Programa Bolsa Família: uma Programa Bolsa Família: uma política familiar generificadapolítica familiar generificada

Mani Tebet Marins*Mani Tebet Marins*

** Doutoranda do Programa de Pós- Doutoranda do Programa de Pós- Graduação em Sociologia e Antropologia da Graduação em Sociologia e Antropologia da

UFRJUFRJ

Programas de transferência de Programas de transferência de rendarenda

O debate sobre os programas de transferência O debate sobre os programas de transferência de renda não é algo recente. Porém nunca de renda não é algo recente. Porém nunca esses programas tiveram um papel tão esses programas tiveram um papel tão importante nas políticas públicas de combate à importante nas políticas públicas de combate à pobreza em vários países. Apesar das inúmeras pobreza em vários países. Apesar das inúmeras experiências que surgiram, foi a partir da experiências que surgiram, foi a partir da década de 1980 que ocorreu um acirramento década de 1980 que ocorreu um acirramento dos debates sobre tais políticas. E na década de dos debates sobre tais políticas. E na década de 90 passamos a visualizar ações particularmente 90 passamos a visualizar ações particularmente direcionadas a redução da pobreza. direcionadas a redução da pobreza.

Contexto do surgimento dos programas de Contexto do surgimento dos programas de

transferência de rendatransferência de renda

1) crise nos chamados Sistemas de Welfare 1) crise nos chamados Sistemas de Welfare States;States;

2) ampliação do desemprego na maioria dos 2) ampliação do desemprego na maioria dos países pobres e ricos a partir da chamada países pobres e ricos a partir da chamada reestruturação produtiva. reestruturação produtiva.

3) Reuniões de organismos internacionais e 3) Reuniões de organismos internacionais e nacionais de combate à fome e à miséria.nacionais de combate à fome e à miséria.

A figura feminina nas políticas A figura feminina nas políticas

1)1) Já em 1995 o Já em 1995 o PNUDPNUD através do Relatório de através do Relatório de Desenvolvimento Humano apontava uma sobre-Desenvolvimento Humano apontava uma sobre-representação (70%) das mulheres entre os pobres no representação (70%) das mulheres entre os pobres no mundo. mundo.

2) 2) A A Conferência Mundial de BeijingConferência Mundial de Beijing (1995) salientava (1995) salientava a discrepância do aumento de pobres entre as a discrepância do aumento de pobres entre as mulheres em relação ao conjunto masculino da mulheres em relação ao conjunto masculino da populaçãopopulação

3) 3) Em 1997 o Em 1997 o Documento do Banco MundialDocumento do Banco Mundial intitulado intitulado Toward gender equalitToward gender equalit, , com base na idéia de com base na idéia de feminizaçao da pobreza, recomendava já naquela feminizaçao da pobreza, recomendava já naquela época a focalização nas mulheres de políticas de época a focalização nas mulheres de políticas de combate a pobreza. Este documento propõe a combate a pobreza. Este documento propõe a focalização nas mulheres em várias áreas da política focalização nas mulheres em várias áreas da política pública, como por exemplo, na área da educação, da pública, como por exemplo, na área da educação, da saúde, da segurança e da geração de emprego e saúde, da segurança e da geração de emprego e renda. renda.

Neste contexto, as mulheres passam a ser priorizadas como Neste contexto, as mulheres passam a ser priorizadas como beneficiárias das políticas de transferência de renda. Isto se beneficiárias das políticas de transferência de renda. Isto se deve a várias justificativas:deve a várias justificativas:

1º) a crença em um processo de 1º) a crença em um processo de feminização da pobrezafeminização da pobreza (elevação ou intensificação da pobreza entre as mulheres (elevação ou intensificação da pobreza entre as mulheres

com relação ao grupo de homens) – este conceito foi com relação ao grupo de homens) – este conceito foi cunhado pela socióloga americana Diane Pearce (1978).cunhado pela socióloga americana Diane Pearce (1978).

2º) a idéia de que a incidência da pobreza seria maior em 2º) a idéia de que a incidência da pobreza seria maior em famílias unipessoais chefiadas por mulheres;famílias unipessoais chefiadas por mulheres;

3º) a percepção de que a mulher tem uma função social na 3º) a percepção de que a mulher tem uma função social na família e,família e,

4º) a compreensão de que historicamente as mulheres foram 4º) a compreensão de que historicamente as mulheres foram excluídas da esfera política e que portanto a transferência excluídas da esfera política e que portanto a transferência de renda seria um direito de ampliação da sua cidadania.de renda seria um direito de ampliação da sua cidadania.

Podemos sintetizar estas justificativas em Podemos sintetizar estas justificativas em duas grandes correntes:duas grandes correntes:

1º) Corrente economista:1º) Corrente economista:

há certa funcionalização da mulher, vista como há certa funcionalização da mulher, vista como um instrumento do desenvolvimento econômico e um instrumento do desenvolvimento econômico e como potencializadora das políticas pelo papel como potencializadora das políticas pelo papel que desempenha na família. De outro, existe a que desempenha na família. De outro, existe a ênfase nos direitos e na constituição da mulher ênfase nos direitos e na constituição da mulher como sujeito (Farah,2004). como sujeito (Farah,2004).

2º) Corrente Feminista: defende o repasse do 2º) Corrente Feminista: defende o repasse do dinheiro para as mulheres objetivando um ganho dinheiro para as mulheres objetivando um ganho de autonomia, a conquista pela cidadania e pela de autonomia, a conquista pela cidadania e pela independência. independência.

A adoção brasileira pela vertente A adoção brasileira pela vertente economista :economista :

No Brasil, vemos que não há uma convergência No Brasil, vemos que não há uma convergência entre as duas perspectivas, mas ao contrário, a entre as duas perspectivas, mas ao contrário, a mulher é compreendida no PBF como aquela mulher é compreendida no PBF como aquela capaz de ajudar a reduzir os constrangimentos capaz de ajudar a reduzir os constrangimentos da pobreza. Neste sentido, não há no caso do da pobreza. Neste sentido, não há no caso do PBF um cruzamento destas duas vertentes que PBF um cruzamento destas duas vertentes que objetive ao mesmo tempo reduzir a pobreza e objetive ao mesmo tempo reduzir a pobreza e diminuir as desigualdades de gênero. O objetivo diminuir as desigualdades de gênero. O objetivo deste programa é melhorar o bem-estar da deste programa é melhorar o bem-estar da família em geral e não reduzir as desigualdades família em geral e não reduzir as desigualdades de gênero em específico, muito menos garantir de gênero em específico, muito menos garantir a autonomia feminina. a autonomia feminina.

Programa Bolsa famíliaPrograma Bolsa família

Mesmo o PBF não possuindo objetivos de Mesmo o PBF não possuindo objetivos de gênero no desenho da política, parte da gênero no desenho da política, parte da literatura sobre o tema aponta para algum literatura sobre o tema aponta para algum tipo de efeito tangencial as desigualdades tipo de efeito tangencial as desigualdades de gênero. Nesse sentido, nos propomos de gênero. Nesse sentido, nos propomos a refletir sobre a possibilidade de a refletir sobre a possibilidade de mudanças em torno das percepções e mudanças em torno das percepções e práticas tradicionais de gênero. práticas tradicionais de gênero.

Alguns resultados de pesquisa: Alguns resultados de pesquisa:

A partir da literatura brasileira originária A partir da literatura brasileira originária das ciências sociais vemos que:das ciências sociais vemos que:

1)1) PPor um lado, o pagamento do benefício or um lado, o pagamento do benefício à mulher é entendido como uma à mulher é entendido como uma conquista, no sentido que garante maior conquista, no sentido que garante maior autonomia à feminina. autonomia à feminina.

2)2) Por outro lado, a literatura também Por outro lado, a literatura também aponta que esta priorização seria um aponta que esta priorização seria um retrocesso, uma vez que reforça a retrocesso, uma vez que reforça a imagem da mulher como mãe e dona de imagem da mulher como mãe e dona de casa. casa.

A priorização não está mais em questãoA priorização não está mais em questão

O debate político e acadêmico já O debate político e acadêmico já ultrapassou a discussão se devemos ou ultrapassou a discussão se devemos ou não priorizar o benefício para as não priorizar o benefício para as mulheres. A questão agora é pensar como mulheres. A questão agora é pensar como a partir desta priorização podemos a partir desta priorização podemos redirecionar nosso olhar para as relações redirecionar nosso olhar para as relações de gênero, tendo em vista que no PBF de gênero, tendo em vista que no PBF cerca de 93% dos beneficiários são cerca de 93% dos beneficiários são mulheres (Dados MDS, 2010). mulheres (Dados MDS, 2010).

Questionamentos importantesQuestionamentos importantes

1)1) o fato do recurso ser dirigido o fato do recurso ser dirigido preferencialmente às mulheres implica preferencialmente às mulheres implica em aumento de autonomia? Se sim, em em aumento de autonomia? Se sim, em quais espaços ela se dá? quais espaços ela se dá?

2)2) Esta política reforça o papel social Esta política reforça o papel social tradicional de mãe “cuidadora”? tradicional de mãe “cuidadora”?

3)3) O fato de a mulher ser, em geral, a O fato de a mulher ser, em geral, a responsável legal pelo benefício produz responsável legal pelo benefício produz mudanças na hierarquia familiar?mudanças na hierarquia familiar?

4)4) Há mudanças em termos de trabalho e Há mudanças em termos de trabalho e renda das mulheres?renda das mulheres?

Alguns indícios positivosAlguns indícios positivos

Algumas alterações positivas são relatadas pelas Algumas alterações positivas são relatadas pelas beneficiárias:beneficiárias:

1)1) passam a conseguir crédito mais fácil com os passam a conseguir crédito mais fácil com os comerciantes locais; comerciantes locais;

2)2) indicam mudanças em torno da hierarquia familiar, na indicam mudanças em torno da hierarquia familiar, na medida em que podem negociar o que seria ou não medida em que podem negociar o que seria ou não prioridade de compra; prioridade de compra;

3)3) apontam o aumento da autonomia, no que se refere à apontam o aumento da autonomia, no que se refere à possibilidade de fazer escolhas, mesmo que na possibilidade de fazer escolhas, mesmo que na maioria das vezes limitadas a esfera doméstica, o que maioria das vezes limitadas a esfera doméstica, o que leva a um certo ganho de poder na esfera privada; leva a um certo ganho de poder na esfera privada;

4)4) ocorre a obtenção de documentos e,ocorre a obtenção de documentos e,5)5) há um expressivo volume de retorno a escola. há um expressivo volume de retorno a escola.

A partir de estudos como Suárez & Libardoni (2007)

Alguns indícios negativosAlguns indícios negativos

1) o não estímulo a inserção das mulheres no mercado 1) o não estímulo a inserção das mulheres no mercado de trabalho;de trabalho;

2) o fato das mulheres realizarem as atividades 2) o fato das mulheres realizarem as atividades domésticas e relativas ao “cuidar” sem auxílio dos domésticas e relativas ao “cuidar” sem auxílio dos cônjuges;cônjuges;

3) a autonomia restrita a sua capacidade do “cuidar”;3) a autonomia restrita a sua capacidade do “cuidar”;

4) o fato das atividades de lazer destas mulheres se 4) o fato das atividades de lazer destas mulheres se limitarem a ver televisão na própria casa, dormir e limitarem a ver televisão na própria casa, dormir e descansar, visitar parentes e ir à igreja;descansar, visitar parentes e ir à igreja;

5) o comparecimento a sedes de organizações sociais, 5) o comparecimento a sedes de organizações sociais, partidos e sindicatos ser ainda muito restrito partidos e sindicatos ser ainda muito restrito

Algumas consideraçõesAlgumas considerações

É interessante notar que alguns pontos É interessante notar que alguns pontos (tanto positivos quanto negativos) (tanto positivos quanto negativos) abordados pelas autoras brasileiras abordados pelas autoras brasileiras também já foram explicitados e discutidos também já foram explicitados e discutidos por autores estrangeiros, como Hall por autores estrangeiros, como Hall (2006) e Molyneux (2006), ao avaliar (2006) e Molyneux (2006), ao avaliar respectivamente a transferência de renda respectivamente a transferência de renda no Brasil e no México. Assim, vemos que no Brasil e no México. Assim, vemos que a questão dos efeitos dos programas de a questão dos efeitos dos programas de transferência de renda sobre as relações transferência de renda sobre as relações de gênero ainda está aberta e necessita de gênero ainda está aberta e necessita um maior aprofundamento teórico e um maior aprofundamento teórico e refinamento metodológico das pesquisasrefinamento metodológico das pesquisas

Algumas consideraçõesAlgumas considerações

Podemos notar que a mulher vem sendo Podemos notar que a mulher vem sendo considerada um ator intermediário considerada um ator intermediário fundamental entre família e Estado. Ela fundamental entre família e Estado. Ela tem sido compreendida como um ponto de tem sido compreendida como um ponto de apoio para auxiliar ao Estado na tarefa de apoio para auxiliar ao Estado na tarefa de quebrar o ciclo intergeracional da pobreza, quebrar o ciclo intergeracional da pobreza, principalmente no que tange a saúde e a principalmente no que tange a saúde e a educação das crianças. Nesse sentido, as educação das crianças. Nesse sentido, as mulheres não são tomadas dentro do PBF mulheres não são tomadas dentro do PBF como personagens de mudança nas como personagens de mudança nas relações de gênero.relações de gênero.

Bibliografia Bibliografia Farah, Marta. Farah, Marta. Políticas Públicas e GêneroPolíticas Públicas e Gênero. . In: GodinhoT. & Silveira M.In: GodinhoT. & Silveira M.(orgs.) (orgs.) Políticas Públicas e Igualdade de Gênero. Coordenadoria Especial Políticas Públicas e Igualdade de Gênero. Coordenadoria Especial da Mulher. da Mulher. São Paulo, 2004.São Paulo, 2004.Suárez & Libardoni (2007)Suárez & Libardoni (2007)

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Suárez, Mireya; Libardoni, Marlene. O impacto do Programa Bolsa Família: Suárez, Mireya; Libardoni, Marlene. O impacto do Programa Bolsa Família: mudanças e continuidades na condição social das mulheres. Brasília, 200.mudanças e continuidades na condição social das mulheres. Brasília, 200.

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