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No momento atual da história da profissão de psicólogo no Brasil, quando se discutem e deci- dem mudanças nos currículos de formação dos profissionais, freqüentemente temos nos depa- rado com uma questão que parece ser crucial e ponto de partida para grande parte daquelas decisões: que características tem o psicólogo, quem é esse profissional que queremos formar? Na busca dessas respostas, estão em jogo, prin- cipalmente, as concepções que nós, psicólogos, temos de nossa profissão e nossos conceitos do que seja um profissional. O estudo desses aspectos, no entanto, não é único nem recente. Do trabalho pioneiro de Sylvia Leser de Mello, “Psicologia e Profissão em São Paulo”, em 1975, até a publicação pelo Conselho Regional de Psicologia - 6ª Região, em 1995, de “Psicologia: formação, atuação profissional e mercado de trabalho”, a profissão de psicólogo e o papel que o pro- fissional de Psicologia vem desempenhando junto à sociedade brasileira, têm sido estuda- dos, discutidos e criticados a partir de ângulos diferentes. Os trabalhos realizados pelo Sindi- cato dos Psicólogos no Estado de São Paulo O trabalho discute interações de condições de ensino de uma disciplina (cujos objetivos se voltam para a formação de psicólogos que atendam às necessidades sociais) com as concepções de alunos sobre o que é um profissional. Os resultados permitem supor que tais condições contribuiriam para a construção de uma concepção de profissional próxima dos objetivos pretendidos. Profissionais para Si ou para Outros? Algumas Reflexões sobre a Formação dos Psicólogos PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2000, 20 (2), 20 -31 20 Waldir Bettoi Psicólogo, Mestre e Doutorando em Psicologia IP - USP, Professor de Psicologia. Livia Mathias Simão Professora do IP - USP , Doutora pela Universidade de São Paulo em 1988. Ben Chain

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No momento atual da história da profissão depsicólogo no Brasil, quando se discutem e deci-dem mudanças nos currículos de formação dosprofissionais, freqüentemente temos nos depa-rado com uma questão que parece ser crucial eponto de partida para grande parte daquelasdecisões: que características tem o psicólogo,quem é esse profissional que queremos formar?Na busca dessas respostas, estão em jogo, prin-cipalmente, as concepções que nós, psicólogos,temos de nossa profissão e nossos conceitos doque seja um profissional.

O estudo desses aspectos, no entanto, não éúnico nem recente. Do trabalho pioneiro deSylvia Leser de Mello, “Psicologia e Profissãoem São Paulo”, em 1975, até a publicaçãopelo Conselho Regional de Psicologia - 6ªRegião, em 1995, de “Psicologia: formação,atuação profissional e mercado de trabalho”,a profissão de psicólogo e o papel que o pro-fissional de Psicologia vem desempenhandojunto à sociedade brasileira, têm sido estuda-dos, discutidos e criticados a partir de ângulosdiferentes. Os trabalhos realizados pelo Sindi-cato dos Psicólogos no Estado de São Paulo

O trabalho discute interações de condições de ensino de uma disciplina (cujosobjetivos se voltam para a formação de psicólogos que atendam às necessidadessociais) com as concepções de alunos sobre o que é um profissional. Os resultadospermitem supor que tais condições contribuiriam para a construção de umaconcepção de profissional próxima dos objetivos pretendidos.

Profissionais para Siou para Outros?

Algumas Reflexões sobre a Formação dos Psicólogos

PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2000, 20 (2), 20 -31

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Waldir BettoiPsicólogo, Mestre e

Doutorando emPsicologia IP - USP,

Professor de Psicologia.

LiviaMathias Simão

Professora do IP - USP,Doutora pela Universidade

de São Paulo em 1988.

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(1984) e pelo Conselho Federal de Psicologia(1988; 1992 e 1994) podem ser apontadoscomo exemplos do empreendimento de psi-cólogos no sentido de conhecerem sua pró-pria profissão e de refletirem sobre ela. Nes-ses trabalhos e em outros que têm sido pro-duzidos, abordam-se vários aspectos relacio-nados à profissão (por exemplo, Bastos, 1990;Botomé, 1987 e 1988; Carvalho, 1984b;Pasquali, 1988; Witter, Bastos, Bonfim &Guedes, 1992). A formação profissional dopsicólogo também tem sido objeto específicode reflexão de vários estudiosos que o fazema partir de várias referências diferentes, apre-sentando perspectivas múltiplas para a ques-tão (por exemplo, Bastos & Ashcar, 1994;Carvalho, 1984a; Crochik, 1985; Duran, 1994;Gomide, 1988; Medeiros, 1989; Mello, 1989;Pardo, 1996; Pereira,1975).

Entretanto, as reflexões apresentadas nesteartigo, baseadas em uma pesquisa (Bettoi,1998) que terá um de seus tópicos abordadoaqui, apontaram para a necessidade de consi-derarmos como igualmente importantes asconcepções que os alunos dos cursos de psi-cologia, especialmente os calouros, apresen-tam sobre o profissional. Isto porque as con-cepções com que o aluno chega à faculdadeinfluenciarão na seleção e nas relações queele estabelecerá quando se defrontar com asinformações, atitudes e valores promovidospelo curso.

Conhecer as concepções específicas de pro-fissional apresentadas por calouros, e ainteração dessas concepções com as condi-ções de ensino de uma disciplina introdutória,foi um dos objetivos da pesquisa que aquifocalizaremos.

A concepção específica de profissional psicó-logo, subjacente à disciplina em questão, re-metia a um conceito de profissional em quese evidenciavam suas funções sociais, isto é,ele era considerado como alguém que, atra-vés de seus conhecimentos específicos, de-veria atender às necessidades sociais de for-ma abrangente (em termos de número e es-tratos sociais atingidos) e significativa (em ter-mos das mudanças que propicia para o de-senvolvimento do indivíduo e da sociedade).

Supunha-se, portanto, que a presença, nadisciplina, de uma imagem de profissional como

alguém que presta serviços à sociedade, au-mentaria a probabilidade disso efetivamenteacontecer, aumentando a chance do aluno vira ser um profissional que atendesse às necessi-dades que a sociedade tem de seus serviços.

Poder-se-ia supor, assim, que a presença dedeterminadas condições de ensino no primei-ro momento em que o aluno chega ao curso,poderia se constituir em uma oportunidadeadequada para se tentar interferir no repertó-rio de informações e de imagens sobre a pro-fissão que o aluno iniciante traz para a facul-dade, visando estabelecer relações futurasmais significativas entre o profissional e a so-ciedade. Ou seja, como aponta Mello (1975),a auto-imagem profissional do psicólogo“condiciona nossos objetivos e define o âmbi-to de ação dos psicólogos (...)”(p. 76).

Em estudos anteriores, as necessidades soci-ais e o significado social da atuação do psicó-logo também foram abordados (por exemplo,Mello, 1975; Botomé, 1979; Carvalho, 1982;Prete, 1986; Bastos, 1988; Carvalho, 1988;Gomide, 1988; Bomfim, 1990; Ozella &Lurdes, 1993; Weber, Botomé & Rebelatto,1996). Carvalho (1982), Bock (1990) e Ozella& Lurdes (1993) fazem considerações impor-tantes para que se pense nas relações entreas necessidades sociais, a imagem da profis-são, a formação e a atuação profissional.Weber, Botomé e Rebelatto (1996) criticamo currículo dos cursos de formação conside-rando-o “mais voltado ao ensino de técnicase modelos de atuação existentes (e consagra-dos), do que ao desenvolvimento de atuaçõesprofissionais socialmente significativas” (p.11).

Além disso, diversos autores têm estudadovários aspectos de concepções (ou “imagens”,como muitas vezes se denominam) de alunossobre a profissão (por exemplo, Lázaro, Oli-veira & Marques, 1986; Santos, Lisboa &Takahachi, 1987; Leme, Bussab & Otta, 1989;Santos, 1992a e b;Santos & Oliveira, 1995;Weber, 1991; Gomes, Teixeira, Crescente,Fachel, Sehn & Klarmann, 1996; Carvalho &Kavano, 1982; Lordelo & Bastos, 1988; San-tos, 1989; Schmidt, 1984; Siqueira, Oliveira,Carvalho & Yamamoto, 1997; Lisboa, Santos& Takahachi, 1987; Dobrianskyi, 1988; Car-valho, 1989). Discutem-se, ainda, as relaçõesque estas imagens mantêm com o currículode formação profissional, e o efeito delas so

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bre a atuação do profissional (Mello, 1975;Carvalho, 1982). Santos (1992b) sugere quese avalie o efeito dos cursos de formação so-bre as imagens da Psicologia e da profissão.Weber, Rickli e Liviski (1994) concluem sobreuma influência indireta da formação sobre aimagem da Psicologia.

Em síntese, a análise sistemática de concep-ções sobre a profissão, com o objetivo de iden-tificar o sentido que o aluno e o psicólogo dãoaos conceitos de Psicologia e de profissional,poderia também contribuir para o entendi-mento das relações entre o psicólogo e a so-ciedade.

O estudo da interação das condições de ensi-no presentes nos cursos de formação do psi-cólogo com o repertório de imagens sobre aprofissão com que o aluno chega à faculdade,parece, conseqüentemente, relevante e ne-cessário.

Especificamente, as seguintes questões deve-rão ser objeto de reflexão no presente traba-lho: (a) como é a concepção de profissionalque o aluno revela ao ingressar no curso?(b) que características têm essas concepçõesdos alunos após o seu contato com uma dis-ciplina introdutória ? (c) de que maneiraessas concepções poderiam relacionar-secom as condições de ensino da disciplina?

Origem e Naturezados Dados da Pesquisa

As informações analisadas neste trabalho fo-ram extraídas de questionários aplicados aosalunos nos primeiro e último dias de aula da

disciplina, contendo questões relacionadas àescolha profissional do aluno e à sua concep-ção de “profissional”. As respostas dadas a umadessas questões (“Para você, o que é um pro-fissional - qualquer um, não necessariamenteapenas o psicólogo?”) serviram como fonteprincipal do material cuja análise norteou asconsiderações que serão feitas aqui.

Os Alunos

Os dados aqui discutidos referem-se a 69 alu-nos e alunas do primeiro ano de Psicologia deuma universidade particular de São Paulo, ten-do freqüentado a disciplina em questão, mi-nistrada por um dos autores do presente tra-balho, nos períodos da tarde e da noite. Sãodiscutidas aqui especificamente as respostasque deram a uma pergunta presente nos doisquestionários sobre a profissão aplicados noinício e no final do curso, solicitando sua con-cepção de profissional. A faixa etária dos alu-nos estava entre 18 a 20 anos, sendo a maio-ria deles originada de classe média.

A Disciplina e as Condições deEnsino Planejadas pelo Professor

Objetivos:

Dos objetivos estabelecidos para a disciplina,dois devem ser considerados para este traba-lho: (1) os alunos deverão entrar em contatodireto com profissionais de diversas áreas deatuação e (2) os alunos deverão refletir sobrediversos aspectos relacionados à atuação dopsicólogo, avaliando-a criticamente, especial-mente no que diz respeito às relações delacom a sociedade.

Atividades planejadas:

(a) O contato direto e indireto do aluno compsicólogos atuantes

O contato direto que os alunos têm com opsicólogo que atua em São Paulo é feito basi-camente através de entrevistas que realizam,em grupo, com profissionais de diversas áreasde atuação, a saber: clínica (particular, emconsultório); organizacional; educacional;institucional/comunitária; hospitalar; pesquisa.Cada grupo fica encarregado, então, de en-trevistar um mínimo de três psicólogos de uma

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mesma área e o produto final deste contato éum trabalho escrito e uma apresentação paraa classe do que observou e refletiu sobre aatuação profissional do psicólogo daquela área.As entrevistas são gravadas e posteriormentetranscritas e entregues como anexo ao traba-lho escrito. Há, também, o contato indiretocom o profissional atuante, que é realizadoatravés do comparecimento do aluno às apre-sentações dos trabalhos dos seus colegas declasse, que estarão se referindo às áreas deatuação diferentes daquela em que ele e seugrupo realizaram seu trabalho.

(b) Reflexão crítica do alunosobre a profissão

Para que o contato com alguns aspectos darealidade profissional do psicólogo possa re-sultar em uma reflexão crítica do aluno sobrea profissão, o trabalho de campo é antecedi-do por seminários que pretendem ofereceraos alunos, além de informações e termino-logia básicas, um conjunto de referências crí-ticas para a reflexão sobre a profissão, quesão discutidas e utilizadas em classe, comopreparação para o contato com o profissionalatuante. Esses seminários baseiam-se na lei-tura de textos sobre a profissão e em ques-tões de discussão propostas pelo professor.

Tendo como base reflexões sobre as relaçõesentre a profissão de psicólogo e a sociedade,feitas anteriormente por Mello (1975) e Car-valho (1982), a disciplina em questão estabe-leceu um conceito de profissional “modelode referência” que serve como guia para areflexão do aluno sobre a profissão.

Esse profissional-referência é definido como“um indivíduo que detém um conhecimentoespecífico e sistemático e o aplica, como pres-tação de serviços, a todas as camadas da po-pulação, sem distinção, ao maior número pos-sível de pessoas dessa população, de forma acontribuir para a transformação do indivíduoe da sociedade”.

A análise dessa concepção mostra que esseprofissional-referência é visto basicamentecomo um prestador de serviços à sociedade,como um todo, e isso se dá com base emseus conhecimentos psicológicos. Esta própriaconcepção que será utilizada no curso é dis-

cutida pelos alunos, enquanto um conceitoque reflete pressupostos valorativos sobre oHomem e o profissional, ou como um con-ceito que poderia refletir uma expectativa “ir-

real”, se for considerado sem a necessáriavinculação a outros fatores que afetam e re-gem a sociedade brasileira.

Tendo sido discutidas, pelos alunos, caracte-rísticas da concepção de profissional, o próxi-mo passo na apresentação das referências paraa sua reflexão constitui-se na análise de al-guns fatores que poderiam afetar aabrangência e a significância da função socialdo psicólogo. Assim, discutem-se as possíveisrelações entre a função social do psicólogo e(a) sua forma “típica” de atuação; (b) sua for-mação profissional e (c) a imagem social daprofissão.

Os Psicólogos Entrevistados

A seleção dos psicólogos para a entrevista foifeita pelos próprios alunos, sendo que a únicaexigência da disciplina foi a de que cada gru-po entrevistasse no mínimo três profissionaise que estes estivessem desempenhando ati-vidades profissionais na área, na época daentrevista. Os locais de atuação dos psicólo-gos, em seu conjunto, são bastante diversifi-cados, e se encontram, por exemplo, em hos-pitais públicos e privados, empresas, institui-ções bancárias, fundações, escolas públicas eprivadas etc.

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Resultados

O exame das respostas dos alunos à perguntado questionário que solicitava sua concepçãode profissional levou à definição de um con-junto de categorias e sub-categorias, segundoatributos (descritos à frente) presentes nasconcepções apresentadas.

A função dos dados numéricos referentes àsrespostas aos questionários é a de meramen-te fornecer indicadores sobre respostas quedeveriam ser examinadas mais detalhadamenteou, ainda, a de permitir determinadas compa-rações entre as respostas, quando isto foi jul-gado necessário. Isso significa que o uso dedeterminados termos que possuem conotaçãoquantitativa (por exemplo, “predominância”,“maior”, “mais”, “menor”, “menos”) não é oresultado da utilização de procedimentos arit-méticos, mas foram empregados aqui apenascom o sentido descritivo que possuem na lin-guagem informal.

A Concepção de ProfissionalApresentada pelos Alunos

O exame das respostas dos alunos levou àdiferenciação de cinco categorias de atri-butos presentes nas concepções, cada umadelas relacionada a um aspecto diferentedo profissional definido. Assim, encontra-mos atributos (1) relacionados ao sujeitoda ação profissional (por exemplo, profis-sional é uma pessoa interessada no quefaz); (2) relacionados à ação profissionalpropriamente dita (por exemplo, profissi-onal é alguém que realiza projetos); (3) re-lacionados ao modo da ação profissional(por exemplo, profissional é um indivíduoque trabalha com garra); (4) relacionadosao objetivo da ação profissional (por exem-plo, profissional é um indivíduo que traba-lha para estar bem consigo mesmo) e (5)relacionados ao beneficiário da ação pro-fissional (por exemplo, profissional é umapessoa que ajuda a sociedade). Uma sextacategoria foi criada para incluir alguns pou-cos casos em que as respostas não tinhamsentido ou não se aplicavam à pergunta.

Para duas dessas categorias foram criadassub-categorias, para que fosse possível co-nhecer mais detalhadamente vários de seusaspectos . São elas:

Para a categoria (1), atributos relacionados aosujeito da ação profissional, foram estabele-cidas três sub-categorias: 1a, em que o atribu-to enfatizado são suas qualidades pessoais, es-pecialmente em seus aspectos éticos,valorativos e morais (por exemplo, profissio-nal é alguém que honra sua profissão); 1b, emque o atributo enfatizado também são suasqualidades pessoais, mas agora especialmen-te em seus aspectos racionais e de compe-tência técnica (por exemplo, profissional éalguém que entende da área) e 1c, em que oatributo enfatizado é a satisfação pessoal dosujeito (por exemplo, é um indivíduo que gos-ta do que faz).

Para a categoria (3), atributos relacionados aomodo da ação profissional, foram criadas duassubcategorias: 3a, em que o atributo enfati-zado é a eficiência da ação (por exemplo, éum indivíduo que trabalha com competência),e a sub-categoria 3b, em que o atributo enfati-zado são os aspectos valorativos, éticos emorais da ação (por exemplo, trabalha comdedicação e amor).

A Tabela 1 apresenta os resultados para ascategorias e sub-categorias utilizadas. Os da-dos das sub-categorias estão apresentados emsombreado.

Atributos gerais da concepção:

Observa-se uma mudança interessante, quefoi a ênfase que se deu em relação às catego-rias mais mencionadas nas duas condições:se, no primeiro dia de aula, o aluno concebeo profissional como alguém que, fundamen-talmente, se define por seus atributos pesso-ais, referindo-se menos ao que este faz en-quanto tal (ou para quem o faz ou a quemdirige sua ação profissional), no último dia deaula da disciplina ele continua definindo o pro-fissional por seus atributos pessoais, mas ago-ra com menos ênfase, ao mesmo tempo emque a ação profissional ganha predominâncianesta concepção e passa também a ser vistacomo prestação de serviços e aplicação deconhecimento. Além disso, aumenta o númerode alunos que, ao mencionarem atributos doprofissional, enfatizam que este exerce umpapel junto a outros indivíduos da sociedade.

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Atributos da Concepção de Profissional INI FIN %INI %FIN

1 - Relacionados ao Sujeito da Ação Profissional 88 69 59,4 36,9

1a - ênfase aspectos éticos, valorativos e morais de suas qualidades pessoais 36 20 40,9 29,01b - ênfase aspectos racionais de suas qualidades pessoais 39 44 44,2 63,81c - satisfação pessoal 13 5 14,8 7,2

2 - Relacionados à Ação Profissional 30 60 20,3 32,1

3- Relacionados ao Modo da Ação Profissional 18 23 12,2 12,3

3a - ênfase na eficiência da ação 7 12 38,9 52,23b - ênfase em aspectos valorativos, éticos e morais da ação 11 11 61,1 47,8

4 - Relacionados ao Objetivo da Ação Profissional 6 8 4,0 4,3

5- Relacionados Ao Beneficiário da Ação Profissinal 5 25 3,4 13,4

6 - Respostas sem sentido/Não Se Aplicam 1 2 0,7 1,0

Tabela 1: números absolutos e relativos de menções a atributos gerais e específicos de categoriasutilizadas, relativos à concepção de profissional apresentada em duas ocasiões (primeiro e último dias de aula )por alunos (n= 69) de um curso de psicologia. INI e FIN significam, respectivamente, questionário iniciale questionário final.

Atributos específicos da concepção de pro-fissional relacionados ao sujeito da açãoprofissional:

Os resultados apresentados indicam que noprimeiro dia de seu curso o aluno concebe oprofissional predominantemente como alguémque tem qualidades pessoais tanto relaciona-das ao domínio de habilidades racionais e àcompetência técnica desenvolvida e sempreaperfeiçoada, quanto relacionadas a valores,à moral e à ética. Isto é, o profissional nãosomente é uma pessoa, mas uma pessoa con-cebida como dotada de habilidades racionaise possuidora de qualidades éticas e moraisdas mais elevadas e nobres. Para alguns alu-nos, ainda, o profissional é concebido prima-riamente como alguém que está satisfeito eama o que faz.

No último dia de aula, o aluno concebe oprofissional como alguém que tem fundamen-talmente qualidades pessoais, em que se des-tacam aspectos racionais relacionados princi-palmente à posse de conhecimento específi-co, fruto de sua formação e especialização.

Diminui o número de alunos que concebemo profissional apenas como alguém que gostado que faz.

Comparando-se o desempenho dos alunos nosquestionários inicial e final, observa-se que au-menta o número de menções aos aspectosracionais das qualidades pessoais do profissio-nais, enquanto que diminuem as menções aosaspectos morais e valorativos daquelas quali-dades. Ao final do ano, o aluno, além dessesaspectos morais e éticos, vê na pessoa do pro-fissional outros atributos, especialmente odomínio de um saber para o qual se especi-alizou. Perde força, no questionário final, umaconcepção bastante apoiada na idéia de queo profissional “é alguém que gosta do que faz”,apresentada no questionário inicial.

Atributos específicos da concepção de pro-fissional relacionados ao modo da açãoprofissional

Observa-se que, no começo de seu curso,quando na sua concepção de profissional elemenciona seu modo de ação, o aluno o faz

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dando ênfase aos seus aspectos ético-valorativos. O profissional, quando aparececomo alguém que age de uma determinadamaneira, aparece fazendo-o de tal forma emque a ética e a moral predominam (como re-ferências para o modo de ação) sobre os as-pectos de competência e eficiência da ação.Ao final do curso, as duas sub-categorias apa-recem com número aproximado de menções,mas, quando comparadas com o questionárioinicial, mostram mudanças que precisam serconsideradas: aumenta a ênfase na eficiênciada ação, diminuindo a ênfase que inicialmen-te era dada aos seus aspectos morais.

Em resumo, os resultados apresentados po-deriam nos levar a caracterizar o aluno quechega à Faculdade de Psicologia, tomadacomo universo desta pesquisa, como alguémque imagina o profissional como, basicamen-te, um indivíduo que tem determinadas qua-lidades pessoais; essas qualidades abrangemtanto aspectos éticos e valorativos quanto decompetência técnica e racional. Na concep-ção de alguns, ainda, o profissional é visto comoalguém que, basicamente, está satisfeito porser o que é. Nas menções que o aluno faz,neste momento inicial, às ações do profissio-nal, são evidenciados principalmente os as-pectos éticos e valorativos com que praticaessa ação e, em menor escala, os aspectosrelacionados à sua eficiência. Poder-se-ia ima-ginar aqui que, tendo passado recentementepelo processo de opção profissional, o alunopossa ter se perguntado se ele próprio pos-suía determinadas características pessoais as-sociadas à imagem da profissão que tinha.Além disso, o que é bastante comum no pro-cesso de opção profissional de jovens colegi-ais, na ausência de informações concretas so-bre a profissão (por exemplo, sobre formasde atuação e mercado de trabalho), os atribu-tos pessoais da imagem do profissional prova-velmente se enfatizaram. A partir do momen-to em que começa seu curso, o aluno passa aentrar em contato com assuntos que não co-nhecia, com informações que não possuía erealiza uma entrevista com psicólogos que atu-am no mercado. Se entendermos, generica-mente falando, a entrevista com o profissio-nal como sendo uma oportunidade em que oaluno entra em contato pessoal com um psi-cólogo que está realizando concretamente al-

gum tipo de atividade profissional e está fa-lando sobre ela, pode fazer sentido pensarem mudanças em suas concepções como po-dendo ter sido afetadas pela interação com aentrevista e outras condições do curso. É cer-to que, depois de ter feito a entrevista e con-cluído o seu contato com a disciplina, o alunocontinua concebendo o profissional principal-mente em termos de suas qualidades pesso-ais (embora com menor ênfase do que noquestionário inicial). Isto se justificaria na me-dida em que teve contato com alguém quefala de seu trabalho e sobre si, e enquantofala de suas atividades profissionais, tambémestá se revelando como pessoa. Entretanto,as menções a estas qualidades pessoais pas-sam a focalizar privilegiadamente os aspectosde competência técnica e racional. Agora, apessoa do profissional é vista principalmentecomo alguém que detém conhecimentos téc-nicos, se especializou e domina uma deter-minada área de conhecimento e sua satisfa-ção pessoal não é mais tão mencionada comoanteriormente. Observe-se, também, que oprofissional passa a ser concebido com umaumento de menções às suas ações profissio-nais, o que poderia ter sido afetado pelo con-tato com o próprio conteúdo da entrevista,em que predominantemente se pergunta so-bre o que o profissional faz, como faz e emque condições realiza suas ações, além docontato com os textos do curso em que asatividades dos psicólogos são descritas emdetalhe. Nesse sentido, observa-se que, quan-do menciona o modo com que a ação profis-sional é realizada, o aluno muda a ênfase: aação é concebida mais enfaticamente comopraticada de modo eficiente, do que de modomoralmente adequado. O fato de, no questi-onário final, ter aumentado o número demenções à aplicação de conhecimentos, àprestação de serviços e aos beneficiários daação profissional pode também estar refletin-do características das entrevistas feitas, já que,ao falar de sua atuação profissional, o psicólo-go freqüentemente menciona as pessoas àquem presta seus serviços. Estas suposições,assim, poderiam estar apontando para algu-mas das possibilidades de interação das váriascondições de ensino presentes no curso, es-pecialmente a entrevista, com o repertório deimagens sobre o profissional com o qual o alu-no entra e sai do curso.

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Discussão

Uma concepção de psicólogo em que seevidenciam atributos relacionados ao su-jeito da ação profissional

A concepção de profissional apresentada pe-los alunos, tanto no questionário inicial, quantono final, põe em evidência, principalmente,as características pessoais desse profissional.Isto é, o aluno concebe o profissional de for-ma tal que aquilo que o psicólogo é comopessoa, se sobressai em relação a outros as-pectos de suas características profissionais,como sua ação profissional, propriamente dita,ou o beneficiário dessa ação.

A reflexão sobre o papel que as condições deensino mencionadas poderiam ter exercido namanutenção da ênfase nas características pes-soais do profissional, indica que o contato comoutros aspectos de uma concepção de profis-sional não excluiria (e, às vezes, poderia in-cluir) a presença de fatores que favoreceriama manutenção daquelas características. Asentrevistas, principalmente, poderiam ter con-tribuído para isso, visto que o psicólogo, aofalar de suas ações profissionais, implícita ouexplicitamente, fala de si, também, enquan-to pessoa. Além disso, com muita freqüên-cia, os psicólogos mencionam explicitamentecaracterísticas pessoais que o psicólogo temou deveria ter para uma atuação satisfatória(por exemplo, seriedade, maturidade, dom,honestidade, auto-confiança, altruísmo, humil-dade, engajamento político etc.).

Esses resultados podem ser uma oportunidadepara se refletir sobre as observações de Vilela(1996) a respeito do “ser psicólogo”. Entrevis-tando supervisores de estágios e estagiáriosde cursos de formação de psicólogos, a autoraencontra respostas que parecem revelar apresença de uma imagem de profissional emque seus atributos pessoais também sãoevidenciados, como no caso da presentepesquisa. Segundo ela, o modelo de profis-sional encontrado poderia estar revelando opredomínio do valor individualista no contextosocial onde a Psicologia se insere. Nessa con-cepção, a formação, representada pelo estágioe supervisão, seria como que “somente umaprimoramento do que já existe pois serpsicólogo é, predominantemente, uma natu-

reza” (p. 148). Algumas de suas característicaspessoais específicas estariam representandoessa natureza, essa “vocação” para a atividadeprofissional. As considerações da autora, nessamedida, poderiam se aplicar aos resultadosobtidos pelo presente trabalho.

Quanto aos aspectos específicos das carac-terísticas pessoais do profissional concebidopelos alunos, no questionário inicial o que seobservou foi uma distribuição praticamenteequivalente entre as menções às qualidadeséticas e morais e às qualidades racionais dopsicólogo. Entretanto, no questionário final,salientam-se os aspectos racionais das qualida-des pessoais do psicólogo. Isso parece indicarque a concepção do aluno pode ter sido afetada

por outros aspectos presentes nas condiçõesde ensino, como um todo, especialmenteaqueles referentes à ação do profissional. Ostextos, as discussões e as informações ofere-cidas pelo conjunto de condições de ensinoda disciplina estão vinculados a um de seusobjetivos específicos que é o de colocar oaluno em contato com vários aspectos dasdiversas possibilidades de atuação do psicólogo,e isso inclui, via de regra, a menção às diversasatividades específicas dos psicólogos em váriasáreas de atuação, em contextos específicos ediferenciados, com determinados objetivos eatribuições, em que os profissionais aparecemdominando um conhecimento psicológicoatravés de seus métodos e técnicas detrabalho. O contato do aluno com as entre-vistas, principalmente, evidencia esse aspecto.

Profissionais para Si ou para Outros? Algumas Reflexões Sobre a Formação dos Psicólogos

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Um outro aspecto dos atributos relacionadosao sujeito da ação profissional (satisfaçãopessoal), presente nas concepções dos alunosnos questionários inicial e final, mostra que oprofissional é concebido, também, comoalguém que gosta do que faz. No questionáriofinal, há uma diminuição grande na quantidadede menções a esse atributo, em relação aoinicial. Isto é, o atributo satisfação pessoal perdeforça na concepção final do aluno sobre oprofissional. Poder-se-ia conjeturar que, aotomar contato com as leituras e discussões docurso e com os profissionais, o aluno seria

envolvido por um conjunto de informações eoutras imagens sobre a profissão querelativizariam o peso atribuído a este aspectoespecífico ou que o contato com os múltiplosaspectos que envolvem a profissão poderiatê-lo levado a uma imagem mais “real” do graue da natureza da satisfação pessoal do profis-sional com seu trabalho: na medida em queesta satisfação poderia estar sujeita a uma sériede determinantes concretos, inerentes àatuação do psicólogo, muitos deles indese-jáveis, a satisfação pessoal nem sempre seriapossível ou o seria em graus variados.

Uma concepção de psicólogo em que seevidenciam atributos relacionados à açãoprofissional e ao modo e ao objetivo dessaação.

A leitura da concepção de profissionalapresentada pelos alunos nos questionáriosinicial e final mostra, ao término do curso, umaumento de menções a atributos relacionados

à ação profissional. Se, no início do curso, oprofissional era concebido mais em função desuas qualidades pessoais do que de sua açãoprofissional, agora, ao final, essa diferença entreos pesos desses atributos quase desaparece.O profissional continua sendo concebido comoalguém que possui determinados atributospessoais, mas, agora, é visto, também, comoalguém que realiza ações profissionais espe-cíficas, de determinadas formas e com certosobjetivos.

O exame das entrevistas e do material deleitura e discussão do curso permite observara presença de um conjunto muito variado emultifacetado de informações e de elementoscapazes de contribuir para a formação deimagens relacionadas à ação profissional dopsicólogo e dos inúmeros aspectos queenvolvem sua profissão. Pode-se dizer, assim,que as imagens iniciais dos alunos, em que aação do profissional aparecia em menordestaque, junto aos seus atributos correlatoscomo modo e objetivo da ação, poderiam ter-se alterado em função do contato com asentrevistas e outras condições do curso. Ocontato com profissionais atuantes quedescrevem o que fazem, como fazem, paraquê fazem, e em quais circunstâncias o fazem,poderia resultar em uma imagem mais rica daação profissional e com uma distribuição maisequilibrada do peso dado aos outros atributoscorrelacionados à essa ação, como a apresen-tada na concepção final do aluno sobre o pro-fissional.

O modo de ação profissional deixa de ser vistocomo baseado fundamentalmente emaspectos morais e valorativos, passando aenfatizar, ao final do curso, a eficiência da açãoprofissional. A competência profissional dopsicólogo ganha evidência, possivelmenteporque o aluno, em contato com a entrevista,tem a oportunidade de encontrar psicólogosque, via de regra, são contratados paradesempenhar uma função de determinadaforma, para atingir objetivos específicos, dentrode um contexto de uma instituição queenvolve o atendimento a uma determinadaclientela. Isto é, o profissional além de trabalharcom base em valores éticos e morais, deveprincipalmente realizar ações específicas e daforma mais eficiente possível, para atingir seusobjetivos ou os das instituições.

Waldir Bettoi & Livia Mathias Simão

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Uma concepção de psicólogo em que seevidenciam atributos relacionados aobeneficiário da ação profissional

A concepção de profissional que subjaz aosobjetivos da disciplina e às diversas condiçõesde ensino que a caracterizam, prioriza a relaçãoda ação profissional do psicólogo com asociedade em vários aspectos, especialmenteno sentido da contribuição que o profissionaldá a ela, contribuição esta avaliada, entreoutros parâmetros, pela abrangência social dotrabalho do psicólogo.

Como já mencionamos anteriormente, aanálise da concepção de profissional apre-sentada pelos alunos, ao iniciarem seu curso,mostra que são poucos aqueles cujas concep-ções fazem menção à sua abrangência social.Ao final do curso, observa-se um aumentoconsiderável de menções ao beneficiário daação do profissional. Agora o profissional éuma pessoa que tem uma atividade desem-penhada em relação a, ou para, outro(s), deuma certa maneira.

Um dos aspectos que poderia ser inicialmenteapontado como fazendo parte de condiçõespropiciadoras dessas imagens, seria o fato deque, nas entrevistas, ainda que não estejaexplicitamente referindo-se à questão daabrangência social da profissão, ao descreversuas atividades e falar de seu trabalho, opsicólogo, geralmente, identifica sua clientela,refere-se às pessoas para quem realiza seutrabalho, bem como aos resultados que obtémou pretende obter. Nesse sentido, parece quepodemos considerar esta condição de ensinocomo adequada às prescrições de Mello(1996), para quem é preciso que o ensino daPsicologia “se localize, isto é, defina o espaçosocial em que vai atuar, conheça os contornossócio-econômicos e culturais da população quevai ser atendida, respeite as diferenças quepossam existir, elimine preconceitos” (p. 3).

Além disso, a questão da abrangência socialda profissão é explicitamente mencionadapelos entrevistados, seja como prescrição decomportamento, seja pela identificação quefazem dos estratos sociais atingidos concre-tamente por seu trabalho. Em relação a isso,observa-se que o aluno é exposto a um con-junto variado de avaliações, possibilitando a

formação de diferentes imagens em relação àpopulação atingida. Assim, há aqueles queafirmam que todos os estratos sociais sãobeneficiados, há aqueles que afirmam que sóas camadas mais altas da população o são,assim como, para outros, a abrangência édesproporcional aos vários segmentos dapopulação, com privilégio para as camadas maisaltas.

Algumas considerações sobre anecessidade do professor de Psicologiarefletir sistematicamente sobre seu papelna formação de psicólogos.

Considerando que este trabalho se insere emum contexto em que a profissão do psicólogoé discutida em alguns de seus aspectos especí-ficos, principalmente naqueles relacionados àsua formação acadêmica e ao seu papel social,parece necessário que se estabeleçam algumasreflexões sobre estas e outras questões relacio-nadas, tendo como referência os resultadosobservados na presente pesquisa.

Os resultados reafirmam a necessidade de sepensar no papel que a formação profissionaldo psicólogo vem desempenhando sobre suaatuação. A observação feita aqui, de que ofuturo profissional chega ao curso de Psicologiaconcebendo um profissional possuidor decertos atributos que parecem não contribuirpara que sua atuação profissional futura atendaàs amplas necessidades da sociedade, apóiaesta afirmação. Se imaginarmos que o psicó-logo concebe o profissional de sua área comoalguém que estuda para atuar quase queexclusivamente em uma única área e concebeessa atuação como algo que se caracterizafundamentalmente pelos atributos pessoais dequem a realiza e não pelas suas ações profis-sionais, especialmente no que se refere aosdestinatários ou beneficiários dessas ações,talvez sua atuação concreta reflita essa concep-ção, sendo menos provável que ele venhaatender às necessidades da sociedade. Nessamedida, faria sentido pensar em como aformação profissional do psicólogo poderiainterferir para que essa concepção se alterasse.Em outras palavras, caberia aqui citarFigueiredo (1983): “não se trata, apenas ouprincipalmente de esclarecer, mas de promo-ver um confronto sistemático com as fantasiasindividuais e coletivas: antes de passar informa-

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essas alterações se configuraram em torno doconceito de profissional que a disciplina emquestão pretendia enfatizar. A concepção deprofissional trouxe consigo, ao final, novosatributos, relacionados à competência técnicado sujeito, à sua ação, mencionada na suasmais variadas formas, ao modo com que essaação é realizada e, o que é importante quandose considera a questão das necessidadessociais, ao beneficiário dessa ação. Pode-seafirmar, assim, que sua concepção ao final docurso se aproxima mais de um profissional quese relaciona efetivamente com a sociedade.

Waldir Bettoi & Livia Mathias SimãoRua Joaquim Antunes, 721 apt.2

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Waldir Bettoi & Livia Mathias Simão

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Recebido em 24/03/99 - Aprovado em 02/10/99

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