Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte...

79
Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 [email protected] Face: Firmino Carlos Continuação aquisição da propriedade imóvel e materiais seguintes. Queridos todos! Vamos lá: Da Acessão Art. 1.248 NCC Como o nome está dizendo, acessão é acréscimo. É algo que incorpora ao imóvel. Você é o proprietário de um imóvel e tem essa propriedade aumentada com uma acessão e você adquire a propriedade dessa acessão. O Código enumera 5 modalidades de acessão. Portanto, você pode adquirir a propriedade imóvel: pela formação de ilhas; pelo aluvião; fatos pela avulsão; naturais pelo abandono do álvio e através de plantações e construções feitas no seu imóvel por 3ºs. (fato humano) As 4 primeiras hipóteses são aquisições que decorrem, geralmente, de fatos naturais. Já nas plantações e construções, a aquisição se dá por fato humano. Das Ilhas – Art. 1.249, NCC É um fenômeno natural, o curso da água pode forma em seu leito uma ilha. Claro que isso só se admite em caráter permanente, não se trata de um ajuntamento de materiais sólidos, que depois são novamente carregados pela

Transcript of Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte...

Page 1: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Professor Firmino Carlos

(21) 99255-4612

[email protected]

Face: Firmino Carlos

Continuação aquisição da propriedade imóvel e materiais seguintes.

Queridos todos! Vamos lá:

Da Acessão Art. 1.248 NCC

Como o nome está dizendo, acessão é acréscimo. É algo que incorpora

ao imóvel. Você é o proprietário de um imóvel e tem essa propriedade

aumentada com uma acessão e você adquire a propriedade dessa acessão. O

Código enumera 5 modalidades de acessão. Portanto, você pode adquirir a

propriedade imóvel:

pela formação de ilhas;

pelo aluvião; fatos

pela avulsão; naturais

pelo abandono do álvio e

através de plantações e construções feitas no seu imóvel por 3ºs.

(fato humano)

As 4 primeiras hipóteses são aquisições que decorrem, geralmente,

de fatos naturais. Já nas plantações e construções, a aquisição se dá por fato

humano.

Das Ilhas – Art. 1.249, NCC

É um fenômeno natural, o curso da água pode forma em seu leito uma

ilha. Claro que isso só se admite em caráter permanente, não se trata de um

ajuntamento de materiais sólidos, que depois são novamente carregados pela

Page 2: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

corrente. E aí se pergunta: A quem pertencerá a ilha que se forma no curso

de um rio? A 1ª preocupação é saber se o rio é público ou particular. O rio

público é aquele cujas águas são navegáveis.

Todo rio navegável é um rio público, portanto, suas águas não

pertencem a ninguém. Já os rios particulares são aqueles não navegáveis e

que constam em terrenos particulares. As ilhas que se formam nos rios

públicos também são públicas, pertencerão à União. Já as ilhas que se formam

nos rios particulares pertencerão ao proprietário do imóvel onde o rio corta.

Então, se eu tenho uma fazenda cortada por um rio não navegável, e

nesse rio forma-se uma ilha, ela passará a me pertencer, porque o rio corta a

minha fazenda.

As coisas começam a se complicar quando as margens do rio

pertencem a proprietários diferentes. Uma margem pertence a A e a outra

pertence a B.

Por exemplo:

A Ilha pertencente a A Pertence a A Linha

Imaginária

B Pertence a B Ilha pertencente a B

A solução é dividir o rio por uma linha imaginária. As ilhas que se

formam inteiramente numa das metades pertencerão ao proprietário

Page 3: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

marginal. Para resolver o problema da ilha que vem cortada pela linha divisória,

se estabelece um condomínio legal ou necessário (imposto por lei), cada

proprietário ficará com a parte da ilha que couber na sua metade; e aí se

aplicam as regras comuns de condomínio.

Uma outra situação complicada que o Código também responde é a

seguinte

A B C D Linha Imaginária

E F G H ilha

Há vários proprietários cujos imóveis dão frente para a ilha. Como

dividir esta ilha? Vai se estabelecer um condomínio e cada proprietário

marginal (proprietário de margem) terá a propriedade da parte da ilha, que

ficar na metade do rio correspondente, e na projeção da testada de seus

lotes. Aí se aplica a chamada: projeção das testadas.

Essa matéria está disciplinada numa lei especial, chamada CÓDIGO

DE ÁGUAS – Dec. 24.643/34, que é uma lei antiquíssima, de 1934, cujo autor

do projeto foi o famoso prof. Alfredo Valadão, pai do também famoso jurista

Haroldo Valadão. O prof. Alfredo Valadão era diplomata, embaixador do

Brasil e foi autor do projeto, que resultou no Código de Águas, que é

considerado, podemos nos orgulhar disso, dos melhores do mundo, por isso

sobrevive desde 1934. Foi tão bem efeito o Código de Águas, que está

Page 4: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

resistindo até hoje. E lá tem todo um capítulo disciplinando a formação de

ilhas. Aí os alunos perguntam: por que se repete isso no Código Civil? O Código

Civil estabelece apenas os princípios gerais e o Código de águas desce a

maiores detalhes.

Da Aluvião – Art. 1.250, NCC

É o 2º modo de adquirir a propriedade por acessão. O aluvião é um

fenômeno lento, imperceptível, que as vezes leva décadas para se perceber.

E consiste no depósito progressivo de materiais sólidos feitos por um rio num

ponto de sua margem.

As águas do rio vai carregando arei, galhos de árvores, folhas,

detritos etc. Num determinado ponto do rio, geralmente numa curva, esse

material vai sendo depositado. No início nem se percebe, é preciso muito

tempo para que se comece a formar ali uma prainha e depois este acréscimo

se consolida chamado aluvião.

A quem pertencerá este acréscimo? Aí há uma diferença fundamental

entre a formação de ilhas e o aluvião; é que na formação de ilhas é necessário

saber se o rio é público ou particular, porque, como já foi dito, as ilhas

formadas nos rios públicos também são públicas. Mas o aluvião sempre

pertencerá ao proprietário marginal, ainda que se forme no Amazonas, no São

Francisco, no Paraná ou em qualquer outro rio público.

Isso é uma armadilha para prova, por exemplo: A quem pertencerá o

aluvião formado pelo rio São Francisco, que é público? Pertencerá ao

proprietário da margem onde ele se formou. E se ele se formar diante de

Page 5: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

várias propriedades? Aplica-se o mesmo princípio das ilhas: a projeção das

testadas.

A B C D aluvião

E mais uma vez se estabelece um condomínio legal ou necessário.

Tanto quanto a formação de ilhas quanto o aluvião é um modo

originário de adquirir a propriedade gratuito. Até porque no aluvião você não

tem a menor possibilidade de saber a quem pertencia os materiais que

formaram o aluvião, o mesmo em relação as ilhas.

Da Avulsão – Art. 1.251, NCC

É o 3º modo de adquirir a propriedade imóvel por acessão.

Qual seria a diferença entre o aluvião e a avulsão? Ambos são

fenômenos naturais, ambos constituem acessão. É que o aluvião é um

fenômeno lento, progressivo, quase imperceptível, levando as vezes, décadas

e décadas até que se perceba, enquanto a avulsão é um fenômeno brutal, que

logo se percebe instantaneamente. A avulsão é representada pelo

arrancamento de um pedaço da margem do rio, que caprichosamente vai

aderir a uma outra propriedade, as vezes a quilômetros de distância na

frente. É evidente que isso só acontece nos grandes rios caudalosos.

Page 6: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

O NCC, a todo momento, se refere a palavra “prédio”, significando

terreno. Na linguagem comum, prédio é sinônimo de edifício, e terreno baldio

para o leigo jamais será um prédio. Em direito prédio é um imóvel – vem do

direito romano – predium – solo). O solo é o predium, portanto, para o NCC,

quando ele se refere a prédio, estejam certos, tanto pode ser um terreno

baldio quanto um edifício de 40 andares. Ambos são prédio para o direito.

Mas isso é difícil explicar para o leigo. Para os romanos e para nós o solo é o

prédio, o edifício é uma acessão ao prédio.

Então, a avulsão é um fenômeno repentino, brutal, instantâneo. Há

outras enormes diferenças entre o aluvião e a avulsão. No caso da avulsão

também tanto faz se o rio é público ou particular. Se o rio Amazonas arranca

um pedaço de uma margem e vai se depositar em outra, o proprietário do

terreno onde esse pedaço aderiu vai adquirir a propriedade sobre ele, mesmo

que o rio seja público. Portanto, só na formação de ilhas é que vocês terão

que ver se o rio é público ou particular. No aluvião e na avulsão na precisa se

preocupar com isso.

Mas há outra diferença enorme: é que no aluvião não há o menor

hipótese de se identificar de onde teria vindo os materiais que o formaram,

por isso não há como se falar em indenização. Mas na avulsão é possível, e até

é relativamente fácil, identificar de onde veio, fica a cicatriz na margem, a

sequela, os sinais do arrancamento. E, como se não bastasse, é possível que

neste pedaço de terra haja outros bens. Ex.: Nas grandes pororocas, no

Amazonas, muitas vezes são arrancados pedaços de terra que vai junto boi,

um curral, uma casa etc. Neste caso, o proprietário que puder identificar os

seus bens, poderá exigir daquele o qual os bens aderiram a sua devolução ou

a sua indenização se ele não quiser devolver.

Page 7: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

O NCC dispõe que se o proprietário que recebe o pedaço de terra não

quiser pagar a indenização, terá que consentir na sua remoção. (parágrafo

único do art. 1.251).

O proprietário prejudicado pela avulsão tem 1 ano para reclamar esta

devolução ou indenização. Esse prazo é decadencial. Ou seja, se passar 1 ano

da avulsão, o proprietário beneficiado pela avulsão pode dormir tranquilo

porque nunca mais poderá ser incomodado para devolver os bens. (art. 1.251).

Portanto, a aquisição na avulsão pode ser gratuita como onerosa, pois o

proprietário beneficiado poderá ter que indenizar aquele que ficou

prejudicado.

Então, o aluvião é sempre gratuito, pois não há como saber quem era

o proprietário anterior, mas a avulsão pode ser gratuita ou onerosa.

Do Álveo abandonado – Art. 1.252, NCC

É o 4º modo de adquirir a propriedade por acessão.

Se o rio corre por um terreno particular o proprietário do terreno

passa a ser proprietário do álveo abandonado, mesmo que o rio seja público.

Então, se o rio secar ou mudar de rumo, os proprietários dos

terrenos marginais adquirirão o álveo. Se são proprietários diferentes das

margens, divide-se o álveo ao meio e cada proprietário ficará com a metade

do álveo que corresponder a sua margem. Esse abandono do álveo pode se dar

por fenômenos naturais, como a seca, terremotos, movimentos geográficos

Page 8: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

que mudam o curso do rio, como pode se dar por obra humana, como uma

barragem.

Essas hipóteses de acessão estudadas até aqui não são muito

frequentes e não tem um grande significado econômico. Porém, o 5º modo de

aquisição da propriedade por acessão – plantações e construções – podem ter

grande valor econômico e acontecem com muito maior frequência. É o caso de

pessoas que constroem em imóveis alheios e aí precisa se saber a quem

pertencem essa acessão.

É de maior importância prática o conhecimento da aquisição da

propriedade de imóvel por plantações ou por construções.

1º - quando o sujeito constrói em terreno próprio, mas usando sementes ou

materiais de construção alheios, ex.: no meu próprio terreno eu planto

milharal do terreno do meu vizinho; ex.: construo casa no meu terreno,

usando tijolos e material e cimento do meu vizinho ou de terceiro.

Pergunta-se, então:

A quem pertence a plantação, ou a casa construída? Já que o proprietário da

plantação ou da construção é um, e o proprietário das sementes ou do material

de construção é outro. Essa não é a hipótese mais frequente. Mais frequente

é a outra: quando alguém planta ou constrói em terreno alheio, usando

sementes e material próprios. A pergunta é a mesma: a quem pertencerá a

plantação ou a construção, se o que não lhe pertence estiver abandonado; tem

apenas que indenizar pelo seu valor. Isto porque não haveria nenhum

interesse social ou econômico em devolver as sementes ou o material de

construção, cabendo assim a indenização. Mas, se aquele que plantou ou

Page 9: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

construiu em seu próprio terreno, usando de má-fé sementes ou materiais

alheios, ou que não têm dono, mas não é ele o dono, que não estão abandonados,

ele terá que indenizar pelo seu valor. E pagar perdas e danos.

Uma vez um aluno perguntou por um exemplo de perdas e danos, e eu

dei a ele o exemplo de ter usado em seu próprio terreno sementes ou

materiais de construção alheios, usando de má-fé, porque essas sementes ou

materiais não existem mais no mercado. Aí, então, além de pagar a

indenização das sementes e materiais alheios, há que se pagar por perdas e

danos, porque, não existindo mais no mercado, o proprietário das sementes

ou materiais de construção não teria condições de repô-los.

Essa é a grande diferença entre boa-fé ou má-fé na construção ou

plantação em terreno próprio, usando sementes ou materiais alheios. Em

ambos há que se indenizar pelo valor, mas na má-fé há que se responder por

perdas e danos, que será apurado caso a caso, diante da situação concreta.

Como vocês vêem, essa hipótese é fácil de ser resolvida, e também não

é muito frequente. Mais frequente e desafiadora é a 2ª hipótese, quando

alguém planta ou constrói em terreno alheio. Mais uma vez a solução

dependerá da boa-fé ou da má-fé de quem plantou ou construiu em terreno

alheio.

Pelo princípio de que o acessório segue o principal, é óbvio que, se eu

construí ou plantei em terreno alheio, perqueri a propriedade da plantação ou

da construção que passarão a pertencer ao proprietário do solo, porque nunca

o legislador permitirá que o solo pertença a um e a acessão a outro, que

gerará, certamente, terríveis conflitos. Então, a regra geral é essa: quem

Page 10: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

planta ou constrói em terreno alheio, mesmo que com suas sementes e seu

material, perde a propriedade do que plantou ou construiu para o proprietário

do solo. Agora, se eu construí ou plantei em solo alheio, de boa-fé, pensando

que aquele solo me pertence ou que não pertence a ninguém, eu perderei a

propriedade, mas poderei reclamar a indenização do valor das sementes ou

do valor dos materiais da construção, portanto aquele que plantou ou

construiu de boa-fé em terreno alheio recuperará o valor das sementes ou da

construção. O código não fala claramente. Uma corrente mais tradicional

entendia que só seriam indenizáveis apenas o material usado na construção e,

por analogia, as sementes, mas a corrente mais moderna entendia que só

seriam indenizáveis o material de construção, por analogia, as sementes, mas

a corrente mais moderna entende que o espírito da lei foi indenizar tudo o

que se dispendeu para a construção, incluindo aí a mão-de-obra sem a qual não

se faria a construção, mas o código não dá uma resposta muito clara a esse

respeito.

E, se o proprietário do solo não tiver recursos para pagar essa

indenização? Já houve caso de se alienar o imóvel para se pagar a indenização

o que pode realmente parecer injusto, mas não há outra solução possível.

Agora, se quem plantou ou construiu em terreno alheio de má-fé,

perderá a propriedade da plantação ou da construção, sem direito a qualquer

indenização. Portanto a plantação e a construção passarão gratuitamente a

propriedade de proprietário do solo, confirmando aquilo que eu tenho lhes

dito: a lei protege aquele que age de boa-fé e pune o que age de má-fé. Muitos

perguntarão se esta solução não traduziria um enriquecimento sem causa, ou

seja o proprietário do solo estaria adquirindo uma plantação ou uma

construção sem nada dispender. Não é um enriquecimento sem causa justa,

Page 11: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

porque a causa justa é a má-fé de quem assim procedeu, portanto quem planta

e constrói em terreno alheio, sabendo que o terreno é alheio, e me perdoem

a comparação aparentemente grosseira, é o mesmo que, como diz o jargão,

fazer filho em mulher alheia; portanto, se eu plantar ou construir em terreno,

sabendo que e alheio, eu perco não só a propriedade do que plantei ou construí,

como também perco qualquer indenização do que dispendi.

O código passado parava aí, mas ainda havia uma outra hipótese; é

quando tanto o plantador ou construtor quanto o proprietário do solo estavam

ambos de má-fé. Parece estranho à primeira vista. E quando é que o

proprietário do terreno está de má-fé? É quando , percebendo o início do que

estão plantando ou construindo em seu terreno, nada faz para obstar a

plantação ou construção, deixando que tudo se conclua sem nada pagar, por

exemplo: o proprietário de um terreno baldio que passa pela frente da sua

moradia, percebe que um estranho começa a pontuar em seu terreno uma

construção, e já começa a empilhar tijolos e materiais de construção. No dia

seguinte, o proprietário passa de novo pelo seu terreno e verifica que o

estranho já empilha sacos de cimento e começa a fazer buracos para

construção, certamente para assentamento dos alicerces. No dia seguinte,

verifica que a obra prossegue. O que faria um homem comum? Certamente

interpelaria esse estranho e perguntaria o que ele estava fazendo em seu

terreno, e lhe diria: pare com essa obra porque este terreno é meu, e, se não

parar, providenciarei o interdito possessório, para impedir a continuação

desse esbulho. Mas, ao contrário, que faz esse proprietário? NADA FAZ.

Ainda passa a acompanhar a obra e a fazer algumas sugestões: acabamento

em mármore, sugere construção de piscina, e deixaria a obra acabar, para,

então, apresentar-se como proprietário do terreno, e ficaria também com a

propriedade de tudo o que foi construído, sem nada pagar. Neste caso,

Page 12: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

compensam-se as más-fés; e qual seria a solução? A propriedade da

construção passa para o proprietário do terreno, mas este terá que indenizar

o construtor das despesas dos materiais, como se fosse uma compensação da

má-fé (só os materiais ou só as sementes como indenização).

Só que o código passado parava aí, e não cuidava de uma hipótese muito

mais comum, e, que por isso mesmo, gerava grande perplexidade. É quando

alguém constrói ou planta, invadindo o terreno alheio, parcialmente, porque o

código passado só tratava, quando a plantação ou construção era feita

totalmente em terreno alheio.

O legislador do passado esqueceu esta outra hipótese. Eu construo no

meu terreno, mas um pedaço da casa invadiu o terreno vizinho. Uma quina da

casa ou a plantação se estendeu à propriedade vizinha, ultrapassando a linha

divisa, mas nem a construção nem a plantação ocuparam área totalmente no

terreno vizinho, apenas uma parte dele. Nada havia no código. Apenas a

jurisprudência exigia a demolição do construído ou a destruição do plantado.

Se, por acaso, acontecesse de um pedaço da casa invadir o meu terreno, eu

entrava com uma ação de demolição da parte invadida, ou eu impedia a

continuação da obra com uma ação de nunciação de obra nova, ou seja, se a

obra ainda não estivesse concluída, eu faria uma ação de nunciação de obra

nova, visando a suspender a obra; e, se estivesse concluída, faria uma ação

demolitória, visando à demolição. Mas nem sempre essa é a melhor solução,

nem social nem economicamente, ao contrário, é uma solução que quase

sempre não satisfaz a qualquer das partes. NÃO É SOCIALMENTE ÚTIL.

Page 13: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

O novo código, em boa hora, enfrentou essa questão e, na minha,

opinião, deu uma solução bastante razoável. Eu chamo a atenção de vocês

para esta solução que resolverá diversos conflitos.

1ª preocupação: verificar se a invasão do terreno alheio foi inferior a 1/20

(um vigésimo) da área do terreno alheio - o código trata de pequena invasão

- Art. 1258 CC/02. Se quem invadiu o terreno alheio, mas não ultrapassou

um vigésimo, está de boa-fé; ele adquire a propriedade da parte invadida, e

indenizará o proprietário pelo valor proporcional dessa área e a

desvalorização do valor remanescente, ou seja, ele indenizará o proprietário

vizinho pelo valor da parte invadida.

Assim, se a invasão foi de 10% ( dez por cento ), com o valor do terreno,

tem-se o valor dessa área, com regra de três, e, além disso, indenizará a

desvalorização remanescente, porque é claro que a área remanescente

diminuirá um pouco de valor venal. Agora, ele adquirirá a propriedade da área

invadida, se a construção exceder o valor do terreno, o que normalmente

acontece. E vejam o tratamento social. Socialmente, esta área é melhor, passa

a pertencer a quem de boa-fé construiu nela, porque de que adiantaria demolir

um pedaço da casa, o que inviabilizaria, na maioria das vezes, até inviabilizar

a manutenção da construção. Então é uma solução que me parece socialmente

justa. Agora, se quem invadiu o imóvel do vizinho, em menos de um vigésimo

e usou de má-fé, pagará em décuplo esta indenização, ou seja, ele adquirirá a

área invadida, mas ele pagará a indenização em décuplo. Olhem a pesada

sanção que se comina a quem agiu de má-fé. Aí está a invasão em terreno

alheio inferior a um vigésimo do terreno; se foi de boa-fé, ele ficará com a

parte invadida, mas pagará por ela o valor, e pagará a desvalorização

Page 14: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

remanescente; e se for de má-fé, pagará o décuplo do valor e ficará com a

parte invadida.

2ª preocupação: a invasão do terreno alheio foi superior a um vigésimo, de

grande monta. Aí é o art. 1259 CC/02. Aí já é um problema diferente. Mesmo

de boa-fé, quem invadiu adquirirá a propriedade do solo invadido, mas agora

pagará perdas e danos, ou seja, pagará o valor do solo invadido mais perdas e

danos, e essas perdas e danos correspondem à desvalorização maior do

próprio imóvel a dez vezes a sua inviabilidade econômica. Muitas vezes o

proprietário vizinho não pode mais construir em seu terreno, porque não lhe

sobra mais área suficiente. Então, aí, não basta indenizar a desvalorização; aí

entram perdas e danos que, é claro, serão apuradas com perícia. Aí é

interessante, porque, mesmo de boa-fé, o invasor pagará por perdas e danos.

E se fosse de má-fé? O legislador nunca iguala boa-fé com má-fé. A solução

é draconiana. Quem construiu mais de um vigésimo de má-fé terá que demolir

o que construiu. Não adquirirá a propriedade. Aí o vizinho poderá exigir a

demolição do que invadiu o seu terreno.

Vejam, então, que o legislador deu respostas a todas as hipóteses.

Podemos, até, não concordar com as soluções adotadas. Mas, pelo menos,

agora não há mais omissão. Agora o juiz tem no código as soluções para esses

problemas. Caberia a pergunta: por que, mesmo sendo invasor de boa-fé,

pagará perdas e danos. O legislador entendeu que, se você foi negligente em

não obedecer convenientemente a divisa, numa pequena invasão isto pode ter

resultado de uma confusão dos marcos.

Com isso, meus amigos, encerramos, minuciosamente, o estudo dos

modos de adquirir a propriedade imóvel.

Page 15: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL

Nós já dissemos que o código trata de maneira diferente a aquisição

da propriedade imóvel e da propriedade móvel. A aquisição da propriedade

imóvel é cercada de muito maior cuidado, muito maior controle, maior rigidez

das solenidades. Por isso, o código separa os modos, maneiras de aquisição.

O primeiro deles é a USUCAPIÃO, que é comum, ou seja, pela

usucapião tanto se pode adquirir a propriedade móvel quanto a propriedade

imóvel, e os requisitos são, rigorosamente, os mesmos, a não ser quanto ao

tempo.

A aquisição da propriedade móvel pela usucapião também depende da

posse contínua da coisa móvel, e de uma posse mansa e pacífica, e também

exercida “animus domini”. São, portanto, os mesmíssimos requisitos exigidos

para os imóveis, ou seja:

. posse contínua;

. posse mansa e pacífica;

. exercida com animus domini.

A única diferença é o prazo, que é muito menor, em se tratando de

coisa móvel, enquanto que, para os imóveis, a usucapião extraordinária do

possuidor de má-fé exige, hoje, 15 (quinze) anos, ou 10 (dez) anos, se o

possuidor de má-fé instalou no imóvel a sua morada habitual, ou o tornou

produtivo, em se tratando de imóvel; mesmo possuidor de má-fé, pode

adquirir a propriedade com apenas 5 (cinco) anos; e, se estiver de boa-fé, com

apenas 3 (três) anos. Eis a diferença significativa – de 15 (quinze) anos e 10

Page 16: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

(dez) anos, passa-se para 5 (cinco) anos e 3 (três) anos. No mais, todos os

comentários que fiz para os imóveis se aplicam para os móveis.

O segundo modo de adquirir a propriedade móvel é a OCUPAÇÃO. É o

modo de adquirir a propriedade das coisas móveis que nunca pertenceram a

ninguém ou estão abandonadas, ou seja, a res nullius e a res derelicta:

- res nullius = coisa de ninguém

- res derelicta = coisa abandonada.

“Res nullius” são aquelas coisas móveis que nunca tiveram proprietário,

exemplo: concha marinha que o mar atira na praia, um animal selvagem, são

coisas que nunca pertenceram a ninguém – res nullius.

Já, coisas abandonadas são aquelas que já pertenceram a alguém, já

tiveram dono, mas que não mais se interessou em mantê-las em seu

patrimônio, preferiu então renunciar à propriedade, abandonando essas

coisas. Elas passam a ser “res derelicta” - coisas abandonadas - que não se

confundem com coisas extraviadas que são suscetíveis de ocupação. As coisas

extraviadas continuam tendo proprietário. O proprietário não tinha a

intenção de demitir-se da propriedade, portanto a coisa extraviada continua

a pertencer ao seu titular, por isso não são suscetíveis à ocupação.

A ocupação é privativa da “res nullius” e da “res derelicta”, ou seja, das

coisas móveis que nunca pertenceram a alguém, que nunca foram abandonadas.

Qualquer pessoa pode, então, assenhorear-se, apropriar-se dessas coisas.

Acrescentá-las ao seu patrimônio através da ocupação. Então, se eu vou

caminhando pela praia e vejo essa concha que o mar atirou na areia, eu me

abaixo e pego a concha, porque gostei do seu formato e das suas cores, levo

Page 17: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

para minha casa para enfeitar um móvel, eu acabei de ocupar essa concha, e

adquirir a sua propriedade. Ela, que antes desse ato jurídico, não pertencia a

alguém, passou agora a pertencer a mim. Esse ato jurídico se chama,

tecnicamente, ocupação. Na linguagem comum, a palavra ocupação tem outro

significado, e muito mais usado para imóveis, quando é exatamente o oposto.

A ocupação só se verifica, em relação aos móveis. Não há aquisição de

propriedade imóvel por ocupação.

A ocupação é um ato jurídico “stricto sensu” e material. É um ato

jurídico, e, não, um negócio jurídico, porque o resultado da manifestação da

vontade do agente já está previsto em lei, e esse resultado é a aquisição da

propriedade. Toda vez que a vontade manda produzir resultados já previstos

em lei, isso é um ato jurídico e, não, um, negócio jurídico, portanto a ocupação

é um exemplo típico de ato jurídico e material, e, não, participativo, porque,

na ocupação, a lei não exige que o ocupante leve ao conhecimento de terceiros

a sua vontade, ou seja, eu posso abaixar-me, pegar a concha, levar para casa,

adquirindo-lhe a propriedade, não tendo que comunicar isso a quem quer que

seja. Eu não estou proibido de fazê-lo, mas também não estou obrigado a

fazê-lo. Isso é que se chama ato jurídico material. Já o ato jurídico

participativo é aquele que se pratica com a intenção de comunicá-lo a

terceiro, de levá-lo ao conhecimento de terceiro, por exemplo: a citação do

réu, de uma interpelação de devedor. Também a ocupação traduz um modo

originário e gratuito de adquirir a propriedade móvel:

Originário - porque a propriedade não é transferida ao ocupante por um

proprietário anterior, porque proprietário anterior não existe, nesse

momento. Se a coisa nunca pertenceu a alguém, é evidente que nunca poderia

ter havido um proprietário anterior, um titular da propriedade anterior, para

Page 18: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

transferi-la ao adquirente. Se ela estava abandonada, no momento em que ela

foi abandonada, passa a não ter mais proprietário, então é um modo originário

de adquirir a propriedade;

Gratuito - porque é óbvio que quem está ocupando uma coisa que nunca

pertenceu a alguém e está abandonada não tem algum preço a pagar, nenhuma

contraprestação a pagar por ela, até porque não teria a quem pagar.

Então, a ocupação é um ato jurídico material, e uma forma originária e

gratuita de adquirir a propriedade móvel. Ela não exige nenhuma outra

solenidade; basta que eu pegue a coisa móvel e leve para casa, acrescentando-

a ao meu patrimônio, incorporando ao patrimônio.

Mas nem todas as coisas que não têm dono são passíveis de ocupação,

são objeto de ocupação. Há coisas que eu não posso ocupar, por exemplo:

poços minerais... determinadas coisas móveis que, por interesse científico,

cultural, ou até por segurança nacional, não podem pertencer a particulares.

Então, se na floresta eu encontrar um fóssil, eu não posso, simplesmente,

pegá-lo e levá-lo para casa; eu terei que entregá-lo a uma autoridade pública,

dado o interesse cultural de que essa coisa se reveste. Por isso é que o código

diz: quem se assenhorear de coisa sem dono, tão logo lhe adquire a

propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei. É o Art. 1263 CC/02.

Isso quer dizer que há coisas que não pertencem a alguém, mas que também

não podem ser ocupadas.

O que preocupa o aluno é saber se a coisa está abandonada ou

extraviada. Como saber? Porque, se ela está abandonada, eu posso ocupá-la.

Page 19: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Se ela está extraviada, eu não posso ocupá-la, ao contrário, eu tenho que

diligenciar e descobrir o proprietário e devolvê-la.

RESPOSTA: é de Ihering. Ele disse que só há um meio de se chegar a uma

conclusão; é pela experiência comum , dos fatos da vida. Aquilo que Ihering

chamou de situação de normalidade da coisa perante o meio em está inserida.

É aí que Ihering dá aquele famoso exemplo do viajante que segue por uma

estrada, e passa diante de um campo de feno, arado; e, pela margem da

estrada, um molho de feno amarrado, mas sem alguma placa indicando quem é

o proprietário, sem ninguém ao lado para guardar. Diz Ihering que o homem

normal não toca nesse molho de feno; ele sabe que não está extraviado, nem

está abandonado. Ele vê que, se ele está diante de um campo arado, ele

pertence ao proprietário do campo, que deve ter acabado de colhê-lo, e deve

estar aguardando transporte; então ele percebe que aquele molho de feno

está em situação de normalidade. É normal que, diante de um campo de feno

arado, se encontrem molhos de feno amarrado, defronte dele.

Continua Ihering: o homem continua a caminhar no campo, e passa

diante de uma casa em construção e vê, na margem da estrada, um monte de

tijolos, sem nenhum cartaz dizendo a quem pertencem aqueles tijolos; não há

alguém ao seu lado, dizendo para guardá-lo. O homem normal continua o seu

caminho sem tocar nos tijolos; ele sabe que eles não estão nem abandonados

nem extraviados; eles estão em situação de normalidade; ele sabe que, diante

da obra de uma casa em construção, é normal montes de tijolos. A presunção

é que os tijolos pertencerão a quem estiver efetuando a construção.

E, aí, diz Ihering, o homem continua a caminhar, e percebe, logo

adiante, um reflexo luminoso na margem da estrada. Curioso, se aproxima e

percebe que é uma cigarreira de prata. Esse homem, que não tocou no feno,

Page 20: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

não tocou nos tijolos. Imediatamente, ele vai se abaixar, vai pegar a

cigarreira, e vai procurar o seu proprietário, porque o homem normal sabe que

aquela cigarreira não está em situação de normalidade, porque cigarreira de

prata, repetindo Ihering, não é para estar jogada na estrada, e, sim, para ser

guardada em uma gaveta, ou no bolso do seu proprietário. Se ela está na

margem da estrada é porque ela está extraviada. Aí ele percebe que a

cigarreira de prata está extraviada. O homem continua a caminhar na estrada

e percebe algumas mangas no chão caídas de uma árvore de um terreno

particular. Ora, essas mangas pertencem, em princípio, ao proprietário da

mangueira. Mas, como elas estão caídas na estrada, e o proprietário, ao que

tudo indica, não se interessou em colhê-las, esse homem normal não tem

dúvidas em recolhê-las, e levá-las para casa, porque o homem percebe que as

mangas do chão estão abandonadas, por causa do seu pequeno valor. O

proprietário delas não se deu ao trabalho de recolhê-las. Então, o homem

normal pode ocupar as mangas, e vai procurar o proprietário das cigarreiras.

São exemplos de Ihering.

De vez em quando, os jornais publicam: “MST OCUPOU MAIS UMA

FAZENDA”. O termo não é ocupou , porque ocupar ele quereria dizer que ele

adquiriu a propriedade da coisa abandonada, ou que nunca pertenceu a alguém.

Aí seria invadiu, ou esbulhou; na linguagem popular a palavra ocupar tem esse

outro sentido, e se refere mais a imóvel, ocupar uma casa, ocupar um terreno,

e não no sentido de adquirir a propriedade, e, sim, no sentido de adquirir a

posse. Você pode ocupar um terreno; aí você não está adquirindo a

propriedade, você está adquirindo a posse, porque você não adquire a

propriedade; com ocupação você está adquirindo é a posse.

Page 21: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Então, quanto à ocupação, nós já examinamos o seu significado e as suas

conseqüências na aquisição da propriedade.

Vejam como o direito dá significado jurídico a todos os atos humanos.

O leigo não vislumbraria o ato jurídico no fato corriqueiro de um sujeito

andando na praia, abaixar-se, pegar uma concha e colocá-la no bolso. Já o

advogado diria: eis a ocupação; eis a aquisição por ocupação de uma

propriedade móvel.

Em um ônibus, alguém pegar uma carteira perdida: “Olha! Uma

descoberta!”. Num supermercado, a dona de casa escolhe e pega um tomate

do balcão: “Olha! A concentração de um débito; a obrigação de dar coisa

incerta”. A dona de casa diz: “Eu não estou comprando tomates; estou

concentrando débitos na obrigação de dar coisa incerta”. Há uma linguagem

jurídica própria para os atos humanos. Passa um cachorrinho: “Olha! Lá vai um

semovente”.kkkkkkkkkkkkkkkk rindo alto.

Vimos, até aqui, dois modos de adquirir a propriedade móvel:

- pela usucapião

- pela ocupação.

O terceiro é do ACHADO DO TESOURO. E, aí, há uma outra mudança:

no código passado, era do TESOURO. Beviláqua usou a forma arcaica

portuguesa da palavra tesouro. Dirão vocês: “Tesouro não é uma coisa

abandonada?” Por que tratar diferente? Por que se fala na ocupação na

descoberta e se separa na hipótese de quando se fala do achado do tesouro

É porque o tesouro, meus amigos, não é uma coisa qualquer. O código dá uma

Page 22: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

definição de tesouro. O que é um tesouro que pode ser objeto de achado? É

o depósito antigo de coisas preciosas.

É o 1º requisito: tesouro é composto de coisas preciosas, e antigas. Antiga

pode ser 500 (quinhentos), 100 (cem) anos; não é fixado; isso faz parte da

experiência comum. Então, é o depósito antigo de coisas preciosas.

O 2º requisito é que esteja oculto, pelo menos tem que estar demonstrado

que a intenção do dono é escondê-lo. Por isso é que, normalmente, todo

tesouro é encontrado escondido, enterrado, ou no fundo de cavernas.

O outro requisito é que não seja possível identificar o dono; não haja notícia

do dono; não haja memória do dono; não haja notícia de propriedade. Isso é

que é tesouro. Então, um depósito, antigo, de coisas preciosas, oculto, de cujo

dono não haja memória. Se for possível identificar o dono, ou seus herdeiros,

será uma coisa extraviada, terá de ser devolvida. Só será tesouro suscetível

de apropriação, se não for possível, ou não houver a memória do dono. E aí? O

que vai acontecer com quem achar um tesouro? Aí o código dá as regras:

-> Se quem achar um tesouro, em imóvel alheio, o fizer casualmente, por

exemplo: eu fui passar as férias na fazenda de um amigo, numa extensa

área rural. Quando eu estou lá, sem ter algo para fazer durante um mês,

eu resolvo peregrinar pela fazenda. Em uma de minhas andanças, eu me

vejo em uma gruta, até então desconhecida. Entro, e, lá, descubro um

tesouro, ou seja, eu encontrei um tesouro, em terreno alheio, e,

casualmente. É claro que, se encontro tesouro no próprio terreno, não

resta a menor dúvida quanto ao destino de tesouro: divide-se metade para

quem achou o tesouro, metade para o dono do solo. Agora, se quem achou

Page 23: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

o tesouro é um empregado do dono do solo, ou alguém incumbido por ele

de procurar o tesouro, aí, é claro que o tesouro pertencerá, inteiramente,

ao proprietário do solo, porque quem achou estava se diligenciando para

esse fim, a mando do proprietário do solo. É o caso, por exemplo:

-> O proprietário de uma fazenda teve uma indicação, porque achou um

pergaminho que indicava que havia um tesouro naquele terreno, lá

enterrado. Então, ele contrata 10 (dez) homens para cavar o terreno todo

para encontrar o tesouro, e um deles encontra. Ele não pode reclamar

metade do tesouro, porque não o encontrou casualmente, ele encontrou

porque ele estava contratado pelo proprietário do solo para encontrá-lo.

É por isso que o artigo anterior fala “casualmente”. Da mesma maneira, se

eu não estava autorizado pelo proprietário a procurar o tesouro, se eu

entrei no terreno alheio sem o conhecimento do proprietário, e, lá, eu acho

o tesouro, ele pertencerá inteiramente ao proprietário do solo.

Nota 1: o “casualmente” quer dizer: sem oposição do proprietário, porque,

se há oposição do proprietário ou sem o conhecimento do proprietário, o

tesouro pertencerá integralmente ao proprietário do solo.

Nota 2: o caso concreto vai depender sempre do juiz. O novo código permite

ao juiz esta maior discricionariedade. Diante do caso concreto, com as regras

da experiência comum, o juiz decidirá se aquilo foi um achado casual, sem

oposição do proprietário, ou se, ao contrário, o descobridor infringiu a

confiança do proprietário, entrou sorrateiramente no imóvel.

Finalmente, a última hipótese, quando o tesouro é encontrado em um

terreno aforado. Aí, se o tesouro é encontrado casualmente, em um terreno

Page 24: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

aforado, o tesouro pertencerá metade a quem o encontrou e metade ao

foreiro, e, não, ao proprietário. É uma regra diferente. Se o terreno é

aforado, e alguém ali encontrou um tesouro, casualmente, a metade do

tesouro será do descobridor, e a outra metade é do foreiro, e, não, para o

proprietário do terreno.

Quanto à questão do fundo do mar, vou acabar com desenho animado,

com infância de vocês kkkkkkkk, na realidade, não são tesouros, porque

resultam de naufrágios, não houve a intenção de ocultar, até porque o fundo

do mar tem legislação própria; quando é no fundo do mar, pertence à União;

quando é em mar territorial, então seria metade do descobridor, e metade da

União. Quando em mar livre, ai é de quem descobriu.

O outro modo de adquirir a propriedade móvel é a TRADIÇÃO. É

importantíssimo! Acho até que é o modo mais comum de todos. A tradição é

o modo de se adquirir a propriedade móvel por ato intervivos:

- compra e venda

- permuta

- dação em pagamento

- doação

- alienação (onerosa ou gratuita).

É a tradição que transfere a propriedade, ou seja, o comprador de uma coisa

móvel adquire a propriedade com a tradição desta coisa, ao passo que no

imóvel, como vocês já viram, não basta esta tradição, é preciso o registro do

título. Essa é a grande diferença:

Page 25: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Aquisição de bem móvel por ato intervivos: basta a tradição;

Aquisição de bem imóvel por ato intervivos: além da tradição, é preciso o

registro do título.

Há várias espécies de tradição, transferindo a propriedade. A primeira

é a TRADIÇÃO REAL. Outros preferem chamar de TRADIÇÃO FISICA.

É a coisa que é transferida fisicamente às mãos do adquirente. É a coisa de

pequeno volume, de pequena massa corporal, por exemplo: este código. Se eu

vender este código aqui à nossa colega, eu transferirei a propriedade

simplesmente entregando em suas mãos, e ela pode tomá-lo em suas mãos. O

tamanho e o peso do código permitem isso.

Assim, para as coisas pequenas em massa e volume, costuma-se fazer a

tradição física, real, e, quando eu passo a coisa para as mãos do adquirente,

com esse simples condão, eu estou transferindo a propriedade, não precisa

mais nada. Não precisa uma declaração formal, não precisa de um registro. O

puro gesto de entregar a coisa ao adquirente faz com que ele adquira a

propriedade.

Mas também pode ser uma TRADIÇÃO FICTA, simbólica, e, quando o

transmitente pratica um ato que denote, de maneira inequívoca, a intenção de

transferir a coisa não é transferência, uma entrega real, física, mas pratica-

se um ato, uma conduta que denote, inequivocamente, a intenção de entregar

a coisa e transferir a propriedade; por exemplo: a entrega das chaves do

automóvel vendido que se encontra em outro local. Reparem, eu estou

vendendo, aqui nesta sala o meu carro que está no estacionamento, a metros,

ou, até, a quilômetros daqui; por outro lado, eu também não sei como entregar

um carro nas mãos do adquirente, então o que faz o transmitente: entrega as

Page 26: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

chaves e diz: “Olha, está lá na garagem”; é um gesto inequívoco, eu não preciso

entregar o próprio carro, ou as chaves da casa, embora a casa não seja móvel.

É imóvel, mas também mostra que essa tradição não transfere propriedade

com imóvel, mas, sendo coisa móvel, transfere. Então, a chave do carro

transfere a propriedade do carro, mas a chave da casa, não.

Também colocar a coisa à disposição do adquirente é uma tradição

ficta. Vou dar outro exemplo: eu vendi o carro que está na garagem de minha

casa, e vendi aqui nesta sala. As chaves estão na ignição do carro, ou no quadro

das chaves da garagem, eu não tenho as chaves comigo. Então, eu pego um

cartão e escrevo, dizendo assim: “Senhor porteiro, o portador está

autorizado a levar o meu carro, que eu acabei de vender nesta data”; e

entrego o cartão. Isso é tradição ficta, porque eu já coloquei a coisa à

disposição do adquirente. É um gesto inequívoco de transferir a coisa. Estou

autorizando a pessoa a apanhar a coisa e carregá-la. Então, não é preciso nem

eu pegar as chaves e entregá-las. Basta um bilhete dirigido a quem tem a

guarda das chaves, autorizando entregá-las. Agora, tem que ser um gesto

inequívoco, de transferir a propriedade.

A tradição também pode-se dar pelo CONSTITUTO POSSESSÓRIO.

É o que diz o Art. 1267, § único., por exemplo: eu vendo um automóvel e

combino com o comprador de continuar usando mais uns dias, mas transfiro

desde logo a propriedade. É o que se chama tradição pelo constituto

possessório.

É claro que essa tradição nenhum efeito produzirá, se depois o negócio

vier a ser desfeito, e vier a anular-se; a tradição se tornará ineficaz, não mais

será transmitida a propriedade (o pagamento é apenas uma obrigação da

Page 27: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

compra e venda). Tem nada a ver com tradição. Muita gente pensa que a

compra e venda só se aperfeiçoa quando se entrega a coisa vendida, e se paga

o preço. Não é nem uma coisa nem outra. A compra e venda se aperfeiçoa no

momento do consenso. A entrega da coisa e o pagamento do preço são atos

da execução do contrato, e não do nascimento do contrato. Quando o

vendedor entrega a coisa ao comprador, ele não está fazendo nascer o

contrato de compra e venda, ao contrário, ele está fazendo a execução do

contrato de compra e venda; da mesma forma, quando o comprador paga o

preço, ele não está fazendo nascer o contrato de compra e venda, ao

contrário, quando o comprador paga o preço, ele está executando contrato de

compra e venda, porque contrato de compra e venda, assim como contrato de

doação, e o contrato de permuta, eles nascem no momento do consentimento,

ou seja, eles nascem no momento da aceitação da proposta.

Finalmente, os últimos modos de adquirir a propriedade móvel são:

- a especificação;

- a confusão;

- a comistão;

- a adjunção.

Vou fazer uma revelação: a figura da comistão, que existe desde os

romanos, e que estava lá no código de Beviláqua, e que sempre se chamou

comistão, por passe de mágica, passou a se chamar comissão, mas é um erro

material; continua sendo comistão. Risquem do código:

Comissão ---- NÂO

Comistão ---- SIM

Page 28: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Quando você está trabalhando uma matéria prima de espécie nova, ex.:

você está trabalhando a argila, e resulta daí a cerâmica ou um vidro; você está

trabalhando a areia e resulta daí um cristal. Isto é uma especificação: você

parte de uma matéria prima, e chega a uma espécie nova. É evidente que, se

a matéria prima é sua, a espécie nova também será. O problema é quando eu

construo a cerâmica com a argila do vizinho: o proprietário da cerâmica ou é

o proprietário da argila? O problema é o mesmo que quando eu construo

imóvel no terreno do vizinho. O assunto é resolvido pelo Art. 1269 CC/02,

que privilegia o trabalho o trabalho do especificador, valorizando o trabalho

humano: a arte, a técnica, o engenho, vejam que a matéria prima só em parte

era do especificador. Então, a cerâmica é do especificador, se não puder se

reduzir à forma original. Agora, toda a matéria-prima é alheia. Aí o

especificador tem que indenizar pelo valor da matéria-prima, se agiu de boa-

fé. Agora, se agiu de má-fé e for impraticável retornar à forma original, a

propriedade passará para o proprietário da matéria prima. Se eu sabia e usei

o barro do vizinho, a peça será dele.

Chamo a atenção de vocês para o § 2º do Art. 1270 CC/02, que

trata especificamente da pintura em relação à tela; ou a escultura em relação

à matéria prima; ou o escrito em relação ao papel. A quem pertencerá o

quadro pintado, a estátua esculpida, o escrito: aos proprietários da tela, do

mármore, do papel? É um problema seriíssimo, porque entra o trabalho

intelectual.

Exemplo clássico: um grande pintor, de férias, passeando nas matas do hotel

fazenda onde está hospedado, encontra uma tela em branco, jogada; ele pega

sua maleta, limpa a tela e, por alguns dias, pinta o quadro da bela paisagem. O

quadro vale uma fortuna. A quem pertence? Aí tem regra própria, porque a

Page 29: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

especificação tem valor muito superior à matéria-prima: o quadro é do pintor,

e este terá que indenizar o dono do hotel, por ser dono da tela matéria-prima,

mas é uma exceção.

CONFUSÃO

O termo CONFUSÃO tem dois sentidos, em Direito:

1. confusão no direito das obrigações;

2. confusão nos direitos reais.

A confusão no direito das obrigações é quando as qualidades de credor

e devedor se fundem em uma mesma pessoa, ou seja, a mesma pessoa passa a

ser credora e devedora dela mesma. Eu passo a dever a mim mesmo. Isso é

uma confusão da obrigação. E o resultado jurídico da confusão da obrigação

é a extinção da obrigação sem o pagamento, porque não haveria qualquer

interesse econômico em alguém pagar-se a si mesmo. Em nada alteraria o seu

patrimônio, e o direito não se compadece com atos inúteis. É óbvio que a

confusão das obrigações só surge por um fato subsequente ao nascimento da

obrigação. É óbvio, pois eu não posso, ao longo do dia, pegar um papel e

escrever que “eu pagarei a mim mesmo R$ 1.000,00, ao final do dia”. A

confusão ocorre sempre depois que a obrigação já nasceu.

Exemplo: X emprestou a seu filho R$ 10.000,00, sendo este filho seu único e

universal herdeiro. Antes do vencimento do mútuo, o pai morre. No momento

em que o credor pai morreu, operou-se a confusão. O filho herdou o crédito

que o pai tinha para com ele, filho. É lógico que ocorreu a confusão do direito

Page 30: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

das obrigações, pois é claro que ele não vai pagar os dez mil a ele mesmo, logo

extingue-se a obrigação sem pagamento.

Outro exemplo: o Banco A é credor do Banco B de 1 milhão. Antes do

vencimento, o Banco A incorpora o Banco B, assumindo o seu ativo e o seu

passivo; só que no passivo do Banco B está a dívida de 1 milhão com o Banco

A; então, o Banco A passou a dever a ele mesmo; também se resolve a

obrigação sem o pagamento. Para aquele 1º exemplo, lembro que, quando

minha filha me pede 10 mil emprestados, eu digo: “Filha, se eu jamais vou ver

a cor desse dinheiro, porque você jamais terá a intenção de pagá-lo, por ser

minha única herdeira, e, como você é advogada, o que você me pede não é um

empréstimo, é uma doação.” A não ser que eu fosse judeu, como aquele do

caso Jacob, que emprestou ao seu filho herdeiro Isaac, porque judeu não doa,

nem dá, nem ao filho herdeiro, e o fez com 10% de juro, e, quando soube que

o filho não ia suportar os juros, morreu de enfarte. É pura brincadeira. Que

me desculpem os judeus, pois eu não tenho qualquer tipo de preconceito racial,

nem religioso, nem de cor, nem qualquer preconceito discriminatório.

Também, quando dou aula sobre pagamento de terceiro não

interessado, o exemplo que dou é o meu. É quando o terceiro interessado não

tem obrigação de pagar, nem autorização pelo credor para pagar, mesmo

assim resolve pagar. É quando eu recebo em casa conta do Cantão, para pagar:

“quanto é, minha filha, não quero Cantão na minha porta. E ocorre sempre que

pai paga obrigação de filho maior. Então, a confusão do direito das obrigações

ocorre, quando as qualidades de devedor e credor se fundem em uma mesma

pessoa, passando o devedor a ser credor dele mesmo pela mesma obrigação,

e a confusão ocorre sempre depois de ocorrida a obrigação de um fato

superveniente à obrigação. Já no direito real, a confusão tem outro sentido.

Page 31: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Ocorre a confusão à luz dos direitos reais, quando dois líquidos se misturam,

não podendo mais ser separados; exemplo: água e álcool. É claro que, se a água

e o álcool pertencem a uma mesma pessoa, a confusão da mistura água e álcool

também pertencerá à mesma pessoa. O problema é quando a água e o álcool

não pertencem à mesma pessoa. E o que será a comistão?

A COMISTÃO é o mesmo que a confusão, só que, ao invés de ser a

mistura de 2 líquidos que não mais podem ser separados, é a mistura de dois

sólidos que não mais podem ser separados, como o bronze. O bronze é uma

comistão, porque é a mistura do níquel com o cobre. Uma vez fundidos, nunca

mais se separam.

E ADJUNÇÃO? É quando dois sólidos se misturam, não mais podendo

se separar, mas sendo possível distingui-los, exemplo: camadas distintas de

minerais, como gelatina, com camadas coloridas.

REGRA GERAL: as coisas pertencentes a diversos donos: a) confundidas,

b) misturadas, ou c) adjuntadas, sem o consentimento deles, continuam a

pertencer-lhes, sendo possível separá-las, sem deterioração - art. 1272

CC/02.

1ª REGRA: não sendo possível a separação das coisas, ou exigindo dispêndio

excessivo, subsiste indiviso o todo, cabendo a cada um dos donos quinhão

proporcional ao valor da coisa com que entrou para a mistura ou agregado -

Art. 1272, § 1º CC/02.

2ª REGRA: Se uma das coisas puder considerar-se principal, o dono sê-lo-á

do todo, indenizando os outros – Art. 1272, § 2º CC/02.

Page 32: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

3ª REGRA: Se a confusão, comistão ou adjunção se operou de má-fé, à outra

parte caberá escolher entre: 1) adquirir a propriedade do todo, pagando o

que não for seu, abatida a indenização que lhe for devida, ou 2) renunciar ao

que lhe pertencer, caso em que será indenizado - Art. 1273 CC/02.

4ª REGRA: Aplicam-se as regras acima, mesmo que a união de matérias de

natureza diversa - Art. 1274 CC/02.

Este assunto ocorre pouco, mas vocês têm, na norma, com os Artigos

1272 até 1274 do CC/02, toda a aplicação técnica da lei, com clareza, a

solução técnica.

PERDA DA PROPRIEDADE

Como a propriedade é um direito, é importante saber como se perde

esse direito. Para perder a propriedade, os modos são os mesmos, quer

propriedade móvel, quer propriedade imóvel (embora diferentes na

aquisição).

ALIENAÇÃO - CUIDADO !!! Nem alienar é sinônimo de vender, nem

adquirir é sinônimo de comprar, embora vender seja uma forma de alienar,

mas doar também o é. Isto porque tanto a alienação quanto a aquisição podem

ser onerosas ou gratuitas:

VENDER

ONEROSA

COMPRAR

ALIENAR

ADQUIRIR

DOAR

GRATUITA

HERDAR

Page 33: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

ALIENAÇÃO ONEROSA - É quando você transfere uma coisa ou direito a

terceiro, mediante uma contraprestação, exemplo: compra e venda; o

alienante transfere mediante contraprestação, ao vender; e o adquirente

também mediante contraprestação, compra. Então, na compra e venda, o

vendedor faz uma alienação onerosa, e o comprador faz uma aquisição

onerosa; já na

ALIENAÇÃO GRATUITA E NA AQUISIÇÃO GRATUITA - a

transferência se dá sem contraprestação, então o doador faz uma doação

gratuita, e o donatário adquire, gratuitamente, a coisa doada.

Então, perde-se a propriedade (móvel ou imóvel) por alienação, quer

seja onerosa ou gratuita. Por uma questão de hermenêutica, quando o código

não discrimina, você não poderá fazê-lo. Então, o Art. 1275, I CC/02 diz

alienação, não diz se gratuita ou onerosa, então é para ambas as formas.

A alienação é a forma de se perder a propriedade por ato intervivos.

Aí se incluem compra e venda, doação, permuta, dação em pagamento, em

todas essas hipóteses perde-se a propriedade por alienação. São chamados

atos translativos da propriedade. Isso tanto se aplica para bens móveis

quanto para imóveis. O que varia é a forma. Se se tratar de imóveis de valores

superiores a 30 salários mínimos, essa alienação tem que ser por instrumento

público, sob pena de nulidade; quer seja coisa móvel ou imóvel, com valor

inferior a 30 salários mínimos, a alienação pode ser feita de qualquer forma

– universal.

O segundo modo de perder a propriedade é pela: RENÚNCIA ;

E o terceiro é por: ABANDONO.

Page 34: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Vamos examiná-los em conjunto. Muita gente confunde renúncia com

abandono. O leigo não saberia distinguir: quando eu estou renunciando a

minha propriedade de quando eu estou abandonando a minha propriedade,

porque em ambos os casos o resultado é a perda da propriedade, e em ambos

os casos eu tive a intenção deste resultado: desfazer-me da propriedade,

emitir-me da propriedade.

Se eu levar ao conhecimento de vocês a minha intenção de desfazer-me do

livro da estante, estarei renunciando a minha propriedade.

Já no abandono o proprietário se demite da propriedade sem comunicar

a terceiros a sua intenção. É um ato puramente material.

Diferença:

RENÚNCIA - É ato participativo (com conhecimento a terceiros);

ABANDONO - não se destina ao conhecimento de terceiros.

Muita gente acha muito estranho: “Pode-se renunciar à propriedade

de um imóvel?” Sim ! Claro que pode! Mas não é simples. Tem-se que dirigir

ao oficial do registro de imóveis um requerimento expresso, dizendo isso:

“Fulano de tal, proprietário do imóvel da rua tal, nº tal, objeto da matrícula

nº tal, vem pela presente manifestar/apresentar sua renúncia à propriedade

tal”.

Você só tem que fazer isso. Venho comunicar minha renúncia, estou

renunciando a essa propriedade. E sabe o que vai acontecer ? O imóvel se

declara vago e é arrecadado, em três anos, se não me engano, pelo Município

Page 35: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

onde se encontra situado. Se não estiver na posse de terceiro, três anos

depois ele será arrecadado pelo Município, passará a integrar o patrimônio do

município onde estiver situado.

É o que diz o Art. 1276 CC/02. Vejam o p. único do Art. 1275

CC/02. Só pode ser renunciado o imóvel que estiver registrado no Registro

de Imóveis.

Já o abandono, não! O imóvel não precisa estar registrado, porque o

proprietário não comunica isso.

Na prática, há uma dificuldade em identificar se um imóvel está

abandonado, porque o proprietário não colocou uma placa, dizendo: “abandonei

este imóvel”, ou: “este imóvel está abandonado”; você, simplesmente, se

desinteressa da propriedade, porque o abandono é um ato material. E aí há

alguns indícios que levam o homem comum à convicção de que o imóvel foi

abandonado. O fato de não mais pagar os impostos é um indício claro. Em

segundo lugar, deixar que o imóvel se deteriore, cresça o mato, se torne

terreno baldio, ou a construção ali existente se deteriore (se ele tem cônjuge,

ele só renuncia à meação dele). É evidente que é só a meação dele, como

ocorre na doação, ele só doa a meação dele. Já, se ele não tem herdeiros, ele

renuncia ao terreno todo.

Foi explicado também que a alienação não significa necessariamente

venda. A venda é uma modalidade de alienação, talvez até a mais frequente,

mas não é a única, já que a doação e a permuta, assim como a dação em

pagamento são exemplos também de alienação.

Page 36: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

A alienação decorre do poder ou da faculdade de dispor da coisa.

Quando falamos sobre a propriedade e as suas faculdades, dizemos que são

3 as faculdades do proprietário: as de usar a coisa; tirar dela as suas

utilidades econômicas, ou seja, gozar da coisa e dispor da coisa. E, como o

proprietário dispõe da coisa, é óbvio que ele poderá aliená-la; é evidente que

há exceções a essa regra. Há coisas que são inalienáveis das quais o

proprietário não pode dispor.

Mas a regra geral é, ao contrário, a disponibilidade que permite ao

proprietário alienar a coisa. A alienação, portanto, é o 1º modo de se perder

a propriedade. O 2º é a renúncia que é um ato jurídico participativo em que

o proprietário resolve demitir-se do direito de propriedade comunicando sua

vontade a terceiros.

Quando se trata de imóvel, essa renúncia tem que ser levada ao

conhecimento do Oficial do Registro de Imóveis para o competente

cancelamento da matrícula. Renunciada a propriedade sobre o imóvel, o

Município onde ele se situa depois poderá arrecadá-lo para incorporá-lo ao

seu patrimônio.

O 3º modo de se perder a propriedade é o abandono, que se distingui

da renúncia, porque o abandono seria um ato jurídico material, e não se

destina ao conhecimento de terceiros. O proprietário que abandona a coisa

que lhe pertence, não está interessado de que o fato chegue a conhecimento

de outro.

O 4º modo é o perecimento da coisa, perde-se, portanto, o objeto da

propriedade, e como não há direito sem objeto, perecida a coisa sobre a qual

Page 37: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

se exerce a propriedade, perde-se o próprio direito. Esse perecimento da

coisa pode se dar pela sua destruição física. Pode se dar porque ela está em

local conhecido, mas em que não possa mais ser alcançada, como as coisas que

caem, por exemplo.

Pode se dar porque a coisa é posta fora do comércio, como é o caso

de um terreno à beira mar, que seja coberto definitivamente pelo avanço das

águas, o terreno passa a ficar submerso, e por isso perde-se a propriedade.

Finalmente, o 5º modo é a desapropriação, que é um dos exemplos

mais típicos de um fato do príncipe, um ato de Estado, de poder, no qual

sacrifica-se um direito individual em prol do interesse coletivo, do bem

comum. Essa desapropriação, entretanto, se faz mediante justa indenização

do expropriado para compensar o MINUS patrimonial que a desapropriação

representa.

A desapropriação não se confunde com a requisição, porque na

desapropriação, o poder expropriante só pode se imitir na posse da coisa

expropriada após o depósito da indenização que pretende pagar. Enquanto que

na requisição, dispensa-se esse depósito, mas por isso mesmo é que a

requisição só se admite no Código Civil passado em tempo de guerra, nesse

NCC de eminente perigo social.

Uma dificuldade prática é saber quando o proprietário abandonou a

coisa que lhe pertence. Essa é sempre uma dificuldade prática, porque no

abandono o proprietário não comunica sua intenção a terceiros, ao contrário

da renúncia. É a experiência comum dos fatos da vida que nos ensina que

podemos considerar que um proprietário abandonou a coisa.

Page 38: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

O § 2º do art. 1.276, CC, nos dá um critério para aferir essa

intenção do abandono. “PRESUMIR-SE-Á DE MODO ABSOLUTO A

INTENÇÃO A QUE SE REFERE ESTE ARTIGO (que é o artigo que trata do

abandono), QUANDO CESSADOS OS ATOS DE POSSE, DEIXAR O

PROPRIETÁRIO DE SATISFAZER OS ÔNUS FISCAIS.” Cessados os atos

de posse, ou seja, o proprietário não mais exerce a posse, não pratica,

portanto, qualquer ato de posse que denote a sua intenção de se valer da

propriedade, porque, como eu já disse, a posse é a otimização econômica da

propriedade, é através da posse que o proprietário tira da coisa as suas

utilidades econômicos.

Ora, se o proprietário não pratica mais nenhum ato de posse, ele não

está tirando da coisa qualquer proveito econômico, e se ainda por cima, deixa

de satisfazer os ônus fiscais, cessa o pagamento dos tributos, taxas que

recaem sobre a coisa, aí então, se presume o abandono.

Com isso encerramos o estudo da perda da propriedade. Observamos

que há casos de perda, em que a propriedade se transmite de um proprietário

anterior a um novo, como é o caso da alienação. Há casos em que essa

propriedade, ao se perder, não se transfere automaticamente havendo outro

titular, como no caso do abandono, em que a coisa fica DERELICTA, podendo

depois ser objeto de ocupação de 3º. Então, no abandono não há uma

transferência da propriedade, mas tão somente uma perda. Enquanto que na

alienação, perde-se a propriedade, mas ela é transferida ao adquirente, ao

alienatário.

Page 39: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Feitos estes comentários, complementando a aula anterior, podemos

tratar dos direitos de vizinhança, que constitui um tema sempre provocante

e muito ventilado em provas.

Direitos de vizinhança

Como o nome está dizendo direitos ou, como preferem alguns, deveres

de vizinhança, eu tenho a impressão de que a expressão deveres de vizinhança

traduziria melhor o instituto do que direitos de vizinhança, mas como o nome

está dizendo, são relações jurídicas que disciplinam a vizinhança, quer dizer,

são direitos que se concedem a proprietários ou possuidores de imóveis

vizinhos.

A sua criação pela lei decorre do fato de que a experiência nos

confirma de que a vizinhança é sempre turbulenta, conflituosa. A proximidade

física das pessoas traz extraordinários benefícios, mas também perigosas

ameaças, porque cada um é uma individualidade, sentimentos diferentes

ideais diferentes, e essas diferenças individuais costumam acentuar-se com

a proximidade física que muitas vezes elas explodem em conflitos.

Então, a ordem jurídica percebeu que a vizinhança poderia

reconjuntar um fator de desequilíbrio social, fator gerador de turbulência,

violência, daí a necessidade de criar certas condutas obrigatórias que

mitiguem o risco desses conflitos, e este é o objetivo desse direito de

vizinhança, tornar mais civilizada a relação de vizinhança, mais amena.

São condutas que se tornam obrigatórias para os vizinhos. Conta-se

que, uma vez perguntaram ao Rei Salomão, que passou a história da

Page 40: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

humanidade como protótipo da sabedoria, perguntou-se então ao sábio Rei

Salomão, qual seria o pior castigo que se poderia dar a uma pessoa? E ele

imediatamente respondeu: DAR-LHE UM MAU VIZINHO, porque o vizinho

temos que tolerar a cada dia, o parente podemos passar meses ou anos sem

ver, mas o vizinho temos que ver e conviver diariamente. Portanto, não há

nada mais estressante do que a convivência diária com um mau vizinho.

Por que o Código Civil se preocupou tanto em estabelecer regras de

vizinhança, que para muitos leigos seria apenas normas sociais, de boa

educação, pertencendo, portanto, ao mundo das relações sociais? Porque o

legislador percebeu a importância dessas regras para se manter a paz social,

e essa é a função precípua do direito: assegurar a paz social.

Se todos os brasileiros conhecessem esses direitos e deveres de

vizinhança, muitos dos conflitos que hoje deságuam nas delegacias policiais,

nos hospitais e, as vezes, até nos cemitérios, seriam evitados.

Observação importantíssima para efeito de concurso, de prova...etc

blá blá blá, porque já foi perguntado pelo menos 3 vezes nos últimos 5 anos,

é quanto a NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA.

Seriam direitos pessoais, portanto, obrigacionais? Ou, ao contrário, seriam

direitos reais? Qual a natureza jurídica do direito de vizinhança?

Muitos candidatos seduzidos pelo fato da matéria estar disciplinada

no Livros dos Direitos das Coisas, portanto, entre os direitos reais, muitos

candidatos, com uma visão simplista do problema, respondem que são direitos

reais, sem o quê não seriam tratados no Livro dos Direitos das Coisas, e sim,

no Livro dos Direitos das Obrigações. Então, eles acham até que a banca foi

Page 41: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

extremamente benevolente ao fazer uma pergunta tão fácil de responder,

porque muitos abrem o Código Civil e ao encontrar a disciplina dos Direitos

de vizinhança no Livro do Direito das Coisas, respondem logo que se trata de

Direitos Reais.

E, ao contrário do que imaginavam de receber a nota máxima da

pergunta, recebem um redondo e traumatizante zero, porque os direitos de

vizinhança são, sem a menor dúvida, relações obrigacionais, pessoais, e não

reais.

Agora, como relações obrigacionais constituem obrigações PROPTER

REM. Portanto, a natureza jurídica dos direitos de vizinhança é de obrigação

PROPTER REM, que são aquelas obrigações que recaem sobre uma coisa,

constituindo uma zona intermediária entre os direitos pessoais e os direitos

reais. É uma situação híbrida, essas obrigações propter rem, é como se

tivessem um pé no mundo dos direitos pessoais e o outro no mundo dos

direitos reais. E por quê? Porque são relações obrigacionais, mas que nascem

da propriedade ou da posse de uma coisa, e só subsistem enquanto o devedor

ou o credor forem os proprietários da coisa ou possuidores dela.

Essas obrigações estão, portanto, umbilicalmente ligadas à

propriedade ou à uma coisa, e por isso, os romanos chamavam PROPTER REM,

obrigações sobre a coisa, que aderem a coisa.

A obrigação de contribuir que recai sobre os ombros dos condôminos

é um exemplo também perfeito de uma obrigação PROPTER REM. Essa

obrigação de contribuir, a que chamamos de cota condominial, é uma obrigação

assumida pelos condôminos entre si, e que decorre do fato de serem todos

Page 42: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

coproprietários de uma coisa. E só serão devedores da cota condominial

enquanto se mantiverem proprietários da coisa. Alienando os seus quinhões,

esses condôminos automaticamente deixam de ser devedores dessa

obrigação, que se transferirá ao adquirente da fração.

A cota condominial é o 1º exemplo sempre lembrado de uma obrigação

PROPTER REM. E o 2º é exatamente os direitos de vizinhança, que são

relações obrigacionais que nascem da propriedade ou da posse de imóveis

vizinhos.

Devedores e credores dessas obrigações são exatamente os

proprietários ou possuidores de imóveis vizinhos. Uma vez alienado o imóvel

por um dos proprietários, ele não mais será devedor dessas obrigações

perante o antigo vizinho, ele só será devedor e credor enquanto for vizinho.

Os direitos de vizinhança traduzem obrigações propter rem. Por

que então estão no Livro dos Direitos Reais? Não teria sido um erro

topográfico do legislador? O legislador teria se enganado, se distraído,

levando para o Livro dos Direitos Reais uma relação que é tipicamente

pessoal?

Não, é que o legislador achou que como essas obrigações visam

normatizar as condutas de proprietários ou possuidores vizinhos elas devem

então ser disciplinadas no capítulo da propriedade. Seria uma consequência

da propriedade. Então é uma questão prática, o legislador achou mais

adequado tratar da matéria no capítulo que versa sobre o Direito de

propriedade, que faz nascer essas obrigações.

Page 43: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Portanto, esses direitos de vizinhança transcendem os aspectos

puramente sociais, de conduta social, ética, de educação, de convívio educado

entre as pessoas, para se inserirem também no mundo jurídico. Portanto, é

uma matéria que interessa tanto ao direito quanto a própria ordem social.

O 1º desses direitos de vizinhança, é um dos mais importantes, é o

direito que se assegura a qualquer proprietário ou possuidor de imóvel de

exigir que cessem as interferências vindas de imóveis vizinhos e que coloquem

em risco a sua saúde, o seu sossego ou a sua segurança.

Portanto, quem é proprietário ou possuidor de um imóvel tem

automaticamente o direito de exigir não ser prejudicado pelo vizinho quanto

ao seu sossego, ou a sua saúde, ou a sua segurança, e por isso, o proprietário

ou possuidor que esteja sendo afetado pelo uso anormal do imóvel vizinho

poderá se valer do judiciário para fazer cessar essas interferências nocivas.

O Código passado, ao redigir esse dispositivo, fez de maneira muito

infeliz, e muitos dos equívocos da redação passada, foram corrigidos.

Em 1º lugar, no Código passado falava, no mesmo capítulo, em uso nocivo

e em mau uso da propriedade vizinha. Usava-se, portanto, 2 qualificações: uso

nocivo e, em outro local, falava-se em mau uso, e a doutrina discutia se mau

uso era sinônimo de uso nocivo. Não se entendia porque no Título do capítulo

falava-se em uso nocivo da propriedade, e depois no caput, em mau uso.

O NCC aboliu tanto a expressão uso nocivo quanto mau uso, que sempre

suscitaram profundas divergências de interpretação. Agora, fala-se em uso

normal e uso anormal.

Page 44: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Uso anormal será todo aquele que põe em risco a segurança, a saúde ou

o sossego do vizinho, seja ele qual for.

Uso normal é o que não causa dano ou prejuízo aos vizinhos, não afeta

esses valores fundamentais que são a segurança, o sossego e a saúde.

É claro que o Código não poderia ser casuístico, definindo de maneira

objetiva o que seria o uso anormal, isso competirá ao juiz, usando os critérios

da experiência comum e alguns princípios que o próprio Código Civil enumera,

e que veremos mais adiante.

Não há uma definição, e nem poderia haver no Código, do que seria o

uso anormal, isso seria impossível. Por mais criativo e imaginativo que fosse o

legislador, ele não conseguiria elencar todas as hipóteses em que o uso de uma

propriedade pudesse causar danos aos vizinhos.

É mais um exemplo de cláusula aberta. Quer dizer, quando o Código

Civil fala em uso anormal da propriedade vizinha isso é uma cláusula aberta,

significa dizer que caberá ao juiz, com sua experiência comum dos fatos da

vida, fechar esse conceito, diante do caso concreto, decidir se aquele uso já

ultrapassou os limites da normalidade.

Eu tenho dito, reiteradas vezes, que o NCC aumentou e muito a

discricionariedade dos juízes ao adotar essa técnica moderna alemã das

cláusulas abertas, iniciando assim, a era do Pós-Positivismo, deixando para

trás o positivismo estrito em que o legislador procurava manietar o juiz,

estabelecendo limites rígidos a sua atuação.

Page 45: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

O NCC, ao contrário, deixa as mãos dos juízes mais livres para que

possam compor realmente os conflitos de interesse. Ex.: claro: coíbe-se o uso

anormal, e cabe ao juiz decidir se de fato esse uso é anormal.

Esse era o 1º equívoco: usar 2 expressões diferentes no mesmo artigo

– MAU USO e USO NOCIVO (art. 554, CC/16). Agora unificou-se, o mau uso

e o uso nocivo são agora uso anormal.

Outro equívoco imperdoável é que o Código passado falava em

proprietário ou inquilino de um prédio. Ora, inquilino é o locatário, portanto,

aquele que participa de um contrato de locação. A palavra inquilino, desde os

romanos - inquilinus - representava aquele que recebia de outrem a posse

direta de uma coisa para usá-la e gozá-la.

Numa interpretação literal, portanto, só poderiam manejar os direitos

de vizinhança, os proprietários ou locatários de prédios; o comodatário, para

citar um exemplo, não poderia se valer desse direito. O usufrutuário também

não, assim como o usuário ou o titular do direito real de habitação, porque

nenhum deles é proprietário e nenhum deles é inquilino.

É evidente que essa não era a intenção da lei, por isso a doutrina

interpretava o dispositivo, e isso era pacífico, entendendo que era uma figura

clássica de metonímia.

E aqui estaria outro exemplo, quando o Código falou inquilino, ele usou

uma das espécies do gênero possuidor, quer dizer. Ele não quis se referir

Page 46: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

necessária e exclusivamente ao locatário, quis se referir aos possuidores que

não são proprietários da coisa, mas têm a posse.

Mas isso era uma regra de interpretação. Agora o NCC corrigiu, agora

diz “o proprietário ou possuidor”, agora não é mais preciso saber o que é

metonímia para interpretar o dispositivo, porque agora o legislador usou o

gênero, como também usou no art. 2º, não fala mais “todo homem”, par evitar

a dúvida colocou “toda pessoa”, usou o gênero. O NCC afastou as metonímias,

preferiu ficar com o gênero.

Outra questão interessante é que o NCC usa pela 1ª vez a palavra

interferências, que é mais abrangente. Interferências significa influência de

1 prédio sobre o outro. Tudo o que se faz num prédio, todos os

comportamentos que se tem na utilização de um prédio que possam se refletir

no vizinho.

Agora acabou essa discussão, porque fala-se apenas em uso anormal e

fala-se em interferências, como sendo qualquer comportamento que influa no

imóvel vizinho.

E finalmente, uma última observação, essa expressão propriedade

vizinha, no Código passado também se falava em propriedade vizinha. Numa

interpretação literal, e isso mostra mais uma vez o perigo da interpretação

literal, que nem sempre nos dá a verdadeira intenção da lei, nela só poderiam

Page 47: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

reclamar contra essas interferências prejudiciais aqueles que fizessem

divisa com o prédio que estava sendo mal utilizado.

Então, eu só poderia reclamar contra o proprietário ou possuidor do

imóvel que fizesse divisa com o meu, chamado imóveis lindeiros, que vem de

linde, que é sinônimo de divisa, as lindes do Império Romano eram as suas

fronteiras.

Essa também não é a intenção da lei, nunca foi, então mais uma vez

entra a interpretação teleológica, que é muito melhor que a literal. Quando o

legislador falou em imóveis vizinhos, ele quis falar aqueles que podem influir

nos outros. Então, eu posso considerar imóvel vizinho, para efeito dos direitos

de vizinhança, um que esteja a 5 km do meu, separado por vários imóveis. Ex.:

uma fábrica cuja chaminé despeja fumaça tóxica, e é carregada pelo vento e

chega até uma casa a 5 km de distância. Para efeito de interferência

prejudicial, esta fábrica é um imóvel vizinho ao proprietário que está

sofrendo essas emanações.

Então, quando o Código dispõe, no art. 1.277, em propriedade vizinha,

não interpretem literalmente, como sendo aquela que faz divisa, e sim como

aquela que pode interferir no outro imóvel. O barulho excessivo pode ser

produzido numa casa afastada da minha por 5 ou 6 outros imóveis, mas desde

que o barulho chegue até a minha, ele está interferindo no meu sossego.

Assim, esmiuçamos a redação deste art. 1.277, porque uma

interpretação literal pode nos levar a uma conclusão completamente

diferente daquela que o legislador quis alcançar. Então, esse conceito de

Page 48: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

imóvel vizinho não é medido geograficamente, e sim pela possibilidade de

interferência.

Outra questão é que o legislador referiu-se a 3 valores fundamentais,

que devem ser preservados: a SEGURANÇA, o SOSSEGO e a SAÚDE dos

vizinhos. Ora, se o legislador usou 3 palavras, é porque elas têm sentido

diferentes, senão usava só uma. O Código não é um dicionário para mostrar

erudição vocabular. O Código não usa palavras como sinônimos só para mostrar

erudição, se ele falou segurança, sossego e saúde são valores diferentes.

A SEGURANÇA está mais ligada à ideia de integridade física. Ex.: o

proprietário de um prédio descobre que no imóvel vizinho, o proprietário dele

guarda, numa casa ali existente, uma enorme quantidade de dinamite, de

explosivos, ou seja, o imóvel vizinho é um vulcão prestes a entrar em erupção.

Pode explodir a qualquer momento, e é claro que os efeitos da explosão

poderão atingir o imóvel vizinho. Então, ele tem o direito de exigir a remoção

desses explosivos.

Ou então, o proprietário do prédio percebe que na casa vizinha, de

madrugada, frequentemente, reúnem-se pessoas estranhíssimas, que chegam

todas envoltas em capas pretas, portando metralhadoras. A experiência

mostra que aquilo é estranho, então eu posso exigir que cessem aquelas

reuniões. Ou ainda, que no imóvel vizinho instalou-se um stand de tiro ao

alvo, que as balas podem se desgarrar alvo e atingir alguém no meu imóvel.

Esses são vários exemplos de interferências que colocam em risco a

segurança do vizinho, está ligada a integridade física. A própria fumaça é uma

interferência. Os conceitos se interpenetram.

Page 49: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

O SOSSEGO diz respeito mais intimamente a direito de repouso, é uma

interferência que impede o repouso dos vizinhos, o sono. Isso está mais ligado

a produção de ruídos. Tudo isso se interpenetra, porque o ruído pode afetar

a SEGURANÇA e a SAÚDE. Mas a questão do sossego, está mais ligado a um

comportamento do vizinho que impeça o sono dos demais, por isso quase todas

as ações ligadas a questão do sossego dizem respeito a ruídos excessivos.

Hoje, há muitas ações contra templos religiosos que se valem de

autofalante para divulgar suas pregações. Danceterias, boates, fábricas que

têm apito.

Eu já fiz uma ação contra o barulho de uma torre de refrigeração de

um supermercado, é um caso concreto, porque no térreo do edifício há um

supermercado, que tem uma enorme torre de ventilação para manter os

alimentos refrigerados, e que funciona 24 h por dia, de dia é suportável, mas

de noite, os vizinhos diziam que não podiam dormir. Então, eles exigiam, nesta

ação, que o supermercado ou tirasse a torre de refrigeração, ou adotasse

medidas que fizessem cessar o barulho que ela produzia.

Não é só barulho, eu já tive um caso (não é mentira não kkk trago prova

material) que era contra um holofote. Era uma luz que se projetava para um

anúncio da parede de 1 edifício, que dava direto num quarto de dormir de um

dos apartamentos. Vejam que pode ser tudo que prejudique o sossego, o sono,

o repouso a que todos nós temos direito.

E finalmente, a SAÚDE, o nome está dizendo, são aquelas

interferências que podem causar doenças, patologias clínicas, fumaça tóxica

que causa doenças respiratórias, alergias. É claro que o barulho excessivo

Page 50: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

também causa doenças, claro que este elenco não é taxativo, o juiz tem que

ver se a interferência pode afetar de qualquer maneira a dignidade da pessoa.

Como a todo direito corresponde uma ação que o assegura, o

proprietário ou possuidor de um prédio tem o direito de impedir as

interferências do vizinho que coloca em risco a sua SEGURANÇA, SOSSEGO

e SAÚDE, tem que haver uma ação própria para se obter essa finalidade, essa

ação é a conhecida ação de dano infeto, que é de índole possessória, porque

ela também protege a posse e não apenas a propriedade, porque é o

proprietário ou o possuidor, um inquilino pode propor com uma ação de dano

infeto contra o vizinho, proprietário do prédio, por estar colocando em risco

o seu sossego, assim como o comodatário, o usuário, o usufrutuário.

Então, a ação de dano infeto tem índole possessória, porque ela pode

ser manejada para defender a posse pelo possuidor, e não necessariamente

pelo proprietário, o DOMINUS, por isso que a doutrina inclui esta ação no rol

das ações de índole possessória, embora, obviamente não seja um interdito

possessório.

Esse risco a segurança também é frequentemente representado pela

ruína do prédio vizinho. Quer dizer, é muito frequente que o imóvel vizinho, a

construção vizinha se deteriore, não esteja sendo conservada pelo

proprietário ou possuidor, ameaça a ruir e, ao ruir, pode afetar meu próprio

imóvel. Então, também se incluem entre esse direitos de vizinhança, o direito

de exigir que o vizinho realize as obras de conservação no seu imóvel. Isso

também é muito comum com encostas, muros, divisórias, taludes que ameaçam

ruir com as chuvas.

Page 51: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Essa ação é muito frequente entre os proprietários ou possuidores de

imóveis, um mais alto e outro mais baixo. Onde o imóvel superior pela má

conservação ameaça ruir sobre o inferior, então, o proprietário do prédio

inferior tem o direito de exigir as obras de conservação para evitar essa

ruína, inclusive, também podendo exigir caução para prevenir a reparação dos

danos se a ruína ocorrer antes da reforma. Tudo isso se obtém em sede de

ação de dano infeto.

Claro que a doutrina se incumbiu de criar alguns princípios que deveriam

nortear o juiz para decidir uma ação de dano infeto, que aliás era uma ação

que todo juiz temia, era sempre uma ação difícil de julgar. Primeiro pela falta

desses critérios e segundo porque o juiz se via envolvido pela animosidade,

pelo acirramento de ânimos dos vizinhos. Mas eram contribuições

doutrinárias.

Agora não, agora o parágrafo único do art. 1.277 trouxe para o texto

da lei, ou seja, positivou esses princípios que antes eram meramente

doutrinários. Agora o juiz tem critérios legais para aferir se a interferência

é nociva ou não.

O primeiro critério que a doutrina sempre recomendou é o da

RAZOABILIDADE. Aliás, vivemos a era da razoabilidade, esta talvez seja

hoje um dos mais importantes princípios a nortear os comportamentos sociais.

Então, o juiz tem que ver se essa interferência do vizinho se enquadra

dentro da razoabilidade. Ex.: um autor reclama das festas do vizinho que o

impedem de dormir. O juiz pergunta, então quantas festas o vizinho faz por

ano? E ele responde: quatro, por que tenho 3 filhos. São aniversários dos

Page 52: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

filhos e o meu aniversário ou da minha mulher. Está absolutamente dentro da

razoabilidade. Agora, se ele fizer 1 por semana o ano inteiro, isso já está além

da razoabilidade. É claro que a lei não pode estabelecer 4, 6, 8, isso é mais

uma cláusula aberta, para isso é que o juiz julgar com a experiência comum da

vida.

Ex2.: uma fumaça que quase sufocou o vizinho. Mas foi numa festa de

São João, 1 vez por ano, é razoável. Agora, todo dia o vizinho junta as folhas

e toca fogo, fazendo fumaça, não é razoável. Mas uma fogueira de São João,

1 vez por ano, é mais do que razoável.

O segundo critério é o da TOLERABILIDADE, que se associa ao 1º, um

decorre do outro. Quer dizer, as pessoas têm que ter um nível de tolerância

dos comportamentos vizinhos. Quem vive principalmente numa cidade, em

regime condominial, por exemplo, tem que tolerar certos comportamentos do

vizinho. Ex.: bate-boca entre marido e mulher de vez em quando, a descarga

do vaso sanitário da madrugada do vizinho, que parece o Niágara despejando

água às 3 h da manhã, durante o dia você nem percebe, mas às 3 h da manhã,

você acorda com o barulho da descarga. A máquina do elevador que às 2 h da

manhã é acionada por 1 vizinho notívago.

Sirene de polícia, de ambulância, freada de carro, a vida urbana nos

obriga a criar um nível de tolerabilidade a ruídos, a incômodos para mim, quem

não quiser sentir esses efeitos, vá morar num monastério medieval, nos Alpes,

lá há um silêncio sepulcral, ou vá aspirar a paz do cemitério. Isso não significa

dizer que temos que tolerar qualquer ruído, mas há um nível de tolerância, que

é um durante o dia, é outro durante a noite.

Page 53: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Aliás, criou-se entre os brasileiros leigos, uma ideia absolutamente

equivocada de que a famosa “Lei do Silêncio” só se aplica à noite. Esta lei não

existe, há toda uma legislação sobre Meio Ambiente, mas não há uma lei do

silêncio. Quantas vezes já se ouviu que não se pode reclamar do barulho,

porque ainda são 7 h da noite, por exemplo, as pessoas acham que é só a partir

de 10 h que a Lei do Silêncio se aplica. Nunca houve isso. Então, quer dizer

que você pode perfurar o tímpano do vizinho porque ainda é meio dia. Isso

nunca existiu.

O que há é que a legislação sobre ruído diminui a tolerabilidade a partir

de 10 h da noite. Então, até 10 h admite-se 85 decibéis, à noite são 60 ou 50

decibéis. Então, isso é uma ilusão dos leigos de que a “Lei do Silêncio” é só

para noite.

O que deve ser levado em conta pelo juiz é o nível de tolerabilidade,

ele terá que, durante a ação, interferir no caso de ter que haver mais

tolerância, que dá para aguentar. Assim, pessoas que moram principalmente

numa cidade em condomínio edilício têm que ter nível de tolerância.

O outro critério, também muito lembrado pela doutrina, é o da

ANTERIORIDADE. Quer dizer, vamos ver quem chegou 1º, o que não significa

que quem chegou 1º pode matar os vizinhos. Ex.: uma fábrica que faz muito

barulho, só que a fábrica já estava aqui, o sujeito fez a casa ao lado da

fábrica, e sabia que ia ter de suportar esse barulho.

O aeroporto de Congonhas, os vizinhos pediram seu fechamento, só que

mostrou-se que quando o aeroporto foi instalado, era um deserto, as casas é

que depois chegaram até a margem da pista.

Page 54: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Então, o princípio da anterioridade a doutrina também recomendava

que fosse examinado pelo juiz. Se você chegou sabendo que naquele local há

barulho, fumaça etc, você tem que ter um nível de tolerabilidade maior, já

devia estar psicologicamente preparado para esses incômodos.

O outro critério era o da VOCAÇÃO ECONÔMICA DO LUGAR,

dependendo do zoneamento urbano, ou seja, há bairros que são

tradicionalmente de vida noturna, restaurantes, bares, danceterias, como o

Baixo Leblon, Baixo Gávea etc. Quem compra um apartamento de 1º andar

dando para rua no Baixo Leblon, tem que saber que não vai dormir bem, vai

ouvir barulho de motocicleta, gritaria, risos. Agora, quem compra um

apartamento no Alto da Gávea tem direito a esperar silêncio, porque ali não é

um bairro com vocação comercial, e sim residencial.

Então, o zoneamento também vai influir nisso, a vocação econômica do

lugar, há bairros que tem vocação comercial, outros industriais como São

Cristóvão hoje. Quem compra um apartamento em São Cristóvão tem que ter

um nível de tolerabilidade para atividade industrial maior.

E, finalmente, o INTERESSE COLETIVO, é preciso saber se essas

interferências se justificam no interesse coletivo. Tudo isso era doutrina,

embora a jurisprudência acolhesse pacificamente.

Agora não, vamos ler o parágrafo único do art. 1.277, vocês vão ver que

esse parágrafo único nada mais é, senão a positivação desses princípios

doutrinários.

Page 55: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Então, agora os juízes têm previsão legal para aferir essas

interferências, e proibi-las ou autorizá-las. Agora é o legislador e não mais o

doutrinador que fornece ao juiz os critérios para ele julgar uma ação de dano

infeto.

E como se não bastasse, o art. 1.278 consagrou o último princípio

doutrinário, que é o da prevalência do interesse coletivo. Ou seja, o juiz pode

autorizar a continuação das interferências, ainda que prejudiciais, mas se o

interesse público prevalecer. É o sacrifício mais uma vez do direito individual

em benefício do interesse coletivo. Isso, aliás, é um dos princípios do NCC,

estamos vivendo uma época socializadora do direito, em que cada vez mais

vamos abandonando a proteção dos interesses individuais para priorizar os

interesses coletivos. Isso é uma tônica moderna do direito, a socialização do

direito.

A função social do direito é um dos paradigmas do NCC. Ex.: o juiz se

convence que a fábrica realmente está produzindo fumaça que causa alergia

aos vizinhos, doenças respiratórias, mas fechar a fábrica significa

desemprego para 1.000 pessoas e respectivas famílias, cessação de

recolhimento de impostos, uma série de consequências sociais muito graves,

como o desemprego, que na época de hoje é uma das maiores ameaças ao

equilíbrio social.

Então, se o juiz perceber ou entender que o interesse coletivo

recomenda a manutenção daquelas interferências, ele as autorizará. Mas,

dispõe o Código: “mediante indenização cabal dos vizinhos prejudicados”. Essa

regra tem sido criticada pelos ecologistas ortodoxos que têm um verdadeiro

horror à figura do poluidor pagador. Quer dizer, a Lei de Proteção ao Meio

Page 56: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Ambiente criou a figura do poluidor pagador, ou seja, em certos casos admite-

se a poluição, desde que se indenize, daí chamar de poluidor pagador. Ou seja,

eu poluo, mas pago, indenizo. Os ecologistas acham que não se deve admitir

isso, não se deve admitir nenhum poluidor, ainda que indenize o dano. E aqui

se mantém essa ideia do poluidor pagador, o proprietário ou possuidor de um

imóvel pode interferir na saúde, no sossego dos vizinhos, se isso for

recomendado pelo interesse coletivo, mas desde que indenize.

Os vizinhos que são obrigados a tolerar essas interferências, eles

poderão também exigir adoção de providências técnicas capazes de minorar

esses efeitos, está no Código também. Se os vizinhos provarem que já há

recursos técnicos capazes de mitigar esses efeitos, eles poderão exigir que,

além da indenização, sejam adotadas essas providências.

Um exemplo conhecido e concreto que ocorreu no Rio de Janeiro, há

alguns anos, quando houve uma ação coletiva movida pelos moradores de um

bairro em Duque de Caxias que sofriam das emanações vindas da Refinaria de

Duque de Caxias, da Petrobrás. A prova pericial provou que 80% dos

moradores sofriam de doenças respiratórias ou alérgicas provenientes da

fumaça, e porque a perícia mostrou também, que caprichosamente, naquele

local, o vento sopra quase sempre na mesma direção, e levava essa fumaça,

quase que diariamente, para esse bairro. Não havia a menor dúvida que a

Reduc estava colocando em risco a saúde dos moradores deste bairro, a prova

era inequívoca. E, por isso, o MP, numa ação coletiva, pedia o fechamento da

Reduc. O prefeito de Duque de Caxias procurou o juiz, e disse que se ele

fechasse a Reduc, o prefeito iria levar a chave da cidade, porque esta também

fecharia, porque ela gerava milhares e milhares de emprego de moradores do

Município, e isso seria uma crise social sem precedentes, além do que, a

Page 57: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

receita do Município também se reduziria substancialmente, porque grande

parte dela era representada pelos impostos gerados pela atividade da Reduc.

O juiz viu-se diante de um terrível dilema, de um lado a saúde de quase

5 mil pessoas, eram os moradores do bairro que estavam evidentemente

prejudicados por aquela atividade, e de outro, o interesse coletivo.

A solução, como sempre, foi conciliatória. A perícia determinada pelo

juízo mostrou que havia meios de reduzir essas emanações e a sua toxidade,

instalando filtros nessas chaminés, equipamentos caríssimos na época,

sofisticados, que tinham que ser importados, mas o juiz então condenou a

Petrobrás a instalar esses filtros, e concedeu um prazo de 5 anos, de acordo

com a perícia, para que essas obras se concluíssem, e hoje já estão todas

concluídas, e o problema não desapareceu inteiramente, mas já está dentro

do nível de tolerabilidade.

Tudo isso está no Código Civil, que antes não estava. Agora está

expresso no art. 1.279.

Vejamos quais são os outros direitos de vizinhança. O 2º direito de

vizinhança tratado no NCC diz respeito às ÁRVORES LIMÍTROFES. Como o

nome está dizendo, são aquelas que nascem sobre a linha divisória, servem de

divisa ou de limite entre 2 imóveis, entre 2 prédios.

Quando o Código fala árvores, não está se referindo necessariamente

a uma mangueira, aquela visão clássica de um tronco, é qualquer vegetal que

sirva de divisão, pode ser uma cerca viva.

Page 58: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Os vegetais são usados, principalmente, na zona rural como divisa entre

2 prédios. A árvore limítrofe não se confunde com aquela que nasce em um

dos terrenos ou imóveis, e estende os seus galhos e as suas raízes ao imóvel

vizinho, isso é outra coisa. Aqui estamos nos referindo agora a uma árvore

que está exatamente sobre a linha divisória, ou que é usada para marcar a

divisa entre 2 prédios.

A lei estabelece sobre essas árvores limítrofes um condomínio legal,

necessário. Portanto, as árvores limítrofes pertencem em condomínio aos

proprietários vizinhos, e aí se aplicam todas as regras do condomínio, nenhum

deles poderá abatê-la sem a autorização do outro.

Os frutos naturais produzidos terão que ser repartidos igualmente

entre os condôminos, as despesas de conservação da árvore também terão

que ser suportadas igualmente pelos condôminos. Isso é o que se chama de

condomínio necessário. Por que necessário? Porque ele é imposto por lei,

queiram ou não os condôminos. Isso se aplica também às cercas vivas.

Outra situação muito frequente é quando a árvore nasce em um dos

imóveis, mas estende galhos e raízes ao vizinho. O Código também trata disso,

que é também fonte geradora de conflito entre vizinhos.

É evidente que a árvore é uma acessão natural do solo e como toda

acessão, segue a sorte do principal. Se a árvore nasce em solo particular

pertence ao proprietário do solo, isso é inequívoco. Então, a árvore que nasce

no meu terreno, a mim pertence, como acessão do solo.

Page 59: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Mas quando ela invade o imóvel vizinho com seus galhos ou raízes,

porque os vegetais estão se lixando para essas divisões jurídicas de

propriedade etc, isso gera sempre problemas e, por isso, o Código estabeleceu

algumas regras.

Ex.: os frutos pendentes, aqueles que ainda estão presos aos galhos,

mesmo já estando no espaço aéreo do vizinho, continua a pertencer ao

proprietário da árvore, porque eu já falei que a propriedade do solo estende-

se ao subsolo e ao espaço aéreo, até o limite da sua utilidade. Esses frutos já

estão indiscutivelmente no imóvel vizinho, mas como estão presos ao galho,

ainda continuam a pertencer ao proprietário da árvore. Portanto, o vizinho

não pode colhê-los sem a autorização do proprietário da árvore, não pode com

um bambu cutucá-los para fazê-los cair, nem pode colocar uma escada para

colhê-los. No momento, entretanto, que por força natural, esses frutos caem

sobre o solo do vizinho, passam a pertencer ao proprietário vizinho. Há uma

mudança do regime jurídico. Caídos ao solo, deixam de ser propriedade do

proprietário da árvore e passam a ser propriedade do vizinho, e isso para

evitar que o proprietário da árvore quisesse entrar no terreno do vizinho para

recolher os frutos que ali caíram, o que certamente seria repelido até com

violência.

Então, para impedir que o proprietário da árvore, dizendo-se

proprietário dos frutos que caíram no imóvel vizinho, entrasse no imóvel para

recolhê-los, o legislador prudentemente, disse que caído esses frutos ao solo,

por força natural, passam a pertencer ao vizinho.

Também se assegura ao vizinho o DIREITO POTESTATIVO de cerrar

os galhos e as raízes na linha perpendicular à divisa, e por isso ele não precisa

Page 60: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

de autorização do dono da árvore, isso é um direito potestativo. O dono da

árvore não pode impedir isso, é um direito do vizinho cortar esses galhos e

essas raízes.

Um outro direito de vizinhança é a PASSAGEM FORÇADA. É um

direito de vizinhança que se confere aos proprietários ou possuidores de

imóveis encravados. O imóvel encravado é que não tem passagem direta para

rua, fonte ou porto. Quer dizer, se você não consegue chegar diretamente à

rua ou a uma fonte, ou ao porto, o seu imóvel encravado. E aí, o proprietário

ou possuidor desse imóvel tem o direito de constranger os vizinhos a tolerar

a sua passagem pelos imóveis vizinhos para chegar à rua, ou ao porto, ou à

fonte, daí chamar-se passagem forçada.

O NCC criou um novo direito de vizinhança, que não havia no anterior,

e muito semelhante a passagem forçada, criou a figura da PASSAGEM

FORÇADA DE CABOS E TUBULAÇÕES (art. 1.286 e 1.287), isso é fruto

da tecnologia moderna que não havia em 1.896. Ou seja, o homem moderno,

principalmente urbano, depende hoje tanto do ar e da água, quanto dos cabos

e tubulações, que levam à sua casa, água, energia, Internet, telefone. Nossas

casas hoje são um cipoal de cabos e tubulações, que nos conduzem energia,

luz, gás, telefone. E aí, tem surgido um problema sério. Muitas vezes, para

esses cabos e tubulações chegarem à uma casa, têm necessariamente que

passar por imóveis vizinhos, e isso vinha gerando sérios problemas entre

vizinhos, às vezes um vizinho não permitia que pelo seu terreno passasse um

cabo ou uma tubulação para chegar ao vizinho.

Page 61: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Já houve muitos conflitos por causa disso. Agora é a mesma coisa. o

proprietário do imóvel tem o direito de exigir, não é pedir, mas é exigir que

o vizinho tolere a passagem de cabos e tubulações, obviamente, quando

provado que é necessário passar pelo vizinho.

A indenização é devida quando se estabelecer, mas o proprietário

vizinho pode renunciar a ela.

Tanto a passagem forçada, quanto a passagem de cabos confere ao

beneficiário posse sobre essas passagens, ele é possuidor da passagem. Por

isso, se o proprietário vizinho obstar essa passagem forçada, fizer um muro,

uma cancela, uma porteira; cabe ação possessória, seja de reintegração de

posse, se o vizinho obstar inteiramente a passagem, fizer um muro no meio

da passagem, ou cabe ação de manutenção de posse, se apenas houver uma

turbação, uma dificuldade para o uso da passagem.

Então, a defesa da posse da passagem forçada e da passagem de cabos

e tubulações se fará pela via interdital. E o beneficiário, que é o proprietário

encravado, ele tem condição de possuidor dessa passagem.

Condomínio

O Condomínio etimologicamente já diz o que é; condomínio é.domínio

conjunto. O condomínio é uma exceção ao princípio fundamental da

propriedade e ao princípio da exclusividade. A propriedade nasceu para ser

exclusiva. Essa é a vocação natural da proprietário, porque isso corresponde

a natureza humana.

Page 62: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Os romanos já estabeleciam que se uma coisa pertence a um, não pode

pertencer a outro. Os romanos diziam que a propriedade de um sobre uma

coisa, exclui a de outro sobre a mesma coisa. Estabelece o princípio da

exclusividade. É um princípio fundamental, mas que não pode ser absoluto,

porque há situações que se torna inevitável essa divisão da propriedade entre

várias pessoas e sobre a mesma coisa, e, quando isso acontece surge a figura

do Condomínio.

O condomínio corresponde a composse em relação a posse, ou seja, a

composse está para a posse, como o condomínio para a propriedade

A composse é quando mais de uma pessoa exerce a posse sobre uma coisa

ao mesmo tempo e o condomínio quando duas ou mais pessoas exercem a

propriedade de uma coisa ao mesmo tempo.

O condomínio é uma situação anômala, antinatural, que contraria a

natureza humana. O legislador se preocupou em estabelecer regras de

conduta para os condôminos – direitos e deveres, pelos quais estão

subsumidos a fim de reduzir o risco de conflitos entre os condôminos.

O Novo Código Civil disciplina 3 modalidades de Condomínio, ao passo que

no Código Civil/1916 só disciplina 2 (o condomínio legal ou necessário e o

condomínio, que não possuía adjetivação, que hoje, se chama condomínio

voluntário).

As 3 modalidades ou espécies de Condomínio que o Novo Código Civil

disciplina são:

Page 63: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Condomínio necessário (é aquele imposto por lei independente da vontade das

partes, daí chamar-se necessário ou legal – ex: Condomínio que se estabelece

sobre as árvores limítrofes, sobre os muros divisórios, sobre as paredes

divisórias);

Condomínio voluntário ( antigamente, também chamado de tradicional ou civil,

porque era disciplinado pelo Código Civil) e o

Condomínio edilício (aquele que no passado se chamava condomínio especial ou

em planos horizontais, que era disciplinado na Lei 4.591/64 e não constava no

Código Civil/1916).

O condomínio especial tinha uma disciplina própria na Lei 4.591. Por isso,

essa Lei 4.591 era chamada de Lei de Condomínios e Incorporações, que se

dividia em 2 capítulos; no Capítulo I – disciplinava um condomínio já

constituído, em funcionamento, disciplinava os comportamentos e deveres dos

condôminos já estando o condomínio instalado; já no Capítulo II – disciplinava

do condomínio na sua fase de gestação, de formação, a que chamamos de

incorporação.

O Novo Código Civil incorporou para o seu texto, o Capítulo I da Lei

4.591, isto é, a disciplina do Condomínio já instalado, mas não trouxe o

Capítulo II, que trata das incorporações, com isso, continuou a Lei 4.591 em

vigor.

A Lei 4.591, está revogado apenas o Capítulo primeiro, pois o segundo

ainda está em vigor, não foi mexido.

Condomínio Necessário

Page 64: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Esse Condomínio não gera o menor problema, por isso o Código Civil só o

disciplina em 2 ou 3 artigos. É um condomínio que se estabelece sobre as

árvores limítrofes, ou sobre as paredes e muros divisórios. Aí, é evidente que

a árvore, ou o muro ou a parede, pertencerão em partes iguais aos

confinantes. Se a árvore é limítrofe, ela é em condomínio com o vizinho. Por

isso, ambos terão que contribuir para a sua conservação. Caso contrário, se

um dos condôminos quiser, poderá derrubar a árvore, o muro ou a parede, sem

o consentimento do outro. Os frutos naturais produzidos por essa árvore

terão que ser repartidos. Se há uma parede, os 2 condôminos terão que

contribuir igualmente para a sua manutenção, também não poderão derrubá-

la sem o consentimento do outro.

Condomínio Voluntário

Esse Condomínio o que o caracteriza é que nele a coisa pertence, toda

ela, aos condôminos que terão sobre ela, uma fração, um quinhão, uma porção,

não há, portanto, parte dessa coisa que pertença com exclusividade a um dos

condôminos. Essa é a principal diferença entre o condomínio voluntário e

condomínio edilício.

No condomínio voluntário só há coisa comum, enquanto no condomínio

edilício, coexistem partes da coisa que são comuns, pertencendo a todos os

condôminos e partes que são exclusivas de cada condômino.

Ex: de condomínio edilício: Entrada dos edifícios, mas sua sala é de

propriedade exclusiva; já no condomínio voluntário, isso não existe, toda coisa

pertence aos condôminos na proporção de seus quinhões. Esses quinhões não

Page 65: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

precisam se iguais e é perfeitamente possível que os condôminos tenham

quinhões diferentes, uns maiores, outros menores. Mas, no silêncio do título

constitutivo do Condomínio a presunção é que as frações sejam iguais, mas

isso no silêncio do título constitutivo, porque ao contrário poderá estabelecer

essas diversidades de frações.

Duas regras fundamentais regem o condomínio voluntário:

A 1ª regra é que cada condômino poderá exercer sobre a coisa, todos os

poderes inerentes à propriedade, desde que não impeçam os demais

condôminos de fazerem o mesmo, porque na prática, é difícil que um

condômino saiba distinguir a linha divisória entre o seu direito de propriedade

e o do outro condômino, pois, na verdade, todos são proprietários.

A 2ª regra é que todos os condôminos são obrigados a contribuir para

as despesas de administração e a conservação da coisa comum na proporção

dos seus quinhões. Não estamos falando de apto, mas de condomínio

voluntário, porque apto já é condomínio edilício. Isso é uma obrigação de

contribuir que tem a natureza propter rem. Esse é um dos exemplos mais

perfeitos de obrigação propter rem – que é a do condômino com o condomínio

voluntário, onde o condômino tem que contribuir para a conservação da coisa

comum.

Como consequência lógica, se os condôminos têm a obrigação de

contribuir na proporção de seus quinhões para a conservação e a

administração, também tem o direito de partilhar, na proporção de seus

quinhões, os frutos, os produtos eventualmente, retirados da coisa comum.

Quem tem o ônus deve recolher os bônus. Então, se a coisa comum, produz

Page 66: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

utilidades econômicas, como por exemplo, frutos naturais ou civis, ou

produtos, eles também terão que ser partilhados entre os condôminos, na

proporção de seus quinhões.

Se os condôminos por questão de urgência, tiver que fazer obra ou

despesa de conservação poderá depois regredir contra os demais para

reclamar-lhes as contribuições correspondentes. E do mesmo modo, o

condômino poderá exigir de um que recolheu com exclusividade, os frutos ou

os produtos, poderá qualquer condômino exigir a sua parte.

Outra característica fundamental do condomínio voluntário e por isso,

ele se chama voluntário, é que ele é por natureza divisível, significa dizer, a

qualquer tempo, independente de alegação de motivo, qualquer condômino,

poderá retirar-se do condomínio. Ninguém pode ser compelido a permanecer

ligado ou preso a um Condomínio voluntário contra a sua vontade, daí chamar-

se voluntário.

A regra geral é que o Condomínio Voluntário seja divisível, permitindo a

qualquer condômino, a qualquer tempo, retirar-se do condomínio, ou alienando

a sua fração, ou requerendo a extinção do Condomínio. Mas, nada impede que

se insira no título constitutivo do Condomínio uma Cláusula de Indivisibilidade,

que impede que qualquer condômino se retire do Condomínio. Só que esta

Cláusula de indivisibilidade só poderá ser instituída pela unanimidade dos

condôminos e não valerá por mais de 5 anos. Isso para permitir que a cada 5

anos os condôminos revejam a sua conveniência, de se manter ou não no

condomínio. Nada impede, é claro, a renovação dessa cláusula, por quantas

vezes os condôminos quiserem, mas a cada 5 anos todos terão que se reunir

Page 67: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

para decidir se lhes convém manter a indivisibilidade. Basta que um decida em

contrário para a cláusula de indivisibilidade cessar.

Se ignorando a lei, os condôminos instituírem essa Cláusula de

Indivisibilidade por 10 anos, se entenderá como de 5 anos, e após 5 anos,

poderá ser expressamente renovada ou desaparecerá. O prazo que

ultrapassar 5 anos, considerar-se como cláusula não escrita. Essa regra é

importante, porque pelo menos a cada quinquênio, os condôminos poderão

decidir se lhes convém ou não manter a regra excepcional da indivisibilidade.

Se esse condomínio for instituído por doação ou por legado, o instituidor

também pode incluir uma Cláusula de Indivisibilidade, mas que também não

valerá por mais de 5 anos, a não ser que terminados os 5 anos, os condôminos

resolvam, renovar.

Então, o condomínio mesmo instituído por ato inter vivos ou decorrente

da morte, ele será sempre voluntário.

Portanto, num Condomínio Voluntário, não há uma obrigatoriedade de

uma eleição formal do administrador, o que já é uma diferença com o

condomínio edilício, em que o administrador se chama síndico, e a de ser

obrigatoriamente eleito, em Assembleia, expressamente convocada para esse

fim. Essa é uma diferença importante, porque no condomínio voluntário,

qualquer condômino que comece a praticar atos de administração sem

oposição dos demais, considera-se tacitamente escolhido como administrador

e é evidente que o administrador fica obrigado a prestar contas aos demais,

Page 68: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

porque ele é um Representante Legal dos Condôminos, podendo praticar todos

os atos necessários a administração e conservação da coisa comum; ele atua

como mandatários dos demais condôminos, como representante dos demais

condôminos.

Questão polêmica e turbulenta no Condomínio Voluntário é quando um

dos condôminos resolver alienar o seu quinhão, porque é um direito seu, que

não pode ser obstado, e ele só não poderá alienar se estiver vigorando cláusula

de indivisibilidade, porque aí ele terá que esperar os 5 anos acabarem para só

então, não concordar com a renovação da cláusula e oferecer o seu quinhão a

venda. Mas, não havendo cláusula de indivisibilidade, a qualquer tempo o

condômino pode oferecer o seu quinhão para a alienação, por causa do direito

de propriedade.

O Novo Código Civil disciplinou sobre o direito real de preferência para

todos os condôminos, ou seja, os condôminos só poderão alienar o seu quinhão

onerosamente oferecendo aos demais condôminos. E os demais condôminos

terão então, preferência e igualdade de condições como terceiros para

adquirir o quinhão retirante.

Qual a razão de ser do direito de preferência ? É direito dos condôminos

não querer que um estranho ingresse no condomínio, que possa trazer

turbulência, abalar a harmonia dos condôminos; é um direito dos condôminos

não querer que um estranho venha participar dessa comunhão. Com o direito

de preferência os condôminos podem impedir isso, adquirindo o quinhão do

retirante.

Page 69: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

E por que é um direito real de preferência ? Porque se o condômino

alienar onerosamente o seu quinhão a terceiro sem oferecê-lo aos demais

condôminos, este só poderão depositando o preço da venda anulá-la e

adjudicá-la compulsoriamente, o quinhão alienado. Não se trata, portanto, de

um mero direito pessoal, que se resolveria em perdas e danos em caso de

inadimplemento. É algo muito sério, porque o condômino se alienar

onerosamente o seu quinhão sem oferecer a preferência dos demais

condôminos, essa alienação pode ser anulada pelos demais condôminos. E isso

ocorrendo, ele terá que responder pela evicção perante o adquirente. É

evidente que essa preferência é em igualdade de condições.

Os condôminos não podem exigir que o retirante faça um preço menor a

ele, do que poderia obter de um estranho, por isso esse direito de preferência

tem que ser oferecido de maneira inequívoca, com a indicação precisa do

preço que o condômino pretende obter, a forma do pagamento e todas as

demais informações que permitam aos condôminos decidir se lhes convém ou

não a aquisição.

Uma questão interessante é se vários condôminos, se interessarem em

adquirir o quinhão do retirante. Ex: Imaginemos que sejam 20 condôminos de

uma Fazenda e um deles, resolva alienar o seu quinhão. Interessante, aqui não

prevalece a regra democrática da vontade da maioria – são 20 condôminos e

1 resolve retirar-se alienando o seu quinhão, os 19 não podem dizer que não

admitem que ele aliene o seu quinhão e se retire do condomínio – mesmo por

19 a 1, eles não podem decidir que o condomínio se manterá intacto, a não ser

é claro que haja cláusula de indivisibilidade. O condomínio retirante dirá que

não é uma democracia, onde 19 vence 1, mas onde 1 vence 19, vai prevalecer a

vontade individual deste se retirar do condomínio. É um direito potestativo

Page 70: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

de qualquer condômino alienar o seu quinhão, retirando-se do condomínio, a

não ser que esteja em vigência cláusula de indivisibilidade.

Ex2: Se são 20 condôminos, e desses 20, 5 decidam exercer a

preferência, estão interessados em adquirir o quinhão do retirante nas

condições ofertadas. O Código resolve a questão: a 1a solução – seria os 5

condôminos adquirirem o quinhão do retirante em condomínio, ou seja, se

constituiria num novo condomínio dentro daquele anterior, isto é, aquele

quinhão do retirante passaria a pertencer 1/5 a cada um desses 5 condôminos

interessados na preferência. E essa fração de 1/5, se acresceria as frações

anteriormente retidas pelo condômino; a 2a solução – se os 5 condôminos só

se interessarem na aquisição com exclusividade, isto é, não quererem

partilhar o quinhão do retirante com os outros 5 condôminos interessados, o

1o critério de preferência diz que terá nesse caso preferência, o condômino

que tiver feito na coisa comum investimentos maiores, benfeitorias ou

acessões, em outras palavras, quem acresceu mais a coisa comum, valorizou

mais, terá a preferência sobre os demais – esse critério é puramente

econômico e o 2o critério – e se os 5 fizeram benfeitorias de valor igual ou

não fizeram benfeitorias nenhuma, aí o Código diz que terá preferência o

condômino que tiver quinhão maior – critério pela área e o 3o critério – e se

os quinhões forem iguais ? O CC/1916 daria como solução o sorteio.

Sorteio é o método rigorosamente previsto no Código, não é nenhum

atentado a dignidade da justiça.

Ex: A divisão de bens não havendo acordos entre os condôminos. O juiz

chamava os condôminos assim – os 5 são interessados e nenhum deles fez

benfeitorias, os quinhões são iguais – então, escrevia o nome de cada um no

Page 71: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

papel, amassa, põe no chapéu e manda o escrivão tirar um papel e o nome que

sair a preferência será dele – isso no CC/1916.

Porém, o Novo Código Civil acabou com isso. O Novo Código Civil criou um

novo critério, que aí liquida. Faz-se uma licitação entre os interessados. Se

os 5 querem, não há investimentos maiores de nenhum deles e os quinhões são

iguais – então digam quanto cada um quer dar pela quinhão e ganhará o que

oferecer o maior lance. Isso é muito melhor, inclusive por retirante, porque

este vai obter o melhor aproveitamento econômico.

O Novo Código Civil eliminou esse método do sorteio entre os

condôminos e criou um método que me parece economicamente melhor,

principalmente para o retirante.

Se os outros condôminos não quiserem adquirir o quinhão do retirante e

também os estranhos não desejam ingressar nesse condomínio, só resta ao

retirante pedir a extinção do condomínio. Se não conseguir alienar aos demais

condôminos e nem aos estranhos, só resta extinguir o condomínio.

Há 2 maneiras clássicas de se extinguir o condomínio voluntário: a 1ª

maneira clássica é pela divisão da coisa comum, ou seja, divide-se a coisa entre

os condôminos, cada um receberá um pedaço da coisa que passará a lhe

pertencer com absoluta exclusividade, mas é evidente que essa solução só

será possível se a coisa comum admitir divisão física ou jurídica. Às vezes, é

possível dividir fisicamente, mas não é possível dividir juridicamente, porque

o Código de Obras não permite.

Page 72: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Ex: Uma casa que pertence a 5 condôminos que a receberam de herança.

Como eu vou partilhar uma casa em 5 pedaços, para que cada um passe a

exercer a propriedade exclusiva – um ficaria com o banheiro, ou outro com a

sala, outro com os quartos, ... Mesmo que fosse um terreno, às vezes, não se

pode dividir porque cada um ficaria com uma metragem inferior à mínima que

o Código de Obras admite, porque também há regras que impede a

pulverização do solo urbano. Você não pode ter um imóvel exclusivo que meça

2 x 4 m. o Município não vai permitir.

Ex2: Terreno de 12 x 15 m fisicamente é possível dividir por 12 pessoas,

mas juridicamente não daria, porque cada pedaço ficaria com uma metragem

inferior à mínima que o Código de Obras não permite.

Mas, existe uma ação própria para exercer esse direito, que se chama

ação de divisão de coisa comum que está rigorosamente disciplinado no Código

de Processo – como a cada direito corresponde a uma ação que o assegura, se

um condômino tem o direito de requerer a extinção do condomínio pela divisão

da coisa comum, se os outros não concordarem, se não se chegarem a uma

solução amigável, o condômino proporá ação de divisão, o juiz nomeia um

agrimensor ou um topógrafo, ou um perito, que proporá o plano da divisão.

Mas, essa divisão nem sempre é em partes iguais – porque essa divisão leva

em conta também os aspectos econômicos, como por exemplo, quem ficou

com maior área, ficou também com uma área de penhasco, de pouco valor

econômico. Para isso, é que funciona o perito que apresenta um plano de

divisão, em que considera também os aspectos econômicos.

Ex: Fazenda que possui área com um pântano, havia áreas montanhosas

com rochas e havia também uma vale extremamente fértil com água e é claro

Page 73: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

que, quem ficar com o vale ficará com uma área menor, porque

economicamente equivale a maior área, mas que não tem tanta utilidade

econômica.

Por isso, é divisão não é fácil e às vezes, se exige uma ação própria para

a interferência de um perito.

Quando não é possível a divisão seja fisicamente, seja juridicamente, a

2ª maneira clássica de extinguir o condomínio voluntário é pela alienação da

coisa comum e para isso existe também uma ação própria – ação de alienação

de coisa comum. O condômino retirante então, propõe contra os demais, ação

de alienação. A coisa será avaliada pelo juiz, isto é, o juiz manda avaliar a

coisa e esta é levada à praça (se, coisa imóvel) ou a leilão (se, coisa móvel), a

não ser é claro, se os condôminos aceitem uma oferta particular, sendo todos

maiores e capazes. Mas, não havendo acordo entre eles, a coisa tem que ser

levada a alienação judicial. Isso, porque se presume que na alienação judicial,

se obterá o melhor preço. E aí, o dinheiro que é o mais divisível de todos os

bens, divide-se o dinheiro entre os condôminos na proporção de seus quinhões.

Também, o Novo Código Civil permite que qualquer condômino abandone

seu quinhão em benefício dos demais condôminos, se não quiser suportar as

despesas de conservação. Então, impossibilitado de suportas essas despesas

ou não se interessando mais, o condômino pode abandonar o seu quinhão em

benefício dos demais condôminos, onde o seu quinhão se incorporará aos

demais quinhões dos demais condôminos. Se o retirante abandonar o seu

quinhão em favor de um, será uma renúncia translativa e não abdicativa.

Page 74: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Outra característica do condomínio voluntário é que ele não é muito

solene. Ao contrário, é tudo mais ou menos deixado ao informalismo, como por

exemplo, não é necessário eleger um administrador, não há nenhuma

obrigatoriedade de uma convenção de condôminos, não há necessidade de

assembleias obrigatórias anuais, não é preciso lavrar ata. Isso é uma

diferença marcante em relação ao condomínio edilício, que é todo cercado de

solenidades e burocracias, com exigências de convenção registrada no

Registro de Imóveis, realização obrigatória de uma assembleia geral por ano,

eleição formal de síndico, prestação de contas, aprovação de orçamentos,

lavratura de atas de assembleia. Enquanto, o condomínio edilício é um rosário

de solenidades e formalidades obrigatórias, o condomínio voluntário é

extremamente informal e a razão dele ser assim é porque na prática o

condomínio voluntário não se compõe de muitos condôminos, embora não haja

limite de número de condôminos.

O condomínio voluntário, normalmente se estabelece com poucos

condôminos, que geralmente são parentes, porque receberam a coisa em

herança ou amigos que se juntaram, ou amigos que se juntaram para comprar

uma coisa. Por isso, não se sente essa necessidade de formalizar o condomínio

voluntário, porque são poucos em geral os condôminos ligados por laço

afetivos ou familiares, já o condomínio edilício se fosse deixado ao Deus dará

virava uma catástrofe. Há condomínios com 1.000 condôminos, que a quota de

cada um somada dá o orçamento de alguns Municípios brasileiro.

Ex: O síndico do Condomínio Golden Green da Barra da Tijuca manipula

um orçamento maior que muito Prefeitos dos Municípios brasileiros . então, é

evidente que se não houvesse um controle rígido, viraria um caus. Embora, já

Page 75: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

seja um caus com todo esse controle, imagine sem controle, não dá para reunir

1.000 condôminos para decidir se vai ser possível determinada coisa.

Ao contrário do que ocorre no condomínio voluntário, em que essa

administração é muito informal, basta lhes dizer que o administrador do

condomínio voluntário não precisa nem ser formalmente eleito pelos demais.

O Código Civil diz que aquele condômino, do condomínio voluntário, que

começar a praticar atos de administração, sem oposição dos demais

condôminos, considera-se tacitamente escolhido como administrador, quer

dizer não é nem necessária uma eleição formal do administrador do

condomínio voluntário. Também não há necessidade desse administrador

prestar contas aos demais, a não ser que os demais as peçam.

No que tange benfeitorias, necessárias o sindico não precisa pedir

permissão, mas úteis e voluptuárias sim.

Também não é preciso haver reeleição, o administrador pode ir se

mantendo na administração até que os demais condôminos manifestem seu

desagrado e o destituam. Então vocês vejam que no condomínio voluntário há

muita informalidade. O motivo é que no condomínio voluntário não há um

grande número de condôminos e, geralmente esses condôminos, ou são

parentes, porque o condomínio voluntário estabeleceu-se causa mortis na

herança, ou são amigos que se reuniram para adquirir uma coisa comum.

Já no condomínio edilício a administração é extremamente formal,

solene. O condomínio edilício é organizado, no que tange a sua administração,

como um mini estado moderno, ele tem os seus poderes, tem o poder

Page 76: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

executivo, tem o poder legislativo, que é a assembleia, tem até o poder

judiciário, que aplica multa, julga recursos. A assembleia exerce a função de

poder judiciário e de poder legislativo. A assembleia elabora a convenção, o

regimento interno.

Quem administra o condomínio edilício recebe o nome de síndico, sendo

ele o representante legal do condomínio edilício, o que significa dizer que é o

síndico que emite vontade em nome dos demais condôminos para exercer ou

proteger os seus direitos. O síndico é que praticará os atos judiciais ou

extrajudiciais necessários à defesa dos interesses dos direitos dos

condôminos. Isso para evitar que todos os condôminos pudessem manifestar

sua vontade. Ex.: para contratar um porteiro, todos os condôminos teriam que

assinar sua carteira de trabalho, o que seria impossível. Então, para evitar

isso, elege-se o síndico que representará os demais condôminos.

O síndico tem, portanto, os poderes de administração e de

representação. A lei 4.591 autorizava o síndico a delegar os poderes de

administração a 3ºs e era frequentíssimo que o síndico delegasse esses

poderes a uma empresa especializada em administração de imóveis,

devidamente autorizado pela assembleia, isso é óbvio.

Mas a lei anterior não admitia em hipótese alguma que o síndico

delegasse a 3ºs os poderes de representação. Ou seja, o síndico só poderia

delegar os poderes de administração, devidamente autorizado pela

assembleia, e podia então contratar uma administradora, que passava a

exercer toda a administração.

Page 77: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Essa administradora é que contrata os empregados, paga as taxas, em

suma, não é o síndico que faz isso, embora nada impeça que o faça; há síndicos

aposentados que tem tempo para resolver as questões do condomínio sem

precisar delegar a administração. Mas nos grandes edifícios isso é muito raro.

Mas os poderes de representação jamais podiam ser delegados, o síndico

seria o único representante legal do condomínio.

Só que agora o NCC, em surpreendente disposição que muda

completamente o perfil do condomínio, admite que o síndico possa também

delegar as funções de representação do condomínio, mas desde que

autorizado expressamente pela assembleia especialmente convocada para

isso. Então, agora o síndico pode não ter trabalho nenhum, porque ele pode

delegar as funções de administração a uma administradora e também de

representação. Portanto, um representante da administradora pode agora

comparecer a uma audiência representando o condomínio.

Além do síndico, é possível haver subsíndico, como também a lei prevê

a possibilidade de conselhos que auxiliem o síndico, como: o conselho

consultivo, ou conselho fiscal. Há uma diferença, a lei anterior exigia

obrigatoriamente pelo menos um conselho consultivo ou fiscal. O condomínio

tinha que ter um conselho, que podia acumular as funções de consultivo e

fiscal. Mas tinha que haver um conselho.

Agora é facultativo ter um conselho (consultivo ou fiscal). Agora pode

haver condomínio só com o síndico, sem nenhum conselho consultivo ou fiscal.

O que se exige é que haja, pelo menos uma vez por ano, uma assembleia geral

para aprovar as contas do síndico; eleger o novo síndico; do conselheiro, se

houver; aprovar o orçamento para o ano seguinte.

Page 78: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

Além desta assembleia geral ordinária é evidente que o condomínio

poderá realizar quantas assembleias extraordinárias quiser. Se o condomínio

quiser realizar uma por semana, ninguém tem nada com isso. E essas

assembleias serão convocadas pelo síndico ou pelos conselhos, se houver, ou

por um número determinados de condôminos. Isso também terá que estar

previsto na convenção. Não havendo, a lei diz que os condôminos poderão

convocar essas assembleias.

Se o síndico não convocar essa assembleia, ¼ dos condôminos poderá

fazê-lo (art. 1.355).

Por que se criou essa regra? Porque o síndico poderia não ter interesse

em convocar assembleia se perceber que ela poderia lhe ser hostil, contrária,

para destituí-lo. Então é evidente que o síndico não teria interesse de

convocar essa assembleia. Por isso a lei atribui a ¼ dos condôminos a

faculdade de convocar assembleia diante da recusa do síndico.

O NCC trata da extinção do condomínio edilício nos artigos 1.357 e

1.358. Neste ponto há uma diferença importantíssima entre o condomínio

edilício e o condomínio voluntário. Como foi dito na aula passada, o condomínio

voluntário tem como característica a sua divisibilidade, qualquer condômino a

qualquer tempo pode requerer a extinção do condomínio voluntário, se os

demais não quiserem adquirir o seu quinhão.

O condômino que quiser se retirar do condomínio voluntário não pode

ser obstado pelos demais e, se os demais não quiserem adquirir o seu quinhão,

ele requererá a extinção do condomínio, ou pela divisão da coisa comum, se

Page 79: Professor Firmino Carlos (21) 99255-4612 firmino.adv@gmail ... · ... terá a propriedade da parte da ilha, ... Esse abandono do álveo pode ... o conhecimento da aquisição da propriedade

isso for física ou juridicamente possível; ou pela alienação da coisa comum, se

a coisa for indivisível. Isso é um direito potestativo de qualquer condômino,

daí se dizer que o que caracteriza o condomínio voluntário é a sua

divisibilidade. Tanto que eu lhes expliquei que é possível que os condôminos

impeçam essa divisão, mas a cláusula especial expressa que impede a extinção

do condomínio voluntário só pode ser estabelecida para valer pelo prazo

máximo de 5 anos, isso para permitir que a cada 5 anos os condôminos do

condomínio voluntário possam exercer o seu direito de extinguir o condomínio.

Essa cláusula pode ser renovada quantas vezes os condôminos quiserem, mas

a cada 5 anos todos os condôminos terão que decidir se lhes convém ou não

manter a indivisibilidade, e basta que um condômino não queira renovar essa

cláusula para que ela desapareça e a partir daí qualquer um poderá requerer

a extinção do condomínio.

Bom...agradeço a todos, de forma coletiva e individualizada, por

compartilhar comigo mais uma etapa da vida de vocês....desejo a cada um que

sejam bons, justos, afetuosos...mergulhem fundo, sonhe alto, acreditem em

uma Deus verdadeiro, e façam parte de vocês.

Qualquer coisa, estou aqui...com muito respeito e carinho um Bjs e um

sorriso.

Firmino.