produção organica

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PRODUÇÃO ORGÂNICA Jean Pierre Medaets e Maria Fernanda de A. C. Fonseca REGULAMENTAÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL

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produção orgânica

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  • PRODUO ORGNICA

    Jean Pierre Medaets e Maria Fernanda de A. C. Fonseca

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    REGULAMENTAO NACIONAL E INTERNACIONAL

  • PRODUO ORGNICAREGULAMENTAO NACIONAL E INTERNACIONAL

    Braslia / 2005

    Jean Pierre Medaets e Maria Fernanda de A. C. Fonseca

  • NEAD Estudos 8Copyright by MDA

    Projeto grco, capa e diagramaoCaco Bisol Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA)Secretaria da Agricultura Familiar (SAF)SBN Quadra 1 Ed. Palcio do Desenvolvimento 6 andar, sala 609CEP 70057900 Braslia/DFTelefone: (61) 3426 9963www.mda.gov.br

    Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento Rural (NEAD)SCN Quadra 1 Bloco C Ed. Trade Center 5 andar, sala 501CEP 70711902 Braslia/DFTelefone: (61) 3328 8661www.nead.org.br

    M488r Medaets, Jean Pierre.

    Produo orgnica: regulamentao nacional e internacional/ Jean Pierre Medaets, Maria Fernanda de A. C. Fonseca. Braslia : Ministrio do Desenvolvimento Agrrio : NEAD, 2005. 104 p. ; 23 cm. (Estudos NEAD ; 8)

    1. Agricultura orgnica legislao Brasil. 2. Agricultura orgnica

    comercializao Brasil. I. Fonseca, Maria Fernanda de A. C. II. Ttulo. III. Srie. IV. Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento Rural NEAD.

    CDD 338.1

    Luiz Incio Lula da Silva Presidente da Repblica

    Miguel Soldatelli Rossetto Ministro de Estado doDesenvolvimento Agrrio

    Guilherme Cassel Secretrio-executivo do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio

    Rolf HackbartPresidente do Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria Incra

    Valter Bianchini Secretrio de Agricultura Familiar

    Eugnio Peixoto Secretrio de Reordenamento Agrrio

    Jos Humberto Oliveira Secretrio de Desenvolvimento Territorial

    PCT MDA/IICA - Apoio s Polticas e Participao Social no Desenvolvimento Rural Sustentvel

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    A importncia que a produo orgnica vem assumindo no mercado de alimentos exige que procedimentos regulamentares sejam estabelecidos de forma a assegurar aos componentes das cadeias pro-dutivas a transparncia nas trocas. O processo pode ser observado nos principais pases consumidores de produtos orgnicos e reete-se no aparato legal brasileiro.

    Nos ltimos dez anos, governos e sociedades em diversos pases e no Brasil tm discutido o papel do Estado na produo, dis-tribuio e consumo dos produtos orgnicos. O assunto envolve com-plexas questes de poltica pblica, particularmente aquelas ligadas a procedimentos de regulamentao. Alm disso, as caractersticas do produto orgnico ampliam o nmero de variveis a serem considera-das para o bom funcionamento desse mercado exigindo que se esta-beleam mecanismos de controle mais complexos. Isso resulta na necessidade de que os atores compreendam com clareza os procedi-mentos de avaliao da conformidade, os aspectos ligados certica-o, os sistemas de garantia da qualidade e os temas correlatos.

    A motivao para elaborar este material de apoio foi a certe-za de que as informaes aqui contidas estavam dispersas e, dessa forma, eram de pouca utilidade para os atores envolvidos na produo orgnica no Brasil, principalmente os agricultores familiares. O objetivo do trabalho sistematizar dados sobre a regulamentao de orgnicos e sobre a avaliao da conformidade em uma publicao que possa servir de referncia para tcnicos e lideranas de produtores.

    A divulgao das informaes sistematizadas nessa obra se insere no esforo realizado pelo Ncleo de Estudos Agrrios e Desen-volvimento Rural (NEAD) para que conhecimentos relevantes sejam disponibilizados para a agricultura familiar. E tambm na priorizao dada pela Secretaria de Agricultura Familiar (SAF/MDA), do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, ao fomento da produo orgnica.

    APRESENTAO

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    Espera-se que esse contribua para a compreenso mais clara do aparato regulamentar que se relaciona agricultura orgnica, in-uindo de forma positiva na ampliao da oferta e do consumo desses produtos.

    Valter BianchiniSecretrio de Agricultura FamiliarMinistrio do Desenvolvimento Agrrio

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    Apresentao 3Introduo 91. Aspectos Conceituais: Avaliao de Conformidade 13

    1.1. Auditoria da qualidade 131.2. Avaliao da conformidade 14

    1.2.1. O Estado e a qualidade 18

    2. Sistemas de Garantia da Qualidade da Produo Orgnica no Brasil 222.1. Sistemas de Garantia da Qualidade 22

    2.1.1. Garantia relacional 222.1.2. Garantia de terceira parte: certicao por auditoria externa 232.1.3. Garantia solidria: certicao participativa 23

    2.2. Estrutura do mercado brasileiro de certicao de orgnicos 262.3. Certicao em grupo por auditoria externa ou Certicao de Grupo de Pequenos

    Produtores (CGPP) 322.4. Certicao Participativa 36

    2.4.1. A conformidade social 392.4.2. As visitas 402.4.3. As revises de pares 40

    3. O Marco Legal da Agricultura Orgnica no Brasil 433.1. Histrico do marco legal brasileiro 43

    3.1.1. O Sistema Brasileiro de Avaliao de Conformidade (SBAC) 433.1.2. A construo do consenso possvel: a IN 007/99 do Mapa 443.1.3. O dissenso: a publicao da IN 006/02 473.1.4. Principais problemas das normas tcnicas de produo na AO 493.1.5. Principais entraves da certicao 543.1.6. Grupo de Agricultura Orgnica (GAO) e a construo da Lei 10.831/2003 58

    4. Marcos Legais Internacionais da Agricultura Orgnica 634.1. International Federation of Organic Agriculture Moviments (Ifoam) 63

    4.1.1. Medidas para facilitar o comrcio internacional 684.2. Codex Alimentarius 694.3. Unio Europia 724.4. Regulamentos nacionais 73

    SUMRIO

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    NEAD ESTUDOS 8

    4.4.1. Frana 744.4.2. Estados Unidos 754.4.3. Japo 784.4.4. Argentina 814.4.5. Estgio das regulamentaes nacionais 81

    4.5. Limitaes do comrcio internacional de orgnicos 824.6. Parceria entre certicaes para o orgnico e para o comrcio justo 83

    5. Consideraes Finais 885.1. Sobre o marco legal da agricultura orgnica no Brasil 88

    5.1.1. Sistemas de certicao adequados agricultura familiar 905.1.2. Crdito 905.1.3. Certicao em grupo 91

    5.2. Sobre os marcos legais internacionais da agricultura orgnica 91

    Referncias Bibliogrcas 93Siglas e Anacronismos 104

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    ASPECTOS CONCEITUAIS: AVALIAO DE CONFORMIDADE

    FIGURAS E QUADROS

    FIGURA 1Nveis do sistema de avaliao de conformidade 16

    FIGURA 2Fluxo de normalizao e regulamentao 20

    FIGURA 3Sistemas de certicao identicados no mercado brasileiro de orgnicos 30

    FIGURA 4Sntese dos componentes da Certicao Participativa em Rede 39

    FIGURA 5Esquema de acreditao de organismos certicadores de orgnicos na Frana 75

    QUADRO 1Instrumentos de avaliao de conformidade 15

    QUADRO 2Sistemas de Garantia da Qualidade 25

    QUADRO 3 Organismos certicadores nacionais com ao em agricultura orgnica 28

    QUADRO 4Impedimentos para PBR atenderem certicao por auditoria 35

    QUADRO 5Histrico da regulamentao para orgnicos no Brasil 49

    QUADRO 6Pontos a serem aprofundados na reviso da IN 007/99, referente aos padres tcnico-produtivos 52

    QUADRO 7Diculdades para atender s normas da agricultura orgnica 54

    QUADRO 8Organismos certicadores internacionais com ao em agricultura orgnica no Brasil 57

    QUADRO 9 Histrico da legislao para agricultura orgnica no Brasil 60

    QUADRO 10Desaos e perspectivas para o tema da regulamentao 62

    QUADRO 11Estgios das regulamentaes orgnicas no mundo 82

    SUMRIO

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    Utiliza-se o termo orgnicos para identicar um padro de produo de alimentos e bras sem o uso de insumos qumicos, agrot-xicos, fertilizantes, organismos geneticamente modicados, entre ou-tros, sem se ater ao debate sobre agroecologia como disciplina cientca ou sobre correntes como produtos ecolgicos, biodinmicos, naturais, sustentveis, regenerativos, biolgicos, de permacultura etc. Adota-se nesse trabalho a denio existente na Lei 10.831, aprovada em 23 de dezembro de 2003, que dispe sobre agricultura orgnica.

    Diversos aspectos podem ser levantados como indicativos de uma relao favorvel para os agricultores familiares1 em seu envolvi-mento com a produo orgnica. Em primeiro lugar sob a tica econ-mica. Por ser um sistema intensivo no uso de mo-de-obra, a produo orgnica tem bom resultado econmico em pequenas unidades de produo prprias da agricultura familiar. Aliado a isso, a produo orgnica se fundamenta na reduo do uso de insumos externos que demandam o capital escasso das economias familiares. O diferencial positivo no preo de venda do produto, vericado nos ltimos anos, tem resultado em um uxo de caixa mais favorvel com conseqente aumento da renda familiar. A agricultura orgnica tambm permite uma dinamizao da economia local devido demanda mais elevada por insumos que possam ser produzidos na regio. Alm disso, a pro-duo orgnica exige um nvel de controle que resulta na elevao do padro gerencial e de qualidade nas unidades de produo familiares.

    Sob a tica ambiental, o produto orgnico favorece a diversi-dade biolgica tendo impacto direto sobre o padro alimentar das fa-mlias, mantm a qualidade da gua, dos solos e dos prprios produtos

    1 Considera-se que a construo de alternativas de desenvolvimento do meio rural passa pela definio da agri-cultura familiar e pelo poder pblico como eixo prioritrio de desenvolvimento sustentvel. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) define esse tipo de agricultor como aquele que no detm rea superior a quatro mdulos fiscais, possui, no mnimo, 80% da sua renda bruta proveniente da atividade agropecuria, reside na propriedade rural ou aglomerado urbano prximo e mantenha at dois empregados permanentes, estratificando esse segmento heterogneo em grupos definidos em funo da renda bruta obtida na propriedade.

    INTRODUO

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    que sero consumidos pelo agricultor. Dessa forma, o uso racional das condies ambientais pode resultar em melhoria na qualidade de vida do agricultor e de sua famlia e favorecer o equilbrio ambiental de maneira global.

    A questo social se relaciona produo orgnica em duas vertentes: na gerao de tecnologia e na adaptabilidade desse modelo produtivo agricultura de base familiar. Os setores de maior dinamis-mo econmico cada vez mais trazem para dentro ou prximo de suas linhas de produo a gerao do conhecimento. No contexto do setor agrcola brasileiro, essa tendncia ainda se manifesta de maneira inci-piente. Salvo raras excees, continua-se gerando tecnologia em labo-ratrios que possuem agendas e resultados distantes das necessidades daqueles que deveriam ser seus consumidores. Em contraponto, a produo orgnica tem-se desenvolvido com forte ingrediente de co-nhecimento local nas prticas adotadas. O resultado o resgate da di-versidade biolgica que vai desde programas de sementes crioulas at a redescoberta de componentes culturais como as tcnicas tradicionais de produo. Essa situao citada por tcnicos e especialistas como responsvel pelo processo de resgate da auto-estima dos agricultores. Entretanto, pouco se tem feito no sentido de desenvolver tais prticas e transform-las em tecnologias. Uma poltica de fortalecimento das organizaes locais e de fomento ao desenvolvimento de novas tecno-logias e patentes poderia signicar uma nova forma de poder das so-ciedades locais.

    Sob o aspecto da sade humana, os insumos qumicos utili-zados no sistema produtivo convencional tm gerado problemas de sade em trabalhadores rurais e agricultores familiares. medida que os sistemas produtivos orgnicos probem o uso de tais insumos, os agricultores e trabalhadores rurais que utilizam essa prtica podem usufruir de uma condio de sade mais favorvel.

    Considerando-se os aspectos de comercializao, conseguir diferenciar um produto e apresent-lo apropriadamente aos consumi-dores costuma signicar a possibilidade de ocupar um mercado estvel devido s utilidades particulares adicionadas ao produto e obter um diferencial positivo de preo. Esse processo de diferenciao de produ-tos tambm pode ser benco para o meio ambiente a partir da valo-rizao de sistemas produtivos mais sustentveis.

    Essa diferenciao pode resultar no fortalecimento de seg-mentos especcos como a agricultura familiar. Para favorecer tais

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    INTRODUO

    segmentos, necessrio que a construo dos padres de produo orgnica e a denio dos sistemas de garantia assegurem ao consu-midor o atributo de qualidade orgnica e sejam, ao mesmo tempo, adequados realidade desses segmentos.

    Azevedo (2000) explica que alguns custos de transao sur-gem de caractersticas intrnsecas do produto, sendo chamados estti-cos e tratados na rea da medio. Nesse enfoque, os produtos so ca-racterizados pela capacidade de os agentes assimilarem as informaes relevantes para o estabelecimento de uma relao de troca. Segundo o autor, existe um grupo de produtos onde as informaes relevantes sobre o produto no podem ser obtidas nem por inspeo direta, nem aps o consumo. Tais produtos so denominados bens de crena. Aqui, enquadram-se os orgnicos. O autor menciona trs opes utilizadas para a resoluo do problema: a) integrao vertical; b) contratos de longo prazo com monitoramento; c) certicao por auditoria externa. H dois elementos comuns: algum controle vertical e a observao do processo produtivo.

    Inicialmente, a comercializao de produtos orgnicos se d em circuitos curtos em que a proximidade entre produtores e consumi-dores permite que se estabeleam relaes de conana. Com a expan-so geogrca dos circuitos de comercializao, manifesta-se a neces-sidade de mecanismos formais de garantia da qualidade da produo. Nesses casos, a certicao utilizada como instrumento para que os consumidores saibam distinguir entre o produto diferenciado, que respeita os padres de produo orgnica, e aquele originado dos sis-temas convencionais de produo.

    Os padres de produo orgnica sofrem grandes variaes seja no mbito governamental (de pas para pas), seja no mbito pri-vado (de um organismo certicador (OC) para outro). Os sistemas de garantia, em geral, restringem-se a prticas inseridas em programas de certicao por auditoria externa. Os consumidores encontram-se dian-te de um sistema de garantia indireta, medida que o elemento respon-svel pela transmisso de conana um organismo certicador.

    Portanto, se para entender o processo de produo e comer-cializao de orgnicos necessrio reconhec-los como um produto de qualidade diferenciado. Por isso, requer a denio de um padro que estabelea os requisitos para sua produo e os mecanismos de contro-le desses requisitos.

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    Essa complexidade tem resultado na disseminao de proce-dimentos de normalizao e regulamentao.

    Este trabalho procura esclarecer os tcnicos envolvidos quanto aos aspectos regulamentares da produo de orgnicos.

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    1.1. Auditoria da qualidade

    Mills (1994) menciona que a norma internacional ISO 8402-1986, intitulada Quality Vocabulary, dene Auditoria da Qualidade como um exame sistemtico e independente para determinar se as atividades da qualidade e respectivos resultados cumprem as providn-cias planejadas, se essas providncias so implementadas de maneira ecaz e se so adequadas para atingir os objetivos.

    O autor conceitua ainda Sistema de Qualidade como a docu-mentao e implementao de todas as atividades que tm alguma relao com a qualidade do produto, servio ou processo fornecido pela organizao. Mills explica que, segundo a norma nacional do Canad CAN-CSA-Q-395-1981, Programa da Qualidade denido como pla-nos, estrutura organizacional e atividades documentadas que so im-plementados para controlar a conformidade de um produto ou servio s exigncias especicadas e fornecer evidncia de tal conformidade. No mesmo trabalho, arma que a norma americana ANSI/ASQC A3-1987 dene auditoria do Sistema de Qualidade como uma atividade documentada realizada para vericar, por exame e avaliao de evidn-cias objetivas, se os elementos aplicveis do sistema de qualidade so adequados e foram desenvolvidos, documentados e implementados de forma ecaz, de acordo com requisitos especicados. Para o autor, as auditorias de Sistema de Qualidade envolvem as auditorias gerenciais de sistemas e de produto.

    Mills estabelece uma tipologia na qual descreve um conjunto de auditorias externas (inclui as certicaes) e um conjunto de audi-torias internas (inclui as inspees). No primeiro conjunto, insere a certicao de sistemas em que se audita o Sistema de Qualidade de uma organizao com referncia a normas nacionais e internacionais emitindo-se o registro ou homologao para os diferentes programas; e a certicao de produto, onde se inspecionam e testam os itens

    ASPECTOS CONCEITUAIS: AVALIAO DE CONFORMIDADE

    1

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    produzidos. Os atributos ou caractersticas inspecionados e testados, os procedimentos ou mtodos, bem como a periodicidade de inspeo e teste, so geralmente denidos na norma do produto. E, por m, a certicao de processo tem as mesmas caractersticas daquela reali-zada para os produtos, sendo que seu objeto a avaliao das instala-es e procedimentos.

    1.2. Avaliao da conformidade

    A referncia internacional para o desenvolvimento de padres a International Organisation for Standardisation (ISO), que comple-mentada com o trabalho de outras entidades nacionais e regionais com funes similares. O documento Introduction to ISO (2001) dene pa-dres como acordos documentados contendo especicaes tcnicas ou outros critrios precisos para serem usados como regras, guias, ou denies de caractersticas, para assegurar que materiais, produtos, processos e servios estejam adequados aos seus propsitos. Para Cha-ves e Teixeira (1991), um padro de qualidade envolve todos os atributos de qualidade importantes e seus parmetros, isto , os valores que os atributos devem apresentar ou podem ser tolerados, para um determina-do artigo ou produto, incluindo as tcnicas de avaliao dessas caracte-rsticas de qualidade e planos de amostragem. O documento ISO in brief destaca que no papel da instituio vericar se seus padres esto sendo implementados por seus usurios em conformidade com os re-querimentos estabelecidos. Esse processo de vericao questo que envolve os fornecedores e seus clientes no setor privado e os organismos reguladores, quando os padres ISO so incorporados legislao.

    Para Foray (1995), os padres podem assumir a funo de referncia, no sentido de eliminar certos custos de transao; de com-patibilizao, para facilitar a coordenao; e uma funo de limite m-nimo que permite garantir um nvel de ecincia social que o mercado no pode atender em certos casos. O autor entende que so os padres de referncia que se unem aos padres de qualidade. O padro de referncia estabiliza e registra certas caractersticas do produto no sen-tido de assegurar as propriedades de reprodutibilidade, equivalncia e de estabilidade adequados s condies de produo e de troca de um sistema industrial.

    Como mencionado por Foray (1995), dentro de mercados de bens complexos, onde os atores no podem vericar eles mesmos a conformidade a um padro de performance, o estabelecimento de

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    ASPECTOS CONCEITUAIS: AVALIAO DE CONFORMIDADE

    Quadro 1 Instrumentos de avaliao de conformidade

    Fonte: Medaets, 2003. Baseado no contedo extrado do site http://www.iso.org/iso/em/comms-markets/conformity/iso+conformity.html, em 12/12/02.

    Testes Declarao de conformidade do fornecedorAuto-avaliaes ( rst-party assessment) Avaliaes por segunda parte (second-party assessment) Inspeo

    Certi cao

    Acreditao

    Acordos de reconhecimento mtuo

    Envolvem atividades de medio, calibragem, amostragem etc.Refere-se emisso de documento pelo produtor, assegurando a conformidade do mesmo a requerimentos espec cos. a avaliao de conformidade para um padro, especi cao ou regulao realizada pelo prprio produtor. a avaliao de conformidade realizada por um cliente do produtor. o exame de produtos, materiais, instalaes, plantas de produo, processos, procedimentos de trabalho e outros, no ambiente pblico ou privado, resultando em relatrios referentes a parmetros como qualidade, adequao para o uso etc., com o objetivo de garantir a idoneidade do produto/produo ao consumidor, proprietrio, usurio ou cliente do item sob inspeo.Ocorre quando uma terceira parte assegura por escrito que um produto, servio, sistema, processo ou material est em conformidade com uma exigncia espec ca. Procedimento pelo qual uma autoridade reconhece formalmente que a entidade ou pessoa competente para realizar tarefas espec cas.Instrumentos pelos quais as partes envolvidas reconhecem mutuamente os resultados dos testes, inspees, certi cao e acreditao visando facilitar a aceitao dos produtos e servios comercializados entre as partes.

    certi cados de conformidade (por uma organizao independente privada ou pblica) representa uma dimenso signi cativa da concor-rncia sobre a qualidade, que tender a gerar um grande excedente para o consumidor.

    Os mtodos para assegurar que um produto siga determina-dos padres enquadram-se no mbito da avaliao de conformidade (conformity assessment). De acordo com o ISO/IEC Guide 2, General Terms and De nitions Concerning Standardization and Related Activities, as avaliaes de conformidade so todas as atividades utilizadas para se determinar direta ou indiretamente que requerimentos espec cos esto sendo preenchidos. A avaliao de conformidade pode ser de-senvolvida a partir da aplicao individual ou combinada dos instru-mentos e mtodos descritos no Quadro 1.

    Declarao de conformidade do fornecedor

    Refere-se emisso de documento pelo produtor, assegurando a conformidade do mesmo a requerimentos espec cos.

    Avaliaes por segunda parte(second-party assessment(second-party assessment( ) second-party assessment) second-party assessment

    a avaliao de conformidade realizada por um cliente do produtor.

    Certi cao Ocorre quando uma terceira parte assegura por escrito que um produto, servio, sistema, processo ou material est em conformidade com uma exigncia espec ca.

    Acordos de reconhecimento mtuo

    Instrumentos pelos quais as partes envolvidas reconhecem mutuamente os resultados dos testes, inspees, certi cao e acreditao visando facilitar a aceitao dos produtos e servios comercializados entre as partes.

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    NEAD ESTUDOS 8

    Nvel de reconhecimentoNvel de reconhecimento

    Nvel de acreditao

    Nvel de conformidade (organismos certi cadores)

    PRODUTORES, TRANSFORMADORES,

    TRANSPORTE, VAREJO

    Fonte: Medaets, 2003.

    Para Gladhill (1996), os sistemas de avaliao de conformida-de so divididos em trs nveis hierrquicos (Figura 1). O primeiro o nvel de conformidade de nido como aquele no qual se realiza a prpria avaliao do produto ou servio que sujeito s especi caes ou requerimentos. Exemplos so os testes de laboratrios e as certi -caes. O segundo o nvel de acreditao, que opera na acredita-o de entidades que realizam a avaliao de conformidade conduzida por terceira parte (laboratrios e organismos certi cadores). mais uma medida de segurana para os usurios dos organismos que ope-ram o nvel de conformidade e serve como credencial para o organis-mo de avaliao de conformidade. E o terceiro o nvel de reconhe-cimento, que se refere avaliao dos organismos de acreditao para determinar sua conformidade com um critrio espec co, resul-tando no reconhecimento desses. O reconhecimento tipicamente uma funo de governo ou de alguma entidade delegada por ele.

    Figura 1 Nveis do sistema de avaliao de conformidade

    Considerando-se o primeiro nvel de hierarquia, o documen-to ABNT ISO/IEC Guia 65/1997, Requisitos Gerais para Organismos que Operam Sistemas de Certi cao de Produtos, ressalta que a certi cao um meio de proporcionar garantia de que um produto

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    ASPECTOS CONCEITUAIS: AVALIAO DE CONFORMIDADE

    atende a normas especcas e outros documentos normativos. A cer-ticao ocorre quando uma terceira parte assegura por escrito que um produto, servio, sistema, processo ou material est em conformidade com um requerimento especco.

    Conforme Silva (1996), por meio da funo de certicao que a qualidade percebida pelo consumidor assegurada. O docu-mento de certicao emitido por terceira-parte atesta, mediante a aplicao de instrumentos como testes, ensaios e outros, que os requi-sitos exigidos pelo mercado e constantes nas normas e regulamentos foram atendidos.

    Pode-se dizer que a certicao tem por objetivo: identicar e diferenciar o produto por intermdio de um

    sinal de qualidade; dar credibilidade ao mercado pela ao de um organismo

    certicador independente; agregar valor a um produto; facilitar o conhecimento e reconhecimento de um produto; ganhar a conana dos consumidores; beneciar uma promoo coletiva.A credibilidade do processo de certicao assegurada pelo

    fato de que esse procedimento seja realizado por um organismo que no esteja envolvido nos processos produtivo e comercial. A certicao , portanto, uma declarao da conformidade de um produto a um refe-rencial e deve ser realizada por um organismo independente.

    A nalidade do Guia ISO 65/97 assegurar que os organismos de certicao operem os sistemas de certicao de terceira parte de maneira consistente e convel, de modo a facilitar a sua aceitao em base nacional e internacional. O Guia tambm estabelece os padres para a estruturao dos organismos de certicao, seu sistema de qua-lidade, as condies de auditorias internas e anlises crticas pela admi-nistrao, os registros, requisitos e poltica de pessoal, procedimento de solicitao, avaliao, relatrio e deciso sobre certicao, acompanha-mento, uso de licenas, certicados e marcas de conformidade, assim como reclamaes aos fornecedores.

    Raynaud, Sauvee e Valceschini (2002) armam que as princi-pais funes de um Organismo Certicador so: 1) especicar as carac-tersticas utilizadas no padro; 2) monitorar a conformidade dessas ca-ractersticas; 3) emitir um certicado de conformidade. Se os padres de qualidade no so atingidos, o produto no pode ser vendido ou, em

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    NEAD ESTUDOS 8

    ltima anlise, o produtor perde o direito ao uso do selo. A credibilidade de um selo se encontra no monitoramento formal da conformidade em relao a um referencial; no monitoramento antes (seleo e acreditao de produtores) e no monitoramento ps (vericao dos produtos).

    Retomando-se a estrutura proposta por Gladhill, outro ambien-te de anlise da avaliao de conformidade a acreditao. Segundo o Inmetro, acreditao o reconhecimento formal, concedido por um organismo autorizado, de que uma entidade est operando um sistema de qualidade implantado e tem competncia tcnica para realizar tarefas especcas. Para estabelecer o sistema de avaliao de conformidade do qual a certicao um dos componentes , cada pas respons-vel por implementar seu mecanismo de acreditao de organismos certicadores, laboratrios, auditores, etc. Esse mecanismo respons-vel por garantir a independncia, objetividade, imparcialidade e seguran-a das atividades de avaliao de conformidade.

    O principal objetivo do documento ABNT ISO/IEC Guia 61/97 descrever a acreditao como provedor, por meio de avaliao e sub-seqente acompanhamento de uma garantia para que o mercado possa conar nos certicados emitidos pelos organismos credenciados. O documento destaca que a conformidade com os requisitos deste Guia ir promover a equivalncia dos sistemas nacionais e facilitar acordos de reconhecimento mtuo de acreditao entre tais organismos.

    O desenvolvimento de sistemas de acreditao nacionais, dependendo de como se organizam, pode levar incompatibilidade de uns com os outros. Por essa razo, verica-se o esforo de parte da comunidade internacional em buscar algum nvel de equivalncia m-tua entre esses sistemas nacionais para alcanar uma maior ecincia nas trocas. Essa equivalncia se d no mbito dos acordos de reconhe-cimento mtuo.

    1.2.1. O Estado e a qualidade

    Valceschini e Nicolas (1995) ressaltam que se verica nos dias atuais um processo de coordenao pela normalizao2 caracterizado pela auto-organizao das cadeias e pela desregulamentao. O Estado passa a utilizar o processo de normalizao desenvolvido no mbito privado absorvendo-o dentro de seus regulamentos e tornando-o obri-

    2 Desenvolvimento de normas do setor privado.

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    ASPECTOS CONCEITUAIS: AVALIAO DE CONFORMIDADE

    gatrio a partir de ento. Os autores consideram que a elaborao das normas se d a partir de um processo coletivo resultando na busca de consenso via auto-organizao. O acordo sanciona uma relao de foras existente em um dado momento. A eccia dos mecanismos regulamentares se desloca para a edio de regras de conduta, in-cluindo descries detalhadas do produto, seus componentes, proce-dimentos de fabricao, tecnologias e mtodos de anlise e controle.

    Esse processo no visa a retirada do Estado, e sim a atribui-o de um novo papel, alm da inspeo e represso: aconselhamento, avaliao e validao dos referenciais tcnicos elaborados pelos pros-sionais, segundo Valceschini e Nicolas.

    Para os autores, como a compreenso da qualidade dife-renciada entre produtores, industriais, distribuidores e consumidores, o poder pblico avana com uma poltica que estabelece a qualidade mnima (ligada s regras sanitrias) e a qualidade-especicao (labels, AOC, certicao de produto, certicao de empresa, qualidade total etc). Essa poltica de qualidade visa ganhar parte do mercado por meio da diferenciao em um contexto de saturao e reduzir a concorrn-cia interna nas cadeias produtivas, sendo utilizada pelo poder pblico como forma de estruturao da oferta via regulamentos tcnicos (cons-trangimento) ou tarifao diferenciada (incitao).

    Brkey, Glachant e Lvque (1998) apontam para a existncia de trs importantes categorias de instrumentos de poltica pblica:

    os instrumentos de regulao por intermdio dos quais as autoridades pblicas denem a performance a ser atingida, as tecnolo-gias utilizadas etc.;

    os instrumentos econmicos como taxas e outros; os instrumentos voluntrios, pelos quais as empresas se

    engajam em comprometimentos que vo alm do que a lei exige, onde se enquadram os esquemas de certicao voluntria.

    Eles armam que os instrumentos voluntrios, por sua vez, incorporam quatro tipos de abordagem:

    os compromissos unilaterais; os acordos atingidos por negociao direta entre atores

    sociais e econmicos; os acordos negociados entre a indstria e as autoridades

    pblicas que no envolvem a introduo de uma nova pea de legislao; programas voluntrios desenvolvidos pelas autoridades

    pblicas dos quais as empresas so convidadas a participar.

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    NEAD ESTUDOS 8

    Nas ltimas trs dcadas, o sistema alimentar orgnico pas-sou de uma livre variedade de redes independentes locais de produto-res e consumidores para um sistema comercial formal, global e regu-lado. O Brasil segue essa tendncia. O processo de regulamentao visa melhorar o funcionamento e permitir a ampliao do mercado interno, alm de obter a equivalncia entre os procedimentos nacionais e aque-les em curso, no mbito dos pases que representam potenciais consu-midores de produtos brasileiros.

    Normalizao x Regulamentao

    A Figura 2 mostra de maneira esquemtica duas trajetrias diferenciadas em termos de coordenao das cadeias produtivas. Na primeira, a normalizao e a avaliao de conformidade so realizadas no mbito do setor privado e o Estado participa na defesa do consumidor fazendo respeitar o Cdigo de Defesa do Consumidor e outros dispositi-vos legais, como sugerido por uma parte do movimento orgnico.

    Fiscalizao

    Inspeo privada (certi cao)

    AcreditaoFiscalizao

    Regulamento (Estado)Norma (privada)

    Organismo governamentalComit/ColegiadoAssociao privada

    Inspeo privada (certi cao)

    Avaliao de conformidade

    RegulamentaoNormalizao

    Fonte: Medaets, 2003.

    Figura 2 Fluxo de normalizao e regulamentao

    Na segunda, o Estado se envolve no processo de regulamen-tao, sendo que os regulamentos podem ser elaborados a partir do contedo das normas feitas no mbito do setor privado, elaboradas por tcnicos de um organismo governamental ou desenvolvidas em rgos colegiados e comits, como no caso dos orgnicos no Brasil. Quanto avaliao de conformidade, o Estado pode scalizar diretamente o cum-primento das normas ou delegar poderes a organismos certi cadores

  • PRODUO ORGNICA REGULAMENTAO NACIONAL E INTERNACIONAL 21

    ASPECTOS CONCEITUAIS: AVALIAO DE CONFORMIDADE

    para que eles realizem o controle da qualidade da produo via inspe-es e o Estado se incumbe de scalizar o trabalho de tais organismos. Essa alternativa reete a realidade da produo de orgnicos no Brasil.

    De acordo com Valceschini e Nicolas (1995), a interveno do Estado, sob a tica da proteo do consumidor, tem o objetivo de assegurar a transparncia do mercado e a lealdade da concorrncia ou a regulamentao. Os autores consideram que existe tendncia de auto-organizao das cadeias e de desregulamentao por parte do Estado. O caso dos orgnicos no Brasil refora a posio desses auto-res. Os padres so construdos em um colegiado com a participao da sociedade e so referendados pelo Estado.

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    SISTEMAS DE GARANTIA DA QUALIDADENA PRODUO ORGNICA NO BRASIL

    2

    2.1. Sistemas de Garantia da Qualidade

    Um dos componentes mais polmicos da construo do mar-co regulatrio da produo de orgnicos no Brasil a discusso dos sistemas de garantia da qualidade da produo orgnica existentes e seu encaixe no referido marco.

    Um Sistema de Garantia da Qualidade o resultado da apli-cao objetiva de tcnicas de avaliao da conformidade e de mecanis-mos de conformidade social visando vericar o cumprimento dos re-quisitos de diferentes produtos de qualidade diferenciada (orgnicos, de territrio, etc.). Incluem a certicao por auditoria individual e em grupo, a Certicao Participativa e outros mecanismos de avaliao da conformidade como a declarao de conformidade do produtor.

    2.1.1. Garantia relacional

    O mercado de produtos orgnicos desenvolve-se a partir da comercializao em circuitos curtos, principalmente em feiras locais. Os exemplos espalham-se pelo Brasil e pelo exterior, onde grande nmero de consumidores mantm-se el a esses espaos de troca. Nesse sistema, a garantia passada diretamente pelo produtor ao consumidor na forma de relacionamentos interpessoais, normalmente caracterizados pela tendn-cia de longo prazo e, muitas vezes, envolvendo efeitos de reputao de produtores e de organizaes de assessoria privadas ou governamentais.

    O pargrafo primeiro do artigo terceiro da Lei 10.831/2003 reconhece a existncia desse Sistema de Garantia da Qualidade permi-tindo que os produtores possam se enquadrar sem modicao de seu padro produtivo e comercial.

    Em algumas regies do pas, essas feiras movimentam quan-tidades expressivas de produtos orgnicos signicando oportunidades para a estruturao de redes de circulao dos excedentes gerados pelos grupos de produo.

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    SISTEMAS DE GARANTIA DA QUALIDADE NA PRODUO ORGNICA NO BRASIL

    2.1.2. Garantia de terceira parte: certicao por auditoria externa

    Outra estratgia para assegurar ao consumidor a procedncia e a qualidade dos produtos orgnicos a certicao por auditoria externa. Nesse caso, a vericao da conformidade com os padres feita com o uso do ferramental disponibilizado pela avaliao de con-formidade. Os produtores passam por um perodo de converso ao longo do qual devem estabelecer os registros demandados e cumprir os requerimentos estabelecidos no padro de produo seguido. De-corrido esse perodo, o organismo certicador realiza o procedimento de avaliao de conformidade que consta de inspeo externa feita nas propriedades e das anlises laboratoriais.

    A deciso sobre a certicao no tomada pelos indivduos que realizam as inspees e sim de forma centralizada pelo organismo certicador. Portanto, como exigido pelo padro ISO3 de certicao, verica-se uma separao entre as funes de inspeo e certicao. Os documentos de todos os procedimentos de certicao desde a solicita-o, passando pela concesso e manuteno do certicado, so mantidos no organismo certicador. A seleo de inspetores fundamentada em um conjunto de requerimentos que reduzem a possibilidade de outra relao entre o inspetor e o inspecionado que no seja a inspeo.

    Portanto, no caso da certicao por auditoria externa, a ga-rantia quanto qualidade do produto dada por uma terceira parte: nem pelos produtores nem pelo Estado. A garantia atestada por meio de certicados emitidos a partir da avaliao da conformidade da pro-duo aos padres estabelecidos.

    Diferentemente da garantia relacional, em que a conana transmitida em uma relao direta, no caso da garantia de terceira parte observa-se um processo de intermediao da conana. No so os produtores que asseguram aos compradores e consumidores a qualidade do produto e sim o organismo certicador.

    2.1.3. Garantia solidria: certicao participativa

    Alm dos mecanismos de transmisso de conana acima identicados observa-se tambm o surgimento de ordenamentos sociais

    3. International Organisation for Standardisation (iso) uma organizao no-governamental estabelecida em 1947, cujo objetivo promover o desenvolvimento de padres e atividades correlatas para facilitar as trocas interna-cionais e os intercmbios intelectuais, cientficos e tecnolgicos. Constitui-se enquanto uma federao mundial de organismos nacionais de padronizao

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    NEAD ESTUDOS 8

    mais complexos, normalmente em rede, voltados para esse m. Farina (2002), referindo-se abordagem dos sistemas agroindustriais, cita La-zzarini et al. : A literatura econmica e de administrao, contudo, tem enfatizado a importncia das interdependncias horizontais, que ocorrem entre os agentes do mesmo segmento do sistema, exigindo a incorporao do conceito de redes. Para Farina (op.cit), redes densas, decorrentes de fortes laos afetivos e sociais, criados por relaes repetidas, facilitam a emergncia de conana e de normas sociais que promovem a cooperao e reduzem os custos de transao.

    No caso brasileiro, desenvolve-se uma iniciativa denominada Certicao Participativa, que envolve nmero expressivo de produtores e colocando-se como alternativa ao sistema formal de certicao por auditoria externa. Esse movimento teve incio na Regio Sul do Brasil, no mbito da Rede Ecovida de Agroecologia, disseminando-se pela Regio Norte, onde se cria a Associao de Certicao Scio-Participativa e encontrando-se em implementao na regio Centro-Oeste, pela Articu-lao de Certicao Participativa da Rede Cerrado. Nesse sistema, pro-dutores, assessores tcnicos e consumidores estabelecem um esquema de conana no qual cada produtor, tcnico e, algumas vezes, consumi-dores envolvidos atestam solidariamente a responsabilidade do outro.

    Algumas interpretaes da expresso solidariedade ajudam a compreender os princpios desse mecanismo de transmisso de conana.

    a) Relao de responsabilidade entre pessoas unidas por in-teresses comuns, de forma que cada elemento do grupo se sinta na obrigao moral de apoiar o(s) outro(s): solidariedade de classe.

    b) Vnculo jurdico entre os credores (ou entre os devedores) de uma mesma obrigao, cada um deles com direito (ou compromisso) ao total da dvida. Cada credor pode exigir (ou cada devedor obrigado a pagar) integralmente a prestao objeto daquela obrigao.

    Zolin e Hinds (2002) indicam que a conana um estado psicolgico determinado pelas relaes estabelecidas entre os atores. A cona em B com respeito a X (onde X o objeto em torno do qual se desenvolve a conana) em um contexto Y. No caso da Certicao Participativa, o objeto em torno do qual se desenvolve a construo da conana o produto agroecolgico. Esse produto traz consigo com-ponentes da viso de mundo assumida pela Rede Ecovida e tem como um de seus princpios: Trabalhar na construo do comrcio justo e solidrio, estabelecendo como um de seus objetivos: Aproximar, de forma solidria, agricultores e consumidores.

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    SISTEMAS DE GARANTIA DA QUALIDADE NA PRODUO ORGNICA NO BRASIL

    4 Olson (1971) caracteriza um bem coletivo inclusivo como aquele que, consumido por uma pessoa, no impede o consumo por outra.

    Quadro 2 Sistemas de Garantia da QualidadeComponentes do Sistema de Garantia da QualidadePadres

    Meios de Veri cao a) Inspeob) Registrosc) DocumentaoOrganismo Certi cadora) Funes de certi cao e assessoria tcnicab) Deciso de certi caoc) TcnicoComunicao da Qualidade

    Garantia solidria

    Construo em processo de reviso peridicaa) No existe inspetor externob) Realizados de maneira no-sistemticac) Mantida descentralizada

    a) Integradas

    b) Descentralizadac) Residente na comunidadeSelo, reputao do produtor e da assessoria tcnica e in uencia dos componentes de avaliao social da conformidade

    Garantia de terceira parte

    Construo em processo de reviso peridicaa) Existe inspetor externob) Realizados de maneira sistemticac) Mantida centralizadaa) Separadasd) Centralizadac) Externo

    Selo, reputao do produtor e do organismo certi cador

    Fonte: Adaptado de Medaets, 2003.

    Considera-se ainda que o trabalho da Rede Ecovida de Agro-ecologia, seja capaz de gerar um bem coletivo inclusivo4, que a Cer-ti cao Participativa, na medida em que a incluso de novos grupos de produtores que buscam a certi cao no ameace a oferta do ser-vio aos demais grupos. Como mencionado por Olson (1971), observa-se o engajamento dos atores na proviso de um bem coletivo quando ele representa um ganho individual superior ao seu custo. Nesse caso, o ganho superior dos grupos que optam pela Certi cao Participativa a comercializao de seus produtos em canais como a merenda es-colar, o varejo supermercadistas e redes de lojas localizadas em centros urbanos mais populosos.

    Diferentemente da garantia de terceira parte que realiza um processo de intermediao da con ana, no caso da garantia solidria, o uxo de con ana se d diretamente entre a produo e o consumo.

    Anlise comparativa entre a garantia de terceira parte e a garantia solidria

    Portanto, considerando-se os sistemas de garantia de terceira parte e solidria, poderia se fazer uma analogia, onde cada um deles

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    NEAD ESTUDOS 8

    teria uma linguagem diferente. A garantia de terceira parte, funda-mentada em registros mais rigorosos, em inspees externas e anlises laboratoriais para a reduo do oportunismo. A garantia solidria, ba-seada na conformidade social a um objetivo comum, na ampliao da comunicao entre os grupos, na reputao, em um mecanismo de excluso quando os acordos estabelecidos no mbito dos grupos no so cumpridos e na busca do envolvimento dos consumidores. As di-ferenas entre os sistemas podem ser observadas no Quadro 2.

    2.2. Estrutura do mercado brasileiro de certicao de orgnicos

    Ormond et al. (2002) destacam a existncia de 19 organis-mos certicadores operando no Brasil, sendo 12 de origem nacional e sete de organismos certicadores internacionais em territrio brasilei-ro. Segundo Medaets (2003), quando se considera o nmero de produ-tores, mais de 90% do mercado nacional ocupado por quatro orga-nismos certicadores de orgnicos.

    Quanto distribuio geogrca no pas, Ormond (op.cit.) em seu estudo localiza as sedes de 17 rgos certicadores: 11 em So Paulo, 01 no Esprito Santo, 01 em Minas Gerais, 02 no Rio Grande do Sul, 01 em Mato Grosso e 01 em Pernambuco. Os programas de certi-cao se concentram nas regies Sul e Sudeste do pas.

    Sob o aspecto de diferenciao de produtos, os organismos certicadores nacionais em menor intensidade e os internacionais, que operam com a certicao de orgnicos no mercado nacional, oferecem outros programas de certicao de produtos agrcolas e alimentares, como a rastreabilidade de produtos no-transgnicos, sem agrotxicos etc.

    Atualmente, pode-se dizer que existem no Brasil dois nveis de reconhecimento, e, conseqentemente, dois referenciais de anlise para as condies de entrada no mercado de certicao de orgnicos: a certicao para o mercado nacional e a certicao para o mercado internacional. Para o nacional, deve-se considerar a aceitao dos pro-dutos orgnicos em circuitos locais de comercializao e pelas redes de supermercados. Observa-se que as condies de entrada para operar em circuitos locais baseiam-se em esquemas de construo de relaes de conana que, normalmente, tm razes em um processo histrico ou de reconhecimento de competncia tcnica em mbito local (como

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    SISTEMAS DE GARANTIA DA QUALIDADE NA PRODUO ORGNICA NO BRASIL

    as feiras livres, as distribuies de cestas e outras redes sociais). As condies de entrada dos organismos certicadores nas redes de su-permercados seguem critrios diferenciados, uma vez que a regula-mentao do mercado ainda no est funcionando em sua totalidade.

    As condies de entrada de um organismo certicador de orgnicos brasileiro no mercado internacional se do: a) com acredita-o no sistema Ifoam/IOAS ou nos credenciadores ISO 65 internacio-nais; b) a partir das extenses das operaes dos OCs internacionais que operam no Brasil, quando, por mecanismos diversos, o produto certicado pela lial nacional reconhecido e desfruta da aceitao que a matriz detm nos diferentes mercados; e c) baseado em arranjos entre OCs nacionais e internacionais que operam no Brasil.

    Ao analisar-se a ltima condio (c), constata-se que essas parcerias permitem que a produo dos agricultores ligados ao orga-nismo certicador nacional, que no possui acreditao internacional, seja aceita no mercado internacional, pelos canais de conana j de-senvolvidos pela organizao internacional parceira.

    Quanto ao funcionamento do mercado, percebe-se que todos os OCs nacionais so originados de associaes de produtores orgni-cos e de organizaes criadas para a difuso das prticas das diferentes escolas (biodinmica, natural etc). O aumento da demanda e, conse-qentemente, do comrcio de orgnicos, leva essas associaes a identicarem alternativas de transmisso de conana ao consumidor quanto procedncia dos produtos. Como estratgia para esse m, algumas organizaes passam a investir no estabelecimento de feiras de produtos orgnicos. Os exemplos espalham-se pelo Brasil, onde grande nmero de consumidores mantm-se el a esses espaos de troca. A segunda estratgia das associaes para assegurar ao consu-midor a procedncia e a qualidade dos produtos orgnicos desenha-da ao longo dos anos 90, quando algumas delas passam a desenvolver servios de certicao com a criao de seus respectivos selos.

    No nal dos anos 90, um nmero signicativo de OCs inter-nacionais comea a operar no Brasil. Segundo Medaets (2003), as ra-zes para o boom de entrada de OCs internacionais no Brasil, a partir desse perodo, esto relacionadas, em primeiro lugar, estabilidade econmica que favorece o trabalho com produtos de qualidade diferen-ciada. Por isso, os organismos certicadores programam sua vinda para o Brasil a partir de 95/96. A segunda razo identicada a publicao da IN 007/99, que d incio ao processo de regulamentao da produ-

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    NEAD ESTUDOS 8

    o de orgnicos no Brasil. Alm disso, a presena internacional se deve alegao dos OCs estarem garantindo que os produtores possam comercializar junto ao mercado internacional. importante observar que os escritrios dos OCs internacionais no Brasil so constitudos por pessoas jurdicas nacionais e so conduzidos, majoritariamente, por pro ssionais brasileiros.

    Todos os OCs internacionais que operam hoje no Brasil tm certi cados reconhecidos junto a autoridades de algum grande centro de consumo internacional. Esto majoritariamente credenciados junto a rgos governamentais e no-governamentais, que os habilitam a responder por processos de importao em diversos pases. O Quadro 3 apresenta uma viso detalhada da distribuio estadual desses OCs.

    Regio Organismos Certi cadores Estado (sede)Norte Associao de Certi cao Scio-Participativa Florestal (ACS) AC (1)Nordeste Cepema CE (1)Centro-Oeste Instituto holstico MT (1)Sudeste AAO Certi cadora, ANC, APAN, CMO, IBD, OIA Brasil SP (6) Cho Vivo ES (1) Certi cadora Sapuca, Minas Orgnica MG (2) Abio RJ (1)Sul Aprema PR (1) Ecovida, A Orgnica, Fundagro, Biocert, Ecocert Brasil SC (5) Certi ca RS RS (1)Total 20Fonte: Fonseca e Ribeiro (2003).

    Quadro 3 Organismos certi cadores nacionais com ao em agricultura orgnica

    Para se credenciar junto ao Mapa, de acordo com a legislao vigente em 2003, os OCs devem ser pessoa jurdica sem ns lucrativos com sede no territrio nacional. Observa-se que isso no evita o desen-volvimento de um processo concorrencial de carter comercial no mercado brasileiro de certi cao de orgnicos. Tanto os OCs estran-geiros quanto os nacionais disputam os clientes, como no funciona-mento de qualquer mercado.

    Como j foi explicitado, grande parte da produo orgnica nacional certi cada destinada ao mercado externo. A demanda, nesse caso, por OCs que tenham reconhecimento no mercado internacional, o que tem forado os organismos certi cadores nacionais a procurarem atender aos requisitos determinados pelas normas internacionais de

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    SISTEMAS DE GARANTIA DA QUALIDADE NA PRODUO ORGNICA NO BRASIL

    certicao. Como resultado, as associaes de produtores orgnicos que hoje operam programas de certicao passam pelo que se poderia chamar de internacionalizao ou prossionalizao, adaptando-se ao padro estabelecido pelas normas ISO de certicao e inspeo.

    Uma primeira transformao que se verica nesse processo a separao das atividades de certicao daquelas de assessoria tcni-ca e de promoo comercial, criando pessoas jurdicas separadas para o trabalho de certicao. Outra imposio a demanda pela acredita-o para operar segundo as normas ISO Guia 65/97. Os custos das au-ditorias externas e da estruturao dos sistemas de controle, com o in-vestimento na capacitao de pessoal, so considerados como pontos de estrangulamento para a obteno de acreditao junto aos creden-ciadores internacionais. A acreditao com o IOAS, para operao com as normas de produo da Ifoam que seria uma alternativa acredi-tao ISO 65/97 implica, tambm, custos de capacitao, estruturao interna, assim como aqueles referentes s auditorias e processamento de pedidos em mbito internacional. Uma ltima alternativa a acredi-tao junto ao Ministrio da Agricultura dos pases consumidores, sendo que, para as associaes brasileiras que desenvolvem programas de certicao de orgnicos, essa opo apresenta a mesma limitao: custo elevado dos processos de capacitao e acreditao.

    As opes de acreditao representam uma demanda de adaptao signicativa na estrutura e no funcionamento das associa-es de produtores orgnicos de menor escala que operam programas de certicao. A possibilidade de um nmero considervel dessas associaes no conseguirem se adaptar s exigncias provoca debate no contexto nacional. H discordncia de algumas das organizaes brasileiras que trabalham com certicao de orgnicos com o pa-dro de certicao que uma regulamentao baseada em parme-tros internacionais as far seguir. Elas justicam a discordncia, com o argumento de que as inspees externas aumentam os custos e no representam garantia maior do que aquelas que as redes sociais forne-cem para assegurar a idoneidade do produto orgnico.

    Em sntese, o mercado brasileiro de certicao de orgnicos apresenta trs pers de organizaes. O primeiro formado pelo con-junto de organismos certicadores internacionais que esto operando no Brasil e um organismo certicador nacional que tem reconhecimen-to internacional por algum ou pelos trs grandes blocos consumidores (EUA, UE e Japo). O segundo, por um grupo de associaes de produ-

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    NEAD ESTUDOS 8

    tores orgnicos que tem procurado se enquadrar s exigncias interna-cionais sem ainda ter conseguido nalizar os procedimentos necess-rios. Neste grupo os OCs possuem um selo e desenvolvem programas de certi cao juntamente com outras atividades de assessoria. O ter-ceiro formado pelas entidades nacionais que trabalham com a Certi- cao Participativa em Rede, que ser analisada em detalhe mais adiante. Essa sntese descrita na Figura 3.

    O primeiro sistema identi cado a certi cao individual por auditoria externa. Veri ca-se a existncia de OCs operando esse siste-ma que cumprem os requisitos do padro ISO de maneira bastante de ciente e outros que atingiram uma performance mais elevada, ates-tada pela obteno de acreditao ISO 65 internacional. Por um lado, os organismos certi cadores que detm a performance mais elevada tendem a no reconhecer a possibilidade de reduo do nvel de exi-gncia. Por outro, as associaes de produtores orgnicos que encon-tram limitaes para desenvolverem programas de certi cao preci-sariam estar mais capacitadas nos procedimentos da certi cao pre-conizados pelos normativos ISO para poderem indicar os requerimen-tos necessrios para comporem um patamar intermedirio. Considera-se que essa discusso poderia resultar na de nio de um nvel de controle da qualidade orgnica mais adequado para a comercializao desses produtos no mercado nacional.

    O segundo sistema identi cado, a Certi cao em Grupo, se insere na lgica da certi cao por auditoria externa, mas se operacio-naliza de maneira diversa: a certi cao no concedida a um indiv-duo e sim a um grupo formal de agricultores. Considera-se que esse sistema possui um elevado grau de adequao para o per l social e econmico da agricultura familiar. medida que uma das crticas da

    Fundamentados no Referencial ISO Certi cao individual Certi cao em grupo

    Certi cao Participativa em RedeFonte: Medaets, 2003.

    Fundamentados no Referencial ISO Certi cao individualCerti cao em grupo

    Certi cao Participativa em Rede

    Figura 3 Sistemas de certi cao identi cados no mercado brasileiro de orgnicos

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    SISTEMAS DE GARANTIA DA QUALIDADE NA PRODUO ORGNICA NO BRASIL

    certicao individual seu elevado custo, essa uma das principais razes para se debater os sistemas de Certicao em Grupo e de Cer-ticao Participativa em Rede.

    O terceiro sistema a Certicao Participativa em Rede. Suas particularidades metodolgicas e o reduzido volume de informa-es sobre seus procedimentos indicaram a necessidade de um deta-lhamento caracterstico e estudo mais aprofundado.

    Diversas reexes tm sido levantadas quanto ao uso da cer-ticao por auditoria externa como mecanismo de controle da quali-dade na produo e comercializao de orgnicos. A CEE (2002) men-ciona que tais programas de certicao no distinguem os grandes dos pequenos produtores e requerem esforos idnticos de inspeo inde-pendentemente do tamanho da operao. Essa situao pode resultar em inspees desnecessrias em pequenos estabelecimentos rurais. O mesmo pode ser dito quanto aos critrios de amostragem, a realizao de testes e anlises, os procedimentos de manuteno dos registros de insumos adquiridos e de vendas realizadas, visto que se apresentam iguais para pequenas e grandes propriedades. Alm disso, os procedi-mentos de certicao e de estruturao dos organismos certicadores que esto sendo globalizados pelas Guias da Organizao Internacio-nal de Normas (ISO) foram desenvolvidos tendo por referencial o setor industrial-urbano desconsiderando as particularidades do meio rural e as potencialidades das relaes de cooperao na construo da credi-bilidade. Ressalta-se ainda que os programas de certicao aumentam os custos de produo no momento da transio produtiva, dicultando o acesso pelos pequenos agricultores, e geram crtica pela excessiva exigncia documental e insucincia do controle externo anual.

    Se existem crticas certicao por auditoria externa, seus adeptos questionam a real capacidade que esses mecanismos alterna-tivos possuem de garantir aos consumidores a manifestao dos atributos previstos nos padres de produo orgnicos. Essas crticas se concentram:

    no fato de que o monitoramento da produo a ser certica-da feito em mbito local por produtores que supostamente teriam in-teresses pessoais no processo, gerando conito de interesses;

    no reduzido volume de informaes exigido dos produtores e do organismo certicador;

    na avaliao de que as tcnicas e procedimentos utilizados so insucientes;

  • PRODUO ORGNICA REGULAMENTAO NACIONAL E INTERNACIONAL32

    NEAD ESTUDOS 8

    e na no-obrigatoriedade de utilizao de anlises laborato-riais como tcnica auxiliar.

    Em sntese, convivem hoje sistemas de garantia da qualidade da produo orgnica baseados em redes sociais ao lado de esquemas rgidos de avaliao de conformidade. Entre os dois, desenvolvem-se alternativas que procuram combinar o controle social, a relao da con-ana, a ao coletiva e os componentes simplicados de avaliao de conformidade como mecanismo de controle da qualidade orgnica.

    O reconhecimento pela Ifoam de que tempo de prestar aten-o nos sistemas alternativos de garantia da qualidade exemplicado pela deciso de organizar a Ocina sobre Certicao Alternativa em parceria com o Maela e o Centro Ecolgico, em Torres (RS), entre os dias 13 e 17 de abril de 2004 , e tambm a iniciativa do Projeto de Respon-sabilidade Social na Agricultura Sustentvel (Sasa) com as Organizaes para Rotulagem de Produtos do Comrcio Justo (FLO) para harmonizar padres e procedimentos de certicao entre orgnicos e do comrcio justo podem ser vistos como sinal positivo e pode representar um movi-mento alm dos sistemas formais de certicao (Fonseca, 2004).

    2.3. Certicao em grupo por auditoria externa ou Certicao de Grupo de Pequenos Produtores (CGPP)5

    A Certicao em Grupo segue os requerimentos contidos no ISO Guia 65/97, que o padro para a certicao por auditoria exter-na de terceira parte. Ela representa uma forma de adaptao dos pro-cedimentos previstos no padro ISO, visando facilitar a certicao para grupos de produtores, sejam eles independentes, ou vinculados a uma empresa ncora, que fomenta a organizao do grupo.

    Algumas regulamentaes internacionais (Ifoam grower groups), assim como o Regulamento CE 2092/91 e a IN Mapa 006/2002, abrem a perspectiva da certicao de grupos de produtores organiza-dos e estabelecem o perl de grupos e as condies de realizao. uma prerrogativa voltada para aumentar a possibilidade de acesso ao servio, uma vez que esse procedimento pode resultar em reduo considervel dos custos de certicao.

    Observam-se duas formas de funcionamento da Certicao em Grupo no Brasil. Na primeira delas, a demanda de certicao

    5 As duas terminologias so tomadas como sinminos.

  • PRODUO ORGNICA REGULAMENTAO NACIONAL E INTERNACIONAL 33

    SISTEMAS DE GARANTIA DA QUALIDADE NA PRODUO ORGNICA NO BRASIL

    gerada pelas empresas que se interessam em organizar uma base produtiva para aquisio de sua produo orgnica. A empresa se responsabiliza pelos custos de certicao e compra a produo a partir de um valor negociado entre o produtor e a empresa. A empre-sa comercializa a produo dos agricultores em um sistema similar s empresas integradoras6. Na segunda modalidade, o conjunto de produtores que necessita do servio de certicao se organiza em um grupo formal e se responsabiliza pelo custo de certicao e pela co-mercializao de sua produo. Nesse caso, o sistema representa a viabilizao da explorao do mercado de produtos orgnicos por um grupo de agricultores que teria grande diculdade em obter o servio de forma individualizada.

    A demanda pela certicao de grupo deve partir de produ-tores organizados, seja em torno de uma empresa ou de uma entidade associativa formalizada como pessoa jurdica. Por isso, os produtores devem ter um contrato formal com a pessoa jurdica mencionada de-terminando suas responsabilidades no processo de certicao. A partir da formalizao do grupo, estabelecido um contrato entre o organismo certicador e a pessoa jurdica do grupo de produtores.

    De acordo com dados da Ecocert Brasil (Arajo, 2001, citado em Fonseca e Ribeiro, 2003), apresentados na conferncia da FAO sobre o tema da normalizao em pases da Amrica Latina, em al-guns OCs, o controle por amostragem nos grupos s usado pela difcil aplicao do plano de controle padro (usados em 100% das unidades produtivas). Para viabilizar o controle dessas unidades, em geral pequenas, aplicado o controle por amostragem, que ser au-ditado pelo OC.

    Os critrios para controle por amostragem so: mnimo de 30 produtores participantes; produtores obrigatoriamente organizados em torno de uma empresa ou grupo; maioria dos produtores com me-nos de 5 ha de cultivo orgnico; 70% de produtores com at 10 ha de cultivo orgnico; visita de inspeo anual obrigatria para controle in-terno (realizada pelos tcnicos da entidade) em 100% das unidades dos grupos de produtores (associao, cooperativa, condomnio) inscritos no projeto, sendo que cada unidade produtiva deve fornecer uma srie de informaes7; produtores devem ter a mesma produo principal e

    6 Onde as empresas integradoras fornecem os insumos de produo e a tecnologia, estabelecendo a obrigatorie-dade e as condies de compra do produto.

    7 Cadastro, termo de compromisso, histrico de cada lavoura, normas, registro das intervenes nos cultivos, lista com os problemas (no conformidades), descrio de estoques e medidas de separao.

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    tcnicas de produo homogneas entre os participantes do grupo e na regio; existncia de controle interno obrigatrio sob responsabili-dade da entidade na qual os produtores esto organizados e em nome da qual ser certicado. O controle interno dever ser realizado uma vez por ano, documentado em todas as unidades produtoras, sendo apresentada ao OC a lista das unidades produtivas com problemas. Conforme observam Fonseca e Ribeiro (2003), a propriedade do certi-cado do grupo e no do indivduo.

    Segundo Medaets (2003), o procedimento de vericao da conformidade com os padres para a manuteno do certicado na certicao em grupo depender da opo que o grupo tiver feito quanto a estabelecer ou no um sistema de auditoria interna. No primeiro caso, um tcnico local (da comunidade, de uma entidade de extenso etc.) ser treinado pelo organismo certicador durante o perodo de converso para realizar inspees a todas as unidades de produo ao longo do ano antes da realizao da inspeo externa. Existindo um grupo de controle interno, a partir do incio do processo de manuteno da certicao, as inspees externas so realizadas na documentao e instalaes da pessoa jurdica com a qual os agri-cultores se vinculam por contrato e em uma amostra do conjunto das propriedades. Caso o grupo optar por no estabelecer sua auditoria interna, as inspees de manuteno sero realizadas em todas as propriedades do grupo.

    Em resumo, segundo Fonseca e Ribeiro (2003), baseados em documentos da Ifoam:

    A funo da CGPP diminuir custos, organizar a oferta (pla-nejamento) e possibilitar acesso aos mercados internacionais com garantia de controle mnimo da qualidade orgnica.

    A denio CGPP tem os seguintes critrios::: o custo (individual) de certicao desproporcionalmen-te alto em relao aos valores das vendas dos produtos comercializados;:: as unidades produtivas so principalmente manejadas por trabalho familiar;:: h homogeneidade dos membros em termos de locali-zao geogrca, sistema de produo8, tamanho das pro-

    8 H consenso que esses devem ser muito parecidos, mas em algumas situaes agricultores produzem diferen-tes culturas secundrias para venda. Nesse caso, uma deciso qualificada deve ser feita pelo OC para ver se h homogeneidade suficiente.

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    SISTEMAS DE GARANTIA DA QUALIDADE NA PRODUO ORGNICA NO BRASIL

    (i) Concentrao de OCs nos pases do Norte (no Programa de Garantia da Ifoam 44% OCs esto na Europa; no Brasil OCs internacionais representavam 1/3 dos OCs atuantes em 2003); alto custo.(ii) Normas europeizadas x realidades locais (desenvolvimento AO em diferentes velocidades; normas tornam-se barreiras tcnicas).(iii) Recomendaes x exigncias mnimas x disponibilidade de insumos/tecnologias.(iv) Poltica pblica e privada insu ciente nos pases de baixa renda (a AO trata de bens pblicos meio ambiente, valores ticos). (v) Di culdade de obter protocolos de conformidade (grande nmero de no conformidades).(vi) Di culdade dos produtores realizarem todos os controles, principalmente em sistemas diversi cados (legumes e verduras frescas) e no em monoculturas (caf, cana etc.).(vii) Custo e treinamento organizacional para implantar e manter a qualidade da certi cao para pequenos produtores e de acreditao para os pequenos OCs. (viii) Dvidas quanto a certi cao em grupo.(ix) Necessidade de capacitao/treinamento dos OCs e dos funcionrios dos governos em normas e regulamentao da AO e critrios para acreditao.

    priedades9 e sistema comum de mercado;:: nenhuma soma mxima de hectares por propriedade estabelecida10;:: tamanho mnimo do grupo: deve ser amplo o su cien-te para sustentar um Sistema de Controle Interno vivel; um nmero de 30 a 50 produtores envolvidos, que varie, mas, no xar o nmero de membros, pois esse depende da situao;:: tamanho mximo do grupo: o interesse/preocupao do grupo depende de sua estrutura, capacidade, comunica-o. um elemento na avaliao de risco.

    Quadro 4 Impedimentos para PBR atenderem certi cao por auditoria

    Fonte: Fonseca (2003).

    Resumidamente, os impedimentos para que os pases de baixa renda, em especial o Brasil, adotem o processo de certi cao reconhecido (certi cao de terceira parte/auditoria) nos pases de alta renda esto no Quadro 4.

    9 O segundo workshop estabeleceu que uma regra de funcionamento que a diferena no tamanho das proprie-dades no pode exceder a relao de 1:50.

    10 Produtores (ou suas famlias) freqentemente tm reas potencialmente maiores de terra, das quais somente uma pequena parte cultivada. A terra pode ser propriedade da comunidade. Usualmente o proprietrio no est documentado.

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    2.4. Certicao Participativa

    A Rede Ecovida de Agroecologia, criada em 1998, a partir da organizao de grupos de agricultores, ONGs e tcnicos da regio Sul do Brasil, adota um sistema de certicao denominado Certicao Participativa.

    Segundo o documento da Rede Ecovida (2000), os Cadernos de Normas apresentam os procedimentos gerais e especcos utiliza-dos pela Rede Ecovida. Sua elaborao realizada com a participao do conjunto das organizaes-membro, resultando em um material adequado realidade da agricultura familiar e capaz de gerar a credibi-lidade necessria. Os Cadernos de Normas so compostos por:

    diretrizes para obteno da qualidade orgnica: As diretri-zes dizem respeito ao conjunto de procedimentos permitidos, tolerados e proibidos na produo, transformao e envase de produtos em vias da certicao Ecovida. Denem, tambm, a metodologia de Certica-o Participativa;

    formulrio para requerimento de certicao: Consiste no conjunto de informaes necessrias para a anlise da unidade de produo que solicita a certicao. com base nele e no conhecimen-to do dia-a-dia da propriedade que sero tomadas as decises quanto aprovao ou no da certicao.

    O processo de Certicao Participativa, de acordo com o documento da Rede Ecovida (2001), funciona a partir da formao de um grupo. Para isso, necessrio, no mnimo, trs famlias e um mximo denido pelos limites de funcionalidade. Todos devem co-nhecer bem a produo uns dos outros, pois os membros do grupo so co-responsveis pela sua idoneidade. O grupo depois de forma-do deve se cadastrar junto ao Ncleo Regional, requerendo que trs antigos membros (grupos) o indiquem. Cada grupo deve ter um orien-tador desde a sua formao. Ele pode ser um(a) tcnico(a) da asses-soria ou um(a) agricultor(a), tendo formao em agroecologia reco-nhecida pela Rede Ecovida. Sua funo participar das visitas s propriedades, registrar informaes, tirar dvidas e apresentar suges-tes tcnicas e/ou organizativas que facilitem a estruturao dos gru-pos. Cada propriedade do grupo deve ter desenvolvido (ou em desen-volvimento) um plano de produo ecolgica respeitando as normas tcnicas da Rede Ecovida.

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    SISTEMAS DE GARANTIA DA QUALIDADE NA PRODUO ORGNICA NO BRASIL

    Uma vez por ms so realizadas reunies em uma das proprie-dades dos componentes do grupo, quando so discutidas as particulari-dades da produo da famlia visitada, alm de questes gerais do grupo. recomendado que o processo seja registrado em livro de atas e em formulrios especcos. Havendo irregularidades, o grupo deve informar e enviar parecer ao Ncleo Regional. A documentao, at ento em poder exclusivo do grupo, preparada e enviada para o Ncleo Regional, que, em sua prxima reunio, toma a deciso quanto situao.

    O grupo deve constituir um Comit de tica, que ser esco-lhido em assemblia (associao, cooperativa) e ser formado por, no mnimo, trs membros (agricultores(as) e/ou tcnicos do grupo) que tero mandato de um ano com renovao de um tero de seus mem-bros. O comit tem as seguintes atribuies:

    fazer cumprir as normas tcnicas da Rede Ecovida; acompanhar os sistemas de produo agroecolgicos dos

    membros do seu grupo; aprovar ou no os procedimentos dos membros do grupo; denir os padres de qualidade dos alimentos, direcionan-

    do ou no os produtos para o comrcio; outros, a critrio do prprio grupo.Os Ncleos Regionais renem um conjunto de grupos de

    produtores e tm as seguintes nalidades: respaldar e validar o processo de Certicao Participativa

    feito nos grupos; organizar a documentao necessria de acordo com as

    solicitaes e/ou demandas dos grupos; decidir sobre o ingresso de novos grupos; dar parecer sobre a excluso de membros da Rede quando

    solicitado por algum grupo.Os ncleos so formados por entidades e pessoas atuantes

    em agroecologia, reconhecidas e participantes da Rede Ecovida, sendo escolhidas entre representantes dos grupos, agricultores (ou a quem eles delegarem a funo) e consumidores.

    O documento da Rede (2001) ressalta a importncia da for-mao peridica das pessoas por meio de intercmbios, dias de cam-po, cursos e materiais didticos. Alm disso, que os consumidores tenham informaes completas e adaptadas sobre todo o processo, participem dos Ncleos Regionais e das visitas ou reunies com gru-pos de produtores e estejam envolvidos no processo de certicao.

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    Destaca ainda como se d a implantao e o funcionamento da Certicao Participativa na Rede Ecovida. A seguir apresenta-se uma descrio do passo a passo da Certicao Participativa em todos os ncleos da Rede Ecovida:

    Passo 1 O grupo que solicita a certicao deve se integrar ao ncleo, ser apresentado por dois (com variao de trs) outros gru-pos do ncleo e preencher o cadastro geral de produo e comerciali-zao dos produtores do grupo.

    Passo 2 Os agricultores do grupo devem preparar um plano de transio.

    Passo 3 Cumprido o plano de transio, o grupo solicita a certicao exibindo um plano do planejamento da produo.

    Passo 4 Forma-se o Comit de tica para o grupo. Nesse aspecto, h variaes entre o nmero, perl e critrios para escolha dos componentes manifestando-se sempre preocupao em reduzir o efeito vizinhana (conito de interesses).

    Passo 5 O Comit de tica examina os documentos apre-sentados pelo grupo e realiza a visita de superviso segundo o roteiro estabelecido nas normas da Rede. Podem ser visitadas todas as famlias ou algumas, caso o nmero seja elevado.

    Passo 6 Realizao da visita composta de: reunio preliminar, onde o grupo apresenta seus problemas

    ao comit; sorteio e visita s propriedades; relatrio individual de cada membro do comit.Passo 7 A deciso de certicao, de carter colegiado,

    pode ser tomada no grupo ou no ncleo.Passo 8 Cada ncleo possui uma coordenao: coordena-

    dor, tesoureiro e secretrio. Ficando a cargo do ltimo arquivar o pro-cesso do grupo.

    Passo 9 A cada seis meses, o grupo deve apresentar um relatrio sobre a implementao do plano de produo ecolgica.

    Passo 10 A visita do Comit de tica realizada por solici-tao do grupo, quando so observados problemas, ou, regularmente com periodicidade anual.

    Passo 11 O Conselho de Certicao da Rede comunicado sobre a deciso de certicao. Ele s ser chamado a intervir se soli-citado pelo ncleo ou se for constatada alguma situao que esse no tenha sido capaz de controlar.

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    SISTEMAS DE GARANTIA DA QUALIDADE NA PRODUO ORGNICA NO BRASIL

    Esse procedimento indica que o Sistema de Certi cao Parti-cipativa em Rede, como implementado nos dias atuais pela Rede Ecovi-da, poderia ser visto de maneira esquemtica como na Figura 4.

    De nio dos valores bsicos formadores da ideologia em torno da qual se estrutura a conformidade social.

    Fonte: Medaets, 2003.

    Busca da conformidade social por intermdio da construo de espaos como reunies, comits e outros onde se de nem sanes positivas e negativas.

    Visitas do Comit de tica e, em algumas situaes, deciso de certi cao em reviso de pares.

    Realizao das revises de pares nos ncleos a partir das informaes das visitas e deciso de certi cao.

    Comunicao da deciso de certi cao ao nvel central da Rede Ecovida.

    Figura 4 Sntese dos componentes da Certi cao Participativa em Rede

    2.4.1. A conformidade social

    De ne-se que a avaliao da conformidade se constitui de todas as atividades utilizadas para se determinar diretamente ou indi-retamente que requerimentos espec cos esto sendo preenchidos. Sob o ponto de vista tecnolgico, as atividades so os testes, anlises laboratoriais, inspees e outros.

    ParaTrujillo Ferrari (1983), sob a tica sociolgica, a confor-midade representa a alterao ou modi cao do comportamento e crenas de uma pessoa ou de um grupo, numa direo determinada por um grupo mais amplo. Essa alterao se processa por intermdio de sanes positivas, negativas e neutras. A avaliao da conformida-de social tem a nalidade de determinar se requerimentos esto sendo preenchidos e se diferencia da avaliao (tecnolgica) da con-formidade em vrios aspectos. Primeiro, por ser realizada a partir de atividades como reunies, aes de comits, observao sistemtica, convergncia de informaes etc., que no possuem per l tecnolgi-co. Segundo, pelo fato de que os requerimentos de conformidade no se referem ao sistema produtivo e sim aos condicionantes sociais que o conformam. Terceiro, por no precisar de tcnicos para inspeo (na medida em que se fundamenta na construo da con ana) e sim

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    de tcnicos e agricultores formados na produo agroecolgica. E, por ltimo, pelo fato de o tcnico estar envolvido no cotidiano dos grupos de produtores certicados, vivenciando o processo de construo da conformidade social.

    A avaliao da conformidade realizada a partir do incre-mento de componentes externos ao processo produtivo: inspetores externos, laboratrios etc. Um mecanismo como a avaliao da con-formidade social, ao contrrio, fundamentado em recursos e capaci-dades locais. Outra vantagem que a avaliao da conformidade social se realizaria a partir do uso dos recursos materiais e humanos dispon-veis, enquanto a avaliao da conformidade se fundamenta em maior utilizao de recursos nanceiros.

    2.4.2. As visitas

    As inspees externas so substitudas, no caso da Certica-o Participativa em Rede, pelas visitas dos Comits de tica. Apesar de as visitas terem um carter externo, o que as diferencia da inspe-o o fato de no serem realizadas por um inspetor ou auditor e sim por tcnicos e produtores que possuem o conhecimento prtico na produo agroecolgica.

    As visitas so antecedidas de reunies dos grupos de agri-cultores com o objetivo de estabelecer uma conformidade social para com o produto agroecolgico. Deve-se ter em mente que cada unidade produtiva uma empresa familiar. Portanto, cada reunio de grupo traz uma viso exterior quela do empreendimento onde o grupo se rene. A visita do Comit de tica o momento em que os agricultores tm suas prticas produtivas analisadas por componentes externos ao gru-po. Um dos resultados das visitas mencionado nas entrevistas a re-comendao de sanes negativas para os produtores que no cumpri-rem com os acordos estabelecidos para a produo agroecolgica. Essas sanes podem chegar ao extremo de excluir membros do grupo que no cumprem tais acordos. Alm disso, nelas so transmitidas recomen-daes para a adequao da produo s prticas agroecolgicas.

    2.4.3. As revises de pares

    No caso da Certicao Participativa, as revises de pares po-dem ocorrer quando um Comit de tica se rene no mbito de um

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    SISTEMAS DE GARANTIA DA QUALIDADE NA PRODUO ORGNICA NO BRASIL

    grupo ou quando da apresentao dos resultados da anlise do Comit de tica aos membros do ncleo. No primeiro caso, as visitas dos Comits de tica so executadas na forma de reviso de pares e repre-sentam o componente externo que decide sobre a certicao. No se-gundo, quando as revises ocorrem nos ncleos, existe separao entre a funo de inspeo realizada pelas visitas e a funo de certi-cao, realizada nas revises de pares que ocorrem nesses ncleos. De acordo com Kostoff (2003), as revises de pares podem variar de discus-ses pessoais informais at dezenas de encontros formais. Nesse caso, a reviso de pares, desenvolvida no contexto da Certicao Participati-va, conta com o papel dos Comits de tica e do Conselho de Certica-o da Associao de Certicao Participativa em Rede (que hoje se apresenta bastante deciente). Por outro lado, ela no se encontra des-crita na forma de um programa. Um grau de formalizao mais elevado resultaria na sistematizao dos procedimentos e maior reconhecimen-to externo da reviso de pares e da Certicao Participativa em Rede.

    O sistema de certicao por auditoria externa fundamen-tado em requerimentos que tm por objetivo a inspeo como um procedimento externo. Contrariamente a esse princpio, no caso da Certicao Participativa, os tcnicos participam orientando a imple-mentao do sistema de certicao em todas as suas etapas. Eles participam nas reunies dos grupos contribuindo para o processo de conformidade social, das visitas dos Comits de tica e das revises de pares. A participao dos tcnicos no processo permite manter atua-lizadas as informaes e amplia a qualidade de seu monitoramento sobre o processo produtivo certicado. Apesar de existir um roteiro a ser seguido para se realizar as inspees, no existem inspetores for-mais nem treinamento especco nas tcnicas de inspeo.

    Outro aspecto que particulariza a Certicao Participativa em Rede quanto aos procedimentos do Organismo Certicador refere-se deciso de certicao. Neste, os requerimentos constantes do ISO Guia 65/97 exigem que a deciso de certicao seja tomada por um Conselho de Certicao que opera no organismo certicador. No caso da Certicao Participativa em Rede, a deciso de certicao des-centralizada, no tomada pelo organismo certicador e sim pelos Comits de tica dos grupos e ncleos em um processo de reviso de pares. A deciso comunicada a um nvel central composto por um grupo de tcnicos que tambm cumpre a funo de controlar a utiliza-o do selo.

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    NEAD ESTUDOS 8

    O padro de certicao ISO preconiza a separao entre as funes de inspeo e certicao. Na Certicao Participativa, pode-se vericar duas possibilidades. Em alguns ncleos, a deciso de certi-cao tomada na reunio do Comit de tica pelos tcnicos e pro-dutores que realizaram a inspeo. Em outros, a deciso de certica-o tomada em revises de pares nos ncleos, a partir, das concluses apresentadas por aqueles que realizaram as visitas. Existe uma sepa-rao parcial entre as funes de inspeo e certicao medida que a deciso de certicao tomada pelo colegiado do qual fazem parte os inspetores.

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    3.1. Histrico do Marco Legal Brasileiro

    3.1.1. O Sistema Brasileiro de Avaliao de Conformidade (SBAC)

    Segundo o Inmetro (1997), o Sistema Nacional de Metrologia e o Conselho Nacional de Metrologia (Conmetro) foram institudos pela Lei 5.966, de 11 de dezembro de 1973, que estabelece o modelo de certicao de conformidade no pas. A lei formaliza o papel do Insti-tuto Nacional de Normatizao e Metrologia (Inmetro) como rgo responsvel pela concesso da Marca Nacional de Conformidade para produtos. O mesmo documento menciona que diversos rgos j pra-ticavam a certicao fora do mbito do governo com critrios diversos e, muitas vezes, no equivalentes. Mesmo no mbito governamental, havia diversas iniciativas de certicao, independentes do sistema ocial. No entanto, existiam poucos produtos certicados quando com-parados aos pases desenvolvidos. De acordo com o documento, o Sistema Brasileiro de Certicao (SBC) foi institudo pelo Conmetro, a partir da publicao da Resoluo 08/92 (revista pela Resoluo 02/97), com o objetivo de promover, articular e consolidar todos os esforos na rea de certicao e tratar de questes referentes certicao com-pulsria e voluntria, tendo como locus de coordenao o Comit Brasileiro de Certicao (CBC).

    Informaes obtidas na pgina do Inmetro (http://www.inme-tro.gov.br) explicam que o Comit Brasileiro de Avaliao da Conformi-dade (CBAC) foi criado pelo Conmetro, em sua 38 Reunio Ordinria (ocorrida em 12 de dezembro de 2001), em substituio ao Comit Bra-sileiro de Certicao (CBC) e ao Comit Nacional de Acreditao (Cona-cre). O CBAC um comit assessor do Conmetro, e o Inmetro membro nato, exercendo a secretaria executiva do mesmo.

    A pgina da web informa que o organismo de acreditao do SBAC o Inmetro, organizao que se constitui como autarquia federal, inserida na estrutura do Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e

    O MARCO LEGAL DA AGRICULTURA ORGNICA NO BRASIL

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    NEAD ESTUDOS 8

    Comrcio Exterior. H ainda no site informaes sobre a acreditao realizado pelo Inmetro, baseado nos critrios descritos na ABNT ISO/IEC Guias 61, 62, 65, e outros documentos normativos pertinentes matria. O mesmo endereo eletrnico mostra que o Inmetro busca o reconhe-cimento internacional do seu sistema de acreditao por meio de acor-dos com organismos de acreditao estrangeiros, visando a derrubada de barreiras tcnicas ao comrcio e a insero de produtos brasileiros no mercado internacional.

    No Sistema Brasileiro de Avaliao da Conformidade desen-volvem-se dois grandes sistemas de certicao. O primeiro no Minis-trio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior (MDIC), tendo o Inmetro como credenciador. em torno dele que est estruturada a maior parte do aparato de normalizao e avaliao de conformidade. Como resultado, as normas, metrologia e avaliao de conformidade do setor industrial, para certicaes compulsrias ou voluntrias, se desenvolvem sem distenses, capitaneados por esse rgo.

    Em paralelo, se desenvolve, no Ministrio da Agricultura, Pe-curia e Abastecimento, o sistema de acreditao e certicao de produtos orgnicos.

    3.1.2. A construo do consenso possvel: a IN 007/99 do Mapa

    No Brasil, semelhante a outros pases de baixa renda, foram os agricultores apoiados por ONGs, que prestavam assistncia tcnica e so-cial, que elaboraram um novo (re)conhecimento de prticas alternativas de produo e uma nova maneira de encarar a comercializao, tentando uma (re)aproximao com o consumidor. Procuravam colocar agriculto-res e consumidores em contato direto, por meio das feiras e cestas em domiclio, dando conana ao processo, no havendo necessidade de certicao. Estava criada a rede de credibilidade de produo e comer-cializao dos alimentos orgnicos, envolvendo agricultores, consumido-res e prossionais das cincias naturais e agrrias, que avalizavam o sis-tema saudvel de produo de alimentos. Procurava-se uma integrao entre agricultores, comerciantes, assistentes tcnicos e consumidores, todos responsveis associativamente pela qualidade do alimento.

    A necessidade da regulamentao para os alimentos orgnicos decorreu do natural distanciamento entre agricultores e consumidores, com o crescimento do mercado annimo (grandes redes de fornecimen-to), e da pouca divulgao da imagem de quem produz, num contexto de

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    O MARCO LEGAL DA AGRICULTURA ORGNICA NO BRASIL

    mistura de produtos na prateleira dos supermercados, mercados e quitan-das (venda a granel). No incio desse processo no Brasil, a normalizao era estabelecida pelas prprias associaes/organizaes de agricultores, ONGs, cooperativas de consumidores e tcnicos das reas agrcolas, ba-seando-se nas normas internacionais estabelecidas pelo setor privado nos pases de alta renda, como os da Ifoam e da Associao para o Melhora-mento da Produo Orgnica (Ocia), que envolve EUA e Canad.

    Quando comeam as tentativas de exportao (cacau e a-car) para a Alemanha, nos anos de 1988/1989, efetivadas em 1990, os importadores e os pases de alta renda, bem como os OCs europeus e nacionais passam, a exercer presso para o reconhecimento de um OC brasileiro e de uma legislao nacional. Em 1992, aumenta a presso em face da promulgao pela UE da Diretriz 2.092/91, que trata da comercializao de alimentos orgnicos nos pases-membro.

    Em agosto de 1994, o Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento realiza reunies com representantes de entidades gover-namentais e da sociedade civil ligadas a produo e ao consumo de alimentos orgnicos para elaborar uma regulamentao em nvel nacio-nal. A reviso e a adequao dos critrios e do sistema de certicao tm incio, surgindo a possibilidade de certicao de grupos, inclusive de autocerticao, respeitando, claro, as diretrizes gerais. Em abril de 1995, cria-se o Comit Nacional de Produtos Orgnicos (CNPOrg), por meio da Portaria Ministerial/MA 192/1995, com representantes das ONGs atuantes no segmento naquele momento (AAO, ABIO, APTA, Coolmia, IBD), Mapa, Embrapa, Ministrio do Meio Ambiente e univer-sidades (Fonseca, 2000).

    O comit trabalhou por dois anos e os principais dissensos eram: (i) quanto ao mrito da certicao se era necessrio ou mesmo conveniente ter uma regulamentao para a certicao de produtos orgnicos11; e (ii) quanto ao modelo de certicao que inclua denir quem deveria ser os OCs e qual o processo de certicao a ser adotado. Enquanto duraram as discusses, o mercado de produtos orgnicos cresceu no Brasil e os que eram contra a certicao, em face da presso do mercado, passaram a aceitar a possibilidade de uma certicao participativa, feita pelos tcnicos das ONGs que apoiavam os projetos com Enfoque Orgnico e Agroecolgico (EOA) (Souza & Bulhes, 2002).

    11 Os contrrios regulamentao alegavam que a certificao gerava custos e quem deveria alertar os consu-midores seriam os produtores que contaminavam os alimentos com uso inadequado de qumicos. Argumentavam tambm que a aplicao do cdigo do consumidor era suficiente para redimir quaisquer dvidas. Aqueles a favor diziam que seria uma oportunidade para a AO brasileira.

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    NEAD ESTUDOS 8

    Nova rodada de conitos (entre partidrios da certicao por a