Prof. Fabiano Humberto Pintarelli

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Indaial – 2020 INICIAÇÃO AO VIOLÃO Prof. Fabiano Humberto Pintarelli 1 a Edição

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Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.
Impresso por:
180 p.; il.
CDD 780
apresentação Muito bem-vindos futuros colegas professores de música. Toda
caminhada, por mais longe que nos leve, começa com o primeiro passo. Se este é o seu primeiro contato com o estudo do violão você terá um longo e gratificante caminho a desbravar, caso já tenha domínio do instrumento acreditamos que poderá encontrar nas próximas páginas conteúdo útil para o seu aperfeiçoamento musical, bem como ideias e mediações úteis em sua atuação profissional como educador musical.
O intuito deste Livro Didático é lhe apresentar os primeiros elementos do estudo do violão com embasamento teórico no campo pedagógico- didático, bem como conteúdo e dicas práticas para suas aulas de música.
O material foi desenvolvido com foco no violão popular, no entanto, se desejar, mais tarde, seguir pelo estudo do violão erudito, já terá conhecido os elementos técnicos básicos que também lhe serão úteis, uma vez que as técnicas de execução estudadas procuram manter as orientações apresentadas nos métodos de violão erudito, que devem, ao nosso ver, serem aproveitadas também no violão popular a fim de obter os melhores resultados com o menor esforço técnico.
Espero poder contribuir de alguma forma para facilitar essa grandiosa, difícil e muito gratificante tarefa que escolhemos como nossa missão de vida: a de propiciar as pessoas os elementos técnicos de mais uma forma de comunicação. A música nos permite emitir e receber mensagens de maneira muito intensa e quase instintiva, sem limites de idioma.
Nosso papel como educadores musicais é continuar mantendo essa linguagem viva ao longo dos tempos por meio de todo arcabouço técnico já desenvolvido, e estimular o surgimento de novas formas de expressão musical.
Prof. Fabiano Humberto Pintarelli
IV
Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material.
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O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão.
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UNI
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LEMBRETE
VII
UNIDADE 1 – CONHECENDO O INSTRUMENTO E PRIMEIROS ELEMENTOS PRÁTICOS E TEÓRICOS .............................................................................................1
TÓPICO 1 – CARACTERÍSTICAS GERAIS DO VIOLÃO ...............................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 UMA BREVE HISTÓRIA DO VIOLÃO ............................................................................................3
2.1 O VIOLÃO NA MÚSICA POPULAR ............................................................................................7 3 CAMPO DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL ......................................................................................8 4 CONSTRUÇÃO DO INSTRUMENTO E CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS ..........................10
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................20 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................21
4 RITMO INICIAL 1 – MÚSICA 1 – PRIMEIROS ACORDES .......................................................46 4.1 RITMO INICIAL 1 – MÚSICA 2 – PRIMEIROS ACORDES .....................................................50 4.2 REPERTÓRIO EXTRA DO RITMO INICIAL 1 ..........................................................................51 4.3 EXERCÍCIO DE ESTÍMULO À COMPOSIÇAO .........................................................................54
LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................55 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................58 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................59
TÓPICO 1 – TABLATURA, DEDILHADOS E RITMO 2 .................................................................63 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................63 2 ORIGENS E LEITURA DE TABLATURA ........................................................................................63
sumárIo
VIII
3 LEVADA RÍTMICA 2 – MÚSICA 1 ...................................................................................................72 3.1 MÚSICA FOLCLÓRICA NACIONAL .........................................................................................74 3.2 LEVADA RÍTMICA 2 – MÚSICA 2 ...............................................................................................75 3.3 REPERTÓRIO EXTRA ....................................................................................................................77 3.4 EXERCÍCIO DE ESTÍMULO À COMPOSIÇÃO .........................................................................79
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................83 2 ESCALA DIATÔNICA MAIOR .........................................................................................................83 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................84 3 CAMPO HARMÔNICO DIATÔNICO MAIOR ............................................................................86
TÓPICO 1 – CAMPO HARMÔNICO DE TÉTRADES, TÉTRADES COM SÉTIMA, LEVADA RÍTMICA CANÇÃO 2/4, ACORDES COM PESTANA ........................129 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................129 2 TÉTRADES - CAMPO HARMÔNICO MAIOR E MENOR .....................................................129
2.1 ACORDES COM SÉTIMA – ESTRUTURA E DIGITAÇÃO ....................................................133
IX
3.1 LEVADA RÍTMICA CANÇÃO – MÚSICA 1.............................................................................139 3.2 CONTEXTUALIZANDO A CANÇÃO ......................................................................................140 3.3 LEVADA RÍTMICA CANÇÃO – MÚSICA 2.............................................................................141 3.4 REPERTÓRIO EXTRA DA LEVADA RÍTMICA - CANÇÃO..................................................142 3.5 PESTANA – CONCEITO E EXERCÍCIOS TÉCNICOS ............................................................142 3.6 EXERCÍCIO TÉCNICO – DESENHO DA ESCALA MENOR NATURAL ............................144
4 INVERSÃO DE ACORDES ..............................................................................................................157 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................161 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................162
3 INVERSÕES DE ACORDES – TRÍADES MENORES ................................................................169 3.1 TRANSPOSIÇÃO TONAL ...........................................................................................................171
TEÓRICOS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
• descrever em linhas gerais o desenvolvimento histórico do violão partindo da antiguidade;
• citar algumas das importantes contribuições do violão para nossa Música Popular Brasileira;
• ter consciência acerca do campo profissional que o violonista pode explorar conforme suas opções de estudo;
• compreender as principais características técnicas do instrumento e como estas influenciam na sonoridade final;
• relacionar as contribuições das teorias de Vygotsky e Ana Mae Barbosa para sua atuação profissional;
• dominar as convenções básicas da escrita violonística, como nomenclaturas, sinais, e demais códigos;
• identificar e selecionar a postura mais adequada para estudo e prática ao violão; • descrever corretamente a afinação de cada corda solta, bem como a
distribuição das notas pelo braço do instrumento; • executar as levadas e rítmicas, e canções exemplo, apresentadas na unidade; • dominar a execução dos acordes apresentados nas canções exemplo da unidade; • compreender a leitura e dominar a utilização das cifras para violão.
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
TÓPICO 1 – CARACTERÍSTICAS GERAIS DO VIOLÃO TÓPICO 2 – CARACTERÍSTICAS GERAIS DO VIOLÃO TÓPICO 3 – ELEMENTOS PRÁTICOS INICIAIS
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
CHAMADA
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TÓPICO 1 UNIDADE 1
CARACTERÍSTICAS GERAIS DO VIOLÃO
1 INTRODUÇÃO Neste primeiro tópico conheceremos um pouco da origem do violão. A
partir da antiguidade, onde temos registros confiáveis da existência de instrumentos similares até o surgimento, no século XIX, do modelo clássico até hoje utilizado.
Tendo em vista o foco deste livro, veremos apenas as linhas gerais do desenvolvimento do instrumento. Falaremos acerca do campo de atuação profissional para o violonista e professor de violão ou música. Das vantagens práticas de domínio desse instrumento que figura entre os mais populares, senão o mais popular, do Brasil. Em seguida trataremos da construção e das partes do violão e como elas afetam no desempenho musical. Veremos a importância de conhecer os materiais de construção e manutenção de seu violão. Trataremos também das informações necessárias para uma escolha consciente do tipo de violão que você pode comprar de acordo com o uso que pretende fazer dele: qual modelo, quais cordas mais adequadas e a relação custo-benefício.
2 UMA BREVE HISTÓRIA DO VIOLÃO Diversas fontes apontam que o violão, com o desenho que conhecemos
hoje, surgiu na Espanha no final do século XIX pelas mãos do luthier Antonio de Torres Jurado. Em 1825, o também espanhol Dionísio Aguado publicou Escuela de Guitarra, considerado um dos primeiros métodos para violão de 6 cordas. Aguado também estabeleceu convenções técnicas que ainda são muito usadas até nossos dias, principalmente no violão erudito.
FIGURA 1 – VIOLÃO DE ANTONIO DE TORRES JURADO, 1859
FONTE: <https://www.guyguitars.com/images/torres1859.jpg>. Acesso em: 10 ago. 2019.
UNIDADE 1 | CONHECENDO O INSTRUMENTO E PRIMEIROS ELEMENTOS PRÁTICOS E TEÓRICOS
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Antes de chegar a esse formato o instrumento teve uma longa e não muito bem definida trajetória. Existem diversas teorias sobre a origem do instrumento, no entanto, nenhuma delas é considerada unanimidade.
Quando se trata de registros, os mais antigos são encontrados na Mesopotâmia e no Egito, os quais mostram instrumentos de corda como harpas de casco de tartaruga, liras e taburs.
No estandarte de Ur, uma placa de madeira entalhada encontrada no sul do atual Iraque e datada de 2600 a.C., pode-se ver no final da primeira linha de figuras um tocador de lira aparentemente acompanhando um cantor.
FIGURA 2 - LIRA DO ESTANDARTE DE UR - 2600 a.C.
FONTE: Adaptado de <https://ensinarhistoriajoelza.com.br/estandarte-de-ur/>. Acesso em: 12 ago. 2019.
Já neste afresco de uma tumba, datado de 1425 a.C., nos arredores da cidade egípcia de Luxor, podemos ver um grupo de músicos com uma harpa uma espécie de tabur (visualmente talvez o mais parecido com o violão) e um tipo de tambor.
FIGURA 3 - AFRESCO EGÍPCIO - 1425 a.C.
FONTE: <http://www.touregypt.net/images/touregypt/rek5.jpg>. Acesso em: 12 ago. 2019.
TÓPICO 1 | CARACTERÍSTICAS GERAIS DO VIOLÃO
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Podemos ver nas imagens a seguir mais algumas etapas mais recentes da evolução não linear, visto que se desenvolveu ao longo de muitos séculos em diversos países e culturas diferentes, que levou ao instrumento que temos hoje:
FIGURA 4 - CÍTARA GREGA - 490 a.C.
FONTE: <http://greciantiga.org/img/g/gi002.jpg>. Acesso em: 10 ago. 2019.
FIGURA 5 - GUITARRA MOURISCA - SEC. XI A XII
FONTE: <https://www.cursodeviolaoclub.com/images/ancestral-violao.jpg>. Acesso: em 10 ago. 2019.
FONTE: <https://i1.wp.com/folhasnocaminho.nalanda.org.br/wp-content/uploads/2013/06/ alaude.jpg>. Acesso em: 11 ago. 2019
UNIDADE 1 | CONHECENDO O INSTRUMENTO E PRIMEIROS ELEMENTOS PRÁTICOS E TEÓRICOS
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FONTE: <http://www.diabolus.org/workshop/vihuela/vihuela.jpg>. Acesso em: 11 ago. 2011.
A origem do violão não foi, e talvez nunca seja, totalmente rastreada, há divergências entre as teorias. Alguns acreditam que seja originário da kithara grega (uma espécie de harpa), outros que seja descendente do alaúde.
Para Bartolini (2015), durante o século XVI, existiu além do alaúde e da vihuela um instrumento chamado guitarra. E o violão teria se desenvolvido a partir desse último.
“Os espanhóis chamavam-na de ‘guitarra’, os italianos de ‘chitarra’ ou ‘chitarino’, os franceses de ‘guiterre’ ou ‘guiterne’ e os ingleses de ‘gittern’. A guitarra era menor que vihuela e, geralmente possuía quadro ordens (quatro pares de cordas)” (BARTOLINI, 2015, p. 34).
Ainda segundo o autor (BARTOLINI, 2015), no final do século XVI surgiu uma nova versão da guitarra, atribuída ao espanhol Vicente Espinel (1550-1624), uma guitarra com 5 pares de cordas. Acerca da mudança do número de cordas veja o comentário de outro importante violonista espanhol Gaspar Sanz (1629- 1679): “[...] em Madri, o maestro Espinel, espanhol, acrescentou a quinta [corda], [...] os franceses, italianos e demais nações, imitando-nos, acrescentaram também às suas guitarras a quinta, e por isso a chamam de guitarra espanhola” (SANZ, 1979 apud BARTOLINI, 2015, p. 36).
O próximo passo rumo ao desenvolvimento do violão foi com o padre Miguel Garcia. Mais um violonista espanhol, como você já percebeu os espanhóis tiveram um importante papel no desenvolvimento da história do violão. Ele acrescentou mais dois pares de cordas tendo criado uma guitarra de 7 pares. Esta, no entanto, logo caiu em desuso ficando apenas com 6 pares. Em seguida esses 6 pares se tornaram cordas simples e, como vimos no início deste texto, a partir do século XIX o violão já tem o formato e a afinação que usamos hoje.
Em se tratando de instrumento tão popular e de variadas influências, parece coerente afirmar que seu desenvolvimento foi bastante complexo, talvez possamos comparar o desenvolvimento do instrumento ao das obras folclóricas que são uma somatória de influências e alterações que as tornam anônimas e difíceis de datar, apresentando lacunas nas tentativas de rastrear sua origem passo a passo.
TÓPICO 1 | CARACTERÍSTICAS GERAIS DO VIOLÃO
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2.1 O VIOLÃO NA MÚSICA POPULAR
A história do violão no Brasil está embricada com a própria formação de nossa música popular, e ambas são também resultado direto de nossa história social. O instrumento tem forte ligação com os países ibéricos, sendo que Portugal, como nosso colonizador, nos influenciou de maneira mais incisiva. Como a nossa música, o violão percorreu caminhos ligados aos desdobramentos sócio-históricos acontecidos em nosso país. O violão teve, e ainda tem, papel bastante relevante no surgimento e evolução de nossa música popular. De fato, quando observamos os principais estilos musicais que se desenvolveram em nossa história musical, o violão está presente como um ator relevante na maioria deles.
Podemos, em uma análise rápida, apontar três exemplos de caminhos pelos quais o violão indiretamente, como instrumento de cultura, influenciou nossa música popular. O primeiro foi com a chegada dos colonizadores portugueses. O segundo por meio da influência da cultura hispânica presente nos nossos países vizinhos: Argentina, Uruguai, Paraguai. Um terceiro caminho foi a influência da cultura americana no período pós-guerra.
Com a colonização portuguesa vieram na bagagem, desde muito cedo, sua cultura e costumes. Os padres jesuítas já faziam amplo uso da música e de instrumentos musicais na catequização dos índios e mais tarde em seus colégios. Para falar mais especificamente do violão daremos um salto até o século XVIII e XIX onde a modinha portuguesa foi um desses elementos culturais trazidos pelos portugueses. A modinha em particular tem influência marcante na nossa música popular até os dias de hoje. A música sertaneja, por exemplo, ainda carrega os fortes traços da modinha tais como o romantismo, as lamúrias amorosas nos temas, a “sofrência” como hoje é chamado o “sertanejo universitário”. A canção lamuriosa é típica da cultura portuguesa como evidencia o Fado, um dos estilos mais importantes da música portuguesa. O uso da expressão “moda sertaneja” também é um exemplo da herança das antigas modinhas portuguesas que foram muito populares no século XIX no Brasil. A Modinha teve todo um percurso de desenvolvimento que não cabe aqui detalhar, mas de fato foi amplamente difundida no Brasil tanto nos salões das classes mais abastadas quanto nas ruas pelo povo.
Podemos ver nesse relato do viajante Gustavo Beyer, citado por BARTOLINI (2015), publicado em Estocolmo em 1814, um pouco do cenário musical de São Paulo da época onde estão presentes a modinha e a guitarra espanhola sendo executada principalmente pelas mulheres segundo o registro do viajante:
Nunca vi olhos mais expressivos, dentes mais bonitos e pés mais mimosos do que nelas — poder-se-ia crer estar em Stockolmo. Canto e música são talentos communs que ellas revelam com a mesma graça e facilidade. O primeiro consiste principalmente nas conhecidas modinhas e os instrumentos mais frequentes são o piano, a harpa, a guitarra [violão] e o orgam, dos quaes a guitarra é o mais commum e tocado até entre o povo do campo (BEYER, 1908 apud BARTOLINI, 2015, p. 46).
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No sul do país, no Rio Grande do Sul principalmente, o violão marcou presença na cultura musical por outro caminho também ligado aos países Ibéricos, nesse caso mais marcadamente a Espanha. A música gaúcha, ainda bastante presente no RS, características da música espanhola por meio da forte ligação cultural com os países de colonização espanhola como Argentina,Uruguai e Paraguai. Ritmos muitos usados na música gaúcha como a Milonga e o chamamé por exemplo, são executados ao violão e claramente possuem elementos de influência espanhola.
A cultura americana chegou com força no Brasil no período pós Segunda Guerra, no que concerne ao violão, a influência mais clara e que deixou um legado na nossa música popular foi a que deu origem a Bossa-Nova. Influenciados principalmente pelo Jazz, grandes músicos das décadas de 50 e 60 criaram um novo jeito de tocar violão que fez muito sucesso no país e também pelo mundo todo.
Esses breves exemplos servem para ilustrar um pouco da importância do violão no desenvolvimento da nossa MPB. Para um aprofundamento no tema da História da MPB e da presença do violão nesse processo, você pode consultar as várias obras sobre o tema da MPB de José Ramos Tinhorão, Vasco Mariz, Jairo Severiano, Zuza Homem de Melo, entre outros. Embora com lacunas regionais, visto que tratam quase exclusivamente da música do eixo Rio-São Paulo, são ótimas obras para a contextualização das canções e dos estilos musicais das diferentes épocas da música brasileira.
3 CAMPO DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL Nos versos da canção País Tropical de Jorge Ben Jor, “Eu tenho um fusca e
um violão, Sou Flamengo, e tenho uma ‘nêga’ chamada Tereza”, o artista expôs entre outras paixões nacionais, o fato de que o violão faz parte dos elementos marcantes de nossa cultura. Por motivos que poderiam ser alvo de uma pesquisa mais aprofundada, o violão parece ser de fato um instrumento pelo qual o brasileiro tem alguma predileção antiga.
Com base em nossa experiência profissional, para o professor de música o domínio desse instrumento é de grande utilidade no dia a dia, tanto em escolas de ensino regular quanto em escolas livres de música. O violão também tem outras facilidades como instrumento de estudo como o preço mais acessível para instrumentos de qualidade razoável, a facilidade de encontrar peças para manutenção e a relativa abundância de escolas e professores para iniciar os estudos no instrumento. Todos esses motivos nos fazem acreditar que para o profissional da música não faltam motivos para escolher este instrumento para dedicar seu tempo de estudo.
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Nas escolas de ensino regular o violão tem a vantagem de ser um instrumento portátil, leve, que se adapta bem a praticamente todos os estilos musicais tendo em vista a variedade de atividades que o professor de música pode desenvolver. Sem com isso perder a característica de ser um instrumento bastante completo musicalmente, permitindo acompanhar canções ou realizar performances solo.
O violão também tem boa aceitação com os vários níveis de ensino, desde os anos iniciais onde as crianças se encantam com simples canções acompanhadas ao violão, passando pelos adolescentes que vão curtir a canção do momento tocada pelo professor ao violão, propiciando um primeiro mote para discussões mais aprofundadas sobre os temas estudados. Também no ensino médio será fácil encontrar canções que discutam as inquietações dessa fase da vida e introduza temas para o ensino da música ou da arte. Também não será difícil realizar um trabalho em grupo para ensino do instrumento.
Em relação às aulas particulares do instrumento, na maioria das escolas de música se poderá notar que o violão costuma ser um dos protagonistas em relação à quantidade de alunos matriculados o que, na prática, significa um mercado de trabalho mais amplo em praticamente qualquer cidade do Brasil.
Grosso modo, o violão tem duas vertentes de estudo que são o violão popular, tocado como acompanhamento harmônico de canções abrangendo um reportório de canções populares geralmente estudado por meio de cifras e tablaturas, e o violão erudito com repertório mais focado em música erudita, e tendo um estudo com maior rigor técnico e normalmente por meio de partituras. Esta ultima modalidade é menos difundida em todo o mundo como a música erudita de modo geral. No Brasil também parece contribuir o fato de que, de modo geral, o brasileiro tem uma predileção pela canção em detrimento da música instrumental, onde temos alguns poucos temas conhecidos pelo grande público. O que não impede que a carreira de concertista seja também um caminho para o violonista. Hoje com as novas tecnologias temos casos de violonista eruditos no Brasil com centenas de milhares de visualizações de seus vídeos na WEB por pessoas de todo mundo.
Como apontam Pereira e Gloeden (2012) em artigo sobre o tema, nas últimas décadas o violão tem tido importância crescente também na música erudita nacional:
[...] sua presença no ambiente da música de concerto no Brasil é algo consumado, pelo menos há cinco décadas: o instrumento participa da programação de séries de concertos internacionais, figura nos festivais de música e é ensinado em cursos de música erudita - tanto em nível superior como em conservatórios e escolas de nível médio). Possui ainda considerável número de registros fonográficos, superando quantitativamente, inclusive, a produção de instrumentos tradicionais da música de concerto (PEREIRA; GLOEDEN, 2012, p. 68).
UNIDADE 1 | CONHECENDO O INSTRUMENTO E PRIMEIROS ELEMENTOS PRÁTICOS E TEÓRICOS
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O que vimos parece mostrar que há um campo profissional amplo a ser explorado pelo violonista no Brasil, evidentemente isso deve ir ao encontro da paixão pelo instrumento que é o que lhe fará permanecer as horas necessárias estudando para desenvolver o domínio do instrumento.
4 CONSTRUÇÃO DO INSTRUMENTO E CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS
Neste tópico abordaremos a construção do instrumento, muito provavelmente você não pretenda construir seu próprio violão, mas o conhecimento das características técnicas de sua construção certamente lhe será útil também como instrumentista e na compreensão do que se pode esperar em matéria de timbre, sonoridade, e outras características importantes para o resultado musical.
Incialmente, vejamos a interessante imagem retirada de Zaczéski (2018) na qual temos uma imagem bastante clara dos elementos estruturais do violão.
FIGURA 8 – VISÃO EXPLODIDA DO VIOLÃO
FONTE: Zaczéski et al. (2018, p. 3)
Identificado com o número 1 temos o fundo do violão. Juntamente com as laterais e o tampo formam a caixa de ressonância do instrumento. As cordas tangidas vibram transmitindo a vibração para o cavalete e depois para o tampo que, juntamente com o fundo e as laterais, amplificam as vibrações e, por consequência, o som produzido. Geralmente fundo e laterais são confeccionados com a mesma madeira, sendo madeiras mais nobres e maciças nos violões de melhor qualidade, e madeira de menor qualidade e laminada em instrumentos mais
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simples e de menor preço. Além do que já mencionamos, as laterais (identificadas com o número 2) têm uma característica interessante que é o processo como são moldadas. As lâminas finas de madeira, já na largura e comprimento correto, são molhadas e aquecidas em uma prensa para se conseguir o formato final.
O tampo (número 3 na figura anterior) é uma das peças mais importantes na sonoridade do violão, ele funciona como uma membrana que vibra por meio da vibração que as cordas lhe transmitem. Junto com o leque harmônico são os principais responsáveis pelas características sonoras do instrumento. Para poder vibrar adequadamente precisa ser construído com uma madeira maleável, flexível, mas, ao mesmo tempo, resistente para suportar a tração que as cordas vão exercer por meio do cavalete. São utilizadas algumas madeiras em sua construção, mas as mais usadas são o cedro canadense e o abeto (pinho europeu). É importante perceber que existem instrumentos com tampo de madeira laminada e de madeira maciça, os primeiros são instrumentos geralmente de menor preço e com qualidade sonora inferior, já os instrumentos de madeira maciça são de melhor qualidade e por consequência maior preço. No centro do tampo, identificada com o número 11, temos a boca por onde o som tem passagem para sair da caixa acústica.
O braço (8) e a cabeça do violão (7) são construídos de um mesmo bloco de madeira, embora a cabeça seja separada do braço por um corte em ângulo e colada no ângulo contrário ao corte o que lhe dá essa angulação em relação ao resto do braço. Em muitos violões, principalmente os que usam cordas de aço, é feita uma fenda no centro do braço e colocado um tensor de metal para que se possa ajustar possíveis torções ao longo do tempo. Sobre essa fenda onde fica o tensor é colada a escala (9), feita de madeira diferente do braço é a parte aonde propriamente nossos dedos da mão esquerda vão entrar em contato com o instrumento para executar os acordes e notas. No braço também é instalada a pestana (6), feita de osso de boi ou plástico ela é o ponto inicial da extensão de corda que pode ser tocada. A parte utilizável da corda inicia na pestana e vai até o rastilho (5), também feito de osso, plástico ou grafite e é responsável por transmitir as vibrações ao cavalete (4) e ao tampo. Por fim, o salto (10) tem a finalidade de ajudar na sustentação do braço e auxiliar na colagem das laterais.
Ainda quanto à questão estrutural da construção do violão, falaremos de umas das partes mais importantes do violão, o leque harmônico, também conhecido por alguns como a alma do violão. Ele consiste numa estrutura de barras de madeiras coladas embaixo do tampo com basicamente duas funções: reforçar estruturalmente o tampo para que aguente a tensão que as cordas exercem ao serem esticadas e, tendo em vista que o tampo funciona como uma membrana vibratória, as barras do leque harmônico também alteram o resultado sonoro pelo seu posicionamento e pelo aumento da massa resultante de sua colagem ao tampo. Ou seja, o tampo com diferentes desenhos de leque harmônico pode vibrar diferente e resultar em sonoridades com características distintas. Zaczéski (2018) nos apresenta um interessante apanhado histórico de alguns importantes construtores de violões.
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FIGURA 9 – MODELOS DE LEQUE HARMÔNICO 1
FONTE: ZACZÉSKI et al. (2018, p. 5)
Além dessas partes estruturais temos outras partes que ainda não foram apresentadas, as diretamente ligadas a questões de utilidade prática ou estética.
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FONTE: <https://comoaprendertocarviolao.com/wp-content/uploads/2016/08/violao-partes.png>. Acesso em: 28 ago. 2019.
As tarraxas são fixadas na cabeça do violão e servem para controlar a tensão das cordas e, por consequência, a afinação. São geralmente feitas de aço e plástico.
A pestana ou o nut, como também é conhecido por ser sua nomenclatura em inglês, normalmente é feita de plástico ou de osso em violões de melhor qualidade. É na pestana que se inicia a seção vibrante da corda.
A partir da pestana podemos notar várias divisões ao longo do braço, essas divisórias de metal encaixadas e coladas na madeira do braço são chamadas de trastes e o espaço entre um traste e outro chamamos de casa.
O mosaico é um trabalho feito em marchetaria que circunda a boca do violão com a função reforçar a madeira bem como com função estética.
Estas são as partes que você terá que conhecer para que durante o processo de estudo compreenda os termos usados e para que, como instrumentista, tenha um pouco de conhecimento de seu instrumento. Ao longo do livro entraremos em mais detalhes acerca de alguns deles à medida que for necessário.
4.1 ENCORDOAMENTOS: DIFERENÇAS E CARACTERÍSTICAS
Para o leigo no assunto pode parecer simplesmente que cordas de violão são todas iguais, que basta instalar o que encontrarmos mais em conta e à mão e tudo bem. Na verdade a questão é um pouco mais complexa e o uso de cordas inadequadas pode inclusive danificar um violão de forma irreversível. Um exemplo muito comum são pessoas que tem violões de nylon sem tensor no braço, projetados para aguentar uma determinada tração das cordas, onde são instaladas cordas de aço, as quais exercem uma tração muito maior, acabando por arrancar
UNIDADE 1 | CONHECENDO O INSTRUMENTO E PRIMEIROS ELEMENTOS PRÁTICOS E TEÓRICOS
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o cavalete ou mesmo o tampo ou causando com o empenamento do braço de modo irreversível. Temos que ter em mente que os violões, tanto estruturalmente quanto acusticamente, já são projetados para o uso de determinado tipo de corda.
Por isso é importante que saibamos um pouco sobre as cordas que utilizaremos em nosso instrumento, além de evitar danos ao instrumento e a corda bem escolhida também nos entregará a sonoridade que desejamos e as características certas para o tipo de uso que faremos dela.
Na antiguidade, as cordas da maioria dos instrumentos de corda eram produzidas de tripa de animal e mais tarde de arame. Nos dias atuais, no que diz respeito ao violão temos basicamente dois tipos. As cordas de nylon e as cordas de aço. Quanto ao material existem algumas combinações que podem variar de acordo com a empresa que produz as cordas. Em um violão clássico com cordas de nylon as três primeiras cordas, as primas, são nuas, isto significa que são apenas um fio de nylon único. Os bordões, 4ª 5ª e 6ª cordas são feitos de um fio de aço ou nylon revestido com outro fio que pode variar de bronze, prata ou outro material. Num violão de cordas de aço, a terceira corda pode ser, em alguns casos, também revestida.
IMPORTANTE
FIGURA 11 – CORDA COM ALMA DE NYLON REVESTIDA COM FIO METÁLICO
FONTE: <https://www.viamusical.com.br/wp-content/uploads/2016/02/Cordas-revestidas.png>. Acesso em: 29 ago. 2019.
Para que acorda emita determinada nota temos 3 variáveis que precisam ser ajustadas: o comprimento da corda, a tensão que ela está esticada, sendo esta regulada na tarraxa, e o diâmetro da corda. Uma corda mais grossa terá mais massa e vibrará mais lentamente produzindo notas mais graves.
Na hora de escolhermos as cordas temos várias opções que são classificadas conforme a tensão em diversos degraus de acordo o fabricante, mas que geralmente vão de extra leve, leve, média, pesada e extra pesada. O diâmetro de cada corda varia também se forem de aço ou de nylon.
TÓPICO 1 | CARACTERÍSTICAS GERAIS DO VIOLÃO
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As cordas extra leves oferecem a vantagem de propiciar menor resistência quando pressionadas contra a escala do violão, por outro lado emitem um som com menos intensidade e menor duração.
Por outro lado as cordas pesadas por terem uma tensão maior exigem uma força um pouco maior para serem tocadas, embora tenham a vantagem de produzir maior volume de som e uma maior sustentação do mesmo.
Vejamos no quadro a seguir a diferença de diâmetros, expresso em polegadas, de dois jogos de cordas da mesma marca disponíveis no mercado, sendo o primeiro jogo de cordas de baixa tensão e o segundo cordas de alta tensão.
QUADRO 1 – DIÂMETROS DAS CORDAS DE NYLON
JOGO DE CORDAS DE BAIXA TENSÃO JOGO DE CORDAS DE ALTA TENSÃO 1ª= .028 1ª= 0,0295 2ª= .032 2ª =0,0334 3ª= .040 3ª= 0,0413 4ª= .0285 4ª= 0,0305 5ª= .0325 5ª= 0,0360 6ª= .0435 6ª= 0,0450
FONTE: O autor
No caso das cordas de aço elas têm diâmetros diferentes das cordas de nylon como podemos ver no quadro seguinte.
QUADRO 2 – DIÂMETROS DAS CORDAS DE AÇO
JOGO DE CORDAS DE TENSÃO EXTRA LEVE JOGO DE CORDAS DE ALTA TENSÃO 1ª = .010 1ª= .014 2ª= .014 2ª= .018 3ª= .023 3ª= .027 4ª= .030 4ª= .039 5ª= .039 5ª= .049 6ª= .047 6ª= .059
FONTE: O autor
A escolha das cordas está ligada ao estilo de música que pretendemos tocar e também ao violão que possuímos, mas, de modo geral, acreditamos que para o iniciante as cordas mais leves ou médias são mais adequadas, já que vão possibilitar uma digitação mais confortável de notas e acordes, e também porque, no momento inicial, os ganhos de sonoridade podem não ser tão perceptíveis ao iniciante, para compensar a dificuldade extra causada por cordas de ação muito pesada.
UNIDADE 1 | CONHECENDO O INSTRUMENTO E PRIMEIROS ELEMENTOS PRÁTICOS E TEÓRICOS
16
4.2 ESCOLHA DO INSTRUMENTO ADEQUADO
Durante os anos lidando com educação musical, e mais especificamente ensinando violão, ouvimos muitas vezes alunos ou pais de alunos afirmando que para iniciar comprariam um violão qualquer, ou pegariam um emprestado de algum parente que o guardou por anos em cima de algum armário. Embora seja perfeitamente compreensível, essa ideia provavelmente já ajudou a acabar com a carreira de alguns instrumentistas antes dela começar.
Ao longo desta parte do texto falaremos um pouco sobre como escolher um instrumento adequado para iniciar os estudos, ou mesmo como escolher um instrumento já de qualidade para seguir por um bom tempo com o mesmo violão.
O problema com a ideia de iniciar os estudos com um instrumento qualquer, para posteriormente investir em um melhor, é que às vezes o instrumento é tão mal construído que torna quase impossível, mesmo para um músico experiente, executar até as músicas mais simples nele. Mesmo que seja possível tocar, isso será desconfortável e exigirá tanto esforço que o estudante, principalmente a criança, perderá logo o estímulo de estudar. Também o resultado sonoro não causa uma experiência agradável ao ouvido. Já tivemos a oportunidade de tocar com violões de preço muito baixo que simplesmente não afinavam, tinham altura de cordas três ou quatro vezes acima do recomendado. Eram de fato violões que impossibilitavam o estudo sério do instrumento. O ideal é que para comprar seu primeiro instrumento você faça uma boa pesquisa de violões com boa relação custo-benefício e compre o melhor instrumento que couber no seu orçamento. Se você tiver que desistir de tocar que não seja pelo uso de um péssimo instrumento.
Quanto à escolha do tipo de cordas de seu violão, a sonoridade do aço e do nylon são características de gêneros musicais distintos e vão depender também do gosto particular do músico. Os violonistas profissionais geralmente acabam tendo vários violões para o uso adequado com cada estilo. No entanto, para iniciar os estudos acredito que o mais indicado sejam violões clássicos com cordas de nylon. Como já dissemos, os motivos são porque as cordas de nylon são mais leves, exigem menos força na digitação e vão causar menos danos nas pontas dos dedos ainda não calejados, principalmente se o aluno for uma criança, caso em que é melhor insistir no uso de um violão de nylon. Isso não significa que não seja possível iniciar os estudos com qualquer outro tipo de violão desde que esteja adequadamente regulado e permita uma execução minimamente cômoda.
Os tipos mais comuns de violões que encontramos no mercado, e sendo utilizados por artistas por todo o mundo são: clássico, folk, flat, jumbo. Nos últimos anos têm surgido também alguns instrumentos com design e técnicas inovadores.
O tipo mais comum de violão é o clássico, utilizado para o estudo do violão
erudito, o qual é praticamente unanimidade. No Brasil seu uso também é muito comum na MPB em estilos como o samba, bossa-nova, choro. Na maioria das vezes esse modelo vem equipado com cordas de nylon, mas é também encontrado com
TÓPICO 1 | CARACTERÍSTICAS GERAIS DO VIOLÃO
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encordoamento de aço, caso em que a estrutura interna é reforçada para suportar a maior tração que as cordas exercem. O braço desse modelo costuma ser o mais largo em relação aos outros modelos. Entre os músicos de samba e choro, esse modelo clássico também pode ser encontrado em versões com 7 cordas sendo acrescentada uma corda mais grave afinada em Si ou Dó. Essa corda é adicionada acima da 6ª corda em um violão já construído para esse fim.
FIGURA 12 – VIOLÃO MODELO CLÁSSICO
FONTE: <https://http2.mlstatic.com/violo-di-giorgio-classico-38-D_NQ_NP_844211- MLB20514882660_122015-F.jpg>. Acesso em: 5 set. 2019.
É difícil quantificar, mas provavelmente o segundo modelo de violão mais utilizado pelo mundo seja o violão conhecido como Folk. Esse modelo utiliza cordas de aço e tem vantagens e desvantagens como qualquer modelo. Como sua caixa de ressonância é maior e mais profunda que o modelo clássico ele costuma ter bastante sonoridade, sendo ideal para bases de estilos como pop, rock, sertanejo universitário, entre outros.
O braço do violão folk é mais estreito facilitando a digitação de acordes com distância maior entre os dedos, por outro lado, se você tiver dedos mais grossos poderá ficar mais complicado montar alguns acordes. O som desse modelo também é interessante para solos e introduções mais elaboradas por ter um som potente e claro. Uma das desvantagens é que no palco ele pode acabar gerando ruídos e microfonias por conta de sua grande projeção sonora e efeitos de retorno da amplificação. Também seu tamanho é um pouco desconfortável para muitas horas de apresentação.
UNIDADE 1 | CONHECENDO O INSTRUMENTO E PRIMEIROS ELEMENTOS PRÁTICOS E TEÓRICOS
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FONTE: <https://madeinbrazil.fbitsstatic.net/img/p/violao-aco-folk-104-el-di- giorgio-69970/256453.jpg?w=800&h=800&v=no-change>. Acesso em: 5 set. 2019.
O violão Flat é um pouco menos conhecido pelo público em geral. Por ter características que se adaptam muito bem no palco, principalmente em apresentações profissionais de grande porte, é mais utilizado por músicos profissionais principalmente de MPB. Nesse modelo podemos ter a sonoridade das cordas de nylon em um violão ergonomicamente mais confortável, leve e com menor risco de problemas técnicos causados pela amplificação, já que a maioria deles não tem a boca no tampo. Essa é uma vantagem quando utilizado no palco, por outro lado, há uma desvantagem para o uso acústico, já que tem uma sonoridade menos intensa uma vez que praticamente não tem caixa de ressonância. Além disso, a principal diferença para o modelo clássico é a altura da caixa de ressonância que mede mais ou menos a metade, e por volta de um terço da altura quando comparado com um violão folk.
FIGURA 14 – VIOLÃO MODELO FLAT
FONTE: <https://www.cheirodemusica.com.br/violao-caimbe-flat-6-ra-nylon-escuro-fosco-c- recorte-e-afinador-p190>. Acesso em: 5 set. 2019.
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Nos modelos equipados com cordas de aço ainda vamos mencionar o modelo Jumbo. Ideal para bases e estilos que necessitem de um som mais forte e encorpado, esse modelo tem a desvantagem de ter a caixa de ressonância grande sendo menos confortável principalmente para pessoas com tipo físico menor.
FIGURA 15 – VIOLÃO MODELO JUMBO
FONTE: <http://cdn1.solojavirtual.com/arquivos_loja/46147/Fotos/thumbs3/produto_ Foto1_10059282.jpeg?cache=20190514 >. Acesso em: 5 set. 2019.
Para o uso infantil existem violões especificamente construídos para cada idade e são classificados em um quarto, um meio, três quartos do modelo normal conforme a figura a seguir:
FIGURA 16 – TAMANHO DOS VIOLÕES INFANTIS
FONTE: <https://www.musicalbras.com.br/image/data/musicalbras/departamentos/ informacoes/violoes/violoes-tamanho.png >. Acesso em: 5 set. 2019.
Neste tópico, você aprendeu que:
• O violão tem origem ainda não definida, mas, de qualquer modo, teve bastante influência espanhola e o modelo clássico que temos hoje surgiu no final do século XIX pelas mãos do luthier Antonio de Torres Jurado.
• O violão teve, e ainda tem, papel preponderante no desenvolvimento de nossa música popular, estando presente na maioria dos estilos que aqui se desenvolveram.
• Em relação ao mercado de trabalho, nos dias atuais, o violonista encontra ainda um campo relativamente amplo de exploração profissional.
RESUMO DO TÓPICO 1
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1 A respeito da bossa-nova e da importância do violão na gênese de nossa música popular brasileira, Taborda (2011) nos diz, na introdução de seu livro, que pretende em sua obra acerca do violão brasileiro “[...] esmiuçar aquela que se tornaria a grande realização do instrumento: servir de suporte harmônico aos gêneros típicos formadores da música popular. A presença do violão no desempenho da sustentação rítmico-harmônica revelou-se, em alguns casos, aspecto identificador do próprio gênero musical a que servia de base. Basta lembrar a importância que assumiu na música brasileira o chamado baixo- cantante, realizado pelo acompanhamento violonístico, e, mais recentemente, a batida ‘bossa-nova’, que transpôs para o violão o padrão de acompanhamento que tipifica o próprio gênero” (TABORDA, 2011, p. 11).
Com base nessas afirmações e no que estudamos no primeiro tópico classifique as sentenças em verdadeira (V) ou falsa (F), e selecione a seguir a alternativa CORRETA:
( ) No Brasil os gêneros musicais foram importados da Europa, por meio dos Portugueses, e aqui permaneceram iguais até os dias de hoje, uma vez que o violão não mudou seu desenho desde o século XIX com a criação de Antonio de Torres Jurado.
( ) A bossa-nova é considerada um gênero musical genuinamente brasileiro, mesmo sofrendo grande influência do Jazz, e o violão teve importante influência na gênese desse ritmo.
( ) No sul do país o violão influenciou os gêneros de música gaúcha com características ligadas aos países vizinhos de colonização espanhola.
( ) O violão no Brasil ganhou importância relevante como instrumento de solo e o acompanhamento de canções ficou em segundo plano na nossa MPB.
( ) Eventos culturais pós Segunda Guerra não tiveram qualquer influência nos caminhos do violão no Brasil e na sua influência na MPB.
a) ( ) V – F – V – F – F. b) ( ) F – V – V – F – F. c) ( ) V – V – F – F – F. d) ( ) F – V – V – F – F.
2 Assinale a alternativa que liste as partes do violão em ordem decrescente de relevância para o resultado do timbre do instrumento.
a) ( ) Trastes, leque harmônico, cordas, tampo, tarraxas. b) ( ) Tarraxas, tampo, cordas, leque harmônico, trastes. c) ( ) Cordas, tampo, leque harmônico, trastes, tarraxas. d) ( ) Tampo, trastes, leque harmônico, tarraxas, cordas.
AUTOATIVIDADE
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3 Escreva um breve relato, que poderá ser socializado com os colegas de curso, acerca de sua relação com o violão. Alguns pontos podem servir de guia como: qual sua história com o instrumento? Você já toca, está iniciando, tem algum familiar violonista? Qual sua expectativa quanto ao instrumento, pretende que seja seu instrumento principal? Não pretende ir além do suficiente para cursar a disciplina? Qual a relação do violão com seus estilos musicais e artistas preferidos? E qualquer outra informação que julgue importante quanto à relação entre o violão e sua história de vida.
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UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO Neste segundo tópico, tendo em vista o fato de o caderno ser direcionado a
acadêmicos de licenciatura em música, trataremos dos pressupostos pedagógicos e didáticos que guiaram a elaboração do caderno, para que sirvam também como possibilidades de ferramentas de uso do futuro professor.
Conheceremos um pouco da teoria do psicólogo e teórico da educação russo Lev S. Vygotsky, mais precisamente abordaremos seu conceito de Zona de desenvolvimento proximal ZDP.
Também teremos contato com a teoria da uma das mais respeitadas arte-educadoras brasileiras, Ana Mae Barbosa, que por meio de sua abordagem triangular possibilitou um ensino da arte mais consciente e estruturado, baseado em estratégias que pensam a arte como uma atividade bem mais complexa do que o simples ensino técnico de um fazer artístico.
2 CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DE VYGOTSKY Como você irá ter a oportunidade de estudar em disciplina específica nas
próximas fases do curso, existem diversas linhas pedagógicas e didáticas para o ensino da música. Provavelmente você chegará à conclusão que nenhuma delas dará conta de abarcar todas as especificidades dos alunos reais que terá durante sua carreira profissional, e que será necessário lançar mão de aspectos de todas elas como ferramentas mais adequadas para as demandas que surgirem com os diferentes alunos e situações.
Neste livro adotamos alguns pressupostos pedagógicos que escolhemos entre tantas possibilidades para elaborar esse material, por acreditarmos na importância dos mesmos e por que foram utilizados em nossa prática pedagógica e musical de modo geral.
O primeiro pressuposto, embora pareça óbvio, tem sido esquecido ao longo de muito tempo na publicação de métodos para o estudo de instrumentos: a constatação da ideia que o aprendizado não dá saltos. Pessoalmente estudei diversos métodos instrumentais que iniciavam de forma simples, com lições
UNIDADE 1 | CONHECENDO O INSTRUMENTO E PRIMEIROS ELEMENTOS PRÁTICOS E TEÓRICOS
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graduadas coerentemente, e logo em seguida traziam conteúdos em um nível que desestimulava a continuar os estudos. Claro que muitos deles pressupõem a presença de um professor, mas, de qualquer modo, a lacuna é um fato constantemente presente nos métodos para diversos instrumentos.
Nesse sentido, é que adotamos como pressuposto pedagógico na elaboração deste Livro Didático, o conceito de “zona de desenvolvimento proximal” (ZDP). Elaborado pelo psicólogo Lev S. Vygotsky como parte de sua teoria histórico-cultural do desenvolvimento e aprendizagem, resumidamente pode ser assim conceituado:
A zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, constituído por funções já consolidadas pelo sujeito, que lhe permitem realizar tarefas com autonomia, e o nível de desenvolvimento potencial, caracterizado pelas funções que, segundo Vygotsky, estariam em estágio embrionário e não amadurecidas (SOUZA; ROSSO, 2011, p. 5897).
Na prática, o primeiro ponto para o professor de violão que recebe um aluno novo ou uma turma, é avaliar qual o desenvolvimento real do estudante naquele momento. Digamos, por hipótese, que nosso estudante não tenha nenhum conhecimento do instrumento, o próximo passo é estabelecer o nível de desenvolvimento potencial, que vamos dizer que seja aprender a identificar e nomear as partes do instrumento. O espaço entre o estudante chegar à escola com “nenhum” conhecimento, e aprender a identificar as partes do instrumento será a ZDP. Na teoria de Vygotsky, esse desenvolvimento acontece no indivíduo por meio da mediação de outro sujeito mais experiente. Aí entra o papel do professor, que será o de mediador do processo de aprendizagem juntamente com o material didático e outras formas de intermediação do sujeito com a cultura já historicamente construída.
No caso do estudo do violão lidamos com duas formas de desenvolvimento que precisamos ter claro em nossas práticas de estudo e ensino. A parte teórica, que diz respeito a entender os conceitos referentes ao estudo do instrumento e da música de modo geral, e a parte mecânica, que diz respeito à capacidade das mãos de executarem aquilo que racionalmente já está compreendido. A atenção do professor mediador deve então voltar-se para os dois aspectos e procurar promover o desenvolvimento de ambos, na medida em que se fizerem necessários.
A teoria histórico-cultural também pode nos oferecer um conceito interessante da avaliação. Nessa perspectiva, avaliar significa diagnosticar, avaliamos para verificar se o desenvolvimento está ocorrendo ou não, e para que, com base nesse diagnóstico, provocar novas mediações no sentido de promover a chegada ao nosso objetivo.
TÓPICO 2 | PRESSUPOSTOS PEDAGÓGICO-DIDÁTICOS
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Uma vez atingido, o objetivo se torna um novo ponto de partida, um novo ponto de desenvolvimento real, e a partir dele estabelecemos novo ponto potencial. Nossa atenção precisa estar voltada para que esses degraus sejam escolhidos cuidadosamente, para que não se tornem muito altos, que desestimulem o estudante. Devem sempre significar etapas para um avanço contínuo até o maior potencial que cada um pode desenvolver.
Nesse sentido, tendo em vista as características do ensino à distância, serão sugeridas práticas didáticas de modo que você, acadêmico, também atue como mediador e avaliador de seu processo de aprendizagem, de modo que também já desenvolva e exercite práticas úteis para o exercício da profissão.
3 A ABORDAGEM TRIANGULAR DE ANA MAE BARBOSA Como segundo ponto de apoio metodológico utilizaremos a Abordagem
Triangular, desenvolvida pela arte-educadora Ana Mae Barbosa. Esta proposta de abordagem de ensino da arte foi desenvolvida inicialmente para as artes visuais, mais especificamente no Museu de Arte Contemporânea da USP. Hoje encontramos relatos de sua utilização nos mais diversos campos da arte, como a dança, o teatro e a música entre outros. Pode-se dizer que é a metodologia mais utilizada na arte- educação brasileira e que seus conceitos estão de acordo com a nova Base Nacional Comum Curricular que está sendo implementada na educação básica.
Atualmente, em livro no qual revisa sua teoria, Barbosa (2014) define sua abordagem como uma figura de ziguezague entre os três lados do triângulo: produção, contextualização, e leitura. Para a autora não uma sequência fixa, a produção pode gerar a leitura ou a contextualização, pode-se iniciar em qualquer um dos três pilares e seguir na direção de qualquer um.
FIGURA 17 – ABORDAGEM TRIANGULAR
FONTE: O autor
UNIDADE 1 | CONHECENDO O INSTRUMENTO E PRIMEIROS ELEMENTOS PRÁTICOS E TEÓRICOS
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Machado (2010) pode nos ajudar a compreender o que é a abordagem e cada um de seus vértices. Quanto à abordagem ela nos diz que:
Os três eixos da aprendizagem artística que a compõe delimitam claramente conjuntos possíveis de ações complementares e interconectadas. Ações que podem se manifestar concretamente em redes intermináveis de relações. A abordagem Triangular faz precisamente isto: delimita os contornos do conhecimento artístico, estruturando um campo de ações que conduzem processos de aprendizagem, específicos dessa forma de conhecimento humano (MACHADO, 2010, p. 64).
Quanto à definição dos três pilares da abordagem, é importante compreender que são conceitos amplos que não se limitam ao significado simples das palavras chaves. Quanto ao eixo da produção pode-se entendê-lo como um conceito que:
[...] envolve ações de configuração (toda vez que alguém produz uma forma) ou seja: - refere-se à realização de uma escultura, dança, música, filme ou outras formas de produção artística; - refere-se à produção de pensamentos sobre arte, por exemplo, quando alguém escreve um texto dando forma a ideias; refere-se a experiências de leitura, quando alguém, diante de uma obra de arte, configura para si mesmo uma forma significativa de encontro com aquela obra (MACHADO, 2010, p. 65).
Quando tratamos de música, ainda temos que levar em conta a questão de que a música é produzida cada vez que é tocada, cada interpretação é de certa forma uma composição. Nesse caso poderíamos apenas considerar a execução da obra como produção. No entanto, optamos, durante a elaboração deste livro, em propiciar momentos de estímulo à composição musical, geralmente esquecida na educação musical. Muitas vezes percebe-se até certa barreira em músicos profissionais quanto à criação de obras originais, o que, no campo das artes visuais, é estimulado desde os primeiros momentos do aprendizado.
O segundo vértice do triângulo é a leitura da obra de arte, a respeito da leitura podemos compreendê-la conforme aponta Machado (2010, p. 65):
O eixo da LEITURA refere-se aos encontros (que costumo chamar de conversas) com obras de arte e outras tantas construções simbólicas das culturas envolvendo, por exemplo, desde espaços urbanos, meios de comunicação até objetos utilitários. Esse eixo nomeia, então, a aprendizagem da experiência estética, que envolve também nosso contato com formas da natureza. Ler tem o sentido de reconhecer e compreender poeticamente códigos e principalmente o sentido de dar combustível ao universo de imagens internas significativas responsáveis pelo vigor conceptivo humano.
TÓPICO 2 | PRESSUPOSTOS PEDAGÓGICO-DIDÁTICOS
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Nesse sentido, quando tratamos de música, a leitura da obra pode ser compreendida como exercícios de percepção sonora no sentido mais amplo possível. Os códigos musicais precisam ser reconhecidos, compreendidos, resignificados, num processo de fruição da obra musical que, por meio desses processos e de uma série de outros processos, como o fazer artístico e a contextualização, estruturam o processo como se aprende e se cria arte.
Esse processo tenta simular o processo “natural” com o qual o artista interage com a arte dentro do fluxo dos seus processos (MACHADO 2010). Para Barbosa (2014), é importante frisar que o conceito de leitura em sua Abordagem Triangular: “[...] sugere uma interpretação para a qual colaboram uma gramática, uma sintaxe, um campo de sentido decodificável e a poética pessoal do decodificador” (BARBOSA, 2014, p. 32).
A contextualização é o terceiro pilar da abordagem proposta por Ana Mae Barbosa. Ainda segundo Machado (2010, p. 66), este eixo:
[...] abarca as ações que focalizam, por meio da reflexão, os diferentes contextos da arte: a história, a cultura, circunstâncias, histórias de vida, estilos e movimentos artísticos. Trata-se da aprendizagem de formulações sobre o fenômeno artístico em diferentes planos de realidade e de acordo com diferentes níveis de compreensão. Esse eixo contém, assim, uma ampla gama de discursos fruto: da pesquisa teórica, da leitura de formas e da pesquisa durante o processo do fazer artístico.
A contextualização nos permite uma aproximação com a obra de arte que se assemelha com o ato de conhecer uma pessoa, à medida que nos aproximamos dela, ouvimos sua história de vida, conhecemos sua origem social, suas subjetividades e a pessoa pode passar ao nosso olhar uma significação muito diferente do primeiro contato que tivemos. Assim também para o artista ou para o estudante de música a fruição de uma determinada obra ou sua interpretação pode ser alterada pela pesquisa contextual da mesma.
Além dos aspectos mencionados, a contextualização vai ao encontro das diretrizes apontadas na Base Comum Curricular Nacional, no sentido que as competências desenvolvidas busquem promover a criticidade do estudante, e que:
Nesse sentido, as manifestações artísticas não podem ser reduzidas às produções legitimadas pelas instituições culturais e veiculadas pela mídia, tampouco a prática artística pode ser vista como mera aquisição de códigos e técnicas. A aprendizagem de Arte precisa alcançar a experiência e a vivência artísticas como prática social, permitindo que os alunos sejam protagonistas e criadores (BRASIL, 2016, p. 193).
Também acreditamos que a adoção da abordagem triangular pode abarcar as seis dimensões que a BCCN sugere que devam ser articuladas para o ensino da arte e que:
UNIDADE 1 | CONHECENDO O INSTRUMENTO E PRIMEIROS ELEMENTOS PRÁTICOS E TEÓRICOS
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[...] de forma indissociável e simultânea, caracterizam a singularidade da experiência artística. Tais dimensões perpassam os conhecimentos das Artes visuais, da Dança, da Música e do Teatro e as aprendizagens dos alunos em cada contexto social e cultural. Não se trata de eixos temáticos ou categorias, mas de linhas maleáveis que se interpenetram, constituindo a especificidade da construção do conhecimento em Arte na escola. Não há nenhuma hierarquia entre essas dimensões, tampouco uma ordem para se trabalhar com cada uma no campo pedagógico (BRASIL, 2016, p. 194).
Veja na íntegra o texto da BNCC, onde são apontadas e definidas essas seis dimensões:
• Criação: refere-se ao fazer artístico, quando os sujeitos criam, produzem e constroem. Trata-se de uma atitude intencional e investigativa que confere materialidade estética a sentimentos, ideias, desejos e representações em processos, acontecimentos e produções artísticas individuais ou coletivas. Essa dimensão trata do apreender o que está em jogo durante o fazer artístico, processo permeado por tomadas de decisão, entraves, desafios, conflitos, negociações e inquietações.
• Crítica: refere-se às impressões que impulsionam os sujeitos em direção a novas compreensões do espaço em que vivem, com base no estabelecimento de relações, por meio do estudo e da pesquisa, entre as diversas experiências e manifestações artísticas e culturais vividas e conhecidas. Essa dimensão articula ação e pensamento propositivos, envolvendo aspectos estéticos, políticos, históricos, filosóficos, sociais, econômicos e culturais.
• Estesia: refere-se à experiência sensível dos sujeitos em relação ao espaço, ao tempo, ao som, à ação, às imagens, ao próprio corpo e aos diferentes materiais. Essa dimensão articula a sensibilidade e a percepção, tomadas como forma de conhecer a si mesmo, o outro e o mundo. Nela, o corpo em sua totalidade (emoção, percepção, intuição, sensibilidade e intelecto) é o protagonista da experiência.
• Expressão: refere-se às possibilidades de exteriorizar e manifestar as criações subjetivas por meio de procedimentos artísticos, tanto em âmbito individual quanto coletivo. Essa dimensão emerge da experiência artística com os elementos constitutivos de cada linguagem, dos seus vocabulários específicos e das suas materialidades.
• Fruição: refere-se ao deleite, ao prazer, ao estranhamento e à abertura para se sensibilizar durante a participação em práticas artísticas e culturais. Essa dimensão implica disponibilidade dos sujeitos para a relação continuada com produções artísticas e culturais oriundas das mais diversas épocas, lugares e grupos sociais.
• Reflexão: refere-se ao processo de construir argumentos e ponderações sobre as fruições, as experiências e os processos criativos, artísticos e culturais. É a atitude de perceber, analisar e interpretar as manifestações artísticas e culturais, seja como criador, seja como leitor (BRASIL, 2016, p. 194-195).
FONTE: BRASIL. Base nacional comum curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação; Secretaria da Educação Básica, 2016. p. 194-195. Disponível em: http://basenacionalcomum. mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 28 set. 2019.
ATENCAO
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RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que:
• Há diversas concepções pedagógicas e didáticas para o ensino da música e todas elas podem nos fornecer ferramentas para o aprimoramento profissional, com intuito de resolver as demandas do dia a dia da sala de aula e as especificidades de cada estudante.
• A zona de desenvolvimento proximal (ZDP) é um conceito que faz parte da teoria histórico-cultural, elaborada pelo psicólogo Lev S. Vygotsky, um dos grandes teóricos da educação
• A zona de desenvolvimento proximal é o espaço entre o nível de desenvolvimento real, constituído por funções já consolidadas pelo sujeito, que lhe permitem realizar tarefas com autonomia, e o nível de desenvolvimento potencial, caracterizado pelas funções que o indivíduo tem potencial para desenvolver.
• Na teoria sócio-histórica de Vygotsky, o primeiro passo para a aprendizagem é o diagnostico do atual estado de desenvolvimento real do aprendiz.
• O professor, dentro da concepção Vygotskyana, tem papel de mediador do sujeito com o conhecimento já socialmente construído.
• A avaliação, nessa perspectiva sócio-histórica, busca verificar o atual nível de desenvolvimento, de modo que, com base nesse diagnóstico, possamos realizar mediações visando promover tal desenvolvimento rumo a um novo nível real de conhecimento.
• A Abordagem Triangular, desenvolvida pela arte-educadora Ana Mae Barbosa, é baseada em três pilares: a produção, contextualização e a leitura.
• A Base Comum Curricular Nacional traçou como base para o ensino da arte na educação fundamental seis dimensões: criação, crítica, estesia, expressão, fruição e reflexão.
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1 (ENADE, 2014) Vygotsky descreveu a zona de desenvolvimento proximal como a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar por intermédio da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial determinado pela solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. VYGOTSKY, L. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989 (adaptado).
Para criar zonas de desenvolvimento proximal e nelas intervir, é fundamental que, nas situações de aprendizagem, o professor.
FONTE: <https://brainly.com.br/tarefa/9135984>. Acesso em: 13 jan. 2020.
a) ( ) Destaque erros e equívocos cometidos pelos alunos e espere que encontrem o problema.
b) ( ) Indique o erro e a resposta correta, propondo, sempre que necessário, novas situações de aprendizagem.
c) ( ) Elogie os resultados obtidos pelos alunos, mesmo que ruins, para não os desestimular, corrigindo-os em seguida.
d) ( ) Forneça pistas aos alunos e fique atento ao curso do raciocínio destes, reformulando questões ou problemas sempre que for necessário.
2 “A ampliação e a produção dos conhecimentos musicais passam pela
percepção, experimentação, reprodução, manipulação e criação de materiais sonoros diversos, dos mais próximos aos mais distantes da cultura musical dos alunos. Esse processo lhes possibilita vivenciar a música inter-relacionada à diversidade e desenvolver saberes musicais fundamentais para sua inserção e participação crítica e ativa na sociedade” (BRASIL, 2016, p. 196).
Com base no trecho da Base Nacional Comum Curricular, o qual se trata dos princípios norteadores da educação musical, podemos afirmar que a Abordagem Triangular de Ana Mae Barbosa:
a) ( ) Não está alinhada com esta proposta, visto ser focada apenas na formação técnica do músico, dando prioridade ao resultado da performance musical.
b) ( ) Vai ao encontro desses princípios, já que contribui para a formação de um cidadão consciente da realidade social que o cerca.
c) ( ) Está de acordo com os princípios da Base Nacional Comum Curricular, já que toma a produção artística como meta principal da educação no campo da arte.
d) ( ) É incongruente com a Base Nacional Comum Curricular no sentido que a Abordagem Triangular não corresponde à uma perspectiva sócio- histórica da educação.
AUTOATIVIDADE
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3 Com base na Abordagem Triangular, elabore uma atividade prática para uma aula de música de modo geral, ou do instrumento que você toca, utilizando como guia os três pilares: produção, leitura e contextualização. Tente utilizar os três, mas lembre-se que não é necessário que os três sejam utilizados sempre em suas práticas, eles funcionam como possibilidades por onde podemos transitar.
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UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO Neste terceiro tópico da Unidade 1 iniciaremos a explicação dos primeiros
elementos mais direcionados à prática no violão. Conheceremos a postura correta e outros elementos técnicos iniciais. Conheceremos a localização das notas em todo o braço do violão e aprenderemos a realizar a afinação do instrumento.
Veremos os primeiros acordes, levadas rítmicas e as primeiras canções utilizadas como repertório de estudo. Por fim, apresentaremos uma proposta de estímulo à composição musical e uma leitura complementar relacionada com o conteúdo da unidade.
2 POSTURA E ABORDAGEM TÉCNICA INICIAL Para o domínio de qualquer instrumento musical são necessárias muitas
horas de estudo, durante alguns anos. Para este tipo de estudo, pequenos detalhes de postura e técnica podem fazer a diferença tanto no resultado sonoro, quanto na saúde e bem estar do músico. Ao longo do tempo, por meio de tentativas, os violonistas chegaram a certas posturas que hoje são consideradas como mais indicadas. Se você parar para observar alguns vídeos de violonistas renomados, verá que não há uma postura padrão entre eles, elas podem variar dependendo do estilo musical e da adaptação pessoal do músico, mesmo assim existem posturas tecnicamente mais eficientes.
Depois da escolha adequada do instrumento, o segundo ponto é a escolha do assento para ser utilizado durante os estudos. O ideal é que você utilize uma cadeira com assento plano e sem nenhum tipo de encosto para os braços, para evitar qualquer tipo de desequilíbrio, má postura, e torções na coluna. Uma cadeira levemente acolchoada também será interessante já que você permanecerá muito tempo na mesma posição. Evite cadeiras com rodas uma vez que você não terá a firmeza e equilíbrio necessários, o que tornará toda execução mais difícil.
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UNIDADE 1 | CONHECENDO O INSTRUMENTO E PRIMEIROS ELEMENTOS PRÁTICOS E TEÓRICOS
FIGURA 18 – CADEIRA COM DESIGN IDEAL PARA VIOLÃO
FONTE: <https://novomundo.vteximg.com.br/arquivos/ids/1670156-1000-1000>. Acesso em: 20 set. 2019.
Embora existam outras possibilidades, vamos tratar aqui de duas posturas que são as mais conhecidas e utilizadas pelos violonistas, a postura popular e a postura clássica.
FIGURA 19 – POSTURA VIOLÃO POPULAR
FONTE: <http://3.bp.blogspot.com/-JRa_HBJiIXo/Tb37xlrQZdI/AAAAAAAAAOc/Cc8qjSZ-wFA/s400/ar07.jpg>. Acesso em: 20 set. 2019.
A postura popular é, de modo geral, talvez a mais utilizada. Isso não significa que seja a mais indicada ou a mais eficiente. Se observarmos a Figura 19, ou tentarmos colocar o violão nesta postura, podemos perceber que o instrumento está basicamente apoiado na perna direita, o que permite que faça um movimento de gangorra, ficando desequilibrado tanto no sentido vertical quanto horizontal. Com o braço direito exercendo peso na parte de trás do instrumento ele ficará mais desequilibrado, e quando soltarmos a mão esquerda para fazer um salto um pouco maior no braço haverá um desequilíbrio que dificultará a execução. A nosso ver, esta postura permite a execução de acompanhamentos fáceis e músicas simples, no entanto, à medida que a dificuldade cresce, esta postura irá dificultar sua evolução como violonista.
Para evitar isso sugerimos que, desde o início, você se habitue a tocar com a postura clássica, mais comum no estudo do violão erudito, mas que, ao nosso ver, traz muito mais benefícios também no estudo do violão popular, porque facilita a execução de qualquer música.
TÓPICO 3 | ELEMENTOS PRÁTICOS INICIAIS
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FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_T%C3%A1rrega>. Acesso em: 20 set. 2019.
Na Figura 20 vemos um dos maiores nomes do violão mundial, o espanhol Francisco Tarrega (1852 -1909), executando a postura clássica ainda hoje utilizada. Observe que neste caso temos três pontos de apoio, possibilitando que a mão esquerda, e mesmo a direita, possam ter seus movimentos livres sem precisar suportar o instrumento na posição. Nesta postura também temos maior liberdade do cotovelo esquerdo em relação ao corpo, no caso da postura anterior este movimento fica bem limitado.
Na postura clássica, nos sentamos na ponta da cadeira com a perna esquerda acompanhando a direção da perna da cadeira e serve como primeiro ponto de apoio. A perna direita fica afastada de modo a servir de apoio para a parte traseira do violão. E o terceiro ponto de apoio é o peito do violonista.
Observe também que a perna esquerda permanece apoiada em um banquinho de modo que cabeça do violão fica na altura do ombro do instrumentista. Nos dias de hoje é possível encontrar à venda apoios para o pé com esta finalidade, com regulagens de altura. Mas nada impede que você faça um de madeira com a altura adequada à sua estrutura corporal. A altura do banquinho é indicada nos métodos de violão como próxima de 15 cm do chão.
FIGURA 21 – APOIO REGULÁVEL PARA O PÉ
FONTE: <http://twixar.me/qvtT>. Acesso em: 20 set. 2019.
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UNIDADE 1 | CONHECENDO O INSTRUMENTO E PRIMEIROS ELEMENTOS PRÁTICOS E TEÓRICOS
FIGURA 22 – POSTURA DA MÃO DIREITA
FONTE: Adaptado de <https://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_T%C3%A1rrega>. Acesso em: 20 set. 2019.
Neste recorte da postura clássica (Figura 22), veja como a linha pontilhada indica um detalhe importante em relação à postura da mão direita. Veja que ela está relaxada, não acompanha a linha do braço, ao invés disso, aponta para o chão. Esta postura relaxada deve ser adotada como norma para todo corpo. Braços, ombros, pernas, mãos e dedos devem sempre permanecer relaxados, é importante manter vigilância sobre estes detalhes no início dos estudos para evitar vícios de execução difíceis de serem corrigidos. Hoje também estão sendo desenvolvidos e comercializados no Brasil apoios que são acoplados no violão para substituir o banquinho (Figura 23).
FIGURA 23 – APOIO ERGONÔMICO PARA VIOLÃO
FONTE: <http://twixar.me/T4tT>. Acesso em: 20 set. 2019.
Outro aspecto técnico importante está relacionado ao formato e comprimento das unhas. Quanto à mão esquerda a definição é simples, as unhas devem ser mantidas sempre cu