Programa de Fortalecimento da Arbitragem e da Mediação ... · sobre a participação dos...

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Programa de Fortalecimento da Arbitragem e da Mediação Comercial no Brasil CONFEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES COMERCIAIS E EMPRESARIAIS DO BRASIL CACB BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO BID MEDIAÇÃO

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Programa de Fortalecimento daArbitragem e da Mediação Comercial

no Brasil

CONFEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES COMERCIAIS E EMPRESARIAIS DO BRASIL

CACBBANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO

BID

MEDIAÇÃO

Wanderley, WaldoMediação/ Wanderley, Waldo -- Brasília: Editora MSD, 2004.

108p. : il. ; 15 X 22,5 cm.

ISBN 85-86546-55-0

1. Mediação. 2. Métodos Extrajudiciais de Solução de Conflitos.

C977

Copyright © 2004 por CACB.

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer modo ou meio, seja eletrônico, fotográfico, mecânico, ou outros, sem autorização

prévia e escrita da CACB.

Sumário

1 Introdução .........................................................91.1 Os conflitos na sociedade ............................................... 12

1.2 Os Métodos Extrajudiciais de Solução de Conflitos - MESCs ............................................................................. 14

1.2.1 Negociação direta......................................................... 15

1.2.2 A jurisdição................................................................... 16

1.2.3 As alternativas amigáveis e pacíficas........................... 16

1.2.3.1 Negociação profissional ............................................ 17

1.2.3.2 Os MESCs - mediação, conciliação e arbitragem ..... 18

1.2.3.2.1 Mediação................................................................ 19

1.2.3.2.2 Conciliação............................................................. 19

1.2.3.2.3 Arbitragem.............................................................. 20

2 Teoria Geral do Conflito .................................222.1 Conflitos de origens mais comuns................................... 26

2.2 Estilos de comportamento diante dos conflitos ............... 28

2.3 Atitudes comportamentais............................................... 32

3 A Negociação de Conflitos – Conceitos Teóricos...........................................................34

3.1 Diferenças entre posições e interesses........................... 35

4 Comunicação ..................................................384.1 O “rapport” ....................................................................... 39

4.2 A escuta dinâmica ........................................................... 40

4.3 Indução à escuta dinâmica.............................................. 40

4.4 Dificuldades das partes para escutar .............................. 42

4.5 Tipos de perguntas.......................................................... 42

4.6 A mensagem “eu” ............................................................ 44

4.7 A comunicação negativa ................................................. 44

4.8 O consenso ..................................................................... 46

5 Mediação/Mediador........................................475.1 Quando a mediação é indicada....................................... 49

5.2 Quando a mediação não é indicada................................ 50

5.3 Vantagens da mediação .................................................. 51

5.4 Conceitos básicos da mediação...................................... 52

5.5 A Co-mediação................................................................ 53

5.6 O mediador – qualidades e responsabilidades ............... 53

5.7 Utilização do “caucus” ..................................................... 55

5.8 Como gerar opções de solução....................................... 56

5.9 Aspectos jurídicos do acordo .......................................... 57

5.10 O processo de mediação............................................... 57

5.10.1 Estágio I (introdução) ................................................. 58

5.10.2 Estágio II - Escolhendo uma estratégia para orientar a mediação (relatos das partes).......................................... 61

5.10.3 Estágio III - Coletando e analisando informações básicas ............................................................................. 61

5.10.4 Estágio IV - Projetando um plano detalhado para a mediação.......................................................................... 61

5.10.5 Estágio V - Construindo a confiança e a cooperação....................................................................... 62

5.10.6 Estágio VI - Iniciando a sessão de mediação............. 62

5.10.7 Estágio VII - Definindo as questões e estabelecendo uma agenda ..................................................................... 63

5.10.8 Estágio VIII - Revelando os interesses ocultos das partes ............................................................................... 63

5.10.9 Estágio IX - Gerando opções para o acordo .............. 64

5.10.10 Estágio X - Avaliando as opções para o acordo....... 64

5.10.11 Estágio XI - Barganha final....................................... 64

5.10.12 Estágio XII - Atingindo o acordo formal .................... 64

5.11 O mediador e o acordo final .......................................... 65

6 Conciliação .....................................................66

7 A ética na Mediação .......................................697.1 A ética e o mediador........................................................ 70

7.2 Padrões éticos das partes ............................................... 71

7.3 Código de ética................................................................ 72

Referências Bibliográficas .................................73

Anexo I – Simulação de uma Mediação ................................ 75

Anexo II – Regulamento de Mediação (Modelo CBMAE) ..... 99

Anexo III – Código de ética dos Mediadores (Modelo CBMAE) ......................................................................... 104

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1 Introdução

Qualquer pessoa leiga em termos jurídicos mas atenta aos acontecimentos que a cercam poderia arriscar uma tese de que as ações práticas da mediação e da arbitragem antecederam o surgimento das históricas definições e realizações do Direito e da Justiça modernos. O Direito Romano é uma referência de luz no caminhar do homem, assim como o Código de Hamurabi surpreende e assusta por ser um dos primeiros registros da presença da Lei. É certo que, antes disso tudo, os seres humanos já praticavam formas “legais” de dirimir seus conflitos e pendências em quaisquer campos, inclusive na arena comercial.

Essa antiga forma de mediar e arbitrar sobre contradições localizadas está de volta com grande força ressurgida como algo novo, contemporâneo e naturalmente está enquadrada às práticas legalmente estabelecidas, pois Lei e Justiça evoluíram para posições a partir das quais não mais se recua, só avança.

Os procedimentos consensuais que têm por objetivo solucionar conflitos de interesses fora do âmbito do Poder Judiciário têm marcado um forte papel no equacionamento de disputas, especialmente em face da especialização das relações econômicas e da internacionalização do capital, fatores que tornam muitas vezes inadequado e desconfortável o recurso aos órgãos jurisdicionais estatais.

Porém, é no movimento universal de ampliação do acesso à justiça que os meios alternativos de solução de conflitos encontram seu maior aliado.

Em todo o mundo se reage contra a transformação das leis processuais e a reformulação do próprio processo buscando a eficiência, a celeridade e a simplicidade que novas leis, no mundo todo, vêm reativando.

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Ao se referir ao movimento universal de acesso à Justiça, é de se observar que “acesso à Justiça” tem significado peculiar e abrangente. Não se limita à simples entrada, nos protocolos do judiciário, de petições e documentos, mas compreende a efetiva e justa composição dos conflitos de interesses, seja pelo judiciário, seja por forma alternativa, como são as opções pacíficas: a mediação, a conciliação e a arbitragem.

O “MOVIMENTO UNIVERSAL DE ACESSO À JUSTIÇA” vem se desenvolvendo em duas vertentes: a primeira procura a simplificação de normas e fórmulas do processo comum, tradicional, em que o Estado exercita a sua jurisdição à mercê de novas leis, como vem ocorrendo na maioria dos países do mundo; à segunda vertente aderem os que procuram reativar os meios alternativos e pacíficos de solução de divergências, que são mencionados com as iniciais de sua denominação em língua inglesa: ADR (Alternatives Disputes Resolutions).

Estudando o movimento de acesso à Justiça como um movimento, antes de tudo, de reforma - poder-se-ia afirmar movimento de correção do curso na evolução do Direito e de maior fidelidade do Poder Judiciário aos seus fundamentos democráticos -, Cappelletti focaliza diversas “ondas” ou renovações sucessivas do próprio movimento em busca de coerência com as suas próprias premissas.

A primeira onda cinge-se em frustrar o obstáculo econômico na fruição dos direitos do homem, o que se viabiliza pelo implemento da assistência judiciária ou gratuita. A segunda tem por finalidade combater o obstáculo organizacional, possibilitando a defesa de interesses de grupo, difusos ou coletivos, implementada através das ações populares ou coletivas; e a terceira onda vem para combater o obstáculo processual de acesso à justiça, criado de forma natural pela expansão e pelo reconhecimento dos direitos humanos, consolidando-se no congestionamento crônico dos sistemas judiciários internos da maioria dos Estados.

Nesse contexto, o Direito do Futuro (plagiando as lições do Desembargador Cláudio Vianna), busca enfatizar a composição do litígio por iniciativa das próprias partes prestigiando a autonomia da vontade que, tratada de diversas formas ao longo de sua

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existência, alcançou patamar de Princípio Geral de Direito, a partir da consolidação de sua aceitação em convenções internacionais. No inconsciente coletivo da comunidade, essa conquista passa, sem sombra de dúvidas, por uma zona nebulosa na região fronteiriça entre a ética e a legalidade, de forma que sua consagração somente se fará sentir quando o conceito de responsabilidade social estiver enraizado na coletividade, o que vem sendo trabalhado através da criação e regulamentação de novas formas de relações jurídicas ou de modelos e sistemas mais modernos de solução de conflitos, a inserir, nos diversos aspectos das relações civis, a exigência de ética nas condutas como dever jurídico.

No Brasil, com a promulgação da lei nº 9.307, de 23 de Setembro de 1996, e a confirmação da constitucionalidade da totalidade de suas prescrições legais, em maio de 2001, pela maioria de votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no Agravo Regimental em sentença estrangeira, nº 5.206-7 — Reino Unido, o princípio foi finalmente consagrado no ordenamento jurídico interno.

Visto de forma sucinta, o panorama legislativo atual corrobora o entendimento mundial da necessidade de sua expansão, advinda, especialmente, da relevância do Direito Privado e da lentidão e complexidade das soluções de conflitos entregues à solução estatal que, por isso mesmo, vem conduzindo a maioria dos Estados a sancionarem leis que favoreçam a solução amigável dos pleitos.

As perspectivas brasileiras para a absorção dessa nova cultura são boas. Após a lei 9.307/96, novas normas surgiram, a demonstrar que o legislador está atento às formas pacíficas de solução de conflitos de interesses.

Sem o intuito de enumeração completa e sistemática, é possível exemplificar. O Código de Defesa do Consumidor, lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, assegura proteção jurídica para a prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos com acesso aos órgãos administrativos e judiciários, incentivando a criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de bens e a criação de departamentos ou serviços de atendimento, recebimento de dúvidas ou sugestões e mecanismos alternativos de solução de

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conflitos. A Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, dispondo sobre o Sistema Financeiro Imobiliário, prevê a arbitragem como uma das formas de solução expedita dos casos de inadimplemento dos adquirentes de imóveis financiados.

A Lei 9.611, de 19 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre o transporte multimodal de cargas, faculta ao proprietário da mercadoria e ao operador de transporte dirimir seus conflitos recorrendo à arbitragem. A faculdade, aliás, é da tradição do Direito Mercantil, embora incipientes as regras dos artigos 99 a 118 do Código Comercial, referindo-se o seu art. 107, na linguagem da época, a “arbitradores” e não a árbitros.

A Lei nº 10.101, de 19 de Dezembro de 2000, que dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa, prevê, no insucesso da negociação de empregador e empregado, a utilização da mediação e da arbitragem de ofertas finais para resolver o impasse, embora a arbitragem aí prevista se distancie da sua verdadeira essência.

Explica-se, assim, a retomada da arbitragem, com força total nas soluções de conflitos, prevalecendo a autonomia da vontade como base de um Direito atual adaptado às necessidades de um novo século, sem barreiras geográficas, dinâmico, criativo e onde impera a vontade das partes.

Porém, os desafios ainda são muitos. E maior ainda é a tarefa de implantação e harmonização das normas e regras que irão consolidar, no Brasil, uma nova cultura: a cultura do consenso.

A elaboração deste estudo contou com a colaboração da revisão de Ávea da Costa Barros Wanderley.

1.1 Os conflitos na sociedade

É próprio da natureza humana o desejo de se aproximar de seus semelhantes e de conviver com os seus iguais estabelecendo relações duradouras, permanentes, pacíficas e de pleno entendimento.

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Relações pessoais de família, relações econômicas de trocas, de compra e venda, relações políticas de solidariedade e defesa, todas em face de grupo estranho.

Aristóteles chamou, por isso, o homem de animal social, ou melhor, desde que a POLIS era a cidade-estado grega, de animal político.

Com o tempo, introduz-se um elemento novo nos relacionamentos, que é a competição entre grupos, a contenciosidade, transportando-se o sentimento hostil da ausência de empatia com os grupos estranhos para as relações internas. Nasce nesse ensejo a idéia de que o estranho é um inimigo, o que se dissemina quando é maior o número de integrantes do grupo e quanto mais complexas se tornam as relações entre eles.

Essa conjuntura, no seu lado negativo, conspira contra o pacífico desenvolvimento das relações coletivas pondo em risco a paz social e o bom entendimento entre todos. Isso faz com que as relações, a princípio instintivas, se tornem, pouco a pouco, reflexivas e conscientes, e a sua repetição as transforma em regras de conduta e de comportamento, convencendo da sua utilidade e necessidade a ponto de serem exigidas pelo grupo social, transmutando-se em normas obrigatórias, impostas e cobradas por todos. Nesse momento, passam a ser conhecidas como normas jurídicas, normas de direito. É quando assumem as notórias características, a saber generalidade, abstração, bilateralidade e coercitividade.

No entanto, o conflito pode ser visto como crescimento. Todo conhecimento, toda evolução e até a própria vida estão ligados ao conceito de conflito. Por isso, devemos, também, ter uma visão positiva do conflito como oportunidade de crescimento, de aprendizado de vida, como uma transação aprimoradora, como um ciclo pelo qual as pessoas estão se renovando constantemente, por meio da adequação pessoal com o meio coletivo em que vivem. Isso traz maior satisfação social, pois, a partir de uma visão positiva dos conflitos, as pessoas compreenderiam o caráter transitório e necessário dos mesmos, vindo, por fim, a aceitá-los e compreendê-los, facilitando, deste modo, sua resolução. (Adaptado de LEHMKUHL, Mílard Zhaf Alves).

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Verificado que nem sempre as normas atuavam com eficiência, para a efetividade de sua ação, nascem instituições, sobrevém o Estado, que é a própria sociedade juridicamente organizada com funções essenciais e precípuas - declarar as regras em abstrato (função normativa), gerir a coisa comum (função administrativa) e declarar as regras em concreto (função jurisdicional), nos conflitos de interesses que, não solucionados, traziam perigo à manutenção da paz social. Na verdade, razões fundamentais do próprio surgimento do Estado.

Tem-se, então, de certa forma, uma grande transformação: antes, pela natureza instintiva, amigável e pacífica, as relações coletivas, no seu desenrolar, usufruíam de clima amistoso na solução de eventuais conflitos e o padrão era a resolução amigável. Após o surgimento do Estado, passou a existir um ambiente contencioso, de confronto, que exigia a ação de uma vontade mais forte, com vistas a assegurar a paz social.

Contudo, tal situação não significa que se estabelecesse como regra, necessariamente, a solução por via contenciosa. Mesmo porque, o Estado se reservava para intervir, caso necessário.

De tal sorte que sempre coexistiram ambas as formas, a estatal (ou pública) e a privada (ou amigável), nunca concorrentes, mas alternativas e indicadas pelas próprias circunstâncias das disputas a resolver.

1.2 Os Métodos Extrajudiciais de Solução de Conflitos - MESCs

Desde os primórdios da civilização, três são as formas de solução dos conflitos de interesses mais comuns:

ñ Entendimento direto entre os interessados (ou nego-ciação direta);

ñ Solução estatal (ou jurisdição);ñ Alternativas amigáveis ou pacíficas.

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1.2.1 Negociação direta

A negociação direta (ou entendimento direto) é a solução natural e instintiva de onde resulta a própria sociedade. Necessário se faz, no entanto, distinguir a técnica, denominada Negociação, do entendimento direto e natural.

Na aplicação da técnica, a Negociação é um processo lógico, racional e representado por uma série de encontros em que se conversa com o objetivo de compor interesses divergentes ou de entabular um acordo, o que, no conjunto, forma uma atividade ordenada, racional, consciente, planejada e que pode, inclusive, ser empregada na própria negociação direta ou nas demais formas de solução pacífica de divergências.

Essa técnica, ciência ou arte é vinculada, segundo muitos, aos ensinamentos de um general chinês de cerca de 400 a 320 anos antes de Cristo, Sun Tsu, que deixou uma obra clássica intitulada “A Arte da Guerra”, de cuja versão se produziu um livro de comentários sustentando-se que os ensinamentos de Sun Tsu, na verdade, não se limitam à arte militar.

Há quem atribua, também, a Maquiavel a ligação das modernas técnicas de negociação aos famosos conselhos de sua obra famosa, “O Príncipe.”

Na negociação direta, as partes — sem a interferência de terceiros — estabelecem um diálogo com a intenção de chegar a um acordo. Uma negociação terá características de cooperação se as partes utilizarem formas semelhantes de manejo de conflitos e procurarem uma solução justa e satisfatória para todos os envolvidos. Uma negociação se caracterizará como adversarial se as partes utilizarem estratégias competitivas e buscarem soluções de ganha/perde.

Contudo, verificada a impossibilidade de resolução do conflito pelas próprias partes via Negociação Direta, mas não desejando recorrer ao judiciário, as partes em conflito podem optar por entregar a uma terceira pessoa, ou a mais de uma, de sua livre escolha e confiança, a aludida solução. Portanto, através da atuação

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de um terceiro de confiança e escolha das partes, se pretenderá pôr fim ao conflito surgido entre as partes contratantes.

1.2.2 A jurisdição

Desde o advento do Estado, se tornou vedado o exercício arbitrário das próprias razões, ou seja, a primitiva justiça privada. O Estado conta com um órgão próprio, o Judiciário, ao qual é atribuída a função jurisdicional de conhecer o conflito de interesses e declarar o direito aplicável ao caso concreto solvendo a divergência e impondo a solução a que chegou, podendo exigir, forçadamente, o seu cumprimento, além de, ainda, ter atribuição de defender, preventivamente, esta declaração e este cumprimento forçado.

Assim, caso as partes não consigam alcançar um acordo através da Negociação direta, podem optar por encaminhar sua questão para ser resolvida pelo Estado, no desempenho de sua finalidade social, conservando e desenvolvendo as condições da vida em sociedade através de uma de suas três funções: a função Jurisdicional, que é o poder de atuar o Direito objetivo (normas que o próprio Estado elaborou) para compor os conflitos de interesses e declarar o direito aplicável ao caso concreto.

Na resolução judicial, as partes procuram a Justiça para que um juiz estabeleça a solução definitiva e obrigatória para o litígio surgido entre elas. Contudo, verificada a impossibilidade de resolução do conflito pelas próprias partes via Negociação direta, mas não desejando recorrer ao Judiciário, as partes em conflito podem optar por entregar a uma terceira pessoa, ou a mais de uma, de sua livre escolha e confiança, a aludida solução. Portanto, através da atuação de um terceiro, de confiança e escolha das partes, se pretenderá pôr fim ao conflito surgido entre as partes contratantes.

1.2.3 As alternativas amigáveis e pacíficas

A mediação, a conciliação e a arbitragem, tal como a negociação direta e a negociação profissional, são formas pacíficas

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por se fundarem no consenso entre as partes em conflito que, desarmando-se de qualquer espírito de contenciosidade, esposam o firme propósito de resolver amigavelmente a sua divergência, com boa-fé e boa vontade, através da atuação de uma terceira pessoa, neutra, ou de mais de uma, de sua livre escolha e confiança, a quem será entregue a aludida solução.

Da atuação do terceiro, ou seja, da maior ou menor intensidade desta atuação, retira-se a diferença essencial entre essas formas pacíficas.

Entre as alternativas amigáveis, vários são os métodos utilizados para a resolução pacífica das diferenças. Entre aqueles que envolvem a assistência neutral, os de uso mais comum no Brasil são negociação profissional, mediação, ouvidoria (ombudsman), conciliação e arbitragem. É necessário identificar o método que pode melhor auxiliar as partes na administração de suas questões.

1.2.3.1 Negociação profissional

Todos nascem com o “chip” da negociação: reivindicam recursos e ações sempre que necessitam satisfazer ou amenizar necessidades imediatas e carências.

As energias utilizadas através da comunicação (verbal ou não-verbal) exercitada durante o curso da existência humana se materializam em diferentes formas e se estabelecem em função das experiências vivenciadas, o que propicia a reunião de referenciais que irão identificar, dentro dos mais variados estilos, os processos mentais utilizados para a busca e a satisfação de resultados.

Dessa identidade natural, ou seja, todos nascem negociadores, um ponto importante e incomum não deve ser negligenciado: os referenciais acumulados por cada um dos negociadores naturais. Ambientes, circunstâncias, culturas e histórias são vivenciadas e percebidas de forma incomparável, e é justamente a essas diferentes percepções que os estudiosos devem dedicar sua atenção. O enfoque

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do aprendizado da percepção, cujas diferenças estão entre as causas primárias dos conflitos, é o que confere o toque de qualidade à técnica utilizada pelo negociador eficaz, para quem aprender a refletir e a perceber é o meio mais apropriado para o desenvolvimento de suas habilidades e para o fortalecimento do processo.

O processo de negociação combina posições, interesses e necessidades para formular uma posição ou acordo conjunto e unânime. As presunções da negociação baseada em critérios (Escola de Harvard) são de que as partes têm interesses comuns; de que existe a interdependência; de que mesmo que os recursos sejam limitados eles podem se expandir através da cooperação e de que a meta é encontrar soluções mutuamente aceitáveis e eqüitativas.

Entre os estilos de comunicação utilizados no procedimento, destacam-se: o estabelecimento da questão do conflito, a determinação das necessidades e dos interesses das partes, a apresentação de opções criativas e a busca de soluções que satisfaçam ambos os interesses.1

A negociação constitui-se em recurso eficaz na prevenção de controvérsias e litígios e é largamente utilizada como tática empresarial para permitir alcance mais amplo e satisfatório dos objetivos das organizações. É um procedimento confidencial e voluntário que pode ser utilizado em qualquer ambiente em que sejam identificados interesses convergentes.

1.2.3.2 Os MESCs - mediação, conciliação e arbitragem

Simplicidade e informalismo são as palavras-chave dessa forma de resolução de conflitos, conhecida nos países de língua inglesa e nos EUA como Alternative Dispute Resolution — ADR; nos países de língua espanhola pela sigla MASC; e, no Brasil, no âmbito do Projeto BID/CACB/ SEBRAE, pela denominação de Método Extrajudicial de Solução de Controvérsias — MESCs.

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1.2.3.2.1 Mediação

A mediação tem como principal característica propiciar oportunidades para a tomada de decisões pelas partes em conflito, utilizando técnicas que auxiliam a comunicação no tratamento das diferenças de forma construtiva e interativa.

O mediador (ou mediadores, se mais de um), quando atua utilizando as técnicas da mediação transformativa, tem a função de aproximar as partes para que elas negociem diretamente a solução desejada de sua divergência.

A mediação constitui um recurso eficaz na solução de conflitos originados de situações que envolvem diversos tipos de interesses. É processo confidencial e voluntário, em que a responsabilidade pela construção das decisões cabe às partes envolvidas. Diferente da arbitragem e da Jurisdição, em que a decisão caberá sempre a um terceiro.

Sua aplicabilidade abrange todo e qualquer contexto de convivência capaz de produzir conflitos, sendo utilizada, inclusive, como técnica em impasses políticos e étnicos, nacionais ou internacionais, em questões trabalhistas e comerciais, locais ou dos mercados comuns, em empresas, conflitos familiares e educacionais, meio ambiente e relações internacionais.

Entre os principais benefícios desse recurso, destacam-se a rapidez e efetividade de seus resultados, a redução do desgaste emocional e do custo financeiro, a garantia de privacidade e de sigilo, a facilitação da comunicação e promoção de ambientes cooperativos, a transformação das relações e a melhoria dos relacionamentos.

A história da mediação teve início nos anos 70, nos EUA, difundindo-se para o Canadá, a China e alguns países da Europa.

1.2.3.2.2 Conciliação

A conciliação é bastante conhecida na cultura jurídica brasileira. Quando trabalhada na esfera dos procedimentos

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extrajudiciais (quando o fato não se caracteriza como um Direito incontroverso e diz respeito a um Direito patrimonial privado), se identifica com as técnicas da mediação com enfoque no acordo (Modelo Tradicional baseado na Escola de Harvard) e trabalha com o esforço do terceiro conciliador (ou conciliadores, se mais de um) na condução de um entendimento que ponha fim ao conflito entre as partes. Sua principal característica é de que, na hipótese em que as partes não cheguem ao entendimento, o conciliador propõe uma solução que, a seu critério, é a mais adequada para aquela contenda. Contudo, as partes não estão obrigadas a aceitar a proposta do conciliador. É um processo voluntário e pacífico que cria um ambiente propício para as partes se concentrarem na procura de soluções criativas.

As técnicas utilizadas na conciliação são as mesmas utilizadas na mediação com foco no acordo e têm como principal objetivo proporcionar às partes uma ótima solução para seu problema. Dentro da ótica do conciliador, a proposta a ser oferecida às partes deve parecer a melhor alternativa para composição daquele conflito, a mais justa e equitativa e a que melhor satisfaz os interesses das partes.

Entre os principais benefícios desse recurso, destacam-se a rapidez e efetividade de seus resultados, a redução do desgaste emocional e do custo financeiro e a garantia de privacidade e de sigilo.

Sua aplicabilidade abrange todo e qualquer contexto de convivência capaz de produzir conflitos, sendo utilizada, assim como a mediação, como técnica em impasses políticos e étnicos, nacionais ou internacionais, em questões trabalhistas e comerciais, locais ou dos mercados comuns, em empresas e conflitos familiares.

1.2.3.2.3 Arbitragem

A arbitragem tem como principais características ser um dos mais antigos institutos do Direito e ter como fundamento maior a autonomia da vontade. Essa autonomia da vontade das partes é espelhada no procedimento em todos os seus desdobramentos, que vão desde a possibilidade de nomeação, pelas partes, do

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árbitro(s) que decidirá a controvérsia com força de sentença judicial (o cumprimento da decisão é de cunho obrigatório nos termos da lei), passando pela escolha das regras que servirão de base ao procedimento e ao exame da matéria que, ainda, a critério das partes, poderá ser uma arbitragem de direito ou equidade, com base nos princípios gerais de Direito, ou nas regras internacionais de comércio e culminando com a minúcia da indicação do lugar onde se desenvolverá o procedimento e do idioma em que se desenvolverão os trabalhos.

Assim como os demais procedimentos alternativos, a arbitragem é fundada no consenso, que se estabelece por oportunidade da contratação entre as partes através da inserção no contrato da Cláusula Compromissória ou, ainda, como alternativa negociada por oportunidade do surgimento da controvérsia durante o curso da contratação por meio de um acordo para resolução por esta via.

Qualquer questão que verse sobre Direitos patrimoniais disponíveis poderá ser objeto de arbitragem nos termos da Lei 9.307/96.

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2 Teoria Geral do Conflito

Toda insatisfação de necessidades ou de interesses gera incontinente um conflito que, sendo de pequeno valor significativo, logo pode ser dirimido, mas que, quando representa um significado de maior importância, pode não ser facilmente resolvido na tentativa de negociação direta entre partes e necessitar de uma terceira pessoa para ajudar em sua resolução.

O conflito, depois de instalado, embota o raciocínio lógico e cooperativo dificultando sobremaneira seu entendimento. Pela própria tradição cultural, desde a infância, a pessoa humana tem a tendência natural de transformar qualquer conflito em uma disputa passando a tratar a outra parte como adversária, e concentra todo o seu raciocínio para procurar construir novos argumentos e destruir os argumentos da parte adversária. Não havendo espaço para reflexões, ninguém pensa na idéia colaborativa a compartilhar com a outra parte. O que comumente está presente na discussão de um conflito é a argumentação mais forte, não importando o que o outro fala. Por isso mesmo, enquanto um fala o outro prepara uma nova argumentação. Ao identificar que não estão sendo ouvidas, cada vez mais as partes se exaltam de forma irracional e improdutiva, impossibilitando a resolução do conflito. É claro que, se cada uma das partes escutasse de verdade o que a outra tem a dizer, com certeza chegariam mais rapidamente à pacificação do conflito.

Lembrando Dr. Roberto Portugal Bacellar, o importante não é decidir quem ganha ou quem perde, mas promover a pacificação do conflito satisfazendo os interesses e necessidades. Esse é o propósito da mediação.1

Para se ter uma idéia de como a cultura brasileira está ligada ao ganhar x perder, citarei o caso da parabólica. Por ocasião de uma palestra que realizava na cidade de Lagarto, em Sergipe, quando

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me referia à cultura arraigada em nosso povo quanto ao recurso da jurisdição estatal, um dos participantes nos apresentou um caso interessante ocorrido entre ele e seu vizinho. Esse senhor comprou uma casa e, ao morar, resolveu colocar uma antena parabólica em seu quintal escolhendo seu próprio muro divisório para fixar a referida antena. Passados alguns meses, eis que ele recebe uma notificação judicial motivada por uma queixa da vizinha sobre a invasão do espaço aéreo de seu terreno. O motivo da surpresa foi exatamente o fato de não ter sido procurado pela vizinha para solicitar a retirada da antena daquele lugar. O que se depreende desse caso é que a vizinha, conhecedora de seus direitos, poderia, em primeira instância, ter procurado o novo vizinho e, talvez, ter evitado o trabalho de entrar com a queixa, o constrangimento e a quebra de relações com seu vizinho que, por força das circunstâncias, continuará fazendo parte do seu inter-relacionamento.

O conflito é inerente à pessoa humana, pois é decorrente de suas próprias diferenças e da insatisfação de suas necessidades e encontra-se de forma latente nos relacionamentos. A sua solução depende do reconhecimento dessas diferenças e da satisfação das necessidades.

Normalmente, o conflito é visto de forma negativa, razão pela qual tem-se procurado sempre suprimi-lo ou eliminá-lo. Foi considerado uma disfunção social que somente criava desvios, ineficiências e tensões desnecessárias. Recentemente, tem-se reconhecido que o conflito pode ser positivo, já que constitui elemento motivador de mudança e de inovação, cabendo, por isso, canalizá-lo de forma adequada, como uma necessidade da sociedade para seu progresso e desenvolvimento.

Dizem Juan L. Colaiácavo e Cynthia Colaiácovo: “As qualidades humanas mais exigidas nesse mundo globalizado do futuro serão a habilidade para administrar e resolver conflitos”.2

Diz Boulding: “O conflito é como uma situação de concorrência onde as partes estão conscientes da incompatibilidade de futuras posições potenciais e na qual cada uma delas deseja ocupar uma posição incompatível com os desejos da outra”.3

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Podemos resumir, em três, os elementos componentes do conflito:

ñ A pessoa;ñ O problema;ñ O processo.

A pessoa

A pessoa é o elemento mais complexo, porque lida com emoções e sentimentos, apresenta percepções próprias e possui seus próprios padrões de comunicação, exteriorizando ações próprias de sua personalidade. Para se satisfazer, necessita extravasar sentimentos, manter a dignidade, atender às suas necessidades, etc.

O problema

O problema é conhecido inicialmente sob a forma de interesses aparentes ou posições, que são as demandas apresentadas para solução do conflito envolvendo valores e necessidades. Ao ser contestada, a demanda gera o litígio. O indivíduo é competitivo por natureza e, em geral, oculta seus interesses verdadeiros prendendo-se apenas às posições como estratégia para ganhar a lide. Outras vezes, aspectos de ordem cultural e econômica podem gerar conflitos de valores, costumes e necessidades do indivíduo.

A grande questão do conflito está na identificação dos interesses verdadeiros que estão por trás das posições. A redefinição equilibrada desses interesses poderá promover a satisfação das necessidades das partes envolvidas. E, sem colocar os verdadeiros interesses em discussão, fica difícil para as partes gerarem opções que possam satisfazer a todos.

O processo

O processo está relacionado com as origens do conflito, com a forma como o conflito aconteceu e com sua evolução.

24 25

Quando duas pessoas brigam, sejam quais forem as razões, a

real causa da disputa deixa rapidamente seu espaço ao oponente

que passa a ser o alvo de todas as agressões. (...)

Os mesmos mecanismos psíquicos que levam as pessoas a

deslocarem a atenção do objeto da disputa para os sujeitos que

discutem e a construir sobre os reais interesses posições que

pouco ou nada conservam deles são precisamente os mesmos

que as levam a fantasiar valores e situações fora da realidade

que sempre dificultam a possibilidade de acordos satisfatórios.

(VEZZULLA)4

A origem do conflito está inserida na individualidade de cada pessoa, que naturalmente pensa e age de forma própria. Segundo J. Hokler and W. Wilmot. (1998):

O conflito é uma dissonância, presumidamente, incompatível de:

ñ Percepção: na forma de adquirir conhecimentos através dos sentidos;

ñ Intenção: na vontade, desejo, propósito, etc.;ñ Informação: do conhecimento dos fatos, obtidas em

fontes diversas;ñ Recursos: traduzidos pelos meios disponíveis para

resolver uma questão;ñ Expressão: na anunciação do pensamento por gestos,

palavras ou outras maneiras;ñ Recompensas: na reparação de danos, em contraba-

lançar, compensar, etc.;ñ Interesses: por serem subjetivos, motivam os confli-

tos;ñ Valores: nas importâncias cultural e moral definidas

pelas pessoas, famílias, comunidades, etc.;ñ Expectativa: na esperança fundada em pressupostos

de direitos;ñ Estruturas: representadas pelas necessidades primárias

como casa, alimentação, segurança, etc.;ñ Objetivos: nos alvos a serem alcançados;ñ Interpretação: na forma de entendimento do fato.

26 27

Todos esses sentimentos estão gravados em nossos registros mentais através de experiências vividas desde nosso nascimento, com as quais responderemos aos estímulos quando solicitados.

2.1 Conflitos de origens mais comuns5

Conflitos de valores

São conflitos entre pessoas de culturas distintas, de religiões diferentes, cujos valores diferem nas suas aferições, provocando desarmonia nas relações.

A individualidade do critério de valor é a responsável pelos conflitos resultantes das regras de conduta, das maneiras diferentes de tomar decisões e das formas diferentes de julgar o certo e o errado.

Esse tipo de conflito necessita de reformulação da controvérsia e da criação de um ambiente de lealdade para buscar objetivos comuns.

Conflitos estruturais

Os conflitos estruturais são de difícil solução compositiva, principalmente porque, em grande parte dos casos, a solução foge ao controle das partes ou, pelo menos, de algumas das partes envolvidas. Exemplos: aqueles provocados pela distribuição desigual de poder e autoridade entre as partes que chegue a criar uma dissonância gritante, capaz de influir de forma coativa na relação, conflitos relativos à privação da sobrevivência ou em situações provocadas por casos fortuitos relativos à natureza que fogem ao controle das partes. Exemplo: um raio atingiu uma árvore do quintal e esta caiu por cima do muro danificando o carro do vizinho, etc.

Conflitos de relações

Os conflitos de relações são muito comuns e têm a ver com a dificuldade de comunicação e o tipo de comportamento e comumente

26 27

estão acompanhados de fortes emoções. Podem ser provocados por comportamento negativo e repetitivo, por percepções equivocadas, por estereótipos, pela falta de confiança e até pela própria história de vida. Nesse caso, deve-se procurar separar o problema das pessoas, melhorar a comunicação e trabalhar as emoções com visão no futuro, promovendo um ambiente colaborativo.

Conflitos de informação

Conflitos caracterizados pela falta de informação ou por informações incorretas. São provocados por interpretações diferentes dos fatos, por formas distintas de avaliação e por precipitação. Nesses casos, é comum trabalhar com exploração de novos focos da questão estabelecendo novas formas conjuntas de coleta de informações e selecionando as informações relevantes.

Conflitos de interesse

São os mais comuns e bem adversariais, que tendem a se agravar com as tentativas de negociação direta, devido à própria estratégia usada pelas partes. Nesse tipo de conflito, as partes não revelam os verdadeiros interesses e partem para a lide com base nos interesses aparentes (posições) sem nada acrescentar positivamente, com receio de revelar informações que venham fortificar o adversário nas suas argumentações, e isso torna cada vez mais difícil solucionar o conflito porque, além do conteúdo da questão, estão envolvidas as formas de procedimento na comunicação entre elas e suas próprias emoções.

Na resolução desses conflitos, enfatiza-se o trabalho na identificação dos interesses verdadeiros de cada parte expandindo as opções, selecionando os interesses comuns e ordenando os demais segundo o grau de importância para procurar opções integrativas que venham facilitar a negociação do acordo.

Inúmeras vezes, os verdadeiros interesses não são facilmente

identificados pelo negociador, seja por não ter analisado com

profundidade a questão, seja porque, mesmo tendo identificado

corretamente seus interesses, não lhe convém à divulgação ou,

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simplesmente, não é capaz de os expor com clareza. (Juan Luis/

Cynthia COLAIÁCOVO)2

Dizem que não é possível negociar sobre posições, ou seja,

sobre aquele discurso estruturado e fechado que uma pessoa

apresenta como seu objetivo e as razões que o sustentam, mas

sim sobre os interesses concretos e reais de cada pessoa. (FISHER

e URY)6

2.2 Estilos de comportamento diante dos conflitos

Para ilustrar os efeitos dos estilos de comportamento, vamos aproveitar o trabalho de Luciano Castelo sobre as percepções nos relacionamentos interpessoais7.

Considerando quatro aspectos da personalidade que o indivíduo apresenta em suas relações interpessoais e utilizando a Janela das percepções (janela de Johari), pode-se observar esses aspectos em quatro regiões.

As duas áreas da figura, “eu aberto” e “eu fechado”, correspondem às partes conhecidas pela própria pessoa. As áreas “eu cego” e “eu desconhecido” são por ela ignoradas.

A região do “eu aberto” representa os aspectos da personalidade de que o indivíduo tem conhecimento e aceita compartilhar com os outros. Segundo pesquisas, a produtividade e

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a eficácia estão relacionadas à quantidade de informações possuídas mutuamente em um relacionamento, ou seja, dependem de maior área aberta.

A região do “eu fechado” representa os aspectos que a pessoa conhece, mas consciente e deliberadamente esconde dos outros por motivos diversos como: insegurança, status, medo da reação, medo do ridículo, etc. Essa região constitui a chamada “fachada”, em que o indivíduo se comporta de maneira defensiva.

A região do “eu cego” refere-se àquilo que inconscientemente escondemos de nós mesmos, mas que faz parte de nossa personalidade e é comunicado aos outros através de nossas atitudes e desconhecido por nós. As pessoas falam através de tudo e não apenas pelas palavras. Em suas atitudes e comportamentos, muita coisa é transmitida sem que o próprio indivíduo perceba. A área cega é um fator limitante do “eu aberto” e é inibidora da eficácia interpessoal.

Finalmente, a região do “eu desconhecido”: é a área desconhecida pelo próprio e pelos outros. Nela estão incluídas as potencialidades, talentos e habilidades ignoradas, os impulsos e sentimentos mais profundos e reprimidos, a criatividade bloqueada. A região do “eu desconhecido” pode tornar-se conhecida à medida que aumenta a eficácia interpessoal dentro de um processo dinâmico.

Ao combinar as quatro regiões, foi possível estabelecer quatro estilos diferentes de relacionamento interpessoal ou estilos de comportamento:

TIPO A

É o estilo bastante impessoal de relacionamento com o mínimo de exposição. A área do “eu aberto” é muito pequena e o “eu desconhecido” é a área dominante. As pessoas que usam esse estilo são retraídas, distantes e fechadas. Esse tipo de pessoa é mais encontrado em organizações burocráticas. Pelo seu aspecto de relacionamento muito frio e impessoal, as pessoas que adotam esse estilo provocam muita hostilidade, pois põem barreiras às necessidades de comunicação dos outros.

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TIPO B

Como no primeiro caso, é um estilo também avesso à exposição, sendo o “eu fechado” a área dominante por causa de uma desconfiança básica nos outros. A fachada é grande e nada de pessoal é comunicado.

Sua falta de confiança provoca a desconfiança dos outros, gerando, também, sentimentos de desprezo e de hostilidade. Esse estilo é adotado pelas pessoas inibidas que bloqueiam sua comunicação pessoal particularmente quando estão em grupo. Preferem falar pouco e ouvir muito. Estão muito atentas ao que se passa, mas ninguém sabe o que elas pensam.

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TIPO C

Ao contrário do tipo B, esse estilo baseia-se no uso excessivo da exposição. O “eu cego” é a área dominante. Por isso, a pessoa não se dá conta do impacto negativo que transmite aos outros. Ela reflete muita necessidade de afirmação e pouca confiança na opinião alheia. As próprias opiniões são muito valorizadas. Esse é o estilo característico dos autocratas.

As outras pessoas sentem-se desconsideradas pelo indivíduo que apresenta esse estilo. Acham que ele não dá atenção às suas contribuições e não se preocupa com seus sentimentos. Por isso, alimentam frequentemente em relação a ele sentimentos de hostilidade, insegurança e ressentimentos. Em contrapartida, aprendem a se comportar de forma a perpetuar o “eu cego” do indivíduo, privando-o de informações importantes ou fornecendo-lhe apenas feedbacks seletivos.

TIPO D

Nesse estilo, que é o ideal, os processos de exposição e de feedback são bastante usados e de maneira equilibrada. Procede-se com sinceridade e honestidade e, ao mesmo tempo, com sensibilidade em relação aos outros. O “eu aberto” é a região dominante no relacionamento. Graças à sua atuação, a área do “eu desconhecido”, própria e dos outros, pode ser progressivamente descoberta e aproveitada.

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De início, esse estilo pode provocar certa atitude defensiva dos outros por não estarem acostumados a relacionamentos baseados em sinceridade e confiança. Mas a perseverança tende a promover uma norma de sinceridade recíproca com o passar do tempo, possibilitando a obtenção de confiança e o aproveitamento do potencial criativo.

2.3 Atitudes comportamentais5

A competitividade

Quando a preocupação com as metas dos outros é baixa e é alta a preocupação com suas próprias metas, prevalece a competitividade, sendo necessário um trabalho maior na identificação dos interesses verdadeiros.

Suas características de identificação estão ligadas a frases sarcásticas, ao excesso de críticas em relação ao outro, ao uso de frases no imperativo e à invasão do espaço da outra parte. A parte mantém posições fechadas, não escuta e não se permite conhecer os outros e aproveita as fraquezas dos outros para tirar vantagens.

A evitação

Se a parte tem um estilo com baixa preocupação com suas próprias metas e baixa preocupação com as metas dos outros, há

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naturalmente a tendência de evitação, dificultando o restabelecimento da comunicação.

Nesse contexto de estilo de comportamento, a parte não quer olhar para a outra e se senta de lado. Procura não revelar seus sentimentos e necessidades.

A acomodação

Se a preocupação com as metas dos outros é alta e é baixa a preocupação com suas próprias metas, há uma tendência de acomodação dessa parte prejudicando o equilíbrio. A pessoa que tem esse comportamento se conforma com qualquer situação e, por isso, desequilibra a mesa de mediação.

A cooperação

Se a preocupação com seus próprios interesses é alta e é alta a preocupação com os interesses dos outros, encontra-se um ambiente cooperativo que facilita a busca de uma solução equilibrada.

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3 A Negociação de Conflitos – Conceitos Teóricos

Negociação é um processo pelo qual duas ou mais partes

interagem em uma situação de conflito/transação/desenvolvimento

de idéias, segundo regras estabelecidas com ou sem a participação

de intervenientes, objetivando o acordo entre as partes ou a busca

de um consenso que satisfaça os interesses recíprocos. (Juan Luis/

Cynthia A. COLAIÁCOVO)2

De uma forma mais simples, podemos dizer que negociação de um conflito é a forma compositiva de solucionar um conflito entre duas ou mais partes que, assistidas ou não, procuram, através da identificação de seus interesses, conjugá-los em interesses comuns materializados na construção de um acordo que satisfaça a todos.

Podemos destacar dois tipos de negociação: a negociação profissional e a negociação direta.

A negociação profissional é realizada através de especialistas formados em negociação que utilizam técnicas que visam um acordo comercial. O foco é dirigido para ao fechamento do acordo puro e simples.

A negociação direta de um conflito é a primeira tentativa das partes em resolver uma pendência ou questão que incomoda outra parte ou partes. Em geral, essas tentativas levam ao insucesso, devido à cultura adversarial e competitiva natural da pessoa humana. Levantada qualquer demanda contra alguém, logo se percebe a emoção e o sentimento negativo de revide.

É comum ocorrerem casos em que a parte prejudicada toma medidas de evitação para não negociar diretamente, pensando no desgaste emocional, discussão, raiva, etc. Para exemplificar essa evitação, podemos contar um fato ocorrido com um amigo que

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possuía um terreno ao lado de sua casa. O vizinho dos fundos desse terreno resolveu abrir uma janela no primeiro andar voltada para o citado terreno. Logicamente, essa pessoa entendeu, desde o início, que tal janela aberta demandaria direito ao vizinho após um ano de usufruto da ventilação e iluminação. Para evitar a negociação direta, o amigo tomou a seguinte atitude: construiu um muro até a altura da janela fechando totalmente a ventilação e a iluminação proveniente de seu terreno. Resultado: o vizinho se tornou seu inimigo.

3.1 Diferenças entre posições e interesses

Nas posições (interesses aparentes), as partes de um conflito demonstram posturas condizentes com suas afirmações, defendendo exaustivamente suas convicções. Quando tratam de interesses verdadeiros, as partes demonstram preocupação com a responsabilidade de sua revelação.

As posições conduziriam à solução preferida, enquanto os interesses verdadeiros conduzem à solução duradoura entre as partes. As posições tratam o que está em conflito, enquanto os interesses verdadeiros trabalham com a razão do conflito.

No âmbito das posições, as partes ficam fechadas às outras opções, enquanto na área dos interesses verdadeiros as partes se colocam de forma colaborativa e aberta a opções. Isso se explica pelo fato de que, nas posições, o foco está dirigido à competição entre as partes, enquanto no trato dos interesses verdadeiros, o foco está dirigido à solução do problema. Por isso, é utilizada a técnica inicial de separar as pessoas do problema. Exemplo: em um acidente de trânsito, as partes estão discutindo sobre a grosseria de tratamento: “você é um estúpido”, “estúpido é você” e “você está pensando que sou idiota?.”

Identificar os interesses verdadeiros, como dizia a querida professora Regina Michelon (“é o pulo do gato”), é o primeiro objetivo do mediador. Ao identificar os interesses verdadeiros, tem início a fase de negociação. É importante selecionar os interesses

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comuns às partes. Isso funciona como ponto de partida para obter a confiança das partes e promover um ambiente seguro para o início da construção de opções.

Entre os interesses diferentes, deve-se iniciar a negociação pelos não conflitantes, deixando os interesses conflitantes para o final, quando as partes já estão seguras para gerar opções de solução.

É importante entender que as posições são difíceis de negociar porque são adversariais, enquanto os interesses são negociáveis porque representam as necessidades das partes, que precisam ser atendidas.

Na medida em que são expostos os interesses verdadeiros, há uma melhora significativa na comunicação (comunicação positiva e construtiva), melhorando a compreensão e a apreciação mútua entre as partes. Com a comunicação positiva, pode-se verificar que os interesses diferentes não são necessariamente conflitantes, podendo transformar-se em interesses comuns.

Na negociação de um conflito, são levados em consideração três elementos:

ñ Necessidades;ñ Opções;ñ Critérios.

Considerando a negociação de um conflito entre partes, temos as “necessidades” das partes como principal elemento, o que é pouco negociável considerando as individualidades.

A geração de “opções” é outro elemento importante nas alternativas de satisfazer os interesses. É o elemento criativo da mediação, e por isso é importante esclarecer que “opções” não são “soluções” para que as partes fiquem livres para expor qualquer opção que lhes venha à cabeça, mesmo antes de qualquer julgamento próprio.

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Os “critérios” são elementos eleitos pelas partes, externos ao conflito, utilizados na forma de comparar e avaliar as opções. Usar critérios objetivos significa aplicar padrões neutros, independentes, imparciais e eficientes para estabelecer prioridades, eleger índices de correção monetária, adotar formas de avaliação de opções, etc. Exemplo: em uma questão de divisão de propriedade rural, podem ser sugeridos vários critérios objetivos como: dividir por áreas homogêneas; dividir em partes de áreas iguais e decidir por sorteio, etc.

A negociação direta torna-se difícil principalmente porque as partes utilizam estratégias próprias e uma delas é não revelar seus interesses verdadeiros implicando a dificuldade de gerar opções que possam satisfazer a todos.

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4 Comunicação

A comunicação é a alma da mediação, pois, assim como pode causar o conflito e ser o seu meio de expressão, é o veículo de sua transformação.

A comunicação é formada por três elementos:

ñ O emissor;ñ O canal de comunicação;ñ O receptor.

Esses três elementos têm que funcionar com fidelidade para que possa existir uma boa comunicação.

O emissor precisa ter clareza de expressão e de dicção se a informação for verbalizada.

O canal de comunicação precisa ser fiel e eficiente para que mantenha a integridade da informação comunicada.

O receptor precisa ter capacidade para entender a informação canalizada.

A mediação, em sua filosofia, propõe-se a romper o paradigma “Ganhar x Perder” transformando-o para “Ganhar x Ganhar”, e a comunicação é a mola mestra dessa transformação. É preciso muita atenção e sensibilidade do mediador para perceber toda a linguagem verbal e não verbal que se apresenta no cenário da reunião de mediação, visto que cerca de 60% da comunicação é não verbal.

A comunicação é responsável pelo restabelecimento ou aperfeiçoamento do diálogo entre as partes em disputa. Para que o diálogo aconteça, é importante criar um ambiente seguro, garantir que as partes se sintam à vontade e confiantes do não

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comprometimento de suas palavras e que não tenham receio de revelar seus sentimentos.

O diálogo não leva, necessariamente, ao acordo, mas pode

resultar em entendimento e respeito entre adversários. No diálogo,

falar por si mesmo e a partir da experiência pessoal é fundamental.

No diálogo, ouvir é tão importante quanto falar, e o tratamento

respeitoso é crucial. No diálogo, os disputantes conversam

diretamente um com o outro. Eles fazem perguntas um ao outro,

pois estão motivados pela curiosidade legítima e pelo desejo de

saber mais.(Stephen LITTLEJOHN/Kathy L. DOMENICI)8

Para a promoção do diálogo, é necessária a utilização de perguntas abertas que possam levar as partes a falarem de si mesmas e de suas experiências pessoais e, assim, serem induzidas a falarem diretamente para demonstrar suas preocupações. Essas perguntas podem despertar curiosidades e, com isso, iniciarem uma conversação. Poderão ser usadas afirmativas legítimas de reconhecimento de situações que possam ajudar na promoção do diálogo. Exemplo: “eu percebo que você ainda tem problemas com a aceitação da mercadoria, mas você parece entender os motivos da fornecedora quanto a querer receber a fatura.”

4.1 O “rapport”

É a forma de intervenção preliminar amena, que tem a tendência de harmonização à medida que a comunicação se estabelece. Construir o “rapport” é criar um clima de segurança. Ao observarmos duas pessoas conversando, se o clima for bom, veremos que suas posturas e seus movimentos estão em harmonia e, se pudermos escutar a conversação, notaremos que as vozes se combinam em tom, volume e até mesmo na escolha das palavras. É comum incorporarmos em nosso vocabulário palavras que adquirimos com as pessoas com o “rapport”.”

O objetivo é aclimatar as pessoas ao ambiente e acalmá-las. O processo de mediação é utilizado para ganhar empatia e confiança das partes, procurando transformar o clima tenso em ameno ou, pelo menos, civilizado. O “rapport” é bem utilizado em

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qualquer contato empresarial ao se tratar de negócios.

O “rapport” demonstra a vontade do mediador em conhecer as pessoas antes de procurar a compreensão do problema.

4.2 A escuta dinâmica

Entende-se por escuta dinâmica a forma de escutar para ouvir e não para responder, compreender os significados das palavras, escutar o conteúdo emocional que está agregado à fala e confirmar às partes que estão sendo ouvidas.

O mediador precisa ter uma boa escuta dinâmica para obter a confiança das partes e entender todo o conteúdo de seus relatos. A escuta dinâmica cria confiança com as partes, conserva um espaço seguro, facilita o domínio da situação, clarifica os interesses, elimina dúvidas e permite o perfeito entendimento de tudo o que está sendo escutado.

Escuta dinâmica é compreender a intenção do que está sendo comunicado.

4.3 Indução à escuta dinâmica

Para induzir as partes à escuta dinâmica, é importante fixar a atenção na expressão corporal das partes e fazer criar um espaço adequado com utilizações de técnicas próprias.

Como técnicas, podemos utilizar:

ñ O silêncio – o mediador usa o silêncio para dar po-der às partes. Usado efetivamente, ajuda as partes a se responsabilizarem pelo resultado da mediação. Também é uma técnica para mostrar respeito ao dar às partes tempo para a reflexão e o manejo de seus sentimentos.

ñ A percepção das emoções – ao perceber fortes emo-

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ções, o mediador pode, de forma neutra, demonstrar sua percepção com o propósito de estabelecer con-fiança, respeito e reconhecimento pela legitimidade dos sentimentos. Nesse procedimento, as partes, ao escutarem os sentimentos que estão tentando expres-sar, se sentem gratificadas podendo, com isso, quebrar o bloqueio emocional e abrir um canal de comunicação. Exemplo: “parece que você está triste com essa situa-ção que ocorre entre vocês...”.

ñ Esclarecimentos, afirmações ou perguntas – desti-nam-se a fazer entender um ponto específico. Exemplo: “deixe que eu esclareça um ponto...”. O propósito é estimular a ampliação de um foco e lidar com sen-timentos confusos, ajudando na construção de um relato coerente.

ñ Resumir, condensar – destinam-se a sintetizar o que foi dito acentuando os pontos mais relevantes. Exemplo: “o ponto principal é...”. Tem o propósito de destacar os pontos-chave e evitar as elaborações não importantes.

ñ Repetir – dizer exatamente o que diz a pessoa. Exem-plo: “você disse...”. Tem o propósito de enfatizar um ponto importante e a maneira como ele foi expresso para fazer efeito. Essa técnica corre alguns riscos por-que pode provocar reações defensivas.

ñ Refletir ou parafrasear – significa a forma de repetir o que a pessoa disse em outras palavras para confirmar que o expressado foi entendido. Tem o propósito de confirmar o conteúdo e as emoções. Exemplo: “eu não agüento mais ficar em casa com a Maria sem falar co-migo”. O mediador: “quer dizer que você se sente triste com a falta de comunicação entre você e Maria?”.

ñ Afirmar – significa dar valor ou demonstrar empatia pelas pessoas. O propósito é reconhecer o direito das pessoas de terem seus sentimentos ou de manterem suas posições sem, com isso, demonstrar que estejam a favor ou contra elas. Exemplo: “acredito que entendo como esta situação lhes causa tanto rancor”.

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ñ Reenfocar – significa expressar comentários negativos de forma neutra. O propósito é expressar os interesses das pessoas de forma mais negociável e sempre res-peitando o significado do que foi dito. Exemplo: a parte: “ele vive se metendo na minha vida”. O mediador pode dizer: “parece que você quer uma maneira de seguir a sua vida com o mínimo de intervenção por parte de João, é isso?”.

4.4 Dificuldades das partes para escutar

Barulho interior – é constituído por preocupações particulares de ordem financeira, empresarial, familiar, etc.

Preconceitos – em alguns casos, o preconceito pode prejudicar o entendimento da escuta. É preciso não querer adivinhar, ou seja, entender por antecipação.

Barulho exterior – cobrança de familiares e amigos pelos resultados a seu favor prejudicam a escuta.

Motivação – a falta de motivação provoca a diminuição dos interesses dificultando o entendimento da escuta.

Linguagem – vícios adquiridos entre famílias próprios das regiões, gírias, pleonasmos, etc.

4.5 Tipos de perguntas

As perguntas são as principais ferramentas do mediador. Elas são utilizadas para diversas finalidades no processo de mediação. Exemplo: perguntas investigatórias, quando a intenção é investigar elementos interpessoais ou elementos da própria controvérsia, perguntas para conhecer objetivos das partes, perguntas para descobrir interesses verdadeiros esclarecendo pontos relatados, perguntas para despertar emoções, etc.

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Tipos de perguntas usadas na mediação:

ñ Perguntas abertas – quando requerem uma resposta narrativa. Exemplo: “você poderia me contar mais sobre sua relação com ele?”.

ñ Perguntas fechadas – quando requerem uma resposta “sim” ou “não.” Exemplo: “você quer continuar com a mediação?”.

ñ Perguntas enfocadas – quando requerem uma res-posta narrativa sobre um ponto específico. Exemplo: “o que aconteceu naquela noite?”.

ñ Perguntas dirigidas – quando se busca uma resposta predeterminada, ela muitas vezes contém a impressão do interrogante sobre o assunto. Exemplo: “o que você pensa sobre o roubo do juiz na partida de futebol de ontem à tarde?”.

ñ Perguntas circulares – quando começam com um dos participantes, envolvem o outro para finalmente pedir um parecer do primeiro. Exemplo: “o que o senhor pensa que o senhor Antônio esta lhe ocultando?”. A pessoa responde sem inibição e sem perceber que esta falando de suas próprias suposições.

ñ Troca de lugar – promove uma visão da repercussão de seus próprios atos. Exemplo: “se o senhor estivesse no lugar de dona Maria, como faria?”.

“Quando perguntamos, devemos levar em consideração

os níveis de pensamento para recebermos a resposta que

precisamos.” (Juan Carlos VEZZULLA)4

Primeiro nível – a experiência direta do fato. Coisas que percebemos e estão relacionadas a nós (exemplo: o que aconteceu conosco em uma batida de carro).

Segundo nível – descrição ou verbalização dessa experiência. São as coisas que dizemos sobre o que nos aconteceu (exemplo: contar a batida).

Terceiro nível – a interpretação do fato. Aqui se inclui o raciocínio do que dizemos da experiência (exemplo: as possíveis causas do acidente ou suas conseqüências).

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Quarto nível – as conclusões ou generalizações que fazemos segundo nossa interpretação do fato (exemplo: sobre os riscos de dirigir com o asfalto molhado ou com pneus velhos, etc.).

4.6 A Mensagem “eu”9

Significa expressar sua experiência e seus sentimentos na relação do conflito ao invés de atacar o oponente. Exemplo: ao invés de atacar a parte dizendo “você me enganou”, pode ser dito “eu me senti enganado com o que você disse”.

A introdução da mensagem “eu” no processo é feita durante todo o processo de mediação, devendo o mediador parafrasear as afirmações contundentes de modo a harmonizar a comunicação. Exemplo: quando a parte diz “Fernando, você me enganou”, o mediador pergunta “você quer dizer que se sente enganado com o que Fernando falou?”.

A importância da afirmação na primeira pessoa está na revelação do impacto sentido e não na reclamação ou no ataque.

4.7 A comunicação negativa

É preciso que o mediador esteja atento para não cometer ações de comunicação negativa e gerar ineficácia da comunicação podendo prejudicar o processo de mediação.

Tipos de comunicação negativa:

ñ Dar conselhos – dizer à pessoa o que deve ou não fazer vai contra o conceito de autodeterminação do processo de mediação e o direito das pessoas de decidirem por si. Exemplo: o mediador dizer “você deveria...”.

ñ Julgar – expressar um critério pessoal sobre uma pes-soa ou ação dessa pessoa. Exemplo: o mediador dizer “a meu ver, você está errado”.

ñ Psicologizar – procurar investigar por qual razão as

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pessoas chegaram a esse litígio. O mediador lida com a negociação do conflito. Quem lida com a razão pela qual as pessoas se envolveram no conflito é o psicólo-go. Exemplo: o mediador dizer “parece que ela lembra sua mãe”.

ñ Perguntar julgando – denota preconceito e pode colocar a parte na defensiva. Exemplo: o mediador perguntar “como você foi capaz de fazer uma coisa dessas?”.

ñ Minimizar/maximizar – denota não dar importância aos sentimentos ou critérios da parte. Exemplo: o mediador dizer “não se preocupe, isso não é nada”.

ñ Ordenar – vai contra o conceito de autodetermina-ção da pessoa e afeta negativamente o equilíbrio de poder. Exemplo: o mediador falar “vá você buscar os documentos”.

ñ Ameaçar como forma de indicar conseqüência – é contraproducente e pode agravar o conflito. Exemplo: o mediador dizer “se você não se comportar direito, vou perder a paciência”.

ñ Impor moral – sugerir que as partes deveriam agir ou pensar conforme seus critérios. Exemplo: o mediador dizer “eu acho que um bom pai não deve beber na frente de seus filhos”.

ñ Insultar – referir-se às pessoas com palavras negativas vai contra o uso das boas maneiras no processo. Exem-plo: o mediador dizer “deixe de ser teimoso”.

ñ Argumentar – interfere na autodeterminação das partes. Exemplo: o mediador dizer “eu estou certo porque...”.

ñ Agir de maneira paternalista – denota que a parte é fraca ou incapaz. Vai contra o princípio de autodeter-minação e responsabilidade das partes. O mediador lida com a negociação do conflito, quem defende é o advogado. Exemplo: o mediador dizer “fique tranqüilo, eu ajudo você a resolver isso”.

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4.8 O Consenso

O consenso é uma forma de acordo que enfatiza a cooperação e a busca das melhores soluções possíveis para todos sob as circunstâncias existentes. Chega-se ao consenso mediante intercâmbio de informações e de perspectivas com a discussão em grupo, com persuasão e síntese das idéias.

O consenso trás importantes vantagens:

ñ As decisões são mais “inteligentes” para as partes envolvidas;

ñ Ajuda a evitar os conflitos que vêm do ego;ñ Todos participam da execução das decisões porque

todos participaram de sua aprovação. Todos são donos das decisões.

O consenso pode ser conseguido com aceitação entusiasmada da solução ou pela aceitação de convivência com a decisão.

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5 Mediação/mediador

Mediação é o processo voluntário pelo qual um terceiro neutro, escolhido pelas partes, ajuda a recuperar o diálogo entre elas e facilita a negociação do conflito existente.

Em todo conflito, existem duas faces: a face aparente, que representa a posição de cada parte, ou seja, o interesse aparente, o interesse declarado (e que muitas vezes confunde as pessoas levando-as a julgamentos precipitados daquelas situações) e existe a face oculta do conflito, o interesse verdadeiro, o interesse guardado e que não é exposto por receio de demonstrar fraquezas que possam municiar seu opositor. A face aparente dos conflitos, representada pelas posições, é responsável pelo acirramento das discussões e o encrudescimento das relações, que embotam os interesses verdadeiros e dificultam a negociação.

A mediação, em seu âmago, deve ser voluntária para que tenha elevado índice de sucesso.

O processo de mediação tem características próprias e se caracteriza como um método democrático, educativo e de formação pacificadora. Na verdade, a mediação transformativa tem seu maior peso baseado na relação entre pessoas físicas ou jurídicas e na busca de um entendimento comum cujas propostas devem surgir das próprias partes, que são as reais conhecedoras de suas necessidades e, por isso, é indispensável à participação de boa-fé.

Como características importantes da mediação, podemos citar:

ñ A participação de boa-fé – é fundamental para obter um resultado satisfatório para as partes. O próprio fato de a mediação ser voluntária e não obrigatória induz necessariamente à participação de boa-fé e ao querer colaborar. Qualquer ato que denotasse má-fé

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de qualquer das partes logo seria percebido pelo mediador.

ñ A participação de uma terceira pessoa – deverá ser necessariamente neutra e escolhida pelas partes para atuar como facilitadora, de forma imparcial e independente. A participação dessa terceira pessoa deverá aliviar as tensões, desarmar as partes, promover uma comunicação construtiva entre elas e explorar vários ângulos da questão.

ñ O sigilo do processo – a mediação é um processo sigiloso quanto ao sujeito e quanto ao objeto do conflito. O mediador tem o dever ético de destruir todas as anotações que tenha elaborado durante o processo e manter sigilo sobre revelações e documentos ali apresentados. Exceção feita a casos de violação de menor, crimes, seqüestros, etc. que, como qualquer cidadão, o mediador tem a obrigação de denunciar às autoridades competentes.

ñ A informalidade – é a marca de qualquer processo privado. Tem no seu contexto a necessidade de preservar a liberdade das partes para que se sintam obrigadas apenas pelos seus próprios interesses. A informalidade da mediação também oferece a grande vantagem de permitir o diálogo aberto e franco, sem reservas, de modo que as partes se sentem livres para falar, pois só assim é possível negociar com base nos interesses verdadeiros para construírem um acordo verdadeiramente bom para todos.

Outra característica da mediação é a orientação para conflitos futuros. O fato das partes terem sucesso em um conflito qualquer cria um poder maior de ganho porque, além de resolver a questão, elas mantiveram o relacionamento. Com isso, as pessoas que passaram por essa experiência começam a enxergar os futuros conflitos de forma bem mais colaborativa e passam a adotar as técnicas que aprenderam no processo de mediação.

O acordo é mutuamente e verdadeiramente aceito pelas partes. Essa característica, tanto na teoria como na prática, é o ponto culminante da mediação. Por isso, na mediação exitosa onde a formalização do acordo é obrigatória, muitas vezes as partes não demonstram tanto interesse na lavratura desse documento.

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5.1 Quando a mediação é indicada

A medição é indicada para qualquer tipo de controvérsia, mesmo para aquelas em que o documento formal do acordo não é aplicado, desde que as partes desejem resolver o conflito de boa-fé, tenham autodeterminação e estejam habilitadas e capazes.

ñ Preferência pelas relações continuadas

A mediação é indicada para conflitos entre pessoas cujo relacionamento permanente é significativo e importante e onde a interação tensa precisa ser resolvida para a continuidade das relações. Como exemplo, podemos citar uma empresa que tem um bom fornecedor e, pelo fornecimento de um lote de mercadoria errada ou danificada, essa empresa pode alterar o relacionamento face ao conflito criado. É evidente que é importante para as partes, cliente e fornecedor, a continuidade dos negócios. Nesse tipo de conflito, o modelo ganha x perde deixa seqüelas que invibializariam qualquer negócio futuro. Para esse tipo de caso, a mediação seria o melhor modelo indicado.

ñ Problemas de comunicação

Quando há problemas de comunicação entre as partes, a negociação direta é prejudicial e agrava ainda mais o conflito em face da irritação, do elevado tom de voz usado e da elaboração do argumento antes de terminar de ouvir seu opositor. A mediação pode restaurar a comunicação e facilitar a negociação do conflito. Em geral, o conflito se dá pela falta de entendimento dos interesses verdadeiros e a presença de um terceiro neutro, um mediador, pode modificar de forma positiva e colaborativa a relação entre elas, possibilitando o restabelecimento da comunicação e facilitando a negociação. É evidente que a mediação só deve ser usada quando as partes estão interessadas em encontrar uma solução ou, pelo menos, em reavaliarem suas posições.

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ñ Necessidade de sigilo

Em várias situações, quer em conflitos familiares, quer em conflitos empresariais, o sigilo tem um significado fundamental. Em uma empresa comercial, por exemplo, por um motivo qualquer acontece um conflito sério entre os sócios que, se tornado público, pode gerar complicações para empresa pelo “marketing” negativo que irá repercutir na restrição do crédito e na retração de fornecedores por ocasião de venda a crédito em face da insegurança gerada. É claro que a solução do conflito em sigilo preserva a empresa evitando prejuízos para os sócios.

Por conta do sigilo, é importante salientar que os acordos realizados são inusitados, não podendo servir como regra.

5.2 Quando a mediação não é indicada

ñ Quando se trata de conflito de base estrutural em que sua solução independe da contribuição das partes.

ñ Quando as partes não estão todas representadas, pois, assim, não poderia haver comprometimento com a solução.

ñ Quando há má-fé de qualquer das partes, visto que, sendo a mediação um processo voluntário e com direito de desistência, identificada má-fé de uma das partes, a mediação será encerrada.

ñ Quando há grande desequilíbrio de poder. Nesse caso, não é indicada a mediação, considerando que o processo pode gerar dissonância nos rumos da negociação, visto que o acordo é da competência das partes e o mediador é neutro e necessariamente tem que se portar de forma imparcial.

ñ Também não é indicada a mediação quando o conflito se refere à determinação de uma regra ou uma política uniforme. A mediação é sigilosa e específica para cada caso.

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É natural que a mediação, mesmo não sendo um mecanismo novo, pois já foi usada desde o início das civilizações, esteja revivendo no mundo contemporâneo como um instrumento humano e democrático na resolução de conflitos. Porém, em face da tradição do povo brasileiro de procurar o Estado para resolver qualquer tipo de conflito (até briga de “cachorro com papagaio”) conforme foi noticiado pela televisão nacional, não é estranho entender as inibições que as pessoas têm de utilizar esse mecanismo. Por isso mesmo, é comum observarmos algumas reações do tipo: “posso ser forçado a aceitar uma solução que eu não desejo”, “não me interessa a reconciliação com essa pessoa”, “mediador não vai dar a solução, prefiro não fazer a mediação”. São expressões comuns, que não procedem e se justificam pela falta de conhecimento do processo de mediação.

5.3 Vantagens da mediação

São inumeráveis as vantagens da mediação. Mesmo porque, a mediação é um processo que dignifica e educa as partes para enfrentarem outros conflitos com serenidade e sentimento colaborativo. Além de ser um processo de fácil acesso e pouco oneroso, oferece às partes a oportunidade de usar sua criatividade para encontrar soluções práticas, duradouras e realizáveis dentro de um ambiente amigável que possibilita a pacificação total do conflito.

Além de ser um processo confidencial e que preserva a privacidade das partes e do objeto do conflito, podemos dizer que a mediação é um método não confrontante e, portanto, pacificador. A mediação, sendo um processo de ganha x ganha, não gera inimizade entre as partes propiciando a continuidade das relações. Assim, preserva o relacionamento e fortalece as partes ao mesmo tempo em que soluciona a controvérsia.

É um processo rápido, já que as partes decidem o prazo em que deve ser cumprido o acordo. É eficaz, pois o acordo advém das necessidades dos mesmos, logo, só acordam o que realmente podem cumprir e é sempre justo.

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Não havendo consenso, ainda podem recorrer à conciliação, à arbitragem ou mesmo ao Judiciário. A mediação não afasta as outras formas de solução dos litígios.

Como outras vantagens da mediação, podemos citar o elemento transformador que está presente no processo até pelo aspecto pedagógico, onde está comprovado que a pessoa adulta aprende melhor fazendo, pois é por esse caminho que se chega à sabedoria. As pessoas, ao participarem de uma mediação, vivenciam uma experiência importante e aprendem com ela a entender melhor seus objetivos, a aumentar seus recursos pessoais e a ter participação ativa na tomada de decisões, com respeito pela situação do outro, vendo as coisas de outra maneira e entendendo que sempre podem existir outras formas de solução que não sejam aquelas pelas quais elas lutam. Portanto, é necessário que as pessoas estejam dispostas a realizar mudanças, quebrar paradigmas e explorar novas opções. É comum que pessoas cheguem na mesa de mediação de forma a não se olharem de frente face é o estado de animosidade em que se encontram e, com o desenrolar da sessão de mediação, chegam ao final com uma negociação tranquila e cordial.

5.4 Conceitos básicos da mediação

Na verdade, dada a tradição assistencialista e por ser ainda incipiente o processo de mediação como meio de solução de conflitos no Brasil, muitas vezes as pessoas confundem mediador com conselheiro quando, na verdade, nada tem a ver uma coisa com a outra. O mediador executa uma técnica para restaurar a comunicação e facilitar a negociação de temas ou ações controversas e, para isso, contrata previamente com as partes para que procedam durante o processo com boa-fé, simplicidade, cordialidade e respeito mútuo, que são elementos fundamentais para o perfeito entendimento dos interesses que estão em discussão.

É fundamental que as pessoas participem de boa-fé e estejam voluntariamente na mesa de mediação com interesse de encontrar uma solução para seu conflito sabendo que nada do que for revelado ou assinado na reunião será dado conhecimento

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ao público, que o mediador é uma pessoa neutra escolhida pelas partes, que estas participam em igualdade de poder e que têm independência para negociar um acordo que satisfaça seus interesses e necessidades.

Resumindo, os conceitos básicos da mediação são:

ñ O sigilo das informações referentes às pessoas que participam e ao objeto do conflito;

ñ A neutralidade do mediador, sem a qual será frustrada a mediação;

ñ A igualdade de poder entre as partes;ñ A voluntariedade para participar do processo;ñ A autodeterminação das partes para negociar um acor-

do que satisfaça seus verdadeiros interesses.

5.5 A co-mediação

Em algumas mediações, é necessária a participação da figura do co-mediador. O co-mediador é um mediador auxiliar, escolhido pelo mediador, muitas vezes especialista no tema do objeto do conflito e que tem a finalidade de esclarecer pontos quando solicitado pelo mediador. O mediador pode utilizar o co-mediador para combinar estratégias e para se auxiliar nas situações em que encontrar dificuldades. Como exemplo, o mediador pode solicitar um co-mediador especialista na legislação trabalhista para participar de uma mediação entre patrão e empregado.

5.6 O mediador – qualidades e responsabilidades

O mediador trabalha tecnicamente como um facilitador do entendimento entre pessoas que não conseguem por si sós chegar a uma solução. Para isso, o mediador inicialmente foca seu trabalho no restabelecimento e/ou melhoramento da comunicação entre as partes, pois somente elas, em conjunto, podem chegar a alguma conclusão sobre o conflito. É lógico imaginar que somente as próprias partes envolvidas sabem verdadeiramente, cada uma de seu lado,

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as verdadeiras razões do conflito e que somente elas, em conjunto, são capazes de compor um acordo que possa satisfazer a ambas. Qualquer solução imposta pode satisfazer uma ou mais partes, mas com certeza não satisfará a todas plenamente.

O mediador, além de aproximar as partes pelo restabelecimento da comunicação entre elas, procura criar ambiente seguro para abrir espaço às novas opções interagindo positivamente e capacitando as partes a utilizarem suas habilidades de forma construtiva.

Qualidades inerentes ao bom mediador

O mediador, além de conhecer a técnica do processo de mediação, precisa ter capacidade para entender a complexidade do conflito, ter boa comunicação, habilidade em escutar e entender critérios e juízos de valor de outras pessoas, além de incorporar o real interesse no bem estar delas.

É muito comum o mediador internamente fazer seu juízo de valor nas questões que estão em discussão. Porém, é preciso ser capaz de não deixar perceber para poder conduzir a mediação com eficiência e imparcialidade. O conflito pertence às partes e somente a elas é dado o direito de transigir ou não em seus pontos de vista. O mediador precisa ter flexibilidade e habilidade para mudar o rumo da discussão quando percebe que esta gira em círculo vicioso e ter sensibilidade para perceber a linguagem não verbal apresentada pelas partes, processá-la e tomar medidas oportunas e objetivas. Deve ser oportunista, ter serenidade e ressaltar fatos relatados importantes que sejam do interesse comum.

O mediador precisa ter liderança e credibilidade com as partes.

Responsabilidades do mediador

O mediador deve estar atento, em primeiro lugar, à verificação de indicação da mediação para solucionar o conflito apresentado. Isso porque o caso pode não ser indicado para

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mediação ou, se for indicado, será necessário explicitar que tipos de resultados poderão ser conseguidos, pois o conflito pode não se referir a valores, e algumas vezes não é importante a materialização firmada do acordo. Em outras vezes, esse documento se torna importante como título executivo extrajudicial para a possibilidade de execução desse acordo caso não seja cumprido.

O mediador precisa, também, verificar a possibilidade de impedimento de qualquer das partes (caso de menor, pessoas incapazes civilmente, etc.), se elas estão voluntariamente interessadas na solução do conflito, se estão de boa-fé e fazer a avaliação de sua própria capacidade para mediar o caso.

O mediador deve cancelar a mediação se, no decurso do processo, perceber que:

ñ Sua falta de conhecimento ou habilidade pode prejudicar o sucesso da mediação;

ñ Há falta de boa-fé de alguma das partes;ñ Há desigualdade gritante de poder entre elas;ñ Há violação por qualquer das partes das normas ado-

tadas para a mediação (contrato de mediação).

5.7 Utilização do “caucus”

O “caucus” é a palavra usada pelo mediador para conversar em separado com as partes.

Segundo J. C. Vezzulla4, a utilização do caucus é contestada por vários autores. Alguns o contestam pelo risco de gerar dúvidas na mente despreparada de qualquer das partes quanto à imparcialidade do mediador. Outros o contestam porque, com o caucus, o mediador pode se transformar em profissional de cada uma das partes e, assim, perderia a base da mediação que é a relação entre elas.

Entretanto, o autor aconselha que o caucus deve ser utilizado no momento em que o mediador perceber que a mediação não está progredindo e que as discussões giram em círculo vicioso.

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Com o caucus, o mediador pode identificar interesses ocultos e dar celeridade à mediação.

A qualquer tempo o mediador ou as partes podem interromper a mediação para fazer uso do caucus.

Também o caucus pode ser utilizado para esclarecer fatos ocorrentes durante o processo de mediação. Exemplo: quando, ao ser indagada, a parte fala demais para dar a impressão de que respondeu à pergunta sem nada de importante revelar; quando a parte responder parcialmente ou responder de maneira inadequada mudando de assunto; quando a parte faz um discurso com a intenção de levar o mediador a desistir de insistir perguntando, etc.

5.8 Como gerar opções de solução

A partir do momento em que são identificados os interesses verdadeiros, a dificuldade é a geração de opções para análise e avaliação.

Fisher e Ury6 fazem quatro recomendações:

ñ Separar o ato de inventar opções do ato de julgá-las;ñ Ampliar as opções sobre a mesa em vez de buscar

uma resposta única;ñ Buscar benefícios mútuos;ñ Inventar meios de facilitar as decisões do outro.

Separar o ato de inventar opções do ato de julgá-las – significa fazer uma chuva de idéias (brainstorming) com as partes de forma que possam expor sem compromisso qualquer opção que lhes vier à mente, por mais ridícula que pareça, pois o julgamento inibe a criação das opções. Esse processo facilita a criatividade e gera trabalho para análise e seleção das opções consideradas válidas.

Ampliar as opções sobre a mesa em vez de buscar uma resposta única – significa a análise e a ampliação das opções eleitas em conjunto.

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Buscar benefícios mútuos – significa identificar os interesses comuns e harmonizar os interesses diferentes. Uma das formas de harmonizar os interesses diferentes é selecionar diversas opções aceitáveis por uma das partes e fazer a outra parte escolher qual delas melhor lhe satisfaz.

Facilitar a decisão do outro – como o sucesso da negociação depende da outra parte, é importante se colocar na situação da outra. Portanto, deve-se facilitar a decisão da outra parte oferecendo não um problema e sim uma solução, não uma decisão difícil e sim uma decisão fácil (FISHER e URY).6

5.9 Aspectos jurídicos do acordo

O acordo celebrado por mediação de um conflito deverá ter clareza e precisão na sua redação jurídica e conter os requisitos de um contrato para que, caso não seja cumprido, possa ser executado como título executivo extrajudicial.

“Todo acordo deve atentar para a necessidade de conter

requisitos legais mínimos como a capacidade das pessoas

interessadas, objeto lícito e forma prevista ou não proibida.”

(Roberto Portugal BACELLAR)1

O acordo deve ser elaborado sem ferir a ordem pública e os bons costumes. Deve, também, se enquadrar nos limites da lei, ou seja, as multas pelo descumprimento do que foi acordado devem obedecer aos limites estabelecidos no Código Civil e não podem superar o valor da obrigação.

5.10 O processo de mediação

É natural que, por força da cultura adversarial, a tentativa de negociação direta, em sua maioria, fracasse por ter como estratégia a reserva mental e a busca de revelações dos adversários como meio de possibilitar a formulação de novas argumentações

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para encurralar o adversário e vencer a disputa. Esse processo cai num círculo vicioso em que nada mais se acrescenta, chegando-se à exaustão e à perda da comunicação.

Quando o conflito chega à mediação, em geral as relações entre as partes já estão desgastadas e a comunicação direta entre elas, interrompida. O processo de mediação é composto por um planejamento com início, meio e fim.

O início de uma mediação se dá quando a(s) parte(s) procura(m) informações a respeito de como se dá o processo e quais os resultados efetivos.

Esse início, chamado de pré-mediação, é o momento de esclarecer as partes sobre todos os passos da mediação, a possibilidade de retirada, os custos e, principalmente, os resultados a que se pode chegar, inclusive o valor jurídico do acordo.

No livro “O Processo de Mediação” (Christopher W. Moore)10, o autor considera a mediação dividida em 12 (doze) estágios, mesmo entendendo que, na prática, é difícil de identificar todos esses estágios e que, em função das culturas, podem variar na seqüência, na ênfase e na abordagem. Porém, para o estudo didático da mediação, essa divisão se reveste de muita importância para o entendimento do processo e, por isso, passamos a descrevê-la.

Os cinco primeiros estágios detalhados por Moore fazem referência a atividades preparatórias e à criação de ambiente próprio e adequado para a negociação. Os sete estágios seguintes fazem referência à mediação propriamente dita.

É importante que o mediador trace sua estratégia para cada estágio de desenvolvimento da mediação com atividades específicas e seqüenciais e, de forma natural, com a atenção voltada para a escuta dinâmica nos momentos adequados.

5.10.1 Estágio I (introdução)

ñ Promover o “rapport” (estabelecer um bom relaciona-mento com as partes).

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ñ Construção de credibilidade do processo:O processo de mediaçãoEstabelecer regras básicas e diretrizes comporta-mentais O papel do mediadorO papel das partesA apresentação de informações relevantesReuniões conjuntas e separadasO sigiloAs notas do mediadorOpçõesSoluçõesO acordo mediadoO encerramento da mediaçãoO regulamento do processoOs efeitos do acordoAssessoria legal

ñ Promover um compromisso em relação ao procedimento (compromisso de mediação).

O “rapport” tem o objetivo de ganhar empatia e confiança das partes procurando transformar o clima tenso em um clima ameno ou, pelo menos, civilizado.

Após o “rapport”, o mediador deve ter em mente o controle da situação para evitar a elevação dos ânimos que muitas vezes estão acirrados e ter paciência com os desabafos que são naturais e necessários para aliviar as tensões. Porém, deve procurar manter o clima cordial, sem ofensas e sem elevações de voz e escutar enquanto o outro fala sem permitir qualquer interrupção.

É importante comunicar que o processo é de boa-fé, confidencial e que as partes podem ficar livres para revelar o que quiserem sem reserva mental. Afinal, nada será levado em conta, a não ser como contribuição para um processo construtivo de identificação de interesses comuns. A parte não precisa omitir informações, por mais simples que pareçam, porque poderão facilitar o entendimento de alguma questão. Explica também o mediador que, se desejar, poderá falar em particular com cada uma das partes e, do

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mesmo modo, as partes poderão falar em particular com o mediador se desejarem (caucus).

Explicar a necessidade de firmar o compromisso de mediação entre o mediador e as partes: o objetivo deste termo de compromisso é estabelecer parâmetros e condições necessários para a segurança das informações e a responsabilidade dos participantes.

O compromisso de mediação deve conter:

1. O conhecimento de que o processo de mediação é voluntário e pode ser terminado a qualquer tempo por qualquer das partes.

2. Submissão ao processo de mediação.3. Declaração de confidencialidade sobre o processo e

todas as suas reuniões.4. Declaração de que não podem convocar, em hipótese

alguma, qualquer mediador a apresentar-se em juízo relativamente ao conflito objeto da mediação.

5. Declaração de proibição de qualquer mediador teste-munhar em favor de qualquer uma das partes relativa-mente a esse conflito.

6. Obrigação das partes em revelar todos os fatos e infor-mações relevantes relativos ao conflito.

7. Cientifica às partes que, se necessário, demonstrativos e relatórios financeiros consolidados podem ser solici-tados e pode lhes ser solicitada a exibição de declara-ções e comprovantes de rendas e de recolhimento de impostos. O insucesso na total revelação dos fatos e documentos solicitados durante o processo de media-ção poderá invalidar qualquer acordo.

8. Cientifica as partes de que os mediadores não funcio-narão como advogados ou defensores de nenhuma delas.

9. As partes acordam que o mediador tem pleno direito de interromper a mediação a qualquer tempo, se este en-tender que o caso é inapropriado para ser submetido à mediação, ou que outras futuras e ulteriores discussões possam ser inócuas ou sem efeito.

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5.10.2 Estágio II – Escolhendo uma estratégia para orientar a mediação (relatos das partes)

ñ Ajudar as partes a explicar a situação do seu ponto de vista.

ñ Escutar as partes e ajudar para que escutem umas às outras.

ñ Resumir os pontos da controvérsia.

A fase dos relatos é a escuta do objeto do conflito em todos os seus detalhes. Nesse momento, o mediador recomenda mais uma vez a observância das partes à não interrupção, a escutarem procurando entender com maior atenção o que está sendo dito. Esse é um momento muito importante da mediação, e o mediador deve se concentrar não só no relato propriamente dito, mas em toda a linguagem não verbal que se apresentar no cenário, como expressões do rosto, posturas e movimentos, respiração, tom e ritmo da voz, etc. Esse momento demonstra o estado emocional das partes e as carências de informações para fechamento do raciocínio colocado são percebidas.

5.10.3 Estágio III – Coletando e analisando infor-mações básicas

ñ Coletar e analisar dados importantes sobre as pessoas, a dinâmica e a essência de um conflito.

ñ Verificar a precisão dos dados.ñ Minimizar o impacto dos dados inexatos ou indisponíveis.

É prudente reconhecer os posicionamentos de ambos os lados e procurar esclarecer e/ou detalhar alguns pontos com o objetivo de promover a coleta de alguns dados necessários para o esclarecimento da questão.

5.10.4 Estágio IV – Projetando um plano detalhado para a mediação

ñ Identificar estratégias e movimentos não-contingentes conseqüentes que permitam às partes caminhar rumo

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ao acordo.ñ Identificar movimentos contingentes para responder a

situações peculiares ao conflito específico.

Esse estágio é preparatório para construção de um ambiente cooperativo, considerando a identificação dos movimentos e estratégias conseqüentes.

5.10.5 Estágio V – Construindo a confiança e a cooperação

ñ Preparar psicologicamente os disputantes para partici-par nas negociações sobre questões essenciais.

ñ Lidar com emoções fortes.ñ Verificar as percepções e minimizar os efeitos dos es-

tereótipos.ñ Construir o reconhecimento da legitimidade das partes

e das questões.ñ Construir a confiança.ñ Esclarecer as comunicações.

Nesse estágio, o mediador procura separar as pessoas dos problemas e convoca as partes para trabalharem juntas com o objetivo comum de tentar resolver o conflito. Ele seleciona as questões essenciais das partes separando as questões de interesse comum e as de interesses diferentes ordenando-as de forma a iniciar pelas menos conflitantes.

5.10.6 Estágio VI – Iniciando a sessão de mediação

ñ O mediador deve abrir a negociação entre as partes. ñ Estabelecer um tom aberto e positivo.ñ Ajudar as partes a expressar suas emoções.ñ Delimitar as áreas e as questões a serem discutidas.ñ Ajudar as partes a explorar os compromissos, os pontos

relevantes e as influências.

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5.10.7 Estágio VII – Definindo as questões e esta-belecendo uma agenda

ñ Identificar áreas amplas de interesse para as partes.ñ Obter concordância sobre as questões a serem dis-

cutidas.ñ Determinar a seqüência para o tratamento das ques-

tões.

O mediador procura a participação das partes para relacionar as questões identificadas e organizar uma agenda de negociação.

5.10.8 Estágio VIII – Revelando os interesses ocul-tos das partes

ñ Identificar os interesses essenciais, psicológicos e de procedimento das partes.

ñ Instruir as partes sobre os interesses uma da outra.

Identificar os verdadeiros interesses das partes é a tarefa mais difícil da mediação. Isso acontece porque: ou as próprias partes não sabem quais são os seus interesses genuínos nem como superá-los ou procuram ocultá-los por considerar mais proveitoso que o oponente não tome conhecimento e persistem nas posições.

As partes só começam a contribuir com mais eficiência e de forma mais cooperativa quando passam a confiar no processo, entendendo que qualquer posicionamento tomado ou informação declarada pode ser revertido no decorrer do mesmo.

Se, em determinado momento, as discussões permanecem em círculo, pode o mediador explorar novos focos da questão com perguntas abertas enfocando o futuro, perguntas dirigidas ou enfocadas. Se achar conveniente, o mediador pode solicitar uma conversa em separado com cada uma das partes (caucus) para esclarecer pontos importantes não revelados nas perguntas elaboradas na mesa de mediação.

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5.10.9 Estágio IX – Gerando opções para o acordo

ñ Desenvolver entre as partes a consciência da necessi-dade de múltiplas opções.

ñ Reduzir compromissos com alternativas isoladas.ñ Gerar opções usando negociação baseada no interesse.

5.10.10 Estágio X – Avaliando as opções para o acordo

ñ Rever os interesses das partes.ñ Avaliar como os interesses podem ser satisfeitos pelas

opções disponíveis.ñ Avaliar as opções conforme os critérios objetivos pre-

viamente estabelecidos.ñ Avaliar os custos e benefícios antes de escolher as

opções.

5.10.11 Estágio XI – Barganha final

ñ Estimular o diálogo sobre as opções restantes até que cheguem ao consenso observando as vantagens e desvantagens, os fatores que podem prejudicar uma possível ação e as alternativas para superá-los.

ñ Conseguir o acordo através da maior convergência de interesses.

5.10.12 Estágio XII – Atingindo o acordo formal

ñ Visualizar o relacionamento futuro das partes.ñ Analisar a viabilidade do acordo.ñ Preparar as partes para explicar o acordo a terceiros se

for o caso.ñ Formalizar um acordo e criar um mecanismo de impo-

sição e compromisso. ñ Esse acordo deve ser: - Escrito

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- Específico - Positivo - Exeqüível - Assinado - Testado (em caso de acordo provisório)ñ Esse acordo deverá responder às questões: - Quem vai fazer? - O que vai fazer? - Quanto vai ser? - Como vai fazer? - Por que vai fazer? - Quando vai acontecer? - Onde, em que local?

5.11 Mediador e o acordo final

O mediador, durante o processo de mediação, fica sempre atento ao equilíbrio de poder entre as partes e está ciente de que não deve fazer juízo de valor sobre o que está sendo negociado. Pode ocorrer negociação em que se concretize uma solução desequilibrada no juízo de valor do mediador, mas que seja verdadeiramente a solução que satisfaça os interesses e necessidades das partes.

Se o mediador achar que os termos do acordo são injustos para alguma das partes, isso não lhe dará o direito de interferir ou deixar perceber sua discordância, considerando que o acordo é de única e total responsabilidade das partes. Caso contrário, estaria denunciando parcialidade.

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6 Conciliação

Existe uma certa controvérsia quanto ao que se chama de mediação e ao que se chama de conciliação em face da semelhança de significado das duas terminologias. Vários países da América do Sul não fazem diferença entre mediação e conciliação.

Na Argentina, chama-se mediação o que nós chamamos conciliação, e é contemplada com legislação específica.

André Gomma de Azevedo11 defende mediação como termo genérico comum às duas situações, ao passo que conciliação seria o nome específico que a mediação recebe uma vez inserida no âmbito processual legal.

A conciliação é o componente psicológico da mediação em que

o terceiro tenta criar uma atmosfera de confiança e cooperação que

promova relacionamentos positivos e conduza as negociações(...)

Da mesma forma que ocorre com a negociação, a mediação

deixa que as pessoas envolvidas no conflito tomem as decisões...

(Christopher MOORE).10

Vários autores estrangeiros utilizam esses termos indistintamente com o mesmo significado.

No Brasil, fazemos uma diferença entre mediação e conciliação. E, em que pese, a semelhança considera-se como dois métodos distintos de solução de controvérsias.

Procuramos conceituar mediação como uma negociação facilitada por uma terceira pessoa neutra (mediador) escolhida pelas partes, que aproxima e restaura o diálogo entre elas e facilita a negociação do conflito com foco nos interesses verdadeiros identificados para reconhecimento e satisfação das suas necessidades. O mediador não necessita ser especialista no

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objeto do conflito e utiliza técnicas adequadas para facilitar essa negociação sem sugerir qualquer opção de resolução, pois assim as partes se comprometem com a construção de uma solução e, conseqüentemente, firmam um acordo efetivamente realizável e duradouro.

Conceitua-se a conciliação como a negociação de um conflito com a participação de uma terceira pessoa neutra (conciliador), que utiliza as mesmas técnicas da mediação para aproximar e restaurar o diálogo entre elas, mas foca o seu trabalho na esfera avaliativa do conflito para chegar à composição do acordo. O conciliador deve entender da matéria objeto do conflito para negociar e encontrar conjuntamente a solução que mais satisfaça às partes. No Brasil, a conciliação é utilizada na forma judicial como instrumento processual obrigatório, na forma extrajudicial obrigatória inserida nos procedimentos arbitrais de resolução de conflitos e na forma voluntária.

Na conciliação judicial, a terceira pessoa neutra é indicada pelo Estado, e o acordo negociado homologado pelo juiz por sentença é título executivo judicial. Tornou-se comum por estar prevista na CLT, no Código de Processo Civil, na Lei nº 10.259/01 – que dispõe sobre os Juizados Especiais Federais -, na Lei nº 6.947/81 – que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais -, e na Lei nº 9.958/00.

Na conciliação extrajudicial integrante do procedimento arbitral, o conciliador é indicado pelas partes (árbitro) e o acordo conciliado declarado por sentença arbitral é um título executivo judicial (Art. 584 CPC).

Na conciliação extrajudicial voluntária, a terceira pessoa neutra é escolhida pelas partes e o acordo negociado pode ser reduzido a título executivo extrajudicial.

Na verdade, os dois métodos utilizam as mesmas técnicas e têm a mesma finalidade, que é facilitar a solução do conflito de forma harmônica e pacífica. Porém, podemos ressaltar algumas diferenças importantes quanto à sua indicação.

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Quando o caso é indicado para mediação

Quando se trata de um conflito entre partes que têm ou tiveram algum interesse ou relação comercial, social ou familiar, onde a preservação das relações tem relevância, a solução para pacificação plena do conflito se dá com mais eficiência a partir da identificação e satisfação dos interesses verdadeiros e das necessidades. Exemplo: conflitos entre fornecedora e cliente. Nesses casos, existem os interesses comerciais nas relações continuadas.

Quando o caso é indicado para conciliação

Se um conflito ocorre entre partes desconhecidas e que não tenham ou tiveram qualquer interesse ou relação comercial, social ou familiar, a importância maior, obviamente, será dada ao objeto, na busca de uma forma avaliativa mais eficiente para solucionar o conflito. Exemplo: conflito provocado por danos materiais de acidente de trânsito entre duas pessoas desconhecidas. Nesse caso, não existe nenhuma relação de interesse a não ser a resolução do impasse.

São aplicadas no processo de conciliação todas as técnicas utilizadas no processo de mediação até o restabelecimento da boa comunicação entre as partes. A partir da livre negociação entre elas, o conciliador especialista na matéria conduz o processo como catalisador na criação de opções de solução podendo, inclusive, sugerir opções se for o caso.

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7 A ética na mediação

A expressão de valores se dá na nossa atuação a partir

principalmente de três estratégias: a ética, a lei e a moral.

Quando a gente tem com clareza uma estrutura de valores

determinando os princípios orientadores, isso é o fundamento do

diálogo com a nossa consciência e essa é uma contribuição ética,

é uma contribuição do indivíduo.

A lei é uma contribuição do coletivo, do consenso coletivo, uma

ação da sociedade sobre o indivíduo.

A moral é uma ação da cultura sobre as pessoas, é o jeito de

fazer.

A ética nos diz porque e para que fazer alguma coisa, a lei define

o que pode e o que não pode, e a moral nos orienta a respeito de

como fazer. (Regina Migliore).12

Ética é um conjunto de princípios e disposições voltados para a

ação, historicamente produzidos, cujo objetivo é balizar as ações

humanas.

Moral é a regulação dos valores e comportamentos considerados

legítimos por determinada sociedade, um povo, uma religião, uma

certa tradição cultural, etc. Há, portanto, muitas e diversas morais.

Isso significa dizer que uma moral é um fenômeno social particular,

que não tem compromisso com a universalidade. (Luiz Fernando

Veríssimo)

O objeto material da ética é o ato humano, ato voluntário e

livre...

A ética estuda o aspecto moral do ato humano e de toda

atividade humana: o bem e o mal, o honesto e o desonesto, o

justo e o injusto, o virtuoso e o vicioso.

A ética define o bem e o mal. A moral determina princípios

e normas para que as pessoas possam ordenar seus atos para

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realizar seu trabalho. Ou seja, a moralidade é a relação do ato

humano com a diretriz ética. A ética é a filosofia da moral. (Vitorino

Félix Sanson)

A conduta humana, embora una, possui diversos aspectos:

social, jurídico, religioso, político, etc. A ética estuda principalmente

o aspecto moral, isto é, o da responsabilidade do homem pelos

seus atos. (Éder Haro Petrechen)

7.1 A ética e o mediador

O mediador, como todo profissional, está submetido a padrões éticos profissionais e de comportamento diante de seus clientes, diante de seus colegas, diante da sociedade. Os padrões éticos são responsáveis pela credibilidade do profissional e, conseqüentemente, da instituição que o credencia.

Os padrões éticos na mediação estão diretamente relacionados a alguns princípios fundamentais como:

ñ A neutralidade – o mediador não pode aceitar o convite para mediar casos em que tenha ou tenha tido qualquer tipo de relação familiar ou social com qualquer das partes ou com o objeto do conflito que denote indício de perda de sua neutralidade. O mediador tem a obri-gação de revelar, antes de aceitar a indicação, qualquer relacionamento existente ou que existiu mesmo que, a seu juízo, não afete sua neutralidade.

ñ A imparcialidade – o mediador foi escolhido pelas partes em conjunto, e em hipótese alguma pode ser parcial ou transparecer parcialidade por qualquer delas. O mediador deve procurar compreender as dificulda-des e realidades dos mediados sem que quaisquer preconceitos ou valores pessoais possam interferir em seu trabalho.

ñ Competência e habilidade – o mediador tem a obriga-ção ética de rejeitar o convite ou abandonar o caso se perceber que não se acha capaz ou que não se acha com habilidade suficiente para o mediar. E só deve aceitar o caso se estiver disposto a atuar de conformi-dade com os padrões éticos a ele atribuídos de forma

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a manter a integridade do processo.ñ Informação às partes – o mediador tem a obrigação

de esclarecer as partes sobre o processo de mediação, suas responsabilidades e responsabilidades das partes. Deve estar seguro de que as partes entenderam verda-deiramente o que seja o processo de mediação.

ñ Confidencialidade – por ser um processo sigiloso, tanto o mediador como as partes assumem o compromisso ético da confidencialidade quanto às partes, quanto ao conflito e quanto às revelações ouvidas durante o processo. A divulgação de qualquer elemento do pro-cesso de mediação só será permitida com autorização expressa por escrito das partes envolvidas.

ñ Diligência – o mediador deve ter prudência e dedicar inteiramente sua atenção para assegurar a qualidade do processo e concluí-lo no tempo adequado.

ñ Credibilidade – o mediador constrói sua credibilidade mantendo, do começo ao fim do processo, a sua inde-pendência e coerência.

ñ Relacionamento com as partes – o mediador deve manter um relacionamento cordial e profissional com as partes e exigir esse mesmo relacionamento entre elas.

7.2 Padrões éticos das partes

No momento de esclarecimento das partes sobre o processo de mediação, o mediador explica os padrões éticos a que as partes estão submetidas diante do processo, ou seja:

Participação de boa-fé – para que exista o processo de mediação, é necessário que as partes desejem solucionar o conflito.

Revelação de informações pertinentes - as partes têm a obrigação de revelar, durante o processo, todas as informações pertinentes ao caso.

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Autodeterminação / Voluntariedade – as partes precisam estar livres para decidir sobre a solução do conflito.

A ética do mediador é constituída de padrões específicos definidos pelos princípios fundamentais do processo de mediação e dos padrões éticos universais como boa educação, honestidade, reputação ou conceito na sociedade.

7.3 O Código de ética

Código de ética, por definição, é uma norma de comportamento compatível com os princípios universais da ética. É criado por categorias profissionais, empresariais ou sociais com o objetivo de regular a prática profissional de seus afiliados ou aderentes relativamente à conduta moral em relação a seus colegas e à sociedade e tem a finalidade de preservar a integridade do bom nome e do conceito social da categoria que o constituiu.

A Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem Empresarial do Brasil – CBMAE e o CONIMA – Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem dispõem de Códigos de ética modelo padrão para instituições de mediação e arbitragem.

É de grande importância a existência do Código de ética em todas as instituições de mediação e arbitragem do Brasil para que se possa preservar a imagem positiva desses métodos extrajudiciais como um instrumento democrático e eficaz de resolução de conflitos à disposição da sociedade.

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Referências Bibliográficas

(1) BACELLAR, R. P. Juizados Especiais: A Nova Mediação Paraprocessual. Editora Revista dos Tribunais, 2004.

(2) COLAIÁCOVO, Juan Luis e Cynthia. Negociação, Mediação e Arbitragem. Editora Forense, 1999.

(3) BOULDING; KENNETH. Conflict and Defense. NY: Editora Harper Collins, 1962.

(4) VEZZULLA, J. C. Teoria e Prática da Mediação. Editora IMAB, 1998.

(5) Adaptação de vários “slides” do Curso de Mediação. Elaborado por: MURDOCK, Janet Lynn; WANDERLEY, Ávea da C. B; FONSECA, Gerson; CARNAÚBA, Lygia; COSTA, Renata; JUNQUEIRA, Séfora.

(6) FISHER, R.; URY, W. Como Chegar ao Sim. Editora Imago, 1994.

(7) CATELO, Luciano. O Feedback Como Prática Indispensável para o Desenvolvimento Social. Adaptação.

(8) SCHNITMAN, D. F.; LITTLEJOHN, S. Novos Paradigmas em Mediação. Editora Artmed, 1999.

(9) URY, William L. Supere o Não. Editora Best Seller, 2001.

(10) MOORE, C. O Processo de Mediação, Estratégias Práticas para Resolução de Conflitos. Editora Artmed, 1998.

(11) GOMMA, André de Azevedo. Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. Editora Brasília Jurídica, 2002.

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(13) MIGLIORE, Regina. III Fórum de Desenvolvimento Social e Econômico. Maceió, Alagoas, 19/08/2003.

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Anexo I

Simulação de uma Mediação

A formulação dos estágios didaticamente definidos no capítulo anterior é importante para o estudo e a sedimentação do conhecimento e deve estar presente em sua mente. Porém, não deve o mediador se preocupar em atender literalmente àqueles preceitos durante o processo de mediação, pois isto poderá tirar sua concentração e atrapalhar o desenvolvimento da mediação. A intenção desta simulação é fornecer ao participante do curso uma visão simplista, porém prática e objetiva do processo.

A formulação dessa simulação, sem maiores pretensões, se torna importante na medida em que, como roteiro, facilita o aprendizado prático do mediador mostrando as dificuldades, o clima impingido na reunião, a informalidade, a simplicidade, a necessidade de reuniões em separado, a seqüência normal dos fatos e o termo de acordo final com suas características formais necessárias.

Mediação entre as empresas:

Condomínio Edifício Pirapora (parte A) X Construtora Belo Mar (parte B) X Pisos e Revestimentos do Nordeste (Parte C)

Este caso é fictício. Os nomes de pessoas e empresas aqui

nomeadas também são fictícios. qualquer semelhança com algum

fato real deve-se a mera coincidência.

No dia 09 de agosto de 2004, às 15 horas, compareceram à sede da Câmara de Mediação os senhores João Travesso Queixoso, Manoel Calado Salvador e Fernando Coelho Mata para registrar uma mediação. O secretário da Câmara fez uma pequena explicação sobre

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o processo de mediação, sobre o custo da taxa de administração, o custo dos honorários do mediador e disponibilizou a relação de mediadores com o resumo de currículo para facilitar a escolha do mediador. As partes concordaram, pagaram a taxa de registro da mediação e escolheram o engenheiro civil Roberto Pinto Pacífico para mediar o caso.

O mediador escolhido foi consultado sobre a possibilidade de mediar o caso. Ele, então, verificou que não conhecia e não tinha parentesco com qualquer das partes e aceitou a mediação marcando a primeira reunião para o dia 16 de agosto de 2004, às 15 (quinze) horas.

No dia 15 de agosto de 2004, O mediador Roberto Pinto Pacífico recebe as partes Sr. João Travesso, representante legal do Condomínio Edifício Pirapora, Sr. Manoel Calado Salvador, representante legal da Construtora Belo Mar, e Sr. Fernando Coelho Mata, representante legal da empresa Pisos e Revestimento do Nordeste. Todos estavam devidamente qualificados no documento de registro da mediação e com amplos poderes para decidir a controvérsia. O mediador se apresenta e os convida para sentar à mesa.

Inicialmente, o mediador toma a iniciativa da palavra:

M – Como falei, meu nome é Roberto Pinto Pacífico. Tudo bem com os senhores?

Partes - Tudo bem.

M - Os senhores são aqui de Maceió?

Parte A - Sr. João responde: sou daqui, nascido e criado na terra.

Parte B – Sr. Manoel responde: eu sou carioca, mas adotei Maceió para morar, já estou aqui há quase dez anos.

Parte C – Sr. Fernando responde: eu sou de Recife, onde sou diretor da fábrica de pisos e revestimentos.

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M – O senhor Manoel é engenheiro?

Parte B – Sim, sou engenheiro civil. Casei-me com uma alagoana e hoje estou estabelecido em Maceió. Sou alagoano por adoção.

M - E o senhor João, o que faz profissionalmente?

Parte A - Eu sou comerciante, trabalho no ramo de ferragens e materiais de construção.

M – Percebo que todos têm afinidade com materiais de construção, não é verdade?

Parte A - Sim.

Parte B - Com certeza.

Parte C - É verdade.

M – Como está se portando o negócio da construção civil aqui em Alagoas? Qual a tendência?

Parte A – No meu ramo, está dando para sobreviver. Existem muitos concorrentes na praça e nosso mercado maior é a pequena construção, pois as médias e grandes construtoras têm o hábito de comprar a maior parte dos materiais fora do estado.

Parte B – Hoje, o mercado da construção civil em Maceió está bastante esquentado, principalmente pela grande demanda de apartamentos na parte baixa e norte de Maceió. Em compensação, a concorrência é muito forte.

Parte C – Realmente, Alagoas tem sido um grande mercado consumidor para nossos produtos. Isso nos motivou a instalar em Maceió um “showroom” com o mostruário de todos os nossos produtos para atender os clientes locais.

Seguem dez a quinze minutos de conversas de cunho pessoal e social.

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M - Bem, se me permitem, gostaria de dar início aos nossos trabalhos, pois tenho alguns pontos a esclarecer e a combinar com os senhores.

Primeiramente, eu gostaria de parabenizar os senhores pelo fato de optarem por um meio pacífico e compositivo para solucionar a controvérsia existente. Esse fato já é, por si só, um ponto positivo e demonstra o desejo de resolver a questão por meio de uma solução satisfaça a todos.

Eu preciso dizer aos senhores que o processo da mediação é realizado com base na boa-fé das partes. As partes devem estar interessadas em resolver a controvérsia e precisam colaborar mutuamente para facilitar a resolução. A filosofia do processo é a do “ganha x ganha”, portanto, ninguém deve sair daqui perdendo, todos devem sair ganhando. O processo é iniciado com o relato das partes. Cada parte terá o tempo que desejar para fazer o relato da sua versão sobre o conflito. Durante o relato de uma parte, a outra não poderá interromper por hipótese alguma, pois ela terá sua oportunidade de falar tudo que desejar. É importante que cada parte escute com muita atenção procurando entender a versão da outra. Os senhores, se desejarem, poderão solicitar uma conversa em separado. Nesse caso, falarei em separado com cada uma das partes. Também posso, se desejarem, fazer reuniões em separado com cada um dos senhores. Em qualquer dos casos, o assunto tratado não será tratado em conjunto quando retornarmos, exceto aqueles assuntos que forem autorizados. O processo de mediação é confidencial e não haverá publicidade sobre as partes ou sobre o objeto do conflito. Portanto, toda e qualquer anotação que faça durante o processo será destruída ao final e as partes têm o dever de revelar todas as informações sobre o caso, relevantes ou não, sem qualquer comprometimento e tão somente para facilitar o entendimento. Qualquer dos senhores têm o direito de interromper ou encerrar a mediação a qualquer momento e sem necessidade de justificativa. È obrigatório o tratamento cordial e sem a elevação da voz para que possamos trabalhar com a razão e não com a emoção. Havendo necessidade de intervalo, este poderá ser solicitado por mim ou por qualquer dos senhores. O papel do mediador nesta reunião é puramente o de facilitar a negociação entre os senhores.

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Portanto, toda e qualquer opção de solução da controvérsia será da responsabilidade dos senhores. Se for firmado um acordo, este será revisado na sua forma legal pela assessoria jurídica da Câmara de Mediação, e será título executivo extrajudicial podendo ser executado no judiciário se não for cumprido voluntariamente. As opções não são soluções e podem ser oferecidas livremente por todas as partes sem qualquer compromisso.

Nós temos que formalizar este compromisso de mediação que estou passando para os senhores com a finalidade de regulamentar tudo o que foi explicado e mais alguns detalhes importantes para a segurança das informações aqui reveladas. Gostaria que lessem e, se necessário, podem sugerir contribuições ou alterações.

Parte A – Gostaria de saber mais sobre o caso de uma parte não cumprir o acordo firmado. A pessoa tem que entrar com o caso no Judiciário?

M – Como sabemos, uma questão no Judiciário tem duas fases distintas. A primeira fase do processo é chamada de conhecimento: significa que o juiz vai julgar a controvérsia e prolatar sua sentença. É a fase teoricamente mais demorada do processo. A segunda fase corresponde à aplicação do poder coercitivo do Estado para obrigar a parte resistente a cumprir a sentença.

Respondendo sua pergunta, no caso do acordo da mediação não ser cumprido por uma das partes, a parte prejudicada deve entrar com ação de execução no Judiciário, ou seja, na segunda fase, onde o Estado usa seu poder coercitivo para obrigar o cumprimento do acordo.

Parte A – Muito obrigado.

Parte B – O senhor pode explicar por que o mediador não deve prestar qualquer informação em juízo sobre a matéria relacionada ao caso presente, já que ele toma conhecimento de todos os fatos durante o processo?

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M - O mediador é uma pessoa escolhida pelas partes para servir como instrumento de facilitação da negociação do conflito. O mediador não deve nem pode fazer juízo de valor do que se passa no processo de mediação. Durante o processo, a fala é livre, desde que de boa-fé, e tudo que é dito pode, a qualquer momento, ser revertido sem cobranças. Nada fica registrado, porque as informações reveladas naquele momento serão sempre voláteis. Mesmo as anotações que por ventura possam fazer durante o processo como lembrete serão destruídas ao final. O acordo final firmado é de única responsabilidade das partes. Portanto, qualquer informação que o mediador estivesse prestando em juízo estaria traindo a confiança das partes.

Parte B – Muito obrigado.

M – O Sr. Fernando gostaria de fazer alguma indagação?

Parte C – Não, eu agradeço e estou satisfeito com as explicações dadas.

M – Nada tendo mais que esclarecer, devemos iniciar os relatos do caso. Cada parte terá a palavra com o tempo que achar conveniente para expor em todos os detalhes sua versão sobre os fatos do conflito: como começou e como chegou até este ponto.

Então, qual dos senhores deseja usar da palavra em primeiro lugar?

Parte B – Eu acho que o João deve falar primeiro, porque foi por ele que tudo começou.

M – O Sr. Fernando concorda com a proposta do Sr. Manoel?

Parte C – Sim, concordo.

M – Sr. João, o senhor concorda em falar sua versão dos fatos em primeiro lugar?

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Parte A – Sim, concordo.

M – Quero, mais uma vez, lembrar que não é permitido interromper o relato da parte e que devemos todos prestar muita atenção ao que for dito. Por favor, Sr. João, prossiga.

Parte A – O que aconteceu foi o seguinte: eu sou o síndico do Edifício Pirapora, que foi construído pela Construtora Belo Mar e foi entregue para habitação há precisamente 3 (três) anos e dois meses. Todos os proprietários habitam o imóvel, que tem seis andares com um apartamento por andar. Como pode-se entender pelo fato do apartamento ser à beira mar e no bairro de Ponta Verde, trata-se de apartamento com acabamento de primeira qualidade. Aconteceu que, após esse pouco espaço de tempo de uso, o piso de todos os apartamentos, sem exceção, apresentou desgaste precoce e está ficando manchado nas circulações mais usadas do apartamento. O assunto foi levado à reunião do Condomínio, que decidiu exigir da Construtora a imediata substituição do piso de todos os apartamentos. Além disso, estão sendo exigidos a locação de apartamentos equivalentes para os moradores durante a execução dos serviços, o pagamento das despesas de mudança e o pagamento da importância no valor de R$ 3.000,00 para cada condômino pelos transtornos que essa mudança vai causar na vida de cada um.

Ao fazermos contato a Construtora Belo Mar, cujo proprietário sempre foi muito correto e amigo, este alegou que se o problema foi o desgaste prematuro da cerâmica, a culpa é do fabricante, ou seja, a empresa Pisos e Revestimentos do Nordeste. Por força de nossa insistência no caso, a Construtora marcou uma reunião com a presença do fabricante da cerâmica. Essa reunião seria no próprio Condomínio para facilitar a vistoria do defeito reclamado. A reunião foi feita e o fabricante avaliou e alegou que o tipo de cerâmica aplicado é um tipo artesanal e que o aspecto apresentado é normal. Esse piso não presta e nós vamos até a última instância exigir nossos direitos. Passados cinco meses e após nenhuma providência, o Condomínio se reuniu e decidiu por uma providência definitiva, ou seja, entrar com uma demanda judicial contra a Construtora. A decisão foi comunicada à Construtora e dois

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dias após ela solicitou do Condomínio a transigência no sentido de tentar resolver a controvérsia de forma rápida e pacífica através de uma mediação da qual participariam as três partes, afirmando que o fabricante da cerâmica já havia concordado em participar.

M – O senhor não teria mais alguma coisa a acrescentar, Sr. João?

Parte A – Não, só que nós não abrimos mão de nossos direitos.

M – Então, quem falará em segundo lugar?

Parte C – Pelo “andar da carruagem”, acho que o Manoel deve falar, pois a Construtora foi citada pelo Condomínio.

M – O Sr. Manoel concorda em falar em segundo lugar?

Parte B – Sim, concordo.

M – Então prossiga.

Parte B – Bem, eu nada tenho para contradizer o João. O fato ocorreu dessa forma. Porém, estou nesse meio como o caranguejo entre o mar e a rocha. O material que apliquei na obra foi o especificado no contrato de venda, que é considerado produto de primeira qualidade, conforme é aplicado em diversos edifícios da orla. A especificação desse material era do conhecimento prévio dos proprietários, pois consta do contrato de compra e venda. Portanto, nenhuma culpa posso ter se o produto especificado e contratado não agradou aos clientes, depois de dois anos de uso. É isso que eu tenho a dizer.

M – O Sr. Manoel deseja acrescentar mais alguma coisa?

Parte B – Não, é só isso.

M – Bem, Sr. Fernando, agora é a sua vez de falar.

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Parte C - A minha fábrica Pisos e Revestimento do Nordeste já opera há mais de quinze anos e nunca recebeu qualquer reclamação quanto à qualidade e à integridade de seus produtos. Quando fui comunicado, estranhei o fato e me dispus a olhar para tomar as providências que o caso demonstrava exigir, pois somos muito fieis ao nome que construímos durante todo esse tempo de existência. Ao verificar “in loco”, percebi que não se tratava de desgaste prematuro do produto, e sim a coloração normal que esse tipo de piso artesanal adquire a partir do uso contínuo devido ao preenchimento de microporos existentes na superfície da cerâmica provocado pela incidência da passagem das pessoas. Garanto que não se trata de desgaste coisa nenhuma, pois esse piso tem grande dureza e sua durabilidade tem vida útil superior a trinta anos.

M – O Sr. Fernando tem mais alguma coisa a acrescentar?

Parte C – Não, eu já disse tudo.

M – Bem, senhores, corrijam-me, por favor, se eu não estiver certo. Resumindo os fatos, pelo que eu entendi, o Condomínio do Edifício Pirapora reclama providências junto à Construtora Belo Mar para sanar problemas de mudança de coloração do piso provocada pela circulação de pessoas em curto espaço de tempo. Exigem a substituição do piso de todos os apartamentos, a locação de apartamentos equivalentes para cada morador passar os dias correspondentes à troca do piso, o pagamento das despesas de mudança e uma indenização de R$ 3.000,00 pelos transtornos causados. Foi isso mesmo, Sr. João?

Parte A – Sim, é isso mesmo.

M – O Sr. Manoel alega que aplicou os materiais de piso especificados em contrato e que era do conhecimento dos clientes. Foi isso mesmo que o senhor quis dizer, Sr. Manoel?

Parte B – Sim, foi exatamente isso.

M – O Sr. Fernando representa a empresa fabricante

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do piso especificado e aplicado nos apartamentos e alega que as manchas apresentadas pelo piso não são provocadas por desgaste prematuro do produto e que são manchas normais e comuns para o tipo de piso escolhido. Foi isso que o Sr. quis dizer, Sr. Fernando?

Parte C – Sim, foi isso.

M – Sr. João, no seu relato, eu entendi o senhor dizer que os moradores do edifício são os proprietários. O senhor mora no edifício?

Parte A – Sim, eu sou o proprietário do 5º andar.

M – Sr. João, conte um pouco mais sobre a compra do apartamento. Que tipo de negócio foi feito? Por que o senhor escolheu esse apartamento? O senhor já comprou o apartamento pronto ou em construção?

Parte A – Quando eu comprei o apartamento, a construção estava na terceira laje. Fizemos um contrato de promessa de compra e venda, onde dei por conta uma casa em que morava, uma parte em dinheiro e financiei o restante em quinze parcelas. Eu escolhi esse apartamento porque, além de gostar do projeto e da localização, a Construtora era conhecida e de boa credibilidade no mercado imobiliário, com vários edifícios já construídos de ótimo acabamento.

M – O Sr. Manoel pode nos contar, por favor, suas impressões sobre os clientes que adquiriram os apartamentos do Edifício Pirapora?

Parte B - Esta foi a primeira queixa dos proprietários do Edifício Pirapora. Como norma, nós nos preocupamos muito com a satisfação dos clientes e procuramos entregar os prédios após rigorosa inspeção e revisão de todas as instalações. Quanto aos clientes, só tenho a agradecer, não só porque sempre cumpriram rigorosamente os compromissos firmados, mas porque se tornaram meus amigos.

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M – O Sr. Fernando já conhecia o Sr. Manoel e o Sr. João?

Parte C – O Sr. João eu só tive o prazer de conhecer há poucos dias quando fui fazer a inspeção do piso. O senhor Manoel eu já conheço há muito tempo. Ele é um de nossos maiores clientes aqui em Maceió.

M – Sr. Manoel, como está a situação de sua Construtora diante do mercado atual e da concorrência na construção civil em Maceió?

Parte B – Acho, como já disse, que o mercado está bastante esquentado, mas também temos muita concorrência. A luta para atrair o cliente é cada vez mais acirrada. É preciso oferecer bom produto para conseguir construir um nome que faça diferença para o cliente. O cliente hoje em dia é exigente e a diferença está na qualidade do seu produto.

M – Sr. Fernando, como está o seu produto em relação à concorrência hoje em Maceió?

Parte C – Maceió tem um grande mercado consumidor, porém, a concorrência também é muito forte. Hoje, concorremos com o granito, com o mármore importado e com o porcelanato, além da grande quantidade de fabricantes de cerâmica em seus diversos tipos. A decisão de colocar nosso “showroom” em Maceió foi exatamente em função da concorrência, pois precisávamos estar mais próximos dos clientes.

M – Sr. Manoel, o que o senhor acha que os condôminos do edifício Pirapora pensam da Construtora em relação ao ocorrido com o piso dos apartamentos?

Parte B – Acho que realmente estão insatisfeitos com a Construtora, e é por isso que articulei essa mediação com o objetivo de encontrar uma solução para o caso. Só espero que os condôminos entendam que não tive culpa, que cumpri rigorosamente a especificação dos produtos contratados e que de forma alguma

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esperava que isso pudesse acontecer. Tomei a iniciativa de trazer todas as partes envolvidas para esta mediação com o objetivo de encontrarmos uma solução que possa atender ao cliente. É importante identificar, se for o caso, o principal responsável para arcar com os prejuízos, pois é um valor muito significativo.

M – O Sr. João ouviu atentamente o Sr. Manoel e o Sr. Fernando fazerem suas explicações técnicas a respeito da cerâmica aplicada no piso dos apartamentos do Edifício Pirapora? O que achou dessas explicações?

Parte A – Eu acho que eles não querem resolver o problema. Cada um chegou com uma desculpa, como se o responsável pelo problema fosse o condomínio. Acho que eles não podem ganhar mercado nesta cidade agindo dessa forma e se eximindo de suas responsabilidades. Acho que realmente há um defeito no piso que precisa ser consertado. Esse jogo de empurra empurra não vai resolver.

Parte B – Olha, João, nossa Construtora não está se eximindo de suas responsabilidades, pelo contrário. Estamos aqui procurando um meio de resolver o problema, mas tenho o direito de me defender porque eu apliquei na construção o material contratado e aprovado pelos proprietários.

Parte C – Nós também não estamos nos eximindo da responsabilidade, desde que seja comprovado o desgaste prematuro do produto que o senhor afirmou.

Parte A – E como é possível comprovar esse desgaste?

Parte C - É simples. O Sr. pode contratar um laboratório tecnológico para fazer um teste de dureza da cerâmica e verificar se está enquadrada nas especificações de dureza PEI- 5.

Parte A – O que? O Sr. disse para nós contratarmos um laboratório? Acho que o senhor está invertendo as situações. Ninguém aqui é idiota! Quem deve contratar um laboratório é o senhor ou a Construtora. Nós, do Condomínio, queremos a substituição da

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cerâmica que não presta por um produto de qualidade e é só isso. Não vamos contratar laboratório coisa nenhuma.

Parte C – Só há uma hipótese de nós nos responsabilizarmos sobre a acusação de que houve desgaste prematuro da cerâmica: com um teste laboratorial demonstrando que a dureza do produto é inferior à especificada PEI-5.

Parte B – Gente! Acho que não é por aí que nós vamos resolver a questão. Devemos procurar meios mais objetivos e rápidos para evitar maiores prejuízos.

M – O Sr. Manoel pode esclarecer melhor os meios mais objetivos para facilitar a solução da controvérsia?

Parte B – O que eu quero dizer é que nós viemos aqui procurar esses meios e não complicar ainda mais. Acho que devemos procurar dados numéricos do problema para que tenhamos idéia do valor com o qual estamos lidando.

M – O Sr. Manoel teria como fazer os cálculos com a ajuda do Sr. Fernando e do Sr. João?

Parte B – Claro. Podemos fazer isso agora, em 30 minutos.

M – Os senhores poderiam colaborar?

Partes A e C – Sim.

M – Enquanto isso, podemos dar um intervalo de 30 minutos.

Parte B – Pronto. Concluímos: o custo total dos serviços, com preços de custo de material, transporte e mão-de-obra é de R$ 108.000,00.

M – O Sr. Manoel pode dizer em que grau de importância sua empresa considera seus clientes?

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Parte B – Satisfazer o cliente é a missão de nossa empresa. O cliente, quando reclama, é porque alguma coisa falhou. Essa é a norma da nossa empresa. O cliente deve ter de nossa parte a melhor das atenções, merecendo todas as explicações que desejar. Mas é preciso entender que, neste caso, precisamos que o cliente entenda nossa isenção quanto ao ocorrido.

M – O Sr. Fernando pode também responder em que grau de importância sua empresa considera os usuários de seus produtos?

Parte C – Como falamos, nós sempre primamos pela qualidade dos produtos que produzimos, tanto que classificamos nossa empresa na ISO 9001 (2004) e sempre achamos que o cliente e os funcionários são as pessoas mais importantes de nossa empresa. Por isso, não admito que venham dizer que nosso produto teve desgaste prematuro quando fazemos teste de amostragem a cada fornada de cerâmica. Por isso, só assumo qualquer responsabilidade se me mostrarem o resultado de um teste laboratorial.

M – Eu gostaria de ter uma conversa em separado com cada um dos senhores. É possível?

Partes: Sim.

M – Sr. Manoel, podemos conversar primeiro?

Parte B – Sim.

(em caucus)

M – Sr. Manoel, estamos a sós e nada de nossa conversa será revelado por mim sem a sua autorização, certo?

Parte B – Sim, com certeza.

M – Sr. Manoel, poderia me dizer, sem qualquer receio, como encara essa situação em relação ao prestígio de sua empresa junto ao seu cliente?

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Parte B – Eu acho muito desgastante para a empresa, mas acredito que vamos chegar a um entendimento.

M – Caso não se chegue a um acordo, como encara a situação com uma demanda judicial?

Parte B – Isso eu não posso permitir. Farei tudo para evitar uma demanda judicial, pois isso é muito ruim para o prestígio da minha Construtora e poderá me causar muito prejuízo.

M – O senhor conhece há algum tempo o Sr. Fernando. Em sua opinião, o senhor acha que ele poderá contribuir nessa negociação?

Parte B – Acho que sim. O problema é que ele não pode admitir que seus produtos sejam de má qualidade, pois isso seria um marketing negativo de péssima repercussão e lhe causaria muito prejuízo.

M – Muito obrigado, Sr. Manoel.

M – Sr. Fernando, podemos conversar?

Parte C – Sim, podemos.

(em caucus)

M – Sr. Fernando, estamos a sós e nada de nossa conversa será revelado por mim sem sua autorização, certo?

Parte C – Sim, tudo bem.

M – Sr. Fernando, no caso de não se chegar a acordo, com certeza o Condomínio entrará com demanda judicial contra a Construtora. Logicamente, a construtora iria se defender com seus argumentos, que implicaria em demanda judicial quanto à qualidade da cerâmica. Como o senhor encara essa situação para a sua indústria?

Parte C – Eu não desejo que isso venha a acontecer,

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pois seria muito ruim e iria repercutir no prestígio de nossa empresa como “marketing” negativo. Nossa pretensão é que isso se resolva nesta mediação.

M – Sr. Fernando, não duvido da qualidade de dureza da cerâmica aplicada no Edifício Pirapora. Mas, independente de dureza, como considera a satisfação do cliente diante de seu produto?

Parte C – Acho que a satisfação do cliente é a parte mais importante do negócio, mas não posso considerar um produto que fabrico com maior cuidado e zelo ser condenado por falta de qualidade. A cerâmica aplicada é realmente de ótima qualidade e seria mais indicada para residências de grande luxo com acabamento rústico, onde as manchas apresentadas pelo preenchimento dos seus microporos de superfície fazem parte da decoração do ambiente. Os apartamentos não têm acabamento rústico e logicamente a cerâmica não combinou.

M – Sr. Fernando, acha que pode colaborar para que se possa negociar uma solução que atenda aos interesses de todos de forma que todos possam sair daqui satisfeitos?

Parte C – Eu posso colaborar sim. Para mim, é muito importante a satisfação do cliente, e espero que possamos recuperar essa satisfação. Mas é preciso encontrar uma solução que não rotule meu produto como de má qualidade.

M – Muito obrigado, Sr. Fernando.

M – Sr. João, podemos conversar agora?

Parte A – Sim.

(em caucus)

M – Sr. João, estamos a sós e nada de nossa conversa será revelado por mim sem a sua autorização, certo?

Parte A – Sim, pode falar.

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M – Sr. João, nós precisamos sair daquele círculo vicioso em que se encontra a mediação. Eu entendi perfeitamente a situação dos condôminos em relação à insatisfação de conviver com o problema levantado, mas, por outro lado, a empresa construtora afirma que usou o produto aprovado pelos condôminos e que a indústria está se baseando na hipótese de comprovar a integridade da cerâmica quanto ao desgaste prematuro. Então, eu pergunto: como o senhor encara essas possibilidades?

Parte A – Nós consultamos um engenheiro amigo nosso e ele acha que foi desgaste prematuro, mas em face das alegações, confesso que realmente ficamos um pouco temerosos quanto ao teste laboratorial. Isso é aqui em “off”, pois se eles perceberem isso, eu posso prejudicar o Condomínio.

M – O senhor pode ficar tranqüilo quanto a isso, mas eu gostaria de saber mais uma coisa. O fato de ter acusado a má qualidade da cerâmica parece ter incomodado muito o Sr. Fernando. Ele parece estar muito seguro quanto à qualidade da cerâmica quando sugere o teste laboratorial. O senhor não acha?

Parte A – Sim, parece que sim.

M – Como o senhor encara a situação de fazer o teste e o resultado confirmar a posição do Sr. Fernando?

Parte A – Isso pode acontecer e eu fico na desvantagem, mas o problema não é o caso de ser desgaste ou não, o problema é a mancha apresentada pela cerâmica.

M – O senhor acha que o Sr. Fernando entenderia melhor o problema pelo lado da insatisfação do cliente ao invés da acusação do defeito técnico do produto?

Parte A - Pode ser que sim e pode ser que não. O fato de alegar o defeito normalmente enfraquece o adversário e ajuda a resolver o problema, mas, neste caso, se realmente ele tem um rigoroso controle de qualidade, esse argumento pode não ser o melhor.

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M - Para que seja possível fazer um acordo, é necessário que seja bom para todos, concorda comigo?

Parte B – Claro.

M – Então, como o senhor entende a negociação entre as três partes?

Parte A - É lógico que o Condomínio não pode arcar com qualquer despesa extra, mas se todos contribuírem, poderemos negociar as exigências.

M – Muito obrigado.

(fim do caucus)

M – Pessoal, podemos retomar à nossa reunião?

Todos – Sim.

M – O Sr. Fernando poderia nos oferecer maiores esclarecimentos sobre a indicação do tipo de cerâmica aplicado nos apartamentos?

Parte C – O tipo de cerâmica aplicado, principalmente na cor branca, é escolhido por arquitetos para decorar aqueles apartamentos de luxo que têm acabamento rústico, onde as manchas apresentadas com o uso contínuo fazem parte da decoração e criam um ambiente harmonioso. Para aquele tipo de acabamento de luxo fino, não se deveria usar a cerâmica na cor branca. Mas, se houver dúvidas, o produto pode ser submetido a qualquer teste de dureza.

Parte B - Dessa forma, você está acusando como falha de nosso projeto ter aplicado sua cerâmica?

Parte C – Não, absolutamente. Isso pode ter acontecido por falha de nosso setor de vendas ao não alertar sobre esse detalhe de aplicação.

M – Sr. João, o que acha das explicações do senhor Fernando sobre a cerâmica?

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Parte A – Bom, eu não entendo desse detalhe, eu falei desgaste porque quando uma cerâmica é usada por muitos anos, o desgaste natural muda a cor da cerâmica. Não ponho em dúvida o que o Sr. Fernando falou. Mas como ele mesmo falou, o piso está em desacordo com as nossas expectativas no momento da compra do imóvel. Mas, sem pensar em culpas, acho melhor pensarmos na viabilidade ou não de atender às nossas reivindicações.

M – Sr. Fernando, neste momento, como encara a possibilidade de colaborar na procura de uma solução que possa satisfazer a todos?

Parte C – Bem, agora a conversa foi modificada, porque desgaste eu tenho certeza de que não houve. Mas, para inteira satisfação do cliente, eu estou disposto a colaborar com esse acordo desde que todos participem.

M – O Sr. Manoel acha viável colaborar com a negociação para solucionar a controvérsia?

Parte B – Sim, eu posso contribuir para a satisfação do Condomínio desde que haja certa compreensão da parte dele com referência às suas exigências.

M – O Sr. João estaria disposto a fazer uma negociação quanto às suas reivindicações?

Parte A – Desde que seja para o bem de todos, estamos dispostos a negociar.

M – Agora, podemos dar início às negociações. Faltam apenas opções para negociar.

Vamos, então, fazer um exercício e, sem qualquer compromisso, todos os senhores vão colocar na mesa todas as opções que vierem à cabeça sem qualquer julgamento prévio para que, depois, possamos identificar as opções possíveis as que melhor satisfazem a todos. Tudo bem para os senhores?

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Todos: Tudo bem.

M – Então, os senhores vão falando e eu vou escrevendo no “flip chart” as opções que formularem. Está bem?

Todos: Sim.

Podem começar.

1 - Trocar a cerâmica por granito. O cliente só vai pagar a diferença de preço do granito mais assentamento e dispensará as outras exigências.

2 - Trocar a cerâmica por outra de mesma qualidade e em cor diferente. O cliente pagará apenas o assentamento e dispensará as outras exigências.

3 - Trocar a cerâmica com a fábrica assumindo 50% do valor da cerâmica e a Construtora assumindo os outros 50%. O morador assume o assentamento sem outras exigências.

4 - Trocar a cerâmica por granito com despesas divididas entre a construtora e a fábrica, ficando dispensadas as demais exigências do Condomínio.

5 - Trocar a cerâmica por porcelanato com o pagamento da diferença pelo Condomínio, abrindo mão das demais exigências.

6 - Deixar a mesma cerâmica e os moradores receberiam a importância em dinheiro, no valor equivalente ao preço da cerâmica, de forma parcelada.

7 - A Indústria Cerâmica fornece a cerâmica de mesma qualidade, na cor cinza, com a garantia de que não mudará de cor. A Construtora faz o assentamento e os moradores dispensam a indenização de R$ 3.000,00.

8 - Indenizar cada condômino com o valor real da cerâmica assentada com o ônus de R$ 5.000,00 para despesas de mudança e locação de apartamento.

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M – Temos, aqui, o rol de opções e começaremos perguntando ao Sr. João quais as opções mais simpáticas para o início de negociação.

Parte A - Acho negociáveis as opções 7 e 8.

Parte B – A opção 8 está fora de cogitação, pois é um valor muito alto e impossível de conciliar. Sobre a opção 7, poderemos conversar.

Parte C – Estou de acordo com o Manoel. Negociemos a opção 7.

M – Sr. Fernando, como poderia compor a opção 7?

Parte C – Eu me responsabilizo em fornecer o mesmo padrão de cerâmica na cor cinza e garanto que não mudará de cor. O restante fica por conta da construtora.

Parte B – Eu proponho que o condomínio forneça a argamassa de assentamento e dispense as demais exigências. A construtora fornecerá toda a mão-de-obra para execução do trabalho de demolição e assentamento da nova cerâmica.

Parte A – O Condomínio não aceita pagar nada relativamente aos serviços. Essa foi uma decisão unânime e não posso aceitar. Mas, considerando a boa vontade de todos em querer resolver a questão, o Condomínio abre mão da locação do apartamento, do pagamento da mudança e da indenização no valor de R$ 3.000,00 para cada condômino.

Parte C – Para fechar de uma vez por todas essa negociação, proponho-me, além de fornecer a cerâmica, a fornecer 50% da argamassa de assentamento.

Parte B – Tudo bem. Eu arco com os outros 50% da argamassa e mais a mão-de-obra de assentamento.

M – Senhores, eu acompanhei a negociação que fizeram e pude entender da seguinte forma:

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A Pisos e Revestimento do Nordeste fornecerá toda a cerâmica necessária para substituição, em cor cinza, com a garantia de que não mudará de cor com o uso e ainda fornecerá 50% da argamassa de assentamento. A Construtora Belo Mar fornecerá os outros 50% da argamassa necessária e toda a mão-de-obra para execução da demolição e assentamento da nova cerâmica. Por sua vez, o condomínio do Edifício Pirapora dispensará as despesas de mudança e locação de apartamento e também a indenização de R$ 3.000,00. Foi isso mesmo que os senhores acordaram?

Todos: Sim.

M – Então, podemos redigir o termo de acordo.

TERMO DE ACORDO

Aos 15 dias do mês de agosto de 2004, na sede da Câmara de Mediação e Arbitragem de Alagoas – CAMEAL -, localizada à Rua Sá e Albuquerque 467, Jaraguá, Maceió/AL, estiveram presentes os senhores João Travesso Queixoso, comerciante, RG 444.555-01 SSP/AL e CPF 000.000.000-00, representante legal e síndico do Condomínio Edifício Pirapora, CNPJ 00.000.000/0001-00, localizado à Av. Álvaro Otacílio N. 2.000, bairro de Ponta Verde, Maceió/AL, onde reside; Sr. Manoel Calado Salvador, RG: 111.111.111-11 e CPF: 222.222.222-22, residente à Rua da Alegria 45, Pajuçara, Maceió/AL, representante legal da Construtora Belo Mar, CNPJ: 11.111.111/0001-11, localizada à rua Campos Sales, N. 1.082, bairro do Trapiche Maceió/AL; Senhor Fernando Coelho Mata, RG. 4.555.555-55 SSP/PE e CPF: 333.333.333-33, residente à Av. Boa Viagem, N. 4.004, Ed. Jardineira, bairro de Boa Viagem Recife/PE, representante legal da indústria Pisos e Revestimentos do Nordeste, CNPJ: 99.999.444/0001-00, localizada na Av. Embiribeira, N. 8.050, bairro da Embiribeira, Recife/PE, para submeter a controvérsia abaixo relatada à mediação para, ao fim, firmar o presente termo de acordo.

1 – As partes acima qualificadas escolheram de comum acordo o Sr. Roberto Pinto Pacífico, Engenheiro Civil, RG: 1.000.000 SSP/AL, CPF: 100.100.100.10, residente à rua Paulino Vital, bairro do Farol, Maceió/AL, como mediador da controvérsia.

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2 - Resumo da controvérsia:

O Condomínio do Edifício Pirapora, por seu representante legal, reclama da Construtora Belo Mar, responsável pela construção do citado edifício, dentro do prazo legal, desgaste prematuro do piso dos apartamentos provocado pelo uso normal em pouco espaço de tempo e pede a substituição do piso de todos os apartamentos e que seja locado um apartamento equivalente para cada morador passar os dias correspondentes à troca do piso de seu apartamento e o pagamento das despesas de mudança e de uma indenização de R$ 3.000,00 pelos transtornos causados.

A Construtora Belo Mar alega que aplicou a cerâmica especificada e contratada com seu cliente, cujo material é considerado de primeira qualidade.

A Pisos e Revestimentos do Nordeste alega que possui selo da ISO 9001 (2004), que a cerâmica aplicada é de primeira qualidade e garante que não houve desgaste prematuro. Afirma que a mudança de coloração se prende ao preenchimento de microporos existentes em sua superfície e se torna aparente devido à sua cor branca.

3 – Acordo firmado:

Após um período de negociação de boa-fé facilitada pelo mediador, as partes, por suas próprias vontades, firmam o seguinte acordo:

A Pisos e Revestimentos do Nordeste se responsabiliza para, no prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir da presente data, fornecer toda a cerâmica necessária e 50% (cinqüenta por cento) de toda a argamassa de assentamento que seja suficiente para a troca do piso de todos os apartamentos do Edifício Pirapora acima identificado. O material será entregue diretamente ao Condomínio do referido edifício.

A Construtora Belo Mar se responsabiliza em fornecer os outros 50% (cinqüenta por cento) de toda a argamassa de

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assentamento da cerâmica e o pagamento de toda a mão-de-obra necessária para a execução completa dos serviços. Compromete-se, também, a iniciar os serviços no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias a contar da presente data. A Construtora Belo Mar se responsabiliza, ainda, em concluir seus trabalhos no prazo máximo de 210 (duzentos e dez) dias contados a partir da presente data.

O Condomínio se responsabiliza pela liberação dos apartamentos nas datas estabelecidas pelo cronograma combinado com a construtora ficando, desde já, estabelecido que deverá ser liberado um apartamento a cada mês.

Considerando que a solução representa a vontade de todas as partes por satisfazer seus interesses e necessidades, assinam o presente termo de acordo, em 4 (quatro) vias, que vão assinadas pelas partes, pelo mediador e por duas testemunhas.

Maceió, 15 de agosto de 2004

João Travesso Queixoso

Condomínio do Ed. Pirapora

Manoel Calado Salvador

Construtora Belo Mar

Fernando Coelho Mata

Pisos e Revestimento do Nordeste

Roberto Pinto Pacífico

Mediador

Testemunha

Nome:

CPF:

End:

Testemunha

Nome:

CPF:

End:

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Anexo II

Regulamento de Mediação (modelo CBMAE)

Art. 1º. Qualquer parte, titular de direitos, poderá solicitar os serviços da CBMAE, visando a solução amigável de controvérsias através da Mediação.

Art. 2º. A parte que desejar recorrer à Mediação deverá solicitar o procedimento à CBMAE, em requerimento escrito perante sua Secretaria, no qual relatará suas razões de maneira sucinta em relação aos fatos e ao direito, fazendo-o acompanhar de cópia dos documentos pertinentes e do comprovante de pagamento das custas, em conformidade com a tabela adotada pela CBMAE.

Art. 3º. O Mediador será escolhido livremente pelas partes em lista de Mediadores oferecida pela CBMAE. Se as partes assim o desejarem, o mediador poderá ser indicado pela Diretoria da CBMAE um dos profissionais integrantes do seu Corpo de Especialistas e seu respectivo suplente.

I. O(s) Mediador(es) escolhido(s) pelas partes não pertencente(s) ao Corpo de Especialistas da CBMAE, estará(ão) sujeito(s) à aprovação da CBMAE;

II. O(s) Mediador(es) eleito(s) pelas partes manifestará(ao) sua aceitação e firmará(ão) o Termo de Independência relativo à sua atuação.

§1º Se, no curso da Mediação, sobrevier algum impedimento ou impossibilidade de participação do Mediador, haverá a escolha de novo Mediador segundo o critério eleito pelas partes.

§2º As partes, após a escolha do Mediador(es), deverão depositar, junto à secretaria, o valor dos honorários do(s) Mediador(es).

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§3º O Mediador único escolhido poderá recomendar a co-mediação, sempre que julgar benéfica ao propósito da Mediação.

Art. 4º. O Mediador que atuar sob as regras da CBMAE deverá conduzir sua atuação dentro dos mais rigorosos padrões éticos de conduta, conduzindo a tentativa de acordo guiando-se pelos princípios de imparcialidade, equidade e justiça, bem como os demais princípios inerentes à atividade, contemplados no Código de ética do Mediador aprovado pelo CONIMA.

Art. 5º. A pedido do Mediador, a CBMAE enviará por ofício convite por escrito a(s) outra(s) parte(s), para uma reunião de pré-mediação, onde se avaliará a vontade das partes em participar do procedimento e se possuem informações suficientes sobre o mesmo, seu alcance e suas conseqüências. Nesta mesma oportunidade será assinado o Termo de Compromisso de Mediação que conterá o prazo que durará o procedimento, a estipulação do número de reuniões conjuntas e/ou separadas entre as partes e o Mediador, a responsabilidade pelas custas do procedimento e demais regras mínimas a serem restritivamente observadas pelas partes e pelo mediador, dando-se início ao procedimento.

Parágrafo Único - Quando a outra parte não concordar em participar da Mediação, a Secretaria da CBMAE, imediatamente ao fato que caracterizar a recusa, comunicará, por escrito, à parte solicitante.

Art. 6º. As partes deverão participar do processo pessoalmente. Na impossibilidade comprovada de fazê-lo, poderão se fazer representar por uma outra pessoa, com procuração que outorgue poderes de decisão. Poderão se fazer acompanhar por advogados e outros assessores técnicos, e pessoas de sua confiança ou escolha, desde que estas presenças sejam convencionadas entre as partes e consideradas, pelo Mediador, úteis e pertinentes ao necessário equilíbrio do processo.

Art. 7º. Restando infrutífero o procedimento de Mediação, deverá ser observado o artigo 10 deste regulamento, sendo que toda a matéria discutida durante o mesmo será desconsiderada, vedado extrair, por parte de todos os profissionais envolvidos no procedimento junto à

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CBMAE, qualquer apontamento ou documento e/ou divulgar qualquer proposta de entendimento das partes e seus representantes. Esta vedação também é válida para as partes, que não poderão se valer de qualquer documento do procedimento para utilização em futuro procedimento arbitral ou judicial.

Art. 8º. Na hipótese das partes não lograrem entendimento, qualquer delas poderá submeter a controvérsia à conciliação, ou à arbitragem, se houver a cláusula compromissória no contrato, ou em documento apartado a ele referente, ou ainda assim decidirem as partes em comum acordo, no decorrer do procedimento de Mediação, convertendo-se o procedimento e lavrando-se o respectivo termo de compromisso arbitral, de acordo com o respectivo REGULAMENTO.

Art. 9º. Nenhum fato ou circunstância revelado ou ocorrido durante o procedimento de Mediação poderá ser utilizado com intuito de prejudicar o direito de qualquer das partes, em eventual procedimento arbitral ou judicial que se seguir, na hipótese de não se lograr êxito na mediação ou na conciliação.

Art. 10. As informações da Mediação são confidenciais e privilegiadas. O mediador, qualquer das partes, ou outra pessoa que atue na Mediação, não poderão revelar a terceiros ou serem chamados ou compelidos, inclusive em posterior arbitragem ou processo judicial, a revelar fatos, propostas e quaisquer outras informações obtidas durante a Mediação. O caráter sigiloso da Mediação se estende aos funcionários internos da CBMAE que tiverem acesso, em razão de função, cargo, ou qualquer tipo de trabalho exercido junto à CBMAE, a qualquer informação relativa ao procedimento.

Art. 11. O procedimento de Mediação finda:

I. Com a assinatura do termo de acordo pelas partes;

II. Por uma declaração escrita do Mediador, no sentido de que não se justifica dar continuidade à busca da composição;

III. Por uma declaração conjunta das partes, dirigida ao Mediador, com o efeito de encerrar a Mediação;

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IV. Por uma declaração escrita de uma parte para a outra e para o Mediador, com o efeito de encerrar a Mediação.

§1º Os acordos constituídos na Mediação podem ser totais ou parciais. Caso alguns itens da pauta da Mediação não tenham logrado acordo, o Mediador poderá atuar na negociação destinada a auxiliar as partes a elegerem outros meios extrajudiciais ou judiciais para a sua resolução.

§2º Em consonância com o desejo das partes, os acordos obtidos na Mediação podem ser informais ou constituírem-se títulos executivos extrajudiciais, incorporando a assinatura de duas testemunhas, preferencialmente os advogados das partes ou outra(s) por elas indicadas. Se as partes assim o desejarem, os acordos poderão ganhar linguagem jurídica para serem homologados judicialmente.

Nestes casos, os Mediadores deverão manter-se disponíveis para auxiliar na manutenção da fidelidade ao texto original.

Art. 12. O Mediador ficará impedido de atuar ou estar diretamente envolvido em procedimentos subseqüentes à Mediação, tais como na arbitragem ou no processo judicial, quando a Mediação obtiver êxito ou não, a menos que as partes disponham diferentemente.

Art. 13. Os documentos apresentados durante a Mediação deverão ser devolvidos às partes, após análise. Os demais deverão ser destruídos ou arquivados conforme o convencionado.

Art. 14. Ao concluir o procedimento, o Mediador comunicará, através de ata, à Secretaria da CBMAE, o acordo firmado pelas partes, ou a forma pela qual se findou o procedimento, à qual deverá juntar o documento de cálculo final, nos termos do que dispõe a Tabela de Custas da entidade.

Art. 15. Ao concluir o procedimento de Mediação, em qualquer de suas formas, a Secretaria liquidará as custas finais e comunicará às partes por escrito.

Art. 16. Salvo acordo expresso entre as partes, as custas serão divididas igualmente.

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Art. 17. O pagamento das custas e o depósito dos honorários do(s) Mediador(es) serão efetuados em conformidade com a Tabela de Custas da CBMAE.

Art. 18. As partes devem se comprometer a não indicar o Mediador como testemunha, na hipótese da solução da controvérsias vir a ser dada pelo Poder Judiciário.

Art. 19. Caberá ao(s) Mediador(es) deliberar(em) sobre lacunas do presente regulamento, podendo delegar esta tarefa à diretoria da CBMAE, se assim o desejar(em).

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Anexo III

Código de ética de Mediadores (modelo CBMAE)

Este Código de ética adota o padrão recomendado pelo Conima (Conselho Nacional de Instituições de Mediação e Arbitragem) e se aplica à conduta de todos os mediadores que atuem sob as regras de administração de procedimentos da CBMAE.

1. Autonomia da vontade das partes

A Mediação fundamenta-se na autonomia da vontade das partes, observado sempre o respeito à ordem pública.

Nota explicativa

Deve o Mediador centrar sua atenção no caráter voluntário da Mediação. É garantido às partes a liberdade de administrar o procedimento e de tomar as próprias decisões durante ou ao final da Mediação.

2. Princípios fundamentais

O Mediador pautará sua conduta nos seguintes princípios: imparcialidade, credibilidade, competência, diligência e confidencialidade.

Nota explicativa

Imparcialidade: condição fundamental ao Mediador; não pode existir qualquer conflito de interesses ou relacionamentos capaz de afetar sua imparcialidade; deve procurar compreender a realidade dos mediados, sem que nenhum preconceito ou valores pessoais venham a interferir no seu trabalho.

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Credibilidade: o Mediador deve construir e manter a credibilidade perante as partes, sendo independente, franco e coerente.

Competência: o Mediador deve ter a capacidade para efetivamente mediar a controvérsia existente, só devendo aceitar a tarefa quando tiver as qualificações necessárias para satisfazer as expectativas razoáveis das partes.

Confidencialidade: os fatos, situações e propostas, ocorridos durante a Mediação, são sigilosos e privilegiados, devendo todos aqueles que participarem do procedimento manter o sigilo sobre todo o conteúdo sobre ele referente, não podendo ser testemunhas do caso.

Diligência: o Mediador deve agir com cuidado e prudência, observando a regularidade e qualidade do procedimento, bem como observando os seus princípios fundamentais.

3. Do Mediador frente à sua nomeação

O Mediador:

1. Aceitará o encargo somente se estiver imbuído do pro-pósito de atuar de acordo com os Princípios Fundamen-tais estabelecidos e Normas Éticas, mantendo íntegro o procedimento de Mediação;

2. Revelará, antes de aceitar a indicação, interesse ou rela-cionamento que possa afetar a imparcialidade, suscitar aparência de parcialidade ou quebra de independência, para que as partes tenham elementos de avaliação e decisão sobre sua continuidade;

3. Avaliará a aplicabilidade ou não de mediação ao caso;4. Obrigar-se-á, aceita a nomeação, a seguir os termos

convencionados.

4. Do Mediador frente às partes

A escolha do Mediador pressupõe relação de confiança personalíssima com as partes, somente transferível por motivo

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justo e com o consentimento expresso dos mediados, devendo o Mediador:

1. Garantir às partes a oportunidade de entender e de avaliar as implicações e o desdobramento do processo e de cada item negociado nas entrevistas preliminares e no curso da Mediação;

2. Esclarecer às partes quanto aos honorários, custas e forma de pagamento;

3. Utilizar a prudência e a veracidade, abstendo-se de promessas e garantias a respeito dos resultados;

4. Dialogar separadamente com uma parte somente quando for dado o conhecimento e igual oportunidade à outra;

5. Esclarecer à parte, ao finalizar uma sessão em sepa-rado, quais os pontos sigilosos e quais aqueles que podem ser do conhecimento da outra parte;

6. Assegurar-se de que as partes tenham voz e legitimida-de no processo, garantindo assim equilíbrio de poder;

7. Assegurar-se de que as partes tenham suficientes informações para avaliar e decidir;

8. Recomendar às partes uma revisão legal do acordo antes de subscrevê-lo;

9. Eximir-se de aceitar a aceitação de um acordo e/ou tomar decisões pelas partes;

10. Observar a restrição de não atuar como profissional contratado por qualquer uma das partes, para tratar de questão que tenha correlação com a matéria me-diada.

5. Do Mediador frente ao processo

O Mediador deverá:

1. Descrever o procedimento de Mediação para as par-tes;

2. Definir, com os mediados, todos os procedimentos pertinentes ao processo;

3. Esclarecer quanto ao sigilo;

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4. Assegurar a qualidade do processo, utilizando todas as técnicas disponíveis e capazes de levar a bom termo os objetivos da Mediação;

5. Zelar pelo sigilo do procedimento, inclusive quanto aos cuidados a serem tomados pela equipe técnica no manuseio e arquivamento dos dados;

6. Sugerir a busca e/ou participação de especialistas na medida que suas presenças se façam necessárias a es-clarecimentos para a manutenção da equanimidade;

7. Interromper o procedimento frente a qualquer impedi-mento ético ou legal;

8. Suspender ou finalizar a Mediação quando concluir que sua continuação possa prejudicar qualquer dos media-dos ou quando houver solicitação das partes;

9. Fornecer às partes, por escrito, as conclusões da Me-diação, quando por elas solicitado.

6. Do Mediador frente à Entidade Especializada – CBMAE

O Mediador deverá:

1. Cooperar para a boa qualidade dos serviços prestados pela CBMAE;

2. Manter os padrões de qualificação de formação, aprimo-ramento e especialização exigidos pela CBMAE;

3. Acatar as normas institucionais e éticas da profissão;4. Submeter-se a este Código de ética.