Profissão pequena, grandes lucros

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Profissão pequena, grandes lucros Se você acha que vender pipoca é uma profissão menor, talvez seja melhor ler este artigo antes de tirar suas conclusões Hevlyn Celso O atendimento é frenético no pequenino oásis de calor na tarde fria e chuvosa de sábado. Onde antes rodavam carros e ônibus, agora há o contínuo vai e vem das pessoas, sempre apressadas. No recém pavimentado calçadão da Avenida D. Pedro, no centro de Guarulhos, em frente a uma loja, o carrinho de pipoca é a solução para quem busca um alimento rápido e barato e também um pouco de aconchego. Uma mãe acompanhada de seus dois filhos pequenos reclama. "Já comprei coxinha, agora vão querer pipoca também? Vou comprar só uma, vocês vão ter que dividir". O pipoqueiro sorri, divertindo-se com o comentário. Enquanto isso o movimento não pára; não há tempo para pensar, é preciso correr para dar conta de atender a todos. Entre mexer na panela, entregar a pipoca ao cliente e receber o dinheiro, o pipoqueiro José Gomes de Souza, 57 anos encontra alguns minutos para contar a sua história. Natural de Bom Jardim, Pernambuco, veio a São Paulo tentar a vida como tantos outros nordestinos. Bem antes, por volta dos 11 anos, vendia amendoim e pipoca em sua cidade. Foi natural que começasse a vender pipoca com o cunhado, em 1974. Hoje trabalha sozinho, ou melhor, com a mulher, Marli de Souza, 52 anos. Neste dia, além de Marli, sua sobrinha e a neta também ajudavam. José diz que o tempo frio é melhor para vender. “Tiro na faixa de 2.000 a 2.500 reais por mês. No calor a venda cai 50%”. Num dia frio, chega a vender de 300 a 500 pipocas, que custam entre um e dois reais. Comprou casa, carro e sustentou mulher e três filhos, sempre trabalhando em Guarulhos. Todos os filhos já são adultos, mas um parou de estudar. “Eles trabalham, têm que pagar os estudos, o que ganho é para pagar minhas dívidas mesmo, comprei um carro melhor, ainda estou pagando”. È feliz na profissão. “Só vou parar de vender pipoca no dia em que Deus me levar, enquanto Ele me der vida estou aqui”. Estudou o equivalente ao segundo ano do ensino fundamental, diz que sua leitura é fraca, que hoje não teria mais cabeça para estudar, mas está satisfeito: “Decido as minhas folgas, é melhor que trabalhar em firma, tenho minha família, minha casa, minhas coisas”. Afirma que os políticos deveriam organizar a venda dos ambulantes, para todos poderem ganhar o pão de cada dia. Souza diz que não há sindicato para os pipoqueiros, e que o governo deveria se organizar melhor. Para poder trabalhar, paga uma taxa anual à prefeitura. passou dificuldades com os fiscais, mas agora é regularizado e só tem um concorrente no calçadão. Marli diz que foi um pouco difícil conseguir a licença; antes trabalhavam em frente à Universidade de Guarulhos com outro carrinho, mas valeu a pena o sacrifício. Acabam de fazer uma nova aquisição. “Faz um mês que comprei esse carrinho, custou R$1.800,00 fora todo o material”, diz seu José. Marli sempre ajudou o marido, afirma que não gostaria de trabalhar em outra coisa agora. Chama a atenção da neta, que atende uma cliente. “Filha, assim não, olha o exagero de leite condensado!” Trabalham de segunda a segunda, faça chuva ou sol, mas agora, com a quase exclusividade de vendas no calçadão, as

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Profissão pequena, grandes lucros

Se você acha que vender pipoca é uma profissão menor, talvez seja melhor ler este artigo antes de tirar suas conclusões

Hevlyn Celso

O atendimento é frenético no pequenino oásis de calor na tarde fria e chuvosa de sábado. Onde antes rodavam carros e ônibus, agora há o contínuo vai e vem das pessoas, sempre apressadas. No recém pavimentado calçadão da Avenida D. Pedro, no centro de Guarulhos, em frente a uma loja, o carrinho de pipoca é a solução para quem busca um alimento rápido e barato e também um pouco de aconchego. Uma mãe acompanhada de seus dois filhos pequenos reclama. "Já comprei coxinha, agora vão querer pipoca também? Vou comprar só uma, vocês vão ter que dividir". O pipoqueiro sorri, divertindo-se com o comentário. Enquanto isso o movimento não pára; não há tempo para pensar, é preciso correr para dar conta de atender a todos. Entre mexer na panela, entregar a pipoca ao cliente e receber o dinheiro, o pipoqueiro José Gomes de Souza, 57 anos encontra alguns minutos para contar a sua história. Natural de Bom Jardim, Pernambuco, veio a São Paulo tentar a vida como tantos outros nordestinos. Bem antes, por volta dos 11 anos, já vendia amendoim e pipoca em sua cidade. Foi natural que começasse a vender pipoca com o cunhado, em 1974. Hoje trabalha sozinho, ou melhor, com a mulher, Marli de Souza, 52 anos.

Neste dia, além de Marli, sua sobrinha e a neta também ajudavam. José diz que o tempo frio é melhor para vender. “Tiro na faixa de 2.000 a 2.500 reais por mês. No calor a venda cai 50%”. Num dia frio, chega a vender de 300 a 500 pipocas, que custam entre um e dois reais. Comprou casa, carro e sustentou mulher e três filhos, sempre trabalhando em Guarulhos. Todos os filhos já são adultos, mas um parou de estudar. “Eles trabalham, têm que pagar os estudos, o que ganho é para pagar minhas dívidas mesmo, comprei um carro melhor, ainda estou pagando”. È feliz na profissão. “Só vou parar de vender pipoca no dia em que Deus me levar, enquanto Ele me der vida estou aqui”. Estudou o equivalente ao segundo ano do ensino fundamental, diz que sua leitura é fraca, que hoje não teria mais cabeça para estudar, mas está satisfeito: “Decido as minhas folgas, é melhor que trabalhar em firma, tenho minha família, minha casa, minhas coisas”. Afirma que os políticos deveriam organizar a venda dos ambulantes, para todos poderem ganhar o pão de cada dia. Souza diz que não há sindicato para os pipoqueiros, e que o governo deveria se organizar melhor. Para poder trabalhar, paga uma taxa anual à prefeitura. Já passou dificuldades com os fiscais, mas agora é regularizado e só tem um concorrente no calçadão. Marli diz que foi um pouco difícil conseguir a licença; antes trabalhavam em frente à Universidade de Guarulhos com outro carrinho, mas valeu a pena o sacrifício. Acabam de fazer uma nova aquisição. “Faz um mês que comprei esse carrinho, custou R$1.800,00 fora todo o material”, diz seu José. Marli sempre ajudou o marido, afirma que não gostaria de trabalhar em outra coisa agora. Chama a atenção da neta, que atende uma cliente. “Filha, assim não, olha o exagero de leite condensado!” Trabalham de segunda a segunda, faça chuva ou sol, mas agora, com a quase exclusividade de vendas no calçadão, as

coisas melhoraram. “Aqui está bom, já posso dar uma descansadinha de vez em

quando” diz Souza, com seus 34 anos de experiência.

Entrevista efetuada durante o curso de Jornalismo na Universidade Cruzeiro do Sul (2009)