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AGRENER GD 2015 10º Congresso sobre Geração Distribuída e Energia no Meio Rural 11 a 13 de novembro de 2015 Universidade de São Paulo – USP – São Paulo PRODUÇÃO E USO DO BIODIESEL NO BRASIL ANÁLISE DE BARREIRAS E POLÍTICAS Vanessa P. Garcilasso, Fernando C. De Oliveira, Suani T. Coelho Grupo de Pesquisa em Bioenergia (GBio), Instituto de Energia e Ambiente (IEE), Universidade de São Paulo. Av. Prof. Luciano Gualberto, 1289 Cidade Universitária. 05508-010, São Paulo, SP ([email protected]) Resumo Nos últimos anos, políticas de incentivo à produção de biodiesel no Brasil deram início à sua inserção na matriz energética nacional através do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel. Em 2005, a Lei nº. 11.097 determinou a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira e, recentemente, fixou o valor em 7% para o percentual mínimo obrigatório de adição de biodiesel ao diesel fóssil. Apesar do importante avanço proporcionado pela introdução do biodiesel no país, existem ainda muitas questões técnicas, econômicas e socioambientais que precisam ser discutidas. Este trabalho tem como objetivo discutir as barreiras e políticas públicas para efetivar a utilização do biodiesel na matriz energética brasileira. Várias iniciativas de políticas de incentivos à elaboração de critérios de sustentabilidade socioeconômica surgiram visando garantir a sustentabilidade do biodiesel, porém, no Brasil, ele não tem se mostrado sustentável. Assim, nota-se a necessidade de mudança e/ou revisão de algumas estratégias da política, visando mais pesquisa, desenvolvimento e inovação para a produção de biodiesel no país, objetivando a redução de custos, melhorias tecnológicas, maior inserção dos agricultores familiares na cadeia do biodiesel através do fortalecimento de diversas matérias-primas. Palavras-chave: biodiesel, sustentabilidade, políticas públicas. Abstract In recent years, policies to encourage biodiesel production in Brazil kicked off its insertion in the national energy matrix through the National Program for the Production and Use of Biodiesel. In 2005, Law No. 11,097 determined the introduction of biodiesel in the Brazilian energy matrix and recently stipulated 7% for the compulsory minimum percentage of

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10º Congresso sobre Geração Distribuída e Energia no Meio Rural

11 a 13 de novembro de 2015

Universidade de São Paulo – USP – São Paulo

PRODUÇÃO E USO DO BIODIESEL NO BRASIL – ANÁLISE DE

BARREIRAS E POLÍTICAS

Vanessa P. Garcilasso, Fernando C. De Oliveira, Suani T. Coelho

Grupo de Pesquisa em Bioenergia (GBio), Instituto de Energia e Ambiente (IEE), Universidade de São Paulo. Av. Prof. Luciano Gualberto, 1289 – Cidade Universitária. 05508-010, São Paulo, SP

([email protected])

Resumo

Nos últimos anos, políticas de incentivo à produção de biodiesel no Brasil deram início à sua

inserção na matriz energética nacional através do Programa Nacional de Produção e Uso do

Biodiesel. Em 2005, a Lei nº. 11.097 determinou a introdução do biodiesel na matriz

energética brasileira e, recentemente, fixou o valor em 7% para o percentual mínimo

obrigatório de adição de biodiesel ao diesel fóssil. Apesar do importante avanço

proporcionado pela introdução do biodiesel no país, existem ainda muitas questões técnicas,

econômicas e socioambientais que precisam ser discutidas. Este trabalho tem como objetivo

discutir as barreiras e políticas públicas para efetivar a utilização do biodiesel na matriz

energética brasileira. Várias iniciativas de políticas de incentivos à elaboração de critérios de

sustentabilidade socioeconômica surgiram visando garantir a sustentabilidade do biodiesel,

porém, no Brasil, ele não tem se mostrado sustentável. Assim, nota-se a necessidade de

mudança e/ou revisão de algumas estratégias da política, visando mais pesquisa,

desenvolvimento e inovação para a produção de biodiesel no país, objetivando a redução de

custos, melhorias tecnológicas, maior inserção dos agricultores familiares na cadeia do

biodiesel através do fortalecimento de diversas matérias-primas.

Palavras-chave: biodiesel, sustentabilidade, políticas públicas.

Abstract

In recent years, policies to encourage biodiesel production in Brazil kicked off its insertion in

the national energy matrix through the National Program for the Production and Use of

Biodiesel. In 2005, Law No. 11,097 determined the introduction of biodiesel in the Brazilian

energy matrix and recently stipulated 7% for the compulsory minimum percentage of

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biodiesel addition to fossil diesel. Despite the important progress fostered by the introduction

of biodiesel in the country, there are still many technical, environmental, social and economic

issues that need to be addressed. This work aims to discuss the barriers and policies to

implement the use of biodiesel in the Brazilian energy matrix. Several policy initiatives

encouraging the development of economic and social sustainability criteria have emerged

with the aim of ensuring the sustainability of biodiesel. However, biodiesel in Brazil hasn't

been deemed sustainable. Thus, there is a need for a change and/or revision of some public

policies strategies that envision a better research, development and innovation for biodiesel

production in the country, aiming at cost reduction, technological improvements, greater

integration of family farmers, and strengthening of the productive chain of various feedstocks.

Keywords: biodiesel, sustainability, public policies.

1. INTRODUÇÃO

No Brasil, país em que quase metade da matriz energética é proveniente de fontes

renováveis (EPE, 2014), políticas públicas e privadas ganharam importância frente ao

desenvolvimento sustentável regional e a iniciativas que visem o uso sustentável dos

recursos naturais para a geração de energia.

As políticas voltadas para os biocombustíveis são criadas por inúmeras razões, dentre

as quais estão a futura escassez do petróleo, diversificação na matriz energética a fim de

reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, incentivo ao desenvolvimento econômico

na zona rural, além da redução das emissões de GEE.

No caso do biodiesel, a ideia é promover sua produção sob três pilares: ambiental,

social e técnico-econômico como parte de políticas energéticas ou de mudanças climáticas.

No entanto, na medida em que os países criam programas de biodiesel, há uma crescente

preocupação sobre os aspectos relacionados com sua sustentabilidade (RATHMANN ET

AL., 2012; JANSSEN e RUTZ, 2011). Políticas para efetivar sua utilização na matriz

energética brasileira ocorreram em diversos momentos, seja pela obrigação em diminuir a

dependência dos combustíveis fósseis ou por necessidade de uma alternativa limpa aos

combustíveis convencionais.

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Com a criação do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), em

2004, os objetivos principais foram o de garantir a produção economicamente viável de

biodiesel e sustentar a utilização do recurso energético renovável na matriz, além de: (i)

regulamentar a operação do mercado desse biocombustível e estabelecer os percentuais

mandatórios do biodiesel no diesel; (ii) encorajar a diversificação das matérias-primas para a

produção de biodiesel em todas as regiões do país; e (iii) incorporar a agricultura familiar na

cadeia produtiva do biodiesel (VACCARO ET AL., 2010).

Segundo Padula et al. (2012), a introdução do biodiesel assume, então, uma estratégia

importante no desenvolvimento econômico e social do Brasil, baseada nas premissas de

redução da importação de diesel, desenvolvimento e criação de empregos nas áreas rurais

e redução dos impactos ambientais devido à utilização do combustível renovável. Porém, a

questão de sustentabilidade no país vem caminhando de forma lenta. Embora uma parcela

da população e do empresariado já tenha despertado certa consciência ambiental, muitas

empresas ainda visam apenas o lucro, deixando de lado os aspectos socioambientais por

não terem condições de executá-los, principalmente em função da falta de estrutura da

cadeia produtiva e do volume necessário de outras fontes de menor escala. Portanto, este

estudo se propõe a discutir as dificuldades econômicas e sociais que o biodiesel vem

enfrentando para que sua utilização sustentável seja definitivamente efetivada na matriz

energética brasileira.

2. BARREIRAS ECONÔMICAS E SOCIAIS

No aspecto econômico, a aquisição das matérias-primas representa mais de 85% no

custo total de produção do biodiesel no Brasil (ZONIN, 2008). No caso da soja, a demanda

global por alimentos determina seu preço; e seu óleo, por ser comestível, está sujeito a

conflitos relacionados com a segurança alimentar (VACCARO ET AL., 2010). Padula et al.

(2012) dizem que os custos de produção do biodiesel são fortemente influenciados pela

matéria-prima utilizada, pela capacidade produtiva das usinas e também pela incidência de

taxas e impostos. Além disso, a soja, apesar de ser a matéria-prima mais utilizada para a

produção de biodiesel no Brasil, possui um custo referente ao óleo in natura que é

semelhante ao custo do diesel produzido a partir do petróleo, já com os impostos incluídos.

Assim, o biodiesel a partir de óleo de soja só se torna economicamente competitivo com o

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diesel convencional se for adotada uma renúncia fiscal de cerca de US$ 0,22 dólares/litro

para o biodiesel.

Já pelo lado social, o PNPB possuía metas audaciosas para fortalecer a agricultura

familiar e assim garantir renda e desenvolvimento local. Infelizmente isso não ocorreu, com

inúmeras dificuldades para o uso da palma e da mamona como matérias-primas – vistas

como as mais promissoras para a inclusão social.

No caso da palma, apesar de sua elevada produtividade agrícola, há outros usos finais

com melhor custo de oportunidade nas indústrias alimentícia e química, além do Brasil ainda

importar esse óleo da Malásia para suprir a demanda interna de outros usos finais. Apesar

da iniciativa para desenvolvê-la no Pará, visando a produção de biodiesel, permanece a

dúvida se ela poderá efetivamente ser usada, como propõe Villela (2014). Ele sugere ser

possível o deslocamento, em bases sustentáveis, de pelo menos um milhão de hectares de

áreas de pastos na região Norte para a expansão da palma, proporcionando óleo suficiente

para zerar o déficit da balança comercial do setor e deslocar mais de 20% da demanda de

diesel prevista para a região, em 2022. Infelizmente, no momento, o óleo de palma ainda

não oferece a escala que a demanda interna de biodiesel necessita.

O caso da mamona foi mais complicado. Apesar do governo federal inicialmente

apostar em sua produção na região Nordeste, como importante geração de renda, esta

perspectiva não se concretizou. Assim como a palma, a mamona tem usos finais com

elevados custos de oportunidade que inviabilizam sua utilização para o biodiesel, apesar de

existirem trabalhos (PIRES ET AL., 2004; RIZZI ET AL., 2010) defendendo sua viabilidade

econômica. Além disso, houve dificuldades na capacitação dos pequenos agricultores da

região com relação ao plantio e colheita adequados, inviabilizando a sua produção.

De acordo com o projeto desenvolvido por CENBIO (2004), cujo objetivo foi o de

implementar um sistema de geração de energia a partir do óleo de mamona, em

Quixeramobim (Ceará), as dificuldades da colheita no momento adequado impediram a

produção de um óleo de qualidade. Neste ponto, Portela (2008) diz que a produção do óleo

de mamona ainda está muito aquém da realidade pretendida para esta oleaginosa.

Neste contexto, o governo federal criou o Selo Combustível Social (SCS), um conjunto

de medidas específicas visando estimular a inclusão social da agricultura familiar nessa

importante cadeia produtiva (MME, 2004). O SCS é um certificado concedido para os

produtores de biodiesel que adquirirem um percentual mínimo de matéria-prima de

agricultores familiares, celebrarem contrato entre eles – estabelecendo linhas de créditos e

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condições de entrega da matéria-prima – e prestarem assistência técnica aos mesmos.

Além disso, o Selo oferece benefícios fiscais para as usinas produtoras de biodiesel na

condição de que parte da matéria-prima (oleaginosa) seja proveniente de agricultura

familiar, e assim, incentivar sua maior participação na cadeia.

É importante ressaltar que o biodiesel de soja e gordura animal produzido por usinas

com o SCS pode ser vendido em leilões da ANP a preços bem elevados. A Petrobras deve

cobrir a diferença de custo para que o mesmo seja adicionado ao diesel e comercializado

nos postos ao preço do diesel (estes preços vinham sendo represados desde 2013, como

forma de controle dos índices inflacionários do país).

A partir da implementação do PNPB, os custos referentes à importação do metanol

cresceram vertiginosamente (Figura 1). Segundo Rathmann et al. (2012), o Brasil importa

metanol porque sua produção não é suficiente para atender a demanda interna.

Considerando que os gastos com o metanol importado para a produção de biodiesel foram

maiores que os gastos com a importação de diesel em 2009, conferindo um déficit comercial

líquido de 37 milhões de dólares (Tabela 1), a premissa de que a introdução de biodiesel

reduziria o câmbio estrangeiro não tem suporte.

Figura 1. Gastos do metanol importado no Brasil (RATHMANN ET AL., 2012).

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Tabela 1. Produção, importações, custos e balança comercial da cadeia de produção

de biodiesel no Brasil em 2009 (RATHMANN ET AL., 2012).

Diesel

Consumo (mil m3) 44.763

Importações (mil m3) 3.513

Custo com importações (mil US$ FOB) 1.672.498

Biodiesel

Produção (mil m3) 1.608

Produção pela via metílica (mil m3) 1.535

Produção pela via etílica (mil m3) 73

Metanol

Importações totais (mil m3) 457

Custo com importações (mil US$ FOB) 292.125 Demanda para a produção de biodiesel (mil m

3) – 10% da produção pela via metílica 153

Percentual de metanol importado para produzir biodiesel 33.5%

Resultado da balança comercial para produção de biodiesel

Custo da importação de metanol para produção de biodiesel (mil US$ FOB) 97.922 Percentual de poupança de diesel inferior às importações com a produção de biodiesel 3,6% Economia de divisas de diesel com a produção de biodiesel (mil US$ FOB) 60.042 Balança comercial da cadeia produtiva de biodiesel (mil US$ FOB) -37.879

Além das isenções e incentivos oferecidos pelo SCS, alguns dados e resultados sobre

a estrutura desse mercado parecem revelar a existência de subsídios também nesta fase de

produção. O preço pago ao biodiesel nos leilões da ANP tem sido consistentemente superior

ao preço do diesel fóssil produzido pelas refinarias. A diferença entre os valores pagos

sugere haver "subsídio” aplicado a este setor (PADULA ET AL., 2012). No entanto, sabe-se

que é necessário que a cadeia produtiva do biodiesel seja bem desenvolvida para garantir a

quantidade e a qualidade do produto.

A cadeia de abastecimento desse biocombustível no Brasil é composta por três

processos integrados – oferta, produção e distribuição – que oferecem a base para o

fornecimento de matérias-primas, a conversão em biodiesel e a distribuição do produto final.

Grande parte da cadeia é impulsionada pelo governo por meio de iniciativas e controles que

visam atingir os objetivos sociais, intervindo na forma de como os agentes econômicos

devem exercer atividades na cadeia de abastecimento (PADULA ET AL., 2012).

Porém, a inserção do pequeno agricultor na cadeia é realizada de maneira modesta.

Mesmo assim, ela só é garantida porque parte do volume comercializado nos leilões é

reservado para a empresa que tem o SCS (PADULA ET AL., 2012). Em outras palavras, as

principais barreiras existentes para a efetivação da inserção da agricultura familiar na cadeia

produtiva do biodiesel são: (i) a maior parte do biodiesel produzido vem do óleo de soja e de

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gordura animal – além dos baixos custos, os produtores já possuem uma cadeia

estabelecida e bem desenvolvida através da curva de aprendizado que tiveram com a

produção de óleos vegetais; (ii) ausência de organização por parte dos agricultores

familiares, dificultando a comercialização de sua matéria-prima.

Rathmann et al. (2012) analisaram as metas e os resultados do PNPB nos primeiros

cinco anos de sua existência e observaram que a geração de renda e o emprego dos

trabalhadores do setor na região Nordeste diminuíram, sendo que grande parte em função

da existência de outros programas de transferência de renda, como o “Bolsa Família”. A

falta de escala foi outro problema para a mamona, fazendo com que a soja fosse a principal

matéria-prima adotada também naquela região. Isso se deu pela baixa produtividade da

mamona, alta irregularidade sazonal, ineficiência de assistência técnica e instabilidade de

preços, dentre outros motivos (CESAR e BATALHA, 2010).

Garcez e Vianna (2009) afirmam que a obtenção do SCS demonstra a existência do

conflito entre o desejo de incluir os agricultores familiares na produção de biodiesel e os

interesses do agronegócio brasileiro, sugerindo que a agricultura familiar não foi capaz de

competir com o agronegócio para garantir o fornecimento de matérias-primas para a

indústria desse biocombustível.

3. BARREIRAS AMBIENTAIS

A maior justificativa para o uso de biocombustíveis (o biodiesel em particular) é em

relação à redução dos gases de efeito estufa. De acordo com estudos realizados por

Rathmann et al. (2012), a utilização de 100% de biodiesel metílico de soja (B100) incorre em

um percentual de redução de GEE de 78,5% em relação ao diesel mineral; de 15,6% para o

B20; e em torno de 3,9% para o B5. Consequentemente, a utilização do biodiesel no

transporte urbano melhora a qualidade do ar das grandes metrópoles devido à ausência de

enxofre na sua composição e da redução de materiais particulados. A tendência de maiores

emissões de Óxidos Nitrosos (NOx), como em toda combustão de biomassa, é reduzida

com o emprego de catalisadores adequados.

O Grupo de Trabalho Interministerial: Biodiesel – GTIB produziu um relatório em 2003,

no qual afirmava que a estratégia de utilização do biodiesel em regiões com conglomerados

populacionais deveria ser priorizada, pois os motores a diesel são responsáveis por

aproximadamente 70% da poluição atmosférica no país (WEHRMANN ET AL., 2006).

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Assim, além do transporte, o biodiesel é utilizado em outros setores como o de geração de

energia elétrica em motores estacionários e em navegações que utilizam óleo de baixa

qualidade nas embarcações. Portanto, o potencial do biodiesel em mitigar as mudanças

climáticas através da redução de CO2 depende do ciclo de vida dos combustíveis, o que não

ocorre adequadamente no biodiesel de soja nem no de gordura animal (CENBIO, 2013).

Isto significa que são necessários regulamentos para motivar o uso de boas práticas

agrícolas e industriais, e de matérias-primas adequadas – a política do PNPB atualmente

não considera adequadamente essas questões, sendo necessária sua modificação a fim de

que os critérios ambientais sejam adicionados ao SCS (GARCEZ e VIANNA, 2009).

4. PROPOSTAS DE POLÍTICAS PARA MAIOR SUSTENTABILIDADE NA

PRODUÇÃO DE BIODIESEL NO BRASIL

Várias iniciativas de políticas de incentivos à elaboração de critérios de

sustentabilidade econômica e social surgiram com o objetivo de garantir a sustentabilidade

do biodiesel. Apesar da redução de tributos, oferta de crédito com menor custo financeiro

aos produtores e subsídios que cobrem custos mais altos do biodiesel em relação ao diesel,

o biodiesel no Brasil não tem se mostrado sustentável. Assim, é necessário que haja alguma

mudança e/ou revisão nas estratégias de políticas públicas que tornem sustentável a

produção e uso desse biocombustível no país.

Algumas destas políticas dependem da ação do governo e devem ser analisadas,

como: (i) a capacidade ociosa muito grande na produção de biodiesel no país – acima de

50% em 2014 (ANP, 2015); (ii) os benefícios atribuídos ao SCS parecem servir menos aos

agricultores familiares do que aos produtores de biodiesel; (iii) há discrepâncias entre os

objetivos do PNPB e os resultados alcançados desde o início do programa.

É preciso que haja mudanças e/ou revisões em algumas estratégias, visando mais

pesquisa, desenvolvimento e inovação para a produção de biodiesel com o objetivo de

reduzir os custos de produção e proporcionar melhorias nas tecnologias do processamento;

maior inserção dos agricultores familiares das regiões Norte e Nordeste; fortalecimento da

cadeia produtiva de outras matérias-primas (ex.: mamona, dendê, óleos residuais); inclusão

de variáveis que visem boas práticas agrícolas e contribuam para a redução no uso de

pesticidas, fertilizantes e agrotóxicos. Assim, sugere-se revisão das políticas a seguir.

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4.1 Políticas de P&D para Incentivar a Produção do Biodiesel via Rota Etílica

Um dos objetivos do PNPB visava a menor dependência dos combustíveis fósseis.

Entretanto, mais de 90% do biodiesel produzido no Brasil usa o metanol – que é fóssil. Ou

seja, o país diminui os custos de importação do óleo diesel, em contrapartida, os custos com

a importação do metanol aumentam e assim a conta da balança comercial não fecha. Por

isso é estratégico para o Brasil utilizar o etanol para a produção de biodiesel, para que a

balança comercial se torne mais equilibrada e o biocombustível mais limpo. Porém, será

preciso investimentos em pesquisa e desenvolvimento que viabilize técnica e

economicamente o processo de produção de biodiesel pela rota etílica.

4.2 Políticas de P&D para a Implementação e Uso de Outras Tecnologias

É possível produzir biodiesel em colunas de destilação reativa, cuja técnica já existe há

algum tempo na indústria química, embora recente na produção de biodiesel. Fazer a

reação para a produção de biodiesel e a separação dos produtos em um mesmo

equipamento diminui os custos de instalação e operação de uma usina. Outra vantagem da

destilação reativa é a possibilidade de se utilizar qualquer matéria-prima, independente de

sua acidez. Entretanto, poucos estudos sobre esta tecnologia têm sido desenvolvidos. Os

casos existentes, ainda necessitam de aprimoramento. Sendo assim, propõem-se, então,

políticas de pesquisa e desenvolvimento que incentivem o uso desta tecnologia e de outras

que possam viabilizar a produção de biodiesel no país.

4.3 Políticas de Incentivo para o Uso de Óleos Residuais de Fritura

Esta política propõe-se a incentivar o uso de óleo residual de fritura pelas indústrias,

de uma maneira economicamente viável, com os cuidados referentes à qualidade do óleo

coletado, uma vez que pode conter partículas de água e de alimento, além de misturas de

diferentes tipos de óleos comestíveis que prejudicam a produção do biodiesel. Neste caso,

propõe-se também a criação de programas que aumentem a informação da população

sobre a importância de não descartar esse óleo no lixo ou na pia, além da maneira

adequada de armazená-lo, permitindo uma logística eficiente na coleta e produção do

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biodiesel. Vale ressaltar que essa matéria-prima tem menos influência sazonal e de fatores

externos, como os climáticos, quebra de safra, e custo de oportunidade, entre outros.

4.4 Políticas para a redução no custo de produção de biodiesel

Conforme mencionado anteriormente, há fatores relacionados aos custos de produção

de biodiesel, tais como o elevado custo da matéria-prima utilizada (que corresponde a cerca

de 85% do custo total de produção), escala das usinas, taxas e impostos. Como há

vantagens ambientais do biodiesel sobre o diesel, algumas medidas são necessárias para

reduzir seu custo de produção: (i) melhorias nas tecnologias de processamento das culturas;

(ii) melhorias e incentivos tecnológicos para o processo produtivo; (iii) investimentos em

pesquisa, desenvolvimento e inovação em culturas oleaginosas com potencial para o uso na

produção de biodiesel; (iv) investimentos na produção de biodiesel de segunda geração

(microalgas), mitigando também a questão do desmatamento; (vi) criação de outros

mecanismos que ajudem na redução de impostos e tarifas incidentes sobre sua produção.

4.5 Políticas para Eliminar os Subsídios dos Combustíveis Fósseis

Para o biodiesel se tornar ainda mais competitivo, é necessário discutir e introduzir

políticas que descontinuem os leilões a preços garantidos. O objetivo dos leilões é aferir

suporte econômico à cadeia de produção de biodiesel e continuar com o atendimento das

diretrizes do programa brasileiro desse biocombustível. Porém, o biodiesel comercializado

nos leilões tem preço bastante alto. Uma opção seria o biodiesel ser comercializado

diretamente dos produtores, assim como acontece com o álcool anidro.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi o de apresentar e discutir as barreiras e políticas para

efetivar a utilização do biodiesel na matriz energética. Apesar da soja e da gordura animal

representarem mais de 95% das matérias-primas utilizadas para a produção de biodiesel no

Brasil, é necessário viabilizar a inserção de outras oleaginosas na cadeia produtiva.

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Entretanto, para que isso aconteça, é preciso que haja avanços tecnológicos através da

pesquisa e desenvolvimento que deem suporte ao plano de expansão do biodiesel no país.

Embora o Brasil possua ampla diversidade de insumos agrícolas para a produção de

óleos vegetais, e consequentemente para a produção de biodiesel, muitas culturas ainda

não possuem plantios comerciais, nem cadeia produtiva organizada como a da soja. Além

disso, os óleos vegetais possuem outros tipos de uso que podem acabar sendo mais

rentáveis que o da produção de biodiesel. O óleo de palma é um exemplo. As barreiras

econômicas relativas aos seus outros usos finais apresentam altos custos de oportunidade e

dificultam seu uso para a produção de biodiesel. O mesmo acontece com o óleo de mamona

que, além de ter um mercado (cosmético e farmacêutico) muito mais rentável, ainda

apresenta dificuldades técnicas (viscosidade acima da exigida) e propriedades químicas que

interferem na reação da produção de biodiesel.

Outra possibilidade é a utilização dos óleos residuais de fritura para a produção de

biodiesel. Entretanto, por ser um óleo de baixa qualidade e possuir muitos resíduos

deixados pela fritura, é necessário tratá-lo antes de ser utilizado como matéria-prima – o que

incorre em custos adicionais no processo de transformação.

A literatura mostra que o impacto ambiental decorrente da produção de biodiesel no

Brasil tem um lado negativo, em que altas produções podem aumentar as emissões de CO2

e de outros gases de efeito estufa provenientes da agricultura (pelo uso de fertilizantes e

mudanças diretas e indiretas no uso do solo), bem como um lado positivo, caracterizado

pela redução de CO2 quando da substituição do diesel fóssil pelo biodiesel.

Portanto, diante das análises consideradas neste trabalho, e aqui apresentadas,

observa-se que o PNPB ainda tem um longo caminho a percorrer. Apesar de alguns

benefícios atribuídos ao programa, algumas questões devem ser consideradas para que o

biodiesel se torne definitivamente sustentável no Brasil; dentre elas, a discrepância entre os

objetivos inicialmente propostos pelo governo e os resultados alcançados até hoje, como a

baixa inserção social, a carência de matérias-primas alternativas à soja e à gordura animal,

além do baixo impacto no desenvolvimento regional.

As barreiras ainda encontradas demonstram a necessidade de mudanças nas

estratégias adotadas, considerando a utilização de novas tecnologias e o aprimoramento

das existentes, além da inserção da agricultura familiar, sobretudo nas regiões Norte e

Nordeste, e do incentivo às matérias-primas alternativas de menor impacto ambiental.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANP – Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Boletim Mensal

do Biodiesel (abril). Rio de Janeiro: ANP, 2015.

CASA CIVIL. Política de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12805.htm. Brasília, 2013.

CENBIO – Universidade de São Paulo. Relatório de Atividades. Projeto de geração de

energia elétrica a partir de óleo de mamona em Quixeramobim, Ceará. São Paulo, 2004.

CENBIO – Universidade de São Paulo. Relatório Final. Projeto BIOACV - Comparação

da ACV de Biodiesel Produzido a partir de Óleo de Soja e Gordura Bovina via Rotas Metílica

e Etílica (CNPq nº 558733/2010-7). São Paulo, 2013.

CESAR, A.S.; BATALHA, M.O. Biodiesel production from castor oil in Brazil: a difficult

reality. Energy Policy 2010;38:4031–9.

EPE – Empresa de Pesquisa Energética. Plano Decenal de Expansão de Energia

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GARCEZ, C.A.G.; VIANNA, J.N.S. Brazilian Biodiesel Policy: Social and Environmental

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