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Sarah Lucia Alves França Departamento de Arquitetura e Urbanismo - Universidade Federal de Sergipe [email protected] Produção Habitacional de Interesse Social em Aracaju-SE, Brasil: Periferização do Direito à Moradia? 955

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Sarah Lucia Alves França

Departamento de Arquitetura e Urbanismo - Universidade Federal de Sergipe

[email protected]

Produção Habitacional de Interesse Social em Aracaju-SE, Brasil: Periferização do Direito à Moradia?

955

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8ºCONGRESSOLUSO-BRASILEIROPARAOPLANEAMENTOURBANO,REGIONAL,INTEGRADOESUSTENTÁVEL(PLURIS2018)CidadeseTerritórios-Desenvolvimento,atratividadeenovosdesafiosCoimbra–Portugal,24,25e26deoutubrode2018

PRODUÇÃO HABITACIONAL DE INTERESSE SOCIAL EM ARACAJU-SE, BRASIL: PERIFERIZAÇÃO DO DIREITO À MORADIA?

S. L. A. França

RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar características da produção da habitação de interesse social em Aracaju-SE, oriunda da parceria do mercado imobiliário com o Estado, a partir de 2000, ano de aprovação do Plano Diretor, até 2014. Aracaju, capital do Estado de Sergipe, Brasil, tem sido alvo de intervenções da Prefeitura Municipal e do Governo do Estado, além dos programas federais de Arrendamento Residencial – PAR e Minha Casa Minha Vida – PMCMV, com atuação das construtoras junto às Prefeituras, na perspectiva de reduzir o déficit habitacional. Entretanto, um dos maiores entraves é o acesso à terra urbanizada, tendo como alternativa a ocupação de áreas distantes. De fato, o Estado abandonou seu papel de protagonista na efetivação do direito à moradia e à cidade, para tornar-se construtor, mediador, viabilizador e parceiro do capital. Para o desenvolvimento deste, foram realizados levantamentos bibliográficos e documentais, a fim de quantificar e qualificar os empreendimentos implantados. 1 INTRODUÇÃO No Brasil, a política habitacional do século XXI aponta dois programas financiadores da construção de milhares de moradias: o Programa de Arrendamento Residencial – PAR, com funcionamento no período de 1999 a 2008, e o Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV, criado em 2009. Além disso, a Prefeitura e o Governo do Estado tem desenvolvido programas de erradicação da moradia precária e de oferta de habitações para famílias situadas em áreas de risco ou de preservação ambiental. Entretanto, a capital sergipana apresenta sua produção habitacional em direção à periferia, e com participação ativa dos agentes imobiliários e efetivação dos seus interesses na expansão urbana. O Estado abandonou seu papel de protagonista, para tornar-se mediador e viabilizador do setor imobiliário, especialmente na escolha de locais de implantação dos empreendimentos. Os programas habitacionais obedecem à lógica de produção capitalista da habitação social pelo mercado, destacando a nítida segregação e exclusão sócioespacial. Ao mesmo tempo, um dos maiores entraves é o acesso à terra urbanizada, tendo como alternativa a ocupação de áreas desvalorizadas e carentes de saneamento ambiental e transporte público. Contraditoriamente, afastam a população da real implementação do direito à moradia adequada. Então, questiona-se se os programas habitacionais desenvolvidos pela Prefeitura e Governo Estadual, ou aquelas subsidiadas pelo Governo Federal, como o PAR e o PMCMV, oportunizam o real direito à moradia de qualidade?

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Diante disso, este artigo visa analisar características da produção da habitação social em Aracaju-SE, Brasil, oriunda da parceria do mercado imobiliário com o Estado (Prefeitura, Estado e Governo Federal), no recorte temporal de 2000, ano de aprovação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDDU, até 2014. Para isso, foram realizados levantamento sobre empreendimentos, visitas ao local, bem como elaboração de tabelas e cartogramas, que traduzem o processo de inserção desses empreendimentos habitacionais. 2 PODER PÚBLICO (MUNICIPAL E ESTADUAL) E SEUS PROGRAMAS HABITACIONAIS: RESOLUÇÃO DA QUESTÃO DA MORADIA EM ARACAJU? O Estado e a Prefeitura tiveram grande responsabilidade pelo crescimento disperso, na tentativa de viabilizar moradia às famílias carentes através da implementação dos programas habitacionais. As primeiras iniciativas da gestão do Prefeito Marcelo Déda (2001-2006) se voltaram para o estudo do cenário da habitação social e da infraestrutura, especialmente na tentativa de erradicar as ZEIS, definidas pelo PDDU, em 2000. Elaborado em 2001, o Plano de Erradicação de Moradias Subnormais – PEMAS identificou 23.751 moradias em 72 assentamentos irregulares, seja do ponto de vista jurídico (posse da terra), quanto do urbanístico (carência de infraestrutura e serviços) (PMA/SEPLAN, 2001). A partir daí um conjunto de ações e projetos de recuperação dessas áreas proporcionou novos rumos à cidade. Um dos primeiros projetos de urbanização de favelas foi fruto do Programa Moradia Cidadã, componente do Programa Habitar Brasil/BID, que prometeu retirar da precariedade famílias com renda de até três salários mínimos. Considerado um marco na política habitacional municipal, tinha o intuito de integrar ocupações irregulares à cidade, garantindo a segurança da posse e tratando questões socioeconômicas, ambientais e urbanísticas. A primeira intervenção ocorreu no Loteamento Jardim Atlântico, no bairro Coroa do Meio, seguidas do Arrozal e das margens do Canal Santa Maria, no bairro homônimo e, mais recentemente, no Coqueiral, no bairro Porto D’Antas (Fig. 1).

O Projeto Integrado de Urbanização da Coroa do Meio (2002-2006) teve como premissa elevar a qualidade de vida, propiciando aporte técnico-social na implantação, regularização fundiária e recuperação ambiental, com participação efetiva dos moradores. Assim, foram erradicadas 652 palafitas e construídas moradias, beneficiando cerca de 3.050 famílias. Além da construção de moradias, houve implantação de infraestrutura, abertura de vias e equipamentos sociais (construção do Museu do Mangue, píer e do Centro de Referência da Assistência Social, ampliação da escola municipal, reforma de posto de saúde, pavimentação, drenagem, ampliação da rede de água). O manguezal, degradado em função da ocupação com palafitas foi recuperado, e realizado o monitoramento da qualidade da água (FRANÇA, CRUZ, 2013). O intenso trabalho social1, desenvolvido junto à comunidade no acompanhamento e gestão do projeto, resultou não apenas em moradia digna e legalizada, mas na ressocialização dos moradores. Com esta urbanização, aliada a outras intervenções, o bairro teve uma considerável valorização da terra e redução dos índices de criminalidade e violência urbana. Esse projeto favoreceu o adensamento, com a inserção de novos empreendimentos residenciais, como 1 Com a adoção dessa metodologia e a estratégia de inserção da comunidade no processo, o projeto foi um dos vencedores do Prêmio Melhores Práticas em Gestão Local 2009-2010, e se constituiu um modelo a ser seguido em outros municípios.

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condomínios de prédios de até quatro pavimentos, e também imóveis comerciais e de serviços, contribuindo para a diversificação dos usos, nível de renda e paisagem urbana. O Projeto de Urbanização do Santa Maria teve como áreas de abrangência a ocupação do Marivan, Prainha, Arrozal, Canal Santa Maria, Morro do Avião, avenida Amarela, Gasoduto e conjunto Antônio Carlos Valadares, cujos moradores foram beneficiados com construção de cerca de 1.900 moradias, além de terraplanagem, drenagem, pavimentação e saneamento ambiental. Uma das ações foi a desocupação da área de risco do Morro do Avião, com as famílias relocadas para o bairro 17 de Março, através dos recursos do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC (CARVALHO, 2013). Outra intervenção social, urbano e ambiental de importância para a expansão periférica é o Projeto Bairro 17 de Março. Implementado na Zona de Expansão entre 2007 a 2011, recebeu 2.012 famílias das áreas precárias e de risco, como Morro do Avião, Invasão do Arrozal, Prainha, Marivan, Gasoduto e outros locais, cadastradas pela Secretaria Municipal de

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Assistência Social e Cidadania – SEMASC (FRANÇA, 2011) (

Fig. 1). O novo bairro, localizado em área concedida pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – INFRAERO, teve sua construção dividida em quatro etapas (Blocos I, II,

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IIA e III), resultando em 2.562 unidades habitacionais, sendo 2.042 casas e 480 apartamentos. Junto a isso, foi proposta infraestrutura, com ênfase para Estação de Tratamento de Esgoto, e outros equipamentos sociais como escolas, bibliotecas, espaços públicos como a Unidade Produtiva, áreas verdes (praças) e Parque Ecológico, além de áreas reservadas para comércios e serviços, ainda não implantados (FRANÇA, 2011). Embora seja destaque na esfera municipal, a inserção deste traz questionamentos. Conforme FRANÇA (2011), o bairro “limita-se com duas áreas de extrema diferença social. De um lado, a região da Aruana, com seus condomínios fechados destinados a grupos sociais mais elevados e, do outro lado da Rodovia dos Náufragos, os conjuntos habitacionais do PAR para famílias de classe média baixa, e na parte oeste, o bairro Santa Maria, que contrasta desde a falta de infraestrutura até renda familiar inferior a um S.M”. (p.117). Além disso, alguns pontos foram assinalados pela Prefeitura, como a descaracterização das moradias e sua transformação em outros usos, como padarias, mercearias, igrejas, além da venda ilegal das moradias, detectada poucos meses após a entrega oficial, com valor negociado por cerca de dez mil reais. Semelhante à ocupação irregular em torno dos conjuntos do Banco Nacional de Habitação – BNH, no bairro 17 de Março, numa área ainda vazia, de propriedade da União, em 2014, inicialmente 200 famílias ocuparam a quadra que seria destinada à construção do Bloco III do projeto urbanístico do bairro. Denominado como Ocupação Recanto das Mangabeiras, esses novos moradores têm pressionado o poder público a construir habitações e infraestrutura, para as atuais 1.700 famílias que vivem ali. O Residencial Vitória da Resistência, proposto pela Prefeitura e inaugurado, em 2014 no bairro Lamarão, teve como objetivo substituir a ocupação da antiga Salina São Marcos. O projeto, que também envolveu as famílias beneficiadas, visou à construção de 410 moradias e de infraestrutura, bem como geração de trabalho e renda, educação ambiental, a fim de beneficiar famílias, que moravam irregularmente (SEPLOG & FRANÇA, 2014).

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Fig. 1 Aracaju, Projetos Habitacionais da Prefeitura e Estado, 2000-2014.

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Em 2013, a CEHOP iniciou a construção de 580 moradias no bairro Porto D’Antas, em área de 197.205,67m2 cedida pela Gerência Regional do Patrimônio da União - GRPU. Com recursos do Programa Pró-Moradia, as moradias foram destinadas a famílias de baixa renda que viviam na precariedade, às margens de mangues (área de preservação permanente pelas Leis Federais e de interesse ambiental pelo Plano Diretor), às margens da Avenida Euclides Figueiredo, no entorno do conjunto Porto D’Antas. Esses projetos habitacionais, desenvolvidos de 2001 a 2014, somaram 6.704 moradias. Destacaram-se não somente pelas obras mas, também, pelo enfoque na urbanização, com acompanhamento social, planejamento da mobilidade das famílias e organização destas no projeto. Outro elemento positivo foi a recuperação de áreas degradadas, como o manguezal dos bairros Coroa do Meio e no Santa Maria, com o plantio de árvores no Morro do Avião. Contudo, o atendimento às definições do Plano Diretor, no aspecto das melhorias habitacionais e regularização fundiária, ficou mais evidente nos projetos dos bairros Coroa do Meio, Santa Maria, Porto D’Antas e Lamarão. Essas intervenções causaram, também, uma valorização fundiária no entorno, contribuindo para a atração novos usos. No caso do 17 de Março, sua criação foi marcada pela fragmentação urbana e precarização da infraestrutura e serviços públicos, somada à distância dos postos de trabalho desses moradores, diante da ZEU ainda se caracterizar como uma área de expansão. 3 GOVERNO FEDERAL E SEUS PROGRAMAS HABITACIONAIS: A IMPLEMENTAÇÃO DO PAR E PMCMV EM ARACAJU Em Aracaju, o Programa de Arrendamento Residencial deu início em 2001 e subsidiou a construção de 39 empreendimentos, situados, na sua grande maioria, nas zonas norte, oeste e sul, resultando 6.850 habitações, destinadas à classe média baixa (CAIXA, 2010). Esses empreendimentos apresentaram duas tipologias: o condomínio vertical (apartamentos) e o conjunto residencial com casas térreas (Fig.2). Os primeiros empreendimentos foram localizados na ZEU e posteriormente no Jabotiana e Farolândia, que, juntos concentraram cerca de 70% da das unidades habitacionais. Embora em menor quantidade, alguns foram inseridos no tecido consolidado, preenchendo vazios dotados de infraestrutura e serviços, como nos bairros Industrial e Siqueira Campos, atendendo aos preceitos do programa, quanto à localização. Um dos requisitos do programa quanto à localização foi parcialmente atendido, excetuando-se aqueles inseridos na ZEU. Entretanto, a grande maioria está na franja periférica, ao norte, nos bairros Olaria e Lamarão, como no Jabotiana, Olaria, distantes das áreas centrais, e dos serviços públicos, infraestrutura, fácil acessibilidade, além da oferta emprego e renda. Os Cond. José Figueiredo, no bairro Industrial, e o Residencial Costa Norte, no Siqueira Campos, são exceções, estando situados em bairros já ocupados. A concentração de maioria desses empreendimentos próximos aos limites municipais foi proveniente da justificativa do mercado imobiliário de que os terrenos já dotados de infraestrutura teriam um custo mais elevado, onerando o preço da moradia, que deveria estar enquadrado nos valores pré-estabelecidos por município. A distribuição espacial indica que o bairro Jabotiana recebeu empreendimentos de diversos portes, sendo que um deles, com 407 unidades, enquanto outro, no bairro São Conrado tem

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500 aptos (máximo permitido pela lei). A ZEU concentrou o maior número de empreendimentos de grande porte, sendo dois deles com mais de 400 unidades (Fig.2). De fato, em função de características locacionais já mencionadas, especialmente o custo da terra urbanizada, a produção do PAR se manifestou sob diferentes tipologias habitacionais, com maior ou menos aproveitamento do terreno, utilizando tecnologias de construção. A primeira tipologia, é a vertical, cujos empreendimentos são compostos por quatro pavimentos, sem elevador. Os 21 condomínios verticais fechados são dotados de guarita de segurança e seus moradores necessitam arcar com o pagamento de taxas condominiais. Dois deles apresentam casas e apartamentos no mesmo empreendimento. Quando optou-se pela tipologia horizontal unifamiliar, o programa expressou a preferência pela construção de 20 conjuntos habitacionais, sendo que 19 estão na ZEU, em função da necessidade de terrenos maiores. Em geral, essas habitações foram dispostas de forma geminada, como uma estratégia econômica, mas com perda da qualidade, já comprometida pelo baixo valor da unidade da moradia, de acordo com as normativas do Programa. A adesão desse programa pela Prefeitura resultou nas mesmas formas de ocupação por famílias de renda média, diferente do que foi preconizado na Lei Federal n°10.188/2001. Outra semelhança está na periferização da moradia popular, sem dotação de infraestrutura e serviços públicos, prejudicando a qualidade de vida dos moradores, favorecendo a retaliação do tecido urbano, e abrindo vetores de expansão para os agentes imobiliários. Diante do colapso econômico internacional e da disposição do Governo Federal em acelerar o crescimento das cidades e reduzir o déficit habitacional, em 2009, o PAR foi substituído pelo Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV (Lei n°11.977/2009) como estratégia de garantir o acesso ao mercado habitacional para atendimento das famílias com renda até 10 salários mínimos. Na verdade, o objetivo era alavancar a construção civil em meio à crise econômica que assolava o país, com financiamento das moradias através da parceria entre construtoras e setor público, ou seja, União, CAIXA e Prefeitura Municipal. Em Aracaju, a Prefeitura aderiu ao PMCMV em 30/04/2009, com o pronunciamento do então Prefeito, afirmando que “o projeto vai contribuir para a redução do déficit habitacional e aumentará o investimento na construção civil e na geração de emprego”2. O detalhe era que a construção das moradias seria através das construtoras, permitindo celeridade às obras, sem limitações e burocracias do setor público (FRANÇA, 2016). O Programa se divide em dois eixos de atendimento: faixa entre 0 a 3 S.M. e 3 a 10 S.M. por família. Em Aracaju, para o primeiro eixo houve apenas 4 empreendimentos, localizadas em bairros que apresentam infraestrutura e serviços públicos insuficientes, distantes das ofertas de trabalho e de transporte público. Essas 1.262 moradias correspondem à apenas 12,6% do total, atendendo de forma reduzida, uma pequena parcela das mais de 20 mil famílias que compõem o déficit habitacional (Tabela 1).

2Disponível em <www.infonet.com.br/cidade/ler.asp?id=85126&titulo=cidade>. Acessado em 06.fev.2014.

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Fig. 2 Projetos da Prefeitura e Estado e Programas do Governo Federal em Aracaju, 2000-

2014.

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Tabela 1 Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV em Aracaju, Distribuição dos

Empreendimentos e Unidades Habitacionais por Faixas de Renda, 2009 – 2014

Até 3 SM De 3 a 10 SM Total Empreendimentos Habitacionais 4 45 49

Unidades Habitacionais 1.262 8.724 9.986 Aracaju apresenta uma peculiaridade: a pequena quantidade de empreendimentos destinados à faixa de 0 a 3 SM demonstra a dificuldade no acesso à terra urbanizada e barata para viabilizar a habitação social, frente à demanda de terra para outras faixas. Portanto, o principal entrave está na busca do mercado imobiliário por maior rentabilidade, concentrada nos produtos destinados às classes de renda mais elevada, o que exige uma atuação mais incisiva do Estado para o atendimento dessa faixa (FRANÇA, 2016). Outro fator se deve aos incentivos institucionais e legislativos para a viabilização do programa. Em 2009, a Lei Municipal n°93 estabeleceu critérios de flexibilização aos empreendimentos introduzidos nas Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, apesar dessas alternativas não serem suficientes para incentivar o mercado ia atuar nesses locais. A falta de articulação do governo para doação de terrenos é um dos pontos que dificulta a implementação do programa no atendimento às famílias de renda mais baixa. Aquelas famílias que recebem de 3 a 10 S.M. encontraram maior oferta de moradias, pela venda ser favorável ao mercado imobiliário, pela rentabilidade. São 45 empreendimentos habitacionais nessa faixa, resultando 8.724 habitações espalhados por diversos bairros. No total, entre 2009 e 2014, foram construídos 49 empreendimentos, somando 9.986 moradias. A maior parte localiza-se na porção norte, oeste e sul, nos bairros Porto D’Antas, Jabotiana e ZEU, que abarcaram 6.410 moradias, correspondendo a 64,19% do total (Fig. 2) É importante evidenciar que vem ocorrendo um avanço dos empreendimentos sobre o território municipal de São Cristóvão, aprovados pela CAIXA como se fossem de Aracaju. Três empreendimentos estão localizados às margens dos limites municipais São Cristóvão-Aracaju, mais próximo ao bairro Jabotiana, onde estão localizados grande número de unidades habitacionais construídas pelo PMCMV (FRANÇA, 2016). As diretrizes estabelecidas para efetivação do PMCMV proporcionaram a livre escolha dos terrenos. Entretanto, a ineficácia na implementação dos instrumentos de controle do valor da terra tem ocasionado a ocupação de áreas baratas, sem disponibilidade de infraestrutura e serviços públicos, atenuando a periferização, como ocorreu intensamente no bairro Jabotiana e na ZEU, locais de maior crescimento imobiliário nos últimos anos. Nessas localidades, principalmente no bairro Jabotiana, na zona oeste, a concentração de empreendimentos do PMCMV, na faixa de 3 a 10 SM, deu-se de forma contínua. Os condomínios foram construídos próximos uns dos outros, potencializando os impactos da transformação do espaço rural em urbano (sítios foram substituídos por condomínios) e o uso residencial predominantemente horizontal tem dado lugar ao vertical (Fig. 2). Os agentes envolvidos na atuação do PMCMV (proprietários de terras, incorporadores, construtores e Estado) evidenciam que o alto valor da terra em áreas urbanizadas é um grande obstáculo para o andamento do programa. Esta questão poderia ser enfrentada com a aplicação dos instrumentos de combate à especulação fundiária inclusos no Plano Diretor,

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especialmente as ZEIS, cuja utilização destas pelo PMCVMV foi incentivada, posteriormente, através legislação municipal (FRANÇA, 2016). É importante observar a efetividade do PMCMV não apenas em termos quantitativos, como é explorado pelo poder público na mídia, mas, especialmente, qualitativo. Os dados apresentados aqui permitiram considerar que são ínfimas as contribuições do programa para o cumprimento do direito à moradia e à cidade. 4 BREVE REFLEXÃO: EFETIVAÇÃO DA HABITAÇÃO DIGNA OU PERIFERIZAÇÃO DO DIREITO À MORADIA EM ARACAJU? A necessidade do entrelaçamento das políticas fundiária, habitacional e de infraestrutura e sistema viário fica evidente, de modo a garantir o acesso à terra urbanizada com valor reduzido, permitindo que os empreendimentos sejam construídos em áreas de interesse social e em maior proporção para àqueles que se concentram na faixa de renda de 0 a 3 SM. Entretanto, Aracaju não demonstra essa aliança da gestão pública no sentido de prover uma cidade justa e igualitária, com combate à especulação imobiliária. A inserção desses empreendimentos em locais que apresentem lotes com dimensões maiores e com menor valor fundiário foi fator decisivo na escolha da localização dos mesmos. Com isso, nota-se que a preocupação da gestão pública esteve mais associada à dinamização da economia por meio do atendimento às metas quantitativas estabelecidas, do que pelo real cumprimento do direito à moradia. Dessa forma, observou-se que os programas habitacionais, sobretudo o PAR e PMCMV trouxeram sérios impactos no tecido urbano da capital sergipana, inclusive em relação àqueles implantados em direção dos municípios circunvizinhos ou mesmo em outro território, com alvará de licenciamento expedido pela capital, em função dos inúmeros conflitos fundiários. Enfatiza-se a migração intraurbana e intermunicipal e, também, o fortalecimento de entraves nos quesitos mobilidade, saneamento ambiental, acesso a equipamentos e serviços públicos e, por último, a expansão dos limites urbanos que se fundamentou na produção habitacional periférica, a exemplo dos empreendimentos do PMCMV fora de Aracaju. Os 94 conjuntos habitacionais construídos entre os anos 2000 e 2014 têm sido responsáveis pela segregação e fragmentação espacial e valorização fundiária, resultando numa cidade cada vez mais excludente e desigual. Percebe-se que foram construídos sem preocupação de atrelar-se à efetivação de outras políticas, como a de infraestrutura e sistema viário. Além disso, pode-se ressaltar que esses conjuntos estão próximos aos antigos residenciais subsidiados pelo Banco Nacional de Habitação - BNH, constituindo a reprodução das velhas experiências com nova leitura, porém, com repetição das mesmas dificuldades. Quanto à localização desses conjuntos, a periferização da moradia destinada para uma população com faixa de renda de 3 a 10SM, foi bastante nítida, desde o período anterior. Isso deu continuidade à expulsão das classes de baixa renda para fora das áreas urbanizadas e distantes dos bairros centrais, que os conjuntos edificados pelo BNH. Esses empreendimentos foram construídos às margens da malha urbana nas zonas norte, oeste e sul, esta última recebendo 11.842 moradias, o que equivale a 50,31% do total construído. Isso reforça um direcionamento da expansão na direção sul, através da inserção da moradia popular, sobretudo nos bairros Santa Maria, 17 de Março e Zona de Expansão

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(sudoeste), que juntos acumularam 9.952 unidades. Analisando os bairros que abrigaram maior quantidade de moradias, nota-se que o Jabotiana e a ZEU somam mais de 38% do total, o que compreende um volume de mais de 9.200 unidades (Tabela 2).

Tabela 2 Distribuição das Unidades Habitacionais e Déficit Habitacional em Aracaju, 2000-2014

Até 3

SM % De 3 a 10 SM % Total

Déficit Habitacional (2010) 19.955 95,70 896 4,30 20.851

Número de Unidades

Habitacionais

Projetos 6.704 100 0 0 6.704 PAR 0 0 6850 100 6.850

PMCMV 1.262 12,64 8.724 87,36 9.986 Total 7.966 33,84 15.574 66,16 23.540

Esses programas têm como discurso a redução do déficit habitacional, entretanto, não é o que se constata. Os dados apontam a baixa efetividade do atendimento às famílias de renda inferior a 3SM, e que compõem 95,70% do déficit habitacional, por apresentar maior dificuldade de acesso aos financiamentos da moradia formal. Cerca de 67% dos beneficiários estão na faixa de 3 a 10SM, ou seja, apenas 4,30% da demanda por moradia contabilizada em 2010. Isso comprova a atuação contraditória do programa, privilegiando o segmento de maior renda, sendo que as famílias de 0 a 3 SM continuam desprovidas da possibilidade de aquisição de sua moradia. Assim, repete-se o que ocorreu com o BNH. Contudo, todos os programas apontados consideram apenas a garantia de uma moradia (atentando-se à quantidade), sem levar em conta a qualidade quanto à construtibilidade e em especial, o acesso à infraestrutura e serviços públicos, aprofundando as desigualdades sociais. O PAR e o PMCMV merecem severas críticas, por direcionar famílias pobres às àreas periféricas, acirrando a segregação social e distanciando, contraditoriamente à efetivação do direito à cidade e à moradia, conforme assegura o Estatuto da Cidade. 5 REFERÊNCIAS CARVALHO, Lygia Nunes (2013). As políticas públicas de localização da habitação de interesse social induzindo a expansão urbana em Aracaju-SE. Dissertação de Mestrado. São Paulo: FAUUSP. FRANÇA, Sarah Lúcia Alves (2016). Estado e Mercado na produção contemporânea de habitação de Aracaju-SE. Tese de Doutorado. Universidade Federal Fluminense. Niterói. FRANÇA, Sarah Lúcia Alves (2011). A produção do espaço na Zona de Expansão de Aracaju/SE: dispersão urbana, condomínios fechados e políticas públicas. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense. FRANÇA, Vera Lucia A. e CRUZ, Maria Eliza (2005). “Projeto de Reurbanização da Coroa do Meio: uma estratégia de inclusão social” Em: Revista da FAPESE de Pesquisa e Extensão. (Aracaju) V. 1: 43-54. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO; FRANÇA, Vera L. A (2014). Diagnóstico da Cidade de Aracaju. Relatório Final. Etapa 03. Aracaju: SEPLOG/PMA.