PRODUÇÃO MUSICAL MASHUP! · frutas musical, utilizando mais de 100 ar-tistas diferentes,...

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PRODUÇÃO MUSICAL 40 www.backstage.com.br Ticiano Paludo é produtor musical, publicitário, músico, compositor e soundesigner. Leciona Áudio Publicitário e Atendimento na FAMECOS - Faculdade dos Meios de Comunicação Social (PUC/RS) e Arranjo e Produção Musical Nível III no IGAP - Instituto Gaúcho de Áudio Profissional. http://www.pontowav.com.br/hotsite/ MASHUP! oltando ao tema em questão, o primeiro contato que tive com esse conceito foi por meio de um artigo que li na web falando sobre um tal de DJ Danger Mouse. Este “rato perigoso” fez uma coisa interessantíssima: recortou fragmentos sonoros dos álbuns Black Album (do rapper JAY-Z) e do White Album (dos Beatles) e misturou essas so- noridades antagônicas. Resultado? Criou o que chamou de Grey Album (ou seja, misturando o álbum preto do Jay-Z com o álbum branco dos Beatles, temos o álbum cinza do DJ Danger Mouse). Tudo bem até aí. Num primeiro momento, seria como produzir vários remixes e colocá-los num álbum, digamos, conceitual. Seria? Veremos a seguir que não é bem assim. Passado algum tempo do meu contato com o Grey Album, me caiu na mão outra obra curiosa (e muito divertida, por sinal): novamente tomando os Beatles como ponto de partida; eis que surge Revolved, um ál- bum mashup do histórico Revolver (1966). Só que dessa vez quem assina a produção é um tal de CCC (sim, isso mesmo, apenas uma sigla com 3 C’s repetidos). Nesse caso, foram utilizados fragmentos do próprio Re- volver e de outras bandas (como The Cure e Portishead, por exemplo). Quem é CCC? Se você souber, me conte! E esse anonimato? Qual o motivo? Já chegamos lá... Partindo para um terceiro e último exemplo, li uma matéria sobre os mashups na revista gaúcha VOID. Na referida ma- téria, o destaque era um DJ e produtor que assina com o nome de Girl Talk. O álbum chamava-se Night Ripper (2007). Esse cara fez uma verdadeira salada-de- MASHUP! No mês passado, falei sobre o remix. Conforme havia prometido, em fevereiro o nosso papo é sobre os mashups. De todos esses conceitos ‘modernosos’, o mashup é o meu preferido. Quem nos apresentou (eu e o mashup) foi a Dra. em cibercultura, pesquisadora, DJ – e grande amiga – Adriana Amaral. Aliás, palmas para a Adriana, pois muitas das inovações que apresento nessa coluna surgem de papos iluminados que tenho com ela, uma das pessoas mais antenadas que conheço V frutas musical, utilizando mais de 100 ar- tistas diferentes, inseridos na obra por meio de colagens sonoras diversas. Ele uti- lizou artistas consagrados (como o Black Eyed Peas, exemplificando) e outros nem tão conhecidos assim. Algumas interfe- rências são perfeitamente identificáveis. Outras fundem-se ao todo. Agora que você já está um pouco mais familiarizado com essa loucura toda, vamos ao conceito em si: diferente de um remix (que, conforme vimos na coluna anterior, seria uma roupa nova para a música a partir de um fonograma original utilizado na íntegra ou de forma parcial, extraindo os recortes de mixes abertas ou fechadas), o mashup nada mais é do que uma colagem sonora livre, produzido utilizando uma infinidade de amostras de diferentes fonogramas e ar- tistas para se gerar não uma nova roupa- gem, mas sim uma nova faixa. Sabe aquela colcha de retalhos que a sua tia gostava de costurar? Pois é, aquilo é um mashup (claro, não musical!). Parece novidade mas não é. Recente- mente constatei (por uma série de leituras que tenho feito e em minhas pesquisas para a dissertação de mestrado que estou escrevendo) que, seja na música concreta da primeira metade do século XX, ou em obras da contra-cultura – como Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967) Diferente de um remix, o mashup nada mais é do que uma colagem sonora livre, produzido utilizando uma infinidade de amostras de diferentes fonogramas e artistas

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PRODUÇÃO MUSICAL

40 www.backstage.com.br

Ticiano Paludo é produtor musical, publicitário,

músico, compositor e soundesigner. Leciona

Áudio Publicitário e Atendimento na FAMECOS -

Faculdade dos Meios de Comunicação Social

(PUC/RS) e Arranjo e Produção Musical Nível III no

IGAP - Instituto Gaúcho de Áudio Profissional.

http://www.pontowav.com.br/hotsite/

MASHUP!oltando ao tema em questão, oprimeiro contato que tive comesse conceito foi por meio de um

artigo que li na web falando sobre um talde DJ Danger Mouse. Este “rato perigoso”fez uma coisa interessantíssima: recortoufragmentos sonoros dos álbuns BlackAlbum (do rapper JAY-Z) e do WhiteAlbum (dos Beatles) e misturou essas so-noridades antagônicas. Resultado? Criouo que chamou de Grey Album (ou seja,misturando o álbum preto do Jay-Z com oálbum branco dos Beatles, temos o álbumcinza do DJ Danger Mouse). Tudo bematé aí. Num primeiro momento, seriacomo produzir vários remixes e colocá-losnum álbum, digamos, conceitual. Seria?Veremos a seguir que não é bem assim.

Passado algum tempo do meu contatocom o Grey Album, me caiu na mão outraobra curiosa (e muito divertida, por sinal):novamente tomando os Beatles como pontode partida; eis que surge Revolved, um ál-bum mashup do histórico Revolver (1966).Só que dessa vez quem assina a produção éum tal de CCC (sim, isso mesmo, apenasuma sigla com 3 C’s repetidos). Nesse caso,foram utilizados fragmentos do próprio Re-volver e de outras bandas (como The Cure ePortishead, por exemplo). Quem é CCC? Sevocê souber, me conte! E esse anonimato?Qual o motivo? Já chegamos lá...

Partindo para um terceiro e últimoexemplo, li uma matéria sobre os mashupsna revista gaúcha VOID. Na referida ma-téria, o destaque era um DJ e produtorque assina com o nome de Girl Talk. Oálbum chamava-se Night Ripper (2007).Esse cara fez uma verdadeira salada-de-

MASHUP!No mês passado, faleisobre o remix.Conforme haviaprometido, em fevereiroo nosso papo é sobreos mashups. De todosesses conceitos‘modernosos’, omashup é o meupreferido. Quem nosapresentou (eu e omashup) foi a Dra. emcibercultura,pesquisadora, DJ – egrande amiga – AdrianaAmaral. Aliás, palmaspara a Adriana, poismuitas das inovaçõesque apresento nessacoluna surgem depapos iluminados quetenho com ela, uma daspessoas maisantenadas que conheço

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frutas musical, utilizando mais de 100 ar-tistas diferentes, inseridos na obra pormeio de colagens sonoras diversas. Ele uti-lizou artistas consagrados (como o BlackEyed Peas, exemplificando) e outros nemtão conhecidos assim. Algumas interfe-rências são perfeitamente identificáveis.Outras fundem-se ao todo.

Agora que você já está um poucomais familiarizado com essa loucuratoda, vamos ao conceito em si: diferentede um remix (que, conforme vimos nacoluna anterior, seria uma roupa novapara a música a partir de um fonogramaoriginal utilizado na íntegra ou de formaparcial, extraindo os recortes de mixesabertas ou fechadas), o mashup nadamais é do que uma colagem sonora livre,produzido utilizando uma infinidade deamostras de diferentes fonogramas e ar-tistas para se gerar não uma nova roupa-gem, mas sim uma nova faixa. Sabeaquela colcha de retalhos que a sua tiagostava de costurar? Pois é, aquilo é ummashup (claro, não musical!).

Parece novidade mas não é. Recente-mente constatei (por uma série de leiturasque tenho feito e em minhas pesquisaspara a dissertação de mestrado que estouescrevendo) que, seja na música concretada primeira metade do século XX, ou emobras da contra-cultura – como Sgt.Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967)

Diferente de um remix,o mashup nada mais édo que uma colagem

sonora livre, produzidoutilizando uma

infinidade de amostrasde diferentes

fonogramas e artistas

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dos Beatles, esse caráter pós-moderno de recorte e colagem já existia.A diferença é que isso era feito com tesoura e cola de verdade, e nãocom CTRL C + CTRL V. Na verdade, essa técnica só não havia sidobatizada com o nome de mashup, mas sua essência já existia e se faziapresente em diversas obras fonográficas. Paul McCartney foi um dosprimeiros artistas pop a brincar desse modo, produzindo seus própriosloops analógicos em fita rolo. Essa constatação nos mostra o quão di-

fícil é criar algo inovador atualmente. Mesmo aquilo que julgamosnovidade já havia sido explorado anteriormente (e há bastante tem-po). Talvez a grande novidade seja encarar sem medo que a técnicado mashup é um recurso interessante para fugir das obviedades. Con-tudo, assim como um arranjo não é nada sem uma boa canção que osustente, recortar e colar sem planejamento, bom gosto e coerênciaproduz apenas uma colagem pobre (e nada artística).

Passemos agora ao entendimento cultural dessa técnica.Sem sombra de dúvida, criar obras de mashup reflete o mesmocaráter anarquista da contra-cultura + movimento punk dadécada de 70: Do It By Yourself, ou seja, faça você mesmo(como pregavam os punks 70s/80s e pregam os atuais cyber-punks). Os computadores e softwares (tanto de edição como osmulti-pista) contribuíram significativamente para facilitar o pro-cesso de recorte e colagem. Mas, atenção: como disse no pará-grafo anterior, o limite entre criar algo grandioso e desastroso ébem pequeno. Porém, os três exemplos que citei no início dessacoluna ilustram bem como é possível produzir mashups criativos,inteligentes e musicais. Talvez, dos exemplos citados, o Girl Talkseja o mais indigesto. Como muito bem descreveu a revistaVOID, ouvindo esse álbum, temos a impressão (em certos mo-mentos) de que estamos escutando alguém tentando frenetica-mente sintonizar estações de rádio FM. Mas, é inegável queexiste um tratamento artístico ali. Essa obra, sem dúvida, mere-ce respeito e admiração. Acho essa prática saudável. Quemnunca pensou em pegar um Hendrix, Beatles, Stones, e daruma recortada montando novas propostas artísticas e sonoras?Inclusive, uma das características de um bom mashup é a uniãoantagônica. Ou seja, Sepultura e Calipso juntos formariam umpar memorável! Ou quem sabe, Padre Marcelo e Tati Quebra-

Assim como um arranjo não é nada semuma boa canção que o sustente,

recortar e colar sem planejamento, bomgosto e coerência produz apenas uma

colagem pobre (e nada artística)

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Barraco? Deve-se cuidar para não abusarno excesso de informação (o que só po-lui o trabalho e não acrescenta muito).Normalmente, as faixas de mashup efi-cientes que tenho escutado são produzi-das utilizando-se um fonograma-base-principal acrescido de dois ou três anta-gônicos. Existe até um álbum circulan-do pela web que misturou apenas duas

fontes clássicas: Sgt. Pepper’s (dos Beatles)e Pet Sounds (dos Beach Boys). O resulta-do foi chamado de “The Beachles Sgt.Petsound’s”. Até a arte gráfica dessemashup une as capas dos referidos álbunsoriginais utilizados no recorte e colagem.A pop-art de Andy Warhol com certezacontribuiu muito para fomentar esse mo-vimento criativo.

E o nosso amigo CCC vs seu anonima-to? CCC é um personagem, um avatar,uma representação. Se fica tão bom otrabalho, por que o autor não assume aobra e colhe os louros? Simples: mashup ésinônimo de transgressão. Nenhum dosexemplos citados procurou liberar os di-reitos de uso dos fonogramas picotados erecortados. Nesse caso, acredito que estemovimento, além de criativo, questionaos limites autorais na indústria do disco(embora o Girl Talk esteja à venda emalguns sites de digital release). É cadavez mais difícil prever a direção do ventono meio musical. Arrisco um palpite de

Para Saber mais

Procure no Google e no You Tube por

mashup. Existe bastante material dis-

ponível para ler, ver e ouvir.

Acesse os links abaixo, também:

http://revolved.blogspot.com

http://mashups.blogspot.com

http://claytoncounts.com/blog/the-

beachles/

http://palavrasecoisas.blogspot.com/

http://www.mobygratis.com

http://creativecommons.org/

que, num futuro próximo, a esmagadoramaioria das obras será licenciada (de for-ma legal) por meio de mecanismos comoo Creative Commons. Se isso ocorrer,abre-se um leque de possibilidades criati-vas assustador e animador. Porém, comosempre, apesar de eu evitar melodramasno que se refere às majors, não posso deixarde dizer que isso só será viável e possível seelas (majors) abrirem os olhos para essa rea-lidade que já é presente (e não futuro) e seadaptarem (coisa que não aconteceu naépoca do Napster, para citar apenas umúnico exemplo nesse campo). Ou será quevão continuar ignorando os movimentosculturais (que têm apoio e prestígio por par-te dos consumidores de música) até su-cumbirem definitivamente e serem varri-das da face da Terra? Eu torço que colo-quem óculos e enxerguem que major mes-mo é o movimento cultural atual e não seusumbigos anacrônicos. Alguns já estão acor-dando. Recentemente, o produtor (e umdos ídolos do colunista que vos escreve)Moby criou um hotsite que tem como obje-tivo licenciar gratuitamente uma série defonogramas seus (incluindo alguns inédi-tos) para diretores estreantes de cinemapara que produzam filmes sem fins comer-ciais. Ou seja, parece que minhas previsõesapontam um caminho possível e real. Emmarço nos encontramos novamente. Abra-ços e felicidades!

Eu torço quecoloquem óculos e

enxerguem que majormesmo é o movimento

cultural atual e nãoseus umbigos

anacrônicos. Alguns jáestão acordando