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DIREITO PENAL PROF: REINALDO ROSSANO ALVES 1 PARTE I NOÇÕES DE DIREITO PENAL 1- Conceito de crime - Conceito Formal: crime é a ação ou a omissão contrária à norma penal. - Conceito Material: crime é a ação ou omissão que lesa ou expõe a perigo de lesão um bem jurídico penal (tutelado pelo Direito Penal). - Conceito Analítico (dogmático ou estratificado): refere-se à análise dos elementos que compõem o crime, embora seja este unitário. Desse modo, o estudo sobre os elementos do crime parte desse conceito analítico, havendo, na doutrina, grande divergência acerca dos elementos (requisitos) do crime, podendo- se apontar duas grandes correntes: uma bipartida e outra tripartida. Divergência na doutrina: Concepções: - Bipartida: para esta corrente são elementos constitutivos do crime: fato típico (tipicidade) e antijurídico (antijuridicidade ou ilicitude). A culpabilidade é vista como pressuposto de aplicação da pena. Os adeptos desta concepção sustentam que a culpabilidade perdeu importância, no sistema finalista, com a saída do dolo e da culpa para a conduta. Dizem, assim, que a concepção tripartida, a qual inclui a culpabilidade como elemento do crime, é fruto do sistema causalista, abandonado pela reforma do Código Penal em 1984 (Lei nº 7.209/84). Apegam-se, ao fim, na denominação (“é isento de pena”) utilizada pelo Código Penal (artigos 21 e 26) ao tratar das excludentes de ilicitude, pois, fosse a culpabilidade elemento do crime, o legislador teria empregado para suas excludentes a mesma expressão (“não há crime”) usada às excludentes de tipicidade (artigo 1º) e de ilicitude (artigo 23). No Brasil, seguem esta concepção Damásio, Capez, Mirabete, Delmanto, entre outros. - Tripartida: os adeptos desta concepção veem o crime como a conduta típica (fato típico), antijurídica e culpável. Assim, incluem a culpabilidade como elemento do crime. Cuida-se da doutrina dominante no Brasil e no exterior. É importante ressaltar que Hans Welzel, o criador do finalismo, sempre manteve a culpabilidade como elemento do crime, o que afasta, em linha de princípio, o argumento dos defensores da concepção bipartida de que o conceito tripartido é tipicamente causalista. Assim, para esta concepção estão ligados, nesta ordem: fato típico antijuricidade - culpabilidade. 1 Defensor Público do DF Conselheiro Penitenciário do DF Autor do Livro Direito Processual Penal, 8ª edição, Ed. Impetus Mestrando em Direito.

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DIREITO PENAL

PROF: REINALDO ROSSANO ALVES1

PARTE I – NOÇÕES DE DIREITO PENAL

1- Conceito de crime

- Conceito Formal: crime é a ação ou a omissão contrária à norma penal.

- Conceito Material: crime é a ação ou omissão que lesa ou expõe a perigo de lesão um bem jurídico penal

(tutelado pelo Direito Penal).

- Conceito Analítico (dogmático ou estratificado): refere-se à análise dos elementos que compõem o crime,

embora seja este unitário. Desse modo, o estudo sobre os elementos do crime parte desse conceito

analítico, havendo, na doutrina, grande divergência acerca dos elementos (requisitos) do crime, podendo-

se apontar duas grandes correntes: uma bipartida e outra tripartida.

Divergência na doutrina: Concepções:

- Bipartida: para esta corrente são elementos constitutivos do crime: fato típico (tipicidade) e

antijurídico (antijuridicidade ou ilicitude). A culpabilidade é vista como pressuposto de aplicação da pena.

Os adeptos desta concepção sustentam que a culpabilidade perdeu importância, no sistema finalista, com a

saída do dolo e da culpa para a conduta. Dizem, assim, que a concepção tripartida, a qual inclui a

culpabilidade como elemento do crime, é fruto do sistema causalista, abandonado pela reforma do Código

Penal em 1984 (Lei nº 7.209/84). Apegam-se, ao fim, na denominação (“é isento de pena”) utilizada pelo

Código Penal (artigos 21 e 26) ao tratar das excludentes de ilicitude, pois, fosse a culpabilidade elemento

do crime, o legislador teria empregado para suas excludentes a mesma expressão (“não há crime”) usada

às excludentes de tipicidade (artigo 1º) e de ilicitude (artigo 23). No Brasil, seguem esta concepção

Damásio, Capez, Mirabete, Delmanto, entre outros.

- Tripartida: os adeptos desta concepção veem o crime como a conduta típica (fato típico), antijurídica e

culpável. Assim, incluem a culpabilidade como elemento do crime. Cuida-se da doutrina dominante no

Brasil e no exterior. É importante ressaltar que Hans Welzel, o criador do finalismo, sempre manteve a

culpabilidade como elemento do crime, o que afasta, em linha de princípio, o argumento dos defensores da

concepção bipartida de que o conceito tripartido é tipicamente causalista. Assim, para esta concepção

estão ligados, nesta ordem: fato típico – antijuricidade - culpabilidade.

1 Defensor Público do DF – Conselheiro Penitenciário do DF – Autor do Livro Direito Processual

Penal, 8ª edição, Ed. Impetus – Mestrando em Direito.

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(*) Importância prática (processual) da diferenciação: nenhuma, pois em ambos os casos (bipartida ou

tripartida) o réu, se atuar sem culpabilidade, será absolvido.

(*) Relevante destacar que não se pode confundir concepção (conceito) de crime com a “Classificação” de

Infração Penal. De fato, existem dois critérios de classificação de infração penal: um bipartido e outro

tripartido.

a) Bipartida: as infrações penais dividem-se em crimes (ou delitos) e contravenções.

b) Tripartida: as infrações são divididas em crimes, delitos e contravenções.

(*) O Brasil adota a classificação bipartida. Crimes (delitos): penas privativas de liberdade (reclusão ou

detenção), restritivas de direitos e multa. ntravenções, prisão simples e multa.

2- Sistemas Penais: causalismo e finalismo.

Causalismo: neste sistema, o conceito de conduta é meramente naturalístico, sem qualquer valoração, ou

seja, não se analisa, neste momento, a finalidade do agente. A conduta é a ação ou omissão voluntária e

consciente que exterioriza movimentos corpóreos. O dolo e a culpa se encontram na culpabilidade, quando,

então, será analisada a finalidade do agente. Por isso, crime, necessariamente é fato típico, antijurídico e

culpável (já que o dolo e a culpa integram esta e não se admite a prática de um crime sem a presença destes

elementos, sob pena de responsabilidade penal objetiva).

Finalismo: a conduta deve ser valorada, sendo a ação ou omissão voluntária e consciente voltada a uma

finalidade. Esta é elemento inseparável da conduta. Desse modo, o dolo e a culpa integram a conduta e não

mais a culpabilidade. Restam nesta, todavia, a consciência da ilicitude do fato, a imputabilidade e a exigência

de conduta diversa. Não se mostra incompatível com as concepções bipartida e tripartida do crime. Tanto que

Welzel, criador do finalismo, adota o conceito tripartido, enquanto outros autores finalistas (Damásio, Capez,

Mirabete, Delmanto) o bipartido. A questão acerca do conceito, bipartido ou tripartido, desse modo, não está

ligada ao causalismo ou ao finalismo. Apenas deve ser ressalvado que para o causalismo o conceito bipartido é

incompatível, ante a presença do dolo e da culpa na culpabilidade, a qual, necessariamente, deve integrar a

estrutura do crime e não da pena.

3- Estrutura do crime à luz da Teoria (Sistema) Finalista da Ação (da Conduta). Concepção Tripartida.

3.1. O Fato típico. É formado pela conduta; resultado; nexo causal; acrescidos da tipicidade. O dolo e a culpa,

embora ligados à conduta, são elementos da tipicidade, que se subdivide em tipicidade objetiva (conduta

objetiva) e subjetiva (geralmente formada pelo dolo, mas excepcionalmente composta pela culpa).

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3.1.1. A conduta. Compõem a conduta a voluntariedade (vontade) e a finalidade (dolo ou, excepcionalmente,

culpa). A ausência de voluntariedade leva a exclusão do crime, pois, segundo o Princípio nullum crimen sine

conducta, não há crime sem conduta penalmente relevante.

- Ausência de vontade. Conseqüência: inexistência do crime. Casos: força física irresistível e involuntariedade.

(1) Força física irresistível: pode ocorrer em razão de:

- Ação humana: vis absoluta (coação física irresistível);

- Decorrência da natureza (ex: por força de um forte vento, a pessoa é jogada contra uma

janela, acabando por danificá-la) e da ação de terceiro (ex: a pessoa é empurrada por outra, acabando por

danificar uma coisa);

- Atos ou movimentos reflexos: movimento de reação a um estímulo interno - crise epilética -

ou externo - choques elétricos.

(*) Atos em curto-circuito e as reações explosivas: não excluem a voluntariedade da conduta, que continua

suscetível à dominação finalista, dando azo ao chamado “crime de curto-circuito”.

(*) Relevante notar que, enquanto a coação física irresistível exclui a tipicidade (por afastar a própria

voluntariedade da conduta), a coação moral irresistível é causa excludente da culpabilidade, conforme se

verá a seguir.

(2) Involuntariedade: deriva dos chamados casos de estado de inconsciência, como ocorre nas hipóteses

de desmaio, sonambulismo e hipnose. Cumpre destacar que a incapacidade psíquica pode decorrer de

involuntariedade (sujeito não é psiquicamente capaz de vontade) ou de inimputabilidade (incapacidade de

entender o caráter ilícito da conduta ou de determinar-se de acordo com este entendimento).

(*) Ponto relevante: a involuntariedade procurada. Nestes casos, deve ser aplicada a Teoria da Actio libera

in Causa, respondendo o agente pelo crime, pois sua conduta será tida como voluntária. Exemplo:

embriaguez. A moderna doutrina, entretanto, só permite a responsabilização do agente, caso tenha agido

com dolo ou culpa. Neste caso, a análise do dolo ou da culpa é antecipada para o momento em que o

sujeito se colocava em situação de involuntariedade.

3.1.2. Relação de causalidade. Também conhecida como nexo causal. Possui relevância nos crimes materiais

(de resultado), verificando-se se a conduta do agente produziu ou não o resultado. O Código Penal, em seu

artigo 13, caput, adota a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais (Conditio sine qua non), segundo a

qual “causa” é tudo aquilo que sem ela o resultado não teria ocorrido da maneira como ocorreu. Cuida-se de

teoria ultrapassada e bastante rigorosa, que permite a chamada “regressão infinita”, possibilitando, por

exemplo, que se admita ter o pai dado causa ao homicídio perpetrado pelo filho, pois se não tivesse o filho

este não teria matado a vítima. É certo, porém, que o rigor da teoria da conditio sine qua non é corrigido na

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análise da tipicidade. Assim, no exemplo anterior, o pai não teria praticado homicídio, pois, ao gerar o filho

(conduta do pai), não tinha dolo de que este viesse matar outra pessoa.

(*) Pode-se falar, ainda, nas chamadas concausas (ou somente causas), as quais podem ser absolutamente

independentes ou relativamente independentes – preexistentes, concomitantes e supervenientes.

- Causas absolutamente independentes (preexistente, concomitante e superveniente): não há ligação

entre a conduta praticada pelo agente e a concausa. Aqui, o resultado teria ocorrido mesmo sem a

conduta do agente. Excluem o nexo causal, respondendo o agente apenas pelos atos já praticados.

Exemplo: o sujeito atira contra a vítima que vem a falecer não em decorrência do disparo, mas em face de

veneno que ingerira antes de sua chegada (causa preexistente absolutamente independente).

- Causas relativamente independentes: existe uma relação de dependência entre a conduta do agente e a

concausa. Ou seja, sem a conduta do agente o resultado não teria ocorrido. Aplicação: a) Preexistente:

embora o Código Penal não tenha tratado desta causa, a doutrina vem entendendo que o conhecimento

da causa por parte do agente não exclui o nexo causal, respondendo o agente pelo resultado. Se não tiver

conhecimento, há exclusão do nexo causal, respondendo o agente tão somente pelos atos já praticados.

Exemplo: o agente, com a intenção de matar, atira contra a vítima vindo a acertá-la na perna; a vítima

morre, não em decorrência apenas do disparo, mas pelo fato de ser hemofílica (causa preexistente

relativamente independente). Neste caso, para a doutrina, se o sujeito soubesse que a vítima era

hemofílica, deveria responder por homicídio consumado; caso contrário, responderia apenas por

homicídio tentado. Cabe ressaltar, por outro lado, que a hemofilia não é causa absolutamente

independente (é causa relativamente independente), pois se o agente não tivesse atingido a vítima esta

não teria morrido pelo só fato de ser hemofílica; b) Concomitante: não excluem o nexo causal,

respondendo o agente pelo resultado. Aqui a doutrina posiciona-se do mesmo modo em relação ao

exposto para a causa preexistente (conhecimento ou não por parte do agente da causa). c) Superveniente:

esta causa foi regulada pelo Código Penal, no artigo 13, §1º, verbis: “Art. 13 *...+ § 1º - A superveniência de

causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos

anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”. Assim, quando a causa relativamente

independente, “por si só”, produziu o resultado, há exclusão do nexo causal, respondendo o agente tão

somente pelos atos já produzidos (crime tentado). Para a doutrina, a expressão “por si só” significa que o

resultado está fora da linha de desdobramento normal (natural) da conduta do agente. Assim, por

exemplo, se o agente atira contra a vítima, intentando matá-la, vindo a acertá-la e esta, em estado grave,

é imediatamente encaminhada para o hospital, onde vem a falecer em virtude de infecção hospitalar,

deve responder por crime de homicídio consumado, pois a infecção hospitalar (causa superveniente

relativamente independente) está dentro da linha de desdobramento natural da conduta do agente.

Diferente seria se a vítima viesse a falecer em virtude de um acidente ocorrido com a ambulância que a

transportava para o hospital, pois, neste caso, o acidente (causa superveniente relativamente

independente) está fora da linha de desdobramento natural da conduta do agente (não é normal alguém

que leve um tiro, morrer em decorrência de um acidente). Neste caso, o sujeito deve responder apenas

por homicídio tentado.

Ponto relevante: interessante notar que também haverá a exclusão do nexo causal quando a lesão produzida

pelo agente não for relevante (apta, suficiente) a produzir o resultado por ele desejado, só alcançado por força

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da concausa. Exemplo: o sujeito, desejando matar a vítima, atinge-a com um facão. Esta é lesionada apenas

levemente no dedo da mão. Porém, ao ser atendida no hospital, a vítima contrai infecção hospital vindo a

falecer. Embora a infecção hospitalar geralmente seja vista como causa superveniente relativamente

independente que se encontra dentro da linha de desdobramento causal da conduta do sujeito, que não exclui

o nexo causal, neste caso, a ausência de relevância (suficiência) da lesão acaba por afastar o resultado,

devendo o agente responder apenas por tentativa de homicídio.

Portanto, a ausência de relevância da lesão praticada pelo agente também se insere dentro da expressão “por

si só”, devendo a causa relativamente independente ser tratada, neste caso, como concausa excludente do

nexo causal.

(*) Teoria da imputação objetiva: melhor seria denominá-la de teoria da “não imputação”. Para esta

teoria, que será estuda mais a diante, a relação de causalidade deixa de ser puramente natural (material)

para ser de natureza jurídica (normativa).

3.1.3. A tipicidade. Também conhecida como adequação típica. Constitui a contradição do fato (da conduta) a

uma norma incriminadora. Atualmente, a tipicidade deve ser vista em duas dimensões: a primeira, conhecida

como tipicidade formal, refere-se a mera adequação do fato à norma; a segunda, tipicidade material, exige

uma lesão ou ameaça de lesão significativa ao bem jurídico tutelado pela norma, não sendo suficiente a mera

adequação.

(*) Princípio da Insignificância: conforme visto, condutas que não lesem, ou ameacem lesar, de forma

significativa ao bem jurídico tutelado não serão consideradas típicas, por força do princípio da bagatela. De

fato, o Princípio da Insignificância vem exercendo importante papel limitador da atuação punitiva do Estado

em determinadas situações. É verdade que, de há muito, não se visualiza o seu emprego tão somente em

razão do valor inexpressivo do objeto do delito ou do prejuízo experimentado pela vítima. Destarte,

sedimentou-se na jurisprudência o entendimento de que a aplicação do princípio da insignificância, como fator

excludente da tipicidade material, requer a observância de quatro requisitos, quais sejam: - mínima

ofensividade da conduta do agente; - a ausência de periculosidade social da ação; - o reduzido grau de

reprovabilidade do comportamento; e - a inexpressividade da lesão jurídica causada (HC 84.412, 2ª T., Celso de

Mello, DJ 19.11.04; HC 88393/RJ RE-QO 514530/RS).

Reincidência e maus antecedentes: divergência, mas, atualmente, vem prevalecendo o entendimento de

que podem impedir a aplicação do princípio, devido ao alto grau de reprovação da conduta que existe na

reiteração delitiva.

Aplicação em determinados crimes:

a) Roubo: impossibilidade;

b) Drogas (Tráfico e Uso): impossibilidade;

c) Moeda Falsa: impossibilidade;

d) Ambiental: possibilidade;

e) Descaminho: possibilidade, sendo o valor considerado de R$ 10.000,00.

f) Contrabando: quando a figura for análoga à do descaminho é possível a aplicação (artigo 334, §1º, b, do CP).

Caso contrário, sendo mercadoria proibida, não.

e) Administração Pública: divergência, havendo decisões que admitiram e outras que negaram.

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3.1.3. A antijuridicidade. Também conhecida como ilicitude. Antijuridicidade é a contradição da conduta do

agente ao ordenamento jurídico. Ou seja, a conduta do sujeito além de ferir uma norma incriminadora não

está permitida em nenhuma outra norma. Na teoria do crime, mais importante do que estudar o elemento

(requisito) em si, é analisar as causas excludentes. No caso da ilicitude, as causas excludentes são tratadas

como descriminantes, eximentes ou justificantes.

- Causas de Justificação (descriminantes ou causas de exclusão da ilicitude). São causas legais de exclusão da

ilicitude a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular

de um direito. O CP enumerou os requisitos para as duas primeiras (legítima defesa e estado de necessidade),

deixando a cargo da doutrina e da jurisprudência os detalhar os requisitos das outras duas.

(*) Causas supralegais: a doutrina reconhece como causa supralegal de exclusão da ilicitude o

consentimento do ofendido. De fato, este, em alguns casos, pode funcionar como causa de exclusão da

tipicidade (quando é exigido como elemento do tipo, como, por exemplo, nos crimes contra a liberdade

sexual, de violação de domicílio). O consentimento do ofendido pode funcionar como excludente da ilicitude

nos casos de lesões leves (ex: tatuagem), de dano. Exige-se capacidade do ofendido para consentir;

disponibilidade do bem atingido; e ser o consentimento anterior ou simultâneo a conduta do agente, não

afastando a ilicitude quando for posterior a ação ou omissão.

3.1.4. A Culpabilidade. No finalismo, a culpabilidade é vista como o juízo de reprovação social da conduta do

agente. Nem sempre foi vista desta forma. Veja a evolução deste elemento:

a) Sistema Causal: inicialmente era formada apenas pela finalidade do agente (dolo e culpa), acrescida da

imputabilidade (que era tida como seu pressuposto), quando predominava a Teoria Psicológica da

Culpabilidade (Teoria Causal-Naturalista ou Clássica). Na seqüência, já alvo de diversas críticas, faz-se, ainda

dentro da estrutura causal, a inserção de um juízo de valor (normativo) dentro da culpabilidade, que passa a

conter, além da finalidade do agente (elemento psicológico), a reprovação social de sua conduta (elemento

normativo). É a aplicação da chamada Teoria Psicológica-Normativa (ou Teoria Normativa da Culpabilidade).

Nesta fase, a culpabilidade é formada pelo elemento psicológico (dolo e culpa) e por elementos normativos,

quais sejam a imputabilidade e a exigibilidade de conduta diversa. A consciência da ilicitude encontra-se

inserida dentro do dolo (Teoria Causal-Valorativa ou Neoclássica).

b) Sistema finalista: o dolo e a culpa (elementos psicológicos) integram a conduta (mais precisamente a

tipicidade) e não mais a culpabilidade. Restam nesta, todavia, a consciência da ilicitude do fato (que se separa

do dolo e se torna “potencial“, não mais efetiva), a imputabilidade (que não é mais pressuposto, mas

elemento da culpabilidade) e a exigência de conduta diversa. Ou seja, o elemento psicológico sai da

culpabilidade para integrar o fato típico, restando naquela apenas a reprovação social da conduta do agente. A

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culpabilidade passa a ser meramente normativa. É a aplicação da Teoria Normativa Pura. São causas

excludentes da culpabilidade (dirimentes ou exculpantes): - Inimputabilidade; - erro de proibição; -

inexigibilidade de conduta diversa (coação moral irresistível e obediência hierárquica). Foi a teoria adotada

pelo CP, após a reforma de 1984.

3.1.4.1. Análise da Culpabilidade no Sistema Finalista. A culpabilidade é formada apenas por elementos

normativos, os quais não se relacionam à finalidade do agente, mas à reprovação social da conduta. São seus

elementos:

a) Imputabilidade: condição do agente de entender o caráter ilícito da conduta ou de determinar-se de

acordo com esse entendimento. Para aferição da imputabilidade a doutrina cita a existência de três sistemas

(critérios):

- biológico: a existência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto faz presumir-se a

incapacidade do agente de entender o caráter ilícito da conduta, não sendo necessário aferir se esta doença

(ou desenvolvimento incompleto) retirou do agente a capacidade de discernimento;

- psicológico: a capacidade de o agente dever ser aferida, independentemente da existência de doença mental

ou de desenvolvimento incompleto;

- biopsicológico: a existência de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto exclui a

imputabilidade quando tiver retirado do agente a plena capacidade de discernimento.

(*) O Código Penal adotou o sistema biopsicológico no tocante à doença mental (artigo 26) e o biológico em

relação à menoridade (artigo 27).

- Hipóteses de exclusão (inimputabilidade): doença mental (artigo 26 do CP); menoridade (artigo 27) e

embriaguez acidental (caso fortuito ou força maior) completa (artigo 28, §1º).

(*) A paixão e a emoção não excluem a imputabilidade, assim como a embriaguez voluntária, culposa e

preordenada.

(*) Teoria da actio libera in causa (ação liberada na causa). O agente responde como se sua conduta fosse

voluntária, pois buscou se colocar em situação de involuntariedade. Exemplo: embriaguez preordenada. A

moderna doutrina entende que devem estar presentes o dolo ou a culpa para que o agente responda pelo

resultado lesivo. Nesse caso, a análise desses elementos é antecipada para o momento em que o agente se

colocou em situação de involuntariedade.

b) Potencial conhecimento da ilicitude. Não se exige mais a plena consciência do injusto, mas tão somente

o potencial (o agente deve ter condições de entender). Este elemento da culpabilidade é excluído pelo

chamado erro de proibição (artigo 21 do CP).

c) Exigência (exigibilidade) de conduta diversa (exigência do comportamento conforme o direito). O agente

só é culpável quando se podia dele exigir que agisse conforme o direito, ou seja, que tomasse conduta diversa.

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- Causa excludente (legal): inexigibilidade de conduta diversa, nas hipóteses de coação moral irresistível e

obediência hierárquica (art. 22 do CP). Porém, a doutrina vem reconhecendo a existência de causas

“supralegais” (não previstas em lei) de exclusão da culpabilidade, devido à necessidade de abertura do

sistema, pois o legislador é incapaz de prever todas as hipóteses em que a conduta do agente, embora

típica e antijurídica, não é reprovável socialmente, ou seja, não é culpável.

3.1.5. Resultado (Naturalístico). Todo crime possui resultado jurídico (lesão ou ameaça de lesão ao bem

jurídico), mas nem sempre possui resultado naturalístico.

Obtenção pelo agente: crime consumado.

Não obtenção pelo agente:

- por circunstâncias alheias à sua vontade: tentativa ou crime impossível;

- pela própria vontade do agente: desistência voluntária e arrependimento eficaz.

Resultado obtido maior do que o desejado inicialmente pelo agente: crime qualificado pelo resultado:

- qualificado em sentido estrito: dolo no antecedente (na ação) e dolo no conseqüente (no resultado).

Ex: latrocínio (art. 157, §3º, CP).

- preterdoloso: dolo no antecedente (na ação) e culpa no conseqüente (resultado). Ex: lesão corporal

seguida de morte (art. 129, §3º, in fine, CP).

3.1.5.1.Iter Criminis. Caminho do crime que vai desde a concepção até a consumação (alguns autores

incluindo o exaurimento). Conjunto de etapas que se sucedem cronologicamente, no desenvolvimento do

delito doloso (no crime culposo, não há iter criminis).

- Fases: interna (cogitação) e externa (preparação-atos preparatórios, execução-atos de execução e

consumação-summatum opus).

(*) Exaurimento ou esgotamento (obtenção dos elementos subjetivos do tipo): alguns autores

incluem o exaurimento como fase do iter criminis. Crime formal (consumação antecipada – ex: art. 158

do CP) e crime material (exigência de produção do resultado naturalístico – ex: art. 121) e de mera

conduta (consuma-se com o simples comportamento previsto no tipo, não se exigindo qualquer

resultado naturalístico – ex: art. 150). Importância: prisão em flagrante.

- Crime consumado (art. 14, I, do CP): quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal.

- Punibilidade: - cogitação: impossibilidade (cogitationis poenam nemo patitur); - preparação:

impossibilidade em regra; excepcionalmente pode ser punida quando constituir crime autônomo (ex:

porte ilegal de arma e homicídio; quadrilha ou bando e roubo; petrechos para falsificação de moeda).

- Art. 14, II, CP: pune a tentativa, quando iniciada a execução (não se pune a cogitação e a preparação),

não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

3.1.5.2. A tentativa. Conatus. Delito incompleto. Não consumação por circunstâncias alheias à vontade do

agente. Distinção entre atos preparatórios (conatus remotus) e atos de execução (conatus proximus).

Teorias:

- Teoria subjetiva: o agente inicia a execução do crime quando, de modo inequívoco, manifesta a vontade

(exterioriza a conduta) de praticar a infração penal. Acaba por não distinguir atos preparatórios de

atos de execução do delito.

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- Teoria objetiva-formal (formal-objetiva): o agente inicia a execução do crime quando sua conduta passa a

se enquadrar no núcleo (verbo) do tipo penal (ação típica). Ex: homicídio- acionar o gatilho; furto-

remoção da coisa. Não se enquadrando nesta situação, o ato é preparatório. Trata-se de teoria muito

estreita e que obriga, de certa forma, a autoridade policial a esperar que o agente comece a ofender o

bem jurídico tutelado.

- Teoria objetiva-material (material-objetiva): o agente inicia a execução do delito quando sua conduta

passa a se enquadrar no núcleo do tipo penal, bem como expõe imediatamente a perigo o bem

jurídico tutelado pela norma penal. Ex: homicídio-apontar a arma para a vítima; furto-colocar a mão

no bolso da vítima. Esta teoria complementa a teoria objetiva-formal Não se enquadrando nesta

situação, o ato é preparatório. Esta teoria complementa a anterior (que é muito restrita), incluindo o

perigo de lesão imediata ao bem jurídico como ato de execução.

- Teoria objetiva-individual (Welzel): há a introdução de um elemento individualizador, chamado “plano

concreto do autor”, de natureza subjetiva, mas suscetível de ser valorado por um terceiro elemento

que é a determinação da proximidade imediata da ação típica. A tentativa, desse modo, ocorreria não

só pelo início da realização da conduta prevista no núcleo do tipo, mas também quando estivesse

evidenciado o “plano do autor”, valorado a partir de circunstâncias indicadoras do dolo do agente

(qual bem quer lesar), especialmente pela proximidade do delito. Exemplo: furto e ato preparatório.

3.1.5.3. A tentativa. Punibilidade. Teorias: a) subjetiva: pune-se a tentativa da mesma forma do que o crime

consumado, pois o importante é a vontade do agente dirigida a produção do resultado; b) objetiva: a pena

da tentativa deve ser menor em relação àquela do crime consumado. CP: adotou a teoria objetiva (art. 14,

parágrafo único), admitindo, no entanto, algumas exceções (“salvo disposição em contrário”). Exceções:

crime de atentado (ou de empreendimento)– ex: art. 352 do CP (evasão de preso).

3.1.5.4. A tentativa. Espécies.

- Tentativa acabada (perfeita ou crime falho): o agente esgota o processo de execução que considerava

necessário à produção do resultado, mas não consegue consumar o delito por circunstâncias alheias à

sua vontade (ex: disparou várias vezes, mas errou a vítima). Não se trata de utilizar todos os meios

disponíveis (ex: disparar todos os projéteis existentes no tambor do revólver), mas de o agente

considerar que já produziu o necessário à consumação da infração penal, cujo resultado não vem a se

realizar por circunstâncias alheias à sua vontade (ex: tinha dois projéteis, disparou um e acreditou que

já havia matado a vítima, a qual não veio a falecer).

- Tentativa inacabada (imperfeita ou propriamente dita): o agente tem o seu processo de execução

interrompido (não esgota os meios disponíveis), não conseguindo a consumação do crime por

circunstâncias alheias à sua vontade (ex: disparou uma vez contra vítima, não a acertando, e foi

impedido de continuar na execução do crime, em virtude de ação policial).

- Tentativa idônea (execução apta a lesar ou a criar perigo de lesão a um bem jurídico) e inidônea

(inadequada, quase-crime ou crime impossível – há absoluta ineficácia do meio ou absoluta

impropriedade do objeto). No tocante ao crime impossível, o CP adotou a teoria objetiva temperada

(vide item 27).

- Tentativa cruenta (vermelha – a vitima é atingida, mas o crime não se consuma) e incruenta (branca – a

vítima não é atingida).

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(*) Critério de redução de pena na tentativa: é dado pelo iter criminis. Assim, quanto mais o agente se

aproximar da consumação do delito, menor deve ser a redução (no caso: 1/3); quanto menos se aproximar

(ficando bem distante do resultado), maior deve ser a redução (no caso: 2/3). Portanto, na tentativa

branca, o agente merece ter sua pena reduzida em 2/3.

(*) No caso de concurso de agentes, a pena, tratando-se de tentativa, deve ser reduzida para todos os

praticantes do crime no mesmo percentual. Além disso, face à adoção da teoria monista (unitária) pelo CP,

no caso de concurso de agentes, o crime não pode ser considerado tentado em relação a um agente; e

consumado, em relação a outro. Neste último caso, todos devem responder pelo crime consumado.

- Crimes que não admitem tentativa: 1) culposos (culpa imprópria: divergência); 2) preterdolosos; 3)

omissivos próprios (não prevêem resultado naturalístico. Ex: omissão de socorro); 4) unissubsistentes

(cometidos por um só ato. Ex: injúria verbal); 5) habitual (divergência?); 6) crimes que só são puníveis

com a produção do resultado (ex: participação em suicídio – art. 122 – só se houver a morte ou lesão

grave na vítima); 7) as contravenções penais, em razão do art. 4º da Lei de Contravenções Penais; 8)

crimes de atentado.

(*) Crimes de atentado: é possível a tentativa, embora esta seja punida da mesma forma do que o delito

consumado (ex: art. 352 do CP). Não é, todavia, o entendimento dominante, porquanto para este é

impossível se falar em tentativa nos crimes de atentado.

3.1.5.5. Tentativa Inidônea. Crime impossível. Também conhecido como “quase crime”, tentativa

inadequada. Ocorre em duas hipóteses: a) absoluta ineficácia do meio (ex: tentar matar alguém

ministrando açúcar, supondo tratar-se de veneno, no café da vítima) ou absoluta impropriedade do objeto

(ex: atirar contra uma pessoa, quando esta já estava morta). Trata-se de causa de exclusão da tipicidade,

não respondendo o agente por qualquer delito. O crime impossível não se confunde com o delito putativo.

Para você fixar a diferença entre delito putativo e crime impossível basta relacionar o primeiro com a

conduta que não constitui fato típico e o segundo com a ineficácia do meio e a impropriedade do objeto. O

agente crê haver efetuado uma ação delituosa que existe somente em sua fantasia; em outras palavras,

julga punível um fato que não merece castigo. No delito impossível o agente crê atuar de modo a

ocasionar um resultado que, pelo contrário não pode ocorrer, ou porque falta objeto, ou porque a

conduta não foi de toda idônea.

- Teorias sobre crime impossível: subjetiva, objetiva pura e objetiva temperada. Existe, ainda, a Teoria

Sintomática.

Para a teoria subjetiva o agente deve ser punido pela sua intenção, ou seja, não importa se o meio ou

objeto é absoluta ou relativamente ineficaz, pois, basta a intenção (vontade) de cometer o delito para que

o agente responda pelo ato delitivo.

Por sua vez, teoria objetiva pura não importa a ineficácia absoluta ou relativa do meio ou objeto, uma vez

que em nenhuma dessas situações responderá pela tentativa. Assim esclarece o mestre Hungria, “não se

pode distinguir entre idoneidade absoluta ou relativa: em ambos os casos, não há bem jurídico em perigo

e, portanto, não existe fato punível”.

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Adotada pelo nosso atual Código Penal, a teoria objetiva temperada afirma que são puníveis apenas os

atos praticados pelo agente quando os meios ou os objetos são relativamente ineficazes, havendo crime

impossível quando a ineficácia do meio ou a impropriedade do objeto forem absolutas.

A teoria sintomática volta-se para a análise do grau de periculosidade demonstrada na ação do agente. Os

adeptos desta teoria pregam que se da ação do agente for possível extrair-se algum indício de

periculosidade a medida penal deve ser aplicada ao delinqüente. Para ela, mesmo se o meio ou o objeto

sejam considerados inidôneos não representará nenhuma diferença, devendo o agente ser punido, caso

reste demonstrada por intermédio da sua conduta, também a sua periculosidade.

(*) Crime de ensaio (flagrante preparado, provocado ou delito praticado por obra do agente provocador):

é hipótese de crime impossível, sendo ilegal o flagrante, consoante disposto na Súmula 145 do STF. Neste

caso, o agente (autor do delito) acredita que possui o domínio do fato, mas na realidade são terceiros que

são donos da situação fática. Neste caso, há duas condutas: a primeira, consiste no incentivo (induzimento

ou instigação), geralmente realizada pelo emprego de uma isca; a segunda, é o monitoramento da ação do

sujeito que torna a consumação do delito impossível.

3.1.5.6. Tentativa Abandonada. Hipóteses: desistência voluntária e arrependimento eficaz. Ausência de

consumação pela própria vontade do agente. Voluntariedade (vontade) difere-se de espontaneidade.

Assim, nos casos de tentativa abandonada, exige-se apenas que o agente continue dono de suas decisões

(voluntariedade), pouco importando que a idéia de não prosseguir na execução do delito tenha partido de

outra pessoa (espontaneidade).

- Conseqüência: o agente responde apenas pelos atos já praticados (conhecida na doutrina por “tentativa

qualificada”), não sendo o caso de responsabilizá-lo por tentativa. Trata-se de um benefício concedido

ao agente que, podendo, não produziu a consumação do crime. É consagrada a expressão “ponte de

ouro” criada por Von Liszt: “pode a lei, por considerações de política criminal, construir uma ponte de

ouro para a retirada do agente que já se tornara passível de pena”. Exemplos.

- Natureza Jurídica: predomina o entendimento de que constituem causas de extinção da tipicidade, não

obstante vozes abalizadas na doutrina (Hungria, Zaffaroni, Luiz Flávio Gomes, etc.) considerarem os

casos de tentativa abandonada como causas de extinção da punibilidade.

- A problemática do concurso de pessoas. Extensão do benefício a outros agentes do delito. Nossa posição:

presença (comunicabilidade) ou ausência (incomunicabilidade) no local do crime. Só se comunica se

houver ciência do outro agente.

- Desistência voluntária: assemelha-se aos casos de tentativa imperfeita, no aspecto objetivo. Requisitos:

(1) ter o agente a exata noção de que ainda não produziu o quantum satis (suficiente) para a

consumação do delito, não configurando a desistência voluntária, mas tentativa, quando acreditar já

ter produzido o suficiente para alcançar o resultado e, por exemplo, abandonar a vítima no local do

crime, a qual, por circunstâncias alheias à vontade do autor do fato, não vem a falecer; (2) dispor,

ainda, de meios para a consumação do resultado; (3) desistir o agente de continuar na execução por

ato voluntário. Na ausência de qualquer delas, não haverá no que se falar em desistência voluntária,

mas em crime tentado.

- Arrependimento eficaz: assemelha-se aos casos de tentativa perfeita, no aspecto objetivo. Requisitos: (1)

ter o agente iniciado a execução do crime, e ter produzido (acreditar nisto) todos os atos necessários à

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obtenção do resultado; (2) passar a agir em favor da vítima; e, finalmente, (3) evitar que o resultado

ocorra, pois, caso contrário, responde pelo delito, pois o arrependimento deve ser eficaz.

- Resultado: se vier a ocorrer o agente não será beneficiado nem pela desistência voluntária, nem pelo

arrependimento eficaz.

3.1.5.7. Arrependimento Posterior. Trata-se de causa obrigatória de redução de pena, prevista no art. 16 do

CP, podendo, inclusive, reduzir a sanção abaixo do mínimo legal. Aqui, o agente atravessa uma “ponte de

prata” (Zafaroni), sendo beneficiado pela redução de pena.

- Aplicação: crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa. Crime culposo (lesões corporais ou

homicídio): possibilidade.

- Requisito: reparação integral do dano ou restituição da coisa, mediante ato voluntário (não precisa ser

espontâneo) do agente. O critério de redução é a presteza na reparação. Nesse sentido: HC

151.254/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 22/11/2011, DJe 02/12/2011.

(*) Porém, em recente decisão, o STF decidiu que a reparação parcial pode ensejar o benefício. Nesse

caso, o quantum de diminuição deve ser aferida em face da extensão da reparação. Confira: “A norma

do artigo 16 do Código Penal direciona à gradação da diminuição da pena de um a dois terços presente

a extensão do ato reparador do agente”. (HC 98658, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Relator(a) p/

Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 09/11/2010, DJe-030 DIVULG 14-02-

2011 PUBLIC 15-02-2011 EMENT VOL-02464-02 PP-00309 RTJ VOL-00219- PP-00434 RT v. 100, n. 908,

2011, p. 437-447 LEXSTF v. 33, n. 388, 2011, p. 250-262).

- Quanto à pessoalidade da reparação (ou seja, exigência de que a reparação seja feita pelo próprio

agente), há divergência na doutrina, alguns entendendo que pode ser esta feita por terceira pessoa

(STJ- REsp 61.098/SP, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Sexta Turma, julgado em 11.09.1995, DJ

30.10.1995 p. 36814; RHC 4.147-1; REsp 264.283/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado

em 13.02.2001, DJ 19.03.2001 p. 132; RHC 4147/SP, Rel. Ministro Assis Toledo, Quinta Turma, julgado

em 05.12.1994, DJ 06.02.1995 p. 1361; na doutrina, Rogério Greco), estendendo-se, neste caso, o

benefício a todos os participantes ainda que a reparação (total) tenha sido feito apenas por um deles

(STJ - REsp 1187976/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 07/11/2013,

DJe 26/11/2013); e outros no sentido de ser exigida a reparação pelo próprio agente (Luiz Flávio

Gomes), sendo incomunicável em caso de concurso de pessoas (HC 92.004/PR, Rel. Ministro

NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 05/05/2009, DJe 01/06/2009).

- Momento: antes do recebimento (e não oferecimento) da denúncia ou da queixa.

- Critério de redução: rapidez na reparação ou na restituição da coisa (entendimento dominante,

ressalvada a nova decisão do STF). Nesse sentido, quanto mais próximo ao recebimento da peça

acusatória fosse praticado o ato voluntariamente, menor a redução da pena. Para o STF, conforme

visto anteriormente, o critério é o quantum da reparação.

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I- Dos Crimes contra a vida

1. Do homicídio. Espécies delitivas: simples; privilegiado; qualificado; culposo e híbrido

(qualificado-privilegiado ou privilegiado-qualificado). Homicídio praticado por milícia privada ou por

grupo de extermínio (Lei nº 12.720/2012).

a) Sujeito ativo: qualquer pessoa;

b) Sujeito passivo: idem. Tratando-se das autoridades enumeradas no art. 29 da Lei nº 7.170/83

(Presidente da República, Deputado Federal, Senador ou Ministro do STF), o fato pode constituir crime

contra a segurança nacional, a depender da motivação e dos objetivos do agente (art. 2º da Lei nº

7.170/83), e não homicídio;

c) Dolo: amimus necandi ou occidendi.

d) Consumação: com a morte, tratando-se de crime material (de resultado). O critério legal hoje é o da

“morte encefálica” comprovada, criado pela Lei nº 9.434/97 – Lei de Transplantes de Órgãos (art. 3º);

e) Tentativa: possibilidade;

f) Tentativa abandonada (arrependimento eficaz e desistência voluntária): possibilidade. Não repetição

de disparos disponíveis. Desistência voluntária e disparo de arma de fogo em via pública: art. 15 da Lei nº

10.826/03 – impossibilidade, devendo responder pelo crime do art. 132 do CP.

g) Tentativa inidônea (crime impossível): possibilidade. Arma de brinquedo. Arma defeituosa.

h) Teoria do dolo geral (dolus generallis) ou erro sucessivo. Aberratio causae (erro sobre o nexo causal).

i) Dolo de primeiro grau e de segundo grau (ou de conseqüências necessárias);

j) Concurso de pessoas. Teoria monista. Teoria do domínio do fato: co-autor, autor e partícipe. Autoria

mediata ou indireta. Autoria colateral e autoria incerta.

k) Erro de tipo essencial e acidental. Aberratio ictus e error in persona. Casos práticos.

l) Descriminantes putativas;

1.1) Homicídio privilegiado (§1º):

a) Privilégio: causa de diminuição de pena, cujo fator de redução as circunstâncias do art. 59 do CP (1/6 a

1/2);

b) Discricionariedade ou obrigatoriedade do benefício? Júri.

c) Hipóteses: (1) relevante valor moral: quando o fim é individual, ligado a interesses particulares do

agente. É o típico exemplo da eutanásia (ação) ou da ortotanásia (omissão) que causam a morte, com a

finalidade de evitar a dor; (2) relevante valor social: quando o objetivo é coletivo para o bem da sociedade,

ou seja, o motivo diz respeito aos interesses ou fins da vida coletiva; (3) emoção: diferença para atenuante

genérica do art. 65, III, c, do CP.

d) Comunicação em caso de concurso de agentes: impossibilidade.

e) Paixão: divergência.

1.2) Homicídio qualificado (§2º): interpretação analógica – enumeração casuística e fórmula genérica.

Trata-se de circunstâncias, algumas de caráter pessoal (subjetivas: I, II e V) e outras de caráter real

(objetivas: III e IV). Comunicabilidade em caso de concurso de pessoas: só as objetivas, desde que haja

ciência (conhecimento) do outro agente.

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a) Paga ou promessa de recompensa ou outro motivo torpe: torpe é o motivo moralmente reprovável,

desprezível, abjeto, repugnante. Parâmetro: senso comum da coletividade.

- Homicídio mercenário: responsabilização do mandante: divergência: STJ (RHC 14.900/SC (Rel. Ministro

Jorge Scartezzini, Quinta Turma, julgado em 17.06.2004, DJ 09.08.2004 p. 277; REsp 467.810/SP, Rel.

Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 20.11.2003, DJ 19.12.2003 p. 576): impossibilidade, pois é

circunstância de caráter pessoal e, portanto, incomunicável.

(*) A 6ª Turma do STJ, no entanto, entende que respondem pela qualificadora tanto quem paga como

quem recebe, em razão de ser esta “elemento do tipo qualificado”, é circunstância que não atinge

exclusivamente o executor, mas também o mandante ou qualquer outro co-autor”. (HC 99.144-RJ, Rel.

Min. Og Fernandes, julgado em 4/11/2008 – Informativo nº 375). Em recente decisão, reafirmou esta

mesma posição: AgRg no REsp 912.491/DF, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma,

julgado em 09/11/2010, DJe 29/11/2010.

- Vingança: deve ser analisada no caso em concreto, conforme se vê na seguinte decisão:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. MOTIVO TORPE. VINGANÇA.

VERIFICAÇÃO. DECISÃO DOS JURADOS. SOBERANIA. LIMITES DE APRECIAÇÃO NA VIA ELEITA I - A

verificação se a vingança constitui ou não motivo torpe deve ser feita com base nas peculiaridades de cada

caso concreto, de modo que, não se pode estabelecer um juízo a priori, seja positivo ou negativo.

Conforme ressaltou o Pretório Excelso: a vingança, por si só, não substantiva o motivo torpe; a sua

afirmativa, contudo, não basta para elidir a imputação de torpeza do motivo do crime, que há de ser

aferida à luz do contexto do fato."(HC 83.309/MS, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de

06/02/2004).

II - Dessarte, não há como, na via eleita, concluir se a vingança narrada na denúncia, e submetida a

apreciação dos jurados, traduziria hipótese de configuração do motivo torpe, eis que, para tanto, seria

indispensável o reexame aprofundado do material fático-probatório, incompatível com o rito do habeas

corpus (Precedente). Ordem denegada.

(HC 80.107/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 08/11/2007, DJ 25/02/2008, p.

339).

b) Motivo fútil: é o motivo insignificante, vil, desproporcional em relação ao crime praticado. Parâmetro:

senso comum da coletividade. Não se confunde com motivo torpe. Além disso, ambas de repelem. Ação

anterior da vítima.

- Futilidade e embriaguez: possibilidade.

- Ciúme: possibilidade de caracterização.

- Ausência de motivo: divergência: doutrina: possibilidade; jurisprudência: impossibilidade (STJ - REsp

769.651/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 04.04.2006, DJ 15.05.2006 p. 281).

c) Meio insidioso e veneno: venefício. O emprego insidioso de outras substâncias, como o açúcar e o sal,

traz a possibilidade de configuração da qualificadora, pois o que qualifica o homicídio não é o objeto

escolhido ou usado para a prática do crime, mas o modo (meio) insidioso que dificulte ou torne impossível

a defesa da vítima.

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d) Meio cruel: Ocorre quando o agente efetua o ato com manifesto intuito de maldade, impondo à vítima

um sofrimento desnecessário (RT 768/559). Exige-se, ainda, que o agente esteja com o ânimo (mente,

espírito) calmo ao empregar a crueldade, pois só este estado permite ao agente a escolha dos meios

capazes de infligir maior padecimento à vítima.

e) Asfixia: exige-se o conhecimento do agente de que está matando a vítima mediante este meio. Asfixia

é a falta de oxigênio no sangue (anoxemia) ocasionada por: esganadura (constrição do pescoço da vítima

com as mãos); estrangulamento (constrição muscular com fios, arames, cordas, seguros pelo agente);

enforcamento (constrição pelo próprio peso da vítima); afogamento (submersão em meio líquido);

soterramento (submersão em meio sólido); sufocação (uso de objetos como travesseiros, mordaças, etc);

ou confinamento (colocação em local onde não penetre o ar).

f) Tortura: diferença para o crime de tortura qualificada pelo resultado morte previsto no art. 1º, §3º, da

Lei nº 9.455/97 (crime preterdoloso): vontade (dolo) do agente. Possibilidade de concurso de crimes em

caso de desígnios autônomos.

g) Traição: Traição é a quebra de confiança existente entre o agente e a vítima. Para que a traição

qualifique o crime de homicídio é necessário que o ataque seja brusco e inopinado. Diferença entre “tiros

nas costas” e “tiro pelas costas”. Surpresa: possibilidade, quando não houver a quebra de confiança entre

o agente e a vítima (outro recurso que reduza ou impossibilite a capacidade de resistência da vítima).

h) Emboscada: é a chamada tocaia, que pressupõe necessariamente a premeditação do delito, a qual, por

si só, não mais constitui qualificadora do delito em exame.

i) Dissimulação: é a ocultação da intenção hostil, para acometer a vítima de surpresa.

j) Conexão: espécies: teleológica (assegurar a execução), conseqüencial (assegurar a vantagem, a

impunidade ou a ocultação) e ocasional (praticado por ocasião de outro crime). Previsão do CP.

1.3) Homicídio duplamente/triplamente qualificado: nestas situações, apenas uma circunstância incidirá

como qualificadora. As demais deverão ser levadas em consideração como circunstâncias judiciais (art. 59)

para a fixação da pena-base, a qual já tomara por base os limites do homicídio qualificado (12 a 30 anos).

Há posição jurisprudencial (RT 641/324; RJTJESP 118/525), todavia, no sentido de que, presentes duas ou

mais circunstâncias, uma deve ser considerada como qualificadora e a (s) outra (s) como agravante

genérica (se prevista no rol do art. 61). Esta última só seria considerada como circunstância judicial se não

prevista no art. 61. Assim, as demais causas não aplicadas como qualificadoras do homicídio devem ser

consideradas como agravantes genéricas. Nesse sentido: HC 168.481/ES, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta

Turma, julgado em 27/03/2012, DJe 03/04/2012; HC 192.824/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta

Turma, julgado em 20/03/2012, DJe 26/03/2012; REsp 139.908/DF, Rel. Ministro José Dantas, Quinta

Turma, julgado em 07.10.1997, DJ 18.05.1998 p. 126; REsp 284.342/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta

Turma, julgado em 16.09.2004, DJ 11.10.2004 p. 367. Ocorre que todas as qualificadoras do homicídio

estão previstas no art. 61 como agravantes genéricas. A questão, porém, não é pacífica, existindo outras

decisões que reconhecem apenas a aplicação destas circunstâncias na fixação da pena-base e não como

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agravantes, pois o "caput" do art. 61 do CP as excluem da incidência da agravante genérica, quando diz:

"são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime”. Neste

sentido, recente decisão do STJ: HC 163.815/MS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma,

julgado em 14/02/2012, DJe 15/03/2012. E, ainda: RHC 7176/MS, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Sexta

Turma, julgado em 19.03.1998, DJ 06.04.1998 p. 163; RJTJSC 72/546.

1.4) Homicídio híbrido ou qualificado-privilegiado ou privilegiado-qualificado: possibilidade, desde que as

circunstâncias sejam compatíveis (qualificadoras objetivas). Não é hediondo segundo pacífica posição

jurisprudencial.

1.5) Homicídio culposo. Delito de homicídio culposo no trânsito (art. 302 do CTB). Causas de aumento de

pena. Omissão de socorro.

1.6) Causa de aumento de pena (art. 121, §4º, do CP). Homicídio doloso e culposo.

1.7) Perdão judicial (§5º). Natureza jurídica da sentença concessiva. Efeitos da condenação.

1.8) Homicídio praticado por milícia privada ou por grupo de extermínio (§6º). A pena é aumentada de 1/3

(um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de

serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. A Lei 12.720/2012 criou essa causa de aumento,

dispondo, ainda, sobre o crime de milícia privada no artigo 288-A do Código Penal (Art. 288-A. Constituir,

organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com

a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8

(oito) anos).

Em princípio, não há óbice que o agente responda pela causa de aumento de pena e pelo crime do artigo

288-A de forma autônoma.

Quatro pontos merecem ser destacados: a) a lei não tipifica como crime hediondo o crime de homicídio

praticado por milícia privada (é claro que se o homicídio for qualificado será hediondo); b) a norma não

dispõe sobre o número mínimo de participantes para a caracterização do crime do artigo 288-A, devendo

ser adotada a posição da doutrina de que é necessária a presença de três ou mais pessoas, como ocorre

com o crime de quadrilha do artigo 288 (redação dada pela Lei 12.850/2013); c) não configura crime de

milícia privada a associação para a prática de crimes não previstos no Código Penal, como ocorre com o

tráfico, tortura, etc, em face da redação final do artigo 288-A; d) a pena prevista para o delito do artigo

288-A é muito alta, o que tem levado parte da doutrina a sustentar a sua inconstitucionalidade, por ofensa

ao princípio da proporcionalidade.

2. Participação em suicídio.

a) Suicídio – matar a si mesmo; é o extermínio de si próprio. O Direito Penal não pune o crime de suicídio

por razões de política criminal. Além disso, a conduta suicida não lesa interesses de terceiros, sendo, por

isso, impossível criminalizá-la, em respeito ao princípio da alteridade ou da transcendentalidade. Assim, o

suicida não comete um fato típico.

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b) Tipo Penal: art. 122. Conduta. Importância. No homicídio, autor é quem pratica o núcleo da ação

(“matar”) e partícipe aquele que de qualquer forma concorre para produção do resultado. A participação

se dá na forma de instigação, induzimento e auxílio (adoção da teoria restritiva). No delito do art. 122, o

partícipe do suicídio é punido a título de autoria, eis que a participação (instigação, induzimento ou

auxílio) constitui o próprio núcleo do tipo penal. Ou seja, quem vai ser punido é o partícipe, aquele que

contribui de qualquer forma para produção do resultado, com a instigação, induzimento ou auxílio. Insta

notar que se o agente vier a realizar a conduta “matar” ele estará cometendo o delito de homicídio (art.

121) e não o de participação em suicídio (art. 122).

Condutas:

- Induzir (apoio moral): quando o suicida não tem em mente o suicídio por sua própria vontade, porém

alguém o induz a cometer o ato.

- Instigar (apoio moral): quando outra pessoa reforça a idéia do autor de tirar sua própria vida, sendo que

já existia uma predisposição para o ato.

- Prestar auxílio (apoio material): quando o autor é ajudado com meio material para obtenção do

resultado morte.

(*) Se o sujeito praticar a conduta “matar” (ex: puxar o gatilho, abrir a torneira de gás), responderá por

homicídio.

c) Sujeito ativo: é a vítima, que pode ser qualquer pessoa, tratando-se de crime comum.

d) Sujeito passivo: do suicida exige-se a capacidade de consentir em dispor de sua vida. Então, torna-se

necessário saber a partir de qual idade a pessoa pode consentir. A presunção penal está no Código Penal

que determina a idade de 14 anos (é o que determina a norma do art. 224 que trata da presunção de

inocência nos crimes contra os costumes). Então, se a criança for menor de 14 anos o crime será de

homicídio (ou de tentativa de homicídio). O mesmo ocorre com um alienado mental. Assim, nas duas

hipóteses (criança menor de 14 anos ou de pessoa alienada mental).

Causas de aumento de pena: aplica-se o dobro se o induzimento, a instigação ou o auxílio é ocasionado

por: (1) Motivo egoísta – art. 122, I Ex.: herança, vingança; (2) Vítima com capacidade reduzida de

resistência – 122, II. Ex. embriaguez.

(3) Vítima menor? Qual a idade a ser considerada? - somente quando for menor entre 14 e 18 anos,

porquanto se for menor de 14 anos haverá homicídio.

e) Consumação e Tentativa. Consuma-se o delito com a lesão grave ou a morte do agente. É impossível a

tentativa, pois se o suicida, mesmo instigado, induzido ou auxiliado, não conseguir o suicídio, não

havendo, ainda, lesão grave ou morte, o fato será atípico (doutrina dominante).

- Lesão Grave e morte: a doutrina discute acerca da natureza jurídica destes elementos. Alguns os

consideram como condição de punibilidade do crime do art. 122 (Hungria e Zaffaroni). Deste modo, se o

agente induziu, instigou ou auxiliou a vitima a suicidar-se e esta não tentou o suicídio ou não sofreu lesões

graves ou morte, o fato será típico, antijurídico e culpável, porém não punível.

No entanto, a doutrina dominante os considera como elementos do tipo. Desse modo, na hipótese

anterior, o fato praticado pelo agente seria atípico.

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- Não existe tentativa no crime de participação em suicídio, o crime é consumado, pois se exige o resultado

lesão grave, pelo qual o agente responde por crime de participação em suicídio, cuja pena é de 01 a 03

anos, ou o resultado morte, cuja pena é de 02 a 06 anos. Assim, tem-se a seguinte situação: - A pessoa

prestou auxílio, e a outra tentou o suicídio e não morreu nem sofreu lesão: não responde por crime algum;

- Tentou suicídio e sofreu lesão corporal grave: art. 122, pena de 1 a 3 anos. - Tentou suicídio e morreu:

art. 122, pena de 2 a 3 anos.

3. Infanticídio.

a) Tipo Penal (art. 123).

b) Sujeito ativo e passivo. Trata-se de crime bi-próprio, pois exige qualidade especial tanto do sujeito ativo

(mãe) como da vítima (próprio filho, que deve ser o nascituro – nascente ou neonato).

(*) Se a mãe, conscientemente, matar outro filho, sob a influência do estado puerperal, haverá o crime de

homicídio e não de infanticídio. Ressalva-se a possibilidade de erro sobre a pessoa (§3º do art. 20 do CP),

quando a mãe continuará respondendo pelo infanticídio, como se tivesse atingido o próprio filho.

c) Caracterização do infanticídio. Critérios: - psicológico, pelo qual se justifica o privilégio, fundado no

desejo de preservar-se a honra pessoal por meio da ocultação da maternidade; e - psicofisiológico,

adotado pelo CP, pelo qual se caracteriza o delito pela influência do estado puerperal.

- De fato, reconhece-se que a presença do puerpério pode: (1) Não produzir nenhuma alteração na

capacidade de entendimento da mulher; (2) Acarretar-lhe perturbações psicossomáticas que a levem a

matar o próprio filho; (3) Reduzir-lhe a capacidade de entendimento ou de determinação; o que seria algo

superior a mera perturbações psicossomáticas; ou (4) Provocar-lhe doença mental. No primeiro caso, a

mulher responderá pelo homicídio. No segundo, haverá infanticídio. O terceiro configura infanticídio,

respondendo a mulher, porém, com a pena reduzida (parágrafo único do art. 26), em face de sua semi-

imputabilidade, ou com a imposição de medida de segurança. Na última hipótese, há exclusão da

imputabilidade, ficando a mulher isenta de pena, na forma do caput do art. 26.

d) Momento do crime: exige-se que o crime seja cometido durante ou logo após o parto. O início do

parto ocorre com o rompimento do saco amniótico (entendimento dominante). Por sua vez, a expressão

“logo após” deve ser entendida nos limites do tempo de duração do estado puerperal, que vai de 6 (seis)

dias a 6 (seis) semanas. Mas não se exclui a possibilidade de que este prazo de 6 (seis) semanas venha a

ser superado. Assim, a existência ou não do puerpério deve ser analisada em cada caso.

e) Elemento subjetivo do tipo: pune-se o infanticídio somente a título de dolo. Caso a mãe, sob a

influência do estado puerperal, durante ou logo após o parto, venha a matar, por culpa, o próprio filho,

discute-se por qual delito deve responder a mãe. Noronha, Mirabete, Bitencourt e Capez afirmam que a

mãe deveria responder por homicídio culposo. Para Frederico Marques e Damásio, o fato é atípico.

Entende-se correta esta última posição.

f) Consumação e Tentativa. Consuma-se com a morte do filho. É possível a tentativa.

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g) Concurso de Pessoas. Divergência.

- Comunicabilidade das elementares: é possível um 3º, que atue em concurso com a mãe da vítima, ser

condenado pelo crime de infanticídio? É preciso distinguir três situações: (1) O terceiro é autor (ele mata a

criança) e a mãe é partícipe (instiga, induz ou auxilia o terceiro a matar a criança); (2) A mãe é autora (ela

mata o filho) e o terceiro é partícipe (instiga, induz ou auxilia); e (3) Mãe e terceiro são co-autores,

realizando o núcleo “matar”. É pacífico que, no primeiro caso, o terceiro deve responder pelo crime de

homicídio. Aqui não há divergências quanto à questão da comunicabilidade das circunstâncias. Ora, o

terceiro é quem pratica, na espécie, a conduta principal que, no caso, se subsume ao tipo penal de

homicídio (art. 121) e não de infanticídio. Quanto à mãe, entende-se que ela, apesar de ser partícipe do

crime praticado pelo terceiro (homicídio) deve responder pelo infanticídio, face ao princípio da

culpabilidade. Veja: se a mãe que “mata” o próprio filho, sob a influência do estado puerperal, comete o

crime de infanticídio; não poderia ela cometer crime mais grave - o homicídio (como partícipe) - se não

“mata”, mas apenas “instiga, induz ou auxilia”. Assim, a melhor solução é responder a mãe, partícipe, pelo

crime de infanticídio.

No que se refere à segunda e à terceira hipótese, a doutrina diverge acerca da possibilidade do terceiro

(partícipe ou co-autor) responder pelo infanticídio. A doutrina dominante (Hungria, Noronha, Damásio,

Mirabete, Bitencourt, Capez,) inclina-se no sentido da comunicabilidade. De acordo com os adeptos desta

corrente, as elementares do tipo penal do infanticídio (estado puerperal, mãe, próprio filho) comunicam-

se aos terceiros, partícipes ou co-autores, bastando que tenham ingressado na sua esfera de

conhecimento. Aplica-se, no caso, a regra do art. 30 do CP.

A corrente minoritária, encabeçada por Heleno Fragoso, com base na lição de Hungria (este, em sua última

obra, alinhou-se à corrente dominante), não admite a comunicabilidade, por entender que “estado

puerperal”, “mãe” e “próprio filho”, dados previstos no art. 123, são circunstâncias “personalíssimas”, e,

portanto, incomunicáveis, não se tratado de elementares.

Nota-se, em verdade, que a solução pugnada pela doutrina dominante, em que pese a não ser a mais

justa, é a que emprega melhor técnica jurídica. Ora, os dados “estado puerperal”, “mãe” e próprio filho”

são elementares e não circunstâncias do tipo infanticídio. Esses elementos integram o crime de tal forma

que, na sua ausência, há o delito de homicídio, e não infanticídio. Ademais, não há como aceitar a tese de

que são circunstâncias “personalíssimas” - e, portanto, incomunicáveis - pois tal espécie de circunstância

(“personalíssima”) não foi prevista pelo legislador penal pátrio.

Portanto, as elementares do tipo penal do infanticídio (estado puerperal, mãe, próprio filho) comunicam-

se aos terceiros, partícipes ou co-autores, bastando que tenham ingressado na sua esfera de

conhecimento, na forma determinada pelo art. 30 do CP.

4. Aborto.

a) Conceito: Aborto é a interrupção da gravidez com a morte do produto da concepção, seja ele ovo,

embrião ou feto, pois a lei não restringe a fase de evolução da vida intra-uterina. No sentido etimológico,

aborto significa privação (ab) do nascimento (ortus).

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b) Consumação e tentativa. Consuma-se o aborto, por conseguinte, com a interrupção da gravidez e

morte do feto, sendo possível a tentativa quando não ocorrer o óbito do feto, por circunstâncias alheias à

vontade do agente.

c) Espécies de aborto: provocado, natural e acidental. O primeiro consiste na interrupção da gravidez

por intervenção humana, seja da própria gestante ou de terceiro. Aborto natural é a interrupção

espontânea da gravidez. Aborto acidental é a interrupção da gravidez por conduta humana não

intencional, isto é, provocada, não por dolo, mas por culpa. Destas, a única espécie que constitui crime é o

aborto provocado.

d) Espécies delitivas: o auto-aborto (aborto provocado pela gestante em si mesma) ou com o

consentimento da gestante (art. 124); o aborto provocado por terceiro sem o consentido da gestante

(art.125); e o aborto provocado por terceiro com o consentido da gestante (art. 126).

e) Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento (art. 124).

- Tipo penal.

- Sujeito ativo. Trata-se de crime de mão própria, dirigido à gestante. Nada impede, porém, que terceiro

venha a praticar o delito, como partícipe, induzindo, instigando ou auxiliando a gestante a praticar o

aborto. Impossível, no entanto, que terceiro seja co-autor do delito em estudo. Assim, por exemplo, se o

terceiro comprar um remédio abortivo e o entregar para a mulher, ambos, terceiro e gestante,

responderão pelo crime do art. 124, ela como autora e ele como partícipe. Se, porém, o terceiro colocar o

remédio na boca da gestante, sobrevindo o aborto, a gestante responde pelo crime do art. 124 (consentir

que outrem lho provoque) e o terceiro pelo art. 126 (aborto consensual). Conclui-se que, quando o

terceiro participa do aborto (instigando, induzindo ou auxiliando a gestante), comete o crime do art. 124.

Quando provocar o aborto, com o consentimento da gestante, responde pelo art. 126. Se não houver o

consentimento da gestante, o delito será o do art. 125.

f) Aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (art. 125).

- Tipo penal.

- Sujeito ativo. Trata-se de crime comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa.

- Dissentimento: a ausência de consentimento por de ser real (expresso) ou tácito (presumido). Será

real, quando a vítima expressamente for contrária ao aborto, ou quando o agente empregar violência,

grave ameaça ou fraude para a obtenção de seu fim. A ausência de consentimento é presumida na

hipótese do parágrafo único do art. 126 do CP, ou seja, quando a gestante tiver menos de 14 anos ou for

alienada ou débil mental. Para a caracterização do delito, não é necessário que o dissentimento da

gestante seja expresso. Basta que a gestante desconheça a prática abortiva realizada pelo terceiro.

g) Aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante (art. 126).

- Tipo penal.

- Sujeito ativo. O CP se alinhou, neste caso, à teoria dualista (há um crime para os autores e co-autores e

outro para os partícipes da ação delituosa). Com efeito, gestante e seus partícipes respondem pelo crime

do art. 124 (pena de detenção de 1 a 3anos); e o provocador do aborto e seus partícipes pelo crime do art.

125 (pena de reclusão de 3 a 10 anos), se ausente o consentimento da gestante; ou pelo delito do art. 126

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(pena de reclusão de 1 a 4 anos), havendo o consentimento da gestante. É necessário que a gestante

tenha capacidade de consentir, pois, em caso contrário, seu dissentimento será presumido (parágrafo

único do art. 126 do CP). Assim, por exemplo, se o terceiro praticar o aborto com o consentimento de uma

gestante de 13 anos de idade, ainda que venha a responder pelo crime do art. 126 (aborto com o

consentimento da gestante), sofrerá a mesma pena prevista no art. 125. É o que determina o parágrafo

único do art. 126: responde pelo crime de aborto consensual (art. 126), com a pena do tipo do art. 125.

h) Formas “Qualificadas”.

- Natureza jurídica. Trata-se, na verdade, de causas de aumento de pena, e não de qualificadora, em

razão do resultado, já que o CP não estabelece novos limites, mínimo e máximo de pena, mas apenas

majora aquelas previstas nos artigos 125 e 126. Com efeito, se do aborto resultar lesão grave na gestante,

a pena deve ser aumentada de um terço; se resultar a morte, a sanção penal será duplicada. Por outro

lado, sobrevindo lesões leves na gestante, estas ficam absorvidas pelo aborto.

- Preterdolo. Cuida-se de figura preterdolosa, na qual o resultado qualificador (morte ou lesão grave) é

obtido a título de culpa. Por sua vez, se houver dolo do agente em relação à morte ou à lesão grave,

responderá ele por dois delitos em concurso formal: aborto (vítima é o bebê) e lesão grave ou homicídio

(vítima é a gestante).

- Ausência de aborto e existência do resultado qualificador. O aumento da pena deve ocorrer ainda que

o aborto não se consume, pois o resultado qualificador, na dicção do próprio art. 127, pode ocorrer em

conseqüência do aborto ou dos “meios empregados para provocá-lo”. De fato, tratando-se de figuras

preterintencionais não se pode falar em tentativa. Nesse sentido, pronuncia-se Capez. Entendendo,

porém, cuidar-se de hipótese de delito de aborto “qualificado tentado”, manifestam-se, na doutrina,

Fragoso e Rogério Greco.

- Aplicação da causa de aumento de pena. Somente se aplica aos casos de aborto praticado por terceiro,

sem ou com o consentimento da gestante, previstos nos artigos 125 e 126. Não se aplica, deste modo, ao

delito do art. 124 (auto-aborto e aborto consentido).

- Responsabilização do terceiro partícipe da gestante, havendo morte ou lesão grave nesta. Questiona-

se por qual crime deve responder o partícipe da gestante, se esta vier a falecer ou sofrer lesão grave em

razão da prática abortiva.

Na doutrina, há três posições: (1) Responde somente por homicídio culposo ou lesão culposa (Hungria); (2)

Responde somente pela participação no crime do art. 124 (Noronha e Mirabete); (3) Responde pela

participação no crime do art. 124 e por homicídio culposo ou lesão culposa, em concurso formal, sendo

inaplicável, na hipótese, o art. 127. É a posição de Damásio e Capez, com a qual concordamos.

- Diferença entre aborto “qualificado” pelas lesões graves e lesões graves qualificadas pelo aborto (art.

129, §2°, V). A diferença reside no dolo do agente. Com efeito, no delito do art. 129, o agente não quer o

aborto, que resulta a título de culpa. Nesse crime, o sujeito pretende tão-somente lesionar a vítima. A seu

turno, no aborto “qualificado”, a intenção do sujeito é provocar o aborto, sobrevindo a lesão grave na

gestante ou a sua morte a título de culpa. Assemelham-se, por fim, por serem ambos os delitos

preterdolosos.

i) Aborto legal (art. 128).

- Espécies. No inciso I, há a figura do aborto necessário (ou terapêutico); no inciso II, a do chamado

aborto sentimental (humanitário ou ético).

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- Beneficiário. Em ambos os casos, somente o médico – profissional registrado no Conselho Regional de

Medicina – e sua equipe são os beneficiários da excludente. É pacífico, porém, que se o aborto for

praticado por outra pessoa - uma enfermeira, por exemplo -, sem a presença de um médico, para salvar a

vida da gestante, será ela beneficiada pelo estado de necessidade de terceiro (art. 24), não respondendo

por nenhum delito, ante a licitude de sua conduta. Por outro lado, se praticou o aborto na situação do

inciso II, não será beneficiada pela excludente do art. 128 nem pela do art. 24, pois não está ela salvando

vida alguma.

- Natureza jurídica. Trata-se de causas de exclusão da antijuridicidade, e não de isenção de pena, pois o

legislador penal excluiu a punição do fato (“não se pune o aborto”), e não do agente (neste caso, o CP usa

a frase “é isento de pena”).

Rogério Greco defende que, no aborto sentimental, há causa de excludente da culpabilidade, por

inexigibilidade de conduta diversa. Discordamos desse entendimento, porquanto, adotada pelo CP, a

teoria da acessoriedade limitada, que prevê a punibilidade do partícipe quando o fato praticado pelo autor

for típico e antijurídico, os integrantes da equipe médica, ainda que presentes os requisitos legais, seriam

punidos. Veja que, a se adotar a causa como excludente da culpabilidade, o fato praticado pelo médico

seria típico e antijurídico, o que acarretaria a punição de todo a equipe médica, à exceção do beneficiário

direto da dirimente (médico).

- Aborto necessário. Requisitos. Não impõe o CP qualquer condição para a prática do aborto necessário,

eis que o próprio inciso I do §3° do art. 146 permite a intervenção médica ou cirúrgica, sem o

consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida.

- Aborto sentimental. São requisitos à sua configuração o consentimento da gestante, ou de seu

representante legal, conforme o caso, e que o médico esteja convencido de que a gravidez é conseqüência

de prática delituosa. Não exige, assim, o legislador qualquer documento que comprove a instauração ou

encerramento de inquérito policial ou mesmo de processo relativo ao estupro, para que o médico possa

vir a realizar o aborto. É conveniente, no entanto, que o médico se acautele, exigindo prova cabal do

consentimento e da prática do estupro. Dispensável, porém, autorização judicial ou prova de condenação

do agente pelo crime sexual. Aliás, a autorização judicial, neste caso, poderá, inclusive, representar pré-

julgamento do delito contra os costumes. Boletim de ocorrência, testemunhos colhidos perante a

autoridade policial são provas hábeis à comprovação da prática do estupro. Constata-se, no entanto, que

dificilmente, na prática, um médico realiza aborto sentimental sem autorização judicial. Situação igual não

ocorre, se a gravidez resultar do crime de sedução (revogado pela Lei n° 11.106/005) ou de corrupção de

menores, pois estes delitos não possuem a mesma regência do crime de estupro, não podendo ser a eles

equiparados para efeito de concessão do benefício.

j) Aborto Eugênico. Também chamado de eugenésico ou piedoso ou antecipação terapêutica do parto

(denominação específica para os casos de anencefalia). Nesses casos, o aborto é realizado para impedir

que a criança nasça com deformidade ou enfermidade incurável. É conhecida a situação dos fetos

anencéfalos (sem cérebros), cujo tema chegou inclusive, no final de 2004, a ser debatido no âmbito do

Supremo Tribunal Federal que cassou liminar anteriormente concedida, em sede de argüição de

descumprimento de preceito fundamental, para negar a autorização requerida para a prática de aborto de

feto acometido de anencefalia. Novamente, a questão foi ao plenário do STF, na ADPF 54, de relatoria do

Ministro Marco Aurélio, que reconheceu como atípica a conduta consistente na interrupção da gravidez de

feto anencéfalo (Informativo nº 661).

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II- Das Lesões Corporais (art. 129).

a) Conceito. Lesão corporal é toda “ofensa à integridade corporal ou saúde”, ou seja, “todo e qualquer

dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do

ponto de vista fisiológico ou mental” (Exposição de Motivos da Parte Especial do CP, item 42).

b) Bem jurídico tutelado, autolesão e princípio da insignificância. Tutela-se a integridade física e a saúde

da pessoa, as quais são bens jurídicos indisponíveis. Assim, ainda que a vítima consinta no ato, o crime de

lesão corporal subsistirá. Todavia, tem-se admitido a aplicação do princípio da insignificância, neste delito,

quando a lesão for ínfima, incapaz de ofender de forma significativa o bem jurídico tutelado. Por outro

lado, a autolesão é penalmente irrelevante, pelas mesmas razões por que não se pune o suicídio.

c) Tipo penal (art. 129).

- Elemento subjetivo. Diferença para homicídio. O crime de lesão corporal, não obstante ser próximo do

homicídio, com ele não se confunde. A diferença básica entre os dois delitos está na intenção, no dolo do

agente. No homicídio, o elemento subjetivo é o chamado animus necandi ou occidendi. Na lesão corporal,

o elemento subjetivo é o animus laedendi ou nocendi. Em outras palavras, no crime de lesão corporal, o

agente deseja somente lesionar, e jamais matar a vítima, nem assume o risco de resultado morte. Já, no

homicídio, a intenção do agente é matar a vítima (dolo direto) ou, ao menos, ser indiferente ao resultado

morte (dolo eventual). Somente a prova colhida nos autos poderá determinar se o agente desejava matar

ou lesionar.

Na prática, dois elementos ajudam, mas não resolvem, a descobrir se a intenção do agente era matar ou

apenas lesionar a vítima: a lesividade da área atingida e a letalidade do instrumento do crime. Assim, por

exemplo, um sujeito, exímio atirador, que dispara arma de fogo (instrumento letal) em direção à cabeça

da vítima (área de alta lesividade), dificilmente poderá alegar que apenas queria lesioná-la. De fato,

somente os elementos do caso concreto poderão definir a real intenção do sujeito.

d) Espécies delitivas. O caput do art. 129 cuida da lesão corporal de natureza leve (simples). As lesões

corporais de natureza grave, em sentido amplo, encontram-se descritas nos §§1° e 2° do mesmo artigo.

Doutrinariamente, porém, afirma-se que as hipóteses do §1° referem-se às lesões graves, em sentido

estrito; e as do §2°, às lesões gravíssimas. Para o CP, todavia, não existem as lesões gravíssimas, mas

somente lesões graves. Assim, quando o legislador penal menciona lesão grave, como ocorre nos casos de

participação em suicídio, aborto e estupro, está referindo-se aos casos dos §§1° e 2° do art. 129, e não

somente aos do §1°. Há, ainda, as lesões corporais seguidas de morte, o chamado homicídio preterdoloso

ou preterintencional, previstas no §3° do art. 129.

As lesões leves são identificadas por exclusão. Com efeito, não se enquadrando em nenhum dos casos

definidos nos §§1° a 3° do art. 129, a lesão será leve. Caso contrário, cuidar-se-á de lesão grave em sentido

amplo, sendo grave stricto sensu, se prevista no §1°; gravíssima, se no §2°, ou seguida de morte (caso este

resultado seja previsível), no §3°.

e) Ação penal. As lesões graves, gravíssimas e seguidas de morte sujeitam-se à ação penal pública

incondicionada. Por força do art. 88 da Lei n° 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), os crimes de lesão

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corporal leve e culposa passaram a sujeitar-se à ação penal pública condicionada à representação. Por fim,

com o advento da Lei nº 11.340/2006 (Lei da Violência Doméstica ou Familiar contra a Mulher), surgiu

ponderável parte da doutrina para a qual, por força do art. 41, que exclui a aplicação da Lei nº 9.099/95

aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena

prevista, o delito de lesões corporais culposas ou leves cometidos nesta hipótese (com violência doméstica

ou familiar contra a mulher) passou a se sujeitar a ação penal pública incondicionada.

A nosso ver, entretanto, a novel legislação, por meio do art. 41, somente desejou excluir a aplicação dos

institutos despenalizadores (composição civil, transação penal e suspensão condicional do processo) aos

delitos cometidos mediante violência doméstica ou familiar contra a mulher, não vedando a aplicação das

demais disposições da Lei nº 9.099/95, em especial o art. 88. Tanto é assim, que a própria Lei de Violência

Doméstica criou procedimento especial para a renúncia e retratação da representação no art. 16, exigindo

que ambas sejam apresentadas perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade,

antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. Assim, entendemos que os crimes de

lesões leves e culposas continuam a se sujeitar a ação penal pública condicionada à representação, ainda

que cometidos mediante violência doméstica ou familiar contra a mulher. É a posição da Damásio.

O STJ havia firmado posição no sentido de que a ação penal, nesta hipótese, era pública condicionada à

representação (Resp 1.097.042/DF). Contudo, o STF, no julgamento da ADI 4424/DF, rel. Min. Marco

Aurélio, 9.2.2012, reconheceu a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão

corporal, praticado mediante violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesse contexto,

considerando o efeito vinculante da decisão do Pretório Excelso, o STJ mudou sua posição anterior: HC

222.528/SE, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 22/03/2012, DJe 11/04/2012; HC

136.333/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 15/03/2012, DJe

02/04/2012.

f) Consumação. Consuma-se o delito no exato momento em que resulta a lesão à integridade física ou à

saúde da vítima. É crime material, sendo exigida a produção do resultado (ofensa à integridade corporal

ou à saúde da vítima) para a sua consumação.

g) Tentativa. Ainda que exista certa resistência de parte da doutrina, o entendimento dominante inclina-se

pela possibilidade de tentativa de lesão, quando ficar evidenciado o animus laedendi do agente, e este,

tendo iniciada a execução do crime, não conseguir o resultado por circunstâncias alheias à sua vontade.

Deve ser admitida inclusive a possibilidade de lesão corporal grave (ou gravíssima).

h) Lesões qualificadas pelo resultado (§§1º a 3º). Obtenção por dolo ou culpa. É pacífico que a

qualificadora do §3° do art. 129 só pode existir a título de culpa, tratando-se de crime preterdolodo ou

preterintencional. Com efeito, se o agente tiver desejado ou assumido o risco de produzir a morte da

vítima, o delito será homicídio e não lesão corporal. Por sua vez, os resultados qualificadores dos §§ 1º e

2º, podem ser obtidos a título de dolo ou culpa. Ou seja, o agente pode ter desejado ou assumido o risco

de produzir o resultado qualificador, ou ter atuado apenas com culpa. No primeiro caso, há crime

qualificado pelo resultado no sentido estrito; no segundo, crime preterdoloso. Cumpre destacar que, nas

hipóteses, de lesões preterdolosas será impossível a tentativa. Igual não ocorre no caso de lesão

qualificada pelo resultado estrito sendo, obtido a título de dolo.

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i) Lesões Graves e Gravíssimas. As causas dos §§1° e 2° estão inter-relacionadas, pois as que ensejam a

lesão gravíssima são sempre um plus em relação aos de lesão grave, ou seja, há uma correspondência

entre ambos os parágrafos. Assim, por exemplo, se a vítima fica incapacitada para as ocupações habituais,

por mais de 30 (trinta) dias, haverá lesões graves; se resultar, incapacidade permanente para o trabalho,

as lesões são gravíssimas. Os dados dos §§ 1º, 2º e 3º do art. 129 são circunstâncias e não elementares do

crime de lesão corporal. E são circunstâncias objetivas, pois nenhuma delas diz respeito ao motivo do

crime. Sendo objetivas, elas se comunicam ao outro sujeito, desde que tenham ingressado na sua esfera

de conhecimento, principalmente face à sua condição de poder evitar o resultado.

j) Hipóteses. Paralelo entre as lesões graves e gravíssimas. Essa correspondência facilita a interpretação

sobre as qualificadoras. Vejamos.

k) Lesão Corporal Grave (§1°)

a) Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias (I)

Qualifica o delito em tela o fato de o ofendido, em função das lesões corporais, ficar

incapacitado para as ocupações habituais por mais de trinta dias. O termo “ocupações habituais”

compreende todas as atividades desenvolvidas pela vítima, como estudo, laser, e não somente aquelas de

natureza lucrativa (RT 526/393-4).

A incapacidade por mais de 30 (trinta) dias deve ser comprovada por meio de exame de corpo

de delito complementar, que atestará, efetivamente, o período no qual a vítima ficou incapacitada. A

perícia poderá ser suprida por prova testemunhal, na forma prevista no §3° do art. 168 do CPP, quando

desaparecem os vestígios. No entanto, a jurisprudência e a doutrina somente admitem a substituição do

exame complementar direto (realizado por perito) pelo indireto (feito a partir de testemunhas) quando o

primeiro laudo apresentar, no mínimo, um diagnóstico do perito, no qual se indique a probabilidade de vir

a vítima a ficar mais de 30 (trinta) dias afastada de suas atividades habituais. Logo, se o perito não fizer

esse prognóstico no laudo inicial, não se pode suprir o exame complementar por testemunhas, apesar da

literalidade do § 3º, do art. 168, CPP.

O exame complementar deve ser realizado logo que decorra o prazo de 30 (trinta) dias,

contados da data do crime (§2° do art. 168 do CPP). Mas tal prazo não é peremptório, pois apenas visa

prevenir que o decurso do tempo leve ao desaparecimento dos elementos necessários à verificação da

existência de lesões graves. Assim, mesmo transcorrido o prazo, se houver elementos que permitam a

afirmação da ocorrência de lesões graves, nada impede que se faça o exame complementar (RT 785/634;

RJTJERGS 187/97). É certo, todavia, que quanto mais tempo decorrer, mais difícil será provar a

incapacidade temporal de que trata o inciso I do §1° do art. 129.

b) Perigo de Vida (II)

Havendo risco de vida, ocasionado pelas lesões, estas se tornam qualificadas. E para qualificá-

las, não basta o risco potencial, aferido pela natureza e sede das lesões. O perigo de vida deve ser

reconhecido segundo critérios objetivos, comprobatórios do perigo real a que ficou sujeita à vítima,

mesmo que por pequeno lapso de tempo (RT 579/431). É necessário que os peritos médicos, reportando-

se ao quadro patológico apresentado pela vítima, esclareçam os sintomas que os levaram à certeza da

probabilidade do êxito letal (RJTJESP 142/334).

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Para a doutrina, esta qualificadora só pode ser obtida a título de culpa, tratando-se de crime

preterdoloso. Assim, se o agente lesionar e dolosamente causar o perigo para a vida vítima, responderá

por tentativa de homicídio, e não por lesão grave. De fato, se o agente atua com a vontade de trazer um

perigo de vida à vítima há, no mínimo, dolo eventual quando ao resultado morte, sendo o bastante para

caracterizar o delito de homicídio e não o de lesões corporais.

c) Debilidade Permanente de Membro, Sentido ou Função (III)

Debilidade significa mau funcionamento, redução ou enfraquecimento. Quando o CP se refere

ao termo “permanente” não quis dizer que se trata de debilidade “definitiva”. O termo permanente deve

ser entendido como “imprevisível”, significando não se saber quando o membro, sentido ou função

atingido vai voltar ao funcionamento normal ou, mesmo, se vai voltar a funcionar.

Membros são partes do corpo que se prendem ao tronco, classificando-se em superiores

(braços, antebraços e mãos) e inferiores (coxas, pernas e pés). Os sentidos são cinco: visão, olfato, paladar,

audição e tato. Função é atividade específica de cada órgão, tais como a respiratória, a circulatória, a

digestiva, entre outras.

A perda de um dedo da mão caracteriza debilidade permanente de membro. Igualmente, tem-

se decidido nos casos de perda de um olho, de uma orelha, de um rim, mantido o outro órgão íntegro, e

não abolida a função (RT 591/309). É possível, no entanto, que, nos casos de perda de olho e de orelha,

ocorra a hipótese de deformidade permanente, tratando-se de lesão gravíssima, quando se tratar de dano

estético.

Por outro lado, para que se configure a gravidade resultante da perda de dente é necessário

que esta tenha acarretado debilidade permanente da função mastigatória (RT 612/317). Assim, não

havendo esta debilidade, o crime será de lesão leve.

A qualificadora em estudo “debilidade permanente de membro, sentido ou função” pode ser

produzida pelo agente a título de dolo ou de culpa.

d) Aceleração do Parto (IV)

A última causa de lesão grave em sentido estrito ocorre quando dela resulta aceleração do

parto, ou seja, quando se antecipa o nascimento, sendo expulso o feto antes do termo final da gravidez.

Deve-se notar que, apesar de o CP se referir à “aceleração”, o termo significa “antecipação”,

pois só se acelera aquilo que já está em andamento. Na verdade, “aceleração do parto” significa

“antecipação” do parto, acarretando o nascimento da criança antes do tempo previsto.

Justifica-se a qualificadora devido ao perigo que o parto prematuro traz à vida do bebê e da

gestante. Imprescindível, ainda, que a criança nasça com vida, pois se houver aborto a lesão será

gravíssima, respondendo o agente pela qualificadora do inciso V do §2° do art. 129 do CP.

É necessário, por fim, que o agente conheça a gravidez da vítima ou, ao menos, que o estado

gestacional seja previsível, para que incida a qualificadora, sob pena de responsabilidade objetiva.

l) Lesão Corporal “Gravíssima” (§2°)

a) Incapacidade permanente para o trabalho (I)

A primeira causa que qualifica as lesões, tornando-as gravíssimas, é a incapacidade permanente

para o trabalho. A qualificadora ocorre quando o ofendido ficar totalmente privado da possibilidade física

de se dedicar a qualquer atividade lucrativa, e não somente daquela que era exercida no momento das

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lesões, de acordo com o entendimento dominante na doutrina. Em sentido contrário, manifesta-se

Rogério Greco para quem a qualificadora subsiste quando a vítima ficar privada da atividade lucrativa que

exercia no momento das lesões.

O termo permanente deve ser entendido como “imprevisível”, no sentido de não se saber

quando se vai voltar a exercer atividade laboral, e não como perpetuidade. Permanente é a incapacidade

duradoura no tempo, sem previsibilidade de cessação.

Observa-se que esta qualificadora possui relação com aquela definida no inciso I do §1° do art.

129. Diferem-se, no entanto: a definida no §1° é temporária (mais de 30 dias) e relaciona-se às ocupações

habituais, não se restringindo às de natureza lucrativa, enquanto que a qualificadora do §2° é de cunho

permanente, isto é imprevisível, e refere-se especificamente às atividades laborais, ou seja, as de natureza

lucrativa.

b) Enfermidade Incurável (II)

Enfermidade incurável é aquela que a medicina ainda não conseguiu conter ou sanar. Basta que

a impossibilidade de cura seja relativa, não estando a vítima, a fim de curar-se da enfermidade, obrigada

submeter-se a intervenção cirúrgica arriscada. Por outro lado, se o ofendido se submeter com êxito à

cirurgia resta descaracterizada a qualificadora.

A qualificadora em tela ocorre quando a saúde da vítima, em relação ao corpo ou à mente, é

atingida de forma permanente, em virtude da lesão recebida. Não se confunde com a majorante prevista

no inciso III do §1° do art. 129 (debilidade permanente de membro, sentido ou função). Bitencourt,

citando Blinda, afirma que debilidade permanente é o estado consecutivo a uma lesão traumática, que

limita duradouramente o uso, a extensão e energia de uma função, sem comprometer o estado geral do

organismo.

A enfermidade deve ser entendida como o estado que duradouramente altera, e

progressivamente, agrava o teor de um organismo. Esta, conforme ressaltado por Bitencourt, é a

característica que melhor define as diferenças entre as duas majorantes, permitindo a solução mais justa

para cada caso concreto.

c) Perda ou Inutilização de Membro, Sentido ou Função

Distingue-se esta qualificadora daquela prevista no inciso III do §1° do art. 129 (debilidade

permanente de membro, sentido ou função). Enquanto esta última se refere a “debilidade”, a majorante

em exame menciona “perda ou inutilização”. Perda é a ablação, inutilização, inaptidão do órgão à sua

função específica. Há perda quando um membro ou órgão é extraído ou amputado ou quando cessa o

sentido ou função. Ocorre inutilização quando cessa ou se interrompe definitivamente a atividade do

sentido, função ou membro, permanecendo este ligado ao corpo, mas inoperante em sua atividade

própria ou função.

A inoperância deve ser total para que se reconheça a majorante. Já se decidiu pela não-

aplicação da qualificadora, quando a vítima teve sua visão reduzida, mas não inutilizada. O argumento é de

que o CP se refere a perda ou inutilização de membro, sentido ou função, fato que não ocorre se, embora

com diminuto alcance, ainda pode o ofendido usar a vista atingida pela agressão do réu (RT 404/269).

Como já ressaltado anteriormente, a perda de um dedo da mão não configura a qualificadora

em tela (lesão gravíssima), mas caracteriza debilidade permanente de membro, sendo caso de lesão grave

em sentido estrito. Da mesma forma, tem-se decidido nos casos de perda de um olho, de uma orelha, de

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um rim, mantido o outro órgão íntegro e não abolida a função (RT 591/309). No entanto, conforme

ressaltado anteriormente, nos casos de perda de olho e de orelha, há de se considerar a hipótese de

deformidade permanente, o que, pode caracterizar, de acordo com o caso concreto, lesão gravíssima,

qualificadora que será analisada a seguir.

d) Deformidade Permanente (IV)

Deformidade é o dano estético de certa monta, permanente, visível, irreparável e capaz de

causar impressão vexatória. É permanente a deformidade que não se auto-restaura para devolver ao

tecido o mesmo e anterior aspecto, a não ser por cirurgia reparadora (RT 554/329). Constituem

deformidade permanente marcas originadas por lesão, que causem desgosto a seu portador ou chamem a

atenção de qualquer desconhecido, ficando evidente a impressão vexatória.

Pouco importa, porém, que a deformidade possa ser removida por cirurgia estética, uma vez

que ninguém está obrigado a ela se submeter, além dos riscos inerentes ao procedimento cirúrgico. Se a

vítima de deformidade, no entanto, voluntariamente e com êxito se submete a cirurgia reparadora, a

figura delituosa deve ser desclassificada (JTACRIM 11/74).

É irrelevante o local da lesão, pois a deformidade permanente não se limita ao rosto da vítima,

podendo localizar-se em qualquer parte do corpo, desde que visível. Igualmente, o fato de a vítima

encobrir, dissimulando o dano estético, não exclui a qualificadora em exame (RT 522/396).

A perda de um olho ou de uma orelha configura a qualificadora em tela, quando associada ao

dano estético. Conforme ressaltado na jurisprudência, o dano estético representado pela falta de um olho

representa, sem contestação, uma deformidade permanente que não se descaracteriza pela implantação

de um olho de vidro (RT 480/346; 563/306). O mesmo ocorre na hipótese de arrancamento com dentada

de parte ou de toda a orelha (JTACRIM 59/161; RT 542/372, 369/198).

Já a perda de dentes não caracteriza a majorante em questão (RT 475/311).

e) Aborto (V)

A última circunstância que configura a lesão gravíssima é o aborto. Trata-se do chamado aborto

preterdoloso ou preterintencional, no qual o resultado qualificador (aborto) só pode existir a título de

culpa. Com efeito, se o agente atua com dolo, direto ou eventual, em relação ao aborto, há dois crimes,

cometidos em concurso de crimes: um de lesão corporal (que não pode ser qualificado pelo aborto, em

razão deste já constituir crime autônomo, nada impedindo, porém, a incidência de outra qualificadora) e

aborto (art. 125).

É necessário, por fim, que o agente conheça a gravidez da vítima ou, ao menos, que o estado

gestacional seja previsível, para que incida a qualificadora, sob pena de responsabilidade objetiva.

m) Lesão Corporal Praticada por grupo de extermínio ou por milícia privada (§7º). Vide observações sobre

homicídio.

III- Dos crimes contra a honra.

a) Honra objetiva e subjetiva. Diferença. A honra objetiva: - refere-se à reputação da pessoa; - é a idéia

que as pessoas têm em relação ao titular da honra objetiva; - é ferida mediante a imputação de um fato. A

honra subjetiva: - é a idéia que a pessoa faz de si mesmo (qualidade da pessoa); - é ferida com a imputação

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de uma qualidade negativa à vítima (diferente da objetiva quando há a imputação de um fato). Subdivide-

se em honra subjetiva dignidade: diz respeito a um atributo moral (chamar alguém de ladrão); e em honra

subjetiva decoro: diz respeito a honra profissional (chamar uma pessoa de incompetente).

Assim, quando digo que João é ladrão estou ferindo a sua honra subjetiva (não imputei fato, mas apenas

uma qualidade negativa à vítima). Neste caso, em tese, estarei cometendo o crime de injúria.

Quando afirmo que vi João roubando a carteira de Maria atinjo a sua honra objetiva (imputei um fato –

roubo da carteira de Maria – que desabona a honra da vítima). Se o fato imputado constituir um crime, em

tese poderei estar cometendo o delito de calúnia. Não constituindo crime, o delito poderá ser difamação.

b) Princípio da especialidade: Há crimes contra a honra definidos no CP, no Código Eleitoral e na Lei de

Segurança Nacional. Assim, em atenção ao princípio da especialidade das leis, antes de se enquadrar o

fato em um dos tipos penais do CP, é necessário verificar se a conduta se amolda em uma das referidas

leis especiais.

c) Elemento subjetivo. A doutrina exige para a configuração dos delitos em exame que o agente atue

com a finalidade específica de ofender a honra da vítima. É o chamado animus injuriandi vel diffamandi,

consistente no ânimo de denegrir a honra da vítima. Assim, por exemplo, fica excluído o delito, se o

agente atuar com animus jocandi (gracejo, vontade de caçoar, ausente a seriedade da ofensa – RT

492/355); animus narrandi (relato singelo do fato – RT 749/565; 768/523-4; 686/393; RT 514/448); animus

defendendi (vontade de se defender em processo - JSTJ 41/309; RT 722/459; RSTJ 109/329); animus

criticandi (crítica justa e não-maliciosa).

1. Da Calúnia (art. 138).

a) Tipo penal. Núcleo:

Caput: caluniar= imputar à vítima fato definido como crime, falsamente

§1º: - propalar= repetir a informação por meio verbal); - divulgar (repetir a informação por outros

meios).

b) Falsidade da imputação.

FALSAMENTE: expressão contida no caput. Significa tanto a certeza (dolo direito) quanto a incerteza

(dolo eventual) que o fato definido como crime é falso.

SABENDO FALSA: expressão contida no §1º. Refere-se somente ao dolo direto – o agente tem certeza de

que é falsa a informação. Desse modo, se tiver dúvidas quanto a falsidade da informação e mesmo assim

propalá-la ou divulgá-la o fato não será calúnia, podendo responder por difamação.

c) Sujeito passivo.

- mortos: § 2º - o morto sofre a ação da calúnia, mas os sujeitos passivos são os parentes do de cujus os

quais podem vir a sofrer com a calúnia perpetrada.

- inimputáveis: a doutrina e a jurisprudência dominantes admitem que os inimputáveis podem sofrer a

ação da calúnia, ou seja podem ser considerados sujeito passivo do crime de calúnia. É necessário que o

titular do bem jurídico atingido possua capacidade para entender o significado da ofensa. Como afirma

Damásio, é risível dizer que há delito contra a honra no fato de alguém dizer que um menor, de dois anos

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de idade, é desonesto ou que praticou um furto. Conforme leciona Rogério Greco, a razoabilidade deve ser

empregada para afastar a calúnia nesse caso, ante a impossibilidade de entendimento da vítima da falsa

imputação que lhe foi dirigida.

- pessoa jurídica: em tese é possível ser vítima de calúnia desde que seja possível responsabilizá-la

penalmente e não somente a seus administradores. A Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 9.605/98

(art. 21 e 22) permitem expressamente a responsabilização criminal da pessoa jurídica pela prática de

crime ambiental. Mesmo assim, existe ponderável corrente que inadmite a prática delituosa pela pessoa

jurídica. Segundo essa corrente, somente podem ser responsabilizados os administradores (pessoas

físicas) das empresas (pessoas jurídicas). No entanto, o melhor entendimento é aquele que permite a

responsabilização penal das pessoas jurídicas pelos delitos ambientais. Assim, caso alguém venha a

caluniar, falsamente, uma pessoa jurídica da prática de crime ambiental poderá cometer o crime de

calúnia, sendo a pessoa jurídica sujeito passivo desse delito contra a honra. É certo que a pessoa Jurídica

tem honra objetiva, e, ainda que não se aceite a calúnia, o crime será de difamação.

(*) Todavia, o STF não admite que a pessoa jurídica seja vítima do crime de calúnia ou de injúria, somente

permitindo no caso a difamação. De acordo com o STF, a imputação da prática de crime a pessoa jurídica

gera a legitimidade do sócio-gerente para a queixa-crime por calúnia (STF - RHC 83091 / DF – Rel. Min.

Marco Aurélio - DJ 26-09-2003 PP-00013; Pet-AgR 2491 / BA – Rel. Min. Maurício Corrêa - DJ 14-06-2002

PP-00127). STJ: REsp 53.761/SP, Rel. Ministro ASSIS TOLEDO, QUINTA TURMA, julgado em 21.11.1994, DJ

12.12.1994 p. 34374.

Atualmente, porém, o STJ não admite que a pessoa jurídica seja vítima de qualquer crime contra a

honra (mesmo difamação). Confira: AgRg no Ag 672.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA,

julgado em 04/10/2005, DJ 17/10/2005 p. 335; REsp 603.807/RN, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA

TURMA, julgado em 07/10/2004, DJ 08/11/2004 p. 278; HC 29.861/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP,

QUINTA TURMA, julgado em 09/12/2003, DJ 25/02/2004 p. 198.

d) Imputação falsa de fato definido como contravenção. Configura o crime de difamação, não

constituindo calúnia.

e) Diferença entre calúnia e denunciação caluniosa (art. 339 do CP). Este último delito protege a

Administração da Justiça, enquanto a calúnia a honra. Assim, na denunciação caluniosa a falsa imputação

é formulada com a inequívoca vontade do agente em ver a instauração de inquérito policial, de processo

judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, prejudicando a

vítima.

f) Consumação. Ocorre quando um terceiro, que não seja co-autor ou partícipe do crime, toma ciência

do fato. O resultado exige, assim, a presença de três pessoas: o autor da falsa imputação, a vítima e o

terceiro.

g) Tentativa: A possibilidade de tentativa está ligada ao meio de cometimento do crime. Com efeito, se o

delito for cometido por meio verbal por se tratar de crime unissubsistente, consubstanciado num único

ato, não caberá tentativa. Se o crime for cometido por meio escrito, o iter criminis poderá ser fracionado

(crime plurissubsistente), permitindo-se a tentativa.

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h) Exceção da verdade. A exceptio veritatis diz respeito à liberdade da manifestação. Assim, se o fato

imputado, propalado ou divulgado for verdadeiro não haverá crime de calúnia. Consiste, portanto, no

direito de se provar que o fato imputado não é falso, pois provada a verdade da imputação, a conduta do

réu será atípica. Trata-se de uma exceção substancial, na qual se permite a discussão acerca do mérito da

demanda. No crime de calúnia, a regra é a admissibilidade da exceptio veritatis. No entanto, não será

admitida quando: (1) o crime imputado for sujeito à ação privada e não houver condenação irrecorrível

por esse delito. Preserva-se, aqui, a titularidade da ação penal que, no caso, pertence exclusivamente à

vítima. Ora, se fosse admitida a exceção da verdade nessa hipótese, o autor da imputação estaria

usurpando a titularidade da ação penal relativa ao delito objeto da suposta calúnia; (2) a vítima da calúnia

for o Presidente da República ou Chefe de Governo Estrangeiro. Protege-se o cargo desempenhado pela

vítima. Aqui, há de ser admitida a analogia, para se vedar a exceção da verdade no caso de Chefe de

Estado (figura diversa do Chefe de Governo, nos regimes Parlamentaristas), para se honrar o cargo desta

autoridade. É a pacífica orientação da doutrina; (3) no crime imputado, houver absolvição irrecorrível. A

exceção da verdade, na espécie, se admitida, ofenderia à própria coisa julgada.

- Foro especial: Tratando-se de calúnia praticada contra pessoa que possua foro especial por

prerrogativa de função, a exceção da verdade deve ser julgada pelo respectivo tribunal, conforme dispõe o

art. 85 do CPP. Ressalte-se que a exceptio veritatis deve ser oferecida e processada em primeira instância,

sendo apenas julgada em segundo grau de jurisdição, no respectivo tribunal.

- Exceção da notoriedade: O CPP (art. 523) prevê, também, a chamada exceção de notoriedade, figura

cabível somente na calúnia, quando o agente quiser demonstrar que suas afirmações são de

conhecimento público.

2. Da Difamação (art. 139).

a) Tipo penal. Núcleo: Imputar. Propalar ou divulgar: em que pese não ter o CP descrito a conduta do

propalador ou divulgador, é pacífico o entendimento de que o propalador ou o divulgador comete novo

crime de difamação.

b) Falsidade do Fato. O fato imputado não necessita ser falso. Assim, comete o delito mesmo aquele que

faz uma imputação verdadeira de um fato que ferirá a honra objetiva da vítima. É por essa razão que, em

regra, não se admite a exceção da verdade neste delito.

c) Sujeito passivo: É pacífico que os inimputáveis (com capacidade de discernimento – v. observações

sobre calúnia) e as pessoas jurídicas podem ser vítimas do delito de difamação. O mesmo ocorre com os

desonrados, pois não há pessoas absolutamente desonradas. Reconhece-se, desse modo, que sempre há

um mínimo de honra que pode ser atingida com a difamação.

Por outro lado, não se pune a difamação cometida contra os mortos, pois o CP não repetiu, no art. 139, a

regra do §2° do art. 138.

d) Consumação e tentativa: são aplicadas as mesmas observações relativas à calúnia.

e) Exceção da verdade. Regra é a inadmissibilidade da exceptio veritatis. Exceção: quando a difamação é

cometida contra funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções. Na Lei de Imprensa,

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permite-se a exceção da verdade no crime de difamação também no caso de: a) a vítima ser órgão ou

entidade que exerça funções de autoridade pública; b) o ofendido permitir a prova.

- Exceção de notoriedade: impossibilidade.

(*) Foro especial. Já se decidiu que a exceção da verdade, na hipótese de difamação, deverá ser julgada no

tribunal competente, caso a vítima tenha foro especial, nos mesmos moldes do que ocorre no crime de

calúnia (STJ - AgRg na ExVerd. 21/CE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em 17.11.1999,

DJ 30.10.2000 p. 118). Não é essa, todavia, a posição adotada pela doutrina dominante e pelo STF, que

entendem que, no caso de exceção da verdade, o foro especial somente subsistirá na hipótese de calúnia.

A propósito, vale conferir as seguintes decisões: AP 305 QO-QO/DF, DJ 10-09-1993 p.18374; EV 601/MT,

DJ 08-04-1994 p. 07223; EV 522/RJ, DJ 03-09-1993 p. 17742; ExVerd . 37/PB, DJ 19.12.2003 p. 299; HC

29.862/SP, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 21.09.2004, DJ 06.02.2006 p. 328). Em

recente decisão, porém, o STJ entendeu cabível a aplicação da regra do foro especial em exceção da

verdade ofertada em crime de difamação (ExVerd . 42/ES, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, CORTE

ESPECIAL, julgado em 20.06.2007, DJ 03.09.2007 p. 109).

(*) O crime contra honra cometido contra funcionário público em razão de suas funções difere-se do

desacato (art. 331): neste delito, a ofensa é cometida na presença do funcionário público. Já a difamação é

cometida na ausência do funcionário público.

3. Da Injúria (art. 140).

a) Tipo penal. Conduta: injuriar.

b) Sujeito Passivo

Inimputáveis: podem ser vítimas de injúria, desde que tenham um mínimo de capacidade de

compreender a injúria.

Pessoas jurídicas: não podem ser vítimas de injúria.

Mortos: não podem ser injuriados. Nada impede que exista a injúria pela via oblíqua. Mas, neste caso, a

vítima é a pessoa viva que tem sua honra atingida obliquamente. A Lei de Imprensa pune a injúria

cometida contra os mortos (art. 24 da Lei n° 5.250/67).

c) Consumação: quando o sujeito passivo toma ciência da injúria, independentemente de sentir-se

ofendido em sua honra subjetiva e da ofensa chegar ao conhecimento de terceiros.

d) Tentativa: possibilidade quando cometida por meio escrito.

e) Exceção da verdade e de notoriedade: impossibilidade.

f) Figuras Típicas.

- Simples – caput;

- Qualificada - §2° - Injúria Real.

(*) Emprego de violência ou vias de fato que por sua própria natureza sejam aviltantes (pequenos) com a

intenção de ferir a honra subjetiva da vítima. A grave ameaça não caracteriza a injúria qualificada, pois o

tipo só se referiu a “violência ou vias de fato”, embora a grave ameaça (vis compulsiva) seja inferior à

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violência (vis absoluta), devendo ser observada a tipicidade estrita. Para a caracterização do delito, de

acordo com a norma do §2°, tanto a violência quanto as vias de fato devem ser aviltantes por sua

natureza, isto é, em si mesmas; ou em razão do meio empregado. São aviltantes em si mesmas: a

bofetada, o corte ou puxão de barba, a apalpação de certas partes do corpo (sem fim libidinoso), o

levantar a saia de uma mulher ou rasgar-lhe as vestes, virar-lhe o paletó pelo avesso. Por sua vez, são

aviltantes pelo meio empregado: bater em alguém com chicote ou rebenque, dar-lhe palmatoadas, ou

atirar-lhe excremento ou outra imundice (todos os exemplos são de Hungria).

(*) Sendo cometida por meio de vias de fato, o agente responde unicamente pela injúria real. Caso a

injúria seja cometida por meio de violência, o agente deve responder pelo crime de lesão (leve ou grave)

em concurso formal com o delito de injúria real (as penas, no entanto, devem ser somadas, em razão do

§2º).

- Qualificada - §3° - Qualificada por Preconceito de Raça, Cor ou Idade ou Deficiência (inovação do

Estatuto do Idoso – Lei 10.741/2003) - §3º.

(*) Não se confunde com o crime de racismo (Lei 7.716/89). As condutas caracterizadoras do racismo

encontram-se previstas na Lei 7.716/89.

(*) Também difere-se do crime previsto no §1° do art. 96 do Estatuto do Idoso. De fato, a injúria praticada

contra pessoa idosa, por qualquer motivo, que não em razão da idade da vítima, configura o crime do §1°

do art. 96 (pena: reclusão de seis meses a um ano e multa); no entanto, se a injúria foi cometida em razão

da idade da vítima idosa, há crime de injúria qualificada pelo preconceito previsto no §3° do art. 141 do CP

(pena: reclusão de um a três anos e multa). Portanto, da expressão “por qualquer motivo” (§1° do art. 96

do Estatuto do Idoso) deve ser excluída a injúria cometida em razão da idade, pois ofensa configura delito

mais grave: injúria qualificada pelo preconceito (§3° do art. 141 do CP).

g) Perdão judicial (§1°). Nos casos definidos no §1° do art. 140, prevê o CP a aplicação do perdão judicial

(ver observações realizadas na análise do crime de homicídio), causa de extinção da punibilidade.

Compreendem os casos de provocação da vítima e de retorsão a uma outra injúria. Na primeira hipótese, a

vítima apenas provoca a injúria, sem ter cometido outra anteriormente. Na segunda pratica,

necessariamente, uma injúria anterior. Ambas as figuras, provocação e retorsão, devem ser diretas e

imediatas, isto é, cometidas na presença da vítima e sem intervalo de tempo. A provocação pode consistir

em outro crime, como calúnia, difamação, ameaça ou lesão corporal, mas não injúria, pois, neste caso, há

retorsão. Pode ser, ainda, uma outra conduta reprovável e inoportuna, como, por exemplo, mexer com a

namorada da vítima.

A retorsão não existe apenas na injúria verbal, sendo admitida também na escrita, como no exemplo

clássico de Hungria, em que dois desafetos, à mesa de refeição de um hotel, trocam, por intermédio do

garçom, bilhetes injuriosos.

Não se admite, porém, o perdão judicial quando a retorsão é praticada em razão de ofensa dirigida a

terceiro. Neste sentido, já se decidiu que não se reconhece a retorsão imediata na conduta do agente que

pretendeu revidar ofensa dirigida a seu irmão, pois somente a este cumpria, em tese, o exercício daquele

direito, vez que ninguém pode exercer em nome próprio direito alheio, e nem a relação de parentesco

confere, por si só, a função de procurador, máxime quando não há qualquer notícia de que o referido

irmão tenha-se sentido ofendido por algum ato praticado pelo queixoso (RJTACRIM 45/203).

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Parte da doutrina (Bitencourt e Capez), a nosso ver corretamente, entende que a retorsão deve ser

proporcional à primeira. Assim, por exemplo, quando o agente retorquir uma injúria comum praticando

uma injúria real (§2°) ou, principalmente, uma injúria em razão de preconceito (§3°), o perdão judicial não

será concedido, em face da desproporcionalidade da retorsão.

Em nosso entendimento, nada obsta a concessão do perdão judicial à injúria real (§2°), bastando apenas

que a retorsão seja empregada contra outra injúria real, a fim de que seja observada a exigência da

proporcionalidade. Não deve ser admitida, porém, a retorsão na hipótese de injúria qualificada pelo

preconceito (§3°), pois este delito ofende um dos objetivos fundamentais da República Federativa do

Brasil, previsto no inciso IV do art. 3° da Constituição Federal (Capez), qual seja “promover o bem de

todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

4. Disposições comuns.

a) Causas de Aumento de Pena (Art. 141).

Um terço: (1) vítima Presidente da República ou Chefe de Governo Estrangeiro. Chefe de Estado:

predomina o entendimento de ser possível a aplicação da majorante neste caso, embora discordemos

desta posição; (2) contra o funcionário público, em razão de suas funções; (3) na presença de várias

pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria. Exige-se, neste caso,

a presença mínima de três pessoas, excluídos deste quantum o agente, eventuais partícipes e a própria

vítima. Isto porque toda vez que o CP se refere a mais de uma pessoa, considerando suficiente duas, fê-lo

expressamente, o que não ocorreu na majorante em tela; (4) vítima maior de 60 anos ou portadora de

deficiência, exceto no caso de injúria (neste caso, a injúria já é qualificada).

Dobro: crime cometido mediante paga ou promessa de recompensa.

b) Causas de Exclusão do Crime (Art. 142).

- Natureza Jurídica: Para alguns, liderados por Hungria, trata-se de causas de exclusão da culpabilidade.

Outros entendem que excluem a própria tipicidade, afastando-se o elemento subjetivo do agente. Por fim,

predomina, a nosso ver com razão, a corrente que as vêem como excludentes da ilicitude.

- Hipóteses:

(1) Ofensa irrogada em juízo: imunidade judiciária.

beneficiários da norma: parte (inclusive o MP, quando atua como parte) ou seu procurador (advogado,

defensor público). Juiz e promotor (custos legis) têm suas imunidades fixadas nas Leis Orgânicas

respectivas.

Requisitos da imunidade judiciária: ofensa em juízo; nexo causal entre a ofensa e a discussão da causa;

injúria ou difamação, estando excluída a calúnia, portanto.

Limite da imunidade judiciária: juiz ou membro do MP (atuando como custos legis) não podem ser

vítimas da ofensa em juízo, conforme pacífico entendimento jurisprudencial.

(2) Opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de

injuriar ou difamar;

(3) O conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no

cumprimento de dever de ofício.

c) Retratação (Art. 143).

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Cabimento: somente na calúnia e na difamação, sendo inadmitida na injúria. O crime deve ser sujeito a

ação penal privada, eis que o CP refere-se a “querelado”. (excluem-se os crimes de calúnia e difamação

cometidos contra o Presidente da República, Chefe de Governo Estrangeiro ou funcionário público, em

razão de suas funções, pois, nesses casos, a ação será pública condicionada).

Requisito: retratação antes da sentença. Não se trata da sentença transitada em julgado, mas da

primeira condenação, ainda que passível de recurso.

Comunicabilidade em caso de concurso de agentes: feita a retratação por um dos agentes, ela não se

estende aos demais. Trata-se de ato pessoal do agente e, portanto, incomunicável.

d) Pedido de Explicações em Juízo (art. 144).

Prazo: antes do prazo decadencial, no caso de crime sujeito a ação penal privada ou pública

condicionada à representação do ofendido.

Foro especial: a interpelação judicial deverá ser oposta no foro competente em que deva ser julgado o

agente.

Ausência das explicações: é entendimento pacífico que o interpelado não está obrigado a responder

ao pedido de explicações, não podendo, inclusive, ser prejudicado pela ausência das explicações, em que

pese a redação final do art. 144.

(*) O pedido de explicações em juízo não interrompe o prazo decadencial para oferecimento de queixa ou

representação.

e) Ação Penal (Art. 145).

Regra: ação penal privada (a honra é um bem jurídico disponível)

Exceções:

- Injúria real com resultado lesão corporal (ainda que seja leve): ação penal pública incondicionada.

(*) A injúria qualificada pelo preconceito sujeitava-se à ação penal privada. Porém, passou a se submeter à

ação penal pública condicionada à representação, a partir da Lei nº 12.033/2009.

- Presidente da República ou Chefe de Governo Estrangeiro como vítimas: ação penal pública

condicionada à requisição do Ministro da Justiça.

- Funcionário público, em razão de suas funções, como vítima: ação penal pública condicionada à

representação, de acordo com o parágrafo único do art. 145. Ocorre que a jurisprudência entende que a

legitimação para a ação, neste caso, é concorrente, sujeitando-se o crime tanto à ação penal privada

quanto à pública condicionada. É o que diz a Súmula 714 do Supremo Tribunal Federal. Assim, ao ofendido

é facultado oferecer representação ao MP para que este denuncie o agente (o MP não é obrigado a

denunciar – eficácia objetiva da representação), ou a queixa dando, desde logo, início a ação penal. Além

disso, oferecida a representação, caso o MP não ofereça a denúncia, a vítima pode oferecer a queixa,

respeitado o prazo decadencial.