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Programa de Pós-Graduação em Geografia Instituto de Ciências … · um no seu lugar” e pelo...
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Programa de Ps-Graduao em Geografia
Instituto de Cincias Humanas
Mestrado em Geografia
Ricardo Antnio Santos Silva
GEOGRAFIA E HABITAO SOCIAL:
A poltica habitacional e os expedientes da (re) produo da cidade capitalista
em Juiz de Fora - MG
Juiz de Fora
2014
Ricardo Antnio Santos da Silva
GEOGRAFIA E HABITAO SOCIAL:
A poltica habitacional e os expedientes da (re) produo da cidade capitalista
em Juiz de Fora - MG
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora como requisito parcial para obteno do ttulo de mestre em Geografia
Orientador (a): Profa. Dra. Maria Lcia Pires Menezes
Juiz de Fora
2014
AGRADECIMENTOS
Este trabalho fruto do trabalho coletivo no Laboratrio de Territorialidades
Urbano-regionais, espao em que me encontrei com a Geografia e pude entender
sua funo e sua necessidade em dar uma resposta para as mazelas da sociedade.
L compartilhei momentos de aprendizagem e correrias, mas acima de tudo,
amizades que me fizeram entender que ser neutro e fazer cincia so projetos
impossveis nessa sociedade cada vez mais desigual.
Num primeiro momento gostaria de agradecer a todos os trabalhadores e
trabalhadoras, que atravs da sua produo e do suor no trabalho social permitiram
que eu pudesse estudar numa universidade pblica. Agradeo tambm minha
famlia, que acreditou em meu sonho, de um morador da periferia, que ocupou a
universidade (ambiente hostil aos pobres), para contribuir na formao da sociedade
atravs da Geografia.
minha professora e orientadora Maria Lcia Pires Menezes, que me
acolheu na caminhada acadmica, acima de tudo, como amiga.
Aos professores Jlio Ambrozio e Regina Clia, pelas crticas construtivas
que me auxiliaram na construo final desta dissertao.
Aos demais professores do PPGEO/UFJF, que tiveram pacincia quanto aos
prazos solicitados, diante dos percalos da vida profissional e pessoal.
Aos colegas de trabalho (professores grevistas), que compartilharam comigo
momentos de tenso, perseguio poltica e processos administrativos e que, ainda
assim, continuaram na luta.
Aos amigos Jader e Watuse, pela contribuio na base cartogrfica do
trabalho.
Aos companheiros de D.A. LATUR e AGB (em especial ao amigo Gabriel),
que deram sentido de luta para a minha Geografia. Na certeza de esquecer algum
nome, agradeo a todos e todas coletivamente Me d um J, me d um O,
Jografia!
Unidos venceremos e a luta continua!
Inverno de 2014
Para a comunidade do bairro Cidade do Sol
Para todos aqueles que sofrem pela falta da habitao
Para Jos Antnio da Silva meu pai (em Memria)
Para o professor Nelson da Nbrega Fernandes (em Memria)
Para o professor William Rosa Alves (em Memria)
Trs mestres da universidade pblica e da vida
Ps-graduao em tempos do produtivismo se compara a um avio desgovernado.
Mesmo sabendo que ele est perdido e pode cair a qualquer momento,
a notcia boa que no estamos atrasados!
Ricardo Antnio Santos da Silva, parafraseando William Rosa Alves.
RESUMO
Pretende-se entender, atravs do presente estudo, de que forma a poltica
habitacional interferiu na dinmica socioespacial de Juiz de Fora, principalmente no
surgimento e na evoluo dos bairros populares modificados substancialmente por
expedientes da reproduo capitalista. Ou seja, como tais expedientes forjaram
relaes que permitiram a reproduo do espao urbano a partir de dois contextos
importantes: resolver o problema do dficit habitacional e estabelecer novas reas
de valorizao do capital.
Tratou-se como recorte espacial mais especfico o bairro assim denominado de
Cidade do Sol, onde se identificou uma srie de aes complexas de financiamento
habitacional, intervenes e ocupao do solo urbano. A Cidade do Sol compe
atualmente um cinturo habitacional de uma populao aproximada de 12. 227
habitantes. Buscou-se localizar, dessa forma, a relao entre projetos habitacionais
do Banco Nacional de Habitao - BNH e a formao e reproduo dos bairros na
cidade, que se remodelam pelo quadro social e simblico dentro da expresso cada
um no seu lugar e pelo qual se reforam reparties e contradies espaciais,
arranjos, ideologias e representaes do mundo, modeladas e organizadas social e
simbolicamente, de acordo com o espao urbano capitalista. A questo da habitao
se insere neste ciclo como germe inicial da criao de novas clulas de convvio,
que se reorganizam na forma de cidade em suas diferentes escalas: o bairro, neste
caso, torna-se importante recorte, uma vez que espacializa imediatamente algumas
dessas contradies.
Palavras chave: Poltica habitacional. Expedientes da reproduo capitalista.
Geografia urbana. Habitao social. Bairro.
RESUMEN
El objetivo es entender cmo la poltica de vivienda interfir con los socio-dinmica
de Juiz de Fora, en especial en el surgimiento y la evolucin de los barrios
populares, sustancialmente modificados por expedientes de la reproduccin
capitalista. Es decir, como tales expedientes forjaron relaciones que permitieron la
reproduccin del espacio urbano a partir de dos contextos importantes: resolver el
problema de la escasez de vivienda y establecer nuevas reas de revalorizacin del
capital. Nos ocupa de La rea espacial ms especfica el barrio llamado Ciudad del
Sol, que identific una serie de acciones complejas que la financiacin de vivienda,
las intervenciones y la ocupacin del suelo urbano. La Ciudad del Sol compreende
actualmente un conjunto de viviendas de una poblacin de 12 227 habitantes. Busca
se para esa manera, la relacin entre los proyectos de vivienda del Banco Nacional
de la Vivienda la formacin y reproduccin de los barrios de la ciudad, que se vuelve
a dar forma al marco social y simblico dentro de la expresin "cada uno en su lugar
el que refuerzan las divisiones espaciales y contradicciones, los arreglos, las
ideologas y representaciones del mundo, modelados y sociales y simblicamente,
de acuerdo con el espacio urbano. La cuestin de la vivienda se encuentra dentro
del ciclo capitalista como germen inicial de la creacin de nuevas clulas de vida,
para reorganizarse en la forma de la ciudad en diferentes escalas: el barrio, en ese
caso, se convierte en recorte importante, dado que algunas de estas contradicciones
espacializa inmediatamente
Palabras clave: Poltica de vivenda. Expedientes de la reproduccin capitalista. La
geografa urbana. La vivienda social. El barrio.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Ilustrao da estrutura econmica de Juiz de Fora em 1994 ................. 46
Tabela 2. Vetores de crescimento de Juiz de Fora entre os anos 70 e 91............. 47
Tabela 3. Nmero de submoradias por regies em Juiz de Fora at os anos
2000 ....................................................................................................... 63
Tabela 4. Localizao mais frequente de construes populares em Juiz de
Fora ........................................................................................................ 84
Tabela 5. Juiz de Fora: relao entre lotes vagos e lotes ocupados no sentido
Norte ...................................................................................................... 87
Tabela 6. Produo da habitao pblica federal IAPS (Planos A e B) e FCP
(1937/64) .............................................................................................. 103
Tabela 7. Distribuio regional dos atendimentos habitacionais (1937 - 1964) ... 103
Tabela 8. BNH: Nmero de financiamentos concedidos entre 1964 e 1986 ........ 118
Tabela 9. Nmero de financiamentos concedidos pelo BNH 1964 a 1982 .......... 119
Tabela 10. Percentual de valorizao do preo do solo urbano entre 2005 e
2014 ..................................................................................................... 123
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Principais fazendeiros loteadores e suas reas de recorrncia ............. 76
Quadro 2. Investidores de origem agrria em estruturas urbanas .......................... 78
Quadro 3. Juiz de Fora: investidores de origem urbana em estruturas urbanas ..... 79
Quadro 4. Mecnica Operacional do BNH ............................................................ 116
Quadro 5. Quadro da diviso dos bairros e loteamentos de Juiz de Fora por
Regies Urbanas .................................................................................. 132
Quadro 6. Nmero de equipamentos de uso coletivo por natureza pblica ou
privada do Bairro Cidade do Sol ........................................................... 140
Quadro 7. Quadro comparativo do preo comercial dos imveis do bairro
Cidade do Sol entre os anos 80 e 2000 ............................................... 141
Quadro 8. Quadro comparativo dos preos dos imveis Loteamento Santa
Maria .................................................................................................... 149
Quadro 9. Comparativo dos preos dos imveis Loteamento Recanto da
Mata ..................................................................................................... 150
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1. Mapa de localizao do municpio de Juiz de Fora na Zona da Mata
Mineira ................................................................................................... 17
Figura 2. Localizao da Cidade do Sol na Zona Urbana de Juiz de Fora............ 18
Figura 3. Capa ilustrativa dos expoentes da Teoria Crtica ................................... 25
Figura 4. Diferentes escalas de anlise de uma cidade ........................................ 29
Figura 5. Mapa com as Regies de Planejamento (RPs) de Juiz de Fora, MG .... 48
Figura 6. Mapa da evoluo da mancha urbana de Juiz de Fora, MG .................. 49
Figura 7. Juiz de Fora: Loteamentos aprovados por regies urbanas (1970 -
2010) ..................................................................................................... 51
Figura 8. Esquema 1 de Kohl (1989): organizao espacial da cidade pr-
industrial ................................................................................................. 53
Figura 9. Esquema 2 de Burguess (1925) organizao espacial da cidade
industrial ................................................................................................. 54
Figura 10. Esquema 3 de Hoyt - A cidade ps-fordista: organizao espacial
da cidade por descontinuidade de setores ............................................. 55
Figura 11. Mapa de Juiz de Fora: centralidades ..................................................... 56
Figura 12. Crescimento da populao por regies urbanas (2000-2010) .............. 57
Figura 13. Juiz de Fora: Valorizao do preo mdio por regies urbanas
(2005 a 2014) ........................................................................................ 58
Figura 14. Principais programas habitacionais da Regio Norte (1950 2009) ..... 64
Figura 15. Planta do Plano Dodt 1860..................................................................... 70
Figura 16. Juiz de Fora: evoluo da ocupao no centro sculo XIX .................... 71
Figura 17. Quantidade de construes populares por ano (1893 a 1930) ............. 74
Figura 18. Mapa dos principais fazendeiros loteadores e suas principais reas
de recorrncia ........................................................................................ 77
Figura 19. Mapa dos principais investidores de origem agrria em estruturas
urbanas .................................................................................................. 78
Figura 20. Mapa dos principais investidores em origem urbana em estruturas
urbanas .................................................................................................. 80
Figura 21. Mapa das localizaes mais frequentes de construes populares
em Juiz de Fora ...................................................................................... 85
Figura 22. Juiz de Fora: mapa dos primeiros bairros do sculo XX ........................ 86
Figura 23. Construo popular em estilo caracterstico do sculo XX em
bairros de Juiz de Fora, MG ................................................................... 89
Figura 24. Ramal de bonde na Rua So Mateus (1964) ........................................ 93
Figura 25. Mapa das linhas de bonde e seus limites territoriais em Juiz de
Fora ........................................................................................................ 94
Figura 26. Exemplo do Conjunto Residencial da Mooca (1940) ............................. 97
Figura 27. Capa da primeira publicao do Congresso da Habitao (1930) ........ 98
Figura 28. Complexo fabril da FEEA ..................................................................... 106
Figura 29. Foto do Xangai: o trem suburbano ....................................................... 107
Figura 30. Juiz de Fora: estaes ferrovirias da regio Norte que margeiam
empreendimentos habitacionais ........................................................... 109
Figura 31. Mapa de ocorrncia dos BNH em Juiz de Fora .................................... 121
Figura 32. Ocorrncia de BNH sem Juiz de Fora, MG .......................................... 122
Figura 33. Manchete sobre a poltica econmica do setor habitacional em Juiz
de Fora nos anos 80 ............................................................................ 125
Figura 34. Diviso intrabairro da Cidade do Sol .................................................... 130
Figura 35. Planta urbana de loteamentos: Cidade do Sol ..................................... 131
Figura 36. Diferenciaes dos conjuntos habitacionais de acordo com as
variaes dos sistemas do BNH ........................................................... 136
Figura 37. Imagens da Favelinha da Facit ............................................................ 143
Figura 38. Imagens do loteamento Santa Maria .................................................... 148
Figura 39. Imagens do Loteamento Recanto da Mata .......................................... 150
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AGB JF Associao dos Gegrafos Brasileiros Seo Local Juiz de Fora
APE Associaes de Poupana e Emprstimo
BD Becton Dickinson
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNH Banco Nacional de Habitao
CEF Caixa Econmica Federal
CIDEU Centro de Ibero americano de Dessarollo Urbano
CME Companhia Mineira de Energia
COHABs Companhias habitacionais
COHAPBs Cooperativas Habitacionais
CORE Coordenadoria de Regularizao de Parcelamentos
CPM Cidade de Porte Mdio
CPS Centro de Pesquisas Sociais
EMBRAPA Empresa Brasileira de Agropecuria
EMCASA Empresa Municipal de Habitao
FCP Fundao Casa Popular
FEEA Fbrica de Estojos e Espoletas de Artilharia
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio
FNRU Frum Nacional pela Reforma Urbana
IAPs Institutos de Aposentadorias e Penses
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IMBEL Indstria de Material Blico do Brasil
IPASE Instituto de Previdncia dos Servidores do Estado
LATUR Laboratrio de Territorialidades Urbano-Regionais
MCMV Minha Casa Minha Vida
MINTER Ministrio do Interior
MNRU Movimento Nacional pela Reforma Urbana
PDDU Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
PEDC Programa Especial de Desenvolvimento Comunitrio
PJF Prefeitura de Juiz de Fora
PLANHAP Plano Nacional de Habitao Popular
PRODEPO Programa de Apoio ao Desenvolvimento de Polos Econmicos
RECON Refinamento ou Financiamento ao Consumidor de Materiais de
Construo
RP Regio de Planejamento
RU Regio Urbana
SA Sociedade Annima
SAU Secretaria de Atividades Urbanas
SBPE Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimo
SCI Sociedades de Crdito Imobilirio
SESC Servio Social do Comrcio
SESI Servio Social da Indstria
SFH Sistema Financeiro de Habitao
SFI Sistema de Financiamento Imobilirio
SMDE Secretrio Municipal de Desenvolvimento Econmico
UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora
SUMRIO
1 INTRODUO ............................................................................................... 16
2 DELIMITANDO O CAMINHO DA PESQUISA ............................................... 22
2.1 METODOLOGIAS ........................................................................................... 23
2.2 UMA BREVE REVISO CONCEITUAL SOBRE BAIRRO .............................. 26
2.3 HABITAES E AS RELAES DE PRODUO NA CIDADE ................... 30
2.4 HABITAO E A DIVISO SOCIAL DO TRABALHO NA CIDADE ................ 32
2.5 A TERRA URBANA E A CASA COMO MERCADORIA NA CIDADE ............. 33
2.6 HABITAO E A IDEOLOGIA NA CIDADE ................................................... 38
3 A CIDADE PS-FORDISTA E A NOVA LGICA ESPACIAL DOS
INVESTIMENTOS URBANOS EM JUIZ DE FORA ....................................... 42
3.1 OS IMPACTOS DA POLTICA HABITACIONAL NA NOVA LGICA
ESPACIAL DOS INVESTIMENTOS URBANOS ............................................. 59
4 DAS ORIGENS DA HABITAO SOCIAL AO BNH: AS
IMPLICAES NO ESPAO JUIZFORANO ................................................ 67
4.1 A POLTICA HABITACIONAL NA GNESE E EVOLUO DA CIDADE
INDUSTRIAL EM JUIZ DE FORA ................................................................... 68
4.2 O SISTEMA DE TRANSPORTE COMO INDUTOR DA URBANIZAO
E DO SURGIMENTO DE NOVOS BAIRROS EM JUIZ DE FORA ................. 90
4.3 DAS ORIGENS DA HABITAO SOCIAL NO PERODO FORDISTA: A
LEI DO INQUILINATO E OS INSTITUTOS DE APOSENTADORIAS E
PENSES (IAPS) AO BNH ............................................................................ 95
4.4 O IPASE E O PROCESSO DE OCUPAO/URBANIZAO DA
REGIO NORTE DE JUIZ DE FORA ........................................................... 105
5 O BANCO NACIONAL DE HABITAO: ENTRE A REDUO DO
DFICIT HABITACIONAL E OS EXPEDIENTES DA REPRODUO
CAPITALISTA .............................................................................................. 110
5.1 O BNH EM JUIZ DE FORA ........................................................................... 120
5.2 RESULTADOS DA PESQUISA: A POLTICA HABITACIONAL E OS
EXPEDIENTES DA REPRODUO DA CIDADE CAPITALISTA, O
CASO DO BAIRRO CIDADE DO SOL, JUIZ DE FORA - MG ...................... 127
5.2.1 Situao locacional e a Geografia social do bairro Cidade do Sol ........ 128
5.2.2 O conjunto habitacional, a origem e evoluo do bairro popular .......... 133
5.2.3 A espacializao da pobreza no bairro Cidade do Sol: a Favelinha
da Facit ........................................................................................................ 143
5.2.4 Os loteamentos Santa Maria e o Recanto da Mata: onde o bairro
muda seu nome .......................................................................................... 146
6 CONSIDERAES FINAIS: PARA NO CONCLUIR ................................ 152
REFERNCIAS ....................................................................................................... 156
APNDICES ........................................................................................................... 164
ANEXOS ................................................................................................................. 170
16
1 INTRODUO
O interesse em trabalhar o temrio Geografia e Habitao Social surge da
necessidade de se analisar o processo de expanso e reestruturao urbana de Juiz
de Fora. Pretende-se entender de que forma a poltica habitacional interferiu na
dinmica socioespacial da cidade, principalmente no surgimento e na evoluo dos
bairros populares, modificados substancialmente por expedientes da reproduo
capitalista. Ou seja, como tais expedientes forjaram relaes que permitiram a
reproduo do espao urbano a partir de dois contextos importantes: resolver o
problema do dficit habitacional e estabelecer novas reas de valorizao do capital.
Buscou-se localizar, com base nesse espectro inicial, a relao entre
projetos habitacionais do Banco Nacional de Habitao (BNH) e a formao e
reproduo dos bairros na cidade, que se remodelam pelo quadro social e simblico
dentro da expresso cada um no seu lugar e, pelo qual, se reforam reparties e
contradies espaciais, arranjos, ideologias e representaes do mundo, modeladas
e organizadas social e simbolicamente, de acordo com o espao urbano capitalista.
Iniciou-se a pesquisa atravs da delimitao do recorte espao-temporal que
tange o perodo das intervenes urbanas dos projetos de habitao a partir do
BNH, especialmente a partir da dcada de 80. Vale destacar o referido contexto, em
funo de uma srie de operaes urbanas que interferiram drasticamente na
organizao do espao urbano brasileiro e Juiz de Fora no foge a essa regra.
Juiz de Fora se localiza na regio Sudeste, prxima dos principais centros
urbanos do Brasil, conta com uma populao de 516.247 habitantes (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA, c2014), representa uma das
cidades mais importantes do Estado de Minas e polariza vrias cidades da
mesorregio da Zona da Mata, bem como as regies do mdio Vale do Paraba e a
regio serrana do Rio e Janeiro, conformando um eixo de ligao entre (So Paulo,
Rio de Janeiro e Belo Horizonte) (Figura 1).
17
Figura 1. Mapa de localizao do municpio de Juiz de Fora na Zona da Mata
Mineira
Fonte: O autor. Dados da pesquisa
Tratou-se como recorte espacial mais especfico o bairro assim denominado
de Cidade do Sol, onde se identificou uma srie que aes complexas de
financiamento habitacional, intervenes e ocupao do solo urbano. No seu
processo de urbanizao notam-se diferentes formas que expressam concretamente
diferentes momentos da cidade capitalista: o bairro proletrio (oriundo de um projeto
de moradia para baixa renda); a ocupao irregular (oriunda da falta de acesso
moradia por trabalhadores pauperizados) e a implantao de residncias de alto e
mdio valor nos arrabaldes das reas verdes (uma tendncia atual das estratgias
do setor imobilirio). Constata-se na realidade emprica em estudo, um bairro, que
surge tipicamente como um conjunto habitacional popular que se fragmenta por
estratgias de expanso e reproduo do capital.
A Cidade do Sol compe atualmente um cinturo habitacional de uma
populao aproximada de 12.227 habitantes (JUIZ DE FORA, c2014a). Sua
fundao do incio dos anos 80, perodo em que incorporado e construdo pelo
18
Grupo Solar Empreendimentos S/A1por sistemas de financiamento da poltica
nacional de habitao, intermediados pelo BNH, via Caixas Econmicas estaduais e
federais. Situado na Zona de Expanso Urbana de Juiz de Fora (Figura 2),
especialmente na Regio Urbana (RU) Barbosa Lage (JUIZ DE FORA, 2000a):
Figura 2. Localizao da Cidade do Sol na Zona Urbana de Juiz de Fora
Fonte: O autor. Dados da pesquisa
Juiz de Fora passa por processos de expanso que permitiram espacializar
o desdobramento das dinmicas da poltica habitacional e suas diversificaes de
padro do uso do solo urbano no contexto atual. Entre os anos 80 e 90,
especialmente a partir da extino do BNH em 86, construam-se hiatos de polticas
de habitao, onde uma srie de intervenes dos poderes locais em diferentes
governos no permitia mais se falar em uma poltica nacional de habitao. O que
se constatava de intervenes nesse sentido eram os Planos Municipais que
atendiam pequenas demandas de moradia para baixa renda e pelos quais se
desenvolvia a cidade, seguindo projetos e vetores de expanso urbana ao sabor do
1 Grupo empresarial ligado a construo, incorporao de imveis em Juiz de Fora.
19
mercado (FERNANDES, 2008). Talvez isso fosse reflexo da prpria retrao do
Estado em prover e gerir polticas pblicas. No caso do bairro pesquisado foram
constatados rescaldos do Plano Nacional de Habitao Popular (PLANHAP)
desenvolvido pelo BNH e sua poltica de financiamento de moradias populares,
viabilizada pelo o SFH, Sistema de Financiamento Habitacional e pelo SFI, Sistema
de Financiamento Imobilirio (ROYER, 2009).
justamente a passagem na poltica habitacional dos anos 80 para os anos
90, que se constata mais claramente encurtamento do poder pblico em prover
moradia para famlias de menor poder aquisitivo, ao passo que a ampliao da
produo de carter imobilirio leva diversificao do padro de habitao nas
reas destinadas aos setores populares. Pode-se se dizer, nesse sentido, que a
incumbncia do poder pblico em prover habitao de interesse social
transfigurada no interesse do capital imobilirio, onde se integra a gesto e a
proviso articulada iniciativa privada, sobretudo a partir da extino de polticas
habitacionais em mbito nacional, como o BNH.
Para dar suporte pesquisa orientou-se pelos seguintes procedimentos
metodolgicos: (a) revises bibliogrficas e leituras gerais sobre o tema; (b)
levantamento de dados sobre a habitao na cidade, articulando aos preceitos do
trabalho; (c) visitas aos arquivos histricos da cidade e setores da Prefeitura de Juiz
de Fora (PJF) ligados s atividades urbanas2; (d) trabalho de campo no bairro
Cidade do Sol para aplicar entrevistas estruturadas/semiestruturadas e mapeamento
in loco.
A incurso ao tema foi possvel pela nossa participao junto ao Laboratrio
de Territorialidades Urbanas e Regionais (LATUR) e a Associao dos Gegrafos
Brasileiros - Seo Local Juiz de Fora (AGB/JF), espaos que permitiram aproximar
sujeito e objeto atravs de projetos de extenso e militncia nas reas de ocupaes
urbanas e de moradia popular3. Essa aproximao contribuiu para fortalecer a
abordagem dialtica na pesquisa, que preconiza a cincia como um instrumento de
interveno na sociedade.
Na segunda seo delineou-se o caminho da pesquisa, ou seja, trabalhou-se
os conceitos relevantes, bem como a metodologia e os procedimentos
2 Secretaria de Atividades Urbanas (SAU) da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF).
3 Comit Central Popular, frum de movimentos sociais da cidade. No caso da incurso da pesquisa a
aproximao foi feita com o setor de moradia.
20
metodolgicos. No recorte espacial da pesquisa tambm se teceu algumas
consideraes tericas, que remontaram importncia do bairro como categoria de
anlise na cincia geogrfica. Autores como Lefebvre (1970), Souza (1989), Teixeira
e Machado (1986) e Seabra (2003), contriburam na tentativa de articular a
Geografia dimenso de bairro, trazendo relaes importantes com o modo de
produo capitalista. Por fim, destacou-se algumas notas introdutrias sobre o papel
da habitao no contexto das relaes capitalistas, debates importantes para o
entendimento dos objetivos desta dissertao.
Na terceira seo, o esforo principal foi tentativa de definir a cidade ps-
fordista e suas implicaes na nova lgica espacial dos investimentos. Buscou-se
entender a partir desse momento, o jogo dos fixos e fluxos de uma cidade, em que a
flexibilidade do capital amplia seus investimentos em infraestruturas urbanas, dentre
elas, a poltica habitacional. Para tanto, se utilizou uma srie de dados e
informaes, que datam com mais detalhe esse contexto mais atual em Juiz de
Fora.
Na quarta seo buscou-se aprofundar s origens da habitao social no
Brasil, suas implicaes no espao juizforano (sem perder o horizonte), do recorte
temporal mais especfico da pesquisa: do BNH a partir dos anos 80 e seus
desdobramentos mais atuais. Nesse caso, o desafio foi encontrar elos lgicos entre
o surgimento da poltica habitacional como poltica pblica e os novos expedientes
da reproduo capitalista. Destacou-se tambm, o papel do sistema de transporte no
processo de urbanizao da cidade.
Na quinta seo debruou-se no entendimento da complexa mecnica
operacional do BNH. Evidenciou-se alguns aspectos contraditrios em torno de sua
efetividade, ou seja, como reduzir do dficit habitacional e ao mesmo tempo garantir
condies para reestruturao econmica, diante do aviltamento da crise dos anos
80. Findou-se o captulo com os impactos das polticas do BNH em Juiz de Fora,
apresentando um estudo de caso, que buscou expressar concretamente os limites e
possibilidades da poltica habitacional na reproduo do espao urbano. Nesse
caso, a anlise da Cidade do Sol (bairro em questo), mostrou a sntese das
contradies na relao entre a questo da habitao e produo capitalista da casa
na cidade.
Por fim, espera-se que esta pesquisa contribua para o entendimento da
cidade capitalista. A questo da habitao se insere no ciclo capitalista como germe
21
inicial da criao de novas clulas de convvio, associando-se aos expedientes de
reproduo do espao urbano, que se reorganizam na forma de cidade em suas
diferentes escalas: o bairro, nesse caso, torna-se importante recorte, uma vez que
espacializa imediatamente algumas dessas contradies.
22
2 DELIMITANDO O CAMINHO DA PESQUISA
Esta seo versa sobre a dimenso terico-conceitual e metodolgica da
pesquisa. Buscou-se construir um caminho para embasar o estudo emprico
trabalhado ao longo da dissertao. Parte-se da premissa conceitual trabalhada por
Santos (2002, p.63): O espao como um conjunto indissocivel, solidrio e tambm
contraditrio, de sistemas de objetos e aes no considerados isoladamente [...].
evidente que essa premissa no suficiente para aprofundar o tema, uma vez que a
relao entre habitao/dinmica urbana/vida de bairro transversal nas cincias
humanas.
Outros conceitos e abordagens trabalhados tambm procuraram trazer mais
clareza ao nosso conhecimento. Como se v inicialmente em Andrade (1993), a
organizao do espao que se modifica dialeticamente, sendo profundamente
dinmica e eminentemente social. Moreira (1982) que tambm trabalha o conceito
de organizao do espao, denominando-o de arranjo espacial e pelo qual,
claramente aproxima os conceitos e categorias da geografia ao mtodo da economia
poltica. No levantamento de suas obras, principalmente nos anos 80, constata-se
claramente a relao entre os temas mais-valia, modo de produo, valor de uso e
valor de troca e a formao socioespacial. Outro autor Correa (1990), que tambm
destaca as diferentes nomenclaturas dadas ao espao geogrfico, como a
organizao espacial, a estrutura territorial, a configurao espacial, o arranjo
espacial, que de certa forma, procuraram ampliar as tentativas de sua compreenso.
intencional parafrasear esses autores, uma vez que suas consideraes
permitem aproximar o conceito de trabalho social ao de produo/organizao do
espao, sobretudo, a partir de uma Geografia da Sociedade de Classes. A
organizao espacial expresso da produo material da sociedade, portanto,
condio e produto do trabalho social. Nesse sentido, a organizao espacial reflete
a natureza classista da sociedade que a criou (CORREA, 1990).
importante mencionar esta concepo de espao, para alm das
localizaes acrticas, que subestimam o espao ao consider-lo como receptculo
das relaes: um espao a priori e abstrato. Esta banalizao do conceito de espao
se dissolve quando se considera que as proposies tericas tendem a refletir o
olhar do pesquisador. Nesse caso, vale destacar a seguinte metfora conceitual:
23
Dissramos que o espao pode ser concebido por intermdio de uma metfora. Se observarmos uma quadra de futebol-de-salo, notaremos que o arranjo do terreno reproduz as regras desse esporte. Basta aproveitarmos a mesma quadra e nela superpormos o arranjo espacial de outras modalidades de esporte, como o vlei, o basquete ou handball, cada qual, com leis prprias, para notarmos que o arranjo espacial diferir para cada uma. Diferir porque o arranjo reproduz as regras do jogo, e estas diferem para cada modalidade de esporte considerado. Se fossem as mesmas leis para todas, o arranjo seria um s. Assim tambm o espao geogrfico com a relao sociedade. [...] Na base de sua configurao est o jogo da correlao de foras que confere a hegemonia dominante configurao que a sociedade burguesa moderna dada... (MOREIRA, 1982, p.35).
Na pesquisa, o foco principal foi articular uma base conceitual geogrfica a
partir destas premissas, para fornecer elementos tericos e empricos para melhor
compreenso dos aspectos e contradies socioespaciais da rea pesquisada: um
bairro, planejado enquanto conjunto habitacional de baixa renda, que pode ser
descrito como mais um elemento material da organizao espacial da cidade
capitalista, aderindo ao espao urbano como parte de um movimento mais amplo da
produo de valor de uso e de troca, da renda da terra, da habitao e dos conflitos
territoriais.
2.1 METODOLOGIA
A metodologia deste trabalho pautada em alguns aspectos norteadores
para buscar entender a essncia dialtica do espao, que parte do emprico das
formas pretendendo chegar s relaes socioespaciais. Ou seja, do
arranjo/organizao espacial para compreender os encaixes estruturais dos objetos
e do movimento amplo da realidade, regido a partir do todo da formao econmico-
social, em outras palavras, trabalha-se um mtodo que parte do visvel para chegar
ao invisvel nos arranjos e nas estruturas espaciais da sociedade (MOREIRA, 1982)
A dialtica entre o visvel e o invisvel coloca em qualquer procedimento
geogrfico, a observao como primeiro passo. No entanto, o que escapa nossa
viso s pode ser resolvido pelos dados e informaes do passado, que
construdo por impulses invisveis, oriundas de exterioridades a realidade
imediatamente considerada:
24
[...] Com efeito, a observao representa o instrumento de conhecimento geogrfico por excelncia, ao passo que os meios de investigao do invisvel pertencem ao repertrio tcnico de cincias e de pesquisas variadas. [...] No ser suprfluo lembrar que o problema complexo devido impreciso dos limites entre o visvel e o invisvel. [...] So raros os dados geogrficos inteiramente visveis podendo-se mesmo consider-los inexistentes sob certos aspectos, j que a explicao do visvel quase sempre deve ser buscada no invisvel [...] (GEORGE, 1972, p.21).
Os apontamentos metodolgicos anunciados por Jos Paulo Netto no livro
Introduo ao Estudo do Mtodo de Marx (NETTO, 2011) tambm ajudam a
distinguir a forma como aparncia em si, enquanto um nvel da realidade histrica e
espacial:
O objetivo do pesquisador, indo alm da aparncia fenomnica, imediata e emprica por onde necessariamente se inicia o conhecimento, sendo essa aparncia um nvel da realidade e, portanto, algo importante e no descartvel apreender a essncia (ou seja, a estrutura e a dinmica) do objeto. Numa palavra: o mtodo de pesquisa que propicia o conhecimento terico, partindo da aparncia visa alcanar a essncia do objeto (NETTO, 2011, p.22).
importante citar esses aspectos norteadores, uma vez que a realidade
emprica, expressa nesse trabalho como estudo de caso, serve como aproximao
entre o terico e o prtico-concreto. Nessas condies, parte-se da realidade
emprica como forma em si, para a compreenso do movimento mais amplo: o
movimento emprico, abstrato, concreto e histrico do espao geogrfico.
A partir destes aspectos, aborda-se o tema como natureza espacial
contraditria, em que as formas do presente so o ponto de partida, ademais, no
exclusivamente esclarecedoras do processo de produo do espao urbano. Os
movimentos anteriores da histria-espacial da cidade so igualmente importantes
para o entendimento da sua conformao atual, para tanto, so necessrias
mediaes entre os recortes espao-temporais que se pretende estudar.
Pela adoo destes pressupostos pode-se aproximar da chamada Geografia
Crtica4, onde autores que recebem destaque no movimento de renovao5 e so
4 No entendemos a Geografia Crtica como corrente de pensamento institucionalizada, mas sim
como um movimento de renovao frente Geografia Tradicional que se alinhava ao discurso do Estado e da Burguesia. 5 Movimento de renovao em que Milton Santos, Ruy Moreira, Ariovaldo Umbelino, Armando
Correia, Manual Correia de Andrade, Antnio Carlos Robert Moraes, Horietes Gomes entre outros fizeram parte. A histria destes autores se confunde com o pensamento geogrfico brasileiro dentro dos debates fruns e debates da cincia geogrfica. A Renovao marcada pela ruptura com a
25
tributrios da abordagem dialtica na cincia geogrfica. No entanto, vale ressaltar
que a chamada Geografia Crtica, desde seu nascedouro, encetou um dilogo com a
Teoria Crtica (isto , com os pensadores da Escola de Frankfurt), com o
Anarquismo, com o pensamento de Michel Foucault, com Marx e os marxismos,
evidenciando sua pluralidade de pensamentos e concepes terico-filosficas. A
figura abaixo, da Revista Hrodote (1976 apud VESENTINI, [20--]) ilustra a
pluralidade mencionada na legenda dos autores descrita nos nmeros de 1 a 25:
Figura 3. Capa ilustrativa dos expoentes da Teoria Crtica6
Fonte: Vesentini [20--]7
importante mencionar que pelo fato de ser uma pesquisa orientada pela
abordagem dialtica, torna-se necessrio entend-la como um movimento
conflituoso de avanos e regressos sucessivos em seu desenvolvimento. Assim, a
metodologia deve estar submetida ao contedo a ser estudado e as suas
contradies internas, para no se configurar como lei geral, a qual apreendida por
Geografia Tradicional, corrente que se identificava com o discurso da ordem estabelecida e dos Estados Maiores. 6 Seguindo a ordem temos: 1. Kropotkin, 2. Toynbee, 3. Russell, 4. F. Castro, 5. G. Plelkajanov, 6. Ho
Chi Minh, 7. Lukacs, 8. Bakunin, 9. J. Stalin, 10. Marcuse, 11. Proudhon, 12. A. Gramsci, 13. Sun Yat Sen, 14. A Bebel, 15. Mao Tse Tung, 16. Gandhi, 17. Trotsky, 18. Engels, 19. Che Guevara, 20. Marx, 21. Hegel, 22. Lenin, 23. Kessinger, 24. Rosa Luxemburgo, 25. Sartre. 7 Disponvel em: .
26
modelos fechados de compreenso da realidade. O mtodo , portanto, apenas um
quadro geral, um guia, uma orientao para o conhecimento de cada realidade
(DAMIANI, 1991).
Desta forma, define-se a abordagem metodolgica dialtica utilizada de
modo geral sobre trs condies fundamentais, como: (a) O Ser social, que seriam
as relaes materiais dos homens com a natureza e entre si de forma objetiva, isto
, independente da conscincia; (b) A conscincia social, que so as ideias polticas,
cientficas, jurdicas, filosficas, estticas etc.; (c) Os meios de produo, que tudo
que o homem emprega para produzir bens materiais necessrios sua existncia
(GIRARD; REIS; LUCAS, 2005). Essas condies so importantes para o
entendimento da interface entre sociedade e espao que aparece nos termos do seu
modo de organizar, ou melhor, do seu arranjo, como expresso do todo articulado,
estrutura e conjuntura do movimento contraditrio da formao econmico-social.
a compreenso da lgica capitalista por meio da interao dialtica entre espao e
tempo fazendo dela uma realidade histrico-concreta efetivamente (MOREIRA,
1982).
A reproduo do espao pelo vis dos projetos de habitao passa a ser
entendida como o elo entre o habitat e o espao urbano na ordem de classes
estabelecida. As moradias populares, as vilas os cortios, conjuntos habitacionais
ou qualquer outra edificao que compe o quadro da habitao social, se
organizam espacialmente e expressam concretamente algumas contradies na
forma da vida de bairro, da a necessidade do mtodo dialtico para aprofundar na
anlise da pesquisa.
2.2 UMA BREVE REVISO CONCEITUAL SOBRE BAIRRO
Dentro da literatura geogrfica so poucos autores que trabalharam o bairro
como conceito relevante. Teixeira e Machado (1986) definem o bairro a partir de
uma base geogrfica calcada na coexistncia de elementos que lhe do uma
individualidade, por exemplo, a paisagem urbana, o contedo social e a funo.
Seabra (2003), ao estudar o processo de fragmentao da metrpole
contempornea, destaca o bairro como categoria importante, que remonta a
27
espacialidade da vizinhana na cidade, se relacionando ao movimento contraditrio
do espao urbano capitalista.
Contudo, a cidade fragmentada em funes j existia nas cidades desde a
Grcia Antiga. Hipdamos de Mileto no sculo V a.c., por exemplo, foi um dos
primeiros urbanistas a observar a orientao e o dimensionamento das ruas de
acordo com a intensidade de seu uso (FERRARI, 1988). O dimensionamento das
cidades em usos diversos, a despeito do centro administrativo uma condio
importante para o surgimento do bairro, sua acepo conceitual como espao de
coletividade e vizinhana. Essa racionalidade tambm destacada no assim
chamado Urbanismo Moderno, que pautou a Carta de Atenas ao estabelecer a
criao de bairros e clulas de convvios funcionais via programas habitacionais,
desde o incio do sculo XX.
Por outro vis, Souza (1989) traz a esse debate, elementos importantes da
sociologia e da poltica, como a imagem, o ativismo e o conflito social, na sua
relao com as determinaes mais globais da cidade, sem perder o horizonte dos
diferentes embates tericos entre a ecologia social, o culturalismo e o marxismo.
Segundo o autor supracitado, o vis da ecologia social, definia o bairro a
partir de perspectivas deterministas: [...] Sob o ecologismo, cada bairro
individualizado em matria de classes e/ou contedo cultural era visto enquanto rea
natural, que tenderia a recolher da corrente competitiva mvel da cidade os
indivduos particulares a ela destinados (SOUZA, 1989, p.145). O vis culturalista
resgatava o conceito de bairro de acordo com sua dimenso subjetiva, seguindo os
pressupostos da emergncia do ps-modernismo, ou melhor, destacando a
atomizao da sociedade pela sua identidade cultural: [...] Se inclinam a apostar no
neotribalismo8, como contraponto compensatrio da massificao da sociedade [...].
Alm disso, metodologicamente: [...] resgatam a dimenso subjetiva pretensamente
assim realizando um esforo holstico (SOUZA, 1989, p.146). J o vis marxista
associava o bairro s determinaes globais do modo de produo: [...]
internalizao diferenciada, essa que comandada pela prpria lgica do modo de
produo em sua exigncia de diviso espacial do trabalho [...] (SOUZA, 1989,
p.147).
8 Leitura do uso do Bairro como lugar ocupado pelos diferentes grupos e tribos, que compe o espao
urbano.
28
Ainda de acordo com o vis marxista, Lefebvre (1970) refora a necessidade
de se considerar o bairro como parte de uma totalidade histrica:
Slo el pensamiento animado por el mtodo dialctico permite, segn parece, captar esta interaccin especfica de las partes en el todo. Seria un error subestimar el barrio, que sabemos es un todo en el todo, y sin embargo en las ciudades que conocemos el barrio slo existe en funcin de uma cierta historia. Poderla ser que conservara el concepto de unidad de base, elemental, con determinadas dimensiones, y entonces no seria un barrio, sino una unidad, sin separarse de la totalidade. (LEFEBVRE, 1970, p. 142).
Nesse sentido, o autor francs define o bairro como ponto de contato entre o
espao social e o espao geomtrico:
[...] El punto de contacto ms accesible entre el espacio geomtrico y el espacio social, el punto de transicin entre uno y otro; la puerta de entrada y salida entre espacios cualificados y el espacio cuantificado, el lugar donde se hace la traduccin (para y por los usuarios) de los espacios sociales (econmicos, polticos, culturales, etc.) [...] (LEFEBVRE, 1970, p. 200-201).
Por outro lado, ele tambm parte da crtica ao olhar atomizado da sociedade,
encarcerado na abordagem do grupo humano (a parte), como o nico marco da
realidade social para se discutir o conceito de bairro:
El grupo humano, el entorno, el marco, lo que resulta tanto de la morfologia como de la economia poltica, constituye un medio con condiciones de normalidad. El entorno es un medio. El grupo humano lo moldea, lo deforma o lo transforma. Se vincula siempre, salvo si est mutilado, a algo ms vasto, que es la sociedad global, que es por el momento uma cultura, posiblemente, incluso, una concepcin de la vida, del hombre. Un grupo humano no debe nunca ser definido completamente por su marco. (LEFEBVRE, 1970, p. 143-144).
Outro aspecto que refora o bairro como unidade sociolgica e geogrfica
importante a flexo de seu vocbulo. Por exemplo, na lngua castelhana, o prefixo
barr relativo ao campo de atuao imediato de uma populao. No francs, a
palavra quartier se confunde com uma realidade similar ao bairro. Na lngua inglesa
o disctrict se aproxima do vocbulo bairro, embora, tradicionalmente esteja
relacionado palavra neighbourhood, que os anglo-saxes utilizam para denominar
o recorte territorial imediato dos ativismos das populaes urbanas (SOUZA, 1989).
O prefixo barr tambm referido na lngua rabe, denominando-se como parte em
29
que habitualmente se divide a cidade e que permite localizar melhor seus citadinos,
a despeito de no ter funo administrativa (AMBRZIO, 2013).
Assim, a importncia do estudo sobre bairro talvez resida na sua
caracterstica de referencial direto e decisivo na cidade. O bairro conjuga no mesmo
espao um universo de contradies, isto , ao mesmo tempo em que se amplia e
se urbaniza e traz tona a insuficincia de equipamentos de uso coletivo, os
problemas habitacionais, a segregao socioespacial, a especulao imobiliria, as
intervenes urbansticas autoritrias, sendo, portanto, ao mesmo tempo uma
unidade de vizinhana e de conflitos territoriais (SOUZA, 1989). Assim, o bairro
uma escala da cidade para alm do seu recorte geomtrico, ele conforma parte do
espao urbano e, portanto, constitui o elo entre a habitao e a vida urbana no
processo de reproduo da fora de trabalho e do capital. Veja a ilustrao:
Figura 4. Diferentes escalas de anlise de uma cidade
Fonte: Bezerra (2011)
Na tentativa de articular as diferentes perspectivas que se constri a base
conceitual deste trabalho. No caso da pesquisa, buscou-se situar o bairro Cidade do
Sol no cenrio urbano de Juiz de Fora, no qual, as transformaes mais amplas da
cidade foram determinantes no seu surgimento e evoluo. Mais adiante trataremos
aspectos tericos, que podero auxiliar o entendimento da habitao no contexto
capitalista das cidades, com intuito de aprofundar os objetivos desta dissertao.
30
2.3 HABITAO E AS RELAES DE PRODUO NA CIDADE
Esta parte busca aproximar o tema da pesquisa s questes mais amplas da
sociedade capitalista. Munimo-nos de notas introdutrias gerais, de tal forma a
ampliar o embasamento terico-metodolgico do trabalho. Entendemos que estas
notas facilitaro a leitura, situando habitao no contexto dos grandes ciclos de
acumulao na cidade capitalista, especialmente no recorte espacial supracitado.
O temrio da habitao perpassa a anlise das relaes de produo,
sobretudo no que tange a leitura do processo de trabalho, produo de mercadorias,
valor e trabalho e suas relaes sociais. Como sabido, o capitalismo ousou
explorar a ideia de liberdade por meio da propagao da propriedade privada dos
meios de produo. A imagem de homem livre e moderno passa a ser associada
ao de trabalho assalariado, melhor dizendo, o trabalho concebido por meio da
explorao do trabalho alheio. As necessidades humanas dos novos homens
deixam de ser calcadas na sobrevivncia direta e passam a obedecer ao princpio
da circulao de mercadorias.
nesse contexto que tudo que se produz vira mercadoria, isto , aquilo que
se realiza na troca, no necessariamente no seu uso essencial. O trabalho
assalariado e a circulao de mercadorias como sua forma-produto passam a
assumir-se como o cerne do capitalismo, ou seja, tudo aquilo que o trabalhador
precisa para viver e se reproduzir transfigurado em mercadorias e passa a ser
comprado atravs do seu salrio (VILLAA, 1986). Esta meno, um tanto quanto
didtica, permite contextualizar a habitao nas relaes de produo, uma vez que
a necessidade de habitar fundamental para reproduo de vida e como toda
necessidade humana, destituda do uso direto da sociedade com advento do
capitalismo.
Marx (1989) 9, fala sobre o carter fetichista da mercadoria enquanto o
produto do trabalho social, que encoberto nas relaes sociais de produo,
constituindo assim o conflito real entre o valor de uso e o valor de troca. Transforma-
se o produto do trabalho social em produto da circulao, justificado em
necessidades teis. As mercadorias passam a ser dotadas pelo valor de troca, onde
no importam mais as qualidades intrnsecas dos produtos, mas exclusivamente a
9 Est a data da edio utilizada como fonte, a primeira edio de 1867
31
sua virtualidade para a circulao. Seu carter mtico no advm mais do seu valor
de uso (encoberto no processo de produo), mas sim medida que se torna uma
coisa que circula, isto , aquilo que transforma a relao entre homens, numa
relao entre coisas, tornando-se valor de troca.
A casa, como uma mercadoria considerada ento, um dos elementos de
das relaes de produo, portanto, da reproduo da fora de trabalho. A cidade,
nesse sentido, organiza-se como a sobreposio dos diferentes elementos da
reproduo da fora de trabalho, por que:
De alguma maneira preciso morar. No campo, na pequena cidade, na metrpole, morar vestir, alimentar, uma das necessidades bsicas dos indivduos. Historicamente mudam as caractersticas da habitao, no entanto, sempre preciso morar, pois no possvel viver sem ocupar espao. (RODRIGUES, 1990, p. 11).
Desta forma pode-se dizer que o solo urbano (onde se assenta a habitao)
dotado de uma srie de usos transfigurados como valor de troca, numa condio
para a realizao do capital. A casa atravs do solo urbano constitui, nesse caso,
como a ligao entre o trabalho e o capital. O salrio, como parte da produo
destinada reproduo do trabalhador um dos intermedirios nesta relao, isto ,
quanto maiores so os salrios destinados aquisio de novas habitaes, menor
ser a extrao de capital por parte dos proprietrios no processo produtivo, por
isso:
[...] cabe destacar o papel da habitao nos custos da reproduo da fora de trabalho. Quanto menos riqueza social for gasta para vestir, alimentar, cuidar da sade e abrigar o trabalhador, tanto maior a parcela desta mesma riqueza que sobrar para entrar no circuito da acumulao gerando lucros. O valor parcela da riqueza social despendida para sustentar e reproduzir o trabalhador, para a reproduo da fora de trabalho, o chamado custo de reproduo da fora de trabalho. (VILLAA, 1986, p. 7).
A reduo nos custos da reproduo implica diretamente na explorao do
sobretrabalho. Para o trabalhador adquirir sua casa ele se submete a uma jornada
de trabalho cada vez maior e ao endividamento constante, uma vez que a habitao
uma mercadoria de preo elevado e de constante valorizao no capitalismo.
Assim, a habitao se insere no ciclo vicioso da dominao, quando transformada
pelas relaes de produo, em mercadoria.
32
2.4 HABITAO E A DIVISO SOCIAL DO TRABALHO NA CIDADE
[...] A diviso apossa das outras esferas da sociedade, alm da econmica, lanando por toda a parte a base para do desenvolvimento das especialidades, para um parcelamento do homem que levou [...]. (MARX, 1989, p. 206).
De acordo com o posto na citao acima, a produo de moradias dentro da
lgica da produo e circulao de mercadorias, segue o ordenamento territorial de
acordo com as necessidades da diviso social do trabalho, sendo, portanto,
condio para a reproduo do capitalismo. Historicamente o arranjo/organizao
espacial das habitaes tomou forma nos bairros operrio-proletrios, nas reas
nobres, nas reas comerciais ou de repouso etc., enfim, nas suas diversas reas,
dentro das funcionalidades do espao urbano:
Em cada lugar cada subespao, novas divises do trabalho chegam e se implantam, mas sem excluso da presena dos restos de divises do trabalho anteriores. Isso, alis, distingue cada lugar dos demais, essa combinao especfica de temporalidades, diversas. Num dado lugar, o trabalho a somatria e a sntese desses trabalhos individuais a serem identificados de modo singular em cada momento histrico. (SANTOS, 2002, p. 136).
Quando se fala em cidade como expresso da diviso espacial e social do
trabalho, fala-se de diferentes usos e funes do espao urbano, que expressam
concretamente a sociedade que a gerou. Os diferentes grupos e classes sociais
produzem espao, sendo elementos construtivos da sociedade capitalista.
Os projetos habitacionais seguem ao longo do processo histrico as
modificaes da diviso social do trabalho na cidade. Se em tempos do fordismo, a
organizao espacial da cidade sinalizava um ordenamento territorial prximo s
fbricas e indstrias (como maneira de reproduo da fora de trabalho), em tempos
da produo flexvel a cidade reproduz suas formas, por meio da incorporao de
novas reas, ao sabor do mercado e da acumulao ampliada do capital.
Atualmente os projetos habitacionais atendem mais sistematicamente as demandas
do mercado imobilirio e do setor de servios, ao invs das indstrias e do setor
produtivo em geral. No se pode mais falar em bairros estritamente operrios, ainda
33
que durante muito tempo, houvesse um vnculo direto entre concesso de moradias
e regime de trabalho.
Miranda (1990), sobre este aspecto, refora a questo da incorporao de
novos espaos de habitao, por meio das variaes de usos que surgem no
espao urbano no s como expresso da diviso social e territorial do trabalho,
mas tambm como a expanso e a valorizao diferenciada das reas.
No caso da pesquisa, o conceito de diviso social do trabalho atrela-se ao
processo de reestruturao urbana, que desconcentrou a indstria redistribuindo a
diviso do trabalho em uma multiplicidade de ncleos urbanos, principalmente na
passagem dos anos 70 para os 80. Este processo se reproduziu no espao intra-
urbano das cidades, uma forma polinucleada e de diferentes funes e usos do
espao, atendendo no somente os interesses do capital produtivo, mas os tambm
os interesses do capital financeiro, do setor de servios e das infraestruturas em
geral, para garantir a circulao do capital e o deslocamento da fora de trabalho.
2.5 A TERRA URBANA E A CASA COMO MERCADORIAS NA CIDADE
Este item procura esclarecer algumas relaes entre a propriedade privada
da terra e da casa no capitalismo. Levanta-se algumas questes dentro das
abordagens marxistas, sem perder de vista claro, o debate mais amplo travado no
seio das escolas da economia poltica do sculo XIX. Contribumos tambm com
leituras mais atuais, vinculadas a autores especficos da Geografia.
Nas leituras marxistas sobre a valorizao e o preo da terra e da habitao,
a primeira questo destacada que a terra no um bem que pode ser reproduzido,
um bem natural, e, portanto, no pode ser criado pelo trabalho O trabalho na
terra no para produzir mais terra, mas para produzir frutos da terra, ou seja,
edificaes sobre a mesma. Tais frutos so produtos do trabalho, mas a prpria terra
em si no (RODRIGUES, 1990).
Por outro lado, Moraes e Costa (1984) permitem-nos reconhecer as
singularidades naturais de cada solo, como fator de transferncia dos valores e
determinao do seu preo. Segundo eles, os aspectos naturais da superfcie,
apesar de no estarem diretamente ligados ao processo de trabalho, portanto, no
34
produzindo valor, aparecem como um limite histrico na determinao da produo
em geral:
As condies naturais aparecem, para produo em geral, como limite histrico relativizado, cujo peso na especializao das atividades produtivas significativo. [...] Hoje poderamos dizer que, dado o investimento necessrio em tecnologia, quase certo de no ser vivel plantar abacaxi no Alasca. Esse valor de base natural das diferentes pores da superfcie terrestre consiste, assim, numa parcela do valor do espao, seja como primeira, seja como segunda natureza. (MORAES; COSTA, 1984, p. 124-125).
Outro aspecto importante a relao dialtica entre valor e preo. A terra
no produto do trabalho, no possui valor, mas tem preo. O preo da terra no
dotado como expresso monetria do valor, pois a mesma vendida no mercado
imobilirio, independentemente da sua capacidade produtiva.
Tal processo somente possvel pelo estatuto de propriedade privada e seu
monoplio nas mos de uma classe, que permite que o proprietrio subjugue
queles desprovidos da posse da terra. A subjugao de uma classe sobre a outra
implica na extrao da renda da terra (ou fundiria), atravs da venda ou do aluguel
de fraes e da extrao dos lucros obtidos com as edificaes (NARDOQUE,
2007).
O estatuto jurdico que instituiu a propriedade privada da terra no Brasil foi a
Lei de Terras de 1850. A partir da, o Estado deixou de ser o detentor do domnio da
terra, que passou a ser de outra figura jurdica e de poder: do proprietrio. Esse
estatuto alm de impor o controle econmico e social, imps politicamente o
reconhecimento da propriedade privada da terra. Esse um marco importante no
processo de valorizao da terra, uma vez que tambm considerada uma espcie
de capital. Na verdade um falso capital, porque um valor que se valoriza, mas a
origem no na atividade produtiva (RODRIGUES, 1990, p.17).
Ento, o preo da terra, que no definido pelo valor da produo, se
equivale renda extrada da terra que auferida pelo seu proprietrio. A renda da
terra ou fundiria classificada basicamente sob trs formas: Renda Absoluta,
Renda Diferencial e Renda de Monoplio. Estas formas influem diretamente no
processo de reproduo ampliada do capital, onde se insere tambm a questo da
habitao. Nesse caso, a Renda da Terra Urbana se diferencia da Renda da Terra
35
extrada no campo, uma vez que esta ltima tem sua origem associada diretamente
ao processo produtivo.
A relao entre a casa e a propriedade da terra se d no seu processo de
valorizao. O preo da propriedade do solo urbano quem determina o preo da
habitao: construes idnticas em terrenos diferentes podem variar seus preos.
Este um aspecto da renda diferencial extrada, que varia em funo da localizao
e das vantagens infraestruturais auferidas na produo capitalista do espao. Outra
peculiaridade no processo de valorizao da casa a lgica invertida de
crescimento dos seus preos. A tendncia geral da Lei da Oferta e da Procura (de
diminuir o preo, conforme o aumento da oferta de novas edificaes sucumbe
diante da condio sui generis da habitao, isto , quanto mais casas entram
disposio no mercado, seu preo, de maneira geral, aumenta, ao invs de diminuir.
Talvez isso se explique pela lgica contraditria entre a distribuio da habitao e
da terra, uma vez que mais habitaes disponveis implicam em mais escassez de
solo, tornando seu preo ainda maior (RODRIGUES, 1990).
Dessa forma, a questo da habitao traz como mote geral a discusso
sobre a propriedade privada da terra e a acumulao de capital nas relaes de
produo capitalistas. O cerne da questo no est restritamente na concentrao e
na rarefao da oferta de habitaes, mas sim, no monoplio de uma classe sobre a
outra em relao ao acesso terra.
Trata-se, portanto, de considerar a explorao capitalista entre classes,
como j sinalizava Engels: Para pr fim a esta falta de habitao, h apenas um
meio: eliminar a explorao e opresso da classe trabalhadora pela classe
dominante [...] (ENGELS, 1887, p. 10). Esta assertiva alinhava o problema da
habitao aos principais pilares da sociedade capitalista, a propriedade privada da
terra e a opresso de uma classe sobre a outra.
Assim, Acumulao Primitiva de Capital, base da explorao capitalista, j
se anunciava como o pecado original econmico gestado pela propriedade privada
dos meios de produo: [...] o homem foi condenado a comer o po com o suor de
seu rosto. [...]. E desse pecado original data a pobreza da grande massa que at
agora, apesar de todo seu trabalho, nada possui para vender, se no a si mesma
(MARX, 1989 p.262).
Outras tendncias da economia poltica no sculo XIX tambm tratavam a
propriedade privada e seus males gerados na sociedade. O anarquista Pierre
36
Joseph Proudhon, ao definir a propriedade como O Roubo, preconizou seu
discurso na escravido do homem pelo homem10 e sua incompatibilidade com os
direitos naturais:
No precisarei fazer um grande discurso para mostrar que o poder de privar o homem do pensamento, da vontade e da personalidade, um poder de vida e morte e que fazer de um homem escravo significa assassin-lo. Porque ento, h essa outra pergunta: o que a propriedade? No posso responder simplesmente: um roubo, ficando com a certeza que me entendem, embora esta segunda proposio no seja mais que a primeira transformada. (PROUDHON, 1997, p. 11).
Apesar das dissonncias entre as perspectivas marxistas e as anarquistas
pode-se convergir as duas leituras na crtica propriedade privada, que o germe
das relaes capitalistas de produo e das suas contradies. Assim um exame
apurado da habitao e da terra como mercadorias no capitalismo exige estas
aproximaes. A questo habitacional necessita de uma leitura mais ampla,
sobretudo nas questes inerentes ao modo de produo, melhor dizendo,
reforando uma leitura para alm do carter finalista ou positivista da falta da
habitao em si. Enfim, a preocupao no enredar numa compreenso em que
as partes estivessem alijadas do comportamento do todo, como se a questo da
habitao no estivesse ligada aos problemas do capitalismo (OLIVEIRA, F., 1988).
Nesse sentido destacou-se na obra de Marx e nos seus desdobramentos em
estudos de Harvey (1980), Singer (1979), Rodrigues (1990), Nardoque (2007) e
outros autores, atravs de uma singela compilao de algumas definies gerais
sobre a Renda Fundiria ou da Terra, a qual se classifica, conforme j dito, sob trs
formas: a Renda Absoluta, a Renda de Monoplio e Renda Diferencial.
A Renda Absoluta o valor cobrado pelo simples direito ocupao,
podendo ser para produo ou pela moradia. Tal valor conferido em funo do
monoplio da propriedade da parte do possuidor da terra, que estabelece um tributo
que representa parte do valor de troca, podendo ser cobrado pelo aluguel ou pela
venda de uma frao da propriedade.
A Renda de Monoplio, como o prprio nome j diz renda extrada pela
exclusividade de vantagens locacionais ou pelas caractersticas especficas
10
Homem no sentido de sociedade
37
(individuais) da frao da terra. Algumas tendncias da leitura marxista no
diferenciam a Renda de monoplio da Renda absoluta, como o caso de Harvey
(1980), que apesar de tratar a Renda Absoluta num contexto mais amplo do que a
Renda de Monoplio, insere as duas no contexto do monoplio de uma classe sobre
a outra em relao ao acesso terra.
A Renda Diferencial auferida dentro do prprio sistema de circulao de
capital, especialmente pela concorrncia entre os proprietrios capitalistas. Ela
tambm pode ser classificada em dois tipos derivados: a Renda Diferencial I e II. A
primeira constitui-se por vantagens locacionais, podendo ser por aspectos naturais
ou at mesmo, pela proximidade aos centros de consumo e produo. No caso da
segunda, aufere-se renda atravs dos investimentos em infraestruturas necessrias
reproduo e acumulao, como por exemplo, o sistema de transportes e a malha
viria que garantem mais acessibilidade urbana e maior possibilidade de circulao
do capital.
Nos termos da apropriao do espao pelo capital, alm da Renda Absoluta,
a Renda Diferencial assume importncia fundamental, tanto na produo como na
organizao das cidades:
Sendo a cidade uma imensa concentrao de gente exercendo as mais diferentes atividades, lgico que o solo urbano seja disputado por inmeros usos. Esta disputa se pauta pelas regras do jogo capitalista, que se fundamenta na propriedade privada do solo, a qual por isso e s por isso proporciona renda e, em conseqncia, assemelhada ao capital. [...] o capital gera lucro na medida em que preside, orienta e domina o processo social de produo [...] o espao apenas uma condio necessria realizao de qualquer atividade, portanto tambm da produo [...] a ocupao do solo apenas uma contingncia que o seu estatuto de propriedade privada torna fonte de renda para quem a detm. (SINGER, 1979, p. 21).
Nesse sentido, os mecanismos de segregao espacial esto imbricados no
processo de ampliao e reproduo da Renda Fundiria. As relaes entre a
distribuio e organizao das terras/habitaes no espao urbano obedecem esta
lgica do capital e por isso permite ampliar no entendimento sobre a base da
existncia do capitalismo em nossas cidades. Mais adiante, a anlise dos
expedientes da reproduo capitalista intermediado pelos programas habitacionais,
principalmente o BNH, mostrar como a ampliao das estruturas atravs da
produo e organizao do espao, intermediados pelo Estado, permitiu expandir os
38
mecanismos de expanso da Renda da Terra, especialmente o preo dos imveis.
Assim, o Estado, o gestor dos projetos do BNH, ao mesmo tempo se torna um
grande industrial, consumidor de espao, de localizaes especficas, proprietrio e
promotor imobilirio, em que dispe para usos diversos no futuro, at mesmo na
articulao entre os diferentes agentes produtores do espao urbano, quando se
trata da poltica habitacional (CORREA, 1995).
2.6 HABITAO E A IDEOLOGIA NA CIDADE
Alm da expanso da propriedade privada atravs da produo habitacional,
existem outros aspectos que permitem ampliar o entendimento sobre a reproduo
das relaes capitalistas. Um exemplo disso so as ideologias que se propagam em
torno da necessidade do habitar. A habitao, desde a gnese do capitalismo
moderno, expressou o carter de classe da cidade, a segregao socioespacial,
bem como as estratgias de expanso do capital. Se por um lado, a distribuio e
localizao espacial das habitaes sinalizavam condies histricas do conflito de
classe da cidade, por outro, a concesso do habitar produzia no campo simblico, a
ideologia do Homem em Transio, sobretudo, pela sucesso de realizaes no
marco da economia capitalista, que atingiam principalmente o trabalhador: o
principal sujeito histrico da superao das contradies de nossa sociedade:
Como ser em transio, operrio se determina como sucesso de realizaes (efetivas ou apenas aspiradas) gradativamente superiores de ser mercadoria, no operariado e na categoria dos trabalhadores no manuais assalariados; e, quando vem a participar dos pequenos proprietrios urbanos ou almeja dela participar, continua a aceitar para os outros, o ser mercadoria. O operrio em transio atinge exemplarmente o que para maioria permanece aspirao irrealizada: a categoria pequeno proprietrio urbano. (FERRO, 2006, p. 65-66).
Essa transfigurao de um Ser pautado nas necessidades para um Ser,
pautado em mercadorias uma das bases do controle social. Se nas condies
concretas da cidade evidente o modo de produzir a cidade de forma normatizadora
e classista, nas condies simblicas fica clara a transfigurao das necessidades
essenciais do Ser Humano em aspiraes da sociedade burguesa.
39
Vrios estudos e levantamentos buscaram identificar a relao entre
propriedade da habitao e atitudes conservadoras na sociedade. Bonduki (1988),
por exemplo, destacou a simbologia da habitao no progresso material do
trabalhador que dava estabilidade ao regime e contrapunha-se s ideias socialistas
e comunistas. J Blay (1978) e Peruzzo (1984) identificaram as estratgias de
dominao desde o Estado Colonizador, que se utilizava da senzala como soluo
para o problema habitacional, colocando o escravo sob a gide do senhor, passando
at as etapas superiores do Estado Moderno, que utilizava da construo de vilas
operrias e dos massivos conjuntos habitacionais, como forma de controle da fora
de trabalho.
No perodo descrito na pesquisa, o marco temporal o Regime Militar, que
atravs do BNH, empregou um lema central: Um proprietrio a mais, um proletrio a
menos (PERUZZO, 1984). Alm da estratgia de controle, propagaram-se as
expectativas de um desenvolvimento harmnico e integrado das cidades, conforme
trata tratado no Relatrio de Avaliao de 1974:
Firme convico de que o indivduo e sociedade, longe de se opores como pontas de um dilema, podem e devem conciliar-se num justo equilbrio, nico penhor seguro de uma organizao social feliz e duradoura. [...] Servindo ao Brasil e ao povo brasileiro, sob orientao do Ministrio do Interior, o Banco Nacional da Habitao BNH conta, ao longo de seus primeiros dez anos de atuao, uma histria ntima e profunda participao no esforo de todos para que se acelere cada vez mais a construo harmnica da sociedade Brasileira.(BRASIL, 1974, p. 11-12).
Nesse sentido vivel considerar que as ideologias propagadas em torno da
casa prpria se do para alm da casa em si. A abordagem finalista11, ao tentar
resolver o problema da falta de moradia, na verdade, amplia o espectro de
estratgias de controle econmico, poltico e social em torno da questo, sobretudo,
ao difundir a propriedade e acesso privado habitao. Trata-se, portanto da
necessidade de considerar as relaes entre capital, trabalho e Estado,
mediatizadas principalmente por este ltimo, j que a iniciativa privada por si s, no
resolve o problema da habitao, somente por meio do intenso parcelamento do
solo e da expanso das edificaes.
11
Est abordagem foi criticada por Francisco Oliveira ao falar da questo habitacional como sinnimo de dficit habitacional, separando decises econmicas das decises polticas em torno do tema.
40
Historicamente, a natureza dos problemas sociais se confundiu com as
solues e sadas para o desenvolvimento e superao das crises cclicas do
capitalismo. Elegem-se problemas especficos a fim de se retroalimentar a circulao
do capital e as relaes de produo. Assim a natureza falsa dos problemas sociais
raptada ou apropriada pela ideologia dominante na figura dos governos e dos
rgos de poder, por que:
Os governos e os grupos no poder enfrentam problemas reais, particulares e determinados, de cuja soluo depende da sua possibilidade de manter-se enquanto poder. Porm, o carter particular, e no universal desses problemas reais exige que a sua verdadeira natureza seja transfigurada para que possam assumir significado compatvel com a vontade popular. Em sntese, este o processo pelo qual a ideologia mascara os problemas do real e os substitui pelos falsos problemas. Isto formulam-se os problemas que no se pretende no se espera e nem seria possvel resolver, para legitimar o poder e para justificar medidas destinadas a satisfazer outros propsitos. (BOLAFFI, 1979, p. 40-41).
No se trata, contudo, de desconsiderar o problema habitacional, e sim,
consider-lo dentro das contradies capitalistas. Numa economia de mercado, o
nmero do dficit habitacional exatamente o mesmo nmero das pessoas aptas a
comprar, ou seja, o prprio conceito de dficit tomado a partir das necessidades do
capital. Talvez a pergunta chave no seja somente sobre o fato de no se produzir
habitaes suficientes, mas sim porque se produz e quais as relaes polticas,
sociais, culturais e econmicas que se do em torno da questo habitacional.
Se por um vis, a expanso da habitao significa expandir a propriedade
privada e o capital, por outro vis, ela estabelece uma srie de estratgias
ideolgicas em torno da casa prpria (uma das maiores aspiraes do Ser Humano).
O proletariado se transforma, atravs da aquisio da habitao, no pequeno
proprietrio urbano, a relao inicial que se tinha pelo uso direto passa a ser
delimitada pelos valores de troca, como a ampliao do imvel, o aluguel e as
melhorias arquitetnicas. Para a ideologia burguesa a aquisio da habitao figura
como expresso concreta da ascenso e do status social, principalmente pela via de
investimento do excedente de capital e ampliao do status social, como forma de
privilgio de elite, atravs das ornamentaes e caractersticas arquitetnicas de alto
luxo e padro.
41
A questo central se d entorno dos limites e possibilidades do progresso da
humanidade atravs da propagao da propriedade da habitao, uma vez que a
mesma pode ser um elemento importante da expanso do capitalismo12.
O conceito de ideologia, trabalhado desde Marx, passando por estudos
marxistas posteriores13 sinaliza a construo de iderios, imaginrios, desgnios e
identificaes que visam escamotear o conflito de classes, dissimular a dominao,
e ocultar a singularidade do particular, atribuindo a ele, uma aparncia universal.
Nesse caso tambm se insere a questo da habitao, quando as respostas aos
seus problemas se confundem com as respostas do todo da economia poltica.
Enfim, a ideologia dominante trata o problema da habitao como dficit
habitacional, que nos marcos da economia poltica burguesa, refora algumas
contradies como: a expanso da propriedade privada, que de fato, torna o preo
da habitao cada vez maior e seu acesso cada vez mais escasso. Os discursos em
torno do acesso pela e para a classes mais pobre ampliam as estratgias de
controle da fora de trabalho, por meio do atrelamento direto entre regime de
trabalho, endividamento e intensificao da explorao do trabalho. No campo do
capital financeiro amplia-se o sistema de crdito e o sistema de juros. No campo
produtivo incentiva-se a indstria da construo civil, a siderrgica e a gerao de
empregos sazonais, diante do contexto de precarizao do trabalho, difunde-se
ento, uma srie de estratgias que se confundem com as prprias necessidades do
das necessidades do sistema capitalista.
12
Vale destacar que em alguns casos prevalece o aluguel, at mesmo de carter social, embora, o aluguel no esteja desvinculado da propriedade privada e seus desgnios capitalistas. 13
Com base em Lefebvre, Harvey, Lenin, Gramsci e outros.
42
3 A CIDADE PS-FORDISTA E A NOVA LGICA ESPACIAL DOS
INVESTIMENTOS URBANOS EM JUIZ DE FORA
A cidade, assim chamada ps-fordista, caracterizada pela derrocada do
modelo fordista da produo. Essa cidade deixa de ser dotada de aspectos da
produo em massa e da racionalidade espacial dos equipamentos, que
reproduziam as caractersticas desse modelo no processo urbano. Instala-se no
Brasil a partir do final dos anos 70 e assume forma no que se considera acumulao
flexvel, o que Harvey (2007) define como uma mudana dos padres do
desenvolvimento desigual entre os setores da economia e as regies geogrficas:
A acumulao flexvel como vou cham-la, marcada por um confronto direto com o fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padres de consumo. [...] A acumulao flexvel envolve rpidas mudanas dos padres do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regies geogrficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado setor de servios, bem como conjuntos industriais completamente novos em regies at ento subdesenvolvidas [...] (HARVEY, 2007, p. 140).
A despeito de uma ideia que atribui acumulao flexvel como uma srie
de mudanas somente no sistema produtivo, esse momento tambm representou
novas formas de produzir e regular a cidade. A reestruturao produtiva,
acompanhada da ampliao do tercirio e do recuo paulatino do Estado no
provimento das polticas sociais deu cidade uma nova forma, cada vez mais difusa
e dispersa (FERNANDES, 2008).
A cidade ps-fordista se caracteriza por no se organizar mais dentro de
uma condio de racionalizao da produo, em que as reas atendiam as
necessidades exclusivas da indstria. Alm disso, o arranjo/organizao espacial
das cidades no contexto ps-fordista se d de maneira bem difusa e descentralizada
dos centros adensados de maior investimento. Como concretizao desta mudana
em Juiz de Fora, tem-se a instalao de shopping centers, bancos, indstrias,
centros comerciais, etc., e um conjunto de variados equipamentos urbanos em
zonas perifricas de grandes cidades, os quais ressignificaram os limites tericos e
prticos dessa nova feio de cidade.
43
Dessa forma foi possvel constatar uma srie de intervenes urbanas que
reafirmaram sua primazia no setor de prestao de servios, por meio da
implantao de novos fixos e fluxos territoriais. A UFJF, criada nos anos 60, porm
ampliada nos anos 70 e 80, a implantao do BR-040, importante via de ligao da
cidade rede RJ-SP-BH, a Avenida Independncia (atual Avenida Itamar Franco),
importante malha de encontro do centro regio Oeste da Cidade, a Empresa
Brasileira de Agropecuria (Embrapa), o cinturo hospitalar e de servios de
Sade14, no percurso entre esta regio e a rea central da cidade com redes de lojas
e servios em geral. No eixo Norte/Noroeste, a espacializao diversificada dos
equipamentos tambm marcante. As Avenidas Brasil e Juscelino Kubitscheck
representam importantes corredores de equipamentos industriais e de servios no
sentido Belo Horizonte, formados por centros de apoio logstico, portos-secos,
oficinas de manuteno, indstrias siderrgicas e metalrgicas nas margens da BR
04015.
Um marco dessas intervenes urbanas do final dos anos 70 foi o projeto
CPM, Centro de Porte Mdio, vinculado ao BID, Banco Interamericano de
Desenvolvimento. Em suma, o projeto visava o desenvolvimento da cidade sob a
perspectiva de uma rede urbana mais equilibrada. Vale mencionar que o projeto foi
vinculado ao Ministrio do Interior (MINTER) e integrado ao II Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND):
Juiz de Fora recebeu verbas e assessoria tcnica para operar sobre 3 metas: investimento em infraestrutura e servios urbanos, gerao de emprego e renda e melhoria da administrao pblica. At o final do projeto entorno de 1984 a cidade efetivamente promoveu uma reurbanizao da rea central da cidade, redirecionou novas vias de acesso e reestruturou o sistema de transportes (MENEZES, 2003, p. 4).
O Projeto CPM estabeleceu em 1977, a criao do Instituto de Pesquisa e
Planejamento (Ipplan), procurando institucionalizar o planejamento, bem como os
mecanismos modernizadores do espao, a partir de algumas diretrizes:
14
Agncia de Cooperao de Sade do P da Serra (Acispes), Hospital Universitrio Centro de Ateno Sade (HU/CAS),Hospital Monte Sinai 15
Entre as Avenidas Brasil e Kubitscheck e a BR-040 forma-se um verdadeiro arco de empreendimentos de servios e indstrias em geral. A BR-040 corre paralela JK, que foi durante muitos anos a nica via de acesso entre Juiz de Fora e Belo Horizonte.
44
Procurando institucionalizar o planejamento, a atual administrao criou em 1977, o Instituto de Pesquisa e Planejamento de Juiz de Fora. Uma equipe que rene engenheiros, arquitetos, economistas, advogados, gegrafos e pessoal de nvel tcnico, aliada a uma estrutura adequada, permitiu ao Instituto coordenar a implantao de mecanismos modernizadores, tais como o controle oramentrio, a poltica de uso do solo e a proteo ambiental, o assessoramento tcnico e a poltica de transito e transportes entre outros. [...] O plano de uso e ocupao pretende, juntamente as diretrizes do Plano Geral de Trnsitos e Transportes dotar a cidade de um instrumento adequado ao controle e ordenao da expanso do espao urbano. (JUIZ DE FORA, 1977, Caixa CPM/BRID).
Do ponto de vista do plano, a cidade passa a ser dotada de um conjunto de
infraestruturas tcnicas e cientficas para garantir a descentralizao produtiva dos
investimentos, sob a perspectiva da regulao ps-fordista. Sobre este aspecto,
Fernandes (2008), ao citar o exemplo do Rio de Janeiro, nos permite ilustrar um
movimento similar em Juiz de Fora: a eminncia do planejamento estratgico, que
buscava conduzir a expanso urbana dentro da lgica do urbanismo de resultados e
ao sabor da mo invisvel do mercado:
Do ponto de vista da regulao das cidades ps-fordistas este quadro ganhou mais nitidez no incio da dcada de 90, quando o poder local assumiu a adoo do chamado planejamento estratgico, que busca conduzir o desenvolvimento urbano atravs de projetos e vetores estruturantes que ao sabor do mercado e da colaborao do Estado devem articular os diversos fragmentos metropolitanos de interesse dos agentes globais. [...] (FERNANDES, 2008 p. 14).
No caso especfico de Juiz de Fora, o plano estratgico introduzido, trazia a
influncia da experincia do Plano de Barcelona, por meio do Secretrio Municipal
de Desenvolvimento Econmico (SMDE), Joo Carlos Vitor Garcia, no governo do
engenheiro Tarcsio Delgado em 1997. Conforme menciona M. M. Oliveira (2006):
Joo Vitor conhecia o Planejamento Estratgico no s pela realizao do Plano da
Cidade do Rio de Janeiro, mas todo o processo de planejamento estratgico urbano,
a experincia de Barcelona16 (OLIVEIRA, M. M., 2006, p. 70).
O conhecimento da parte da Prefeitura (PJF) em relao experincia de
Barcelona tornou-se possvel atravs da participao no Seminrio Internacional:
Cidades Latino- Americanas e do Caribe no Novo Sculo, espao organizado pelo
Centro de Ibero americano de Dessarollo Urbano (Cideu) em 1993, e que de certa
16
Este trecho parte da entrevista concedida pelo secretrio M. M. Oliveira (2006).
45
forma, possibilitou a discusso sobre os rumos das cidades dentro da perspectiva de
construo do Plano Estratgico para Juiz de Fora (OLIVEIRA, M. M., 2006).
Dessa forma e ao sabor do mercado, se desenvolvia o espao urbano de
Juiz de Fora. Reforava-se a terminologia: Cidade de Resultados:
Este um momento singular para Juiz de Fora. A cidade precisa planejar seu futuro e estabelecer horizontes desejveis e alcanveis. Definir metas e objetivos e formas de alcan-los, estabelecendo o desenvolvimento organizado, assegurando e melhorando seus indicadores sociais. Desenvolve-se de forma integrada com seu entorno, evitando fortes desequilbrios regionais e polarizaes indesejadas (JUIZ DE FORA, 2000b, p.17).
Juiz de Fora, alm de mudanas no seu padro de expanso urbana, sofreu
impactos na distribuio de sua fora de trabalho e de sua mobilidade por setores da
economia, modificando seu perfil, conhecido historicamente como industrial. A
alcunha de Manchester Mineira sucumbia desde meados do sculo XX, o que ficou
ainda mais evidente com a crise do modelo fordista. As estratgias econmicas
para regulao da cidade vinham se estruturando desde o final dos anos 70. A
criao dos distritos industriais I e II, nas regies Norte e Noroeste, a instalao das
siderrgicas Mendes Jnior (atual grupo Arcellor Mittal), a Paraibuna de Metais
(atual grupo Votorantin) e a Montadora Mercedes Bens (grupo Daimler Chrysler)
constituiu uma tentativa de enfrentar a crise do modelo fordista.
Apesar do ligeiro avano da participao do setor industrial no PIB entre as
dcadas de 80 e 2000, o valor do setor da prestao de servios aumentava,
passando para 63,9% da economia entre os anos 85 e 95, ao passo que a indstria
era de 35,4% da composio setorial do PIB neste mesmo perodo (GONALVES,
1998). Confrontou-se com alguns diagnsticos oficiais como o Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano (1999) e foi possvel identificar algumas destas mudanas
dos setores da economia no PIB da cidade. A partir de 1995, o que se tinha eram
25.545 estabelecimentos, dentre eles 4.135 industriais, 10.053 comerciais, 11.320
de servios e 37 no setor agropecurio, pesca e agricultura.
Outro aspecto da reestruturao econmica de Juiz de Fora a ampliao
do seguimento comercial, que agrega 39,4% dos estabelecimentos da cidade, sendo
que 69,7% concentram-se no centro, ocupado durante dcadas pelo setor industrial.
Se somar-se os estabelecimentos comerciais aos de servios, teremos 83,7% do
46
total dos estabelecimentos econmicos. Quanto localizao do setor de servios
concentra o maior nmero no setor Centro, cerca de 70% (GONALVES, 1998).
Outros dados do PDDU (JUIZ DE FORA, 1999) tambm mostram a
modificao da estrutura econmica da cidade pelos setores e nmeros de
empreendimentos ativos do municpio (Tabela 1):
Tabela 1