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SOCIOLOGIA Prof. Everaldo da Silva Prof. Vilmar Urbaneski 2017

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Sociologia

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2017

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Copyright © UNIASSELVI 2017

Elaboração:

Prof. Everaldo da Silva

Prof. Vilmar Urbaneski

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

301 S586s Silva, Everaldo da

Sociologia / Everaldo da Silva; Vilmar Urbaneski: UNIASSELVI, 2017. 240 p. : il.

ISBN 978-85-515-0074-3

1.Sociologia e Antropologia. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

Impresso por:

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apreSentação

No afã de se atualizar na sua missão de ensinar, o Grupo UNIASSELVI busca todas as possibilidades didáticas de maneira criativa, incitando professores e acadêmicos a perseguir o melhor preparo profissional. Todo profissional contemporâneo procura a solidez de conhecimentos aliada à atualização constante e terá de apresentar um background cultural que vá colocá-lo a cavaleiro das dificuldades inerentes à acirrada competição.

Aproveitando a abertura que a legislação educacional propiciou, de que 25% da carga semestral pode ser cumprida na modalidade semipresencial, as congregações de cursos do Grupo UNIASSELVI utilizaram essa prerrogativa para construir consistentemente um autêntico ciclo básico ao longo de todo o desenvolver-se da tábua curricular.

Disciplinas como Metodologia do Trabalho Acadêmico, Informática Básica, Sociologia, Filosofia, Estatística e outras são ofertadas dentro dessa modalidade que, em termos de tecnologias de ensino e de procedimentos didáticos, apresentarão significativos ganhos aos acadêmicos e professores, uma vez que as atividades previstas garantem um aprendizado consistente e maduro.

O presente material, impresso em forma de opúsculos, dividindo o conteúdo da Sociologia em unidades, é exemplar em sua forma de apresentar a matéria, primando pela clareza dos objetivos, elegância na forma de apresentação e erudição na medida justa, evitando pernosticismos na apresentação dos autores clássicos. Além do mais, possibilita um tratamento diferenciado para os vários cursos, sem fugir, entretanto, da unidade fundamental da disciplina.

Os autores desse texto básico de Sociologia conseguiram, dessa forma, limpá-lo de exageros doutrinais e ideológicos, dando-lhe a firmeza dos bons princípios de tratamento científico, livrando os acadêmicos do mal-estar decorrente de opções político-partidárias forçadas pelo autoritarismo magisterial, forma perversa de subtrair a liberdade de consciência e de pensamento.

Professor Sálvio Alexandre Müller (In memoriam)

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Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfi m, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE.

Bons estudos!

UNI

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UNI

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Sumário

UNIDADE 1 – SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA ................................................................. 1

TÓPICO 1 – RAÍZES HISTÓRICAS DA SOCIOLOGIA ............................................................... 31 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 32 ANTECEDENTES DA SOCIOLOGIA ............................................................................................ 43 SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA ................................................................................................. 5 3.1 MENTALIDADE MEDIEVAL E MENTALIDADE RENASCENTISTA: DIFERENÇAS ...... 74 CONCEPÇÕES DE SOCIOLOGIA .................................................................................................. 12RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 15AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 16

TÓPICO 2 – BREVE APROXIMAÇÃO COM OS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA ................ 191 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 192 AUGUSTE COMTE: O PENSAMENTO POSITIVISTA E AS RELAÇÕES SOCIAIS .......... 19 2.1 ORDEM E PROGRESSO ................................................................................................................ 213 ÉMILE DURKHEIM ............................................................................................................................ 24 3.1 FATO SOCIAL ................................................................................................................................. 254 KARL MARX ........................................................................................................................................ 285 MAX WEBER ........................................................................................................................................ 33LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 34RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 40AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 41

TÓPICO 3 – LIÇÕES IMPORTANTES DA SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA ................... 451 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 452 PIERRE BOURDIEU ............................................................................................................................ 453 ZYGMUNT BAUMANN .................................................................................................................... 50LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 54RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 57AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 58

TÓPICO 4 – PERCORRENDO A SOCIOLOGIA BRASILEIRA ................................................... 611 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 612 UM AUTOR PARA ESTUDAR, NÃO PARA LER: GILBERTO FREYRE ................................. 613 PENSADOR MARXISTA: FLORESTAN FERNANDES .............................................................. 654 O INTELECTUAL INFLUENTE: FERNANDO HENRIQUE CARDOSO ................................ 695 SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA E O HOMEM CORDIAL ................................................ 77LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 79RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 81AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 82

UNIDADE 2 – PENSAMENTO DA SOCIOLOGIA EM ÁREAS DIVERSAS ........................... 83

TÓPICO 1 – MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE EM DISCUSSÃO ............................ 85

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1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 852 PÓS-MODERNIDADE ...................................................................................................................... 85LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 91RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 95AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 96

TÓPICO 2 – ORGANIZAÇÕES: DIVERSIDADES DE ENFOQUES ........................................... 971 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 972 ORGANIZAÇÕES: DIVERSIDADES DE METÁFORAS ........................................................... 98 2.1 ORGANIZAÇÕES VISTAS COMO MÁQUINAS ...................................................................... 99 2.1.1 Paradigma mecanicista na formação humana ................................................................... 103 2.2 AS ORGANIZAÇÕES VISTAS COMO ORGANISMOS ........................................................... 107 2.3 AS ORGANIZAÇÕES VISTAS COMO CÉREBRO ................................................................... 111 2.4 AS ORGANIZAÇÕES VISTAS COMO CULTURAS ................................................................. 113LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 116RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 117AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 118

TÓPICO 3 – HOMEM CONTEMPORÂNEO: CONSCIENTE DA QUALIDADE DE VIDA . 1211 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1212 EM DEFESA DA ABORDAGEM SUBSTANTIVA NAS INSTITUIÇÕES .............................. 122LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 128RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 132AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 133

TÓPICO 4 – TRABALHO E EDUCAÇÃO ......................................................................................... 1351 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1352 TRABALHO NA HISTÓRIA: BREVES CONSIDERAÇÕES ...................................................... 135AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 1383 EDUCAÇÃO: PREOCUPAÇÃO PARA COM O TRABALHO ................................................... 143LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 148RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 153AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 154

UNIDADE 3 – TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA .. 155

TÓPICO 1 – DIVERSIDADE CULTURAL ........................................................................................ 1571 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1572 ASPECTOS CULTURAIS EM DISCUSSÃO .................................................................................. 1573 CONSIDERAÇÕES SOBRE ETNOCENTRISMO, RELATIVISMO CULTURAL E MULTICULTURALISMO .................................................................................................................. 1634 TERRORISMO ..................................................................................................................................... 167LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 168RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 170AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 171

TÓPICO 2 – DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA VIDA URBANA ............................................... 1731 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1732 VIDA URBANA: DIVERSIDADE, VIOLÊNCIA, HABITAÇÃO E TRÂNSITO .................... 173LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 183RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 187AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 188

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TÓPICO 3 – SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO ............................... 1891 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1892 SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO ................................................................................................... 1893 SOCIEDADE E CONHECIMENTO ................................................................................................. 195LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 196RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 199AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 200

TÓPICO 4 – CONSUMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ........................................ 2011 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 2012 O SENTIDO DO CONSUMO ........................................................................................................... 2023 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ........................................................................................ 205LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 209RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 213AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 214

TÓPICO 5 – SOCIEDADE BRASILEIRA: MULTIFACES .............................................................. 2151 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 2152 ORIGEM DA SOCIEDADE BRASILEIRA ..................................................................................... 216 2.1 ÍNDIOS ............................................................................................................................................. 216AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 219 2.2 PORTUGUESES .............................................................................................................................. 219 2.3 AFRICANOS .................................................................................................................................... 219 2.4 IMIGRANTES .................................................................................................................................. 221AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 2223 RESPEITANDO A DIVERSIDADE ÉTNICA NO BRASIL ......................................................... 222LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 225RESUMO DO TÓPICO 5 ....................................................................................................................... 228AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 229REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 231ANOTAÇÕES .......................................................................................................................................... 237

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UNIDADE 1

SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade, você será capaz de compreender:

• os antecedentes históricos da Sociologia;

• a natureza e as origens da Sociologia;

• o estudo da Sociologia e a sua importância;

• o pensamento sociológico clássico;

• a importância do papel desempenhado por Comte, Marx, Durkheim e We-ber;

• o que são fatos sociais e a sua força coercitiva;

• como ocorrem as ações sociais e os seus diferentes tipos;

• os dois tipos de solidariedade cuja coesão procura garantir;

• os conceitos centrais do pensamento de Pierre Bourdieu mobilizados para descrever e explicar as lógicas de funcionamento da sociedade e as práti-cas dos agentes.

Esta unidade está dividida em quatro tópicos. Em cada um deles você encontrará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados.

TÓPICO 1 – RAÍZES HISTÓRICAS DA SOCIOLOGIA

TÓPICO 2 – BREVE APROXIMAÇÃO COM OS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA

TÓPICO 3 – LIÇÕES IMPORTANTES DA SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA

TÓPICO 4 – PERCORRENDO A SOCIOLOGIA BRASILEIRA

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TÓPICO 1UNIDADE 1

RAÍZES HISTÓRICAS DA SOCIOLOGIA

1 INTRODUÇÃO

É preciso dar prioridade à questão social porque, caso contrário, vamos ter a moeda mais forte do mundo juntamente com a maior miséria

do mundo. Nós não somos palhaços, nós somos cidadãos e temos de ser respeitados nos nossos direitos, assim como nos compromissos

de campanha que são estabelecidos a cada quatro anos. É preciso aprender a ser mais indignado, a cobrar mais; não podemos ficar tão

passivos e tão pacíficos diante de tanta miséria.Sociólogo Betinho

No seu dia a dia, você pode visualizar que cada pessoa emite seu parecer sobre a sociedade. Uns podem dizer que a mesma é contraditória no sentido de existir riquezas nas mãos de poucos e a maioria estar na miséria. Outros podem alegar que a sociedade está em crise, ou ainda que na sociedade há ausência de valores, falta de respeito, desconfiança, corrupção, dentre outros problemas. Outros ainda podem mencionar que a sociedade tem um futuro promissor devido aos avanços tecnológicos e científicos, em virtude dos investimentos em médio e longo prazo, dentre outros pareceres. E é claro, você pode ter o seu parecer, seja ele sofisticado, usando arcabouços de diversas teorias de diversas áreas do conhecimento para compreender a sociedade, ou simplesmente ter um parecer breve, sem maiores aprofundamentos e fundamentos sobre o funcionamento, as anomalias e futuro da sociedade e os possíveis impactos na sua área de atuação.

Salienta-se que no decorrer da história da humanidade, você pode encontrar várias teorias sobre a sociedade ou até mesmo propostas para melhorar o seu funcionamento ou explicar as suas anomalias.

Entretanto, na história, várias foram as maneiras de organização das

sociedades, como, por exemplo, o caso da Grécia Antiga, do Império Romano, dos persas e dos chineses, ou seja, você pode observar que cada sociedade se estruturou a seu modo – com valores próprios, organização política, social, econômica e cultural –, e esta estrutura pode ou não ter subsistido ao tempo. É possível dizer que as sociedades antigas podem ter influenciado direta ou indiretamente outras sociedades, ou até mesmo posteriores a elas, seja na forma de pensar e agir ou no seu legado cultural.

Além disso, vale destacar que na história diversas teorias foram elaboradas

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para entender a sociedade, que dependem de época para época, de sociedade para sociedade e de pensador para pensador. Ou ainda de área para área de estudo. E uma das áreas de estudo que têm se dedicado ao entendimento do funcionamento da sociedade, dentre outras finalidades, é a Sociologia.

Assim, neste tópico, você estudará o contexto do surgimento da Sociologia e os antecedentes históricos, algumas concepções sobre a Sociologia e suas finalidades.

2 ANTECEDENTES DA SOCIOLOGIA

A Sociologia é uma área de estudo que surgiu no início da modernidade com o intuito de compreender a sociedade de um modo geral ou até mesmo nas suas peculiaridades (é claro que cada sociólogo daquele período tinha o seu entendimento da sociedade). Outrossim, você pode perguntar em que contexto surge a Sociologia (também conhecida para o período como a Nova Ciência), o que estava acontecendo antes do seu surgimento e ainda por que ela surgiu.

Assim, vale salientar que o período anterior à modernidade é conhecido como Idade Média e, historicamente, está situada entre o século V e o século XV (você pode encontrar o termo pré-modernidade para esse período). A Sociologia, nos termos em que conhecemos hoje, não estava presente. Neste período conhecido, via de regra, como Idade Média, a religião teve um papel relevante na vida das pessoas de um modo geral, bem como influenciava na política, educação, cultura e na organização da sociedade e, até mesmo, em seu entendimento.

A visão do mundo predominante no período medieval era a teocêntrica. Do grego (théos: Deus), o teocentrismo medieval significava que Deus era o mais importante na vida das pessoas, ou seja, Deus era a medida de todas as coisas. E, neste sentido, até mesmo os liames da sociedade tinham explicação em Deus. Desta forma, a sociedade medieval, composta pelo clero, nobreza e servos, era tida como vontade de Deus e assim se postulava que, se a sociedade teria de ser diferente, Deus a teria feito de modo diferente. Deste modo, a visão que se tinha no período medieval era a de que o mundo se constituía daquela maneira em virtude da vontade divina. E se fosse de outra maneira, Deus o teria feito de outro modo e com outra estrutura de funcionamento.

Neste contexto, alguns homens dedicavam-se a servir a Deus, louvá-lo e pregar as palavras de Cristo no Mundo. Outros teriam a função de defender a cristandade com armas em mãos, bem como defender os fracos. E, por fim, os que tinham a incumbência de trabalhar para que não faltasse pão, para si e para os que defendiam e rezavam. E neste sentido, o lugar que cada pessoa ocupava na estrutura social medieval era entendido como determinado por Deus. Pode-se dizer que no período medieval acreditava-se que a sociedade era imutável e, para isso, buscavam-se justificativas das mais variadas, tendo-as como ponto de sustentação à vontade de Deus.

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TÓPICO 1 | RAÍZES HISTÓRICAS DA SOCIOLOGIA

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Você deve ter percebido que o funcionamento da sociedade, no período medieval, era balizado pela vontade de Deus. Entretanto, as novas ideias que começam a se fazer presentes no final da Idade Média, de certa forma, contribuíram para o surgimento da Sociologia.

3 SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA

Nos séculos XV e XVI, período da entrada da modernidade, o homem toma consciência das suas capacidades racionais para desvendar os segredos da natureza e as emprega na busca da solução dos seus problemas de entendimento do mundo. Neste sentido, a cultura teocêntrica vigente até então perde espaço para a cultura antropocêntrica (antropo: homem: medida de todas as coisas). Pode-se dizer que uma nova forma de ver, agir e pensar aparece lentamente entre os homens daquele período e que, de certa maneira, contribuiu para impulsionar diversas transformações que estavam se fazendo presentes no final da Idade Média.

De modo geral, pode-se dizer que Deus deixa de ser o centro do mundo medieval e lentamente o homem torna-se o centro. O homem é valorizado como um ser individual e que busca descortinar as suas potencialidades humanas. Assim, o homem moderno deseja superar os obstáculos e desenvolver-se enquanto ser humano, bem como o mundo de que ele faz parte. De acordo com Andery, Micheleto e Sério (1996, p. 175):

[...] na nova visão de mundo, que veio a substituir a medieval, o homem, no seu sentido mais genérico, era a preocupação central. As relações Deus-homem, que eram enfatizadas pelo teocentrismo medieval, foram substituídas pelas relações homem e a natureza. Isso significava, com relação ao conhecimento, a valorização da capacidade de o homem conhecer e transformar a realidade.

Neste período ocorreram vários eventos que estavam em consonância com

tal mentalidade. Brevemente destacaremos os mais importantes, a saber:

Renascimento comercial: no sistema feudal da Idade Média a economia era basicamente agrária e autossuficiente. E a riqueza de uma pessoa era medida pela quantidade de terras. Contudo, a partir da segunda metade da Idade Média, o comércio começou a ser reativado. Dentre o fatores estavam as Cruzadas e a produção do excedente. Além disso, outros fatores estiveram inerentes ao renascimento comercial, como: ascensão do capitalismo, incremento do sistema bancário, o mercantilismo e o surgimento de uma nova classe social, a burguesia.

Renascimento urbano: na Idade Média a vida era predominantemente no campo, as pessoas viviam em castelos para obter uma segurança maior, ou ainda em mosteiros. Contudo, com o renascimento comercial, surgem os

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

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burgos (pequenas vilas), onde as pessoas se encontravam para comercializar e trocar ideias.

As grandes navegações: a descoberta da América (1494) por Cristóvão Colombo, a chegada às Índias (1498), por Vasco da Gama, e o descobrimento do Brasil (1500), por Pedro Álvares Cabral, contribuíram para ampliar o mundo conhecido e eliminar a ideia de que o mundo era plano, de que havia monstros nos mares, entre outras ideias. O homem se torna capaz de atravessar os mares e conquistar outros continentes e colonizá-los: África e América (Novo Mundo).

As invenções: a pólvora era usada pelos chineses para a fabricação de fogos de artifício. Os árabes a introduziram na Europa. Revolucionou a arte da guerra. A bússola, que os chineses conheciam, os italianos aperfeiçoaram. O papel foi introduzido pelos árabes na Europa, a imprensa do alemão João Guttenberg, sendo que o primeiro livro impresso foi a Bíblia, em 1445.

Renascimento científico: os descobrimentos, o racionalismo e a preocupação com a natureza estimularam as pesquisas científicas. Pela Escola de Pádua, sob proteção de Veneza, passaram intelectuais como Pietro Pomponazzi, Galileu Galilei, Copérnico. Pomponazzi pregou a supremacia da razão, negou a Criação, a imortalidade da alma e os milagres: eram escritos avançados para a época e que questionavam a estrutura e a forma de as pessoas pensarem e entenderem o mundo.

Reforma religiosa ou Reforma protestante foi, grosso modo, um movimento com características religiosas, políticas e econômicas. Iniciou com Lutero na Alemanha, no século XVI – (vale destacar que outros pensadores já estavam criticando a Igreja anteriormente). Esta reforma provocou a separação de uma parte da comunidade católica da Europa, dando origem ao protestantismo. Entre os objetivos dos reformadores: restabelecer a fé cristã na sua simplicidade e pureza primitivas, bem como rejeitar a tradição ensinada pela Igreja porque a julgavam contrária à palavra de Deus.

Renascimento cultural que foi um movimento intelectual, artístico e literário ocorrido na Europa, especialmente na Itália, nos séculos XV e XVI, o qual teve entre as suas características: inspiração nas obras da antiguidade greco-romana, a exaltação da vida, o sensualismo e o gosto artístico.

FONTE: Adaptado de Urbaneski (2008)

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TÓPICO 1 | RAÍZES HISTÓRICAS DA SOCIOLOGIA

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Para que você, acadêmico(a), se envolva ainda mais com o tema apresentado, sugiro que seja feita uma pesquisa do período estudado (Idade Média), no intuito

de constatar o que discutiam ou escreviam os que se dedicavam à sua área de estudo. O que estava acontecendo? Quem eram os pensadores? O que estava sendo escrito? Que livros foram escritos e tratavam sobre o quê?

Acadêmico(a), você percebeu que no início da Idade Moderna aconteceu uma série de fatos e eventos que possibilitaram a mudança do desenho da sociedade da época e, de certa maneira, impactou sobre a forma de os pensadores teorizarem sobre o mundo ou mentalizarem propostas de organização social.

Neste sentido, até mesmo o entendimento sobre a sociedade começa a mudar e, de certa forma, a Sociologia aparece como uma das áreas de investigação que tem como objeto de estudo a sociedade, principalmente para entender em princípio a nova ordem social, econômica e política que emergia naquele período, tendo como base os postulados científicos que estavam ganhando força.

Então, foram inúmeras as mudanças neste período e, por isso, o entendimento do contexto é essencial para que você entenda o surgimento da Sociologia e por que os pensadores daquele período pensavam daquela forma. Inclusive, para o seu entendimento, a seguir apresentamos um texto das ideias predominantes no período medieval e renascentista.

3.1 MENTALIDADE MEDIEVAL E MENTALIDADE RENASCENTISTA: DIFERENÇAS

Leia atentamente e verifique as diferenças de mentalidade (SCHIMIT apud URBANESKI, 2008): a medieval e a renascentista (esta última foi um dos suportes para a mentalidade moderna em geral). Por isso, de forma didática, você terá duas formas diferentes de pensar.

UNI

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

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A visão predominante na mentalidade medieval era o Teocentrismo: “Deus é o centro de tudo”. As obras de arte e livros mais importantes tratam de temas religiosos e o prédio de maior destaque de uma cidade era a Igreja. Na mentalidade renascentista predominava o Antropocentrismo: o ser humano no centro das atenções e valoriza-se a vida terrena.

Na mentalidade medieval, a verdade deveria ser encontrada nas tradições da sociedade medieval, no que estava escrito na Bíblia, na autoridade da Igreja e nos escritos de pensadores como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Na mentalidade renascentista, a verdade sobre a natureza deveria ser obtida por meio de experiências e de observação guiadas pelo uso da razão (do raciocínio). Ou seja, não se aceita mais só o que a tradição, Igreja e Bíblia expõem, mas o homem renascentista procura outras fontes de conhecimento, por exemplo, através da ciência.

Na mentalidade medieval, o ser humano era visto com certo desprezo, pois este era um pecador. E desta forma, o homem deveria aceitar o sofrimento, pois o homem merece sofrer porque é pecador. Já na mentalidade moderna, o homem é a mais perfeita das criaturas (feito à sua imagem e semelhança), capaz de fazer coisas maravilhosas: máquinas, prédios, viagens de descobertas, pinturas, estudo sobre a natureza e mudar o seu próprio destino, mudar de classe social, por exemplo, e não aceitar as coisas como vontade divina.

Na mentalidade medieval, a vida terrena, bem como os bens materiais e o corpo tinham pouco importância. O que era precioso era a salvação da alma; fazer parte dos eleitos que habitariam o céu (Paraíso). Já a mentalidade renascentista continua cristã, porém considera que a vida material é muito importante e, além disso, valoriza em muito o corpo.

Na mentalidade medieval, tudo o que acontece na natureza deve ser explicado pela vontade de Deus (a ordem social, castigos de Deus, pestes, terremotos). E devemos conhecer o mundo para admirar a obra de Deus e louvá-lo pela sua criação. Já para a mentalidade renascentista, os fenômenos da natureza devem ser explicados pelo homem que, com o uso da razão e da ciência, consegue conhecer a natureza.

Na mentalidade medieval as pessoas deveriam se conformar com o mundo tal como ele é, porque foi Deus que o quis assim. Se o mundo deveria ser diferente, Deus tê-lo-ia feito. E a única grande mudança possível seria o apocalipse. Entretanto, na mentalidade renascentista, o homem pode e deve ser o criador, aventureiro, sonhador e dominador da natureza.

Na mentalidade medieval a natureza é fonte de pecado. Para a mentalidade renascentista, o homem faz parte da natureza e deve conhecê-la para conhecer a si próprio.

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TÓPICO 1 | RAÍZES HISTÓRICAS DA SOCIOLOGIA

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Frente ao exposto anteriormente e ao cenário vigente no final da Idade Média, Andery, Micheleto e Sério (1996, p. 177) afirmam que:

[...] aliada ao rompimento do mundo medieval, rompeu-se também a confiança nos velhos caminhos para a produção do conhecimento: a fé, a contemplação não eram mais consideradas vias satisfatórias para se chegar à verdade. Um novo caminho, um novo método, precisa ser encontrado, que permitisse superar as incertezas [...].

Neste sentido, o homem busca na razão e na ciência caminhos que possam assegurar mais confiança nos seus conhecimentos do que até então adotados, ou seja, de certa forma, abandonam-se as explicações alicerçadas em Deus para buscar explicações que tenham a ciência como guia. E essa forma de entendimento sobre a sociedade tendo como aporte Deus começa a ser deixada de lado e, neste sentido, a Sociologia que surge neste contexto busca amparar-se nos conhecimentos científicos para as suas investigações.

Assim, a Sociologia surge como consequência da necessidade de as pessoas compreenderem os problemas sociais que estavam aparecendo. Dentre os principais, podemos destacar o processo de industrialização iniciado no século XVIII. Ainda, tendo seu início na Inglaterra, a Revolução Industrial integralizou um conjunto de “Revoluções Burguesas” do século XVIII, responsáveis pela crise do Antigo Regime, primeiro através da passagem do capitalismo comercial para o industrial. Outros dois movimentos foram a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa. Esta última sofreu forte influência dos princípios iluministas.

O Iluminismo foi um movimento intelectual que tinha como objetivo entender e organizar o mundo a partir da razão, contrariando os princípios religiosos.

IMPORTANTE

E, finalmente, na mentalidade medieval a razão (capacidade humana de pensar) deve estar subordinada à fé. Na mentalidade renascentista, a fé deve prevalecer no sentido religioso, mas a razão deve ter prioridade sobre a fé quando o assunto é o estudo da natureza.

FONTE: Schimit (apud URBANESKI, 2008, p. 50-51).

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

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A Sociologia nasceu num ambiente de profundas mudanças sociais. Assim, a ciência que estuda a sociedade foi construída paulatinamente desde o século XVI com as correntes de pensamento que estabeleceram os alicerces da modernidade europeia (o racionalismo, o empirismo e o iluminismo).

Neste contexto, ainda temos o avanço do capitalismo como modo de produção dominante na Europa Ocidental, o qual foi desestruturando com velocidade e profundidade variadas, tanto os fundamentos da vida material como as crenças e os princípios morais, religiosos, jurídicos e filosóficos em que se sustentava o antigo sistema. A dinâmica capitalista e as novas forças sociais por ele engendradas (causadas) provocaram o enfraquecimento ou o desaparecimento, às vezes rapidamente, dos estamentos (camadas sociais) tradicionais e das instituições feudais: servidão, propriedade comunal, organizações corporativas artesanais e comerciais.

A partir da segunda metade do século XVIII, com a primeira Revolução Industrial e o surgimento do proletariado, cresceram as pressões para uma maior participação política e a urbanização intensificou-se, recriando uma paisagem industrial muito distinta da que antes existia.

Os céus dos grandes centros industriais começaram a cobrir-se da fumaça despejada pelas chaminés de fábricas que se multiplicavam em ritmo acelerado, aproveitando a considerável oferta de mão de obra proporcionada pela gradual deterioração da propriedade comunal. A capitalização e a modernização da agricultura provocaram o êxodo de milhares de famílias que buscavam trabalho.

As condições de trabalho eram as mais precárias possíveis (crianças, mulheres e homens trabalhando 16 horas por dia e recebendo salários miseráveis). O ambiente era insalubre, a alimentação precária, a falta de aquecimento apropriado e o excesso de indisciplina tornavam os trabalhadores expostos a frequentes acidentes.

A industrialização modificou a percepção de tempo. Os povos possuidores de menor poderio tecnológico ficavam presos aos costumes, aos fenômenos naturais, como as estações do ano, as marés, a noite e o dia e o clima. A Revolução Industrial obrigou a um registro mais contínuo e preciso do tempo na vida social. O empresário passou a comprar horas de trabalho e a exigir seu cumprimento. O avanço tecnológico como:

● a criação da lançadeira (1733);● o tear mecânico (1738);● a máquina a vapor (1768);● a locomotiva a vapor (1831);● o barco a vapor (1821); e● as guerras impulsionaram a criatividade e os mercados consequentemente

(matérias-primas e produtos industriais).

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TÓPICO 1 | RAÍZES HISTÓRICAS DA SOCIOLOGIA

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Portanto, a Revolução Industrial foi um conjunto de transformações econômicas e sociais que acompanharam o surgimento desses novos avanços tecnológicos. A Revolução Industrial mudou de forma dramática a face do mundo social, incluindo muitos hábitos que temos atualmente. A maior parte da comida que é ingerida pelas famílias hoje é fruto dos meios industriais. (GIDDENS, 2004).

Não obstante, as transformações sociais ocorridas inspiraram reações profundamente conservadoras. Os precursores da Sociologia consideraram que o caos e a ausência de moralidade e solidariedade que as sociedades enfrentavam eram frutos do enfraquecimento das antigas instituições protetoras (a Igreja e as associações de ofícios) que haviam garantido estabilidade e a coesão social.

As disciplinas existentes naquela época eram insuficientes na explicação dos novos fenômenos sociais que estavam acontecendo e muito menos explicações ancoradas em Deus, como já estudadas, não eram suficientes para a nova dinâmica que se fazia presente. Dessa forma, abriu-se espaço para a atuação da Nova Ciência (Sociologia), pois, até o século XV, as ciências eram estabelecidas como parte integral dos grandes sistemas filosóficos.

A partir do século XVI, com a Reforma Protestante, a autoridade da Igreja passou a ser questionada e o fiel passou a ter responsabilidade, passando a ser, por meio da sua consciência individual, o principal nexo (conexão) com a divindade. O destino dos homens passou a ser dependente de suas ações. A Matemática, a Química, a Física, a Biologia e outras ciências desenvolveram-se e os estudos teológicos da Igreja passaram a ser questionados.

A mudança de comportamento social levou os pensadores a desenvolver uma nova concepção dos mundos natural e social. Os pioneiros da Sociologia buscaram compreender as razões e as consequências da emergência das mudanças sociais ocorridas durante as duas revoluções, tentando responder a diversas questões principalmente às que envolviam a sociedade. Desta forma, a Sociologia passa a ser vista como uma luz que orienta sábios e ignorantes em direção à verdade, tendo como guia os postulados do conhecimento científico.

Comte primeiramente colocou o nome desta disciplina de Física Social. Mais tarde, em 1836, alterou o nome para Sociologia, nome que se origina do latim socius e do grego logos, significando o estudo do social.

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Seriam os deuses sociólogos?Como na mitologia grega, pródiga em apresentar os deuses com estatuto excepcional e heterogêneo a um só tempo, se confrontados com os mortais, na ciência os clássicos têm privilégio semelhante no conjunto dos pensadores. A supremacia dos deuses ultrapassa a condição humana. Os deuses são vistos como sendo outros, porque, além de serem maiores, poderosos e mais sábios que os homens, eles expressam essa diferença de uma forma particular, como revelam os versos de Homero, na Ilíada (canto VII, v. 143-144): “Nenhum mortal poderia penetrar o pensamento de Zeus, por mais orgulhoso que fosse, Zeus venceria mil vezes.” (SISSA; DETIENNE, 1991, p. 43).Os pensadores de primeira hora da sociologia são considerados clássicos porque o seu pensamento ainda tem o poder explicativo, sua vitalidade interpretativa alcança a era contemporânea, embora apresente limitações. Assim como os deuses gregos, excepcionais e heterogêneos, os clássicos não explicam tudo, mas fazem avançar o pensamento; afinal, ciência e realidade social são fenômenos conjugados, históricos e em constante mutação.FONTE: ARAÚJO, Silvia M; BRIDI, Maria A; MOTIM, Benilde L. Sociologia, um olhar crítico. São Paulo: Contexto, 2009. p. 14.

4 CONCEPÇÕES DE SOCIOLOGIA

Caro(a) acadêmico(a), você visualizou que antes do surgimento da Sociologia, no período medieval, por exemplo, o entendimento e o funcionamento da sociedade eram tidos como vontade de Deus. Vejamos um exemplo para mera ilustração da maneira de se pensar. Por exemplo: na obra CIDADE DE DEUS, Santo Agostinho mencionava que esta cidade seria edificada pelos eleitos, ou seja, aqueles que conseguirem a salvação. (Lembre: a salvação era uma das preocupações centrais da Idade Média). Agostinho expõe que a ideia da existência de outra realidade, além da existente aqui, seria a realidade celestial que denomina de Cidade de Deus. (URBANESKI, 2008).

Para Santo Agostinho, o homem deve desvencilhar-se da cidade terrena, das coisas mundanas e carnais e deve voltar-se para as coisas espirituais e assim, aproximar-se de Deus. Cristo virá no fim dos tempos para julgar os vivos e os mortos e os bons cristãos que morrerão no amor a Deus. Estes gozarão de felicidade eterna na celestial Cidade de Deus. Outrossim, aqueles que morrerem sem batismo, impenitentes, heréticos serão amaldiçoados e irão para o inferno. (URBANESKI, 2008).

Entretanto, com as diversas transformações e mudanças de mentalidade

dos homens no início da modernidade, a Sociologia surge com intuito de, grosso modo, entender o funcionamento da sociedade naquele período. Ou seja, não busca mais explicações de ordem teológica para o entendimento da sociedade, mas, sim, usando a capacidade da razão humana e os postulados científicos. Assim, cada pensador da sociologia clássica – Comte, Marx, Durkheim, Weber – apresenta o

NOTA

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TÓPICO 1 | RAÍZES HISTÓRICAS DA SOCIOLOGIA

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seu parecer sobre a sociedade, os quais você estudará no próximo tópico.

Mas você pode se perguntar: o que faz a Sociologia?. Se você se debruçar sobre tal temática, muitas versões poderão ser encontradas. Entretanto, aqui, apresentamos três versões.

A sociologia, de modo bem simples, é o estudo sistemático do comportamento social e dos grupos humanos. Ela focaliza as relações sociais e como essas relações influenciam o comportamento das pessoas e como as sociedades, a soma de tais relações se desenvolve e muda. (SCHAEFER, 2006, p. 3).

A sociologia é uma tentativa de compreender o ser humano. Concentra-se em nossa vida social. Tipicamente não enfoca a personalidade do indivíduo como a causa do seu comportamento, mas examina a interação social, os padrões sociais (por exemplo: papéis, classes, cultura, poder conflito e a socialização em processo) [...]. A sociologia começa, portanto, com a ideia de que o homem deve ser entendido no contexto da sua vida social e de que somos seres sociais influenciados pela interação, pelos padrões sociais e pela socialização [...].

Os sociólogos diferem uns dos outros pelo tipo de questões sobre as

quais se debruçam. Também diferem quanto à área temática ou ao enfoque de seu estudo. Há cinco áreas temáticas: as quais são: sociedade, organização social, instituições ou sistemas institucionais, interação face a face e problemas sociais.

A sociologia poderia ser definida como uma disciplina acadêmica que examina o ser humano como um ser social, resultado de interação, socialização e padrões sociais. É uma perspectiva que se preocupa com a natureza do ser humano, o significado e a base da ordem social e as causas e consequências da desigualdade social. Concentra-se na sociedade: organização social, instituições sociais, interação social e problemas sociais.

FONTE: Charon (1999, p. 5-8).

As explicações que o senso comum apresenta a respeito da sociedade não têm objetividade que muitos, sem discussão, acreditam que elas possuam. Mas se é verdade que a Sociologia, como qualquer outra ciência, pode errar nas suas explicações, as teorias desta disciplina são demonstravelmente mais confiáveis do que as elaborações intelectuais espontâneas de qualquer povo sobre si mesmo, em razão dos cuidados de que o sociólogo procura se cercar para formular as suas teorias. (VILA NOVA, 2000, p. 26).

Enfim, você neste tópico visualizou a mentalidade anterior ao surgimento da Sociologia, o contexto de seu surgimento e as novas ideias que se fizeram presentes em tal período, bem como sua finalidade.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

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Para aprofundar seus estudos, você pode, a título de sugestão, investigar outras áreas da Sociologia como, por exemplo: a sociologia da moda, política, das organizações, do conhecimento, sociologia jurídica, do conhecimento, do trabalho, sociologia urbana e rural, dentre outras, e as possíveis contribuições para a sua área de estudo.

DICAS

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Caro(a) acadêmico(a), neste tópico você viu que:

• A Sociologia estuda os fenômenos sociais, da ação ou influência mútua e da organização social.

• Na Idade Média, Deus era o centro. Com o Renascimento, o Homem torna-se o centro.

• A Sociologia é muito importante para cada dia de nossas vidas, permitindo entendermos as forças externas que influenciam nossas percepções, pensamentos e ações.

• A Sociologia é uma área de estudo que surgiu no início da modernidade, com o intuito de compreender a sociedade de um modo geral ou até mesmo nas suas peculiaridades.

• A Sociologia surge num período conturbado e marcado por grandes transformações na sociedade: a) o surgimento da indústria e da urbanização; b) a visibilidade do Iluminismo como ciência; c) a forte mudança social decorrente da Revolução Francesa.

• A Sociologia dedica-se a várias temáticas de estudos inerentes à sociedade.

• Não há unanimidade quanto ao que seja sociologia e suas finalidades.

• Existem diversos campos de atuação na Sociologia.

RESUMO DO TÓPICO 1

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2 Você já deve ter ouvido no seu dia a dia o seguinte diálogo: “Você agiu por impulso pessoal ou pressão do grupo?”“Eu agi por minha conta e risco, não dou importância ao que os outros pensam!”“Eu agi de acordo com o grupo, dou muita importância ao que os outros

pensam!”

Desses pequenos textos, aponte quais podem ser objeto de estudo da Sociologia e justifique.

3 Apresente um breve parecer sobre a sociedade atual brasileira tendo como aporte os postulados do conhecimento científico.

AUTOATIVIDADE

Mentalidade medieval Mentalidade renascentista

5 Estudar como as sociedades funcionavam e continuam funcionando ao longo do tempo e de como é a vida humana dos grupos sociais ou da sociedade em específico, é uma das funções:

a) ( ) Da Sociologia.b) ( ) Do Iluminismo.c) ( ) Do Positivismo.d) ( ) Do Capitalismo.

6 Analise as afirmações expressas a seguir e classifique-as em V verdadeiras e F falsas:

( ) A visão predominante na mentalidade medieval é o Teocentrismo (Deus é

o centro de tudo). ( ) Na mentalidade medieval, o homem é a mais perfeita das criaturas (feito

à sua imagem e semelhança) e ainda é capaz de fazer coisas maravilhosas: máquinas, prédios, viagens de descobertas, pinturas, estudo sobre a

1 A partir do estudo do Tópico 1, conceitue Sociologia.

4 Aponte as principais características da mentalidade medieval e renascentista:

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natureza e mudar o seu próprio destino. ( ) Na mentalidade medieval, o ser humano era visto com certo desprezo, pois

este era um pecador. Desta forma, o homem deveria aceitar o sofrimento, pois merece sofrer porque é pecador.

( ) Para a mentalidade medieval, tudo o que acontece na natureza deve ser explicado pela vontade de Deus (a ordem social, castigos de Deus, pestes, terremotos). Na mentalidade moderna, os fenômenos da natureza devem ser explicados pelo homem que, com o uso da razão e da ciência, consegue conhecer. E, além disso, o homem pode e deve ser criador, aventureiro, sonhador e dominador da natureza.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) F – F – V – V.b) ( ) V – V – F – V. c) ( ) F – F – V – F. d) ( ) F – F – F – V. e) ( ) V – F – V – V.

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TÓPICO 2

BREVE APROXIMAÇÃO COM OS CLÁSSICOS

DA SOCIOLOGIA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

A preocupação em compreender o comportamento humano e a sociedade é um fato recente, surgido no princípio do século XIX. O mundo contemporâneo é muito diferente do passado e a missão da Sociologia é ajudar-nos a compreender o mundo em que vivemos e nos alertar para aquilo que possa ocorrer no futuro.

Várias pessoas são atraídas pela Sociologia, seja como uma área de estudo principal, seja como secundária. Ela é fascinante, provocativa e aplicável, principalmente quando a sociedade passa por mudanças drásticas como, por exemplo, o processo de industrialização.

A Sociologia tem importantes consequências práticas. Ela permite compreendermos um determinado conjunto de acontecimentos sociais, aumentando nossa sensibilidade cultural e possibilitando, principalmente, o autoconhecimento. Vejamos, a seguir, os clássicos da Sociologia. Tenha uma boa leitura!

2 AUGUSTE COMTE: O PENSAMENTO POSITIVISTA E AS RELAÇÕES SOCIAIS

“O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim”.Auguste Comte

Ainda no século XIX tivemos o surgimento de um novo método científico de estudo da sociedade. Na busca de tentar entender as transformações sociais, suas consequências para a sociedade e o futuro da nova sociedade que estava emergindo, é que, a partir de 1826, Auguste Comte (1798-1857) cria em sua residência, o Curso de Filosofia Positiva. Em 1830 publica o curso em seis volumes até 1842, dedicando-se no quinto volume do livro à ideia de fundar uma disciplina dedicada ao estudo científico da sociedade.

Na busca de fazer com que a Sociologia fosse reconhecida como ciência e

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

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para que o homem se desenvolvesse completamente, a sociedade deveria passar por Três Estados, nos quais o homem deveria aprender a utlizar sua inteligência como fonte de inspiração nas suas atitudes. Dessa forma, foi criada a primeira lei natural da humanidade, definida pela física social como a Lei dos Três Estados, conforme podemos verificar no texto que segue, extraído do livro de Comte, Curso de Filosofia Positiva (1973).

Estudando, assim, o desenvolvimento total da inteligência humana em suas diversas esferas de atividade, desde seu primeiro voo mais simples até nossos dias, creio ter descoberto uma grande lei fundamental, a que se sujeita por uma necessidade invariável, e que me parece poder ser solidamente estabelecida, quer na base de provas racionais fornecidas pelo conhecimento de nossa organização, quer na base de verificações históricas resultantes do exame atento do passado. Essa lei consiste em que cada uma de nossas concepções principais, cada ramo de nossos conhecimentos, passa sucessivamente por três estados históricos diferentes:

No estado teológico, o espírito humano, dirigindo essencialmente suas investigações para a natureza íntima dos seres, as causas primeiras e finais de todos os efeitos que o tocam, numa palavra, para os conhecimentos absolutos, apresenta os fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias aparentes do Universo.

No estado metafísico, que no fundo nada mais é do que simples modificação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidas como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos observados, cuja explicação consiste, então, em determinar para cada um uma entidade correspondente.

Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do Universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume de agora em diante na ligação estabelecida entre os diversos fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número o progresso da ciência tende cada vez mais a diminuir.

[...] Ora, cada um de nós, contemplando sua própria história, não se lembra de que foi sucessivamente, no que concerne às noções mais importantes, teólogo em sua infância, metafísico em sua juventude e físico em sua virilidade?

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TÓPICO 2 | BREVE APROXIMAÇÃO COM OS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA

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2.1 ORDEM E PROGRESSO

Para Comte, no estado positivo o pensamento humano ganharia coerência racional à qual ele estivera sempre destinado. Nesse sentido, o positivismo depois de implementado em sua plenitude se tornaria a expressão do poder espiritual da sociedade moderna, funcionando como o regulador das relações sociais.

A união do conhecimento positivo passa a ser coletiva em busca da fraternidade universal e da convivência em comum. A conexão entre teoria e experiência é baseada no conhecimento das ações repetitivas dos fenômenos e na antecipação científica. O estágio positivo corresponde à atividade fabril e à transformação da natureza em mercadorias.

Logos após, os trabalhos de Comte se baseiam na construção de uma “religião da humanidade”, cuja liturgia é baseada no catolicismo romano, estabelecida em O CATECISMO POSITIVISTA (1852). Assim, a doutrina positivista ganha força religiosa com credo na ciência.

O positivismo é uma corrente de pensamento que apregoa o predomínio da ciência e do método empírico sobre os devaneios metafísicos da religião.

O positivismo causou forte repercussão; traços positivistas são facilmente percebidos em diferentes atividades da vida humana, principalmente na sociedade ocidental, especialmente aqui no Brasil.

O pensamento positivista chegou ao Brasil por volta de 1850, e foi trazido por brasileiros que estudaram na França; alguns foram até alunos de Comte. A partir deste ano, torna-se mais evidente na Escola Militar, depois no Colégio Pedro II, na Escola da Marinha, na Escola de Medicina e na Escola Politécnica, no Rio de Janeiro. Já o positivismo como forma de religião se destaca no Apostolado Positivista, a partir de 1881, criado por Miguel Lemos e Raimundo Teixeira.

IMPORTANTE

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

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FONTE: Disponível em: <http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/ordem_e_ progresso_9.html>. Acesso em: 24 maio 2010.

Durante um bom tempo o positivismo atuou como uma reação filosófica contra a doutrina confessional católica, que era, até então, a única no país. Nesta luta de ideias, surge em 1876 a fundação da Sociedade Positivista Brasileira no Rio de Janeiro. Entretanto, o núcleo central do positivismo foi transferido para Recife, por iniciativa de Tobias Barreto, Sílvio Romero e Clóvis Bevilácqua.

A doutrina positivista acabou moldando-se ao país, sendo aceita por um grupo reduzido de estudiosos. Teve destaque a atuação doutrinária de Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1833-1891), professor da Escola Militar e defensor do princípio positivista de valorização do ensino para que fosse alcançado um estado democrático. Entretanto, se, para Comte, o ensino na Europa deveria se destinar às camadas pobres, no Brasil acontece o contrário: os ensinamentos positivistas se restringiram aos poucos que estudavam nas escolas militares.

A filosofia positivista tornou-se fundamental no debate político brasileiro no século XIX, porque o regime republicano foi instalado sob sua base teórica. Podemos considerar o dia 15 de novembro como o apogeu do pensamento positivista no Brasil, devido ao enorme número de adeptos de Comte que assumiram cargos importantes no governo de Benjamin Constant.

FIGURA 1 – FACHADA DA IGREJA POSITIVISTA NO RIO DE JANEIRO

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TÓPICO 2 | BREVE APROXIMAÇÃO COM OS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA

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FONTE: Disponível em: <http://maniadehistoria.files.wordpress. com/2009/10/bandeira-do-brasil1.jpg>. Acesso em: 24 maio 2010.

FIGURA 2 – BANDEIRA DO BRASIL

Dentre as numerosas influências do positivismo no Brasil podemos destacar: o lema Ordem e Progresso da bandeira; a separação da Igreja e do Estado; o decreto dos feriados; o estabelecimento do casamento civil e o exercício da liberdade religiosa e profissional; o fim do anonimato da imprensa; a revogação das medidas anticlericais e a reforma educacional.

A Bandeira do Brasil foi adotada pelo Decreto no 4, de 19 de novembro de 1889. Este decreto foi preparado por Benjamin Constant, membro do Governo Provisório. A ideia da nova bandeira do Brasil deve-se ao professor Raimundo Teixeira Mendes, presidente do Apostolado Positivista do Brasil. Com ele colaboraram o Dr. Miguel Lemos e o professor Manuel Pereira Reis, catedrático de astronomia da Escola Politécnica. O desenho foi executado pelo pintor Décio Vilares.

É indiscutível a influência do Positivismo na Proclamação da República e na formação intelectual dos militares. Também esteve presente na organização estatal elaborada por Vargas e no seu projeto burguês de desenvolvimento para o país, e na tomada de poder pelos militares em 1964. Além disso, podemos destacar que, de forma direta ou indireta, as matizes do Positivismo tiveram influência na forma de pensar a educação no Brasil.

NOTA

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O positivismo não compartilha dos princípios da representação eleitoral recomendados pela democracia liberal burguesa. Para os positivistas, o direito ao voto é um dogma metafísico ou popular.

3 ÉMILE DURKHEIM

Émile Durkheim nasceu em 15 de agosto de 1858, em Epinal, no noroeste da França, próximo à fronteira com a Alemanha. Filho de judeus, optou por não seguir o caminho do rabinato. Formou-se em Direito e Economia, porém sua obra inteira é dedicada à Sociologia. Morreu em 15 de dezembro de 1917, supostamente pela tristeza de ter perdido o filho na guerra, no ano anterior. Na segunda metade do século XIX, é com Émile Durkheim que a Sociologia realmente passa a existir, com objeto, método e objetivos claros e definidos.

FONTE: Disponível em: <http://www.mundociencia.com.br/wp-content/uploads/2016/07/durkheim_emile.jpg>. Acesso em: 24 maio 2010.

FIGURA 3 – ÉMILE DURKHEIM

Durkheim salienta que a compreensão da sociedade deve ser feita como sendo um conjunto de ideias, continuamente alimentadas pelos homens que fazem parte dela. Em 1895, escreve as Regras do Método Sociológico, dando caráter científico à Sociologia.

NOTA

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TÓPICO 2 | BREVE APROXIMAÇÃO COM OS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA

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Para ele, a sociedade é superior ao indivíduo, afirmando que a explicação da vida social é determinada na sociedade, não no indivíduo. Ressalta que uma vez criadas pelo homem, as estruturas sociais funcionam de modo isolado dos indivíduos, influenciando suas ações. Identificou a sociedade como um fato sui generis e irredutível a outros, ou seja, os homens passam, mas a sociedade fica. A sociedade age sobre o indivíduo, impondo a ele um conjunto de normas de conduta social.

3.1 FATO SOCIAL

Para Durkheim, a Sociologia deve ser um instrumento científico da busca de soluções para os desvios da vida social, tendo, portanto, uma finalidade dupla: além de explicar os códigos de funcionamento da sociedade, teria como missão intervir nesse funcionamento por meio da aplicação de antídotos que pudessem mitigar os males da vida social. Em sua compreensão, a sociedade, como qualquer outro organismo vivo, passaria por etapas com manifestação de estados normais e patológicos. O estado saudável seria o de convivência harmônica da sociedade consigo mesma e com as demais sociedades, harmonia essa a ser obtida pelo exercício imperativo do consenso social. O estado mórbido ou patológico seria caracterizado por fatos que colocassem em risco essa harmonia, os acordos de convivência, o consenso e, portanto, a adaptação e a evolução histórica natural da sociedade. (FERREIRA, 2001).

Pelo fato de a Sociologia ser, nessa concepção, uma espécie de medicina social, Durkheim criou o objeto que lhe permitisse explicar os códigos de funcionamento da sociedade: os fatos sociais. Em sua definição de fato social, Durkheim (1972, p. 11) afirma que é:

[...] toda a maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter.

Nesta definição podemos destacar que, de acordo com Durkheim, o modo como o homem age é sempre condicionado pela sociedade. Dessa forma verifica-se que o fato social teria a capacidade de constranger, de vir de fora e de ter validade para todos os membros da sociedade. Os fatos sociais possuem três características fundamentais: a primeira delas é a coerção social, ou seja, a força que os fatos exercem sobre os indivíduos, levando-os a conformarem-se às regras da sociedade em que vivem, independentemente de suas vontades e escolhas. Essa força se manifesta quando o indivíduo adota um determinado idioma, quando se submete a um determinado tipo de formação familiar ou quando está subordinado a determinado código de leis. Aqui, a medida da coerção seria estabelecida pelas sansões a que os indivíduos estariam sujeitos a partir do momento em que não se conformassem com as regras sociais.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

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O grau de coerção dos fatos sociais se torna evidente pelas punições a que o indivíduo está sujeito, quando se está contra elas e tenta se rebelar. As punições podem ser legais ou espontâneas. Legais são as prescritas pela sociedade, sob a forma de leis, nas quais se identifica a infração e a penalidade subsequente. Espontâneas seriam as que aflorariam como decorrência de uma conduta não adaptada à estrutura do grupo ou da sociedade à qual o indivíduo pertence. Durkheim (1972, p. 14) exemplifica este último tipo de sanção:

[...] se, ao me vestir, não levo em consideração os usos seguidos em meu país e na minha classe o riso que provoco, o afastamento em que os outros me conservam, produzem, embora de maneira mais atenuada, os mesmos efeitos que uma pena propriamente dita.

A segunda característica dos fatos sociais é que eles existem e atuam sobre os indivíduos independentemente de sua vontade ou de sua adesão consciente, ou seja, eles são exteriores aos indivíduos. As regras sociais, os costumes, as leis, já existem antes do nascimento das pessoas, são a elas impostos por mecanismos de coerção social, como a educação. Outro exemplo seriam os sistemas de moedas, os instrumentos de crédito, as práticas profissionais, que funcionariam independentemente do uso que os indivíduos fizessem delas.

Por fim, a terceira característica apontada por Durkheim é a generalidade. É social todo fato que é geral, que se repete em todos os indivíduos ou, pelo menos, na maioria deles. Desse modo, os fatos sociais manifestam sua natureza coletiva ou um estado comum ao grupo, como as formas de habitação, de comunicação, os sentimentos e a moral.

O fenômeno do suicídio, na sociedade industrial do século XIX, foi um fato social que despertou a atenção de Durkheim. Ele queria saber por que as taxas de suicídio apresentavam padrões tão diferentes, quando se comparavam regiões geográficas, religiões, número de filhos, etc. Desenvolveu sua investigação a partir da tese de que o suicídio é um fato social e que, portanto, deveria ser explicável através de outro fato social. Com o apoio da estatística e do método comparativo, o sociólogo francês percebeu que esta variação estava diretamente relacionada com o grau de integração. Assim, quanto maior era o grau de integração do indivíduo numa comunidade ou grupo familiar, menores eram os índices de suicídio. Durkheim concluiu que o fenômeno não possuía uma origem exclusivamente psicológica, mas também sociológica, isto é, ele podia ser compreendido a partir de outros fatos sociais como a religião, situações econômicas etc.

O sociólogo Émile Durkheim admitia que seu método era “conservador”, já que os fatos sociais eram difíceis de serem modificados; mas ele não estava imaginando que estes estavam imunes às transformações. Durkheim é visto como um “evolucionista”, porque defendia que a sociedade seria cada vez mais justa e o indivíduo alcançaria sua “felicidade”, a partir de “um sentimento de solidariedade”, que viria conjuntamente com uma “nova ordem moral”.

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TÓPICO 2 | BREVE APROXIMAÇÃO COM OS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA

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Extraído do livro de Delson Ferreira, “Manual de Sociologia” (2001, p. 50-51), o texto que segue apresenta os dois tipos de solidariedade desenvolvidos por Émile Durkheim.

Na concepção durkheimiana, a Sociologia deveria voltar-se também para outro objetivo fundamental: a comparação entre as diversas sociedades. Para isso, esse autor estabeleceu um novo campo de estudo, morfologia social, que consistiria na classificação do que ele chamou de espécies sociais. Em seu entendimento, essa atividade só poderia ser realizada partindo de um rigoroso controle do processo de observação experimental. Fundamentando-se nesse parâmetro, fixou que o percurso de passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica seria o motor de transformação histórica de toda e qualquer espécie de sociedade.

A seu ver, a divisão do trabalho concebida pela formação da estrutura de produção industrial capitalista incentivava e levava ao exercício de uma nova forma de solidariedade entre os homens, impelindo-os a uma interdependência e não aos conflitos sociais. Ele acreditava que a ciência social poderia, por meio de suas investigações, encontrar soluções para os problemas fundamentais de sua época ao largo desses conflitos. O primado da especialização, necessária ao desempenho das novas funções no mundo do trabalho, estabelecidas pela lógica da organização industrial, levaria os indivíduos a essa nova forma de solidariedade, conferindo-lhes maior autonomia pessoal e emancipando-os da tutela dos antigos costumes vigentes nas formas anteriores de organização produtiva. Essa nova interdependência funcional é que os afastaria dos choques sociais.

Em sua compreensão, o que ele denominou de solidariedade mecânica imperou na história de todas as sociedades anteriores ao advento da Revolução Industrial e do capitalismo. Nelas, os códigos de identificação social dos indivíduos eram diretos e se davam por meio dos laços familiares, religiosos, de tradição e costumes, sendo completamente autônomos em relação ao problema da divisão social do trabalho, que não interferiria nos mecanismos de constituição da solidariedade. Nesse caso, a consciência coletiva exerceria todo o seu poder de coerção sobre os indivíduos, uma vez que aqueles laços os envolviam em uma teia de relações próximas que acentuavam o controle social direto por parte da comunidade.

A solidariedade orgânica se manifestaria, por sua vez, nas palavras de Durkheim, de modo inteiramente diferente da mecânica. Peculiar da sociedade capitalista moderna, em função direta da divisão acelerada do trabalho, que nessa sociedade exerceria influência decisiva em todos os setores da organização social, a solidariedade orgânica levaria os indivíduos a se tornarem interdependentes entre si, garantindo a constituição de novas formas de unidade social no lugar dos antigos costumes, das tradições ou das relações sociais estreitas, que caracterizavam a vida pré-moderna. Os antigos

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4 KARL MARX

Karl Marx nasceu no dia 5 de maio de 1818, em Trier, província alemã do Reno. Economista, filósofo, historiador, sociólogo e socialista, Marx perdeu suas forças para viver após a morte de sua mulher, em 1881, e de sua filha mais velha em 1882, falecendo em 14 de março de 1883. Na cerimônia de enterro, apenas com a presença de amigos e representantes operários de vários países, Engels pronunciou a oração fúnebre: “[...] ele foi o mais odiado e mais caluniado de todo seu tempo... Morreu amado e venerado por milhões de operários revolucionários, das minas da Sibéria, das costas da Califórnia e de todos os pontos da Europa e da América... Seu nome e sua obra passarão à posteridade”. Ainda hoje, quem for ao cemitério de Highgate, poderá ler na lápide, ou quem sabe até ouvir a palavra de ordem do manifesto: “Operários de todos os países, uni-vos!”

Inicialmente, seguiu os passos do pai estudando Direito em Bonn e Berlim, onde encontrou sua futura mulher, a aristocrata Jenny von Westphalen. Sua trajetória o levou a Colônia, Paris, Bruxelas – onde publicou com Engels o Manifesto Comunista, de 1848 – até ser forçado ao exílio em Londres, pelo governo da Prússia, em 1849. Marx viveu na capital britânica pelo resto da vida. Em Londres, morou no Soho, depois em Kentish Town. Passava os dias devorando obras de economia e filosofia na sala de leitura do Museu Britânico, onde escreveu seu trabalho mais influente, O Capital.

O primeiro volume de O Capital foi publicado enquanto ainda vivia, mas os demais foram editados por Engels após a morte de seu amigo, em 1883. Marx foi enterrado no cemitério de Highgate, norte de Londres. Poucas pessoas estiveram em seu funeral, quando Engels previu: “O seu nome e sua obra vão perdurar ao longo do tempo”.

laços diretos da consciência coletiva se afrouxariam, conferindo aos indivíduos maior autonomia pessoal e cedendo espaço aos mecanismos de controle social indiretos, definidos por sistemas e códigos de conduta consagrados na forma da lei.

Se, em Comte a Teoria da História pressupunha a passagem contínua das sociedades por etapas, ou estágios de desenvolvimento, que iriam do teológico ao positivo, findando a marcha histórica da humanidade neste, em Durkheim a postura finalista quanto ao devir do processo histórico não muda, apenas sofistica-se, uma vez que sua compreensão continuou sendo etapista e fatalista. Ou seja, seguiu prescrevendo para as civilizações o percurso único e inevitável que as levaria dos estágios inferiores aos superiores de cultura e organização social, que findariam, necessariamente, com o advento da sociedade capitalista industrial. A visão de História dos positivistas padeceu de seu fascínio pela modernidade burguesa, a ponto de admitir que, além dela, restava para o homem apenas o aperfeiçoamento da ordem que ela fundou, por meio das revoluções liberais.Labem iam dum pesi firterfirtic re.

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Documentos exibidos pelos arquivos nacionais em Kew, em Londres, revelaram recentemente detalhes sobre os anos em que Marx viveu na Grã-Bretanha. Os documentos revelam que Marx, um dos principais pensadores do mundo, investiu 4 libras como um dos acionistas fundadores de um jornal da classe operária britânica, o The Industrial, que parou de circular em 1883.

Os documentos também mostram por que a polícia impediu que Marx conseguisse obter cidadania britânica. Há um relatório da polícia metropolitana londrina, de 1874, que rejeita a tentativa de Marx de se naturalizar cidadão britânico. “Ele é um notório agitador alemão, o líder da Sociedade Internacional, e defensor de princípios comunistas. Este homem não tem sido leal ao rei”, escreve o sargento Reinners, justificando a negativa a Marx. Apesar disso, Marx passou em Londres a maior parte do final de sua vida.

Embora ele não tenha vivido para ver a aplicação de suas ideias na prática, seu trabalho teve grande influência na formação dos regimes comunistas no início do século XX.

Karl Marx possuía amplo domínio sobre tudo o que a Ciência Econômica tinha realizado antes dele. Contribuiu muito para o campo da economia, sendo um dos principais intelectuais que surgiram no século XIX, influenciando o cenário político-econômico do século XX, criando a ideologia socialista em contraposição ao capitalismo.

Seus trabalhos mais importantes se encontram anteriores a Durkheim, mas, ao contrário deste sociólogo, Marx era discreto quanto à ideia de que a Sociologia pudesse englobar leis gerais e externas como aquelas das ciências naturais. Para Marx cada época histórica é construída em torno de um tipo específico de produção econômica, organização de trabalho e controle de propriedade, criando sua própria dinâmica.

FONTE: Disponível em: <http://infed.org/mobi/wp-content/uploads/2013/01/karl-marx-wikimedia-commons.jpg>. Acesso em: 24 maio 2010.

FIGURA 4 – KARL MARX

A partir de Marx a Sociologia assume uma postura mais crítica, buscando desmascarar e criar um novo sistema que supere o sistema capitalista. Além de sua vigorosa crítica ao sistema capitalista, Marx foi um modelo de intelectual que soube

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muito bem unir a teoria com a prática. A maioria de suas obras aborda os assuntos mais variados possíveis, desde filosofia, política, história, religião e economia, por isso tentar entender todo o seu pensamento é uma tarefa muito complexa. Podemos afirmar que a contribuição teórica de Marx consiste, em síntese, na criação de paradigmas que até o momento não haviam sido discutidos pelo pensamento sociológico. O historiador inglês Eric Hobsbawm (apud TREVISAN, 1997, p. 2) analisa os benefícios e os limites da contribuição marxista:

[...] o marxismo tem contribuído de algum modo para entender a História, mas, realmente, não o suficiente. Por exemplo, o marxismo vulgar diz que todas as coisas ocorrem em virtude de fatores econômicos e obviamente isso não é uma explicação adequada. Insisto que o importante é distinguir o marxismo vulgar de uma interpretação mais sofisticada do sentido da obra de Marx ou em verdade de Karl Marx por ele mesmo. Acho que o marxismo pode fazer isso. Hoje podemos falar sobre isso, como estamos fazendo, porque hoje nós podemos distinguir aqueles trechos das análises marxistas que pareciam ser válidos, mas claramente não o são. Por exemplo, se você realmente lê o Manifesto Comunista de 1848, ficará surpreso com o fato de que o mundo, hoje, é muito mais parecido com aquele que Marx predisse em 1848. A ideia do poder capitalista dominando o mundo inteiro, como também uma sociedade burguesa destruindo todos os velhos valores tradicionais, parece ser muito mais válida hoje do que quando Marx morreu. Por outro lado, por exemplo, a previsão de que a classe trabalhadora ficaria cada vez mais pauperizada não é verdade. Isso não quer dizer que a classe trabalhadora não tenha suficientes boas razões para protestos. Uma coisa interessante que faz a análise marxista bastante moderna é a análise das tendências de longa duração.

Karl Marx não falou somente da exploração econômica do trabalhador; não se tratava apenas de uma crítica da distribuição de renda no capitalismo, mas criticava a escravização do homem (trabalhador e capitalista) por coisas feitas por ele mesmo.

Um dos temas discutidos por Marx, cuja força ainda hoje podemos verificar, é o fetichismo da mercadoria, que seria a interpretação de como o modo capitalista de produção mercantiliza as relações, as pessoas e as coisas, como ele transforma as próprias pessoas em mercadorias. O fetichismo representa uma contradição fundamental do capitalismo: há “relações materiais entre pessoas e relações sociais entre coisas”.

Fetichismo é o exemplo mais simples do modo pelo qual as formas econômicas do capitalismo (valor, capital, lucro) ocultam as relações sociais subjacentes. A reificação significa a transformação dos seres humanos em seres semelhantes a coisas, que se comportam de acordo com as leis do mundo das coisas: caso especial de alienação.

Caro(a) acadêmico(a)! De Karl Marx, para que possamos refletir acerca de nossas ações do dia a dia, podemos extrair este pensamento:

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“A burguesia rasgou o véu sentimental da família, reduzindo as relações familiares a meras relações monetárias. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência”.Karl Marx

Extraído de um dos textos de Silvio Luiz de Oliveira (2002, p. 33-35), o texto que segue procura apresentar outros pensamentos e contribuições das obras de Karl Marx.

Qualquer pessoa que inicie a leitura da obra de Marx precisa ler da primeira à última linha porque os três volumes de seu trabalho são de um só molde, as diferentes partes de sua doutrina econômica dependem estruturalmente umas das outras, e nenhuma seria bem compreendida sem o conhecimento das demais.

Existe a necessidade da leitura dos três volumes com o agravante de que Marx escreveu o primeiro volume em 1867 e os outros dois foram publicados post mortem por Friedrich Engels.

No volume III, capítulos 1 e 2, Marx mostra que a Economia Política trata do modo pelo qual os homens procuram os bens dos quais têm necessidade para viver. Ao demonstrar a questão da mercadoria, preço e lucro, os homens procuram os bens exclusivamente pela compra e venda de mercadorias. As pessoas tomam posse delas comprando-as com dinheiro, que constitui sua renda.

Na análise desse aspecto social o indivíduo satisfaz suas necessidades de adquirir os produtos e Marx mostra formas bastante diversas de renda que podem ser classificadas em três grupos:

• o capital: rende a cada ano ao capitalista um lucro;• a terra: rende ao proprietário rural uma renda fundiária; e• a força de trabalho, em condições normais e enquanto permanece útil, rende

ao operário um salário.

Para o capitalista, o capital, para o proprietário rural, a sua terra e para o operário sua força de trabalho, ou melhor: lucro, renda fundiária e salário. Essas rendas todas lhes aparecem como frutos, para consumir anualmente, de uma árvore que não morre jamais, ou mais exatamente de três árvores; essas rendas constituem rendas anuais de três classes sociais:

• dos capitalistas;• dos proprietários rurais (fundiários);• dos operários.

No capítulo 11, do volume 1, Marx mostra a estrutura das organizações produtivas, onde a produção capitalista começa quando o capital individual chega simultaneamente a um grande número de operários, quando o processo de trabalho estende seu centro de ação e fornece produtos em grande quantidade.

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A oportunidade de um número maior de operários, trabalhando ao mesmo tempo e no mesmo lugar, ou seja, na mesma área de trabalho, sob as ordens do mesmo capitalista, visando à produção da mesma espécie de produtos, constitui o ponto de partida histórico e formal da produção capitalista.

Ao desenvolver os métodos para o aumento da mais-valia, Marx mostra criticamente que a mais-valia é produzida nas organizações pelo emprego da força de trabalho. O capital compra a força de trabalho e paga em troca o salário. Trabalhando, o operário produz um novo valor, que não lhe pertence e sim ao capitalista. É preciso que ele trabalhe um certo tempo para restituir unicamente o valor do salário. Mas isso feito, ele não para, trabalha ainda mais. O novo valor que ele vai produzir agora e que passa então ao montante do salário se chama mais-valia.

Na época, verificou ainda os efeitos desses progressos na situação da classe operária, hoje vivendo o fantasma do desemprego. Aborda, dentre outras teses, o trabalho da mulher e das crianças, suas formas de exploração, do prolongamento da jornada de trabalho. Hoje o mundo capitalista procura reduzir a jornada de trabalho para que não haja aumento do desemprego, monotonia de trabalho, aumento dos acidentes de trabalho e a luta entre os operários e a máquina está ocupando seu espaço.

O Capital abriu campo para a evolução das ideias socialistas que marcaram as décadas de 60, 70 e 80, criando turbulências políticas e sociais no mundo, a Guerra Fria entre Moscou e Washington e, na década de 90, que marca o final do século XX, o capitalismo acabou triunfando. A URSS quebrou com a Perestroika de Mikhail Gorbatchev e a estátua de Lênin, símbolo da Revolução Russa, foi ao chão; a China, aos poucos, assume o sistema de livre comércio; Fidel Castro, com a visita do Papa a Cuba em janeiro de 1998, acabou rezando o pai-nosso.

Rosa Luxemburgo em A Acumulação do Capital, um clássico da literatura econômica, defende a tese de que a necessidade de expansão permanente do capitalismo é a causa básica do imperialismo – a submissão econômica dos países de economia atrasada aos altamente industrializados. Mas também é aí, afirma, que se encontra a causa determinante do colapso final do imperialismo, incapaz de resistir ao peso acumulado das contradições, que carrega em seu bojo o processo de produção capitalista.

Entretanto, o que se assiste no final do século XX não foi o que se previu em A Acumulação do Capital, de Rosa Luxemburgo, pois houve a unificação dos mercados de consumo, transformados em mercados comuns: UE – Unidade Europeia, NAFTA – mercado comum entre Estados Unidos, Canadá e México; o MERCOSUL, formado pelos países do Cone Sul – Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai e a ALCA – Área de Livre Comércio das Américas, que começará a funcionar após 2010/2015, reunindo o maior mercado comum da

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5 MAX WEBER

Max Weber nasceu na cidade de Erfurt, na Turíngia, em 21 de abril de 1864. Em 1893, casou-se e, no ano seguinte, tornou-se professor de economia na Universidade de Freiburg, da qual se transferiu para a de Heidelberg, em 1896. Dois anos depois, sofreu sérias perturbações nervosas que o levaram a deixar os trabalhos docentes, só voltando à atividade em 1903. A partir dessa época, Max Weber somente leciona aulas particulares, salvo em algumas ocasiões, quando proferia conferências. Seu falecimento ocorre no dia 14 de junho de 1920, na cidade de Munique.

FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/16/Max_Weber_1894.jpg>. Acesso em: 24 maio 2010.

FIGURA 5 – MAX WEBER

Enfim, o pensamento de Marx teve e ainda tem influência no Brasil, por exemplo: em teorias da educação, na política, em ideologias. Entretanto, há também os que combatem acidamente os postulados de Marx na atualidade.

Terra, conforme ficou decidido na Reunião de Cúpula das Américas feita em Santiago em abril de 1998.

A fusão de duas megacorporações capitalistas: Citicorp e TraveI Group marcou o apogeu do sistema capitalista quando apenas duas empresas passaram a ter economicamente força de Estado. Na França, a fusão dos bancos Paribas e Societé Générale (SG), criou o segundo maior banco da Europa e o quarto maior do mundo, um negócio de US$ 17,5 bi, pago pelo SG ao Paribas. No Brasil, a fusão do Bradesco com o BCN criou o maior banco da América do Sul. O surgimento da internet, a globalização da Economia, o avanço extraordinário da tecnologia e uma massa muito grande de desempregados marcam o final do século XX.

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Na mesma linha de pensamento de Karl Marx, Weber duvidava de quaisquer alegações de que a Sociologia poderia ser como as ciências naturais e formular “leis” universais e eternas. Já, ao contrário de Karl Marx, Weber afirmava que a análise sociológica deveria ser isenta de juízos de valor, ou objetiva e neutra em questões morais. Segundo ele, o objetivo da Sociologia é identificar e entender como e por que nascem as regras na sociedade e como elas funcionam. Também ao contrário de Marx, a aparição do capitalismo não surgia unicamente das transformações econômicas, porque as ideias e valores culturais ajudam na constituição de uma sociedade e influenciam as nossas ações individuais.

Max Weber afirmou que a Sociologia deve sempre buscar compreender os fenômenos “no nível do significado” dos atores, o que os atores veem e sentem durante suas ações na sociedade. Também é necessário examinar o contexto cultural criado quando os atores sociais interagem. A análise sociológica deve ater-se a duas situações: a primeira, às experiências dos atores e, a segunda, aos sistemas culturais e sociais nos quais os atores estão inseridos.

Para Weber, a desigualdade não é uma simples questão de a pessoa “ter e não ter” com relação a quem detém os meios de produção; ela é parte de um processo mais amplo de diferenças e hierarquias. Em Marx, o status e o poder simplesmente derivam da classe; já para Weber, isso nem sempre foi verdadeiro.

A obra de Weber é marcada pela análise teórica e empírica dos fatos econômicos, históricos e culturais, bem como pelo seu compromisso em fazer ciência, sem cair em pressupostos valorativos ou em concepções de mundo. Algumas vezes a sua escolha pelo ecletismo e o seu ponto de vista particular sobre o papel da ciência causou certo entrevero entre ele e alguns intelectuais e suas teses acadêmicas da época.

Estudar os escritos de Max Weber é tentar compreender muito do que está acontecendo no hodierno. Sem dúvida, ele continua a influenciar a Sociologia em razão de seu interesse em isolar e entender as forças motrizes das sociedades modernas. Preocupou-se com o surgimento e funcionamento do capitalismo, a dominação da vida social pelas burocracias, o poder crescente do Estado, o significado das leis nas relações sociais, os processos de urbanização de populações nas cidades, as consequências dos sistemas de crenças e valores, ou seja, da cultura.

As questões que seguem são extraídas do Livro “Manual de Sociologia”, de Delson Ferreira (2001, p. 66-72), no qual ele procura responder às dúvidas ou questões mais frequentes com relação ao pensamento weberiano. Leia atentamente cada um dos temas apresentados.

LEITURA COMPLEMENTAR

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Olá!!! Acredito que você deve estar cansado(a). Pare um pouquinho, tome um copo d’água e, antes de prosseguir, descanse... Isso fará bem ao seu aprendizado.

A SOCIEDADE NÃO É SUPERIOR AOS INDIVÍDUOS

Delson Ferreira

Para ele, a sociedade e seus sistemas não pairam acima e não são superiores ao indivíduo. As regras e normas sociais não são analisadas como exteriores à vontade dos indivíduos. Muito ao contrário, elas seriam o resultado de um conjunto complexo de ações individuais, nas quais os agentes escolheriam, a todo o momento, diferentes formas de conduta. As grandes ideias coletivas que norteiam a sociedade, como o Estado, o mercado e as religiões, só existiriam porque muitos indivíduos orientariam reciprocamente suas ações em determinado sentido comum. De fundamento individualista, o pensamento weberiano privilegia a parte sobre o todo, uma vez que sua perspectiva pressupõe que o coletivo se origina no individual. O primado da ação do indivíduo sobre a sociedade é que determinaria a relação indivíduo-sociedade, item fundamental para os estudos sociológicos.

Sua principal contribuição metodológica para as ciências sociais foi a

elaboração do conceito de tipo ideal. Estudou a História de um ponto de vista comparativo e foi um dos principais autores a analisar as problemáticas do funcionamento do capitalismo e da burocracia, além de ter levantado temas fundamentais na área da Sociologia da religião.

Seu conceito de tipo define-se pela ênfase (COHN, 1997, p. 8) “[...]

em determinados traços da realidade até concebê-los na sua concepção mais pura e consequente, que jamais se apresenta assim nas situações efetivamente observáveis”. Daí esses tipos serem construídos, por necessidade, “no pensamento do pesquisador”, existindo “no plano das ideias sobre os fenômenos e não nos próprios fenômenos” em si. Weber, ao conceber essa ferramenta metodológica de pesquisa, partiu do pressuposto de que a realidade social só pode ser conhecida quando aqueles traços que interessam ao pesquisador são metodicamente exagerados, para em seguida se poderem formular com clareza as questões relevantes sobre as relações entre os fenômenos observados.

A concepção weberiana de História foi elaborada a partir de uma impossibilidade teórica: para Weber, um período histórico não engendra nem configura o seguinte. Como diz Cohn (1997, p. 14-15), “[...] seja em termos de ‘progresso’ ou de qualquer noção similar, que pressuponha a presença das mesmas causas operando ao longo do tempo em diferentes configurações históricas”. Em seu ponto de vista, não há uma sequência causal única e abrangente na História e toda causa apon tada para um determinado fenômeno será uma entre múltiplas outras possíveis e igualmente acessíveis ao conhecimento científico.

UNI

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A saída encontrada por seu intelecto foi realizar a pesquisa por meio de um exame comparativo que permitisse o resgate das peculiaridades de cada período histórico. O estudo comparativo teria por finalidade a caracterização e a compreensão do mundo ocidental moderno em face dos períodos anteriores, uma vez que as peculiaridades de cada período revelariam as causas de suas diferenças em relação a este mundo, pautado pela racionalização. Essa seria a função principal da análise comparativa, ferramenta fundamental da pesquisa histórica.

Outra contribuição importante de Weber para o enriquecimento do

instrumental teórico das ciências sociais foi a elaboração conceitual do que ele chamou de “três tipos puros de dominação legítima”. Esses conceitos encontram seu sentido no conjunto da análise social que ele estruturou ao longo de sua vida, voltada para a compreensão dos problemas que envolvem a dominação e o poder. Os três tipos de dominação são os seguintes: o legal, o tradicional e o carismático (apud COHN, 1997, p. 128-141). No tipo legal, a dominação ocorre em virtude de estatuto. Seu tipo mais puro é a dominação burocrática. Sua ideia básica é: qualquer direito pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancionado corretamente quanto à forma. [...] Correspondem naturalmente ao tipo da dominação ‘legal’ não apenas a estrutura moderna do Estado e do município, mas também a relação de domínio numa empresa capitalista privada, numa associação com fins utilitários ou numa união de qualquer outra natureza que disponha de um quadro administrativo numeroso e hierarquicamente articulado.

A dominação tradicional é estabelecida em virtude da crença na santidade das ordenações e dos poderes senhoriais de há muito existentes. Seu tipo mais puro é o da dominação patriarcal. [...] Obedece-se à pessoa em virtude de sua dignidade própria, santificada pela tradição: por fidelidade.

E a dominação carismática fundamenta-se na devoção afetiva à pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais (carisma) e, particularmente: faculdades mágicas, revelações de heroísmo, poder intelectual ou de oratória. [...] Seus tipos mais puros são a dominação do profeta, do herói guerreiro e do grande demagogo.

MAX WEBBER E A SOCIEDADE: ÉTICA PROTESTANTE E ESPÍRITO DO CAPITALISMO

Delson Ferreira

O livro A ética protestante e o espírito do capitalismo, de 1905, ao lado de sua principal obra, Economia e sociedade, de 1922 (póstumo), compõe o núcleo central do trabalho de Weber. Foi uma das obras paradigmáticas dos estudos da Sociologia da religião, por ter tentado compreender o universo de relações existentes entre as manifestações religiosas organizadas e a vida social. Esse livro produziu controvérsias teóricas que chegam aos dias de hoje, uma vez que tem também por objeto desvendar o que o autor denominou de “espírito do capitalismo”. Nele, revela-se a preocupação primeira das análises weberianas: compreender a tendência à racionalização progressiva da sociedade moderna.

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Seu ponto de partida metodológico (COSTA, 1987, p. 66-67) consistiu na análise de informações que revelaram existir, entre o setor empresarial e de mão de obra especializada, muitos simpatizantes da Reforma Protestante promovida por Lutero a partir da Alemanha. Sua conclusão, após interpretação dessas informações, foi de que os valores protestantes, entre eles individualismo, disciplina, austeridade, senso do dever, inclinação e apego ao trabalho, passaram a agir fortemente sobre o comportamento dos indivíduos. Em consequência, procurou demonstrar que estava em curso o surgimento de uma peculiaridade histórica do mundo moderno: a formação de um novo tipo de mentalidade racional, vinculada à lógica organizacional do capitalismo e contrária ao caráter contemplativo característico do comportamento católico.

No entendimento weberiano, o relacionamento entre as esferas da religião e da sociedade não se estabelece pela via institucional. As relações entre esses âmbitos se dariam por meio dos valores, que seriam internalizados pelos indivíduos e convertidos em motivação para sua ação social. Esses motivos, que mobilizariam internamente os indivíduos, seriam conscientes, e a tarefa do cientista social seria descobrir e compreender as conexões existentes entre a motivação dos indivíduos e os efeitos de sua ação no meio social.

Seguindo estes passos metodológicos, Weber comparou os conjuntos de valores do catolicismo e do protestantismo, procurando demonstrar que esses últimos revelariam uma tendência ao racionalismo econômico que viria a predominar no sistema capitalista. No intuito de definir o tipo ideal que pudesse caracterizar esse sistema econômico e social, Weber estudou comparativamente as peculiaridades de diversos sistemas econômicos, em épocas e culturas diferentes, antes e após o advento do mercantilismo. Sua conclusão foi de que o capitalismo, em sua forma característica, constituiu a única organização econômica da História das civilizações fundada na racionalidade, que se diferenciava das demais devido ao fato de ser estruturada logicamente sobre o trabalho livre e orientada de forma coerente para a operação de um mercado real.

Dois outros comentadores contribuíram para o esclarecimento dos objetivos dessa obra: Charles-Henry Cuin e Gabriel Cohn. Segundo Cuin e Gresle (1994, p. 88-89), Weber não pensou que o protestantismo tivesse estado, historicamente, na origem do capitalismo, e ainda menos que tenha sido a sua causa. Ao propor um modelo (ou ‘tipo ideal’) que tem o mérito de simplificar – aumentando-as – as relações entre os fenômenos em questão, ele aventa sutilmente a hipótese de que o protestantismo pôde fornecer ao capitalismo diversos elementos essenciais que distinguem nitidamente o capitalismo europeu, em suas origens, e justificam sua superioridade intrínseca sobre os mundos concorrentes, particularmente os asiáticos.

Cohn (1997, p. 22-23), por seu turno, entende que Weber objetivava

demonstrar a existência de uma íntima afinidade entre a ideia protestante de “vocação” e a contenção do impulso irracional para o lucro através da atividade metódica e racional, em busca do êxito econômico representado pela empresa.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

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Por essa via, apresentava-se a ideia de que um determinado tipo de orientação da conduta na esfera religiosa – a ética protestante – poderia ser encarado como uma causa do desenvolvimento da conduta racional em moldes capitalistas na esfera econômica. [...] O próprio Weber, respondendo a um dos seus primeiros críticos, procurou explicitar a problemática que o preocupava ao escrevê-la. Afirmava ele nessa ocasião que estava [...] preocupado com o estudo de “aspectos da moderna conduta da vida e seu significado prático para a Economia”, especialmente no que dizia respeito ao desenvolvimento de uma “regulação prático-racionalista da conduta da vida”.

MAX WEBER E AÇÃO SOCIALDelson Ferreira

A formulação sociológica weberiana é, em geral, denominada de compreensiva, em virtude do esforço interpretativo que ela realiza, voltado para a compreensão do passado histórico e de sua repercussão nas características peculiares de cada sociedade. Do ponto de vista de Weber, o ato de definição do objeto da Sociologia implica a reconstrução do sentido subjetivo original da ação e o reconhecimento de que a visão do observador – o cientista – é sempre parcial. O pensamento weberiano recusa as concepções que atribuem causas únicas para os fenômenos sociais e ressalta o que esse autor denominou de adequação de sentido, ou seja, a necessidade da congruência da ação em duas ou mais esferas da vida social.

Weber definiu como objeto de estudo da Sociologia a ação social. Para ele, ela compreende qualquer ação que o indivíduo faz orientando-se pela ação dos outros, sendo dotada e associada a um sentido. Essa ação, a seu ver, teria sempre um caráter subjetivo. Dessa forma, seu objetivo é compreender a conduta social humana, fornecendo explicações das causas e consequências de sua origem. Essa tal visão seriam as atitudes que explicariam a conduta social dos indivíduos.

Segundo Weber, a ação social é representada por tipos ideais e é caracterizada de quatro modos distintos, a partir de motivos orientados ora pela tradição, ora por interesses racionais, ora pelos afetos ou emoções. No campo real, o conjunto complexo das ações dos indivíduos na sociedade seria configurado por uma mescla diversificada dessas quatro características.

A ação tradicional seria determinada pelos costumes e pelas ações cotidianas vinculadas aos hábitos arraigados nos indivíduos. As ações movidas pelos interesses racionais abrir-se-iam em dois campos: no racional, visando aos fins, o indivíduo agiria conforme sua expectativa em relação à conduta de outros membros da sociedade, agindo racionalmente por calcular sua ação de acordo com os fins, meios e consequências. A ação política exemplificaria esse tipo de atuação. No campo da ação racional visando aos valores, ela seria orientada por princípios ou valores éticos, estéticos, religiosos e morais, sem cálculos prévios ou vínculos diretos com os resultados, residindo seu sentido na própria ação em si. As condutas ligadas às manifestações religiosas serviriam de modelo para esse tipo de ação. Finalmente, ação afetiva ou emocional seria ligada às motivações determinadas

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por esses estados vivenciais internos, baseando-se também na própria ação e não nos possíveis resultados.

Vinculado ao conceito de ação social está o de relação social, que não pode ser confundido com o primeiro. Necessário para que a análise atinja o plano sociológico, esse conceito desdobra o significado da ação individual para o âmbito coletivo, buscando compreender o sentido da ação de grupos de indivíduos em uma direção comum.

De acordo com Gabriel Cohn (1997, p. 30), esse conceito é concernente à conduta de múltiplos agentes que se orientam reciprocamente em conformidade com um conteúdo específico do próprio sentido das suas ações. A diferença entre ‘ação social’ e ‘relação social’ é importante: na primeira, a conduta do agente está orientada significativamente pela conduta de outro (ou outros), ao passo que na segunda a conduta de cada qual, entre múltiplos agentes envolvidos (que tanto podem ser apenas dois e em presença direta, quanto um grande número e sem contato direto entre si no momento da ação), orienta-se por um conteúdo de sentido reciprocamente compartilhado.

Weber entende ser fundamental que o pesquisador exerça um papel ativo diante dos processos pertinentes ao seu trabalho sociológico e à sociedade, mantendo necessariamente uma postura de distanciamento de seu objeto de estudo, de modo a resguardar a cientificidade da abordagem e da compreensão das ações e relações sociais. Esse distanciamento deve ser entendido, todavia, em uma perspectiva diversa da que foi definida pela Sociologia positivista. Esclarecendo essas questões, Cohn (1997, p. 28) diz ser necessário “[...] frisar que a compreensão nada tem a ver com qualquer forma de ‘intuição’ nem se reduz à captação imediata de vivências, mas somente é possível através da reconstrução do encadeamento significativo do processo de ação”.

Finalmente, fica também enfatizado que a referência à compreensão do sentido ‘subjetivamente visado’ nada tem a ver com processos psicológicos que ocorram no agente, visto que o que se compreende não é o agente, mas o sentido da sua ação. Por isso mesmo Weber formula a exigência de que o recurso à compreensão se dê mediante um ‘distanciamento’ do pesquisador em relação ao seu objeto e nunca através de algum procedimento de identificação empática com o agente em questão.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Caro(a) acadêmico(a), neste tópico você viu que:

• A Sociologia é muito importante para cada dia de nossas vidas, permitindo entendermos as forças externas que influenciam nossas percepções, pensamentos e ações.

• A corrente de pensamento positivista influenciou de forma contundente o Brasil, país latino-americano que se transformou numa segunda pátria do Positivismo.

• Karl Marx enfatizou a natureza contraditória da sociedade, acreditando na razão como possibilidade de construção de uma sociedade mais justa.

• Na opinião de Marx, as desigualdades que ocorrem através da distribuição dos meios de produção geram um ambiente para a transformação da sociedade.

• Para Durkheim, a sociedade prevalece sobre o indivíduo e o conceito durkheimiano de fato social e suas características fundamentais.

• Com a divisão do trabalho social propiciada pela formação da produção industrial capitalista tivemos o surgimento da solidariedade orgânica.

• Na concepção weberiana, a sociedade não é exterior nem superior ao indivíduo.

• Na sociologia weberiana, a análise é centrada nos atores sociais e suas ações.

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1 No século XIX surgiram, no Brasil, novas discussões e teorias provenientes da Europa. Neste sentido, é importante ressaltar que vários intelectuais brasileiros eram:

a) ( ) Padres e juízes que buscavam acordos políticos e europeus.b) ( ) Coronéis que defendiam as grandes capitanias.c) ( ) Oriundos das grandes teorias positivistas.d) ( ) Sociólogos que usavam as ideias de Adam Smith e Habermas para

explicar suas teorias.

2 Como ciência, a Sociologia procura constituir um conhecimento sobre a realidade social, tendo suas pesquisas confrontadas com essa realidade.

a) Nesse sentido, redija um texto no qual você trabalhe o seguinte tópico:• A relação entre a Sociologia e o seu dia a dia.b) Agora, escreva como você avalia os motivos que fizeram os primeiros

sociólogos se preocupar com a questão da individualidade e da ação coletiva e social.

3 Explique a noção de progresso na teoria positivista de Auguste Comte.

4 Assista ao filme Beleza Americana (American Beauty – 1999), identificando no filme aspectos típicos da sociedade de consumo, relacionando-os em um quadro, verificando também em que medida aborda temas e teorias dos autores estudados neste Tópico 2.

5 “Segundo Marx, o modo de produção capitalista desenvolveu um mecanismo de separação dos trabalhadores e da propriedade das condições da realização do trabalho, ou seja, separou radicalmente os trabalhadores dos meios de produção. Ao se desenvolver, o capitalismo não apenas mantém esta

separação, mas a reproduz em escala sempre crescente. O capitalismo, além de separar os trabalhadores das condições de trabalho, transforma também os meios de subsistência e de produção em capital e os trabalhadores diretos em trabalhadores assalariados.”

FONTE: BATISTA, Ricardo L. O trabalho sob a égide do capital: uma análise marxista. In: TUMOLO, Paulo S.; BATISTA, Ricardo L. (Org.). Trabalho, economia e educação: perspectivas do capitalismo global. Maringá: Práxis; Massoni, 2008. p. 41.

Considerando a análise marxista acerca do capital e do trabalho, conforme exposto pelo autor, analise as proposições:

AUTOATIVIDADE

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I - O capital se valoriza através da extração da mais-valia, ou seja, pela expropriação de trabalho excedente, não pago aos trabalhadores.

II- São condições objetivas no processo de produção os objetos e os meios de trabalho, isto é, as matérias-primas e os instrumentos de trabalho, elementos auxiliares do trabalhador. Por sua vez, a força de trabalho se constitui condição subjetiva no processo de produção, sendo responsável por garantir a valorização e expansão do capital.

III - São alguns dos fatores que influenciam diretamente a elevação da produtividade do trabalho, contribuindo para o processo de racionalização e valorização do capital: os investimentos na capacitação e especialização da força de trabalho; o desenvolvimento de formas para garantir o fluxo contínuo no processo de produção; a melhoria dos instrumentos de trabalho através do desenvolvimento tecnológico e a garantia do controle, disciplina e vigilância sobre o trabalho.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Somente a proposição III está correta.b) ( ) Somente a proposição I está correta.c) ( ) As proposições I, II e III estão corretas.d) ( ) As proposições I e III estão corretas.

6 Considerando os antecedentes históricos da Sociologia, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A Sociologia começou a se consolidar como disciplina acadêmica a partir das reflexões de Karl Marx e Émile Durkheim, durante o século XXI. Tal ciência esteve voltada, de início, para a definição das virtudes morais e das virtudes políticas, tendo como objeto central de suas investigações a moral e a política, isto é, as ideias e práticas que norteiam os comportamentos dos seres humanos tanto como indivíduos quanto como cidadãos.

b) ( ) O período formativo da Sociologia como ciência ocupa a segunda metade do século XX e início do século XXI. Foi concebida como uma teologia e, além disso, em virtude de lidar com os problemas sociais provenientes das revoluções econômicas e políticas do século XV.

c) ( ) Auguste Comte foi um dos precursores da Sociologia e dentre as suas ideias estava que esta nova ciência deveria seguir os postulados do conhecimento científico.

d) ( ) A Sociologia foi, de começo, uma ciência de cunho teológico, ou seja, ciência positivista que considerava as sociedades como etapas culturais e civilizatórias de um processo histórico universal. Desse modo, preocupou-se inicialmente com o estudo das estruturas e do desenvolvimento dos comportamentos humanos e animais.

7 Quem é o sociólogo que criticou fortemente o capitalismo, porque este sistema definiu o interesse pelo dinheiro e pelos ganhos materiais como o principal motivo do homem para viver e, além disso, apontou que no capitalismo há

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exploração do homem pelo homem?a) ( ) Marx.b) ( ) Weber.c) ( ) Ramos. d) ( ) Gilberto Freyre.

8 Analise as afirmações a seguir e classifique-as em V verdadeiras e F falsas:

( ) Segundo Comte, para que a Sociologia fosse reconhecida como ciência e para que o homem se desenvolvesse completamente, a sociedade deveria passar por três estados: teológico, metafísico e positivo.

( ) Karl Marx e Max Weber, mesmo vivendo em períodos distintos, defendiam as mesmas ideias, entre estas, destaca-se: a de que todos devem ser iguais economicamente e para se deveria isso eliminar definitivamente o capitalismo.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V - V.b) ( ) F - F.c) ( ) F - V.d) ( ) V - F.

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TÓPICO 3

LIÇÕES IMPORTANTES DA SOCIOLOGIA

CONTEMPORÂNEA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Você, caro(a) acadêmico(a), já estudou o surgimento da Sociologia, os sociólogos clássicos e, na maneira do possível, deve ter verificado também o que estava acontecendo na sua área de estudo no período em que os sociólogos clássicos estavam escrevendo as suas teorias no âmbito da Sociologia. Ou ainda, deve ter visualizado se tais sociólogos clássicos serviram de base para estudos na sua área.

Entretanto, você poderia perguntar: se tivemos sociólogos clássicos na

modernidade, atualmente quem são ou foram os sociólogos que fazem parte deste período contemporâneo? Ou ainda, o que os sociólogos têm investigado ou escrito na atualidade.

Calma, nesta unidade, apresentaremos dentre vários sociólogos de destaque

alguns que merecem atenção. Isso não significa que eles são mais importantes do que outros. Mas no decorrer da unidade serão indicados caminhos para que você possa, caso queira, aprofundar-se no assunto.

2 PIERRE BOURDIEU

Pierre Bourdieu nasceu em Denguin, Sul da França, em 1º de agosto de 1930. Frequentou o prestigiado liceu parisiense Louis-Le-Grand, em 1950, e completou sua agrégation em filosofia na École Normale Supérieure. Como parte de seu serviço militar, lecionou na Argélia e assim vivenciou o colonialismo francês em primeira mão. Essa experiência foi formativa, e o esforço de compreendê-la colocou o filósofo no caminho da antropologia e da filosofia. Mais tarde, entre 1959 e 1962, Bourdieu lecionou Filosofia na Sorbonne e em meados dos anos 60 tornou-se diretor de estudos na École des Hautes Études em Sciences Sociales de Paris e do Centre de Sociologie Européenne. Ficou conhecido na década de 60, através dos estudos sobre os mecanismos de construção da desigualdade social.

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FONTE: Disponível em: <https://ensaiosdegenero.files.wordpress.com/2012/05/pierre-bourdieu.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2008.

FIGURA 6 – PIERRE BOURDIEU

Em 1982 foi eleito para a cadeira de Sociologia no Collége de France. Crítico acérrimo do liberalismo econômico, faleceu em 23 de janeiro de 2002, em Paris, com 71 anos. Bourdieu é considerado uma das maiores referências das ciências sociais no mundo contemporâneo.

Dada a complexidade da obra de Pierre Bourdieu, sempre existe o risco de que seu projeto seja mal interpretado. É preciso cuidado na leitura de suas obras; o mesmo cuidado que o próprio Bourdieu aplica a seus escritos. Sua sociologia cresceu em torno de uma ideia-força, que ele desenvolveu e aplicou em diferentes problemáticas. Entre elas se destacam:

a) Uma preocupação em analisar a desigualdade e a diferença de classes em um nível estrutural e não ideológico, mas sem sucumbir à ilusão “objetivista” do estruturalismo.

b) Uma preocupação em permitir que a ciência vá além dos clichês, estereótipos e classificações dos doxa universalmente inquestionáveis e, como consequência, explicar as relações de poder inscritas na realidade social, em um campo social.

Enquanto muitos de seus colegas pensadores evocam uma sociologia em estado de crise, ele reconhece sua importância e acredita que ela pode ser elevada a um alto grau de cientificidade e de objetividade. Ele considera que essa disciplina possui uma função crítica fundamental que consiste em desvelar os processos de funcionamento social, especialmente os de dominação.

Desde que realizou trabalhos de campo na Argélia nos anos 60, Bourdieu comprometeu-se a revelar os modos subjacentes de dominação de classe em sociedades capitalistas que apareçam em todos os aspectos da educação e da arte. Sua tese é de que a classe dominante não exerce um domínio explícito, tampouco domina a sociedade capitalista por meio de uma conspiração em que os privilegiados manipulam de modo consciente a realidade de acordo com seus próprios interesses.

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TÓPICO 3 | LIÇÕES IMPORTANTES DA SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA

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Antes, a classe dominante na sociedade capitalista é, estaticamente, a beneficiária do poder econômico, social e simbólico, poder incorporado no capital econômico e cultural, sobreposto a todas as instituições e práticas da sociedade e reproduzido por essas próprias instituições e práticas.

No meu tempo de estudante, aqueles que se distinguiam por um ‘brilhante currículo’ não podiam, sob pena de rebaixar-se, executar tarefas práticas tão vulgarmente banais como aquelas que fazem parte do ofício de sociólogo. As ciências sociais são difíceis por razões sociais: o sociólogo é alguém que vai para a rua, interroga o primeiro que aparece, escuta-o e tenta aprender com ele. (BOURDIEU; WACQUANT, 1992, p. 176).

Em grande parte, a postura teórica subjacente de Bourdieu foi apresentada

em seu ensaio de 1970, com o título An Outline of a Theory of Pratic. Ali, no contexto de estudos etnográficos, Bourdieu delineia uma estrutura de três segmentos de conhecimento teórico, cujo nível mais reflexível acabará sendo empregado para classificar os “classificadores”, para “objetivar o sujeito objetivante” e para “julgar os próprios árbitros de gosto”.

O primeiro elemento, “experiência primária”, ou que Bourdieu também denomina nível “fenomenológico”, é conhecido de todos os pesquisadores de campo porque é a fonte de seus dados descritivos básicos a respeito do mundo familiar cotidiano – seja de sua própria sociedade ou de outra.

O segundo nível, quase tão familiar quanto o anterior, é o do “modelo” ou do conhecimento “objetivista”. Aqui, o conhecimento “constrói as relações objetivas” (por exemplo, econômicas ou linguísticas) que estruturam a prática e as representações da prática. Assim, em um nível “primário”, o pesquisador poderia observar que, em cada casamento, nascimento ou Natal, as pessoas trocam presentes. Em nível “objetivista”, o pesquisador poderia teorizar a respeito de que, apesar do que sugere o senso comum, a troca de presentes é um meio de manter o prestígio e confirmar uma hierarquia social e talvez a troca enquanto tal é um modo de coesão social. O ponto que Bourdieu enfatiza a respeito desse conhecimento é que ele é fundamentalmente o do observador neutro e distanciado que se dedica a desenvolver uma teoria da prática implícita nos dados primários. Tratando de estudar a linguagem ou troca de presentes em particular, o conhecimento do teórico distanciado é significativamente limitado. É evidente que se a linguagem for estudada apenas do ponto de vista do ouvinte, e não do ponto de vista do falante, uma forma imperfeita de conhecimento é derivada.

Dessa maneira vemos como Bourdieu argumenta que uma teoria adequada à prática deve também ser uma teoria do maior defeito da abordagem objetivista à prática, devendo ser muito rigidamente distanciada da prática. Portanto, não consegue encaixar elementos integrais à prática: como “estilo”, “tato”, “destreza” e, em particular, “improvisação”. Da mesma forma, ao construir um modelo de prática – por exemplo, troca de presentes – o conhecimento objetivista não pode encaixar “falhas” ou “estratégias” que possam solapar a universalidade do modelo. Em outras palavras, o tempo é deixado de fora do modelo, juntamente com a ideia

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

de “estratégia”. “A estratégia”, diz Bourdieu, “permite a intervenção individual contra o modelo”. Isso a postura estruturalista, conforme enunciada por Lévi-Strauss, não conseguiu fazer.

Alguns conceitos importantes na sociologia de Pierre Bourdieu merecem destaque.

Vejamos:

• Habitus: são disposições inculcadas pelas práticas familiares e sociais, que agem como automatismos nas maneiras de agir e designam o comportamento regular sem ser conscientemente coordenado e regido por alguma regra. O habitus assegura a interiorização da exterioridade, ajustando a ação do agente à sua posição social. O centro das experiências infantis ocupa um lugar determinante na constituição do habitus. As disposições assim produzidas são igualmente estruturadas, refletindo inevitavelmente as condições sociais no interior das quais elas foram adquiridas. Sendo duráveis, elas estão enraizadas no corpo de tal maneira que perduram ao longo da existência dos indivíduos e operam quase que inconscientemente, tornando-se dificilmente acessíveis a uma reflexão e a uma transformação consciente. Essas disposições são generativas e transferíveis, pois podem engendrar uma multiplicidade de práticas e de percepções em outros campos.

• Hexis corporal: (mitologia política realizada, incorporada, que se torna disposição permanente, maneira durável de se portar, de andar, de sentir e de pensar): designa os mecanismos pelos quais a identidade social é inscrita no corpo, na linguagem e nas maneiras de ser. O corpo é um lugar da história incorporada.

Esses conceitos (de hexis e habitus) ajudam a compreender os princípios ou esquemas generativos que sustentam práticas, as percepções e os julgamentos de valor.

• Campo: (espaço social no interior do qual ocorrem lutas por apropriação de diferentes bens): corresponde às esferas das atividades profissionais (e/ou públicas), que interagem entre si formando o que qualifica como rede de campos. O espaço social é composto de pluralidade de campos relativamente autônomos; cada um desses campos define suas maneiras específicas de dominação e estabelece suas próprias regras: campo cultural (sistema de classificação que oferece aos agentes a oportunidade de colocar em prática suas estratégias de distinção), campo de poder (espaços de força onde os indivíduos agem em função de suas respectivas posições, como num jogo de xadrez), campo político (onde predomina o “ilusionismo democrático”: as classes dominantes têm o monopólio da política, enquanto os dominados tendem a se considerar incompetentes, delegando seu poder de decisão e se autoexcluindo). Segundo Bourdieu (1968, p. 42-43):

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TÓPICO 3 | LIÇÕES IMPORTANTES DA SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA

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Todo sociólogo deve combater em si mesmo o profeta social que seu público lhe pede que encarne... A sociologia profética converge naturalmente com a lógica segundo a qual o senso comum constrói as suas explicações quando ela se contenta em sistematizar falsamente as respostas da sociologia espontânea às indagações existenciais que a experiência comum encontra em ordem dispersa: de todas as explicações simples, as explicações simples e pelas naturezas simples são as mais frequentemente invocadas pelos sociólogos proféticos, que encontram em fenômenos tão familiares quanto a televisão o princípio explicativo de ‘mutações planetárias’.

• Capital: considera que existem diferentes espécies de capital e não apenas o capital econômico no sentido estrito (riqueza material, dinheiro, bens, valores imobiliários) e oferece os meios de conversão em outros capitais: campo social (ligado ao acesso durável de uma rede de relações ou ao fato de pertencer a um grupo estável, onde o indivíduo pode mobilizar suas estratégias e multiplicar seu capital inicial); capital cultural (constituído pelos saberes, competências e outras aquisições culturais, este capital releva as desigualdades de performances e das honrarias, este capital assinala as diferenças e remarca a distinção entre classes sociais); capital linguístico (a variedade linguística do grupo dominante se impõe como marca de prestígio, qualificando a maneira de falar e de se expressar dos dominados); capital escolar (exemplo da distribuição diferenciada dos diversos capitais contribui com a legitimação e reprodução da posição no espaço social).

• Poder simbólico: (poder invisível conhecido como tal e reconhecido como legítimo): designa não uma única forma, mas numerosas formas de exercício do poder, presentes na vida social. Pressupõe como condições de seu sucesso que os indivíduos a ele submetidos acreditem na legitimidade do poder daqueles que o exercem.

• Violência simbólica: (designa a confiança, a obrigação, a fidelidade pessoal, a hospitalidade, o dom, a dívida, a recompensa, a piedade, a generosidade e todas as demais virtudes que honram a moral do honrado): opõe-se à violência declarada e está baseada nos efeitos da autoridade, geradora de disciplina. Sob o véu de uma relação encantada, as estratégias doces e serenas dissimulam a dominação.

• Distinção: (maneira de cultivar a diferença): designa a superioridade que coloca um indivíduo ou uma categoria social acima das outras. A distinção define a hierarquia das práticas sociais, mas também das práticas esportivas e culturais, gerando um sentimento de superioridade ou inferioridade, segundo a posição na estrutura social.

• Legitimidade: para executar certas funções é necessário obter autorização e estar investido de uma autoridade legítima: somente o indivíduo autorizado a falar, e no qual os outros reconhecem esse direito, é susceptível de ser aceito em certas circunstâncias. As diferenças de classe se objetivam nas disposições que

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possuem os indivíduos em escolher – legitimidade – os elementos considerados como legítimos.

• Sociabilização: (processo que se desenvolve ao longo de uma produção de habitus distintos): designa a obtenção ao longo do período de formação das categorias e valores, que fundamentam, justificam e explicam as práticas futuras do ator. As pessoas têm a maneira de ser de sua formação.

• Reprodução: finalidade última dos mecanismos de exercício de poder, de

legitimação, de socialização. Como componentes do esforço das classes médias, Bourdieu destaca o ascetismo (disposição para renunciar aos prazeres imediatos em benefício de um projeto futuro, concretizados pelo que chama de “rigorismo ascético”, que valoriza a disciplina, o autocontrole e exige dedicação contínua e intensiva aos estudos), o malthusianismo (propensão ao controle da fecundidade) e a boa vontade cultural (reconhecimento da cultura legítima e o empenho contínuo e sistemático para adquiri-la).

Pesquise nas revistas científicas da sua área acerca da influência de Pierre Bourdieu.

Anthony Giddens, sociólogo contemporâneo britânico, nasceu em 1938. Postulou a teoria da estruturação e é teórico do novo trabalhismo britânico e pioneiro na discussão sobre a Terceira Via e Globalização. Podemos dizer que as suas discussões se configuram em torno de temáticas como a história do pensamento social, elites e poder, a estrutura de classes, nações e nacionalismos, identidade pessoal e social, relações e sexualidade, elites e poder dentre outras.

3 ZYGMUNT BAUMANN

Na história contemporânea, existem vários sociólogos estudando diversas áreas. Neste tópico, você estudou Bourdieu, conheceu Giddens e posteriormente conhecerá Touraine. Agora, estudaremos Zygmunt Bauman que nasceu na Polônia, em 1925, e exerceu suas atividades também no Canadá, Estados Unidos e Austrália, até chegar à Grã-Bretanha, onde, em 1971, se tornou professor titular da Universidade de Leeds. Atualmente é professor emérito de Sociologia das

DICAS

NOTA

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TÓPICO 3 | LIÇÕES IMPORTANTES DA SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA

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universidades de Leeds e Varsóvia. A trajetória intelectual de Bauman tem início nos anos 50, mas o sociológo tem se feito presente no cenário brasileiro somente nos últimos anos.

Bauman é também conhecido por ser o profeta da pós-modernidade, sendo reconhecido pela sua expressão intelectual por intermédio de diversas obras. A seguir faremos breves comentários de obras de Bauman e, a título de sugestão, você pode investigar se tais obras têm influenciado nas discussões ou pesquisas da sua área.

Modernidade líquida (2000): o sociólogo retrata que a modernidade líquida é leve, fluida e dinâmica e está em oposição ao que a modernidade sólida suplantou. Podemos dizer que os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com tanta facilidade como o sólido. Assim, enquanto o sólido tem a sua dimensão clara e em formato uniforme, o líquido está constantemente pronto (e propenso) a mudar. E a forma de pensar está em consonância com os postulados da modernidade e pós-modernidade (você irá estudar na Unidade 2, Tópico 1).

Na sociedade líquida tudo é fluidez, maleabilidade, flexibilidade e tem a capacidade de moldar-se de acordo com as infinitas estruturas já existentes ou que poderão vir a existir. Esta sociedade foi transformada pelo mercado, e tudo foi reduzido em valor de mercadoria de consumo, ou seja, ter um preço materializado. Desta forma, até os valores mais importantes da vida passam a ter valor na esfera econômica. Assim, o amor, numa cultura da sociedade líquida é tratado à semelhança de outras mercadorias.

A violenta destruição da vida e da propriedade inerente à guerra, o esforço e o alarme contínuos resultantes de um estado de perigo constante, vão compelir as nações mais vinculadas à liberdade a recorrerem, para seu repouso e segurança, a instituições cuja tendência é destruir seus direitos civis e políticos. Para serem mais seguras, elas acabam se dispondo a correr o risco de serem menos livres. Agora essa profecia está se tornando realidade. Uma vez investido sobre o mundo humano, o medo adquire um ímpeto e uma lógica de desenvolvimento próprio e precisa de poucos cuidados e praticamente nenhum investimento adicional para crescer e se espalhar – irrefreavelmente. Nas palavras de David L. Altheide, o principal não é o medo do perigo, mas aquilo no qual esse medo pode se desdobrar, o que ele se torna. A vida social se altera quando as pessoas vivem atrás de muros, contratam seguranças, dirigem veículos blindados, portam porretes e revólveres, e frequentam aulas de artes marciais. O problema é que essas atividades reafirmam e ajudam a produzir o senso de desordem que nossas ações buscam evitar.

Os medos nos estimulam a assumir uma ação defensiva. Quando isso ocorre, a ação defensiva confere proximidade e tangibilidade ao medo. São nossas respostas que reclassificam as premonições sombrias como realidade

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

Amor líquido: sobre as fragilidades dos laços humanos (2003): para Bauman, na modernidade líquida os laços humanos tendem a ser mais frágeis tornando as relações menos seguras, incertas, duvidosas, ou seja, uma espécie de amor líquido, no qual os laços entre as pessoas não são de longo prazo.

Ainda, para Bauman as relações humanas na pós-modernidade são frágeis, duvidosas, frouxas, livres e inseguras. A fragilidade dos vínculos humanos são misteriosos, conflitantes e inseguros na medida em que o homem contemporâneo está abandonado ao seu próprio aparelho de sentido, de modo que tal aparelho tem, ao mesmo tempo, grande facilidade de conceder e descartar sentido nas relações amorosas.

Desta maneira, de acordo com Bauman, as relações amorosas têm novos contornos e são designadas de relações líquidas, frouxas. Em termos de exemplificação: o homem moderno busca o outro em virtude do medo da solidão, porém busca preservar uma distância para assegurar o exercício da liberdade.

O mal-estar da Pós-Modernidade (1997): para Bauman o mundo em que nos encontramos é um mundo de incertezas, insegurança, medo, tecnologia que exclui, desemprego e ameças diversas. Além disso, o mundo vem mudando os seus contornos em velocidade “galopante”. Esse momento em que a humanidade está transitando tem trazido, de certa forma, um mal-estar, pois, por exemplo, pessoas são excluídas e não podem ser consumidoras e participar de um mercado consumidor. Enfim, Bauman de certa maneira aponta que as incertezas estão nos diversos setores em que o ser humano atua. Além disso, Bauman publicou outras obras como: Ética pós-moderna (1993); Medo Líquido (2006); Modernidade e Ambivalência (1991); Vida para o consumo (2008); Tempos líquidos (2006); Vida Líquida (2005), dentre outras.

diária, dando corpo à palavra. O medo agora se estabeleceu, saturando nossas rotinas cotidianas; praticamente não precisa de outros estímulos exteriores, já que as ações que estimula, dia após dia, fornecem toda a motivação e toda a energia de que ele necessita para se reproduzir. Entre os mecanismos que buscam aproximar-se do modelo de sonhos do moto-perpétuo, a autorreprodução do emaranhado do medo e das ações inspiradas por esse sentimento está perto de reclamar uma posição de destaque. É como se os nossos medos tivessem ganhado a capacidade de se autoperpetuar e se autofortalecer; como se tivessem adquirido um ímpeto próprio – e pudessem continuar crescendo com base unicamente nos seus próprios recursos. [...]

FONTE: BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Trad. de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. p. 15.

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TÓPICO 3 | LIÇÕES IMPORTANTES DA SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA

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EM NOVO LIVRO, SOCIÓLOGO ZYGMUNT BAUMAN VOLTA O SEU ‘PESSIMISMO’ CONTRA O CAPITALISMO

Sexta-feira, 14 de maio de 2010 | 19:25

Bastante conhecido no Brasil por livros como Amor Líquido, em que analisa o padrão volátil dos relacionamentos atuais, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman volta ao mercado brasileiro, no próximo dia 21, com um título em que dirige seu olhar ao sistema capitalista. Em Capitalismo Parasitário (Zahar; 96 páginas; 19 reais), que chega às livrarias no próximo dia 21, Bauman destila crítica em frases como “o capitalismo se destaca por criar problemas, e não por solucioná-los”.

Bauman é perspicaz e procura retratar a realidade sem maquiá-la. A metáfora escolhida para nomear o livro, no entanto, é rasa, como se vê no trecho a seguir.

Sem meias palavras, o capitalismo é um sistema parasitário. Como todos os parasitas, pode prosperar durante certo período, desde que encontre um organismo ainda não explorado que lhe forneça alimento. Mas não pode fazer isso sem prejudicar o hospedeiro, destruindo assim, cedo ou tarde, as condições de sua prosperidade ou mesmo de sua sobrevivência.

Soa ingênuo, como a passagem, “Os indivíduos que têm uma caderneta de poupança e nenhum cartão de crédito são vistos como um desafio para as artes do marketing: ‘terras virgens’ clamando pela exploração lucrativa”.

Soa, aliás, óbvio. Porque não deixamos de lhe dar razão. E é preciso dizer que o livro tem linhas melhores, como quando ele diz que “A alegria de ‘livrar-se’ de algo, o ato de descartar e jogar no lixo, esta é a verdadeira paixão do nosso mundo”. Aqui, o sociólogo se reconecta ao grande tema de sua produção, ao assunto que perpassa toda a sua obra, a liquidez. O foco de Bauman, em seus livros – no Brasil, foram lançados vinte, que venderam juntos 200.000 exemplares – são os elementos que podem ser considerados em estado de liquidez e que, por isso, geram mal-estar social.

Bauman pode ser acusado de um pessimismo à la José Saramago, embora o próprio rejeite se definir como otimista ou o oposto – um sistema binário em que não vê como se encaixar. É no último capítulo de Capitalismo Parasitário, Um Homem com Esperanças, que ele faz essa revelação, e que dá um passo no sentido de escapar da pecha de pessimista.

Nele, como o título indica, Bauman lembra que a humanidade ainda não chegou à falência e que há caminhos que podem desviá-la deste destino.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

LEITURA COMPLEMENTAR

Para concluir os seus estudos, leia atentamente a Resenha da Obra Amor líquido: sobre as fragilidades dos laços humanos (2003) feita por Cláudia Hausman Silveira, doutoranda em Ciências Humanas, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas (DICH/UFSC), mestre em Sociologia das Organizações (UFPR), professora do Departamento de Saúde Comunitária – UFPR, publicado na Revista Internacional Interdisciplinar Interthesis – PPGICH, UFSC.

[...] a tradução do livro de Zigmunt Bauman Amor Líquido, uma interpretação lúcida e pertinente das relações modernas, a partir da perspectiva de um judeu polonês quase octogenário que passou pelos horrores da II Guerra, bem como pelas perseguições ao comunismo, nos anos 60.

Difere da maior parte das abordagens sobre o mundo virtual, a internet e

os sites de relacionamento na construção da afetividade e das relações no mundo moderno. Das pesquisas realizadas e publicadas sobre o tema no Brasil, podemos citar “Sexo, afeto e era tecnológica: um estudo de chats na internet” organizado por Sergio Dayrell Porto, da Faculdade de Comunicação da UNB, 1999, ou “Amor na internet: quando o virtual cai na real”, da jornalista Alice Sampaio, 2001, ou ainda, “Blog: comunicação e escrita íntima na internet”, da também jornalista Denise Schittine, de 2004. Os dois primeiros abordam, fundamentalmente, os diálogos eróticos das salas de encontro virtual, enquanto que o terceiro focaliza espaços onde a modernidade “publiciza” o privado e, nesse sentido, traz uma discussão interessante sobre o público e o privado no mundo moderno.

Bauman, em última análise, nos leva a perceber a estreita relação existente entre a forma de organização econômica e da produção de nossa sociedade e a construção da sociabilidade. Ou seja, uma sociedade que exige competência profissional para trabalhar com as incertezas do mercado (e cria sistemas informatizados capazes de incluir um número infinito de variáveis), não é capaz de instrumentalizar seres humanos para transformar variáveis desfavoráveis em condições favoráveis. Assim, nas relações afetivas pessoais, essa sociedade precisa ser capaz de oferecer alternativas à falta de capacidade de seus indivíduos em formar vínculos, excluindo aqueles que são a exceção.

“Acredito que é possível um mundo diferente e de alguma forma melhor do que o que temos agora.”

Adaptado de: Maria Carolina Maia

FONTE: Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/meus-livros/livros-da-semana/zygmunt-bauman-volta-seu-pessimismo-para-o-capitalismo/>. Acesso em: 14 maio 2010.

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TÓPICO 3 | LIÇÕES IMPORTANTES DA SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA

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As relações são substituídas pelas redes, nas quais os indivíduos se conectam, da mesma forma que se desconectam, sem a necessidade de formação de vínculo. Afinal, “Sempre se pode apertar a tecla de deletar” (entrevista, jovem de 28 anos, Universidade de Bath), como cita o autor em sua obra. No entanto, a ansiedade não desaparece, apenas se distribui de outra forma; e esta é a grande contradição. Ainda que se substitua o investimento em longo prazo na formação de vínculo, os riscos e a dor permanecem, acrescidos da sensação de vazio.

Bauman recorre à história para formular uma observação interessante, a de que, assim como os Estados modernos não toleravam homens desgovernados, os impérios expansionistas não suportavam a existência de terras sem dono, os mercados modernos não conseguem coexistir com a ideia de uma vida autossustentável fora deste mercado. E mais, na visão do autor, essas relações transcenderam o nível estrutural e se representaram nas relações individuais através dos laços indissolúveis do matrimônio, que passaram a ser solúveis através do divórcio, que se transformaram em morar junto, adquiriram a incrível capacidade de durar algumas horas ou ainda de não se concretizar no mundo real, apenas no espaço virtual (como as transações na bolsa de valores).

Segundo ele, na economia de mercado, dois atores são importantes: o homo economicus, solitário, autorreferente e autocentrado, que se guia pela escolha racional e que reconhece apenas o homo consumens, também solitário, autorreferente e autocentrado, comprador, para quem as compras são a única terapia e sua comunidade é o enxame de compradores dos shopping centers ou da internet. Desta forma, o homem sem qualidades (não qualificável) da modernidade, ao amadurecer (ou ser amadurecido pela sociedade de massas), torna-se o homem sem vínculos.

Para Bauman (2003, p. 90), tanto o homo economicus quanto o homo consumens “[...] são homens e mulheres sem vínculos sociais. São os representantes ideais da economia de mercado... Eles também são ficções”.

As preocupações do autor sobre a economia são hoje compartilhadas por diversos pensadores, Agamben entre eles. Por que não existe boa ou má economia? Por que ela é sacralizada a ponto de não ser qualificável? Por que somente o que está fora dela (a economia dos economistas) é adjetivado?

Será consequência da modernidade fluida e veloz, considerar perdido o tempo necessário à construção do afeto? A técnica parece ser capaz de expressar a razão, mas qual a expressão da emoção?

Assim, Bauman consegue fazer uma análise dialética da sociedade moderna, na qual, sem perder de vista os determinantes estruturais das relações sociais, incorpora a subjetividade humana ao discutir temas como “amar o próximo como a si mesmo” relacionado ao “amor-próprio”. Nesta perspectiva, desmonta os argumentos daqueles que tentam justificar como “necessária” ou “inevitável” a perda de vidas de civis nas guerras. Atribui um valor único e insubstituível a cada indivíduo.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

O autor parece nunca esquecer que o bem é a liberdade de poder escolher o fazer. Quando podemos prever o futuro, deixamos de ser livres e a liberdade é fundamental à Condição Humana, um conceito que surge exatamente quando as incertezas da modernidade a tornam fluida, quando a certeza da tradição começa a ruir. A lucidez de Bauman nos faz mais livres.

FONTE: Adaptado de: <http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/view File/640/10771>. Acesso em: 24 maio 2010.

Alain Touraine nasceu na França em 1925 e também estudou os movimentos sociais. O trabalho de Touraine abarca desde estudos de campo na América Latina, com pesquisas sobre o trabalho e a consciência de classe dos trabalhadores, até os movimentos estudantis de 68 e golpes de Estado na América Latina. Tem estudado o papel do indivíduo nos movimentos sociais e analisado a sociedade pós-industrial.

NOTA

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico você estudou que:

• Pierre Bourdieu tentou manter, de forma implacavelmente lúcida, os limites que se colocam ao intelectual na sua intervenção cívica. De um lado, persistia o intransigente rigor intelectual e acadêmico aplicado aos diversos mecanismos de dominação que atravessam a sociedade.

• O poder simbólico surge como todo poder que consegue impor significações, tirar como legítimas.

• Os símbolos são instrumentos por excelência de integração social, tornando possível a reprodução da ordem estabelecida.

• O campo surge como uma configuração de relações socialmente distribuídas. Através da distribuição das diversas formas de capital – no caso da cultura, o capital simbólico –, os agentes participantes em cada campo são munidos com as capacidades adequadas ao desempenho das funções e à prática das lutas que o atravessam. As relações existentes no interior de cada campo se definem objetivamente, independentemente da consciência humana.

• Bauman é um sociólogo contemporâneo com uma vasta produção intelectual e apenas recentemente as suas obras têm sido traduzidas no Brasil.

• O sociólogo retrata que a modernidade líquida é leve, fluida e dinâmica a qual está em oposição ao que a modernidade sólida suplantou.

• Na sociedade líquida tudo é fluidez, maleabilidade, flexibilidade e tem a capacidade de se moldar de acordo com as infinitas estruturas já existentes ou que poderão vir a existir.

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1 Após a leitura do texto extraído do livro de Luis Fernando Veríssimo (As mentiras que os homens contam, 2001, p. 57-60), identifique quais conceitos de Bourdieu encontramos no texto. Explique o motivo de sua escolha.

Exéquias

Quis o destino, que é um gozador, que aqueles dois se encontrassem na morte, pois na vida jamais se encontrariam.

De um lado Cardoso, na juventude conhecido como Dosão, depois Doso, finalmente – quando a vida e a bebida e as mulheres erradas o tinham reduzido à metade – Dozinho. Do outro lado Rodopião Farias Mello Nogueira Neto, nenhum apelido, comendador, empresário, um dos pró-homens da República, grande chato. Grande e gordo. O seu caixão teve que ser feito sob medida. Houve quem dissesse que seriam necessários dois caixões, um para o Rodopião, outro para o seu ego. Já Dozinho parecia uma criança no seu caixãozinho. Um anjo encardido e enrugado. De Dozinho no seu caixão, disseram:

— Coitadinho.De Rodopião:— Como ele está corado!Ficaram em capelas vizinhas antes do enterro. Os dois velórios

começaram quase ao mesmo tempo. O de Rodopião (Rotary, ex-ministro, benemérito do Jockey), concorridíssimo.

O de Dozinho, em termos de público, um fracasso. Dozinho só tinha dois ao lado do seu caixão quando começaram os velórios. Por coincidência, dois garçons.

Tanto Dozinho quanto Rodopião tinham morrido por vaidade.Dozinho, apesar de magro (“esquálido”, como o descrevia,

carinhosamente, Dona Judite, professora, sua única mulher legítima), se convencera de que estava ficando barrigudo e dera para usar um espartilho. Para não fazer má figura no Dança Brasil, onde passava as noites. As mulheres do Dança Brasil, só por brincadeira, diziam sempre: “Você está engordando, Dozinho. Olhe essa barriga”. E Dozinho apertava mais o espartilho. Um dia caiu na calçada com falta de ar. Não recuperou mais os sentidos. Claro que não morreu só disso.

Bebia demais. Se metia em brigas. Arriscava a vida por um amigo. Deixava a vida por um amigo. Deixava de comer para ajudar os outros. Se não fosse o espartilho, seria uma navalha ou uma cirrose.

Rodopião tinha ido aos Estados Unidos fazer um implante de cabelo e na volta houve complicações, uma infecção e – suspeita-se – uma certa demora deliberada de sua mulher em procurar ajuda médica.

E ali estavam, Dozinho e Rodopião, sendo velados lado a lado. Dozinho, o bom amigo, por dois amigos. Rodopião, o chato, por uma

AUTOATIVIDADE

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multidão. O destino etc.Perto da meia-noite chegaram Dona Judite, que recém-soubera da

morte do ex-marido e se mandara de Del Castilho e Magarra, o maior amigo de Dozinho. Magarra chorava mais que Dona Judite. “Que perda, que perda”, repetia, e Dona Judite sacudia a cabeça, sem muita convicção. A capela onde estava sendo velado Rodopião lotara e as pessoas começavam a invadir o velório de Dozinho, olhando com interesse para o morto desconhecido, mas sem tomar intimidades. Magarra quis saber quem era o figurão da capela ao lado. Estava ressentido com aquela afluência. Dozinho é que merecia uma despedida assim.

Um homem grisalho explicou para Magarra quem era Rodopião. Revoltado. Não era homem de aceitar o destino e as suas ironias sem

uma briga. Apontou com o queixo para Dozinho e disse:— Sabe quem é aquele ali?— Quem?— Cardoso. O ex-senador.— Ah... – disse o homem grisalho, um pouco incerto.— Sabe a Lei Cardoso? Autoria dele.Em pouco tempo a notícia se espalhou. Estavam sendo velados ali não

um, mas dois notáveis da nação. A frequência na capela de Dozinho aumentou. Magarra circulava entre os grupos enriquecendo a biografia de Cardoso.

— Lembra a linha média do Fluminense? Década de 40. Tatu, Matinhos e Cardoso.

O Cardoso é ele.Também revelou que Cardoso fora um dos inventores do raio laser, só

que um americano roubara a sua parte. E tivera um caso com a Maria Callas na Europa. Algumas pessoas até se lembravam.

— Ah, então é aquele Cardoso?— Aquele.A capela de Dozinho também ficou lotada. As pessoas passavam pelo

caixão de Rodopião, comentavam: “Está com um ótimo aspecto”, e passavam para a capela de Dozinho. Cumprimentavam Dona Judite, que nunca podia imaginar que Dozinho tivesse tanto prestígio (até um representante do governador!), os dois garçons e Magarra.

— Grande perda.— Nem me fale – respondia Magarra.Veio a televisão. Magarra foi entrevistado. Comentou a ingratidão

da vida. Um homem como aquele – autor da Lei Cardoso, cientista, com sua fotografia no salão nobre do Fluminense, homem do mundo, um dos luminares do seu tempo – só era lembrado na hora da morte. As pessoas esquecem depressa.

O mundo é cruel. A câmara fechou nos olhos lacrimejantes de Magarra. A esta altura tinha mais público para o Dozinho do que para o Rodopião. Pouco antes de fecharem os caixões chegou uma coroa, para Dozinho. Do Fluminense.

O acompanhamento dos dois caixões foi parelho, mas a televisão acompanhou o de Dozinho. O enterro de Rodopião foi mais rápido porque o acadêmico que ia fazer o discurso esqueceu o discurso em casa. Todos se dirigiram rapidamente para o enterro do Cardoso, para não perder o discurso

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de Magarra.— Cardoso! – bradou Magarra, do alto de uma lápide. – Mais do que

exéquias, aqui se faz um desagravo. A posteridade trará a justiça que a vida te negou! Teus amigos e concidadãos aqui reunidos não dizem adeus, dizem bem-vindo à glória eterna!

Naquela noite, no Dança Brasil, antes de subir ao palco e anunciar o show de Rúbio Roberto, a voz romântica do Caribe, Magarra disse para Mariúza, a favorita do Dozinho, que estranhara a sua ausência no cemitério àquela manhã. Mariúza se defendeu:

— Como é que eu ia saber que ele era tão importante?E chorou, sinceramente.

2 Assista ao filme Laranja Mecânica procurando identificar as pessoas estranhas ao modo de vida imposto pela sociedade capitalista, dentre elas, no filme, em especial, Alex. Logo após, digite um texto descrevendo sua percepção sobre o que o filme apresentou para você, relacionando-o com o que foi visto nesta unidade.

a) ( ) É constituído pelos saberes, competências e outras aquisições culturais e revela as desigualdades das performances e das honrarias ou, ainda, assinala as diferenças e remarca a distinção entre classes sociais.

b) ( ) É constituído de uma variedade de palavras de um grupo dominante ao qual poucas pessoas têm acesso.

c) ( ) É constituído das ideias das classes dominantes que têm o monopólio político e divulgam que os dominados tendem a ser incompetentes nas questões políticas.

d) ( ) Designa os mecanismos pelos quais a identidade social é inscrita no corpo, na linguagem e nas maneiras de ser.

3 Para Bourdieu existem diferentes espécies de capitais e não apenas o capital econômico no sentido estrito (riqueza material, dinheiro, bens, valores imobiliários) que oferece os meios de conversão para outros capitais, a exemplo, o capital cultural que:

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TÓPICO 4

PERCORRENDO A SOCIOLOGIA

BRASILEIRA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, o número de pessoas interessadas em conhecer a Sociologia vem crescendo. Muitas pessoas escolhem ser sociólogos como primeira opção e outras procuram conhecer essa ciência após já estarem formados em outra área.

Muitos sociólogos contribuíram para a difusão da Sociologia no Brasil, dentre eles, podemos destacar: Oliveira Viana, Octávio Ianni, Betinho, Alberto Guerreiro Ramos, Ricardo Antunes, José Pastore, Fernando Henrique Cardoso, Francisco de Oliveira, entre outros.

Neste tópico, optamos por apresentar quatro deles que se destacam como referências fundamentais no campo da sociologia brasileira – Gilberto Freyre, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Sérgio Buarque de Holanda.

Cada qual à sua maneira utiliza abordagens distintas, e muitas vezes radicalmente opostas. Por exemplo, Florestan adota a perspectiva marxista, Gilberto Freyre é considerado conservador, Fernando Henrique Cardoso se destaca pela social-democracia e Sérgio Buarque de Holanda por tratar da cordialidade do povo brasileiro.

2 UM AUTOR PARA ESTUDAR, NÃO PARA LER: GILBERTO FREYRE

Não tenho o hábito de adular nem os velhos dos institutos históricos, nem as glórias pós-balzaquianas das academias, nem a mocidade das faculdades e das escolas.

O saber deve ser como um rio, cujas águas doces, grossas, copiosas, transbordem do indivíduo, e se espraiem, estancando a sede dos outros. Sem um fim social, o saber será a maior das futilidades. Gilberto Freyre

Gilberto de Melo Freyre, nasceu na cidade de Recife, no estado de Pernambuco, em 15 de março de 1900, filho do Dr. Alfredo Freyre, educador, Juiz

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

de Direito e catedrático de Economia Política da Faculdade de Direito do Recife e autor do livro “Dos 8 aos 80 anos”, UFPE. Inicia seus estudos frequentando o Jardim de Infância até completar seus estudos secundários no Colégio Americano Gilreath. Bacharelou-se em Artes Liberais, na Universidade de Baylor, no Texas (EUA). Em seguida, fez pós-graduação em Ciências Políticas, Jurídicas e Sociais na Universidade de Colúmbia, em Nova York.

Publicou sua tese de mestrado em 1933, com o título Casa-Grande e Senzala, trabalho que teve repercussão mundial e tornou-se obra de referência para os estudos sociológicos sobre o Brasil. Entre outros livros de sua autoria destacam-se Sobrados e mocambos (1936) e Ordem e progresso (1959), os três formam uma trilogia. Ele escreveu mais de 60 livros e muitos artigos em jornais e revistas, sendo o ganhador de prêmios internacionais com obras traduzidas em vários países. Gilberto Freyre morreu no dia 18 de julho de 1987, em Recife.

FONTE: O autor (acervo pessoal)

FIGURA 7 – GILBERTO FREYRE

Em Casa-Grande e Senzala, fez um estudo da colonização portuguesa, descrevendo a formação da família e do patriarcado brasileiro, bem como a importância da miscigenação étnica como traço cultural. Alertou que há sempre um motivo econômico, no caso brasileiro a monocultura latifundiária, por trás das relações raciais. Por exemplo, na cultura do açúcar tivemos um número grande de escravos, traço marcante da escravatura no Brasil, dessa forma ficando estabelecidas e consolidadas as relações entre brancos e negros, baseadas na formação patriarcal. Neste livro, Casa-Grande, complementada pela senzala, nucleia um sistema econômico que influenciou muito a vida brasileira por vários anos.

No livro seguinte, Sobrados e mocambos, apresentou a decadência do patriarcado rural e o desenvolvimento das elites urbanas. No livro, Freyre demonstra claramente a europeização das elites brasileiras:

a) no que tange às opções sexuais dos homens, que deixaram de preferir as mulatas em troca das francesas;

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TÓPICO 4 | PERCORRENDO A SOCIOLOGIA BRASILEIRA

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b) na sala de estar das casas os pianos substituindo os instrumentos de percussão;

c) o aparecimento das carruagens, das instituições bancárias, dos cafés, hotéis.

Ocorre também o surgimento do romantismo no meio intelectual brasileiro, influenciando o nascimento de uma “civilização brasileira”, expressa nas pequenas coisas: nos talheres, nas saias das mulheres, nas cartolas dos homens, nos hábitos amorosos, as casas-grandes se transformam em sobrados europeus e as relações de poder também se modificam.

A música é também um instrumento de imaginação sociológica. Nesta de Zezé di Camargo intitulada Meu País, vemos uma postura crítica e um alerta à sociedade brasileira:“Aqui não falta sol. Aqui não falta chuva. A terra faz brotar qualquer semente. Se a mão de Deus. Protege e molha o nosso chão. Por que será que tá faltando pão? Se a natureza nunca reclamou da gente. Do corte do machado, a foice, o fogo ardente. Se nessa terra tudo que se planta dá. Que é que há, meu país? O que é que há? Tem alguém levando lucro. Tem alguém colhendo o fruto. Sem saber o que é plantar. Tá faltando consciência. Tá sobrando paciência. Tá faltando alguém gritar. Feito um trem desgovernado. Quem trabalha tá ferrado. Nas mãos de quem só engana. Feito mal que não tem cura. Estão levando à loucura. O país que a gente ama. Feito mal que não tem cura. Estão levando à loucura. O Brasil que a gente ama”.

No último livro da trilogia, Ordem e progresso, apresenta-se a derrocada final do patriarcado no Brasil, principalmente após o surgimento do trabalho livre. Nesta obra, Freyre aborda o Brasil republicano, logo após a monarquia e a escravatura, demonstrando a presença de um novo país, marcado pelo nascimento da industrialização, da chegada de imigrantes e pela urbanização.

Prezado(a) acadêmico(a)!!! Leia parte da entrevista feita com Gilberto Freyre em que duas perguntas referem-se à Casa-Grande e Senzala. Leia com atenção!

NOTA

IMPORTANTE

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

GILBERTO FREYRE, UM MENINO AOS 83 ANOS

Ganhador do Prêmio Moinho Santista em 1964, o autor de Casa-Grande e Senzala mantém acesa a chama da criatividade e trabalha como nunca.

Aos 83 anos, ele ainda tem muito do menino de engenho que convivia com antigos escravos da família em Pernambuco, onde nasceu, e demonstra pleno vigor físico e intelectual, participando das comemorações do cinquentenário de sua principal obra, Casa-Grande e Senzala, marca raras vezes registrada na história da cultura brasileira. Sociólogo, escritor, cientista político e autor respeitado no Brasil e fora dele. Gilberto Freyre é detentor de inúmeras láureas concedidas por diversos países e tem ministrado constantes cursos no exterior a respeito do homem brasileiro e suas raízes. Supremamente criativo, como ele mesmo se define, está escrevendo o livro de suas memórias, cujo nome revelou a SANTISTA, nesta entrevista exclusiva realizada na Fundação Joaquim Nabuco, em Recife. Fala de sua vida e de sua obra, lembrando que Casa-Grande e Senzala começou a ser escrita na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, como resultado de uma constatação que se tornou angustiante na época: não sabia o que era o Brasil e o que era ser brasileiro. Conta sua paixão por uma filha de ex-escravos de sua família e confessa: “Sou intratável de manhã”.

SANTISTA: — Como nasceu Casa-Grande e Senzala?Freyre — Desde os meus tempos de estudante no exterior eu verificara

que não sabia o que era o Brasil. Meus colegas europeus, asiáticos, africanos e americanos tinham perfeita noção do que era seu país e sua nacionalidade. Aí, você vai dizer – “então, você era inteiramente ignorante das coisas do Brasil?” Não, eu sempre estava muito bem informado sobre o meu país. Para a minha idade, 19 anos, eu estava muitíssimo lido sobre o Brasil e conhecia bem os principais autores nacionais, mas nenhum deles me dava a ideia do que era o Brasil e do que era ser brasileiro. Daí é que me veio a ideia de me descobrir a mim mesmo e de descobrir o que era o Brasil. Portanto, eu tinha uma nebulosa de livros que eu ainda não sabia o que viesse a ser. A ideia tomou corpo na Universidade de Stanford, na Califórnia, que me havia convidado para dar dois cursos sobre o Brasil, um de bacharelado e outro de doutorado. Tive, então, de sistematizar uma síntese do Brasil para estudantes americanos de primeira ordem, pois Stanford é a universidade americana mais seletiva, social e intelectualmente. Aí, nasceu Casa-Grande e Senzala. Em Stanford havia a maior coleção de livros brasileiros da época, uma brasiliana montada por um geólogo que estivera no Brasil e se entusiasmara pelo nosso país. Seu nome era John Casper Branner.

Santista — Quanto tempo o senhor gastou escrevendo Casa-Grande e Senzala?Freyre — Uns dois anos. Comecei em 1931, em Stanford, continuei no

Rio de Janeiro e acabei em Recife.

Santista — Alguns críticos afirmam que Casa-Grande e Senzala é uma obra puramente regionalista, que retrata as raízes do homem nordestino e não do homem

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TÓPICO 4 | PERCORRENDO A SOCIOLOGIA BRASILEIRA

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FONTE: GILBERTO FREYRE: um menino aos 83 anos. Santista, São Paulo, v. 1, n. 2, nov. 1983, p. 16-18. Disponível em: <http://bvgf.fgf.org.br>. Acesso em: 28 fev. 2010.

3 PENSADOR MARXISTA: FLORESTAN FERNANDES

brasileiro. O senhor concorda com essa crítica?Freyre — Não. Acho isso uma imbecilidade de quem não conhece o

Brasil. O livro dá atenção a Pernambuco, sobretudo, porque em Pernambuco começou a haver civilização no Brasil. Não foi em São Paulo. Em São Paulo, fundou-se um engenho no século XVI. Enquanto se fundava esse engenho, perto de Santos, surgia uma constelação de engenhos e casas grandes em Pernambuco, constituindo a verdadeira raiz do Brasil. Esta é a tese de Casa-Grande e Senzala, pois a família – e não o governo ou a Igreja – é que foi a raiz brasileira, cuja força germinal você encontra aqui, e não em outro lugar do Brasil. Essa crítica é de gente do sul e você sabe como seus conterrâneos são exclusivistas. Eles querem que tudo tenha começado por lá. Veja bem. Eu admiro o bandeirante, mas ele foi um nômade, de pouca fixação. A fixação em algum ponto do Brasil – vamos dizer, vertical – começou aqui. Daí, o símbolo casa grande e senzala ser muito importante, pois foi uma fixação natural. A casa grande era aceita não só como residência, mas também como banco, escola e uma série de funções.

Sou um marxista que acha que a solução para os problemas dos países capitalistas está na revolução. Dizer isso não é uma fanfarronice. É

assumir, de forma explícita, o dever político mínimo que pesa sobre alguém que é militante, embora não esteja em um partido comunista

e que, afinal de contas, tentou, durante toda a vida, manter uma coerência que liga a responsabilidade intelectual à condição de

socialista militante e revolucionário.Florestan Fernandes

Nascido em São Paulo, no dia 22 de julho de 1920, sua luta pela vida começou já na infância, para conquistar o próprio nome – já que a patroa de sua mãe o chamava de Vicente, por considerar que Florestan não era nome de pobre – e sobreviver. Começou a trabalhar aos seis anos, o que o impediu de completar o curso primário e o levou a se formar no curso de madureza (supletivo). Em seguida, ingressou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em 1947, formando-se em Ciências Sociais. Doutorou-se em 1951 e foi assistente catedrático, livre-docente e professor titular na cadeira de Sociologia, substituindo o sociólogo e professor francês Roger Bastide em caráter interino até 1964, ano em que se efetivou na cátedra. Florestan Fernandes morreu em São Paulo, no dia 10 de agosto de 1995.

Afirmo que iniciei a minha aprendizagem sociológica aos seis anos, quando precisei ganhar a vida como se fosse um adulto e penetrei, pelas vias da experiência concreta, no conhecimento do que é a convivência humana e a sociedade.

Florestan Fernandes

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

FONTE: Disponível em: <http://almanaque.folha.uol.com.br /florestan.htm>. Acesso em: 24 maio 2010.

FIGURA 8 – FLORESTAN FERNANDES

Sociólogo e professor universitário com mais de cinquenta obras publicadas, transformou as Ciências Sociais no Brasil e estabeleceu um novo estilo de pensamento. Seu trabalho de professor o fez reconhecido internacionalmente. Foi mestre de sociólogos renomados, como Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso. Cassado com base no AI-5, em 1969, deixou o país e lecionou nas universidades de Columbia (EUA), Toronto (Canadá) e Yale (EUA). Retornou ao Brasil em 1972 e passou a lecionar na PUC-SP. Não procurou reintegrar-se à USP, da qual recebeu o título de professor emérito em dezembro de 1985.

Florestan sempre incentivou o uso da crítica sociológica para o entendimento das contradições profundas da sociedade brasileira. Para ele, o ponto de partida para uma análise crítica da sociedade estava em seus padrões ou estruturas, ou seja, nos fundamentos da organização social.

Seus principais temas de interesse na Sociologia foram: “[...] análise crítica do capitalismo dependente no contexto do capitalismo monopolista, relações sociais, estruturas de classes da sociedade brasileira, Estado, ideologia e papel do intelectual nos embates sociais e políticos”. (FERREIRA, 2001, p. 101).

O conjunto de suas obras está relacionado com a dominação burguesa e a busca de uma alternativa para a emancipação desta dominação.

Segundo o sociólogo Celso Frederico, na visão florestaniana o subdesenvolvimento caracteriza, com traços nítidos e quem sabe definitivos, a sociedade brasileira. Ainda para o sociólogo (1998, p. 3):

[...] a peculiaridade da formação social brasileira deixou de herança “uma sociedade civil não civilizada”, uma burguesia débil, incapaz de propor um projeto nacional e ampliar a democracia. [...] o modelo clássico de revolução burguesa foi substituído pela acomodação da classe dominante com o imperialismo e a manutenção de uma “democracia restrita” com todos os seus subprodutos (patrimonialismo, mandonismo, paternalismo, clientelismo e fisiologismo político).

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TÓPICO 4 | PERCORRENDO A SOCIOLOGIA BRASILEIRA

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Caro(a) acadêmico(a), a seguir veremos um texto em que Florestan Fernandes apresenta sua opinião sobre a civilização humana e a violência na sociedade. Ótima leitura!

ODIAI-VOS UNS AOS OUTROS

A violência destrutiva cresce mais depressa que a fome, os milhões de miseráveis ou subumanos e que a corrupção. O capitalismo selvagem encontra no Brasil o seu laboratório natural. Países capitalistas pobres e ricos carregam e multiplicam “a maldição do sistema”. Tomando-se dois extremos: os EUA concentram em suas minorias raciais e étnicas o “mundo dos outros”, dos que nasceram para pôr em evidência a negação da ordem, o seu avesso, o que ela seria sem a civilização. O “nosso mundo” não é o paraíso. Mas o preço de ficar dentro dele consiste na neurose, no consumo do álcool e de drogas, a convivência com uma dualidade ética descomunal, ignorada nessa escala por outras civilizações anteriores, a exportação de guerras localizadas, regionais ou mundiais de defesa da democracia e do cristianismo... Os que penetram nesse “nosso mundo”, em uma situação modesta ou em toda a plenitude, julgam-se (e são considerados no exterior), seres que descobriram a felicidade. Constituem quase 75% da nação e podem ser considerados felizes, enquanto não se questionar a natureza e o custo social dessa felicidade. Ali, perto dos EUA, deparamos com o Haiti. Lá, nem os ricos e poderosos podem imaginar o que seja felicidade. O “estado normal das coisas” é o terror. A miséria mais abjeta, o servilismo mais completo, a barbárie pura se mostram sem disfarce. O homem não é lobo de outro homem. Só os que são lobos são homens. O “nosso mundo” não é a contraface do “mundo dos outros”. Os “outros” não pertencem a nenhum mundo. Trata-se da barbárie sem dimensão humana. Os melhores da terra, os únicos que são humanos por seu sofrimento e por sua coragem, que lutam sem tréguas contra a barbárie, são excluídos, temidos e dilacerados pelo terrível engenho de poder que a civilização e o colonialismo colocaram nas mãos de uma minoria intrínseca e organicamente criminosa.

O que gera o “nosso mundo” nos EUA e uma casta de “vampiros de almas” no Haiti? Os mesmos fatores, que se expressam através dos mesmos efeitos. Contradições insolúveis da herança colonial, racionalizada em um país e ignorada no outro; e a objetificação do ser humano, conduzida a seus extremos sob o capitalismo monopolista da era atual na superpotência, incubada no outro como a necessidade maldita de impedir a anarquia “lá em baixo”... Jamais a civilização alcançou tamanha perversidade no disfarce e na defesa da barbárie – nem na história antiga, nem na história moderna, diga-se o que se quiser dos romanos ou dos ingleses. A sociedade civil, engendrada pelo capital e pela dominação burguesa, distribuiu desigualmente o progresso e o aplica com critérios diferentes dentro de seus muros e na imensa periferia, que se erige no seu império.

Confrontadas ao Brasil, tais reflexões parecem incômodas e incoerentes.

E a “confraternização do Natal”, o nosso estranhado amor à família, a nossa

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moderação “centrista” na preservação da ordem, a nossa vocação cristã? Onde estariam os “mores”, os fundamentos morais do nosso medo de ser e da nossa sociedade, se o que existe de materialismo vulgar nos EUA e de carnificina coletiva impiedosa no Haiti se reproduzissem aqui? Segundo tradição secular, “Deus corrige de noite o que fazemos de errado durante o dia”. Isso é infantilidade! A noite e o dia estão engolfados em um mesmo processo, que faz com que o desenvolvimento capitalista origine um mundo só, uma composição compacta, graças à qual o Brasil cresce e se expande como uma nação que é, dialeticamente, EUA e Haiti, não como entidades distintas ou superpostas, mas como uma unidade complexa e indissociável, em sua diversidade. O que há de EUA no Brasil sobrevive, se reforça e se agiganta à medida que aquilo que é Haiti se perpetue. Quem não acreditar nisso pergunte a sério por que “os dois Brasis” são, na verdade, um só e a seiva e os dinamismos capitalistas de ambos se entrecruzam e se fundem. A interpenetração é tão forte, que cada um deles possui algo, em proporções variáveis, de EUA e de Haiti. A civilização que importamos e que nos sateliza como parte estrutural, funcional e histórica do império, requer que caminhemos nessa direção, como povo e como nação.

O corolário matemático dessa equação – e sua comprovação experimental

– procede da evolução da violência. Os bandeirantes, os senhores de escravos ou os antigos donos do poder são justamente tidos como os picos da violência. Ora, eles refletiam a barbárie de uma civilização que jamais poderia dar a medida exata dos limites da violência pessoal autodestrutiva e da violência coletiva institucional, paridas pela civilização do capitalismo monopolista de nossa era. Os indígenas, os negros, os miseráveis da terra, os párias urbanos de nossos dias oferecem os contornos desse tipo de violência em massa e em profundidade. O modo pelo qual primeiro se busca desumanizar, em seguida se tenta desagregar e destruir o que “é diferente”, o “divergente”, atesta quão longe chegamos não mais do padrão do “homem lobo de outro homem”, mas na indiferença diante do que é humano. Já não poderíamos dizer como Marx: “tudo que é humano me interessa”. No fim do século XX e no limiar do século XXI, os que são cultos e poderosos cultivam outro aforismo: “tudo que é humano me incomoda e me desilude”. Por quê? Presumivelmente, porque o ser humano deixou de ser “a medida de todas as coisas”. É dessa perspectiva que vejo o massacre infame e covarde contra os divergentes, aqueles que têm a coragem de ostentar a sua condição humana diferente e não temem o amor, na miséria ou na grandeza, porque é dentro dele e através dele que constroem o seu mundo à parte e as condições sociais e morais de sua existência. Estou naturalmente falando da morte a que foi cruelmente destinado Luiz Antonio Martinez Corrêa. O talento é malvisto em nosso meio. Vinculado a uma condição divergente, ele se alça às mentes sem corações como um crime, um crime contra a essência sagrada da sociedade, como diria o velho Durkheim, e que só poderia receber a punição exemplar. A morte pelo crime real, dos criminosos reles e de sarjeta. O talento pode ser tolerado. A divergência, em suas várias modalidades, pode ser tolerada. A fusão dos dois e, em particular, o grau de liberdade que ambos pressupõem desequilibram os pratos da balança. O atentado ao elemento sagrado da “boa sociedade”, daquela sociedade que oculta a barbárie atrás da

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TEMPO!“Escrever é a melhor maneira de pensar. Quando escrevemos,  o pensamento perde a arrogância e se deixa guiar pelo que desconhece. Escrever, portanto, é pensar no escuro” (José Castello).

4 O INTELECTUAL INFLUENTE: FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

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civilização imaginária, exige o sacrifício do que atentou contra as vigas morais mestras do “nosso mundo”.

Eis aí por que tem razão José Celso Martinez Corrêa: esse é um crime político. Ele é político por várias razões. Quando a defesa da ordem passa pela condenação e pela destruição do “ofensor”, a punição é expiatória e emerge, em primeiro plano, em sua razão política essencial. Ele é um crime político porque toleramos que tal espécie de punição sangrenta se dissemine e aumente, como se fosse uma gangrena. Cada um de nós, todos nós, temos uma parcela da culpa e uma participação direta ou vicária no crime. Ele é um crime político porque é um crime da “pólis”: a cidade, ao civilizar-se, solta a barbárie de suas amarras. Ficamos cúmplices dessa disseminação e multiplicação da barbárie, cooperando na fabricação das premissas históricas antiéticas do capitalismo monopolista da era atual. Os que são socialistas e, em particular, os que se dizem cristãos colaboram, assim, na criação dessa barbárie, que é requerida pelo esplendor e pela reprodução do império. Contra esse crime, não adianta perseguir “criminosos” – individuais ou coletivos, espontâneos ocasionais ou institucionais. O “criminoso” também é uma vítima, o instrumento da “punição” e, sem o saber, do “poder do império”. A alternativa está em outro padrão de civilização, em uma civilização sem barbárie, que converta cada ser humano em combatente da propagação de um humanismo socialista e em agente da transformação socialista do mundo, da conquista da liberdade com igualdade.

FONTE: Adaptado de: <http://almanaque.folha.uol.com.br/florestan9.htm>. Acesso em: 25 maio 2010.

Nascido no Rio de Janeiro em 1931, é casado e tem três filhos. Sociólogo graduado na Universidade de São Paulo, afirmou-se desde o final dos anos sessenta como um dos mais influentes intelectuais latino-americanos na análise de temas como os amplos processos de mudança social, desenvolvimento e dependência, democracia e reforma do Estado. A partir de uma bem-sucedida carreira acadêmica e intelectual, Cardoso teve participação ativa na luta pela

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Seus principais livros publicados no Brasil são: Capitalismo e escravidão no Brasil meridional (1962), Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil (1964), Mudanças sociais na América latina (1969), Política e desenvolvimento em sociedades dependentes (1971), O modelo político brasileiro (1972), Autoritarismo e democratização (1975), Democracia para mudar (1978), As ideias e seu lugar (1980), Perspectivas: ideias e atuação política (1983), A democracia necessária (1985), A construção da democracia (1993), Negros em Florianópolis: relações sociais e econômicas (2000).

É também coautor de: Dependência e desenvolvimento na América Latina (com Enzo Faletto, 1969), São Paulo 1975: crescimento e pobreza (et al., 1975), Os partidos e as eleições no Brasil (com B. Lamounier, 1975), Amazônia: expansão do capitalismo (com G. Muller, 1977), O Presidente segundo o sociólogo, Entrevista a Roberto Pompeu de Toledo (1998),. O mundo em português. Um diálogo (com Mário Soares, 1998).

FONTE: Disponível em: < http://blogdovalente.com.br/wp-content/uploads/2016/09/fhc2.jpg>. Acesso em: 22 de Junho de 2017.

FIGURA 9 – FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

FONTE: Disponível em: < http://www.ifhc.org.br>. Acesso em: 24 maio 2010.

redemocratização do Brasil. Eleito Senador do Estado de São Paulo, foi membro fundador do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) em 1988 e liderou a bancada desse partido no Senado até outubro de 1992. Foi Ministro do governo do Presidente Itamar Franco nas pastas das Relações Exteriores (10/92 a 05/93), e da Fazenda (05/93 a 03/94). Foi também Presidente da República Federativa do Brasil por dois mandatos consecutivos (de 01/01/1995 a 01/01/2003).

Ex-professor catedrático de Ciência Política e atual Professor Emérito da Universidade de São Paulo; foi Diretor Associado de Estudos na École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris, e professor visitante no Collège de France e na Universidade de Paris-Nanterre. Ocupou a cátedra Simon Bolívar na Universidade de Cambridge e ensinou nas universidades de Stanford e de Berkeley.

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Nos últimos anos, a chamada globalização financeira vem dando crescentemente as cartas no concerto das nações. Neste sentido, a Teoria da Dependência, uma das teorias mais estudadas no campo acadêmico, tem a nos ensinar, ou a nos lembrar, que as situações de dependência assumem muitas formas, que cada uma delas exige atenção especial e que dependência e crescimento econômico não são incompatíveis. Portanto, crescimento não significa “entrar no Primeiro Mundo”.

Para explicar de forma clara e explícita esta teoria, vamos nos reportar ao excelente texto de Delson Ferreira (2001, p. 104-110). Leia-o atentamente!

O recurso ao autoritarismo militar foi voltado para dar seguimento ao proces so de modernização capitalista que, a partir daquele momento, devia ser implemen tado sob qualquer custo. O populismo havia esgotado, na visão dos mentores políti cos, militares e empresariais do golpe, suas possibilidades de encaminhar tal mo dernização. Para essa concepção, desenvolvimento e insegurança eram incompatí veis; daí a imposição do novo lema ao país, que vinha sendo elaborado pela Escola Superior de Guerra desde 1949, desenvolvimento e segurança. Como já disse Fer nando Henrique Cardoso,

[...] os militares, apesar do autoritarismo e da truculência, modernizaram o país e instauraram em definitivo o capitalismo, inaugurando uma nova ordem ca pitalista que gerou transformações agudas na sociedade brasileira, integran do o país ao sistema de produção internacional, produzindo, para o bem e para o mal, consequências sociais profundas. (CASTELO, 1995).

Retomando as duas décadas anteriores ao golpe militar, Celso Furtado foi um dos mentores maiores da reflexão econômica brasileira e latino-americana. Foi di retor (1949) da Divisão de Desenvolvimento Econômico da Cepal e ajudou na cria ção da escola cepalina de pensamento econômico. A proposta teórica de Furtado baseou-se, em termos gerais, em uma interpretação histórica da realidade econômi ca latino-americana e mundial, que definiu o subdesenvolvimento como fruto das relações internacionais. Dessa forma, a saída da condição do subdesenvolvimento passaria pelo incremento acelerado de um processo de “industrialização com prote cionismo, planejamento e forte influência do Estado”. (TOLEDO, 1993). Juntamente com o economis ta argentino Raúl Prebisch, foi responsável pela elaboração do conceito cepalino de subdesenvolvimento, fonte primeira dos debates que norteiam, ainda nos dias de hoje, parte das discussões sobre os obstáculos, as possibilidades e os caminhos do desenvolvimento econômico brasileiro.

Essa é, em resumo, a base teórica sobre a qual foi alicerçada a teoria da depen dência, formulada por Fernando Henrique Cardoso e pelo sociólogo chileno Enzo Faletto. De acordo com Francisco de Oliveira, a teoria da dependência consiste, na verdade, em “um epígono da teoria do subdesenvolvimento cepalino-furtadiana”, ou seja, existiria uma relação de descendência direta entre a formulação de Cardoso e Faletto e as concepções furtadianas. No entender de Celso Furtado (FREYRE; SILVA, 1995), essa relação tem outra dimensão. Para

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Autores tão diversos quanto Tocqueville, Spencer e Comte foram mobilizados para nos ditar o caminho da modernidade. O resultado foi uma adulteração do sentido das ideias, assimiladas para atender a fins, por vezes, opostos àqueles a que serviam nos países de origem, o que nem sempre implicou a legitimação do atraso. Vejamos, por exemplo, como se deu a adoção do Positivismo no Brasil. De emblema da ordem em Comte, a doutrina se resumiu entre nós a signo do progresso. Seus ímpetos uniformizadores se viram mitigados pela formação social brasileira, plural, desordenada. (CARDOSO, 1986).

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ele, “[...] o conceito de dependência foi vulgarizado nos anos 60 por sociólogos latino-americanos e só indiretamente se liga à teoria do subdesen volvimento”. [...].

O conceito de dependência, uma de suas principais contribuições para a So ciologia, fundamenta-se em uma relação de subordinação entre as partes compo nentes do sistema capitalista, ou seja, entre as chamadas economias centrais (paí ses desenvolvidos) e periféricas (países subdesenvolvidos). Nessa concepção, os países de economia dependente viveram, necessariamente, a condição colonial e a experiência do desenvolvimento industrial tardio.

Dependeriam, dessa forma, para a continuidade e incremento do processo de desenvolvimento industrial, de capitais e tecnologia adquiridos no centro do siste ma capitalista. Esses aportes de financiamento e as importações de maquinário e indústrias não bastariam para engendrar um processo de desenvolvimento autô nomo, que se promovesse de modo sustentado e desenvolvesse tecnologia própria, para gerar uma economia exportadora forte o bastante a ponto de poder pagar os empréstimos e as importações. Esse vínculo de subordinação é que impediria, con sequentemente, o controle local das decisões sobre as políticas de produção e con sumo nos países periféricos.

A formulação do problema da dependência que Cardoso escreveu com Fa letto, entre 1966 e 1967, que consta no livro Dependência e desenvolvimento na América Latina, levou adiante o pensamento sociológico que se organizou a partir do final da década de 40 na América Latina, prosseguindo em outras pesquisas e vertentes de interpretação até meados da década de 70. O trabalho desses dois in telectuais apresentou problemas novos ao debate e ao conhecimento sociológico relativo à questão da dependência. Para eles, “[...] a relação interna das classes sociais é que torna possível e dá fisionomia própria à dependência”. Isso significa que, a des peito de ser derivado da própria estrutura das economias periféricas e, ao mesmo tempo, do conjunto da economia capitalista mundial, a situação de dependência só operaria baseada em decisões que seriam resultantes de lutas políticas internas, tomadas no bojo do processo político de cada país.

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Na compreensão de ambos, a dependência não implicaria necessariamente a estagnação econômica. O quadro de subordinação aos países centrais, se analisado o contexto internacional da época e os interesses dominantes no âmbito do empre sariado nacional, demonstraria o contrário. Após o advento da “internacionaliza ção do mercado interno (entrada das multinacionais) e da nova divisão internacional do trabalho”, que possibilitou alguma industrialização a países que antes eram me ros exportadores de produtos agrícolas, a situação de dependência não colidiria “mais com o desenvolvimento das economias dependentes”. O que se ressalta é que esse desenvolvimento, no entanto, não implicaria a ideia de resolução do proble ma da promoção de maior justiça social. Como dizem os autores,

[...] evidentemente, esse tipo de industrialização vai intensificar o padrão de sis tema social excludente que caracteriza o capitalismo nas economias periféri cas, mas nem por isso deixará de converter-se em uma possibilidade de desen volvimento, ou seja, um desenvolvimento em termos de acumulação e trans formação da estrutura produtiva para níveis de complexidade crescente. Esta é a forma que o capitalismo industrial adota no contexto de uma situação de dependência.

Os beneficiários desse processo estariam situados entre as empresas estatais, que teriam puxado o desenvolvimento industrial de base (siderurgias e outros), os conglomerados empresariais multinacionais e as empresas nacionais associadas a esses dois setores, configurando o que ficou denominado de “tripé do desenvolvi mento dependente-associado”.

Cardoso retomou o tema da dependência em 1995, já na condição de Presi dente da República. Em texto preparado para um seminário do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, cujo objetivo era “fazer um exercício comparativo para mostrar o que mudou na perspectiva de desenvolvimento entre os anos 60 e os dias de hoje”, ele diz que sua ambição e de Faletto, relativamente ao fato de suas reflexões sobre a dependência serem consideradas uma teoria, “sempre foi mais modesta”. Em suas palavras, o que eles objetivavam era dentro da análise geral do capitalismo, mostrar que as relações entre cen tro e periferia haviam mudado. Ou seja, em oposição às visões determinis tas que uniam a teoria do imperialismo à impossibilidade do desenvolvi mento capitalista nos países periféricos, descrevíamos as novas relações de dependência que permitiam a industrialização das economias subdesen volvidas.

Esta era a novidade da nossa visão sociológica e econômica. Por outro lado, enquanto sociólogos, colocávamos ênfase na dinâmica interna dos países subdesenvolvidos. Dizíamos que as relações econômicas eram também políticas e, naturalmente, sociais. Em vez de repetir que havia barreiras, impasses e impossibilidades de desenvolvimento, dizíamos que havia – dependendo das opções políticas e de surgirem atores sociais novos – oportunidades de

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desenvolvimento econômico, apesar da relação geral de dependência. Nos anos 70, desenvolvi melhor a nova forma de relacio namento entre centro e periferia através do conceito de desenvolvimento dependente-associado e passei a interessar-me, crescentemente, pelas op ções políticas que levariam a situações de maior liberdade de escolha, a co meçar pela quebra do autoritarismo e, mais tarde, pela existência de novas formas de desenvolvimento econômico e social. Neste ponto, critiquei, am plamente, o estatismo e o que chamei de “burguesia de Estado”, ou seja, a burocracia econômica herdeira do autoritarismo político e filha dileta dos monopólios oficiais.

Sobre o conceito de desenvolvimento, Cardoso entende que, nos anos 60, talvez ele

[...] se identificasse essencialmente com o progresso material, com o crescimento econômico. A análise de suas implicações tinha uma certa simplicidade: ad mitia-se que era o centro do processo social. Para alguns, o progresso material levaria espontaneamente à melhoria dos padrões sociais. Para outros, os “dependentistas”, a relação era mais complexa. O jogo político intervinha e, em função das formas pelas quais se organizava, o crescimento tomaria rumos diferenciados, com efeitos também diferenciados na estrutura social.

Quanto ao problema das possibilidades de inserção dos países subdesenvolvi dos no âmbito desenvolvido do sistema capitalista, o autor afirma que esse era

[...] um segundo tema articulado pela “teoria da dependência”: a influência dos modos de inserção internacional dos países sobre as modalidades concretas do desenvolvimento. É, na teoria, a dimensão mais original, a da dependência propriamente dita. [...] imaginávamos que a dependência fosse um fator homogeneizador das possibilidades dos países em desenvolvimento para sair de sua condição de pobreza. Haveria, lembro, diferenças nas possibilidades de crescimento basicamente em função do controle do processo de acumulação de capital. Mas, em sua essência, os capitalismos central e periférico se afasta-vam. Mesmo que um país periférico crescesse – e meu livro foi controvertido porque admitia a simultaneidade da dependência e do desenvolvimento – o faria de forma distorcida. Era como se condição periférica se tornasse fatal. Um destino de injustiça.

O problema do papel do Estado foi de fundamental importância, uma vez que ele constituiria o motor do processo de desenvolvimento. Para Cardoso:

[...] nos anos 60, tínhamos uma crença, ainda forte, na capacidade que o Estado tinha de moldar o progresso. Era promotor, estimulador e, acima de tudo, uma força potencialmente autônoma. Para muitos teóricos da dependência, a solução só viria através da exacerbação das atribuições do Estado e, no limite, o próprio socialismo. [...] a teoria da dependência não pretendia desenvolver

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Este texto que você está lendo é extenso em significados. Não fique angustiado(a), prezado(a) estudante. É nossa tarefa, junto a esta unidade, esclarecermos a Teoria da Dependência. Vamos lá!!! Estamos quase acabando!!!

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uma visão das relações internacionais em sentido estrito. [...] os anos 60 veem o início das negociações Norte-Sul e a perspectiva de que, através de ar-ranjos negociados, balizados por algum critério de justiça – os pobres não se submeteriam a critérios de reciprocidade – seriam atenuadas as disparidades internacionais de renda. Entendíamos que os governos poderiam transformar as relações econômicas entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvi-mento. Isto era a contrapartida de uma espécie de ‘subestimação’ da necessi-dade de reformas no interior de cada país, derivada, como indiquei, de uma crença quase mágica no poder libertador da democracia.

Na conclusão de seu texto, após refletir sobre os quatro pontos expostos, Cardoso diz não ter pretendido apenas voltar com nostalgia aos problemas levan tados pela teoria da dependência, mas

[...] chamar a atenção para um problema central de nosso tempo, o desenvolvi mento. Ainda mais do que nos anos 60, o tema se tornou político no sentido forte da expressão. A fragmentação e ampliação do conceito de desenvolvi mento, os novos dilemas da inserção internacional dos países, a difusão, entre ricos e pobres, do problema do desemprego, a reforma do Estado, a complexi dade da gestão do Estado, são todos parcelas de uma questão central: o que queremos que nossas sociedades sejam no futuro.

Crítico das formulações de Cardoso, em cujos escritos considera conter “[...] mais frases contorcidas do que os comentadores gostariam de admitir”, David Lehmann (CARDOSO, 1986), com base na ideia de que o capitalismo dependente poderia resultar em desenvolvi mento, traz à tona o que, a seu ver, caracterizou a ação deste intelectual-político. Para ele:

[...] em lugar da “ruptura” postulada por teóricos como Frank, Cardoso enge nhou-se em construir o que se poderia chamar de “deslizamento ideológico”. Não é difícil ver como isso se produziu. Num primeiro momento, seu argu mento destinou-se a fazer reconhecer que o capitalismo dependente também poderia constituir um processo dinâmico de desenvolvimento, e que suas ca racterísticas de desigualdade e injustiça não justificavam a negação dessa tese; desenvolveu uma explicação que procurava reavaliar a estrutura social

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e o sistema político do Brasil, e que só marginalmente se referia – e mesmo en tão como se o fizesse apenas em atenção à moda dominante – às empresas multinacionais e ao sistema capitalista mundial.

Ainda da perspectiva da crítica à teoria da dependência, ao demarcar a dis tinção existente entre o conceito de capitalismo dependente, formulado por Flores tan Fernandes, e a compreensão dos teóricos da dependência, Miriam Limoeiro Cardoso (1997, p. 14-15) entende que os:

[...] dependentistas tentam dar conta do presente das nações periféricas e dependentes recorrendo ao passado destas nações, especialmente na sua relação de tipo colonial com as suas metrópoles e o fazem como se com isso estivessem de fato recorrendo à história. Para eles, a dependência revelaria uma marca que teria ficado indelével e que teria sido constituída na época colonial, pela rela-ção tipicamente colonial. Com isso, recuperam um passado e o nexo estrutu ral que o construiu. No entanto, ao tratar o presente sob essa ótica, como resto de algo que deveria ter sido superado para poder ter se tornado efetivamente passado, perdem a visão dinâmica do próprio presente, turvando ou impedin do a percepção das novas relações estruturadas pelos diferentes períodos do desenvolvimento capitalista, no caso a fase monopolista do capital. [...] a investigação dependentista não se orienta de modo a tomar o capitalismo como totalidade histórica significativa que por isso deva ser referência totalizante para sua análise.

Daí seus teóricos, da matriz cepalino-furtadiana a Fernando Henrique Car doso, acabarem caminhando em direção diversa daquela que inicialmente preten diam, uma vez que eles

[...] denunciam a dependência, mas a própria forma como a pensam e como for mulam a sua denúncia encaminha não para o enfraquecimento da domina ção, mas para o seu fortalecimento pela via interna, buscando a construção de um consenso nacional em torno da burguesia local e sob a direção dela. Sob a aparência de uma crítica radical, portanto, se esconde a submissão ao projeto hegemônico do capital, por meio do fortalecimento da fração local deste capital, como se tal fortalecimento por si só e sem a pressão dos demais setores da sociedade conduzisse à autonomização nacional. Neste sentido, o recurso à nação é usado como camuflagem dos mecanismos diretos de domi-nação, que ocorrem a partir da produção enquanto exploração e dominação do trabalho.

Os anos 60 findaram sob as perspectivas sombrias do Ato Institucional nº 5 e da radicalização da ditadura militar, sob o governo do General Médici até 1974. Os cientistas sociais, debaixo de condições mais que adversas, uma vez que o oxi gênio da atividade intelectual e científica é a liberdade de elaboração e de crítica, buscavam, como disse Florestan, com base na Sociologia que havia sido construída até aquele momento, refinar e consolidar aquela escora de reflexão sobre a lógica e o destino da sociedade brasileira.

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5 SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA E O HOMEM CORDIAL

De Sérgio Buarque de Holanda deve-se falar com a mesma alegria que ele sempre manteve. Nunca houve homem mais sábio, nunca houve homem mais erudito, nunca houve homem de maior seriedade intelectual. Mas também nunca houve ninguém mais brincalhão, alegre e até moleque, quando fosse o caso. Antonio Candido

Sérgio Buarque de Holanda nasceu em São Paulo, em 1902, e faleceu em 1982. Depois de lecionar em várias instituições de educação superior, tornou-se, em 1956, catedrático de História da Civilização Brasileira na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. É autor de vários livros, dentre os quais se destacam: Cobra de vidro (1944), Caminhos e fronteiras (1956; Companhia das Letras, 1994), Visão do paraíso (1958), Livro dos prefácios (Companhia das Letras, 1996) e O espírito e a letra (Companhia das Letras, 1996). Entretanto, a sua obra mais conhecida na contemporaneidade é Raízes do Brasil (1936), que está na vigésima sexta edição (Companhia das Letras, 1995), e foi traduzida para o italiano, espanhol, japonês, alemão e francês.

FONTE: Disponível em: <www2.uol.com.br>. Acesso em: 24 maio 2010.

FIGURA 10 – SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA

Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, revela alguns aspectos importantes da cultura brasileira e do comportamento dos brasileiros. Na obra ele também procurou diferenciar a América colonizada pelos portugueses da América colonizada pelos espanhóis, evidenciando e criticando a formação patrimonialista brasileira.

No capítulo IV do livro “O semeador e o ladrilhador”, Sérgio Buarque de Holanda compara a presença espanhola com a presença portuguesa. Afirma que a presença espanhola deixou registrada sua grande vontade de criar cidades

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mais organizadas, diferentemente dos portugueses, que ele considerava mais desorganizados em termos geométricos.

No capítulo V, que é o mais comentado no campo acadêmico, Sérgio Buarque apresenta “O Homem Cordial”. Neste capítulo ele faz uma crítica às “virtudes brasileiras”, porque, para ele, é o homem do coração, que se opõe ao homem da razão. O cordial não quer dizer ser “bom”, ser cortês, mas sim quer dizer da “emoção”, a qual perturba a instituição das regras democráticas. Raízes do Brasil contribui para uma crítica de nossa sociedade não democrática, principalmente quando trata, ainda no capítulo V, sobre a compreensão e a distinção fundamental entre os domínios do público e do privado, buscando em Max Weber uma definição do funcionário patrimonial.

Para o funcionário ‘patrimonial’, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que mereçam os candidatos, e muito menos de acordo com as suas capacidades próprias. Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático. O funcionalismo patrimonial pode, com a progressiva divisão de funções e com a racionalização, adquirir traços burocráticos. Mas em sua essência ele é de fato mais diferente do burocrático, quanto mais caracterizados estejam os dois tipos. (HOLANDA, 1995, p.146).

Sérgio Buarque de Holanda (1995, p. 146) sustenta ainda que:

No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e poucos acessíveis a uma ordenação impessoal.

Em suma, o que Sérgio Buarque discute em sua compreensão é que o famoso jeitinho brasileiro e a suposta falta de formalidade do brasileiro fariam com que ele fosse avesso à impessoalidade da burocracia estatal.

A seguir, sugerimos a leitura do texto de Alberto Pirró Ruggiero, sobre o estilo do líder brasileiro.

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TÓPICO 4 | PERCORRENDO A SOCIOLOGIA BRASILEIRA

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LEITURA COMPLEMENTAR

O ESTILO PRIMORDIAL DO LÍDER BRASILEIRO É O PATERNALISMO?

Alberto Pirró Ruggiero

Recentemente foi realizada uma pesquisa pela doutora Elizabeth Zamerul com 386 gestores da Região Sudeste e constatou-se que a maioria absoluta deles se percebe como racional, isto é, pouco emocional, no seu cotidiano. Outra pesquisa, também recente, de Motta e Caldas, realizada com 2500 dirigentes e gerentes de 520 empresas de grande e médio porte do Sudeste e Sul do Brasil, mostrou que o estilo brasileiro de liderar é o paternalismo.

Ainda neste estudo, os principais traços da administração brasileira, apontados por estes gestores, foram: 88% concentração de poder, 77% paternalismo; 76% dependência, 71% lealdade às pessoas; 69% impunidade, 67% postura de espectador etc.

Segundo o dicionário Aurélio: paternal é próprio de pai. O paternalismo

ocorre quando uma pessoa decide por outra, colocando limites à autonomia individual daquela. Geralmente, o objetivo explícito é ajudá-la. A intenção é louvável, resta saber se esta ajuda é a mais adequada.

A nossa sociedade cultua, desde cedo, a realização e a felicidade através do prêmio sem esforço. É grande a audiência de programas que premiam pessoas pobres. Ganhar na loteria é o sonho da maioria das pessoas. Por outro lado, o trabalho é ensinado, em muitos lares, como um sacrifício ou a única saída digna para quem não teve sorte na vida, de nascer num lar rico, de se casar com um milionário ou de ganhar na loteria.

Num dia destes, a própria autora deste artigo organizava uma palestra com

a profissional de uma grande empresa e ela contou que, nas palestras anteriores, por melhor que fosse o tema, a audiência só era expressiva quando havia sorteios ao final. Isto nos faz refletir.

Excesso de autoridade dissimulado – as empresas paternalistas complementam esta visão cultural e se tornam protetoras dos seus empregados, atuando com excesso de complacência com os seus erros, dando benefícios não merecidos e dando-lhes afeto, e em troca, cobram lealdade e respeito. Isto se encaixa no que Maria Tereza Fleury denomina mito da grande família, que revela as duas faces presentes nas relações de trabalho: a visível, de solidariedade, de cooperação; e a face oculta, da dominação e submissão. Isto confirma a outra versão do Aurélio, de que o paternalismo é a tendência a dissimular o excesso de autoridade sob a forma de proteção.

Por outro lado, por que os empregados aceitam isto? Sérgio Buarque de

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E CIÊNCIA

Holanda, contando sobre a origem da identidade brasileira, define o homem cordial como este ser que constrói suas relações sociais por meio dos motivos do coração, em detrimento dos da razão, ou seja, ele precisa “gostar” de alguém para se relacionar. Por isto, ele tem aversão às relações impessoais, movidas por interesses ou apenas ligadas a objetivos efêmeros, econômicos e políticos e requer relações duradouras, regidas pela fidelidade da palavra e pela segurança.

O autor ilustra com a relação senhor-escravo na qual, em caso de

desobediência, o negro não era castigado por atrapalhar o processo produtivo (o que caracterizaria um princípio mais ligado à racionalidade marcante de uma economia voltada para princípios de mercado e lucro), mas por trair a confiança e o cuidado nele depositados pelo seu senhor.

Armadilha – o paternalismo se configura, então, como uma relação

emocional, autoritária, hipnótica, que guarda uma armadilha ou um pacto oculto, o de privar o trabalhador de parte da própria autonomia, estimulando-o a permanecer na zona do conforto e emocionalmente dependente ou infantil, conformando-se com pouco reconhecimento, baixos salários, dedicando-se de forma desequilibrada, até desumana, em relação às outras áreas da vida, em nome da produtividade, e leva-o a se tornar institucionalizado, ou seja, muito inseguro e dependente da empresa.

Por outro lado, ele também se comporta como um filho mimado, que exige que a empresa cuide do seu futuro e reclama da empresa, até pelo que não fez por merecer. Nesta posição, ele não percebe necessidades de buscar melhorias e não assume a responsabilidade pela própria carreira.

Desta forma, como teremos empresas vencedoras e colaboradores fortes e protagonistas, que cuidam da sua própria história profissional e têm prazer em se dedicar ao trabalho, que contribuem com o melhor de si, para buscar realizações genuínas para todos? Se for isto o que buscamos, precisamos repensar nossos modelos de relações e criar condições que permitam o verdadeiro amadurecimento de todos. Neste contexto, um pouco mais de racionalidade não faria nada mal.

FONTE: Disponível em: <http://www.rh.com.br/Portal/Geral/Blog_Alberto_Ruggiero/5459/o-estilo-primordial-do-lider-brasileiro-e-o-paternalismo.html>. Acesso em: 24 mar. 2010.

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RESUMO DO TÓPICO 4

Caro(a) acadêmico(a), neste tópico você viu que:

• A visão de importantes sociólogos brasileiros: Gilberto Freyre, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Sérgio Buarque de Holanda, que contribuíram para a compreensão da realidade social brasileira.

• Florestan se aplicou, a partir de certa altura, a estudar o mecanismo do privilégio, a natureza das oligarquias, a formação da burguesia, a exclusão do negro depois da Abolição e os vícios elitistas.

• Em Casa-Grande e Senzala, Gilberto Freyre fez um estudo da colonização portuguesa, descrevendo a formação da família e do patriarcado brasileiro, bem como a importância da miscigenação étnica como traço cultural. Alertou que há sempre um motivo econômico, no caso brasileiro a monocultura latifundiária, por trás das relações raciais.

• Gilberto Freyre gostaria de ver o Brasil desempenhando mais efetivamente do que agora uma missão benéfica ao Homem; em geral a missão que, transbordando das fronteiras nacionais, marcasse a presença brasileira em várias áreas do mundo: sobretudo naquelas de populações, culturas, passados, prováveis futuros, mais afins dos brasileiros.

• Cardoso e Faletto imaginavam que a dependência era um fator homogeneizador das possibilidades dos países em desenvolvimento para sair da sua condição de pobreza.

• O sociólogo Fernando Henrique Cardoso tem grande preocupação com o que queremos que nossas sociedades sejam no futuro.

• Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, revela alguns aspectos importantes da cultura brasileira e do comportamento dos brasileiros.

• Sérgio Buarque discute em sua compreensão que o famoso jeitinho brasileiro e a suposta falta de formalidade do brasileiro fariam com que ele fosse avesso à impessoalidade da burocracia estatal.

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AUTOATIVIDADE

1 Após ter lido todo o texto sobre a Teoria da Dependência, procure destacar três ideias que você considera importantes sobre esta teoria.

2 Para refletir um pouco mais sobre questões relacionadas ao conteúdo deste tópico, assista ao filme Avatar. Logo após, descreva quais trechos do filme remetem ao que foi discutido neste tópico. Não se esqueça de relacioná-los com os autores apresentados. Bom trabalho!

3 Sobre Gilberto Freyre podemos afirmar:

a) ( ) Na obra Casa-Grande e Senzala, o autor faz um estudo da colonização portuguesa, descrevendo a formação da família, do patriarcado brasileiro e da importância da miscigenação étnica como traço cultural na formação do povo brasileiro.

b) ( ) Que este argumentava que o desenvolvimento da sociedade abrange o crescimento e a complexidade, que são administrados pela interdependência e pelo poder.

c) ( ) Em sua compreensão, a sociedade brasileira, como qualquer outro organismo vivo, passaria por etapas com manifestação de estados normais e patológicos. E o estado mórbido ou patológico da sociedade brasileira seria caracterizado por fatos que colocassem em risco essa harmonia, os acordos de convivência, o consenso e, portanto, a adaptação e a evolução histórica natural da sociedade.

d) ( ) Que nas suas obras defendia claramente a necessidade de implementar uma revolução socialista no Brasil, seguindo a orientação de Marx.

4 Assinale a alternativa na qual TODOS os nomes são de sociólogos brasileiros:a) ( ) Fernando Henrique Cardoso, Max Weber, Karl Marx.b) ( ) Florestan Fernandes, Gilberto Freyre e Fernando Henrique Cardoso.c) ( ) Max Weber, Florestan Fernandes, Gilberto Freyre.d) ( ) Roberto DaMatta, Fernando Henrique, Max Weber.

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UNIDADE 2

PENSAMENTO DA SOCIOLOGIA EM ÁREAS DIVERSAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade, você será capaz de compreender:

• as discussões que envolvem modernidade e pós-modernidade; • as possíveis influências das ideias moderna e pós-moderna na sua área de

estudo;

• a diversidade de enfoque sobre as organizações;

• a evolução da teoria administrativa na visão de Alberto Guerreiro Ramos;

• as concepções de trabalho;

• os desafios e tendências no mundo do trabalho;

• a educação para o mercado de trabalho na legislação brasileira.

Esta unidade está dividida em quatro tópicos. Em cada um deles você encon-trará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados.

TÓPICO 1 – MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE EM DISCUSSÃO

TÓPICO 2 – ORGANIZAÇÕES: DIVERSIDADES DE ENFOQUES

TÓPICO 3 – HOMEM CONTEMPORÂNEO: CONSCIENTE DA QUALIDA-DE DE VIDA

TÓPICO 4 – TRABALHO E EDUCAÇÃO

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TÓPICO 1

MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE EM

DISCUSSÃO

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Na Unidade 1, você estudou que com a modernidade Deus foi substituído pela ciência, ou seja, buscou-se amparo na ciência com o intuito de entender o funcionamento do mundo e mais: até mesmo alterar muitas das estruturas existentes, como a física e a química, por exemplo. E assim, de certa forma, o homem moderno abandona Deus e busca com a razão seguir os seus próprios passos. Todavia, na atualidade, tem-se questionado muito se o que se postulava na modernidade ainda é plausível de se aceitar. Ou se novas ideias estão surgindo ou já surgiram e se substituem as postuladas na modernidade.

Neste sentido, na atualidade tem-se postulado que estamos vivendo um

novo período, conhecido como pós-modernidade. É claro que esta posição não é unânime, porém é possível encontrarmos referências da pós-modernidade no campo da Sociologia ou até mesmo em outras áreas, com maior ou menor intensidade.

2 PÓS-MODERNIDADE

Como já mencionado, não há unanimidade quanto à pós-modernidade. Outrossim, grosso modo, a pós-modernidade é o nome designado para as mudanças que aconteceram por volta dos anos 50 em diante, em diversos campos, entre eles: as ciências, as artes, avanços tecnológicos (computação, ciências cognitivas etc.). E, além disso, a pós-modernidade tomou corpo por volta dos anos 60 na arte pop e nos anos 70 quando chega à filosofia. (FERREIRA, 1987).

Com a chegada do pós-moderno no campo da economia, a produção de modo geral é em grande escala, tanto de bens não duráveis quanto descartáveis. A cada dia marcas novas vão surgindo e novos produtos surgem, como que num passe de mágica, buscando atender os mais variados estilos de personalidade. O mercado faz envelhecer os produtos em curto espaço de tempo (tecnologias se tornam obsoletas em espaços de tempo cada vez menores). Este ritmo de produção tem levado as pessoas a consumir cada vez mais, pois fazer parte do mercado na atualidade é poder consumir, é ter cartão de crédito, ou seja, o mercado reconhece quem consome. Por essa característica, define-se também a pós-modernidade como a era do consumo. (FERREIRA, 1987).

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UNIDADE 2 | PENSAMENTO DA SOCIOLOGIA EM ÁREAS DIVERSAS

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No entendimento de Sung (1992), a pós-modernidade é uma crítica radical aos postulados da modernidade. No campo da filosofia, as ideias pós-modernas têm como propósito desmontar, demolir o discurso filosófico da modernidade que tem se sustentado na razão, na felicidade e na liberdade, que são os baluartes da modernidade. De acordo com Sell (2006, p. 230-231):

[...] se o projeto da modernidade foi gestado e implementado ao longo da era moderna (séculos XV a XIX, o sonho de produzir a emancipação humana a partir da razão começa a ser questionado. Fenômenos como as duas grandes guerras e o questionamento de filósofos como Friedrich Nietszche (2000) e Martin Heidegger (1997), ou mesmo da chamada Escola de Frankfurt (ADORNO e HORHEIMER,1985), entre outros, começam a mostrar também o lado regressivo e negativo da razão. Diante deste contexto, teóricos sociais e filósofos como Jean François Lyotard (1988), Jacques Derrida (1973) Michel Foucault (1988), Vattimo (1996), Boaventura Souza Santos (1987), Zigmunt Baumann (1999) e outros apontam para o esgotamento da modernidade. Diante do fracasso do projeto da razão iluminista para construir uma sociedade supostamente livre e emancipada eles decretam o fim da era moderna. Estaríamos em uma nova etapa da vida social: a “pós-modernidade”. Apesar de aceitarem a crítica aos limites da razão ocidental, encarnada na ciência e na técnica, teóricos sociais como Jurgen Habermas (1985), Anthony Giddens (1991), Ulrich Beck (1997), Alain Touraine e outros discordam deste ponto de vista. Para eles, o processo de autoquestionamento da modernidade não indica os deslocamentos da modernidade para além do horizonte moderno. Na verdade as transformações da modernidade não conduzem ao seu fim, a uma relação mais crítica e consistente para o horizonte moderno.

Ainda, dentre as mais diversas posições, há quem diga que a pós-modernidade é um movimento de ruptura, de crise ou de incredulidade. E muitos dos discursos postulados ou até mesmo sustentáculos do pensamento moderno têm perdido sentido, tais como razão, verdade, progresso, dentre outros.

Os adeptos da pós-modernidade postulam que ela traz novos estilos de vida e de filosofias e, além disso, perpassam pelo cotidiano ideias como: o vazio, o niilismo, o nada e principalmente a falta de valores e sentido da vida (ou valor à vida). Conforme Castro (2007, p. 195), “[...] o pós-modernismo implica uma ruptura com o passado, imprimindo no espírito humano um estado dominante de ansiedade e confusão”. Ou ainda, a pessoas são a mistura de diversos estilos, ou cada um tem o seu estilo, cada um tem o seu gosto, o que interessa é viver o agora e aproveitar tudo o que a vida tem, sem se preocupar com o futuro.

Além disso, estamos vivendo em um período no qual a privacidade das pessoas está aberta ao público, como, por exemplo, Orkut, Facebook, dentre outros. Ou ainda, pode-se sem maiores dificuldades saber muitas coisas da individualidade da pessoa, ou seu histórico profissional ou pessoal, ou até mesmo aspectos da sua conduta moral, que está aberta ao mundo, principalmente se seus atos foram filmados. Quando menos se espera, pessoas de diversos cantos do mundo podem ter acesso, ou como menciona Naisbitt (1994, p. 169-170):

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TÓPICO 1 | MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE EM DISCUSSÃO

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Em seu livro de 1993, The moral sense, o sociólogo James Q. Wilson escreve que as qualidades morais universalmente importantes derivam de e são sustentadas por práticas e relacionamentos locais, na maioria em “[...] famílias, amigos e agrupamentos íntimos”. A despeito do que os cínicos e os pessimistas nos querem fazer acreditar, a situação moral do mundo não está mais ou menos frágil do que outrora. A diferença entre a segunda metade do século XX, particularmente as duas últimas décadas, e todos os períodos anteriores da história é que, atualmente, quando os padrões éticos ou morais são feridos em qualquer lugar, todos ficam sabendo. As comunicações instantâneas globais abriram as portas para todos nós uma janela para o mundo, através da qual podemos observar tanto as coisas maravilhosas como aquelas que nos espantam. No decorrer da história, alguns trilham a estrada do elevado padrão moral e outros desafiaram os padrões morais até os últimos limites. Perseguições, “limpezas étnicas”, corrupção, escândalos e falcatruas não são monopólios do século atual.

Além de a vida privada ser, via de regra, aberta ao público e os padrões éticos serem relativizados, ainda na atualidade há uma série de palavras novas que surgiram e fazem parte do vocabulário das pessoas. Entre elas destacamos: Era da Informação, Gestão do Conhecimento, Globalização, Era pós-industrial, Fim do emprego, Era do Serviço, Onda do Social (Responsabilidade social, balanço social, marketing social etc.), óbito de algumas profissões, Cibercultura, Multiculturalismo, cibercrimes, second life, Ciberespaço (era virtual X era bits), pós-humano.

Além destes novos arsenais de palavras, presenciamos ainda novas invenções como: laser, internet, clonagem, fax, celular, skype, neurochip, biochip, avanços das neurociências, biogenética, drogas inteligentes, transgênicos (superssementes), androides, ciborgues, inteligência artificial, robótica, biocomputação, entre outras inúmeras inovações que não param de emergir. E, dependendo do ponto de vista, o que mencionamos pode ser tido como característica da pós-modernidade ou não.

Enfim, no contexto atual, este é um momento ímpar na história da humanidade devido às questões mencionadas anteriormente e às discussões em defesa da vigência da pós-modernidade, ainda a pleno vapor em algumas áreas de estudo. Entretanto, há quem faz distinção entre a modernidade e a pós-modernidade, como, por exemplo, na proposta de Castro (2007).

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UNIDADE 2 | PENSAMENTO DA SOCIOLOGIA EM ÁREAS DIVERSAS

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MODERNA PÓS-MODERNA

Industrial Pós-industrial

Fordismo, capitalismo organizado Pós-fordismo, capitalismo desorganizado

Período histórico Categoria meta-histórica

Propósito e projeto Jogo e aleatoriedade

Integração e concentração Dispersão e fragmentação

Grande narrativa Pequena narrativa, antinarrativa

Hierarquia, crença no progresso e na razão, análise, antirromantismo

Anarquia, indeterminação, irracionalidade, apocalipse, romantismo

Criação, totalização Desconstrução, destotalização

Compreensão, problematização e desestabilização da representação da realidade

Interpretação, problematização e desestabilização da realidade em si

Transcendência Imanência

Produção de bens Produção de informação

Sociedade industrial, energia, recursos, tecnologia mecânica

Sociedade da informação, conhecimento e informação

Mecanização Informática

Valor do trabalho Valor do conhecimento

Distinção entre processamento e disseminação do conhecimento

União de processamento e disseminação de conhecimento

FONTE: Adaptado de: Castro (2007)

QUADRO 1 – DISTINÇÃO ENTRE MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

Para ilustrar as divergências acerca da modernidade e pós-modernidade, leia parte do texto do professor Queiroz (2006, p. 1-23), que aponta sobre Pós-Modernidade: sim ou não?

Sobre o pós-moderno pairam mais indagações do que certezas. Quando teve início? Como se caracteriza? Qual a sua abrangência? Rompe com a Modernidade ou é apenas um prolongamento dela? Frente a esses quesitos, variam as posições. Há os críticos que manifestam inteira rejeição ao nome e ao conceito. Segundo Habermas (1985), o projeto da Modernidade não está terminado, o que torna inverídico atribuir o “pós” a uma realidade ainda em construção. Latour (1994) escreve um livro para demonstrar, paradoxalmente, que jamais fomos modernos, e assim coloca em crise o conceito de Modernidade e, por consequência, rejeita as pretensões pós-modernas. Eagleton (1998) estabelece uma crítica radical a todos os aspectos do pós-modernismo. Giddens (1991) não

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TÓPICO 1 | MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE EM DISCUSSÃO

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vê nenhuma ruptura ou descontinuidade que justifique um “pós” para além do moderno.

Há, entretanto, autores que admitem o pós-moderno como algo que veio para ficar, embora estejam longe de um consenso sobre as suas características. Lyotard (1993) publica, em 1979, a obra considerada pioneira, La condition postmoderne, na qual desconstrói os pilares da ciência moderna e as suas narrativas e indica a ciência pós-moderna como jogo de linguagem, no qual a instabilidade, o paradoxo e o dissenso prevalecem sobre as certezas.

Vattimo (1996) acredita que a Modernidade já se extinguiu. Jameson (1997), embora alertando que se trata de um termo “intrinsecamente conflitante e contraditório”, admite que “por bem ou por mal não podemos não usá-lo” (Ibid., p. 25) e vê o pós-modernismo como a tradução e a expressão da lógica cultural do capitalismo tardio. Maffesoli (2000) analisa o pós-moderno como uma nova forma de tribalismo e o caracteriza como um nomadismo no qual a errância se apresenta como “fundadora de todo o conjunto social”. (Id., 2001, p.16). Connor (1993) faz um amplo inventário da presença do pós-modernismo na arquitetura, nas artes visuais, na literatura, na TV, em vídeos, em filmes, na cultura popular.

Entre a rejeição total e a admissão pura e simples, julgamos plausível caminhar na linha do “tertium inclusum” (o terceiro incluído) assumindo uma posição intermediária que liga os opostos. Temos por certo que não se pode falar de uma era pós-moderna em total ruptura com as estruturas da Modernidade, pois o sistema socioeconômico que a sustenta – o capitalismo – ainda está em vigor, embora se lhe atribua um “neo” (neoliberalismo) e até haja quem já admita um “pós-neoliberalismo”. (SADER; GENTILI, 2004). Mas é sempre o velho paradigma com novas caras: globalização, flexibilização, descentralização, comunidades mercadológicas.

A cultura, também, embora adquira novas conotações, permanece gravitando na esfera do capitalismo, seja para reforçá-lo (cultura de massa, consumismo), seja para contestá-lo (movimentos ecológicos, experiências de economia alternativa), seja para expressar as suas perversidades (cultura da violência, exclusão, limpeza étnica, genocídios, terrorismo). Por isso, não deixam de ter razão os que apontam que a Pós-Modernidade é ainda a Modernidade gerindo e parindo as suas crises. (ver HABERMAS, 1980; TOURAINE, 1994).

Mas não há como negar que, nas profundezas da crise, algo novo desponta no horizonte, uma realidade híbrida, mesclando verdades e ilusões. Vive-se uma atmosfera de busca, uma fase heurística, que alia ao pessimismo, ao desalento e ao niilismo – sequelas da profunda decepção pelas promessas frustradas da Modernidade – um vislumbre de esperança.

Mudança de visão, novas tendências e atitudes caracterizam o que Capra (1997), com base na superação da visão mecanicista e fragmentária de Descartes

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UNIDADE 2 | PENSAMENTO DA SOCIOLOGIA EM ÁREAS DIVERSAS

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Você pode fazer uma pesquisa para averiguar quais discussões deste tema têm-se feito presentes na sua área de estudo, como, por exemplo, em artigos científicos.

Para efeito de ilustração, apontam-se algumas das ideologias presentes na vida do homem pós-moderno, segundo Barth (2007):

DICAS

Caro(a) acadêmico(a), com a leitura do texto de Queiroz, você observou que não há consenso sobre o tema em discussão entre os diversos pensadores: se estamos na modernidade ou pós-modernidade, ou se atingimos a modernidade ou é apenas um período de transição. Contudo, é correto dizer que estamos vivendo um período de constantes mudanças, avanços científicos extraordinários e, muitas vezes, questionáveis, e também de muitas mudanças de comportamento, como ausência de valores, cada um faz o que quer, não se está nem aí com os outros, entre diversas outras manifestações que ocorrem no nosso cotidiano. Ou seja, na atualidade vive-se um período de imprevisibilidade nos cenários e de constantes mudanças. Conforme Drucker (2002), a sociedade em poucas décadas tem se organizado e mudado a sua visão de mundo, valores básicos fundamentais, a estrutura social e política, as artes, etc.

Entretanto, podemos dizer que a “crise da modernidade”, seja ela entendida em si mesma ou como um processo de passagem para a pós-modernidade, é um momento no qual a sociedade tem buscado afastar-se da racionalização e cientificismo. Mas há os que defendem que os hostes modernos devem ser seguidos pela sociedade e atacam veementemente os postulados da pós-modernidade.

e Newton, pela teoria da relatividade e da física quântica, indica como um “ponto de mutação”. Isso leva a admitir que já não se pode mais falar de simples Modernidade. Mesmo os que rejeitam o termo pós-moderno não deixam de convir que há algo novo na Modernidade, tanto assim que sentem a necessidade de adjetivá-la.

a) Materialismo: faz com que o indivíduo obtenha certo reconhecimento social pelo simples fato de ganhar muito dinheiro, ou ainda, o que importa é ter e não o ser e, para isso, não se medem esforços para se ter, mesmo se necessário cancelar os valores éticos. b) Hedonismo: o que se postula é o prazer acima de tudo, a qualquer preço, não importando muitas das vezes as consequências. c) Permissivismo: tudo é permitido, e neste sentido, tudo é bom, desde que você se sinta bem. d) Relativismo: a subjetividade dita as regras, e não há nada absoluto, nada totalmente bom ou mau e as verdades são oscilantes. e) Consumismo: o ideal de consumo da sociedade capitalista não tem outro horizonte, além da multiplicação ou da contínua substituição de objetos (ainda em perfeito estado de uso) por outros cada vez melhores. O resultado disto é a cultura do desperdício, onde se vive para consumir e essa é a única imagem

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TÓPICO 1 | MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE EM DISCUSSÃO

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LEITURA COMPLEMENTAR

[...]

MODERNIDADE OU PÓS-MODERNIDADE?

Antonio Giddens

Neste ponto podemos vincular a discussão da reflexivi dade aos debates sobre a pós-modernidade. “Pós-modernidade” é usado frequentemente como se fosse sinônimo de pós-modernismo, sociedade pós-industrial etc. Embora a ideia de sociedade pós-industrial, como desenvolvida por Daniel Bell, pelo menos,34 seja bem explicada, os outros dois conceitos mencionados acima certamente não o são. Devo aqui traçar uma distinção entre eles. Pós-modernisno, se é que significa alguma coisa, é mais apropriado pa ra se referir a estilos ou movimentos no interior da literatu ra, artes plásticas e arquitetura. Diz respeito a aspectos da reflexão estética sobre a natureza da modernidade. Embo ra às vezes apenas um tanto vagamente designado, o mo dernismo é ou foi uma perspectiva distinguível nestas vá rias áreas e pode-se dizer que tem sido deslocado por ou tras correntes de uma variedade pós-moderna. (Uma obra separada poderia ser escrita sobre esta questão, que não devo analisar aqui.)

A pós-modernidade se refere a algo diferente, ao menos como eu defino a noção. Se estamos nos encaminhando para um fase de pós-modernidade, isto significa que a trajetória do desenvolvimento social está nos tirando das

34. Daniel Bell, The Comming of Post-Industrial Society (London: Heinemann, 1974).

Além disso, Barth (2007) aponta que a marca registrada ou constante do homem pós-moderno configura-se na pluralidade, novidade, secularização, irracionalidade e imersão no universo.

Para finalizar, caro(a) acadêmico(a), você terá um texto que exigirá uma

leitura mais exaustiva e muita concentração (aliás, um exercício para aqueles que estão na academia e desejam estar à altura dos debates ferrenhos das investigações de ponta). Ou seja, a leitura exigirá de você uma postura acadêmica, verificando as ideias em discussão, sua consistência, bem como o entendimento do contexto da discussão e, em última instância, refutando ou não as propostas em pauta no texto. Por isso, sugere-se que você leia o texto complementar e aponte as principais ideias em discussão e busque refutá-las ou não com consistência.

Boa leitura!!!

valorizada. f) Niilismo: o homem liberal é aberto, pluralista, transigente, tolerante, capaz de dialogar com quem defende posturas totalmente distintas e contrárias às suas, o que somente o leva a uma indiferença relaxada.

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UNIDADE 2 | PENSAMENTO DA SOCIOLOGIA EM ÁREAS DIVERSAS

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instituições da modernidade rumo a um novo e diferente tipo de ordem social. O pós-modernismo, se ele existe de forma válida, po de exprimir uma consciência de tal transição, mas não mos tra que ela existe.

Ao que se refere comumente a pós-modernidade? Afora o sentido geral de se estar vivendo um período de nítida disparidade do passado, o termo com frequência tem um ou mais dos seguintes significados: descobrimos que nada po de ser conhecido com alguma certeza, desde que todos os “fundamentos” preexistentes da epistemologia se revelaram sem credibilidade; que a “história” é destituída de teleologia e consequentemente nenhuma versão de “progresso” pode ser plausivelmente defendida; e que uma nova agen da social e política surgiu com a crescente proeminência de preocupações ecológicas e talvez de novos movimentos so ciais em geral. Dificilmente alguém hoje em dia parece iden-tificar a pós-modernidade com o que ela tão amplamente já chegou a significar – a substituição do capitalismo pelo socialismo. O deslocamento desta transição para longe do centro do palco, na verdade, é um dos principais fatores que estimularam as discussões correntes sobre a possível dis solução da modernidade, dada a concepção totalizante da história de Marx. [...]

É difícil resistir à conclusão de que a ruptura com a aceitacão de fundamentos é uma linha divisória significativa no pensamento filosófico, tendo suas origens entre os meados e o fim do século XIX. Mas certamente faz sentido ver isto como “a modernidade vindo a entender-se a si mesma” ao invés da superação da modernidade enquanto tal.36 Isto po de ser interpretado em termos do que rotulo como perspec tivas providenciais. O pensamento iluminista, e a cultura ocidental em geral, emergiram de um contexto religioso que enfatizava a teologia e a obtenção da graça de Deus. A di vina providência foi por muito tempo uma ideia diretiva do pensamento cristão. Sem estas orientações precedentes, o Iluminismo, em primeiro lugar, dificilmente teria sido pos sível. Não é de forma alguma surpreendente que a defesa da razão desagrilhoada apenas remodele as ideias do pro videncial, ao invés de removê-las. Um tipo de certeza (lei divina) foi substituído por outro (a certeza de nossos senti dos, da observação empírica), e a providência divina foi substituída pelo progresso providencial. Além disso, a ideia providencial da razão coincidiu com a ascensão do domí nio europeu sobre o resto do mundo. O crescimento do poder europeu forneceu o suporte material para a suposição de que a nova perspectiva sobre o mundo era fundamentada sobre uma base sólida que tanto proporcionava segurança como oferecia emancipação do dogma da tradição.

No entanto as sementes do niilismo estavam no pensa mento iluminista desde o início. Se a esfera da razão está inteiramente desagrilhoada, nenhum conhecimento pode se basear sobre um fundamento inquestionado, porque mes-mo as noções mais firmemente apoiadas só podem ser vis tas como válidas “em princípio” ou “até ulterior conside ração”. De outro modo elas reincidiriam no dogma e se se parariam da própria esfera da razão que determina qual va lidez está em primeiro lugar. Embora a maioria visse a evi dência de nossos sentidos como

36. Existem muitas discussões na literatura sobre o pós-modernismo como uma simples extensão da modernidade. Para uma versão anterior, ver Frank Kermode, “Modernisms”, em seu Constinuities (London: Routledge, 1968). Para discussões mais recentes ver as contribuições a Hal Foster, ed. Post-modern Culture (London: Pluto, 1983).

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TÓPICO 1 | MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE EM DISCUSSÃO

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a informação mais segura que podemos obter, mesmo os primeiros pensadores iluministas estavam bem cônscios de que tal “evidência” é sem pre suspeita em princípio. Os dados dos sentidos nunca po deriam fornecer uma base inteiramente segura para as rei vindicações do conhecimento. Hoje, dada a maior consciên cia de que a observação sensorial é permeada por catego rias teóricas, o pensamento filosófico em suas correntes prin cipais afastou-se decididamente do empirismo. Além dis so, desde Nietzsche, estamos mais claramente cônscios da circularidade da razão, bem como das relações problemá ticas entre conhecimento e poder.

Ao invés destes desenvolvimentos nos levarem para “além da modernidade”, eles nos proporcionam uma compreen são mais plena da reflexividade inerente à própria moder nidade. A modernidade não é perturbadora apenas devido à circularidade da razão, mas porque a natureza desta cir cularidade é decisivamente intrigante. Como podemos jus tificar um compromisso com a razão em nome da razão? Paradoxalmente, foram os positivistas lógicos que trope çaram mais diretamente nesta questão, como resultado da própria extensão na qual eles procuraram remover todos os resíduos de tradição e dogma do pensamento racional. A modernidade revela-se enigmática em seu cerne e parece não haver maneira de este enigma poder ser “superado”. Fomos deixados com perguntas que uma vez pareceram ser respos tas, e devo argumentar ulteriormente que não são apenas os filósofos que se dão conta disto. Uma consciência geral deste fenômeno se filtra em ansiedades cuja pressão todos sentem.

O pós-modernismo tem sido associado não apenas com o fim da aceitação de fundamentos, mas com o “fim da his tória”. Como já me referi a isto antes, não é necessário aqui discutir esta noção detalhadamente. A “história” não tem forma intrínseca nem teleologia total. Uma pluralidade de histórias pode ser escrita, e estas não podem ser ancoradas por referência a um ponto arquimediano (tal como a ideia de que a história tem uma direção evolucionária). A histó ria não deve ser equacionada à “historicidade”, pois esta última está claramente ligada às instituições da modernidade.

O materialismo histórico de Marx identifica equivocadamente uma à outra e assim não apenas atribui uma falsa unida de ao desenvolvimento histórico como também falha em dis cernir adequadamente as qualidades específicas da moder-nidade. O ponto aqui em questão foi bem coberto no cele brado debate entre Lévi-Strauss e Sartre.37 O “uso da his tória para fazer história” é substancialmente um fenôme no da modernidade e não um princípio generalizado que pode ser aplicado a todas as épocas – é uma versão da re flexividade da modernidade. Mesmo a história como datação, o mapeamento das sequências entre datas, é uma ma neira específica de codificar a temporalidade.

Devemos ser cuidadosos com o modo de entender a his toricidade. Ela pode ser definida como o uso do passado para ajudar a moldar o presente, mas não depende de um respeito pelo passado. Pelo contrário, historicidade signi-

37. Ver Claude Lévi-Strauss, The Savage Mind (Chicago: University of Chicago Press, 1966).

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fica o conhecimento sobre o passado como um meio de rom per com ele – ou, ao menos, manter apenas o que pode ser justificado de uma maneira proba.38 A historicidade, na verdade, nos orienta primeiramente para o futuro. O futu ro é visto como essencialmente aberto, embora como contrafatualmente condicional sobre linhas de ação assumidas com possibilidades futuras em mente. Este é um aspecto fun damental do “alongamento” tempo-espaço que as condi ções da modernidade tornam possível e necessário. A “futurologia” – o mapeamento de futuros possíveis/desejá veis/disponíveis – se torna mais importante que mapear o passado. Cada um dos tipos de mecanismo de desencaixe mencionados acima pressupõe uma orientação futura des te tipo.

A ruptura com as concepções providenciais da história, a dissolução da aceitação de fundamentos, junto com a emergência do pensamento contrafatual orientado para o futuro e o “esvaziamento” do progresso pela mudança con tínua, são tão diferentes das perspectivas centrais do Iluminismo que chegam a justificar a concepção de que ocorre ram transições de longo alcance. Referir-se a estas, no entan to, como pós-modernidade, é um equívoco que impede uma compreensão mais precisa de sua natureza e implicações. As disjunções que tomaram lugar devem, ao contrário, ser vis tas como resultantes da autoelucidação do pensamento mo derno, conforme os remanescentes da tradição e das perspec tivas providenciais são descartados. Nós não nos deslocamos para além da modernidade, porém estamos vivendo precisa mente através de uma fase de sua radicalização. [...]

E os outros conjuntos de mudanças frequentemente li gados, num sentido ou outro, à pós-modernidade: a ascensão de novos movimentos sociais e a criação de novas agendas políticas? Eles são de fato importantes, como tentarei mostrar posteriormente. Temos, contudo, de escolher nosso caminho circunspectamente através das várias teorias ou interpretações que têm avançado com base neles. Devo analisar a pós-modernidade como uma série de transições imanentes afastadas – ou “além” – dos diversos feixes institucionais da modernidade que serão distinguidos ulteriormente. Não vivemos ainda num universo social pós-moderno, mas podemos ver mais do que uns poucos relances da emergência de modos de vida e formas de organização social que divergem daquelas criadas pelas instituições modernas. [...]

FONTE: GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 51-58.

38. Cf. Haus Blumenberg, Wirklichkeiten in denen wir leben (Stuttgart: reclam,1981).

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RESUMO DO TÓPICO 1

Caro(a) acadêmico(a), neste tópico você viu que:

• Não há consenso sobre se estamos ou não na modernidade.

• Sobre o pós-moderno pairam mais indagações do que certezas.

• Segundo Habermas (apud QUEIROZ, 2006), o projeto da Modernidade não está terminado, o que torna inverídico atribuir o “pós” a uma realidade ainda em construção.

• De acordo com Latour (apud QUEIROZ, 2006), jamais fomos modernos e rejeita as pretensões pós-modernas.

• Giddens (1991) não vê nenhuma ruptura ou descontinuidade que justifique um “pós” para além do moderno.

• Vattimo (apud QUEIROZ, 2006) acredita que a Modernidade já se extinguiu.

• A filosofia pós-moderna critica de forma radical os discursos da modernidade.

• A obra “A condição pós-moderna”, de Lyotard, desconstrói os pilares da ciência moderna e as suas narrativas.

• As ideologias na vida pós-moderna, segundo Barth, são o materialismo, o hedonismo, permissivismo, relativismo, consumismo e niilismo.

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AUTOATIVIDADE

2 Na sua opinião, estamos na pós-modernidade? Justifique com três argumentos.

3 Pesquise um texto na sua área que tenha como discussão modernidade ou pós-modernidade e, na sequência:

a) Escreva as principais ideias discutidas.b) Escreva se você concorda ou não com as ideias discutidas no texto que você

pesquisou. Justifique com três argumentos.

4 Sintetize as ideias ou argumentos em favor e contra a pós-modernidade.

1 A partir do estudo deste tópico aponte as principais características da modernidade e pós-modernidade.

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TÓPICO 2

ORGANIZAÇÕES: DIVERSIDADES DE

ENFOQUES

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma do homem [...] levantou no mundo as muralhas do ódio [...] e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máqui nas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas duas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido. Charles Chaplin

Caro(a) acadêmico(a), não se pode negar que, antes do surgimento das organizações nos moldes em que as conhecemos hoje, já existiam preocupações sobre qual seria a fórmula mais adequada para governar, planejar e conduzir de forma organizada uma determinada sociedade. Por exemplo: Platão com a obra República e Aristóteles com a obra A Política. Ou ainda, você pode encontrar na história da humanidade exemplos de organizações bem-sucedidas por um determinado tempo, a exemplo: Império Persa e Romano, na Antiguidade.

Entretanto, com a Revolução Industrial e o surgimento das indústrias, houve sobremaneira a necessidade de pensar modelos de gerenciar as organizações a fim de que elas funcionassem segundo as necessidades, a exemplo de teóricos: Ford, Taylor e Fayol, e, é claro, cada qual com suas peculiaridades teóricas. Entretanto, no decorrer da história outros enfoques quanto às organizações foram surgindo com características próprias, tiveram seus pontos fortes, mas também não ficaram imunes a críticas.

Assim, neste tópico, inicialmente, você estudará uma das formas de se conceber as organizações, no caso, como máquinas e posteriormente de outras formas, tendo como guia as postuladas por Morgan na obra Imagens das organizações.

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2 ORGANIZAÇÕES: DIVERSIDADES DE METÁFORAS

Atualmente, as organizações não são mais aquelas de um único ponto de vista, pois, devido à complexidade, demandam maiores esforços e novos olhares para sua compreensão. Nas organizações existem diversos elementos que a compõem, a exemplo: máquinas, pessoas, finanças, tecnologia, contabilidade, missão e visão, ainda as necessidades do mercado. Frente a este cenário, muitas organizações podem crescer e prosperar e outras simplesmente desaparecem.

Além dos elementos que compõem as organizações, ainda, é possível pensar por que, em termos históricos, temos organizações com longa data de existência, outras, com um tempo razoável de existência, e ainda as que não conseguem chegar a dois anos de existência, e um número reduzidíssimo que conseguiu completar um século de existência.

Assim, analisar as organizações, seja seus elementos internos ou externos ou até mesmo a sua existência, demanda um esforço neste sentido. Cada vez mais se tem buscado compreender as organizações a fim de planejá-las para uma existência longa num mercado cada vez mais competitivo, onde poucos conseguem se manter e corresponder às expectativas dos investidores e dos consumidores.

Então, cada vez mais é primordial conhecer as organizações, seus pontos fracos ou fortes, seus limites, sua real capacidade de adaptação e inovação. Por isso, é necessário usar o maior número de instrumentos para conhecer e planejar as organizações a fim de que elas alcancem o que se propõem e minimizem as possibilidades de erro na tomada de decisão ou planejamento. E, para isso, é salutar que os mentores ou gerenciadores das organizações tenham conhecimento prévio ou que sejam assessorados por pessoas de outras áreas do conhecimento a fim de atingirem com excelência os seus propósitos.

Frente ao exposto, Morgan (1999) postula que é necessário ler as organizações das mais variadas formas e, para isso, na sua obra Imagens da Organização, apresenta metáforas para as organizações:

• as organizações vistas como máquinas;

• as organizações vistas como organismos;

• as organizações vistas como cérebros;

• as organizações vistas como cultura;

• as organizações vistas como unidades políticas;

• as organizações vistas como prisões psíquicas;

• as organizações vistas como fluxo e transformações;

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TÓPICO 2 | ORGANIZAÇÕES: DIVERSIDADES DE ENFOQUES

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Administradores eficazes e profissionais de todos os tipos e estágios, não importa que sejam executivos, administradores públicos, consultores organizacionais, políticos ou sindicalistas, precisam desenvolver suas habilidades na arte de “ler” as situações que estão tentando organizar ou administrar. (MORGAN, 1999, p. 15).

• as organizações vistas como instrumento de dominação.

Entretanto, é importante salientar que focalizaremos nossos estudos nas organizações vistas como máquinas, organismos, cérebros e cultura, em virtude da abrangência da obra de Morgan.

2.1 ORGANIZAÇÕES VISTAS COMO MÁQUINAS

Um sábio chinês chamado Chuang-tzu, que viveu no século IV a.C., relata a seguinte história:

Durante a viagem de Tzu-gung por regiões ao norte do rio Han, ele viu um velho trabalhando em sua horta. Ele tinha cavado um sulco de irrigação. O homem descia até o poço, pegava uma vasilha de água nos braços e despejava a água no sulco. Embora seu esforço fosse enorme, os resultados pareciam ser muito insignificantes. Tzu-gung disse: “Existe uma forma pela qual você pode irrigar uma centena de sulcos por dia, fazendo mais com menos esforço. Você gostaria de ouvir como?” O velho ficou de pé, olhou para ele e disse: “E qual seria ela?”.Tzu-gung respondeu: “Você pega uma alavanca de madeira, pesada atrás e leve na frente. Desse modo, a água pode subir tão rapidamente que vai praticamente jorrar. Isto é chamado de bomba d’água”. Então a raiva apareceu na face do velho, que disse: “Eu ouvi meu professor dizer que todo aquele que usa uma máquina faz todo seu trabalho como uma máquina. Aquele que faz seu trabalho como uma máquina desenvolve um coração que é como máquina e aquele que carrega, em seu peito, um coração de máquina perde a simplicidade. Aquele que perdeu sua simplicidade torna-se inseguro nas lutas da sua alma. Incerteza nas lutas da alma é algo que não combina com o sentido de honestidade. Não é que eu não conheça essas máquinas; eu tenho é vergonha de usá-las”. (MORGAN,1999, p. 21).

A partir do relato da breve história acima, é provável que o ancião ficasse desanimado ao ver que as máquinas influenciam em muitos aspectos a existência humana. Além disso, poderia até dizer que alguns aspectos da nossa vida são condicionados pelas máquinas.

Assim, se a mecanização trouxe ganhos elevados para alguns e para outros

significou a transição de uma produção artesanal para a industrial, a mecanização

IMPORTANTE

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teve um preço muito alto, haja vista o êxodo da comunidade rural para os centros urbanos, a degradação geral do ambiente, a agressão da racionalidade sobre o espírito humanístico e a exploração humana.

A palavra organização deriva do grego organon, que significa uma ferramenta ou instrumento. Há uma instrumentalidade evidente nas práticas das primeiras organizações formais, das quais se têm notícia, tais como aquelas que construíram as grandes pirâmides, impérios, igrejas e armadas. Todavia, é com a invenção e a proliferação das máquinas, particularmente durante a Revolução Industrial na Europa e na América do Norte, que os conceitos de organização realmente se tornaram mecanizados. Devido ao uso das máquinas, especialmente na indústria, foi necessário que as organizações passassem por um processo de adaptação.

Muitos grupos familiares que trabalhavam por conta própria, bem como artesãos habilitados, abandonaram a autonomia do trabalho corporativo nas suas casas e oficinas para labutar em atividades que exigiam relativamente pouca habilidade, em ambientes fabris.

A divisão do trabalho privilegiada por Adam Smith, no seu livro “A riqueza das nações” (1776), tornou-se crescentemente especializada, à medida que os fabricantes buscavam aumentar a eficiência, reduzindo a liberdade de ação dos trabalhadores em favor do controle exercido por suas máquinas e supervisores.

Muito foi aprendido através do militarismo que, pelo menos desde os tempos de Frederico, o Grande, da Prússia, emergiu como protótipo da organização mecanicista. Fascinado pelo funcionamento dos brinquedos mecânicos, e na busca de tornar o exército um instrumento confiável e eficiente, introduziu muitas reformas que serviram para reduzir os seus soldados a autômatos. Entre as reformas estavam a introdução de soldados rasos e uniformes, a extensão e padronização de regulamentos, especialização crescente de tarefas, o uso de equipamento padronizado, linguagem de comando e treinamento sistêmico que envolvia exercícios de guerra e disciplina. Sua tentativa visava transformar o exército em um mecanismo eficiente que funcionasse por meio de peças padronizadas.

Frederico desenvolveu o princípio de que os homens deveriam ser ensinados a temer os seus oficiais mais que ao inimigo. A nova tecnologia foi acompanhada e reforçada pela mecanização do pensamento e da ação humana.

Em 1832, Charles Babbage, inventor de uma das primeiras formas de computador matemático, publicou um tratado defendendo o enfoque científico da organização e da administração, bem como enfatizando a importância do planejamento e da adequada divisão do trabalho.

Com o passar do tempo, aprendemos a usar a máquina como uma metáfora para nós mesmos e a nossa sociedade, adaptando o nosso mundo em concordância com princípios mecânicos. Em nenhum lugar isso é mais evidente do que na organização moderna. Pode-se perceber isso na vida organizacional moderna a

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qual é constantemente rotinizada com a precisão exigida de um relógio. Espera-se das pessoas que elas cheguem ao trabalho em determinada hora, façam um conjunto predeterminado de atividades, descansem em horas marcadas e então retomem as suas atividades até que o trabalho termine. Em muitas organizações, um turno de trabalho substitui outro de maneira metódica de tal forma que o trabalho possa continuar continuadamente 24 horas por dia, todos os dias do ano. Desse modo, o trabalho se torna frequentemente mecânico e repetitivo.

Ao agir mecanicamente, o indivíduo enfatiza a rapidez (tempo) e o controle de tarefas específicas (produção). Sendo assim, o profissional é uma engrenagem e sua potencialidade corporal, desta forma, fica engessada e o raciocínio semibloqueado.

Qualquer pessoa pode observar o trabalho de produção em massa na fábrica, ou em algum grande “escritório-fábrica” que processa formulários de papel, tais como pedidos de seguro, devoluções de impostos, serviços bancários, e notará a maneira maquinal pela qual tais organizações operam. Elas são planejadas à imagem das máquinas, sendo esperado que seus empregados se comportem essencialmente como se fossem partes de máquinas.

As cadeias de “refeições rápidas” e organizações de serviços de muitos tipos operam de acordo com princípios semelhantes, sendo cada ação pré-planejada de maneira minuciosa, mesmo nas áreas que dizem respeito às interações dos empregados com outras pessoas. Esses empregados são frequentemente monitorados quanto ao seu desempenho em cumprir os códigos de instruções estabelecidos. Mesmo o mais simples dos sorrisos, cumprimentos ou sugestões feitos por um assistente de vendas são frequentemente programados pela política da companhia e ensaiados para produzirem resultados autênticos.

As organizações planejadas e operadas como se fossem máquinas são comumente chamadas de burocracias. Quando se fala de organização, habitualmente se pensa num estado de relações ordenadas entre partes claramente definidas que possuem alguma ordem determinada. Embora a imagem não possa ser explícita, fala-se de um conjunto de relações mecânicas. Verificam-se organizações como se fossem máquinas e, consequentemente, existe uma tendência em esperar que operem como tais: de maneira rotinizada, eficiente, confiável e previsível.

Assim, em algumas organizações o modo de ser mecânico da organização pode oferecer as bases para uma operação eficaz. Em outras, porém, pode ter consequências muito infelizes. É, então, importante compreender como e quando se está engajado em uma forma de pensar mecanicista e como tantas teorias populares e ideias tidas como certas sobre a organização apoiam esse tipo de

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pensamento. Um dos maiores desafios com que se deparam muitas organizações modernas é substituir esse tipo de pensamento por ideias e enfoques novos.

A mais importante contribuição a essa teoria foi do sociólogo alemão Max Weber, concluindo que as formas burocráticas rotinizam os processos de administração exatamente como a máquina rotiniza a produção. Weber definiu primeiramente a organização burocrática como uma forma de organização que enfatiza a precisão, a rapidez, a clareza, a regularidade, a confiabilidade e a eficiência, atingidas através da criação de uma divisão de tarefas fixas, supervisão hierárquica, regras detalhadas e regulamentos.

Para Weber, o tipo puro de organização burocrática é o mais eficiente no sentido técnico e o melhor aparelhado para exercer dominação sobre os seres humanos. Pode ser aplicado a qualquer tipo de situação e contexto. O seu traço mais racional é o exercício do poder com base no saber técnico.

Como sociólogo, Max Weber estava interessado nas consequências sociais da proliferação da burocracia e, como o velho Chuang-tzu da história contada anteriormente, estava preocupado com o efeito que ela teria sobre o lado humano da sociedade. Ele viu que a abordagem burocrática tinha a capacidade de rotinizar e mecanizar quase todos os aspectos da vida humana, corroendo o espírito humano e a capacidade de julgamentos independentes. Também reconheceu que ela teria graves consequências políticas ao minar o potencial de formas de organização democráticas.

Entretanto, Morgan (1999) aponta algumas forças e limitações da metáfora

da máquina. Para Morgan (1999, p. 37) o enfoque mecanicista da organização funciona bem somente sob condições nas quais as máquinas operam bem, ou seja:

a) quando existe uma tarefa contínua a ser desempenhada;

b) quando o ambiente é suficientemente estável para assegurar que os produtos oferecidos sejam os apropriados;

c) quando se quer produzir sempre exatamente o mesmo produto;

d) quando a precisão é a meta;

e) quando as partes humanas da máquina são submissas e comportam-se de acordo com o planejado.

NOTA

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Entretanto, pensar as organizações sob o enfoque da metáfora mecânica tem os seus pontos fortes, mas também há limitações. Em particular elas podem ser (MORGAN,1999, p. 38):

a) criar formas organizacionais que tenham grande dificuldades em se adaptar a circunstâncias de mudança;

b) desembocar num tipo de burocracia sem significado e indesejável;

c) ter consequências imprevisíveis e indesejáveis à medida que os interesses daqueles que trabalham na organização ganhem precedência sobre os objetivos que foram planejados para ser atingidos pela organização;

d) ter um efeito desumanizante sobre os empregados, especialmente sobre aqueles posicionados em níveis mais baixos de hierarquia organizacional.

Para efeito de ilustração, sugere-se o filme “Vida de inseto”. No filme podem-se ver as forças e as fraquezas da metáfora

mecanicista.

2.1.1 Paradigma mecanicista na formação humana

Para explicar as consequências do mecanicismo para a humanidade, extraímos um texto do livro “O Despertar da Inteireza”, da professora Marilda Olzbrzymek (2001, p. 61-65). Leia atentamente, boa leitura!

Não resta a menor dúvida de que o paradigma mecanicista trouxe avanços científicos e tecnológicos jamais vistos na história das civilizações. Surgiu num momento em que era necessário romper com dogmatismos e democratizar o conhecimento. Contudo, de alguma forma, a ciência e o racionalismo quase se transformaram numa religião e, como todo radicalismo é doente, o paradigma mecanicista trouxe também algumas consequências drásticas para a humanidade.

A ciência investe exorbitâncias em armamentos, enquanto uma grande parte da humanidade vive sem atendimento às necessidades básicas de sobrevivência, expressa na ineficiência das políticas públicas de saneamento

DICAS

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básico, saúde e educação adequada, falta de condições de moradia e ausência de respeito à condição humana. O comprometimento ambiental, causado pelo lixo atômico e industrial, pelo vazamento de reatores nucleares, pelo uso de agrotóxicos e pesticidas, pela destruição de florestas... degenera em grandes proporções o ar, a água e os alimentos, atingindo a espécie humana com altos índices de doenças nutricionais e infecciosas crônicas, cânceres, doenças genéticas e degenerativas. É o próprio homem destruindo o sistema ecológico do qual depende e, consequentemente, destruindo a si mesmo e à própria espécie.

É preciso que o humano seja resgatado, em nível planetário e, nesse momento, faz sentido recorrer a um pequeno trecho da música de Oswaldo Montenegro que diz:

Cada irmão, todo irmão de cada credo e cor, despertai!Se cada irmão, se todo irmão sem preconceito de credo e cor despertar Ganhar clareza e força dos elementos,da força da chuva, do vento e do solDiz o ditado, pior cego é aquele que não quer ver a um palmo esse farol...(MONTENEGRO, 2000).

A industrialização e a tecnologia robotizaram o humano e a valorização exacerbada de bens materiais levou a uma competitividade sem limites e à idolatria do ter. As pessoas possuem bens materiais, mas não têm qualidade de vida. A luta pela sobrevivência diante dos problemas sociais e econômicos caracterizados pelo desemprego, inflação, má distribuição de renda e esgotamento dos recursos energéticos naturais, produz consequências como a violência, o suicídio, o alcoolismo, as drogas, o desamor, a desunião. As pessoas não se olham mais, nem para si nem para o outro que convive a seu lado, vivem correndo contra o relógio, justificando a correria com a crença de que tempo é dinheiro. O sociólogo Boaventura dos Santos nos revela que:

Um relance pelas agendas políticas de diferentes países revela-nos que os problemas mais absorventes são, como nunca, problemas de natureza econômica... Contudo, em aparente contradição com isso, a teoria e análise sociológica dos últimos dez anos têm vindo a desvalorizar o econômico em detrimento do político, do cultural e do simbólico. Têm vindo a desvalorizar os modos de produção em detrimento dos modos de vida. (BOAVENTURA, 1997, p. 20).

Além da ciência como instrumento de controle da natureza, o paradigma mecanicista fragmentou o pensamento humano, supervalorizou o trabalho mental em detrimento do manual, enfatizou a especialização e o especialismo, produziu um mundo de certezas e previsibilidades e valorizou o conhecimento utilitário e funcional. Enfim, produzimos tecnologia tão sofisticada que agora somos movidos pelo medo e a impotência de lidar com tudo isso.

Na educação e também nas sociedades, embora alguns teóricos e pensadores já tenham acenado para concepções de mundo, de ser humano e

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TÓPICO 2 | ORGANIZAÇÕES: DIVERSIDADES DE ENFOQUES

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de conhecimentos mais dinâmicos, o que vivenciamos na prática tem origens e permanece de acordo com o pensamento mecanicista – o retalhamento do ser, do saber e do fazer humanos.

A escola reproduziu e ajuda a manter as estruturas dessa sociedade caótica. No sentido teórico, através da pedagogia tradicional, que valoriza as aptidões inatas e defende a transmissão e assimilação do conhecimento acumulado pela humanidade; ou pela pedagogia humanista, que valoriza o homem no seu aspecto “integral” e o conhecimento das coisas tais como são na natureza; ou ainda através de tendências pedagógicas como a tecnicista, que entende o homem como uma tábula rasa, na qual o comportamento pode ser instalado, e o conhecimento é visto como instrução programada com objetivo funcional e utilitário; ou como a interacionista, que privilegia o aspecto cognitivo do indivíduo e defende a construção do conhecimento pela interação do mesmo com o objeto de conhecimento, de acordo com a maturação biológica; seja ainda por tendências sociointeracionistas, que veem o homem numa dimensão mais dinâmica e, tal como o conhecimento, construído de forma histórica e social.

O que observamos na prática educacional cotidiana é permeado

pelos seguintes aspectos: compartimentalização do conhecimento através da fragmentação das disciplinas acadêmicas que separam o ser humano em cabeça, tronco e membros; ensinam a história como fatos isolados vivenciados e construídos apenas por grandes homens, sem interferência na vida do indivíduo; além disso, privilegiam as ciências exatas como a matemática, a física e a química em detrimento das humanas.

Geração de comportamentos preestabelecidos que ensinam a não questionar e não expressar pensamentos próprios, levando à passividade, incentivando a competição e a reprodução. Também classificam através de uma avaliação seletiva que premia os “acertos” e pune os “erros”, vinculando-se mais à geração de comportamentos do que à construção do conhecimento.

Metodologia obsoleta com aulas expositivas, exercícios de repetição,

decoreba – o aluno ouve, repete várias vezes e vomita tudo na avaliação. Conteúdo e produto são mais valorizados do que o processo de construção do conhecimento. A educação é vista como transmissão e assimilação de ideias prontas e acabadas, é uma “educação bancária e domesticadora”, como enfatizava Paulo Freire. O professor detém o saber, a autoridade, dirige o processo e representa o modelo a ser seguido.

Ênfase à racionalidade, estimulando muito pouco a criatividade, a comunicação espontânea, bem como a exploração corporal. Aliás, parece que a escola está “preparada” só para receber a cabeça do aluno, o corpo deve ficar do portão para fora. Os próprios espaços reduzidos e a distribuição dos mesmos levam à imobilidade, priorizando o aspecto cognitivo. Como nos diz Rubem Alves, é “[...] preciso unir o saber que vem da cabeça com a sabedoria que vem do mais profundo do nosso corpo”.

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O que se observa na realidade escolar é o desencantamento do educador, que continua a reproduzir uma prática que não traz prazer nem a ele, nem ao educando. Mas como falar de prazer para esse educador, geralmente fruto de uma formação deficiente, que o levou à reprodução de uma política educacional que emperra iniciativas, favorece o corporativismo e colabora para a baixa autoestima, marginalizando econômica, cultural e socialmente a pessoa do educador? A esse respeito, Hugo Assmann (1996, p. 19) nos revela que:

Não dá mais para silenciar o fato de que, também em instituições educativas, há tanta gente encalhada no mero negativismo que esse até parece ter virado um pretexto frívolo para a omissão e estagnação na mediocridade corporati vista. Está na hora de fazermos, sem ingenuidades políticas, um esforço para reencantar deveras a educação, porque nisso está em jogo a autovalorização pessoal do professorado, a autoestima de cada pessoa envolvida, além do fato de que a privação da educação representa, sem dúvida, na sociedade do conhecimento na qual já entramos, uma verdadeira causa mortis.

A educação hoje acontece de forma muito mais interessante fora da escola, através dos meios de comunicação e das necessidades reais da vida, do que dentro da escola, a qual continua a reproduzir modelos antiquados que se propõem a instruir e adestrar. Enquanto se cumprem tarefas mecanicamente e seguem-se regras sem questionar, atrofia-se a capacidade de pensar, refletir, comparar, sintetizar e emitir opiniões. Precisamos descortinar o potencial humano, a tecnologia nos permite alçar voos inimagináveis, mas é preciso colocá-la a serviço do ser humano com o objetivo de tornar sua existência plena de prazer e satisfação. A questão é que nem mesmo o aspecto instrucional ela está conseguindo atingir.

O caos está instalado! Onde buscar respostas? Que ações devemos desencadear para reverter esse panorama? Começar pela formação dos educadores, reencantando a função pedagógica? Que caminhos seguir? A questão é de cunho pessoal, social, político, cultural, econômico e alcança dimensões planetárias.

É importante, no entanto, salientarmos que já existem iniciativas que

buscam articular a fundamentação teórica com a prática, através de propostas pedagógicas que visam despertar a totalidade do ser, do saber, e do sabor do fazer humanos. Embora essas iniciativas estejam acontecendo de forma isolada e quase anônima, elas nos revestem de muita esperança. Esperança de um novo tempo para a caminhada.

Investigue se, na sua área de estudo, as ideias de Morgan serviram de referência para estudos.

DICAS

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TÓPICO 2 | ORGANIZAÇÕES: DIVERSIDADES DE ENFOQUES

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2.2 AS ORGANIZAÇÕES VISTAS COMO ORGANISMOS

Você estudou anteriormente, mesmo com as forças apontadas por Morgan, há uma série de limitações, a metáfora vista como máquina e até mesmo críticas a essa forma de pensar as organizações. Por isso, outra forma de pensar as organizações, conforme Morgan (1999), é conceber as organizações como sistemas vivos, as quais existem em um ambiente, mas para sobreviverem dependem da satisfação das suas várias necessidades. Assim, se olharmos para a natureza, veremos diversas espécies, cada qual com as suas particularidades, mas de modo geral, é possível ver no interior de cada espécie as que se adaptam, as que morrem, as que têm anomalias, dentre outras características.

Em virtude das limitações existentes na forma de pensar as organizações como máquinas, pensadores começaram a refletir sobre as organizações tendo como inspiração a biologia, principalmente a teoria de evolução de Darwin, da qual é possível abstrair algumas analogias, conforme já postulado anteriormente. Se, no mundo da natureza, a lei da sobrevivência ou do mais forte impera, onde somente os que se adaptam às contingências externas, no caso específico as organizações, pode-se dizer que elas estão em um ambiente de competição e, para sobreviverem neste cenário, precisam de habilidades para adaptar-se e inovar-se, pois, de certa forma, somente as mais adaptadas sobrevivem. Assim, esta forma de pensar permite encorajar para a necessidade de aprender a arte da sobrevivência corporativa tendo inspiração na natureza.

Desta forma, como analogia, ao olharmos para o mundo dos negócios é possível verificar diferentes tipos de organizações em diferentes tipos de ambientes que, conforme as suas características, se adaptam mais a uma estrutura do que à outra. Ou ainda, algumas organizações podem adaptar-se com mais facilidade e flexibilidade às contingências externas, outras simplesmente desaparecem por não conseguirem se adaptar ou encontrar novos meios para sobreviverem no seu habitat. Neste sentido, cada organização terá ambientes que lhe serão mais propícios para a sua existência, assim como na natureza algumas espécies se adaptam mais em determinados ambientes que outros. Assim, de acordo com Morgan (1999, p. 44):

Descobre-se que organizações burocráticas tendem a funcionar mais eficazmente em ambientes que são estáveis ou, de alguma forma, protegidos, e que tipos muito diferentes são encontrados em regiões mais competitivas e turbulentas, tais como empresas de alta tecnologia, nos campos aeroespacial e microeletrônica.

Entretanto, esta metáfora tem as suas forças e limitações. Assim Morgan (1999, p. 76), aponta as seguintes forças:

Usando a imagem de um organismo em constante troca com o ambiente, fica-se encorajado a assumir uma visão da organização aberta e flexível. [...] um segundo ponto forte da metáfora: a administração das organizações com frequência pode ser melhorada por meio da atenção sistemática às “necessidades” que precisam ser satisfeitas, caso a organização deva sobreviver. [...] uma terceira principal vantagem da

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metáfora é que, ao identificar diferentes “espécies” de organizações, fica-se alertado para o fato de que na organização sempre se tem um conjunto de opções. [...] uma quarta importante força da metáfora é que ela põe em evidência a virtude de formas orgânicas de organização no processo de inovação. Seria um exagero sugerir que as organizações mecanicistas não inovam, mas esse aspecto contém importante núcleo de verdade. As ideias exploradas [...] sugerem que, se a inovação é prioridade, então, as formas de organização flexível, dinâmicas, matriarcais orientadas por projeto ou orgânicas serão superiores à mecanicista burocrática.

Quanto às limitações, expõe Morgan (1999, p. 77-78):

A primeira delas reside no fato de que se é levado a ver as organizações e seus ambientes de maneira muito distante do concreto. [...] Uma segunda limitação da metáfora orgânica permanece na suposição da “unidade funcional”. Caso olhe para os organismos no mundo natural, descobre-se que se caracterizam por uma interdependência funcional em que cada elemento do sistema sob circunstâncias trabalha para todos os outros elementos. [...] A maior parte das organizações não é tão funcionalmente unificada como os organismos. E por fim, outra limitação da metáfora é o perigo de a mesma transformar-se em ideologia.

Enfim, pensar as organizações vistas como organismo, mesmo com as limitações, é uma maneira de verificar que certas organizações devem estar atentas às condições externas para acompanhar as mudanças a fim de se inovarem adequadamente e atenderem às necessidades externas, bem como se auto-organizarem. E, para efeito de ilustração, o que foi mencionado tem impactos no mundo dos negócios nos dias atuais. Então, leia atentamente o texto a seguir, retirado da HSM, e faça a sua análise no sentido de confrontar o que foi mencionado anteriormente com o que postula o texto.

AS EMPRESAS VIVEM

Se a sua parece não respirar, revitalize-a: basta que pessoas e grupos descubram e incorporem conceitos arquetípicos ao seu jeito de ser e à sua atuação – e, portanto, ao seu processo de gestão. Esse é o segredo dos deuses. Por Jair Moggi.

As empresas são organismos vivos por excelência. Em primeiro lugar, porque, sendo uma criação do ser humano – o ser vivo que é a obra-prima da natureza, podemos dizer –, têm com ele uma ligação ontológica, ou seja, a criatura divide aspectos comuns com o criador.

Antes de existir de fato, uma empresa já existe imaterialmente, na

mente de uma pessoa ou de um grupo de pessoas que têm como intenção um projeto, um ideal, uma ideia, um desejo ou um sonho. É como se fosse uma gravidez. É preciso lembrar que o que precede uma gravidez é muita emoção, como característica básica do ser humano vivo. Normalmente é o empresário

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que se “engravida” dessa ideia e ou engravida/seduz outras pessoas como futuros sócios, financiadores, clientes, fornecedores, familiares, amigos etc. A gravidez pode ser emulada por uma necessidade de mercado, o desejo de fazer algo diferente, a vontade de ganhar dinheiro prestando um serviço ou criando um produto para atender a uma necessidade humana específica – às vezes, até inconsciente.

Em algum momento “dessa gravidez”, as dores do parto se fazem fortes

e algo é parido no mundo. Qual é a primeira providência dos pais quando nasce uma criança? É ir ao cartório – à Junta Comercial, no caso – e registrar esse ser que o Direito Civil Romano, já há 2 mil anos, chama de “pessoa jurídica”. Na Junta Comercial, os pais têm de declarar o nome do novo ser (sua identidade), os sócios-fundadores (seus pais), entre outros requisitos.

Então, a empresa, como todo ser vivo ao nascer, já traz uma história

pré-natal, vem ao mundo impregnada dos valores e crenças das pessoas que a geraram, tem identidade e potenciais de realização, é depositária de sonhos e esperanças etc. Assim como o ser humano nasce, tem infância, adolescência, maturidade, velhice e desaparece fisicamente, também as empresas passam por fases de vida, ainda que possam não desaparecer fisicamente.

Todos os seres vivos, sejam pessoas físicas ou jurídicas, caracterizam-

se, entre outros aspectos, por apresentar processos vitais simultâneos para que seus objetivos possam ser atingidos. Desde que nasce até sua morte, o ser vivo está em constante processo de transformação e crescimento, sem perder sua identidade básica.

Entre as principais características do ser vivo que são observadas

também nas empresas – e cada vez mais – estão capacidade de reprodução e de regeneração, reação rápida aos impulsos externos, capacidade de aprendizado e desenvolvimento contínuo em seu nível de consciência, capacidade de adaptação rápida ao meio. O ser vivo, seja empresa ou indivíduo, é, além disso, interdependente, está sempre conectado com outros organismos e com o meio ambiente externos.

O ser vivo é composto por órgãos complexos (nos animais superiores há

coração, pulmão, estômago, rins etc.) e organiza-se a partir dos sistemas simples para os mais complexos, formando teias sutis e sensíveis numa verdadeira simbiose ou espírito de parceria, para que um todo exista de forma harmônica. Assim como há todo um sistema bioecologógico, podemos ver também que há um sistema ecológico empresarial.

Em determinado nível de complexidade do organismo, certos

componentes celulares são polivalentes, como os neurônios, que são capazes de assumir funções de outros neurônios. Essa polivalência tornou-se igualmente essencial no contexto empresarial nos dias de hoje.

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FONTE: HSM Management Update, n. 52, jan. 2008. Disponível em: <www.adigo.com.br/UserFiles/.../Artigo_HSM_update_jan_08.pdf>. Acesso em: 24 maio 2010.

Recebendo impulsos do exterior, o ser vivo é dependente do seu meio ecológico, nutrindo-se nele ou dele. Sua ligação com o meio vai além, pois recebe e procura estímulos e recursos, processando e devolvendo contribuições ao ambiente que poderão criar e suprir carências de organismos externos maiores ou menores. É orientado por forte instinto de sobrevivência, mantém funções vitais básicas como alimentação, digestão, reprodução, respiração e movimentação. Reproduz-se, evolui e se perpetua, aprimorando e sempre mantendo a ligação com o modelo original.

Analisando todos esses paralelos, é natural intuir que as empresas

funcionam como seres vivos também. É por essa razão que eles passam a ser, cada vez mais, um paradigma para modelos de gestão.

INFLUÊNCIA NO MODELO DE GESTÃO

Podemos comprovar com facilidade que algumas qualidades predominantes nos seres vivos jamais estarão presentes em modelos organizacionais baseados em princípios de rigidez que negam a vida, como a hierarquia tradicional ou os modelos mecanicistas de gestão que moldaram nossa civilização e nossa cultura empresarial atual.

Quando as empresas trabalham com base nos princípios do modelo de gestão orgânico, elas metamorfoseiam e incorporam na cultura empresarial as qualidades e características típicas de um ser vivo, passando a responder com agilidade e flexibilidade às necessidades do mundo externo, usando a intuição com a razão nas decisões e enfrentando as dificuldades de forma criativa.

Assim como nos demais organismos vivos, as células empresariais (indivíduos primeiro e grupos em segundo) têm no mesmo DNA os genes que orientam as pessoas e os grupos em direção à “chama sagrada da empresa”, à razão da sua existência, à sua missão, mesmo que cada uma pertença a um sistema ou processo organizacional diferente.

Isso é o que possibilita às empresas condições de sobrevivência, crescimento e desenvolvimento em um ambiente de competitividade acelerada, à semelhança dos seres vivos que fazem isso ao longo de todo o seu processo evolutivo.

Para as pessoas, o modelo celular ou de gestão orgânica cria condições e oportunidades concretas para o real aprendizado existencial individual e organizacional, revelando novos talentos, novas habilidades, agregando novas competências à cultura organizacional.

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FILME RECOMENDADO:Patch Adams: um estudante de medicina começa a usar amor e carinho como armas para ajudar as pessoas hospitalizadas, até que começa a despertar desconfiança e ciúme dentro da própria classe médica.Diretor: Tom Shadyac. Elenco: Robin Williams, Daniel London, Monica Potter, Philip Seymour Hoffman. Duração: 114 minutos. 1998.

2.3 AS ORGANIZAÇÕES VISTAS COMO CÉREBRO

É comum, atualmente, em certas áreas falar sobre neurociência, cérebro artificial, neurochip, ciências cognitivas, neuromarketing. Salienta-se que os estudos sobre o cérebro têm demandado esforços de diversos estudiosos e diversas áreas. Entretanto, destaca-se que o cérebro também serviu/serve de metáfora para entendimento das organizações. Conforme Morgan (1999, p. 83):

[...] o cérebro dessa forma, oferece uma metáfora óbvia para a organização. Particularmente se a preocupação é melhorar a capacidade de inteligência organizacional. Muitos administradores e teóricos organizacionais apenas tocaram superficialmente neste ponto, limitando a sua atenção à ideia de que a organização necessita de um cérebro ou uma função semelhante ao do cérebro [...] que sejam capazes de pensar para o resto da organização, controlar e integrar sobre tudo na atividade organizacional.

Neste sentido, no momento histórico que estamos vivenciando, principalmente em termos de mercado, observa-se que a competição tem se tornado acirrada, onde se disputa mercado através de fusões e incorporações, cliente a cliente e investe-se em pesquisa de ponta. Entretanto, diante deste contexto, postula-se que o sucesso de uma organização está no ser humano, designado por muitos de capital humano. Este Ser Humano que pretende fazer parte do mundo do trabalho, tem se deparado que é necessário conhecer a si mesmo, seus limites e suas potencialidades, e além do mais, estar sempre aprendendo. E isso vale também para as organizações, que precisam saber seus pontos fortes, seus limites e precisam, acima de tudo, estar aptas a aprender a aprender.

Diante disso, algumas questões se apresentam: As nossas organizações são capazes de aprender? O ser humano é capaz de aprender a aprender? Quais as principais barreiras para aprendizagem? Qual é o melhor momento para aprender (para as organizações e para você)? O que deve ser ensinado para as organizações e pessoas? Como fazer isso? O que as organizações e pessoas devem aprender sozinhas? Podemos aprender tudo?

DICAS

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Diante deste contexto a metáfora do cérebro é uma das formas de pensar as organizações principalmente no sentido de processar informações e ainda ser capaz de aprender, pois, de certa forma, pode-se auferir que as organizações são sistemas de processamento de informações, assim como o cérebro humano. A partir dessa concepção pensou-se na ideia de que é possível planejar tais organizações de forma que elas possam aprender a auto-organizar-se, como um cérebro em completo funcionamento. (MORGAN, 1999).

Desta forma, a ideia postulada nesta metáfora é de que a organização tendo capacidade de aprender será capaz de inovar, encontrar soluções e superar os desafios vigentes neste ambiente de constantes mudanças em que vivemos, pelo menos assim se espera. Neste sentido, o cérebro tem mostrado ter capacidade, via de regra, para se auto-organizar de diversas maneiras e de acordo com as necessidades postas. Conforme Morgan (1999, p. 101), “[...] o cérebro tem essa interessante capacidade de organizar e reorganizar a si mesmo para lidar com as contingências que enfrenta. [...] Os conhecimentos levam a ver o cérebro como um sistema no qual este desempenha parte importante em se autoplanejar no curso da evolução”.

Entretanto como mencionado nas metáforas já estudadas, esta metáfora também tem as suas forças e limitações, conforme Morgan (1999). Quanto às forças destacam-se:

a) é aprendizagem organizacional (pessoal) e a capacidade de se auto-organizarem;

b) a compreensão de como a administração estratégica pode ser planejada para facilitar o aprender a aprender;

c) ela oferece meios através dos quais podem ir além da limitada racionalidade que caracteriza muitas organizações presentes e nos quais há de se ver outro lado da capacidade cognitiva, capacidade holística, analógica, intuitiva e criativa do hemisfério direito do cérebro;

d) proporciona meios valiosos de pensar sobre como desenvolvimentos na computação e outras tecnologias em microprocessamento podem ser usados para facilitar novos estilos de organização.

Quanto às fraquezas identificam-se (MORGAN, 1999, p. 113):

a) existe um perigo de não se levar em conta importantes conflitos entre os requisitos da aprendizagem e auto-organização, por um lado, e das realidades de poder e controle, por outro;

b) o fato de que, desde que qualquer movimento no sentido da auto-organização deva ser acompanhado por importantes mudanças de atitudes e valores, as realidades do poder podem ser reforçadas pela inércia que vem das suposições e crenças existentes.

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Investigue em que os atuais estudos sobre o cérebro têm influenciado na maneira de pensar e agir na sua área de estudo.

2.4 AS ORGANIZAÇÕES VISTAS COMO CULTURAS

Caro(a) acadêmico(a), você já deve ter refletido que, com a globalização, houve aumento sobremaneira do comércio internacional. Desta forma, os profissionais de diversas áreas estão atentos à cultura das empresas de outros países e têm contatos ou, até mesmo, conhecem a cultura individual de cada membro que compõe a organização. Por isso, é importante perceber como cada indivíduo pensa ou raciocina, de que escola de pensamento é oriundo, ou ainda, que aspectos culturais são importantes para aquele com quem se deseja negociar ou entrar em contato.

Neste sentido, uma das formas de se ver as organizações é através da

metáfora da cultura. Vale destacar que a palavra cultura deriva do verbo latino colore, que significa cultivar, ideia de cultivo, do processo de arar a terra. Atualmente a palavra cultura pode ser utilizada de forma genérica e com muitos sentidos. Ou seja, cada povo pode, em períodos históricos diferentes, ter mudado a sua maneira de pensar, ver e agir no mundo. Assim como existem culturas milenares, há outras que passam rapidamente e, se assim podemos dizer, não passam de modismo.

No âmbito organizacional também se tem pensado neste sentido (cultura organizacional) e, para Morgan (1999), as questões culturais envolvem valores, crenças, ritos, mitos, do lugar e das pessoas que rodeiam a empresa. E neste sentido, pode-se dizer que os aspectos culturais influenciam o comportamento, a forma de agir e pensar e até mesmo planejar a organização.

O cientista político Robert Presthus sugeriu que vivemos atualmente numa “sociedade organizacional”. Seja no Japão, Alemanha, Hong-Kong, Inglaterra, Rússia, Estados Unidos ou Canadá, grandes organizações são capazes de influenciar a maior parte do dia a dia das pessoas de maneira completamente estranha àquela encontrada numa remota tribo nas selvas da América do Sul. Isso parece óbvio, mas muitas características da cultura permanecem no óbvio. Por exemplo, porque tantas pessoas constroem as suas vidas em torno de conceitos distintos de lazer e trabalho, seguem rígidas rotinas de cinco ou seis horas/dia por semana, vivem em um lugar e trabalham em outro lugar, usam uniforme, aceitam autoridade e gastam tanto tempo em um único lugar desempenhando um único conjunto de atividades. Para alguém de fora, a vida diária em uma sociedade organizacional é cheia de crenças peculiares, rotinas e rituais que identificam como uma vida cultural distinta quando comparada com aquela em sociedades tradicionais. (MORGAN, 1999, p. 116).

DICAS

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Então, numa empresa no Brasil, podemos ter pessoas oriundas de diversas culturas, embora com o mesmo propósito na empresa. Entretanto, em momentos de decisão ou nas ações do dia a dia da empresa, estas divergências podem entrar (ou não) em conflito, principalmente quando de origem cultural, formação, escola de pensamento, dentre outros. Ou ainda, essas diferenças culturais serão mais visíveis quando envolve empresas que não são do mesmo país.

Uma pessoa de negócios em uma visita internacional ou mesmo visitando um cliente ou outra organização no seu país pode muito bem ser aconselhada a aprender as normas que lhe permitirão sentir-se “nativo”. Por exemplo, visitando um estado árabe é importante compreender os diferentes papéis desempenhados pelo homem e pela mulher na sociedade árabe e as regras locais que dizem respeito à natureza flexível do tempo. Em geral, os árabes no seu país de origem têm reservas em negociar com mulheres. Eles também gostam de usar o tempo para construir a confiança nos negócios e sondar o relacionamento antes de tomarem decisões, recusam-se a ser apressados e não necessariamente veem um compromisso das duas horas da tarde como significando duas horas da tarde. (MORGAN, 1999, p. 133).

A metáfora da cultura também tem as suas forças e limitações. Quanto à força, nas palavras de Morgan (1999), temos:

a) enfatiza o significado simbólico ou mesmo “mágico” da maioria dos aspectos racionais da vida organizacional. Em termos gerais, esta metáfora centraliza a atenção sobre o lado humano da organização, que outras metáforas ignoram ou encobrem;

b) repousa sobre sistemas de significados comuns e, portanto, em esquemas interpretativos que criam e recriam esse sentido, abrindo-se um novo foco e caminho para a criação da ação organizacional. A metáfora da cultura orienta-se na direção de outros meios, criando atividade organizada pela influência do linguajar, normas, folclore, cerimônias e outras práticas sociais que comunicam ideologias-chaves, valores e crenças que guiam a ação;

c) interpreta a natureza e o significado das relações da organização com o ambiente. As organizações escolhem e estruturam o seu ambiente através de um conjunto de decisões interpretativas. Neste sentido, a natureza torna-se visível através da cultura;

d) ajuda a compreender a mudança organizacional, uma vez que mudanças também dependem da mudança de imagens e valores que devem guiar as ações, e não apenas de tecnologia, estrutura e habilidades.

Dentre suas limitações, aponta-se que a metáfora pode revelar-se manipuladora e totalitária na sua influência e todas as pessoas constroem ou representam as suas realidades, mas não necessariamente pela sua própria escolha. (MORGAN, 1999).

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TÓPICO 2 | ORGANIZAÇÕES: DIVERSIDADES DE ENFOQUES

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Caro(a) acadêmico(a), para aprofundar os seus estudos sobre MORGAN, consulte a obra completa “Imagens das Organizações”.

DICAS

• Alessandro Teixeira, da Apex-Brasil, conta a história de uma fabricante de cera depilatória que recebeu um pedido dos Emirados Árabes – onde mulheres usam burca. O produto foi embarcado com a embalagem tradicional, na qual havia a imagem das pernas de uma mulher. “A remessa voltou, e ela teve de reembalar e reenviar”, afirma Teixeira.

• Fabiano Gullane, da Gullane Filmes, é outro que passou por dificuldades por causa de diferenças culturais. O atrito começou durante as filmagens de uma coprodução entre Brasil, Japão e China. A produtora brasileira tem por norma filmar de dez a 11 horas por dia durante cinco a seis dias por semana. “Os chineses trabalham 15 a 16 horas por dia e não param até que terminem tudo”, destaca o empresário. Gullane contornou o problema entre as equipes e garante que a pendência foi resolvida.

FONTE: Adaptado de: Folha de São Paulo, domingo, 9 maio 2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/negocios/cn0905201005.htm>. Acesso em: 24 maio 2010.

Entretanto, caro(a) acadêmico(a), como mencionado anteriormente, Morgan avança nas suas ideias, analisando as organizações através de outras metáforas. Assim, acadêmico(a), nas organizações, além das metáforas apresentadas por Morgan, para finalizar, você conhecerá a metáfora da selva e da batalha, exposta por Solomon.

Pouca informação sobre cultura estrangeira pode acabar em gafe: Barreiras culturais estão entre os fatores que impedem o sucesso da negociação.

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LEITURA COMPLEMENTAR

É UMA SELVA POR AÍ

Solomon Entre os mitos e metáforas mais danosos da linguagem dos negócios estão

os conceitos darwinianos machistas de “sobrevivência do mais apto” e “é uma selva por aí”. A ideia subentendida, é claro, é que a vida de negócios é competitiva e nem sempre justa. No entanto, esse óbvio par de ideias é muito diferente das imagens “pega para capar” e “cada um por si”, rotineira no mundo dos negócios. É verdade que os negócios são e devem ser competitivos, mas não é verdade que precisam ser implacáveis ou canibalísticos, ou que “as pessoas têm de fazer qualquer coisa para sobreviver”. Algumas metáforas de animais são, sem dúvida, encantadoras – um chefe ocasional pode ser um “ursinho de pelúcia” e um negociador combativo é um “tigre” –, mas o mais das vezes elas são aviltantes. Empregados, executivos e concorrentes são descritos como cascavéis, ratos e uma ampla variedade de roedores. As corporações, por sua vez, são associadas a tanques de peixes, ninhos de cobra e brigas de gato e, às vezes, as imagens da flora da própria selva são invocadas. Mas, além da implicarem um uso errado da biologia e serem injustas com os animais, as metáforas da selva são ruins, em particular, para os negócios, que são (ou deveriam ser) tudo menos incivilizados, desprovidos de regras e governados pelo instinto assassino.

As batalhas brutais dos negócios

Semelhante à metáfora darwiniana, mas ainda mais machista e mais sintonizada com a natureza coletiva da maior parte da agressão e da competição humanas, é a conhecida metáfora da “guerra”, que ouvimos em tantas salas de conselhos corporativos. Muitas vezes se afirmou que as estruturas hierárquicas da maioria das corporações não só se assemelham a cadeias de militares de comando como foram moldadas por elas. O eticista militar Anthony Harde sugere que a perspectiva militar e, consequentemente, as metáforas militares são intrinsecamente nacionalistas, alarmistas, pessimistas, conservadoras e autoritárias. Num mundo coorporativo norte-americano, o chauvinismo substituiu o nacionalismo, mas em reuniões administrativas os empregados são mencionados como soldados e os concorrentes se tornam “inimigo”. A obediência costuma ser recompensada apesar da sua estupidez. Planos de ação são tipicamente chamados de “planos de ataque”, “estratégias de batalha”. [...] Entretanto, fazer negócios não é “guerrear” e a competição comercial, mesmo quando a sobrevivência da companhia está em jogo, não deveria ser confundida com a destrutividade mútua da guerra. O objetivo da competição nos negócios é produzir os melhores e menos caros produtos e serviços.

FONTE: Solomon (2006, p. 52-53).

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RESUMO DO TÓPICO 2

Caro(a) acadêmico(a), neste tópico você viu que:

• A vida organizacional social, de acordo com os propósitos mecanicistas, é constantemente rotinizada com a precisão exigida de um relógio. Aguarda-se que as pessoas cheguem ao trabalho em determinada hora, façam um conjunto predeterminado de atividades, descansem em horas marcadas e então retomem as suas atividades até que o trabalho termine.

• A mais importante contribuição sobre o estudo da burocracia foi do sociólogo alemão Max Weber, concluindo que as formas burocráticas rotinizam os processos de administração exatamente como a máquina rotiniza a produção.

• O próprio homem está destruindo o sistema ecológico do qual depende e, consequentemente, destruindo a si mesmo e à própria espécie.

• Na educação e também nas sociedades, embora alguns teóricos e pensadores já tenham acenado para novas concepções de mundo, ainda permanece o pensamento mecanicista – o retalhamento do ser, do saber e do fazer humanos.

• Para Morgan, é necessário desenvolver habilidades na arte de ler as situações

que se está tentando organizar e administrar.

• As metáforas elencadas por Morgan têm seus pontos fortes, mas também limitações.

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AUTOATIVIDADE

As perguntas, a seguir, referem-se aos principais pontos deste Tópico 2. Elas poderão ajudá-lo(a) a estudar e rever todo o conteúdo apresentado.

A partir da leitura do poema de Mário Quintana, “Das ampulhetas e das clepsidras”, responda às questões 1 e 2:

“Antes havia os relógios d’água, antes havia os relógios de área. O tempo parte da natureza. Agora é uma abstração – unicamente denunciada por tic-tac mecânico, como o acionar contínuo de um gatilho numa espécie de roleta-russa. Por isso é que os antigos aceitavam mais naturalmente a morte.”

1 Aplique a referência do poeta ao uso do cronômetro, fazendo uma avaliação do sistema mecanicista das fábricas.

2 Aceitar a condição que nos é imposta, de que devemos obedecer a um relógio, não seria ao mesmo tempo negar a vivência natural dos seres em organização social? Reflita e disserte.

3 Sintetize as principais ideias das metáforas do cérebro, da cultura e do organismo.

4 Aponte as ideias principais do texto complementar. 5 Ao agir mecanicamente, o indivíduo enfatiza a rapidez (tempo) e o controle

de tarefas (produção). Sendo assim, o profissional é uma engrenagem e sua potencialidade corporal, neste momento, fica engessada e o raciocínio semibloqueado. A afirmação refere-se ao pensamento:

a) ( ) Holístico.b) ( ) Mecanicista.c) ( ) Organicista.d) ( ) Pós-moderno.

6 Analise as afirmações a seguir e classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Em algumas organizações, o modo mecanicista pode oferecer bases para uma operação eficaz. Em outras, porém, pode ter consequências muito desastrosas. Frente a isso, um dos maiores desafios com que se deparam muitas organizações é substituir esse tipo de organização e pensamento por ideias e enfoques novos.

( ) Uma das críticas feitas ao modelo mecanicista pode ser observada no filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin.

( ) A abordagem do homem mecanicista implica dizer que o trabalhador é livre para pensar e apontar ideias inovadoras.

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Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V - V - F.b) ( ) V - V - V.c) ( ) F - V - F.d) ( ) V - F - F.

7 Entre as consequências do mecanicismo na educação podemos destacar:

a) ( ) Se incentivam os alunos a pensar de forma autônoma e crítica. b) ( ) A educação é vista como transmissão e assimilação de ideias prontas

e acabadas. Não se ensina o aluno a questionar e nem a expressar pensamentos próprios.

c) ( ) O conteúdo das disciplinas é ensinado de forma interdisciplinar. Os professores planejam as atividades em conjunto.

d) ( ) O aluno é ativo na construção do conhecimento e busca transformar o meio em que vive.

8 Uma das mais importantes contribuições deste sociólogo foi o estudo da burocracia. Ele concluiu que as formas burocráticas rotinizam os processos de administração exatamente como a máquina rotiniza a produção. Esta afirmação se refere a:

a) ( ) Guerreiro Ramos.b) ( ) Comte.c) ( ) Weber.d) ( ) Marx.

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TÓPICO 3

HOMEM CONTEMPORÂNEO: CONSCIENTE DA

QUALIDADE DE VIDA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

O sociólogo Alberto Guerreiro Ramos se distingue no cenário intelectual brasileiro como um intelectual de grande importância internacional. Nascido em 1915, na cidade de Santo Amaro da Purificação, Bahia, faleceu no dia 6 de abril de 1982, em Los Angeles, Califórnia, foi, em 1956, incluído pelo sociólogo clássico Pitirim A. Sorokin entre os autores eminentes que contribuíram para o progresso mundial da disciplina da Sociologia. Como professor, pesquisador e autor, Alberto Guerreiro Ramos esteve associado a quatro importantes instituições como DASP, ISEB/MEC, EBAP/FGV, University of Southern California (USC) e UFSC. Além da carreira acadêmica, exerceu mandato político como deputado federal.

Na concepção de Ramos, sobre a sociedade, as pessoas deveriam unir-se em grupos naturalmente pela comunhão e não pelo interesse – característica da solidariedade orgânica. Ele tinha um pensamento conservador, valorizava a cultura, a moral do homem, criticando a sociedade moderna que torna as pessoas extremamente utilitaristas, fúteis e egoístas.

FONTE: Disponível em: <http://www.historiadaadministracao.com.br/jl/ images/stories/Imagens/Guerreiro%20Ramos%202.jpg>. Acesso em: 24 maio 2010.

FIGURA 11 – ALBERTO GUERREIRO RAMOS

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UNIDADE 2 | PENSAMENTO DA SOCIOLOGIA EM ÁREAS DIVERSAS

2 EM DEFESA DA ABORDAGEM SUBSTANTIVA NAS INSTITUIÇÕES

Uma das fontes de inspiração para Alberto Guerreiro Ramos foi o pensamento do amigo John Pfiffner:

A teoria administrativa não pode mais legitimar a racionalidade funcional da organização, como tem feito amplamente. O problema básico do passado era superar a escassez dos bens materiais e serviços elementares. Nesse período, grande parte do esforço no ambiente de trabalho foi técnico e socialmente necessário e mesmo inevitável, o que não ocorre hoje. O que leva as organizações atuais às crises é o fato de que, por sua estrutura organizacional e forma de operação, admitem que antigas carências continuem a ser básicas, enquanto, na realidade, o homem contemporâneo está consciente de que as carências críticas pertencem a outro grupo, isto é, relacionam-se a necessidades além do nível de simples sobrevivência. Assim, o darwinismo social, que tem validado tradicionalmente a teoria e a prática da administração, tornou-se obsoleto por força das circunstâncias. Este artigo é uma tentativa de reavaliação da evolução da teoria administrativa. Usa modelos de homem como ponto de referência (isto é, o homem operacional, o homem reativo e o homem parentético).

A partir do final do século XIX vem ocorrendo uma dramática mudança de orientação nas abordagens à organização e ao trabalho. Nesse contexto, o influente sociólogo William Graham Summer afirmou que não haveria maneira de integrar o interesse de empregados e empregadores.

Verifica-se que uma atmosfera de crise envolve as organizações contemporâneas e se reflete na teoria que sobre elas foram formuladas. Tanto no campo profissional como no acadêmico, os indivíduos vivenciam progressivamente esta crise no seu dia a dia. No hodierno, o ambiente interno e externo das organizações é influenciado por um elevado grau de falta de clareza e confusão. Diversos estudiosos concluíram que está surgindo um novo modelo de homem cujo desenvolvimento e esclarecimento são essenciais para ultrapassar o estado crítico da arte e da teoria da administração. James Carroll, por exemplo, vê uma “[...] conscientização crescente” que está “transbordando e inundando [...] os sistemas sociais existentes”. Também revela o surgimento de um novo tipo de personalidade que não mais “[...] se ajusta facilmente à estrutura de valores organizacionais e institucionais baseada em percepções e interesses previamente fixados”. (CARROL, 1969, p. 493).

As orientações propostas por Carroll, entre outros autores, estão baseadas na ideia de que necessitamos um ponto de referência, para desenvolver algum senso de direção no trato com os problemas administrativos e perceber que tipos de circunstâncias sociais contemporâneas estão afetando atualmente cada indivíduo e as organizações. De fato, afirma Ramos, a história contemporânea está gerando um novo tipo de homem, o qual denominou de “o homem parentético”.

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Alberto Guerreiro Ramos procurou reavaliar a evolução da teoria administrativa, usando como pontos de referência modelos de homem, a saber, o homem operacional, o homem reativo e o homem parentético. Durante toda a história do estudo da administração, teóricos e profissionais escreveram e agiram, fazendo suposições acríticas a respeito da natureza do homem. Atualmente, porém, uma teoria administrava que não tenha consciência das suas implicações psicológicas dificilmente poderá ser aceita.

Na teoria administrativa o homem operacional corresponde ao Homo economicus da economia clássica, ao Homo sociologicus, amplamente adotado pelo modelo acadêmico de sociologia e ao Homo politicus que David Truman (1965), Christian Bay (1965) e Sheldon Wolin (1969) descreveram como o modelo predominante na ciência política vigente.

A validade do homem operacional está tacitamente aceita. Como recurso organizacional, essa abordagem implica: 1) um método autoritário de alocação de recursos, no qual o trabalhador é visto como ser passivo que deve ser programado por especialistas para atuar dentro da organização; 2) um conceito de treinamento como uma técnica para “ajustar” o indivíduo aos imperativos da maximização da produção; 3) uma visão de que o homem é calculista, motivado por recompensas materiais e econômicas e, como trabalhador, é psicologicamente diferente de outros indivíduos; 4) uma visão de que administração e teoria administrativa são isentas ou neutras; 5) uma indiferença sistemática às premissas éticas e de valores do ambiente externo; 6) o ponto de vista de que aspectos da liberdade pessoal são estranhos ao modelo operacional; 7) um conceito de que o trabalho é essencialmente um adiamento da satisfação.

Filme Recomendado:Mãos Talentosas: mostra a história de Ben Carson, neurocirurgião que se tornou um dos maiores nomes da medicina moderna. Acompanhando a juventude do doutor, a trama aborda sua luta para conseguir se formar e o apoio irrestrito que recebeu da mãe, nos momentos mais difíceis.

A alternativa para contrapor o homem operacional surgiu dos estudos de Hawthorne. Foi o início da Escola de Relações Humanas, que considerava o homem mais complexo do que consideravam os teóricos tradicionais. Os humanistas: a) tinham uma visão mais sofisticada da natureza da motivação do homem; b) não negligenciaram o ambiente social externo à organização e, por essa razão, definiram a organização como um sistema social aberto; c) perceberam o papel desempenhado, no processo de produção, pelos valores, sentimentos e atitudes.

DICAS

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O modelo de homem desenvolvido pelos humanistas pode ser chamado de “homem reativo”. Para os humanistas, como também para seus antecedentes, o sistema industrial e a empresa funcionam como variáveis independentes e, embora estivessem sempre preocupados com os trabalhadores e suas motivações, os objetivos buscados não foram realmente alterados. Eles desenvolveram procedimentos para a cooptação de grupos informais, o uso de ‘aconselhamento pessoal’ e habilidade para lidar com as relações humanas individuais com o objetivo de estimular reações positivas em consonância com as metas da empresa. Os humanistas percebiam o trabalhador como “um ser reativo” (RAMOS, 1984, p. 6), tendo como objetivo principal a adaptação do indivíduo ao contexto de trabalho e não seu crescimento individual. Isto ocasiona uma total inserção do trabalhador na organização, transformando-o no que W. H. Whyte Jr. chamou de “homem organizacional”.

Atualmente não é mais possível legitimar tal racionalidade funcional nas organizações, o que vem provocando questionamentos sobre o valor do homem operacional e de toda sua estrutura.

Já alguns aspectos do contexto operacional, deixados de lado no passado, estão recebendo, hoje, uma importante atenção. Por exemplo, agora o processo recebe maior atenção do que a estrutura; as tarefas do que as rotinas; estratégias ad hoc do que princípios e prescrições, bem como o que tem sido chamado de organização em mudança, organizações não hierárquicas e administração participativa.

Apesar disso, Ramos destaca que estes progressos são consideráveis, mas periféricos. Do mesmo modo, a atual teoria e práticas administrativas não são adequadas às necessidades presentes. Segundo Ramos (1984, p. 6), “[...] conceitos de mudança organizacional, por exemplo, são formulados em termos reativos, isto é, testados quanto à sua capacidade de responder acriticamente às flutuações de seus ambientes e sem assumir a responsabilidade pelos padrões de qualidade e prioridade desse mesmo ambiente”. Essa teoria reativa baseia-se em uma visão ingênua da natureza dos insumos e produtos. Considera que os insumos consistem em pessoas, materiais e energia, neutralizando os fatores ético e valorativo do ambiente, cuja racionalidade e legitimidade são simultaneamente ignoradas.

Outro aspecto envolve a integração indivíduo/organização. Os defensores da integração omitem o caráter básico, duplo da racionalidade. Em outras palavras, existe uma racionalidade cujos padrões nada têm a ver com comportamento administrativo. Trata-se da racionalidade substantiva, de Mannheim, que é um atributo intrínseco do indivíduo como ser racional, e nunca pode ser vista como pertencente a qualquer organização.

ATENCAO

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De fato, a racionalidade substantiva não está necessariamente relacionada a uma coordenação de meios e fins (razão funcional), do ponto de vista da eficiência. Deriva dos imperativos da própria razão, compreendida como uma faculdade específica do homem e que exclui a obediência cega às exigências de eficiência. Conforme Ramos (1984, p. 7), “[...] pode, historicamente, acontecer que um ‘alto grau de desenvolvimento na racionalidade pragmática’ coincida com um ‘alto grau de irracionalidade na esfera da razão substantiva’”. O nosso comportamento que ocorre sob o amparo da razão substantiva pode ser administrativo apenas por acaso, não por necessidade. A organização e seus líderes podem julgar se um comportamento é instrumental (funcional) para suas finalidades, mas nunca sua adequação à racionalidade substantiva. Com certeza, é privilégio da racionalidade substantiva julgar a organização. Por exemplo, é a tensão crônica entre as duas racionalidades que fez com que Daniel Ellsberg, tão inesperadamente, revelasse o conteúdo dos chamados documentos secretos do Pentágono (década de 80).

Para Ramos, o modelo do homem parentético pode prover a teoria administrativa de sofisticação teórica para enfrentar os desafios e problemas que provocam as tensões entre a racionalidade substantiva e a racionalidade funcional.

O sociólogo Karl Mannheim (1893-1947) teorizou sobre os tipos de racionalidade, vejamos.

FONTE: Disponível em: <http://www.nndb.com/people/431/000099134/karl-mannheim-3-sized.jpg>. Acesso em: 24 maio 2010.

Racionalidade funcional: diz respeito a qualquer conduta, acontecimento ou objeto, na medida em que esse é reconhecido como apenas um meio de atingir uma determinada meta. Sua influência ilimitada sobre a vida humana solapa suas qualificações éticas. Essa racionalidade tende a despojar o indivíduo [...] de sua capacidade de sadio julgamento. Ele vê um declínio de crítica do indivíduo, na proporção do desenvolvimento da industrialização.Racionalidade substantiva: é um ato de pensamento que revela percepções inteligentes das inter-relações de acontecimentos numa situação determinada, atos dessa natureza tornam possível uma pessoa orientada por “julgamentos independentes”. Essa racionalidade constitui a base da vida humana ética, responsável. É estreitamente relacionada com a preocupação em resguardar a liberdade. Nesta racionalidade seus pressupostos e seu sentido ganham importância, preferindo agir na esfera do “porquê”, participando da esfera do “como” apenas por acidente.

FIGURA 12 – KARL MANNHEIM

NOTA

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Na realidade, o homem parentético não pode deixar de ser um participante na organização. Mas, mesmo ele sendo um ser autônomo, não pode ser psicologicamente enquadrado como aqueles indivíduos que se comportam de acordo com os modelos reativo e operacional. O homem parentético possui uma consciência crítica altamente desenvolvida dos princípios de valor presentes no dia a dia. Na realidade, o adjetivo “parentético” é derivado da noção de Husserl de “em suspenso” e “parênteses”. A atitude crítica suspende ou coloca entre parênteses a crença no mundo comum, permitindo ao indivíduo alcançar um nível de pensamento conceitual e, portanto, de liberdade.

De acordo com Ramos, o homem parentético é simultaneamente um reflexo das novas circunstâncias sociais, que ocorrem principalmente nas sociedades industriais avançadas como a dos EUA, que irão prevalecer ocasionalmente pelo mundo inteiro. De fato, os padrões de comportamentos tendem a se difundir nas sociedades industriais avançadas e só existem residualmente em sociedades em estágios anteriores de evolução. Por exemplo, tais padrões somente puderam ser percebidos em indivíduos excepcionais como Sócrates, Bacon e Maquiavel, o que Lane (1966, p. 654) chama de “[...] diferenciação entre o ego do ambiente interno e o ego do ambiente externo”, o que lhes possibilitou perceber suas respectivas sociedades, excluindo-se do ambiente interno, quanto do externo, podendo, dessa forma, examiná-los com uma visão crítica, enquanto a massa da população adotava interpretações convencionalmente estabelecidas.

Na realidade, a exclusão equivale aqui a incluir, a colocar o ambiente entre parênteses. O homem parentético está apto a classificar o fluxo da vida diária para examiná-lo e avaliá-lo como um expectador. Afasta-se do meio familiar, tenta romper com suas raízes; torna-se um estranho em seu próprio meio social, possibilitando maximizar sua compreensão da vida. Em outras palavras, a atitude parentética é a capacidade psicológica do indivíduo de separar a si mesmo de seu ambiente interno e externo. Ele se desenvolve quando termina o período da ingenuidade social; o que Lane chama de sociedade “informada”, é o habitat natural do homem parentético.

O homem parentético está eticamente comprometido com valores que conduzem à primazia da razão substantiva, tendo uma relação com o trabalho e com a organização muito peculiar. Não se esforça demasiadamente para obter sucesso, segundo os padrões convencionais. Ele atribui grande importância ao eu e teria urgência em encontrar um significado para a vida. Não aceitaria acriticamente padrões de desempenho, embora pudesse ser um grande empreendedor quando lhe atribuíssem tarefas criativas. Não trabalharia apenas para fugir à apatia ou indiferença, porque o comportamento passivo vai ferir seu senso de autoestima e autonomia. Esforçar-se para influenciar o ambiente, para retirar dele tanta satisfação quanto pudesse. Seria ambivalente em relação à organização, “[...] sua ambivalência seria derivada de sua compreensão de que as organizações, como são limitadas pela racionalidade funcional, têm de ser tratadas segundo seus próprios termos relativos”. (RAMOS, 1984, p. 9).

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Na visão de Ramos, o reconhecimento da racionalidade funcional pela teoria administrativa não pode continuar. Anteriormente, o problema básico consistia em superar a escassez dos bens materiais e serviços elementares. Desse modo, grande parte do esforço no ambiente de trabalho foi técnica e socialmente necessária e até inevitável, o que não necessita hoje. Muitas crises nas organizações atuais vêm do fato de que sua estrutura organizacional e forma de operação admitem que essas antigas carências continuem sendo básicas.

Cada vez mais as pessoas estão conscientes da possibilidade de eliminação do trabalho desnecessário, condicionando suas atitudes para com o trabalho e a organização. Desse modo, é necessário que o desenvolvimento e a renovação da organização caminhem na tentativa de dar às pessoas uma sensação de verdadeira participação social.

Verifica-se que um dos problemas principais a ser considerado na administração global do sistema social é o esboço de novos tipos de organização ou novos padrões de trabalho. Na realidade, estamos vivenciando um sistema capaz de reduzir tarefas árduas até o ponto de completa eliminação do trabalho; todavia, muitas pessoas não estão levando em conta essa possibilidade concreta.

Alberto Guerreiro Ramos afirma que a grande maioria dos trabalhadores industriais não encontra a “motivação central de sua vida” em seu trabalho, havendo indicações crescentes de que suas vidas fora do trabalho sofrem influência da sua atual situação no emprego. Em outras palavras, seu descontentamento com o emprego pode gerar uma alienação da sociedade global.

A tecnologia, como uma força não controlada, pode ao invés de melhorar a qualidade de vida, colocar em perigo a viabilidade do homem como criatura racional. E, já que isso não é inerente à tecnologia, mas da estrutura política e institucional, está surgindo um novo nível de conscientização humana que estimula as pessoas a adotar comportamentos reativos. Desse modo, essas pessoas, principalmente os jovens, se sentem responsáveis pela redefinição das prioridades e metas tanto da organização como do sistema global para desenvolver suas próprias tendências e inclinações individuais, para consumir não apenas bens manufaturados, mas a própria liberdade. Paradoxalmente, a tecnologia é de fato o principal fator que contribui para essa revolução na sociedade moderna. (RAMOS, 1984, p. 11).

Atualmente a sociedade está cada vez mais se encaminhando em direção a estilos parentéticos de vida. E, muitos indivíduos, acadêmicos e profissionais estão tentando “derrotar ou desestabilizar” os sistemas administrativos tradicionais. Principalmente nas tentativas de projetos de organizações não hierárquicas e orientadas para a clientela, em órgãos e políticas voltadas para a proteção dos cidadãos e consumidores, bem como para o elevado crescimento de preocupações com questões da qualidade de vida humana no trabalho, preservação ambiental, autorrealização, desemprego, distribuição da riqueza e liberdade.

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LEITURA COMPLEMENTAR

CORAÇÕES E MENTES – UMA REFLEXÃO SOBRE MUDANÇAS Maria Rita Gramigna

Pausa do cotidiano

Um cotidiano agitado, voltado para a sobrevivência. Lei da selva. Trabalho, projetos de conquistas de espaço na vida, no mercado, na empresa. A mente não para, já proclamava Cazuza! Férias ao normal! Viver o natural!

O natural na descontração do rir à toa, andar sem destino, conversar fiado com desconhecidos, pular atrás do trio elétrico, andar de ônibus (e até gostar!), viajar de barco, fazer nada, acordar tarde, dançar, cantar, “viajar” ao som de uma viola, guardar para sempre o momento de êxtase ao fotografar o pôr do sol e o amanhecer, ver o mar, tomar uma cervejinha gelada sob 40 graus de calor, comer fruta no pé, andar com os pés no chão, sentir a suavidade da brisa fresca, alimentar-se de VIDA!

Pausa interrompida

Fim de feriado e retorno ao cotidiano do trabalho. E o retorno fez-me refletir sobre os “corações e mentes” que habitam em cada um de nós. Quem é mais poderoso? O coração ou a mente?

Em nossa vida carregada das normas que criamos sem perceber ou que nos são impostas sutilmente vamos, aos poucos, deixando nosso lado coração de lado. O descompasso faz com que nossa vida pessoal, a cada dia, vá descendo graus e graus na escala da qualidade.

A luta entre os hemisférios cerebrais

Cisão. Separação. A luta entre nossos hemisférios cerebrais é reforçada a cada dia. Enquanto o direito, do coração, diz “SIM” o esquerdo, da mente, retruca “NÃO VAI DAR CERTO!”.

Surgem então as dissociações, tão normais que acabam tornando-se naturais aos nossos olhos:

• “o discurso é um e a ação é outra”;

• “o sentimento diverge da expressão”;

• “os sonhos não chegam a se concretizar. São interrompidos pela realidade”;

• “sorrisos amarelos disfarçam insatisfações”;

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TÓPICO 3 | HOMEM CONTEMPORÂNEO: CONSCIENTE DA QUALIDADE DE VIDA

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• “máscaras mostram as mentes e escondem corações”.

Por onde andam a alegria, o lúdico, a satisfação e o prazer de viver? Roger Sperry, Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1981, comprovou cientificamente a lateralização dos nossos hemisférios cerebrais e suas áreas de comando: um dirige a mente e outro o coração.

O hemisfério direito, cujas funções são pouco estimuladas nas culturas ocidentais devido a condicionantes familiares, educacionais e culturais, é o NATURAL. Ele orienta as ações espontâneas, intuitivas, prazerosas, lúdicas, cooperativas, éticas e imaginosas. É ele que nos permite ter emoções e sensações de toda ordem. Sua presença manifesta-se através da habilidade de perceber o todo, reunir, agir com sabedoria dentro do paradigma holístico.

O esquerdo, aquele reforçado em nossa cultura é o NORMAL. Orienta as ações planejadas, lógicas, racionais e competitivas. Ele comanda nossa habilidade de julgar, medir, classificar, separar, discriminar. Faz-nos perceber as partes e ignorar o todo.

O homem-razão, o homem-mente predomina até hoje. Batalhas foram vencidas pelo hemisfério NORMAL. Mas, a guerra ainda está de pé! Observando as principais instituições vigentes no Brasil (escola, empresa, sindicato, governo) e grupos de interesse, podemos constatar que a postura dissociativa está presente e a predominância das ações é do hemisfério esquerdo.

A realidade empresarial no Brasil

As formas de gestão, na maioria das empresas, (públicas ou privadas) refletem o comportamento do homem normal:

• A administração participativa é implantada por decretos, ordens de serviço e normas internas (Participamos que daí para frente nossa nova estrutura será etc., etc. etc.).

• A espontaneidade, a brincadeira, o humor e o lúdico, muitas vezes são confundidos com “falta de seriedade no trabalho [sic]”.

• Alguns programas de gestão estão com seu enfoque voltado para conceitos e instrumentos de padronização e racionalização do trabalho relegando, em segundo plano, o investimento na educação e nos programas de desenvolvimento pessoal.

• A qualidade de vida na empresa é pouco cuidada, resumindo-se a planos de benefícios e algumas melhorias físicas e materiais.

• “Furar o olho” do colega é considerado até esperteza.

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• Raramente encontra-se um clima afetivo e de cooperação entre as pessoas.

• Áreas atropelam-se no jogo do “vence o melhor” (como se existissem várias empresas em uma só).

• A competição é interna, prejudicando a competitividade no mercado e gerando um clima insustentável.

• Promoções de colegas são contestadas a tal ponto que, mesmo diante da necessidade de enxugamento de áreas, alguns dirigentes incham a estrutura com “aspones, encarregados, supervisores, auxiliares do encarregado, substitutos dos substitutos”. Procuram fugir de seus algozes: aqueles que não foram promovidos e querem a sua cabeça.

• O estresse generalizou-se. Sintomas tais como colesterol alto, úlceras, enxaquecas, depressão e desânimo afetam um número significativo de pessoas que buscam o afastamento temporário do trabalho, por motivos de saúde.

• Gavetas estão com planos e projetos não implantados. O processo decisório é burocrático e lento em função das normas.

É, a situação está pouco animadora!

Em cada uma das ações citadas podemos constatar a influência da MENTE sobre o CORAÇÃO. Ainda não conseguimos trabalhar os dois hemisférios de forma harmonizada e integrada e isto se reflete em nosso modo de ser e agir.

E nós, onde vamos?

Como reverter este quadro?

É necessário mudar paradigmas. E mudar paradigma implica adotar e acreditar em novos valores construtivos. Tenho identificado aqui e ali, um novo homem: o HOMEM PARENTÉTICO. Ele apresenta atitudes e valores contrários aos do HOMEM ORGANIZACIONAL predominante nas últimas décadas. É o que veste a camisa da empresa, não tem hora para si mesmo e nem para as pessoas ao seu redor, adoece ou morre, pois nada mais faz a não ser brigar pelo poder ilusório de seu papel. Sua meta é a ascensão profissional. Talvez, em sua lápide fique bem a frase: “MEU NOME É TRABALHO”.

O HOMEM PARENTÉTICO chega aos poucos, e vai ocupando espaços com fluidez, sensibilidade, conhecimento, sabedoria e já apresenta vestígios de uma nova consciência.

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Quem é o novo homem parentético?

Ele está em todos os lugares e em diversas funções. Tem consciência crítica altamente desenvolvida das premissas de valor desenvolvidas no dia a dia. Consegue graduar seu fluxo diário, colocando-se tanto como espectador quanto como sujeito ativo, percebendo-se como parte importante de um todo maior. Romper raízes institucionais é mais vantajoso do que permanecer onde não é o seu lugar. Seu compromisso é com resultados. A urgência em obter um significado de vida faz com que ele busque melhorar sua qualidade de vida e se esforce continuamente para influenciar no ambiente. É preocupado com a ecologia ambiental e humana. Luta contra sistemas rígidos e burocráticos. Suas principais armas são: a fluidez, o desapego, a sensibilidade e um profundo respeito e amor pelos outros.

Para ousar interferir no ambiente empresarial temos um grande PODER: o poder da transformAÇÃO. Através do empreendimento de ações geradoras de resultados vamos obtendo adesões, podemos formar um exército de agentes multiplicadores de mudança. A descoberta do homem parentético que habita em cada um de nós pode ser o começo de tudo. Conhecendo-nos podemos enxergar os outros à nossa volta. E percebendo-os vamos trazê-los para o nosso lado.

Esses homens-parentéticos estão em todos os níveis hierárquicos da empresa. Sem querer se expor muito não se fazem notar pelos menos perceptivos. Mas o HOMEM MENTE-CORAÇÃO existe. E temos que contar com ele. Tenho a convicção pessoal de que só vamos conseguir atuar de forma efetiva neste processo quando começarmos a trabalhar nossa MUDANÇA PESSOAL. Podemos oferecer somente aquilo que temos e se não melhorarmos nossa qualidade de vida como acreditar na qualidade “fora de nós?”.

Como enfrentar com pique e motivação este momento real e normal em nosso dia a dia de trabalho? A força e a coragem estão em nós. A partir da mudança de posturas, atitudes, filosofia de trabalho, formas de lidar com os problemas e com a vida, encarando medos e dificuldades de forma natural e simples, podemos transformar nosso ambiente. A convivência harmônica e equilibrada de “corações de mentes” é possível. Temos um potencial ilimitado.

Tudo inicia na própria pessoa!

FONTE: Adaptado de: MARIA RITA GRAMIGNA. Disponível em: <www.portaldomarketing.com.br/.../Coracoes_e_Mentes_uma_reflexao_sobre_mudanca.htm>. Acesso em: 24 maio 2010.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Caro(a) acadêmico(a), neste tópico você viu que:

• Na sociedade as pessoas deveriam se unir em grupos naturalmente pela comunhão e não pelo interesse – característica da solidariedade orgânica.

• Guerreiro Ramos procurou reavaliar a evolução da teoria administrativa, usando pontos de referência de modelos de homem, a saber, o homem operacional, o homem reativo e o homem parentético.

• Conceitos de mudança organizacional, por exemplo, são formulados em termos reativos, não pró-ativos.

• A racionalidade substantiva, de Mannheim, é um atributo intrínseco do indivíduo como ser racional e nunca pode ser vista como pertencente a qualquer organização.

• O modelo do homem parentético pode prover a teoria administrativa de sofisticação teórica para enfrentar os desafios e problemas que provocam as tensões entre a racionalidade substantiva e a racionalidade funcional.

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Propomos para você um exercício de reflexão sobre sua própria prática diária tanto no ambiente de trabalho como na sua vida particular. Bem, responda às questões a seguir buscando se conscientizar sobre sua ação no dia a dia.

1 Procure identificar no seu dia a dia aquelas pessoas que Alberto Guerreiro Ramos apontava como sendo trabalhadores que somente trabalhavam por recompensas materiais e econômicas.

2 Que tipo de racionalidade está sendo exigida do gerente quando a empresa lhe dá um arbítrio maior na escolha da mercadoria a estocar? Explique.

3 Cargos administrativos em que os funcionários são obrigados a “bater ponto” às nove da manhã e seguir um conjunto de procedimentos precisos ditados pela administração são exemplos da exigência de que racionalidade na organização? Explique.

4 Na sua área de estudo o estilo de homem predominante é:a) ( ) Homem operacional.b) ( ) Homem reativo.c) ( ) Homem parentético.

5 Cite atividades profissionais em que predominam: homem operacional e homem parentético.

6 Na sociedade contemporânea não podemos mais incentivar somente o uso intensivo da racionalidade funcional, privilegiando os fins em detrimento aos meios. O homem contemporâneo está consciente de que carece de consciência crítica, estando ela relacionada à necessidade além do nível de simples sobrevivência. Diante deste contexto, verificamos que várias circunstâncias sociais contemporâneas estão afetando atualmente cada indivíduo e as instituições. Por isso, segundo o sociólogo Alberto Guerreiro Ramos, atualmente, está emergindo um novo tipo de homem, qual denominado de:

a) ( ) Parentético.b) ( ) Reativo.c) ( ) Colaborador.d) ( ) Homem Operacional.

7 Na teoria de Alberto Guerreiro Ramos, funções administrativas em que os funcionários são obrigados a “bater ponto” às oito da manhã, seguir um conjunto de procedimentos precisos ditados pela administração e não têm

AUTOATIVIDADE

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liberdade de expressão se encaixam no modelo de homem:

a) ( ) Operacional.b) ( ) Reativo.c) ( ) Parentético.d) ( ) Organicista.

8 Para o sociólogo Alberto Guerreiro Ramos, na teoria administrativa, o homem operacional é:

a) ( ) Um ser passivo que deve ser programado por especialistas para atuar dentro da organização.

b) ( ) Ágil e tem habilidades para lidar com relações humanas.c) ( ) Um sujeito ativo, percebe-se como parte importante da organização e,

por isso, é mais feliz e realizado.d) ( ) Esforçado, luta contra sistemas rígidos e burocráticos e é interessado

pelas questões socioambientais.

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TÓPICO 4

TRABALHO E EDUCAÇÃO

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

No decorrer da história, o trabalho em alguns períodos não foi visto com bons olhos. Porém, devido às necessidades, principalmente econômicas, a concepção de trabalho foi sofrendo mutações. Assim, se em um determinado período (Grécia e Roma antiga, ou Brasil colonial) o trabalho era executado pelos escravos, atualmente essa forma de trabalho não é mais adequada às necessidades econômicas e, inclusive, o trabalho escravo é tipificado como crime no art. 149, do Código Penal.

Na história, tivemos o trabalho escravo, servil e até mesmo do proletário. Entretanto, com a globalização e inovações tecnológicas, tem se discutido qual será o futuro do trabalho, quais competências e habilidades serão necessárias para se estar no mercado de trabalho no futuro. Ou até mesmo, como se tem postulado, se a educação é um dos caminhos de qualificação para o trabalho e em que se deve pautar.

2 TRABALHO NA HISTÓRIA: BREVES CONSIDERAÇÕES

Ao buscar entender o que significa trabalho, veremos que ele está, grosso modo, associado à labuta, tortura. Na Antiguidade não era visto como atividade digna e, sim, atividade para escravos.

A título de exemplo, na Bíblia, Adão e Eva vivem felizes até que o pecado provoca sua expulsão do paraíso e a condenação ao trabalho com o “suor de seu rosto”. Para Platão, a finalidade dos homens livres é justamente a “contemplação das ideias”. Em Roma escravagista o trabalho era desvalorizado. É significativo o fato de a palavra negotium indicar a negação do ócio: ao enfatizar o trabalho como “ausência de lazer”, distingue-se o ócio como prerrogativa dos homens livres. Na Idade Média, como registro, salienta-se que o trabalho era desenvolvido pelos servos e, inclusive no Brasil, até 1888, o trabalho poderia ser feito pelos escravos principalmente nas lavouras e, em troca de seu serviço, recebiam os 3 p: pano (roupa), pau (surra) e pão (alimentação).

Entretanto, com o surgimento do capitalismo, e este é regido pela necessidade de consumo dos bens produzidos, o trabalho escravo já não é mais compatível com este sistema. Surge o trabalho assalariado, desenvolvido pelos

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UNIDADE 2 | PENSAMENTO DA SOCIOLOGIA EM ÁREAS DIVERSAS

proletários, os quais em troca de salário vendiam a sua força física ou mental. E com este salário deveriam conseguir manter alimentação, moradia, saúde e dentre outros.

Conforme a CLT, art. 76, salário mínimo é a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do país, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte.

Para efeito de análise, em termos econômicos, primeiro se comprava um escravo e depois ele trabalharia. Ou seja, já se fazia o investimento inicial de comprá-lo, e já se tinha que dar casa, alimentação e cuidar da saúde, por mais rudimentar que fosse. Já o trabalhador assalariado, primeiro ele trabalhava e depois recebia o salário, com o qual tinha que se virar com alimentação, teto e outras necessidades.

O trabalho, em termos históricos, tem conotação de esforço, cansaço e por vezes atividade indigna para os seres humanos. Por exemplo: com a Revolução Industrial, mesmo que o homem fosse substituído pelas máquinas, os que ficaram trabalhando nas fábricas exerciam atividades monótonas e repetitivas. De acordo com De Masi (2003, p. 261):

Taylor e outros engenheiros progressistas consideravam o trabalho físico uma desgraça a ser eliminada com o aperfeiçoamento das máquinas e a adoção de uma administração científica: uma vez expurgada a fadiga brutal, o trabalho seria transformado em arte e perderia suas conotações bíblicas. Segundo Taylor, a monótona e alienante repetitividade da organização parcelizada constituía apenas uma passagem temporária e obrigatória que, reduzindo o trabalho humano à medida do trabalho mecânico, permitiria mais cedo ou mais tarde descarregá-lo sobre as máquinas, liberando os trabalhadores da sua condenação.

Além disso, desta pretensa ideia de liberar o homem do fardo do trabalho, tem-se cada vez mais implementado inovações que diminuem a participação humana na produção de produtos, a exemplo das fábricas, nas quais os robôs têm sido usados com mais frequência. Mas, de acordo com Brym et al. (2006), mesmo que o trabalho e a economia tenham mudado, com frequência no decorrer da história, o que se tem percebido é que as empresas buscam na sua essência diminuir custos e aumentar os lucros. Para isso, tem-se usado organizar o trabalho de forma mais eficiente e introduzir novas tecnologias. Mesmo com as incertezas sobre o futuro do trabalho, as empresas terão como propósito aumentar seus lucros, diminuir custos e eliminar sempre que possível o ser humano.

IMPORTANTE

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Para atingir os seus propósitos, as empresas introduziram a automação e a robótica em larga escala com a intenção de aumentar a produtividade, reduzir custos, manter-se no mercado e principalmente aumentar os lucros para os acionistas e os investidores. E nem que para isso, tenham que substituir demasiadamente a força de trabalho humana, principalmente no que tange ao aspecto físico. Neste sentido, Kurz (1993, p. 11) diz que:

A concorrência no mercado mundial torna obrigatório o novo padrão de produtividade, configurado pela combinação da ciência, tecnologia avançada e grandes investimentos. Tanto o mercado como o padrão, na sua forma atual, são resultados tardios e consistentes da evolução do sistema capitalista, que chegando a este patamar [...] alcança o seu limite, criando condições novas. Pela primeira vez o aumento de produtividade está significando a dispensa de trabalhadores também em números absolutos, ou seja, o capital começa a perder a faculdade de explorar o trabalho.

Vivemos em um cenário de complexidade, novas profissões têm aparecido com frequência e outras perdendo o espaço ou até mesmo sendo eliminadas. Face a isso, novos cursos são lançados frequentemente, novas oporTunidades e negócios surgem diariamente. Entretanto, novas são as exigências para os que querem fazer parte do mundo do trabalho e muitas ainda não se sabe quais serão. Ou ainda, o que tem preocupado muitas pessoas é o fato de a robótica ser usada para fazer as atividades antes feitas pelos homens, por isso muitos buscam novos campos de atuação ou ainda outros não sabem muito bem o que fazer.

Pesquise quais as profissões que desapareceram nos últimos anos e quais estão por findar, bem como quais profissões surgiram recentemente.

Ainda é salutar mencionar que com o desenvolvimento do capital fixo, através da inovação tecnológica, a riqueza tende a aumentar e o trabalho árduo e rotineiro tende cada vez mais a ser executado por máquinas. E, neste cenário, os homens tendem a ter maior tempo livre para se dedicarem a atividades espirituais e culturais, aquelas tidas como humanas.

A inovação tecnológica pode ser percebida em diversos setores da economia. Podemos perceber inovações no campo em que, até então, trabalhadores cortavam cana, colhiam o café, laranjas, trigo, arroz, feijão. Atualmente e de maneira constante são lançadas máquinas agrícolas que fazem o trabalho de dezenas de homens, com maior eficiência. Na indústria, diversos produtos são feitos em grande quantidade, sem a interferência humana ou ainda no setor de serviços, onde secretárias eletrônicas fazem o trabalho de diversas pessoas. Por um lado, para os empresários o uso da máquina é viável, pois produz em grande quantidade, não

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precisa pagar férias, FGTS, horas extraordinárias, licença-paternidade (ou faltas justificadas) e, além do mais, a máquina não fica estressada, mal-humorada, dentre outros comportamentos que fazem parte do ser humano. Por outro lado, temos o desemprego estrutural e outras consequências sociais.

Entretanto, este cenário tem levado a discussões que, de certa forma, postulam a necessidade de liberar o homem do trabalho árduo e repetitivo para que ele possa trilhar novos horizontes. Entretanto, se por um lado os avanços tecnológicos têm liberado o homem do trabalho, de outro, muitas questões merecem ser respondidas: O homem está se preparando para os novos horizontes do mundo do trabalho. Atualmente as pessoas têm trabalhado mais ou menos em relação a tempos passados. As pessoas estão tendo tempo para dedicar-se a atividades espirituais, culturais ou até mesmo atividades de voluntariado.

AUTOATIVIDADE

A partir da leitura deste tópico, responda às seguintes questões: 1 Qual a função do conhecimento na atualidade? 2 Qual a importância do conhecimento aplicado à sua futura profissão?

Além dos avanços tecnológicos que têm impactos no mundo do trabalho, outros cenários se fazem presentes no mundo do trabalho. Outros segmentos da sociedade têm sido incluídos no mercado de trabalho que, em períodos históricos, estavam ausentes desafiando as organizações a se redimensionarem em diversos quesitos. Por isso, leia atentamente o fragmento a seguir, “Mistura corporativa”, e posteriormente faça as suas reflexões.

MISTURA CORPORATIVA

Cresce a preocupação das empresas em promover a inclusão e a ascensão das minorias em seus postos estratégicos.

As mulheres são o principal alvo

Por Roberta Queiroz

Em janeiro deste ano, a executiva americana Ellen Kullman assumiu o cargo de CEO global da DuPont, gigante da indústria química. Foi a primeira mulher na empresa a alcançar esse cargo. Mas não deverá ser a última. Fruto de um longo trabalho de diversidade, a ascensão de mulheres a posições de liderança vem crescendo na empresa. Em 2003, elas representavam apenas 1% dos postos estratégicos na

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filial brasileira. Hoje, 14% dos cargos de gestão são ocupados por mulheres. “O nosso objetivo é manter o crescimento percentual da presença das mulheres em cargos de liderança de 2% ao ano, como vem acontecendo nos últimos três anos”, afirma Ana Cristina Piovan, diretora de recursos humanos da DuPont Brasil.

O movimento feito pela DuPont vem sendo, cada vez mais, acompanhado por outras companhias. Preocupadas em aumentar a diversidade de seus times, empresas de diferentes portes e setores estão empenhadas em criar estratégias de inclusão e ascensão não apenas de mulheres, mas das chamadas minorias. Segundo um levantamento feito pelo Instituto Ethos e pelo Ibope Inteligência, com o apoio institucional da Inter-American Foundation (IAF), em 2007, 79% das 500 maiores empresas do Brasil promoveram ações em favor da diversidade. Dois anos antes, apenas 52% delas se preocupavam com o tema. “Apesar de esse tipo de discussão não ser brasileiro, acabou chegando também aqui”, diz a antropóloga carioca Livia Barbosa, professora da Universidade Federal Fluminense. “O que era um assunto periférico passou a ser um tema importante.”

A discussão ganhou importância à medida que as empresas perceberam

que o discurso de “ser diferente”, mais do que bonito, realmente fazia diferença nos negócios. Há dez anos, um estudo realizado pela revista americana Fortune demonstrou que as ações de 50 companhias dos Estados Unidos que estimulavam a gestão da diversidade tiveram desempenho superior à média de mercado. De lá para cá, os olhos dos gestores começaram a se voltar para essa questão. “A diversidade não é mais uma política de RH, mas uma estratégia do negócio”, afirma Alessandro Bonorino, diretor de recursos humanos da IBM para a América Latina. “A principal vantagem é que isso permite ter o melhor time de talentos para enfrentar o mercado, também formado por diferenças.”

A IBM conta com anos de tradição na história da diversidade. Muito antes

de o assunto entrar na pauta de discussão dos movimentos sociais, em 1935, a empresa já havia iniciado a política de equidade salarial entre homens e mulheres. No Brasil, as ações ganharam mais foco em 2002. Com 17.000 funcionários na subsidiária brasileira, a companhia convidou os profissionais que fazem parte dos grupos de minoria a liderar junto com os executivos as iniciativas de diversidade. Foram criadas equipes de trabalho para discutir dificuldades e construir ações. São comitês de mulheres, portadores de deficiência, afrodescendentes e GLBTs (gays, lésbicas, bissexuais e transexuais). “Criamos esses grupos porque não são executivos tentando adivinhar as necessidades, mas as pessoas que vivem na pele as dificuldades encontradas no dia a dia”, afirma Bonorino.

Aproveitando a expertise de quem realmente entende das minorias, há

oito anos a IBM criou grupos de vendas para esse público. Com eles, a empresa fatura 500 milhões de dólares por ano em todo o mundo. “Para conseguir esses resultados, a IBM precisou contratar pessoas que integravam minorias e que pudessem apoiá-la em seu processo de aproximação com esse público”, afirma Ralph Arcanjo Chelotti, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos e vice-presidente da Região Sul da Federação Interamericana de Associações de

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Gestão Humana. Ao longo desses anos investindo em minorias, a IBM provou que a diversidade traz vantagem competitiva para o negócio. “É o que faz uma empresa ser ou não inovadora”, acredita Bonorino. [...]

Mulheres na linha de frente

Embora o tema diversidade inclua negros, homossexuais, portadores de deficiências etc., as mulheres parecem ser o alvo preferido das empresas. A história pode explicar esse fenômeno. Os negros e as mulheres foram os primeiros a se fazer ouvir, como consequência de seu pioneirismo na luta por direitos iguais. “Passou de um pedido de discriminação para um pedido de reconhecimento do direito às diferenças”, afirma Livia Barbosa. Hoje, tornou-se parte da estratégia de muitas companhias.

O plano de retenção e promoção da população feminina vem surtindo – a passos lentos, é verdade – seus primeiros efeitos. Segundo o Instituto Ethos, a presença de mulheres, que formam 43,5% da população economicamente ativa, saltou de 6% para 11,5% nos últimos oito anos. “O crescimento ainda é pequeno, mas já sentimos a evolução”, afirma Paulo Itacarambi, vice-presidente do Ethos.

Na DuPont, o primeiro passo na disseminação da diversidade também foi o trabalho de inserção nos postos de liderança. Para isso, a empresa investiu no desenvolvimento do time feminino para que, quando chegasse a hora, elas estivessem prontas para assumir as posições. Há sete anos, a empresa criou um programa chamado Network de Mulheres, pelo qual elas dividem experiências de carreira. Hoje, com os resultados já garantidos, o programa não existe mais. “Quando uma ação funciona naturalmente, não precisa mais da intervenção da empresa”, diz Ana Cristina Piovan, da DuPont. “Deixou de ser uma atribuição e passou a ser um compromisso das mulheres que já chegaram lá de preparar outras para também alcançar posições de liderança.”

Também na IBM, que mantém seus vários grupos de minoria, o investimento em desenvolvimento para garantir a ascensão de mulheres é uma das ações prioritárias. Com o treinamento denominado Tomando Palco, a empresa orienta as 100 profissionais com potencial de crescimento a se posicionar no mundo corporativo. A companhia também identificou 15 mulheres com potencial acima da média e desenhou programas específicos de desenvolvimento para elas. Um deles é o Programa Sombra, pelo qual elas acompanham outros executivos, recebem mentoring e podem mudar de cargo para adquirir experiência em outros setores. Hoje, as mulheres representam 35% do time da IBM. Nos cargos de gestão, elas já são 32%.

O horário flexível – adotado pela Unilever para segurar suas mulheres – também foi abraçado pela IBM e pela DuPont. Ambas perceberam que a flexibilidade de horários permite que as mulheres encarem de outra forma o trabalho. A IBM chegou a criar até um programa que dá suporte aos filhos dos funcionários, uma preocupação bastante presente na população feminina. O site Família 24 Horas ajuda as crianças na rotina escolar e conta com professores para tirar dúvidas.

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A Fersol, fabricante de defensivos agrícolas, foi além no plano de segurar suas funcionárias. Ainda quando ninguém falava no assunto, a empresa adotou a licença-maternidade de seis meses, esticada com mais um mês de férias. Para o pai, a licença é de dois meses, também com direito a completar com férias de 30 dias. Os processos de produção da empresa também foram revistos. Para que elas pudessem trabalhar em posições antes apenas ocupadas pelos homens, a Fersol colocou, por exemplo, máquinas na linha de montagem para carregar as caixas dos produtos. Antes, o trabalho era manual, impossibilitando que as mulheres fizessem esforço. Com as ações, as mulheres chegaram a representar 64% do quadro da empresa, que conta com 200 funcionários. Dos 13 cargos de liderança, oito eram ocupados por mulheres. A companhia chegou a ter de repensar a estratégia para manter o equilíbrio entre as populações.

A vez dos homossexuais

Desde 1996, a Fersol vem investindo em diversidade, passando a contratar pessoas que fazem parte de minorias. Na época, com 90% do quadro formado por homens brancos com idade entre 20 e 40 anos, a companhia começou a fazer parcerias com ONGs para selecionar mulheres, negros e portadores de deficiência. “A qualificação é fundamental, mas, quando não conseguimos um profissional que tenha todos os requisitos necessários para o cargo, criamos uma posição com menor responsabilidade para treiná-lo”, diz Michael Haradom, presidente da Fersol. “Dessa forma, conseguimos mudar a formação da empresa.” Já em 2004, a Fersol contava com 64% de mulheres, 53% de afro-brasileiros, 26% de pessoas acima de 45 anos, 3% de portadores de deficiência, 3% de homossexuais e 5% de pessoas em processo de liberdade assistida. No mesmo ano, a empresa bateu recorde em seu faturamento: 100 milhões de dólares.

Os homossexuais também foram conquistando seu respeito no ambiente corporativo. Prova disso é o crescimento de empresas que passaram a estender os benefícios do plano de saúde para parceiros do mesmo sexo. Segundo a terceira edição da pesquisa sobre benefícios de assistência à saúde da consultoria Watson Wyatt, em 2008 houve aumento de 13% na concessão da assistência pelas companhias em relação ao ano anterior, quando esse índice era de 20%.

Os especialistas fazem um alerta para esse tipo de ação. “Algumas empresas optaram por um caminho mais conservador, como oferecer benefícios”, afirma Klecius Borges, terapeuta de homossexuais. “Isso é importante para mostrar que elas se preocupam com essa questão, mas não vai eliminar a insegurança do profissional.” O mais importante, segundo ele, é tornar as políticas claras e educar os funcionários a praticar o respeito às diferenças.

Tendo a diversidade como um dos pilares de seu negócio, a DuPont deixa claro, desde o início, que não tolera o trato desrespeitoso. Assim que o funcionário entra, passa por treinamentos que envolvem a questão da diversidade. O código de conduta da empresa também inclui essa questão e estabelece padrões de convivência.

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FONTE: Disponível em: <http://revistavocerh.abril.com.br/noticia/conteudo_448482.shtml>. Acesso em: 12 maio 2010.

Além dos benefícios no plano de saúde, a IBM trabalha a conscientização para garantir um ambiente tolerante. Realiza palestras sobre o assunto nas quais os funcionários, que já viveram discriminação, contam suas experiências. No grupo de diversidade GLBT participam cerca de 20 profissionais. Uma das ações lideradas por esse grupo são os workshops com duração de três dias, voltados para as lideranças. Neles, os homossexuais se reúnem com executivos para discutir como acelerar a carreira. “É um mentoring reverso, no qual eles orientam os líderes sobre o processo de entendimento da vivência desse grupo”, explica Alessandro Bonorino.

Além das cotas Começou como uma exigência da legislação brasileira, que, a partir de 1999,

determinou que as empresas com mais de 1.000 funcionários tivessem 5% de seu quadro composto de pessoas com deficiência. A necessidade se transformou num desafio e tanto para os profissionais de recursos humanos, exigindo ações rápidas. Segundo o Instituto Ethos, programas para inclusão de pessoas com deficiência tornaram-se os campeões entre as ações afirmativas listadas em sua pesquisa. Em 2003, apenas 32% das empresas diziam possuir algum programa específico para essa finalidade. Em 2007, ano da pesquisa, 67% das organizações disseram “sim” à questão. A Unilever contratou uma assessoria especializada para recrutar os profissionais. Até o ano passado, a companhia saltou de 0,4% para 4,3% no número de funcionários com deficiência.

Uma alternativa encontrada pelas organizações foi a flexibilização das atividades. “Quando um profissional desse grupo não possui todos os requisitos para a função, flexibilizamos as exigências e criamos um plano de desenvolvimento para que eles fiquem aptos”, diz Ana Cristina, da DuPont. Preparada antes mesmo do decreto federal, a multinacional já atingiu a meta de 5%. O programa Network, que nasceu para as mulheres, agora migrou para os deficientes. Nas reuniões são trabalhados desde a formação dos profissionais até o relacionamento com os chefes. Ao todo, 200 pessoas participam do grupo no Brasil.

Desenvolver os deficientes também foi a solução encontrada pela IBM para incluí-los em sua força de trabalho. Em 2008, a empresa realizou uma parceria com o Instituto Eldorado, em Campinas, interior de São Paulo, para formar 20 profissionais em tecnologia, programação de sistemas e inglês. Para acelerar a capacitação dos profissionais e ter massa crítica para contratar, especialmente as pessoas com deficiência, a empresa está realizando um projeto em parceria com o Centro Paula Souza. “O perfil da IBM é mais alto que o de muitas indústrias. A maioria possui curso superior”, diz Bonorino. “Nosso desafio é investir na preparação de mais pessoas desde a base.” O desafio dele e de muitas outras empresas que buscam efetivamente levar o discurso de diversidade para a prática.

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Enfim, caro(a) acadêmico(a), o cenário do mundo do trabalho tem mudado constantemente, inovações tecnológicas, novos profissionais e oportunidades profissionais, a inclusão de pessoas no mercado de trabalho que até pouco tempo atrás não tinham oportunidades de ocupar um posto no mundo do trabalho. Entretanto este cenário tem levado muitos a postular que a educação é um dos meios para abrir portas para e inserir-se no mercado de trabalho que, em termos de futuro, não se sabe ao certo como será.

3 EDUCAÇÃO: PREOCUPAÇÃO PARA COM O TRABALHO

Caro(a) acadêmico(a), não podemos negar que estamos vivenciando um período de constantes mudanças em vários setores. E o mercado de trabalho não está imune a estas mudanças. Por isso, ao se refletir sobre o trabalho, é usual encontrarmos afirmações que dizem que a educação é um dos caminhos para os indivíduos poderem fazer parte do mercado do trabalho, pois várias foram as ideias postuladas para libertar o homem do trabalho. De certa forma, essas ideias têm se feito presentes quando as inovações tecnológicas, ou até mesmo máquinas e robôs, fazem os trabalhos que antes eram executados pelos homens. Neste contexto, a educação terá um papel relevante, pois de certa forma, ela terá que conduzir o ser humano para um novo contexto do mundo do trabalho que ainda não sabemos ao certo como será.

Entretanto, historicamente, a educação não necessariamente teve como finalidade educar para o trabalho, ou seja, as preocupações quanto aos propósitos de educação variam de época para época (necessidades do contexto) e de pensador para pensador.

Platão (TEIXEIRA, 1999), por exemplo, através do Mito da Caverna, postula

que a Educação tem como papel tirar o homem de seu estado de alienação. E para isso é dever do filósofo libertar o homem que está preso ao mundo das aparências e das imagens. A Educação, neste sentido, deve conduzir o homem à visão do Verdadeiro Ser a fim de superar as concepções ilusórias da realidade, e vislumbrar o verdadeiro mundo real, ou seja, o Mundo das Ideias. Educar consiste em ajudar o homem a ascender para o alto, a fim de poder contemplar o mundo superior, a episteme (conhecimento) e não o mundo da doxa (opinião). Ou ainda, de acordo com Aranha (1996, p. 148), “Platão, por exemplo, considera que a verdadeira educação ajuda o homem a superar a sua existência empírica, dimensão em que se encontra de certa forma asfixiado pelos sentidos e pelas paixões, e atingir a essência verdadeira, no mundo das ideias”.

No contexto medieval a preocupação com a Educação era objeto de reflexão, principalmente de pensadores que, de forma direta ou indireta, pensavam de acordo com as ideias vigentes naquele contexto. Neste sentido, ao retratar a educação medieval, diz Suchodolski (1992, p. 20), “[...] a verdadeira educação cumpre ligar o homem à sua verdadeira pátria, a pátria celeste, e destruir ao mesmo

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tempo tudo o que prende o homem à sua existência terrestre”. Ou ainda, Craver e Ozmon (2004, p. 65) apontam que, para Santo Agostinho, um dos pensadores medievais: “[...] o grande objetivo da educação [...] é a perfeição do ser humano e a derradeira reunião da alma com Deus [...] uma educação adequada direciona o aprendiz para um conhecimento que conduz ao verdadeiro ser, progredindo de uma forma inferior para uma forma mais elevada”.

A mentalidade moderna (como você já estudou anteriormente) teve impactos na Educação e, de acordo com Ponce (1988, p. 135), o ideal educativo do homem burguês era “[...] formar indivíduos aptos para a competição do mercado [...]”. Já para Marx, a Educação deveria seguir outros objetivos imediatos, entre os quais um “[...] era moldar uma consciência e uma sociedade socialista. Tal esforço foi bastante impulsionado por meio de uma educação que visava desenvolver um novo ser humano socialista”. (OZMON; CRAVER, 2004, p. 318). Esta Educação, postulada pelo ideal de Marx, não estava em consonância com os princípios dos burgueses, pois “o Estado Burguês usou a educação para finalidades da classe dominante, e não para as crianças, ou para uma sociedade mais livre e humana”. (OZMON; CRAVER, 2004, p. 319).

Ao investigar as propostas quanto aos objetivos da Educação, encontraremos as mais diversas e que, de forma direta ou indireta ou não, têm se feito presentes com maior ou menor intensidade no decorrer da história e não necessariamente estavam ligadas às necessidades do mercado de trabalho.

No caso do Brasil, ao nos remetermos à sua história, veremos que a Educação era privilégio de poucos, pois aqueles que não precisavam trabalhar e que eram descendentes de classes sociais privilegiadas dedicavam-se exclusivamente aos estudos, inclusive indo estudar no exterior. Já os que tinham que trabalhar para a sua subsistência, aprendiam o necessário para desempenhar o seu ofício.

Outrossim, na atualidade, pelo menos pela força da lei, na CF/88 este é um direito de todos, algo que na história, via de regra, era de direito de um número reduzido de pessoas, aquelas que tinham condições econômicas para dedicar-se aos estudos e com interesses predeterminados, tanto sociais, políticos e econômicos.

No Título VIII, Da Ordem Social, capítulo III, da CF/88 – Da Educação, da Cultura e do Desporto, Seção I, no quesito Educação, o art. 205 referenda que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Desta forma, em termos de norma, além de ser um direito, a educação deve visar ao pleno desenvolvimento da pessoa, e também deve prepará-la para o exercício da cidadania e qualificá-la para o trabalho.

Na LDB/96, encontramos no art. 2º, dos Princípios e Fins da Educação Nacional, o qual menciona que a “Educação é dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, e tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o

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exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Desta forma na LDB/96, conforme exposto, há primeiramente uma preocupação, em termos de lei, que a Educação esteja em consonância com o mundo do trabalho e com a prática social.

O art. 53, do ECA/90, prescreve que a criança e o adolescente têm direito

à Educação, como também esta deve visar ao pleno desenvolvimento da pessoa, prepará-la para o exercício da cidadania e ainda qualificá-la para o trabalho. Ou seja, essas ideias estão em sintonia com a CF/88 e a LDB/96 quanto às finalidades da Educação.

Na preocupação com a educação, em termos da legislação, postula-se que

ela prepare para o mercado de trabalho. Entretanto, os desafios à educação são os mais variados, principalmente na atualidade: as inovações acontecem rapidamente, atividades profissionais deixam de existir e outras aparecem num piscar de olhos. Neste sentido, a educação para o trabalho é desafiadora, pois deve-se educar, conforme a legislação, para o mercado de trabalho, incerto em termos de futuro, não se sabe como será e o que exigirá do indivíduo. E em termos estratégicos, uma nação com educação de ponta terá possibilidades ampliadas para competir com outras nações ou organizações. Porém, se a educação for frágil, principalmente no Ensino Fundamental, as organizações terão dificuldades de encontrar profissionais qualificados, não só tecnicamente, mas em termos de formação humana.

Atualmente tem se postulado que, via de regra, buscam-se profissionais

que estejam sobremaneira acompanhando as exigências e necessidades atuais. Assim, aos que pretendem ingressar no mercado de trabalho, há a necessidade de qualificação técnica, aprimoramento na formação humana nos vários quesitos (ético, científico, cultural) e, em última instância, atingir o ideal das virtudes humanas, num sentido aristotélico. Ainda tem se postulado que o ser humano almeja uma formação que possibilite enfrentar com maior tranquilidade e prudência os desafios presentes e futuros e que apresente soluções criativas e viáveis.

No art. 482, da CLT, a conduta inadequada pode ser motivo de dispensa

do trabalhador por justa causa. Assim a educação, tida como alicerce para que a sociedade se desenvolva, tem sido desafiada: em primeira instância, educar todos e fazer valer o propósito de Educação para Todos e, em segunda instância, possibilitar meios para que o ser humano esteja apto para enfrentar os desafios do mercado de trabalho, incertos para o futuro. Também, de certa maneira, deve alertar quanto às condutas que se esperam de um profissional, pois como consta na CLT, art. 482, a conduta inadequada constitui justa causa para rescisão do contrato de trabalho.

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Conforme a CLT, Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: a) ato de improbidade;b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa;h) ato de indisciplina ou de insubordinação;i) abandono de emprego;j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; l) prática constante de jogos de azar.Parágrafo único – Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.

Entretanto, se você, acadêmico(a), fizer uma investigação mais apurada sobre educação e trabalho seja ou não na sua área, é certo que encontrará diversas discussões sobre o assunto, seja em palestras, em artigos ou em livros. A título de ilustração e para incentivá-lo(a) à pesquisa, leia o breve trecho escrito por Peter Drucker, um dos pensadores de destaque no âmbito das organizações.

IMPORTANTE

A PESSOA INSTRUÍDAPeter Drucker

A sociedade pós-capitalista lida com o meio ambiente no qual os seres

humanos vivem, trabalham e aprendem. Ela não lida com a pessoa. Mas na sociedade do conhecimento na qual estão se movimentando os indivíduos são fundamentais. O conhecimento não é impessoal como o dinheiro. O conhecimento não reside em um livro, em um banco de dados, em um programa de software; estes itens apenas contêm informações. O conhecimento está sempre incorporado a uma pessoa, é transportado por uma pessoa, é criado, ampliado ou aperfeiçoado por uma pessoa, é aplicado, ensinado e transmitido por uma pessoa e é usado, bem ou mal, por uma pessoa. Portanto, a passagem para a sociedade do conhecimento coloca a pessoa no centro. Ao fazê-lo, ela levanta

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Caro(a) acadêmico(a), você percebeu que as inovações no mundo do trabalho são constantes, profissões surgem, outras padecem, surgem constantemente novos desafios, dentre outras. Entretanto, discussões têm ainda surgido no mundo do trabalho sobre o encontro de gerações diferentes no mercado de trabalho e isso tem levado as organizações a se adequarem também a este novo cenário que se apresenta. Por isso, o texto complementar é uma prévia de uma discussão sobre as gerações no mundo do trabalho, no caso em específico, da geração X e Y. Após a leitura do texto que segue, procure verificar quem são a geração X e Y na sua área de trabalho e algumas características próprias de cada um das gerações.

FONTE: DRUCKER, Peter. Sociedade pós-capitalista. São Paulo: Pioneira,1999. p. 205.

novos desafios, novas questões e novas perguntas, sem precedentes, a respeito do representante da sociedade do conhecimento, a pessoa instruída.

Em todas as sociedades anteriores a pessoa instruída era um ornamento.

Ela incorporava a Kultur – termo alemão que, em sua mistura de admiração e escárnio, é intraduzível. Mas na sociedade do conhecimento a pessoa instruída é o emblema, o símbolo, o porta-bandeira da sociedade. A pessoa instruída é o “arquétipo” social – para usar o termo sociológico. Ela define a capacidade de desempenho da sociedade, mas também incorpora seus valores, crenças e compromissos. Se o cavaleiro feudal era a mais clara personificação da sociedade no início da Idade Média e o “burguês” a do capitalismo, a pessoa instruída irá representar a sociedade na sociedade pós-capitalista, na qual o conhecimento tornou-se o recurso principal.

Isso deve mudar o sentido da expressão “pessoa instruída”. E deve mudar o próprio significado de ser instruído. Assim, a definição de “pessoa instruída” tornou-se uma questão crucial. Com a transformação do conhecimento em recurso-chave, a pessoa instruída enfrenta novas demandas, novos desafios, novas responsabilidades. A pessoa instruída agora é importante.

Nos últimos dez ou quinze anos, os meios acadêmicos vêm discutindo acaloradamente sobre a pessoa instruída. Deve haver uma! Ela pode existir! E o que deve ser considerado “instrução”!

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UNIDADE 2 | PENSAMENTO DA SOCIOLOGIA EM ÁREAS DIVERSAS

QUEM É A GERAÇÃO YPilar GarcíaGuido SteinJosé Ramon

Estudo de Pilar García, Guido Stein e José Ramón, especialistas do IESE, explica o que motiva os profissionais nascidos nos anos 80 e 90 e o que eles esperam dar às empresas, a partir da análise do contexto em que cresceram e das mudanças sociopolíticas por que passaram.

Pela primeira vez na história do mercado de trabalho, as organizações estão acolhendo pessoas cujas idades cobrem um espectro de mais de 40 anos. Essa tendência vai aumentar na próxima década, devido ao necessário prolongamento dos anos de trabalho motivado pela escassez de profissionais. Na União Europeia, por exemplo, a porcentagem de pessoas entre 65 e 90 anos saltará dos 16% da população total registrados em 2000 para 21% em 2020, enquanto aquelas entre 15 e 24 anos representarão apenas 11%. Diante disso, vários países europeus decidiram começar a regulamentar a permanência de trabalhadores além das idades “clássicas” de aposentadoria e a integrar outros grupos tradicionalmente marginais, como mulheres e imigrantes.

Trata-se de um contexto em que a gestão da diversidade passa a falar mais alto, não por razões humanistas, mas por ser um imperativo dos negócios. Fora da União Europeia, mesmo em países mais jovens e em economias emergentes, também deparamos com a diversidade. Mas ela tem outra característica: a convivência forçada, porque necessária, de diferentes gerações de funcionários.

Para administrar bem tal convivência, é imprescindível conhecer suas motivações e seus valores, especialmente os dos recém-chegados, ou seja, o grupo que poderíamos denominar recém-formados em sentido amplo: a geração Y, nascida nos anos 80. Só compreendendo o contexto em que seus membros cresceram, as tendências culturais às quais estiveram expostos e as mudanças políticas e sociais por que passaram será possível compreender o que os motiva e o que são capazes de oferecer. [...]

QUEM É QUEM

A mera proximidade de idade não basta para considerar um grupo parte da mesma geração. É necessário identificar um conjunto de vivências históricas compartilhadas – obviamente, de caráter macrossocial – que determinam alguns princípios de visão de vida, contexto e, certamente, valores comuns. Sob essa lógica, podemos afirmar que estamos em um momento em que quatro gerações trabalham e convivem nas empresas, cobrindo um espectro de mais de 40 anos,

LEITURA COMPLEMENTAR

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TÓPICO 4 | TRABALHO E EDUCAÇÃO

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cada uma com aspirações e contratos psicológicos diferentes com o empregador.

Focalizaremos duas gerações em particular, a X e a Y, especialmente nos Estados Unidos e na Espanha, onde desenvolvemos a pesquisa.

GERAÇÃO X

Os integrantes da geração X são as pessoas nascidas entre meados dos anos 60 e início dos 80. Essa geração viveu momentos importantes na política: a Guerra Fria, o ataque dos Estados Unidos à Líbia, a perestroika precipitando a queda do Muro de Berlim.

Foi a época dos últimos grandes estadistas, como Mikhail Gorbatchov, Ronald Reagan, Margareth Thatcher, ... As pessoas X não veem o êxito da mesma forma que seus pais. Ao contrário, nutrem certo cinismo e desilusão em relação aos valores deles. São mais céticas, mais difíceis de atingir pelos meios de comunicação e marketing convencionais. É a geração da MTV, do Nirvana, das Tartarugas Ninjas e da junky food.

Do ponto de vista social, alguns acontecimentos marcaram essa geração, entre eles o aparecimento da Aids, em 1981. Essa doença provocou um posicionamento ideológico de dimensões muito relevantes, provavelmente nunca associado a uma enfermidade, tendo assim grande influência na mudança de pautas de comportamento da geração seguinte.

Diante de tal panorama de incerteza e sensação de mudança, não é de estranhar que, ao ir ao cinema, esses jovens tenham assistido a Blade Runner (1982), um dos maiores expoentes do movimento cultural conhecido como cyberpunk. A atual geração Y possivelmente desconhece que as origens ideológicas de alguns de seus ícones culturais, como Matrix, venha diretamente dessa visão apocalíptica e obscura, própria da evolução do movimento punk.

Compreendemos agora, em parte, a surpresa dos X quando, no início do século XXI, ficaram privados de seu protagonismo como “a geração que viveu a grande mudança cultural”. Porque essa mudança, mesmo que pareça mentira, ficou antiga em menos de dez anos.

Os Y veem a experiência dos X como “ruptura e evolução”, uma antiguidade a mais. Em certa medida, a geração Y roubou os sonhos da geração X e a destronou antes que esta tivesse tempo de reagir. E o fez em resposta, precisamente, ao que viu de seus irmãos mais velhos ou de seus pais, aos modelos que lhe foram propostos. De certa forma, pode ser que a falta de compreensão dos valores e motivações dessa geração provenha de uma espécie de animosidade por parte dos membros da geração X.

Em meados da década de 80, surgiu uma subcategoria da geração X, os yuppies (acrônimo do inglês young urban professionals, ou jovens profissionais urbanos). É um segmento caracterizado pelo alto poder aquisitivo e paixão pelo

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sucesso social, profissional e econômico.

No final dos anos 80, o termo yuppie começou a incorporar conotações negativas, fruto do esgotamento de um modelo e estilo de vida que propunha certo “vale-tudo” para o êxito social e econômico.

Os yuppies que levaram ao extremo sua filosofia são os dinkies (double income no kids yet, ou duas rendas, sem filhos ainda): casais que adiam a criação de uma família para se dedicar exclusivamente a suas carreiras, porque não se sentem capazes de educar os filhos ou simplesmente porque não gostam de crianças. Costumam ser profissionais de alto nível e suas motivações estão relacionadas com a manutenção de seu nível socioeconômico.

Têm sido fortemente criticados pela atitude egoísta e hedonista, em que o consumismo prevalece sobre outros valores, como os familiares.

GERAÇÃO Y

A nova geração abrange os nascidos nos anos 80 e 90. Os mais velhos estão chegando aos 25; os mais jovens acabam de sair da adolescência. Trata-se de uma geração de filhos desejados e protegidos por uma sociedade preocupada com sua segurança. As crianças Y são alegres, seguras de si e cheias de energia. É a geração dos Power Rangers e da internet, da variedade, das tecnologias que mudam contínua e vertiginosamente.

A geração Y só conhece a democracia, e as histórias sobre a transição, na Espanha, da ditadura para o estado atual [o que se aplica perfeitamente ao Brasil] começam a lhe soar como batalhas de seus pais. Não deixam de se surpreender com o fato de que a geração anterior tenha sobrevivido sob a tirania de poucas redes de televisão, sob controle governamental estrito, e com telefones pregados na parede.

Possivelmente a velocidade das mudanças vividas pela geração Y, ao lado de importantes transformações sofridas por seus pais, introduziu um salto qualitativo que os Y ainda estão digerindo (e que deixa perdidos os X, seus pais e praticamente seus criadores). É indigesto para um X ouvir de um Y que recusou uma oferta de trabalho com alto salário porque esta não lhe permitiria desfrutar a vida pessoal.

Na geração Y não ocorreu uma ruptura social evidente; não houve Woodstock nem maio de 1968. Os Y são silenciosos e contundentes, parecem saber exatamente o que querem. Eles não reivindicam: executam a partir de suas decisões, dos blogs e dos SMS.

Não polemizam nem pedem autorização: agem. Enquanto os X enfrentam

o mundo profissional com relativo ceticismo, os Y adotam uma visão mais esperançosa. Seu alto nível de formação os torna mais decididos. Sua atitude diante da hierarquia é cortês, mas não de estrito respeito ou amor/ódio, como a

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das gerações anteriores.

A integração dos Y às empresas está sendo especialmente complicada. Suas expectativas são novas e eles se consideram “a geração excluída”.

Chegaram ao mundo em clima de mudança, transformação e certo desassossego político. Quase sempre são filhos únicos ou têm poucos irmãos. Possivelmente suas mães trabalham e ainda não entenderam a importância (ou a possibilidade de) conciliar vida pessoal e profissional. Talvez acreditem ser supermulheres e seus modelos profissionais oscilem entre a abnegada e empreendedora Melanie Griffith e a implacável e ambiciosa Sigourney Weaver, do filme Uma Secretária de Futuro.

Esses jovens, além de ver televisão, começaram a dar seus primeiros passos com os computadores de seus pais ou irmãos: a tecnologia nunca vai ser um problema para eles. Cerca de 91,6% dos que têm entre 16 e 24 anos são usuários da internet, porcentagem que cai para 63,4% no caso das pessoas entre 35 e 44 anos. Já se acostumaram ao bombardeio de imagens, à informação imediata e visual, à realidade em 3D. Não desenvolveram a paciência e a laboriosidade, e sim o “ já” e o “agora”. Não aprenderam a desfrutar um livro, uma vez que podem obter a mesma informação em minutos, com um clique. É uma geração de resultados, não de processos. E do curto prazo: eles sabem, por experiência, que as coisas, as informações, as novidades morrem em pouco tempo – até mesmo a ordem mundial, que parecia tão imutável. Alguns especialistas afirmam até que essa geração desenvolveu mais o hemisfério direito do cérebro. Parece que os estímulos da internet e dos videogames se dirigem a esse hemisfério, enquanto atividades como leitura exigem o uso do esquerdo.

Mesmo que essa interpretação esteja errada, fica claro que a geração Y responde a estímulos e motivações diferentes dos que moviam seus antecessores. Por exemplo, para eles, o futuro já não é uma ameaça insondável em mãos de megacorporações; ele simplesmente não existe. Essa visão apocalíptica se incorporou aos videogames e os jovens Y se sentem à vontade com ela.

Outra diferença importante: se as gerações anteriores se caracterizavam por receber as mensagens, as modas, a música de modo uniforme, a Y, ao contrário, destaca-se pela diversidade. Não que a geração Y não tenha nenhuma tribo ou subgrupo. Ela tem, sim. É a elite urbana, que, de alguma forma, cristaliza seus valores e estilos de vida: são os CBP (cosmopolitan business people, ou pessoas de negócios cosmopolitas). A globalização está criando um coletivo social transversal, situado em todo o mundo (ou quase todo), com traços homogêneos, independentemente da origem cultural, racial ou geográfica.

Características comuns diferenciam essa tribo de outros coletivos. Entre as mais significativas estão:

• Costumam conhecer vários idiomas. Concretamente, seu inglês é fluente, mesmo

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não sendo sua língua materna.

• Seu nível de educação é alto. Têm pós-graduação (MBA ou mestrado) ou especialização em alguma instituição de ensino superior de prestígio.

• De idade mediana, poderiam se manter CBP a vida toda, apesar de ser possível que até os 50 anos variem suas metas e objetivos vitais.

• São solteiros ou casados com poucos filhos. Às vezes o casal também é um CBP. Suas famílias tendem à instabilidade.

• A rede de amizades e conhecidos está distribuída por todo o mundo ou em região ampla.

• Raça, nacionalidade e religião são secundárias. Os laços profissionais ou de gostos pessoais é que contam.

• No mercado de trabalho, possuem experiências multinacionais, facilitadas pela educação e pelo nomadismo profissional. Suas raízes geográficas são fracas e não limitam sua mobilidade.

• Têm gostos variados, em que sobressaem os esportes, as artes, a leitura e, sobretudo, as viagens.

• O manejo das novas tecnologias é inerente a seu cotidiano – tanto profissional como pessoal.

• Buscam carreiras brilhantes, altos salários e adoram os headhunters e as multinacionais.

FONTE: Adaptado de: <http://br.hsmglobal.com/notas/53873-quem-e-gera%E7%E3o-y?utm_source=news_espm_agosto_09&utm_medium=news_espm_agosto_09&utm_content=news_espm_agosto_09_quem_e_geracao_y&utm_campaign=news_espm_agosto_09>. Acesso em: 24 maio 2010.

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RESUMO DO TÓPICO 4

Caro(a) acadêmico(a), neste tópico você viu que:

• A concepção de trabalho varia de época para época.

• Dentre as concepções de trabalho, temos a que ele não era visto como atividade digna de homens livres.

• Na história do trabalho, idealizou-se que o homem deveria se livrar do trabalho árduo e repetitivo.

• Na legislação atual do Brasil, a educação tem como um dos propósitos preparar para o mercado de trabalho.

• Atualmente, os desafios e tendências no mercado de trabalho são os mais diversos.

• No mercado de trabalho atual, duas gerações (geração y e x) têm se encontrado nas organizações, cada qual com suas peculiaridades.

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1 A partir do estudo deste tópico, escreva a sua concepção de trabalho.

2 Você concorda com o que prescreve a legislação brasileira sobre a finalidade da educação? Argumente em defesa da sua posição.

3 Leia um texto da sua área que retrate desafios, tendências ou futuro do trabalho e depois faça as suas considerações.

4 Aponte profissões que desapareceram e surgiram nos últimos anos.

5 Quais as competências e habilidades que são essenciais para exercer a atividade profissional da sua área de estudo? Argumente por que, no seu ponto de vista, elas são essenciais.

6 Pesquise e escreva as principais características da geração X e Y.

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 3

TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade, você será capaz de compreender:

• o significado da cultura;

• como a cultura é a mais importante atividade da humanidade;

• os diversos elementos que estruturam uma cultura;

• as ideias referentes ao multiculturalismo, etnocentrismo, relativismo cul-tural e terrorismo;

• os principais problemas que envolvem a vida urbana;

• as principais influências da sociedade da informação nos diversos setores sociais;

• os fatores que incentivam a necessidade do consumo;

• a necessidade de buscar alternativas para um desenvolvimento econômico sustentável;

• as diversas formas de ser, pensar e agir do povo brasileiro.

Esta unidade está dividida em cinco tópicos. Em cada um deles você encon-trará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados.

TÓPICO 1 – DIVERSIDADE CULTURAL

TÓPICO 2 – DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA VIDA URBANA

TÓPICO 3 – SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO

TÓPICO 4 – CONSUMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

TÓPICO 5 – SOCIEDADE BRASILEIRA: MULTIFACES

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TÓPICO 1

DIVERSIDADE CULTURAL

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

[...] Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando, lutando, como um cruzado, pelas causas que comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária, o socialismo em liberdade, a universidade necessária. Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isso não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que venceram nessas batalhas.Darcy Ribeiro

A palavra cultura pode ser entendida de diversas maneiras e postulados, pois a cultura varia de povo para povo e de época para época. Além disso, além do termo cultura, outros termos ligados ao mesmo estão presentes no nosso dia a dia, como: multiculturalismo, relativismo cultural, subcultura, diversidade cultural, cibercultura, transculturalismo. É claro que não há unanimidade quanto ao conceito destes termos. Entretanto, são termos que podem aparecer na sua área de estudo com maior ou menor intensidade.

2 ASPECTOS CULTURAIS EM DISCUSSÃO

Caro(a) acadêmico(a), se você perguntar a diversas pessoas, o que entendem por cultura, as respostas serão as mais diversas, refinadas ou não. Para Machado (2002, p. 24), o conceito de cultura pode ser relacionado aos seguintes pontos:

1) A cultura determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações.

2) O ser humano age de acordo com os seus padrões culturais. Os seus instintos foram parcialmente anulados ao longo do processo evolutivo por que passou.

3) A cultura é um meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos. Para tanto, em vez de modificar o seu aparelho biológico, o homem altera o seu aparelho superorgânico.

4) Ao adquirir cultura, o homem passou a depender muito mais do aprendizado do que de agir através de atitudes geneticamente determinadas.

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

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Segundo Da Matta (1986), a cultura é que nos faz humanos e é a mais importante das atividades humanas. Com ela, criamos comunidades linguísticas, costumes, valores, moral, nossa adaptação ecológica ao ambiente em que vivemos. Enfim, ganhamos nossa identificação étnica.

DIVERSIDADE CULTURALA diversidade cultural existente no mundo faz com que determinados hábitos e costumes sejam absolutamente estranhos e exóticos quando confrontados com cultura diversa. Para os ocidentais, em particular, alguns atos realizados em algumas culturas são inexplicáveis, como o casamento de um cão com uma menina, como ocorreu na Índia, neste início de século, numa cerimônia acompanhada por mais de cem convidados. Devido à crença de que a garota precisava quebrar o feitiço, pois seus dentes haviam nascido primeiro na gengiva superior – o que sua tribo considera um feitiço maléfico –, ela teve de casar-se o mais rápido possível. Como seu pai não tinha condições financeiras para casá-la com um garoto, resolveu que o noivo seria um cão.INDIANA de 9 anos se casa com cão. (Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 20 jun. 2003, p. A-10).

Dentre os vários tipos de culturas que existem, temos: a cultura erudita, que

é monopólio da minoria, sendo de grande valia para a sociedade; a cultura vulgar, que é de domínio das massas, diferente apenas pelas culturas regionais, onde encontramos a música popular e o futebol; a cultura elitista, que nos dá os espelhos em que nos mostramos, revelando-nos através da música, da nossa literatura, nas artes gráficas e plásticas, sempre com a possibilidade de nos alienarmos (RIBEIRO, 1995). Temos que incentivar a cultura, como nos afirma Petrônio na sua bela frase: “A cultura é um tesouro e uma habilidade que nunca morre”.

Caro(a) estudante, o antropólogo Roberto DaMatta escreveu há algum tempo

o que consideramos um dos melhores textos para abordar o tema da cultura. De forma clara e sucinta, este autor consegue repassar todo o seu conhecimento sobre este tema. O texto foi extraído de seu livro “Explorações” (1986), com o título.

5) A cultura determina o comportamento humano e a sua capacidade artística ou profissional.

6) A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores.

VOCÊ TEM CULTURA?Roberto DaMatta

OUTRO dia ouvi uma pessoa dizer que “Maria não tinha cultura”, era “ignorante dos fatos básicos da política, economia e literatura”. Uma semana depois, no museu onde trabalho, conversava com alunos sobre “a cultura dos índios Apinayé de Goiás”, que havia estudado de 1962 até 1976, quando publiquei um livro sobre eles (Um mundo dividido). Refletindo sobre os dois usos de uma mesma palavra, decidi que essa era a melhor forma de discutir a ideia ou

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o conceito de cultura tal como nós, estudantes da sociedade, a concebemos. Ou, melhor ainda, apresentar algumas noções sobre a cultura e o que ela quer dizer não como uma simples palavra, mas como uma categoria intelectual: um conceito que pode nos ajudar a entender melhor o que acontece no mundo em nossa volta.

No caso do conceito de cultura ocorre o mesmo, embora nem todos saibam disso. De fato, quando um antropólogo social fala em “cultura”, ele usa a palavra como um conceito-chave para a interpretação da vida social. Porque, para nós, “cultura” não é simplesmente um referente que marca uma hierarquia de “civilização”, mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa. Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. É justamente porque compartilham de parcelas importantes deste código (a cultura) que um conjunto de indivíduos com interesses e capacidades distintas e até mesmo opostas transforma-se num grupo e podem viver juntos sentindo-se parte de uma mesma totalidade. Podem, assim, desenvolver relações entre si porque a cultura lhes forneceu normas que dizem respeito aos modos mais (ou menos) apropriados de comportamento diante de certas situações. Por outro lado, a cultura não é um código que se escolhe simplesmente. É algo que está dentro e fora de cada um de nós, como as regras de um jogo de futebol, que permitem o entendimento do jogo e, também, a ação de cada jogador, juiz, bandeirinha e torcida. Quer dizer, as regras que formam a cultura (ou a cultura como regra) são algo que permite relacionar indivíduos entre si e o próprio grupo com o ambiente onde vive.

Em geral, pensamos a cultura como algo individual que as pessoas inventam, modificam e acrescentam na medida de sua criatividade e poder. Daí falarmos que Fulano é mais culto que Sicrano e distinguirmos formas de “cultura” supostamente mais avançadas ou preferidas que outras. Falamos então em “alta cultura” e “baixa cultura” ou “cultura popular”, preferindo naturalmente as formas sofisticadas que se confundem com a própria ideia de cultura. Assim, teríamos a cultura e culturas particulares e adjetivadas (popular, indígena, nordestina, de classe baixa etc.) como formas secundárias, incompletas e inferiores de vida social. Mas a verdade é que todas as formas culturais ou todas as “subculturas” de uma sociedade são equivalentes e, em geral, aprofundam algum aspecto importante que não pode ser esgotado completamente por uma outra “subcultura”. Quer dizer, existem gêneros de cultura que são equivalentes a diferentes modos de sentir, celebrar, pensar e atuar sobre o mundo e esses gêneros podem estar associados a certos segmentos sociais. O problema é que sempre que nos aproximamos de alguma forma de comportamento e de pensamento diferente, tendemos a classificar a diferença hierarquicamente, o que é uma forma de excluí-la. Um outro modo de perceber e enfrentar a diferença cultural é tomar a diferença como um desvio, deixando de buscar seu papel numa totalidade.

Desta forma, podemos ver o carnaval como algo desviante de uma festa religiosa, sem nos darmos conta de que as festas religiosas e o carnaval guardam uma profunda relação de complementaridade. Realmente, se no terreno da festa

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religiosa somos marcados pelo mais profundo comedimento e respeito pelo foco no “outro mundo”, é porque no carnaval podemos nos apresentar realizando o justo oposto. Assim, o carnavalesco e o religioso não podem ser classificados em termos de superior ou inferior ou como articulados a uma “cultura autêntica” e superior, mas devem ser vistos nas suas relações que são complementares. O que significa dizer que tanto há cultura no carnaval quanto na procissão e nas festas cívicas, pois cada uma delas é um código capaz de permitir um julgamento e uma atuação sobre o mundo social no Brasil. Como disse uma vez, essas festas nos revelam leituras da sociedade brasileira por nós mesmos e é nesta direção que devemos discutir o conteúdo e a forma de cada cultura ou subcultura em uma sociedade (ver o meu livro, Carnavais, Malandros e Heróis).

No sentido antropológico, portanto, a cultura é um conjunto de regras que nos diz como o mundo pode e deve ser classificado. Ela, como os textos teatrais, não pode prever completamente como iremos nos sentir em cada papel que devemos ou temos necessariamente que desempenhar, mas indica maneiras gerais e exemplos de como pessoas que viveram antes de nós os desempenharam. Mas isso não impede, conforme sabemos, emoções. Do mesmo modo que um jogo de futebol com suas regras fixas não impede renovadas emoções em cada partida. É que as regras apenas indicam os limites e apontam os elementos e suas combinações explícitas. O seu funcionamento e, sobretudo, o modo pelo qual elas engendram novas combinações em situações concretas são algo que só a realidade pode dizer. Porque embora cada cultura contenha um conjunto finito de regras, suas possibilidades de atualização, expressão e reação em situações concretas são infinitas.

Apresentada assim, a cultura parece ser um bom instrumento para compreender as diferenças entre os homens e as sociedades. Elas não seriam dadas, de uma vez por todas, através de um meio geográfico ou de uma raça, como diziam os estudiosos do passado, mas em diferentes configurações ou relações que cada sociedade estabelece no decorrer de sua história. Mas é importante acentuar que a base dessas configurações é sempre um repertório comum de potencialidades. Certas sociedades desenvolveram algumas dessas potencialidades mais e melhor do que outras, mas isso não significa que sejam mais pervertidas ou mais adiantadas. O que isso parece indicar é, antes de qualquer coisa, o enorme potencial que cada cultura encerra como elemento plástico, capaz de receber as variações e motivações dos seus membros, bem como os desafios externos. Nosso sistema caminhou na direção de um poderoso controle sobre a natureza, mas isso é apenas um traço entre muitos outros. Há sociedades na Amazônia onde o controle da natureza é muito pobre, mas existe uma enorme sabedoria relativa ao equilíbrio entre os homens e os grupos cujos interesses são divergentes. O respeito pela vida que todas as sociedades indígenas nos apresentam de modo tão vivo, pois os animais são seres incluídos na formação e discussão de sua moralidade e sistema político, parece se constituir, não em exemplo de ignorância e indigência lógica, mas em verdadeira lição, pois respeitar a vida deve certamente incluir toda a vida e não apenas a vida humana. Hoje estamos mais conscientes do preço que pagamos pela exploração desenfreada do mundo natural sem a necessária

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moralidade que nos liga inevitavelmente às plantas, aos animais, aos rios e aos mares.

Realmente, pela escala dessas sociedades tribais, somos uma sociedade

de bárbaros, incapazes de compreender o significado profundo dos elos que nos ligam com todo o mundo em escala global. Pois é assim que pensam os índios e por isso suas histórias são povoadas de animais que falam e homens que se transformam em animais. Conosco, são as máquinas que tomam esse lugar.

O conceito de cultura, ou a cultura como conceito, então, permite uma perspectiva mais consciente de nós mesmos. Precisamente porque diz que não há homens sem cultura e permite comparar culturas e configurações culturais como entidades iguais, deixando de estabelecer hierarquias em que inevitavelmente existiriam sociedades superiores e inferiores. Mesmo diante de formas culturais aparentemente irracionais, cruéis ou pervertidas, existe o homem, e entendê-las – ainda que seja para evitá-las, como fazemos com o crime – é uma tarefa inevitável que faz parte da condição do ser humano de viver num universo marcado e demarcado pela cultura. Em outras palavras, a cultura permite traduzir melhor a diferença entre nós e os outros e, assim fazendo, resgatar a nossa humanidade no outro e a do outro em nós mesmos. Num mundo como o nosso, tão pequeno pela comunicação em escala planetária, isso me parece muito importante. Porque já não se trata somente de fabricar mais e mais automóveis, conforme pensávamos em 1950, mas desenvolver nossa capacidade de enxergar melhores caminhos para os pobres, os marginais e os oprimidos. E isso só se faz com uma atitude aberta para as formas e configurações sociais que, como revela o conceito de cultura, estão dentro e fora de nós.

Num país como o nosso, onde as formas hierarquizantes de classificação cultural sempre foram dominantes, onde a elite sempre esteve disposta a autoflagelar-se dizendo que nós não temos uma cultura, nada mais saudável do que esse exercício antropológico de descobrir que a fórmula negativa – esse dizer que não temos cultura – é, paradoxalmente, um modo de agir cultural que deve ser visto, pesado e talvez substituído por uma fórmula mais confiante no nosso futuro e nas nossas potencialidades.

Retomemos os exemplos mencionados, porque eles encerram os dois sentidos mais comuns da palavra. No primeiro, usa-se cultura como sinônimo de sofisticação, de sabedoria, de educação no sentido restrito do termo. Quer dizer, quando falamos que “Maria não tem cultura!”, e que “João é culto”, estamos nos referindo a certo estado educacional destas pessoas, querendo indicar com isso sua capacidade de compreender ou organizar certos dados e situações. Cultura aqui é equivalente a volume de leituras, a controle de informações, a títulos universitários e chega até mesmo a ser confundida com inteligência, como se a habilidade para realizar certas operações mentais e lógicas (que definem de fato a inteligência) fosse algo a ser medido ou arbitrado pelo número de livros que uma pessoa leu, as línguas que pode falar, ou os quadros e pintores que pode, de memória, enumerar. Como uma espécie de prova desta associação, temos o

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Viana (2005) destaca que a própria definição de cultura já tem que incluir a diversidade de visões de mundo e estilos de vida que convivem, harmoniosamente ou não, em qualquer sociedade.

Subculturas? Por exemplo, as tensões entre as gerações jovem e mais velha têm produzido mudança. Os anos 50, por exemplo, criaram agrupamentos rebeldes de jovens, personificados por James Dean, ou Marlon Brando, e até mesmo Elvis Presley; que forçaram uma

velho ditado informando sabiamente que “cultura não traz discernimento”..., ou inteligência, conforme estou discutindo aqui. Neste sentido, cultura é uma palavra usada para classificar as pessoas e, às vezes, grupos sociais, servindo como uma arma discriminatória contra algum sexo, idade (“as gerações mais novas são incultas”), etnia (“determinado povo não tem cultura”) ou mesmo sociedades inteiras, quando se diz que “os franceses são cultos e civilizados” em oposição aos americanos, que são “ignorantes e grosseiros”.

Do mesmo modo é comum ouvir-se referências à humanidade, cujos valores seguem tradições diferentes e desconhecidas, como a dos índios, como sendo sociedades que estão “na Idade da Pedra” e se encontram em “estágio cultural muito atrasado!”. A palavra cultura, enquanto categoria do senso comum, ocupa, como vemos, um importante lugar no nosso acervo conceitual, ficando lado a lado de outras, cujo uso na vida quotidiana é também muito comum. Estou me lembrando da palavra “personalidade” que, tal como ocorre com a palavra “cultura”, penetra o nosso vocabulário com dois sentidos bem diferenciados.

No campo da Psicologia, personalidade define o conjunto de traços que caracterizam todos os seres humanos. É aquilo que singulariza todos e cada um de nós como uma pessoa diferente, com interesses, capacidades e emoções particulares. Mas na vida diária, personalidade é usada como um marco para algo desejável e invejável de uma pessoa. Assim, certas pessoas teriam “personalidade”, outras não! É comum dizer que “João tem personalidade” quando, de fato, se quer indicar que “João tem magnetismo”, sendo uma pessoa “com presença”. Do mesmo modo, dizer que “João não tem personalidade” quer apenas dizer que ele não é uma pessoa atraente ou inteligente.

Mas, no fundo, todos temos personalidade, embora nem todos possamos ser pessoas belas ou magnetizadoras como um artista de novela das oito! Mesmo uma pessoa “sem personalidade” tem, paradoxalmente, personalidade na medida em que ocupa um espaço social e físico e tem desejos e necessidades. Pode ser uma pessoa sumamente apagada, mas ser assim é precisamente o traço marcante de sua personalidade.

Quanto à cultura, podem-se encontrar diversas concepções ou aplicações do termo. Entretanto, vale salientar que é possível encontrar no decorrer da história momentos em que se afirmou que a cultura de um povo é superior à outra, ou que a cultura erudita é superior à popular. Ou ainda, a cultura tem sido usada em um único sentido.

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TÓPICO 1 | DIVERSIDADE CULTURAL

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3 CONSIDERAÇÕES SOBRE ETNOCENTRISMO, RELATIVISMO CULTURAL E MULTICULTURALISMO

Atualmente tem se postulado que a diversidade cultural deve ser respeitada em oposição à visão etnocêntrica, ou seja, um indivíduo ou um grupo social se considera como referência em termos culturais, à luz de seus próprios valores. Em termos gerais, o termo etnocentrismo corresponde a atitudes e hábitos culturais que são encarados como sendo superiores a de outros povos. Em termos históricos é comum encontrarmos posturas etnocêntricas, como, por exemplo: a cultura portuguesa e a cultura dos índios na época da chegada dos portugueses ao Brasil (Vide Tópico 5 desta unidade).

Entretanto, se com o etnocentrismo postulou-se que uma determinada cultura é o centro, com o relativismo cultural tem-se que os sistemas culturais são intrinsecamente iguais em valor, e que os aspectos característicos de cada um têm de ser avaliados e explicados dentro do contexto do sistema em que aparecem. Para Brym (2006, p. 88):

[...] o relativismo cultural é oposto ao etnocentrismo. Refere-se à crença de que todas as culturas e todas as práticas culturais têm o mesmo valor. O problema desta visão é que uma cultura particular pode se opor aos valores de outra. E muitas culturas promovem práticas que a maioria considera “desumana”.

Neste sentido, todas as culturas são consideradas de igual valor. Assim, os padrões ou valores considerados certos em uma determinada sociedade e outra não, não significa que um hábito diferente em outra cultura deva ser repudiado ou inaceitável. Desta forma, pode-se dizer que a posição cultural relativista postula que os indivíduos adquirem próprios de valores e a sua própria integridade cultural no interior da sua sociedade, mas isso não necessariamente que a sua cultura é inferior a outra cultura.

A noção de relativismo cultural abrange três significados, conforme Meneses (1999, p. 21-22):

a) Todo e qualquer elemento de uma cultura é relativo aos elementos que compõem aquela cultura, só tem sentido em função do conjunto; que sua validade depende do contexto em que está inserido, de sua posição em meio de outros níveis e conteúdos da cultura de que faz parte;

mudança de normas comportamentais; a juventude dos anos 60 quebrou essas normas ainda mais claramente, criando maior tolerância pelos modos distintos e diferentes de viver. Até mesmo subculturas desviantes geraram mudança, como é ilustrado agora pelos norte-americanos em relação ao homossexualismo. Assim, quando as subculturas divergentes entram em contato, a mudança é inevitável, à medida que as acomodações e os compromissos são estabelecidos. E sociedades grandes, complexas, como os Estados Unidos, que têm tantas subculturas diversas, inevitavelmente enfrentarão essa fonte de mudança. (TURNER, 2000, p. 201).

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b) As culturas são relativas: não há cultura, nem elemento dela, que tenha caráter absoluto, que seja, em si e por si, a perfeição. Será certa e boa para a sociedade que a vivencia e na medida em que nela se realiza e em que a exprime. Não há, pois, um padrão absoluto para julgar “a priori” o certo e o errado, o belo e o feio entre as culturas, pois cada uma traz em si mesma seu padrão de medida.c) As culturas são equivalentes, não pode fazer uma escala em que cada cultura receba uma nota, de acordo com critério que defina o que é mais ou menos perfeito [...]. O relativismo não é só uma suspensão do juízo, devido a não se encontrar critério decisivo para classificar as culturas; e mais que isso: afirma positivamente que uma cultura é tão válida como outra qualquer, por ser uma experiência diversa que o ser social faz de sua humanidade.

Além das discussões sobre cultura, etnocentrismo, relativismo

cultural, você poderá encontrar outros termos ligados à cultura, a exemplo, o multiculturalismo. As discussões quanto ao multiculturalismo têm ganhado mais força principalmente com a queda do Muro de Berlim e o início da globalização. E que a partir deste último evento, as relações entre os povos têm sido as mais variadas, sejam econômicas, políticas, intelectuais e sociais. E nestas relações as diferenças culturais entre os povos têm se evidenciado nitidamente. Por isso, de certa maneira tem se almejado que as diferenças culturais não devem ser mais obstáculos para que os povos convivam de forma harmoniosa e consigam respeitar a cultura alheia nas suas peculiaridades. Neste sentido, para Machado (2002, p. 37), “[...] o multiculturalismo apregoa uma visão da vida e da fertilidade do espírito humano, na qual cada indivíduo transcende o marco estreito da sua própria formação cultural e é capaz de ver, sentir e interpretar por meio de outras tendências culturais”.

O multiculturalismo postula a necessidade de reconhecer as diferenças que existem entre os indivíduos e os grupos sociais, pois são diferentes entre si, mas acima de tudo assegure que o reconhecimento e a representação das formas culturais minoritárias e diversas pela cultura majoritária.

Caro(a) acadêmico(a), leia atentamente parte do trecho a seguir, extraído do texto: Multiculturalismo versus Interculturalismo: Por uma proposta intercultural do Direito, de Eloise da Silveira Petter Damázio, retirado de: DESENVOLVIMENTO EM QUESTÃO. Sistema de Información Científica, Rio Grande do Sul, ano 6, n. 12, jul./dez. 2008, p.71-75.

FORMAS DE MULTICULTURALISMOEloise da Silveira Petter Damázio

Hall (2003, p. 53) identifica várias concepções diferentes de multiculturalismo na atualidade: o conservador, o liberal, o comercial, o corporativo e o crítico.

O multiculturalismo conservador insiste na assimilação da diferença às tradições e costumes da maioria. O liberal busca integrar os diferentes grupos

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culturais à sociedade majoritária, “baseado em uma cidadania individual universal, tolerando certas práticas culturais particularistas apenas no domínio privado” (p. 53).

O multiculturalismo comercial pressupõe que, se a diversidade dos indivíduos de distintas comunidades for publicamente reconhecida, então os problemas de diferença cultural serão resolvidos (e dissolvidos) no conjunto privado, sem qualquer necessidade de redistribuição do poder e dos recursos. Já o multiculturalismo corporativo (público ou privado) busca administrar as diferenças culturais da minoria, visando aos interesses do centro. E, por fim, o multiculturalismo crítico enfoca o poder, o privilégio, a hierarquia das opressões e os movimentos de resistência (p. 53).

McLaren (1997, p. 110-135) também distingue diversos multiculturalismos: o conservador, o humanista liberal, o liberal de esquerda e o multiculturalismo crítico.

O multiculturalismo conservador refere-se a uma postura etnocêntrica, que deslegitima culturas consideradas inferiores (p. 111-119). O humanista liberal defende igualdade entre as pessoas, no entanto os liberais compartilham com os conservadores uma postura universalista, caracterizando-se por uma tentativa de integração dos grupos culturais no padrão, amparado numa cidadania individual universal (p. 119-120). Para o multiculturalismo liberal de esquerda as diferenças são enfatizadas de modo essencialista, ao invés de destacar que estas são construções históricas e culturais, permeadas por relações de poder (p. 120-122). O multiculturalismo crítico recusa-se a ver a cultura como não conflitiva, argumentando que a diversidade deve ser afirmada “dentro de uma política de crítica e compromisso com a justiça social” (p. 123-135).

Segundo Santos (2003, p. 11), é fundamental que se distinga entre as formas conservadoras ou reacionárias do multiculturalismo e as formas progressistas e inovadoras.

A primeira forma de multiculturalismo conservador é o colonial. O multiculturalismo conservador é aquele que consiste, num primeiro momento, em admitir a existência de outras culturas apenas como inferiores. Afirma que “[...] a cultura eurocêntrica branca nunca é étnica — étnicos são os não brancos, em princípio, e, portanto, não admite a etnicidade, o particularismo da cultura branca dominante.” Para o multiculturalismo conservador a cultura eurocêntrica “[...] contém tudo o que melhor foi dito ou pensado no mundo. É uma cultura universal [...] resume em si mesma tudo o que melhor foi dito ou pensado no mundo em geral.” A consequência política deste multiculturalismo é o assimilacionismo (SANTOS, 2003, p. 11).

O conceito liberal de multiculturalismo, nas palavras de Santos (p. 15), tem diferentes conotações nos diferentes países. O autor afirma a existência de posições intermédias. Embora elas tenham diferentes nomes, em diferentes composições

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moderadas, assumem efetivamente a ideia de igualdade, como a igualdade de oportunidades e, portanto, é ideia um pouco abstrata e iluminista no sentido de que todas as culturas são iguais e como tais devem ser tratadas.

Com relação às formas progressistas e inovadoras, o autor destaca o multiculturalismo emancipatório, ou seja, de um multiculturalismo pós-colonial. A política da diferença “[...] é o que ele tem de novo em relação às lutas da modernidade ocidental do século XX, lutas progressistas, operárias e outras que assentaram muito no princípio da igualdade” (p. 12).

Críticas ao Multiculturalismo

Inúmeras são as críticas ao multiculturalismo, principalmente na sua versão liberal. Selecionamos aqui algumas delas.

A primeira crítica é que o multiculturalismo é um conceito eurocêntrico.

[...] criado para descrever a diversidade cultural no quadro dos Estados Nação do Hemisfério Norte e para lidar com a situação resultante do afluxo de imigrantes vindos do Sul num espaço europeu sem fronteiras internas, da diversidade étnica e afirmação identitária das minorias nos EUA e dos problemas específicos de países como o Canadá, com comunidades linguísticas ou étnicas territorialmente diferenciadas. Trata-se de um conceito que o Norte procura impor aos países do Sul como modo de definir a condição histórica e identidade destes” (SANTOS; NUNES, 2003, p. 30).

O multiculturalismo também é acusado de fazer parte da lógica cultural do

capitalismo multinacional e por consistir em uma nova forma de racismo (p. 30). Para Zizek (2003, p. 157), o racismo pós-moderno contemporâneo é o sintoma do capitalismo tardio multiculturalista. Assim a “tolerância” liberal tolera o “outro” folclórico, privado de sua substância, por exemplo, a multiplicidade de “comidas étnicas” em uma megalópole contemporânea, porém denuncia a qualquer “outro real” por seu fundamentalismo. O “outro real” é por definição “patriarcal”, “violento”, jamais é o “outro” da sabedoria etérea e dos costumes encantadores.

Zizek (p. 173) afirma que no multiculturalismo existe uma distância eurocentrista condescendente e/ou respeitosa para com as culturas locais, entretanto não fixa raízes em nenhuma cultura em particular. Ou seja, o multiculturalismo é uma forma de racismo negada, invertida, um racismo a distância: respeita a identidade do “outro”, mas concebe a este como uma comunidade “autêntica”, fechada. O multiculturalista se mantém a distância, graças à sua posição universal privilegiada. Assim sendo, o respeito multiculturalista pela especificidade do “outro” é precisamente uma forma de reafirmar a própria superioridade.

Outra crítica refere-se ao multiculturalismo como “descritivo” e “apolítico”, suprimindo o problema das relações de poder, da exploração, das desigualdades e exclusões. “O recurso central à noção de ‘tolerância’ não exige um envolvimento ativo com os ‘outros’ e reforça o sentimento de superioridade de quem fala de um

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TÓPICO 1 | DIVERSIDADE CULTURAL

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autodesignado lugar de universalidade” (SANTOS; NUNES, 2003, p. 31). Afirma-se que, a partir dos projetos multiculturais, os povos são reconhecidos apenas enquanto subordinados à hegemonia do Estado Nação, sua existência coletiva e direitos coletivos são reconhecidos somente enquanto forem compatíveis com as noções de soberania, direitos e, em especial, direitos de propriedade (p. 31).

Há também os que questionam o multiculturalismo por este enfatizar a mobilidade dos intelectuais e, ao mesmo tempo, silenciar quanto a situações de mobilidade forçada ou subordinada (refugiados, trabalhadores migrantes, migrantes regressados) ou dos que, não sendo móveis, são sujeitos aos efeitos e consequências das dinâmicas culturais, econômicas e políticas translocais. (SANTOS; NUNES, 2003, p. 31).

Por fim, critica-se a própria pertinência do termo para descrever e

caracterizar contextos e experiências diferenciados: “[...] existem formas de visão e de divisão do mundo distintas, para as quais a noção de ‘cultura’ ou a divisão entre o cultural, o econômico, o social ou o político não é relevante.” Esta última crítica diz respeito aos problemas estratégicos do emprego de conceitos hegemônicos (p. 31).

Caro(a) acadêmico(a), com a leitura anterior, espera-se que você amplie os seus horizontes sobre o assunto em questão e, além do mais, para que este tópico seja mais proveitoso, principalmente para você que estuda, sugere-se que investigue se as questões abordadas têm-se feito presentes na sua área de estudo.

4 TERRORISMOA humanidade, pelo menos alguns setores dela, tem se preocupado com

o futuro, principalmente de ordem ambiental. Entretanto, além da violência, a questão do terrorismo pode também trazer preocupações devido a ataques terroristas, para países e até mesmo cidades, cidades com grande concentração de pessoas, por motivos diversos.

Se para algumas cidades a violência é uma preocupação, para outras o terrorismo é algo a ser temido, pois dificilmente poder-se-á prever com exatidão quando uma determinada ação terrorista vai se efetivar. O terrorismo deixa um rastro de insegurança para todos, principalmente em países-alvos, porque os ataques, via de regra, são em locais urbanos onde se encontra grande quantidade de pessoas. Um exemplo histórico é o caso de 11 de setembro de 2001.

Em termos gerais, podemos destacar que o terrorismo usa a violência contra pessoas ou objetos, com diversos propósitos, que podem provocar instabilidade nos governos ou provocar medo na população. Dentre os fatos que motivam o terrorismo estão fatores ideológicos, religiosos, políticos, dentre outros. Mas, de certo modo, o terrorismo, pode deixar a população de determinada cidade ou país em apreensão, pois nunca se sabe a hora, como e onde. E, além disso, os impactos deste temor ou a possibilidade real de iminente atentado terrorista pode causar danos na esfera econômica, política e psicológica.

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

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LEITURA COMPLEMENTAR

O NOVO TERRORISMO

Patrícia Nogueira

[...]

Um outro entendimento trouxe à tona o termo Novo Terrorismo, que vem sendo utilizado por muitos teóricos a partir de meados dos anos 90, sendo o 11 de setembro visto como o marco desse, cuja organização, ações e objetivos são transnacionais, e não regionais como os do ETA (grupo separatista basco, caracterizado pela luta dos bascos por sua autonomia política) ou do IRA (Exército Republicano Irlandês, que buscava a autonomia da Irlanda em relação a Londres). Os novos terroristas têm táticas mais sofisticadas, inclusive suicidas.(29) Ademais, o Novo Terrorismo não deve ser identificado com nenhuma nacionalidade, religião ou tradição cultural, assim como o eram anteriormente.

Na época do velho terrorismo, ou terrorismo tradicional, havia grupos conhecidos com propostas políticas bem determinadas e que, normalmente, assumiam seus atos. E os países que os patrocinavam não costumavam esconder o fato da comunidade global. Hoje, a situação é bastante diferente, tal como expressa o especialista norte-americano Ian O. Lesser, de que os ataques de 11 de setembro são exemplos típicos do novo terrorismo por apresentarem as seguintes características: enorme número de vítimas fatais, alvos simbólicos, ataques suicidas e demora em assumir a autoria.(30)

Grupos terroristas chamados de tradicionais apresentavam um certo limite às suas ações, de forma a expor as fraquezas de governos e grupos opositores e, não necessariamente buscavam causar danos maiores do que os que consideravam necessários para atingir seus objetivos, mas o novo terrorismo busca conquistar suas metas através da publicação na mídia e não apresenta tantos limites quanto aos seus atentados, de forma que haja sempre uma repercussão, ainda que não seja necessário atingir o alvo determinado.(31)

O chamado terrorismo tradicional ou velho terrorismo era cometido por

um grupo de indivíduos pertencentes a uma organização identificável que tinha um claro controle de seu aparato e objetivos econômicos, políticos ou sociais

29 O Império Vulnerável. Veja. Editora Abril. Edição 1718. ano 34, nº 37, Edição Especial. 19 set. 2001 p. 14.30 O Império Vulnerável. Veja. Editora Abril. Edição 1718. Ano 34, nº 37, Edição Especial. 19 set. 2001 p. 14.31 Ibidem.

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altamente definidos.(32) O fato é que no passado, o terrorismo se vinculava a grandes e organizados grupos, por vezes intrinsecamente ligados a Estados – normalmente não democráticos – já atualmente, as ações de maior vulto têm acontecido por parte de células de organizações que, com recursos tecnológicos, capacidade de planejamento, uma estrutura descentralizada, podem causar muitos e maiores estragos.(33)

O denominado novo terrorismo tem se intensificado, sendo opção política

de grupos extremistas, e que sabem ter na mídia o principal meio de divulgação de suas ideias. Dessa forma, ações espetaculares tendem a ganhar mais espaço nos jornais e revistas(34) e na televisão, ao vivo, como apresentado nos atentados de 11 de setembro. Uma característica marcante a que se pode fazer alusão, com relação ao chamado Novo Terrorismo, seria a busca por publicidade, quer dizer que os terroristas buscam atingir seus objetivos por meio da mídia, pois produz resultados imediatos, tendo assim, uma grande repercussão como nos ataques acontecidos às Torres Gêmeas, em que foi proporcionado à grande parte da população assistir o atentado à segunda Torre ao vivo, no exato momento em que ocorria.

FONTE: NOGUEIRA, Patrícia. O terrorismo transnacional e suas implicações no cenário internacional. Universitas - Relações Internacionais, Brasília, v. 2, n. 2, p. 221-244, jul./dez. 2004.

32 Adaptação de: LESSER, Ian O. et. al. Op. cit. p. 833 O Império Vulnerável. Veja op. cit. 19 de setembro de 2001 p.11-1534 UTTI, Paulo e RICARDO, Silvia. Op. cit. p. 113

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Caro(a) acadêmico(a), neste tópico você viu que:

• A cultura é importante para os seres humanos.

• A cultura não é um código que se escolhe simplesmente. É algo que está dentro e fora de cada um de nós.

• A diferença entre a cultura entendida pelo senso comum, como um acúmulo de conhecimentos, e a cultura do ponto de vista científico, considerada como tudo o que foi idealizado e construído pelo homem no decorrer de sua vida.

• Todas as formas culturais ou todas as “subculturas” de uma sociedade são equivalentes e, em geral, aprofundam algum aspecto importante que não pode ser esgotado completamente por outra “subcultura”.

• Várias sociedades desenvolveram algumas potencialidades culturais mais e melhor do que outras, mas isso não significa que sejam mais pervertidas ou mais adiantadas.

• O etnocentrismo considera referência cultural à luz dos seus valores.

• Na atualidade, frente às ideias postuladas pelo etnocentrismo, surgem posições divergentes como o relativismo cultural e o multiculturalismo.

• Existem diversos fatores que podem motivar o terrorismo, dentre eles: ideológico, político e religioso.

RESUMO DO TÓPICO 1

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Para consolidar o entendimento deste tópico, sugerimos que você responda às questões a seguir. Bons estudos!

1 Dos tipos de cultura mencionados, para você existe uma mais importante ou não? Justifique sua resposta.

2 Como o conceito de cultura pode ser aplicado às organizações ou à empresa? Comente.

3 Podemos afirmar que uma cultura é superior à outra? Justifique com pelo menos três argumentos.

4 Escreva algumas formas de terrorismo e as consequências para a sociedade de um modo geral.

5 Pesquise sobre as possíveis formas de terrorismo existentes atualmente e depois escreva os impactos para a sociedade e a economia.

I - A cultura é um código moral universal e não muda de um povo para outro, somente de época para época.

II - A diversidade existente no mundo faz com que determinados hábitos e costumes sejam absolutamente estranhos e exóticos quando confrontados com cultura diversa. Para os ocidentais, em particular, alguns atos realizados em algumas culturas são inexplicáveis, como o casamento de um cão com uma menina, como ocorreu na Índia, neste início de século, numa cerimônia acompanhada por mais de cem convidados. (Jornal Folha de São Paulo, 20 jun. 2003, p. A-10). A afirmação anterior refere-se à diversidade sociopolítico-econômica.

III - O homem parentético é o tipo de indivíduo que está eticamente comprometido com valores que conduzem à primazia da razão substantiva, dando grande valor para aquilo que dê significado para sua vida, como, por exemplo, buscar trabalhar com prazer e comprometimento, ter um comportamento ativo e criativo.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As assertivas I e III são corretas.b) ( ) As assertivas I e II são incorretas.

AUTOATIVIDADE

6 Analise as assertativas a seguir:

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c) ( ) As assertivas I, II e III são corretas.d) ( ) As assertivas II e III são corretas.

7

a) ( ) A afirmação da identidade regional.b) ( ) O esfacelamento da unidade do território nacional.c) ( ) O fortalecimento do separatismo estadual.d) ( ) A fragilização do multiculturalismo global.

Tendo em vista a construção da ideia de nação no Brasil, o argumento da personagem expressa:

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TÓPICO 2

DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA VIDA URBANA

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Caro(a) acadêmico(a), você deve ter percebido que as discussões da Sociologia têm abarcado diversas áreas, cada qual com temas específicos. E você deve se lembrar de que estudamos no primeiro tópico da Unidade 1 que a vida medieval estava centrada no campo, porém, com o renascimento do comércio, as cidades começam a aparecer com maior intensidade. E, com a Revolução Industrial, uma das consequências foi o deslocamento da população para as cidades a fim de encontrar colocação nas indústrias.

Assim, a humanidade vem presenciando um fenômeno: as pessoas se deslocando para viver nas cidades. É certo que esse fenômeno difere de país para país e de época para época. Na vida urbana podemos ver desde grandes construções, centros empresariais, universidades, diversidade cultural, mas também violência, presídios, crescimento desordenado. Ou seja, a vida urbana pode ser caracterizada como contraste em um espaço geográfico próximo.

2 VIDA URBANA: DIVERSIDADE, VIOLÊNCIA, HABITAÇÃO E TRÂNSITO

Na história da sociedade, é possível visualizar que a vida em certos momentos esteve ora concentrada no campo, ora na cidade. Atualmente a população está concentrada nas cidades e, segundo Moreno (2002, p. 17), “A cidade é uma grande casa. A casa é uma cidade pequena. Essa definição vem dos filósofos gregos”.

Em um breve retorno à história, podemos visualizar que as cidades já existiam na Antiguidade, como, por exemplo: as cidades gregas – Esparta e Atenas, ou a capital do Império Romano: Roma. Salienta-se que nas civilizações antigas o termo cidade não compreendia o que atualmente entendemos por cidade. Entretanto, a cidade de Roma antiga também tinha problemas como os atuais, mas, é claro, com outra roupagem, a exemplo: violência, roubos, lixo nas ruas, dentre outros. De acordo com Moreno (2002, p. 25), “[...] os romanos, ao criarem e administrarem seu vasto império, contribuíram em muito para semear a civilização

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

urbana em quase toda a Europa. Algumas de suas cidades eram enormes, como a Roma imperial, que chegou a ter um milhão de habitantes”.

Na Idade Média, a vida concentrou-se no campo, com agricultura autossuficiente, mas o grande impulso para que as cidades crescessem e tomassem as dimensões atuais foi de certa forma a Revolução Industrial, na qual como uma das consequências houve um deslocamento das pessoas do campo paras as cidades. De acordo com Carvalho e Nascimento (2009, p. 44):

[...] aquilo que chamamos de cidade tem se alterado significativamente ao longo do tempo, da polis grega à urbe romana, diferentes geografias e em seu papel social, diferentes ambas cidadelas medievais ou cidades comerciais do Renascimento, cada uma com papéis econômicos distintos e, portanto, diferentes conformações, importâncias, habitantes, espaços, dimensões, problemas e práticas políticas.

Assim, as cidades cresceram em virtude de que muitas indústrias

instalaram os seus parques industriais perto ou inerente às cidades e ainda centros financeiros, comércio dentre outros. Isso de certa forma possibilitou a criação de empregos, os que exigem e os que não precisam de boa qualificação. E muitas das vagas eram preenchidas por pessoas vindas do campo. É claro que atualmente é necessário fazer uma leitura mais apurada da questão: podemos inclusive ver o processo inverso, as pessoas indo viver no campo, mas buscando qualidade de vida e, além disso, dedicam-se às atividades rurais. No caso do Brasil, observa-se que o agronegócio está em franca expansão e muitas pessoas das cidades deslocam-se para o campo para explorar uma atividade econômica de forma profissional a fim de obter lucratividade. Entretanto, ainda tem predominado concentração maior de pessoas nas cidades.

O surgimento de uma população mundial majoritariamente urbana pressupõe a organização da reprodução de sua existência segundo modelos muito próprios: a manutenção da produção agrícola sem a utilização de um contingente significativo de mão de obra, a criação de um núcleo produtivo no solo urbano, o aumento da complexidade das estruturas do mercado e a circulação de produtos, uma vigorosa divisão social do trabalho. Um desdobramento fundamental desse processo é o surgimento de um novo conjunto de problemas ligados à gestão desse espaço complexo e plural, tanto em sua identidade quanto na sua composição. (CARVALHO; NASCIMENTO, 2009, p. 46).

A vida urbana não pode ser considerada um “paraíso terrestre”, pois em grande parte das cidades, de médio a grande porte, às vezes de pequeno, existe uma série de problemas a ser sanados. Por exemplo: falta de saneamento básico, ausência de um plano diretor que tenha visão de futuro da cidade, falta de planejamento adequado do trânsito, falta de policiamento ostensivo, roubos ou furtos, homicídios, latrocínios, dentre outros problemas. E o desafio que tem se feito presente e exigido dos governantes é administrar tais situações e buscar solução dentro dos recursos disponíveis. Enfim, a vida urbana tem se tornado cada vez mais complexa e plural (CARVALHO; NASCIMENTO, 2009), e, neste sentido, a pergunta que se pode pensar é se os governantes conseguirão administrar as

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TÓPICO 2 | DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA VIDA URBANA

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situações presentes e futuras, apontadas por Guterres, no breve texto a seguir, publicado na Folha de São Paulo.

DESLOCAMENTOS URBANOS: UM FENÔMENO GLOBAL

Antônio Guterres O MUNDO passa por um processo de rápida urbanização. Em 1950,

menos de 30% da população global vivia em cidades. Esse percentual subiu para mais de 50% e deverá chegar a 60% por volta de 2030. Em termos numéricos, as estatísticas são igualmente impressionantes. Enquanto cerca de 730 milhões de pessoas viviam em zonas urbanas em 1950, agora são mais de 3,3 bilhões. Como podemos explicar essas cifras dramáticas?

De certa forma, o processo de urbanização tem sido alimentado por migrantes que lutam para sobreviver longe de suas comunidades de origem e que são atraídos por melhores oportunidades, bens e serviços disponíveis em áreas urbanas.

O crescimento populacional também desempenha um papel importante na contínua expansão das cidades no mundo em desenvolvimento. Mas essa é apenas parte da história.

Em muitos países, o processo de urbanização tem sido reforçado por fluxos de refugiados e pessoas deslocadas obrigadas a abandonar suas casas pelas ameaças de conflitos armados, violência política, ausência da lei e desastres naturais em seus países e comunidades de origem.

Ao mesmo tempo em que é difícil coletar estatísticas precisas relacionadas a esse fenômeno, está claro que os números são enormes. Segundo as estimativas mais recentes, a cidade de Cabul, capital do Afeganistão, cresceu sete vezes desde 2001, principalmente por causa da chegada de ex-refugiados vindos do Irã e do Paquistão e de deslocados que escapam da violência nas zonas rurais do país.

No Sudão, acredita-se que Cartum acomode pelo menos 1,75 milhão de deslocados e refugiados, cerca de 30% da população. Bogotá (Colômbia) e Abidjan (Costa do Marfim) absorveram meio milhão de vítimas de conflitos armados. No Oriente Médio, Damasco (Síria) e Amã (Jordânia) são um santuário para centenas de milhares de iraquianos que foram forçados a deixar seu país de origem.

O Brasil abriga cerca de 4.200 refugiados de 75 nacionalidades diferentes, e todos vivem em diferentes cidades do país. O fluxo de solicitantes de refúgio cresceu mais de 40% nos últimos seis anos.

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

Como demonstram esses exemplos, a questão do deslocamento urbano se tornou um fenômeno global, que cada vez mais preocupa as autoridades municipais, os governos nacionais e as organizações humanitárias e de desenvolvimento.

Muitas dessas pessoas que se movem para áreas urbanas para escapar de ameaças concretas às suas vidas se dão conta de que continuam vivendo em condições e circunstâncias extremamente arriscadas.

Assentadas em favelas ou comunidades carentes populosas, muitas são obrigadas a trabalhar no mercado informal, em que estão sujeitas à exploração e têm que competir com moradores locais pelas poucas oportunidades de geração de renda disponíveis.

Sua chegada também representa demandas adicionais para serviços públicos, como saúde e educação, e podem levar ao aumento nos preços de comida e habitação. Como resultado, cresce a possibilidade de tensão social, crime, violência e instabilidade política. O que podemos fazer para lidar com essa complicada situação?

Tradicionalmente, organizações humanitárias como o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) têm respondido a deslocamentos populacionais de grande escala de uma maneira convencional: distribuindo comida/água e estabelecendo campos, escolas e centros de saúde específicos para os deslocados.

Essa estratégia pode ser viável para zonas rurais. Mas não faz sentido em áreas urbanas, onde os que chegam vivem ao lado dos residentes, dividindo vizinhança, acomodações, infraestrutura e serviços. Sendo assim, é necessário formular uma nova abordagem para o crescente desafio do deslocamento urbano, com base em três princípios relacionados.

É preciso ser inclusivo, combinando esforços de sociedade civil, autoridades nacionais, estaduais e municipais, organizações locais e internacionais, setor privado e, obviamente, os próprios moradores das cidades.

Também é necessário que essa abordagem seja desenvolvimentista e autossustentável, que leve em consideração necessidades de curto e longo prazo e apoiando um processo amplo de planejamento urbano e redução da pobreza.

Finalmente, uma nova abordagem para o deslocamento urbano deve fortalecer as comunidades pobres e em desvantagem, protegendo seus direitos e permitindo o uso produtivo dos seus recursos.

FONTE: GUTERRES, António. Deslocamentos urbanos: um fenômeno global. Folha de São Paulo, São Paulo, 21 mar. 2010. Opinião.

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TÓPICO 2 | DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA VIDA URBANA

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No decorrer da história, a vida nas cidades já tem as suas raízes na antiguidade, mas das cidades antigas às atuais, as mesmas diferem muito. A urbanização mudou o mundo de forma tão profunda e intensa em virtude de que as cidades:

• abrigam grandes populações, em quantidade proporcional à sua importância e poder, mas acima de tudo à capacidade do centro urbano de polarizar, fazer convergir processos de socialização – por meio dos quais os atores interagem e produzem cultura – e desenvolvimento de saber especializado e técnicas de coordenação e controle.

• encorajam transações, principalmente comerciais, uma vez que nem sempre produzem tudo que precisam, na quantidade e variedade necessárias, além do que animam a divisão do trabalho, oferecem diversidade, promovem a racionalidade e relacionamentos impessoais.

• destacam-se por sua heterogeneidade, que atrai e congrega forasteiros, comparações e conflitos de línguas, aparências, religiões e hábitos alimentares, tipos de família, estilos arquitetônicos.

• voltam-se para o mundo exterior, por meio de múltiplos pontos de intersecção, interfaces e canais de comunicação.

• privilegiam relações sociais segmentadas, abrigam manifestações muito determinadas, rigorosamente específicas da vida dos indivíduos.

• estão em permanente estado de vir a ser, transformando-se em decorrência das mudanças anteriores. (SCURO NETO, 2004, p. 10).

Ainda se ressalta, a partir de Scuro Neto (2004), que as cidades estão em um permanente estado de vir a ser, ou em constante mudança. Antigamente as relações sociais aconteciam, praticamente, no interior do território da cidade. Atualmente, principalmente em virtude da globalização e da internet, as relações nas cidades têm tomado novos contornos. Segundo Moreno (2002, p. 36) “[...] as pessoas conseguem reunir-se, comerciar, debater ou mesmo namorar em tempo real, sem necessariamente dividirem o mesmo território. Enfim, criamos cidadãos sem cidade. São habitantes de um urbe invisível, “Netrópolis”, que se contrapõe à cidade de pedra”.

Além das mudanças frequentes que acontecem nas cidades, aqueles que as gerenciam devem estar atentos às discussões da sustentabilidade, principalmente em busca de assegurar um crescimento racional da população. Conservação dos recursos para garantir vida futura das cidades e reestruturação das formas de consumo e redução da poluição deverão ser uma preocupação. (MORENO, 2002).

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

A preocupação com a busca de alternativas de gerenciamento das cidades tem como baliza o desenvolvimento sustentável que é um dos propósitos de qualquer governante. Além disso, devido ao êxodo rural e ao aumento do tamanho das cidades, não há como negar que muitas cidades cresceram sem planejamento nem infraestrutura adequada. Muitas cidades têm, no seu interior, imensas comunidades que são construídas sem qualquer infraestrutura ou ruas que surgem sem sequer serem planejadas. Neste sentido, conforme Araujo, Bridi, Motim (2009, p. 178-179):

O crescimento urbano e as mudanças no meio rural são faces de um mesmo fenômeno. No Brasil, em sessenta anos do século XX, a população passou a viver predominante nos centros urbanos, também em função do êxodo rural – levas de pessoas em direção às cidades –, derivado da concentração de terras em grandes propriedades, da infraestrutura deficiente e da redução do emprego do campo. Ligadas à modernidade, as transformações econômicas e sociais fomentam fluxos de migração dentro dos países e entre eles. A busca por melhores condições de vida e de trabalho é a grande impulsionadora da migração em direção às cidades. Em diversas partes do mundo, a migração, bem-vinda até os anos 1980, torna-se alvo dos conflitos e movimentos e políticas de restrição à imigração. A falta de melhoria das condições habitacionais revela marginalização urbana. As raízes da violência são sociais e históricas, isto é, são de natureza estrutural e o seu crescimento e o aumento da criminalidade estão associados a situações de vulnerabilidade social, à concentração da renda e à falta de perspectivas profissionais. As cidades brasileiras cresceram de modo desorganizado e sem infraestrutura adequada para a população pobre.

É comum em muitas cidades brasileiras o crescimento desordenado, casas

aparecem repentinamente, sem autorização do poder público e às vezes em locais impróprios para construção de moradias. Ainda, é muito frequente cidades ficarem alagadas ou com congestionamentos que deixam as pessoas até horas nas ruas à espera que o trânsito flua. Para Araujo, Bridi e Motim (2009, p. 191):

A cidade é um complexo, onde os problemas são ainda mais interdependentes e conectados. O esgoto não canalizado, exposto a céu aberto, vaza para o vizinho. O lixo produzido e arremessado nos rios da cidade interfere na vazão da água, resultando em enchentes. A falta de transporte público, ou em condições insuficientes, afeta a qualidade de vida dos cidadãos, que dependem de locomoção para trabalhar. Além disso, transporte público ruim incentiva o uso individual do automóvel, agravando as condições ambientais e provocando congestionamentos, além de outros exemplos da inter-relação dos espaços da cidade.

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TÓPICO 2 | DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA VIDA URBANA

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O estatuto da cidade – Lei nº 10.257, de 2001, aponta no plano diretor alguns aspectos em termos de leis que merecem ser lidas a fim de refletir se tal proposta em lei pode contribuir para melhorar as cidades num futuro breve.

DO PLANO DIRETOR

Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2o desta Lei.Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.§ 1o O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.§ 2o O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo.§ 3o A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos.§ 4o No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.§ 5o (VETADO) Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:I – com mais de vinte mil habitantes;II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal;IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.§ 1o No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadrados no inciso V do caput, os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do plano diretor estarão inseridos entre as medidas de compensação adotadas.§ 2o No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido.Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo:I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infraestrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5o desta Lei;II – disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei;III – sistema de acompanhamento e controle.

Como mencionado, diversos são os problemas subjacentes às cidades, poluição, congestionamento, alagamentos, crescimento desordenado. Outro ponto-problema enfrentado nas cidades é a violência que pode ter diversas causas, seja em virtude das drogas, falta de oportunidade, ou ainda

IMPORTANTE

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

As causas da violência, portanto, tem raízes sociais e históricas. Nas cidades, por se constituírem centros mais dinâmicos do capitalismo, concentram-se no mesmo espaço as contradições e os contrastes sociais: casas luxuosas lado a lado com moradias precárias. A opulência do consumo versus a severidade da escassez faz-se visível na cidade. [...]. (ARAUJO; BRIDI; MOTIM, 2009, p. 198).

A violência tem levado, em algumas cidades ou regiões, as autoridades públicas a tomarem atitudes mais enérgicas no sentido de inibir sua difusão, já em outras cidades ou regiões isso pode não acontecer. É comum observar que a sociedade ou parte dela tem cobrado que as penalidades sejam mais severas com aquele que tenha conduta ilícita, ou ainda que se construam prisões com o intuito de inibir a violência ou até mesmo penalizar os que descumprem as leis.

Aparentemente, para muitos a violência é algo que não merece ser uma preocupação na sua vida. Mas, em termos gerais, ela pode suscitar questões como: quais impactos econômicos para uma cidade que têm alto índice de violência!. Uma cidade violenta influencia na hora de uma organização investir nesta cidade!. A violência interfere no modo de as pessoas agirem e pensarem no dia a dia!. Existem pessoas interessadas no aumento da violência para expandir negócios e aumentar os lucros!

Atualmente, o número de crimes tem aumentado muito e, além disso,

mesmo que muitos sejam punidos e condenados, há uma série de benefícios, como, por exemplo, cumprir a pena fora da prisão. Mas, mesmo assim, conforme apresenta o texto que segue, o número da população carcerária tem crescido nos últimos nove anos. Então, acadêmico(a), leia e reflita sobre o impacto do aumento da violência e de presos para a sociedade e os negócios de um modo geral.

CÁRCERES LOTADOS DOBROU , em nove anos, a população carcerária brasileira. De acordo

com dados oficiais, o quadro é influenciado pelo número crescente de presos provisórios – pessoas à espera de julgamento, que somam 44% dos 473 mil detentos existentes no país.

Um dos aspectos elogiáveis da gestão do ministro Gilmar Mendes, no

Conselho Nacional de Justiça, foi justamente o esforço para analisar processos acumulados relativos a esses casos. Cerca de 120 mil deles passaram pelos chamados mutirões carcerários instituídos pelo CNJ.

Mas os esforços não bastaram para diminuir de maneira significativa a

presença desse grupo nas prisões. Na realidade, entre 2008 e 2009, a quantidade de presos provisórios subiu 6%.

É evidente, diante desse cenário, a necessidade de agilizar a atuação da Justiça. Fere os preceitos democráticos e é uma violência do Estado contra cidadãos manter alguém durante anos num cárcere sem julgamento.

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TÓPICO 2 | DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA VIDA URBANA

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Como apontado, nas cidades brasileiras são inúmeros os problemas enfrentados por seus habitantes, desde a segurança até o esgoto a céu aberto, falta de água potável, ou ainda, déficit de habitação, ou seja, há um número considerável de brasileiros que buscam realizar o sonho de ter a sua casa própria. Entretanto, conforme o Ministério das Cidades, a situação no Brasil tem melhorado (conforme dados a seguir), mas ainda há muito por fazer.

FONTE: Disponível em: <http://sergyovitro.blogspot.com/2010/04/editorial-carceres-lotados. html>. Acesso em: 20 jun. 2010.

Alguns especialistas creditam parte dessa situação ao fato de juízes muitas vezes determinarem prisões com base no artigo 302 do Código Penal, que autoriza a reclusão em caráter preventivo para garantir “a ordem pública” – mesmo sem provas contra o suspeito. Esse é um dos aspectos que será examinado pelo Congresso durante o debate da reforma da legislação.

As complicações, no entanto, vão além dos eventuais equívocos de

magistrados e da propalada morosidade do Judiciário. É preciso também investir na ampliação e modernização do superlotado e ineficiente sistema penitenciário, cujas condições descem, no Brasil, a extremos de degradação. Há, hoje, três vezes mais presos do que vagas nos presídios. É um quadro desumano e insustentável.

BRASIL MELHORA ACESSO À ÁGUA POTÁVEL E REDUZ DÉFICIT HABITACIONAL

Ministério das Cidades25/03/2010

O Brasil reduziu a proporção da população sem acesso à água potável e diminuiu o déficit habitacional de 6,3 milhões para 5,8 milhões de domicílios. Esses dados integram o 4º Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) lançado nesta quarta-feira (24), em Brasília, durante a 3ª edição do Prêmio ODM Brasil. [...]

Habitação – Entre 1992 e 2008 a proporção de pessoas residentes em

domicílios urbanos com condições de moradia adequadas subiu 15 pontos percentuais, passando de 50,7% em 1992 para 65,7% em 2008. A melhoria nas condições habitacionais apontada no relatório se reflete em resultados positivos no período no déficit habitacional.

O novo indicador do déficit é de 5,8 milhões de domicílios, dos quais 82% localizados em áreas urbanas. O número, que também integra o relatório, foi anunciado pelo ministro das Cidades, Marcio Fortes de Almeida, durante

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

Pesquise sobre como a sua área tem contribuído para melhorar a situação urbana no Brasil...

Na atualidade, além dos problemas existentes nas cidades, ainda se menciona que outros, como transporte público muitas vezes deficitário, alagamentos, fácil proliferação de doenças respiratórias, falta de leitos nos hospitais, têm afetado também os negócios de uma maneira geral. Das várias situações encontradas nos grandes centros urbanos, não podemos nos esquecer dos congestionamentos, já que o trânsito urbano tem se tornado um problema que precisa ser enfrentado, pois pode literalmente parar as cidades influenciando direta e decisivamente na condução dos negócios.

Além disso, é salutar mencionar que o trânsito tem ceifado diversas vidas

no Brasil. Não é somente a lentidão nas ruas que tem incomodado os brasileiros, mas também o número excessivo de pessoas que perdem a sua vida, em virtude da imprudência e da imperícia, o que tem impactado no aspecto afetivo das famílias e no econômico para o Estado. Ou ainda, outros problemas que envolvem o dia a dia no trânsito conforme aponta a pesquisa a seguir. Leia o texto e depois faça a sua análise e também procure saber se na sua cidade ou região existem pesquisas sobre o trânsito de um modo geral.

DICAS

o Fórum Urbano Mundial 5, no Rio de Janeiro, no último dia 22. Os dados são resultantes de estudo elaborado pela Fundação João Pinheiro, com ano de referência em 2008.

O déficit habitacional brasileiro afeta, sobretudo, a população de

menor poder aquisitivo, com 89,2% do total incidindo entre a população com renda média familiar mensal de até três salários mínimos. O relatório registra diminuição do déficit, comparado a 2007, quando o número era de 6,27 milhões. Houve redução de cerca de 400 mil unidades em um ano, sendo 250 mil nas dez principais regiões metropolitanas.

FONTE: Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/noticias/brasil-melhora-acesso-a-agua-potavel-e-reduz-deficit-habitacional/>. Acesso em: 10 maio 2010.

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TÓPICO 2 | DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA VIDA URBANA

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LEITURA COMPLEMENTAR

SOCIOLOGIA DO TRÂNSITO

Roberto Augusto DaMattaAlessandra Capistrano Guimarães

Introdução:

O trabalho Sociologias do Trânsito, que ocorre desde o primeiro semestre de 2007, pretende estudar as relações sociais que se desenvolvem no trânsito brasileiro. Em agosto do ano passado foi apresentado, no Seminário de Iniciação Científica da PUC-Rio, a primeira parte do trabalho quando foi mostrado o início da preparação para a pesquisa mapeando a bibliografia relevante e aprofundando o assunto.

O interesse está em determinar o relacionamento de motoristas com as regras impessoais, expressas em sinais convencionais e outros símbolos. Como se dá a interação social que é expressa no espaço público da rua? O presente trabalho busca fazer um estudo acerca do trânsito no Brasil procurando reconhecer as relações sociais que ocorrem nas ruas, nos carros e nos “encontros” sociais.

Metodologia:

Nessa primeira parte decidiu-se que a metodologia da pesquisa seguiria metodologias clássicas a fim de entender as relações sociais que ocorrem no trânsito brasileiro. Assim, foi usada a “observação participante” desenvolvida nos anos 20 por Malinowski. No entanto, como qualquer pesquisa antropológica, é necessário fazer uso das diversas ferramentas metodológicas existentes para lidar com os imprevistos.

Entendendo as relações sociais que ocorrem no trânsito como fatos sociais totais, conceito elaborado por Marcel Mauss e que diz respeito não só a concepções morais, econômicas e políticas como a fenômenos culturais e sociais que dão sentido à vida social, calcando, assim, uma esfera simbólica ao conceito, pretendemos começar a pesquisa legitimando seu valor para o conhecimento humano.

Pesquisa: Ainda no primeiro semestre iniciou-se uma procura da história do carro

brasileiro. Essa pesquisa recolheu dados históricos dos primeiros carros brasileiros assim como se descobriram uns dos primeiros acidentes de carro relatados no país.

Nessa segunda parte da pesquisa, que começou após a apresentação no Seminário em agosto, a pesquisa se concentrou no trabalho de campo, através de uma pesquisa qualitativa com perguntas em aberto, que ampliou o escopo anterior. A pesquisa passou então a se limitar ao Rio de Janeiro, Departamento de Sociologia e

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

Política Zona Sul, pois fica evidente que o trânsito brasileiro, por se constituir numa variável complexa, não foi o objeto deste estudo. A pesquisa atual considerou uma amostra de motoristas de carros na Lagoa (expandindo a pesquisa anterior) onde foi possível encontrar também motoristas de diferentes bairros como: Ipanema, Leblon e Jardim Botânico.

Como se dá essa relação hoje em dia? Por que as pessoas são impacientes no trânsito? Por que não obedecem ao sinal? O que gera tanta agressividade? Essas foram perguntas que nortearam os questionários e trouxeram, à pesquisa, valores como costume e hábitos dos brasileiros sobre as regras de trânsito.

Com os dados que já existiam da primeira parte da pesquisa, foi possível atualizá-los e mesclar as informações bibliográficas com as novas informações extraídas dos respondentes.

Esses novos dados possibilitaram a conclusão de uma pesquisa das relações sociais que ocorrem no trânsito brasileiro.

Assim foi possível encontrar valores que cercam a vida urbana e que se

infiltram nas relações do trânsito carioca. Valores como o individualismo moderno são expressos através do medo constante à violência. As inquietações encontradas nos questionários demonstram uma constante batalha entre a moral do senso comum e o medo da violência. Inúmeras atitudes éticas são submetidas à discórdia e à dúvida através de comportamentos que privilegiam a sobrevivência acima de tudo.

Assim, pesquisas foram feitas com motoristas (independente de raça ou gênero) procurando sua idade, faixa salarial, profissão e bairro. Dessa forma, com o aumento da amostra, as respostas trouxeram novas perspectivas à pesquisa.

O complemento da pesquisa ao considerar mais bairros mostrou que os resultados não se alteraram de forma significativa em relação à pesquisa anterior. Um caráter comum às respostas foi em relação à própria vida social de uma grande cidade. A existência corrida da sociedade capitalista nos grandes centros urbanos parece influir em diversas esferas da vida cotidiana, incluindo a vida no trânsito. Questões de por que as pessoas são impacientes no trânsito normalmente traziam respostas como: “porque se está sempre atrasado”, “porque o trânsito demora” ou “pelo estresse”, exemplificando um novo caráter de tempo das grandes cidades. Essa relação com o tempo parece cercar as grandes metrópoles urbanas e influir diretamente no comportamento social de seus habitantes. A sociedade em rede de Castells (1999) aponta essa nova noção de tempo quando através dos eficazes meios de comunicação a sociedade experimenta uma nova percepção do tempo, uma percepção mais rápida da realidade.

Outro caráter comum às respostas dos questionários diz respeito à relação dos indivíduos com a violência que altera a vida social e atinge a esfera do trânsito acarretando mudanças que parecem desenvolver normas sociais. O medo constante de assaltados legitima discursos, nos quais o entrevistado aceita infringir algumas

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regras em nome da segurança. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, existe na legislação uma brecha que permite que carros possam ultrapassar os sinais vermelhos na madrugada devido a assaltos. A própria sociedade se defende.

Os indivíduos aceleram para não serem assaltados e cometem imprudências culpando sempre o outro. Nasce um ciclo vicioso de padrões de comportamentos onde o normal é infringir a lei mesmo que todos se considerem cumpridores das leis. Sugere a anomia de Durkheim onde os papéis se invertem e as regras sociais se dissolvem dando lugar a uma nova norma.

A segurança é central para se entender tanta agressividade no trânsito. O argumento da violência deixa margens para as leviandades que cometem os motoristas, e parece desenrolar um ciclo que só traz mais comportamentos de ansiedade e tensão. A vida “desordenada” (dado da entrevista) do trânsito gera impaciência e o medo de agressões sociais. E muitas vezes o agredido de hoje pode ser o agressor de amanhã.

Em todos os questionários, e mais de uma vez, ninguém se identificou como o responsável por esse ciclo. Todos respondem como se fossem totais cumpridores das leis e vítimas desse caos urbano que se tornou o trânsito. Os impacientes que cortam caminho e que causam tumultos são sempre outros e a culpa é sempre do Estado, dos dirigentes e da segurança. O que se nota é que, entre todos que responderam, nenhum se identifica como o impaciente que causa tais constrangimentos. Todos cobram comportamentos de boa moral.

Então onde estão os culpados? Não existe culpa, o que acontece são essas regras e símbolos sociais, que vão ficando intrínsecos no pensamento e comportamento dos indivíduos, no senso comum e compõem certa conduta social que gera esse ciclo vicioso do trânsito. Esses caracteres negativos do trânsito formam ideias que legitimam os mesmos comportamentos de imprudência no trânsito.

A estrutura do trânsito também aparece constantemente. A disposição física do espaço das ruas é constantemente criticada. O “trânsito é mal organizado”, responde uma das entrevistadas demonstrando a falha do sistema que não comporta a quantidade de automóveis que percorrem a cidade todo dia. “Faltam leis mais duras”, argumenta outro entrevistado, “falta fiscalização”, a “engenharia de trânsito é fraca”, “desorganização, motoristas despreparados e sinalização não confiável”. Como um outro entrevistado coloca, é a “síndrome da vivência em uma cidade grande”.

Todas essas questões são relevantes por aparecerem muito nos questionários. O espaço físico também é responsável pelas ações sociais, pelo padrão de comportamento que se desenrola no trânsito.

Se olharmos as estatísticas do DETRAN do Rio de Janeiro (de 2001 a 2008), podemos perceber que as maiores incidências de infrações são por velocidade acima do permitido (velocidade superior em até 20% da permitida) e por

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desobedecer ao sinal vermelho ou parada obrigatória (outra que está entre as 10 maiores incidências de infrações). Em 2008 as 10 maiores infrações de trânsito são, além das duas acima mencionadas: velocidade superior em mais de 20% até 50% da permitida, estacionar veículo sobre a calçada ou faixa de pedestre, não efetuar o registro do veículo conforme previsto /Art. 123 7.910-6 (0736), dirigir veículo utilizando telefone celular, estacionar em local e hora em desacordo com sinalização, estacionar fora das condições em estacionamento regulamentado, condutor ou passageiro sem cinto de segurança e efetuar transporte remunerado sem licença. Essas infrações apontam que todo dia milhares de condutores transgridem a lei. Onde estão esses condutores? O comportamento social do trânsito dialoga constantemente com essas leis ora cedendo a seus argumentos ora submetendo-os a padrões de comportamentos institucionalizados pelo senso comum, como é o caso do uso dos celulares.

Nesse trabalho pesquisamos a relação social que ocorre no trânsito, mas especificamente no trânsito carioca na zona sul, agrupando informações teóricas e de trabalho de campo a respeito do assunto. As condutas sociais expressas no trânsito sugerem a vida numa sociedade brasileira capitalista e moderna que através de suas particularidades tem uma esfera própria de atuação e regulação. Com o crescente consumo automobilístico, crescem também os fenômenos sociais que comportam essa esfera. Assim o estudo se volta para as relações privadas e públicas que se esbarram no trânsito desenvolvendo uma conduta social que é o enfoque desse trabalho antropológico.

A pesquisa, que ocorreu até junho de 2008, não pode, ainda, ampliar sua amostra para abarcar a situação da LEI SECA. A nova situação parece que aponta diferentes relações e ações sociais que merecem estudo e podem ser a continuação dessa pesquisa. No entanto, esse estudo não corresponde a esse período.

FONTE: Disponível em: <http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2008/relatorios/ccs/soc/ale.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2010.

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Caro(a) acadêmico(a), neste tópico você viu que:

• Muitos dos problemas atuais das cidades já existiam nas cidades antigas.

• O deslocamento urbano é um fenômeno global.

• As cidades estão em permanente vir a ser.

• As cidades estão cada vez mais complexas e dinâmicas.

• As cidades são um complexo de problemas interligados e interdependentes, tendo as mais variadas causas para os problemas existentes.

• A população carcerária no Brasil dobrou nos últimos anos.

• A falta de casa própria é um dos problemas a ser enfrentado no Brasil, no futuro.

• O trânsito nas grandes cidades tem se tornado um problema que tem impactos nos vários setores da sociedade.

RESUMO DO TÓPICO 2

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AUTOATIVIDADE

1 De acordo com os seus conhecimentos, defina cidade.

2 Aponte pelos menos dois dos principais problemas da sua cidade.

3 Escreva os pontos positivos e negativos da vida nas cidades.

4 Aponte como a sua área de estudo pode contribuir para melhorar a qualidade de vida nas cidades.

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TÓPICO 3

SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E DO

CONHECIMENTO

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

A história da humanidade, desde o seu início, é um fiel reflexo da importância da captação, criação e transmissão de conhecimento como

fator chave do desenvolvimento social. Fator social do conhecimento permitiu identificar o desenvolvimento da civilização com o

desenvolvimento do conhecimento. Reinaldo Rodrigues de Almeida

Neste limiar do século XXI vivemos com uma inundação de informações através de vários recursos tecnológicos e, de certa forma, o desafio que se posta é gerenciar essas informações da melhor forma possível para o bem da sociedade e, em última instância, para o seu futuro. Além disso, se por um lado as pessoas têm acesso irrestrito a informações, por outro há o desafio de incluir todos os cidadãos nessa sociedade da informação, pois ainda muitas pessoas sequer sabem ler e muito menos têm acesso à internet, o que para muitos é algo elementar.

2 SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

O sociólogo espanhol Manuel Castells tem sido um dos pensadores que tem refletido sobre os impactos da sociedade da informação na vida das pessoas. Na sua trajetória fez-se presente na vida política, inclusive foi exilado na França, nos anos 60, e expulso daquele país durante as revoltas estudantis de 68. Ainda colaborou na redação do Programa 2000, do PSOE (Partido Socialista Obrero Español). Foi professor de inúmeras universidades – Paris, México, Santiago, Madri e Barcelona – e catedrático de sociologia e planejamento urbano e regional da Universidade da Califórnia, em Berkeley, onde reside atualmente.

Dentre suas principais obras, destaca-se uma coletânea sobre A Era da Informação em três volumes: A Sociedade Rede (1997), O Poder da Identidade (1998) e Fim de Milênio (1998), os quais foram concretizados após anos de pesquisa, onde relata os aspectos da nova sociedade tecnológica: a economia global, o fim do patriarcado, o papel do Estado, os movimentos sociais, o novo conceito de trabalho, a crise da democracia, o quarto mundo informacional, entre outros assuntos importantes para a atualidade.

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

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Quanto à Sociedade da Informação, este pensador analisa as novas tecnologias, afirmando que, por exemplo, a internet não altera o comportamento dos indivíduos, mas sim, ao contrário, os indivíduos ao apropriarem-se da internet é que fazem as mudanças. Porém, as reflexões sobre a sociedade da informação são as mais diversas. Leia atentamente o que Werthein expõe sobre a sociedade da informação, na qual menciona Castells.

A “SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO”Jorge Werthein

A expressão “sociedade da informação” passou a ser utilizada, nos

últimos anos desse século, como substituto para o conceito complexo de “sociedade pós-industrial” e como forma de transmitir o conteúdo específico do “novo paradigma técnico-econômico”. A realidade que os conceitos das ciências sociais procuram expressar refere-se às transformações técnicas, organizacionais e administrativas que têm como “fator chave” não mais os insumos baratos de energia – como na sociedade industrial – mas os insumos baratos de informação propiciados pelos avanços tecnológicos na microeletrônica e telecomunicações. Esta sociedade pós-industrial ou “informacional”, como prefere Castells, está ligada à expansão e reestruturação do capitalismo desde a década de 80 do século que termina. As novas tecnologias e a ênfase na flexibilidade – ideia central das transformações organizacionais – têm permitido realizar com rapidez e eficiência os processos de desregulamentação, privatização e ruptura do modelo de contrato social entre capital e trabalho característicos do capitalismo industrial.

As transformações em direção à sociedade da informação, em estágio

avançado nos países industrializados, constituem uma tendência dominante mesmo para economias menos industrializadas e definem um novo paradigma, o da tecnologia da informação, que expressa a essência da presente transformação tecnológica em suas relações com a economia e a sociedade. Esse novo paradigma tem, segundo Castells (2000), as seguintes características fundamentais:

• A informação é sua matéria-prima: as tecnologias se desenvolvem para permitir ao homem atuar sobre a informação propriamente dita, ao contrário do passado quando o objetivo dominante era utilizar informação para agir sobre as tecnologias, criando implementos novos ou adaptando-os a novos usos.

• Os efeitos das novas tecnologias têm alta penetrabilidade porque a informação é parte integrante de toda atividade humana, individual ou coletiva e, portanto, todas essas atividades tendem a ser afetadas diretamente pela nova tecnologia.

• Predomínio da lógica de redes. Esta lógica, característica de todo tipo de relação complexa, pode ser, graças às novas tecnologias, materialmente implementada em qualquer tipo de processo.

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TÓPICO 3 | SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO

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Além das reflexões de Werthein, anteriormente apontadas, Almeida (2004) expõe que a sociedade da informação ou cibersociedade tem como sustentáculo que a informação é um recurso ou um bem econômico fundamental e é a base do desenvolvimento social atual. E a informação não é um bem que se esgota com o consumo, mas sim nasce outra nova informação a cada vez que se produz nova informação. Desta forma, o cerne das autoestradas de informação é a própria informação. E, neste sentido, o computador é catalisador das informações, propalando o conceito de globalização.

A sociedade da informação já dispõe de meios de qualidade e quantidade que permitem conhecer o mundo que nos rodeia de múltiplas formas, contudo, existem algumas questões que se afiguram do maior interesse em abordar quanto ao real impacto, ao choque cultural decorrente da aplicação dos meios disponíveis, quer como instrumental de aplicação dos conteúdos preexistentes, quer sob a nova perspectiva de provocar mudanças de estilos, de visões, de conteúdos, de acordo com as potencialidades presentes e principalmente futuras formas de comunicação, de estratégias pedagógicas e suas assimetrias com o background cultural das sociedades organizadas como o ponto de chegada à sociedade do conhecimento. (ALMEIDA, 2004, p. 211).

Os benefícios para a humanidade devido às informações que circulam em alta velocidade são inúmeros e isso colabora para o surgimento de novos contornos que se fazem presentes no dia a dia. Atualmente, a título de ilustração, as pessoas podem estudar sem sair de casa, ou ainda, fazer os seus horários para estudar um curso superior on-line (Educação a distância). E ainda, qualquer indivíduo pode estudar em qualquer lugar do mundo, cursando uma graduação, especialização, mestrado ou doutorado numa universidade em que nunca colocou os pés. Isso em

FONTE: WERTHEIN, Jorge. A sociedade da informação e seus desafios. Ciência da Informação, Brasília, v. 29, n. 2, p. 71-77, maio/ago. 2000.

• Flexibilidade: a tecnologia favorece processos reversíveis, permite modificação por reorganização de componentes e tem alta capacidade de reconfiguração.

• Crescente convergência de tecnologias, principalmente a microeletrônica, telecomunicações, optoeletrônica, computadores, mas também e crescentemente, a biologia. O ponto central aqui é que trajetórias de desenvolvimento tecnológico em diversas áreas do saber tornam-se interligadas e transformam-se nas categorias, segundo as quais pensamos todos os processos.

O foco sobre a tecnologia pode alimentar a visão ingênua de determinismo tecnológico segundo o qual as transformações em direção à sociedade da informação resultam da tecnologia, seguem uma lógica técnica e, portanto, neutra e estão fora da interferência de fatores sociais e políticos. Nada mais equivocado: processos sociais e transformação tecnológica resultam de uma interação complexa em que fatores sociais preexistentes, a criatividade, o espírito empreendedor, as condições da pesquisa científica afetam o avanço tecnológico e suas aplicações sociais.

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termos de Educação. Ou seja, as estradas e espaços físicos não são mais necessários, mas sim o espaço virtual e as estradas virtuais. Neste sentido, segundo Almeida (2004, p. 225), “A sociedade do conhecimento e os avanços tecnológicos nascidos no seio, com relevo para a internet, constitui um fenômeno de civilização que navega a altíssimas velocidades, nas autoestradas da informação”.

Podemos apontar inúmeros benefícios da autoestradas da informação para as diversas áreas do conhecimento ou setores do conhecimento. Entretanto, Aguillar, no prefácio da obra de Almeida (2004), aponta que:

Existe uma grande preocupação sob o ponto de vista social e sobre os perigos que enfrenta a nova sociedade, especialmente desde o aumento crescente da sociedade da vigilância. Milhões de dispositivos eletrônicos em todo o mundo vigiam as pessoas: vídeo-câmeras, cartões de crédito, bancos de dados, correios eletrônicos, web câmera, pagamentos automáticos nas autoestradas e vias verdes, televisões, rádios... meios de comunicação em geral. Sem dúvida, a sociedade da vigilância influi e influirá, normalmente em sentido negativo, na nova alfabetização, mas será preciso que os poderes públicos, as organizações e empresas, as autoridades acadêmicas, o professorado..., sejamos sensíveis ao problema e colaboremos para converter um problema num benefício. [...]. Outro grande problema é, paradoxalmente, a facilidade de acesso à imensa quantidade de informação disponível (em meios de comunicação, seja imprensa, rádio, televisão, internet..., onde as investigações mais rigorosas chegam à conclusão de que não se converte em conhecimento, mas pelo contrário, num “decréscimo de conhecimento”. Hoje em dia, é tal a “montanha” de informação em meios magnéticos, ópticos, papel, vídeo..., existem na internet, livrarias, bibliotecas, universidades, organismos públicos..., que não só é impossível de quantificar mas, impossível de controlar o seu bom uso. A intoxicação da informação é tão massiva que é preciso conhecer métodos para a conversão da informação selecionada em conhecimento útil que possa servir para a tomada de decisões eficazes; a internet converteu-se numa fonte de informação inesgotável que, normalmente, produzirá enormes benefícios, mas também “grandes males” no campo científico. Os perigos podem vir de plágios de trabalhos acadêmicos ou científicos e a impossibilidade de, em muitos casos, se fazer a verificação da originalidade dos mesmos, de relatórios intencionalmente falsos etc.

A sociedade da informação tem mudado muito as formas de se comportar das pessoas ou não, inclusive aproximando-as ou não. Neste foco, podemos perceber que os encontros virtuais, as pessoas podem estar perto ou conversam perto, mas os seus corpos estão longe uns dos outros.

Outrossim, frente às promessas da sociedade da informação no sentido de que todos podem ter acesso a esse mundo de informações, ainda se pode dizer, conforme Jorge Werthein, que não necessariamente a inclusão acontece em virtude do conhecimento, mas pode ocorrer a exclusão, conforme trechos do autor publicados no Jornal Estado de São Paulo.

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TÓPICO 3 | SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO

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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

Jorge Werthein

Inclusão na sociedade do conhecimento.

Uma visão realista do papel da informação e do conhecimento nos atuais processos produtivos leva a crer que nem uma nem outro conduzem necessariamente à igualdade social. Isso implica considerar que as novas tecnologias da informação, embora representem avanços em diversas áreas, também conduzem a formas inéditas de exclusão social. (Artigo publicado no Estado de S. Paulo, 26/06/2007)

Percebe-se, de um lado, o avanço da tecnologia, o desenvolvimento de

recursos cada vez mais sofisticados nos campos da comunicação, da educação, da informação. De outro, verifica-se mais uma forma de disparidade social: a exclusão da sociedade do conhecimento, caracterizada pela distância entre os que dominam as novas tecnologias e aqueles que mal as compreendem ou até as desconhecem.

Os países também vivem de modo desigual o ingresso na sociedade do conhecimento. O exemplo mais evidente desse fato é o desenvolvimento da internet, que tem conseguido interconectar, em poucos anos, milhões de pessoas nos lugares mais remotos do mundo – em 1995, eram 20 milhões de usuários; em 2000, eles já somavam 400 milhões; e, em 2006, eles já eram quase 1 bilhão. O acesso à internet, contudo, é desigualmente distribuído: 75% dos usuários vivem nos países industrializados, membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que têm 14% da população mundial. Enquanto nos Estados Unidos os usuários são 54% da população total, na América Latina e no Caribe eles são apenas 3,2%.

Outra disparidade se pode observar no interior dos próprios países: a maioria dos usuários da rede mundial de computadores vive em zonas urbanas (80% dos usuários na República Dominicana vivem em São Domingos), têm melhor escolaridade e melhor condição socioeconômica (no Chile, 89% têm ensino superior), são jovens (aqueles entre 18 e 24 anos de idade têm cinco vezes maior probabilidade de serem usuários do que os maiores de 55 anos) e, na grande maioria, do sexo masculino (na América Latina, eles são 66%, embora essa disparidade se venha reduzindo).

No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) há algumas semanas divulgou dados mais recentes. Contou 32,1 milhões de usuários da internet no país. Como usuários, o instituto compreende a população de 10 anos ou mais de idade que acessou a internet, por meio de microcomputador, pelo menos uma vez, em algum local – residência, trabalho, escola, centro público de acesso pago ou gratuito, etc. A maioria desses usuários é do sexo masculino (16,2 milhões), tem média de idade de 28 anos, 10,7 anos de estudo

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E por fim, não podemos esquecer que na sociedade da informação também há impactos na educação, a exemplo: disciplinas cursadas de forma semipresencial ou a distância. Esta forma de educação exigiu do professor e do aluno novas maneiras de organizar o tempo e inclusive mudança nas concepções de ensino e aprendizagem.

Fragmentos do texto: ESTAMOS EMBURRECENDOSe você ler três livros por mês, dos 20 aos 50 anos, serão 1.000 livros lidos numa vida, que nem chegam perto dos 40.000 publicados todo ano só no Brasil. Comparado com os 40 milhões de livros catalogados pelo mundo afora, mais 4 bilhões de home pages na internet, teses de doutorado, artigos e documentos espalhados por aí, provavelmente seu conhecimento não passa de 0,0000000000025% do total existente. Há intelectual que acha que tem o direito de mudar o mundo só porque já leu 5.000 livros. É muita arrogância. A ideia de intelectuais superesclarecidos governando nações hoje não faz o menor sentido, é até perigosa. Como sobreviver num mundo onde cada um de nós só poderá almejar saber 0,0000000000025% do conhecimento humano ou até menos? O segredo é cada um se esforçar para saber 100% de um pequeno nicho, uma parcela mui, mui pequena do conhecimento humano.KANITZ, Stephen. Veja, São Paulo, edição 1814, ano 36, n. 31, 6 ago. 2003.

UNI

FONTE: Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation. NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=1051&textCode=9008&date=currentDate>. Acesso em: 22 jun. 2010.

e rendimento médio mensal familiar per capita de R$ 1 mil. O perfil de quem não utiliza a rede é claramente distinto e, por isso mesmo, merece atenção: mais de 37 anos de idade, entre cinco e seis anos de tempo de estudo e rendimento médio mensal de R$ 333.

Cabe, portanto, à sociedade e a seus governantes decidir que caminho preferem seguir, se o da inclusão e consequente homogeneidade, ou o da exclusão e resultante fragmentação. Nesse sentido, o domínio do conhecimento científico faz parte do exercício da cidadania em sistemas democráticos. No mundo atual, o capital mais importante de um país é o conhecimento. O conhecimento, contudo, depende da formação de pessoas capazes de produzi-lo e manejá-lo.

Jorge Werthein, doutor em Educação pela Universidade Stanford (EUA), é diretor-executivo da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (RITLA).

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TÓPICO 3 | SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO

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3 SOCIEDADE E CONHECIMENTO

Nos últimos anos é comum ouvirmos que o conhecimento é a chave para o sucesso ou que devemos usar adequadamente as informações em proveito dos interesses ou necessidades seja qual for a área. Entretanto, o acúmulo de conhecimento tem aumentado irrestritamente nos últimos anos e vem dobrando cada vez em curto espaço de tempo.

SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO X SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

Professor Gaetano Lo Monaco

“O que será de pessoas que tomam o café da manhã debaixo de uma tempestade de informações? Poderão possuir toda a informação sem entender nada e até prejudicar a própria saúde psíquica e mental”, diz (parafraseando-o) o pesquisador alemão Hubert Markl.

Vivemos em uma sociedade mundial interconectada de forma global e em tempo real, na qual todas as informações podem – em potencial – estar disponíveis para todos simultaneamente.

São produzidos a cada ano cerca de 1,5 bilhão de gigabytes de informações e existem atualmente 2 bilhões de sites disponíveis na internet. É a Sociedade da Informação criada pela mídia.

Será que a mente humana aguenta tamanha overdose de informações? A nova doença que está preocupando psicólogos e médicos é a Síndrome da Inadequação: a inadequação informacional e a inadequação formacional.

Existem e estão em contínua expansão, qualitativa e quantitativamente, enormes bancos eletrônicos, capazes de armazenar essa quantidade de informações e dados. Isto é ótimo, desde que essas informações estejam armazenadas numa forma recuperável.

Mas o cérebro humano não é absolutamente capaz de lidar com tamanha aluvião de informações. Ainda bem que ele dispõe de um mecanismo capaz de destruir todas as informações, cujo sentido e valor ele não percebe.

De onde vem esse poder de filtragem? Vem da capacidade de concentração e de distinção própria do cérebro humano, juntamente com a inesgotável curiosidade por experiências e a capacidade de aprender coisas novas.

FONTE: Adaptado de: <http://www.inep.gov.br/pesquisa/thesaurus/fala_gaetano.htm>. Acesso em: 28 maio 2010.

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

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No entanto, cada vez mais tem se aceito que o conhecimento é essencial e crucial para o crescimento e a criação de novos empregos ou até mesmo novos ramos de atuação. Hoje o conhecimento exerce um papel relevante no processo econômico, social, político e estratégico de um país, bem como de uma organização. De forma geral, pode-se dizer que o investimento intangível (em produção de conhecimento de ponta) está crescendo muito mais rapidamente do que o investimento físico. As nações que investem em produção de conhecimento de ponta tendem a ser mais produtivas e melhor posicionadas no cenário mundial.

Em 2035 a existência de robôs é algo corriqueiro, sendo usados constantemente como empregados e assistentes dos humanos. Os robôs possuem um código de programação chamado Lei dos Robóticos, que impede que façam mal a um ser humano. Esta lei parece ter sido quebrada quando um doutor aparece morto e o principal suspeito de ter cometido o crime é justamente um robô.Como dica, assista ao filme Eu, Robô.

Enfim, mesmo que se postule que a sociedade da informação e do conhecimento se faz presente constantemente no nosso cotidiano, isso não significa acesso de todos às informações. O acesso ao mundo da informação não garante a todos fazer parte deste novo mundo, pois, para muitos, este mundo é distante. Para finalizar a unidade leia atentamente o trecho do artigo Gestão do Conhecimento, de Daniel de Medeiros, publicado pelo Instituto Catarinense de Pós-Graduação, que retrata principalmente o Conhecimento Tácito e Explícito e a importância da Gestão do Conhecimento. De certa forma, na Sociedade do Conhecimento um dos grandes desafios, dentre outros, é transformar o conhecimento tácito em explícito e, além disso, gerenciar o conhecimento em prol das necessidades organizacionais e para o interesse da sociedade no sentido de melhor conduzir-se para o futuro.

LEITURA COMPLEMENTAR

GESTÃO DE CONHECIMENTO

Daniel Medeiros

No século XIX, época em que Taylor iniciou seus estudos, estava em moda o sistema de pagamento por peça ou por tarefa. Os patrões procuravam ganhar o máximo na hora de fixar o preço da tarefa, e os operários, por seu turno, reduziam a um terço o ritmo da produção das máquinas, procurando contrabalancear o

DICAS

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TÓPICO 3 | SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO

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preço por peça determinado pelos patrões. Isso significa que o empregado não era valorizado, que era tido como parte da engrenagem das máquinas.

As grandes transformações ocorridas nos últimos anos, impulsionadas, principalmente, pelo avanço da tecnologia, provocaram a passagem da antiga sociedade industrial para uma nova sociedade baseada na informação e no conhecimento. A Gestão do Conhecimento, de acordo com Koulopoulos (1997), reside, basicamente, na capacidade de relacionar as informações estruturadas e não estruturadas com regras constantemente modificadas e aplicadas pelas pessoas na empresa. Dessa forma, percebe-se a fundamental importância da informação como base para o conhecimento, cujas relações têm merecido destaque por diversos autores, como Nonaka e Takeuchi (1997).

A Gestão do Conhecimento requer a distinção apresentada por Nonaka e Takeuchi (1997) entre os dois tipos presentes nas organizações: o conhecimento tácito e o conhecimento explícito.

O conhecimento tácito é o que está profundamente enraizado nas ações, nas experiências, nas emoções, nos valores ou nos ideais de um indivíduo. O conhecimento explícito é o que pode ser facilmente processado por computador, transmitido eletronicamente ou armazenado em banco de dados.

Nonaka e Takeuchi (1997) observam que a essência para criação do conhecimento organizacional está na conversão do conhecimento tácito em conhecimento explícito (externalização). Ninguém sabe tudo sobre algo, mas cada um sabe alguma coisa; por isso, o conhecimento coletivo é importante.

A empresa precisa conhecer o seu potencial. Por esse motivo, as organizações atuais já estão prospectando o seu futuro, pois o melhor trunfo é seu capital humano, fonte na qual deve se alimentar para reunir e mobilizar competências e conhecimentos.

Drucker (1998) ressalta que estamos entrando na sociedade do conhecimento, onde não mais o capital, os recursos naturais ou a mão de obra podem ser considerados como recurso econômico básico, mas, sim, o conhecimento, sendo que serão os trabalhadores do conhecimento os que desempenharão o papel central. Considera, ainda, a Gestão do Conhecimento o passo seguinte à Gestão da Informação.

O conhecimento é a chave para a conquista de vantagens competitivas no atual ambiente empresarial. Representa a aplicação e o uso produtivo da informação, motivos pelos quais é fundamental à Gestão do Conhecimento. Entretanto, o conhecimento não possui, exatamente, as mesmas características da informação. A importância da informação, geralmente, está relacionada com o tempo. Diferentemente, o conhecimento deve ser distribuído através da organização, e sua essência está em ser compartilhado, adquirido e trocado para gerar novos conhecimentos.

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

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Tipos de conhecimento

Para a Gestão do Conhecimento, é fundamental a distinção entre o conhecimento tácito e o explícito apresentada por Polany (1995). O conhecimento tácito é aquele representado pelas experiências individuais; trocado e compartilhado diretamente através do contato pessoal, é mais difícil, certamente, de ser transmitido.

O conhecimento explícito é o conhecimento formal da organização, podendo ser encontrado nas formalizações que a mesma tem sobre si mesma, tais como organogramas, fluxos internos, estatutos, missão e áreas de atuação. [...]

Atualmente, uma das funções da tecnologia da informação consiste no direcionamento à captação do conhecimento tácito e sua transformação em conhecimento explícito. Essa função foi considerada sem importância durante muito tempo, embora o conhecimento tácito e o conhecimento explícito representem igual valor no conjunto de conhecimentos da organização.

FONTE: Disponível em: <http://www.icpg.com.br/artigos/rev01-01.pdf>. Acesso em: 24 maio 2010.

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Caro(a) acadêmico(a), neste tópico você viu que:

• A sociedade da informação, além de permitir que as pessoas se aproximem, também colabora para o distanciamento das pessoas.

• Dentre os desafios da atualidade, um é gerenciar o volume de informações.

• O conhecimento explícito pode ser encontrado em CDs, livros, banco de dados.

• O conhecimento tácito está na cabeça dos indivíduos e o desafio é torná-lo explícito.

RESUMO DO TÓPICO 3

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AUTOATIVIDADE

1 Aponte os aspectos positivos e negativos da sociedade da informação.

2 A partir da leitura complementar aponte o que se entende por Conhecimento Explícito e Conhecimento Tácito.

3 Escreva três possíveis impactos da sociedade da informação na sua vida e para o seu curso.

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TÓPICO 4

CONSUMO E DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Atualmente, podemos dizer que estamos vivendo um momento ímpar da história da humanidade, pois as inovações e mudanças têm alcançado um ritmo não presenciado anteriormente. Além disso, a título de exemplificação, pode-se citar a globalização, as novas profissões, a competição, a falta de mão de obra qualificada em alguns setores, as novas exigências e desafios para as organizações, os avanços na área genética, a inteligência artificial, robótica, as novas tecnologias, fusões e aquisições, dentre outros. Estes acontecimentos ou inovações influenciam de certa forma na condução, planejamento e execução das atividades políticas, econômicas, sociais e educacionais da sociedade de modo geral.

Frente ao breve cenário exposto, ainda se reforça com o que postulou Drucker (2002) ao mencionar que a sociedade em poucas décadas se organizou e mudou sua visão de mundo: valores básicos fundamentais, a estrutura social e política, as artes etc. E diante disso, quer de forma direta ou indireta, a sociedade tem sido afetada por este cenário de mudanças e novas exigências em diversos setores. E além destas transformações ou inovações, ainda é relevante mencionar as mudanças ou novas perspectivas que ocorrem no seio da própria sociedade. A título de exemplo: geração Y, multiculturalismo, pós-modernidade, crise de valores, a preocupação com a diversidade e a sustentabilidade (no âmbito da sociedade, organizações e até mesmo nos currículos universitários), a questão do gênero, consumismo (consumo, logo existo), modernidade X pós-modernidade, dentre outros aspectos.

Ainda podemos citar: as pessoas estão esquecendo ou dando pouca importância para valores tidos como essenciais, a preocupação com o ter em face ao ser, outras formas de organização familiar, novas posturas da sociedade frente aos aspectos ambientais, desafios e dilemas são apresentados às áreas, por exemplo, do direito, medicina, administração, veterinária, farmácia, filosofia, sociologia, pedagogia, computação, neurociência etc.

É claro que, além de estas áreas serem desafiadas, elas têm buscado apresentar entendimento ou soluções criativas para os desafios e dilemas que aparecem diariamente. Por isso, este tópico tem como propósito possibilitar a reflexão sobre impactos do consumo para a sociedade e o meio ambiente.

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

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2 O SENTIDO DO CONSUMO

Atualmente, vivenciamos a busca, via de regra, como postulado, o ter e não o ser. Ou seja, a prioridade é buscar consumir o máximo possível de produtos ou serviços que o mercado oferece. E o mercado por sua vez procura apresentar incessantemente novidades tanto em produtos como em serviços. Basta você fazer um exercício mental e verificar quantos produtos novos ou serviços foram lançados, na última década, para satisfazer a necessidade humana ou instigar o ser humano a ter novas necessidades. E muitas destas necessidades ou podem ser encontradas nos shopping centers, ou lojas dos mais diversos setores. Segundo Sung (1992), shopping centers são o novo espaço sagrado, onde os devotos que vão contemplar e/ou comprar as mercadorias/fetiches merecem a maior atenção. Ou seja, na posição deste pensador, de certo modo, os novos templos da atualidade são os shoppings ou clubes privés.

Para Ferreira (2003), a sociedade do consumo se caracteriza por uma única finalidade: produzir mercadorias para ser vendidas. Neste sentido, circuito produtivo, virtuoso para alguns e vicioso para outros. O propósito dos mercados é oferecer incessantemente produtos, buscando fazer com que o supérfluo se torne necessário e imprescindível.

Os valores, desejos e sentimentos, que circulam no meio social pautado pela onipresença da mercadoria, criaram uma meta que foi alçada ao recinto do pedestal sagrado: a luta pela posse da maior quantidade possível de bens materiais tangíveis e intangíveis, fato que confere, uma vez conquistados os bens, a láurea de maior prestígio social ao indivíduo quanto maior seja a quantidade de bens que ele consiga acumular. Assim, a sociedade de consumo estrutura-se na lógica da criação permanente de novas necessidades, que redundam na invenção infinda de novos bens de consumo duráveis ou descartáveis. Essa lógica move, por meio de uma dinâmica própria, o sistema econômico que a criou e que se sustenta sobre essa criação múltipla e infinita de bens, que são permanentemente apresentados ao mercado por estratégias de convencimento dos consumidores de que eles são indispensáveis para a manutenção da vida. (FERREIRA, 2003, p. 187-188, grifos do autor).

Diante deste contexto, existem áreas do conhecimento que buscam entender o ser humano para incentivá-lo a consumir cada vez mais. Outras áreas buscam analisar os impactos econômicos do consumo, outras os efeitos maléficos do consumo para o meio ambiente, outras buscam oferecer cada vez mais produtos e com mais sofisticação ou até mesmo adequar o produto conforme o poder aquisitivo do consumidor.

Hoje se pode dizer que vivemos num período onde não mais se diz: Penso, logo existo, mas sim: Consumo, logo existo. Ou seja, vivemos em uma era de consumo. Para aprofundar a análise leia atentamente parte do texto: Totem e consumo: um estudo antropológico de anúncios publicitários, de Everardo Rocha, para posteriormente continuarmos a reflexão em questão.

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TÓPICO 4 | CONSUMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

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Enfim, não podemos negar que o produto, em si, não tem sentido, mas é necessário dar a ele sentido e até mesmo criar a ideia que necessitamos dele. E para isso, áreas do conhecimento têm buscado incessantemente entender as necessidades da sociedade ou até mesmo criar novas necessidades, a fim de incentivar o consumo. E, além disso, o mercado busca novos consumidores, pessoas que tenham a capacidade financeira de poder comprar. Em termos de Brasil, atualmente o poder de compra tem aumentado e pessoas que, até há pouco tempo, não faziam parte do mercado estão entrando no mundo do consumo. Veja abaixo reportagem exibida no Jornal Bom Dia Brasil, no dia 5 de maio de 2010.

Vamos fazer um exercício de imaginação relativizadora e retratar um supermercado mágico, cuja característica seria a de exibir seus produtos desprovidos de toda espécie de rótulo, etiqueta, tarja, nome, marca ou qualquer outra forma de identificação.

Vamos colocar estes produtos em recipientes iguais, obedecendo a uma única regra: adequar os continentes à natureza dos conteúdos. Assim, produtos em pó ou sólidos acondicionados em sacos plásticos, líquidos em pequenos frascos, gasosos em tubos de forma cilíndrica. Para completar, esses únicos modelos de embalagem seriam, rigorosamente, transparentes.

Ao fazer nosso shopping neste supermercado imaginário, será que poderíamos comprar com absoluta certeza produtos desejados, necessários ou úteis? Ou corremos o risco de confundir shampoo de ervas silvestres com detergente de limão, ambos verdes, cheirosos e viscosos? E como decifrar os cremes – nutrientes, fortificantes, condicionadores, hidratantes, vitaminados – para a pele, rosto ou cabelo que, às vezes, pode ser seco, fraco ou oleoso? E a brancura terapêutica do sal de frutas seria ela facilmente distinta da brancura higiênica do talco? O leite em pó do café da manhã não poderia passar pela farinha de trigo do bolo? E o álcool de uso doméstico ao invés de cachaça de uso festivo? O universo dos medicamentos seria simplesmente caótico, caso não fosse mortal. Pensando nos misteriosos produtos gaseificados, quem seria capaz de separar vapores: remédios de garganta, desodorantes, óleos ou, mais radicalmente, inseticidas e tintas – todos disfarçados pela mágica forma do aerossol e pelas nuances discretas das fragrâncias.

Mas, a nossa comunicação de massa, nosso sistema de marketing, publicidade e propaganda; as etiquetas, marcas, anúncios, slogans, embalagens, nomes, rótulos, jingles e tantos outros elementos distintivos, realizam este trabalho amplo e intenso de dar significado, classificando a produção e socializando para o consumo. É este processo de decodificação que dá sentido ou, se quisermos, lugar simbólico ao universo da produção. Dessa maneira, o consumo se humaniza, se torna cultural, ao passar, definitivamente, através dos sistemas de classificação. A relação de compra e venda é, antes e acima de tudo, relação de cultura. A troca simbólica, antecipando as demais modalidades sociais da troca e a classificação, permitindo a reciprocidade entre produção e consumo.

FONTE: ROCHA, Everardo. Totem e consumo: um estudo antropológico de anúncios publicitários. ALCEU, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 18-37, jul/dez, 2000.

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

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GASTOS DE FAMÍLIAS BRASILEIRAS DEVEM BATER RECORDE EM 2010 [...]

Brasileiro está comprando mais: automóveis, eletrodomésticos, material de construção. É uma febre no comércio. E a classe C está chegando ao paraíso das compras. O consumo dos brasileiros deve girar em torno de R$ 2 trilhões.

Os planos são bem parecidos: adquirir bens, pagar à vista ou em suaves

prestações. “Os planos de consumo são carro novo, apartamento. Eu e meu marido planejamos adquirir a casa própria”, conta a advogada Elisângela Martins.

O que varia é a necessidade de cada um. “Eu casei recentemente, preciso

terminar de montar as coisinhas que ainda faltam: sofá novo”, diz a funcionária pública Liamara Livia Simões. O sonho de muitos, se concretizado, deve aquecer o mercado interno, que esse ano promete uma grande transformação.

Um estudo feito por uma empresa especializada em mercado mostra que

a despesa das famílias poderá crescer até o fim do ano. O consumo dos brasileiros deve girar em torno de R$ 2 trilhões. O resultado, que é bem acima do esperado, surpreendeu os pesquisadores.

A estimativa é que o consumo seja maior que previsto para o PIB, de 6,1%.

Entre as regiões do país, o Sudeste deve apresentar maior crescimento, seguido pelo Sul. Já para Nordeste, Centro-Oeste e Norte, a previsão é de um leve declínio. “Em termos de regiões, o Nordeste continua sendo o segundo maior mercado consumidor, perdeu um pouco de participação por causa do fortalecimento das regiões Sul e Sudeste”, explica o coordenador da pesquisa, Marcos Pazzini.

A pesquisa também revela que quase a metade do consumo deve se

concentrar nos 50 maiores municípios brasileiros. A cidade de São Paulo lidera, seguida pelo Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte. Entre as dez maiores, uma surpresa: Campinas, única não capital, aparece na nona posição.

Entre as classes sociais, a que mais deve elevar o poder de compra é a

classe C, com renda média mensal de R$ 1.650, respondendo por 27,7% de tudo que será consumido no país. Um grupo que está subindo de posição. “Temos um cenário econômico favorável, uma perspectiva de crescimento da economia em um nível muito bom, taxa de emprego basicamente garantida, oferta de emprego, muitos trabalhadores trocando de empresas porque está tendo uma procura muito grande de novos talentos”, diz o coordenador da pesquisa, Marcos Pazzini. “Tenho notado que eu tenho recebido mais convites de emprego, acho mais atraente. Faz valorizar o passe”, conta o engenheiro elétrico, Adilson Almeida.

Um casal de enfermeiros se considera da classe C. Comprou carro e casa.

Com uma renda que ultrapassa os R$ 3 mil, a família já começa a migrar para a classe B. Como a própria pesquisa aponta, esse grupo de maior poder econômico

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TÓPICO 4 | CONSUMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

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3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Atualmente, se, por um lado, vivemos em um período onde as pessoas têm como meta consumir, por outro lado, há a necessidade de termos matérias-primas suficientes para atender às necessidades humanas. Porém muitas das matérias-primas não serão suficientes para atender a grande demanda de consumo, além de haver recursos que não são renováveis. Além disso, muitas das organizações que produzem podem não estar preocupadas com as consequências maléficas ao meio ambiente quando fazem usufruto de seus recursos para produzir mercadorias. Por exemplo, se olharmos mais atentamente, visualizaremos muito descaso com a natureza, a exemplo: poluição, desmatamento, uso irracional dos bens renováveis ou não.

O quadro apresentado poderia ser desanimador para um futuro próximo, no qual o planeta não teria mais recursos para atender às necessidades humanas. Entretanto, a sociedade de forma lenta tem ficado atenta às consequências que o consumismo desenfreado traz ao meio ambiente. De acordo com Hilário Franco (apud TRASFERETTI, 2006, p. 73):

[...] atualmente, as empresas são questionadas pela comunidade, que deseja ser informada sobre assuntos ecológicos e morais, tais como poluição, desperdícios de recursos naturais, vantagens tiradas de crises, abuso de autoridade, segurança de usuários e consumidores, qualidade de vida, pagamentos inadequados [...].

Estas questões têm deixado muitas organizações em alerta quanto às formas de usufruir os recursos naturais face às exigências da sociedade, dos tratados ou da legislação e tendem a redirecionar suas condutas perante as formas de conduzir os negócios. De acordo com Seiffert (2009, p. 268):

A necessidade de conciliar o crescimento e a preservação ambiental, duas questões antes tratadas separadamente, levou à criação e ao amadurecimento do conceito de desenvolvimento sustentável, que surge como alternativa inclusive de abrangência global. A consciência de que é necessário utilizar com parcimônia os recursos naturais, uma vez que estes podem se esgotar rapidamente, mobiliza a sociedade no sentido de organizar para que o crescimento econômico não seja predatório, mas sim sustentável. [...] A capacidade de carga do planeta Terra não poderá

FONTE: Disponível em: <http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2010/05/familias-brasileiras-devem-bater-recordes-em-gastos-esse-ano.html>. Acesso em: 5 maio 2010.

sempre elege outras prioridades, como, por exemplo, a educação. Quem deve ganhar é a pequena Clara, de apenas dois meses de vida.

“Pensamos em uma boa educação, boa escola, sabemos que vai apertar

um pouquinho por ser particular. Vamos começar já com um berçário particular. Vamos ver mais para frente”, diz a enfermeira Zoé Paiva Rodrigues. Para conquistar esse contingente, as empresas lançam produtos com preços mais baixos.

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

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ser ultrapassada sem que ocorram grandes catástrofes ambientais. Entretanto, não se conhece qual é essa capacidade, e será muito difícil conhecê-la com precisão, sendo necessário adotar uma postura proativa. Neste sentido, é preciso criar condições socioeconômicas, institucionais e culturais que estimulem não apenas um rápido progresso tecnológico poupador de recursos naturais, como também uma mudança na direção a padrões de consumo que impliquem o crescimento contínuo e ilimitado do uso de recursos naturais per capita.

Assim, se por um lado incessantemente buscamos consumir e as

organizações buscam abarcar novos mercados consumidores, incluindo aqueles que até há pouco tempo não participavam da prática de consumir, de outro temos os que postulam sobre até que ponto o planeta suportará esta dinâmica. Assim, de acordo com Andrade, Tachizawa e Carvalho (2002, p. 21):

Um dos maiores desafios que o mundo enfrentará no próximo milênio será fazer com que as forças de mercado protejam e melhorem a qualidade do ambiente, com a ajuda de padrões baseados no desempenho e no uso criterioso de instrumentos econômicos, em um contexto harmonioso de regulamentação. O novo contexto econômico caracteriza-se por rígida postura dos clientes, voltada à expectativa de interagir com organizações que sejam éticas, com boa imagem institucional no mercado e que atuem de forma ecologicamente correta.

Diante do contexto em que a humanidade se encontra, várias são as organizações, grupos de estudos, governos que têm buscado discutir e incrementar formas de desenvolvimento sustentável. Neste sentido diz Moura (2000, p. 34):

Pelo dicionário “Aurélio”, sustentar, entre outros significados, é o sinônimo de “conservar e manter” e, no caso ambiental, implica o prolongamento do uso produtivo dos recursos naturais. O crescimento econômico somente pode ser feito dentro da visão “desenvolvimento sustentável”, ou seja, manter infinitamente a disponibilidade de um determinado recurso, usado por esta geração e pelas gerações futuras, considerando principalmente o valor de uso e o valor de opção. [...] O conceito de sustentabilidade estará ligado, em primeiro lugar ao uso racional do recurso evitando-se desperdícios e adotando-se processos de recuperação e reciclagens, este último bastante aplicável aos metais. Em segundo lugar, a sustentabilidade poderá ser buscada através do desenvolvimento de novas tecnologias, procurando-se substitutos mais eficientes para os materiais esgotáveis [...].

De certo modo a humanidade tem se preocupado com a necessidade de buscar um desenvolvimento sustentável. É claro que, se em alguns setores a ideia é bem-vinda, em outros setores há resistência. No entanto, podemos dizer que, para que se otimize o desenvolvimento sustentável, é necessário que neste processo se desenvolvam projetos ecologicamente compatíveis com as necessidades humanas, viáveis economicamente e que tenham respaldo da sociedade, pois muitas das ações que têm impactos no meio ambiente, de certa maneira, podem contribuir para aniquilar ou não as aspirações de gerações futuras, no sentido de estas não conseguirem atender às suas necessidades básicas inclusive.

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TÓPICO 4 | CONSUMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

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Conforme o que já mencionamos, as questões de cunho ambiental têm atingido as organizações, pois estas podem e não querem ser responsabilizadas pela destruição do meio ambiente e dos anseios das próximas gerações. Por isso, conforme Donaire (2009, p. 28):

Entre as diferentes variáveis que afetam o meio dos negócios, a preocupação ecológica da sociedade tem ganho um destaque significativo em face de sua relevância para a qualidade de vida das populações. De forma geral, os países começam a entender que as medidas de proteção ambiental não foram inventadas para impedir o desenvolvimento econômico. Muitos países têm inserido, em seus estudos de desenvolvimento, modelos de avaliação de impacto e custo-benefício ambiental na análise de projetos econômicos que têm resultado em novas diretrizes, regulamentações e leis na formulação de suas políticas e na execução de seus projetos de governo. Tal iniciativa acarreta nova visão na gestão de recursos naturais a qual possibilita, ao mesmo tempo, eficácia e eficiência na atividade econômica e mantém a diversidade e a estabilidade do meio ambiente.

Enfim, vários setores da sociedade têm buscado colocar em pauta suas

discussões acerca do meio ambiente, ou ainda, implementar ações concretas para efetivar o desenvolvimento sustentável.

UTOPIA PARA O SÉCULO XXI

José Eli da Veiga

Há um novo requisito que exige ajustes em ultrapassadas concepções do desenvolvimento: a sustentabilidade ambiental do crescimento e da melhoria da qualidade de vida. Trata-se de um imperativo global que chegou para ficar em virtude da percepção de que a biosfera, em níveis global, regional, nacional ou local está sendo submetida a pressões insuportáveis e prejudiciais para o próprio desenvolvimento e às condições de vida. Como diz Sunkel (2001, p. 295), “[...] este é um tema que as classes dirigentes da nossa região não poderão adiar sob pena de sofrer graves conflitos internos e sérias dificuldades internacionais”.

A noção de desenvolvimento sustentável, de tanta importância nos últimos anos, procura vincular estreitamente a temática do crescimento econômico com a do meio ambiente. Para compreender tal vinculação, são necessários alguns conhecimentos fundamentais que permitem relacionar pelo menos três âmbitos:

a) a dos comportamentos humanos, econômicos e sociais, que são objeto da teoria econômica e das demais ciências sociais;

b) o da evolução da natureza, que é objeto das ciências biológicas, físicas e químicas;

c) o da configuração social do território, que é objeto da geografia humana, das

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

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As discussões sobre as questões de cunho ambiental não são oriundas de uma única causa. Inclusive pode-se citar a ideologia de produzir muitos bens de consumo e promover sistemas de valores de mercado livre no planeta, que predominou por várias décadas, conhecida como o Consenso de Washington, termo criado em 1990, por John Williamson, do Instituto de Economia Internacional. Este consenso se tornou, de certo modo, a ideologia da nova ordem mundial. Para essa doutrina, é fundamental que capital, bens e serviços percorram facilmente fronteiras ao redor do mundo, assim como a certeza de que os interesses de capital estão acima dos direitos dos cidadãos, até mesmo com problemas de cunho ambiental básico, como a água.

ciências regionais e da organização do espaço. É evidente que esses três âmbitos se relacionam, interagem e se sobrepõem, afetando-se e condicionando-se mutuamente. A evolução e a transformação da sociedade e da economia no processo de desenvolvimento alteram de várias maneiras o mundo natural. E esse relacionamento recíproco se materializa, se articula e se expressa por meio de formas concretas de ordenamento territorial. (SUNKEL, 2001, p. 296).

No entanto, em contraste com essa óbvia percepção empírica, é patente o generalizado desconhecimento das formulações conceituais básicas da ecologia e das leis fundamentais de termodinâmica que permitem, precisamente, relacionar as diferentes disciplinas científicas que ocupam os três âmbitos. É nisso, e nas limitações inerentes ao enfoque convencional da economia, que reside um dos problemas centrais para a compreensão do desenvolvimento sustentável. Pior, depois que entrou em moda, o adjetivo “sustentável” substituiu na linguagem do dia a dia, algumas noções mais próximas, como “firme” ou “durável”. Essa banalização faz com que ele acabe sendo muito usado para qualificar um crescimento econômico que não seria passageiro, instável ou oscilante, ou mesmo para se referir à consciência dos mais variados tipos de fenômeno. Assim, até em fofocas sobre algum casal famoso arrisca-se ouvir inquietações sobre a sustentabilidade do relacionamento.

O debate sobre o desenvolvimento sustentável também passou a girar em torno dessa mesma vaga ideia de durabilidade, mesmo que em sua gênese o sentido tenha sido bem mais preciso. A questão era a de saber se – e em que condições – tal processo poderia não ser comprometido pela destruição de seus próprios alicerces naturais. Na verdade, a expressão desenvolvimento sustentável foi a que acabou se legitimando para negar a incompatibilidade entre o crescimento econômico contínuo e a conservação do meio ambiente. Ou ainda, para afirmar a possibilidade de uma conciliação desses dois objetivos, isto é, de crescer sem destruir. Essa legitimidade foi conquistada em oposição à ideia de “ecodesenvolvimento”, preferida por algum tempo pelos principais articuladores do processo internacional que levou à Conferência do Rio, em 1992.

FONTE: VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável, o desafio para o século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. p.187-189.

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TÓPICO 4 | CONSUMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

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A título de exemplo: um dos problemas ambientais de maior ameaça é a água que utilizamos. A água que não está em forma de gelo ou cheia de sal é apenas a metade de 1% em todo o planeta. Podem ser encontradas diversas previsões quanto à questão. Por exemplo, em 2025, 1,8 bilhão de pessoas, a maioria habitantes do Oriente Médio, do Norte da África, do Sul da Ásia e da China, enfrentarão escassez de água.

Frente a este contexto, buscar maneiras de sanar os problemas de ordem ambiental no mundo exige não apenas verificar o que está errado, mas encontrar soluções alternativas, inclusive mudanças de hábitos, como, por exemplo, reciclagem, aproveitamento ou racionamento da água.

Em termos de conclusão, se, por um lado, cada vez mais tem se buscado inserir pessoas no mercado consumidor, por outro, a humanidade tem debatido sobre as consequências do consumo humano para o meio ambiente. Uma alternativa é implementar o desenvolvimento sustentável.

Entretanto, para que isso se efetive, é necessário que a humanidade se conscientize e, além disso, que os profissionais se habituem a atuar de acordo com os propósitos do desenvolvimento sustentável. Por isso, de certa forma, também tem se preocupado com a formação dos profissionais do futuro quanto às questões ambientais, as quais devem se fazer presentes nas universidades.

Caro(a) acadêmico(a), leia atentamente o texto a seguir retirado da Revista Ensino Superior e depois pesquise quais os impactos destas ideias na sua área de atuação.

LEITURA COMPLEMENTAR

PROFISSIONAIS DO FUTURO E A FORMAÇÃO NAS UNIVERSIDADES Um novo olhar em construção

Para além do simples discurso ambientalista, a sustentabilidade já se tornou tema obrigatório no mercado de trabalho. Saiba como preparar seus alunos para essa nova realidade e ajudar a construir o profissional do futuro.(Adriana Natali)

O assunto sustentabilidade está na pauta do dia. O fracasso das discussões da 15ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas serviu para reacender o debate ambiental, mesmo que, com isso, tenha se perdido um pouco da esperança quanto a soluções de médio prazo para a questão climática. Mas é inegável que o assunto veio para ficar e estará na agenda de profissionais de diversos setores de forma permanente. Em meio a essa discussão, como as instituições de ensino superior podem preparar seus alunos para enfrentar esses novos desafios?

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

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Despertar a consciência ambiental tem sido um dos objetivos da Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, de 2005 a 2014, promovida pela UNESCO com o objetivo de integrar os princípios, valores e práticas da sustentabilidade na educação. “De nada adiantarão esforços internacionais, nacionais ou mesmo de menor abrangência, se eles não forem acompanhados de uma mudança de atitude de cada indivíduo ou de um número cada vez maior de indivíduos, no sentido de respeitar e proteger o meio em que vivemos”, diz a diretora do Instituto do Meio Ambiente da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Betina Blochtein.

Mas, para além da discussão ambiental, existe a demanda de mercado. Todo esse processo vai exigir profissionais competentes e preocupados com a preservação da natureza, conscientes da manutenção das condições de vida do planeta e preocupados em serem efetivamente os profissionais “verdes”. Não apenas por uma condição “politicamente correta”, mas também por questões econômicas. Está aberta uma oportunidade de mercado difícil de ignorar, tanto para os empregadores quanto para os empregados. “Cabe às instituições de ensino superior formar essa consciência, competência e envolvimento dos profissionais para a garantia da preservação e manutenção do planeta para a nossa e as futuras gerações. Torna-se imperioso que elas voltem sua atenção para a formação de profissionais, acima de tudo, éticos e responsáveis pela manutenção de um mundo equilibrado e adequado tanto à vida do homem quanto da natureza”, afirma Turguenev Roberto de Oliveira, professor do Centro Universitário Belas Artes.

Por várias razões a adoção dessa tendência verde, não somente nas instituições de ensino, mas em todos os componentes da sociedade atual, vem se mostrando uma necessidade urgente. “As universidades não podem se eximir de estimular a inovação, desenvolvendo tecnologias ambientalmente mais amigáveis, capazes de evitar ou mitigar os impactos produzidos pela sociedade da qual fazem parte”, afirma o coordenador científico do Instituto do Meio Ambiente da PUC-RS, Jorge Alberto Villwock.

Este processo, segundo Villwock, se inicia com o comprometimento da administração na busca pela sustentabilidade a partir de três componentes essenciais: o ambiental, o social e o econômico. A conscientização dos docentes, servidores e discentes é o próximo passo. “É um processo lento. Para obter sucesso, de modo que as novas práticas se tornem rotina, é necessário despertar consciências, promover mudanças de atitudes, comprometendo cada um dos indivíduos, transformando-os em atores da mudança.”

Para Leda Maria de Oliveira Rodrigues, professora da Faculdade de Educação da PUC, de São Paulo, os chamados “profissionais verdes” são de extrema importância. “O professor é um dos agentes formadores da consciência da manutenção e preservação da natureza. Portanto, todos os profissionais das áreas das ciências exatas, biológicas e humanas estão envolvidos nesta luta. Mais que isso, o trabalho de todas as áreas está interligado, portanto esses profissionais devem desenvolver a prática de trabalho conjunto, com planos que envolvam todas as áreas.”

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TÓPICO 4 | CONSUMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

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Várias instituições, em todo o mundo, já adotam essa nova postura e é possível afirmar que não há uma receita única. O importante é a constante avaliação dos resultados, o estabelecimento de novas metas e o aperfeiçoamento de um processo que nunca terminará.

“Não é uma questão de oportunidade, mas de necessidade para não só garantir, mas qualificar o maior número possível de profissionais para um diálogo interdisciplinar essencial numa economia que está avançando para uma base de baixo carbono, lentamente, é verdade, mas a tendência para uma economia verde é um dado de realidade. Existe uma carência desses profissionais e diversas formações estão cumprindo esse papel”, acredita Pedro Jacobi, vice-presidente da Comissão de Pós-Graduação do PROCAM, Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP).

Para o arquiteto e urbanista José Ripper Kos, professor nas universidades federais do Rio de Janeiro e de Santa Catarina, essas mudanças são urgentes e, embora existam diversas iniciativas nas universidades direcionadas para a mudança dessas relações, elas acontecem geralmente de forma isolada e o impacto na formação de novos profissionais ainda é muito lento. “Tudo indica que a pressão da sociedade exigindo essas mudanças será cada vez mais forte.”

Mas ele acredita que as instituições de ensino superior ainda não estão se preparando como deveriam. “Parece-me que essas mudanças ainda são raras em escolas de todo o mundo. Recentemente, um grupo de escolas europeias de arquitetura de diversos países entrou em contato com a universidade, solicitando experiências nessa direção para a elaboração de sugestões para a formação de profissionais mais bem preparados para nossa nova realidade”, justifica.

Uma das principais características desses novos profissionais será a capacidade de trabalhar de forma colaborativa com grupos de diferentes áreas. A utilização mais abrangente da energia solar, por exemplo, exige um número maior de profissionais, mas não existem engenheiros suficientes com a qualificação desejada para esse sistema. Atualmente, as energias renováveis correspondem a cerca de 3% do sistema energético mundial. A estimativa é que o consumo mundial de energias renováveis chegue a 10% em 2020 e, em 2050, será de 40% a 50%.

Marcondes, da Envolverde: empresas buscam em institutos formação que

deveria vir das universidades. “Essa é a nossa principal deficiência. A maioria dos professores não está acostumada a trabalhar dessa forma e ainda não sabemos como formar esses profissionais. Nossos currículos são muito segmentados e não facilitam experiências colaborativas entre diferentes áreas. Reproduzimos, na universidade, a mesma estrutura segmentada dos profissionais”, diz Kos.

Propostas de integração entre os diferentes cursos podem ser o primeiro passo para a formação de profissionais mais bem preparados para uma visão global dos problemas atuais. A criação de ambientes interdisciplinares e colaborativos,

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

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buscando soluções mais sustentáveis, é essencial para uma mudança significativa da universidade.

Dal Marcondes, jornalista especialista em sustentabilidade, diretor da ONG Envolverde, especializada no tema, acredita que empresas, Organizações Não Governamentais (ONGs) e todas as esferas de governo precisam cada vez mais de profissionais com especialização em meio ambiente, seja em gestão ambiental ou empresarial. “Serão criadas milhares de vagas com essa necessidade nos próximos três anos. As universidades precisam compreender esta oportunidade e oferecer aos estudantes cursos com viés socioambiental em todas as áreas do conhecimento”.

De acordo com ele, meio ambiente não é mais uma cadeira específica, mas um conhecimento que precisa ser incorporado em quase todas as áreas do conhecimento. É uma oportunidade para estudantes, mas é, também, uma oportunidade para que universidades saiam na frente para criar a interdisciplinaridade do conhecimento sobre meio ambiente e sustentabilidade. “É preciso pensar fora do âmbito do ‘normal’ e buscar os conhecimentos onde eles estejam. As universidades devem buscar a integração com áreas de conhecimento avançado em sustentabilidade, inclusive ONGs, para formatar cursos e formalizar carreiras”, sugere.

Atualmente, as empresas mais bem estruturadas contam com gerências e diretorias de sustentabilidade e publicam relatórios baseados em padrões internacionais. A tendência é essas áreas fazerem parte das decisões estratégicas do negócio e gerarem maior demanda por especialização e especialistas.

“Muitas empresas estão buscando formação em ONGs e em institutos para

suprir a baixa oferta de especialistas pelas universidades”, afirma Marcondes, para quem é preciso criar cursos de graduação, especializações, mestrados e doutorados em meio ambiente e sustentabilidade.

“Esta é uma questão complexa. É uma mudança de cultura que exige um planejamento e alterações de longo prazo. É mais fácil começar pelos cursos e depois incorporar esses conhecimentos e transformações na cultura de gestão da instituição”, defende Marcondes.

As habilidades do novo profissional

- Entende o conceito de desenvolvimento sustentável e sua interface com diversos saberes.

- Sabe identificar riscos e oportunidades associados à sustentabilidade.- Conhece os instrumentos e ferramentas disponíveis em sua área de atuação para

a aplicação prática do conceito.- Consegue trabalhar em times multidisciplinares.- Possui habilidades para o gerenciamento de conflitos.

FONTE: Disponível em: <http://revistaensinosuperior.uol.com.br/textos.asp?codigo=12538>. Acesso em: 15 maio 2010.

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Caro(a) acadêmico(a), neste tópico você viu que:

• O mercado procura incessantemente oferecer produtos para a sociedade, bem como criar necessidades de consumo.

• A inovação constante de produtos para saciar as necessidades humanas tem sido uma aspiração das empresas e seus acionistas.

• O consumo desenfreado pode levar brevemente à falta de recursos naturais.

• Há necessidade de a humanidade se conscientizar para encontrar alternativas de consumo.

• Há necessidade de novas habilidades para os profissionais do futuro com relação às questões ambientais.

RESUMO DO TÓPICO 4

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AUTOATIVIDADE

1 Cite dois produtos que você considera ecologicamente corretos. Justifique a sua resposta.

2 Escreva alguns dos impactos das discussões ambientais para a sua área.

3 Escreva, caso haja, duas contribuições da sua área de estudo para o desenvolvimento sustentável.

4 Pesquise e escreva quais tratados, leis e certificações existem atualmente sobre meio ambiente e os impactos sobre a sua área de estudo.

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TÓPICO 5

SOCIEDADE BRASILEIRA: MULTIFACES

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Ao olharmos para a sociedade brasileira podemos afirmar com tranquilidade que ela é formada, atualmente, por uma mistura étnica que foi se formando no decorrer dos últimos 500 anos, pois antes de 1500 o espaço geográfico, que hoje é o Brasil, era ocupado por indígenas. As tribos, neste espaço, diferenciavam-se em diversos quesitos (crença, língua, costumes, organização social).

Entretanto, com a chegada dos portugueses, historicamente datada em 1500, este povo começou a se inserir no Brasil com hábitos, crenças, visão de mundo diferente da dos indígenas. Além disso, posteriormente outro povo foi trazido pelos portugueses para o Brasil, para trabalhar como escravo nas lavouras de cana, principalmente. No decorrer da história, outros povos se fizeram presentes, como os franceses, holandeses, italianos, alemães, austríacos, japoneses, judeus, dentre outros.

Atualmente, face a esta mistura étnica, podemos afirmar que no Brasil há vários brasis, no sentido de que numa mesma nação podemos encontrar povos diferentes, com culturas distintas e que vivem em regiões diferentes, ou que se misturam principalmente nas grandes cidades, como São Paulo e vivem em harmonia, ao que tudo aparenta.

Frente a este contexto, muitas discussões têm-se feito no sentido de se fazer respeitar as diferenças entre os povos que vivem no Brasil, o que historicamente não se efetivava. Por isso, há necessidade de refletir e valorizar a diversidade étnica e estimular um comportamento de respeito, solidariedade e tolerância, pois cada vez mais essas diferenças se farão presentes na sociedade, nas empresas, escolas ou universidades.

Assim, caro(a) acadêmico(a), você estudará neste tópico sobre alguns aspectos relevantes da história da sociedade brasileira, a fim de refletir como essa diversidade influencia ou não o dia a dia das escolas, organizações e o convívio entre as pessoas.

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

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2 ORIGEM DA SOCIEDADE BRASILEIRA

2.1 ÍNDIOS

Antes da chegada dos portugueses no território atual do Brasil, aqui habitavam povos que foram designados de índios. Estes, de maneira geral, viviam da caça, da pesca e da agricultura (cultivam mandioca, milho, amendoim, feijão, dentre outros produtos. A atividade agrícola era, frente aos padrões de hoje, considerada rudimentar.

Entretanto, para você ter uma breve ideia da vida dos povos que existiam no Brasil no período da chegada dos portugueses, leia um trecho da carta de Caminha.

Senhor,

E digo quê: [...]

E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro. [...]

Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar. [...]

A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber.

Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás,

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TÓPICO 5 | SOCIEDADE BRASILEIRA: MULTIFACES

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FONTE: Disponível em: <http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/carta.html>. Acesso em: 20 maio 2010.

uma espécie de cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como, de maneira tal que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar. [...]

E então se começaram de chegar muitos; e entravam pela beira do mar para os batéis, até que mais não podiam. E traziam cabaças d’água, e tomavam alguns barris que nós levávamos e enchiam-nos de água e traziam-nos aos batéis. Não que eles de todo chegassem a bordo do batel. Mas junto a ele, lançavam-nos da mão. E nós tomávamo-los. E pediam que lhes dessem alguma coisa. [...]

Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E portanto se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da salvação deles. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim!

Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.

Nesse dia, enquanto ali andavam, dançaram e bailaram sempre com os nossos, ao som de um tamboril nosso, como se fossem mais amigos nossos do que nós seus. Se lhes a gente acenava, se queriam vir às naus, aprontavam-se logo para isso, de modo tal, que se os convidáramos a todos, todos vieram. Porém não levamos esta noite às naus senão quatro ou cinco; a saber, o Capitão-Mor, dois; e Simão de Miranda, um que já trazia por pajem; e Aires Gomes a outro, pajem também. Os que o Capitão trazia, era um deles um dos seus hóspedes que lhe haviam trazido a primeira vez quando aqui chegamos – o qual veio hoje aqui vestido na sua camisa, e com ele um seu irmão; e foram esta noite mui bem agasalhados tanto de comida como de cama, de colchões e lençóis, para os mais amansar. [...]

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UNIDADE 3 | TEMAS DIVERSOS EM DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA

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Caro(a) acadêmico(a), no trecho da carta você visualizou o que Caminha escreveu sobre o que observou quando os portugueses chegaram ao Brasil. Entretanto, este contato amistoso inicial foi acabando no decorrer da história. Os portugueses estavam interessados em verificar o que poderia ser encontrado aqui de valor, principalmente ouro ou ainda possíveis formas de colonização (mais tarde, torna-se Colônia de Exploração).

Em prol dos propósitos dos portugueses, tribos foram escravizadas ou dizimadas, seja através de guerras ou de doenças. No decorrer da história isto resultou na quase extinção dos povos que habitavam o Brasil. Este comportamento era justificado na acepção portuguesa, devido à visão de que o europeu (português) era superior aos índios por diversos motivos.

O Brasil possui uma imensa diversidade étnica e linguística, estando entre as maiores do mundo. São 215 sociedades indígenas, mais cerca de 55 grupos de índios isolados, sobre os quais ainda não há informações objetivas. 180 línguas, pelo menos, são faladas pelos membros destas sociedades, as quais pertencem a mais de 30 famílias linguísticas diferentes. [...]Os índios sobrevivem. Não apenas biologicamente, mas também do ponto de vista das tradições culturais, segundo comprovam estudos recentes, os quais demonstram que a população indígena vem aumentando rapidamente nas últimas décadas. Hoje, as 215 diferentes sociedades somam cerca de 358 mil pessoas, que falam 180 línguas distintas. Os índios vivem nos mais diversos pontos do território brasileiro e representam, em termos demográficos, um pequeno percentual da população de 150 milhões de habitantes do Brasil. Todavia são um exemplo concreto e significativo da grande diversidade cultural existente no país.FONTE: Disponível em: <www.funai.gov.br>. Acesso em: 20 maio 2010.

Enfim, os povos indígenas foram os primeiros a fazer parte do atual território brasileiro, mas no decorrer destes mais de 500 anos de história, o contingente de indígenas tem se reduzido. Em termos históricos, eles foram massacrados, exterminados e excluídos. Entretanto, mesmo assim, a cultura indígena, de forma direta ou indireta, deixou sua herança na sociedade brasileira, principalmente através de palavras, da culinária, das danças e de costumes diversos.

IMPORTANTE

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TÓPICO 5 | SOCIEDADE BRASILEIRA: MULTIFACES

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AUTOATIVIDADE

Faça uma pesquisa para verificar: a) As possíveis influências da cultura indígena na sua vida.b) Como era a presença dos indígenas na cidade onde você reside.

2.2 PORTUGUESES

Os portugueses chegaram ao Brasil, conforme a história oficial, em 1500. A partir de então começaram a ocupar as terras com o intuito de explorá-las ao máximo. A exploração se deu de diversas maneiras: exploração do ouro e diamantes, a lavoura de cana-de-açúcar, dentre outros. Além disso, os portugueses implantaram a sua forma de ver e pensar o mundo na sua colônia, seja no aspecto religioso, político, econômico e até mesmo jurídico. Assim, a formação do Brasil teve como matizes as ideias oriundas da estrutura de pensar da metrópole (Portugal).

A história do Brasil com Portugal iniciou em 1500 e findou-se em 1822, com a independência do Brasil. É claro que esta ruptura não aconteceu de imediato. Mas, em termos históricos, podemos afirmar com segurança que desta relação de colônia e metrópole de 322 anos ficaram marcas: a língua, costumes, religião, literatura, Direito, arquitetura, a organização política, dentre outras.

2.3 AFRICANOS

Antes da chegada dos portugueses ao Brasil, a África tinha sua própria história com sociedades que formaram grandes reinos, com cultura própria, costumes, crenças e organização social e política. Entretanto, com a chegada do europeu à África, muitos povos foram capturados e vendidos como escravos. E muitos destes escravos eram trazidos para o Brasil através dos navios negreiros. E, neste contexto, segundo Souza (2007, p. 105) houve uma mudança brusca na vida destes:

Passando o impacto da mudança de condição social, de livre para escravo e da mudança de continente, deixando para trás uma cultura e tendo que mergulhar em outra, talvez o primeiro passo na construção de identidades novas fosse aceita a designação que os traficantes, administradores e senhores lhes davam. Desde que haviam saído de suas terras natais, os africanos não eram mais vistos como pertencentes a determinadas famílias e aldeias, nem chamados por nomes só deles, e sim como pessoas vindas de uma região genericamente indicada, como a Guiné, a Costa da Mina e Angola.

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Assim, os negros que viviam livres na África passaram a ter uma vida não almejada e ainda fora das fronteiras das suas origens. Um mundo desconhecido começa a fazer parte do negro escravo. Ou seja, primeiro torna-se prisioneiro e vendido como mercadoria, posteriormente faz uma viagem longa por mar até chegar a uma terra desconhecida onde novamente é comercializado para pertencer a um senhor branco, que o levará para uma fazenda para trabalhar como escravo longe da sua terra, do seu povo. Enfim, o negro escravo é lançado a um novo mundo, diferente do que ele estava acostumado e que nesta ruptura com a sua terra natal inicia uma história de sofrimento, crueldades, revoltas, libertação e uma luta constante para assegurar a sua identidade.

O povo de origem africana trouxe consigo características que não se perderam com o tempo e permanecem até hoje acumuladas na diversidade brasileira através de:

• Palavras: cachaça, moleque, quindim, jiló, macumba, marimbondo, cochilo, tanga, samba, maxixe, zabumba, acarajé, carimbó, canjica etc.

• Culinária: mulatinho, dendê, paçoca, feijoada, quindim, tapioca, bolo de fubá, acarajé, vatapá, bobó, feijão, inhame e aipim.

• Religião: Iemanjá; Candomblé, dentre outras.

AFRICANIDADE BRASILEIRA: DEFININDO PROCEDIMENTOS PEDAGÓGICOS

Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva

A expressão africanidades brasileiras refere-se às raízes da cultura brasileira que têm origem africana.

Dizendo de outra forma, queremos nos reportar ao modo de ser, de

viver, de organizar suas lutas, próprio dos negros brasileiros e, de outro lado, às marcas da cultura africana que, independentemente da origem étnica de cada brasileiro, fazem parte do seu dia a dia.

Possivelmente, alguns pensam: Realmente, é verdade o que vem de ser dito,

pois todos nós comemos feijoada, cantamos e dançamos samba e alguns frequentamos academia de capoeira. E isto, sem dúvidas, é influência africana.

De fato o é, mas há que completar o pensamento, vislumbrando os

múltiplos significados que impregnam cada uma destas manifestações. Feijoada, samba, capoeira resultaram de criações dos africanos que vieram escravizados para o Brasil e de seus descendentes e representam formas encontradas para sobreviver, para expressar um jeito de construir a vida, de senti-la, de vivê-la. Assim, uma receita de feijoada, de vatapá ou de qualquer outro prato contém

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2.4 IMIGRANTES

De acordo com o que mencionamos anteriormente, o Brasil teve os índios, portugueses e negros como povos predominantes na sua origem histórica. Entretanto, outros povos começaram a fixar residência no Brasil.

A partir de 1800 a vinda de outros povos ao Brasil, designados de imigrantes, é intensificada. Eles vieram trabalhar principalmente na lavoura do café e, posteriormente, diversificando o ramo de atuação, no comércio, na indústria, na agricultura, etc. Os imigrantes se instalaram em diversos estados do Brasil: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, dentre outros.

Em termos culturais o processo de imigração contribuiu em muito para a formação da diversidade da cultura brasileira e da ampliação dos valores históricos da sociedade brasileira. Por isso, dada a amplitude de povos imigrantes no Brasil, em épocas distintas e com contribuições específicas para a formação a cultura brasileira, sugere-se que você faça a seguinte investigação:

FONTE: Africanidade brasileira: definindo procedimentos pedagógicos. Revista do Professor, Porto Alegre, n. 19, p. 26-30, jan./mar. 2003.

mais do que a combinação de ingredientes: é o retrato de busca de soluções para manutenção da vida física, de lembrança dos sabores da terra de origem. A capoeira, hoje um jogo que promove o equilíbrio do corpo e do espírito pelo seu cultivo, nasceu como instrumento de combate, de defesa.

Africanidades brasileiras, pois ultrapassam o dado ou o evento material,

como um prato de sarapatel, uma apresentação de rap. Elas se constituem nos processos que geraram tais dados e eventos, hoje incorporados pela sociedade brasileira.

Elas se constituem também dos valores que motivaram tais processos e

deles resultaram. Então, estudar Africanidades Brasileiras significa estudar um jeito de ver a vida, o mundo, o trabalho, de conviver e lutar por sua dignidade, próprio dos descendentes de africanos que, ao participar da construção da nação brasileira, vão deixando-nos outros grupos étnicos com que convivem, suas influências e, ao mesmo tempo, recebem e incorporam as daqueles. [...]

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AUTOATIVIDADE

a) Qual é a sua origem étnica?b) O povo da sua origem, nos primórdios, se concentrou em que lugar? E hoje em que lugar se concentra?c) Quais os ramos de atuação e o impacto para a economia do povo de que você é originário?

3 RESPEITANDO A DIVERSIDADE ÉTNICA NO BRASIL

Como você observou, caro(a) acadêmico(a), a sociedade brasileira é formada por povos de diversas origens. E, historicamente, esses povos não necessariamente estiveram em igualdade frente às leis ou eram respeitados. Entretanto, de acordo com Souza (2007, p. 140):

Apesar da plena igualdade entre todos os indivíduos de uma sociedade (e muito mais entre os indivíduos das diferentes sociedades) ser uma meta só imaginável em sonho (e de alguns poucos), a conquista da igualdade de oportunidades para que cada um se desenvolva a partir de suas potencialidades deve ser perseguida pelos homens.

Ainda, em termos históricos, podemos mencionar que os índios e os negros, principalmente, foram tidos em muitos casos como seres inferiores, inclusive desrespeitados na sua condição humana, na sua cultura e na sua religiosidade. Além disso, negou-se a eles o acesso à educação e à participação na história política e econômica do Brasil. Inclusive, de acordo com Souza (2007, p. 140):

Depois do fim da escravidão as elites brasileiras buscaram eliminar traços com as culturas africanas e os sinais de presença dos afrodescentes entre nós, sonhando com o branqueamento da população. Este seria conseguido com a chegada de grandes quantidades de imigrantes europeus, enquanto os negros desapareciam não só pela miscigenação como pelos altos índices de mortalidade que atingiam as populações mais pobres.

O ideal de eliminar os traços da cultura africana no Brasil através dos meios expostos por Souza não foram possíveis, ao contrário da população indígena que, de certa maneira, tem sido esquecida, perdendo a força de influenciar a sociedade brasileira. Assim, podemos dizer, usando as palavras de Muranga (2006, p. 38), “No Brasil, as culturas, produzidas por várias comunidades, não vivem em territórios segregados. Salvo a realidade das sociedades indígenas com as quais não convivemos. Penso que no Brasil contemporâneo existe um processo de transculturação inegável”. Outrossim, tem-se cada vez mais, reforçado a necessidade do resgate da história dos povos africanos, a fim de aprofundar a compreensão das origens da sociedade

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brasileira e seus impactos para a cultura e a formação da identidade do povo brasileiro. De acordo com Souza (2007, p. 143-144):

[...] conhecendo melhor a história e as sociedades africanas, os afro-brasileiros passaram, pouco a pouco, a valorizar seus traços distintivos, suas culturas ancestrais, sua contribuição à formação de suas tradições, estéticas, sensibilidades e aparências. O sentimento de inferioridade criado pela situação anterior deu lugar ao orgulho de ser negro, que será um dos pilares da construção de um novo lugar para afro-brasileiros no conjunto da sociedade. [...] para ajudar as transformações, além das mudanças de comportamento e sensibilidade, são fundamentais as alterações na legislação que ordena a sociedade e as relações entre os homens. E isto vem acontecendo, principalmente, a partir dos anos 1990, quando as discussões relativas à reserva de vagas nas empresas e nas universidades para afrodescendentes começaram a virar realidade na forma de leis. [...] Entre as medidas legais que vêm sendo adotadas, está a obrigatoriedade de tratar de culturas afro-brasileiras e da história da África nas escolas.

Acadêmico(a), você percebeu que tem se buscado, inclusive através de leis, resgatar o histórico dos povos que deram origem à sociedade brasileira, principalmente da história e cultura africana. Isso em termos de Brasil, porém, em algumas regiões específicas do Brasil, você poderá encontrar leis que ordenam o estudo de um determinado povo importante para o desenvolvimento regional. Ou seja, em certa região de influência de um povo, nas escolas pode ser obrigatória uma disciplina, como, por exemplo, sua língua e história.

Não obstante, é inegável que no decorrer da história da sociedade brasileira povos foram discriminados das mais diversas maneiras e, ainda assim, o povo brasileiro é uma mistura que toma contornos cada vez mais complexos em virtude da miscigenação. É claro que destes povos alguns tiveram maior impacto na formação do povo brasileiro devido a fatores históricos. Conforme Souza (2007, p. 128-129):

Uma das características marcantes da sociedade brasileira é o fato de ser o resultado da mistura de povos e das culturas que para cá vieram, por vontade própria ou força. Somos um povo mestiço, o que quer dizer que somos o produto de várias misturas, que resultaram em coisa diferente daquelas que deram origem. [...] Entre as pessoas que se encontram em terras brasileiras é evidente, porém, a predominância de africanos, pois eles foram a principal força de trabalho por mais de trezentos anos.

Reforça Souza que atualmente há preocupações de se respeitar a história dos povos, no caso do Brasil, a questão dos índios e, recentemente, a história vivida pelos negros, bem como sua influência na formação do povo brasileiro.

A mudança de atitude em relação à África foi permitida também pela superação de uma visão evolucionista das sociedades. Os pontos de contatos com a África foram revidados e valorizados à medida que começaram a se difundir formas de pensar segundo as quais o percurso da humanidade não era mais entendido como um trajeto de direção única, do mais atrasado para o mais desenvolvido. Hoje em dia os estudiosos preferem considerar as diferenças de cultura e sociedades a partir de

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suas lógicas internas, e não relacionadas a um padrão único de evolução. Assim, as diferenças entre os povos e suas histórias são mais respeitadas, procurando-se entender as razões próprias de cada um. Quando o único modelo de desenvolvimento começou a ser questionado, ser negro pôde virar fator de orgulho, de afirmação, de uma identidade particular. (SOUZA, 2007, p. 126-127).

PARCERIA UNESCO E UFSCAR PRETENDE DIFUNDIR CULTURA AFRICANA NO SISTEMA DE ENSINO BRASILEIRO

Contribuir para a implementação da Lei 10.639/2003 (Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana) por meio da difusão de conhecimento sobre o continente africano, tendo em vista a promoção de políticas de formação de professores e o aprimoramento da formação das crianças e jovens brasileiros, é o principal objetivo de um Memorando de Entendimento firmado nesta quarta-feira (17/03) entre a UNESCO e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A parceria foi assinada pelo Representante da UNESCO no Brasil, Vincent Defourny, e pelo reitor da UFSCar, Targino Araújo Filho.

O acordo confirma o compromisso com a iniciativa conjunta “História da

África na Educação Brasileira” e prevê a implementação das atividades do “Projeto Brasil África: uma história cruzada”, além da tradução e publicação da edição em português da coleção da UNESCO da História Geral da África.

A assinatura do memorando abriu o encontro “O papel da sociedade civil

na implementação do Plano Nacional da Lei 10.639/2003 – Rumo a uma agenda de ação política articulada”, promovido pela UNESCO no Brasil, em São Carlos, Estado de São Paulo. Em seu discurso, Defourny reafirmou o comprometimento da Organização com a implementação da Lei 10.639/2003 e afirmou que os desafios ainda são grandes.

“Precisamos continuar identificando oportunidades e criando espaços

e instrumentos para ampliar as condições para o efetivo cumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) alterada pela Lei 10.639, e consolidar políticas que reconheçam e valorizem a identidade, a cultura, e a história dos negros brasileiros, dos indígenas, assim como de outros povos e grupos étnicos que compõem a sociedade brasileira”, disse Defourny.

FONTE: Disponível em: <http://www.unesco.org/pt/brasilia/single-view/news/unesco_and_ufscar_ part nership_intend_to_disseminate_african_culture_in_brazilian_educational_system/browse/2/back/20950/cHash/db6df19942/>. Acesso em: 24 maio 2010.

Caro(a) acadêmico(a), pode-se dizer que a riqueza da sociedade brasileira ocorre em virtude da diversidade de povos que a compõe: cada povo, discriminado ou não, contribui para a formação política, econômica, cultural e social do país. Cabe a você visualizar tais influências na região em que você mora atualmente. Para ilustração, leia atentamente o texto a seguir para refletir sobre a diversidade cultural na região onde você mora.

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LEITURA COMPLEMENTAR

DIVERSIDADE CULTURAL NO BRASIL

Wagner de Cerqueira e Francisco

O Brasil, por apresentar uma grande dimensão territorial, configura uma vasta diversidade cultural no seu povo. Os colonizadores europeus, a população indígena e os escravos africanos foram os primeiros responsáveis pela disseminação cultural no Brasil. Em seguida, os imigrantes italianos, japoneses, alemães, árabes, entre outros, contribuíram para a diversidade cultural do Brasil. Aspectos como a culinária, danças, religião, são elementos que integram a cultura de um povo.

As regiões brasileiras apresentam diferentes peculiaridades culturais. No Nordeste, a cultura é representada através de danças e festas como o bumba meu boi, maracatu, caboclinhos, carnaval, ciranda, coco, reisado, frevo, cavalhada e capoeira. A culinária típica é representada pelo sarapatel, buchada de bode, peixes e frutos do mar, arroz doce, bolo de fubá cozido, bolo de massa de mandioca, broa de milho verde, pamonha, cocada, tapioca, pé de moleque, entre tantos outros. A cultura nordestina também está presente no artesanato de rendas.

Capoeira

O Centro-Oeste brasileiro tem sua cultura representada pelas Cavalhadas e Procissão do Fogaréu, no Estado de Goiás, o Cururu em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A culinária é de origem indígena, e recebe forte influência da culinária mineira e paulista. Os pratos principais são: galinhada com pequi e guariroba, empadão goiano, pamonha, angu, cural, os peixes do Pantanal – como o Pintado, Pacu e Dourado.

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Cavalhadas em Pirenópolis (GO)

As representações culturais no Norte do Brasil estão nas festas populares como o Círio de Nazaré, Festival de Parintins, a maior festa do boi-bumbá do país. A culinária apresenta uma grande herança indígena, baseada na mandioca e em peixes. Pratos como o tacacá, pirarucu de casaca, pato no tucupi, picadinho de jacaré, mussarela de búfala. As frutas típicas são: cupuaçu, bacuri, açaí, taperebá, graviola, buriti...

Festival de Parintins (AM)

No Sudeste, várias festas populares de cunho religioso são celebradas no interior da região. Festa do Divino, festejos da Páscoa e dos santos padroeiros, com destaque para a peregrinação a Aparecida (SP), congada, cavalhadas em Minas Gerais, bumba meu boi, carnaval, peão de boiadeiro. A culinária é muito diversificada, os principais pratos são: queijo minas, pão de queijo, feijão tropeiro, tutu de feijão, moqueca capixaba, feijoada, farofa, pirão etc.

Feijoada

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O Sul apresenta aspectos culturais dos imigrantes portugueses, espanhóis e, principalmente, alemães e italianos. Algumas cidades ainda celebram as tradições dos antepassados em festas típicas, como a Festa da Uva (cultura italiana) e a Oktoberfest (cultura alemã), o fandango de influência portuguesa e espanhola, pau de fita e congada. Na culinária estão presentes: churrasco, chimarrão, camarão, pirão de peixe, marreco assado, barreado (cozido de carne em uma panela de barro), vinho.

Churrasco Gaúcho

FONTE: Disponível em: <http://www.brasilescola.com/brasil/a-diversidade-cultural-no-brasil.htm>. Acesso em: 10 maio 2010.

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Caro(a) acadêmico(a), neste tópico você viu que:

• A sociedade brasileira é formada por diversos povos.

• Os povos que habitam o Brasil, historicamente, não foram respeitados na sua cultura e formas de pensar e agir.

• O Brasil é um país, de certo modo, rico em diversidade cultural.

• Atualmente tem se resgatado a importância dos povos da África no Brasil.

RESUMO DO TÓPICO 5

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AUTOATIVIDADE

1 Escreva qual é a sua origem étnica e de que maneira ela influencia a sociedade brasileira.

2 Assista ao filme Mulheres do Brasil e identifique a cultura brasileira e como certas expressões se consagraram como brasileiras e outras não.

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