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     A PRODUÇÃO DESIGUAL DO ESPAÇO URBANO: consideraçõessobre a Política Habitacional de Interesse Social no município

    de Parnamirim/RN 

    Maria Cristina Pereira de Paiva Ferreira

    Mestranda do PPGE/[email protected]

    Resumo

    A Cidade, tal qual conhecemos nos dias atuais, é produto da sociedade capitalista, que ao sereproduzir imprime no espaço geográfico a desigualdade que é inerente a esse modo de produção. Partindo dessa compreensão, é possível afirmar, portanto, que a casa passa a ter umvalor que não está mais relacionado apenas ao seu uso, enquanto abrigo e local de convivência,mas sim ao seu valor de troca, assumindo a qualidade de mercadoria, passando a ter um novosignificado, que por sua vez, varia de acordo com os interesses de quem produz o espaçourbano. Nessa perspectiva, este artigo tem como principal objetivo, compreender o processo de produção desigual do espaço urbano, a partir da abordagem Lefebvreana, considerando os principais aspectos da Política Habitacional de Interesse Social do município deParnamirim/RN.

    Palavras-chave: Produção do espaço, Política Habitacional, Direito à moradia.

    Referências

    BRASIL. Ministério das Cidades. Política Nacional de Habitação, 2004. Disponível em:www.cidades.gov.br. Acesso em: março de 2011.

    CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989.

    CARLOS. Ana Fani Alessandri. A (re) produção do espaço. São Paulo: Edusp, 1994.

     ______. Da “organização” à “produção” do espaço no movimento do pensamento geográfico.In: ______; SOUZA, Marcelo Lopes de; Sposito, Maria Encarnação Beltrão (orgs.). AProdução do espaço urbano: agentes e processos, escalas e desafios . São Paulo: Contexto,2011.

    HARVEY, D. A justiça social e a cidade. São Paulo: Hucitec, 1980.

     _______. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2007.

    LEFEBVRE, Henri. A produção do espaço. Tradução: Grupo "As (im) possibilidades dourbano na metrópole contemporânea, do Núcleo de Geografia Urbana da UFMG (do original:La production de l'espace. 4ª ed. Paris: Editions Anthropos, 2000). Primeira versão: início - fev.2006.

    MARICATO, Ermínia (org.) A produção capitalista da casa e da cidade no Brasilindustrial. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1982.

    PREFEITURA MUNICIPAL DE PARNAMIRIM/RN. Plano de Habitação de InteresseSocial para o município de Parnamirim. Cálculo das Necessidades Habitacionais. Natal:

    Observatório das Metrópoles GEHAU/DARQ - UFRN 2008.

    RODRIGUES, Arlete Moysés. Moradia nas cidades brasileiras. São Paulo: Contexto, 1989.

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    Introdução

    O processo de produção do espaço é uma temática bastante complexa,

     principalmente no que diz respeito à abordagem Lefebvreana. Nesse sentido, o presente

    artigo encontra-se organizado seguindo alguns pontos importantes para a nossacompreensão.

    Inicialmente buscaremos discutir um pouco sobre a dialética do espaço enquanto

     produtor e produto das desigualdades socioespaciais, enfatizando o conceito de

     produção do espaço na perspectiva de Lefebvre, e os principais estudiosos dessa teoria

    no âmbito da Geografia urbana brasileira. Destacaremos ainda as ações e estratégias

    empreendidas pelos agentes e sujeitos produtores do espaço urbano, sublinhando as

     principais estratégias utilizadas pelos mesmos, na configuração do espaço da Cidade,entendida como lócus da acumulação do capital.

    De forma mais especifica, trataremos da produção capitalista da casa, elucidando

    os conceitos referentes ao valor de uso e valor de troca do solo urbano, bem como,

    mostrando como a casa adquire a qualidade de mercadoria, no contexto de acumulação

    do capital.

    E, por último, discutiremos os principais aspectos da Política habitacional de

    interesse social do município de Parnamirim/RN, identificando os instrumentos

    elencados para a possível minimização dos problemas de acesso à moradia pela

     população de baixa renda.

    Espaço, produtor e produto da desigualdade socioespacial

    Entender o processo de produção e reprodução do espaço é condição

    imprescindível para compreender o objeto de estudo da ciência geográfica. Por isso, ter

    o conhecimento a respeito de quem produz esse espaço, como ele está sendo apropriadoe usado, e ainda, saber como esse processo ocorre na prática, é prerrogativa básica e

     pré-requisito importante para identificar, por conseguinte os principais motivos pelos

    quais esse mesmo espaço torna-se o locus da desigualdade.

    Adentrando nessa discussão, torna-se importante que resgatemos o seu

    substrato teórico-conceitual, que possui sua origem nas proposições do filósofo Henri

    Lefebvre. Para esse autor, o Espaço é um produto social. Entretanto, não se trata de um

    “produto” insignificante, uma coisa ou um objeto, mas sim, um conjunto de relações, possuindo assim um significado específico, compreendido da seguinte forma: “O espaço

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    não pode mais ser concebido como passivo, vazio ou então, como os „produtos‟, não

    tendo outro sentido senão o de ser trocado, o de ser consumido, o de desaparecer”

    (LEFEBVRE, 2000, p. 5). 

     Nesse ponto, podemos notar uma transcendência na própria compreensão do

    espaço, isto é, o autor abdica de uma visão estática ou vazia do espaço, para considerá-lo enquanto agente de sua própria produção. Isso se dá na medida em que não é mais

     passivo de ações desenvolvidas sobre o seu substrato físico, mas agente produtor das

    relações das quais se origina.

    As relações sociais merecem, nesse contexto, um destaque singular, visto que é

     por meio delas que podemos falar realmente em um processo de produção que engloba

     posteriormente um modo de produção específico por meio do qual as sociedades são

    reguladas. Em nosso caso, estamos nos referindo especificamente ao modo de produçãocapitalista. Portanto, o desenvolvimento das relações nesse modo de produção permitem

    a troca e o consumo do espaço, conforme ressaltamos na citação anterior.

    Segundo Lefebvre, o modo de produção organiza e produz ao mesmo tempo

    seu espaço e seu tempo, sendo essa a forma como ele se realiza. Esse mesmo autor

    considera ainda que o modo de produção projeta certas relações no terreno, o qual reage

    sobre elas, sem que haja correspondência exata, definida de antemão, entre as relações

    sociais e as relações espaciais (ou espaço-temporais). O que implica dizer que ao se

    desenvolver no espaço, o modo de produção não premedita as repercussões que trará às

    relações já existentes.

    Esse ponto de vista enfatiza a necessidade de entender essas relações

    historicamente, observando não apenas o momento que esse modo de produção se

    instala, mas o conjunto de fatores preexistentes, uma vez que esses interferirão nas

    relações do novo modo de produção. É possível dizer então que o modo de produção

    modela e remodela o espaço já existente, mas também, que o espaço configurado em um

    momento histórico anterior é condicionante de novas práticas que nele se estabelecerão.

    As interações existentes entre o modo de produção e o espaço nos revelam

     justamente que a ideia do espaço enquanto mero “receptáculo” foi superada. Embora

    ainda seja visto como terreno na concepção Lefebvreana, fica claro que esse terreno não

    é inerte, mas reage as intervenções relacionadas ao modo de produção. Contudo, a

    relação entre espaço e meio de produção, deve ser vista como complexa, pois não se

    limita a produção de bens, em si, mas perpassa inúmeras dimensões de forma

    simultânea.

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    A complexidade dessa relação dá-se pelo fato de o próprio espaço está contido

    no processo produtivo, o que não é convencional. Segundo Lefebvre (2000, p. 5),

    [...] O espaço entra nas forças produtivas, na divisão do trabalho, ele

    tem relações com a propriedade [...] com as trocas, com asinstituições, a cultura, o saber. Ele se vende, se compra, ele tem valorde troca e valor de uso. Assim sendo, ele não se situa a tal ou tais„níveis‟, „planos‟ classicamente distinguidos e hierarquizados. [...] Oespaço se forma, intervém ora a alguns „níveis‟ ora a outros. Ora notrabalho, ora nas relações de dominação (de propriedade), ora nofuncionamento das superestruturas (instituições). Portanto,desigualmente, mas por toda a parte. A produção do espaço não seria„dominante‟ no modo de produção, mas religaria os aspectos da prática coordenando-os, reunindo-os, precisamente, numa „prática‟. 

    Esse modo de pensar demonstra a “supremacia” do espaço, digamos assim, noque diz respeito, as relações estabelecidas nele e por meio dele. Essa ideia pode ser

    claramente identificada na abordagem Lefebvreana, visto que para o referido autor, o

    espaço não se situa em um dos níveis ou planos de forma hierarquizada, mas sim, em

    diversos níveis, isto é, em toda a parte, o que nos remonta à concepção do espaço

    enquanto totalidade, objeto de estudo da ciência geográfica.

    A reunião de todas as ideias vistas até agora, nos retrata a dialética do espaço,

    contida nas ações de quem o produz, da maneira como ele é produzido e ainda, nosmecanismos que o próprio espaço utiliza como produtor, através do meio de produção

    dominante.

    Essa dialética é entendida por Lefebvre (2000), enquanto produto, por

    interação ou retroação, o espaço intervém na própria produção: organização do trabalho

     produtivo, transportes, fluxos de matérias-primas e de energias, redes de repartição de

     produtos. À sua maneira, o espaço (mal ou bem organizado) entra nas relações de

     produção e nas forças produtivas. Seu conceito não pode, portanto, ser isolado e

     permanecer estático. Ele se dialetiza; produto-produtor, suporte de relações econômicas

    e sociais.

    As contribuições do pensamento de Lefebvre para o estudo do espaço geográfico:

    breves considerações

    Ao refletir sobre as contribuições do pensamento de Lefebvre para o estudo do

    espaço urbano devemos considerar inicialmente, a conotação que a ideia de produção

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    adquire para a Geografia Urbana, especificamente para a compreensão da produção do

    espaço urbano.

    Fazendo alusão as contribuições desse filósofo para a ciência geográfica,

    Carlos (2011) argumenta que a noção de produção, na perspectiva analisada por Marx e

    Lefebvre, permite reconstituir o movimento do conhecimento geográfico, a partir damaterialidade incontestável do espaço, para buscar os conteúdos mais profundos da

    realidade social em descoberta dos sujeitos e suas obras.

    Partindo dessa afirmação, evidencia-se uma das contribuições fundamentais da

    obra desses autores para o pensamento geográfico: a materialidade espacial utilizada

     para a análise da realidade social. Empregada para este fim, a materialidade nos permite

    identificar o movimento das relações sociais e assim desvendar os sujeitos e as obras,

    citadas anteriormente.Sabemos que o espaço geográfico é indiscutivelmente o espaço social, por isso,

    a noção de produção ganha respaldo quando vinculada a maneira como o homem,

    vivendo em sociedade, produz e reproduz esse espaço, sendo esse um processo

    contínuo.

    Sobre isso enfatiza Carlos (2011, p. 62),

    [...] Do ponto de vista da Geografia, poderíamos afirmar que a noção

    de produção se vincula à produção do homem, às condições de vida dasociedade em sua multiplicidade de aspectos, e como é por eladeterminado. Aponta ainda para o movimento de reprodução eevidencia a perspectiva da compreensão de uma totalidade maisampla, que não se restringe apenas ao plano econômico, abrindo-se para o entendimento da sociedade em seu movimento, o que muda ostermos da análise espacial. Assim, a noção de produção estáarticulada, inexoravelmente, àquela de reprodução das relações sociaislatu sensu –  o que ocorre num determinado tempo e lugar, em escalasvariáveis.

    Além da ênfase dada à produção do homem, enxergamos ainda outro aspectorelevante na reflexão dessa autora, de modo especial no que se refere ao movimento da

    reprodução da sociedade visto como uma totalidade, rompendo com o pensamento de

    que a produção vinculava-se apenas ao aspecto econômico, passando a enxergar os

    demais agentes responsáveis pela dinâmica de produção social como um todo.

    É preciso, pois elucidar outro ponto nessa reflexão, no tocante ao movimento

    da sociedade, pois dele emergem dois processos: o de produção e reprodução. Esses, por

    sua vez, fundamentam-se na concepção de espaço enquanto produto social e histórico.Devem ser entendidos da seguinte forma, conforme nos indica Carlos (1994, p. 34):

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    “Enquanto o primeiro se refere ao processo  específico, o segundo considera a

    acumulação do capital através da sua reprodução, permitindo apreender a divisão do

    trabalho em seu movimento”.

    O reproduzir permite a continuidade do processo, tornando-o diretamente

    relacionado à dinâmica da vida social. Remete-nos ainda a dinâmica da acumulaçãocapitalista, fonte de contradições e conflitos reproduzidos no espaço e a partir dele.

    Apesar da relação intrínseca entre espaço e capital, devemos ressaltar que a produção do

    espaço é anterior a esse modo de produção, tendo sua origem a partir da interação

    homem-natureza.

    Todavia, é o capital que rege a nossa atual sociedade. Por meio dele o Brasil

    urbano estruturou-se e adquiriu a morfologia de um país de contrastes, onde a paisagem

    urbana é reveladora de uma verdadeira luta de classes, tornando a cidadelocus

      da produção e acumulação do capital.

    Mas, quem são esses agentes produtores do espaço? É preciso identificá-los e

    conhecê-los para entender como a prática de cada um produz um espaço marcado pela

    desigualdade.

    A cidade e a reprodução desigual do espaço urbano: agentes e estratégias

    A nossa compreensão a cerca da produção desigual do espaço urbano perpassa

    necessariamente pela identificação dos agentes ou sujeitos, bem como pela definição

    das ações empreendidas por cada um na totalidade da prática socioespacial.

    Antes, porém, é preciso explanar sobre o que é o espaço urbano e o que é a

    cidade. Com esse intuito, Carlos (1994) esclarece que o espaço urbano aparece como

    concentração através da cidade, e que esta, por sua vez, é uma das condições históricas

    necessárias ao seu aparecimento, transcendendo a esfera econômica.

     Na mesma vertente de pensamento, a referida autora esclarece que o urbano

    também transcende a ideia da mera concentração do processo produtivo por si,

    representando, sobretudo, as determinações sociais, políticas ideológicas, jurídicas que

    se articulam na totalidade da formação econômica e social. Assim sendo, o urbano é um

    modo de vida, pois perpassa todas as dimensões da reprodução da vida humana na

    sociedade.

    O espaço urbano é então uma abstração, isto é, um processo que envolve a

    reprodução do capital por meio de relações contraditórias que se materializam nacidade. Dessa maneira, a cidade além de representar uma determinada forma do

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     processo de produção e reprodução de um sistema específico, é também uma forma de

    apropriação do espaço urbano produzido. Pode ser definida ainda como condição e meio

     para a instituição das relações sociais (CARLOS, 1994).

    Corroborando com essa concepção, Corrêa (1989) define o espaço urbano como

    fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos ecampo de lutas, constituído por diversos usos da terra, sendo a desigualdade uma

    característica própria desse processo. Os diferentes usos se refletem em formas

    espaciais, que existem em detrimento das atividades que estão vinculadas aos interesses

    distintos da sociedade. Desse modo, as formas espaciais são socialmente produzidas por

    agentes sociais concretos.

    Passemos agora a identificação de quem produz esse espaço contraditório e

    essencialmente desigual, pautado na reprodução das relações capitalistas. Na visão deCorrêa (1989) são cinco os grupos que atuam como agentes sociais que produzem e

    consomem o espaço urbano. São eles: os proprietários dos meios de produção, os

     proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais

    excluídos.

    As funções são distintas e bem definidas, merecendo atenção especial alguns

     pontos que norteiam suas ações e estratégias. Primeiramente devemos considerar que a

    ação desses agentes se faz dentro de um marco jurídico que regula a atuação deles. No

    entanto, esse marco não é neutro, estando, pois, subordinado aos interesses dominantes

    de um dos agentes. Em segundo lugar, devemos ressaltar que embora existam diferentes

    estratégias e conflitos entre eles, existe um denominador comum que os une: a  

    apropriação de uma renda da terra. Em terceiro lugar, Corrêa (1989) destaca que a

    tipologia apresentada pela ação de cada agente é de natureza analítica, mais do que

    absoluta, isto é, os agentes podem se integrar direta ou indiretamente para especular,

    financiar e administrar, o que omite aparentemente os conflitos existentes entre eles. Por

    último, esse autor faz uma observação importante, mostrando que a as estratégias

    adotadas por esses agentes variam no tempo e no espaço, em virtude de causas externas

    e de contradições inerentes ao movimento geral de acumulação capitalista.

    Detenhamo-nos a essas estratégias, fazendo um recorte das ações que se

    sobressaem no tocante à apropriação do solo urbano, conforme nos mostra o esquema a

    seguir:

    └  Proprietários dos meios de produção: necessitam de terrenos amplos e

     baratos que satisfaçam requisitos locacionais pertinentes às atividades de

    suas empresas.

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    └  Proprietários fundiários: atuam no sentido de obterem a maior renda

    fundiária de suas propriedades, interessa-lhes o valor de troca da terra e

    não o valor de uso.

    └  Promotores imobiliários: realizam parcial ou totalmente as seguintes

    operações: incorporação; financiamento; estudo técnico; construção ou produção física do imóvel e comercialização ou transformação do

    capital-mercadoria em capital-dinheiro, acrescido de lucros.

    └  Estado: atuam diretamente como grande industrial, consumidor de

    espaço e de localizações específicas, proprietário fundiário e promotor

    imobiliário, sem deixar de ser também um agente de regulação do uso do

    solo e o alvo dos chamados movimentos sociais urbanos.

    └ Grupos sociais excluídos: excluídos socialmente, não possuem o mesmoacesso a bens e serviços como as classes superiores, restando-lhes

     produzir seu próprio espaço, como forma de resistência e estratégia de

    sobrevivência.

    A concepção defendida por Corrêa (1989) nos permite identificar que as

    estratégias e ações desses agentes no contexto da sociedade capitalista são

    determinantes para a configuração do espaço urbano tal qual o conhecemos, carregando

    em sua formação uma herança de conflitos e desigualdades.

    Do ponto de vista de Carlos (2011), a produção do espaço deve considerar os

    “sujeitos da produção”, visão que colabora com a concepção apresentada anteriormente,

    visto que caminham na mesma direção, ao mesmo tempo em que apresenta alguns

    elementos distintos. Segundo essa autora a produção do espaço possui sujeitos da ação,

    são eles:

    O Estado, a quem cabe à dominação política; o capital, com suasestratégias objetivando sua reprodução continuada (e aqui nosreferimos às frações do capital, o industrial, o comercial e o financeiroe suas articulações com os demais setores da economia, como omercado imobiliário); os sujeitos sociais que, em suas necessidades eseus desejos vinculados à realização da vida humana, têm o espaçocomo condição, meio e produto de sua ação. Esses níveiscorrespondem àqueles da prática sócio-espacial real (objetiva esubjetivamente) que ganha sentido como produtora dos lugares,encerrando em sua natureza um conteúdo social dado pelas relaçõessociais que se realiza num espaço-tempo determinado, como um

     processo de produção, apropriação, reprodução da vida, da realidade edo espaço em seus descompassos, portanto fundamentalmente em suascontradições.

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    A compreensão direcionada à prática socioespacial dominada por sujeitos

     produtores do espaço nos parece mais completa, principalmente no que se refere aos

    sujeitos sociais, englobando todos os níveis de realização da vida humana. No estudo de

    Corrêa (1989) percebemos uma lacuna, quanto à inserção da classe média, por exemplo,visto que o autor se refere apenas aos grupos sociais excluídos.

    Todavia, a compreensão de Corrêa nos permite maior profundidade de estudo

    do uso do solo urbano, identificando os pormenores da ação de cada agente produtor e

    traçando com objetividade as estratégias por eles utilizadas para a troca e consumo do

    espaço. Dessa maneira, elegemos aspectos de ambas as partes, tendo como base o

    entendimento de que ambos os autores fundamentam-se na teoria de produção do

    espaço.

    Um desses aspectos diz respeito à interpretação da ação do Estado como um

    agente e sujeito dominante na produção do espaço, merecendo destaque, pois atua em

     parceria com os demais agentes ou sujeitos, sendo a sua prática fundamental para a

    configuração de um espaço urbano cada vez mais desigual.

    A produção da habitação sob a ótica da teoria do uso do solo urbano

    As ações e estratégias dos principais agentes e/ou sujeitos produtores do espaço

    urbano nos levam a enxergar com maior nitidez os processos reprodutores de

    desigualdade socioespaciais, de forma especifica no que se refere à apropriação e uso

    desigual do solo urbano.

     Nesse contexto, a teoria marxista do uso do solo urbano, que parte da

    diferenciação entre o valor de uso e o valor de troca, nos dá o suporte necessário para

    entender mais especificamente, os mecanismos pelos quais a habitação torna-se, assim

    como a terra, uma mercadoria de acesso limitado.

    Segundo a compreensão marxista, o valor de uso serve diretamente como meio

    de existência e realiza-se no processo de consumo. O valor de troca, por sua vez, é

    originado no processo social de aplicação de trabalho socialmente necessário aos

    objetos da natureza para criar objetos materiais (mercadorias) apropriados pelo consumo

    (uso) pelo homem.

    Elucidando esses conceitos é preciso entender como eles atuam no contexto da

     produção capitalista, sobre isso nos esclarece Harvey (1989, p. 133):

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    A mercadoria é um valor de uso, mas como mercadoria, ela em sisimultaneamente não é valor de uso. Não seria mercadoria se fossevalor de uso para seu possuidor; isto é, meio direto para a satisfaçãode suas próprias necessidades. Para seu possuidor é, ao contrário, nãovalor de uso, que é meramente o depositário físico do valor de trocaou simplesmente meio de troca. O valor de uso como ativo portadordo valor de troca torna-se meio de troca. A mercadoria é valor de uso

     para seu possuidor somente na medida em que é valor de troca. [...] Atécnica de Marx, aqui, é colocar o valor de uso e o valor de troca emrelação dialética entre si através da forma que eles assumem namercadoria.

     Na sociedade capitalista, o solo é tido como mercadoria, possuindo então, valor

    de uso e valor de troca. Porém, não se trata de qualquer mercadoria, adquirindo

    características especiais. De acordo com Harvey (1989), devemos considerar seus

    aspectos: o solo tem localização fixa; não podemos existir sem ocupar espaço; por ter

    um alto custo, exige um pesado investimento de capital fixo, “mudando de mãos” com

     pouca frequência; sob a propriedade de algum indivíduo possui ao mesmo tempo valor

    de uso atual e futuro, permitindo a acumulação de riqueza; a troca no mercado ocorre

    num momento, mas o uso estende-se por um período de tempo; possui diferentes e

    numerosos usos.

     Nessa mesma vertente, Rodrigues (1989) nos explica que a terra é uma

    mercadoria “sui generis”, não é produto do trabalho, não pode ser reproduzida, não se

    consome e tem seu preço constantemente elevado, e por mais “velha” que fique nunca

    se deteriora. Todavia, no processo de reprodução do capital, a terra é uma mercadoria

    que tem preço, que é vendida no mercado, e que não é reproduzível, ou seja, tem um

     preço que independe de sua produção.

    O preço da terra, especificamente o da terra urbana, ao contrário das outras

    mercadorias, não é definido pelo valor da produção, mas sim, pelas regras de

    valorização do capital em geral, pela produção social, dessa forma, todos os cidadãos

    contribuem para esta produção, seja, pelo pagamento direto ou indireto de taxas eimpostos, seja pela produção de sua casa na cidade  (RODRIGUES, 1989). Assim

    sendo, por possuir um preço determinado pela regulação do mercado imobiliário, a terra

    não é acessível a todos, sendo adquirida somente por meio da compra. Isso significa,

     portanto, que quem não possui renda suficiente, não tem acesso a terra.

    Um dos determinantes da renda da terra é o fator locacional, de tal maneira que

    terrenos de mesmas dimensões e características possuem preços diferenciados

    dependendo de sua localização na cidade. Outro fator que determina o preço do solo

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    urbano diz respeito à presença de infraestrutura urbana, bem como de equipamentos de

    consumos coletivos.

    Esses aspectos são facilmente identificados no que diz respeito à habitação

    social, tendo em vista que na maioria das vezes os programas habitacionais, destinados

    a “atender” essa parcela da população, acabam por encaminhá-la para as áreas menosdotadas desses equipamentos urbanos, marcadas por uma acessibilidade restrita às

    diversas áreas da cidade, intensificando o processo desigualdade socioespacial.

    Partindo do fato de que a habitação é um bem necessário à sobrevivência do

    homem no espaço, o Estado deve atuar exatamente na garantia desse direito a todos os

    cidadãos. Todavia, sabemos que assim como o direito de morar, o direito à propriedade

    também é garantido por meio de nossas legislações, o que outorga a dialética existente

    na atuação do Estado capitalista.Os programas habitacionais, principalmente àqueles que visam à garantia de

    habitação popular agem, sobretudo, na perspectiva ideológica, é nesse sentido, que a

     política de habitação de interesse social interfere.

    A Habitação de Interesse Social no contexto da Política Nacional de Habitação

    A Política Nacional de Habitação como bem nos esclarece Siqueira (2006),

    tem como principal instrumento o Sistema Nacional de Habitação (SNH), este é

    composto por uma instância de gestão e controle, articulada e integrada pelo Ministério

    das Cidades, pelo Conselho das Cidades, pelo Conselho Gestor do Fundo Nacional de

    Habitação de Interesse Social, pelos Conselhos Estaduais, do Distrito Federal e

    Municipais, pelo Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e pelos

    Fundos Estaduais e Municipais de Habitação de Interesse Social (FEHIS e FMHIS).

    Integram, ainda, o Sistema Nacional de Habitação uma rede de agentes financeiros.

    Além da instância de gestão e controle, o Sistema Nacional de Habitação possui dois subsistemas: o Subsistema de Habitação de Interesse Social (SHIS) e o

    Subsistema de Habitação de Mercado (SHM), que objetivam segregar as fontes de

    recursos para viabilizar o acesso à moradia digna, às diferentes demandas e perfil do

    déficit.

    O Subsistema de Habitação de Interesse Social (SHIS) tem como principal

    objetivo garantir que os recursos públicos sejam destinados exclusivamente a subsidiar

    a população de mais baixa renda, na qual se concentra a maior parte do déficithabitacional brasileiro.

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    Já o Subsistema de Habitação de Mercado (SHM) tem como objetivo

    reorganizar o mercado privado da habitação, tanto na ampliação das formas de captação

    de recursos quanto no estímulo à inclusão dos novos agentes, facilitando a promoção

    imobiliária, de modo que ele possa contribuir para atender significativa parcela da

     população que hoje está sendo atendida por recursos subsidiados.Segundo o Ministério das Cidades, o atendimento da demanda habitacional

     pelos dois subsistemas levará em conta a significativa diversidade regional brasileira,

    considerando tanto os custos de produção da moradia quanto o poder de pagamento da

     população demandante. Para tanto, serão definidas faixas de atendimento de acordo com

    a capacidade de pagamento das famílias beneficiárias e o custo dos financiamentos das

    diferentes fontes, atuando os dois subsistemas de forma complementar, o que

     possibilitará o atendimento das diferentes realidades e, desse modo, alcançar o objetivode universalização proposto pela Política Nacional de Habitação (Cadernos

    MCIDADES Habitação, Ministério das Cidades, 2006).

    Sendo assim, a habitação de interesse social pode ser entendida como uma

    tentativa, de por meio da estratificação social em faixas de renda, atender aquela

     população mais necessitada.

    A necessidade de promover uma política de habitação social trata-se de uma

    iniciativa setorizada e de curto prazo de execução, no entanto, o que está no cerne da

    questão é o problema de acesso dos cidadãos a própria cidade, isto é, o acesso desigual,

    que divide a população em classes, sendo uma parcela pobre, denominada

    contraditoriamente de interesse social, o que em hipótese alguma promove a solução

    eficaz do problema da falta de moradia, e de uma forma mais ampla, também não

     promove uma cidade acessível para os seus cidadãos.

    Considerações a respeito da Política Habitacional de Interesse Social no município

    de Parnamirim/RN

    A habitação é contemplada no título III que trata das diretrizes setoriais,

    capítulo II da Lei Municipal nº 1.058/2000, no Plano Diretor Municipal. Nesse sentido,

    o art. 38 dispõe sobre o Plano de Desenvolvimento de Programas de Interesse Social

    que assume o objetivo de assegurar o direito à moradia no município a partir das

    seguintes diretrizes:

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    I –  reconhecer, no planejamento do Município, as favelas ou conjuntosde habitações subnormais e loteamentos irregulares, implantados antesdesta Lei, como Áreas Especiais de Interesse Social, priorizando programas ou projetos de recuperação ambiental e regularizaçãofundiária com aplicação dos recursos do Fundo Municipal deUrbanização e Conservação Ambiental;II - discriminar as Áreas de Interesse Social como porções especiais

    do território do Município, definindo parâmetros específicos deocupação, para implementação de projetos de alcance social,ambiental e urbanístico;III - identificar as situações de calamidade pública ou eventos que possam afetar núcleos residenciais, possibilitando a adoção demedidas emergenciais ou mitigadoras, utilizando recursos públicos oudo Fundo Municipal de Urbanização e Conservação Ambiental;IV  –   estabelecer programas de assentamento de população de baixarenda com a aplicação dos mecanismos definidos no Título I destaLei.

    A respeito desse artigo, o PHIS propõe que durante a revisão do Plano DiretorMunicipal que acontece no corrente ano, seja substituído o Plano de Desenvolvimento

    de Programas de Interesse Social que consta atualmente no art. 38, pelo Plano de

    Habitação de Interesse Social. Segundo o PHIS essa é inclusive, umas das exigências da

    Lei Federal nº 11.124/2005.

     Na sequência, o art. 39 dispõe sobre as ações a serem empreendidas pelo Plano

    de Desenvolvimento de Programas Habitacionais, apresentando os seguintes objetivos:

    I - delimitar as áreas sujeitas aos programas e projetos de interessesocial para utilização dos recursos do Fundo Municipal deUrbanização e Conservação Ambiental;II - definir as áreas de aplicação do imposto progressivo, parcelamentoe desapropriação compulsória, para efetivação da política de provimento de habitação de interesse social;III  –  definir os padrões de aproveitamento do solo a serem adotadosnos projetos de parcelamento e habitação de interesse social;IV –  definir os critérios para tratamento das Áreas de Interesse Social;V  –   definir os critérios para a participação da iniciativa privada em

     programas de interesse social;VI –  definir as prioridades de atendimento das comunidades a seremincluídas nos programas de interesse social;VII  –   instituir banco de dados e critérios para cadastramento eatendimento da população em programas de interesse social;VIII –  estabelecer os padrões de concessão dos direitos de uso e possea serem empregados nos programas de interesse social;IX –  estabelecer restrição à concessão de habitação de interesse social, por mais de uma vez, a uma mesma família.

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    Sobre esse artigo, o PHIS ressalta a necessidade de uma revisão, adequando-o

    ao Plano Municipal de Interesse Social, detendo-se, por exemplo, sobre o Sistema

    Municipal de Habitação de Interesse Social (SHIS).

    O SHIS, por sua vez, foi criado para atender à hierarquia na demanda de

    recursos para a construção de moradias para a população de baixa renda, foi instituído por meio da Lei Complementar Nº 032/2009, foram criados por esta ocasião o Conselho

    Municipal de Interesse Social  –   CMHIS, e o Fundo Municipal de Interesse Social  –  

    FMHIS. No entanto, como vimos anteriormente e conforme o texto da lei

    Complementar, a habitação de interesse social já estava prevista desde a instituição da

    lei do plano diretor no ano 2000.

     No capítulo I da referida Lei Complementar, constam como meta a

    implementação da Política de Habitação de Interesse Social no município, a fim deatender aos seguintes objetivos:

    I- viabilizar e promover o acesso à moradia urbana para a populaçãode interesse social;II –  articular, compatibilizar, acompanhar, fiscalizar e apoiar a atuaçãodos órgãos e entidades que desempenham funções no campo damoradia de interesse social;III  –  promover a regularização fundiária e urbanística nos termos daLei Federal nº. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e legislaçãocorrelata;

    IV –  garantir recursos em caráter permanente para o financiamento de programas e projetos de moradia para população de interesse social noMunicípio de Parnamirim;V –  contribuir para o planejamento, a médio e longo prazos, com vistasà erradicação das necessidades habitacionais no Município deParnamirim;VI –   garantir à população do Município de Parnamirim o acesso àhabitação digna e adequada, com equidade, em assentamentoshumanos seguros, salubres, sustentáveis e produtivos;VII –  promover e viabilizar, com equidade, o acesso e as condições de permanência na habitação.

    O artigo 1º faz saber que a população de interesse social é aquela com renda

    familiar mensal de zero a três salários mínimos, esclarecendo por meio do artigo 2º que

    o SMHIS poderá atender à população com renda familiar de três a seis salários mínimos

    no caso de projetos habitacionais ou ações governamentais destinadas a essa faixa de

    renda.

    A elaboração do PHIS, prevista na Lei complementar e efetivada no ano de

    2008, como abordamos anteriormente, é eleito um dos primeiros passos para a

     promoção da política pública de habitação municipal, que por meio da identificação das

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    áreas de interesse social visa à promoção do acesso à moradia pela população mais

     pobre, sobretudo, o acesso à moradia digna e adequada, como nos mostram os objetivos

     pontuados no capítulo I da Lei Complementar Nº 032/2009.

    Todavia, precisamos nos questionar, confrontar e investigar esses objetivos

    com a realidade existente, analisando até que ponto a política habitacional de interessesocial promove de fato o acesso à moradia digna, ou regulamenta por meio de novos

    instrumentos a reprodução das desigualdades socioespaciais no município em questão.

    Considerações Finais

    O acesso desigual à moradia é um problema histórico que merece atenção

    especial, sobretudo no que diz respeito à compreensão dos processos que dinamizam eatualizam os mecanismos de exclusão e segregação socioespacial em nossa sociedade.

    A abordagem Lefebvreana nos dá suporte para entender o processo de produção

    do espaço geográfico, ao mesmo tempo em que fundamenta a nossa concepção a

    respeito da forma desigual de como esse espaço é produzido.

    Todavia, se faz necessário um esforço cada vez maior, na tentativa de enxergar

    como esses elementos teóricos podem ser estudados na realidade empírica dos

    acontecimentos em diferentes escalas. Este artigo consiste, portanto, numa dessas

    tentativas, e por isso, não pretende esgotar a questão abordada, mas ao contrário,

     proporcionar a discussão e continuidade por meio de trabalhos e pesquisas posteriores.