Produção Espaço - Lefebvre
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A PRODUÇÃO DESIGUAL DO ESPAÇO URBANO: consideraçõessobre a Política Habitacional de Interesse Social no município
de Parnamirim/RN
Maria Cristina Pereira de Paiva Ferreira
Mestranda do PPGE/[email protected]
Resumo
A Cidade, tal qual conhecemos nos dias atuais, é produto da sociedade capitalista, que ao sereproduzir imprime no espaço geográfico a desigualdade que é inerente a esse modo de produção. Partindo dessa compreensão, é possível afirmar, portanto, que a casa passa a ter umvalor que não está mais relacionado apenas ao seu uso, enquanto abrigo e local de convivência,mas sim ao seu valor de troca, assumindo a qualidade de mercadoria, passando a ter um novosignificado, que por sua vez, varia de acordo com os interesses de quem produz o espaçourbano. Nessa perspectiva, este artigo tem como principal objetivo, compreender o processo de produção desigual do espaço urbano, a partir da abordagem Lefebvreana, considerando os principais aspectos da Política Habitacional de Interesse Social do município deParnamirim/RN.
Palavras-chave: Produção do espaço, Política Habitacional, Direito à moradia.
Referências
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CARLOS. Ana Fani Alessandri. A (re) produção do espaço. São Paulo: Edusp, 1994.
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HARVEY, D. A justiça social e a cidade. São Paulo: Hucitec, 1980.
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Observatório das Metrópoles GEHAU/DARQ - UFRN 2008.
RODRIGUES, Arlete Moysés. Moradia nas cidades brasileiras. São Paulo: Contexto, 1989.
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Introdução
O processo de produção do espaço é uma temática bastante complexa,
principalmente no que diz respeito à abordagem Lefebvreana. Nesse sentido, o presente
artigo encontra-se organizado seguindo alguns pontos importantes para a nossacompreensão.
Inicialmente buscaremos discutir um pouco sobre a dialética do espaço enquanto
produtor e produto das desigualdades socioespaciais, enfatizando o conceito de
produção do espaço na perspectiva de Lefebvre, e os principais estudiosos dessa teoria
no âmbito da Geografia urbana brasileira. Destacaremos ainda as ações e estratégias
empreendidas pelos agentes e sujeitos produtores do espaço urbano, sublinhando as
principais estratégias utilizadas pelos mesmos, na configuração do espaço da Cidade,entendida como lócus da acumulação do capital.
De forma mais especifica, trataremos da produção capitalista da casa, elucidando
os conceitos referentes ao valor de uso e valor de troca do solo urbano, bem como,
mostrando como a casa adquire a qualidade de mercadoria, no contexto de acumulação
do capital.
E, por último, discutiremos os principais aspectos da Política habitacional de
interesse social do município de Parnamirim/RN, identificando os instrumentos
elencados para a possível minimização dos problemas de acesso à moradia pela
população de baixa renda.
Espaço, produtor e produto da desigualdade socioespacial
Entender o processo de produção e reprodução do espaço é condição
imprescindível para compreender o objeto de estudo da ciência geográfica. Por isso, ter
o conhecimento a respeito de quem produz esse espaço, como ele está sendo apropriadoe usado, e ainda, saber como esse processo ocorre na prática, é prerrogativa básica e
pré-requisito importante para identificar, por conseguinte os principais motivos pelos
quais esse mesmo espaço torna-se o locus da desigualdade.
Adentrando nessa discussão, torna-se importante que resgatemos o seu
substrato teórico-conceitual, que possui sua origem nas proposições do filósofo Henri
Lefebvre. Para esse autor, o Espaço é um produto social. Entretanto, não se trata de um
“produto” insignificante, uma coisa ou um objeto, mas sim, um conjunto de relações, possuindo assim um significado específico, compreendido da seguinte forma: “O espaço
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não pode mais ser concebido como passivo, vazio ou então, como os „produtos‟, não
tendo outro sentido senão o de ser trocado, o de ser consumido, o de desaparecer”
(LEFEBVRE, 2000, p. 5).
Nesse ponto, podemos notar uma transcendência na própria compreensão do
espaço, isto é, o autor abdica de uma visão estática ou vazia do espaço, para considerá-lo enquanto agente de sua própria produção. Isso se dá na medida em que não é mais
passivo de ações desenvolvidas sobre o seu substrato físico, mas agente produtor das
relações das quais se origina.
As relações sociais merecem, nesse contexto, um destaque singular, visto que é
por meio delas que podemos falar realmente em um processo de produção que engloba
posteriormente um modo de produção específico por meio do qual as sociedades são
reguladas. Em nosso caso, estamos nos referindo especificamente ao modo de produçãocapitalista. Portanto, o desenvolvimento das relações nesse modo de produção permitem
a troca e o consumo do espaço, conforme ressaltamos na citação anterior.
Segundo Lefebvre, o modo de produção organiza e produz ao mesmo tempo
seu espaço e seu tempo, sendo essa a forma como ele se realiza. Esse mesmo autor
considera ainda que o modo de produção projeta certas relações no terreno, o qual reage
sobre elas, sem que haja correspondência exata, definida de antemão, entre as relações
sociais e as relações espaciais (ou espaço-temporais). O que implica dizer que ao se
desenvolver no espaço, o modo de produção não premedita as repercussões que trará às
relações já existentes.
Esse ponto de vista enfatiza a necessidade de entender essas relações
historicamente, observando não apenas o momento que esse modo de produção se
instala, mas o conjunto de fatores preexistentes, uma vez que esses interferirão nas
relações do novo modo de produção. É possível dizer então que o modo de produção
modela e remodela o espaço já existente, mas também, que o espaço configurado em um
momento histórico anterior é condicionante de novas práticas que nele se estabelecerão.
As interações existentes entre o modo de produção e o espaço nos revelam
justamente que a ideia do espaço enquanto mero “receptáculo” foi superada. Embora
ainda seja visto como terreno na concepção Lefebvreana, fica claro que esse terreno não
é inerte, mas reage as intervenções relacionadas ao modo de produção. Contudo, a
relação entre espaço e meio de produção, deve ser vista como complexa, pois não se
limita a produção de bens, em si, mas perpassa inúmeras dimensões de forma
simultânea.
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A complexidade dessa relação dá-se pelo fato de o próprio espaço está contido
no processo produtivo, o que não é convencional. Segundo Lefebvre (2000, p. 5),
[...] O espaço entra nas forças produtivas, na divisão do trabalho, ele
tem relações com a propriedade [...] com as trocas, com asinstituições, a cultura, o saber. Ele se vende, se compra, ele tem valorde troca e valor de uso. Assim sendo, ele não se situa a tal ou tais„níveis‟, „planos‟ classicamente distinguidos e hierarquizados. [...] Oespaço se forma, intervém ora a alguns „níveis‟ ora a outros. Ora notrabalho, ora nas relações de dominação (de propriedade), ora nofuncionamento das superestruturas (instituições). Portanto,desigualmente, mas por toda a parte. A produção do espaço não seria„dominante‟ no modo de produção, mas religaria os aspectos da prática coordenando-os, reunindo-os, precisamente, numa „prática‟.
Esse modo de pensar demonstra a “supremacia” do espaço, digamos assim, noque diz respeito, as relações estabelecidas nele e por meio dele. Essa ideia pode ser
claramente identificada na abordagem Lefebvreana, visto que para o referido autor, o
espaço não se situa em um dos níveis ou planos de forma hierarquizada, mas sim, em
diversos níveis, isto é, em toda a parte, o que nos remonta à concepção do espaço
enquanto totalidade, objeto de estudo da ciência geográfica.
A reunião de todas as ideias vistas até agora, nos retrata a dialética do espaço,
contida nas ações de quem o produz, da maneira como ele é produzido e ainda, nosmecanismos que o próprio espaço utiliza como produtor, através do meio de produção
dominante.
Essa dialética é entendida por Lefebvre (2000), enquanto produto, por
interação ou retroação, o espaço intervém na própria produção: organização do trabalho
produtivo, transportes, fluxos de matérias-primas e de energias, redes de repartição de
produtos. À sua maneira, o espaço (mal ou bem organizado) entra nas relações de
produção e nas forças produtivas. Seu conceito não pode, portanto, ser isolado e
permanecer estático. Ele se dialetiza; produto-produtor, suporte de relações econômicas
e sociais.
As contribuições do pensamento de Lefebvre para o estudo do espaço geográfico:
breves considerações
Ao refletir sobre as contribuições do pensamento de Lefebvre para o estudo do
espaço urbano devemos considerar inicialmente, a conotação que a ideia de produção
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adquire para a Geografia Urbana, especificamente para a compreensão da produção do
espaço urbano.
Fazendo alusão as contribuições desse filósofo para a ciência geográfica,
Carlos (2011) argumenta que a noção de produção, na perspectiva analisada por Marx e
Lefebvre, permite reconstituir o movimento do conhecimento geográfico, a partir damaterialidade incontestável do espaço, para buscar os conteúdos mais profundos da
realidade social em descoberta dos sujeitos e suas obras.
Partindo dessa afirmação, evidencia-se uma das contribuições fundamentais da
obra desses autores para o pensamento geográfico: a materialidade espacial utilizada
para a análise da realidade social. Empregada para este fim, a materialidade nos permite
identificar o movimento das relações sociais e assim desvendar os sujeitos e as obras,
citadas anteriormente.Sabemos que o espaço geográfico é indiscutivelmente o espaço social, por isso,
a noção de produção ganha respaldo quando vinculada a maneira como o homem,
vivendo em sociedade, produz e reproduz esse espaço, sendo esse um processo
contínuo.
Sobre isso enfatiza Carlos (2011, p. 62),
[...] Do ponto de vista da Geografia, poderíamos afirmar que a noção
de produção se vincula à produção do homem, às condições de vida dasociedade em sua multiplicidade de aspectos, e como é por eladeterminado. Aponta ainda para o movimento de reprodução eevidencia a perspectiva da compreensão de uma totalidade maisampla, que não se restringe apenas ao plano econômico, abrindo-se para o entendimento da sociedade em seu movimento, o que muda ostermos da análise espacial. Assim, a noção de produção estáarticulada, inexoravelmente, àquela de reprodução das relações sociaislatu sensu – o que ocorre num determinado tempo e lugar, em escalasvariáveis.
Além da ênfase dada à produção do homem, enxergamos ainda outro aspectorelevante na reflexão dessa autora, de modo especial no que se refere ao movimento da
reprodução da sociedade visto como uma totalidade, rompendo com o pensamento de
que a produção vinculava-se apenas ao aspecto econômico, passando a enxergar os
demais agentes responsáveis pela dinâmica de produção social como um todo.
É preciso, pois elucidar outro ponto nessa reflexão, no tocante ao movimento
da sociedade, pois dele emergem dois processos: o de produção e reprodução. Esses, por
sua vez, fundamentam-se na concepção de espaço enquanto produto social e histórico.Devem ser entendidos da seguinte forma, conforme nos indica Carlos (1994, p. 34):
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“Enquanto o primeiro se refere ao processo específico, o segundo considera a
acumulação do capital através da sua reprodução, permitindo apreender a divisão do
trabalho em seu movimento”.
O reproduzir permite a continuidade do processo, tornando-o diretamente
relacionado à dinâmica da vida social. Remete-nos ainda a dinâmica da acumulaçãocapitalista, fonte de contradições e conflitos reproduzidos no espaço e a partir dele.
Apesar da relação intrínseca entre espaço e capital, devemos ressaltar que a produção do
espaço é anterior a esse modo de produção, tendo sua origem a partir da interação
homem-natureza.
Todavia, é o capital que rege a nossa atual sociedade. Por meio dele o Brasil
urbano estruturou-se e adquiriu a morfologia de um país de contrastes, onde a paisagem
urbana é reveladora de uma verdadeira luta de classes, tornando a cidadelocus
da produção e acumulação do capital.
Mas, quem são esses agentes produtores do espaço? É preciso identificá-los e
conhecê-los para entender como a prática de cada um produz um espaço marcado pela
desigualdade.
A cidade e a reprodução desigual do espaço urbano: agentes e estratégias
A nossa compreensão a cerca da produção desigual do espaço urbano perpassa
necessariamente pela identificação dos agentes ou sujeitos, bem como pela definição
das ações empreendidas por cada um na totalidade da prática socioespacial.
Antes, porém, é preciso explanar sobre o que é o espaço urbano e o que é a
cidade. Com esse intuito, Carlos (1994) esclarece que o espaço urbano aparece como
concentração através da cidade, e que esta, por sua vez, é uma das condições históricas
necessárias ao seu aparecimento, transcendendo a esfera econômica.
Na mesma vertente de pensamento, a referida autora esclarece que o urbano
também transcende a ideia da mera concentração do processo produtivo por si,
representando, sobretudo, as determinações sociais, políticas ideológicas, jurídicas que
se articulam na totalidade da formação econômica e social. Assim sendo, o urbano é um
modo de vida, pois perpassa todas as dimensões da reprodução da vida humana na
sociedade.
O espaço urbano é então uma abstração, isto é, um processo que envolve a
reprodução do capital por meio de relações contraditórias que se materializam nacidade. Dessa maneira, a cidade além de representar uma determinada forma do
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processo de produção e reprodução de um sistema específico, é também uma forma de
apropriação do espaço urbano produzido. Pode ser definida ainda como condição e meio
para a instituição das relações sociais (CARLOS, 1994).
Corroborando com essa concepção, Corrêa (1989) define o espaço urbano como
fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos ecampo de lutas, constituído por diversos usos da terra, sendo a desigualdade uma
característica própria desse processo. Os diferentes usos se refletem em formas
espaciais, que existem em detrimento das atividades que estão vinculadas aos interesses
distintos da sociedade. Desse modo, as formas espaciais são socialmente produzidas por
agentes sociais concretos.
Passemos agora a identificação de quem produz esse espaço contraditório e
essencialmente desigual, pautado na reprodução das relações capitalistas. Na visão deCorrêa (1989) são cinco os grupos que atuam como agentes sociais que produzem e
consomem o espaço urbano. São eles: os proprietários dos meios de produção, os
proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais
excluídos.
As funções são distintas e bem definidas, merecendo atenção especial alguns
pontos que norteiam suas ações e estratégias. Primeiramente devemos considerar que a
ação desses agentes se faz dentro de um marco jurídico que regula a atuação deles. No
entanto, esse marco não é neutro, estando, pois, subordinado aos interesses dominantes
de um dos agentes. Em segundo lugar, devemos ressaltar que embora existam diferentes
estratégias e conflitos entre eles, existe um denominador comum que os une: a
apropriação de uma renda da terra. Em terceiro lugar, Corrêa (1989) destaca que a
tipologia apresentada pela ação de cada agente é de natureza analítica, mais do que
absoluta, isto é, os agentes podem se integrar direta ou indiretamente para especular,
financiar e administrar, o que omite aparentemente os conflitos existentes entre eles. Por
último, esse autor faz uma observação importante, mostrando que a as estratégias
adotadas por esses agentes variam no tempo e no espaço, em virtude de causas externas
e de contradições inerentes ao movimento geral de acumulação capitalista.
Detenhamo-nos a essas estratégias, fazendo um recorte das ações que se
sobressaem no tocante à apropriação do solo urbano, conforme nos mostra o esquema a
seguir:
└ Proprietários dos meios de produção: necessitam de terrenos amplos e
baratos que satisfaçam requisitos locacionais pertinentes às atividades de
suas empresas.
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└ Proprietários fundiários: atuam no sentido de obterem a maior renda
fundiária de suas propriedades, interessa-lhes o valor de troca da terra e
não o valor de uso.
└ Promotores imobiliários: realizam parcial ou totalmente as seguintes
operações: incorporação; financiamento; estudo técnico; construção ou produção física do imóvel e comercialização ou transformação do
capital-mercadoria em capital-dinheiro, acrescido de lucros.
└ Estado: atuam diretamente como grande industrial, consumidor de
espaço e de localizações específicas, proprietário fundiário e promotor
imobiliário, sem deixar de ser também um agente de regulação do uso do
solo e o alvo dos chamados movimentos sociais urbanos.
└ Grupos sociais excluídos: excluídos socialmente, não possuem o mesmoacesso a bens e serviços como as classes superiores, restando-lhes
produzir seu próprio espaço, como forma de resistência e estratégia de
sobrevivência.
A concepção defendida por Corrêa (1989) nos permite identificar que as
estratégias e ações desses agentes no contexto da sociedade capitalista são
determinantes para a configuração do espaço urbano tal qual o conhecemos, carregando
em sua formação uma herança de conflitos e desigualdades.
Do ponto de vista de Carlos (2011), a produção do espaço deve considerar os
“sujeitos da produção”, visão que colabora com a concepção apresentada anteriormente,
visto que caminham na mesma direção, ao mesmo tempo em que apresenta alguns
elementos distintos. Segundo essa autora a produção do espaço possui sujeitos da ação,
são eles:
O Estado, a quem cabe à dominação política; o capital, com suasestratégias objetivando sua reprodução continuada (e aqui nosreferimos às frações do capital, o industrial, o comercial e o financeiroe suas articulações com os demais setores da economia, como omercado imobiliário); os sujeitos sociais que, em suas necessidades eseus desejos vinculados à realização da vida humana, têm o espaçocomo condição, meio e produto de sua ação. Esses níveiscorrespondem àqueles da prática sócio-espacial real (objetiva esubjetivamente) que ganha sentido como produtora dos lugares,encerrando em sua natureza um conteúdo social dado pelas relaçõessociais que se realiza num espaço-tempo determinado, como um
processo de produção, apropriação, reprodução da vida, da realidade edo espaço em seus descompassos, portanto fundamentalmente em suascontradições.
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A compreensão direcionada à prática socioespacial dominada por sujeitos
produtores do espaço nos parece mais completa, principalmente no que se refere aos
sujeitos sociais, englobando todos os níveis de realização da vida humana. No estudo de
Corrêa (1989) percebemos uma lacuna, quanto à inserção da classe média, por exemplo,visto que o autor se refere apenas aos grupos sociais excluídos.
Todavia, a compreensão de Corrêa nos permite maior profundidade de estudo
do uso do solo urbano, identificando os pormenores da ação de cada agente produtor e
traçando com objetividade as estratégias por eles utilizadas para a troca e consumo do
espaço. Dessa maneira, elegemos aspectos de ambas as partes, tendo como base o
entendimento de que ambos os autores fundamentam-se na teoria de produção do
espaço.
Um desses aspectos diz respeito à interpretação da ação do Estado como um
agente e sujeito dominante na produção do espaço, merecendo destaque, pois atua em
parceria com os demais agentes ou sujeitos, sendo a sua prática fundamental para a
configuração de um espaço urbano cada vez mais desigual.
A produção da habitação sob a ótica da teoria do uso do solo urbano
As ações e estratégias dos principais agentes e/ou sujeitos produtores do espaço
urbano nos levam a enxergar com maior nitidez os processos reprodutores de
desigualdade socioespaciais, de forma especifica no que se refere à apropriação e uso
desigual do solo urbano.
Nesse contexto, a teoria marxista do uso do solo urbano, que parte da
diferenciação entre o valor de uso e o valor de troca, nos dá o suporte necessário para
entender mais especificamente, os mecanismos pelos quais a habitação torna-se, assim
como a terra, uma mercadoria de acesso limitado.
Segundo a compreensão marxista, o valor de uso serve diretamente como meio
de existência e realiza-se no processo de consumo. O valor de troca, por sua vez, é
originado no processo social de aplicação de trabalho socialmente necessário aos
objetos da natureza para criar objetos materiais (mercadorias) apropriados pelo consumo
(uso) pelo homem.
Elucidando esses conceitos é preciso entender como eles atuam no contexto da
produção capitalista, sobre isso nos esclarece Harvey (1989, p. 133):
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A mercadoria é um valor de uso, mas como mercadoria, ela em sisimultaneamente não é valor de uso. Não seria mercadoria se fossevalor de uso para seu possuidor; isto é, meio direto para a satisfaçãode suas próprias necessidades. Para seu possuidor é, ao contrário, nãovalor de uso, que é meramente o depositário físico do valor de trocaou simplesmente meio de troca. O valor de uso como ativo portadordo valor de troca torna-se meio de troca. A mercadoria é valor de uso
para seu possuidor somente na medida em que é valor de troca. [...] Atécnica de Marx, aqui, é colocar o valor de uso e o valor de troca emrelação dialética entre si através da forma que eles assumem namercadoria.
Na sociedade capitalista, o solo é tido como mercadoria, possuindo então, valor
de uso e valor de troca. Porém, não se trata de qualquer mercadoria, adquirindo
características especiais. De acordo com Harvey (1989), devemos considerar seus
aspectos: o solo tem localização fixa; não podemos existir sem ocupar espaço; por ter
um alto custo, exige um pesado investimento de capital fixo, “mudando de mãos” com
pouca frequência; sob a propriedade de algum indivíduo possui ao mesmo tempo valor
de uso atual e futuro, permitindo a acumulação de riqueza; a troca no mercado ocorre
num momento, mas o uso estende-se por um período de tempo; possui diferentes e
numerosos usos.
Nessa mesma vertente, Rodrigues (1989) nos explica que a terra é uma
mercadoria “sui generis”, não é produto do trabalho, não pode ser reproduzida, não se
consome e tem seu preço constantemente elevado, e por mais “velha” que fique nunca
se deteriora. Todavia, no processo de reprodução do capital, a terra é uma mercadoria
que tem preço, que é vendida no mercado, e que não é reproduzível, ou seja, tem um
preço que independe de sua produção.
O preço da terra, especificamente o da terra urbana, ao contrário das outras
mercadorias, não é definido pelo valor da produção, mas sim, pelas regras de
valorização do capital em geral, pela produção social, dessa forma, todos os cidadãos
contribuem para esta produção, seja, pelo pagamento direto ou indireto de taxas eimpostos, seja pela produção de sua casa na cidade (RODRIGUES, 1989). Assim
sendo, por possuir um preço determinado pela regulação do mercado imobiliário, a terra
não é acessível a todos, sendo adquirida somente por meio da compra. Isso significa,
portanto, que quem não possui renda suficiente, não tem acesso a terra.
Um dos determinantes da renda da terra é o fator locacional, de tal maneira que
terrenos de mesmas dimensões e características possuem preços diferenciados
dependendo de sua localização na cidade. Outro fator que determina o preço do solo
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urbano diz respeito à presença de infraestrutura urbana, bem como de equipamentos de
consumos coletivos.
Esses aspectos são facilmente identificados no que diz respeito à habitação
social, tendo em vista que na maioria das vezes os programas habitacionais, destinados
a “atender” essa parcela da população, acabam por encaminhá-la para as áreas menosdotadas desses equipamentos urbanos, marcadas por uma acessibilidade restrita às
diversas áreas da cidade, intensificando o processo desigualdade socioespacial.
Partindo do fato de que a habitação é um bem necessário à sobrevivência do
homem no espaço, o Estado deve atuar exatamente na garantia desse direito a todos os
cidadãos. Todavia, sabemos que assim como o direito de morar, o direito à propriedade
também é garantido por meio de nossas legislações, o que outorga a dialética existente
na atuação do Estado capitalista.Os programas habitacionais, principalmente àqueles que visam à garantia de
habitação popular agem, sobretudo, na perspectiva ideológica, é nesse sentido, que a
política de habitação de interesse social interfere.
A Habitação de Interesse Social no contexto da Política Nacional de Habitação
A Política Nacional de Habitação como bem nos esclarece Siqueira (2006),
tem como principal instrumento o Sistema Nacional de Habitação (SNH), este é
composto por uma instância de gestão e controle, articulada e integrada pelo Ministério
das Cidades, pelo Conselho das Cidades, pelo Conselho Gestor do Fundo Nacional de
Habitação de Interesse Social, pelos Conselhos Estaduais, do Distrito Federal e
Municipais, pelo Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e pelos
Fundos Estaduais e Municipais de Habitação de Interesse Social (FEHIS e FMHIS).
Integram, ainda, o Sistema Nacional de Habitação uma rede de agentes financeiros.
Além da instância de gestão e controle, o Sistema Nacional de Habitação possui dois subsistemas: o Subsistema de Habitação de Interesse Social (SHIS) e o
Subsistema de Habitação de Mercado (SHM), que objetivam segregar as fontes de
recursos para viabilizar o acesso à moradia digna, às diferentes demandas e perfil do
déficit.
O Subsistema de Habitação de Interesse Social (SHIS) tem como principal
objetivo garantir que os recursos públicos sejam destinados exclusivamente a subsidiar
a população de mais baixa renda, na qual se concentra a maior parte do déficithabitacional brasileiro.
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Já o Subsistema de Habitação de Mercado (SHM) tem como objetivo
reorganizar o mercado privado da habitação, tanto na ampliação das formas de captação
de recursos quanto no estímulo à inclusão dos novos agentes, facilitando a promoção
imobiliária, de modo que ele possa contribuir para atender significativa parcela da
população que hoje está sendo atendida por recursos subsidiados.Segundo o Ministério das Cidades, o atendimento da demanda habitacional
pelos dois subsistemas levará em conta a significativa diversidade regional brasileira,
considerando tanto os custos de produção da moradia quanto o poder de pagamento da
população demandante. Para tanto, serão definidas faixas de atendimento de acordo com
a capacidade de pagamento das famílias beneficiárias e o custo dos financiamentos das
diferentes fontes, atuando os dois subsistemas de forma complementar, o que
possibilitará o atendimento das diferentes realidades e, desse modo, alcançar o objetivode universalização proposto pela Política Nacional de Habitação (Cadernos
MCIDADES Habitação, Ministério das Cidades, 2006).
Sendo assim, a habitação de interesse social pode ser entendida como uma
tentativa, de por meio da estratificação social em faixas de renda, atender aquela
população mais necessitada.
A necessidade de promover uma política de habitação social trata-se de uma
iniciativa setorizada e de curto prazo de execução, no entanto, o que está no cerne da
questão é o problema de acesso dos cidadãos a própria cidade, isto é, o acesso desigual,
que divide a população em classes, sendo uma parcela pobre, denominada
contraditoriamente de interesse social, o que em hipótese alguma promove a solução
eficaz do problema da falta de moradia, e de uma forma mais ampla, também não
promove uma cidade acessível para os seus cidadãos.
Considerações a respeito da Política Habitacional de Interesse Social no município
de Parnamirim/RN
A habitação é contemplada no título III que trata das diretrizes setoriais,
capítulo II da Lei Municipal nº 1.058/2000, no Plano Diretor Municipal. Nesse sentido,
o art. 38 dispõe sobre o Plano de Desenvolvimento de Programas de Interesse Social
que assume o objetivo de assegurar o direito à moradia no município a partir das
seguintes diretrizes:
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I – reconhecer, no planejamento do Município, as favelas ou conjuntosde habitações subnormais e loteamentos irregulares, implantados antesdesta Lei, como Áreas Especiais de Interesse Social, priorizando programas ou projetos de recuperação ambiental e regularizaçãofundiária com aplicação dos recursos do Fundo Municipal deUrbanização e Conservação Ambiental;II - discriminar as Áreas de Interesse Social como porções especiais
do território do Município, definindo parâmetros específicos deocupação, para implementação de projetos de alcance social,ambiental e urbanístico;III - identificar as situações de calamidade pública ou eventos que possam afetar núcleos residenciais, possibilitando a adoção demedidas emergenciais ou mitigadoras, utilizando recursos públicos oudo Fundo Municipal de Urbanização e Conservação Ambiental;IV – estabelecer programas de assentamento de população de baixarenda com a aplicação dos mecanismos definidos no Título I destaLei.
A respeito desse artigo, o PHIS propõe que durante a revisão do Plano DiretorMunicipal que acontece no corrente ano, seja substituído o Plano de Desenvolvimento
de Programas de Interesse Social que consta atualmente no art. 38, pelo Plano de
Habitação de Interesse Social. Segundo o PHIS essa é inclusive, umas das exigências da
Lei Federal nº 11.124/2005.
Na sequência, o art. 39 dispõe sobre as ações a serem empreendidas pelo Plano
de Desenvolvimento de Programas Habitacionais, apresentando os seguintes objetivos:
I - delimitar as áreas sujeitas aos programas e projetos de interessesocial para utilização dos recursos do Fundo Municipal deUrbanização e Conservação Ambiental;II - definir as áreas de aplicação do imposto progressivo, parcelamentoe desapropriação compulsória, para efetivação da política de provimento de habitação de interesse social;III – definir os padrões de aproveitamento do solo a serem adotadosnos projetos de parcelamento e habitação de interesse social;IV – definir os critérios para tratamento das Áreas de Interesse Social;V – definir os critérios para a participação da iniciativa privada em
programas de interesse social;VI – definir as prioridades de atendimento das comunidades a seremincluídas nos programas de interesse social;VII – instituir banco de dados e critérios para cadastramento eatendimento da população em programas de interesse social;VIII – estabelecer os padrões de concessão dos direitos de uso e possea serem empregados nos programas de interesse social;IX – estabelecer restrição à concessão de habitação de interesse social, por mais de uma vez, a uma mesma família.
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Sobre esse artigo, o PHIS ressalta a necessidade de uma revisão, adequando-o
ao Plano Municipal de Interesse Social, detendo-se, por exemplo, sobre o Sistema
Municipal de Habitação de Interesse Social (SHIS).
O SHIS, por sua vez, foi criado para atender à hierarquia na demanda de
recursos para a construção de moradias para a população de baixa renda, foi instituído por meio da Lei Complementar Nº 032/2009, foram criados por esta ocasião o Conselho
Municipal de Interesse Social – CMHIS, e o Fundo Municipal de Interesse Social –
FMHIS. No entanto, como vimos anteriormente e conforme o texto da lei
Complementar, a habitação de interesse social já estava prevista desde a instituição da
lei do plano diretor no ano 2000.
No capítulo I da referida Lei Complementar, constam como meta a
implementação da Política de Habitação de Interesse Social no município, a fim deatender aos seguintes objetivos:
I- viabilizar e promover o acesso à moradia urbana para a populaçãode interesse social;II – articular, compatibilizar, acompanhar, fiscalizar e apoiar a atuaçãodos órgãos e entidades que desempenham funções no campo damoradia de interesse social;III – promover a regularização fundiária e urbanística nos termos daLei Federal nº. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e legislaçãocorrelata;
IV – garantir recursos em caráter permanente para o financiamento de programas e projetos de moradia para população de interesse social noMunicípio de Parnamirim;V – contribuir para o planejamento, a médio e longo prazos, com vistasà erradicação das necessidades habitacionais no Município deParnamirim;VI – garantir à população do Município de Parnamirim o acesso àhabitação digna e adequada, com equidade, em assentamentoshumanos seguros, salubres, sustentáveis e produtivos;VII – promover e viabilizar, com equidade, o acesso e as condições de permanência na habitação.
O artigo 1º faz saber que a população de interesse social é aquela com renda
familiar mensal de zero a três salários mínimos, esclarecendo por meio do artigo 2º que
o SMHIS poderá atender à população com renda familiar de três a seis salários mínimos
no caso de projetos habitacionais ou ações governamentais destinadas a essa faixa de
renda.
A elaboração do PHIS, prevista na Lei complementar e efetivada no ano de
2008, como abordamos anteriormente, é eleito um dos primeiros passos para a
promoção da política pública de habitação municipal, que por meio da identificação das
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8/19/2019 Produção Espaço - Lefebvre
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áreas de interesse social visa à promoção do acesso à moradia pela população mais
pobre, sobretudo, o acesso à moradia digna e adequada, como nos mostram os objetivos
pontuados no capítulo I da Lei Complementar Nº 032/2009.
Todavia, precisamos nos questionar, confrontar e investigar esses objetivos
com a realidade existente, analisando até que ponto a política habitacional de interessesocial promove de fato o acesso à moradia digna, ou regulamenta por meio de novos
instrumentos a reprodução das desigualdades socioespaciais no município em questão.
Considerações Finais
O acesso desigual à moradia é um problema histórico que merece atenção
especial, sobretudo no que diz respeito à compreensão dos processos que dinamizam eatualizam os mecanismos de exclusão e segregação socioespacial em nossa sociedade.
A abordagem Lefebvreana nos dá suporte para entender o processo de produção
do espaço geográfico, ao mesmo tempo em que fundamenta a nossa concepção a
respeito da forma desigual de como esse espaço é produzido.
Todavia, se faz necessário um esforço cada vez maior, na tentativa de enxergar
como esses elementos teóricos podem ser estudados na realidade empírica dos
acontecimentos em diferentes escalas. Este artigo consiste, portanto, numa dessas
tentativas, e por isso, não pretende esgotar a questão abordada, mas ao contrário,
proporcionar a discussão e continuidade por meio de trabalhos e pesquisas posteriores.