Programa de Extrações seriadas-Uma visão Ortodôntica Contemporanea

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Tópico Especial Resumo Ao relembrar a alta incidência de apinhamento primário encontrado na população de escolares de primeiro grau de Bauru – SP (em torno de 50% da população estudada), o presente artigo traz à tona os conceitos de apinhamento primário temporário e definitivo, nomenclatura sugerida pelo Curso de Ortodontia Preventiva e Interceptiva da Sociedade de Promoção Social do Fissurado Lábio-Palatal (PROFIS), em Bauru e, finalmente, discorre sobre uma das formas de tratamento precoce da discrepância dente x osso negativa – o programa de extrações seriadas. O artigo retrata e prestigia o procedimento terapêutico conhecido como “programa de ex- trações seriadas” para a correção do apinhamento primário e secundário de caráter genético (discrepância real entre a massa dentária e a base óssea). Os autores prescre- vem didaticamente as extrações em dois está- gios terapêuticos distintos: a extração de den- tes decíduos no primeiro período transitório da dentadura mista (primeira fase do programa de extrações seriadas) e a extração de dentes permanentes durante o segundo período tran- sitório da dentadura mista (segunda fase do programa de extrações seriadas). A tônica da extração seriada está em corrigir a discrepân- cia de modelo com redução da massa dentária em estágios precoces, visando o bem estar so- cial de pacientes e pais, bem como a redução do custo biológico normalmente induzido por um tratamento ortodôntico corretivo. É compreensível, portanto, a importância atribuída pelo artigo à redução precoce e programada da massa dentária, muito embora a correção precoce não assegure estabilidade perene. Sendo assim, a recidiva, inegável e inconteste, não deve servir de parâmetro para a planificação e tampouco para a crítica de um procedimento ortodôntico. CONSIDERAÇÕES SOBRE O APINHAMENTO PRIMÁRIO Uma recente pesquisa epidemiológica realizada em escolares da cidade de Bauru, no estágio de dentadura mista 35 , compro- vou a grande incidência de apinhamento primário nesta população. 52% das crian- ças mostraram apinhamento primário, constituindo problema preponderante de má oclusão na dentadura mista. Se há, porém, Programa de Extrações Seriadas: Uma Visão Ortodôntica Contemporânea Serial Extraction Program: A Contemporary Orthodontic View Palavras-chave: Extrações seriadas; Má oclusão; Dentadura mista. Omar Gabriel da Silva Filho * Terumi Okada Ozawa* Araci Malagodi de Almeida* Patrícia Zambonato Freitas* * Ortodontistas do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP), Bauru-SP. Omar Gabriel da Silva Filho Terumi Okada Ozawa Patrícia Zambonato Freitas Araci Malagodi de Almeida R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 6, n. 2, p. 91-108, mar./abr. 2001 91

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Tópico Especial

ResumoAo relembrar a alta incidência de

apinhamento primário encontrado napopulação de escolares de primeiro grau deBauru – SP (em torno de 50% da populaçãoestudada), o presente artigo traz à tona osconceitos de apinhamento primário temporárioe definitivo, nomenclatura sugerida pelo Cursode Ortodontia Preventiva e Interceptiva daSociedade de Promoção Social do FissuradoLábio-Palatal (PROFIS), em Bauru e,finalmente, discorre sobre uma das formas detratamento precoce da discrepância dente xosso negativa – o programa de extraçõesseriadas.

O artigo retrata e prestigia o procedimentoterapêutico conhecido como “programa de ex-trações seriadas” para a correção doapinhamento primário e secundário de carátergenético (discrepância real entre a massadentária e a base óssea). Os autores prescre-vem didaticamente as extrações em dois está-gios terapêuticos distintos: a extração de den-tes decíduos no primeiro período transitório dadentadura mista (primeira fase do programade extrações seriadas) e a extração de dentespermanentes durante o segundo período tran-

sitório da dentadura mista (segunda fase doprograma de extrações seriadas). A tônica daextração seriada está em corrigir a discrepân-cia de modelo com redução da massa dentáriaem estágios precoces, visando o bem estar so-cial de pacientes e pais, bem como a reduçãodo custo biológico normalmente induzido porum tratamento ortodôntico corretivo.

É compreensível, portanto, a importânciaatribuída pelo artigo à redução precoce eprogramada da massa dentária, muito emboraa correção precoce não assegure estabilidadeperene. Sendo assim, a recidiva, inegável einconteste, não deve servir de parâmetro paraa planificação e tampouco para a crítica de umprocedimento ortodôntico.

CONSIDERAÇÕES SOBRE OAPINHAMENTO PRIMÁRIO

Uma recente pesquisa epidemiológicarealizada em escolares da cidade de Bauru,no estágio de dentadura mista35, compro-vou a grande incidência de apinhamentoprimário nesta população. 52% das crian-ças mostraram apinhamento primário,constituindo problema preponderante de máoclusão na dentadura mista. Se há, porém,

Programa de Extrações Seriadas:Uma Visão Ortodôntica ContemporâneaSerial Extraction Program: A Contemporary Orthodontic View

Palavras-chave:Extrações seriadas;Má oclusão;Dentadura mista.

Omar Gabriel da Silva Filho *Terumi Okada Ozawa*Araci Malagodi de Almeida*Patrícia Zambonato Freitas*

* Ortodontistas do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP),Bauru-SP.

Omar Gabrielda Silva Filho

Terumi OkadaOzawa

PatríciaZambonato

Freitas

Araci Malagodide Almeida

R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 6, n. 2, p. 91-108, mar./abr. 2001 91

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consenso quanto à grande incidên-cia, controverte-se muito sobre suascausas e soluções. Em face dos con-flitos filosóficos surgidos acerca daterapêutica, acirrou-se a necessida-de de se diferenciar objetivamenteaquele apinhamento que necessitade tratamento precoce. É, por certo,a pergunta que todos os odontólo-gos conscientes se fazem. Ademais,quando indicado o tratamento, quala melhor forma de atuar: reduçãoda massa dentária ou aumento doperímetro do arco dentário?

O assunto ganhou um artigo re-cente com o título “Apinhamentoprimário temporário e definitivo:diagnóstico diferencial”36. É, assim,um artigo que discorre sobre a ex-periência do curso de OrtodontiaPreventiva e Interceptiva da Socie-dade de P romoção Soc i a l doFissurado Lábio-Palatal (PROFIS),em Bauru , com o t ra tamentointerceptivo do apinhamento primá-rio, oferecendo ao profissional baserazoável para uma decisão terapêu-tica racional. Em pauta está a dife-renciação entre apinhamento pri-mário temporário, o autocorrigível,e apinhamento primário definitivo,aquele que necessita de intervençãoterapêutica.

APINHAMENTO PRIMÁRIOTEMPORÁRIO

O mencionado artigo36 sustentaque irregularidades de pequenamagnitude, com os incisivos próxi-mos da linha do rebordo alveolar,se diluem com o passar do tempo e,por isso mesmo, fazem parte do de-senvolvimento normal da oclusão.A figura 1 ilustra bem este conceitoao mostrar a correção espontâneado apinhamento primário, sobretu-do no arco dentário inferior2,16,36,no transcurso do primeiro períodotransitório e período inter-transitó-rio da dentadura mista. Essa irre-gularidade foi batizada de apinha-mento primário temporário, partin-do-se da premissa de que não de-manda tratamento, merecendo ape-

nas controles periódicos. O acom-panhamento significa o adiamentode condutas terapêuticas enquantose aguarda por uma transformaçãodas mais importantes, que é o au-mento espontâneo das dimensõestransversais e sagital dos arcos den-t á r i o s 1 , 3 - 6 , 1 3 , 1 5 , 1 7 , 2 3 - 2 5 , 2 7 , 3 0 - 3 3 , 3 7 , 3 8.Essas alterações dimensionais ocor-rem durante e imediatamente apóso primeiro período transitório dadentadura mista e confluem para oaumento do perímetro dos arcosdentários. Enfim, o aumento do pe-rímetro do arco dentário confere aoapinhamento primário temporário oseu caráter de temporariedade.

APINHAMENTO PRIMÁRIODEFINITIVO

Por outro lado, preocupado emfixar limites, o artigo aludido36 é afavor de intervir precocemente quan-

do o apinhamento passa a represen-tar flagrante demonstração de máoclusão. O apinhamento de magni-tude maior, com incisivos distantesda linha do rebordo alveolar, recebeo nome de apinhamento primáriodefinitivo, já que não se comportacomo o apinhamento temporário,permanecendo irresoluto. O quadrosinóptico 1 resume a classificaçãoconceitual do apinhamento primá-rio.

Uma vez identificado o apinha-mento primário definitivo, o diagnós-tico diferencial para o tipo de aborda-gem terapêutica depende, entre outrosfatores, da morfologia dos arcos den-tários. O apinhamento atribuído àdiscrepância entre o tamanho dentá-rio e a morfologia dos arcos dentári-os denota uma etiologia não genéti-ca, sugerindo a designação de api-nhamento pr imário def ini t ivo

FIGURA 1 - O diagnóstico de “apinhamento primário temporário” implica emcorreção espontânea da irregularidade nos incisivos. Na presente ilustração, oproblema centra-se no arco dentário inferior. Nos dois anos de acompanha-mento (1997 a 1999), os incisivos inferiores alinharam-se espontaneamente,descartando a necessidade de tratamento.

1.1 1.2

1.3 1.4

1.5 1.6

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2.1 2.32.2

2.10

2.82.7

2.9

2.6

2.52.4

2.11 2.12 2.13

FIGURA 2 – A atresia dos arcos den-tários foi corrigida (2.6 a 2.10) no arcosuperior com expansão rápida damaxila (aparelho expansor fixo tipoHaas) e, no arco inferior, com expan-são lenta (placa lábio-ativa aberta),diluindo assim, o apinhamento primá-rio. Durante todo o segundo períodotransitório, a placa lábio-ativa conte-ve o aumento transverso e preservouo “leeway space” no arco dentário in-ferior (2.11 a 2.15).

2.152.14

FIGURA 2 – Exemplificação do “api-nhamento primário definitivoambiental”. A atresia dos arcos den-tários superior e inferior sugere dis-crepância entre tamanho dos dentese morfologia dos arcos dentários, con-ferindo à irregularidade o diagnósticode apinhamento primário definitivo decaráter ambiental (2.1 a 2.5).

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3.1

3.83.7

3.63.53.4

3.33.2

ambiental. A presença da atresia pro-põe mecânicas expansionistas, ori-entadas transversalmente, que alte-ram a morfologia dos arcos dentári-os ao aumentarem suas dimensõestransversais. Neste caso, a correçãodo apinhamento é planejada comaumento do perímetro do arco den-tário e não com a redução da massadentária22. Comprove o aumento dalargura e perímetro dos arcos dentá-rios, induzido pela expansão trans-versal, na figura 2.

Os oposicionistas da expansão dosarcos dentários argumentam que qual-quer mudança na morfologia do arcodentário, na melhor das hipóteses,está fadada à recidiva pós-tratamen-to. Longe de querer contestar tal con-vicção, é bom ter em mente que a reci-diva é uma constante mesmo em me-cânicas que preservam a morfologiainicial dos arcos dentários. Portanto,não serve como parâmetro para defi-nir conduta terapêutica.

No extremo oposto desta linha de ra-ciocínio expansionista vigora o consagra-do “programa de extrações seriadas” (fig.3) como recurso terapêutico para elimi-nação do apinhamento primário. A con-duta extracionista está indicada quandoa discrepância dente x osso negativa ex-plica-se pela incompatibilidade entre otamanho dentário e o tamanho real damassa óssea, etiologia vinculada ao códi-go genético (apinhamento primário defi-nitivo genético). No planejamento orto-dôntico para tratamento do apinhamen-to primário definitivo genético, os dispo-sitivos expansionistas cedem lugar à re-dução programada da massa dentária7-

11,14,19-21,26,29,34,39.Excetuando o apinhamento primá-

rio temporário, que tem vocação para aautocorreção, a diferenciação terapêuti-ca entre os apinhamentos genético eambiental evoca o grande debate ideoló-gico “extração versus não extração”, quetem empolgado a história da ortodontiae é antecipada aqui para a dentadura

mista. De fato, existem nuanças nestadualidade que exigem experiência, bomsenso e argúcia para uma decisão tera-pêutica acertada.

Certos preconceitos renitentes e al-gumas vezes infundados sobre a redu-ção da massa dentária em estágio preco-ce, no afã de corrigir o apinhamento pri-mário na dentadura mista, são respon-sáveis pela descrença de alguns ortodon-tistas e ortopedistas funcionais na filo-sofia de um programa de extrações seri-adas e deixam os céticos com uma visãomais pessimista do que realmente reco-mendariam os resultados16.

O presente texto defende umprograma clássico de extrações seriadas,que ganhou tanto espaço quantoadjetivações na literatura entre asdécadas 50 e 707-11,14,19-21,26,29,39 parao tratamento do apinhamento primáriodefinitivo genético, e descreve umprotocolo terapêutico metódico eracional que visa obter o melhor eamortecer os seus piores aspectos.

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EXTRAÇÕES SERIADAS:DEFINIÇÃO

Na concepção literal, a denomina-ção “extrações seriadas”, a propósi-to, resume a prática sugerida: extra-ções dentárias em série ou sucessi-vas, obviamente com finalidade orto-dôntica. Talvez por isso essa desig-nação (“extrações seriadas”) tem semantido ao longo de quase um sécu-lo, a despeito das inúmeras sugestõesde mudança de nomenclatura encon-

tradas na literatura. Na prática, umprograma de “extrações seriadas”compreende a redução eletiva da mas-sa dentária a partir do início da den-tadura mista, seguindo uma seqüên-cia estratégica pré-determinada, emépoca oportuna, almejando o alinha-mento imediato, de preferência espon-tâneo, dos dentes permanentes rema-nescentes. Na essência, envolve sub-tração de dentes, inicialmentedecíduos e então permanentes, no

intento de reposicionar os dentes ad-jacentes em direção ao espaço da ex-tração.

O programa de extrações seriadasestá indicado para as más oclusõesde Classe I com discrepância dente xosso negativa, quando não há indi-cação para expansão dos arcos den-tários ou quando a expansão, por-ventura indicada, não é suficientepara criar perímetro de arco compatí-vel com a massa dentária existente.

FIGURA 3 – Um programa de extrações seriadas inicia-se com a eliminação de dentes decíduos no primeiro período transitório dadentadura mista (3.1 a 3.3). Os apologistas desta abordagem precoce argumentam ser um procedimento operacional simples quefavorece o alinhamento espontâneo dos incisivos permanentes na linha do rebordo alveolar (3.4 a 3.8). Apesar do alinhamento precoceque prossegue à extração dos dentes decíduos, há uma decisão importante a ser tomada durante o segundo período transitório dadentadura mista (3.9): a extração de pré-molares, constituindo a segunda fase de um programa de extrações seriadas (3.10). Aextração, neste caso dos primeiros pré-molares, resolveu o apinhamento secundário latente (3.11 a 3.15). A placa de levantamento demordida (3.16, 3.17), instalada durante o segundo período transitório, ajuda a melhorar o problema vertical agravado num programa deextrações seriadas.

3.173.163.15

3.143.133.12

3.113.103.9

Temporário Autocorrigível

Apinhamento Primário

Genético Mecânica extracionista

Definitivo

Ambiental Mecânica expansionista

Quadro sinóptico 1:Diferenciação conceitual do apinhamento primário

Apinhamento primário

Diagnóstico morfológico diferencial e vertentes terapêuticas

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Classicamente, um programa deextrações seriadas identifica-se comrelação basal de Classe I, visto que talprocedimento foi idealizado com opropósito de diluir o apinhamento, semmecanoterapia. Porém, isto não querdizer que o conceito do programa deextrações seriadas não possa seraplicado com o objetivo de conciliar amassa dentária ao suporte ósseodisponível, depois de bem planejado,em padrões esqueléticos de Classe IIou Classe III, ou mesmo nasdiscrepâncias verticais. Nestes casos,existem mecanoterapias específicasplanejadas em conformidade com osdesvios morfológicos diagnosticados,e o prognóstico de tratamento dependemuito menos da discrepância dente xosso do que do comportamentoesquelético.

Do ponto de vista operacional, oprograma de extrações seriadasrepresenta, conceitualmente, umprocedimento de ortodontia preventivaquando as extrações dentárias sãoefetuadas antes da definição completado apinhamento primário e secundário,como destacam as figuras 3, 4, 5 e 6.Neste caso, as extrações programadasredirecionam a irrupção dos dentes.Entretanto, a redução da massadentária durante o estágio de dentaduramista, após a manifestação completado apinhamento primário, define-secomo um procedimento de ortodontiainterceptiva.

ESTÁGIOS TERAPÊUTICOSOperacionalmente, o protocolo de

extrações seriadas estende-se por umperíodo longo de tempo e envolve duasfases distintas, resumidas no quadrosinóptico 2. A primeira fase coincide

com o primeiro período transitório dadentadura mista, onde se realizam asextrações de dentes decíduos – incisi-vos laterais e caninos – com o intuitode promover o alinhamento dos incisi-vos permanentes (fig. 4 e 5). Por en-volver extração apenas de dentesdecíduos, esta fase é considerada “re-versível” em termos de integridade fu-tura do arco dentário. A segunda fasedo programa de extrações seriadas co-incide com o segundo período transi-tório da dentadura mista e constitui afase crítica, já que extrai dentes per-manentes – quase sempre os primeirospré-molares – sendo, portanto,irreversível (fig. 6).

PRIMEIRA FASEUm programa de extrações seria-

das inicia-se durante o primeiro perío-do transitório da dentadura mista, apóso diagnóstico do apinhamento primá-rio definitivo genético (quadro sinóptico1). A seqüência de extrações da pri-meira fase pode ser sintetizada na ex-tração dos incisivos laterais decíduospara criar, de imediato, o espaço exigi-do para o alinhamento dos incisivoscentrais permanentes, seguida pelaextração dos caninos decíduos, paraprovidenciar condições de alinhamen-to dos incisivos laterais permanentes.Resolve-se o déficit de espaço nesta pri-meira fase através da eliminação dedentes decíduos apenas, jogando o pro-blema para distal e adiando a resolu-ção definitiva para o segundo períodotransitório da dentadura mista.

A tendência dos incisivospermanentes após a extração dosdentes decíduos é movimentar-seespontânea e imediatamente emdireção ao espaço originado. A

movimentação dos incisivos se fazmais veloz quando o espaço écedido durante a fase ativa dessesdentes (f ig. 4). Portanto, osincisivos laterais decíduos devem serextraídos logo após a confirmação dodiagnóstico de apinhamento primáriodefinitivo de caráter genético, antesdo término da irrupção ativa dosincisivos centrais permanentes.Seguindo este raciocínio, os caninosdecíduos devem ser eliminados apóso surgimento e ainda durante a fasede irrupção ativa dos incisivoslaterais permanentes. A extração doscaninos decíduos só deve serantecipada diante da impacção dosincisivos laterais permanentes,normalmente identificada no exameradiográfico mediante a rizóliseatípica da superfície mesial da raiz deum ou ambos os caninos decíduos.Em estágio mais avançado, talimpacção pode provocar a esfoliaçãoespontânea do canino decíduo.

Atitudes de bom senso consagrama correção ou preservação da linhamédia dentária durante a primeirafase de um programa de extraçõesseriadas. Assim, como parece lógico,a extração simultânea ou assimétricados caninos decíduos deve levar emconsideração o comportamento dalinha média dentária.

Como conseqüência da extraçãoantecipada dos caninos decíduos, osincisivos permanentes inclinam-separa lingual em concomitância com oseu alinhamento no rebordo alveolar,provocando um aumento do trespassevertical. A inclinação lingual dosincisivos pode ser evitada com autilização de um arco lingual de Nancelogo após a correção do apinhamento

1ª Fase Época Objetivo

Exodontia 1º Período Transitório Eliminar apinhamento

52, 62, 72, 82, 53, 63, 73, 83 Dentadura Mista primário

2ª Fase Época Objetivo

Exodontia 2º Período Transitório Eliminar apinhamento

14, 24, 34, 44 Dentadura Mista secundário

Quadro sinóptico 2:Estágios operacionais de um programa de extrações seriadas

Extrações seriadas: estágios terapêuticos e seus objetivos

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ou pode ser corrigida com a mecânicaortodôntica corretiva aplicada nadentadura permanente completa. Aindicação do arco lingual de Nance

após a primeira fase do programa deextrações seriadas depende daquantidade de discrepância dente xosso. Quanto maior a discrepância

negativa, maior a possibilidade deextração de dentes na segunda fase doprograma de extrações seriadas emenor a indicação de um arco lingual.

FIGURA 4 – Quando tem a oportunidade, o profissional inicia a correção do apinhamento primário genético a partir da suamanifestação, ou seja, no primeiro período transitório da dentadura mista (4.1 a 4.3). A extração dos incisivos laterais ecaninos decíduos (primeira fase de um programa de extrações seriadas) gera o espaço que os incisivos permanentesnecessitam para o alinhamento no rebordo alveolar (4.4 a 4.14). Observa-se neste acompanhamento de dois anos que osincisivos superiores e inferiores tendem a se posicionarem no centro do rebordo alveolar, sem ajuda mecânica. O propósitoé aguardar esse alinhamento espontâneo, que pode demandar até 2 anos.

4.144.134.12

4.114.10

4.94.84.7

4.64.54.4

4.34.24.1

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FIGURA 5 – A primeira fase do programa de extrações seriadas reflete a buscapelo alinhamento precoce e espontâneo dos incisivos permanentes. A avalia-ção morfológica da relação dente-osso no período inter-transitório da dentadu-ra mista (5.1 a 5.5) visa quantificar a deficiência dente-osso real. A grandeproximidade dos incisivos laterais em relação aos primeiros molares decíduosinviabiliza uma mecânica expansionista para correção da deficiência de espaçolatente (apinhamento secundário). De um modo geral, quanto maior a proxi-midade entre os incisivos laterais permanentes e os primeiros molares decíduos,maior é a chance de extração de dentes permanentes no segundo períodotransitório da dentadura mista.

5.1 5.2

5.3

6.6

6.26.1 6.3

5.55.4

A preferência pelo uso do arco lingualna dentadura mista recai sobre aque-les casos limítrofes, onde existe dúvi-da quanto à indicação da extração dosdentes permanentes. Quanto à presen-ça da sobremordida, esta realmente nãonos preocupa nas fases iniciais dadentadura mista. Como regra geral,planejamos a correção da sobremordi-da profunda a partir do segundo perí-odo transitório, quando está indicadauma placa de levantamento de mordi-da anterior (fig. 3, 6 e 9), ou na den-tadura permanente quando a correçãoda sobremordida envolve intrusão dosdentes anteriores.

SEGUNDA FASENa maioria das vezes, a necessi-

dade de extração de dentes permanen-tes na segunda fase do programa deextrações seriadas só se confirmaráapós a irrupção do primeiro pré-molar.Como regra, o pré-molar só é extraídoapós a sua irrupção na cavidade bu-cal. Não indicamos a germectomia,como pode ser constatado na sequên-cia radiográfica longitudinal da figu-ra 7. Este período incita-nos a umreexame da discrepância dente x osso,levando-se em consideração as condi-ções de espaço na região retromolar in-ferior para a irrupção plena dos segun-dos molares permanentes (fig. 8),

6.56.4

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6.96.86.7

6.10 6.11 6.12

6.13 6.14

6.15 6.17

6.18 6.19 6.20

6.21 6.236.22

6.16

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T.S.N.28/12/94

FIGURA 6 – Um programa de extrações seriadas, por nãoenvolver mecânica e nem suscitar alterações ortopédicas, estáindicado tradicionalmente para as más oclusões de Classe Icom apinhamento (6.25 a 6.30). Quando conveniente, e ge-ralmente no arco dentário inferior, a extração dos primeirosmolares decíduos acelera a irrupção dos primeiros pré-mola-res (6.1 a 6.4) para a sua subseqüente extração (6.5 a 6.11).No arco dentário superior, o pré-molar freqüentemente irrompeantes do canino (6.12). A extração do primeiro pré-molar,imediatamente após a sua irrupção clínica, favorece a irrupçãodo canino na linha do rebordo alveolar (6.13 a 6.17). Se nãohouver intercorrências maiores, o tratamento ortodôntico cor-retivo deve ser iniciado somente após a irrupção dos segun-dos molares permanentes. A placa de levantamento de mor-dida controla a sobremordida quando não houver contra-in-dicação para a extrusão dos dentes posteriores (6.18 a 6.20).As irregularidades persistentes, frutos do programa de extra-ções seriadas, são facilmente contornadas (6.21 a 6.24) coma mecanoterapia ortodôntica corretiva. Parece claro, median-te as fotografias faciais finais (6.25 a 6.27) e os traçadoscefalométricos (6.28 a 6.30), que as extrações não interfe-rem no padrão facial ou no crescimento espontâneo da face.

6.27

6.266.25

6.24

6.29 6.30

6.28

T.S.N.06/04/99

28/12/9406/04/99

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FIGURA 7 – O acompanhamento radiográfico (radiografias panorâmicas) durante 7 anos flagra: apinhamento primário(7.1), exodontia de caninos decíduos (7.2), alinhamento dos incisivos permanentes (7.2, 7.3), apinhamento secundário(7.4), exodontia dos primeiros pré-molares inferiores (7.5) e superiores (7.6), alinhamento dos caninos permanentes esegundos pré-molares (7.6) e irrupção dos segundos molares permanentes inferiores (7.7) e superiores (7.8).

7.87.7

7.67.5

7.47.3

7.27.1

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FIGURA 8 – A seqüência radiográfica, com foco na região problema (apinhamento primário) e na região distal do arcoalveolar (região retromolar), registra o alinhamento espontâneo dos incisivos e caninos permanentes, bem como airrupção completa dos segundos molares ao longo de um programa de extrações seriadas.

8.3

8.2

8.1

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9.8

9.79.6

9.3

9.4 9.5

9.29.1

9.159.149.13

9.129.11

9.109.9

FIGURA 9 – Má oclusão de Classe I comdiscrepância dente-osso negativa. O api-nhamento de caráter genético reflete adiscrepância negativa entre a massadentária e a base óssea (9.1-9.5). Aextração dos caninos decíduos superio-res e inferiores constitui a fase reversí-vel do programa de extrações seriadas(9.6, 9.7). O alinhamento dos incisivosneste caso foi conseguido com onivelamento 4X2, após a extração doscaninos decíduos e a completa irrupçãodo dente 32. No período inter-transitó-rio da dentadura mista, os incisivos en-contram-se bem posicionados, devol-vendo a estética (9.8-9.10). A proximi-dade entre os incisivos e os dentes pos-teriores (9.11, 9.12) assegura a futuraextração de dentes permanentes (se-gunda fase de um programa de extra-ções seriadas). Durante o segundo pe-ríodo transitório, a extração dos primei-ros pré-molares antes da irrupção doscaninos vem acompanhada da placa delevantamento de mordida (9.13-9.15).

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a posição vestíbulo-lingual dos incisi-vos na sínfise mentoniana e a morfo-logia dos arcos dentários.

É imperativo que a extração dopré-molar se faça antes da irrupçãodo canino permanente, daí uma dasfortes justificativas para a exodontiarotineira do primeiro ao invés dosegundo pré-molar. A exodontia doprimeiro pré-molar favorece amovimentação do germe do caninopermanente dentro do osso alveolar

FIGURA 9 – A eliminação dos primeiros pré-molares, com os caninos em posição intra-óssea, induz estes (caninos) aocupar o lugar daqueles (pré-molares) no rebordo alveolar (9.16-9.18). Ao final de 4 anos de acompanhamento, acondição oclusal retrata o que se propôs a partir da adoção de um programa de extrações seriadas: o alinhamentoespontâneo dos dentes permanentes restantes (9.19-9.23). A extração de dentes permanentes criou condições noespaço retromolar para a irrupção completa dos segundos molares permanentes (9.24-9.26). As fotografias intrabucaisfinais desvelam a normalidade da oclusão alcançada apenas com um programa de extrações seriadas.

em direção ao alvéolo vazio, como sefosse um túnel biológico para a suairrupção. Mas isto só funcionaquando o canino encontra-se dentrodo osso alveolar no momento daextração do primeiro pré-molar.

No arco dentário superior, a se-qüência de irrupção mais freqüentedurante o segundo período transitó-rio (o primeiro pré-molar superior an-tecedendo o canino) favorece o pro-grama de extrações seriadas. O arco

dentário inferior é mais propenso àsvariações irruptivas, onde o caninoantecede a irrupção do primeiro pré-molar com mais freqüência. Nesta cir-cunstância, é aconselhável interferirna velocidade de irrupção do pré-mo-lar, acelerando-a com a extração dopr ime i ro mo la r dec íduo co r -respondente.

A esfoliação dos molares decíduose a irrupção dos sucessores perma-nentes const i tuem fenômenos

9.22

9.21

9.24 9.25 9.26

9.23

9.209.19

9.189.16 9.17

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biológicos distintos, porém inter-de-pendentes. Os molares decíduosesfoliam, em regra, quando as raízesdos pré-molares alcançam cerca de 3/4 de formação. Entretanto, sabe-seque alguns fatores de ordem local po-dem acelerar a velocidade de irrupçãodentária do pré-molar sem, no entan-to, alterar a sua velocidade derizogênese, como por exemplo, pro-cessos inflamatórios causados porcárie no dente decíduo predecessor12.Baseado neste comportamento, é pos-sível administrar a velocidade de ir-rupção do pré-molar na boca com aextração antecipada do primeiro mo-lar decíduo. Isso acontece quando, naimagem radiográfica, o canino ultra-

passa o germe do primeiro pré-molar,dificultando o programa de extraçõesseriadas.

A sobremordida constitui uma se-qüela recorrente do programa de ex-trações seriadas, que pode e deve sercontornada a partir do segundo pe-ríodo transitório. Um dos recursosdisponíveis para o controle da sobre-mordida profunda consiste numa pla-ca de levantamento de mordida adap-tada no arco dentário superior, se forpermitida a extrusão dos dentes pos-teriores. A placa de levantamento demordida deve ser instalada no segun-do período transitório da dentaduramista, logo após a exodontia dos pré-molares, favorecendo assim a extru-

são lenta dos dentes posteriores. Empadrões dolicofaciais, onde a extru-são dos dentes posteriores não cons-titui conduta coerente, a correção dasobremordida deve ser obtida com otratamento ortodôntico corretivo nadentadura permanente madura, ouseja, após a irrupção dos segundosmolares.

DISCUSSÃOEste capítulo sintetiza em 7 tópi-

cos uma reflexão, pautada pelo co-nhecimento da literatura clássica eprincipalmente pela experiência dosautores, sobre os aspectos positivos enegativos que gravitam em torno dosecular procedimento designado

FIGURA 10 – As irregularidadesoclusais vão se evidenciando ao lon-go do segundo período transitório(10.1-10.6). Estas irregularidadespodem ser corrigidas com um trata-mento ortodôntico corretivo convenci-onal, que aconselhamos ser instituí-do após a dentadura permanentecompleta (10.7-10.11).

10.7 10.8 10.9

10.610.510.4

10.310.210.1

10.1110.10

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“programa de extrações seriadas”. Pre-valece na discussão o tom otimista quepermeia todo o texto, reconhecendoque o profissional mais capacitado paraconduzir este procedimento é o orto-dontista, e colocando o programa deextrações seriadas no contexto coerentede um tratamento parcial, que deve sercomplementado com a ortodontia cor-retiva, de preferência na dentadura per-manente.

1. A ordenada seqüência de exo-dontias que compõe um programa deextrações seriadas, planejada em com-passo com o desenvolvimento da oclu-são e, por isso mesmo, de longa dura-ção, tem a seu favor a correção preco-ce do apinhamento dentário, a partirdo primeiro período transitório da den-tadura mista. Ao elevar a auto-estimado paciente com as transformações es-téticas suscitadas, causa um incontesteimpacto social positivo. Reveste-se deaura beneficente por ser, sem dúvida,a opção terapêutica mais economica-mente acessível à maioria da popula-ção, e isso explica o seu prestígio entreos odontólogos da saúde pública. Mas,independentemente da acessibilidadeeconômica, também reduz a complexi-dade na futura realização do tratamentoortodôntico na dentadura permanen-te, revestindo-se, neste aspecto, de auratecnológica. Essas deduções corrobo-ram os inegáveis méritos de um pro-grama de extrações seriadas na esferade saúde pública e na clínica privada,tornando este procedimento terapêuti-co presente e premente numa era detanta pesquisa e desenvolvimentotecnológico.

2. As extrações seriadas favo-recem a auto-correção precoce doapinhamento dentário, amenizan-do os custos biológicos da movi-mentação dentária induzida emidade mais avançada. Portanto,têm o ambicioso objetivo de corri-gir a má oclusão sem nenhum dis-positivo mecânico.

3. Ainda, reduzem o impacto me-cânico da ortodontia corretiva ao eli-minar um passo terapêutico do trata-mento corretivo: a fase da retração ini-

cial dos caninos, no caso de extraçãode pré-molares na dentadura perma-nente. Contudo, não eliminam a ne-cessidade de tratamento ortodônticocorretivo na dentadura permanente,que visa a resolução de irregularida-des na inclinação mésio-distal dosdentes adjacentes ao espaço da ex-tração, sobremordida profunda persis-tente, diastemas remanescentes,torques alterados e rotações.

4. Um programa de extrações se-riadas elimina a discrepância de mo-delo e não acarreta mudanças no pa-drão facial, estando portanto contra-indicado para resolver discrepânciasesqueléticas de Classe II e Classe III,bem como as discrepâncias cefalomé-tricas, como a protrusão dentária. Emprincípio, um programa de extraçõesseriadas está indicado para a má oclu-são de Classe I com discrepância den-te x osso negativa.

5. Já que um programa de extra-ção seriada proporciona alinhamen-to espontâneo e precoce dos dentespermanentes, torna-se pertinente apergunta: qual a estabilidade a lon-go prazo do alinhamento na regiãoanterior, sabidamente instável? Oque se sabe é que um programa deextrações seriadas pode ter grandevalia na busca da correção da dis-crepância dente x osso negativa.Mas, curiosamente, em termos deestabilidade pós-tratamento a lon-go prazo, a literatura registra queseus resultados não diferem do tra-tamento ortodôntico convencionalna dentadura permanente. A títulode ilustração, vale relembrar doisexemplos da literatura.

PERSSON et al.28, em 1989, ava-liaram as alterações espontâneas alongo prazo após a aplicação de umprograma de extrações seriadaspara a correção de más oclusões deClasse I com apinhamento. Fizeramparte do estudo 42 pacientes quesubmeteram-se a um programa deextrações seriadas, sem tratamen-to ortodôntico subsequente. Aos 30anos de idade, a maioria dos pa-cientes demonstrou recidiva do api-

nhamento, embora em menor mag-nitude que o apinhamento inicial.Os resultados deste trabalho de pes-quisa lançam recados de advertên-cia do tipo “não esperem estabili-dade permanente mesmo quandoextrações terapêuticas precedem oapinhamento”.

LITTLE et al.18, em 1990, avaliarama estabilidade pós-tratamento após 10anos da retirada da contenção de 30pacientes que passaram por um progra-ma de extrações seriadas na dentaduramista, complementado com ortodontiacorretiva na dentadura permanente, eque usaram contenção pós-tratamentodurante pelo menos dois anos. Os auto-res concluíram que o alinhamentoântero-inferior era insatisfatório e que95% da amostra estudada (29 dos 30pacientes) mostraram redução na lar-gura inter-caninos e no comprimento doarco dentário.

Deve-se dar muita atenção àsconclusões destes dois trabalhos18,28,pois o fato é que eles colocam em péde igualdade a condição pré-trata-mento, a longo prazo, do apinha-mento corrigido somente com extra-ções programadas e do apinhamen-to corrigido com extrações progra-madas e refinado com mecânica or-todôntica.

Portanto, ao contrário do que sepossa pensar, a estabilidade pós-tra-tamento não pode ser considerada umtrunfo para se defender um programade extrações seriadas. Os artigos re-cém mencionados apontam para a re-cidiva, opinião que compartilhamosplenamente. Na realidade, torna-seobrigatório registrar aqui que não sepauta um planejamento ortodôntico naestabilidade pós-tratamento, e sim nacompreensão da harmonia morfoló-gica imediata.

6. Um programa de extraçõesseriadas distingue-se pela habilida-de de dissolver o apinhamento pri-mário e secundário antes que a oclu-são alcance o estágio de dentadurapermanente, mas é incapaz, por si,de devolver a normalidade oclusalexigida pelo rigor ortodôntico. Todos

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que o praticam sabem que um pro-grama de extrações seriadas vemacompanhado dos previsíveis efeitoscolaterais, naturalmente indesejá-veis e tanto menores quanto maiorfor a discrepância dente x osso ini-cial, diga-se de passagem. A figura9, por exemplo, surpreende-nos comresultados oclusais esplêndidos al-cançados com um programa de ex-trações seriadas sem mecanoterapiacorretiva subseqüente. Mas, reco-nheçamos, isso é raridade. Como re-gra geral, uma ou mais das seguin-tes caracteríticas clínicas costumamestar presentes na dentadura perma-nente após um programa de extra-ções seriadas: a) sobremordida pro-funda, b) diastemas residuais adja-centes aos espaços da extração, c)rotação mésio-lingual dos dentesdistais aos espaços da extração, d)rotação disto-lingual dos caninos, e)inclinação axial mésio-distal incor-reta dos dentes adjacentes aos espa-ços da extração, com inclinação dacoroa em direção ao espaço da ex-tração e, finalmente, f) inclinaçãoaxial vestíbulo-lingual (torque) in-correto dos incisivos superiores e in-feriores, com a coroa inclinada paralingual (torque lingual) .

Por conta destes efeitos, um pro-grama de extrações seriadas, quandoaplicado na clínica privada, deve serfinalizado com a adoção de uma me-cânica ortodôntica corretiva, voltadapara posicionar os dentes nas suasrelações intra-arcos e inter-arcos ade-quadas. Essa mecanoterapia correti-va deve ser instituída, se nenhumaeventualidade justificar sua anteci-pação, após a irrupção completa dossegundos molares, sobretudo os infe-riores. Por certo, os efeitos colateraisnão alcançam demasiada importân-

cia e nem reduzem o entusiasmo dosadeptos do programa de extrações se-riadas, visto que eles podem ser cor-rigidos, mais cedo ou mais tarde, notempo devido, dependendo da relaçãocusto-benefício individual. O êxito daoclusão final exposta na figura 10 re-sulta da mecanoterapia corretiva apli-cada na dentadura permanente com-pleta após a finalização de um tradi-cional programa de extrações seria-das.

7. Uma outra vertente negativaque desperta a atenção da comuni-dade odontológica é o período dema-siadamente longo de acompanha-mento, já que o profissional depen-de do ritmo evolutivo da dentaduramista que, em média, dura 6 anos.Por outro lado, a simplicidade daabordagem terapêutica contrapõe-seao fator tempo e revigora a intençãocompreensível de postergar ao má-ximo a instalação de mecanoterapiaativa, como importante fundamen-to para uma boa finalização. Essa,digamos, responsabilidade ética, re-duziria os honorários de um atendi-mento privado e evitaria a satura-ção por parte do paciente com mecâ-nicas que a longo prazo não se jus-tificam.

Baseado nos eventos biológicos

irruptivos e dimensionais que se su-cedem ao longo da dentadura mista,bem conhecidos do ortodontista,preocupamo-nos em traçar com cla-reza, objetividade e simplicidade o en-foque mecânico durante um progra-ma de extrações seriadas:

A) Nivelamento 4X2 quando se fi-zer necessário. Essa mecânica nãodeve ultrapassar 6 meses de trata-mento.

B) Ancoragem com aparelhos pre-ferencialmente fixos, como arco lin-gual para o arco dentário inferior ebarra transpalatina para o arco den-tário superior, no intuito de evitar aredução no comprimento do arco. Estáindicada somente em duas situaçõesespecíficas: nos casos limítrofes,onde há dúvida sobre a extração dedentes permanentes, e nas deficiên-cias grandes, onde a perda de compri-mento de arco pode comprometer oalinhamento dos dentes remanescen-tes.

C) Placa de levantamento demordida a partir do segundo perío-do transitório da dentadura mista,após a exodontia dos pré-molares,quando for possível controlar a so-bremordida com a extrusão dos den-tes posteriores. Torna-se oportunocomentar que a placa de levanta-mento de mordida deve ser mantidana boca até a irrupção dos segun-dos molares, no afã de reduzir opotencial de recidiva da correção dasobremordida.

A obediência a esses princípiospode reduzir ao mínimo os inconve-nientes de um programa de extraçõesseriadas que, por pior que possam ser,estão longe do impacto negativo cau-sado pela irrupção vestibularizadados caninos superiores, como bemilustra a figura 11.

FIGURA 11 – A irupção dos caninos per-manentes superiores em infra-mésio-vestíbulo-versão representa a expres-são do apinhamento não tratado. Essaimagem por si justifica a indicação deum programa de extrações seriadas.

AbstractThe authors report on the temporary

and definitive primary crowding of thepermanent incisors, whose incidence is

around 50% in students in Bauru – SP, aswell as on one type of early treatment forthe negative tooth-bone discrepancy: theserial extraction.

Serial extraction is indicated to correctgenetic primary crowding. Deciduous teethare extracted in the first transitional periodof the mixed dentition and

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Endereço para correspondênciaOmar Gabriel da Silva FilhoSetor de Ortodontia do HRAC-USPRua Silvio Marchione, 3-2017043-900 Bauru - SP - [email protected]

permanent teeth are extracted in thesecond transitional period. In thisprocedure, teeth are extracted early inorder to minimize the biologic cost of thecomplete orthodontic treatment.

The authors are optimistic aboutserial extraction, though earlycorrection of the crowding does notnecessarily indicate stability.Therefore, relapse should not be

taken into account in the planningof an orthodontic treatment.

Key-words: Serial extraction;Malocclusion; Mixed dentition.

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