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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão – Região Sul 1 PROEJA E CURRÍCULO: MATERIALIZANDO O EXERCÍCIO DA INTERDISCIPLINARIDADE NA CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO INTEGRADO Jamile Delagnelo Fagundes da Silva Instituto Federal Catarinense – [email protected] Eixo temático: Teoria e Prática da Interdisciplinaridade Resumo Este artigo tem como objetivo relatar a experiência de uma proposta de construção de currículo integrado, norteado pelo o exercício da interdisciplinaridade, que vem sendo desenvolvido no Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) do Instituto Federal Catarinense. O Programa tem como principal objetivo a formação integral do aluno, constitui-se em uma política de inclusão social na qual a formação profissional está integrada à escolarização. Assim, ele é norteado por uma proposta pedagógica que está fundamentada no currículo integrado. Eis aqui o nosso desafio! Na busca de desenvolver um currículo integrado pautamos nosso trabalho na interdisciplinaridade. A interdisciplinaridade é um conceito complexo e polissêmico, sendo que nesta proposta vamos ao encontro do que Fazenda (1994), Demo (2002), Jantsch e Bianchetti (1997) apontam. Para os autores, a interdisciplinaridade não pode ser vista fora da compreensão epistemológica, histórica e crítica. Recorremos ainda às contribuições de Jantsch e Bianchetti (1997), quando afirmam que a interdisciplinaridade não pode ser concebida fora dos modos de produção históricos em vigor. A abordagem interdisciplinar deve ser entendida como produto histórico. É a partir dessas contribuições, entre outras, que estamos materializando o exercício da interdisciplinaridade na construção do currículo integrado no PROEJA. O exercício da interdisciplinaridade, na construção do currículo integrado, está trazendo importantes contribuições para repensarmos o processo educativo no PROEJA. Este exercício vem apontando importantes indicadores para compreendermos os processos de construção do conhecimento dos educandos, a maneira como eles vão se apropriando dos aspectos formais do conhecimento cientifico. Outra contribuição que consideramos importante refere-se ao fato de que os instrumentos utilizados (planejamento coletivo, reuniões semanais, problemáticas compartilhadas, entre outros) representam uma ferramenta para a auto-reflexão dos docentes. É a partir do exercício da insterdisciplinaridade, dos registros que vem se consolidando através dos instrumentos utilizados nesta prática, que o docente percebe-se e é percebido, podendo assim refletir sobre sua ação pedagógica. Palavras chave: Interdisciplinaridade. PROEJA. Currículo. 1. Para início de conversa A EJA é uma categoria organizacional constante da estrutura da educação nacional, com finalidades e funções específicas. Como finalidade, há o compromisso de propiciar um atendimento mais aberto aos jovens e adultos tanto no que se refere ao acesso à escolaridade obrigatória, quanto a iniciativas de caráter preventivo para diminuir a distorção idade/ano. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (Parecer CEB nº 11/2000), consonante com a nova LDB aponta, então, três funções como responsabilidade da educação de jovens e adultos: reparadora (restaurar o direito de uma escola de qualidade); equalizadora (restabelecer a trajetória escolar); qualificadora (propiciar a atualização de conhecimentos por toda a vida).

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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

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PROEJA E CURRÍCULO: MATERIALIZANDO O EXERCÍCIO DA

INTERDISCIPLINARIDADE NA CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO INTEGRADO

Jamile Delagnelo Fagundes da Silva Instituto Federal Catarinense – [email protected]

Eixo temático: Teoria e Prática da Interdisciplinaridade

Resumo Este artigo tem como objetivo relatar a experiência de uma proposta de construção de currículo integrado, norteado pelo o exercício da interdisciplinaridade, que vem sendo desenvolvido no Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) do Instituto Federal Catarinense. O Programa tem como principal objetivo a formação integral do aluno, constitui-se em uma política de inclusão social na qual a formação profissional está integrada à escolarização. Assim, ele é norteado por uma proposta pedagógica que está fundamentada no currículo integrado. Eis aqui o nosso desafio! Na busca de desenvolver um currículo integrado pautamos nosso trabalho na interdisciplinaridade. A interdisciplinaridade é um conceito complexo e polissêmico, sendo que nesta proposta vamos ao encontro do que Fazenda (1994), Demo (2002), Jantsch e Bianchetti (1997) apontam. Para os autores, a interdisciplinaridade não pode ser vista fora da compreensão epistemológica, histórica e crítica. Recorremos ainda às contribuições de Jantsch e Bianchetti (1997), quando afirmam que a interdisciplinaridade não pode ser concebida fora dos modos de produção históricos em vigor. A abordagem interdisciplinar deve ser entendida como produto histórico. É a partir dessas contribuições, entre outras, que estamos materializando o exercício da interdisciplinaridade na construção do currículo integrado no PROEJA. O exercício da interdisciplinaridade, na construção do currículo integrado, está trazendo importantes contribuições para repensarmos o processo educativo no PROEJA. Este exercício vem apontando importantes indicadores para compreendermos os processos de construção do conhecimento dos educandos, a maneira como eles vão se apropriando dos aspectos formais do conhecimento cientifico. Outra contribuição que consideramos importante refere-se ao fato de que os instrumentos utilizados (planejamento coletivo, reuniões semanais, problemáticas compartilhadas, entre outros) representam uma ferramenta para a auto-reflexão dos docentes. É a partir do exercício da insterdisciplinaridade, dos registros que vem se consolidando através dos instrumentos utilizados nesta prática, que o docente percebe-se e é percebido, podendo assim refletir sobre sua ação pedagógica.

Palavras chave: Interdisciplinaridade. PROEJA. Currículo.

1. Para início de conversa

A EJA é uma categoria organizacional constante da estrutura da educação nacional, com finalidades

e funções específicas. Como finalidade, há o compromisso de propiciar um atendimento mais aberto aos

jovens e adultos tanto no que se refere ao acesso à escolaridade obrigatória, quanto a iniciativas de caráter

preventivo para diminuir a distorção idade/ano.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (Parecer CEB nº

11/2000), consonante com a nova LDB aponta, então, três funções como responsabilidade da educação de

jovens e adultos: reparadora (restaurar o direito de uma escola de qualidade); equalizadora (restabelecer a

trajetória escolar); qualificadora (propiciar a atualização de conhecimentos por toda a vida).

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Portanto, as finalidades e funções específicas desta modalidade de ensino destinada aos jovens e

adultos “indicam que em todas as idades e em todas as épocas da vida, é possível se formar, se desenvolver e

constituir conhecimentos, habilidades, competências e valores que transcendam os espaços formais da

escolaridade e conduzam à realização de si e ao reconhecimento do outro como sujeito” (Parecer CEB no

11/2000).

Nesta perspectiva, entendemos que o aprendizado não ocorre somente no espaço escolar, pois a

educação de jovens e adultos atende a um público que possui uma vasta bagagem de conhecimento

empírico, construído de forma difusa e não-sistemática e que deve ser levado em consideração na construção

de novos conhecimentos. Acreditamos que uma das possibilidades de propiciar e valorizar a construção de

conhecimentos nesta perspectiva é materializando o exercício da interdisciplinaridade na construção do

currículo. Assim, este artigo tem como objetivo relatar a experiência de uma proposta de construção de

currículo integrado, norteado pelo o exercício da interdisciplinaridade, que vem sendo desenvolvido no

Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de

Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) do Instituto Federal Catarinense.

O Programa tem como principal objetivo a formação integral do aluno, constitui-se em uma política

de inclusão social na qual a formação profissional está integrada à escolarização. Assim, ele é norteado por

uma proposta pedagógica que está fundamentada no currículo integrado. Eis aqui o nosso desafio!

2- Um olhar sobre o Programa

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em seu artigo 39 apregoa que “a educação

profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao

permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva”. Observa-se aqui que a integração da

educação profissional com o processo produtivo, com a produção de conhecimentos e com o

desenvolvimento científico-tecnológico é, antes de tudo, um princípio a ser seguido, uma vez que já está

previsto na lei que rege a educação nacional.

Seguindo os preceitos da lei, e buscando atender de forma mais abrangente os jovens e adultos

trabalhadores vitimados pelos processos de exclusão social, surge o PROEJA - Programa Nacional de

Integração da Educação Profissional à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.

Instituído pelo Decreto 5.840, de 13 de julho de 2006, o Programa Nacional de Integração da Educação

Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos é dirigido aos jovens

acima de 18 anos sem o ensino médio e sem formação profissional formal.

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Este Programa tem como objetivo integrar a educação (formação) profissional à educação básica

com o mesmo padrão de qualidade e de forma pública, gratuita, igualitária e universal, aos jovens e adultos

que foram excluídos do sistema educacional ou a ele não tiveram acesso nas faixas etárias denominadas

regulares. Esta formação específica e continuada é uma necessidade permanente para os jovens e adultos

trabalhadores, retomando assim os princípios ético-politicos já presentes no campo da EJA, como direito à

educação, à formação humana e a busca de universalização do ensino médio com vistas à elevação da

escolaridade. O Programa tem seu projeto educacional fundado na

Integração entre trabalho, ciência, técnica e tecnologia, humanismo e cultura geral com a finalidade de contribuir para o enriquecimento cientifico, cultural, político e profissional como condições para o efetivo exercício da cidadania. (DOCUMENTO BASE, 2007, p1)

O PROEJA oferecido no Instituto Federal Catarinense – Campus Camboriú, conforme o Artigo 3º e

seus incisos do Decreto n.º 5.840 de 13 de julho de 2006, oferta curso de Formação Inicial e Continuada

articulado com o Ensino Médio, é composto de 1520 horas, sendo destinadas 1200h para a formação geral e

320h ou 220h para a qualificação profissional. O turno de funcionamento é no período noturno, das 19h às

22h e 30 min, com um intervalo de 10 minutos. O curso é integralizado em quatro semestres e na conclusão

o aluno receberá um Certificado de Conclusão de Ensino Médio articulado com a Qualificação Profissional.

O Programa, em 2011, atende três turmas de ensino médio e a carga horária está distribuída de forma

que os estudantes sejam atendidos com 80% na forma presencial e 20% na semipresencial. As aulas

presenciais serão ministradas de segunda-feira à quinta-feira e, semipresenciais, na 6ª feira. Na forma

presencial, as aulas do Ensino Médio (formação geral) ocorrerem em três dias da semana e um dia para as

aulas de qualificação. As duas qualificações profissionais são nas áreas de Hospitalidade e Lazer e

Agroindústria.

A experiência relatada neste artigo aconteceu em uma das turmas deste Programa. A escolha desta

turma foi em função de realizarmos o trabalho de mediação com estes alunos na função de mediadora

pedagógica, fato este que propicia o acompanhamento mais próximo das aprendizagens destes alunos. Esta

turma é composta por vinte e sete alunos. É importante ressaltar que a caracterização da turma foi realizada

com base no questionário investigativo que utilizamos para entrevistar/conhecero o aluno quando ele realiza

a matrícula no Programa. Este questionário tem como objetivo conhecer melhor a realidade da turma, bem

como as expectativas de nossos alunos. Ressaltamos também que este instrumento é fundamental para

iniciarmos nossas reflexões acerca de um currículo mais interdisciplinar e contextualizado com a realidade

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destes alunos. A turma pesquisada é formada por vinte e duas mulheres e cinco homens, são alunos com

várias faixas etárias como observaremos nos gráficos a seguir:

Gráfico 01: faixa etária dos alunos PROEJA

Também é importante ressaltar que neste grupo, existe um número significativo de alunos ( cinco

alunos), que estão a procura de emprego com carteira assinada, hoje eles vivem de “bicos” e retornaram a

estudar com a esperança de se qualificar profissionalmente e conseguir uma colocação no mundo do

trabalho. No gráfico abaixo podemos observar que o grupo trabalha em diferentes profissões.

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21 até 25anos

26 até 30anos

31 até 35anos

36 até 40anos

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Gráfico 02: atividade profissional alunos PROEJA

Ainda em relação as atividades profissionais desenvolvidas é interessante observamos que a renda

familiar média mensal destes alunos se concentra, em grande parte, no valor de mil a dois mil e quinhentos

reais.

Gráfico 03: Renda familiar mensal dos alunos do PROEJA

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Porém, é importante ressaltar que esta corresponde a renda familiar e que grande parte destes

alunos, aproximadamente vinte, são casados ou vivem em união estável, sendo que cerca de onze deles

tem filhos, conforme gráfico apresentado abaixo.

Gráfico 04: Quantidade de filhos alunos do PROEJA

Além dos dados apresentamos, pensamos ser importante salientar que apenas dois destes alunos

residem na zona rural e que dezoito deles moram na cidade de Camboriú e nove na cidade de Itapema.

Sendo assim, o meio de transporte mais utilizado para chegar a escola é o transporte coletivo público,

seguido de moto. Outro dado interessante é que 18 deles moram em residência própria, o restante em

residência alugada ou cedida.

Os alunos deste grupo, em sua maioria, vivenciaram recentemente um processo de escolarização

em um PROGRAMA do governo, o PROJOVEM, para concluírem o ensino fundamental. Porém, antes

deste retorno podemos constatar que, a maioria do grupo, estava em média quinze anos afastados na escola,

como demonstra o gráfico abaixo:

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1 Filho 2 Filhos 3 Filhos 4 Filhos

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Gráfico 05: Tempo que os alunos do PROEJA estavam afastados da escola

Apresentamos uma breve caracterização da turma envolvida neste relato de experiência, pois

acreditamos que para a realização da prática interdisciplinar o primeiro passo é conhecer os sujeitos que

estão envolvidos neste processo. Evidente que este conhecimento vai muito além das informações

apresentadas acima, pois cada aluno é um sujeito que traz marcas da sua história pessoal e profissional,

marcas estas que devem ser respeitadas e compreendidas neste processo de escolarização e, especialmente

na construção curricular de uma proposta pedagógica. Como mediadoras da EJA convivemos com esses

sujeitos, suas marcas, histórias, angústias, situações e movimentos que nos propõe desafios diariamente.

3- A teoria que nos permite colocar o projeto em prática

Como o Programa tem como principal objetivo uma formação integral do aluno, constitui-se em uma

política de inclusão social na qual a formação profissional está integrada à escolarização. Assim, ele é

norteado por uma proposta pedagógica que está fundamentada no currículo integrado.

A integração aqui pressupõe que a educação geral se torne parte inseparável da Educação

Profissional, na qual se possibilita condições para inserção e continuidade no mundo do trabalho. Neste

contexto, o currículo orienta-se pelo diálogo constante com a realidade e a organização curricular é uma

construção contínua, processual e coletiva que envolve todos os sujeitos participantes deste Programa.

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Um princípio que ganha destaque no PROEJA é o do “trabalho como princípio educativo”. A

vinculação da escola média com a perspectiva do trabalho não se pauta pela relação com a ocupação

profissional diretamente, mas pelo entendimento de que homens e mulheres produzem sua condição humana

pelo trabalho — ação transformadora no mundo, de si, para si e para outrem. (Documento Base, 2007)

O trabalho, mais do que qualquer outro tema, deverá permear toda a proposta pedagógica, pois o

Trabalho (sentido ontológico) não é emprego, não é ação econômica específica. Trabalho é produção,

criação, realização humanas. Compreender o trabalho nessa perspectiva é compreender a história da

humanidade, as suas lutas e conquistas mediadas pelo conhecimento humano. O trabalho é visto, portanto,

como a mediação entre ciência e produção humana

Outro princípio é a preocupação em considerar as condições geracionais, de gênero, de relações

étnico-raciais como fundantes da formação humana e dos modos como se produzem as identidades sociais.

Nesse sentido, outras categorias para além da de “trabalhadores”, devem ser consideradas pelo fato de serem

elas constituintes das identidades e não se separarem, nem se dissociarem dos modos de ser e estar no

mundo de jovens e adultos.

Conforme do Documento Base (2007), “a organização curricular na EJA abre possibilidade de

superação dos modelos curriculares tradicionais, disciplinares, rígidos”. Assim propõe-se a desconstrução e

reconstrução de modelos curriculares pautados nas trajetórias de “vida” e de “trabalho” dos sujeitos

educandos, ou seja, nas suas identidades culturais.

Vale ressaltar que a disciplina é uma maneira de organizar, delimitar, pois representa um conjunto

de estratégias organizacionais, uma seleção de conhecimentos que serão apresentados aos alunos. Segundo

Fazenda (1994, p.66) “a indefinição sobre interdisciplinaridade origina-se ainda dos equívocos sobre o

conceito de disciplina”. Neste contexto, a proposta de interdisciplinaridade na organização de um currículo

visa estabelecer ligações de complementaridade entre as disciplinas, interconexões e passagens entre os

conhecimentos.

Da mesma forma que o proposto no Documento Base (2007), entendemos que o currículo não está

concebido “a priori”. A construção de um currículo integrado, principalmente, para a EJA deve ser contínua,

processual e coletiva que envolve todos os sujeitos que participam desse processo. Os ciclos de

aprendizagem possibilitam trabalhar as diferenças com mais flexibilidade, buscando integrar o cotidiano

local e o saber escolar de forma significativa através da abordagem dos temas por área de conhecimento e

projetos de pesquisa. Ainda o art. 3o da Declaração de Hamburgo (1997) afirma que:

A educação de adultos engloba todo o processo de aprendizagem formal ou informal, onde pessoas consideradas “adultas” pela sociedade desenvolvem suas habilidades, enriquecem seu

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conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as de sua sociedade. A educação de adultos inclui a educação formal, a educação não-formal e o espectro da aprendizagem informal e incidental disponível numa sociedade multicultural, onde os estudos baseados na teoria e na prática devem ser reconhecidos. (In: IRELAND, MACHADO, PAIVA, 2004, p. 42).

A partir desta concepção de educação como continuada ao longo da vida na modalidade EJA, abre-se

um novo campo de discussões e reflexões sobre as concepções pedagógicas vigentes na educação brasileira

e na formação dos docentes que atuam/atuarão nesta área.

Assim, o Programa entende a pedagogia como teoria da educação e, portanto, teoria da prática

educativa. Na modalidade EJA a concepção pedagógica, mais do que qualquer outra modalidade de ensino,

deve ter como princípio pedagógico “a relação entre a teoria e prática” e como campo de conhecimento

específico, implica investigar, entre outros aspectos, as reais necessidades de aprendizagem dos sujeitos

alunos. Acreditamos que uma das possibilidades de estabelecer esta relação entre teoria e prática está no

exercício das práticas interdisciplinares.

A flexibilização de currículos, meios e formas de atendimento, integrando as dimensões de

educação geral e profissional, reconhecendo processos de aprendizagem informais e formais, combinando

meios de ensino presenciais e a distância, possibilita aos jovens e adultos a obtenção de novas aprendizagens

e a certificação correspondente mediante diferentes trajetórias formativas.

A prática social e, principalmente, a prática laboral dos jovens e adultos interferem na concepção de

uma pedagogia voltada para este público. Ao se propor uma concepção pedagógica que relaciona teoria e

prática, a busca de uma prática interdisciplinar que resulta num currículo integrado, incorpora-se nesta

concepção a articulação dos conhecimentos prévios produzidos no seu estar no mundo àqueles disseminados

pela cultura escolar.

No caso da EJA, a pedagogia deve partir do reconhecimento desses sujeitos educandos constituídos

em suas relações histórico-sociais, e para tanto, deve-se construir uma proposta pedagógica que possibilite à

existência de linhas de flexibilidade, que sejam diferentes da escola que propõe formatar indivíduos e

construir subjetividades mais ou menos parecidas com as exigências de um mercado, por isso as práticas

disciplinares não cabem nesta concepção de educação.

Dessa forma, o Documento Base do PROEJA (2007) estabelece alguns princípios que consolidam os

fundamentos da política educativa da EJA definidos através das teorias de educação em geral e estudos

específicos desta modalidade de ensino.

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O PROEJA do Instituto Federal Catarinense – Campus Camboriú – como instituição de ensino que

integra a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica entende que os princípios da EJA devem

propiciar a inclusão e permanência dos jovens e adultos na escola. Isso significa a inserção orgânica da

modalidade EJA integrada à educação profissional, integração esta que acreditamos que só é possível

através de uma pratica interdisciplinar.

Isso significa dizer que essa concepção de currículo permite a abordagem de conteúdos e práticas

interdisciplinares, a utilização de metodologias dinâmicas que valorizem os saberes adquiridos em espaços

de educação não-formal como também o respeito à diversidade. Assim, ainda em consonância com o

Documento Base, a estrutura curricular enquanto um processo de seleção e de produção de saberes, de

visões de mundo, de habilidades, de valores, de símbolos e significados, enfim, de culturas, deve considerar:

a) A concepção de homem como ser histórico-social que age sobre a natureza para satisfazer suas necessidades e, nessa ação produz conhecimentos como síntese da transformação da natureza e de si próprio (RAMOS, 2005, p. 114); b) A perspectiva integrada ou de totalidade a fim de superar a segmentação e desarticulação dos conteúdos; c) A incorporação de saberes sociais e dos fenômenos educativos extraescolares; “os conhecimentos e habilidades adquiridos pelo educando por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames” (BRASIL, 1996, §2º, Art. 38, LDB); d) A experiência do aluno na construção do conhecimento; trabalhar os conteúdos estabelecendo conexões com a realidade de educando, tornando-o mais participativo; e) O resgate da formação, participação, autonomia, criatividade e práticas pedagógicas emergentes dos docentes; f ) A implicação subjetiva dos sujeitos da aprendizagem; g) A interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade e a interculturalidade; h) A construção dinâmica e com participação; i) A prática de pesquisa (adaptado de MACHADO, 2005).

Na busca de desenvolver um currículo integrado pautamos nosso trabalho na interdisciplinaridade.

A interdisciplinaridade é um conceito complexo e polissêmico, sendo que nesta proposta vamos ao encontro

do que Fazenda (1994), Demo (2002), Jantsch e Bianchetti (1997) apontam. Para os autores, a

interdisciplinaridade não pode ser vista fora da compreensão epistemológica, histórica e crítica. Recorremos

ainda às contribuições de Jantsch e Bianchetti (1997), quando afirmam que a interdisciplinaridade não pode

ser concebida fora dos modos de produção históricos em vigor. A abordagem interdisciplinar deve ser

entendida como produto histórico.

Tal compreensão apontam Jantsch e Bianchetti (1997), não exclui a necessidade de avançar na

direção de outro paradigma que permita uma aproximação maior da visão histórica. Não implica também

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que interdisciplinaridade e a especialidade não possam conviver de forma harmoniosa, dado que o “genérico

e o específico não são excludentes”. Para Japiassu (1976, p.74) “a interdisciplinaridade caracteriza-se pela

intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de interação real das disciplinas no interior de um

mesmo projeto de pesquisa”.

É a partir dessas contribuições, entre outras, que estamos materializando o exercício da

interdisciplinaridade na construção do currículo integrado no PROEJA. A estrutura curricular do curso é

pautada numa abordagem por área de conhecimento, sendo que os componentes curriculares dialogam entre

si a partir de problemáticas compartilhadas. A metodologia e a abordagem dos conteúdos são planejadas

coletivamente entre os sujeitos que atuam neste Programa, o que constitui o planejamento articulado. Este

planejamento, que é norteado por problemáticas compartilhadas, propicia que se estabeleçam relações e

diálogos entre os conhecimentos abordados concomitantemente, bem como com os conhecimentos dos

semestres anteriores e posteriores. A concretização e avaliação desta prática interdisciplinar podem e são

verificadas através do portifólio e do Livro de Vida da turma. Estes instrumentos são fundamentais e servem

como instrumentos avaliativos para todo o processo.

Vale ressaltar que na abordagem curricular pretendida pelo PROEJA no Instituto Federal Catarinense

- Câmpus Camboriú está a intenção de implementar processos avaliativos adequados às especificidades da

EJA e, portanto, ao público para o qual se destina. Nesta perspectiva, não basta elencar novos instrumentos

para avaliar alunos e alunas jovens e adultos, mas sim, propor a superação das concepções tradicionais e

alicerçar o currículo como um todo num paradigma emancipatório que permita diálogo e negociação entre

professores e alunos acerca dos objetivos e critérios pedagógicos. De nada adianta promover um currículo

alicerçado numa pratica interdisciplinar se o processo avaliativo não for coerente com esta prática. De

acordo com Luckesi ( 2010, p.85)

A avaliação da aprendizagem escolar adquire sentido na mediada em que se articula com o projeto pedagógico e com seu conseqüente projeto de ensino. A avaliação, tanto no geral quanto no caso específico de aprendizagem, não possui uma finalidade em si; ela subsidia um curso de ação que visa construir um resultado previamente definido.

Assim, a avaliação passa a ser determinante na construção de um movimento curricular permanente

que aponte não só intervenções necessárias para que os alunos façam elaborações mais complexas dos

conhecimentos, bem como reoriente cotidianamente a prática pedagógica. Pautando-se nestes princípios, a

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avaliação supera seu formato arbitrário, quantitativo e meramente descritivo para ocupar o espaço da

reflexão e negociação.

Para o aluno, a avaliação passa a ser reguladora da aprendizagem, ou seja, a avaliação nutre a

intervenção intencional frente ao percurso de aprendizagem vivido onde cada aluno é parâmetro de si

mesmo. Desloca-se, portanto, do final das etapas para a condição de reorganizadora do espaço/tempo

consolidando ações que favoreçam a formação permanente individual e também coletiva.

Todas as propostas de atividades que pretendem avaliar os alunos são acompanhadas de critérios que

se pautam principalmente na aprendizagem de determinado conhecimento e podem ser acompanhados de

critérios procedimentais e/ou relacionados a atitudes.

Como conseqüência do uso de critérios de avaliação aparece a auto-avaliação. Uma não se sobrepõe

à outra, são ações específicas de investigadores envolvidos diferentemente no processo de ensino-

aprendizagem. Se por um lado o olhar investigativo do professor estabelece relações mais profundas com

seus objetivos pedagógicos, por outro lado o aluno tem seu olhar relacionando-se com suas intenções iniciais

dialogando num processo de conhecimento e autoconhecimento.

Como toda dinâmica escolar se reverte intencionalmente na garantia de avanços de aprendizagens

individuais e coletivas, optou-se pela adoção do Portfólio como instrumento de avaliação. Este, para nós, se

refere a uma pasta na qual os alunos arquivam evidências do seu percurso de aprendizagem, com trabalhos

produzidos (acompanhados de avaliação, auto-avaliação, reestruturação), produção textual de análise deste

percurso a partir das intervenções docentes, relatos reflexivos de vivências durante o curso, etc.

Cada grupo/aluno decide o roteiro pertinente para o seu Portfólio. De acordo com Villas Boas (2005,

p.43) “cada portifólio e uma criação única, porque o próprio aluno escolhe as produções que incluirá e insere

reflexões sobre o desenvolvimento de sua aprendizagem”. Neste sentido, não existe um Portfólio igual ao

outro, pois neste estão implícitas identidade e experiências do seu autor. O portifólio é um importante

instrumento no qual se pode verificar a existência ou não, da prática interdisciplinar durante o processo de

ensino- aprendizagem.

Considerando que cada um é autor da sua história e a prática docente nada mais é do que a

construção da história de um grupo, optou-se também por utilizar o Livro de Vida para registro diário das

aulas. Trata-se de um caderno partilhado pelo grupo, no qual a história deste é cotidianamente descrita,

narrada ou relatada no gênero desejado pelo aluno, abordando as escolhas, os encaminhamentos, objetivos,

critérios, vivências, percepções individuais, análises, reflexões, enfim, cada um registra seu olhar acerca das

experiências diárias do grupo. O Livro de Vida é um instrumento de condução da prática pedagógica

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interdisciplinar. Através deste analisa-se se a prática consolida-se de acordo, ou não, com as intenções

teóricas.

4- Algumas considerações e contribuições

O exercício da interdisciplinaridade, na construção do currículo integrado, está trazendo

importantes contribuições para repensarmos o processo educativo no PROEJA. Este exercício vem

apontando importantes indicadores para compreendermos os processos de construção do conhecimento dos

educandos, a maneira como eles vão se apropriando dos aspectos formais do conhecimento cientifico. Outra

contribuição que consideramos importante refere-se ao fato de que os instrumentos utilizados (planejamento

coletivo, reuniões semanais, problemáticas compartilhadas, entre outros) representam uma ferramenta para a

auto-reflexão dos docentes. É a partir do exercício da insterdisciplinaridade, dos registros que vem se

consolidando através dos instrumentos utilizados nesta prática, que o docente percebe-se e é percebido,

podendo assim refletir sobre sua ação pedagógica.

Neste contexto, destacamos a experiência na construção do Portifólio e do Livro de Vida pelos

alunos, pois entendemos que os aprendizados registrados pelos alunos no Portifólio e no Livro de Vida são

fundamentais e relevantes para a compreensão e avaliação de nossas práticas educativas interdisciplinares. Os registros realizados pelos alunos se transformam em importantes indicadores para compreendermos os

processos de construção do conhecimento, a maneira como vão se apropriando dos aspectos formais do conhecimento

cientifico. Ainda nos registros dos alunos percebemos que estes compreendem a leitura, a escrita, as atividades

desenvolvidas em sala, muito além de um cumprimento de uma formalidade para os trabalhos escolares.

Referências:

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BRASIL. MEC - Ministério de Educação. Educação de jovens e adultos: proposta curricular para o primeiro segmento do ensino fundamental. São Paulo/Brasília, 1997.

______. MEC - Ministério de Educação. Parecer CNE/CEB 11/2000 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação de jovens e adultos. Brasília, 2000.

DEMO, Pedro. Introdução à sociologia: complexidade, interdisciplinaridade e desigualdade social. 53 ed. São Paulo: Atlas, 2002. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Cortez, 2005.

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FAZENDA, Ivani Catarina (Org.) Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo: Cortez, 1994 JANTSCH, A. P. & BIANCHETTI, L. Interdisciplinaridade – Para além da filosofia do sujeito. Petrópolis: Vozes, 1997.

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