nuclear que garante a ligação dos núcleos dos átomos, a energia mecânica, a energia térmica e a energia eléctrica são diferentes formas e manifestações da função de estado energia.

Qualquer que seja a forma que a energia assuma, é possível converte-la numa outra forma de energia. As energias mecânica, química e eléctrica podem ser integralmente convertidas em energia térmica. Contudo, a conversão de energia térmica em energia mecânica só parcialmente pode ser realizada, dependendo o rendimento desta conversão da diferença de temperatura entre o fluído de trabalho do sistema e o meio circundante: o rendimento de uma central a carvão situa-se entre 38 e 44%, enquanto que o rendimento dos motores de combustão interna e das turbinas a gás se situam entre 32 e 40%.

A conversão de uma forma de energia noutra ou na mesma forma de energia exige a realização de trabalho e/ou a transferência de calor. O trabalho pode assim ser visto como um dos meios utilizados para transferir energia de um sistema para outro sistema ou para o mesmo sistema. De salientar que o termo trabalho não qualifica o que está a ser transferido entre sistemas nem o que pode estar a ser armazenado nesses sistemas. A energia é transferida e armazenada quando se realiza trabalho e/ou se transfere calor.

A adaptação do Homem ao meio em que vive e a possibilidade do Homem actuar sobre esse mesmo meio, exigem que o Homem transforme energia e a converta numa forma que lhe seja útil. As formas de energia mais utilizadas pelo Homem são a energia térmica, mecânica e eléctrica.

Por forma a que o Homem converta a energia quando dela necessita, é necessário que esta esteja disponível, ou seja, que esteja armazenada.

Uma primeira classificação possível para as diferentes formas que a energia assume, refere-se à possibilidade de armazenamento, podendo assim agrupar-se as diferentes formas de energia em dois grandes grupos: energia armazenada e não armazenada. A energia química contida nos combustíveis fósseis, a energia interna de uma substância, a energia potencial associada à posição de uma massa num campo de forças (seja gravítico ou electrostático), constituem exemplos de energia armazenada. A energia cinética do vento, de um rio ou a energia térmica veiculada pela radiação solar, são exemplos de formas de energia não armazenadas.

Uma classificação diferente das várias formas de energia é a utilizada nas estatísticas que contabilizam o consumo energético dos Países. Estas

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estatísticas geralmente classificam as formas de energia em energia primária e energia final. Por energia primária entende-se a forma de energia não convertida como sejam a energia solar, a energia química dos combustíveis fósseis, a energia potencial e cinética dos recursos hídricos, a energia cinética do vento, etc.

Por energia final entende-se as formas de energia que se obtêm por conversão da energia primária, sendo a energia mecânica, a energia térmica e a energia eléctrica exemplos de energia final.

Uma outra classificação, hoje muito em voga, para as diferentes formas de energia, é a que agrupa as diferentes formas de energia em renováveis e não renováveis. Por energias não renováveis entendem-se as formas de energia que não são repostas durante o período de tempo correspondente ao tempo de vida do ser humano. Exemplos de formas de energia não renováveis são a energia química contida nos combustíveis fósseis, a energia dos combustíveis nucleares e a energia contida nos combustíveis artificiais como sejam o carvão gaseificado e o gás liquefeito.

Sob a denominação de energias renováveis agrupam-se as formas de energia que são repostas durante o período de tempo de vida do ser humano, como sejam as energias solar, hídrica, eólica, geotérmica, biomassa, ondas e marés.

1.1 Formas de Energia

Previamente a abordar a conversão da energia, é conveniente caracterizar algumas formas de energia com o objectivo de clarificar conceitos.

Energia Electromagnética

Por energia electromagnética entende-se a energia armazenada nos campos eléctricos e magnéticos. Um condensador com cargas de polaridade oposta armazena energia eléctrica. Uma bobine percorrida por uma intensidade de corrente constante armazena energia magnética.

A energia electromagnética está também presente nos fotões. Os fotões podem ser definidos como “pacotes” de energia. A energia contida nos fotões é libertada quando os átomos mudam de configuração ou quando partículas carregadas são travadas.

O fotão, enquanto pacote de energia, possui características que o permitem definir quer como uma onda quer como uma partícula. A quantidade de energia transportada por um fotão é medida em termos da frequência, ν ( ou comprimento de onda, λ) da onda:

( )1.1 λ

νhc

hE ==

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onde h é a constante de Planck (6,626*10-34 Js) e c é a velocidade da luz (2,998*108 ms-1).

O espectro da radiação electromagnética inclui a radiação gama, γ, (comprimento de onda, λ, ≤ 10-11 m), os raios X (λ < 10-8 m) a radiação solar (λ < 10-4 m) e as ondas de radio, TV e radar (λ < 10-2 m).

Energia Solar

A energia solar é a energia electromagnética na gama de comprimentos de onda compreendidos entre os 0,25 e os 4 µm. O espectro da radiação solar engloba a radiação ultravioleta (λ entre 0,25 e 0,38 µm), a luz visível (λ ≤ 0,78 µm) e a radiação infravermelha (λ ≤ 4 µm).

A energia solar disponível na superfície terrestre é da ordem dos 3,7*1024 J, sendo uma pequena parcela da energia veiculada pela radiação solar. Esta quantidade de energia que se encontra disponível na superfície terrestre corresponde a 13000 vezes a energia primária consumida anualmente no planeta.

O sol é a fonte de energia mais abundante na Terra. Infelizmente a sua utilização é dificultada pela baixa intensidade que possui e pelo caracter estocástico da radiação solar incidente que é fortemente influenciada pela estação do ano, pelo ciclo dia-noite, e pela nebulosidade. Estas peculiaridades da radiação solar incidente na superfície terrestre, condicionam fortemente o dimensionamento dos sistemas que aproveitam a energia solar.

Energia Química

Por energia química entende-se a energia armazenada nos compostos químicos. A conversão de energia química em energia térmica tem por base a energia de formação das moléculas (energia resultante da formação da molécula a partir dos elementos que a constituem) e da energia da reacção química.

A energia é libertada numa reacção exotérmica, como seja a combustão dos compostos químicos e absorvida nas reacções endotérmicas, como seja a gaseificação de um combustível.

A entalpia de formação, ∆Hf, de um composto, define-se como sendo o calor necessário para a formação de 1 mol do produto a partir dos reagentes que se encontram num estado termodinâmico padrão. Na generalidade dos casos ∆Hf é dada para a temperatura ambiente (25ºC) e pressão atmosférica (1atm). Por exemplo a entalpia de formação de vapor de água é de –242,0 kJ/mol. Para substâncias simples na forma natural como sejam o H2, O2 e C o valor de ∆Hf é nulo. O sinal negativo de ∆Hf significa que estamos em presença de uma reacção exotérmica, ou seja que é libertado calor.

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A entalpia de uma reacção, ∆Hr, é, por definição, a diferença entre a soma das entalpias de formação dos produtos, ∆Hfp, e a soma das entalpias de formação dos reagentes.

(1.2) ∑ ∑∆−∆=∆ frfpr HHH

Como exemplo, considere-se a reacção que consiste na combustão do H2:

(1.3) 2

1222 OHOH =+

então, de acordo com a eq. (1.2):

[ ] (1.4) 0/ 0,242)(2

1)()( 222 −−=∆+∆−∆=∆ molkJOHHHOHHH fffr

O poder calorífico de um combustível define-se como sendo igual a - ∆Hr. Para o hidrogénio o poder calorífico é 120,04 MJ/kg, dado que a massa molar do hidrogénio é igual a 2,016 g/mol.

Energia Nuclear

A energia nuclear é libertada por radioactivo, cisão ou fusão dos núcleos.

Um núcleo de um átomo com um número de massa A é composto por z protões e n (n = (A - z)) neutrões. A massa do núcleo de alguns átomos é inferior à massa dos elementos que o constituem. Esta diferença é denominada por defeito mássico:

(1.5) núcleonp mnmzmm −+=∆

A energia total de ligação do núcleo encontra-se relacionada com o déficit mássico do núcleo através de:

(1.6) 2mcE ∆=

Geralmente E exprime-se em MeV e ∆m em unidades de massa atómica, sendo E = 931,5∆m MeV.

O excesso de energia de ligação liberta-se quer num processo de cisão quer num processo de fusão. A cisão ocorre quando um núcleo pesado absorve um neutrão e se cinde em dois núcleos leves:

Mev 6,193

amu 2080,0

8446,2350526,236

00867,125212,969061,13600867,10439,235

2 10

9736

13756

10

23592

−=

−=∆

×++→+

++→+

E

m

mássicoBalanço

nKrBanU

A massa dos núcleos dos produtos da reacção (nuclear) é menor que a massa dos núcleos dos reagentes, pelo que é libertada uma determinada

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quantidade de energia. A quantidade de energia libertada pela cisão de 1g de U235, é da ordem de 78,5 GJ, energia idêntica à que se obtém na combustão de 2700 kg de carvão possuindo um poder calorífico de 29,3 MJ/kg.

Num processo de fusão, dois núcleos leves combinam-se e originam um núcleo pesado sendo libertada uma quantidade de energia que corresponde ao déficit mássico resultante da reacção.

No centro do sol quatro núcleos de hidrogénio originam um núcleo de hélio, 2 positrões e 2 neutrinos:

amu 02862,0

0026,400783,14

22 4 42

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−=∆

→×

++→ +

m

eHeH ν

libertando-se neste processo, 26,75 MeV de energia.

Numa reacção nuclear os núcleos dos reagentes não aparecem nos produtos da reacção: encontramos isótopos e outros núcleos.

Numa reacção química os átomos mantêm a identidade mas as moléculas mudam devido à troca de electrões na banda de valência.

Energia Mecânica

As formas conhecidas de energia mecânica são a energia potencial e a energia cinética. A energia potencial está associada a um corpo inserido num campo de forças. A energia potencial de um corpo de massa m, num campo gravítico é dada por:

(1.7) VzggmzE p ρ==

sendo g a aceleração da gravidade, m a massa do corpo, ρ a massa específica, V o volume do corpo e z a altura do centro de gravidade do corpo relativamente a um plano de referência. A modificação da posição do corpo origina uma variação da energia potencial ou de posição.

A energia cinética está associada com um movimento de translação, rotação ou oscilação de um corpo. Para um corpo de massa m animado de uma velocidade v, a energia cinética é dada por:

(1.8) 2

1 2mvEc =

A variação da velocidade v do corpo, ocasiona uma modificação da energia cinética.

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Energia Interna (Térmica)

A energia interna, ou térmica, é um parâmetro termodinâmico que caracteriza o estado de uma substância. A energia interna é devida à energia cinética das moléculas, átomos e partículas subatómicas e à energia potencial devida à posição relativa que ocupam. Num gás perfeito a energia interna, U, depende apenas da temperatura. Para um fluido de trabalho genérico, como por exemplo o vapor, a energia interna depende da temperatura e volume. A modificação da energia interna de um gás perfeito é dada por:

( ) (1.9) 1212 TTmcUUU v −=−=∆

onde m representa a massa do gás, cv representa o calor específico do gás a volume constante e T1, T2 as temperaturas inicial e final do gás.

Entalpia

Tal como a energia interna, a entalpia é um parâmetro termodinâmico que caracteriza o estado de uma substância. A entalpia define-se como a soma da energia interna com a energia de pressão:

(1.10) pVUH +=

A variação da entalpia de um gás perfeito é dada por:

( ) (1.11) J 1212 TTmcHHH p −=−=∆

onde cp é o calor específico do gás a pressão constante.

1.2 Unidades e Conversões

No Sistema Internacional (SI) a energia expressa-se em Joule (J), que se define como sendo.

1 J = 1 N.m = 1 kg.m2.s-2 = 1 W.s (1.12)

Apesar de ser esta a unidade de energia que o SI estipula, a energia eléctrica expressa-se usualmente em kilowatt-hora (kWh). Atendendo a (1.12), o kWh e o J encontram-se relacionados através de:

1 kWh = 3,6 × 106 J = 3,6 MJ (1.13)

No que concerne a energia química contida nos combustíveis fósseis é usual exprimi-la através do seu poder calorífico. Define-se poder calorífico de um combustível como sendo a quantidade de calor libertada por um mole de combustível, quando é completamente queimado e os produtos da

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combustão arrefecidos até se atingir a temperatura inicial a que se encontrava o combustível.

A eq. (1.2) define poder calorífico, PC, de um combustível como sendo igual a:

(1.14) J/mol rHPC −=

onde Hr representa a entalpia de reacção que assume um valor negativo para os processos de combustão.

O poder calorífico expressa-se, contudo, em kJ.kg-1 ou, mais frequentemente, em kilocalorias por kilograma (kcal.kg-1). No caso de combustíveis gasosos o poder calorífico expressa-se normalmente em kJ/Nm3, onde Nm3 significa “metros cúbicos à pressão atmosférica”.

Normalmente definem-se dois poderes caloríficos: o poder calorífico inferior (PCI), que se obtém se a água contida nos produtos da combustão se encontra no estado de vapor; o poder calorífico superior (PCS), que se obtém se o vapor de água se condensou. Nas estatísticas é normalmente utilizado o PCI dos combustíveis. O PCI obtém-se a partir do PCS, subtraindo a este a entalpia de vaporização da água.

(1.15) J/kg 2OHfg mhPCSPCI −=

onde hfg representa a entalpia específica de vaporização da água( que é igual a 2,257 MJ/kg para 100ºC e pressão atmosférica) e mH2O representa a massa de vapor de água por kg de combustível.

A relação entre kcal e kWh expressa-se através da equivalência de Joule [1.2], que é estabelecida a partir da conversão de 1 kWh de energia eléctrica em energia térmica:

1 kWh = 861 kcal (1.16)

As estatísticas normalmente exprimem o consumo de energia em toneladas equivalentes de petróleo, tep. A unidade tep, não é uma unidade de massa, mas sim uma unidade de energia e que traduz a quantidade de calor que se pode obter queimando uma tonelada de petróleo. Como existem diversos tipos de petróleo, possuindo PCI diversos, estabeleceu-se como poder calorífico de um petróleo padrão o valor de 10 000 kcal.kg-1. Nestas condições tem-se, da definição de tep:

1 tep = 107 kcal (1.17)

No caso da energia nuclear, a unidade em que se exprime a energia é o electrão - Volt, eV, que se relaciona com o J através de:

1 MeV = 1,602×10-13 J (1.18)

As equivalências acima definidas são estabelecidas com base na conversão das diversas formas de energia em energia térmica.

Há, contudo, formas de energia que são utilizadas pelo Homem e que não envolvem a sua conversão em energia térmica, como sejam as energias hídrica, eólica, das ondas e das marés. Estas formas de energia são

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directamente convertidas em energia mecânica, sendo esta, por sua vez, convertida em energia eléctrica.

Nas estatísticas estas formas de energia são contabilizadas a partir da energia eléctrica entregue anualmente à rede de energia eléctrica, ou seja contabilizadas em kWh. A forma como esta contabilização é feita pelas estatísticas merece alguns comentários:

1. Nas estatísticas [1.3] as energias hídrica, eólica, das ondas e das marés são contabilizadas a partir da energia eléctrica resultante da sua conversão. Normalmente estas formas de energia são consideradas pelas estatísticas como energia primária, ou seja admite-se que o rendimento da conversão destas formas de energia em energia eléctrica é 100%. No caso da conversão de energia geotérmica em energia eléctrica, assume-se um rendimento da conversão de 10% se o rendimento da conversão não for conhecido [1.3].

Nestas mesmas estatísticas, a conversão de energia nuclear em energia eléctrica é contabilizada assumindo que esta conversão possui um rendimento de 33%.

Os combustíveis fósseis são contabilizados, nestas mesmas estatísticas, a partir do seu poder calorífico. Uma quantidade apreciável do consumo anual de combustíveis fósseis destina-se a ser convertido em electricidade.

As energias hídrica, eólica, das ondas e das marés, são formas de energia não armazenada e dependem das condições meteorológicas. Nos Países em que a penetração destas formas de energia seja apreciável e nos anos em que as condições meteorológicas sejam favoráveis, pode verificar-se uma diminuição substancial do consumo de combustíveis fósseis, o que pode ocasionar uma aparente diminuição do consumo total de energia primária, quando comparado com anos em que as condições meteorológicas não sejam favoráveis.

Uma forma de obviar esta possível inconsistência seria o de atribuir um rendimento “equivalente” à energia eléctrica convertida nas centrais hídricas, eólicas, das marés e das ondas à semelhança do que é feito para as centrais nucleares e geotérmicas.

Admita-se que num dado ano, o rendimento médio das centrais térmicas foi de ηta e que a energia eléctrica entregue à rede de energia eléctrica pelas centrais não térmicas, nesse mesmo ano, foi de Welnt. Nestas condições, o consumo equivalente de combustível, Weqcomb, que seria consumido por uma central térmica “equivalente” com um rendimento de ηta para entregar à rede de energia eléctrica, nesse ano, a energia Welnt, é dado por:

)19.1(ln

ta

te

eqcomb

WW

η=

2. A energia eléctrica não é uma forma de energia primária pelo que, formalmente, não deveria ser contabilizada como uma forma de energia primária

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As Tabelas 1.1 e 1.2 apresentam os poderes caloríficos de diversos combustíveis fósseis, derivados e da electricidade, utilizados para a produção das estatísticas de consumo energético de Portugal [1.4].

Tabela 1.1: Poder calorífico. Combustíveis sólidos [1.4].

Tabela 1.2: Poder calorífico. Combustíveis líquidos e gasosos. Conversão da energia eléctrica [1.4].

1.3 Trabalho e Potência

Uma forma de converter um tipo de energia noutro tipo ou no mesmo tipo de energia é a realização de trabalho.

Por definição trabalho é o produto de uma força, Fs, por uma distância, s, o que, para uma distância infinitesimal ds, conduz a:

(1.20) dsFdW s=

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em que Fs é a componente da força F na direcção s, expressa em N, ds, a distância infinitesimal expressa em m e dW o trabalho infinitesimal.

A Figura 1.1 ilustra a aplicação de uma força a um corpo que, em virtude da aplicação desta força, se move. Por outras palavras, se for efectuado trabalho sobre o corpo, este move-se e a energia potencial associada à posição do corpo modifica-se.

Figure 1-1 Corpo a movimentar-se num plano inclinado. [1.5]

Considere-se agora o sistema representado na Figura 1.2.

Figure 1-2 Trabalho associado com a variação de volume de um sistema fechado. [1.5]

Nesta Figura um fluido caracterizado por ocupar um dado volume V [m3] e se encontrar a uma pressão, p [Pa], está contido num cilindro equipado com um êmbolo. A força, F, aplicada ao êmbolo iguala a pressão a que se encontra sujeito o fluido multiplicada pela área do êmbolo. A distância, ds [m], percorrida pelo êmbolo iguala a variação de volume dividida pela área do êmbolo. A aplicação da eq (1.20) a este sistema conduz a:

( ) (1.21) pdVA

dVpAFdsdW =

==

Um processo que conduza a uma redução de volume (compressão do fluido) implica um valor de dW negativo, ou seja foi executado trabalho sobre o sistema. Um processo que conduza a um aumento de volume (expansão do fluido) conduz a um valor de dW positivo, ou seja implica que o sistema produziu trabalho. Em qualquer dos casos verifica-se uma variação da entalpia do sistema (eq.(1.10)).

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Da eq.(1.21) conclui-se que o trabalho realizado sobre/pelo sistema depende da relação que exista entre a pressão, p, e o volume, V do fluido.

Se o processo termodinâmico de expansão/contracção do fluido for isobárico, ou seja conduzido a pressão constante, o integral da eq. (1.21) conduz a :

(1.22) )( 12 VVpW −=

onde V2 e V1 são, respectivamente, o volume final e inicial ocupado pelo fluido.

Se o processo termodinâmico for adiabático (não há trocas de calor com o exterior) e reversível ou seja, isentrópico, a relação entre p e V para um gás perfeito é expressa através de:

(1.23) .ctepV k =

pelo que a integração da eq.(1.21) conduz a:

( )( ) (1.24) 1

1122

kVpVp

W −−=

As equações (1.20) e (1.21) definem trabalho com base num deslocamento. Pode-se denominar este tipo de trabalho como trabalho de deslocamento e defini-lo como sendo o trabalho que se realiza na fronteira de um sistema termodinâmico quando o volume do fluido de trabalho se modifica [1.1].

Considere-se de seguida o sistema termodinâmico representado na Figura 1.3.

Figure 1-3 Conversão de calor em trabalho num sistema termodinâmico aberto. [1.1]

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Para o sistema representado na Figura 1.3 pretende determinar-se o trabalho necessário para deslocar o fluido de trabalho através das fronteiras do sistema termodinâmico. Admitindo que na entrada do sistema o fluido é caracterizado pela pressão p1 e volume V1 e que na saída do sistema estes parâmetros são p2 e V2, o trabalho será dado por:

(1.25) 1122 VpVpWesc −=

Este trabalho denomina-se trabalho de escoamento [1.1].

Um outro tipo de trabalho que é possível definir é o trabalho medido no veio de uma máquina, Wshaft. Por definição [1.1], o trabalho no veio é obtido através da diferença entre o trabalho de deslocamento e o trabalho de escoamento. Para uma variação infinitesimal do estado do fluido de trabalho o trabalho no veio é dado por:

( )

(1.27) W

(1.26)

2

1

shaft ∫−=

−=−=−=

p

p

escshaft

Vdp

VdppVdpdVdWdWdW

Por potência entende-se a velocidade de transferência de energia ou seja, a transferência de energia realizada por unidade de tempo. A potência expressa-se em Watt [W].

No caso da transferência de energia ocorrer sob a forma de trabalho, W, escreve-se:

(1.28) dt

dWP =

1.4 Calor

O calor, Q, traduz a parcela de energia transferida para um sistema que não foi transferida através de trabalho. A experiência revela que esta transferência de energia é induzida pela diferença de temperaturas entre o sistema e o meio que o rodeia e que só ocorre no sentido decrescente da temperatura. A transferência de calor, Q, para o sistema assume-se como positiva, enquanto que a rejeição de calor pelo sistema se assume como negativa.

A experiência permitiu a identificação de dois mecanismos básicos para a transferência de calor: condução e radiação. A experiência permitiu, ainda, identificar mecanismos de transferência de calor que são uma combinação dos dois mecanismos básicos acima mencionados.

A transferência de calor por condução tem lugar nos sólidos, líquidos e gases. A condução pode ser visualizada como sendo a transferência de energia entre as partículas de uma substância que possuem mais energia para as partículas dessa mesma substância que possuem menos energia. A taxa (velocidade) de transferência de energia é quantificada macroscopicamente pela lei de Fourier:

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(1.29) x

xdx

dTkAQ

−=&

O factor de proporcionalidade, k, que pode depender da coordenada, x, é uma propriedade da substância que se denomina condutividade térmica. O sinal negativo na eq. (1.29) resulta do facto de o calor se propagar na direcção das temperaturas mais baixas.

A radiação térmica é emitida pela matéria devido à variação da configuração dos átomos e moléculas que a compõem, sendo a energia transportada por ondas electromagnéticas (fotões). Ao invés da condução, a radiação não necessita de um meio para se propagar, podendo inclusive propagar-se no vácuo. As superfícies dos sólidos, líquidos e gases, emitem, absorvem e transmitem radiação térmica em menor ou maior grau. A velocidade de emissão, eQ& ,da energia de uma substância com uma área superficial, A, de um ponto de vista macroscópico, obedece à lei modificada de Stefan-Boltzman:

(1.30) 4

be ATQ εσ=&

Em (1.30), ε, representa a emissividade da superfície (0 ≤ ε ≤1), sendo σ a constante de Stefan-Boltzman (5,676×10-8 W m-2 ºK-4). Apesar da eq (1.30) ter uma forma relativamente simples, a transferência de calor por radiação é um fenómeno bastante complexo [1.5].

A transferência de calor entre uma superfície sólida, a uma dada temperatura, e um gás ou líquido em movimento a uma outra temperatura, é um mecanismo que se verifica em muitas situações reais e que é denominado por convecção. Neste caso, a energia é transferida por condução do sólido para o líquido ou gás, que por sua vez a transporta de acordo com o movimento com que se encontra animado. A velocidade de transferência de calor do sólido para o líquido ou gás pode ser quantificado pela equação empírica devida a Newton:

( ) (1.31) ,glb TThAQ −=&

onde Tb representa a temperatura da superfície do sólido, Tl,g a temperatura do líquido ou gás e h o coeficiente de transmissão de calor, que não é uma propriedade termodinâmica.

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1.5 Principio da Conservação da Energia

O principio da conservação da energia estipula que a energia não pode ser criada ou destruída, pode simplesmente ser convertida noutras formas de energia.

A equação da energia é uma tradução matemática do principio da conservação da energia aplicado a um sistema termodinâmico utilizado para converter energia térmica em energia mecânica. A equação da energia (que traduz a 1ª Lei da Termodinâmica) para um sistema fechado estipula que a soma das trocas de energia sob a forma de calor e de trabalho de um sistema com o exterior é igual à soma das variações da energia interna, ∆U, energia cinética, ∆Ec e energia potencial, ∆Ep desse sistema.

A equação da energia aplicada ao sistema termodinâmico fechado, tal como o representado na Figura 1.2, conduz a:

(1.32) J pc dEdEdUdEWQ ++==− δδ

Na eq (1.32) dE traduz a variação da quantidade de energia contida num sistema num dado intervalo de tempo, δQ traduz a quantidade líquida de energia transferida por calor através da fronteita do sistema no mesmo intervalo de tempo e δW traduz a quantidade líquida de energia transferida por trabalho através da fronteira do sistema no mesmo intervalo de tempo.

A energia total E do sistema engloba a energia cinética (macroscópica), Ec, a energia potencial (macroscópica), Ep, e a energia interna, U (devida à energia cinética das moléculas, átomos e partículas subatómicas e à energia potencial contabilizada através da posição relativa que ocupam).

Em termos de potência, a equação da energia assume a forma:

(1.33) WQdt

W

dt

Q

dt

dE&& −=−=

δδ

onde WQ && e representam a potência térmica e mecânica trocadas entre o sistema e o exterior, respectivamente.

Aplicado a um sistema aberto em regime permanente (Figura 1.4), o principio da conservação da energia estipula que a transferência de energia por calor, δQ, para o volume de controlo, iguala a soma da transferência de energia por trabalho no veio, δWshaft, com a variação da energia interna, dU, com o trabalho de escoamento, d(pV), com a variação da energia cinética, dEc, e com a variação da energia potencial, dEp:

(1.34) J )( pcshaft dEdEpVddUWQ ++++= δδ

Page 19: Produção e Consumo de Energia Elétrica

15

Figure 1-4 Fluxo de energia num sistema termodinâmico aberto. [1.1]

Atendendo a que:

(1.35) )( 12112212 dHHHVpVpUUpVddU =−=−+−=+

vem:

(1.36) J pcshaft dEdEdHWQ +++= δδ

É frequente escrever a eq (1.36) em por unidade de massa do fluido, tomando a eq a seguinte forma:

(1.37) J/kg pcshaft dededhwq +++= δδ

em que q é o calor específico, wshaft o trabalho específico no veio, dh a variação da entalpia especifica, dec a variação da energia cinética específica e , dep a variação da energia potencial específica.

1.6 Oferta e Procura de Energia

As estatísticas da Agência Internacional de Energia (AIE) para o ano de 1999 [1.3] indicam que o consumo de energia primária no Mundo foi de 9702 Mtep. A repartição deste consumo de energia primária pelas diferentes regiões do mundo é a que se apresenta na Tabela 1.3. Os dados apresentados na Tabela 1.3 são dados globais e fornecem uma indicação do nível de desenvolvimento das diferentes regiões do mundo.

Na Tabela 1.4 apresenta-se a repartição da oferta de energia primária pelas diferentes fontes de energia no mesmo ano. Nesta tabela, sob a designação de “Outras” inclui-se o consumo de energia geotérmica, solar, eólica, das ondas e das marés.

A análise da Tabela 1.4 permite concluir que no ano de 1999, 79,2% da energia primária consumida no mundo tem origem nos combustíveis fósseis, 6,8 % tem origem na energia nuclear e 14% em energias renováveis (Hídrica, Outras e Biomassa e Resíduos).

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16

Consumo de Energia Primária no Mundo

1999 - [Mtep] Total 9702

Europa(OCDE) 1753,1 Europa (Países não pertencentes à OCDE) 87,3

Ex URSS 912 Ásia 1076,9

China 1106 Pacífico (OCDE) 824,1

América do Norte 2671,6 América Latina 446,3 Médio Oriente 339,6

África 485,1

Tabela 1.3: Consumo de Energia Primária no Mundo em 1999. [1.3]

Energia Primária Mtep Petróleo 3395,70

Gás 2008,31 Nuclear 659,74 Hídrica 232,85

Biomassa e Resíduos 1076,92 Outras 48,51 Carvão 2279,97

Tabela 1.4: Consumo de Energia Primária por fonte em 1999. [1.3]

Na Tabela 1.5 apresenta-se o consumo de energia final no Mundo, por fonte, em 1999.

Energia Final Mtep Petróleo 2883,53

Gas 1080,48 Carvão 553,75

Biomassa e Resíduos 958,93 Electricidade 1039,96

Outras 236,36 Total 6753

Tabela 1.5: Consumo de Energia Final por fonte em 1999. [1.3]

No consumo de energia final, importa quantificar qual o uso dado às fontes de energia final. Assim, e de acordo com as estatísticas da AIE referentes ao ano de 1999, do consumo final de carvão, 78% foi utilizado na indústria, do consumo final de petróleo, 57,6% foi utilizado nos transportes, do consumo final de gás, 50,8% foi utilizado na agricultura, comércio, serviços públicos e sector residencial, sendo de 56,3% o consumo final de electricidade utilizado na agricultura, comércio, serviços e sector residencial.

Na Figura 1.5 apresenta-se a fonte utilizada para conversão em energia eléctrica, de acordo com as estatísticas da AIE de 1999.

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17

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

Carvão Petróleo Gás Nuclear Hídrica Renováveis

Fonte de Energia

En

erg

ia E

léct

rica

[T

Wh

]

Figure 1-5: Oferta de Energia Eléctrica por fonte em 1999. [1.3]

A elaboração de estatísticas visa, por um lado, caracterizar o consumo energético de um País ou grupo de países, visando, por outro lado, analisar tendências de consumo, por forma a prever consumos futuros e avaliar os resultados das medidas levadas a cabo no âmbito da política energética.

Nas Figuras 1-6 e 1-7 comparam-se os consumos de energia primária e final dos anos 1973 e 1999.

Da Figura 1-6 conclui-se que nos últimos 26 anos houve um decréscimo da percentagem de consumo de petróleo como energia primária. Este decréscimo resultou dos choques petrolíferos de 1973 e 1982, que motivou a substituição do petróleo por outros combustíveis nas aplicações em que tal era possível. Um exemplo desta política é a utilização do petróleo para a conversão em energia eléctrica: em 1973 a conversão do petróleo em energia eléctrica representava 24,6% da oferta total mundial de energia eléctrica. Em 1999 esta percentagem tinha decrescido para 8,5%. O incremento da percentagem de penetração da energia nuclear entre 1973 e 1999 também radica nos choques petrolíferos.

Recentemente as preocupações ambientais têm incentivado a substituição da utilização do carvão por gás natural. É previsível que num futuro não muito longínquo as estatísticas comecem a reflectir esta política, pese o facto da China ter previsto a instalação de uma potência apreciável de centrais de conversão em energia eléctrica utilizando carvão.

Page 22: Produção e Consumo de Energia Elétrica

18

Figure 1-6 Consumo de Energia Primária por fonte em 1973 e 1999. [1.3]

Figure 1-7 Consumo de Energia Final por fonte em 1973 e 1999. [1.3]

Esta tendência que se verifica no consumo de energia final é confirmada pelos dados presentes na Figura 1-7: entre 1973 e 1999 o petróleo e o carvão diminuíram a percentagem de penetração no consumo de energia final. Esta diminuição de percentagem é particularmente relevante no caso do

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19

carvão, sendo menos sensível no petróleo em virtude da dependência do sector dos transportes deste combustível.

As estatísticas anuais permitem estimar modelos que traduzam a taxa de crescimento anual do consumo de energia primária e final, bem como a evolução da utilização dos diferentes tipos de fontes. O modelo de evolução do consumo utilizado nos anos 70 era o modelo exponencial:

(1.38) cydt

dy=

Neste modelo a taxa de crescimento do consumo, dy/dt, é proporcional ao consumo, y, sendo c a taxa de crescimento.

Até ao inicio dos anos 70 a eq. (1.38) permitia determinar a evolução do consumo com suficiente rigor. Os choques petrolíferos ocasionaram uma alteração nos padrões de consumo de energia, e a eq.(1.38) deixou de fornecer resultados fiáveis.

O modelo de crescimento a que actualmente se recorre para determinar a evolução do consumo de energia é o modelo composto que satisfaz :

( ) (1.39) 10n

ryy +=

em que y0 representa o consumo num ano de referência, r a taxa de crescimento anual do consumo e n o número de anos.

Se se aplicar este modelo ao consumo de energia primária nos anos de 1973 e 1999, obtém-se uma taxa de crescimento anual do consumo de energia primária de 1,77%. Em 1997 o consumo anual de energia primária no mundo cifrou-se em 9654 Mtep. Aplicando a eq.(1.39) para calcular o consumo em 1997 e considerando uma taxa anual de crescimento do consumo de energia primária de 1.77%, obtém-se um consumo de 9367 Mtep, pelo que o erro na estimativa é de cerca de 3%.

Nas Tabelas 1.6 e 1.7 apresentam-se os consumos de energia primária e final em Portugal no triénio 1996-1998.

Energia Primária [ktep] 1996 1997 1998 Carvão 3431 3513 3232

Energia Eléctrica* 1380 1390 1159 Lenhas e Resíduos 1130 1093 1110

Petróleo 13147 14445 15622 Gás Natural 0 96 698

Total 19088 20537 21821

Tabela 1.6: Consumo de Energia Primária em Portugal entre 1996 e 1998.[1.4]

* Energia Hídrica, Eólica, Geotérmica e Electricidade Importada.

Da Tabela 1.6 conclui-se que no ano de 1998 a energia eléctrica de origem hídrica, eólica geotérmica e importado foi parcialmente substituída pelo gás natural.

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1996 1997 1998 Energia Final [ktep] 13200 13797 14607

Carvão 632 526 448 Petróleo e gás de cidade 8986 9495 10032

Electricidade 2600 2747 2911 Gás Natural 50 238

Outros** 982 979 978

Tabela 1.7: Consumo de Energia Final em Portugal entre 1996 e 1998. [1.4]

**Inclui lenhas, resíduos, gás de coque e gás de alto forno.

A Figura 1-8 ilustra a oferta de energia eléctrica em Portugal nos anos de 1998 e 1999. De salientar o aumento de produção de origem térmica em 1999 devido às condições climatéricas.

-1000

4000

9000

14000

19000

24000

29000

34000

Fios de Água Albufeira Mini-Hídricas Carvão Fuel Gás Natural Cogeração Eólica SaldoImportador

Total

Recurso

En

erg

ia E

léct

rica

[G

Wh

]

1998 1999

Figure 1-8 Oferta de Energia Eléctrica em Portugal nos anos de 1998 e 1999.[1.6][1.7]

1.7 Bibliografia

[1.1] N.V. Khartchenko: “Advanced Energy Systems”, Taylor &Francis,1998.

[1.2] Domingos Moura: “Fontes de Energia Eléctrica – Volume I Fontes Clássicas”, AEIST, 1985.

[1.3] IEA: “Key World Energy Statistics from the IEA”, International Energy Agency, 2001.

[1.4] DGE: “Informação Energia nos 22/23”, Direcção Geral de Energia, 2001

[1.5] Reiner Decher: “Energy Conversion”, Oxford University Press, 1994

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21

[1.6] REN: “Caracterização da Rede Nacional de Transporte em 31 de Dezembro de 1998”, REN, Julho de 1999.

[1.7] REN: “Caracterização da Rede Nacional de Transporte em 31 de Dezembro de 1999”, REN, Outubro de 2000.

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22

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23

2 Propriedades Termodinâmicas das Substâncias.

Em Termodinâmica o termo “sistema” é utilizado para identificar o que se pretende analisar. Na grande maioria das aplicações o que se analisa são as mudanças de estado de uma substância que é processada por um conjunto de equipamentos. A substância, que é sujeita a um conjunto de processos que induzem mudanças no seu estado, designa-se por fluido de trabalho. Muitas vezes a análise é realizada considerando a unidade de massa dessa substância.

As mudanças de estado do fluido de trabalho ou sistema são causadas pela interacção entre calor e trabalho, ou seja, por transferências de energia.

Em Termodinâmica é também usual classificar os sistemas em abertos e fechados. Esta classificação exige a definição de uma fronteira para o processo, ou conjunto de processos, a que o sistema é sujeito, sendo a definição da fronteira condicionada pelo tipo de processo ou processos e podendo esta fronteira ser móvel ou fixa. A interacção entre o sistema e o meio exterior à sua fronteira desempenha um papel importante na análise das transferências de energia que ocorrem.

Um sistema designa-se por fechado quando a massa da substância que se estuda é sempre a mesma, não podendo haver transferência de massa através das fronteiras do sistema. A Figura 1-2 exemplifica um sistema fechado com fronteira móvel.

Um sistema fechado em que se não verifique qualquer tipo de interacção com o exterior designa-se sistema isolado.

Um sistema designa-se por aberto quando existe transferência de massa através das fronteiras do sistema. A Figura 1-4 exemplifica um sistema aberto com fronteira fixa.

Para descrever um sistema e prever o seu comportamento é necessário conhecer as suas propriedades e a forma como as propriedades se relacionam. Por propriedades entendem-se as caracteristicas macroscópicas do sistema como sejam a massa, energia, volume, pressão e temperatura às quais é possível atribuír um valor numérico sem o conhecimento prévio da história do sistema. Há, contudo, grandezas de um sistema que não são propriedades, como sejam os caudais mássicos ou volúmicos, ou as transferências de energia por calor e trabalho.

As grandezas que permitem definir o estado em que o sistema se encontra designam-se por propriedades.

Como as propriedades permitem definir o estado do sistema, o valor que estas grandezas assumem quando o sistema se encontrar num dado estado não depende da forma como o sistema foi conduzido a esse estado, dependendo únicamente do estado em que o sistema se encontra.

O estado de um sistema fechado em equilíbrio é descrito através das suas propriedades termodinâmicas. A observação de diversos sistemas

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termodinâmicos permitiu concluir que nem todas as propriedades que descrevem o sistema são independentes umas das outras, podendo o estado do sistema ser caracterizado através das propriedades do sistema que são independentes.

A determinação das propriedades do sistema que são independentes e que servem de base à caracterização do estado do sistema denomina-se principio de estado[2.1].

Estudos empíricos permitiram concluir que, para sistemas com determinada massa e composição e em que se não considera o efeito do movimento e do campo gravitacional da terra, existe uma propriedade independente associada a cada forma de variação da energia do sistema. Sabendo que a energia de um sistema fechado pode ser alterada quer pelas trocas de calor, quer pelas trocas de trabalho, é possível estabelecer uma propriedade independente associada com a transferência de energia por calor e uma propriedade independente associada com as transferências de energia por trabalho [2.1].

O principio de estado estipula que, o número de propriedades independentes de um sistema, com as condicionantes acima mencionadas, é igual à soma do número de transferências de energia por trabalho com a transferência de energia por calor. A experiência também ensina que, o número de transferências de energia por trabalho, pode ser limitado às que ocorrem quando o sistema é sujeito a processos que estão em quasi-equilibrío termodinâmico .

Designa-se por sistema simples aquele em que existe apenas uma forma de alterar significativamente a energia do sistema por trabalho, quando o sistema é sujeito a um processo em quasi-equilibrio termodinâmico [2.1]. Dado que a outra transferência possível de energia é por calor, conclui-se assim, de acordo com o principio de estado, que num sistema simples existem apenas duas propriedades independentes. Apesar de não existirem sistemas que verdadeiramente se possam classificar como simples, muitos sistemas podem ser modelados como simples quando se procede á sua análise termodinâmica.

Para as aplicações que nos interessam, o mais importante modelo é o dos sistemas compressíveis simples. Como o próprio nome sugere, as variações de volume podem ter uma influência determinante na energia destes sistemas. Assim, o único modo relevante de transferência de energia através da realização de trabalho, num processo em quase equilibrio, está associado à variação de volume e é dado por:

∫ (2.1) pdV

Visto ter-se considerado negligenciável a influência do campo gravitacional terrestre, a pressão pode considerar-se uniforme nestes sistemas.

Encontrando-se, nestes sistemas, a transferência de calor associada à temperatura, T, e a transferência de energia por trabalho trabalho associada à variação do volume, V, ou do volume específico (volume por unidade de massa), v, a temperatura e o volume específico podem ser seleccionadas como propriedades independentes. Todas as restantes propriedades do

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25

sistema como sejam a pressão, a energia interna específica e restantes propriedades especificas podem ser determinadas como função de T e v. Na prática, não é usual possuir medidas do volume específico, mas sim da pressão, pelo que é usual utilizar a pressão e temperatura como propriedades independentes.

Neste capítulo abordam-se as propriedades termodinâmicas de sistemas compressíveis simples constituídos por substâncias puras e não puras. Por substância pura entende-se aquela que possui uma composição química uniforme e invariável. Substâncias não puras são aquelas cuja composição química varia em virtude da ocorrência de reacções químicas.

2.1 Substâncias Puras e Simples.

Neste capítulo abordam-se as propriedades de substâncias puras e simples, bem como as relações entre estas propriedades.

Conforme referido acima, a temperatura, T, e o volume especifico, v, podem ser consideradas as propriedades independentes. A pressão é determinada como função destas variáveis independentes.

A Figura 2-1 relaciona a pressão, p, com as propriedades independentes, T e v, para o caso de uma substância que se expande quando congela, como é o caso da água. Na Figura 2-2 esta relação é apresentada para o caso de uma substância que se contrai quando congela, caso que se verifica na maioria das substâncias.

As Figuras 2-1 e 2-2 revelam que a relação p = f(v, T) se define ao longo de superfícies. As coordenadas de um ponto nas superfícies p, v, T, representam os valores de pressão, volume específico e temperatura da substância quando se encontra em equilíbrio.

Há regiões nas superfícies p, v, T apelidadas de sólido, liquido e vapor. Nestas regiões, em que uma só fase está presente, o estado é completamente caracterizado por duas das três propriedades.

Entre as regiões de uma só fase encontram-se as regiões de duas fases, em que duas fases podem coexistir em equilíbrio: liquido - vapor, sólido - liquido e sólido - vapor. Duas fases podem coexistir quando ocorrem variações de fase como sejam a vaporização, a fusão e a sublimação. Nas regiões de duas fases a pressão e a temperatura não são independentes, ou seja a modificação de uma implica a modificação da outra. Conclui-se assim que nestas regiões o estado não pode ser determinado somente pela temperatura e pressão, podendo, contudo, ser determinado a partir do volume específico e pressão ou temperatura.

No diagrama existe uma linha, denominada linha tripla, onde podem coexistir as três fases.

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Figure 2-1: Relações p-v-T para a água.[2.1]

Um estado no qual se inicia ou termina uma mudança de fase denomina-se estado de saturação. Na Figura 2-1 o domo, no interior do qual as fases liquida e de vapor coexistem, é delimitado por linhas que se denominam linhas de saturação. No topo do domo, o ponto onde as linhas de liquido saturado e vapor saturado se encontram, é denominado ponto crítico. A temperatura crítica, Tc, de uma substância pura é, por definição, o valor mais elevado de temperatura em que as fases liquida e de vapor podem coexistir em equilíbrio. A pressão no ponto crítico, pc, e o volume específico no ponto crítico, vc, denominam-se pressão crítica e volume específico crítico respectivamente.

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Figure 2-2: Relação p-v-T para uma substância que contrai quando congela. [2.1]

Se a superfície p-v-T for projectada no plano p –T obtém-se um diagrama de fases (Figuras 2-1(b) e 2-2 (b)).

Projectando a superfície p-v-T no plano p –v permite obter os diagramas p-v (Figuras 2-1 (c) e 2-2 (c)). Nestes diagramas, para uma temperatura inferior à temperatura crítica, Tc, a pressão mantém-se constante quando a região das duas fases é percorrida. Nas regiões onde se verifica uma só fase (liquido ou vapor), a pressão, a temperatura constante, diminui com o aumento do volume específico.

Na Figura 2-3 apresenta-se a projecção da superfície p-v-T no plano T-v. Desta figura conclui-se que para uma pressão inferior à pressão crítica, a pressão e temperatura mantêm-se constantes quando a região das duas fases é percorrida. Nas regiões de uma só fase (liquido ou vapor), para uma pressão constante, a temperatura aumenta com o aumento do volume específico. Para pressões superiores à pressão crítica a temperatura, para

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uma pressão constante, aumenta com o aumento do volume específico, não atravessando a região de duas fases.

Figure 2-3 Diagrama temperatura - volume específico para a água (a figura não se encontra à escala). [2.1]

Relação pressão-volume específico-temperatura para a água.

Considere-se o sistema fechado constituído por uma massa unitária (1 kg) de água à temperatura de 20 ºC no interior de um cilindro equipado com um êmbolo , tal como representado na Figura 2-4.

Figure 2-4: Modificação, a pressão constante, da água do estado liquido para o estado de vapor. [2.1]

O estado em que se encontra a água, é representado na Figura 2-3 pelo ponto1. Suponha-se que se a água é lentamente aquecida a uma pressão uniforme e constante de 1,014 bar. À medida que o sistema é aquecido a pressão constante, a temperatura aumenta consideravelmente, enquanto que o volume específico aumenta moderadamente. O sistema é assim conduzido

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ao ponto f da Figura 2-3. Neste ponto, a temperatura do liquido à pressão imposta (1,014 bar), é a temperatura de saturação e tem o valor de 100 ºC. Os estados por que passa o liquido à medida que percorre o segmento de curva 1-f são denominados estados sub-arrefecidos ou estados de liquido comprimido, visto a pressão em cada um destes estados ser superior à pressão do liquido saturado para a temperatura a que o liquido se encontra. Uma vez atingido o ponto f, qualquer calor adicional fornecido ao líquido, origina a formação de vapor sem modificação da temperatura mas com um aumento considerável do volume específico. Conforme representado na Figura 2-4 (b), no cilindro coexistem água no estado liquido e no estado de vapor, ou seja coexistem duas das fases da água. Se continuarmos a fornecer calor ao sistema atinge-se uma situação em que toda a água se encontra no estado de vapor, o que corresponde na Figura 2-3 a ter-se atingido o ponto g e na Figura 2-4 à situação ilustrada em (c).

Quando a água se encontra numa situação em que duas fases coexistem é usual caracterizar a água através de um parâmetro denominado titulo ou qualidade do vapor, x, e que por definição é dado por:

(2.2) vaporliquido

vapor

mm

mx

+=

O valor da qualidade x, varia entre 0 (na situação liquido saturado) e 1 (na situação vapor saturado).

Se se continuar a aquecer, mantendo a pressão constante, o vapor a partir do ponto g (vapor saturado), resulta um aumento da temperatura do vapor e do volume específico. Ao vapor, num estado como o estado s da Figura 2-3, diz-se no estado de vapor sobre-aquecido, em virtude da temperatura do vapor ser superior à temperatura de vapor saturado para a pressão a que o vapor se encontra.

Admita-se que a experiência descrita acima se repete para uma pressão da água igual à pressão crítica. Conforme se conclui da Figura 2-3, nestas condições a água passa do estado liquido ao estado de vapor sem ocorrer vaporização, ou seja a água mantém-se num só estado, não coexistindo nunca dois estados. Quando a temperatura e pressão são superiores aos valores críticos, os termos liquido e vapor perdem significado, sendo a substância usualmente designada apenas por fluido.

Do acima exposto conclui-se que é necessário conhecer as propriedades termodinâmicas da água nos diferentes estados em que esta se possa encontrar. Os dados que permitem caracterizar as propriedades termodinâmicas da água podem ser obtidos através de ábacos, gráficos, equações e tabelas, tendo-se optado pela utilização de tabelas para determinar as propriedades termodinâmicas da água.

As propriedades da água no estado de vapor e no estado liquido encontram-se listadas nas tabelas de vapor sobre-aquecido (Apêndice 2 .1) e liquido comprimido (Apêndice 2.2). O diagrama de fases da Figura 2-5 ajuda a compreender a estrutura das tabelas.

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30

Figure 2-5 : Diagrama de fases enquanto guia para a estrutura das tabelas. [2.1]

Em virtude da pressão e temperatura serem propriedades independentes quando a água se encontra quer no estado liquido quer no estado de vapor, as tabelas de vapor sobreaquecido e liquido comprimido são organizadas em torno destas propriedades. As propriedades termodinâmicas, listadas nas tabelas em função da pressão ou temperatura, são o volume específico, v, energia interna específica, u, entalpia específica, h, e entropia específica, s.

Nas tabelas de vapor sobreaquecido para cada pressão, é indicada a temperatura de saturação, Tsat, e a tabela desenvolve-se segundo linhas correspondentes a isobáricas (linhas de pressão constante), e segundo colunas de temperatura crescentes, tendo inicio na temperatura de saturação.

Nas tabelas de liquido comprimido, para cada pressão, é indicada a temperatura Tsat. A tabela desenvolve-se, para cada pressão, por valores crescentes de temperatura até ser atingida a temperatura de saturação.

Na generalidade dos casos, os valores de pressão e temperatura que se encontram nos problemas de engenharia, não coincidem com os valores constantes nas tabelas, tornando-se assim necessário recorrer a interpolações entre valores de pressão e /ou temperatura adjacentes. As tabelas apresentadas permitem que seja efectuada uma interpolação linear entre valores adjacentes sem perda excessiva de rigor.

As tabelas apresentadas nos Apêndices 2.3 e 2.4 são tabelas de liquido saturado. Estas tabelas permitem determinar as propriedades de estados em que coexistem duas fases, liquido e vapor. Conforme já se referiu, na região em que duas fases coexistem, temperatura e pressão não são independentes, pelo que estas tabelas se encontram organizadas tendo como variável independente quer a temperatura (Apêndice 2.3) quer a pressão (Apêndice 2.4). As propriedades indicadas nas tabelas são, à semelhança das tabelas de vapor sobreaquecido e liquido comprimido, o volume específico, v, a energia interna específica, u, a entalpia específica, h, e a entropia específica, s.

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Na tabela de liquido saturado organizada em termos dos valores crescentes da temperatura (Apêndice 2.3), na primeira coluna apresenta-se a temperatura, apresentando-se na segunda coluna a pressão de saturação correspondente à temperatura. As propriedades específicas, pe, listadas nas restantes colunas são apresentadas em termos dos valores correspondentes à situação de liquido saturado, pef, vapor saturado, peg, e incremento dos valores da propriedade entre a situação de liquido saturado e vapor saturado, pefg = peg – pef.

A determinação dos valores de uma propriedade específica, pe, na região onde coexistem duas fases é exequível a partir dos valores constantes nesta tabela e da eq. (2.2). Assim, admita-se que uma propriedade, Pe, na região de duas fases é dada por:

(2.3) vaporliquido PePePe +=

onde Peliquido é o valor da propriedade da fase liquida e Pevapor, o valor da propriedade da fase vapor.

Um valor médio da propriedade específica, pe, obtém-se dividindo (2.3) pela massa total da mistura, m :

(2.4) m

Pe

m

Pe

m

Pepe

vaporliquido +==

Da tabela constante no Apêndice 2.3 (ou 2.4), obtêm-se os valores das propriedades específicas correspondentes à situação de liquido saturado, pef e vapor saturado, peg. Se se multiplicar o valor destas propriedades específicas pela massa de liquido saturado e vapor saturado, respectivamente obtém-se:

vaporg

liquidofliquido

mpeP

mpePe

=

=

vapore

(2.5)

substituição de (2.5) em (2.3) conduz a:

(2.6) g

vapor

f

liquidope

m

mpe

m

mpe

+

=

Atendendo à eq. (2.3), a eq. (2.6) pode ser posta na forma:

( ) ( ) (2.7) 1 gffgf xpepexpepexpepe +−=−+=

Por forma a ilustrar a utilização da eq.(2.7) admita-se que se pretende determinar o volume específico da água na região de duas fases a uma temperatura de 100 ºC e uma entalpia específica, h, de 2600 kJ/kg. A partir da tabela no Apêndice 2.3, para a temperatura de 100 ºC, determina-se o titulo, x, que corresponde à entalpia específica estipulada, utilizando a eq. (2.7). O valor de x assim obtido é 0,966309. Recorrendo de novo à eq.(2.7) e aos valores de volume específico de liquido e vapor saturado constantes na tabela do Apêndice 2.3, obtém-se um valor de volume específico, v, igual a 1,626062 m3/kg.

Page 36: Produção e Consumo de Energia Elétrica

32

Relação pressão-volume específico-temperatura para os gases.

Considere-se um gás inserido num cilindro equipado com um êmbolo a temperatura constante. O êmbolo pode ser movido por forma a serem analisados um conjunto de estados de equilíbrio mantendo a temperatura constante. Admita-se que, para cada um dos estados de equilíbrio analisados, se obtêm medidas da pressão e volume específico do gás e se determina a relação pv*/T, em que v* representa o volume molar (volume por mole). Esta relação pode então ser representada graficamente em função da pressão e parametrizada em função da temperatura. A Figura 2-6 ilustra os resultados obtidos.

Figure 2-6: Relação pv*/T em função da pressão e parametrizada em T.[2.1]

Projectando os resultados obtidos para um valor de pressão nula, verifica-se que todas as curvas coalescem no mesmo ponto independentemente do valor da temperatura a que a experiência foi conduzida. O limite

(2.8) **

lim0

RT

pv

p

=→

representa-se por R* e denomina-se constante universal do gás, já que este valor é igual para qualquer tipo de gás. O valor de R* obtido experimentalmente é igual a 8,314 kJ/kmol ºK.

O factor adimensional pv*/R*T designa-se factor de compressibilidade e representa-se por Z. Atendendo a que a relação entre v* (volume molar) e v (volume específico) obedece a v*=Mv, em que M é o peso atómico, o factor de compressibilidade pode, alternativamente, ser expresso através de:

(2.9) RT

pvZ =

onde R=R*/M [kJ/kg ºK].

Na Figura 2-7 representa-se a variação de Z com a pressão para o hidrogénio, para diferentes valores da temperatura, T.

Page 37: Produção e Consumo de Energia Elétrica

33

Figure 2-7: Variação do factor de compressibilidade do H2 com a pressão, para temperatura constante. [2.1]

Gráficos semelhantes poderiam ser traçados para outros gases, sendo os resultados qualitativamente semelhantes. A análise destes traçados permitiu concluir que, existindo uma mudança de coordenadas conveniente, os gráficos se tornam qualitativamente e quantitativamente semelhantes. A mudança de coordenadas acima referida corresponde a traçar os gráficos utilizando em abcissas valores da pressão reduzida e parametrizando as curvas em termos da temperatura reduzida. Pressão e temperatura reduzida, são os valores de pressão e temperatura adimensionalizados, respectivamente, pela pressão e temperatura criticas.

(2.10) T ; R

cc

RT

T

p

pp ==

Na Figura 2-8 apresentam-se os gráficos (usualmente designados por diagramas generalizados) do factor de compressibilidade em função da pressão reduzida, parametrizados em função da temperatura reduzida, para diversos gases.

Estes diagramas apresentam algumas imprecisões próximo do ponto critico. Por outro lado, para introduzir os valores para o volume especifico nestes diagramas, torna-se necessário recorrer ao volume especifico pseudo-reduzido, que se define através da relação:

(2.11) *

*'

c

c

R

pTR

vv =

O mérito da utilização dos diagramas generalizados para determinar p, v e T para os gases é a simplicidade aliada a uma apreciável precisão. Contudo, estes diagramas não devem substituir as tabelas apropriadas caso estejam

Page 38: Produção e Consumo de Energia Elétrica

34

disponíveis: os diagramas generalizados são úteis para ter estimativas das propriedades na ausência de dados mais precisos.

Figure 2-8: Diagrama generalizado da compressibilidade para diversos gases. [2.1]

A análise do diagrama generalizado permite concluir que o factor Z é unitário, ou aproximadamente unitário, para um conjunto de situações a saber:

• Para valores de pR inferiores a 0,05 e para uma gama considerável da temperatura, TR.

• Para valores de TR entre 2 e 3 e para uma gama considerável de pressão, pR.

• Para valores de TR superiores a 15.

Conclui-se assim que, para muitos gases em estados diversos, a relação entre pressão, volume específico e temperatura obedece a:

(2.12) 1 RTpvRT

pvZ =⇒==

A eq, (2.12) é denominada relação do gás ideal. Um gás ideal é aquele em qua as moléculas e atómos não interagem entre si.

Para qualquer gás cuja equação de estado seja dada exactamente pela eq.(2.12), a energia interna específica depende somente da temperatura. Dada a definição de entalpia específica, h = u+pv, e a eq.(2.12), conclui-se que, para um gás ideal, a entalpia específica também depende somente da temperatura. O modelo do gás ideal é assim descrito pelas equações (2.13) – (2.15).

Page 39: Produção e Consumo de Energia Elétrica

35

( )( ) ( ) (2.15)

(2.14)

(2.13)

RTTuThh

Tuu

RTpv

+==

=

=

Duas propriedades termodinâmicas particularmente úteis para os cálculos das propriedades de um gás ideal são o calor específico a volume constante, cv, e o calor específico a pressão constante, cp. Por definição:

( )

( )(2.17)

,

(2.16) ,

p

p

v

v

T

pThc

T

vTuc

∂=

∂=

Dado que, num gás ideal, a energia interna específica e a entalpia específica dependem só da temperatura, as derivadas parciais das eqs (2.16) e (2.17) tornam-se derivadas totais e cv e cp são função só da temperatura, pelo que é possível escrever:

( ) ( ) ( ) ( )

( ) ( ) ( ) ( ) (2.19)

(2.18)

2

1

2

1

12

12

=−⇒=

=−⇒=

T

T

pp

T

T

vv

dTTcThThdTTcdh

dTTcTuTudTTcdu

Derivando (2.15) em ordem a T e atendendo às eqs. (2.16) e (2.17) particularizadas para o caso de um gás ideal, é possível obter:

( ) ( ) (2.20) RTcTc vp =−

Adicionalmente, para um gás ideal, a relação, k, entre os calores específicos a pressão e volume constantes é só função da temperatura (eq. (2.21), pelo que é possível deduzir as eqs (2.22) e (2.23):

( )( )

( )

( ) (2.23) 1

(2.22) 1

(2.21)

−=

−=

=

k

RTc

k

kRTc

Tc

Tck

v

p

v

p

Salienta-se que k, cp e cv são função da temperatura, pelo que se torna necessário conhecer esta dependência por forma a integrar as eqs. (2.18) e (2.19). Na Figura 2-9 apresenta-se a variação de k com a temperatura para alguns gases.

Page 40: Produção e Consumo de Energia Elétrica

36

1,3

1,32

1,34

1,36

1,38

1,4

1,42

200 300 400 500 600 700 800 900 1000

T [ºK]

k [k

J/kg

ºK]

ar azoto Oxigénio Hidrogénio

Figure 2-9: Variação de k com a temperatura.

No Apêndice 2.5 encontram-se tabelados os valores da energia interna específica e entalpia específica do ar em função da temperatura. Esta tabela é desenvolvida assumindo que o ar obedece à eq.(2.13), ou seja, que o ar é um gás ideal. Nesta tabela, o integral (2.19) assume a forma:

( ) ( ) ( ) (2.24) ref

T

T

p ThdTTcTh

ref

+= ∫

onde Tref é uma temperatura de referência arbitrária e h(Tref) é a entalpia do ar a essa temperatura de referência. Para o caso da tabela constante no Apêndice 2.5, Tref = 0 ºK e h(Tref) = 0.

Um processo politrópico num sistema fechado é descrito por uma relação pressão-volume do tipo:

(2.25) ctepV n =

onde n é uma constante que pode assumir qualquer valor entre - ∞ e + ∞.Se n for nulo o processo diz-se isobárico. Se n for ± ∞ o processo diz-se isocórico (volume constante).

A eq. (2.26) rege o comportamento de um processo politrópico entre os estados 1 e 2.

(2.26) 2

1

1

2

n

V

V

p

p

=

Para um processo politrópico verifica-se ainda:

Page 41: Produção e Consumo de Energia Elétrica

37

(2.28) 1)(n ln

(2.27) 1)(n 1

1

211

2

1

2

1

1122

=

=

≠−

−=

V

VVppdV

n

VpVppdV

As eqs (2.25) a (2.28) aplicam-se a qualquer gás ou liquido sujeito a um processo politrópico. No caso de um gás ideal, as eqs (2.26)-(2.28) assumem a forma:

( )

(2.31) 1)(n ln

(2.30) 1)(n 1

(2.29)

1

2

2

1

12

2

1

1

2

1

1

1

2

1

2

=

=

≠−

−=

=

=

−−

V

VmRTpdV

n

TTmRpdV

V

V

p

p

T

Tn

nn

Entropia

A 2ª lei da Termodinâmica, na formulação de Clausius, estipula que é impossível, de uma forma espontânea transferir energia na forma de calor de um corpo a temperatura mais baixa para um corpo a temperatura mais elevada. Clausius não estipula que é impossível transferir energia de um corpo a temperatura mais baixa para um corpo a temperatura mais elevada ( os sistemas de refrigeração ou as bombas de calor executam exactamente esta operação). O que Clausius diz é que é impossível, de uma forma espontânea, que essa transferência se execute. Num frigorifico existe um motor eléctrico que, para operar, necessita que lhe seja fornecido trabalho. O que o enunciado de Clausius afirma é que um sistema de refrigeração não pode operar sem lhe ser fornecido trabalho do exterior.

Na formulação de Kelvin-Planck, a 2ª lei da Termodinâmica estipula que é impossível que um sistema opere num ciclo termodinâmico e forneça uma quantidade de trabalho liquida ao meio que o circunda, se receber energia por transferência de calor de um único reservatório. O enunciado de Kelvin-Planck não afirma que um sistema alimentado por uma só fonte térmica não possa trocar trabalho liquido com o exterior. Só nega esta possibilidade se o sistema executar um ciclo termodinâmico.

Implicitamente, tanto a formulação de Clausius como a formulação de Kelvin –Planck da 2ª lei da Termodinâmica, revelam que, há processos que não são espontaneos (transferir energia sob a forma de calor de um corpo a temperatura mais baixa para um corpo a temperatura mais elevada) e há processos que não são reversíveis ( para realizar um ciclo termodinâmico com base numa única fonte é necessário fornecer mais trabalho ao sistema do que aquele que obtemos do sistema).

Page 42: Produção e Consumo de Energia Elétrica

38

A transferência de energia de um corpo a elevada temperatura para um corpo ou meio a mais baixa temperatura, é um processo natural e obedece à tendência natural de dispersão da energia. Para se realizar a operação inversa tem que se produzir trabalho, ou seja tem que se adicionar energia sob a forma de trabalho ao processo.

A formulação de Kelvin Planck da 2ª lei refere que não é possível, com base numa única fonte de energia, realizar um ciclo termodinâmico em que seja transferida energia por trabalho para o exterior. A realização de um ciclo termodinâmico implica que no final do ciclo se regressa às condições iniciais. O que o enunciado de Kelvin – Planck afirma é que é impossível, nas condições por eles postuladas, regressar às condições iniciais sem transferir energia por trabalho para o sistema, ou seja o sistema não regressa espontâneamente ao estado inicial: o processo é irreversível. Esta irreversibilidade do processo deve-se ao facto de a energia ter tendência para se dispersar e não para se concentrar.

O conceito de irreversibilidade é central na formulação da 2ª lei da Termodinâmica e é uma consequência da tendência da energia para a dispersão.

Um processo diz-se irreversível se o sistema e meio que o circunda não podem ser exactamente conduzidos à situação inicial em que se encontravam após a ocorrência do processo. Um processo diz-se reversível se, tanto o sistema como o meio que o circunda puderem, após a ocorrência do processo, ser reconduzidos exactamente à situação inicial em que se encontravam.

A irreversibilidade de um processo não exclui a possibilidade de o sistema poder ser reconduzido à situação inicial em que se encontrava, o que exclui é a possibilidade de reconduzir, simultaneamente, o sistema e meio que o circunda à situação inicial em que ambos se encontravam.

Em Termodinâmica sistema e meio circundante não podem ser analisados separadamente, já que as transferências de energia através das fronteiras do sistema afectam ambos.

Exemplos de processos irreversíveis são a transferência de calor devido ao atrito, a expansão livre de um gás ou liquido para uma pressão mais baixa, uma reacção química espontânea, uma resistência a ser percorrida por uma intensidade de corrente, a magnetização ou polarização com histerese e a deformação inelástica. Estes exemplos de irreversibilidade sugerem que todos os processos reais são irreversíveis, o que na realidade acontece.

É muitas vezes conveniente dividir as irreversibilidades em irreversibilidades externas e internas conforme se verificam dentro do sistema ou no meio que o circunda. Esta classificação é largamente arbitrária, já que implica a definição de uma fronteira, que muitas vezes é puramente imaginária. Apesar de tudo, a definição de irreversibilidades externas e internas é extremamente conveniente para o estudo e análise dos sistemas termodinâmicos.

Um corolário da 2ª lei da Termodinâmica, proposto por Clausius, aplicável a qualquer ciclo independentemente das fontes ou sumidouros (poços) de energia transferida por calor , estipula que:

Page 43: Produção e Consumo de Energia Elétrica

39

∫ ≤

(2.32) 0

bT

onde δQ representa a transferência de calor numa parte da fronteira do sistema num dado ponto do ciclo e T a temperatura absoluta nessa parte da fronteira. O índice “b” impõe que o integral cíclico seja calculado ao longo da fronteira do sistema que executa o ciclo.

O significado do corolário de Clausius é melhor compreendido através de um exemplo. Considere-se o reservatório térmico e sistema ilustrados na Figura 2-10. Um sistema troca energia térmica δQ num ponto da sua fronteira em que a temperatura absoluta é T e desenvolve o trabalho δW. O calor δQ é recebido de (ou fornecido a) um reservatório térmico que se encontra à temperatura Tres. Por forma a assegurar que não se verificam irreversibilidades resultantes da transferência de calor entre o reservatório e o sistema, assuma-se que esta transferência de calor ocorre através de um sistema intermédio que realiza um ciclo onde não ocorre qualquer tipo de irreversibilidade. Este ciclo, realizado no sistema intermédio, troca uma quantidade de calor δQ’ com o reservatório e uma quantidade de calor δQ com o sistema, realizando, simultaneamente, o trabalho δW’.

Figure 2-10: Ilustração utilizada para a desigualdade de Clausius. [2.1]

Da definição de escala de Kelvin [2.1], verifica-se a seguinte relação:

(2.33) '

bres T

Q

T

Q

=

δδ

Considere-se de seguida o sistema combinado delimitado pela linha a ponteado na Figura 2-10. A aplicação do principio da conservação da energia (eq.(1.32)) conduz a:

(2.34) ' Cc WQdE δδ −=

onde δWC é o trabalho total realizado pelo sistema combinado (soma de δW

com δW’) e dEC representa a variação de energia deste sistema.

Page 44: Produção e Consumo de Energia Elétrica

40

Utilizando a eq. (2.33) para eliminar δQ’ em (2.34) vem:

(2.35) c

b

resc dET

QTW −

δ

Admita-se que o sistema realiza um ciclo, realizando o sistema intermédio um ou mais ciclos. O trabalho total do sistema combinado é dado por:

(2.36) ∫∫∫

=−

=

b

resc

b

rescT

QTdE

T

QTW

δδ

Num sistema que realiza um ciclo as variações de energia são nulas, pelo que o integral cíclico de dEc se anula. Em virtude de o sistema composto realizar um ciclo e trocar energia com um só reservatório e, atendendo ao enunciado de Kelvin-Planck do 2º principio da Termodinâmica que estipula que o trabalho liquido trocado com o exterior tem de ser negativo ou nulo, conclui-se que Wc na eq.(2.36) tem de ser menor ou igual a zero, pelo que o corolário de Clausius (eq.(2.32)) fica demonstrado.

O sinal de igualdade na eq.(2.32) verifica-se no caso de o sistema não possuir irreversibilidades internas, aplicando-se o sinal de desigualdade quando o sistema as possua.

A eq (2.32) pode ser posta na forma:

∫ −=

(2.37) ciclo

bT

δ

em que o valor de σciclo pode ser maior ou igual a zero e traduz o grau de irreversibilidade do processo.

Admita-se um ciclo constituído por um processo reversível A que conduz o sistema do estado 1 ao estado 2, seguido de um processo reversível C que conduz o sistema do estado 2 ao estado inicial, 1. Aplicando a eq. (2.37) a este ciclo obtém-se:

(2.38) 0

1

2

2

1

=−=

+

∫∫ ciclo

CAT

Q

T

δδ

em virtude do ciclo não possuir irreversibilidades.

Admita-se agora que entre os mesmos estados 1 e 2 se realiza um ciclo constituído por um processo reversível B que conduz o sistema do estado 1 ao estado 2 seguido do processo reversível C anteriormente considerado, que conduz o sistema do estado 2 ao estado 1. Nesta caso a eq. (2.37) assume a forma:

(2.39) 0

1

2

2

1

=−=

+

∫∫ ciclo

CBT

Q

T

δδ

As eqs. (2.38) e (2.39) conduzem assim a:

Page 45: Produção e Consumo de Energia Elétrica

41

(2.40)

2

1

2

1 BAT

Q

T

Q

=

∫∫

δδ

Este resultado revela que o integral de δQ/T é idêntico em ambos os processos. Em virtude dos processos A e B serem arbitrários, conclui-se que o integral δQ/T possui o mesmo valor para qualquer processo reversível que se realize entre dois quaisquer estados. Conclui-se assim que o resultado do integral depende apenas dos estados inicial e final, encontrando-nos assim em presença de uma função de estado, ou seja, o integral traduz a modificação de uma propriedade do sistema. Seleccionando o símbolo S para definir esta propriedade e denominando-a por entropia, tem-se a definição:

(2.41)

int,

2

1

12

revT

QSS

=− ∫

δ

No sistema internacional a entropia exprime-se em J/ºK. À semelhança de outras propriedades termodinâmicas, define-se entropia específica, s, como sendo a entropia por unidade de massa e exprime-se em J/kgºK.

Em virtude da entropia ser uma função de estado, a variação depende apenas dos estados final e inicial e não da forma como são atingidos. A variação da entropia é assim igual para todos os processos estabelecidos entre dois determinados estados, independentemente da reversibilidade ou irreversibilidade dos processos. A eq.(2.41) permite assim determinar a variação da entropia entre os estados genéricos 1 e 2, para qualquer processo que se desenvolva entre estes dois estados.

A eq. (2.41) é utilizada para a construção de tabelas e diagramas para determinação dos valores da entropia. Para tanto basta seleccionar um estado de referência (estado 1 na eq. (2,41)). A utilização de valores de entropia referidos a um dado estado de referência é suficiente, desde que os cálculos a efectuar envolvam apenas a diferença de entropias visto que, nestas condições, o valor tomado para referência cancela-se. Esta aproximação é suficiente quando estamos em presença de substâncias simples, puras e compressíveis, Contudo, quando ocorrem reacções químicas torna-se necessário trabalhar com os valores de referência da entropia, pelo que esta aproximação deixa de ser válida.

As tabelas constantes dos Apêndices 2.1 a 2.4 incluem os valores da entropia específica da água enquanto substância simples, pura e compressível. Um diagrama frequentemente utilizado, é o diagrama temperatura-entropia que se apresenta na Figura 2-11.

Page 46: Produção e Consumo de Energia Elétrica

42

Figure 2-11: Diagrama Temperatura-Entropia. [2.1]

Este diagrama apresenta uma similaridade muito grande com o diagrama T-v apresentado na Figura 2-3. Uma das vantagens deste diagrama reside no facto de ser possível a representação das linhas de entalpia específica constante. Na região de vapor sobreaquecido, estas linhas tornam-se praticamente horizontais, o que indicia que, para os estados do vapor que se encontrem nesta região, a entalpia específica depende fundamentalmente da temperatura, sendo pouco sensível à variação de pressão entre estados. Nesta região do diagrama a consideração do vapor como um gás ideal constitui uma aproximação razoável.

Uma forma alternativa de escrever a eq. (2.41) é a constante na eq. (2.42).

(2.42) int,revT

QdS

=

δ

Considere-se um qualquer sistema simples, compressível sujeito a um processo internamente reversível. Na ausência de energia cinética e desprezando o efeito da gravidade, a aplicação do principio de conservação da energia ( eq. (1.32)) conduz a :

( ) ( ) (2.43) .int,int, revrev WdUQ δδ +=

Da eq. (2.1), que caracteriza os sistemas simples, compressíveis, tem-se:

( ) (2.44) int, pdVW rev =δ

A partir das eqs (2.42)-(2.44) conclui-se:

(2.45) pdVdUTdS +=

Page 47: Produção e Consumo de Energia Elétrica

43

Por outro lado, a partir da definição de entalpia (eq.(1.10)) e das eqs (2.42) –(2.45), é possível obter:

(2.46) VdpdHTdS −=

As eqs (2.45) e (2.46) podem ser expressas em por unidade de massa:

(2.48)

(2.47)

vdpdhTds

pdvduTds

−=

+=

Apesar das equações TdS (ou Tds) terem sido derivadas considerando um processo internamente reversível, a variação da entropia do sistema obtida por integração destas equações, é a modificação da entropia do sistema para qualquer processo reversível ou irreversível entre dois estados de equilibrio. Esta asserção só é verdadeira porque a entropia é uma função de estado, ou seja, a variação só depende dos estados inicial e final e não da forma como são atingidos.

No caso de estarmos em presença de um gás ideal, a determinação da variação da entropia específica entre dois estados pode ser obtida a partir da combinação das eqs. (2.47) e (2.48) com as eqs. (2.13), (2.18) e (2.19).

( )

( ) (2.50)

(2.49)

p

dpR

T

dTTcds

v

dvR

T

dTTcds

p

v

−=

+=

A integração das eqs (2.49) e (2.50) conduz a:

( ) ( ) ( )

( ) ( ) ( ) (2.52) ln,,

(2.51) ln,,

1

21122

1

21122

2

1

2

1

p

pR

T

dTTcpTspTs

v

vR

T

dTTcvTsvTs

T

T

p

T

T

v

−=−

+=−

À semelhança da energia interna e entalpia, os valores da entropia do ar, modelado como gás ideal, encontram-se tabelados (Apêndice 2.5). Por forma a construir esta tabela é necessário escolher um estado de referência e um valor de referência para a entropia: o valor da entropia específica é suposto ser nulo quando a temperatura for 0 ºK e a pressão 1 atm. Utilizando a eq. (2.52) é possível determinar a entropia de um gás ideal a uma temperatura genérica T e à pressão de 1 atm tendo como base esta referência:

( ) (2.53) 0

0

∫=T

pdT

T

cTs

Salienta-se que o valor de s0(T) se refere à temperatura T e à pressão de 1 atm. Porque s0 depende só da temperatura, pode ser tabelado como h ou u. Por forma a determinar a entropia para condições de pressão diferente, tendo em conta os valores tabelados, deve recorrer-se à eq.(2.54).

( ) ( ) ( ) ( ) (2.54) ln,,1

21

0

2

0

1122p

pRTsTspTspTs −−=−

Page 48: Produção e Consumo de Energia Elétrica

44

A variação da entropia, tal como definida pelas eqs. (2.41) e (2.42), obtém-se a partir da relação entre a transferência de energia térmica que ocorre num processo e a temperatura absoluta a que esta transferência ocorre. Acresce que a dedução das eqs (2.41) e (2.42) é realizada para processos reversíveis, concluindo-se que a entropia é uma função de estado, o que implica que os resultados expressos por (2.41) e (2.42) são aplicáveis a todos os processos reversíveis ou não. Todos os desenvolvimentos subsequentes à obtenção de (2.41) e (2.42) são realizados com base em processos reversíveis, contudo, como a entropia é uma função de estado, os resultados são também aplicáveis a processos irreversíveis.

Analise-se então um ciclo que se desenvolve entre dois estados 1 e 2 constituído por dois processos: o processo A é irreversível e conduz o sistema do estado 1 ao estado 2; o processo B é reversível e conduz o sistema do estado 2 ao estado 1. A aplicação do corolário de Clausius conduz a:

(2.55)

2

1

1

2 int,

σδδ

−=

+

∫ ∫

revb T

Q

T

Q

A partir da eq. (2.41), que define a variação de entropia entre dois estados, é possível pôr (2.55) na forma:

(2.56)

2

1

12 σδ

+

=− ∫bT

QSS

A eq. (2.56) revela que, uma vez fixados os estados finais, é possível calcular a variação da entropia sem ter em consideração os detalhes do processo.

Os dois termos do lado direito de (2.56) dependem do processo e não podem ser calculados apenas com o conhecimento dos estados inicial e final. O

termo ∫

2

1 bT

Qδestá associado à transferência de energia por calor de/para o

sistema durante o processo. Este termo pode ser interpretado como sendo a transferência de entropia que “acompanha” a transferência de energia por calor. A direcção de transferência de entropia processa-se no mesmo sentido que a direcção de transferência de calor, o que significa que se a transferência de energia por calor for positiva (energia fornecida ao sistema), a variação da entropia é também positiva. Se a transferência de energia por calor for negativa (energia fornecida pelo sistema) a variação da entropia é negativa. Quando não há transferência de energia por calor, não há transferência de entropia.

O segundo termo de (2.56), que, de acordo com o corolário de Clausius, é sempre positivo, pode ser visualizado como sendo a produção de entropia devido às irreversibilidades dos processo. Se no processo não existirem irreversibilidades o valor de σ é nulo. Note-se que se não existirem transferências de energia por calor, mas existirem transferências de energia por trabalho, num processo irreversível há sempre produção de entropia.

Page 49: Produção e Consumo de Energia Elétrica

45

Do exposto pode concluir-se que a entropia se encontra associada ao processos de transferência de energia e que é uma medida da energia não útil, ou seja da parcela de energia que se não pode aproveitar.

Boltzmann estendeu o conceito de entropia ao nível atómico. Boltzmann apercebeu-se que, quando observamos um sistema macroscópico não conseguimos registar as propriedades exactas de cada um dos átomos que constituem este sistema: há diferentes arranjos possíveis para cada átomo particular que não são distinguíveis a nível macroscópico.

Em termos atómicos, Boltzmann definiu a entropia da seguinte forma: a Entropia é uma medida do número de arranjos microscópicos dos átomos que não são distinguíveis macroscópicamente.

Com esta definiçao torna-se perceptível porque é que num sistema isolado a entropia tende a aumentar: o número de arranjos possíveis dos átomos é maior num sistema de elevada entropia do que num sistema de baixa entropia, daí a tendência para a entropia do sistema aumentar.

A definição de Boltzmann introduz uma ligeira alteração na 2ª lei da Termodinâmica. Na formulação de Clausius a entropia de um sistema isolado ou se mantém constante ou aumenta. Na formulação de Boltzmann a entropia de um sistema isolado tem uma elevada tendência para aumentar, o que implica que não tem necessáriamente de aumentar.

Em termos gerais, o 2º principio da Termodinâmica estipula que a energia tem, espontaneamente, tendência para se difundir e não para se concentrar. O 2º principio da Termodinâmica afirma que nem todos os processos que obedecem à 1º lei da Termodinâmica são possíveis, permitindo distinguir os que se podem verificar daqueles que se não podem verificar.

O conceito de entropia está umbilicalmente ligado ao 2º principio da Termodinâmica, pelo que se pode dizer que a entropia é a quantificação deste principio, ou seja que a entropia é uma medida da tendência da energia para se difundir.

Processos Isentrópicos. Rendimento Isentrópico

O termo isentrópico significa que não há variação da entropia. A análise de muitos sistemas termodinâmicos é frequentemente realizada admitindo que o processo decorre sem variação da entropia, ou seja que não há irreversibilidades internas no processo e que não há trocas de calor com o exterior (processo adiabático). Considerar que os processos são isentrópicos facilita a utilização das tabelas e gráficos que listam as propriedades das substâncias em função das propriedades independentes. Considere-se a Figura 2-12 onde se encontram diagramas T-s para a água e para um gás ideal.

Page 50: Produção e Consumo de Energia Elétrica

46

(a) (b)

Figure 2-12: Diagramas T-s. (a):Água (b) Gás ideal. [2.1]

Conforme representado na Figura 2-12 todos os estados situados sobre a linha vertical dos diagramas possuem entropia constante.

Tomando o caso representado na Figura 2-12 (a), suponha-se que o estado do ponto 1 é conhecido. A caracterização deste estado é dada através dos valores de temperatura e pressão no ponto 1 (T1,p1). Dado que o ponto 1 se encontra na zona de vapor sobreaquecido do diagrama, recorrendo à tabela do Apêndice 2.1, é possível determinar a entalpia específica e entropia específica neste ponto. Sendo o processo isentrópico, a entalpia específica, temperatura e pressão no ponto 2 ( que se encontra ainda na região de vapor sobreaquecido) pode ser determinada recorrendo de novo aos valores tabelados no Apêndice 2.1. No caso do ponto 3 da Figura 2-12 (a) o procedimento é idêntico, só que neste caso se recorre à tabela constante no Apêndice 2.3 ( ou à tabela constante no Apêndice 2.4) em virtude do ponto 3 se situar na região do diagrama onde coexistem duas fases. A determinação da entalpia, pressão e temperatura no ponto 3 passa ainda pela determinação do titulo do vapor (eq.(2.7)).

Na Figura 2-12 (b) encontram-se representados dois estados de um gás ideal possuindo a mesma entropia. Nestas condições a eq.(2.54) escreve-se na forma:

( ) ( ) (2.57) ln01

21

0

2

0

p

pRTsTs −−=

A eq. (2.57) envolve 4 valores de propriedades p1, T1, p2 eT2. Conhecendo 3 dos 4 valores é possível determinar o outro. Admita-se que se conhece T1 e a relação p2/p1. Da tabela do Apêndice 2.5 e eq. (2.57) é possível determinar s0(T2). A partir deste valor, por interpolação dos valores constantes na tabela do Apêndice 2.5, determina-se T1.

Se forem conhecidos p1, T1, eT2, a partir da eq. (2.57) na forma:

Page 51: Produção e Consumo de Energia Elétrica

47

( )

( )(2.58)

exp

exp

1

0

2

0

1

2

=

RTs

RTs

p

p

é possível determinar p2.

O termo exp[s0(T)/R] da eq.(2.58) depende só da temperatura pelo que é possível inclui-lo nas tabelas. Este termo é frequentemente denominado por pressão relativa e representado por pr(T), apesar de pr não ser efectivamente uma pressão. Convém ainda não confundir pr, pressão relativa, com pR, pressão reduzida que é utilizada nos diagramas de compressibilidade (eq.(2.10)).

Expressa em termos da pressão relativa, a eq. (2.58) vem:

( ) (2.59) 21

1

2

1

2 ssp

p

p

p

r

r ==

É possível deduzir uma equação semelhante a (2.59) em que se relacionam os volumes específicos nos estados 2, v2, e 1,v1, utilizando as eqs.(2.13) e (2.59):

(2.60) 1

1

2

2

1

2

=

RT

p

p

RT

v

v r

r

Dado que o termo [RT/pr] da eq.(2.60) depende só da temperatura, é possível tabelá-lo. Este termo é denominado volume relativo e representado por vr. A eq.(2.60) pode assim ser expressa em função dos volumes relativos:

( ) (2.61) 21

1

2

1

2 ssv

v

v

v

r

r ==

No caso de se estar na presença de um gás ideal sujeito a um processo isentrópico para o qual se possa considerar que os calores específicos não variam com a temperatura, T, as eqs.(2.51)-(2.52) assumem a forma:

(2.63) lnln0

(2.62) lnln0

1

2

1

2

1

2

1

2

v

vR

T

Tc

p

pR

T

Tc

v

p

+=

−=

Substituindo as eqs (2.21)-(2.23), em (2.62) e (2.63) permite obter:

(2.66) ),(

(2.65) ),(

(2.64) ),(

21

2

1

1

2

21

1

2

1

1

2

21

1

1

2

1

2

ctekssv

v

p

p

ctekssv

v

T

T

ctekssp

p

T

T

k

k

k

k

==

=

==

=

==

=

Page 52: Produção e Consumo de Energia Elétrica

48

Da eq. (2.66) conclui-se que o processo politrópico, pvk = cte, de um gás ideal em que k seja constante em todo o processo, é um processo isentrópico.

A hipótese de isentropia de um processo, é uma hipótese que auxilia a análise termodinâmica do processo mas que raramente se verifica, ou seja, os processos reais não são isentrópicos. Por forma a contabilizar o comportamento real do processo, recorre-se à utilização do rendimento isentrópico que permite quantificar a diferença entre o comportamento real de um equipamento num processo e o comportamento ideal ( isentrópico, sem irreversibilidades) do mesmo equipamento no mesmo processo.

O rendimento isentrópico possui uma definição diferente conforme se esteja na presença de um equipamento que produz trabalho ou de um equipamento ao qual é fornecido trabalho. Admita-se que se verifica a expansão de um fluido (vapor ou gás) numa turbina. À entrada da turbina o fuido é caracterizado por se encontrara a uma pressão p1 e a uma temperatura T1, sendo a pressão à saída da turbina, p2, conforme ilustrado na Figura 2-13. Admita-se que não há transferência de calor entre a turbina e o meio circundante (processo adiabático). Nestas condições, a aplicação do principio da conservação da energia (eq.(1.37)) conduz a:

(2.67) 21 hhw −=

Figure 2-13: Comparação de uma expansão real e isentrópica numa turbina. [2.1]

Conhecidas as condições do fluido no estado 1, é possível determinar a entalpia específica, h1. O valor do trabalho produzido depende de h2 e aumenta com a diferença entre h1 e h2. O maior valor de w verifica-se quando a expansão se verificar isentrópicamente, ou seja, da eq (2.37), quando σciclo for nulo. Como σciclo tem de ser maior ou igual a zero (ver eq.(2.32)), qualquer valor de σciclo diferente de zero implica que a entalpia à saída (h2) é superior à entalpia isentrópica à saída (h2s), tal como ilustrado na Figura 2-13. Por

Page 53: Produção e Consumo de Energia Elétrica

49

definição, para processos em que seja produzido trabalho, o rendimento isentrópico é dado pela eq.(2.68):

(2.68) 21

21

s

isenthh

hh

−=η

No caso de ocorrer a compressão de um fluido torna-se necessário fornecer trabalho ao sistema. O trabalho fornecido ao sistema é, neste caso, dado ainda por (2.67). Dado que h1 < h2 (Figura 2-14), o trabalho é negativo, o que se encontra conforme a convenção estabelecida no parágrafo 1.3.

Dadas as condições iniciais T1, p1, á possível determinar h1. De acordo com a eq,(2.67) o trabalho fornecido ao sistema diminui com a diminuição de h2, pelo que o menor valor possível para h2 (h2s) corresponde à situação em que a compressão do fluido se verifica isentrópicamente( eq.(2.37)). Num processo real h2 > h2s, tornando-se assim necessário fornecer ao processo mais trabalho que o mínimo necessário. Para processos em que seja fornecido trabalho ao sistema, o rendimento isentrópico é dado por:

(2.69) 21

21

hh

hh s

isent −

−=η

Figure 2-14: Comparação de uma expansão real e isentrópica num compressor. [2.1]

2.2 Substâncias Incompressíveis.

Para diversas substâncias existem regiões no plano p-v-T em que o volume específico varia pouco com a pressão e temperatura e em que a energia interna específica varia pouco com a pressão. Na Figura 2-15, representa-se a variação do volume específico e energia interna específica da água no estado de liquido comprimido, com a pressão para dois valores de temperatura.

Page 54: Produção e Consumo de Energia Elétrica

50

0,000975

0,00098

0,000985

0,00099

0,000995

0,001

0,001005

0,00101

25 50 75 100 150 200 250 300

p [bar]

v [m

3/kg

]

60

80

100

120

140

160

180

u[k

J/kg

]

v (T=20 ºC) v (T=40 ºC) u(T=20 ºC) u(T=40 ºC)

Figure 2-15: Variação do volume e energia interna específica da água com a pressão para diferentes valores de temperatura.

Os resultados apresentados na Figura 2 -15 revelam que o volume específico da água varia pouco com a pressão e temperatura e que a energia interna é, praticamente, constante com a pressão, variando substancialmente com a temperatura. A uma substância em que se assume que o volume específico se mantém constante e que a energia interna é só função da temperatura, denomina-se substância incompressível.

Nas eqs (2.16) e (2.17) define-se, com generalidade, os calores específicos a pressão e volume constante. No caso de uma substância incompressível, (2.16) e (2.17), transformam-se, atendendo a (1.10), em:

( ) ( ) ( ) (2.70) TcTcTc pv ==

pelo que as variações da energia interna e entalpia específica entre o estado de entrada, 1, e o estado de saída, 2, vêm expressas na forma:

( )

( ) ( ) (2.72)

(2.71)

1212

12

2

1

2

1

ppvdTTchh

dTTcuu

T

T

T

T

−+=−

=−

A variação de entropia específica entre o estado 1 e o estado 2 pode ser determinada a partir de (2.47) e (2.71):

( )(2.73)

2

1

12 ∫=−T

T

dTT

Tcss

Page 55: Produção e Consumo de Energia Elétrica

51

2.3 Combustão

Quando ocorre uma reacção química, a ligação entre as moléculas dos reagentes quebram-se e verifica-se um novo arranjo entre átomos e electrões que originam os produtos da reacção. Numa reacção de combustão verifica-se uma oxidação rápida dos elementos combustíveis do combustível, o que origina a libertação de energia e a formação dos produtos desta reacção química. Nos combustíveis mais frequentemente utilizados, os principais elementos químicos que entram em combustão são o carbono, o hidrogénio e o enxofre. A combustão do enxofre tem um contributo modesto para a libertação de energia, mas tem um impacte decisivo na geração de produtos da combustão agressores do meio ambiente.

Diz-se que a combustão de um combustível é completa se todo o carbono existente no combustível se “transforma” em dióxido de carbono, CO2, todo o hidrogénio se transforma em água e todo o enxofre se transforma em dióxido de enxofre, SO2. Se estas condições se não verificarem diz-se que a combustão foi incompleta.

Por forma a que se verifique uma reacção de combustão, torna-se necessário a presença de oxigénio. Na maioria das aplicações, é o ar que fornece o oxigénio necessário para que se verifique a combustão.

À menor quantidade de ar que fornece a quantidade suficiente de oxigénio para que se verifique a combustão completa de todo o carbono, hidrogénio e enxofre presentes no combustível, designa-se por ar teórico. Nestas condições os produtos da combustão seriam o CO2, H2O, SO2, o azoto proveniente do ar e o azoto proveniente do combustível. Neste caso, se a combustão for completa, não deve existir oxigénio livre entre os produtos da combustão.

Normalmente a quantidade de ar fornecido ou é maior ou é menor que a quantidade teórica. A quantidade de ar realmente fornecida para que a combustão ocorra é normalmente expressa em percentagem da quantidade de ar teórico. Assim, 150% de ar teórico, significa que a quantidade de ar envolvido no processo de combustão é 1,5 vezes superior à quantidade de ar teórico.

A combustão é o resultado de uma série de reacções químicas muito complexas e rápidas, dependendo os produtos formados de diversos factores. Quando é queimado um combustível no cilindro de um motor de combustão interna, os produtos da reacção variam com a temperatura e pressão no interior do cilindro. Em todo o equipamento de combustão o grau de mistura de combustível e ar é o factor de controlo das reacções a partir do instante em que se verifique a ignição desta mistura. Apesar da quantidade de ar fornecida nos processos de combustão reais, exceder a quantidade teórica, não é rara a existência de monóxido de carbono e oxigénio não queimado entre os produtos de combustão. Este facto pode ocorrer em virtude da mistura combustível/ar ser incompleta, o tempo de duração da combustão ser insuficiente ou outros factores. Conclui-se assim que, ao invés

Page 56: Produção e Consumo de Energia Elétrica

52

da combustão completa, o tipo e percentagem de produtos originados por um processo real de combustão só pode ser determinado experimentalmente.

O estudo da combustão merece uma abordagem própria e está para além dos objectivos prosseguidos neste curso introdutório.

Os processos que são objecto de análise neste curso utilizam um dado fluido como fluido de trabalho, ou seja existe um fluido que, em dadas condições, é o veículo da conversão de energia seja sob a forma de calor seja sob a forma de trabalho.

Nas centrais denominadas a vapor, o fluido de trabalho é a água quer na fase líquida, quer na fase de vapor, quer nas duas fases. Nas centrais a vapor, a energia térmica é transferida para o fluido de trabalho através de calor, podendo o processo de combustão ser visualizado como um processo “externo”.

Há contudo processos de conversão de energia química em energia mecânica que utilizam o ar como fluido de trabalho. Nestas condições a consideração da combustão do combustível como um processo “externo” constitui uma aproximação grosseira que não conduz a resultados fiáveis sob o ponto de vista quantitativo. Nestes processos é usual modelar o ar como um gás ideal, a combustão é substituída por um processo de transferência de energia térmica de uma fonte externa e não se modelam a admissão de ar e a exaustão de produtos ao/do processo. A análise de processos que têm o ar como fluido de trabalho e em que estas hipóteses de modelação são impostas, denominam-se analises com ar padrão. É esta a aproximação seguido neste curso.

2.4 Bibliografia

[1.1] M.Moran; H. Shapiro: “Fundamentals of Engineering Thermodynamics”, 3rd Edition, John Wiley & Sons, 1998.

[1.2] N.V. Khartchenko: “Advanced Energy Systems”, Taylor &Francis,1998.

[1.3] Reiner Decher: “Energy Conversion”, Oxford University Press, 1994.

Page 57: Produção e Consumo de Energia Elétrica

53

2.5 Apêndice 2.1: Tabelas vapor sobreaquecido.

Page 58: Produção e Consumo de Energia Elétrica

54

Page 59: Produção e Consumo de Energia Elétrica

55

Page 60: Produção e Consumo de Energia Elétrica

56

Page 61: Produção e Consumo de Energia Elétrica

57

2.6 Apêndice 2.2: Tabelas liquido comprimido

Page 62: Produção e Consumo de Energia Elétrica

58

2.7 Apêndice 2.3: Tabelas de liquido saturado (tabelas de temperatura).

Page 63: Produção e Consumo de Energia Elétrica

59

Page 64: Produção e Consumo de Energia Elétrica

60

2.8 Apêndice 2.4: Tabelas de liquido saturado (tabelas de pressão).

Page 65: Produção e Consumo de Energia Elétrica

61

Page 66: Produção e Consumo de Energia Elétrica

62

2.9 Apêndice 2.5: Propriedades do ar como gás ideal.

Page 67: Produção e Consumo de Energia Elétrica

63

Page 68: Produção e Consumo de Energia Elétrica

64

Page 69: Produção e Consumo de Energia Elétrica

65

3 Centrais Térmicas a Vapor. O Ciclo de Rankine.

Nas centrais térmicas a vapor o fluido de trabalho é a água. A Figura 3-1 ilustra os componentes básicos de uma central térmica a vapor. A análise termodinâmica da central é facilitada se se considerarem quatro subsistemas: o subsistema A onde se verifica a conversão de calor em trabalho, sendo a energia térmica armazenada no fluido de trabalho convertida em energia mecânica na turbina; o subsistema B em que se verifica a conversão da energia química contida no combustível (ou a conversão da energia nuclear, ou a conversão da energia da radiação solar) em energia térmica armazenada no fluido de trabalho; o subsistema C em que a energia contida no fluido de trabalho é cedida à fonte fria; e o subsistema D em que a energia mecânica da turbina é convertida em energia eléctrica no gerador.

Figura 3-1: Componentes de uma central térmica a vapor. [3.1]

3.1 Rendimento Térmico e Ciclo de Carnot.

Considere-se o subsistema A da Figura 3-1. Neste subsistema não há transferência de massa através das fronteiras, pelo que nos encontramos em presença de um sistema fechado. Acresce que o fluido de trabalho, a água, retorna ciclicamente ao estado inicial, pelo que é realizado um ciclo termodinâmico que, numa primeira aproximação, se admite não possuir irreversibilidades.

A aplicação do principio da conservação de energia ao subsistema A conduz a:

Page 70: Produção e Consumo de Energia Elétrica

66

(3.1) ciclociclociclo WQE −=∆

onde Qciclo e Wciclo representam, respectivamente, os valores líquidos de transferência de energia por calor e trabalho do ciclo. Como é realizado um ciclo termodinâmico , ∆Eciclo é nulo. Na Figura 3-1 o subsistema B funciona como uma fonte de energia térmica para o subsistema A, funcionando o subsistema C como um sumidouro de energia térmica para o subsistema A. Nestas condições é possível rescrever a eq. (3.1) na forma:

(3.2) ciclooutinciclo WQQQ =−=

onde Qin representa a energia transferida por calor do subsistema B, representando Qout a energia transferida por calor para o subsistema C.

De acordo com a formulação de Kelvin-Planck da 2ª lei da Termodinâmica, o valor de Qout tem de ser maior que zero para que o ciclo possa fornecer trabalho liquido ao exterior, pelo que se conclui que só uma parcela da transferência de energia Qin pode ser convertida em trabalho.

Definindo rendimento térmico do ciclo, ηth, como sendo a relação entre o trabalho líquido, Wciclo, fornecido pelo ciclo e a energia térmica transferida por calor para o ciclo, Qin, tem-se:

(3.3) 1in

out

in

ciclo

thQ

Q

Q

W−==η

O ciclo que conduz ao maior valor de ηth é o ciclo de Carnot que se encontra representado na Figura 3-2

Figura 3-2: O Ciclo de Carnot. [3.2]

O ciclo de Carnot é constituído por quatro processos reversíveis: um processo de expansão isotérmica 1-2, em que é transferida energia térmica por calor, qin, para o ciclo a partir de um reservatório a uma temperatura, Th; uma expansão isentrópica 2-3; um processo de compressão isotérmica 3-4, em que é transferida energia por calor, qout, para um reservatório a uma temperatura, Tc (Tc<Th); e um processo de compressão isentrópica 4-1.

Page 71: Produção e Consumo de Energia Elétrica

67

A partir da eq.(2.33), é possível escrever a eq. (3.3) na forma:

(3.4) 1h

c

thT

T−=η

A eq. (3.4) revela que para se aumentar o rendimento de Carnot é necessário, simultaneamente, aumentar Th e diminuir Tc. Existem limites tecnológicos para o aumento de Th e diminuição de Tc, pelo que para as temperaturas que correntemente é possível atingir, o rendimento de Carnot constitui um limite máximo para o rendimento de sistemas termodinâmicos.

3.2 O Ciclo de Rankine.

As centrais térmicas a vapor constituem uma realização tecnológica baseada no ciclo de Rankine. A Figura 3-3 (a) identifica os componentes básicos de uma central térmica a vapor que são utilizados para estabelecer o ciclo de Rankine.

(a) (b)

Figura 3-3: Ciclo de Rankine. (a) Componentes; (b) Diagrama T-s. [3.1]

Se o fluido de trabalho percorrer os diferentes componentes ilustrados na Figura 3-3 (a) sem irreversibilidades, não ocorrem variações de pressão na caldeira e condensador, pelo que a passagem do fluido de trabalho por estes componentes se realiza a pressão constante. Acresce que, a ausência de irreversibilidades e transferências de calor com o exterior na turbina e bomba, impõe que a expansão e compressão do fluido de trabalho nestes componentes se realize isentrópicamente. Nestas condições, o fluido de trabalho é sujeito aos seguintes processos termodinâmicos à medida que percorre os diferentes componentes da central a vapor:

• Expansão isentrópica do fluido de trabalho na turbina entre 1 e 2.

• Transferência da energia armazenada no fluido de trabalho por calor, a pressão constante, no condensador, entre 2 e 3.

Page 72: Produção e Consumo de Energia Elétrica

68

• Compressão isentrópica do fluido de trabalho na bomba entre 3 e 4.

• Transferência da energia química do combustível, por calor, a pressão constante, para o fluido de trabalho, na caldeira, entre 4 e 1.

A Figura 3-3 (b) ilustra o ciclo de Rankine no plano T-s.

A análise do ciclo de Rankine faz-se assumindo que não existem irreversibilidades, que na turbina e bomba não existem trocas de calor com o exterior e que cada um dos componentes está num regime permanente de funcionamento. A análise é feita por componente, encontrando-se a fronteira representada na Figura 3-3 (a) a tracejado.

Turbina

O fluido de trabalho encontra-se na fase de vapor à saída da caldeira (ponto 1 na Figura 3-3), sendo o seu estado caracterizado pela pressão p1 e temperatura T1. O fluido de trabalho é expandido na turbina sendo descarregado para o condensador que se encontra a uma pressão relativamente baixa, p2 (p2<p1). A expansão do fluido de trabalho na turbina ocasiona a transferência de energia por trabalho para a turbina. Desprezando a transferência de energia por calor através da fronteira, a aplicação do principio de conservação de energia à unidade de massa do fluido ( eq. (1.37)) conduz a:

( ) ( ) (3.5) 22

0 12

2

1

2

212 zzg

VVhhw ss

T −+

−+−+=

onde Vs1,2, representa a velocidade do fluido à entrada e saída da turbina e wT, o trabalho específico realizado na turbina. Admitindo que Vs2 ≅ Vs1 e que z2 ≅ z1, a eq. (3.5) reduz-se a:

( ) (3.6) 21 hhwT −=

Condensador

No condensador (ponto 2 da Figura 3-3) verifica-se uma transferência de energia por calor do fluido de trabalho para a fonte fria: o vapor condensa e a temperatura da fonte fria aumenta. Em regime permanente a equação da energia (1.37) conduz a:

( ) (3.7) 23 hhqout −=

O facto de qout ser negativo resulta da convenção seguida: a transferência de calor é positiva quando é transferida energia por calor para o fluido de trabalho.

Bomba

O liquido no estado saturado entra na bomba no ponto 3 da Figura 3-3, onde é comprimido até se encontrar à pressão de trabalho da caldeira. Admitindo que não há trocas de calor com o exterior e que a variação das energia cinética e potencial é negligenciavel, a eq.(1.37) conduz a:

( ) (3.8) 43 hhwp −=

Page 73: Produção e Consumo de Energia Elétrica

69

O valor de wp obtido da eq. (3.8) é negativo em virtude da convenção adoptada: o trabalho é positivo quando resulta de uma transferência de energia do fluido de trabalho e negativo quando resulta de uma transferência de energia para o fluido de trabalho.

Em virtude da bomba ser considerada ideal, ou seja, não existirem irreversibilidades, é possível utilizar a eq, (1.27) para calcular a transferência de energia por trabalho para a bomba:

(3.9)

4

3

∫−= vdpwp

Dado que o volume específico da água varia pouco quando esta é comprimida pela bomba, é possível considerar o volume específico, v, como constante entre 3 e 4 e escrever (3.9) na forma:

( ) (3.10) 433 ppvwp −≅

Caldeira

O liquido à saída da bomba entra na caldeira (ponto 4 da Figura 3-3) onde é aquecido até atingir o ponto de saturação ( ponto “a” da Figura 3-3 (b). O troço 4-a na caldeira denomina-se economizador), continuando a ser-lhe fornecido calor até se vaporizar (ponto 1 da Figura 3-3). A aplicação da equação da energia conduz a:

(3.11) 41 hhqin −=

No ponto 1 o fluido percorreu um ciclo ( regressou ao estado inicial).

O rendimento térmico do ciclo é, por definição, a razão entre o trabalho liquido trocado com o exterior e a energia térmica transferida por calor para o ciclo (eq.(3.3)):

( ) ( )(3.12)

41

34321

hh

ppvhh

q

ww

in

pT

th −

−−−≅

−=η

Visto o ciclo de Rankine ser constituído por processos internamente reversíveis, é possível exprimir o rendimento térmico do ciclo em função das temperaturas médias a que se verificam as transferências de energia por calor.

Na Figura 3-3 (b) a área compreendida entre os pontos 1-b-c-4-a-1 traduz a quantidade de energia transferida por calor para a unidade de massa de fluido de trabalho na caldeira. Assim, de acordo com a eq. (2.42), tem-se:

( ) (3.13) 141

1

4

int,−−−−−== ∫ acbáreaTdsq

revin

podendo o integral (3.13) ser exprimido em função da temperatura média Tmed,in:

( ) ( ) (3.14) 41,int,ssTq inmedrevin −=

Page 74: Produção e Consumo de Energia Elétrica

70

De idêntica forma, a área 2-b-c-3-2 traduz a energia transferida por calor do fluido de trabalho para a fonte fria no condensador, pelo que é possível escrever:

( ) ( ) ( ) (3.15) 232 área4132int,−−−−=−=−= cbssTssTq outoutrevout

O rendimento térmico do ciclo de Rankine pode assim ser expresso em função da temperatura média, Tmed,in, e da temperatura Tout:

(3.16) 1,inmed

out

thT

T−=η

A eq.(3.16) explicita a importância da temperatura a que é transferida e rejeitada energia do fluido de trabalho por calor no rendimento térmico do ciclo. O aumento da temperatura média a que é fornecida energia ao fluido de trabalho por calor e a diminuição da temperatura em que o fluido de trabalho cede energia à fonte fria, contribuem para um aumento do rendimento térmico do ciclo. Como se observou no Capítulo 2, para a água na região de duas fases, pressão e temperatura não são propriedades independentes uma da outra, pelo que a eq.(3.16) permite analisar a variação do rendimento térmico do ciclo para variações da pressão de trabalho da caldeira e condensador.

Na Figura 3-4 ilustra-se a variação da pressão de trabalho da caldeira (Figura 3-4 (a)) e pressão de trabalho do condensador (Figura 3-4 (b)) no ciclo de Rankine.

Figura 3-4: Efeito da variação de pressão de trabalho no ciclo de Rankine: (a) variação da pressão da caldeira: (b) variação da pressão do condensador. [3.1]

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71

A análise da Figura 3-4 permite concluir que um aumento da pressão de trabalho da caldeira implica um aumento da temperatura média, Tmed,in, a que é transferida energia por calor para o fluido de trabalho, enquanto que uma diminuição da pressão de trabalho do condensador implica uma diminuição da temperatura a que o fluido de trabalho cede energia.

A pressão de trabalho mais baixa possível para o condensador é a que corresponde à pressão de saturação para a temperatura ambiente, visto ser esta a pressão que permite que haja transferência de calor do fluido de trabalho para o exterior.

A existência de um condensador nas centrais térmicas a vapor tem por objectivo permitir a existência de uma pressão baixa (inferior à atmosférica) à saída da turbina, por forma a maximizar a transferência de energia por trabalho e assim maximizar o rendimento térmico do ciclo. A existência de um condensador permite, adicionalmente, que o fluido de trabalho seja sempre o mesmo, ou seja, que se está em presença de um sistema fechado, pelo que é possível utilizar água purificada evitando assim a ocorrência de problemas de erosão no equipamento.

Formalmente, a eq.(3.16) é idêntica à eq.(3.4), contudo o rendimento do ciclo de Rankine é inferior ao rendimento do ciclo de Carnot “equivalente” (ciclo que se estabelece entre as mesmas temperaturas da fonte quente, TH, e fonte fria, TC) conforme ilustrado na Figura 3-5. Este facto resulta da temperatura média do ciclo de Rankine ser inferior à temperatura da fonte quente, TH, do ciclo de Carnot.

Figura 3-5: Comparação do ciclo ideal de Rankine com o ciclo de Carnot. [3.1]

O ciclo de Carnot apresenta duas limitações importantes no que concerne a sua utilização como ciclo em centrais térmicas a vapor. A transferência de calor para o fluido de trabalho processa-se, a pressão constante, a partir dos produtos de combustão do combustível. Por forma a maximizar a energia libertada na combustão, os produtos da combustão devem ser integralmente arrefecidos. O processo 4-4’ ilustrado na Figura 3-5, implica que os produtos

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de combustão devem ser arrefecidos até a uma temperatura consideravelmente inferior a TH. No ciclo de Carnot o arrefecimento deveria processar-se até à temperatura, TH, com o consequente desaproveitamento da energia libertada na combustão.

A segunda limitação importante prende-se com o processo de compressão do fluido. No ciclo de Carnot o fluido seria comprimido entre 3’ e 4’ (Figura 3-5), ou seja, estando o fluido na região de duas fases. Existem problemas consideráveis de ordem tecnológica no desenvolvimento de bombas para lidar com um fluido em que coexistam duas fases, sendo mais fácil desenvolver bombas para um fluido no estado liquido.

A Figura 3-6 ilustra o aumento do rendimento térmico do ciclo de Rankine com o aumento da pressão e temperatura do vapor.

Figura 3-6: Variação do rendimento térmico do ciclo de Rankine com a temperatura e pressão do vapor à entrada da turbina. [3.2]

Da Figura 3-6 conclui-se que, para uma dada pressão, o aumento da temperatura do vapor melhora o rendimento térmico do ciclo. É esta conclusão que justifica o sobre - aquecimento do vapor na caldeira antes de ser conduzido para a turbina. Na Figura 3-3 este sobre – aquecimento encontra-se representado pelo troço 1-1’ no diagrama T-s. Para além do incremento do rendimento, o sobre - aquecimento é ainda vantajoso porque induz um incremento no titulo do vapor à saída da turbina (pontos 4 e 4’ no diagrama T-s da Figura 3-3).

3.3 Irreversibilidades e Perdas.

Nos quatro subsistemas ilustrados na Figura 3-3 (a) ocorrem irreversibilidades e perdas que se não encontram contabilizadas na análise

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73

efectuada. Algumas das irreversibilidades e perdas possuem um impacto maior no rendimento térmico da central do que outras.

A principal irreversibilidade está associada à expansão do fluido de trabalho na turbina (evolução entre 1 e 2 na Figura 3-3 ). A transferência de energia por calor da turbina para o meio exterior representa uma perda, sendo contudo de importância secundária pelo que é desprezada (considera-se o processo adiabático). Conforme ilustrado na Figura 3-7, a expansão adiabática na turbina entre 1 e 2 verifica-se com um aumento da entropia, pelo que se conclui que a energia por unidade de massa transferida por trabalho na turbina é menor que a que corresponderia à expansão isentrópica 1-2s representada na referida Figura.

Figura 3-7: Ilustração das irreversibilidades que ocorrem na bomba e turbina no diagrama T-s do ciclo de Rankine. [3.1]

As irreversibilidades na turbina são contabilizadas através do rendimento isentrópico desta (eq. (2.66)).

Conforme é também ilustrado ilustrado na Figura 3-7, o processo de compressão, que à semelhança do que ocorre na turbina se considera adiabático, origina um aumento da entropia, pelo que a transferência de energia por trabalho para a bomba é superior à que ocorreria se o processo fosse isentrópico (troço 3-4s na Figura 3-7). As irreversibilidades na bomba são contabilizadas através do seu rendimento isentrópico (eq.(2.67)).

Para além das irreversibilidades que ocorrem na turbina e bomba, existem outras irreversibilidades e/ou perdas que ocorrem no ciclo, não possuindo, contudo, o mesmo impacto no rendimento térmico que o devido às irreversibilidades acima discutidas. As quedas de pressão na caldeira e condensador e as quedas de pressão nas tubagens da instalação, constituem exemplos de irreversibilidades que ocorrem nos equipamentos e que não são abordadas neste curso.

Até este ponto discutiram-se as irreversibilidades internas ao subsistema A da Figura 3-1. A irreversibilidade externa mais importante afecta a transferência de calor para o subsistema A e encontra-se localizada na caldeira: as irreversibilidades que ocorrem no processo de combustão e na transferência de energia por calor para o fluido de trabalho, ocasionam que,

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74

só uma parcela da energia térmica disponível no combustível seja transferida por calor para o fluido de trabalho.

3.4 Reaquecimento.

Nas centrais a vapor modernas a pressão e temperatura do vapor à entrada da turbina variam entre os 250 e os 300 bar e os 580 e 650 ºC. Estes valores de pressão e temperatura do vapor à entrada da turbina visam aumentar o rendimento térmico do ciclo, conforme ilustrado na Figura 3-6. Contudo, para estes valores de pressão o titulo do vapor, x, à saída da turbina deteriora-se, ou seja, o teor de água (1-x) existente na saída da turbina é elevado, o que pode originar a erosão do material da turbina. Por forma a obviar que ocorra a danificação da turbina, torna-se necessário garantir que o titulo do vapor à saída desta não seja inferior a 0,9. A forma prática de garantir que o titulo na exaustão do vapor não seja inferior a este valor, consiste em reaquecer o vapor após uma primeira expansão , conforme ilustrado na Figura 3-8.

Figura 3-8: Ciclo de reaquecimento ideal.[3.1]

Conforme ilustrado na Figura 3-8, o vapor á saída da caldeira é expandido num primeiro andar da turbina, após o que regressa à caldeira, sendo reaquecido. O vapor assim reaquecido, a uma pressão mais baixa, é expandido num segundo andar da turbina. Não existindo reaquecimento, a expansão do vapor na turbina conduziria ao ponto de funcionamento 4’ no diagrama T-s da Figura 3-8. Com reaquecimento o ponto de funcionamento à saída da turbina é o ponto 4, ponto em que o titulo do vapor é superior ao que ocorreria se o ponto de funcionamento à saída da turbina fosse 4’.

Da Figura 3-8 é possível concluir que, para além de garantir um titulo de vapor superior na exaustão, o reaquecimento também contribui para um aumento do rendimento térmico do ciclo ( a área 1-2-3-4-5-6-1 é superior à área 1-4’-5-6-1).

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75

A análise do diagrama T-s da Figura 3-8, realizada por unidade de massa do fluido, conduz a:

• Energia transferida por calor para o fluido de trabalho.

( ) ( ) (3.17) 2361 sin hhhhq −+−=

• Energia transferida por trabalho para a turbina.

( ) ( ) (3.18) 4321 ssT hhhhw −+−=

• Energia transferida por trabalho para a bomba

( ) (3.19) 415 ppvwP −=

• Energia transferida por calor do fluido de trabalho.

(3.20) 54 hhq sout −=

No caso de se considerarem as irreversibilidades nas turbinas e bomba, nas eqs. (3.17) a (3.20) substituem-se as entalpias isentrópicas, his, pelas entalpias reais, hi, e, no calculo da energia transferida para a bomba por trabalho, tem-se em conta o rendimento isentrópico da bomba. Assim, nestas condições, a eq. (3.19) assume a forma:

( )(3.21)

,

415

PisentP

ppvw η

−=

e as entalpias reais, hi, obtêm-se a partir das entalpias isentrópicas his, através dos rendimentos isentrópicos das turbinas:

( ) (3.22) ,11 Tisentisiii hhhh η−−= −−

3.5 Regeneração.

Um método muito utilizado nas centrais a vapor para aumentar o rendimento térmico da central consiste em pré - aquecer a água entre o condensador e a caldeira por forma a minimizar a transferência de energia por calor para colocar o fluido de trabalho à temperatura de operação à entrada da turbina. Tomando como referência a Figura 3-3 (b), o objectivo do pré – aquecimento da água é colocar o fluido de trabalho à entrada da caldeira num ponto de funcionamento que esteja entre o ponto 4 e o ponto “a” desta Figura. Desta forma aumenta-se o valor da temperatura média a que é transferida energia por calor para o fluido de trabalho, com o consequente aumento do rendimento térmico.

Este processo denomina-se regeneração e é executado a partir de extracções de vapor dos diferentes andares da turbina.

Nas centrais térmicas a vapor existem dois tipos de pré – aquecedores, pré - aquecedores abertos e pré- aquecedores fechados, sendo a análise de cada um destes tipos de pré – aquecedores realizada separadamente.

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Pré – aquecedores Abertos.

Um pré – aquecedor aberto é um permutador de calor em que o vapor extraído de um andar da turbina se mistura com a água no estado saturado proveniente do condensador. A mistura destes dois fluidos origina um fluido com uma temperatura intermédia. A Figura 3-9 ilustra este processo.

No ciclo representado na Figura 3-9, o fluido de trabalho percorre, isentrópicamente, os andares da turbina e bombas, ocorrendo a passagem do fluido pela caldeira, condensador e pré – aquecedor sem variações de pressão, ou seja, consideram-se os processos ideais. O fluido de trabalho sai do primeiro andar da turbina, num estado caracterizado por 2 na Figura 3-9, onde uma parcela de vapor é retirado para um pré - aquecedor do tipo aberto com uma pressão de trabalho, p2.

Figura 3-9: Circuito de regeneração com pré – aquecedor do tipo aberto. [3.1]

O restante vapor é expandido no segundo andar da turbina, até se encontrar no estado 3 da Figura 3-9, que caracteriza o estado do fluido de trabalho à entrada do condensador. À saída do condensador (estado 4 na Figura 3-9), esta porção do fluido de trabalho total é, de seguida, comprimido até à pressão de trabalho do pré – aquecedor, sendo misturado no pré - aquecedor com a parcela de fluido de trabalho extraído da entrada do segundo andar da turbina. O fluido de trabalho total é, de seguida, comprimido até à pressão de trabalho da caldeira. No diagrama T-s da Figura 3-9, o estado do fluido à entrada da caldeira encontra-se no estado 7, pelo que a energia transferida por calor para o fluido de trabalho na caldeira é a que corresponde à evolução do estado do fluido entre os pontos 7 e 1 do referido diagrama, pelo que a quantidade de energia necessária para vaporizar e sobreaquecer o fluido é inferior à que seria necessária se não existisse regeneração.

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77

A análise termodinâmica do ciclo representado na Figura 3-9 pode realizar-se supondo que os dois andares da turbina constituem um processo com uma fronteira indicada pelo tracejado. O balanço de massa nos dois andares da turbina deve obedecer a:

(3.23) 321 mmm +=

Se se dividir a eq.(3.23) pela massa total do fluido à entrada do andar de alta pressão da turbina, m1, tem-se:

(3.24) 111

3

1

3

1

3

1

2 ym

m

m

my

m

m

m

m−=⇒+=+=

A fracção, y, da massa de vapor total m1 pode ser obtida se se aplicar o principio de conservação de energia ao pré – aquecedor aberto. Admitindo que não existem transferências de energia para o exterior e que as variações de energia cinética e potencial são desprezáveis, tem-se:

( ) ( )( ) (3.25) 152

565662

hh

hhyhhyhhy

−=⇒−−=−

A análise, por unidade de massa de fluido, do ciclo termodinâmico representado na Figura 3-9 conduz a:

• Transferência de energia por trabalho para a turbina.

( ) ( )( ) (3.26) 1 3221 hhyhhwT −−+−=

• Transferência de energia por trabalho para as bombas.

( ) ( )( ) (3.27) 1 4567 hhyhhwP −−+−=

• Transferência de energia por calor para o fluido de trabalho.

(3.28) 71 hhqin −=

• Transferência de energia por calor do fluido de trabalho.

( )( ) (3.29) 1 43 hhyqout −−=

Pré – aquecedores Fechados.

Os pré – aquecedores fechados são permutadores de calor em que não existe contacto entre o vapor extraído da turbina e a água saturada que é pré – aquecida. Em virtude de não haver mistura dos dois fluidos, estes podem encontrar-se a pressões diferentes.

Nos pré aquecedores fechados a energia térmica contida no vapor é cedida à água que se encontra no estado saturado à saída do condensador. Esta transferência de energia resulta na condensação do vapor extraído da turbina que, na saída do pré – aquecedor, se encontra no estado de liquido saturado. Nestes pré – aquecedores torna-se assim necessário dispor do liquido saturado proveniente do vapor extraído da turbina. A Figura 3-10 ilustra duas soluções possíveis.

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78

Figura 3-10: Tipos de pré - aquecedores fechados.[3.1]

No pré – aquecedor fechado representado na Figura 3-10 (a), o vapor extraído da turbina no estado de liquido saturado (designado na Figura por condensado), é comprimido para zonas do ciclo a pressão superior. No pré – aquecedor fechado ilustrado na Figura 3-10 (b), o condensado é expandido para zonas de pressão mais baixa no ciclo. Esta expansão realiza-se através de uma válvula que assegura que só transita liquido para as zonas do ciclo a pressão mais baixa.

A Figura 3-11 exemplifica um ciclo com um pré – aquecedor fechado em que o condensado é devolvido ao condensador.

Figura 3-11: Ciclo regenerativo de vapor com um pré – aquecedor fechado.[3.1]

No ciclo representado na Figura 3-11, o fluido de trabalho percorre isentrópicamente a turbina e as bombas e não existem quedas de pressão no percurso deste fluido pelos restantes componentes da ciclo.

No diagrama T-s é possível identificar os diferentes estados do fluido de trabalho no ciclo:

• Expansão do vapor no primeiro andar da turbina do estado1 para o estado 2.

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79

• Em 2, uma parcela da massa do vapor, y, é extraído para alimentar o pré – aquecedor, sendo a outra parcela da massa de vapor, 1-y, expandida do estado 2 para o estado 3.

• Na saída do pré – aquecedor, estado 7 na Figura, o vapor extraído encontra-se no estado de liquido saturado, sendo expandido para a pressão de trabalho do condensador. Esta expansão entre 7 e 8 é irreversível, conforme ilustrado pelo troço a tracejado no diagrama T-s da Figura 3-11.

• A massa unitária de fluido que sai do condensador (estado 4 da Figura) é comprimida e posta à pressão de trabalho da caldeira (fluido no estado 5 da Figura).

• A temperatura da água no estado saturado aumenta na passagem do fluido pelo pré – aquecedor, encontrando-se o fluido no estado 6 da Figura à entrada da caldeira.

• O ciclo completa-se com a transferência de energia por calor para o fluido de trabalho na caldeira, colocando o fluido no estado 1.

A equação da energia aplicada ao pré – aquecedor fechado conduz a:

( ) ( ) (3.30) 72

56

5672hh

hhyhhhhy

−=⇒−=−

O rendimento térmico de um ciclo com regeneração pode ser melhorado colocando no ciclo diversos pré – aquecedores. O número de pré – aquecedores a colocar é condicionado por considerações de ordem económica. O incremento no rendimento induz um aumento das receitas provenientes da venda de energia. Este aumento das receitas deve ser comparado com o custo adicional do equipamento a colocar na central. O resultado desta comparação permite a definição do número óptimo de pré – aquecedores a colocar na central.

A Figura 3-12 ilustra a configuração de uma central a vapor equipada com 4 pré- aquecedores.

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80

Figure 3-12: Configuração de uma central térmica a vapor.[3.1]

As centrais térmicas equipadas com diversos pré – aquecedores possuem geralmente um pré – aquecedor do tipo aberto, usualmente designado como desgasificador, em que o vapor é extraído dos andares de baixa pressão da turbina. Este tipo de pré – aquecedor possui uma pressão de trabalho superior à pressão atmosférica por forma a permitir a extracção de oxigénio e outros gases do fluido de trabalho e assim precaver a ocorrência de fenómenos de corrosão.

A avaliação do número de pré - aquecedores a colocar no ciclo não é independente da sua localização no ciclo, ou seja, a pressão a que deve ser efectuada a extracção de vapor da turbina (usualmente designada como sub – tiragem), condiciona o incremento do rendimento térmico da central.

Por forma a determinar a localização dos pré – aquecedores no ciclo, considere-se a Figura 3-11. A questão que se pretende resolver é a de saber onde colocar o ponto 2 no diagrama T-s desta Figura, por forma a maximizar o incremento do rendimento térmico do ciclo. Uma resposta cabal a esta pergunta exige a utilização de metodologias de calculo que estão fora do âmbito dos objectivos deste curso e de ferramentas computacionais específicas que não se encontram facilmente disponíveis.

É, contudo, possível obter uma resposta a esta pergunta com base em conceitos físicos. A utilização de pré – aquecedores prende-se com o aumento da temperatura da água por forma a que atinja um valor, tão próximo quanto possível, da temperatura do ponto de liquido saturado correspondente à pressão de trabalho da caldeira. Dado que a temperatura da água à saída do condensador é a do ponto 4 da Figura 3-11, o objectivo é elevar esta temperatura no pré aquecedor até um valor tão próximo quanto possível da temperatura de liquido saturado à pressão de trabalho da caldeira. Para tanto a solução, que do ponto de vista físico parece mais sensata, seria a de ter o vapor a uma temperatura intermédia entre estas duas temperaturas, ou seja selecciona-se a temperatura que seja a média da temperatura correspondente ao ponto 4 e à temperatura de liquido saturado

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para a pressão de trabalho da caldeira. Determinada esta temperatura, determina-se o valor da pressão que possui a temperatura assim calculada como temperatura de saturação.

Designando por Tsat1, a temperatura de liquido saturado correspondente à pressão a que se encontra o ponto 1 do diagrama T-s da Figura 3-11, e por T4 a temperatura do ponto 4 do mesmo diagrama, o incremento ∆T da temperatura relativo a T4 a que se deve colocar o pré – aquecedor è dado por:

(3.31) 2

41 TTT sat −

=∆

Se se pretender colocar n pré – aquecedores no ciclo, o incremento óptimo de temperatura, ∆Topt, entre pré – aquecedores adjacentes, obtém-se recorrendo à eq. (3.32).

(3.32) 1

41

+

−=∆

n

TTT sat

opt

3.6 Critérios de Desempenho das Centrais Térmicas.

Os critérios que usualmente se utilizam para caracterizar o desempenho de uma central térmica são a potência, o rendimento, a taxa de calor e a utilização da potência.

A eq. (1.28) define potência como sendo a velocidade de transferência de energia por trabalho. Em termos do trabalho específico líquido, é possível rescrever a eq. (1.28) na forma:

( )(3.33) liq

liqwm

dt

mwdP &==

onde m& , traduz o caudal mássico expresso em kg/s.

O trabalho liquido realizado num ciclo corresponde à energia transferida por trabalho para a turbina, sendo a energia armazenada na turbina energia mecânica. Assim, a potência expressa pela eq. (3.33) é a potência mecânica, Pm.

A potência eléctrica, Pel, à saída da central obtém-se subtraindo à potência mecânica as potências de perdas mecânicas na turbina e gerador, Ppmec, de perdas eléctricas no gerador e transformador elevador, Ppel, e a consumida nos serviços auxiliares da central, Paux.

(3.34) auxpelpmecmecel PPPPP −−−=

O rendimento da central, ηt, pode ser obtido através de:

(3.35) PCm

P

f

el

t&

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82

onde fm& representa o caudal mássico de combustível que alimenta a central expresso em kg/s e PC representa o poder calorífico do combustível. A utilização do poder calorífico inferior do combustível ocasiona rendimentos cerca de 2% superiores aos obtidos com o poder calorífico superior.

Uma forma alternativa de calcular ηt é a expressa na eq. (3.36).

(3.36) auxelmecTisent,th ηηηηηηη bt =

em que se contabiliza o rendimento da caldeira, ηb, o rendimento térmico do ciclo, ηth, o rendimento isentrópico da turbina, ηisent,T, o rendimento mecânico da turbina e gerador, ηmec, o rendimento eléctrico do gerador e transformador elevador, ηel, e o rendimento dos serviços auxiliares, ηaux.

Um parâmetro importante que se estabelece para as centrais é o consumo específico de combustível, CEC, que se define como sendo a massa de combustível que é necessária para a produção de 1 kWh de energia eléctrica e que se obtém através da eq. (3.37).

(3.37) kWh

kg

3600

=

el

f

W

mCEC

onde Wel se encontra expresso em kJ.

Um outro parâmetro que é usual utilizar para caracterizar as centrais térmicas é a taxa de calor, HR, que se define como sendo a energia térmica (expressa em kJ) que é necessário fornecer ao ciclo para se produzir Wmec kWh de energia mecânica:

(3.38) 36003600

thmec

in

WQ

HR η==

onde, Qin = mqin, representa a energia fornecida por calor ao fluido de trabalho na caldeira.

Por factor de carga anual, aa, de uma central térmica, entende-se a razão entre a potência média anual fornecida pela central e a potência nominal da central.

(3.39) 8760

,

nom

anualel

aP

Wa =

onde Wel,anual representa a energia eléctrica anualmente fornecida pela central, Pnom representa a potência nominal da central e 8760 é o número de horas do ano.

Muitas vezes, em lugar do factor de carga anual, é usual especificar a utilização anual da potência nominal, ha, que se define como sendo a razão entre a energia eléctrica anualmente fornecida pela central e a potência nominal da central:

(3.40) ,

nom

anualel

aP

Wh =

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83

A utilização anual, ha, exprime-se em horas, h, e traduz o número de horas anuais que a central funcionaria à potência nominal para fornecer a energia eléctrica Wel,anual.

3.7 Caldeiras, Turbinas e Condensadores .

Caldeiras

Actualmente as caldeiras utilizadas são do tipo tubo de água, em que o fluido de trabalho (água e vapor) flui no interior de tubos. As caldeiras do tipo tubo de água podem ser classificadas em caldeiras de circulação natural, caldeiras de circulação forçada e caldeiras de pressão universal. A Figura 3-13 ilustra estes tipos de caldeiras.

Figura 3-13: Tipos de Caldeiras. (a) Caldeira de circulação natural (até 18MPa); (b)Caldeira de circulação combinada (até 20MPa); (c) Caldeira de pressão universal.[3.2]

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84

Em todos os tipos de caldeira o fluido de trabalho entra no economizador, onde é fornecido calor à água colocando-a no estado de liquido saturado (ponto “a” da Figura 3-3). Nas caldeiras de circulação natural e forçada (Figuras 3-13 (a) e 3-13 (b)) existe um reservatório denominado barrilete, onde o fluido coexiste no estado de vapor e líquido. O fluido no estado de vapor é conduzido ao sobreaquecedor onde é colocado no estado que corresponde ao ponto 1 da Figura 3-3. O fluido no estado liquido é conduzido por tubos de circulação descendente, não aquecidos, até ao colector (“header” na Figura). Esta circulação descendente do fluido no estado líquido pode ser natural (Figura 3-13 (a)) ou forçada, através de uma bomba (Figura 3-13 (b)). O fluido de trabalho líquido flui, de seguida, por um conjunto de tubos de circulação ascendente (aquecidos) colocados junto à parede da caldeira até reentrar no barrilete. Neste conjunto de tubos, denominado como evaporador, ocorre a vaporização parcial da água, pelo que o fluido se encontra num estado em que coexistem duas fases.

Nas caldeiras de pressão universal (Figura 3-13 (c)) não existem nem barrilete, nem tubos de circulação de água descendente, nem colector. Nestas caldeiras a pressão de trabalho é consideravelmente elevada e limitada somente pela temperatura de saturação. Estas caldeiras podem ser utilizadas quer para pressões sub – criticas, que para pressões super – criticas.

Turbinas.

As turbinas a vapor são máquinas de escoamento axial onde se verifica a expansão do vapor entre a pressão de trabalho da caldeira e a pressão do condensador. Nas centrais térmicas a vapor geralmente não existe uma única turbina, mas sim um conjunto de turbinas, denominadas como andares e de acordo com a pressão a que o fluido de trabalho se encontra na sua entrada.

Na Figura 3-12 exemplifica-se a configuração de uma central térmica com uma turbina constituída por 3 andares de alta pressão e 3 andares de baixa pressão.

Na generalidade dos casos as turbinas de alta pressão não são do mesmo tipo das turbinas de pressão intermédia e baixa pressão. Nas pressões mais elevadas são utilizadas turbinas de impulso, sendo utilizadas turbinas de reacção nas pressões mais baixas.

A Figura 3-14 ilustra a configuração das turbinas de impulso (Figura 3-14 (a)) e de reacção (Figura 3-14 (b)) bem como o perfil de pressões e velocidade do fluido ao longo da sua passagem pelas turbinas.

O estator das turbinas de impulso pode ser constituído por uma tubeira, conforme representado na Figura 3-14 (a), ou ser constituído por um conjunto de pás fixas e simétricas. Qualquer que seja a constituição do estator das turbinas de impulso, o fluido expande-se da pressão inicial p1 até à pressão p2 à saída do estator. A velocidade do escoamento aumenta de c0, à entrada do estator, até c1, à saída do estator (Figura 3-14 (a)). À entrada do rotor da turbina de impulso, a pressão é p2 e a velocidade do escoamento c1. O rotor

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85

de uma turbina de impulso é constituído por um conjunto de pás móveis simétricas que se deslocam a uma velocidade linear u. Numa turbina de impulso ideal todo o rotor se encontra à mesma pressão, que é idêntica à pressão existente à saída do estator da turbina, p2. A velocidade do escoamento do fluido na passagem pelo rotor diminui de c1 para c2.

O estator de uma turbina de reacção é geralmente constituído por um conjunto de pás fixas assimétricas conforme ilustrado na Figura 3-14 (b).

Figure 3-14: Estator e rotor de uma turbina. (a) Turbina de impulso; (b) Turbina de reacção.[3.3]

A pressão à entrada do estator é p1, sendo a pressão à saída do estator p’1. A velocidade do escoamento do fluido no estator da turbina aumenta de c0, velocidade à entrada do estator, até um valor de c1, à saída do estator. No rotor de uma turbina de reacção ideal, ao invés do que sucede nas turbinas de impulso ideais, a pressão decresce de p’1 até p2, à saída do rotor. A velocidade de escoamento decresce de c1, valor que esta velocidade possui à entrada do rotor, até ao valor de c2, à saída do rotor. As pás do rotor de uma turbina de reacção são assimétricas e deslocam-se com uma velocidade linear, u.

O Estator das Turbinas

Quer nas turbinas de impulso quer nas turbinas de reacção, o fluido de trabalho é expandido no estator com o consequente aumento da velocidade de escoamento. No estator das turbinas não é realizado trabalho.

Se se admitir que no escoamento do fluido pelo estator da turbina, não há trocas de calor com o exterior, ou seja que o processo é adiabático, e admitindo não existirem irreversibilidades, a aplicação da equação da energia

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(eq.(1.37)) ao escoamento do fluido de trabalho pelo estator da turbina conduz a:

(3.41) 22

2

1

11

2

0

00

cgzh

cgzh ++=++

onde h0 e h1 são as entalpias do fluido à entrada e saída do estator da turbina, respectivamente, c0 e c1 as velocidades do escoamento à entrada e saída do estator da turbina, respectivamente e z0 e z1 as cotas geométricas à entrada e saída do estator da turbina respectivamente. Admitindo que a diferença de cotas à entrada e saída do estator é pequena e que a velocidade c0 do fluido à entrada do estator da turbina é muito pequena, quando comparada com a velocidade do escoamento à saída do rotor da turbina, a partir da eq. (3.41) é possível calcular c1, velocidade do escoamento à saída do estator da turbina:

( ) (3.42) 22 101 fhhhc ∆=−=

onde ∆hf representa a variação da entalpia do fluido entre a entrada e saída do estator da turbina. Se as entalpias vierem expressas em J/kg, a velocidade, c1, do escoamento vem expressa em m/s.

O Rotor das Turbinas

Na Figura 3-15 ilustra-se o escoamento do fluido nas pás móveis do rotor de uma turbina.

c1

-(2u-c1)

u

Figure 3-15: Impulso do escoamento numa pá móvel. [3.4]

Na Figura 3-15 admite-se que o escoamento incide na pá móvel fazendo um ângulo nulo com a direcção do movimento da pá. O jacto de fluido entra na pá animado de uma velocidade absoluta c1, velocidade do escoamento à saída do estator. A velocidade relativa, w1, do escoamento em relação à pá é

Page 91: Produção e Consumo de Energia Elétrica

87

assim w1 = c1-u. Admitindo que não existe fricção, expansão ou contracção do fluido na passagem pela pá, a velocidade relativa do fluido à saída da pá, w2 será ainda c1-u. A velocidade absoluta do fluido à saída da pá, c2 = w2 + u, é assim:

( ) (3.43) 2 112 cuucuc −=−−=

O escoamento do fluido de trabalho na pá móvel origina a aplicação de uma força sobre essa pá, força que se pode determinar a partir da variação do momentum angular do escoamento:

( )[ ] ( ) (3.44) 22 111 ucmcucmF −=−−= &&

onde m& representa o caudal mássico que se escoa na pá móvel do rotor da turbina.

O trabalho desenvolvido sobre a pá móvel obtém-se através do produto da força pela distância percorrida por esta pá. Por unidade de tempo, a pá desloca-se u, pelo que o trabalho realizado por unidade de tempo, a potência, será dado por:

( ) (3.45) 2 1 ucumP −= &

Na realidade, o ângulo de incidência do escoamento na pá móvel do rotor da turbina na direcção do deslocamento desta pá não pode ser nulo, em virtude de ter de corresponder à direcção com que o fluido sai do estator da turbina. Também o ângulo de saída do escoamento da pá não pode ser 180º pois tal impediria que o escoamento se realizasse para o exterior do rotor.

Por forma a determinar o trabalho realizado sobre a pá móvel do rotor, na direcção do movimento da pá, torna-se necessário recorrer ao diagrama de velocidades que se representa na Figura 3-16.

Figure 3-16: Diagrama de velocidades numa pá do rotor de uma turbina.[3.2]

Na Figura 3-16 encontram-se representadas as seguintes grandezas:

u – velocidade linear da pá móvel.

c1 – velocidade absoluta do escoamento à entrada da pá do rotor (igual à velocidade do escoamento à saída do estator).

w1 – velocidade relativa do escoamento à entrada da pá do rotor.

Page 92: Produção e Consumo de Energia Elétrica

88

w2 – velocidade relativa do escoamento à saída da pá do rotor.

c2 – velocidade absoluta do escoamento à saída da pá do rotor.

α - ângulo de incidência do escoamento na pá móvel do rotor, tendo como referência a direcção do movimento da pá do rotor.

β - ângulo de entrada da pá móvel do rotor.

γ - ângulo de saída da pá móvel do rotor.

δ - ângulo de saída do fluido da pá móvel do rotor.

Da Figura 3-16 é possível extrair as seguintes relações:

(3.47) coscos

(3.46) coscos

22

11

γδ

βα

wuc

wuc

−=

+=

Considerando ângulos de entrada e saída do escoamento nas pás moveis do rotor diferentes de 0º ou 180º, as eqs (3.44) e (3.45) assumem a forma:

( )( ) (3.49) coscos

(3.48) coscos

21

21

δα

δα

ccumP

ccmF

−=

−=

&

&

Da Figura 3-16 é ainda possível obter a seguinte relação:

( ) ( ) ( ) (3.50) coscos2 21

2

2

2

2

2

1

2

1 γβ wwuwcwc +=−−−

Substituição das eqs (3.46) e (3.47) na eq. (3.49) conduz a:

( ) (3.51) coscos 21 γβ wwumP += &

Das eqs (3.50) e (3.51), obtém-se a eq. (3.52)

( ) ( )(3.52)

2

2

1

2

2

2

2

2

1 wwccmP

−+−= &

A eq. (3.52) é uma equação geral para a potência extraída do rotor de uma turbina e inclui os efeitos de fricção, expansão ou contracção do fluido no seu escoamento pelo rotor da turbina. Esta equação é assim genérica e aplica-se quer às turbinas de impulso quer às turbinas de reacção.

Comparando a eq.(3.52) com a eq.(3.33), torna-se possível deduzir uma equação genérica para o trabalho desenvolvido no rotor de uma turbina:

( ) ( )(3.53)

2

2

1

2

2

2

2

2

1 wwccwT

−+−=

A aplicação da equação da energia, eq. (1.37), ao rotor de uma turbina conduz a:

(3.54) 22

2

2

2

121

cchhwT −+−=

em que h1 e h2 são as entalpias do fluido à entrada e saída da pá do rotor respectivamente.

Comparando as eqs (3.53) com (3.54) conclui-se:

Page 93: Produção e Consumo de Energia Elétrica

89

(3.55) 22

2

1

2

221

wwhh −=−

No rotor de uma turbina de impulso ideal não há variação de pressão, pelo que a velocidade relativa do escoamento à entrada e saída do rotor é igual e a eq. (3.52) reduz-se a:

( )(3.56)

2

2

2

2

1,

ccmP idealimpulso

−= &

Nas pás móveis do rotor de uma turbina de impulso real, os efeitos de fricção, contracção ou expansão do fluido fazem-se sentir, pelo que se torna importante contabilizá-los. Uma forma de contabilizar estas irreversibilidades é através de um coeficiente de velocidade, kv, que possui um valor compreendido entre 0 e 1 e que se define como sendo:

(3.57) 1

2

w

wkv =

Da eq. (3.55) conclui-se que numa turbina de impulso ideal não há variação da entalpia do fluido na passagem deste pela pá móvel do rotor, situação expectável já que numa turbina de impulso ideal não existe variação de pressão no rotor.

Numa turbina de reacção existe variação de pressão entre a entrada e saída do rotor, pelo que as velocidades relativas do escoamento variam entre a entrada e a saída da pá móvel do rotor, com a consequente variação da entalpia do fluido (eq.(3.55)). Ao invés das turbinas de impulso, em que a variação da entalpia do fluido se concentra toda no estator, nas turbinas de reacção a variação da entalpia do fluido reparte-se pelo estator e pelo rotor. Designando por ∆hf a variação da entalpia no estator de uma turbina de reacção e por ∆hm a variação da entalpia no rotor, define-se o grau de reacção, GR, de uma turbina a partir da eq. (3.58).

(3.58) mf

m

hh

hGR

∆+∆

∆=

Na eq. (3.58) as variações de entalpia são variações isentrópicas, pelo que não são contabilizadas as irreversibilidades A contabilização das irreversibilidades nos rotores das turbinas de impulso e reacção é geralmente efectuada a partir de coeficientes de velocidade, kv, que possuem definições semelhantes às expressas pela eq. (3.57) e traduzem os efeitos da fricção, expansão ou contracção do escoamento na passagem pelo rotor da turbina. Os coeficientes de velocidade para as pás móveis do rotor geralmente são definidos em termos da relação entre as velocidades relativas à saída e entrada das pás móveis.

O rendimento do rotor (ou da pá do rotor) define-se como sendo a relação entre a potência mecânica do rotor da turbina e a soma da potência cinética do escoamento à saída do estator com a variação isentrópica da entalpia no rotor, ∆hm,s:

Page 94: Produção e Consumo de Energia Elétrica

90

( )(3.59)

2

coscos

,

2

1

21

sm

hmcm

ccum

∆+

−=

&&

& δαη

Para o estator das turbinas as irreversibilidades são, geralmente, contabilizadas a partir do rendimento isentrópico do estator.

A velocidade linear das pás das turbinas de impulso e reacção é geralmente um dado do projecto das turbinas, sendo o seu valor determinado por forma a maximizar a potência mecânica das pás.

Nas turbinas de impulso, as pás do rotor são simétricas (β = γ) e, se se considerar que o escoamento do fluido no rotor não possui irreversibilidades, as velocidades relativas à entrada e saída das pás são iguais (w1 = w2). Nestas condições é possível escrever a eq. (3.51) na forma:

(3.60) cos2 1 βuwmP &=

A partir das eqs. (3.46) e (3.60), determina-se a velocidade óptima das pás, uopt, que maximiza a potência mecânica do rotor da turbina de impulso, obtendo-se:

(3.61) 2

cos1 αcuopt =

Nas turbinas de reacção as pás fixas e móveis do rotor possuem configurações semelhantes ( ver Figura 3-14). Admitindo a não existência de irreversibilidades no rotor da turbina, verifica-se a igualdade:

(3.62) coscos 21 γα wc =

Substituição da eq.(3.62) na eq.(3.51) e atendendo à eq. (3.46) conduz a:

( ) ( ) (3.63) cos2coscos 111 ucumcwumP −=+= ααβ &&

A velocidade óptima das pás móveis, uopt, de uma turbina de reacção determina-se determinando o valor de u que maximiza a eq. (3.63), obtendo-se:

(3.64) cos1 αcuopt =

Conforme referido, as turbinas de impulso utilizam-se nos pontos do ciclo em que a pressão a que o fluido se encontra é mais elevada e o volume específico do fluido menor, pelo que necessitam de uma área de escoamento consideravelmente menor do que a necessária a pressões mais baixas. Este facto implica que as pás móveis das turbinas de impulso sejam curtas e de secções rectas constantes.

Nas turbinas de reacção existe variação da pressão a que o fluido se encontra sujeito no rotor da turbina. Este facto desaconselha a utilização destas turbinas nos pontos de pressão elevada do ciclo, já que nestes pontos se verificam variações elevadas de pressão por unidade de variação da entalpia. Assim, as turbinas de reacção utilizam-se nos pontos do ciclo em que a pressão é mais baixa o que implica comprimentos das pás móveis consideráveis.

Page 95: Produção e Consumo de Energia Elétrica

91

Dado que a velocidade angular de rotação das turbinas, ω, é constante, a velocidade linear, u, da pá móvel variaria consideravelmente do topo (entrada) para a base (saída) da pá se o passo desta se mantivesse constante. Assim, as pás moveis das turbinas de reacção possuem um perfil em que o passo varia do topo para a base

Condensadores

A potência de calor rejeitado no condensador de uma central a vapor pode ser calculado a partir da eq. (3.35):

(3.65) 11

−=

t

elrej PQη

&

O fluido de refrigeração do condensador das centrais térmicas é, geralmente a água. Nas regiões áridas utiliza-se o ar como meio de refrigeração dos condensadores. O caudal mássico de fluido refrigerante determina-se com base na eq. (3.65) , no calor específico a pressão constante do fluido refrigerante, cp,refr, e do incremento de temperatura admissível para o fluido refrigerante, ∆tadm, refr.

(3.66) ,, refradmrefrp

rej

refrtc

Qm

∆=

&

&

Nas centrais a vapor a transferência de energia, por calor, para a fonte fria verifica-se à temperatura do fluido refrigerante do condensador. O abaixamento da temperatura a que se verifica esta transferência de energia no condensador só é possível se se baixar a pressão de trabalho do condensador, sendo este abaixamento de pressão condicionado pela temperatura do fluido refrigerante.

Os sistemas de arrefecimento podem classificar-se como sistemas húmidos ou secos, conforme ilustrado na Figura 3-17. Nos sistemas húmidos é utilizada a água como fluido refrigerante, enquanto que nos sistemas secos o ar é o fluido refrigerante. As propriedades termofísicas da água ( o calor específico a pressão constante da água é, por unidade de volume, 3200 superior ao do ar) são substancialmente superiores às do ar, pelo que os sistemas húmidos são mais eficazes que os sistemas secos. Em virtude do valor elevado do calor especifico a pressão constante da água, o aumento da temperatura da água de refrigeração no condensador é pequena (cerca de 9 ºK).

Os valores mais baixos da pressão de trabalho do condensador ( entre 0,03 e 0,04 bar) verificam-se quando os sistemas de refrigeração são directos, como é o caso da fonte do fluido de refrigeração ser a água do mar ou a água de rios com caudais apreciáveis. Quando o caudal dos rios não é apreciável recorre-se a torres de refrigeração como a representada na Figura 3-17 (a). Nestas, uma parte da água aquecida pela passagem no condensador evapora-se, sendo a outra parte da água arrefecida devido às correntes de convecção do ar no interior das torres.

Page 96: Produção e Consumo de Energia Elétrica

92

Figura 3-17: Sistemas de rejeição de calor. (a) Sistema húmido. (b) Sistema seco.[3.2]

3.8 Bibliografia

[3.1] M.Moran; H. Shapiro: “Fundamentals of Engineering Thermodynamics”, 3rd Edition, John Wiley & Sons, 1998.

[3.2] N.V. Khartchenko: “Advanced Energy Systems”, Taylor &Francis,1998.

[3.3] Shvets;Tolubinsky;Kirakovsky;Nedhuzy;Sheludko: “Heat Engineering”, MIR Publishers,1975.

[3.4] M. M. El-Wakil: “Power Plant Technology”, McGraw-Hill,1985.

[3.5] Reiner Decher: “Energy Conversion”, Oxford University Press, 1994

Page 97: Produção e Consumo de Energia Elétrica

93

4 Centrais Equipadas com Turbinas a Gás. O Ciclo de Brayton.

As centrais equipadas com turbinas a gás podem operar quer em sistema aberto quer em sistema fechado. A operação em sistema aberto, ilustrada na Figura 4-1 (a), é a mais correntemente utilizada.

Numa central equipada com turbinas a gás que opere em sistema aberto, o ar é o fluido de trabalho. O ar é conduzido a um compressor, onde é comprimido até atingir uma pressão elevada. De seguida, o ar comprimido é introduzido numa câmara de combustão onde é misturado com o combustível, ocorrendo a combustão. Esta combustão origina a formação de produtos a uma temperatura elevada. Os produtos de combustão são de seguida expandidos numa turbina e descarregados para a atmosfera. Uma parte da transferência de energia por trabalho que ocorre na turbina é utilizada pelo compressor, podendo, a restante parcela de energia transferida por trabalho na turbina, ser utilizada, quer para conversão em energia eléctrica, quer para a propulsão de um veículo.

Figura 4-1: Central com turbina a gás. (a) Sistema aberto. (b) Sistema Fechado.[4.1]

Na configuração representada na Figura 4-1 (b), a energia é transferida por calor para o fluido de trabalho num permutador de calor, sendo o fluido de trabalho, à saída da turbina, conduzido a um outro permutador de calor onde é transferida energia, por calor, do fluido de trabalho para o exterior. Neste caso a turbina a gás é utilizada num sistema fechado, e o fluido de trabalho não é o ar.

A análise de centrais utilizando turbinas a gás num sistema aberto é geralmente efectuada utilizando a aproximação ar- padrão, em que se admite que o ar é um gás ideal e em que a câmara de combustão é substituída por um permutador de calor onde ocorre a transferência de energia por calor para o fluido de trabalho (o ar). A hipótese ar – padrão simplifica a análise já que

Page 98: Produção e Consumo de Energia Elétrica

94

não é necessário modelar o processo de combustão nem ter em conta a composição dos produtos que se formam na câmara de combustão. Contudo, esta hipótese não fornece resultados quantitativamente correctos.

4.1 O Ciclo de Brayton.

A Figura 4-2 ilustra a hipótese ar-padrão numa central equipada com turbinas a gás. Salienta-se que para além da substituição da câmara de combustão por um permutador de calor, o sistema é artificialmente fechado através de um permutador de calor que permite ter em conta as diferentes condições em que se encontra o fluido de trabalho na exaustão da turbina e na entrada do compressor. Este permutador de calor fictício, permite considerar o sistema, que na realidade é aberto, como fechado e o estabelecimento de um ciclo termodinâmico.

Figura 4-2: Ciclo ar-padrão da turbina a gás. [4.1]

A aplicação da equação da energia por unidade de massa do fluido aos processos que se desenvolvem na Figura 4-2 conduzem a:

• Expansão do fluido de trabalho na turbina (transferência de energia por trabalho entre 3 e 4)

(4.1) 43 hhwT −=

• Arrefecimento do fluido de trabalho (transferência de energia por calor do fluido de trabalho para o permutador fictício entre 4 e 1)

(4.2) 41 hhqout −=

Page 99: Produção e Consumo de Energia Elétrica

95

• Compressão do fluido de trabalho (transferência de energia por trabalho para o compressor entre 1 e 2)

(4.3) 21 hhwC −=

• Aquecimento do fluido de trabalho (transferência de energia por calor para o fluido de trabalho entre 2 e 3)

(4.4) 23 hhqin −=

O rendimento térmico do ciclo representado na Figura 4-2 obtém-se a partir de:

( ) ( )(4.5)

23

1243

hh

hhhh

q

ww

in

CT

th −

−−−=

−=η

Na Figura 4-3 apresentam-se os diagramas p-v e T-s do ciclo ar - padrão ideal, usualmente denominado por ciclo de Brayton. Nesta Figura admite-se que não existem irreversibilidades, ou seja que a expansão e contracção do fluido de trabalho ocorrem isentrópicamente e que a aquecimento e arrefecimento do fluido de trabalho se processa isobáricamente

Figura 4-3: Ciclo de Brayton.[4.1]

Para o mesmo aumento de pressão, o compressor de um sistema com turbina a gás, necessita de consumir uma quantidade de energia consideravelmente superior à que o compressor de uma central a vapor necessita de consumir. Tipicamente, a relação entre a potência do compressor e a potência da turbina, numa central equipada com turbinas a gás, varia entre os 40% e os 80%, enquanto que numa central equipada com turbinas a vapor esta relação se situa entre os 1% e os 2%.

Se as temperaturas nos diferentes pontos numerados nas Figuras 4-2 e 4-3 forem conhecidas, as entalpias específicas podem ser obtidas recorrendo à tabela constante no Apêndice 2.5. Salienta-se que os resultados constantes nas eqs (4.1) a (4.5) foram desenvolvidas com base na equação da energia expressa em por unidade de massa, pelo que são aplicáveis mesmo no caso em que ocorram irreversibilidades.

Page 100: Produção e Consumo de Energia Elétrica

96

Dado que as irreversibilidades contribuem para diminuir o rendimento térmico, é útil analisar o ciclo de Brayton ideal (sem irreversibilidades) dado que o valor do rendimento térmico deste ciclo constitui um limite máximo para os rendimentos térmicos das centrais equipadas com turbinas a gás.

No ciclo de Brayton ideal representado na Figura 4-3, a expansão e contracção do fluido de trabalho realizam-se isentrópicamente, pelo que a relação expressa pela eq. (2.57) é válida, sendo assim possível escrever:

(4.7)

(4.6)

2

13

3

434

1

212

p

pp

p

ppp

p

ppp

rrr

rr

==

=

Dado que a transferência de energia por calor para o fluido de trabalho e do fluido de trabalho para o permutador fictício se realizam a pressão constante, conclui-se que, no ciclo ideal, as relações de pressão na turbina e compressor são idênticas.

No caso de um ciclo ideal de Brayton em que se assuma que o calor específico a pressão constante, cp, e k (k = cp/cv) não variam com a temperatura, T, é possível, a partir da eq. (2.64) escrever:

(4.9)

(4.8)

1

2

134

1

1

212

k

k

k

k

p

pTT

p

pTT

=

=

Sendo cp independente de T é possível escrever a eq.(4.5) em função de cp e T:

( ) ( )[ ]( )

(4.10)

1

1

1

2

3

1

4

2

1

23

1243

−−=

−−−=

TT

TT

T

T

TTc

TTTTc

p

p

thη

Atendendo às eqs (4.8) e (4.9) é possível escrever

( ) (4.11) 1

111

1

22

1

pp

-T

T

kkth −

=−=η

Da eq.(4.11) conclui-se que o rendimento térmico do ciclo ideal de Brayton, em que se considere que os calores específicos são independentes da temperatura, é função da relação entre as pressões à entrada e saída do compressor. Quanto maior for esta relação de pressões tanto maior será o rendimento térmico.

Da eq.(4.9) conclui-se também que o aumento da relação de pressões aos terminais do compressor, ocasiona, para um valor da temperatura dos gases de escape da turbina, T4, constante, um aumento de T3. Na Figura 4-3 os pontos 2’-3’ estão numa isobárica em que o valor de pressão é superior ao

Page 101: Produção e Consumo de Energia Elétrica

97

valor de pressão da isobárica que une os pontos 2-3. Em virtude da temperatura média a que é transferida energia por calor para o fluido de trabalho no ciclo 1-2’-3’-4-1 ser superior à temperatura média a que é transferida energia por calor para o fluido de trabalho no ciclo 1-2-3-4-1, conclui-se que o rendimento do primeiro ciclo é superior ao rendimento deste último ciclo.

Na Figura 4-4 apresenta-se a variação do rendimento térmico do ciclo ideal de Brayton, em função da relação de pressões à saída e entrada do compressor, assumindo um valor de k constante e igual a 1,4.

Figura 4-4: Rendimento térmico de um ciclo ideal de Brayton em função de p2/p1 para k constante e igual a 1,4.[4.1]

O limite metalúrgico de temperatura nas turbinas a gás é da ordem dos 1700 ºK, pelo que não é possível possuir valores de temperatura superiores a este à entrada das turbinas a gás.

Tomando este limite de temperatura, como temperatura máxima admissível à entrada da turbina, na Figura 4-5 representam-se no diagrama T-s dois ciclos possuindo idêntica temperatura à entrada da turbina mas diferentes relações de compressão.

Figura 4-5: Ciclos de Brayton ideais com idêntica temperatura à entrada da turbina e relações p2/p1 diferentes.[4.1]

Page 102: Produção e Consumo de Energia Elétrica

98

Na Figura 4-5 as áreas 1-2-3-4 e 1-2’-3’-4’ traduzem o trabalho liquido trocado com o exterior, pelo que se conclui que a energia especifica transferida, por trabalho, para o exterior é maior no ciclo B. Contudo, a temperatura média a que é fornecida energia, por calor, ao fluido de trabalho é maior no ciclo A, pelo que este apresenta um melhor rendimento.

A Figura 4-6 ilustra o rendimento térmico e o trabalho liquido específico em função da relação de pressões à saída e entrada do compressor, para diversos valores da temperatura à entrada da turbina, T3.

Figura 4-6: Rendimento térmico e trabalho liquido específico em função de p2/p1 parametrizados em termos de T3 para uma central equipada com turbinas a gás.[4.2]

Da Figura 4-6 conclui-se que tanto o rendimento como o trabalho liquido específico aumentam com o aumento da temperatura do fluido de trabalho à entrada da turbina. Desta Figura conclui-se ainda que, para uma dada temperatura, existem relações de pressão óptimas do compressor que maximizam o rendimento e o trabalho específico liquido do ciclo. Para a mesma temperatura a relação de pressões no compressor que maximiza o rendimento térmico não é, contudo, igual à relação de pressões do compressor que maximiza o trabalho específico. Da Figura 4-6 conclui-se ainda que a relação de pressões que maximizam o rendimento térmico é maior que a relação de pressões que maximizam o trabalho específico.

O menor valor do custo específico ( custo por unidade de potência) das centrais equipadas com turbinas a gás corresponde à situação em que se maximiza o trabalho específico liquido trocado com o exterior. É devido a este facto que se projecta a central para uma relação de pressões que maximize o trabalho específico liquido trocado com o exterior.

No ciclo de Brayton, o trabalho líquido trocado com o exterior obtém-se a partir das eqs (4.1) e (4.3).

( ) ( ) (4.12) 1243 hhhhwww CTliq −−−=−=

Considerando que não existem irreversibilidades, que o ar se comporta como um gás ideal e que os calores específicos a pressão e volume constante não variam com a temperatura, a partir da eq.(2.24), é possível pôr a eq.(4.12) na forma:

Page 103: Produção e Consumo de Energia Elétrica

99

( ) ( )[ ]

(4.13) 11

1

1

1

3

1

1

31

1

2

31

34

1

31

1

2

1

4

1

3

11243

+−−=

+−−=

−−

−=−−−=

−−−

k

k

pk

k

ppp

ppliq

rT

Tr

T

TTc

T

T

TT

TT

T

TTc

T

T

T

T

T

TTcTTTTcw

onde rp representa a relação de pressões entre a saída e entrada do compressor (rp = p2/p1) e se recorreu às eqs (4.8) e (4.9).

A relação de pressões, rpopt, que maximiza o trabalho líquido específico obtém-se derivando (4.13) em ordem a rp e igualando a derivada a zero, obtendo-se:

( )(4.14)

12

1

3−

=

k

k

poptT

Tr

4.2 Irreversibilidades e Perdas

Numa central equipada com turbinas a gás as irreversibilidades nas turbo - máquinas, em conjunto com as quedas de pressão na câmara de combustão e tubagem, devem ser tidas em consideração por forma a obter valores mais realistas do desempenho destas centrais.

As irreversibilidades nas turbo – máquinas são tidas em conta através dos rendimentos isentrópicos definidos pelas eqs (2.66) e (2.67). As quedas de pressão por fricção traduzem-se, atendendo à Figura 4-3, num valor de pressão à entrada da turbina inferior a p2 e num valor de pressão à saída da turbina superior a p1. A Figura 4-7 ilustra, no diagrama T-s, o ciclo de uma central equipada com turbinas a gás em que são contabilizadas as irreversibilidades e perdas.

As temperaturas nos diversos pontos do ciclo representado na Figura 4-7 variam consideravelmente, pelo que, em rigor, dever-se-iam contabilizar as variações do calor específico a pressão constante, cp, e de k com a temperatura. Uma aproximação possível para obviar este problema consiste em considerar valores de cp e k diferentes consoante o local do ciclo que for objecto de análise. Assim, no compressor e permutador de calor fictício, consideram-se para valores de cp e k os do ar à temperatura ambiente (k = 1,4; cp = 1,005 kJ/kg ºK). Designar-se-ão estes valores por cp,ar e kar.

No permutador de calor que simula a câmara de combustão e na turbina utilizam-se médias dos valores cp e k do ar para temperaturas elevadas. Designar-se-ão estes valores médios de cp e k por cp,gás e kgás. O valor de kgás assume-se constante e igual a 1,33. O valor de cp,gás é o indicado na Tabela 4.1, sendo o valor utilizado dependente do valor da temperatura do ar à entrada da turbina (T3 na Figura 4.7).

Page 104: Produção e Consumo de Energia Elétrica

100

Temperatura [ºC] cp [kJ/kgºK]

500 1,039

1000 1,091

1500 1,132

2000 1,171

Tabela 4.1: Valores médios de cp em função da temperatura do ar à entrada da turbina.

Figura 4-7: Ciclo de uma central equipada com turbinas a gás no diagrama T-s.[4.2]

A análise termodinâmica do ciclo representado na Figura 4-7 é executada por componente e por unidade de massa do fluido:

• Compressor

Dadas as condições de pressão, p1 e temperatura, T1, do ar à entrada do compressor, o rendimento isentrópico do compressor, ηisent,C e a relação de pressões p2/p1 do compressor, tem-se:

( )

( ) (4.17)

(4.16)

(4.15)

21,

,

12

12

12

12

,

1

1

2

1

2

TTcw

TTTT

TT

TT

p

p

T

T

arpC

Cisent

ss

Cisent

k

k

sar

ar

−=

−+=⇒

−=

=

ηη

Page 105: Produção e Consumo de Energia Elétrica

101

• Permutador de Calor (simula a câmara de combustão)

Conhecida a temperatura T3 à entrada da turbina, determina-se a quantidade de energia específica transferida, por calor, para o ar através de:

( ) (4.18) 23, TTcq gáspin −=

Determina-se ainda a pressão p3 à entrada da turbina uma vez conhecida a perda de carga, fi.p2, no permutador de calor e tubagem:

( ) (4.19) 123 ifpp −=

• Turbina

A pressão à saída da turbina de gás pode calcular-se a partir da pressão à entrada do compressor e da perda de carga, fe.p1, no permutador de calor fictício:

( ) (4.20) 114 efpp +=

A relação de pressões aos terminais da turbina, rpT, obtém-se a partir de (4.19) e (4.20), sendo assim possível determinar a temperatura à saída da turbina, uma vez conhecido o rendimento isentrópico da turbina,ηisent,T.

( )

( )

( ) (4.24)

(4.23)

(4.22)

(4.21)

43,

43,34

43

43

,

1

4

3

4

3

TTcw

TTTTTT

TT

rT

T

p

pr

gáspT

sTisent

s

Tisent

k

k

pT

s

pT

g

g

−=

−−=⇒−

−=

=

=

ηη

onde wT representa a transferência de energia por trabalho na turbina.

O trabalho líquido do ciclo obtém-se a partir de (4.17) e (4,24):

(4.25) )()( 12,43, TTcTTcwww arpgáspCTliq −−−=−=

A determinação de uma relação de pressões que maximize o trabalho específico conduz, neste caso a um resultado diverso do expresso pela eq. (4.14), ou seja, o resultado expresso por (4.14) não maximiza o trabalho líquido específico expresso pela eq. (4.25).

Retome-se a eq. (4.25). Admita-se que cp,medio é o valor médio de cp,gás e cp,ar e que kmedio é o valor médio de kar e kgas. Nestas condições, a eq. (4.25) pode escrever-se na forma:

( ) ( )[ ] (4.26) TT 1243, TTcwww mediopCTliq −−−=−=

A partir das eqs (4.16) e (4.23) é possícvel escrever a eq. (4.26) na forma:

Page 106: Produção e Consumo de Energia Elétrica

102

( ) ( )(4.27) T 12

43,

−−−=

C

ssTmediopliq

TTTcw

ηη

Admita-se que p3 = p2 e p1 = p4. Nestas condições verificam-se as relações:

(4.28)

1

2

1

3

4

1

1

2

1

2

4

3

1

2

mediok

mediok

smediok

mediok

s

p

p

p

T

T

p

p

T

T

p

p

p

pr

−−

=

=

==

Substituindo a eq. (4.28) na eq. (4.27) obtém-se:

( )( ) (4.29) 1

111

1

11

31,

−−

−=−

− mediok

mediok

p

Cmediok

mediok

p

Tmediopliq r

rT

TTcw

ηη

A relação de pressões, rpopt, que maximiza o trabalho líquido expresso pela eq. (4.29) obtém-se derivando a eq. (4.29) em ordem a rp e igualando o resultado a zero. O valor de rp que garante que a derivada é nula é rpopt e é igual a:

( )(4.30)

12

1

3−

=

mediok

mediok

CTpoptT

Tr ηη

Apesar de não contabilizar as quedas de pressão, a eq.(4.30) constitui uma alternativa à eq. (4.14) quando forem conhecidos os rendimentos isentrópicos da turbina e compressor.

Na generalidade dos casos, a temperatura do ar à entrada do compressor é imposta pelo local onde é instalada a central, encontrando-se a temperatura do ar e produtos da combustão à entrada da turbina limitada pelo limite metalúrgico dos materiais. Assim, designando por TmaxT a temperatura dos produtos de combustão à entrada da turbina e por Tamb a temperatura do ar no local de instalação da central, a relação Tmax,T/Tamb é um dado do projecto e impõe uma relação de pressões aos terminais do compressor. As equações (4.14) ou (4.30) permitem determinar a relação de pressões que maximiza o trabalho líquido.

O facto da temperatura no local de instalação da central ser um dado do projecto, conduz à necessidade de avaliar a influência que esta temperatura tem no projecto da central. Um aumento da temperatura do ar, Tamb, num dado local caracterizado por uma dada pressão, pamb, ocasiona uma diminuição da massa específica do ar, ρar. Por outro lado, a pressão atmosférica diminui com a altitude a que a central é colocada, o que implica que a massa específica do ar diminui com a pressão. A relação entre massa

Page 107: Produção e Consumo de Energia Elétrica

103

específica do ar a uma dada temperatura e pressão e a massa específica do ar a uma temperatura e pressão de referência é dada por:

(4.31) 0

00

pT

pT

amb

ambar ρρ =

onde T0 é a temperatura de referência (T0 = 273,15 ºK), p0 é a pressão de referência (p0 = 1 atm = 1,013*105 Pa) e ρ0 é a massa específica do ar nas condições de referência (ρ0 = 1,292 kg/m3).

A variação da massa específica do ar com o local onde a central é instalada afecta o caudal mássico na tomada de ar do compressor:

(4.32) 0

0 ρρar

ar mm && =

Para a mesma temperatura máxima do ciclo, Tmax,T, o aumento da temperatura ambiente, Tamb, impõe uma diminuição da relação de pressões no compressor, como se ilustra na Figura 4-8.

Figura 4-8: Efeito da variação da temperatura ambiente no ciclo de uma central equipada com turbinas a gás.[4.2]

Esta diminuição de pressão a que a energia por calor é transferida para o fluido de trabalho, origina uma diminuição da temperatura média a que esta transferência de energia ocorre, com a consequente diminuição do rendimento térmico do ciclo.

O trabalho específico entregue ao compressor, no caso de um processo isentrópico, é dado por:

( ) (4.33) 2, sambarpC TTcw −=

Dado que T2s>Tamb o trabalho é negativo, o que significa que é trabalho entregue ao sistema. Atendendo à eq. (2.63), é possível rescrever (4.33) na forma:

(4.34) 1

1

2

,

−=

−ark

ambambarpC

v

vTcw

Page 108: Produção e Consumo de Energia Elétrica

104

Em virtude da temperatura ambiente ser maior, a massa específica do ar é menor e, consequentemente, o volume específico maior, pelo que o trabalho específico do compressor aumenta com o aumento da temperatura ambiente.

Idêntico raciocínio para a turbina, permite concluir que o trabalho específico na turbina diminui com o aumento de temperatura.

O aumento do trabalho específico do compressor associado à diminuição do trabalho específico na turbina, implica a diminuição do trabalho específico líquido do ciclo, pelo que se conclui que o aumento da temperatura ambiente implica uma diminuição do trabalho específico liquido do ciclo. A Figura 4-9 ilustra a variação da potência da turbina, taxa de calor e caudal mássico de ar com a temperatura ambiente,

Figura 4-9: Efeito da temperatura ambiente nos parâmetros de desempenho de uma central equipada com turbinas a gás.[4.2]

4.3 Regeneração

Os produtos da combustão na exaustão da turbina encontram-se a uma temperatura consideravelmente superior à temperatura ambiente. Um principio básico no que concerne a melhoria do rendimento térmico do ciclo consiste em manter o valor médio da temperatura a que é transferida energia por calor para o ciclo tão elevado quanto possível e manter o valor da temperatura média em que a energia é transferido por calor do ciclo tão baixa quanto possível.

Uma forma de conseguir este desiderato nas centrais equipadas com turbinas a gás consiste em utilizar os gases de escape da turbina para pré – aquecer o ar antes da entrada na câmara de combustão. Desta forma diminui-se a temperatura dos gases na chaminé e aumenta-se a temperatura da água à entrada da câmara de combustão. Na Figura 4-10 apresenta-se o ciclo de ar – padrão de Brayton com regeneração.

Page 109: Produção e Consumo de Energia Elétrica

105

Figura 4-10: Ciclo ar-padrão de Brayton com regeneração.[4.1]

O regenerador é um permutador de calor em contra – corrente em que os gases de escape circulam da saída da turbina para a chaminé (4-y na Figura 4-10) e o ar circula da saída da bomba para a câmara de combustão (2-x na Figura 4-10). Desta forma, com regeneração, o ar, na câmara de combustão, é aquecido da temperatura Tx à temperatura T3, enquanto que, sem regeneração, o ar teria de ser aquecido, nesta câmara, da temperatura T2 a T3. Com regeneração, a temperatura média a que é transferida energia, por calor, para o ciclo aumenta e a temperatura de exaustão dos gases de escape diminui, pelo que o rendimento térmico do ciclo aumenta.

De acordo com a Figura 4-10, a quantidade de energia transferida por calor para o ciclo, por unidade de massa de fluido, na câmara de combustão, obtém-se a partir de:

(4.35) 3 xin hhq −=

Da Figura 4-10 conclui-se ainda que, se o regenerador fosse um equipamento ideal, a temperatura do fluido de trabalho à saída do regenerador, Tx seria igual a T4 e a temperatura dos gases de escape à saída do regenerador (entrada na chaminé), Ty, seria igual a T2. Como o regenerador não é um equipamento ideal, define-se o rendimento da regeneração, ηreg, como:

Page 110: Produção e Consumo de Energia Elétrica

106

(4.36) 24

2

hh

hhxreg −

−=η

O rendimento do regenerador é geralmente baixo (varia entre 60% e 80%) pelo que a temperatura Tx é consideravelmente inferior a T4. O aumento do rendimento do regenerador acima dos valores acima indicados, implica um aumento de custo apreciável, pelo que importa verificar se este aumento de custo é compensado pelo consumo evitado de combustível. Acresce que o aumento do rendimento do regenerador implica que o equipamento tenha dimensões apreciáveis, o que pode originar perdas de carga importantes, com o consequente impacto na redução do rendimento do ciclo.

4.4 Aquecimento e Arrefecimento Intermédio.

O trabalho medido no veio de uma máquina, turbina ou compressor, pode ser calculado através da eq. (1.27):

(1.27) 2

1

∫−=p

p

veio VdpW

Admitindo a aproximação de o ar ser modelado como um gás ideal, a eq.(1.27) pode ser escrita, atendendo à eq.(2.13), na forma:

∫−=2

1

(4.37) p

pveio

p

dpmRTW

Para um dado valor de dp/p, o trabalho no veio é directamente proporcional à temperatura. Da Figura 4-10 conclui-se que a energia transferida por trabalho para o compressor aumenta à medida que o ar é comprimido entre 1 e 2. De idêntico modo se conclui que a energia transferida por trabalho na turbina diminui à medida que o ar é expandido entre 3 e 4 da Figura 4-10. Pode assim concluir-se que, se a temperatura for mantida tão baixa quanto possível até se atingir o ponto 2 na Figura 4-10 e for mantida tão elevada quanto possível até se atingir o ponto 4 na mesma Figura, se consegue minimizar a transferência de energia por trabalho no compressor e maximizar a transferência de energia por trabalho na turbina. É esta conclusão que justifica a inserção do arrefecimento no compressor e o reaquecimento na turbina.

A Figura 4-11 ilustra um compressor de dois andares com arrefecimento intermédio.

Page 111: Produção e Consumo de Energia Elétrica

107

Figura 4-11: Compressão em dois andares com arrefecimento intermédio. [4.1]

Os diagramas p-v e T-s da Figura 4-11 ilustram os estados para processos internamente reversíveis. O processo 1-c representa a compressão isentrópica da ar entre a pressão p1 e a pressão pi. No processo c-d o ar é arrefecido, isobáricamente, da temperatura Tc até à temperatura Td. O processo d-2 representa a compressão isentrópica do ar entre a pressão pi e a pressão p2. No diagrama p-v da Figura 4-11 é possível identificar a energia transferida por trabalho nos dois andares do compressor. A área 1-2-c-d-2-a-b-1 representa o trabalho entregue ao compressor para comprimir o ar entre os estados 1 e 2. Se este trabalho fosse entregue a um compressor onde não existisse arrefecimento intermédio a área 1-2’-a-b-1 representaria o trabalho entregue a este compressor. A área a tracejado no diagrama p-v representa a redução de trabalho ocasionada pelo arrefecimento intermédio.

Um processo de compressão real é politrópico, sendo regido pela eq. (2.25). Particularizando a eq. (1.27) para um processo politrópico que comprime o ar entre a pressão p1 e a pressão pi da Figura 4-11 tem-se:

( ) (4.40)

1

(4.39) 1

(4.38)

1

11

1

1

−−=

−−=

−= ∫

n

TTRmnW

n

vpvpmnW

dpp

ctemW

cveio

iiveio

ip

p

n

veio

em que n é o coeficiente politrópico (igual a k se o processo for isentrópico) e se utilizou a eq.(2.13).

Page 112: Produção e Consumo de Energia Elétrica

108

Se os incrementos de temperatura forem idênticos em cada andar de compressão, as relações de pressão são também idênticas em virtude de se verificar:

(4.41) 1

11

=

n

n

ci

T

T

p

p

Designando por rp,andar, a relação de pressões num andar de compressão e por rp, total, a relação entre a pressão à saída do último andar de compressão e a pressão à entrada do primeiro andar de compressão, se a relação de pressões por andar for igual verifica-se:

(4.42) ,,cN

totalpandarp rr =

onde Nc representa o número de andares de compressão.

A determinação do número de andares, Nc, de compressão bem como das condições de operação constitui um problema de optimização onde a vertente económica tem um papel determinante. A compressão com arrefecimento intermédio incrementa o trabalho líquido do ciclo em virtude de diminuir a energia transferida por trabalho para o compressor.

O efeito da compressão com arrefecimento intermédio no rendimento térmico do ciclo não é contudo, tão evidente: da Figura 4-11 retira-se que a temperatura à saída dos andares de compressão com arrefecimento intermédio, T2, é inferior à temperatura que existiria na saída de um compressor em que não existisse arrefecimento intermédio, T’2, pelo que seria necessário transferir mais energia por calor para idêntica temperatura à entrada da turbina. Contudo, verifica-se que a menor temperatura à saída do compressor melhora as condições de regeneração, pelo que a compressão com arrefecimento intermédio utilizada conjuntamente com a regeneração melhora apreciavelmente o rendimento térmico do ciclo.

Na Figura 4-12 apresenta-se um esquema de uma central a gás com uma turbina de dois andares com reaquecimento.

Da Figura 4-12 retira-se que, para se proceder ao reaquecimento dos gases de escape do andar de alta pressão da turbina, é necessário instalar uma câmara de combustão de reaquecimento, pelo que é necessário que na exaustão do andar de alta pressão da turbina exista uma quantidade de ar suficiente. Em virtude do limite metalúrgico do materiais, a temperatura dos produtos gasoso à entrada da turbina deve ser limitada. Uma forma de controlar a temperatura consiste em fornecer ar em excesso do necessário para a queima do combustível na câmara de combustão.

Page 113: Produção e Consumo de Energia Elétrica

109

Figura 4-12: Turbina a gás com dois andares com reaquecimento.[4.1]

Assim, os produtos da combustão à saída da câmara de combustão, possuem uma quantidade de ar suficiente para permitir a combustão adicional de combustível, pelo que é possível contemplar a existência de uma câmara de reaquecimento entre os dois andares da turbina representada na Figura 4-12.

Na discussão do resultado expresso pela eq. (4.37), concluía-se que o reaquecimento aumentava a energia transferida por trabalho na turbina. Esta conclusão é suportada pelo resultado expresso no diagrama T-s da Figura 4-12: a área 1-2-3-a-b-4-1 do ciclo com reaquecimento é superior à área 1-2-3-4’-1 do ciclo sem reaquecimento, pelo que se conclui que a energia liquida transferida por trabalho no ciclo com reaquecimento é superior à energia liquida transferida por trabalho no ciclo sem reaquecimento.

No que concerne o rendimento térmico do ciclo com reaquecimento, podem ser tecidas considerações com teor idêntico às tecidas para o compressor com arrefecimento intermédio: a temperatura dos gases de escape à saída do andar de baixa pressão da turbina, quando comparada com a temperatura dos gases de escape de uma turbina onde não existisse reaquecimento, é maior. A eficiência da regeneração aumenta com o aumento temperatura de entrada no regenerador, pelo que a transferência adicional de energia por calor na câmara de reaquecimento, é largamente compensada pelo aumento de eficiência do regenerador, concluindo-se assim que a utilização de reaquecimento na turbina melhora consideravelmente o rendimento térmico do ciclo.

A Figura 4-13 ilustra uma central a gás com arrefecimento intermédio e reaquecimento. No diagrama T-s desta Figura ilustram-se os efeitos das irreversibilidades internas no ciclo. Dado que o processo de regeneração se torna mais eficiente com o aumento da temperatura do fluido à saída da turbina e a diminuição da temperatura do fluido à saída do compressor, conclui-se que o arrefecimento intermédio e o reaquecimento utilizados em conjunto com a regeneração melhoram substancialmente o rendimento térmico do ciclo.

Page 114: Produção e Consumo de Energia Elétrica

110

Figura 4-13: Central a gás com arrefecimento intermédio e reaquecimento.[4.1]

4.5 Turbinas a Gás

Os andares das turbinas a gás são similares aos andares das turbinas a vapor discutidas no capítulo 3.7. Nas turbinas a gás o fluido de trabalho é o ar e produtos de combustão no caso dos combustíveis fósseis.

A pressão do fluido à entrada das turbinas a gás é consideravelmente inferior à pressão do fluido à entrada das turbinas a vapor. As turbinas que equipam as centrais a gás são do tipo turbinas de reacção e geralmente o número de andares destas turbinas, no caso de se verificar a utilização de combustíveis fósseis, está compreendido entre 1 e 3.

A velocidade do gás à entrada do rotor pode ser calculada com base na eq. (3.42) particularizada para o caso do ar considerado como um gás ideal:

( )( ) (4.43) 2

2

101

101

TTcc

hhc

p −=

−=

Atendendo à eq. (2.62), é possível escrever a eq. (4.43) em função da relação de pressões, rpf, entre a entrada e saída do estator da turbina:

(4.44) 121

01

−=

k

k

pfp rTcc

Page 115: Produção e Consumo de Energia Elétrica

111

A eq. (4.44) permite determinar a velocidade ideal do fluido de trabalho à saída do estator da turbina (entrada do rotor da turbina) a partir da temperatura do fluido de trabalho à entrada da turbina, T0, da relação de pressões entre a entrada e saída do estator da turbina, rpf, e do grau de reacção da turbina, GR (eq. (3.58)). Para calcular a velocidade real do fluido de trabalho à saída do estator da turbina é necessário conhecer o rendimento isentrópico do estator da turbina.

A validade das eqs (4.43) e (4.44) encontra-se condicionada à validade da hipótese de se considerar que os calores específicos a volume e pressão constante não variam com a temperatura. No caso de esta hipótese não ser válida deve recorrer-se às tabelas constantes do Apêndice 2.5. Uma alternativa à consulta desta tabela consiste em determinar um calor específico a pressão constante médio, cpmed, que se define a partir de:

( )

( )

( )(4.46)

(4.45)

12

2

1

12

2

1

TT

dTTc

c

TTch

dTTch

T

Tp

pmed

pmed

T

Tp

−=

−=∆

=∆

Seguindo um raciocínio semelhante é possível, a partir das eqs (2.18) e (2.21), determinar um calor específico a volume constante médio, cvmed, e um valor de k médio, kmed.

A Figura 4-14 ilustra, num diagrama T-s a expansão do gás numa turbina a gás constituída por 3 andares.

Figura 4-14: Diagrama T-s de uma turbina a gás com 3 andares.[4.3]

Assumindo que o calor específico a pressão constante, cp, não varia com a temperatura, a variação da entalpia entre a entrada da turbina, 0, e a saída da turbina, e, obtém-se a partir de:

Page 116: Produção e Consumo de Energia Elétrica

112

( )

(4.48)

(4.47) 1

(4.46)

0

0

1

11

00

0

es

eT

k

k

pT

k

k

pT

k

k

ees

espT

TT

TT

rrp

p

T

T

TTch

−=

=

=

=

−=∆

−−

η

Se se pretender que a transferência de energia por trabalho nos diferentes andares das turbinas sejam iguais, a diferença de temperatura, T0 – Tes é dividida pelo número de andares da turbina. Admita-se que a diferença de temperaturas entre a entrada e saída de um andar da turbina é ∆Tandar. Esta diferença de temperaturas é posteriormente dividida entre pás fixas e móveis de acordo com o grau de reacção, GR, do andar da turbina. Torna-se então possível recorrer às eqs (4.43) e (4.44) para determinar a velocidade do fluido, c1, à saída das pás fixas do andar da turbina (entrada das pás móveis do mesmo andar da turbina). A energia transferida por trabalho e a potência no rotor da turbina determinam-se de forma idêntica à apresentada para as turbinas de vapor do tipo turbinas de reacção, recorrendo aos diagramas de velocidade à entrada e saída das pás móveis descritos no capítulo 3.8.

4.6 Introdução às Centrais de Ciclo Combinado.

Por ciclo combinado entende-se a junção de dois ciclos termodinâmicos em que o calor rejeitado por um dos ciclos é aproveitado pelo outro ciclo. A Figura 4-15 ilustra o principio de funcionamento de uma central de ciclo combinado.

Figura 4-15: Principio de funcionamento de uma central de ciclo combinado.[4.2]

A justificação para o recurso à utilização de centrais de ciclo combinado prende-se com o aumento global do rendimento destas centrais. Analise-se assim o rendimento da central a ciclo combinado representada na Figura 4-15.

Page 117: Produção e Consumo de Energia Elétrica

113

A energia transferida por trabalho no ciclo que se encontra no topo obtém-se a partir de:

(4.49) TinT QW η=

A energia transferida por calor para o ciclo inferior (energia rejeitada por calor pelo ciclo de topo) é:

( ) (4.50) 1, TinoutT QQ η−=

A energia transferida por trabalho no ciclo inferior será:

( ) (4.51) -1 BTB, ηηη inoutTB QQW ==

A energia total transferida por trabalho no ciclo combinado será:

( )( ) (4.52) 1 BTTinBTcc QWWW ηηη −+=+=

O rendimento do ciclo combinado será:

(4.53) BTBT

in

cccc

Q

Wηηηηη −+==

O resultado expresso pela eq.(4.53) permite concluir que o rendimento do ciclo combinado, ηcc, é maior que o rendimento do ciclo de topo, ηT, mas inferior à soma do rendimento do ciclo de topo com o rendimento do ciclo inferior, ηB.

A análise do Ciclo de Carnot efectuada no capítulo 3.1 permitiu concluir que o rendimento de um ciclo termodinâmico aumenta quando a temperatura média a que é transferida energia por calor para o ciclo aumenta e/ou quando a temperatura média a que é rejeitada energia por calor pelo ciclo diminui. A temperatura do fluido de trabalho à entrada das modernas turbinas a gás situa-se entre 1250 ºC e 1340 ºC , situando-se a temperatura do fluido na exaustão destas turbinas entre os 500 ºC e os 600 ºC. Nas modernas turbinas a vapor, a temperatura do fluido de trabalho à entrada da turbina situa-se entre 580 ºC e 650 ºC. Este facto permite visualizar a existência de um ciclo combinado em que no topo se estabelece um ciclo de Brayton, estabelecendo-se, na base do ciclo combinado, um ciclo de Rankine. A Figura 4-16 ilustra a configuração deste tipo de central.

Conforme ilustrado na Figura 4-16, os gases de escape da turbina a gás, alimentam uma caldeira recuperadora de calor, sendo, nesta, transferida energia térmica, por calor, para o fluido de trabalho de uma turbina a vapor. Dado que a temperatura dos gases de escape da turbina a gás é aproximadamente, da mesma ordem de grandeza da temperatura à entrada das turbinas de vapor, é possível em muitos casos realizar esta transferência de energia sem consumo adicional de combustível.

Page 118: Produção e Consumo de Energia Elétrica

114

Figura 4-16: Central a ciclo combinado.[4.1]

A Figura 4-17 ilustra o diagrama T-s da central de ciclo combinado representada na Figura 4-16.

Figura 4-17: Diagrama T-s da central de ciclo combinado da Figura 4-16.[4.2]

Em regime permanente, na ausência de transferência de energia por calor para o meio exterior e considerando desprezáveis as variações de energia

Page 119: Produção e Consumo de Energia Elétrica

115

cinética e potencial, a energia transferida dos gases de exaustão da turbina para o fluido de trabalho da turbina a vapor obtém-se a partir de:

( ) ( ) (4.54) 5467 hhmhhm arv −=− &&

onde vm& e

arm& representam o caudal mássico de vapor e ar, respectivamente.

Dependendo da complexidade da caldeira recuperadora de calor, existem três configurações possíveis para as centrais de ciclo combinado: centrais de ciclo combinado com pressão simples, centrais de ciclo combinado com pressão dupla e centrais de ciclo combinado com pressão tripla. Esta classificação baseia-se no número de pressões existentes na caldeira recuperadora de calor.

Na Figura 4-18, apresenta-se o diagrama de uma central de ciclo combinado de pressão simples. A Figura 4-19 ilustra os perfis das temperaturas dos gases de exaustão e do fluido de trabalho da caldeira recuperadora de calor de pressão simples.

Figura 4-18: Central de Ciclo Combinado de pressão simples [4.2]

Page 120: Produção e Consumo de Energia Elétrica

116

Figura 4-19: Diagrama Temperatura-Fluxo de Calor de uma caldeira recuperadore de calor de pressão simples. [4.2]

Os gases de exaustão da turbina a gás arrefecem na pasagem pela caldeira recuperadora de calor. A energia dos gases de exaustão da turbina é transferida para o fluido de trabalho nesta caldeira, sendo a água aquecida, evaporada e o vapor sobreaquecido.

Aplicando o principio da conservação da energia ao sobreaquecedor e evaporador da caldeira recuperadora de calor, obtém-se:

( ) ( ) (4.55) 5621 hhmttcm spgg −=− &&

onde sg mm && e representam o caudal mássico dos gases de escape e da

água/vapor, respectivamente. cpg representa o calor específico a pressão constante dos gases de exaustão, h6 a entalpia específica do vapor sobreaquecido, h5 a entalpia específica do líquido saturado, t1 a temperatura dos gases de exaustão à saída da turbina a gás/entrada da caldeira recuperadora de calor e t2 a temperatura dos gases de exaustão à entrada do evaporador da caldeira recuperadora de calor.

Na Figura 4-19, t5 é a temperatura da água no estado de liquido/vapor saturado na caldeira e é imposto pela pressão de trabalho da caldeira. Os valores de h5 e t5 são dados do projecto da caldeira recuperadora de calor.

Geralmente a temperatura t5 é escolhida por forma a que a diferença t2 – t5 seja maior ou igual que um valor PP, designado por “Pinch Point”. O “Pinch Point” é o ponto em que as temperaturas dos gases de exaustão e do fluido de trabalho da caldeira mais se aproximam. Um valor típico para PP é de 10

Page 121: Produção e Consumo de Energia Elétrica

117

K. Típicamente t2-t5 ≥ PP, pelo que no ponto 5 da Figura 4-19 se tem que observar a seguinte relação:

(4.56) 52 PPtt +=

A partir da equação (4.55) é possível determinat o caudal mássico de água que tem de circular na caldeira recuperadora de calor:

( )( )

(4.57) 56

21

hh

ttcmm

pggs −

−=

&&

Para o economizador a equação do balanço da energia obedece a:

( ) ( ) (4.58) 4532 hhmttcm spgg −=− &&

onde t3 é a temperatura dos gases de exaustão à saída da caldeira recuperadora de calor e h4 é a entalpia específica da água à entrada da caldeira recuperadora de calor.

Adicionando (4.55) com (4.58) obtém-se:

( ) ( ) (4.59) 4631 hhmttcmQ spggcrc −=−= &&&

onde crcQ& representa a potência térmica transferida na caldeira recuperadora de calor.

A partir das equações (4.58) e (4.59) é possível obter

( ) ( )(4.60) 46

145

23pgg

s

pgg

s

cm

hhmt

cm

hhmtt

&

&

&

& −−=

−−=

A temperatura t3 possui um limite inferior já que há o perigo de ocorrerem fenómenos de corrosão resultantes da condensação do vapor de água em presença dos óxidos de enxofre. A temperatura deve ser superior à temperatura de orvalho dos gases de exaustão, a qual depende da pressão parcial do vapor de água e do conteúdo de enxofre do combustível.

A temperatura da água à entrada do economizador deve ser a mais baixa possível por forma a optimizar a utilização da energia contida nos gases de exaustão da turbina a gás.

Por forma a optimizar a utilização da energia contida nos gases de exaustão da turbina a gás as centrais de ciclo combinado possuem caldeiras com duas ou três pressões. A Figura 4.20 ilustra uma central de ciclo combinado com uma caldeira recuperadora de calor com duas pressões.

Page 122: Produção e Consumo de Energia Elétrica

118

Figura 4-20: Central de Ciclo Combinado de pressão dupla [4.2]

A Figura 4.21 ilustra o diagrama temperatura- fluxo de calor de uma caldeira recuperadora de calor com duas pressões.

Page 123: Produção e Consumo de Energia Elétrica

119

Figura 4-21: Diagrama Temperatura-Fluxo de Calor de uma caldeira recuperadore de calor de pressão dupla. [4.2]

A equação da energia aplicada ao evaporador e sobreaquecedor na caldeira recuperadora de calor com duas pressões conduz a:

( ) ( ) (4.61) 91021 hhmttcm HPpgg −=− &&

onde HPm& representa o caudal mássico de vapor, expresso em kg/s, na zona de alta pressão da caldeira recuperadora de calor, h10 representa a entalpia, expressa em kJ/kg, do vapor sobreaquecido à saída da caldeira/entrada no andar de alta pressão da turbina a vapor e h9 a entalpia, expressa em kJ/kg, do liquido saturado à pressão da zona de alta pressão da caldeira. A partir de (4.61) obtém-se o caudal mássico de vapor, HPm& :

( )( )

(4.62) 910

21

hh

ttcmm

pggHP −

−=

&&

A equação da energia aplicada ao economizador da zona de alta pressão da caldeira recuperadora de calor conduz a:

( )(4.63) 89

23pgg

HPHP

cm

hhmtt

&

& −−=

onde t3 representa a temperatura do gás de exaustão à saída da zona do economizador de alta pressão da caldeira, representado h8HP a entalpia, em kJ/kg, da água que alimenta a zona de alta pressão da caldeira.

Page 124: Produção e Consumo de Energia Elétrica

120

O caudal mássico de vapor na zona de baixa pressão da caldeira recuperadora de calor, obtém-se, à semelhança do deduzido para a zona de alta pressão, a partir de:

( )(4.64)

,

43

LPfg

pggLP

h

ttcmm

−=

&&

em que hfg,LP é a entalpia de vaporização, em kJ/kg, da água na zona de baixa pressão da caldeira.

A partir de (4.62) e (4.64) é possível determinar o caudal mássico total de água na caldeira:

(4.65) LPHPs mmm &&& +=

A transferência de energia por calor, crcQ& , para a caldeira recuperadora de calor, CRC, obtém-se a partir de:

( ) ( ) ( ) (4.66) 6881051 hhmhhmttcmQ LPHPHPpggcrc −+−=−= &&&&

Da equação (4.66) é possível calcular a temperatura t5 dos gases de exaustão à saída da chaminé:

( )(4.68)

ou

(4.67)

6835

15

pgg

LP

pgg

crc

cm

hhmtt

cm

Qtt

&

&

&

&

−−=

−=

Em certas aplicações torna-se necessário aumentar a energia transferida por calor para o ciclo da turbina a vapor, pelo que se recorre à queima suplementar de combustível, conforme ilustrado na Figura 4-22.

Figura 4-22: Central a ciclo combinado com queima suplementar de combustível.[4.2]

Page 125: Produção e Consumo de Energia Elétrica

121

Salienta-se que a exaustão da turbina a gás é rica em oxigénio, pelo que esta queima suplementar de combustível é fazível.

O rendimento de uma central de ciclo combinado com queima suplementar, ηcc, obtém-se a partir de:

(4.69) sfgT

sTgTcc

QQ

PP

&& +

+=η

onde PgT e PsT representam as potências da turbina a gás e vapor, respectivamente, representando gTQ& e sfQ& as potências térmicas da câmara

de combustão e da câmara de queima suplementar, respectivamente.

Representando por ηgT e ηsT, os rendimentos térmicos dos ciclos simples de Brayton e Rankine, a energia transferida por calor para o ciclo de Rankine será dada por:

( ) (4.70) 1 sfgTgTsfexhsT QQQQQ &&&&& +−=+= η

O rendimento global, ηcc, do ciclo combinado com queima suplementar será assim dado por:

( )[ ]{ }( ) (4.71) 1

1

sf

sfgTsTgT

sfgT

sTgTcc f

f

QQ

PP

++−+

=+

+=

ηηηη

&&

onde fsf = gT

sf

Q

Q&

&

.

Comparação das eqs (4.53) com (4.71) permite concluir que a queima suplementar de combustível ocasiona uma diminuição do rendimento térmico global das centrais de ciclo combinado.

4.7 Bibliografia

[4.1] M.Moran; H. Shapiro: “Fundamentals of Engineering Thermodynamics”, 3rd Edition, John Wiley & Sons, 1998.

[4.2] N.V. Khartchenko: “Advanced Energy Systems”, Taylor &Francis,1998.

[4.3] M. M. El-Wakil: “Power Plant Technology”, McGraw-Hill,1985.

[4.4] Reiner Decher: “Energy Conversion”, Oxford University Press, 1994

Page 126: Produção e Consumo de Energia Elétrica

122

Page 127: Produção e Consumo de Energia Elétrica

123

5 Centrais Hidroeléctricas.

Na Figura 5-1 representa-se o esquema básico de uma central hidroeléctrica.

Figura 5-1: Configuração de uma central hidroeléctrica de albufeira.[5.1]

A central representada na Figura 5-1 é constituída por uma albufeira, um circuito hidráulico de adução, constituído por uma galeria e uma conduta forçada, por um ou mais grupos turbina-gerador e pelo canal hidráulico de restituição. No circuito hidráulico de adução encontra-se instalada uma chaminé de equilíbrio, cuja finalidade é amortecer os regimes transitórios que possam ocorrer no circuito hidráulico.

Nem todas as centrais hidroeléctricas possuem a configuração da central representada na Figura 5-1. Nas centrais apelidadas de fio de água não existe uma albufeira, existindo uma câmara de carga que se destina a armazenar uma quantidade limitada de água, um circuito hidráulico adutor, constituído geralmente por uma conduta forçada, o(s) grupo(s) turbina-gerador e um circuito hidráulico de restituição.

Com referência à Figura 5-1, a velocidade, cam, pressão, pam e cota, zam, constituem a velocidade da água, pressão e cota na albufeira. A velocidade, cam é aproximadamente nula e a pressão, pam, é a pressão atmosférica. Na restituição a velocidade, cav, da água é também aproximadamente nula, a pressão, pav, é a pressão atmosférica e a cota da água na restituição é zav.

Importa, neste ponto, tecer algumas considerações sobre a velocidade do fluido, c. Por definição, o caudal, Q, é o volume de água que, na unidade de tempo, atravessa uma dada superfície. Sendo v a velocidade num ponto, o volume de fluido que atravessa uma área elementar, dS, no intervalo de tempo, dt, será [5.2]:

(5.1) .ndSvdQ =

Page 128: Produção e Consumo de Energia Elétrica

124

onde n representa o vector normal a dS. O caudal escoado, Q, através da secção ortogonal à direcção de escoamento, obtém-se por integração da eq (5.1).

Define-se a velocidade média, c, como sendo a velocidade de um escoamento fictício com velocidade, c, constante em todos os pontos, que transporta um caudal, Q, igual ao transportado pelo escoamento real através da secção, S, ortogonal ao escoamento:

(5.2) S

vdS

S

Qc S

∫==

Assim, a velocidade, c, de um escoamento deve ser entendida como uma velocidade média que obedece à eq. (5.2).

A aplicação da equação da energia, por unidade de massa de fluido, (eq.(1.37)) entre a albufeira e a restituição, conduz a:

( ) ( ) (5.3) 22

22

amav

amav

amav zzgcc

hhwq −+

−+−+=

Atendendo à eq (2.48) é possível rescrever (5.3) na forma:

( ) ( ) ( ) (5.4) 22

22

amav

amav

amavamav zzgcc

ppvssTwq −+

−+−+−+=

onde se admitiu que, para as pressões em jogo, a água é um fluido incompressível, conforme ilustrado na Figura 2-15.

No caso de se não considerarem irreversibilidades no processo, a eq. (5.4) pode ser escrita na forma:

( ) ( ) (5.5) 22

22

avam

avam

avam zzgcc

ppvw −+

−+−=

onde se recorreu à eq.(2.41).

A tendendo aos valores de cam, cav, pam e pav, a eq. (5.5) conduz a:

(5.6) bdisp

disp

bavam gQHPgQ

P

gm

wm

g

wHzz ρ

ρ=⇒====−

&

&

onde Hb (altura bruta) é a altura geométrica, medida entre o nível da água na albufeira e o nível da água na restituição, ρ é a massa específica da água (1000 kg/m3), Q é o caudal volúmico, expresso em m3/s e Pdisp a potência disponível para a altura Hb e caudal volúmico, Q, expressa em W.

A eq.(5.6) exprime a potência disponível num empreendimento que possua uma altura bruta Hb e um caudal Q. Salienta-se que a eq.(5.6) não contabiliza o efeito dos circuitos hidráulicos adutor e de restituição na energia disponível para transferência na turbina.

No sentido de contabilizar a influência do circuito hidráulico, considere-se de novo a eq. (5.4) aplicada entre a cota do nível de água na albufeira, zam, e a cota à entrada do estator da turbina, ze.

Page 129: Produção e Consumo de Energia Elétrica

125

(5.7) 2

2

pamee

e

amam vpgzc

vpgz ϕ+++=+

onde se admitiu que a velocidade do fluido, cam, na albufeira era, aproximadamente, nula. Na eq. (5.7), ϕpam, representa as irreversibilidades (perdas) que ocorrem no circuito hidráulico adutor.

Se se aplicar a equação da energia ao circuito hidráulico de restituição tem-se:

(5.8) 2

2

ss

s

pavavav vpgzc

vpgz ++=++ ϕ

onde ϕpav representa as perdas no circuito hidráulico de restituição.

Dividindo as eqs (5.7) e (5.8) por g e subtraindo (5.8) de (5.7) obtém-se:

( ) (5.9) 2

22

gg

ppzz

g

ccHzz

pampavse

se

se

bavam

ϕϕ

ρ

++

−+−+

−==−

Todos os termos da eq. (5.9) representam, dimensionalmente, uma altura, Os termos da eq. (5.9) que são função da velocidade do fluido, c, da cota, z, e da pressão, p, designam-se por altura cinética, altura geométrica e altura piezométrica, respectivamente. As perdas no circuito hidráulico, ϕ, designam-se por perdas de carga.

Apesar de, dimensionalmente, as alturas geométrica, piezométrica e cinética se exprimirem em metros, estas alturas representam energia mecânica por unidade de peso do liquido. Assim, a altura geométrica, z, traduz a energia potencial da unidade de peso do liquido situado à cota z (note-se que a equação da energia utilizada para a obtenção da eq. (5.9), se encontra expressa em por unidade da massa de fluido).

A altura piezométrica, p/ρg, representa a energia potencial por unidade de peso de liquido submetido à pressão p (a pressão, p, num ponto á profundidade, h, relativamente à superfície livre, que se encontra à pressão atmosférica, patm, obtém-se a partir de p = patm+ρgh). A altura cinética, c2/2g, representa a energia cinética do fluido por unidade de peso.

A eq. (5.9) pode ser posta na forma:

( ) (5.10) 2

22

gH

g

ppzz

g

ccH

pampav

b

se

se

se

n

ϕϕ

ρ

+−=

−+−+

−=

onde Hn representa a altura útil aos terminais da turbina, altura que resulta da soma das alturas cinética, geométrica e piezométrica. A altura útil ,Hn, obtém-se subtraindo à altura bruta, Hb, as perdas de carga no circuito hidráulico.

Num escoamento em regime permanente, quer se efectue num interior de um invólucro (sob pressão), quer se efectue em superfície livre ( em contacto com a atmosfera), o caudal mantém-se constante qualquer que seja a secção considerada.[5.2].

Se o escoamento for laminar (as partículas do fluido seguem trajectórias regulares e trajectórias de partículas vizinhas não se cruzam), a perda de carga varia proporcionalmente à velocidade média, c. Dado que, em regime

Page 130: Produção e Consumo de Energia Elétrica

126

permanente, o caudal é constante qualquer que seja a secção considerada, a perda de carga por unidade de comprimento, é constante e proporcional a c desde que o escoamento se verifique sem singularidades, ou seja, seja uniforme em toda a sua extensão.[5.2]

Nos escoamentos turbulentos (escoamentos em que a velocidade em cada ponto varia constantemente em direcção e módulo, sem regularidade), a perda de carga por unidade de comprimento, varia proporcionalmente ao quadrado da velocidade média, c2, e, consequentemente, ao quadrado do caudal. [5.2]

É usual classificar as perdas de carga nos escoamentos uniformes (escoamento permanente com velocidade constante ao longo de uma mesma trajectória) e nos escoamentos gradualmente variados (caso de condutas em que a secção varia gradualmente) como perdas de carga contínuas, ou seja perdas de carga em que é possível definir uma perda de carga constante por unidade de comprimento do percurso do escoamento. Salienta-se que esta definição abrange quer escoamentos laminares quer escoamentos turbulentos.

Nos casos em que não seja possível definir uma perda de carga constante por unidade de comprimento do trajecto do escoamento, definem-se as perdas de carga singulares, que se definem como sendo perdas de carga específicas num dado ponto do percurso do escoamento. Estas perdas de carga são proporcionais ao quadrado da velocidade média do escoamento, c2, sendo a constante de proporcionalidade dependente da geometria da singularidade, do regime do escoamento (laminar ou turbulento), e das condições do escoamento.[5.2]

Quer as perdas de carga sejam contínuas ou singulares, traduzem-se por uma diminuição da altura útil (energia) disponível para transferência por trabalho na turbina. Designando (ϕpav+ϕpam)/g por ∆Hp, em regime hidráulico puramente turbulento as perdas de carga podem ser obtidas através de:

( )(5.11)

2

g

cKKH LC

p

+=∆

onde KC e KL representam os coeficientes de perda de carga contínua e singular, respectivamente.

5.1 Turbinas Hidráulicas.

À semelhança do que sucede com as turbinas a vapor, as turbinas hidráulicas classificam-se em turbinas de impulso e turbinas de reacção. Nas turbinas de impulso o escoamento da água no rotor realiza-se à pressão atmosférica, enquanto que nas turbinas de reacção este escoamento se realiza sob pressão variável.

Page 131: Produção e Consumo de Energia Elétrica

127

Turbinas de Impulso

A Figura 5-2 ilustra uma central hidroeléctrica equipada com uma turbina de impulso, denominada turbina Pelton em homenagem ao engenheiro norte-americano que a concebeu em 1880.

Figura 5-2 : Central equipada com uma turbina Pelton.[5.1]

O estator de uma turbina do tipo Pelton é constituída por uma ou mais tubeiras, designadas por injectores, e cuja função é converter a energia potencial à sua entrada em energia cinética na sua saída. Nos injectores o jacto de saída é orientado por forma a que entre nas pás do rotor segundo uma direcção adequada. No interior, os injectores possuem uma agulha cuja deslocação ocasiona a diminuição da área de saída do injector e, consequentemente, o caudal do jacto de água

As pás do rotor da turbina Pelton têm uma forma de colher dupla, conforme ilustrado na Figura 5-3.

Figura 5-3: Triângulos de velocidade na pá da roda de uma turbina Pelton.[5.2]

Page 132: Produção e Consumo de Energia Elétrica

128

O jacto de água proveniente do injector, incide na pá do rotor segundo uma direcção quase tangencial. A água abandona a pá do rotor com uma velocidade absoluta, c, relativamente baixa, caindo para o canal de restituição que se situa por baixo do rotor. Este facto impõe que o rotor da turbina se situe acima do nível máximo previsto para o canal de restituição.

As turbinas Pelton podem possuir o eixo quer vertical quer horizontal. No caso do eixo ser vertical o número máximo de injectores é de 6, sendo de 2 no caso da montagem ser efectuada com o eixo horizontal.

Aplicando a eq. (5.7) entre a entrada e a saída do injector, obtém-se:

(5.12) 22

1

2

111

2

e

e

ee

cvpgz

cvpgz ϕ+++=++

onde gz1, vp1, c12/2 representam a energia potencial, energia de pressão e

energia cinética à saída do estator, respectivamente. ϕe1 representa as perdas de energia que ocorrem no injector.

Admitindo que a diferença de cotas entre a entrada e saída do injector é baixa, a eq. (5.12) permite de terminar a velocidade do jacto de água, c1, à saída do injector:

(5.13) 2 2

11

1 ee

e cpp

c +

−= ϕ

ρ

A velocidade c1 à saída do injector é igual à velocidade absoluta do fluido à entrada da pá do rotor da turbina.

As eqs (3.49) e (3.53) exprimem a potência da turbina em função do caudal mássico, m& ,da velocidade absoluta do fluido, c, da velocidade relativa do fluido, w e da velocidade linear da pá, u.

Admitindo que a velocidade linear da pá na entrada é u1 e que a velocidade linear da pá na saída é u2, aplicando a eq.(3.49) aos triângulos de velocidades representados na Figura 5-3, conduz a:

( ) (5.14) cos2211 δρ ucucQP −=

onde se admitiu que o ângulo entre o vector da velocidade absoluta à entrada da pá, c1, e a direcção do vector velocidade da pá, u, é nulo e que o ângulo entre o vector velocidade absoluta do fluido à saída da pá e a direcção do vector velocidade da pá é δ.

A partir das eqs (3.33) e (5.14) é possível determinar a energia transferida por trabalho no rotor da turbina:

(5.15) cos2211 δucucwT −=

A aplicação da equação da energia entre a entrada e saída do rotor conduz a:

(5.16) 22

12

2

222

2

111 Tw

cvpgz

cvpgz ++++=++ ϕ

onde ϕ12 representa as perdas de energia que se verificam na pá do rotor da turbina.

Page 133: Produção e Consumo de Energia Elétrica

129

De acordo com a Figura 5-2 verifica-se que a saída da turbina é a saída do rotor, pelo que se verificam as identidades:

2

2

2

(5.17)

cc

pp

zz

s

s

s

=

=

=

Adicionando as eqs (5.12) e (5.16) e atendendo a (5.17) obtém-se:

( ) ( ) (5.18) 2

121

22

esTeTsese

se wwppvzzgcc

ϕϕϕ +=++=−+−+−

onde ϕes representa as perdas totais na turbina.

Dividindo ambos os termos da eq. (5.18) por g e atendendo à definição de altura útil obtém-se:

( ) (5.19) 2

22

gg

w

g

ppzz

g

ccH esTse

se

se

n

ϕρ

+=−

+−+−

=

Designando wT/g por Heff, altura efectiva e ϕes/g por ∆HpT, perda de carga na turbina, é possível rescrever a eq. (5.19) na forma:

(5.20) pTeffn HHH ∆+=

Por definição, o rendimento hidráulico de uma turbina é dado pela razão entre a energia transferida por trabalho para a turbina, wT, e a energia mecânica disponível para conversão na turbina. Conforme se referiu quando da discussão da eq.(5.9), a energia mecânica, por unidade de peso de liquido, disponível à entrada da turbina exprime-se em metro, tendo sido denominada de altura útil, Hn. De idêntica forma a altura efectiva, Heff, representa a energia transferida por trabalho, por unidade de peso de liquido. Nestas condições o rendimento hidráulico da turbina, ηhT, obtém-se a partir de:

(5.21) cos2211

nn

eff

hTgH

ucuc

H

H δη

−==

O rendimento hidráulico de uma central hidroeléctrica, ηhi, define-se a partir das eqs (5.10) e (5,20), resultando em:

(5.22) cos2211

bb

eff

higH

ucuc

H

H δη

−==

O rotor de uma turbina roda com uma velocidade angular, ω, que se encontra relacionada com a velocidade linear, u, de deslocação da pá através do raio, r, do rotor, u = ωr. Assim, é possível rescrever a eq.(5.14) na forma:

( ) (5.23) cos2211 δωρ rcrcQP −=

onde r1 representa o raio entre o centro do rotor e o local de entrada do fluido na pá, sendo r2 o raio entre o centro do rotor e o local de saída do fluido da pá.

O binário, Γ, aplicado ao rotor da turbina será assim dado por:

Page 134: Produção e Consumo de Energia Elétrica

130

( ) (5.24) cos2211 δρ rcrcQ −=Γ

A velocidade óptima das pás moveis que maximiza a potência das turbinas de impulso encontra-se expressa na eq.(3.61). A aplicação desta equação às turbinas Pelton, conduz a:

(5.25) 2

1cuopt =

Salienta-se que a eq.(5.25) é deduzida no pressuposto que o ângulo de entrada do fluido na pá relativamente à direcção de movimento da pá, é nulo, situação que não se verifica exactamente na realidade, já que a divisão do jacto nas pás impõe que se verifique um ângulo não nulo entre c1 e u1. Este ângulo é contudo pequeno, pelo que o erro cometido por se considerar nulo este ângulo não é grande.

O aumento do rendimento da turbina impõe que se minimize o termo subtractivo da eq.(5.21). Para o mesmo caudal turbinado, a diminuição de c2 impõe uma secção de saída do rotor maior, com o consequente aumento das dimensões e custo da turbina. A diminuição de u2 impõe que se diminua a velocidade de rotação, ω, do rotor da turbina. Esta diminuição é inconveniente já que implica um aumento do número de pares de pólos do gerador, com o consequente aumento de custo deste. Resta assim tentar garantir, por projecto da pá do rotor, que o ângulo δ possua um valor tão próximo quanto possível dos 90º, situação que é a prosseguida pelos projectistas de turbinas.

Turbinas de Reacção

Uma turbina de reacção é constituída por um distribuidor cuja função é converter uma parcela da energia potencial à sua entrada em energia cinética à sua saída. O distribuidor tem ainda por funções orientar a entrada do fluido no rotor da máquina, distribuindo-o uniformemente por toda a periferia do rotor. As directrizes do distribuidor são móveis (ver Figura 5-4), pelo que é possível controlar o caudal admitido no rotor da turbina.

Figura 5-4: Distribuidor de uma turbina de reacção.[5.2]

Page 135: Produção e Consumo de Energia Elétrica

131

A montante do distribuidor existe a evoluta, ou espiral, que alimenta a água ao distribuidor, possuindo uma secção progressivamente decrescente de montante para juzante, tal como ilustrado na Figura 5-5.

Figura 5-5: Evoluta de uma turbina Francis. [5.2]

À saída da roda da turbina é colocado um difusor, que é um equipamento de secção progressivamente crescente e que se destina a controlar a energia cinética do fluido à saída do rotor, antes de ser devolvido na restituição.

As turbinas hidráulicas de reacção denominam-se de tipo Francis (engenheiro norte americano que construiu a primeira turbina deste tipo em 1849) ou tipo Kaplan (Professor checo que construiu a primeira turbina deste tipo na década 1920-1930), consoante o projecto do rotor.

O rotor das turbinas Francis é constituído por pás encurvadas que modificam a direcção das trajectórias do fluido. As formas e dimensões dos rotores das turbinas Francis variam com a altura útil. Para alturas úteis elevadas o diâmetro de entrada do rotor é muito superior ao diâmetro de saída do rotor. À medida que a altura útil vai diminuindo, o diâmetro de entrada vai diminuindo em relação ao diâmetro de saída, sendo para quedas baixas, o primeiro inferior ao segundo.

Os rotores das turbinas tipo Kaplan têm a forma de uma hélice, sendo equipados com um número pequeno de pás curtas. Nestas turbinas as pás do rotor são orientáveis. As turbinas tipo Kaplan que não possuem as pás do rotor orientáveis denominam-se turbinas tipo hélice.

A altura útil, Hn, nas turbinas de reacção é determinada entre a entrada na evoluta, no caso de existir, e a saída do difusor.

A velocidade absoluta, c1, da água à saída do distribuidor (entrada no rotor) pode obter-se a partir da eq.(5.13).

Na Figura 5-6 ilustram-se os triângulos de velocidade à entrada e saída de um rotor de uma turbina Francis.

A eq.(3.49) aplicada aos triângulos de velocidade ilustrados na Figura 5-6, conduz a:

( ) (5.26) coscos 222111 ααρ ucucQP −=

Page 136: Produção e Consumo de Energia Elétrica

132

pelo que se pode concluir que:

(5.27) coscos 222111

g

ucucH eff

αα −=

Utilizando um raciocínio semelhante ao utilizado para obter a eq.(3.52), é possível rescrever a eq.(5.27) na forma:

(5.28) 222

2

2

2

1

2

1

2

2

2

2

2

1

g

uu

g

ww

g

ccH eff

−+

−+

−=

Figura 5-6: Triângulos de velocidade numa pá de um rotor de uma turbina Francis.[5.2]

A eq.(5.28) é, à semelhança da eq.(3.52), uma equação geral, aplicável quer às turbinas de impulso, quer às turbinas de reacção e que contabiliza os efeitos de expansão ou contracção da água na sua passagem pelo rotor da turbina.

A Figura 5-7 ilustra um troço de uma central hidroeléctrica equipada com uma turbina de reacção.

Page 137: Produção e Consumo de Energia Elétrica

133

Figura 5-7: Central hidroeléctrica equipada com uma turbina de reacção.[5.1]

A aplicação da equação da energia por unidade de massa de fluido (eq.(1.37)) aos diferentes troços identificados na Figura 5-7 conduz a:

• Entrada da turbina – Entrada do rotor (troço e -1)

( ) ( ) (5.29) 02

111

2

1

2

=−−+−+−

eee

e zzgppvcc

ϕ

• Entrada do rotor – Saída do rotor (troço 1 – 2)

( ) ( ) (5.30) 2

122121

2

2

2

1Twzzgppv

cc=−−+−+

−ϕ

• Saída do rotor – Saída da turbina (troço 2 – s)

( ) ( ) (5.31) 02

222

22

2 =−−+−+−

sss

s zzgppvcc

ϕ

Adicionando as eqs (5.29) – (5.31) e dividindo ambos os termos da equação resultante por g conduz a:

( ) (5.32) 2

22

g

w

gzz

g

pp

g

cc Tes

se

sese +=−+−

+− ϕ

ρ

Formalmente a eq.(5.32) é idêntica à eq.(5.19), pelo que é possível pôr a eq. (5.32) na forma:

(5.33) pTeffn HHH ∆+=

Page 138: Produção e Consumo de Energia Elétrica

134

sendo Heff dado pela eq.(5.28).

Salienta-se que ∆HpT na eq.(5.33) contabiliza todas as perdas entre a entrada e saída da turbina, incluindo as perdas no rotor desta. Contudo a eq.(5.28) é uma equação que também permite contabilizar as perdas no rotor da turbina. Se se contabilizarem as perdas no rotor da turbina na eq.(5.28), então deve considerar-se o termo ϕ12 na eq.(5.30) igual a zero.

Dividindo ambos os termos da eq.(5.30) por g e substituindo a eq (5.28) na equação resultante, permite obter:

(5.34) z-22

12

2

2

2

1

2

1

2

21221 zg

uu

g

ww

gg

pp+

−+

−+=

− ϕρ

Se se admitir que z1 ≅ z2 e que a turbina é ideal ou seja, admitindo que ϕes é nulo, a eq.(5.28) pode ser escrita, atendendo à eq.(5.34), na forma:

(5.35) 2

21

2

2

2

1effsteffdinneff HH

g

pp

g

ccHH +=

−+

−==

ρ

Da equação (5.35) pode concluir-se que a transferência de energia por trabalho numa turbina ideal compreende dois termos: um que resulta da variação da energia cinética do fluido na sua passagem pelo rotor, que se denominou por Heffdin, altura efectiva dinâmica; e um outro termo que resulta da variação da pressão ao longo da passagem do fluido pelo rotor que se denominou por Heffst, altura eficaz estática. A partir de (5.35) é possível definir o grau de reacção da turbina, GR, a partir de:

(5.36)

21

neff

effst

H

g

pp

H

HGR

ρ−

==

O resultado constante na eq.(5.36) permite concluir que o grau de reacção de uma turbina se define para uma turbina ideal ou seja, um turbina sem perdas, sendo então possível recorre à igualdade Hn = Heff (ver eq.(5.33)).

Atendendo à eq.(5.27), o rendimento hidráulico de uma turbina de reacção obtém-se a partir de:

(5.37) coscos 222111

n

hTgH

ucuc ααη

−=

Um aspecto importante a ter em conta nas turbinas de reacção prende-se com a existência do difusor entre a saída do rotor da turbina e o local onde a água é restituída ao leito do rio (saída da turbina). Considere-se a disposição ilustrada na Figura 5-8.

Page 139: Produção e Consumo de Energia Elétrica

135

Figura 5-8: Atura de aspiração, hs.[5.2]

Na Figura 5-8, o ponto A identifica a saída do rotor da turbina. Neste ponto, atendendo à eq (5.31), a velocidade absoluta do fluido, a pressão e a cota são, respectivamente c2, p2 e z2. À saída da turbina, na restituição a pressão ps é a pressão atmosférica, patm, e a velocidade absoluta do fluido é cs. A diferença de cotas geométricas entre a saída do rotor e a saída da turbina, z2-zs = hs. Esta altura hs denomina-se altura de aspiração.

Dividindo ambos os termos de (5.31) por g e tendo em conta as definições acima, obtém-se:

(5.38) 22

2

22

22

ρρϕ

g

p

g

p

g

c

g

c

gh atmss

s −++−=

Os três primeiros termos do segundo membro da eq.(5.38) são proporcionais ao quadrado do caudal turbinado, pelo que podem ser expressos em termos da altura útil, Hn.

( ) (5.39)

2

2

12

2

22

2

21

n

n

ss

n

Hkk

g

cHk

g

c

gHk

−=

=

+=

σ

ϕ

onde σ é o coeficiente de Thoma. Introduzindo (5.39) em (5.38) obtém-se:

(5.40) 2n

atm

s Hg

p

g

ph σ

ρρ−−=

De (5.40) conclui-se que quanto maior for a altura de aspiração hs, menor será a pressão, p2, à saída do rotor. Existe, contudo, um valor mínimo admissível para p2, que corresponde à pressão de saturação para a temperatura a que a água se encontrar. Para uma dada temperatura do fluido, valores inferiores à pressão de saturação implicam a vaporização do fluido, o que tem como consequência a formação de bolhas gasosas nas pás do rotor da turbina com a consequente deterioração destas. Este fenómeno denomina-se de cavitação. As tabelas de temperatura constantes no Apêndice 2.3 permitem determinar para uma dada temperatura qual a pressão de saturação do liquido.

Page 140: Produção e Consumo de Energia Elétrica

136

Conhecida a pressão de saturação do liquido para uma dada temperatura, psat, é possível determinar qual a altura de aspiração máxima, hsmax.

(5.41) max n

satatm

s Hg

p

g

ph σ

ρρ−−=

5.2 Velocidades Específicas.

No estudo das turbinas hidráulicas é usual exprimir as velocidades absolutas e relativas do fluido e a velocidade linear das pás móveis em por unidade (pu), utilizando como base a velocidade de Torricelli que se define como sendo:

(5.42) 2 nTorr gHv =

onde Hn representa a altura útil.

As velocidades absolutas e relativas do fluido e a velocidade linear das pás móveis em pu obtêm-se assim a partir de:

Torr

pu

Torr

pu

Torr

pu

v

uu

v

ww

v

cc

=

=

=

(5.43)

e tomam o nome de velocidades específicas.

A eq.(5.37) expressa em termos das velocidades específicas assume a forma:

( ) (5.44) coscos2 222111 ααη pupupupuhT ucuc −=

Já se referiu que, se se pretender aumentar o rendimento da turbina, o termo subtractivo do segundo termo da eq.(5.44) deve ser reduzido, tendo-se concluído que esta redução é efectuada garantindo que, através do projecto da pá da roda, o ângulo α2 é tão próximo de 90º quanto possível. Admitindo que este ângulo é 90º, a eq.(5.44) vem:

(5.45) cos2 111 αη pupuhT uc=

Para um dado valor do rendimento, o menor valor que u1pu pode assumir corresponde aos maiores valores possíveis para cos α1 e c1pu. O maior valor possível de c1pu é 1 e corresponde à situação em que a pressão a que se encontra o rotor da turbina é a pressão atmosférica, como sucede nas turbinas Pelton. As turbinas de reacção possuem valores de c1pu inferiores a 1 em virtude da pressão à entrada da roda não ser a pressão atmosférica.

Page 141: Produção e Consumo de Energia Elétrica

137

O maior valor possível para cos α1 é 1 o que implica que a entrada do jacto de água na pá seja paralelo à direcção do vector velocidade linear da pá, u. Esta condição verifica-se, aproximadamente, nas turbinas Pelton.

Sabendo que a velocidade linear óptima das pás de uma turbina Pelton obedece à eq.(5.25), conclui-se que, para a turbina Pelton, u1optpu = 0,5 e w1pu = 0,5, resultando, em virtude da eq.(5.45), num valor de ηhT unitário.

Valores crescentes de u1pu impõem valores de c1pu menores e/ou valores de α1 maiores.

Conforme já se referiu, nas turbinas de reacção a velocidade especifica absoluta à entrada do rotor é inferior a 1, pelo que a velocidade linear específica das pás, u1pu, nestas turbinas é superior à que se verifica nas turbinas Pelton. O aumento do valor de α1 resulta num aumento de u1pu.

As turbinas hidráulicas classificam-se em lentas, normais e rápidas consoante se verifiquem as seguintes relações:

• Turbina lenta: u1pu < c1pucosα1

• Turbina normal: u1pu = c1pucosα1

• Turbina rápida: u1pu > c1pucosα1

Salienta-se que a classificação de normal para as turbinas de reacção corresponde à situação em que a velocidade linear das pás é a velocidade óptima (ver eq.(3.64)).

A relação entre a frequência da rede de energia eléctrica em corrente alternada, f, a velocidade de rotação, N, de uma turbina em rpm e o número de pares de polos, p/2, de um gerador obedece à relação:

(5.46) 602

Npf

=

Nas turbinas hidráulicas o valor de N varia entre 70 e 1500 rpm. Para uma dada frequência da rede de energia eléctrica, quanto mais baixa for a velocidade de rotação, N, da turbina, maior o número de pares de polos e, consequentemente, mais caro é o gerador.

Por outro lado a velocidade linear específica da pá, u1pu, encontra-se relacionada com a velocidade de rotação, N, da turbina através de:

(5.47) 260

11

n

pugH

NDu

π=

onde D1 representa o diâmetro na entrada do fluido na pá. Se a altura útil for elevada, é conveniente projectar a turbina por forma a que possua uma velocidade linear específica da pá baixa, e assim evitar diâmetros do rotor exagerados. No caso da altura útil ser baixa, importa que o projecto da turbina conduza a valores de u1pu elevados por forma a minimizar o número de pares de pólos do gerador.

Para alturas de queda elevada devem assim utilizar-se turbinas com velocidades especificas lineares das pás baixas como sejam as turbinas Pelton e as turbinas Francis lentas. Para baixas alturas de queda devem

Page 142: Produção e Consumo de Energia Elétrica

138

utilizar-se turbinas Francis rápidas e turbinas Kaplan. A Figura 5-9 ilustra o domínio de utilização dos diferentes tipos de turbina em função da altura útil e do caudal.

Figura 5-9: Gama de utilização dos tipos de turbina.[5.3]

Salienta-se que as turbinas designadas por lentas (menor velocidade linear especifica das pás) são as que apresentam maiores velocidades de rotação. Ao invés as turbinas designadas por rápidas, em termos da velocidade linear especifica das pás, são as que apresentam menores velocidades de rotação.

5.3 Escolha do tipo de Turbina para um Aproveitamento Hidroeléctrico.

A altura útil e o caudal permitem, numa primeira aproximação, identificar quais os tipos de turbina apropriados para a instalação numa central hidroeléctrica. Esta identificação não é contudo unívoca já que para uma gama relativamente larga de alturas úteis e caudais existe sobreposição de domínios de utilização para os diferentes tipos de turbinas. Importa assim encontrar outros indicadores que possibilitem a redução das opções de escolha. Os indicadores usualmente utilizados são o número específico de rotações da turbina, ns, a variação do rendimento hidráulico da turbina com o caudal, para altura útil constante e a variação do rendimento hidráulico da turbina com a altura de queda, para um caudal constante.

Page 143: Produção e Consumo de Energia Elétrica

139

Número específico de rotação, ns.

Duas turbinas geometricamente semelhantes funcionam em condições de semelhança dinâmica, logo com o mesmo rendimento (a menos de um efeito de escala), se as velocidades de rotação n e n’, as alturas úteis Hn e Hn’ e as potências P e P’ obedecerem à relação [5.2]:

(5.48) 4

5

2

1

′=

′n

n

H

H

P

P

n

n

O número específico de rotação, ns, expresso em rpm, define-se como sendo a velocidade de rotação, n’, de uma turbina que fornece a potência, P’, de 1 CV para uma altura útil, Hn’, de 1 m. Atendendo à eq.(5.48), uma turbina geometricamente semelhante a esta, a funcionar com uma altura útil de Hn m, a fornecer uma potência de P CV , possui uma velocidade de rotação de n rpm dada por:

( )

( )(5.49)

2

1

4

5

P

Hnn n

s=

O número específico de rotação, ns, permite assim caracterizar famílias de turbinas geometricamente semelhantes.

Dado que as turbinas funcionam geralmente em condições de caudal e altura útil de queda muito variáveis, importa precisar a altura útil e potência a utilizar para determinar o número específico de rotação, ns: a altura útil a utilizar corresponde à altura útil para a qual a turbina funciona com o rendimento máximo, denominada por altura dos melhores rendimentos; a potência corresponde à potência máxima sob esta altura útil ou seja, à potência que se obtém sob esta altura com o injector/distribuidor totalmente aberto.

A experiência demonstra que, para maximizar o rendimento das turbinas, o número específico de rotação das turbinas Pelton deve ser baixo. Para as turbinas Francis o número específico de rotação aumenta com a velocidade específica deste tipo de turbinas. Os valores mais elevados do número especifico de rotação verificam-se para as turbinas tipo Kaplan.

A partir de estatísticas de turbinas construídas, estabeleceram-se relações entre ns e a altura dos melhores rendimentos, relações que estabelecem, em função da altura útil, os limites superior e inferior do número específico de rotação das turbinas de reacção e, para as turbinas Pelton de um injector, os valores médios de ns. Estas relações encontram-se apresentadas na Figura 5-10.

Para turbinas Pelton com mais de um injector, a potência varia proporcionalmente ao número de injectores, pelo que, atendendo à eq.(5.49) tem-se:

( ) ( )(5.50) 1,

4

5

2

1

4

5

2

1

, injs

n

inj

n

inj

ns nn

H

Pnn

H

Pnnn

inj===

Page 144: Produção e Consumo de Energia Elétrica

140

Figura 5-10: Variação do número específico de rotação com a altura útil.[5.2]

Na eq.(5.50) ns,1 representa o número específico de rotação para uma turbina Pelton com um injector, representando ns,inj o número específico de rotação para uma turbina Pelton com n injectores.

A Figura 5-10, conjuntamente com a eq.(5.49) permitem definir a velocidade de rotação do grupo turbina-gerador e assim estipular o número de pares de pólos do gerador. A selecção entre dois tipos diferentes de turbina que conduzam, sensivelmente, à mesma energia produzida, faz-se tendo em conta qual das turbinas é que impõe o menor número de pares de polos ao gerador.

Turbinas de reacção geometricamente semelhantes, funcionando em condições de semelhança dinâmica, possuem factores de Thoma, σ, idênticos, podendo assim concluir-se que este factor, σ, varia com ns, dependendo porém esta dependência da forma da pá do rotor.

O factor de Thoma para cada tipo de turbina é geralmente indicado pelos fabricantes deste equipamento. Uma equação que permite calcular σ em função de ns para turbinas de reacção de eixo vertical é a proposta em [5.2]:

(5.51) 50000

04,1

sn=σ

Page 145: Produção e Consumo de Energia Elétrica

141

Variação do rendimento das turbinas

Uma turbina hidráulica funciona geralmente com alturas úteis e caudais variáveis. Dado que as turbinas se encontram acopladas aos geradores e estes se encontram em paralelo com as redes de energia eléctrica, a velocidade de rotação do grupo turbo-gerador mantém-se, em condições de funcionamento estacionárias, praticamente constante.

O facto da velocidade de rotação se manter constante implica que, variações da altura útil e do caudal turbinado, resultem em variações do rendimento da turbina.

Conhecido o regime hidrológico no local em que se situa o aproveitamento hidroeléctrico, importa, para a escolha do tipo de turbina, conhecer a variação do rendimento desta com o caudal e com a altura útil.

Na Figura 5-11 ilustra-se a variação do rendimento dos diferentes tipos de turbina com o caudal, para uma altura útil constante.

Figura 5-11: Variação do rendimento com o caudal para altura útil constante.[5.2]

A análise da Figura 5-11 permite concluir que as turbinas em que os rendimentos são menos sensíveis a variações importantes do caudal turbinado são as turbinas Pelton e Kaplan. A insensibilidade do rendimento da turbina Pelton a variações importantes do caudal prende-se com o facto da velocidade de entrada do fluido na pá da roda depender fundamentalmente da altura útil (eq.(5.13)). Só para caudais muito baixos é que se verifica que as perdas de carga no injector afectam decisivamente o rendimento da turbina.

As turbinas Kaplan apresentam um rendimento pouco sensível às variações de caudal em virtude de possuírem pás da roda com passo variável, sendo o passo ajustado por forma a maximizar o rendimento. Uma turbina Kaplan com

Page 146: Produção e Consumo de Energia Elétrica

142

passo da pá da roda fixo é uma turbina tipo hélice, concluindo-se da Figura 5-11 que o rendimento destas turbinas é particularmente sensível às variações de caudal.

Da Figura 5-11 conclui-se ainda que as turbinas Francis rápidas se adequam pouco a regimes de caudais muito variáveis.

Diagramas, como o representado na Figura 5-11, são utilizados para definir a gama de caudais que uma turbina pode turbinar sem que o seu rendimento desça abaixo de um valor pré-especificado.

No que respeita a variação do rendimento das turbinas com a altura útil, a experiência indica que, para que o rendimento das turbinas de reacção não baixe muito, a altura útil deve manter-se dentro dos limites especificados na Tabela 5.1.

Nas turbinas Pelton, dado que são utilizadas para alturas úteis elevadas, é usual considerar desprezável a variação do rendimento com a altura útil.

Turbina Hn,max/Hn Hn,min/Hn

Francis 1,25 0,65

Hélice 1,1 0,9

Kaplan 1,25 0,65

Tabela 5.1: Limites de altura útil nas turbinas de reacção para que o rendimento não baixe demasiado. Hn significa altura dos melhores rendimentos.[5.2]

Os limites máximos indicados na Tabela 5.1 permitem configurar os descarregadores a colocar na central por forma a evitar que aquele limite seja excedido. Os limites mínimos indicados na mesma Tabela permitem estabelecer as condições de operação em que o(s) grupo(s) turbina-gerador devem ser desligados.

Mantendo-se a altura útil dentro dos limites especificados na Tabela 5.1, o caudal varia com a altura útil de acordo com a relação de semelhança [5.2]:

(5.52) '

2

1

'

=

n

n

H

H

Q

Q

A equação (5.52) permite assim contabilizar as variações de caudal com a altura útil.

5.4 Bibliografia

[5.1] L. Vivier: “Turbines Hydrauliques et leur régulation”, Albin Michel, 1966.

[5.2] A. Carvalho Quintela: “Hidráulica”, 7ª edição Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.

Page 147: Produção e Consumo de Energia Elétrica

143

[5.3] Directorate General for Energy (DGXVII): “Layman’s Guidebook on How to Develop a Small Hydro Site”, Commission of the European Communities, 1995.

[5.4] Streeter: “Fluid Mechanics”, 5th Edition, McGraw-Hill, 1971.

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144

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145

6 Centrais Nucleares

6.1 Fundamentos da Energia Nuclear

Em 1803 John Dalton postulou que todos os elementos eram constituídos por partículas de matéria indivisíveis, os átomos. De acordo com Dalton os átomos são diferentes para elementos diferentes e preservam a sua identidade nas reacções químicas.

Em 1811, Amadeo Avogadro introduziu a teoria molecular que se baseava na molécula, uma partícula da matéria constituída por um número finito de átomos. Hoje em dia sabe-se que os átomos são constituídos por sub – partículas que são comuns a todos os átomos de todos os elementos.

Um átomo é constituído por partículas leves de carga eléctrica negativa, os electrões que orbitam em torno de um núcleo pesado que possui uma carga eléctrica positiva. O núcleo é constituído por protões, que possuem uma carga eléctrica positiva, e por neutrões que são electricamente neutros. O átomo é electricamente neutro já que o número de protões iguala o número de electrões. Sabe-se, hoje em dia, que o núcleo de um átomo é composto por sub – partículas elementares, os quarks e que no átomo há particulas insensíveis às forças fortes, os leptões. O electrão e o neutrino são leptões.

Os electrões deslocam-se em torno do núcleo em orbitais bem definidos. Alguns dos electrões estão mais firmemente ligados ao núcleo do que outros: por exemplo, num átomo de chumbo é necessária uma energia de 7,38 eV para remover um electrão do orbital exterior, enquanto que são necessários 88 keV para remover do átomo um electrão do orbital interior. A remoção de um electrão de um átomo denomina-se ionização e a energia necessária para remover o electrão denomina-se energia de ionização.

Num átomo neutro é possível encontrar os electrões em diferentes orbitais, estando a cada orbital associado um determinado nível de energia.O estado de mais baixa energia é aquele em que o átomo geralmente se encontra e denomina-se estado térreo.

Quando o átomo possui uma energia superior à que se verifica no estado térreo, diz-se que o átomo está excitado. O átomo não pode permanecer excitado indefinidamente, pelo que se verifica a transição do átomo para um nível de energia inferior e, eventualmente para o estado térreo. Esta transição do átomo de um estado excitado para um estado menos excitado ou para o estado térreo é acompanhada pela emissão de radiação X. A energia contida na radiação X é igual à diferença da energia dos estados que o átomo ocupou.

À semelhança dos electrões, os nucleões no núcleo organizam-se em camadas a que correspondem determinados estados de energia. As camadas de energia do núcleo não são tão bem definidas nem tão conhecidas como os orbitais dos electrões. No núcleo existe um estado de energia mínimo, o estado térreo, e alguns estados discretos de excitação do núcleo ( estados em que a energia em que o núcleo se encontra é superior à

Page 150: Produção e Consumo de Energia Elétrica

146

energia do estado térreo). Os estados de energia possíveis para os electrões são da ordem dos eV ou keV. Para os núcleos os estados de energia possíveis são da ordem dos MeV.

Tal como os electrões de um átomo excitado, um núcleo excitado não permanece indefinidamnete no estado excitado, regressando a estados energéticos inferiores e, por fim, ao estado térreo. A transição de um estado energéticamente superior a um estado energéticamente inferior faz-se com a emissão de radiação gama, γ.

Um átomo pode transformar-se num outro átomo cedendo ou capturando as suas partículas. Estas reacções originam variações de massa, ∆m, que originam variações de energia, ∆E, de acordo com a equação de Einstein:

(6.1) 2mcE ∆=∆

em que c é a velocidade da luz no vazio.

A eq. (6.1) aplica-se a todos os processos físicos, químicos ou nucleares em que a energia é libertada ou absorvida.

A massa do átomo encontra-se concentrada no núcleo. A massa das partículas atómicas iguala:

• Neutrão: 1,008665 amu

• Protão: 1,007277 amu

• Electrão: 0,0005486 amu

em que amu significa unidade de massa atómica. Uma unidade de massa atómica, amu, iguala 271066,1 −× kg.

O número de protões do núcleo denomina-se número atómico, Z. O número total de protões e neutrões no núcleo designa-se por número de massa, A. Como as massas do protão e do neutrão são aproximadamente iguais a 1 amu, A é o inteiro mais próximo da massa do núcleo a qual é aproximadamente igual à massa atómica do átomo.

A convenção para os símbolos nucleares é:

(6.2) A

ZX

onde X representa o símbolo químico do elemento, Z o número de protões e A o número de massa.

Os átomos cujos núcleos possuem o mesmo número de protões (têm características químicas e físicas similares) e massas atómicas diferentes designam-se como isótopos. Por exemplo o núcleo do Hidrogénio representa-se como 1

1H . O Deutério, que é um isótopo do Hidrogénio, representa-se por

2

1D .

Para partículas que não possuam protões o subscrito representa a amplitude e sinal da carga eléctrica. Um electrão representa-se como 0

1e

− e o neutrão

como 1

0n .

Page 151: Produção e Consumo de Energia Elétrica

147

Nas reacções nucleares os núcleos que reagem não aparecem nos produtos de reacção. Nos produtos de reacção encontramos ou isótopos ou outros núcleos.

O balanço das equações que representam uma reacção nuclear impõe que a soma do número de protões e de massa dos regentes seja igual à soma do número de protões e massa dos produtos da reacção. Por exemplo, sendo K, L, M e N os símbolos químicos dos elementos, as seguintes relações têm de se verificar:

4321

4321

4

4

3

3

2

2

1

1

AAAA

ZZZZ

NMLK A

Z

A

Z

A

Z

A

Z

+=+

+=+

+→+

Por vezes os símbolos γ ou ν são adicionados aos produtos de reacção, para indicarem a emissão de radiação electromagnética ou de um neutrino.

Apesar dos números de massa de uma reacção nuclear serem preservados, as massas dos isótopos nos dois termos da equação não são preservadas. Obtém-se energia endotérmica ou exotérmica consoante se verifica um excesso ou deficit mássico.

6.2 A Cisão Nuclear

Por cisão espontânea designa-se o processo através do qual, sem intervenção externa, um núcleo progenitor se cinde em dois núcleos descendentes possuindo massas aproximadamente iguais [6.1]. A teoria prevê que a energia libertada no processo de cisão é máxima quando os fragmentos da cisão possuem massas exactamente iguais, mas a experimentação revela que esta condição é pouco provável [6.1]. A teoria revela que a cisão espontânea é energeticamente possível para núcleos com números de massa, A, superiores a 100.

Um exemplo de cisão espontânea é a ilustrada pela eq. (6.3).

(6.3) 3 10

9035

14557

23892 nBrLaU ++→

que ilustra a natureza assimétrica dos fragmentos da cisão. A energia libertada nesta reacção é de cerca de 154 MeV que é transportada sob a forma de energia cinética dos fragmentos da cisão.

Como os núcleos pesados são ricos em neutrões, os fragmentos da cisão destes núcleos são constituídos por núcleos instáveis ( radioactivos) ricos em neutrões e por neutrões livres. Os núcleos instáveis transformam-se em núcleos estáveis originando uma libertação adicional de energia.

Apesar da probabilidade de ocorrência de cisões espontâneas aumentar com o aumento do número de massa, A, as cisões espontâneas raramente acontecem.

Hoje em dia sabe-se que a cisão espontânea está relacionada com a barreira de potencial do núcleo. A Figura 6-1 ilustra a variação da energia potencial

Page 152: Produção e Consumo de Energia Elétrica

148

nos diversos estados de uma reacção de cisão. A linha a cheio na Figura traduz a energia potencial do núcleo progenitor. A energia de activação que também se encontra representada nesta Figura traduz a probabilidade de ocorrência de uma cisão espontânea. Para núcleos pesados a energia de activação é da ordem dos 6 MeV, contudo para núcleos muito pesados esta barreira desaparece (linha a tracejado na Figura 6-1) e a mais pequena deformação do núcleo induz a cisão [6.1].

Figura 6-1: Energia potencial nos diferentes estados de uma reacção de cisão [6.1].

Na Figura 6-1 encontra-se ainda representado o núcleo antes, durante e depois da cisão. À esquerda o núcleo não se encontra distorcido (está no estado térreo ). Nesta situação as forças atractivas do núcleo são superiores às forças repulsivas entre protões.

Quando é atingido o pico da energia potencial o núcleo está num estado excitado, designando-se o núcleo neste estado por núcleo composto. Se a energia de excitação ultrapassar um determinado valor o núcleo começa a ficar distorcido e as forças atractivas no centro do núcleo diminuem, sendo esta diminuição superior à que se verifica nas forças repulsivas. Quando as forças repulsivas se tornarem superiores às forças atractivas o núcleo cinde-se.

Uma forma possível de provocar a cisão de um núcleo consiste em utilizar um fluxo de neutrões para obter a energia necessária para ultrapassar a barreira de potencial. Em virtude da ausência de forças de Coulomb, o neutrão pode aproximar-se do núcleo e ser capturado pela forte atracção nuclear. Esta captura do neutrão pelo núcleo progenitor, fornece uma energia adicional que possibilita a ultrapassagem da barreira de potencial e assim a ocorrência da cisão. Este processo designa - se por cisão induzida e é o que se realiza nas centrais nucleares.

A teoria também mostra que a captura de um neutrão por um núcleo que possua um número impar de neutrões liberta não só parte da energia de

Page 153: Produção e Consumo de Energia Elétrica

149

ligação mas também alguma energia de emparelhamento [6.1]. Esta pequena contribuição da energia de emparelhamento origina diferenças importantes nas propriedades da cisão nuclear: neutrões com baixa energia podem induzir a cisão do U235, mas não induzem a cisão do U238. Só neutrões rápidos (com alta energia) asseguram que se possa realizar a cisão do U238. O número de protões dos isótopos é igual ( no caso vertente Z = 92) pelo que o U235 tem um nucleo que possui um número de protões par e um número de massa impar, ou seja tem um núcleo par-impar enquanto que o U238 tem um núcleo par-par.

A captura de um neutrão pelo núcleo do U235 transforma-o no isótopo U236, ou seja um núcleo par-impar transforma-se num núcleo par-par (núcleo que possui uma ligação nuclear mais forte) libertando a energia de ligação do último neutrão. No U235 esta energia é igual a 6,5 MeV. Como a energia de activação necessária para induzir a cisão no U235 é igual a 5 MeV, a captura do neutrão liberta uma quantidade de energia suficiente para que se verifique a cisão. Ao invés, a captura de um neutrão pelo núcleo do U238 transforma um núcleo par-par num núcleo par-impar, núcleos que possuem uma ligação nuclear menos forte. A energia libertada por esta captura é igual a 4,8 MeV. Contudo, a energia de activação do U239 (isótopo resultante da captura de um neutrão pelo núcleo do U238) é de 6,5 MeV, valor superior à energia libertada.São assim necessários neutrões com energias da ordem de 1,7 (6,5-4,8) MeV para cindir o U238.

Os isótopos que possuem um número de massa, A, impar são cindíveis, ou seja a cisão pode ser induzida por neutrões com energia cinética nula. Encontram-se neste caso o , ,, 241

94239

94233

92235

92 PuPuUU .

Os isótopos que possuam um número de massa A par necessitam de ser bombardeados com neutrões com energia cinética elevada para serem cindíveis. Encontram-se neste caso o , ,, 242

94240

94238

92232

90 PuPuUTh .

A eq. (6.4) ilustra uma reacção de cisão do isótopo 235 do Urânio:

(6.4) 2 10

9438

14054

10

23592 nSrXenU ++→+

Os produtos imediatos da reacção de cisão tais como Xe140 e o Sr94 denominam-se fragmentos da cisão. Os fragmentos da cisão e os produtos do seu decaimento denominam-se produtos da cisão.

A reacção de cisão expressa pela eq. (6.4) origina a libertação de 196 MeV de energia. Uma outra reacção de cisão possível é a expressa pela eq. (6.5):

(6.5) 2 10

9736

13756

10

23592 nKrBanU ++→+

que possui o seguinte balanço mássico:

235,0439 + 1,00867→136,9061 + 96,9212 + 2 x 1,00867

236,0526→235,8446

∆m = -0,2080 amu

∆E = 931 x (-0,2080) = -193,6 MeV = - 3,1 x 10-11 J

onde se utilizaram as seguintes conversões:

Page 154: Produção e Consumo de Energia Elétrica

150

∆E (MeV) = 931∆m (amu) e 1 MeV = 1,602190 x 10-13 J

Das eqs (6.4) e (6.5) conclui-se que os fragmentos da cisão não são únicos, ou seja podem existir diferentes estados finais.

Em média, a cisão do núcleo de U235 origina a libertação de cerca de 180 MeV. Um valor semelhante seria obtido se se cindisse o U233 ou o Pu239. Esta energia, que se liberta quando ocorre a cisão, denomina-se energia pronta e constitui 80 a 85% da energia total libertada na reacção de cisão primária. A energia cinética dos neutrões prontos (neutrões libertados na reacção de cisão primária) constitui cerca de 2,5% da energia total. Para o U235 o número de neutrões prontos varia entre 0 e 6, com uma média de 2,5, valor que depende pouco da energia dos neutrões incidentes [6.1].

A energia pronta constitui apenas uma parcela da energia que se liberta numa reacção de cisão nuclear. O lento decaimento radioactivo que transforma os fragmentos da cisão em produtos da cisão origina a libertação de uma quantidade adicional de energia, podendo, os núcleos resultantes, ceder mais neutrões. Esta componente atrasada de libertação de energia constitui cerca de 13 % da energia total da reacção de cisão do núcleo do U235. Cerca de metade desta energia está associada à emissão de neutrinos. Apesar do atraso médio ser da ordem dos 13 s, alguns componentes possuem vidas muito longas, podendo o decaimento prolongar-se por muitos anos.

A energia total de um processo de cisão origina a libertação de cerca de 200 MeV [6.2, 6.3].

Sabendo que o número de átomos por grama de uma substância é dado por:

(6.6)

1060225,0

º º

24

AtómicaMassaAtómicaMassa

AvogadroNátomosn

×==

Sendo a massa atómica do U235 igual a 235,0439 g/mol, a aplicação da eq. (6.6) conduz a que, por grama de U235, existam 2,56 x 1021átomos, o que significa a libertação de 0,513 x 1024 MeV, ou 8,190 x 1010 J, ou seja 0,948 MW-dia. Conclui-se assim que 1 g de material cindível origina uma energia que é aproximadamente igual a 1 MW-dia.

Saliente-se que este resultado é obtido no presuposto que todo o material é composto por núcleos cindíveis e que todos os núcleos se cindem. O combustível utilizado nos reactores nucleares contém, contudo, isótopos não cindíveis do urânio, plutónio ou tório. Mesmo os isótopos cindíveis podem não ser todos cindidos em virtude da acumulação de produtos da cisão que absorvem neutrões e assim interrompem a reacção em cadeia. Por outro lado, devido a razões metalurgicas, não é possível a operação a elevadas temperaturas. Por estas razões valores da ordem de 1 MW-dia/g nunca são atingidos.

Page 155: Produção e Consumo de Energia Elétrica

151

6.3 Radioactividade

A grande maioria dos isótopos naturais são estáveis. Há, contudo isótopos naturais de elementos pesados como o Tálio (Z = 81), Chumbo (Z = 82) e Bismuto (Z = 83) e todos os isótopos naturais de elementos mais pesados com inicio no Polónio ( Z = 84) que não são estáveis, ou seja são radioactivos. Há ainda isótopos com massa mais baixa como o K40, que também é radioactivo. Isótopos naturais ou artificiais que exibem radioactividade designam-se por radioisótopos.

Por radioactividade entende-se uma desintegração espontânea (sem ajuda externa) do isótopo radioactivo, desintegração que é acompanhada pela emissão de uma ou mais partículas do núcleo paterno que se transforma num outro núcleo, o núcleo descendente.Diz-se que o núcleo paterno decai no núcleo descendente. O núcleo descendente pode, ou não, ser estável, podendo ocorrer diversos decaimentos até à formação de um núcleo estável.

A radioactividade é sempre acompanhada por um decréscimo na massa dos núcleos, sendo um processo exotérmico. A energia libertada é contabilizada na energia cinética das partículas emitidas e na radiação gama, γ.

Os radioisótopos naturais emitem partículas α, β ou radiação γ.

Decaimento α

As partículas α são núcleos de Hélio que são constituídos por 2 protões e 2 neutrões. Estas partículas são geralmente emitidas pelos núcleos radioactivos mais pesados. Quando um núcleo instável ejecta uma particula α o número atómico reduz-se de 2 e o número de massa reduz-se de 4.

Um exemplo é o decaimento do Pu239 em U235 cindível:

(6.7) 42

23592

23994 HeUPu +→

No caso da eq. (6.7) a energia libertada no decaimento α é a energia cinética da partícula α.

Na generalidade dos casos a energia libertada no decaimento α é igual à soma da energia cinética da partícula α (que constitui cerca de 98% da energia libertada) com a energia veiculada pela radiação γ.

Decaimento β

O decaimento β consiste na emissão de electrões por via do núcleo. Estas partículas são electrões que são expelidos por núcleos excitados e podem possuir uma carga positiva (positrões) ou negativa (electrões).

Por forma a que, neste tipo de decaimento, a energia e o momentum sejam preservados, para além do electrão ou positrão devem ser emitidos neutrinos, ν (no caso de ser emitido um positrão) ou antineutrinos ν (no caso de ser emitido um electrão).

Page 156: Produção e Consumo de Energia Elétrica

152

A eq. (6.8) exemplifica um decaimento β:

(6.8) 01

21483

21482 υ++→ − eBiPb

Dado que os neutrinos e os antineutrinos não possuem nem massa nem carga eléctrica, não interagem com a matéria pelo que a energia cinética que possuem é irrecuperável.

A energia das partículas β é pequena quando comparada com a energia da radiação γ, mas é superior à energia das partículas α. O decaimento das partículas α e β é muitas vezes acompanhado pela emissão de radiação γ.

A emissão de um electrão origina a conversão de um neutrão em protão (por forma a que o átomo permaneça electricamente neutro), pelo que o numero atómico aumenta, permanecendo o número de massa constante.

No caso de se verificar a emissão de um positrão, o número atómico decresce e o número de massa permanece constante. Em virtude do átomo ter de permanecer neutro, a emissão do positrão é, geralmente, acompanhada pela emissão de um electrão (ver decaimento de positrões).

Radiação γ

A radiação γ é uma radiação electromagnética de comprimento de onda muito curto e frequência muito elevada, o que implica energia elevada. O decaimento γ não produz alterações nem no número de massa nem no número atómico.

Na generalidade dos casos o núcleo descendente de um núcleo paterno que sofreu um decaimento do tipo α ou β ou por captura K, encontra-se num estado excitado. Este núcleo descendente regressa ao estado térreo com a emissão de radiação γ.

Decaimento de positrões

O decaimento de positrões ocorre quando o núcleo radioactivo contém um excesso de protões. Neste decaimento o protão é convertido num neutrão:

(6.9) 01

136

137 ν++→ + eCNi

Em virtude do núcleo descendente possuir menos um protão que o núcleo paterno, um dos electrões orbitais é libertado por forma a que o átomo se mantenha electricamente neutro. Verifica-se então a aniquilação entre o electrão emitido e o positrão:

(6.10) 201

01 γ→+−+ ee

A energia emitida iguala 1,02 MeV.

Captura K

A captura K ocorre quando um núcleo possui um excesso de protões, possuindo contudo uma energia inferior ao limiar de 1,02 MeV necessário para ser emitido um positrão. Na captura K um electrão orbital, da camada K

Page 157: Produção e Consumo de Energia Elétrica

153

(junto ao núcleo), é capturado pelo núcleo. A vaga deixada na camada K é preenchida por um electrão de um orbital superior, com a consequente emissao de radiação X por parte do átomo. O facto do electrão ser capturado por um núcleo que possui um excesso de protões implica que esta captura origina a formação de um neutrão e de um neutrino:

(6.11) 6428

01

6429 ν+→+− NieCu

O núcleo descendente desta reacção é estável.

Emissão de neutrões

Esta emissão ocorre quando o núcleo possui uma energia de excitação elevada. A energia de ligação de um neutrão ao núcleo (energia que teria de ser fornecida ao núcleo para expelir um neutrão) depende do número de massa, sendo em média igual a 8 MeV [6.2]. Assim, se a energia de excitação do núcleo for, no mínimo, igual a 8 MeV, pode verificar-se um decaimento por libertação de um neutrão:

(6.12) 01

13654

13754 nXeXe +→

O núcleo paterno, Xe137 é um produto da cisão que se obtém a partir do decaimento β do fragmento da cisão I137 (o percursor). No decaimento por neutrões, o núcleo descendente é um isótopo do núcleo paterno. Este tipo de decaimento é muito raro, ocorrendo contudo nos reactores nucleares. Nos reactores nucleares o decaimento por neutrões constitui a fonte dos neutrões de cisão atrasados ( não são produzidos na altura em que ocorre a cisão), que têm uma importância determinante no controlo do reactor.

6.4 Taxas de Decaimento

Não existem indicações do tempo que leva o decaimento de um determinado núcleo radioactivo. Contudo se existir um número elevado de núcleos radioactivos existe uma dada probabilidade estatística para o decaimento de uma fracção dos núcleos num determinado tempo. Se tivermos duas amostras, uma contendo 1020 e outra 1030 dos mesmos radioisotopos, verificaremos que identica fracção, por exemplo 1020/2 e 1030/2, decairão no mesmo intervalo de tempo.

A taxa de decaimento radioactivo é só função do número de núcleos presente num dado instante de tempo, desde que esse número de núcleos seja grande, ou seja as taxas de decaimento radioactivo não dependem da temperatura, pressão nem dos estado fisicos ou quimicos em que se encontre a matéria.

A probabilidade, por unidade de tempo, de um dado núcleo decair denomina-se constante de decaimento, λ.

Sendo N (t) o número de núcleos radioactivos na amostra de tempo t, a taxa de decaímento λN denomina-se actividade, A, e obtém-se a partir da eq (6.13):

Page 158: Produção e Consumo de Energia Elétrica

154

(6.13) Ndt

dNA λ=−=

A actividade, A, mede-se em bequerels (Bq) que corresponde a um decaimento por segundo [6.1].

A integração da eq. (6.13) conduz a:

(6.14) )( 0teNtA λλ −=

onde N0 ó o número de núcleos iniciais, ou seja, o número de núcleos em t = 0.

O tempo médio de vida, τ , de um núcleo radioactivo obtém-se a partir da definição da média, x , de uma função densidade de probabilidade, f(x). Assim:

( )( )

(6.15) 1

0

0

λτ

λ

λ

==≡∫

∫∞

∞−

dte

dtte

tdN

ttdN

t

t

Em energia nuclear é usual definir o tempo médio de meia vida, t1/2:

(6.16) 2ln2ln

2

1

21

21

τλ

λ==⇒=

tet

Frequentemente os produtos do decaimento radioactivo são, por sua vez radiactivos, pelo que originam novos decaimentos.

Considere-se uma cadeia de decaimento A → B → C → ... com constantes de decaimento iguais a λA, λB, λC,.....

A variação da espécie A com o tempo é dada por:

( ) ( ) (6.17) 0tA

AA eNtNλ−=

A equação diferencial que rege a variação da espécie B com o tempo tem um termo adicional devido ao decaimento da espécie A:

(6.18) AABBB NN

dt

dNλλ +−=

a integração desta equação conduz a:

( ) ( )[ ] (6.19) 0tBtA

A

AB

AB eeNtN

λλ

λλλ −− −−

=

Para três estadios obtém-se:

( ) ( )( )( ) ( )( ) ( )( )

(6.20) 0

−−+

−−+

−−=

−−−

CBCA

tC

BCBA

tB

ACAB

tA

ABAC

eeeNtN

λλλλλλλλλλλλλλ

λλλ

A dependência temporal das quantidades relativas das diferentes espécies depende, como é óbvio, dos valores das constantes de decaimento.

Page 159: Produção e Consumo de Energia Elétrica

155

A eq (6.21) exemplifica a evolução temporal do decaimento do Sr79.

h) (35,04

(6.21) min) (22,9

min) (2,25

07935

07936

07937

7938

ν

ν

ν

++↓→

++↓→

++→

+

+

+

eBr

eKr

eRbSr

em que λA> λB> λC e em que o núcleo final é estável.

Na Tabela 6.1 [6.2], apresentam-se os tempos médios de meia vida, t1/2, de alguns radioisotopos, bem como o tipo de decaimento radioactivo que exibem.

De acordo com as eqs (6.17), (6.19) e (6.20), o tempo para uma actividade, A, cessar é, em teoria, infinito. Contudo, ao fim de 10 meias-vidas, a actividade reduz-se a menos de 0,1% da actividade original, sendo práticamente desprezável.

Isótopo t1/2 Tipo Decaimento

C14 5730 anos β

Kr87 76 min β

Sr90 28,1 anos β

Xe135 9,2 h β e γ

Ba139 82,9 min β e γ

Ra223 11,43 dias α e γ

Ra226 1600 anos α e γ

Th232 1,41X1010 anos α e γ

Th233 22,1 min β

Pa233 27 dias β e γ

U233 1,65X105 anos α e γ

U235 7,1X108 anos α e γ

U238 4,51X109 anos α e γ

Np239 2,35 dias β e γ

Pu239 2,44X104 anos α e γ

Tabela 6.1: Tempo médio de meia vida e tipo de decaimento de alguns isótopos. [6.2]

Page 160: Produção e Consumo de Energia Elétrica

156

6.5 Energia dos Neutrões

A energia cinética dos neutrões, expressa em MeV é dada por:

(6.22) 10227,52

1 2102nnnn VVmKE −×==

onde a velocidade dos neutrões, Vn, se exprime em cm/s.

Os neutrões que são emitidos no processo da cisão possuem energias que se situam entre 0,075 e 17 MeV.

Quando estes neutrões percorrem a matéria colidem com outros núcleos e são desacelarados (principalmente por núcleos mais leves), perdendo parte da energia que possuem em cada colisão. Este processo denomina-se de espalhamento.

Os neutrões são classificados de acordo com a energia que possuem: rápidos (energias maiores que 0,1 MeV), intermédios e lentos (energias inferiores a 1 eV).

A classificação dos reactores é feita de acordo com a energia dos neutrões: reactores rápidos são aqueles em que a cisão ocorre, predominantemente,devido aos neutrões rápidos; reactores térmicos são aqueles em que a cisão é, predominantemente, efectuada por neutrões lentos.

Os neutrões resultantes do processo de cisão transportam, em média 2% da energia libertada na cisão.

Os neutrões designam-se como prontos ou atrasados:

• Os neutrões prontos são os libertados até 10-14 s após a ocorrência da cisão.

• Os neutrões atrasados são os libertados no decaimento radioactivo dos fragmentos da cisão Os neutrões atrasados representam cerca de 0,645% da totalidade dos neutrões produzidos na cisão do U235. Estes neutrões possuem uma energia menor quando comparada com a energia dos neutrões prontos [6.2].

A função de distribuição da energia dos neutrões prontos produzidos numa reacção de cisão encontra-se representada na Figura 6-2, em que n(E) representa o número de neutrões com energia En que existem no intervalo de energia dEn.

Page 161: Produção e Consumo de Energia Elétrica

157

Figura 6-2: Espectro da Energia dos neutrões prontos da cisão [6.2].

A grande maioria dos neutrões prontos possuem uma energia inferior a 1 MeV, sendo, contudo, a média de energias aproximadamente igual a 2 MeV.

As mais baixas energias que os neutrões lentos possuem são as que se registam quando os neutrões estão em equilibrio térmico com o meio em que se encontram. Nestas condições os neutrões denominam-se neutrões térmicos.

Tal como as moléculas a uma dada temperatura, os neutrões possuem uma gama grande de energias e velocidades. Na Figura 6-3 apresentam-se as funções densidade de probabilidade da energia e velocidade dos neutrões térmicos, bem como as funções densidade de probabilidade da velocidade para temperaturas diferentes.

Figura 6-3: a) Funções densidade de probabilidade da energia cinética e velocidade dos neutrões térmicos. b) Função densidade de probabilidade da velocidade dos neutrões térmicos para diferentes temperaturas. [6.2]

Page 162: Produção e Consumo de Energia Elétrica

158

A velocidade mais provável, Vm, é dada por [6.2]:

(6.23) 2

0,5

=

m

kTVm

com k, constante de Boltzmann (= 1,3805X10-27 ) expressa em J/K e m expressa em kg, Vm exprime-se em m/s.

A energia, Em, que corresponde à velocidade mais provável ( que não é igual à energia mais provável) é dada por:

(6.24) 2

1 2 kTmVE mm ==

Da eq. (6.24) conclui-se que a energia das particulas em equilibrio térmico com o meio onde se encontram é independente da massa da particula, sendo apenas função da temperatura absoluta do meio. A velocidade com que as particulas se deslocam depende, contudo da massa das particulas pelo que a velocidade dos neutrões térmicos e das moléculas com que interagem no reactor são diferentes. Se a massa do neutrão for expressa em g e a constante de Boltzmann se exprimir em eV/K, a velocidade mais provável, Vm dos neutrões é dada por:

(6.25) 39,128 5,0TVm =

e exprime-se em m/s.

A energia que corresponde à velocidade mais provável, Em, de qualquer particula é dada por:

(6.26) 10617,8 5TEm−×=

com Em em eV.

Page 163: Produção e Consumo de Energia Elétrica

159

6.6 Secções Transversais Nucleares

Admita-se um feixe de neutrões com uma intensidade I0 neutrões/s a incidir num corpo que possui uma área alvo de S cm2 e uma densidade nuclear de N núcleos/cm3 conforme se ilustra na Figura 6-4 . A secção transversal dos núcleos do alvo em que o feixe de neutrões incide é muito menor que a área alvo S.

Figura 6-4: Feixe de neutrões a incidir na área alvo S [6.2]

A secção transversal real da área do núcleo obtém-se a partir do raio, rc [6.2]:

(6.27) 31

0 Arrc =

onde r0 é uma constante que é igual a 1,25 X 10-13 cm e A é o número de massa do núcleo. O valor médio da secção recta da área dos núcleos é assim da ordem de 10-24 cm2.

A probabilidade de ocorrência de uma reacção entre um neutrão e um núcleo depende do tipo de núcleo envolvido e da energia do neutrão. A absorção de um neutrão lento pela maioria dos materiais é muito mais provável que a absorção de um neutrão rápido. A probabilidade de ocorrência de uma dada reacção entre um neutrão e um núcleo designa-se por secção transversal microscópica,σ, do núcleo para essa reacção. Esta secção transversal microscópica pode também ser visualizada como a área efectiva que o núcleo oferece ao neutrão para essa reacção específica. Quanto maior a área efectiva, maior a probabilidade de ocorrência da reacção.

O número de núcleos, Nnucl, num volume elementar, dVol (= S∆x) é igual a NS∆x. À medida que o feixe de neutrões passa por ∆x alguns neutrões são retirados do feixe quer por absorção quer por espalhamento, ou seja alguns

Page 164: Produção e Consumo de Energia Elétrica

160

dos neutrões interagem com os núcleos. A fracção de neutrões que interagem com os núcleos é igual à relação entre a área efectiva em que ocorrem reacções, σ Nnucl , e a área total, S. Se em x e x+∆x a intensidade do feixe for I e I-∆I respectivamente, no limite (∆x → 0), tem-se:

( )(6.28) Ndx

S

NSdx

S

N

I

dI nucl σσσ

===−

Integrando a eq. (6.28) obtém-se:

(6.29) 0NxeII σ−=

Em virtude dos núcleos terem, em média uma secção transversal da ordem do 10-24 cm2, exprimir estas secções em cm2 não é adequado. As áreas exprimem-se em barns, sendo que 1 barn = 10-24 cm2. As secções transversais, σ, possuem valores compreendidos entre os milibarn e os milhares de barn.

Os neutrões possuem tantas secções transversais quantas as reacções em que estão envolvidos. Típicamente as reacções em que os neutrões se encontram envolvidos num reactor são:

• Espalhamento. Uma reacção de espalhamento ocorre quando a colisão de um núcleo com um neutrão ocasiona a emissão de um neutrão. Apesar de o neutrão inicial e final (após a colisão) não ter necessáriamente de ser o mesmo (e na maioria das vezes não é), neste tipo de reacção o neutrão incidente é só, aparentemente, desviado pelo núcleo. Há dois tipos de reacção de espalhamento:

O espalhamento inelástico (Figura 6-5) ocorre com neutrões que possuem energias elevadas. O neutrão incidente é absorvido pelo níucleo e forma-se um núcleo composto. O núcleo composto emite um neutrão que possui uma energia cinética inferior à do neutrão incidente, sendo a restante energia utilizada para colocar o núcleo num estado excitado. Geralmente o núcleo regressa ao estado de energia inicial após a emissão de uma ou mais radiações γ. A soma da energia inicial do núcleo com a energia cinética do neutrão emitido e a(s) energia(s) da(s) radiação(ções) γ deve igualar a energia cinética do neutrão incidente.

Page 165: Produção e Consumo de Energia Elétrica

161

Figura 6-5: Espalhamento inelástico.[6.4]

O espalhamento elástico (Figura 6-6) ocorre com os neutrões lentos (térmicos). Neste tipo de reacção de espalhamento não há energia transferida para excitar o núcleo. Energia cinética e o momentum são conservados apesar de ocorrer alguma transferência de energia do neutrão para o núcleo alvo. O núcleo alvo recebe a energia cinética que o neutrão incidente perde.

Figura 6-6: Espalhamento elástico.[6.4]

O espalhamento elástico de neutrões pelos núcleos pode ocorrer de duas formas.

A mais usual consiste na absorção do neutrão por parte do núcleo formando-se um núcleo composto, a que se segue a emissão de um neutrão com a mesma energia cinética do neutrão incidente. O núcleo regressa assim ao estado energético que possuía inicialmente. Este tipo

Page 166: Produção e Consumo de Energia Elétrica

162

de espalhamento elástico denomina-se de espalhamento elástico ressonante.

O segundo tipo de espalhamento elástico denomina-se espalhamento elástico potencial e pode ser explicado assumindo que o núcleo e neutrão são bolas de bilhar. A energia cinética do neutrão incidente é transferida, parcialmente para o núcleo, não havendo absorção do neutrão pelo núcleo. Este tipo de espalhamento elástico ocorre para energias cinéticas dos neutrões incidentes da ordem de 1 MeV.

• Absorção. A grande maioria das reacções de absorção ocasiona a perda de um neutrão com a consequente emissão de uma particula carregada (electrão ou positrão) ou radiação γ. Quando o núcleo resultante é instável (radioactivo), verifica-se, posteriormente, a emissão de radiação adicional. A absorção pode ser por captura radiante, ejecção de particulas ou cisão.

Na captura radiante o neutrão incidente é capturado pelo núcleo, formando-se um núcleo composto. O núcleo composto sofre então um decaimento para o estado de energia inicial com a emissão de radiação γ.

Na ejecção de partículas o neutrão incidente é capturado pelo núcleo com a consequente formação de um núcleo composto. O novo núcleo composto foi excitado com uma quantidade de energia tal que lhe permite emitir uma nova particula, permanecendo o neutrão incidente no núcleo. As particulas ejectadas são típicamente núcleos de hélio (decaimento por emissão de partículas α). Após a emissão de partículas α o núcleo pode, ou não, permanecer no estado excitado em que se encontra, dependendo do balanço mássico e energético da reacção.

Na cisão o núcleo que absorve o neutrão cinde-se em dois núcleos com a emissão de neutrões.

É assim usual definir as seguintes secções transversais:

• Espalhamento, σS = σse + σsi

• Espalhamento elástico, σse

• Espalhamento inelástico, σsi

• Absorção, σA =σC + σf

• Captura radiante, σC

• Cisão, σf

A possibilidade de interacção de um neutrão com um dado volume de material não depende só da secção transversal microscópica do núcleo, σ; mas também no número de núcleos, N por unidade de volume. O produto σN traduz a probabilidade de ocorrência de uma reacção por unidade de percurso do neutrão e designa-se por secção transversal macroscópica, Σ, e tem dimensões cm-1.

Page 167: Produção e Consumo de Energia Elétrica

163

(6.31)

e

(6.30)

0ΣxeII

N

−=

=Σ σ

A secção transversal macroscópica, Σ, representa assim a probabilidade de ocorrência de uma reacção por cm de trajectória do neutrão. O inverso da secção transversal macroscópica designa-se por trajecto livre médio, λ, e representa o caminho percorrido por um neutrão antes de ocorrer uma reacção:

(6.32) 1

Σ=λ

Tal como as secções transversais microscópicas, as secções transversais macroscópicas também se definem de acordo com o tipo de reacção em que os neutrões estão envolvidos.

Em resumo: a secção transversal microscópica, σ, representa a área alvo efectiva que um núcleo apresenta ao neutrão incidente e expressa-se em barn ou cm2; a secção transversal macroscópica, Σ, traduz a área alvo efectiva que é apresentada por todos os núcleos contidos num cm3 de material ao neutrão incidente.

Por corrente de neutrões entende-se o número de neutrões que atravessam, numa dada direcção, a unidade de área por unidade de tempo. Esta corrente de neutrões é proporcional ao gradiente da densidade de neutrões.

No núcleo de um reactor, os neutrões deslocam-se em todas as direcções. Seja n a densidade de neutrões (nº de neutrões por cm3) e Vn a velocidade dos neutrões (cm/s). O produto nVn designa-se por fluxo de neutrões, Φ, e traduz o número de neutrões que atravessam, em todas as direcções, a unidade de área por unidade de tempo.

Devido ao facto de o fluxo de neutrões num dado ponto envolver todos os neutrões de todas as direcções, a taxa de reacção entre os núcleos e os neutrões é proporcional ao fluxo de neutrões.

Admita-se um fluxo de neutrões, Φ, a atravessar um meio que contenha uma densidade de núcleos N. A taxa de reacção, entre os neutrões e os núcleos será dada por:

(6.33) )s.cmreacções/( reacção de Taxa 3Σ== φσNnVn

A eq. (6.33) afirma simplesmente que o número de neutrões envolvidos numa dada reacção por unidade de tempo e volume é proporcional à distância total percorrida por unidade de tempo, por todos os neutrões contidos unidade de volume (nVn) e ao número total de núcleos por unidade de volume (N). σ, a probabilidade de ocorrência de uma reacção é o factor de proporcionalidade. Em virtude de, na generalidade dos casos, N ser fixo num dado meio, a taxa de ocorrência de uma dada reacção, para um σ fixo, é directamente proporcional ao fluxo de neutrões. Pode assim concluir-se que a transferência de energia por calor num dado ponto numa reacção de cisão é proporcional ao fluxo de neutrões nesse ponto.

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Se na eq.(6.33) a secção macroscópica, Σ, for a secção macroscópica de cisão, Σf, e o fluxo de neutrões for o fluxo dos neutrões térmicos, (nVnth), obtém-se a taxa de cisão:

(6.34) )cmcisões/(s. cisão de Taxa 3fthfnth NnV Σ== φσ

Se se multiplicar a taxa de cisão (eq.(6.34)) pelo volume do reactor, Vr, obtém-se o número de cisões por segundo. Sabendo que, em média, cada reacção de cisão envolve a libertação de 200 MeV (3,2044 X 10-11 J), é possível de terminar a potência do reactor através de:

(6.35) (W) J/ 103,2044P -11 sVVNnV rfthrfnth ××Σ== φσ

É usual apresentar, num gráfico em coordenadas log-log, as secções transversais microscópicas totais, σT = σA + σS, em função da energia dos neutrões incidentes. Na grande maioria dos casos as secções transversais microscópicas de espalhamento são tão pequenas quando comparadas com as secções transversais microscópicas de absorção que as secções microscópicas totais são praticamente iguais ás secções microscópicas de absorção.

Na Figura 6-7 apresenta-se um gráfico que expressa o valor da secção transversal microscópica de absorção, em barn, em função da energia cinética do neutrão incidente.

Figura 6-7: Secção transversal microscópica de absorção em função da energia do neutrão incidente. [6.4]

Para um número considerável de núcleos com números de massa moderadamente elevados e elevados, a análise da variação da secção

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transversal microscópica com a energia do neutrão incidente revela a existência de 3 regiões. Inicialmente, na zona das baixas energias do neutrão, a secção transversal decresce com o aumento da energia do neutrão incidente de uma forma contínua. Nesta região verifica-se que a secção transversal microscópica (que é elevada) é inversamente proporcional à velocidade do neutrão, Vn. Esta região é denominada por “região 1/V” em virtude da secção transversal ser proporcional a 1/Vn.

Após a região 1/V, encontramos a região de ressonância na qual a secção transversal aumenta abruptamente para determinadas energias do neutrão incidente, decrescendo abruptamente para energias do neutrão ligeiramente superiores. As energias do neutrão que originam os picos ressonantes da secção transversal microscópica denominam-se energias ressonantes.

A absorção ressonante verifica-se quando a soma da energia de ligação do neutrão com a energia cinética que possui for da ordem de grandeza da energia necessária para o núcleo passar para um nível energético quantico superior. Os núcleos pesados possuem, na região das baixas energias do neutrão incidente, muitos picos ressonantes para valores de energias ressonantes muito próximas. Este facto deriva da complexidade dos núcleos pesados e de possuirem um número elevado de configurações energéticas possíveis. Como a cada configuração energética possível está associado um nível quantico de energia, o número de niveis quanticos de energia é elevado nos núcleos pesados.

Nos núcleos leves o número de niveis quanticos de energia é escasso, pelo que o número de ressonâncias é escasso e encontra-se esparsamente distribuído na região da energia elevada dos neutrões incidentes.

Para valores maiores da energia dos neutrões a secção transversal microscópica de absorção diminui à medida que a energia do neutrão incidente aumenta (ver Figura 6-7). Esta região denomina-se região dos neutrões rápidos. Nesta região as secções transversais microscópicas possuem valores inferiores a 10 barn.

A Figura 6-8 ilustra as secções transversais microscópicas totais, σtot, e de cisão, σcisão, em função da energia dos neutrões incidentes para o U235 e U238. As conclusões mais importantes que se extraem dos gráficos representados nesta Figura são as seguintes:

• Para energias dos neutrões incidentes inferiores a 0,1 eV, σtotal do U235

é muito superior ao σtotal do U238, constituindo a área transversal microscópica de cisão do U235, σcisão, cerca de 84% do σtotal.

• Na região em que a energia dos neutrões incidentes está compreendida entre 0,1 eV e 1 keV as áreas transversais microscópicas dos dois isótopos apresentam picos de ressonância com uma largura da ordem dos 0,1 eV. No caso do U235 os núcleos compostos que resultam da captura dos neutrões cindem-se enquanto que, no caso do U238 a captura do neutrão origina um decaimento radiante do estado excitado.

• Acima de 1 keV a relação σcisão/σtotal para o U235 é ainda significativa, embora esta relação seja inferior à que se verifica para as baixas

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energias dos neutrões incidentes. Acima de 1 keV o σtotal dos dois isótopos deve-se fundamentalmente às secções transversais microscópicas de espalhamento elástico e espalhamento inelástico.

Figura 6-8:Secção transversal total, σtotal, e de cisão, σcisão, em função da energia do neutrão incidente para o U235 e U238. As secções transversais encontram-se expressas em barn. [6.1]

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6.7 Reactores Nucleares

No processo de cisão um neutrão é absorvido pelo núcleo que se vai cindir, sendo produzidos na reacção dois ou três neutrões rápidos. A Tabela 6.2 detalha o número de neutrões produzidos na reacção de cisão de três tipos de núcleos.

Núcleo Número de neutrões produzidos, por

reacção de cisão, ν

Número de neutrões rápidos produzidos,

por neutrão absorvido, η

U233 2,51±0,03 2,28±0,02

U235 2,47±0,03 2,07±0,02

Pu239 2,90±0,04 2,20±0,02

Tabela 6.2: Número de neutrões produzidos. [6.2]

Nem todos os neutrões produzidos numa reacção de cisão têm a oportunidade de originar novas cisões devido ao facto de poderem ser absorvidos por material não cindível do reactor. Alguns neutrões são absorvidos por material cindível mas não originam a cisão, outros saem do reactor, constituindo uma corrente de fuga de neutrões. Para que a reacção em cadeia seja auto sustentada não é necessário que todos os neutrões produzidos no processo de cisão originem um novo processo de cisão.

O índice usualmente utilizado para descrever o ciclo de vida dos neutrões num reactor nuclear é o factor de multiplicação efectivo, keff, definido pela eq. (6.36).

(6.36)

anteriorgeraçãonafugadeneutrõesanteriorgeraçãonaabsorvidosneutrões

geraçãonumacisãoporproduzidosneutrõesk eff +

=

Para que uma reacção de cisão em cadeia seja auto sustentada torna-se necessário que a população de neutrões seja estável, ou seja, o número de neutrões não aumenta nem diminui. Esta condição, que se designa como condição crítica, ocorre quando o factor de multiplicação efectivo é unitário, ou seja a produção de neutrões devido à cisão, em cada geração iguala a perda de neutrões na geração precedente. Se a produção de neutrões for superior à perda de neutrões, diz-se que o reactor está numa condição supercritica (keff >1). Se o valor do factor multiplicativo efectivo, keff, for inferior a 1 diz-se que o reactor está numa condição subcritica.

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Quando keff permanece constante de geração para geração, torna-se possível calcular o número de neutrões existentes no início de uma dada geração com base no valor de keff e no número de neutrões existentes na primeira geração. Se, na primeira geração, existirem N0 neutrões, então, no início da segunda geração existirão N0keff neutrões. Ao fim de n gerações existirão Nn neutrões que podem ser calculados a partir da eq. (6.37):

( ) (6.37) 0

n

effn kNN =

Se existem N0 neutrões numa geração precedente e N0keff neutrões na geração actual, a variação da população de neutrões iguala N0keff-N0. O aumento ou decréscimo da população de neutrões expresso em por unidade da população actual designa-se por reactividade,ρ:

(6.38) 1

0

00

eff

eff

eff

eff

k

k

kN

NkN −=

−=ρ

A reactividade,ρ, é uma medida de quão próximo ou afastado está o reactor da condição crítica (que corresponde a um valor de reactividade nula).

Em todos os reactores existem correntes de fuga de neutrões. Quanto maior for o reactor menor o número de neutrões que saem dele, ou seja as correntes de fuga de neutrões são menores.

Admita-se que a corrente de fuga de neutrões do reactor é conhecida e fixa e que o número de neutrões absorvidos por material não cindível do reactor é também conhecido e fixo. Nestas condições as unicas variáveis que determinam ou não a sustentabilidade da reacção são as absorções de neutrões que originam cisões e as que não originam cisões dos núcleos do combustível existente no reactor.

O combustível mais acessível para utilizar num reactor é o urânio natural. O urânio natural é composto por 0,7% de U235, 99,3% de U238 e resíduos de U234.

Considere-se que o reactor é constituído por uma massa de urânio natural onde são feitos pequenos canais para arrefecimento (Figura 6-9).

Figura 6-9: Massa homogénea de urânio natural com canais de arrefecimento [6.2]

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Admita-se que inicialmente existem, neste combustível, 110 neutrões rápidos que acabaram de ser produzidos. Admita-se ainda que, durante o seu tempo de vida, 10 neutrões saem do reactor. Os restantes 100 neutrões participam em reacções de espalhamento, captura radiante e cisão.

Na Tabela 6.3 apresentam-se os valores médios das secções transversais de espalhamento, σS, captura radiante, σc, e cisão, σf, para três tipos de combustível.

Neutrões Secções

Transversais [barn]

U235 U238 Unatural

Rápidos 1MeV σS 5,3 6,6 6,6

σc 0,093 0,14 0,14

σf 1,2 0,018 0,026

Térmicos 0,0253 eV

σS 6 8 8

σc 112 2,73 3,47

σf 577,1 0 4,16

Tabela 6.3: Secções microscópicas para combustíveis nucleares [6.2]

O valor médio da energia destes 110 neutrões que acabaram de ser produzidos é igual a 2 MeV (Figura 6-2). Para este valor de energia a secção transversal de cisão do U238 é cerca de 0,53 barn (Figura 6-8). A grande maioria destes neutrões possui, no entanto, uma energia inferior a 1 MeV (Figura 6-2). Para estes valores da energia o urânio natural apresenta uma secção transversal de cisão muito pequena quando comparada com a secção transversal de espalhamento (ver Tabela 6.3), pelo que, dos 100 neutrões originais só um pequeno número originará uma reacção de cisão, produzindo, cada neutrão, em média, 2,47 neutrões (ver Tabela 6.2). Esta produção de neutrões é de tal forma baixa, quando comparada com os 100 neutrões originais, que, por si só, não assegura a manutenção da reacção em cadeia.

A grande maioria dos neutrões originais vai ser sujeita a reacções de espalhamento, com a consequente diminuição da energia que possuem. À medida que a energia dos neutrões baixa, estes têm de passar pela região de absorção ressonante (ver Figuras 6.7 e 6.8). Em virtude das secções transversais ressonantes do U238 (isótopo predominante no urânio natural) serem muito elevadas, a grande maioria dos neutrões são eliminados nesta região, não atingindo a região 1/V.

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Uma forma de controlar com eficiência a velocidade dos neutrões rápidos consiste em utilizar um meio que possua núcleos pequenos com probabilidade elevada de produzir o espalhamento dos neutrões, probabilidade baixa de absorção de neutrões e que origine uma perda de velocidade considerável dos neutrões. Exemplos destes meios, denominados moderadores, são a água, H2O, a água pesada, D2O, a grafite, C, e o berílio, Be. Se se misturar e/ou dispersar um moderador no urânio natural, alguns dos neutrões podem ser travados na passagem pela zona de energia ressonante do U238. Contudo, dado que o U238 se encontra presente no núcleo do reactor, o número de neutrões que atingem a região das energias térmicas é muito pequeno e insuficiente para garantir a sustentação da reacção.

Conclui-se assim que não é possível estabelecer uma reacção em cadeia sustentada com uma massa homogénea de urânio natural ou com uma mistura homogénea de urânio natural e de um moderador.

Por forma a garantir uma reacção em cadeia sustentada é necessário recorrer a um dos seguintes métodos:

a) Construír um reactor heterogéneo.

b) Enriquecer o combustível.

c) Construir um reactor heterogéneo e enriquecer o combustível.

Se for utilizado urânio natural ou levemente enriquecido o combustível deve encontrar-se concentrado em unidades separadas na forma de cilindros ôcos, esferas, barras, palettes, etc. Estas unidades são colocadas, espaçadas entre si, no núcleo do reactor. O espaço entre unidades de combustível concentrado é preenchido com um moderador. Este arranjo constituí o reactor heterogéneo (ver Figura 6-10)

Figura 6-10: Reactor Heterogéneo. [6.2]

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As barras de combustível são muito delgadas pelo que a probabilidade de um neutrão pronto se escapar do local onde foi produzido antes de atingir a região da secção transversal ressonante é grande. Quando atinge a zona do reactor onde se encontra o moderador o neutrão é sujeito a algumas colisões e torna-se um neutrão térmico. Quando o neutrão reentra no combustível com esta energia térmica, a probabilidade de cindir o U235 é consideravelmente superior à probabilidade de ser absorvido pelo U238, o que torna exequível o estabelecimento de uma reacção em cadeia sustentada.

Nos reactores heterogéneos não é possível evitar a absorção ressonante de neutrões, contudo esta absorção não afecta de forma determinante a produção de neutrões térmicos, que constituem o garante de reacções sustentadas. Nestes reactores verifica-se também a ocorrência de algumas cisões do U238 por neutrões rápidos. Também nestes reactores,em alguns casos,a absorção de neutrões pelo U238 origina a formação de Pu239 que é um isótopo cindível.

Quando se utiliza urânio natural é dificil garantir um número de neutrões suficiente para assegurar uma reacção em cadeia sustentada. Nestas condições o moderador tem de possuir uma secção transversal de absorção de neutrões muito pequena. Este facto elimina a possibilidade de se utilizar a água natural e outros materiais hidrogenados como moderadores quando o combustível é urânio natural. A água natural e os materiais hidrogenados (orgânicos) possuem secções transversais de absorção de neutrões elevadas.

Todos os reactores que utilizam como moderador quer a água natural, quer materias orgânicos, devem utilizar combustíveis levemente enriquecidos com U235.

Um reactor heterogéneo que utilize o urânio natural como combustível deve recorrer a moderadores com secções transversais de absorção de neutrões muito pequenas, como sejam a água pesada (D2O), ou a grafite. Estes reactores denominam-se reactores de água pesada. Os reactores Candu (ou de água pesada pressurizada), de fabrico canadiano, constituem um exemplo dos reactores de água pesada.

Uma segunda forma de garantir uma reacção em cadeia sustentada consiste em, de uma forma artificial, aumentar a percentagem de U235 (ou outro combustível cindível) no urânio natural. Nestes casos a influência nefasta do U238 é menos pronunciada. Os combustíveis levemente enriquecidos devem, contudo continuar a utilizar reactores heterogéneos. O moderador utilizado nos reactores que utilizam urânio enriquecido é a água, incorrectamente designada como água leve ( por contraposição a água pesada).

Os reactores de água leve podem ser de dois tipos: PWR - água pressurizada ou BWR – água em ebulição. Estes são o tipo de reactores mais utilizados.

Um terceiro tipo de reactor é o reactor arrefecido a gás – GCR. O gás de arrefecimento pode ser quer o CO2 (que é um mau moderador apesar da presença de C) ou He (que não tem as propriedades requeridas a um moderador). Nestes reactores é utilizado a grafite ou o Be como moderador.

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Um enriquecimento do urânio natural com cerca de 20% de U235 permite a utilização de reactores homogéneos. Contudo, nunca se verificou a construção deste tipo de reactores [6.2].

Para combustíveis altamente enriquecidos (mais de 20% de U235) o impacto da região de ressonância do U238 deixa de ser importante. A contribuição do U235 para as secções transversais de cisão do combustível enriquecido, é predominante face à absorção sem cisão no U238. Nestes casos não é necessário o recurso a um moderador. Estes reactores denominam-se reactores rápidos, devido ao facto da cisão ser desencadeada, primordialmente, por neutrões rápidos.

Nos reactores reprodutores rápidos o urânio natural é enriquecido com mais de 20% de Pu239 em lugar do U235. O número médio de neutrões produzidos quando se verifica a cisão do Pu239 é aproximadamente igual a 2,9 (Tabela 6.2), o que torna este combustível adequado para ser utilizado num reactor rápido.

Quando o U238 captura um neutrão verifica-se a seguinte reacção de decaimento β:

(6.39) ) 104,2() 4,2(min) 23( 4239239239238 anosPudiasNpUUn ×→→→+

Nestes reactores, devido ao decaimento do U239 (eq. (6.39)), é produzido mais material cindível (o Pu239) do que o consumido. É por esta razão que estes reactores se denominam reprodutores.

Em todos os reactores, a energia libertada pela cisão do combustível nuclear é retirada por um fluido de arrefecimento que sai do reactor com uma temperatura substancialmente superior à temperatura com que entrou no reactor. A velocidade com que é extraído o calor do reactor deve garantir que o combustível não entra em ebulição.

A energia térmica retirada do reactor é utilizada num ciclo termodinâmico para a obtenção de energia eléctrica. A Figura 6-11 ilustra a configuração de uma central nuclear com reactor de água pressurizada

Figura 6-11: Configuração de uma central nuclear com reactor de água pressurizada [6.2].

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Neste tipo de centrais a pressão a que se encontra a água de arrefecimento é superior á pressão de saturação correspondente à máxima temperatura que atinge o fluido de arrefecimento no reactor. Típicamente a pressão a que é mantida a água de arrefecimento do reactor é da ordem dos 155 bar [6.2]. Neste tipo de centrais existem dois circuitos: o circuito de arrefecimento do reactor, em que a água é pressurizada, que se denomina por circuito primário e o circuito por onde circula o fluido de trabalho de um ciclo de Rankine. O permutador de calor da Figura 6-11 assegura a transferência de energia térmica do circuito primário para o circuito do fluido de trabalho.

Na Figura 6-12 apresenta-se a configuração de uma central nuclear com reactor de água em ebulição

Figura 6-12: Central Nuclear com reactor de água em ebulição [6.2].

a) Recirculação interna b) Recirculação externa

Neste tipo de centrais a água de refrigeração do reactor é o fluido de trabalho do ciclo de Rankine. A água encontra-se a uma pressão de cerca de 70 bar, cerca de metade da pressão a que se encontra a água nas centrais de água pressurizada. O valor mais elevado da temperatura da água de refrigeração nos reactores de água pressurizada e água em ebulição é, sensivelmente, a mesma.

Nas centrais nucleares do tipo água em ebulição, no reactor a água encontra-se nas duas fases (liquido e vapor). Neste tipo de central a temperatura do vapor no estado de vapor saturado é a temperatura de saturação para a pressão da água de refrigeração (cerca de285 ºC para 70 bar). Conclui-se assim que nestas centrais o fluido de arrefecimento é simultaneamente moderador e fluido de trabalho.

O facto de a água e a água pesada poderem ser utilizadas simultaneamente como moderador e fluido de arrefecimento constituem uma mais valia para os reactores que funcionam a água leve e água pesada.

Nos reactores arrefecidos a gás, este não tem propriedades moderadoras, pelo que é necessário recorrer a um moderador distinto do fluido de refrigeração. Os reactores rápidos não necessitam de moderador mas

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necessitam de um fluido de refrigeração que não retire energia aos neutrões e que possua um coeficiente de transmissão de calor elevado por forma a garantir o escoamento da energia térmica libertada no processo de cisão. Geralmente é utilizado o sódio fundido (um metal liquido), como fluido de arrefecimento.

6.8 Controlo dos Reactores Nucleares

Por controlo dos reactores nucleares entende-se o conjunto de meios de que se dispõe para ligar o reactor, aumentar ou diminuir a potência do reactor e desligar o reactor. Há diversos métodos de controlo para realizar este tipo de operações. O mais comum consiste na utilização de barras de controlo.

As barras de controlo têm uma configuração semelhante às barras de combustível mas em vez de conterem combustível contêm um material absorvedor de neutrões (que é usualmente designado como “veneno”) tal como o boro, cádmio ou índio. Estes materiais possuem secções transversais microscópicas de absorção elevadas para os neutrões e não contribuem para a produção de novos neutrões. A Figura 6-13 ilustra a secção transversal microscópica total do boro, índio e cádmio em função da energia cinética dos neutrões.

As barras de controlo são projectadas para possuírem uma quantidade de material absorvedor de forma a modificar o balanço de neutrões existente no núcleo do reactor. As barras de controlo alteram o balanço de neutrões assegurando que por cada neutrão envolvido num processo de cisão é absorvido um neutrão. Esta situação conduz a uma diminuição da potência do reactor, podendo conduzir à desligação deste.

As barras de controlo possuem uma posição de equilíbrio no reactor que corresponde a estarem semi-inseridas neste. Estas barras são accionadas por motores que as inserem/retiram do núcleo do reactor a partir da posição de equilíbrio. Quando as barras são retiradas do reactor a potência deste aumenta, diminuindo com a inserção das barras no reactor. Em qualquer dos casos, após o aumento/diminuição da potência, as barras regressam à posição de equilíbrio.

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Figura 6-13: Secções transversais microscópicas totais em função da energia cinética dos neutrões para o boro, cádmio e índio. [6.2]

As barras de controlo podem ser inseridas totalmente no núcleo do reactor de uma forma rápida quando, numa situação de emergência, se pretende desligar o reactor. Geralmente há um conjunto de barras de controlo cuja posição de equilibrio é não estarem inseridas no núcleo do reactor, só sendo inseridas neste nos casos em que se proceda à paragem de emergência do reactor.

A posição de equilíbrio das barras de controlo varia com o tempo de vida do núcleo do reactor. À medida que o combustível é gasto (ou seja cindido) cada vez menos neutrões são produzidos e cada vez mais neutrões são absorvidos em reacções de não cisão. As barras são então ligeiramente retiradas do núcleo do reactor por forma a permitirem uma diminuição da sua acção e garantirem que o núcleo do reactor se mantém em equilíbrio.

Nos reactores de água pressurizada existe um método de controlo adicional de neutrões que se designa por correcção química. A correcção quimica consiste na utilização de um absorvente de neutrões solúvel (geralmente ácido bórico) na água ( que é, simultaneamente, fluido de arrefecimento e moderador nos reactores de água pressurizada). A concentração deste absorvente na água é diminuída com o tempo de vida do núcleo do reactor por forma a compensar a utilização do combustível. Os níveis de concentração do absorvente de neutrões na água são dimensionados por forma a que as barras de controlo se encontrem praticamente retiradas do núcleo do reactor. Não é usual utilizar a correcção quimica nos reactores de água em ebulição.

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6.9 Bibliografia

[6.1] B. R. Martin: “Nuclear and Particle Physics an Introduction – 2nd Ed.”, Wiley, 2009

[6.2] M.M. El Wakil: “Power Plant Technology”, McGraw – Hill, 1988

[6.3] I.T. Shvets et al: “Heat Engineering” MIR Publishers, 1975

[6.4] Department of Energy: “Nuclear Physics and Reactor Theory. Volumes 1 and 2”, DOE-HDBK-1019/1(2)-93, January,1993