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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA SALVADOR 2012 UFBA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA POLITÉCNICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA INDUSTRIAL - PEI DOUTORADO EM ENGENHARIA INDUSTRIAL DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE PROCESSOS E PRODUTOS MARCELO GERALDO TEIXEIRA O MÉTODO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA APLICADO À ARTICULAÇÃO ENTRE O ARTESANATO TRADICIONAL E O MERCADO URBANO: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESIGN

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA

SALVADOR 2012

UFBA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA POLITÉCNICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

ENGENHARIA INDUSTRIAL - PEI

DOUTORADO EM ENGENHARIA INDUSTRIAL DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE PROCESSOS E PRODUTOS

MARCELO GERALDO TEIXEIRA

O MÉTODO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA APLICADO À ARTICULAÇÃO ENTRE O

ARTESANATO TRADICIONAL E O MERCADO URBANO:

UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESIGN

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA POLITÉCNICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA INDUSTRIAL

DOUTORADO EM ENGENHARIA INDUSTRIAL

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE PROCESSOS E PRODUTOS

MARCELO GERALDO TEIXEIRA

O MÉTODO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA APLICADO À ARTICULAÇÃO ENTRE O ARTESANATO

TRADICIONAL E O MERCADO URBANO: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESIGN

DEZEMBRO DE 2012

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MARCELO GERALDO TEIXEIRA

O MÉTODO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA APLICADO À ARTICULAÇÃO ENTRE O ARTESANATO

TRADICIONAL E O MERCADO URBANO: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESIGN

Tese apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Engenharia Industrial (PEI) da

Escola Politécnica da Universidade Federal da

Bahia como requisito parcial para obtenção do

grau de Doutor.

Orientadores:

Prof. Dr. Asher Kiperstok Prof. Dr. Sandro Fábio César

DEZEMBRO DE 2012

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

CONTATO COM O AUTOR

[email protected]

Esta tese foi formatada para a impressão frente e verso ECONOMIZE PAPEL

T266m

Teixeira, Marcelo Geraldo.

O método da pesquisa - Ação adaptada aplicada à articulação entre o artesanato tradicional e o mercado urbano: uma contribuição para o design./Marcelo Geraldo Teixeira. - Salvador, 2013.

266f.; il. color. ; 30 cm. Orientadores: Prof. Dr. Asher Kiperstok, Prof. Dr. Sandro Fábio César Tese (Doutorado em Engenharia Industrial)) - Universidade Federal

da Bahia. Escola Politécnica, 2013. . 1. Pesquisa-ação. 2. Artesanato tradicional. 3. Design. I.

Kiperstok, Asher. César, Sandro Fábio. II. Título.

CDU: 745

Ficha catalográfica elaborada por: Helena Maria Souza dos Santos CRB/ 5-1196

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O MÉTODO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA APLICADO À ARTICULAÇÃO ENTRE O ARTESANATO TRADICIONAL

E O MERCADO URBANO: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESIGN

Marcelo Geraldo Teixeira

Tese submetida ao corpo docente do programa de pós-graduação em Engenharia Industrial da Universidade Federal da Bahia como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau

de doutor em Engenharia Industrial. Examinada por: Prof. Asher Kiperstok, D.Sc. Doutorado em Engenharia Química pela Manchester Institute of Science and Technology (1996) Universidade Federal da Bahia

Prof. Sandro Fábio César, D.Sc. Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002) Universidade Federal da Bahia

Profa. Lia Krucken Pereira, D.Sc. Pós-Doutorado em Desenho Industrial pela Politecnico Di Milano (2011) Universidade do Estado de Minas Gerais

Prof. Eugenio Andrés Díaz Merino, D.Sc. Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000) Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Aguinaldo dos Santos, D.Sc. Pós-Doutorado em Design Sustentável pelo Politecnico Di Milano (2009) Universidade Federal do Paraná

Prof. Ordep José Trindade Serra, D.Sc. Doutorado em Ciência Social pela Universidade de São Paulo (1997) Universidade Federal da Bahia

Salvador, BA – BRASIL Dezembro/2012

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família, nesta época com dois filhos pequeninos, Juliana, com nove anos e Luciano com cinco, que suportaram a minha ausência durante essa fase tão exaustiva da minha vida. Cada minuto longe deles foi como uma eternidade. Agradeço em especial à minha compreensiva esposa, Idalícia, que me suportou, principalmente nos momentos de mau humor.

Minha eterna orientadora, minha mãe e doutora em História, Marli, que dispenso elogios pela sua competência e que sobra em amor;

Ao meu pai Itaraci. Meu verdadeiro amigo, que sentiria orgulho se estivesse no nosso mundo. Mas de onde estiver, sei que está me apoiando;

Aos professores orientadores: Prof. Dr. Asher Kiperstok e Prof. Dr. Sandro Fábio César, pela oportunidade do doutoramento;

Ao grande amigo e meu eterno professor Jaime Sodré, sempre presente e determinante;

Aos professores doutores: Julio Braga, Cláudio Pereira, Alda Muniz Pepe e Biagio Avena, que acreditaram no meu esforço, me orientaram e ajudaram a enfrentar muitos obstáculos deste doutorado;

À Profa Ms. Patricia Navarro que me ajudou na discussão e na bibliografia da pesquisa etnográfica;

À Laura Catarina, pela imensa ajuda com os contatos em Giral Grande e com as conversas muitíssimo esclarecedoras;

A minha aluna de Design de Moda, Gleice Quele, que me ajudou na análise dos enxovais durante as visitas no hotel.

Aos Gerentes do Hotel Villa Bahia, Bruno e Lílian, que me receberam de maneira muito gentil.

Ao Sr. Billy Arquimimo, coordenador do Departamento de Turismo Étnico Afro, da Bahiatursa, que me ajudou nos contatos com os hotéis.

Os amigos Domingos Oliveira, Caroline Barreto, José ZW Wilker e Laís Santana, Suzana Luci, Jean Claude, Ana Paula Cordeiro e em especial a Eudaldo Filho, o parceiro de muitas piadas, risadas e discussões em design;

À Dona Maruzinha, da Comunidade de Diogo, que sempre me recebeu com sorriso e sabedoria.

E, lógico, minha sogra, Dona Dulce

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Dedico à:

Minha mãe Marli

Meu pai Itaraci (in memorian)

Minha esposa Idalícia

Minha filha Juliana

Meu filho Luciano

Minha irmã Isa

Minha família

Meu tesouro

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Todas as grandes coisas são simples. E muitas podem ser expressas numa só palavra: liberdade; justiça; honra; dever; piedade; esperança.

Winston Churchill

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Dedico atenção especial e agradeço à família Calheiros, que constitui a Comunidade Quilombola de Giral Grande, principalmente às irmãs que tanto

me ajudaram: Tânia e Mara MUITO OBRIGADO

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TEIXEIRA, Marcelo Geraldo. O método da Pesquisa-ação Adaptada aplicado à articulação entre o artesanato tradicional e o mercado urbano: Uma contribuição para o design. Tese (Doutorado em Engenharia Industrial). Escola Politécnica. Universidade Federal da Bahia. Salvador.

RESUMO

Este trabalho tem como tema a relação entre Design e artesanato desenvolvida através de aplicação e teste de um método de pesquisa aqui denominado de Pesquisa-ação Adaptada, que promoveu a aproximação entre o artesanato produzido por uma comunidade tradicional rural, a Comunidade Quilombola de Giral Grande, e o mercado urbano, representado pelo Hotel Villa Bahia, na cidade de Salvador. O problema que orientou a pesquisa procurou investigar as ações mais adequadas para promover o acesso de produtos artesanais ao mercado urbano preservando as características identitárias da comunidade produtora. A hipótese testada sugeriu que o referido acesso dependeria da aplicação de um método específico de pesquisa capaz de promover a intermediação entre os dois universos e a adequação dos produtos artesanais gerados pela comunidade às exigências do mercado urbano, sem prejuízo de suas características identitárias. A tese defendida foi a de que a aplicação de um método de pesquisa e intervenção em uma comunidade tradicional rural permitiria a organização de formas de acesso de componentes do seu repertório cultural ao mercado urbano, preservando as características identitárias de origem. Seu objetivo geral propôs a aplicação de um método de pesquisa e intervenção capaz de promover o acesso de produtos artesanais oriundos dessas comunidades ao mercado urbano, mediante a intermediação entre esses dois universos e a adequação dos referidos produtos aos requisitos estabelecidos por aquele mercado, preservando as características identitárias do produto da comunidade de origem. O método proposto foi denominado de Pesquisa-ação Adaptada que, tomando como base o método de pesquisa-ação proposto por Thiollent, inseriu e adaptou neste método, de forma interdisciplinar, ferramentas dos métodos da pesquisa etnográfica, da observação participante, do estudo de caso e de metodologias em design. A Pesquisa-ação Adaptada, aplicada na comunidade Quilombola de Giral Grande, permitiu sua intermediação com o mercado urbano e a adequação de um produto do seu artesanato aos requisitos estabelecidos pelo referido estabelecimento hoteleiro. A aplicação do método proposto alcançou como resultados a geração de uma identidade visual aplicada nos produtos artesanais elaborados pela comunidade e a produção de protótipos de peças artesanais requeridas pelo estabelecimento hoteleiro. Estas peças expressaram a preservação da identidade cultural da comunidade de origem resultando na sua aceitação tanto na própria comunidade quanto no mercado urbano.

Palavras Chave:

Pesquisa-ação, artesanato tradicional, design.

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TEIXEIRA, Marcelo Geraldo. The method of Adapted Action-research applied to the relationship between traditional hadicrafts and the urban market: A contribution to the design. Thesis (Ph.D. in Industrial Engineering). Polytechnic School. Federal University of Bahia. Salvador.

ABSCTRACT

This work has as its theme the relation between design and craftworks developed through application and testing of a research method called here Adapted Action-Research, which promoted the approach between the craftworks produced by a traditional rural community, the Quilombola Community of Giral Grande and the urban market, represented by the Hotel Villa Bahia, in Salvador. The problem that guided the research sought to investigate the most appropriate actions to promote the access of handmade products to the urban market while preserving the identitary characteristics of the producing community. The tested hypothesis suggested that such access would depend on the application of a specific method of research capable of promoting the intermediation between the two universes and the adjustment of handmade products generated by the community to the demands of the urban market, without prejudice to their original identitary characteristics. The argument held was that the application of a research method and the intervention in a traditional rural community would allow the organization of forms of components access of their cultural repertoire to the urban market, preserving the original identitary characteristics. Its general goal has proposed the application of a method of research and intervention capable of promoting the access of handicraft products arising from these communities to the urban market, by the intermediation between these two universes and the adjustment of such products to the requirements set by that market, preserving the identitary characteristics of the product of the original community. The proposed method was called Adapted Action-Research that, based on the method of action-research proposed by Thiollent, inserted and adapted in this method, in an interdisciplinary way, tools ethnographic research methods, of the participant observation, of the case study and of design methodologies. The Adapted Action-Research applied in the Quilombola Community of Giral Grande allowed its intermediation with the urban market and the adjustment of a product of its craftworks to the requirements set by the referred hotel establishment. The application of the proposed method achieved as results the generation of a visual identity applied in handicraft products produced by the community and in the production of prototype of handicrafts pieces required by the hotelier. These pieces expressed the preservation of the cultural identity of the community of origin resulting in its acceptance both in the community and in the urban market. Keywords: Action research, traditional crafts, design.

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LISTA DE PUBLICAÇÕES EM PERIÓDICOS INDEXADOS

TEIXEIRA, Marcelo Geraldo. CÉSAR, Sandro Fábio. BRAGA, Julio Santana. KIPERSTOK, Asher. O papel do artesanato de retalhos como atividade de subsistência e como afirmação da identidade da comunidade quilombola de Giral Grande. Revista Afro-Ásia. CEAO. Salvador. 2011 Nº 44, p. 219 a 246.

TEIXEIRA, Marcelo Geraldo. BRAGA, Julio Santana. CÉSAR, Sandro Fábio. KIPERSTOK, Asher. Artesanato e desenvolvimento local: o caso da comunidade quilombola de Giral Grande - Bahia. Revista Interações (Campo Grande). Campo Grande, v. 12 n. 2 p. 127-296 jul./dez. 2011.

TEIXEIRA, Marcelo Geraldo. CÉSAR, Sandro Fábio, KIPERSTOK, Asher. Desenvolvimento de marca de identidade visual para uma comunidade quilombola: o caso de Giral Grande. Revista Educação Gráfica. UNESP. Bauru. V.15 – Número 02. p. 7-24. 2011.

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LISTA DE FIGURAS

01 Territórios de Identidade da Bahia 18 02 Artesanato Tradicional de Maragogipinho 22 03 Cerâmica no distrito de Coqueiros 23 04 Exemplos de artesanato de retalhos 29 05 Mapa do Recôncavo da Bahia 31 06 Distribuição quantitativa das Comunidades Quilombolas nas regiões do Brasil 42 07 Distribuição geográfica das Comunidades Quilombolas na Bahia 43 08 O entrudo no Rio de Janeiro, 1823 44 09 Artesanato em fibra e palha de bananeira, produzido por Comunidades

Quilombolas do município de El Dourado (SP) 47

10 Artesanato produzido por Comunidades Quilombolas do Rio Grande do Sul 48 11 Artesanato em fibra e palha de bananeira produzido pelas Comunidades

Quilombolas do Vale do Ribeira (SP) 49

12 Artesanato de cerâmica produzido pela Comunidade Quilombola de Muquém 50 13 Artesanato em casca de castanha-do-pará, produzido pelas Comunidades

Quilombolas de Oriximiná (PA) 50

14 A relação entre as dimensões do desenvolvimento sustentável 58 15 Proposta de metodologia de Design de Morris (2010) 74 16 Proposta de metodologia de Design de Ambrose e Harris (2011) 75 17 Proposta de metodologia de Rozenfeld et al (2006) 76 18 Representação gráfica da síntese metodológica do Design 78 19 Proposta de Thiollent de metodologia de Pesquisa-ação 80 20 Trabalho de artesã do Projeto KRE KYGFY 81 21 Cesta produzida no Projeto KRE KYGFY 81 22 Fases do planejamento da pesquisa-ação adaptada 100 23 Mapa da localização do município de Maragojipe 112 24 Paisagens das cercanias de Giral Grande com destaque do Rio Paraguaçu 113 25 Estrada de terra que dá acesso à comunidade 114 26 Casa Principal de Giral Grande, considerada como sede da comunidade 115 27 Demais casas localizadas na frente da comunidade. 115 28 Parte das etapas de fabricação de blocos de adobe 116 29 Casas de adobe da comunidade 116 30 Atividades econômicas de subsistência e comercial da comunidade 117 31 Peças do artesanato de retalhos 118 32 Localização do Hotel Villa Bahia 121 33 Os dois prédios do Hotel Villa Bahia no Terreiro de Jesus, Centro Histórico 121 34 Cabeceira de cama de casal feita a partir de porta de igreja descartada 123 35 Mesa para lavatório feita a partir de bancada de marcenaria descartada 123 36 Pia / lavatório duplo, feito a partir de coxo de madeira para alimentação de

porcos. 124

37 Um dos modelos de colchas brancas usadas nas unidades habitacionais 124 38 Exemplos do enxoval anterior, com estampas coloridas 125 39 A artesã Tânia Calheiros 126 40 Algumas peças do artesanato com retalhos 131 41 Exemplos de pelego feitos no local 132 42 Venda de retalhos nas feiras livres do município de Maragojipe 137 43 Seleção de matéria prima nas feiras livres de Maragojipe 137 44 Cadernos de desenho com os esboços da artesã 138 45 Detalhes de algumas colchas de pelego. 139 46 Seqüência do processo de criação e produção de um edredom a partir da

união de formas geométricas retangulares ou triangulares 139

47 Partes de edredons finalizados 140 48 48 O sistema produtivo do artesanato de retalho 143 49 49 Colcha mostrada à gerencia do hotel como exemplo do Artesanato de

Retalhos de Giral Grande 146

50 Edredom feito por comunidade tradicional rural do estado de Minas Gerais 146

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51 Colcha de cama feita em algodão cru e bordados, feito por uma comunidade tradicional rural do estado de Minas Gerais

147

52 Momentos da visita da artesã ao estabelecimento hoteleiro 148 53 Alguns dos painéis de exemplos de identidade visual apresentados aos

habitantes de Giral Grande 160

54 Tipos de letra apresentados à comunidade 161 55 Pranchas com alguns dos esboços feitos à mão livre 164 56 Etapas de construção da identidade visual 165 57 Alternativas apresentadas à comunidade 166 58 Alternativa final escolhida pela comunidade 166 59 Aplicação de cores na identidade visual 167 60 Imagens digitalizadas das etiquetas para o artesanato de retalhos 168 61 Desenhos das alternativas, realizados pela artesã 172 62 Partes da etapa produtiva 173 63 Partes da etapa produtiva: trabalho manual 174 64 Partes da etapa produtiva: aplicação das etiquetas 175 65 Apresentação do protótipo Azul 176 66 Apresentação do protótipo Quadrados Brancos 176 67 O protótipo 1, batizado pela artesã como “Quadrados Brancos” 177 68 O protótipo 2, batizado como “Caminhos Brancos” 178 69 O protótipo 3, batizado como “Azul” 179 70 Momento da entrega dos protótipos no hotel 183

LISTA DE QUADROS

01 Características de uma cultura tradicional 18 02 Tipos de artesanato em municípios do Recôncavo 34 03 Comunidades certificadas na Bahia entre 2004 à 2010 43 04 Características do artesanato produzido pelas Comunidades Quilombolas

exemplificadas 52

05 Componentes culturais preservados pelas Comunidades Quilombolas que as caracterizam como comunidades de cultura tradicional

53

06 Evolução do conceito de Design Sustentável e alguns conceitos correlatos 63 07 Produtos de design inspirados em produtos tradicionais 68 08 Proposta de adaptação da pesquisa-ação de Thiollent 95 09 Componentes da pesquisa-ação adaptada 97 10 Roteiro de entrevistas semi-estruturadas a ser aplicado na FASE I 104 11 Roteiro de entrevistas semi-estruturadas a ser aplicado na FASE II 106 12 Plano de ação 107 13 Roteiro de entrevistas semi-estruturadas a ser aplicado na FASE IV 110 14 Características da Cultura Tradicional Quilombola identificadas no

artesanato de retalhos de Giral Grande 145

15 Requisitos técnicos para a produção dos protótipos 152 16 Etapas metodológicas do desenvolvimento da identidade visual 157 17 Roteiro da entrevista semi-estruturada 158 18 Confrontamento das sugestões conceituais com os requisitos técnicos e

funcionais 163

19 Seqüência das ações durante o processo criativo e produtivo dos protótipos 170

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ABREVIAÇÕES INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

UH Unidade Habitacional

CAPA Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor

ONG Organização Não Governamental

ISA Instituto Socioambiental

ARQMO Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná

PET Politereftalato de Etileno

LBA Legião Brasileira de Assistência

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SUMÁRIO

RESUMO

ABSTRACT

LISTA DE PUBLICAÇÕES

LISTA DE FIGURAS

LISTA DE QUADROS

ABREVIAÇÕES

1 INTRODUÇÃO 1

1.1. O TEMA 1 1.2. PROBLEMÁTICA E TESE 3 1.3. OBJETIVOS 4 1.3.1. Objetivo Geral 4 1.3.2. Objetivos Específicos 4 1.4. UNIVERSO E NATUREZA DA PESQUISA 4 1.4.1. Universo da pesquisa 4 1.4.2. Natureza da pesquisa 5 1.5. DELIMITAÇÃO DA PESQUISA 5 1.6. JUSTIFICATIVA 6 1.7. INEDITISMO, ORIGINALIDADE E ADERÊNCIA AO PROGRAMA 7 1.8. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO 8 1.9. LINHA DE TEMPO DA PESQUISA 10

2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS 11

2.1. ABORDAGENS SOBRE CULTURA E ARTESANATO 11 2.1.1. A cultura: um processo dinâmico 13 2.1.2. Manifestações da cultura 14 2.1.3. Tradição e cultura tradicional 16 2.1.4. Território de Identidade 18 2.1.5. Artesanato e seu significado cultural 20 2.1.6. Produção artesanal e mercado 26 2.1.7. O artesanato de retalhos de tecidos 28 2.2 ABORDAGENS SOBRE O RECÔNCAVO DA BAHIA E SUA PRODUÇÃO ARTESANAL 30 2.2.1. Caracterização geográfica 30 2.2.2. Contexto sócio-econômico 31 2.2.3. Artesanato e política cultural no Recôncavo atual 33 2.3. ABORDAGENS SOBRE COMUNIDADES QUILOMBOLAS 37 2.3.1. Distribuição das comunidades quilombolas no Brasil e na Bahia 41 2.3.2. Caracterização da Cultura Quilombola 44 2.3.3. Exemplos de artesanato produzido por Comunidades Quilombolas

contemporâneas 46 2.3.4. Elementos comuns identificados no artesanato produzido pelas

Comunidades Quilombolas exemplificadas 51 2.4. ABORDAGENS SOBRE DESENVOLVIMENTO LOCAL 54 2.4.1. Desenvolvimento Sustentável e Desenvolvimento Local 54 2.4.2. Relações com a cultura 55

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2.5. ABORDAGENS SOBRE DESIGN 60 2.5.1. Design, sustentabilidade e cultura 61 2.5.2. Relações interdisciplinares entre Design e Antropologia Cultural 69

3 FUNDAMENTOS METODOLOGICOS 73

3.1. METODOLOGIAS DE DESIGN 73 3.2. PESQUISA-AÇÃO 78 3.3. PESQUISA ETNOGRÁFICA 82 3.3.1. Pesquisa etnográfica e design 84 3.3.2. O Informante Chave na Pesquisa Etnográfica 85 3.3.3. Seleção de ferramentas da pesquisa etnográfica 87 3.4. OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE 89 3.5. ESTUDO DE CASO 91 3.6. PESQUISA DOCUMENTAL 92

4 MÉTODO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA 93

4.1. ADAPTAÇÕES NO MODELO DE PESQUISA-AÇÃO 93 4.2. FERRAMENTAS METODOLÓGICAS USADAS NA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA 97 4.3. PLANEJAMENTO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA 100 4.4. DETALHAMENTO DAS AÇÕES NAS FASES DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA 102

5 APLICAÇÃO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA 111

5.1. FASE I - EXPLORATÓRIA 112 5.1.1. Contextualização e características da cultura da Comunidade

Quilombola de Giral Grande 112 5.1.2. Contextualização e características do estabelecimento hoteleiro 121 5.2. FASE II – ESTUDO DE CASO 126 5.2.1. A artesã como indivíduo representativo e estudo de caso 126 5.2.2. Características e identidade do artesanato de retalhos 130 5.2.3. O processo criativo da artesã 135 5.2.4. O processo produtivo da artesã 141 5.3. FASE III – PLANO DE AÇÃO 145 5.3.1. Necessidades e requisitos estabelecidos pelo Hotel 145 5.3.2. Intermediação: Visita da artesã ao hotel 148 5.3.3. Requisitos do hotel para o desenvolvimento da adequação 151 5.3.4. Adequação de produtos do artesanato de retalhos 152 5.3.4.1. Desenvolvimento da identidade visual para Giral Grande 153 5.3.4.2. Fundamentação teórica 153 5.3.4.3. Desenvolvimento da identidade visual 156 5.3.4.4. Aplicação da identidade visual em etiquetas 167 5.3.4.5. Finalização da etapa de desenvolvimento da identidade visual 168 5.3.5. Desenvolvimento dos protótipos 169 5.4. FASE IV - RESULTADOS 175 5.4.1. Apresentação e resultados dos protótipos na comunidade 175 5.4.2. Apresentação e resultados dos protótipos no hotel 183 5.4.3. Avaliação geral dos resultados alcançados 184 5.4.4. Feedback 186 5.4.5. Resultados Esperados 188 5.4.6. Possíveis efeitos colaterais 189

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 191 6.1. CONTRIBUIÇÃO CIENTÍFICA 193 REFERÊNCIAS 195 APÊNDICES 215

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1

INTRODUÇÃO 1

1.1. O TEMA

Esta tese tem como tema a relação entre design e artesanato na perspectiva de

uma proposta metodológica que possibilite o acesso da produção artesanal de

comunidades rurais ao mercado urbano, contribuindo para a organização do processo

de aproximação desses dois universos e as adequações que se fizerem necessárias. A

referência teórica mais abrangente que fundamenta a pesquisa relaciona-se com a

cultura, como o universo geral dentro do qual se inscrevem as diferentes expressões

de linguagem, artes, literatura, crenças, festas e técnicas de produção, dentre outras.

Nesse contexto cultural ocorre a relação do design com o artesanato, focalizada neste

trabalho. Ambos representam expressões da cultura.

O design pode ser entendido como uma atividade interdisciplinar que envolve

processos criativos, conhecimentos técnicos, contextos culturais e fatores humanos

dentre outros, voltados para a satisfação de necessidades e desejos individuais e

coletivos. Morris (2009, p. 6) entende que “para alguns o Design tem a ver com

criatividade e criação. Para outros, é uma habilidade ou uma arte. E ainda há quem

afirme que o processo é tudo”. Seu caráter interdisciplinar e flexível constitui-se em

um dos instrumentos para a criação, renovação, inovação e agregação de valor a

produtos novos ou já existentes, a exemplo de produtos artesanais.

O artesanato, por sua vez, pode ser entendido como uma atividade que engloba

múltiplos aspectos, quais sejam: expressão de identidade, fonte de trabalho e renda,

atividade lúdica e zelo pela manutenção de uma tradição. Sua prática está

diretamente associada ao contexto cultural onde acontece e, portanto, podem ser

encontradas diferentes formas de produção, técnicas de execução, materiais

utilizados, significados atribuídos, formas de participação comunitária e distribuição

dos benefícios dele decorrentes.

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A atividade artesanal expressa componentes tanto da cultura material quanto da

imaterial da comunidade que a pratica. O artesanato, como parte ativa e criadora de

cultura material, é “movido pela arte do saber e do fazer, influenciado pelo ambiente,

pela cultura e pelas tradições locais” (POUSADA, 2005, p. 39). Representa, também,

elementos da cultura imaterial ao reunir tradições, significados e saberes preservados.

A manutenção e a preservação dos saberes tradicionais significam, por conseguinte,

um dos principais fatores para o reconhecimento da identidade cultural de uma

comunidade e também como uma oportunidade para o aumento de sua renda. Para

Alcalde, Le Bourlegat e Castilho (2007),

a atividade artesanal está ligada aos recursos naturais, ao estilo de vida e à prática do comércio com as comunidades vizinhas, nas quais a aprendizagem é adquirida pela vivência e imitação da prática e do manejo de materiais e ferramentas (ALCALDE, LE BOURLEGAT e CASTILHO, 2007).

Ricci e Sant’Ana (2009, p. 95) e Santos et al (2010, p. 1-2) explicam que o

artesanato pode ser considerado como “um elemento impulsionador de

desenvolvimento local”, incentivando o trabalho comunitário e promovendo projetos

que possibilitam o escoamento de grande parte da produção do artesanato e,

principalmente, valorização do território e da cultura tradicional, contribuindo, assim,

para fortalecer a consciência de identidade cultural local. Castilho, Arenhardt e Le

Bourlegat (2009, p.161.) consideram o desenvolvimento local “como um processo de

transformação, envolvendo o ser humano como o principal beneficiário de mudança,

numa perspectiva de melhoria da qualidade de uma comunidade”. Portanto, o

contexto cultural de comunidades rurais composto por saberes, práticas, tradições,

relações sociais e formas de produzir contém elementos que dão sustentação à busca

por soluções para as necessidades e desejos de seus membros.

Nesta tese, a articulação entre design e artesanato está estudada em dois

universos. O primeiro referente a uma comunidade tradicional rural, a Comunidade

Quilombola de Giral Grande, localizada no município de Maragojipe, no Recôncavo da

Bahia. Trata-se de uma comunidade que luta com dificuldades para a solução de

problemas estruturais e cotidianos, tais como habitação, saneamento e saúde. Ali se

encontra a produção de artesanato com aproveitamento de retalhos de tecidos que,

ao lado de outras práticas artesanais e outras atividades de subsistência, contribui

para a pequena renda responsável pela sobrevivência dos seus membros.

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O segundo, relativo a um Hotel situado no Centro Histórico de Salvador, foi

escolhido na pesquisa por promover uma política interna que põe em relevância

valores de culturas tradicionais contidos em produtos artesanais. Essa política de

valorização de artesanato com função decorativa oportunizou a aceitação da produção

artesanal da comunidade de Giral Grande, trazendo perspectiva de trabalho e renda

para seus membros.

1.2. PROBLEMÁTICA E TESE

A possibilidade de acesso de produtos artesanais de comunidades rurais ao

mercado urbano constitui-se numa perspectiva de ampliação das oportunidades de

trabalho e renda para os seus produtores. Considera-se que o contexto cultural

responsável por expressões tais como o artesanato contém elementos capazes de

oferecer soluções para problemas e necessidades que ocorrem. Todavia, nem sempre

os produtos apresentados atendem ao exigido pelo mercado urbano, considerando-se

aí questões de plástica, acabamento, materiais utilizados, durabilidade, dimensões

entre outros fatores. Por outro lado, o atendimento às necessidades do mercado

urbano não deve anular a necessidade de que a identidade cultural dos produtores

seja preservada, visto que a preservação das características está na base da

possibilidade de identificação do artesanato como expressão de uma cultura e, por

isso mesmo, como um valor agregado à produção. Diante destas questões, levanta-se

o seguinte problema:

Problema: que ações devem ser propostas para promover o acesso de produtos

artesanais de comunidades tradicionais rurais ao mercado urbano, considerando-se os

requisitos desse mercado e a necessidade de se preservarem as características

identitárias dos seus produtores?

Hipótese: o acesso de produtos artesanais de comunidades tradicionais rurais ao

mercado urbano depende da aplicação de um método de pesquisa que permita a

intermediação entre os dois universos e a adequação daqueles produtos às exigências

do mercado, preservando-se as características identitárias da cultura da comunidade

produtora.

Tese: A tese defendida neste trabalho é a de que a aplicação de um método de

pesquisa e intervenção em uma comunidade tradicional rural permite a organização

de formas de acesso de componentes do seu repertório cultural ao mercado urbano,

preservando-se as características identitárias de origem.

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1.3. OBJETIVOS

1.3.1. Objetivo Geral

Propor um método de pesquisa e intervenção capaz de promover o acesso de

produtos artesanais oriundos de comunidades tradicionais rurais ao mercado urbano

mediante a intermediação entre os dois universos e a adequação dos referidos

produtos aos requisitos estabelecidos por aquele mercado, preservando-se as

características identitárias do produto da comunidade de origem.

1.3.2. Objetivos Específicos

• Desenvolver um método de pesquisa que articule dados qualitativos e

procedimentos de design voltados para o desenvolvimento de ações de

caráter comunitário e mercadológico;

• Aplicar o método desenvolvido aos dois universos selecionados

articulando-os em torno de uma produção artesanal;

• Apresentar produtos artesanais que respondam a requisitos estabelecidos

pelo mercado urbano sem prejuízo das características identitárias da

comunidade produtora;

• Validar os produtos gerados junto à comunidade produtora e ao mercado

urbano, de modo a verificar sua coerência com as características e

requisitos existentes nos universos estudados.

1.4. UNIVERSO E NATUREZA DA PESQUISA

1.4.1. Universo da pesquisa

O universo da pesquisa abrange dois espaços:

• O primeiro é o de uma comunidade tradicional rural, aqui representada

pela Comunidade Quilombola de Giral Grande, localizada na área rural do

município de Maragojipe, no Recôncavo Baiano.

• O segundo é um estabelecimento do mercado urbano, aqui representado

pelo Hotel Villa Bahia, situado no Centro Histórico de Salvador.

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1.4.2. Natureza da pesquisa: Pesquisa-ação

A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa participativa, social e com base empírica,

na qual são propostos tanto o envolvimento ativo do pesquisador com a comunidade

pesquisada, no qual ambos estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo

(THIOLLENT, 2002 p. 14), quanto ações de natureza concreta e objetiva para

solucionar um problema apresentado pela comunidade. Ao seu esquema básico estão

inseridos procedimentos de outros métodos de pesquisa que resultaram na elaboração

de um esquema aqui denominado de pesquisa-ação adaptada para atender aos

objetivos explicitados na tese. Os procedimentos referidos dizem respeito à pesquisa

etnográfica, à observação participante e ao estudo de caso. O método em Design

compõe a etapa do plano de ação desta pesquisa-ação adaptada.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa aplicada para estudar os fenômenos sociais

humanos que por estarem possuídos de características específicas, “criam e atribuem

significados às coisas e às pessoas nas interações sociais e estas podem ser descritas

e analisadas” (CHIZZOTTI, 2003). Sua escolha deveu-se à diversidade cultural

presente no contexto sendo os dados analisados para a compreensão de processos e

de significados. É uma pesquisa aplicada, por ter como objetivo “a geração de

conhecimentos para aplicação prática e é dirigida à solução de problemas específicos”

(SILVA E MENESES, 2005. p. 20). A aplicação prática refere-se à implementação do

método desenvolvido nos universos de pesquisa e na geração e validação dos

produtos artesanais resultantes.

1.5. DELIMITAÇÃO DA PESQUISA

Trata-se de uma tese na área do design que, pelo objeto trabalhado (artesanato

produzido por uma comunidade tradicional rural) exigiu a utilização de um esquema

modificado da pesquisa-ação pela introdução de procedimentos relativos à pesquisa

etnográfica, observação participante, estudo de caso e pesquisa em design. Este

esquema, por sua vez, cumpriu o papel de reunir informações, gerar dados

necessários ao desenvolvimento da proposta de intermediação e de adequação de

produtos artesanais ao mercado urbano.

A proposta de método de pesquisa aqui desenvolvida foi pensada para ser

aplicada a qualquer comunidade tradicional rural, dadas as relações que se

estabelecem entre os saberes tradicionais e o que pode ser orientado por essa

proposta. No caso desta tese, essa metodologia foi aplicada numa comunidade

quilombola.

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O papel do design se destaca neste processo na fase do plano de ação da

pesquisa-ação adaptada, na qual ocorrem a adequação dos produtos aos requisitos do

mercado urbano, a criação de uma identidade visual e a geração de protótipos.

1.6. JUSTIFICATIVA

A abordagem da relação entre design e artesanato abre perspectivas para a

discussão de como os conteúdos culturais tradicionais podem se constituir fator de

enriquecimento para a concepção de produtos de design. Em primeiro lugar, leva-se

em conta a necessidade de diferenciação entre produtos, num mercado cada vez mais

globalizado, marcado pela semelhança entre soluções de design relacionadas à

necessidades e funções convergentes; em seguida, a importância da identificação da

origem dos produtos, questão diretamente relacionada às características únicas

presentes em universos culturais distintos, o que leva, por sua vez, à necessidade de

reafirmação da identidade da cultura tradicional tomada como referência.

Por outro lado, o designer encontra no trato com universos culturais distintos,

fontes expressivas de inspiração para ideias, sugestões e soluções para a geração de

novos produtos. Moalosi (2007, p. 37) discute o papel do design como instrumento de

resgate de conteúdos culturais já esquecidos, ou mesmo ameaçados, dando

oportunidade para a retomada de antigos conhecimentos e para a reelaboração destes

em novas práticas, capazes de contribuir, inclusive, para a tomada de consciência de

identidades coletivas. Por sua vez, o contato com saberes e práticas reunidos por

culturas tradicionais podem ser orientados pelo design para a concepção de novos

produtos, abrindo perspectivas de ampliação de oportunidade de trabalho e renda

para os seus membros. E, finalmente, a importância, tanto para o design quanto para

o conhecimento científico, é a possibilidade de articulações entre propostas

metodológicas interdisciplinares promovidas pelo encontro entre o design e culturas

tradicionais.

A presente pesquisa considerou esse assunto como oportunidade para mostrar

uma maneira de abordar questões culturais na prática do Design, considerando o

conhecimento contido no patrimônio cultural de comunidades tradicionais rurais, aqui

exemplificadas por uma comunidade quilombola, como ponto de partida. Esta

pesquisa reconhece, portanto, que comunidades tradicionais detêm conhecimentos

capazes de serem orientados pelo design para a concepção de produtos

economicamente sustentáveis.

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Embora existam outras comunidades tradicionais rurais passíveis de serem

tomadas como objeto da pesquisa, decidiu-se pela escolha de uma comunidade

quilombola, a de Giral Grande, como exemplo de uma comunidade tradicional rural,

em primeiro lugar pelo contexto histórico e cultural de Salvador e do Recôncavo da

Bahia, profundamente marcado pela presença étnica e por componentes culturais

afro-descendentes; em seguida, pela existência de número expressivo de

comunidades quilombolas, mapeadas e registradas na região do Recôncavo,

especialmente no município de Maragojipe; por características tradicionais das

comunidades quilombolas, marcadas pela forte relação com a terra e com os laços de

parentesco, o que se exemplifica na Comunidade Quilombola de Giral Grande; pela

produção de um artesanato que indica a presença de saberes e práticas comuns às

comunidades tradicionais rurais da região; e, finalmente, por abordar a produção

artesanal de comunidades que ficam à margem de incentivos de programas oficiais e

de empresas privadas voltadas à dinamização e valorização do artesanato regional.

A intensa diversificação de demandas existente no mercado urbano exigiu que

fosse definida uma atividade específica, capaz de ser atraída e abraçar uma proposta

de intermediação entre a produção artesanal de uma comunidade tradicional rural

com o mercado urbano. A escolha de hotéis como local de apresentação e aplicação

do artesanato de comunidades tradicionais rurais justifica-se por representarem

espaços de convergência cultural que permitem aos turistas, com sua cultura

particular, encontrarem uma cultura tradicional.

Tomando como ponto de partida a proposta de inserir produtos artesanais rurais

no mercado urbano, decidiu-se pela pesquisa-ação com vista a possibilitar a

orientação metodológica e a intermediação da entrada do artesanato referido no

mercado urbano. Propõe também o design, como parte integrante do seu plano de

ação como instrumento de adequação dos produtos artesanais aos requisitos

estabelecidos por aquele mercado.

1.7. INEDITISMO, ORIGINALIDADE E ADERÊNCIA AO PROGRAMA

O ineditismo e a originalidade deste trabalho são demonstrados a partir do

modelo de metodologia apresentado, que tem na interdisciplinaridade um dos seus

aspectos estruturantes. Para isso foi tomado como referência o modelo de pesquisa-

ação de Thiollent (2002), a partir do qual foi concebido um modelo novo, aqui

denominado como Pesquisa-ação Adaptada, que tem como característica original a

articulação de ferramentas de outros métodos de pesquisa ao seu modelo inicial.

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Assim, foram inseridas ferramentas da pesquisa etnográfica, da observação

participante, do estudo de caso e da pesquisa em Design. Essas ferramentas, tomadas

isoladamente, são encontradas em outros trabalhos na área do design, mas a maneira

de fazer a articulação entre elas e a orientação dos procedimentos, buscando a

obtenção de um produto metodológico novo, constitui-se na originalidade da tese em

pauta.

A natureza do PEI (Programa de Pós-graduação em Engenharia Industrial –

UFBA) e a identificação do Doutorado em Engenharia Industrial como sendo de

Desenvolvimento Sustentável de Processos e Produtos permite que esta tese, que

aborda a intermediação do design entre comunidades tradicionais rurais e o mercado

urbano, com vistas tanto à apresentação de resultados práticos numa perspectiva de

desenvolvimento local, quanto na elaboração de uma proposta de um modelo

metodológico interdisciplinar, esteja perfeitamente abrigada no referido programa.

1.8. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

A tese está organizada em seis capítulos assim discriminados:

CAPÍTULO 1: na introdução estão explicitados os componentes do projeto da tese,

iniciando-se com a explicitação do tema da pesquisa; a problemática, a tese

defendida, os objetivos a serem alcançados e sua justificativa. Aborda ainda a

natureza da pesquisa, como também os universos que abrangem o espaço da

comunidade quilombola de Giral Grande e o espaço do mercado urbano, representado

por um hotel situado no Centro Histórico de Salvador.

CAPÍTULO 2: os fundamentos teóricos estão organizados de modo a responder ao

caráter interdisciplinar do Design, bem como aos componentes básicos da construção

desta tese: a cultura em sua expressão dinâmica e tradicional e o artesanato como

uma das expressões da cultura; o desenvolvimento local; as comunidades quilombolas

incluídas neste capítulo como elementos de fundamentação para a pesquisa de campo

e o Recôncavo da Bahia como contexto geo-cultural onde se desenvolvem as

atividades artesanais.

CAPÍTULO 3: este capítulo apresenta os fundamentos metodológicos necessários à

construção do modelo de pesquisa proposto para esta tese. Foram examinadas e

descritas as ferramentas da pesquisa em design, pesquisa ação, pesquisa etnográfica,

observação participante, estudo de caso e pesquisa documental.

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CAPÍTULO 4: este capítulo aborda o processo de concepção e construção do método

de pesquisa-ação adaptada a ser aplicada nos universos da pesquisa. O planejamento

deste método apresenta-se dividido em quatro fases onde são explicitados os

objetivos, as tarefas e os dados a serem levantados.

CAPÍTULO 5: apresenta o desenvolvimento do trabalho de campo, seguindo o

método proposto no capítulo 4. A primeira fase refere-se à abordagem exploratória e

à onstrução do problema e da hipótese referente à pesquisa de campo; a segunda

parte refere-se ao estudo de caso, a terceira refere-se ao plano de ação e a quarta

apresenta os resultados e sua discussão.

CAPÍTULO 6: trata das considerações finais do trabalho, abordando uma reflexção

sobre o método adotado, o papel do pesquisador nos processos e a sugestão para

trabalhos futuros.

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1.9. LINHA DE TEMPO DA PESQUISA

2009.1

2008.2

Contato com a Comunidade Quilombola de Giral Grande e com a

Comunidade de pescadores de Diogo

2008.1

Elaboração do projeto da pesquisa e sondagem de possíveis comunidades

Primeiras idéias sobre o desenvolvimento de um modelo metodológico que abordasse

design e cultura

2009.2

2010 • Pesquisa etnográfica em andamento • Elaboração do capítulo de desenvolvimento do trabalho de campo e

continuação do diário de campo

Início da elaboração do

capítulo de Introdução

Início da elaboração do

diário de campo da pesquisa etnográfica

Seleção da Comunidade de

Giral Grande como universo da pesquisa

Início da elaboração do capítulo de referencial teórico

2011.1

Primeiras entrevistas com ambas as comunidades

Processo de adequação: Elaboração da identidade visual e início da

produção dos protótipos.

Apresentação dos protótipos na

comunidade e no hotel 2011.2

Visita da artesã ao

Hotel

• Primeiras entrevistas com o Hotel • Elaboração dos requisitos de

design para os protótipos

Contato com o Hotel Villa

Bahia

Construção do método de

design e elaboração do

capítulo do Método

2012.1 Qualificação e processo de correção da tese

2013.1 Banca de Avaliação e correção final

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FUNDAMENTOS TEÓRICOS 2

Este capítulo reúne conceitos e aspectos técnicos que, abordados do ponto de

vista interdisciplinar, constituem-se na base teórica que sustenta o tratamento

metodológico e a aplicação de suas diretrizes ao desenvolvimento da pesquisa em

andamento. O termo abordagens usado para indicar as diferentes temáticas

apresentadas se justifica por não haver a pretensão de esgotar cada uma delas, mas,

ao contrário, selecionar e focalizar o que estiver diretamente relacionado ao trabalho

em curso, constituindo-se, portanto, em sua fundamentação teórica. Assim este

capítulo aborda questões sobre cultura e artesanato; desenvolvimento local;

Recôncavo da Bahia; comunidades quilombolas e design.

A pluralidade das abordagens e a necessidade de reunir informações

fundamentais sobre cada uma delas influenciaram inevitavelmente na extensão do

capítulo, o qual também exerce o papel de aglutinador das informações necessárias

ao desenvolvimento do trabalho de campo.

2.1. ABORDAGENS SOBRE CULTURA E ARTESANATO

Entende-se como cultura “o complexo conjunto de padrões de comportamento,

de crenças, de instituições e de outros valores espirituais e materiais transmitidos

coletivamente e que caracterizam uma sociedade” (SALZANO, 2008). A palavra

“cultura” – vinda da tradução de culture, em inglês – foi sintetizada por Edward Taylor

(1832 – 1917) a partir da mistura do conceito germânico Kultur, usado para

simbolizar todos os aspectos intangíveis de uma comunidade, com o conceito francês

Civilization, relacionado às realizações materiais de um povo (LARAIA, 1999. p 25).

Taylor, portanto, abrangeu em uma só palavra todas as possibilidades da realização

humana, o que incluía a mistura complexa de “conhecimentos, valores,

comportamentos, crenças, folclore, arte, moral, leis, costumes ou quaisquer

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capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”

(TAYLOR, 1871, apud LARAIA, 1999. p 25), que se torne “norma, hábito ou padrão

para a maioria dos membros desta sociedade” (FROST e HOEBEL, 2008), inclusive os

conhecimentos e habilidades técnicas e tecnológicas.

A cultura caracteriza as sociedades humanas, não sendo possível se manifestar

apenas por um indivíduo. Portanto, uma pessoa sozinha não produz cultura. A cultura

se manifesta como o conjunto de características que identificam uma sociedade,

unindo seus indivíduos, assim como é o fator que diferencia uma sociedade das

demais, ou seja, cada sociedade produz sua própria cultura e uma não se confunde

com as outras. É ponto comum na literatura que existem várias definições para o

conceito de cultura, mas pode-se usar a proposta por Laplantine, que a define como:

o conjunto de comportamentos, saberes e saber fazer característicos de um grupo humano ou de uma sociedade dada, sendo essas atividades adquirias através de um processo de aprendizagem e transmitidas ao conjunto de seus membros (LAPLANTINE, 1987, p. 19).

A natureza desses saberes é a “maneira, ou forma, ou jeito particular da

sociedade em questão de viver, pensar, sentir, acreditar, fazer e se comportar

segundo um legado, regras ou padrões” (GEERTZ, 1989, p14) implícitos ou explícitos,

aceitos e praticados por todos os indivíduos dessa sociedade. A cultura, além de estar

associada a um grupo humano ou a uma sociedade, está também associada a fatores

geográficos, se manifestando-se dentro das fronteiras ocupadas por tais grupos ou

sociedades.

Para Dos Santos (1994, p. 24) cultura é tudo aquilo que caracteriza a existência

social de um povo ou uma nação, ou então grupos no interior de uma dada sociedade.

Ela se expressa através de elementos, tais como o conhecimento, as idéias e as

crenças, assim como as maneiras com que eles existem na vida social. Segundo

Ulmann (1991) e Frost E Hoelbel (2008) diferentes são as formas de expressão da

cultura, estando entre as mais relevantes:

• Língua / linguagens;

• Artes (plásticas – cênicas – música)

• Moral / estética;

• Literatura;

• Técnicas de produção;

• Práticas, costumes e modo de vida;

• Religião / mitos / crenças / folclore;

• Festas, folguedos e outras manifestações.

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2.1.1. A cultura: um processo dinâmico

A cultura é dinâmica, “mudando e se modificando” (FROST e HOEBEL, 2008, p.

27), agregando novas características e abandonando outras em uso nos processos de

aprendizagem e transmissão, sendo, portanto um processo evolutivo e histórico.

Sendo assim, uma mesma sociedade irá apresentar variações na sua cultura com o

passar do tempo. Por ser uma construção histórica, seja como concepção, seja como

dimensão do processo social oriundo da coletividade humana, “a cultura exige que

consideremos as transformações constantes por que passam as sociedades, tanto nas

suas características quanto nas relações entre os grupos, no seu interior” (DOS

SANTOS, 1994, p.44-45).

O processo da dinâmica cultural se dá pela superação de valores antigos e pela

incorporação de novos, sendo preservados, entretanto, os fundamentos da identidade

cultural relativa à sociedade na qual se originam. Isso se dá porque o ser humano,

segundo Laraia (1999, p. 98-99) “tem a capacidade de questionar os seus próprios

hábitos para, então, modificá-los”, contrariando o pensamento leigo de que a cultura,

principalmente a dos pequenos grupos, é um fenômeno estático, por não possibilitar a

percepção de pequenas mudanças com o tempo, levando a uma compreensão errônea

de estaticidade cultural.

Laraia (1999, p. 100) ainda explica que esse processo pode se dar tanto por

fatores internos, pelas mudanças que ocorrem no meio social no qual se encontra,

quanto por fatores externos, quando um sistema cultural entra em contato com outro,

ocorrendo então a mistura e a mudança das características culturais de uma ou de

ambas as partes envolvidas. O resultado do processo pode se concretizar de maneira

superficial ou profunda, de acordo com o contexto do contato. A velocidade das

mudanças pode ser lenta, às vezes quase imperceptível ou rápida, podendo até

mesmo ser brusca, como ocorre com o advento de inovações científicas, por exemplo.

Segundo Ono (2004) “a cultura tem um caráter dinâmico e multidimensional, não

podendo ser compreendida como um princípio hermético e imutável”.

Pode-se tomar como exemplo dessa dinâmica a cultura afro-brasileira que é

constituída basicamente por elementos trazidos da África aos quais foram agregados,

com o tempo, novos elementos adquiridos no Brasil, tais como a organização familiar

e o vestuário, de origem portuguesa, mantendo-se como fatores de identidade a

religião e a língua, que estão inseridos na religiosidade afrodescendente e na língua

portuguesa falada no Brasil. A roupa da Baiana de Acarajé, um ícone da cultura afro-

brasileira, é o resultado da síntese de três influências culturais que foram se

amalgamando: o modelo da roupa (saia rodada armada com anáguas engomadas) de

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origem européia; a cor branca, de origem muçulmana e trazida pelos povos africanos

yorubás e haussás islamizados, conhecidos no Brasil como malês; o turbante, de

origem africana. Essa roupa, apesar de ser de origem heterogênea, não altera o

significado da religiosidade que a Baiana representa; pelo contrário, é uma das suas

marcas.

2.1.2. Manifestações da cultura

Pode-se entender a cultura se manifestando, no sentido estrito, de duas

maneiras diferentes, segundo discorre Ullmann (1991, p. 83-84) e Medeiros (1997),

que discutindo as diferentes expressões, propõem dois modos de compreensão.

• O modo imaterial ou intangível: que se refere às questões éticas, maneira

de pensar, de sentir, de agir e de se comportar, manifestando-se nas

linguagens, nas religiões e crenças, na criação estética, nas leis e demais

produtos intangíveis, que não têm substância material, incluindo os

conhecimentos, as aptidões, os hábitos, os significados e valores;

• O modo material ou tangível: que se refere aos fenômenos concretos,

realizados a partir do modo intangível, e que se manifesta nos instrumentos e

na maneira de obtê-los, ou nos processos do fazer; nas matérias primas

destinadas para a produção de bens materiais usados pela sociedade em

questão, no seu cotidiano.

Considerando-se, portanto, uma relação entre o modo intangível e o tangível,

pode-se pensar, muitas vezes, que o tangível é a materialização ou manifestação

física de uma ideia, o intangível, e assim os objetos surgem como produto de uma

intenção do ser humano a partir do intangível: a extensão dos seus sentidos, de seus

atos e valores, materializando-se, enquanto preserva os significados estéticos e de

uso. Dias Filho (2007) considera que o objeto nasce a partir de dois requisitos

básicos:

A intencionalidade humana (representação da extensão dos órgãos dos sentidos do homem, isto é, o prolongamento de seus atos); e,

A materialização de valores (estéticos, usos etc.) inerentes à sociedade, tornando concreto o intangível. (DIAS FILHO, 2007)

Em síntese, a cultura material, o componente físico e concreto da cultura, nasce

a partir das idéias, conceitos, sentimentos, desejos e necessidades de uma sociedade,

expressa e traduz o componente imaterial da cultura. Portanto, quase sempre, os

objetos necessitam de ser pensados, necessitados e desejados antes de serem

produzidos e de existirem.

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Pode-se considerar, ainda, que existem duas formas de expressão cultural: a

Cultura Erudita e a Cultura Popular. A primeira se expressa a partir de uma elite ou

vanguarda social, econômica, política ou intelectual, que produz objetos da cultura

tangível e da intangível, a partir de conhecimentos provenientes do estudo científico e

da instrução literária. Os produtores desse tipo de cultura detêm o domínio e a

consciência do que é produzido, portanto é dominada e entendida por poucos.

Já a cultura popular é produzida pelo povo, pelas classes menos favorecidas

economicamente e, na maioria das vezes, estando à margem da parcela considerada

elite. A Cultura Popular não está ligada ao conhecimento científico, sendo, portanto,

gerada pelo senso comum e pelo conhecimento vulgar, dominado e compartilhado por

aqueles que a geram, apesar de estes não terem a real dimensão ou conhecimento

sistemático e profundo do que foi feito. Portanto, expressa as formas de agir e pensar

das classes populares.

Gramsci (1978, apud FERRETTI, 2007) explica que “a cultura erudita é valorizada

como produção e consumo da elite social, enquanto a cultura popular reflete

interesses, valores e ideologia das classes dominadas”. Entretanto, pode-se considerar

que ambas, tanto a erudita quanto a popular, devem ser vistas como partes

integrantes do universo de uma sociedade no seu aspecto geral, aproximando-se,

afastando-se, misturando-se, influenciando-se mutuamente, complementando-se e

completando-se, tal como pressupõe o conceito de circulariadade cultural, proposto

por Ginzburg (1987, p. 17), o qual admite que ambas as expressões da cultura

estejam mutuamente subordinadas, constituindo, então, o repertório e o patrimônio

cultural de um povo.

A cultura popular, além disso, está associada à tradição e ao conhecimento

histórico do povo e é transmitida pelas gerações. Tem seus elementos gerados

localmente, inspirados na rotina, nos fatos e no ambiente que a cercam, mas também

é inovadora e inventiva, estando, portanto, em constante movimento e

transformação. Dentro desse contexto, o artesanato se apresenta como uma

manifestação da cultura material, de expressão popular, transformando em objetos as

necessidades e desejos do povo ao mesmo tempo em que transmite suas ideias e

sentimentos.

Os artefatos revelam hábitos, valores, conhecimentos, conceitos e necessidades que, analisadas em conjunto, permitem compreender o processo da evolução da humanidade. Como testemunhas silenciosas da nossa civilização, os artefatos representam a nossa cultura, material e imaterial, revelando a diversidade dos modos de fazer, das formas de organização e gestão, entre outros. (CAVALCANTI et al, 2008)

Esta é a compreensão de Calvalcanti et al (2008) ao discorrer sobre a

importância dos artefatos de origem tanto artesanal quanto industrial, reforçando o

papel e o significado dos objetos como parte integrante da cultura material.

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2.1.3. Tradição e cultura tradicional

O conceito de tradição pode ser definido como um patrimônio cultural que é

transmitido de geração a geração através do tempo. Apresenta um conteúdo histórico,

referindo-se à parte tangível desse patrimônio, tal como documentos escritos, obras

de arte, monumentos, túmulos etc.; mas apresenta, também, um conteúdo imaterial,

referindo-se à sua parte intangível, constituída por fatos culturais que são

preservados pela oralidade ou mesmo pela aceitação coletiva, tais como

conhecimentos e crenças. Uma comunidade pode ser considerada tradicional quando

grande parte do patrimônio cultural é constituída por elementos tradicionais.

Mas não somente o conteúdo transmitido entre as gerações define a cultura de

uma comunidade como tradicional. Diegues et al (2000, p. 17 e 18) aponta para

outras características estruturantes, tais como: ligação intensa com os territórios

ancestrais; autoidentificação e identificação pelos outros como grupos culturais

distintos; sistemas de produção principalmente voltados para a subsistência, com o

uso dos recursos naturais ou recursos alternativos; práticas de produção pré-

capitalistas, em que a dependência do mercado já existe, mas não é total. Assim,

comunidades indígenas, ribeirinhas, pescadores e jangadeiros, e as quilombolas são

exemplos de comunidades tradicionais.

A cultura tradicional pode ser entendida, também, como aquela referente a uma

comunidade que a detém como seu repertório ou patrimônio imaterial de

conhecimentos tradicionais. Diferentemente das expressões do folclore, que são

consideradas como de domínio público, “a cultura tradicional tem uma autoria

determinável, ou seja, pertence a uma comunidade específica ou a um povo

específico” (SOARES E MIELO, 2005). Portanto, “a preservação do patrimônio cultural,

em todos os seus aspectos, fortalece a idéia de pertença de um sujeito a um grupo

social” (LARA, 2010). O conceito de cultura tradicional pode ser sintetizado a partir

das definições elaboradas pela UNESCO:

A cultura tradicional e popular é o conjunto de criações que emanam de uma comunidade cultural, fundadas na tradição, expressas por um grupo ou por indivíduos e que reconhecidamente respondem às expectativas da comunidade enquanto expressão de sua identidade cultural e social; as normas e os valores se transmitem oralmente, por imitação ou de outras maneiras. Suas formas compreendem, entre outras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os rituais, os costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes (UNESCO, 1989).

De acordo com o Decreto Presidencial nº 6.040/2007 as comunidades

tradicionais são definidas da seguinte forma:

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Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. (BRASIL, 2007).

A cultura tradicional pode ser considerada como uma síntese do conceito geral de

cultura, pois se altera, se desenvolve e evolui com o tempo, sendo, portanto um

processo histórico, pois é promovida pelos aspectos de inovação e geração de

práticas, conforme a definição do Decreto Presidencial nº 6.040/2007. Para Forst e

Hoebel (2008, p. 35) “como o comportamento culturalmente padronizado é aprendido

e não inerente ao organismo, é modificável e flexível. Por isso é que as culturas são

mutáveis”. Portanto, apesar de ser baseada em elementos que são transmitidos de

geração a geração, estes não ficam estáticos no tempo, pois sofrem inexoravelmente

influências externas, reinterpretações dentro da própria comunidade e, assim, são

modificados, substituídos, reescritos, sem, contudo se afastar da identidade de quem

realiza esse processo.

Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. (UNESCO, 2003).

Uma comunidade tradicional apresenta no decorrer da sua história vários

momentos diferentes de sua cultura, não deixando de ser a mesma comunidade na

sua identidade. Segundo Diegues (2001, p. 52), este é um dos critérios mais

importantes para definição de culturas ou populações tradicionais, além do modo de

vida: o reconhecer-se como pertencente àquele grupo social particular através da

cultura local:

Um dos critérios mais importantes para definição de culturas ou populações tradicionais, além do modo de vida, é, sem dúvida, o reconhecer-se como pertencente àquele grupo social particular. Esse critério remete à questão fundamental da identidade (DIEGUES, 2001, p. 52),

Diegues concorda com a definição da UNESCO (2003) explicando que esse

critério remete à questão fundamental da identidade, um dos temas centrais da

Antropologia Cultural. Para uma melhor compreensão, o Quadro 01 lista elementos

básicos que podem caracterizar o conceito de Cultura tradicional.

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QUADRO 01 Características de uma cultura tradicional

A Dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os recursos naturais renováveis, a partir dos quais se constrói um modo de vida;

B Noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz econômica e socialmente;

C Moradia e ocupação desse território por várias gerações, ainda que alguns membros individuais possam ter-se deslocado para os centros urbanos e voltado posteriormente para a terra de seus antepassados;

D Importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica uma relação com o mercado;

E Reduzida acumulação de capital;

F Importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais;

G Importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, à pesca e atividades extrativistas;

H Utilização de tecnologia relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio ambiente. Há reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo produtor (e sua família) domina o processo de trabalho até o produto final;

I Autoidentificação ou identificação pelos outros de se pertencer a uma cultura distinta das outras. Fonte: Diegues (2001, p. 52)

O Quadro 1 apresenta as características básicas para a identificação de uma

cultura como tradicional. Essas características podem servir como parâmetro para

identificar culturas de comunidades tradicionais rurais, tais como a quilombola, como

cultura tradicional.

2.1.4. Território de Identidade

A noção de território ou espaço apontada no item B do Quadro 1 amplia-se

consideravelmente com a abordagem do conceito de Território de Identidade. Nas

relações que se estabelecem entre uma população e um dado espaço físico e

geográfico, o conceito de território faz-se extremamente importante, talvez um

conceito primordial para sua existência. Para Santos e Silveira (2003) o termo

“território” remete ao conceito político de um espaço físico ocupado por um povo, no

qual, segundo Carvalho (2008), “a população constrói a sua identidade e os seus

sentimentos de pertencimento, onde expressa seu patrimônio cultural e define o seu

destino”. Ou seja: a compreensão do significado de território para qualquer país,

povo, sociedade ou comunidade é parte constituinte do seu patrimônio cultural.

O território brasileiro, desde a década de 1930, vem sendo subdividido, para fins

administrativos e econômicos, em regiões, tais como as regiões Sudeste, Nordeste,

etc., ou em zonas geoeconômicas, tais como as zonas da Região Nordeste (Litoral,

Zona da Mata, Sertão etc.) usando-se para isso critérios geográficos, econômicos e

políticos (DUARTE, 2009; DI LAURO et al, 2009). Na Bahia, por exemplo, pode ser

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indicada a implantação de 21 regiões administrativas em 1996 e de 15 regiões

econômicas adotadas em 2002, ambas fundamentadas em critérios econômicos e

políticos, segundo indicam Di Lauro et al (2009).

Entretanto um novo conceito de organizar os territórios vem sendo recentemente

proposto e aplicado no Estado: o de Território de Identidade, que leva em

consideração, além dos demais critérios acima citados, a afinidade cultural das

populações que habitam um lugar, para que possa ser estabelecida uma delimitação

geográfica do seu território. O Decreto do Governo baiano nº 12354/10, de 25 de

agosto de 2010, definiu o conceito de Território de Identidade como sendo:

Art. 1º, § 1º: O agrupamento identitário municipal formado de acordo com critérios sociais, culturais, econômicos e geográficos, e reconhecido pela sua população como o espaço historicamente construído ao qual pertence, com identidade que amplia as possibilidades de coesão social e territorial. (BAHIA, 2010)

O objetivo deste Decreto é assim estabelecido no Artigo 2º:

Elaborar estratégias de desenvolvimento territorial sustentável que contemplem: I - a integração e compatibilização de políticas públicas com base no planejamento territorial; II - a ampliação dos mecanismos de participação social na gestão das políticas públicas de interesse do desenvolvimento dos territórios; III - a valorização das diversidades social, cultural, econômica e geográfica das populações. (BAHIA, 2010)

Chama à atenção a ênfase dada neste Decreto ao objetivo do Desenvolvimento

Sustentável a ser alcançado; à diversidade em seus diversos aspectos e, sobretudo,

autorreconhecimento da população como elemento identitário e, portanto, de

pertencimento cultural, como destaca o § 1º do Art. 1º: [...] reconhecido pela sua

população [...]. A implantação do conteúdo do Decreto na Bahia levou à divisão do

seu território em 26 unidades administrativas, como visto na Figura 01, cada qual

com sua identidade específica, compondo, entretanto, o contexto cultural maior,

relativo ao estado federativo.

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FIGURA 01 Territórios de Identidade da Bahia

01 IRECÊ 02 VELHO CHICO 03 CHAPADA DIAMANTINA 04 SISAL 05 LITORAL SUL 06 BAIXO SUL 07 EXTREMO SUL 08 ITAPETINGA 09 VALE DO JIQUIRIÇÁ 10 SERTÃO DO SÃO FRANCISCO 11 OESTE BAIANO 12 BACIA DO PARAMIRIM 13 SERTÃO PRODUTIVO 14 PIEMONTE DO PARAGUAÇU 15 BACIA DO JACUÍPE 16 PIEMONTE DA DIAMANTINA 17 SEMI-ÁRIDO NORDESTE II 18 AGRESTE DE ALAGOINHAS/LITORAL NORTE 19 PORTAL DO SERTÃO 20 VITÓRIA DA CONQUISTA 21 RECÔNCAVO 22 MÉDIO RIO DAS CONTAS 23 BACIA DO RIO CORRENTE 24 ITAPARICA (BA/PE) 25 PIEMONTE NORTE DO ITAPICURU 26 METROPOLITANA DE SALVADOR

Fonte: Construção do autor a partir de PlugCultura (2008)

A nova abordagem contida no Decreto em pauta enfatiza a importância dos

aspectos culturais no planejamento para o desenvolvimento regional e,

paralelamente, abre um espaço para que as populações estabelecidas nesses

territórios participem, expressem e busquem a concretização de seus anseios, de suas

expectativas e de suas necessidades. Nesse sentido, as culturas tradicionais

desenvolvidas por comunidades locais ganham, também, uma provável oportunidade

para exercitar sua cidadania, salvaguardando as especificidades que as identificam.

2.1.5. Artesanato e seu significado cultural

Artesanato compreende o ato de fazer e construir objetos usando principalmente

as mãos, realizando-se, assim, todas as etapas da produção, desde o preparo da

matéria-prima até o acabamento final do produto (FRANÇA, 2005). O uso de

ferramentas, ou mesmo máquinas simples, tem um papel auxiliar ou secundário, pois

estas também são manipuladas, a exemplo de um formão, um estilete ou uma

agulha. O artesanato, ao se caracterizar como um processo manual, se diferencia dos

processos mecanizados e industrializados, os quais se caracterizam pelo uso de

equipamentos que substituem as mãos humanas na produção, distanciando-se,

portanto, da manipulação e intervenção manual durante o ato de se produzir algo.

Sendo assim, as máquinas executam as funções das mãos. Nesse momento são

conferidas a esses objetos produzidos industrialmente as características de fabricação

em série na forma de detalhes padronizados, sejam estes atributos ou defeitos.

No artesanato, por ser um ato manual e por não ter a precisão encontrada na

indústria, o resultado se caracteriza basicamente por apresentar detalhes que

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diferenciam cada um dos objetos entre si, ainda que se tenha como objetivo uma

produção em série.

Como a exatidão repetitiva das máquinas tem uma precisão que a mão humana não consegue imitar, a forma e a composição dos produtos industriais raramente revelam qualquer indicação da participação e personalidade da pessoa que o fez. (HESKETT, 1997)

Ou seja, cada peça artesanal tem detalhes e características únicas, conferidas

pela imprecisão natural da manipulação humana diretamente nas matérias-primas e

nas ferramentas usadas. Pode-se dizer que, numa produção artesanal em série de um

mesmo produto, as peças são apenas semelhantes, mas nunca totalmente iguais.

Portanto, cada peça de artesanato é uma unidade em si, que contém e reúne todas as

características a ela atribuídas.

O artesanato, como parte ativa e criadora de cultura material, é “movido pela

arte do saber e do fazer, influenciado pelo ambiente, pela cultura e pelas tradições

locais” (POUSADA, 2005, p. 39). O produto do artesanato pode ser considerado como

um representante material da cultura de um povo, expressando, além das formas e

da plástica, também os sentimentos, os desejos e as necessidades dessa sociedade,

ou seja, sua identidade. O artesão, ao executar seu trabalho,

submete-se às exigências de sua própria cultura, cumprindo uma função social determinada, a forma utilizada é sempre convencionada e por isso, a forma (contorno, cor, textura, etc.) é menos importante que o conteúdo simbólico implícito”. (MARCONI e PRESOTTO, 1989, apud MEDEIROS, 1997)

Portanto, os conceitos e significados presentes no produto artesanal são mais

importantes do que o objeto em si. O artesão é, então, responsável por captar os

conteúdos conceituais e simbólicos da sua cultura e os traduzir como objetos

concretos através das suas mãos. O papel do artesanato como responsável pela

transmissão de significados de uma cultura pode ser explicado por Medeiros (1997),

que afirma: “o símbolo é a mais antiga forma de expressar a cultura de um povo (...)

e a simbolização permite ao homem transmitir os seus conhecimentos adquiridos e

acumulados no decorrer do tempo”.

O artesanato pode ser considerado, portanto, como uma das expressões de

identidade de uma cultura, pois através das suas características é possível identificar

a sua origem cultural (AZEVEDO e ABREU, 2011, p. 111). Castells (1999, p. 22)

explica que a identidade é uma “fonte de significados e experiências de um povo”,

construída com base em atributos culturais, e que se constituem como referencial

para os próprios indivíduos de uma comunidade. Compreende-se, então, que o

artesanato, ao carregar conceitos e significados, torna-se indicador de uma identidade

cultural. Os caracteres simbólicos e identitários estão no âmago da compreensão do

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seu significado, sendo fatores essenciais que o diferenciam de outras produções não

industriais (BRASIL, 2012. P. 12).

Trata-se de um saber-fazer que integra processos produtivos e de organização do trabalho peculiares, singulares em cada região, mas interdependentes com as necessidades e valores do quotidiano, ainda que simultâneos com os processos desencadeados pela concorrência da produção industrializada. (ANTUNES 1999)

Um exemplo de artesanato que representa uma cultura local é a Cerâmica de

Maragogipinho, distrito do município baiano de Aratuípe, no Recôncavo Baiano,

situado próximo à cidade de Nazaré das Farinhas. “É considerado o maior centro de

produção de cerâmica artesanal da Bahia e há quem afirme ser um dos maiores pólos

da cerâmica artesanal da América Latina” (WANDECK, 2011a). Segundo Ferraz

(2009), a produção de artesanato em cerâmica, visto na Figura 02, rege a economia

local em todo seu processo, desde a extração do barro, a produção das peças até a

venda, nas praças e fora dos limites municipais e estaduais, envolvendo gerações

familiares, homens e mulheres, há mais de meio século.

FIGURA 02 Artesanato Tradicional de Maragogipinho

Fonte: Ferraz (2009); Wandeck (2011a)

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O artesanato de Maragogipinho foi reconhecido pelo IPHAN (2009), em

exposição no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, concorrendo ao Prêmio

Unesco de Artesanato para a América Latina e Caribe, em 2004, ratificando, assim,

seu reconhecimento não somente como elemento cultural local, mas também estadual

e nacional.

Outro artesanato de grande expressão da região do Recôncavo Baiano é a

cerâmica de Coqueiros, visto na Figura 03, distrito da cidade de Maragojipe e que

representa uma tradição passada de pais para filhos há centenas de anos, utilizando,

ainda, algumas técnicas que remetem a práticas indígenas antigas (WANDECK,

2011b), tais como a queima da cerâmica em fogueiras cônicas.

FIGURA 03 Cerâmica no distrito de Coqueiros

A. A queima de peças em fogueira, uma tradição que remonta práticas indígenas

B. Pratos já queimados

A B

Fonte: Wandeck, 2011b

Segundo Queiroz et al (2010):

[...] a produção artesanal de Maragojipe pode ser considerada expressiva e de relevante importância cultural, sobretudo no que se refere à produção das cerâmicas utilitárias do distrito de Coqueiros [...] reconhecido como depositário de um saber-fazer singular e tradicional transmitido de geração em geração.

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A identificação da cultura local nos produtos artesanais pode seguir pelo menos

duas vertentes: as formas de reconhecimento tangíveis e as intangíveis. As tangíveis

dizem respeito a expressões concretas da estética, a formas e a funções

determinadas, presentes em produtos resultantes da memória de tradições de povos

de diferentes origens; as intangíveis não são tão visíveis e são frequentemente

encobertas por traços culturais dominantes, podendo ser reconhecidas se forem

investigadas suas origens, técnicas de produção ou ações a que se destinam.

No primeiro caso inscrevem-se os produtos cerâmicos com acabamento em

“tauá”, um engobe, mistura que pode ser aplicada em uma peça antes da esmaltação

feita de argila líquida, óxidos e outros componentes, usada em decoração. O “tauá” é

proveniente de argila rica em óxido de ferro que dá uma coloração avermelhada às

peças. Essa cerâmica vermelha somada com os desenhos decorativos em “tabatinga”,

argila líquida de cor branca (WANDECK, 2011a) formam uma combinação de fatores

estéticos e formais que os identificam como originários do artesanato de cerâmica de

Maragogipinho, como mencionado anteriormente e visto na Figura 02.

No segundo caso inclui-se a cerâmica de Coqueiros, também já referida, cuja

identificação como expressão de origem indígena só se torna possível quando sua

técnica de produção é revelada e compreendida. Em ambos os casos, para além de

qualquer crivo de objetividade, revela-se sua expressão como representantes de um

conjunto complexo de saberes e técnicas, preservados através das gerações pelas

comunidades que as produzem.

O artesanato pode ser considerado como uma prática baseada em saberes cujas

explicações não são encontradas em manuais, sendo os sentidos e os sentimentos

fatores usados nos processos criativos e inovativos. Essa abordagem foi exposta pela

UNESCO que, em 2003, publicou a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura

Tradicional e Popular, a qual fundamentou as ações de preservação de bens culturais

dessa natureza em todo o mundo. Esses bens culturais são reconhecidos como

“práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os

instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as

comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos reconhecem como parte

integrante de seu patrimônio cultural” (NASCIMENTO, 2012).

O patrimônio cultural pode ser considerado como um manancial de informações

diversas, oriundo da cultura popular e, portanto representante da identidade de um

povo, cuja manutenção se faz importante por procurar evitar o seu desaparecimento e

estimular sua continuidade (COSTA, 2012). A produção de peças em cerâmica, por

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exemplo, depende de fatores subjetivos durante o preparo do barro, da modelagem e

da queima. Esses saberes são muitas vezes sutis e subjetivos e nesses processos de

transmissão de conhecimento a figura do mestre é considerada um ponto de

referência para o artesanato, pois é quem domina grande parte dos saberes.

O mestre reúne em sua memória um conjunto de técnicas e informações que o permite elaborar manualmente determinado produto. Esse saber não se encontra registrado em suportes mais sofisticados do que a memória física do mestre ou o próprio resultado final – saber materializado (COSTA, 2012).

O mestre é responsável tanto por guardar parte do repertório imaterial e da

memória coletiva de sua comunidade, quanto por transformá-la em conteúdo material

e, mais importante, ajudar a transmitir tal conhecimento às novas gerações da

comunidade, numa relação de mestre para aprendiz, pela qual a transmissão do

conhecimento é feita através do convívio cotidiano e mútuo. O Decreto Nº 9.101 de

19 de maio de 2004, do Governo da Bahia, passou a considerar a figura do mestre

artesão como alguém com a importância de um Tesouro Vivo, a pessoa natural com

notório saber, possuidora dos conhecimentos, das destrezas ou das técnicas

necessárias para a produção e preservação da cultura tradicional popular de uma

comunidade (BAHIA, 2003).

Portanto, o artesanato revela-se como uma atividade não somente

representativa de uma cultura, mas também como um manancial e referencial para as

futuras gerações dos habitantes de uma comunidade tradicional. Essa reflexão é

ratificada por Antunes (1999) que comentou sobre a importância do artesanato,

considerando-o como uma representação das “artes e ofícios tradicionais que

constituem uma forma de reprodução de um ou vários modos de saber, com reflexos

em modelos diferenciados de ensino e de aprendizagem” cujos conteúdos são

diretamente ligados aos valores, ao histórico e aos conhecimentos. Esses conteúdos,

por sua vez, se remetem à construção e articulação da identidade étnica de um grupo

social local (NEVES, 2011), por estarem relacionado com o trabalho de indivíduos com

grande grau de parentesco, que se auto identificam e são identificados como um

grupo diferente dos demais, e que interagem entre si compartilhando seus valores

culturais e sociais, conforme explicaram Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 189-

190).

Por outro lado, o artesanato se apresenta como uma atividade importante,

principalmente para comunidades com poucos recursos econômicos, tais como as

comunidades tradicionais locais. Canclini (1983, Apud ALBUQUERQUE e MENESES,

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2006) afirma que, “devido ao empobrecimento e ao caráter estacionário da produção

agrícola, o artesanato aparece como um recurso complementar apropriado,

convertendo-se, em alguns povoados, na principal fonte de rendimentos”. Esse fato

tem sido visto como uma oportunidade para a promoção do artesanato como

alternativa de sustentabilidade econômica nos tempos contemporâneos, tendo como

exemplo o valor dado pelas atividades turísticas ao artesanato de culturas locais. Ricci

e Sant’ana (2009) afirmam que a procura por produtos artesanais em atividades

turísticas vem crescendo em todo Brasil e que um dos destinos de uso são hotéis e

pousadas, que os utilizam como elementos diferenciais de decoração.

Nessas circunstâncias, entende-se que há uma tendência para a valorização da

cultura das pequenas comunidades tradicionais rurais, representada através do

artesanato, abrindo a possibilidade de usá-lo como meio de aumentar as

oportunidades de atingir uma melhor condição sócio-economica sustentável.

2.1.6. Produção artesanal e mercado

De acordo Kotler e Keller (2008, p.7) o conceito de mercado consumidor pode ser

definido por um ambiente de compra, troca e venda de informações, bens e serviços,

onde pessoas, empresas e organizações têm um potencial poder de consumo e por

isso compartilham relacionamentos que relevam necessidades e desejos, além de

atividades comerciais. Por outro lado, Canclini (1983, p. 94) explica que o artesanato

tem como objetivo primário a “auto-subsistência e o intercâmbio com povoados

próximos” relacionados e identificados com a economia e cultura da região,

determinando assim, mercados locais.

Os mercados locais, segundo Canclini (1983) “são pontos chaves para a

articulação da economia camponesa com o sistema capitalista nacional e

internacional”. Essa articulação, que extrapola as fronteiras das comunidades locais e

dos seus povoados vizinhos, alcança então o contexto urbano: as grandes cidades e

regiões metropolitanas, onde novas oportunidades são oferecidas, assim como

também são revelados uma complexa mistura de desafios e dificuldades ao artesanato

de comunidades tradicionais que ali procuram se estabelecer.

Estudando a relação entre produção artesanal e mercado, Canclini (1983, p. 99)

aponta transformações, dela decorrentes, em alguns âmbitos:

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• Da produção: verifica-se a evolução da autosubsistência para o

atendimento às demandas externas. O Autor indica que podem ocorrer

modificações no processo de trabalho, nos materiais, no desenho e no

volume de peças, na busca de sua adequação ao consumo externo. Além

disso, verificam-se também alterações nas relações e nas técnicas de

produção: assalariamento e substituição de técnicas manuais por

mecânicas. Apesar dessas mudanças, Canclini (1983. p. 99) aponta a

preservação dos “signos formais do artesanato original”, ou seja, a

manutenção dos significados e características identitários.

• Da circulação: o destino das peças produzidas deixa de ser decidido no

campo da produção e passa a ser controlado pela circulação, isto é, pelos

que intermediam a distribuição – atravessadores – podendo gerar

“dependência do capital comercial [...] e a decadência dos mercados

locais” (CLANCLINI, 1983, p. 101).

• Do consumo: que se expande em decorrência da demanda motivada pela

“avidez turística pelo pitoresco, pelo nacionalismo mais simbólico do que

afetivo e pela necessidade de se renovar, oferecendo variação e

rusticidade dentro da padronização industrial” (CLANCLINI, 1983, p. 100).

No que se refere ao mercado, Canclini (1983, p. 101-102) ainda indica que

podem ocorrer quatro tipos de consumo de uma produção artesanal:

• O prático: relativo a produtos voltados para a vida cotidiana, tais como

roupas e utensílios domésticos;

• O cerimonial: voltado para atividades religiosas, a exemplo de

indumentárias rituais e cenas sacras;

• O suntuário: relativo à distinção social, tal como jóias;

• O decorativo: relativo à ornamentação de interiores, a exemplo de

adornos e móveis.

As quatro categorias indicadas acima podem ser agrupadas e combinadas

livremente, a depender da situação concreta que se apresente. A questão relevante

refere-se, então, às possibilidades de aproximação entre a produção artesanal e o

mercado, combinando necessidades dos produtores e os interesses dos consumidores,

preservando-se, todavia, as características identitárias que distinguem as diferentes

origens dessa produção.

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2.1.7. O artesanato de retalhos de tecidos

O artesanato de retalhos de tecidos pode ser associado ao termo inglês

Patchwork, que deriva da expressão Patch (retalho) ou Pieced (pedaço), que significa

a costura de pedaços de tecido para formar mosaicos de desenhos variados,

geralmente usando formas geométricas básicas como o quadrado, o retângulo ou o

triângulo. Santos o define como:

Um trabalho construído a partir da emenda de retalhos costurados de modo a formar desenhos, compondo a parte de cima de uma peça. Os mosaicos de patchwork são montados com pedaços de tecidos de algodão em cores e estampas variadas, que, combinadas, possibilitam a visualização das mais diversas figuras geométricas (quadrados, retângulos, triângulos, etc.) em sua composição (SANTOS, 2011).

Segundo Page (1999), há vários registros de peças de retalhos de tecido na

cultura de povos antigos. Como exemplo, têm-se algumas peças egípcias que datam

do ano 980 A.C., e existem outras evidências de peças similares que podem ser ainda

mais antigas, datando de 3400 A.C.

Leiris e Delange (1967, p. 161) mostram o uso de túnicas acolchoadas previstas

para a proteção do cavaleiro e sua montaria “feitas de triângulos de cores diversas,

costurados entre si” por cavaleiros de sultanias Djermas, que se estendiam entre o

curso médio do rio Niger e o extremo leste dos Camarões, observados nos primeiros

contatos comerciais entre europeus e africanos (Séc. XVI e Séc. XVII).

Já na Europa, vários tipos de produtos têxteis feitos com essa técnica são

registrados desde a Idade Média até os dias atuais. Exemplificam os acolchoamentos

usados como proteção sob as armaduras metálicas usados pelos guerreiros cruzados e

as peças usadas no Séc. XIV como agasalhos e cobertores durantes invernos

rigorosos. Nos países do sul da Europa, tais como Portugal, Espanha e Itália, o uso de

produtos têxteis feitos de retalhos estava mais associado a questões decorativas

(PAGE, 1999). Enfim, a técnica acabou sendo comum em toda a Europa.

A introdução da técnica dos retalhos no Novo Mundo teria sido da

responsabilidade dos colonizadores e imigrantes europeus, segundo Page (1999). Por

sua vez o contato desse artesanato com os saberes trazidos da África por mulheres

escravizadas, resultaria na anexação de suas concepções plásticas àquele trabalho,

predominando assim o uso de cores fortes e contrastantes e a elaboração de padrões

simétricos que remeteriam a padronagens de tecidos africanos (BRENEMAN, 2012).

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As referências anteriores indicam, histórica e culturalmente, a presença do

artesanato de retalhos em diversas partes do mundo. Embora a técnica de reunir

pedaços de retalhos para compor um produto têxtil seja similar entre suas diferentes

origens, seu caráter diferencial se expressa na plástica, nas inserções ou mesmo nas

peculiaridades que cada cultura imprime às diversas peças, constituindo-se assim em

elementos identitários de seus produtores.

A Figura 04 mostra exemplos de produtos artesanais baseados em retalhos de

tecido em diversas culturas: em 1, roupas tradicionais das tribos Seminole, da

América do Norte, em que, segundo Blackard e Patsy (2013), cada padronagem se

reporta a fenômenos da natureza ou passagens do cotidiano da tribo, tal como a

chuva, os pássaros ou os raios; no exemplo 2, padronagens da tribo Djerma, usados

para vários fins, incluindo os trajes dos guerreiros e seu cavalo; finalmente o exemplo

3 mostra a aplicação do conceito de produtos em retalhos no artesanato

contemporâneo brasileiro, neste caso uma bolsa de uso urbano.

FIGURA 04 Exemplos de artesanato de retalhos

1 2 3 1- Padronagem da tribo indígena Seminole, da América do Norte 2- Padronagem e aplicação nas vestimentas dos guerreiros africanos Djerma 3- Bolsa de retalhos desenvolvida por artesãs brasileiras

Fonte: Imagens desenvolvidas e retocadas pelo autor a partir de: USA (2013), Garner (2010), villartedesign (2012), Leiris e Delange (1967), Ananse Village (2013)

No caso do Brasil, o artesanato de retalhos, na sua concepção básica conforme

anteriormente descrita, é encontrado em todas as regiões e desenvolvido em

diferentes expressões culturais comunitárias, tanto rurais quanto urbanas. O que

diferencia suas peças é o destino funcional, a concepção plástica e, sobretudo, o

sentido e o significado emprestados ao produto por seus artesãos e consumidores. O

Programa do Artesanato Brasileiro (BRASIL, 2012) considera como categorias de

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produção do artesanato no país a carpintaria, a cartonagem, a cerâmica, a cestaria, a

cinzelagem, a confecção de bonecos e brinquedos, a culinária típica a costura, dentre

outros.

O artesanato de retalhos de tecido faz parte da classificação mais geral do

artesanato de costura que, segundo Brasil (2012), abrange o Pacthwork (artesanato

de retalhos propriamente dito), o fuxico, a customização e o crochê como algumas

das técnicas associadas à costura. As atividades de artesanato, tais como a do

artesanato de retalhos de tecidos, previstas no Programa do Artesanato Brasileiro

estão associadas a uma política que tem como foco a produção sustentável voltada

para a promoção da inclusão social e geração de trabalho e renda para comunidades

regionais (BRASIL, 2012, p.5).

O artesanato, como parte representativa de uma cultura tradicional, expressa

uma forma de compreensão da realidade por parte daqueles que o produzem

tornando-se, portanto, caminho para o entendimento do repertório cultural do

contexto onde se insere.

2.2 ABORDAGENS SOBRE O RECÔNCAVO DA BAHIA E SUA PRODUÇÃO

ARTESANAL

2.2.1. Caracterização geográfica

O Recôncavo da Bahia constitui a faixa em semicírculo em torno da baia de Todos

os Santos, alcançando 50 à 60 km de largura, que se limita no litoral entre a foz dos

rios Sauípe, ao norte, Jequiriçá, ao sul, e o Rio da Dona, ao sudoeste. Trata-se de

uma designação geográfica – contorno da Baía de Todos os Santos e, portanto,

Recôncavo da Bahia – e também cultural, por designar um conjunto de práticas de

produção, relações de trabalho, relações sociais e patrimônio etnocultural, que

identificam seu povo e sua história (BRANDÃO, 2007a, p. 24).

Ao longo dos seus quase 500 anos de história, a região, povoada por europeus

que dizimaram populações indígenas locais e que, posteriormente, introduziram povos

africanos escravizados, transitou de uma composição tradicional representada pelos

municípios de Abrantes, Cachoeira, Jaguaripe, Maragojipe, Salvador, São Francisco do

Conde, Santo Amaro da Purificação, para a atual configuração que compõe o Território

de Identidade nº 21, de acordo com o que estabelece o Decreto nº 12354 de agosto

de 2010 (BAHIA, 2010), sendo composto por 20 municípios segundo indica o mapa

apresentado na Figura 05.

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FIGURA 05 Mapa do Recôncavo da Bahia

FONTE: Construção própria a partir de Bahia (2010, p. 18)

A diversidade é a característica marcante da região, tanto no que concerne a sua

geografia quanto no que se refere à atividades econômicas, relacionadas à diversidade

ambiental e ao aproveitamento de recursos naturais distribuídas entre a agroindústria

do açúcar e do fumo; da produção de alimentos; de materiais de construção e

produtos de olaria, aproveitando a presença de caieiras e solos argilosos; da extração

da lenha, do coco e produção do artesanato de rendas bordados e utilidades de uso

cotidiano (COSTA PINTO, 1997). Por outro lado, a diversidade cultural se apresenta

em diversas expressões, tais como a arquitetura urbana e a religiosa; o patrimônio

imaterial marcado pela religiosidade, músicas e danças de caráter afrobrasileira e

pelas formas de comunicação oral que caracterizam os diferentes territórios onde

acontecem.

2.2.2. Contexto sócioeconômico

Ao longo da sua história, a economia do Recôncavo da Bahia caracterizou-se pela

produção agromercantil voltada para a exportação e por sua posição subsidiária à

cidade do Salvador, resultando na permanência de uma feição eminentemente rural,

apesar da existência de vilas, distritos e cidades ali registradas. Pedrão (2007, p. 10)

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aponta que as relações escravistas de produção acompanharam grande parte da

história regional e mesmo após a abolição influenciaram na permanência de regimes

de trabalho baseados em relações pré-capitalistas e uso do solo. A abolição dos

escravos, o abandono por grande parte desses trabalhadores das propriedades rurais

e a dificuldade da classe proprietária de estabelecer o trabalho assalariado levou o

distanciamento de seus centros urbanos dos processos de avanço econômico e

consequentemente resultando em dificuldades para a sua população.

A situação de marasmo da economia regional perdurou até a metade do Séc. XX

quando a descoberta do petróleo na área suburbana de Salvador em 1939 levou a

posterior instalação das atividades de exploração e refino de petróleo, sob a direção

da Petrobrás em 1953, o que dinamizou a economia do estado no setor petrolífero.

Brandão (2007b, p. 25) aponta os defeitos diretos dessas mudanças na região do

Recôncavo, expressos na disputa pelo controle de mão de obra qualificada entre a

companhia de petróleo e as usinas de açúcar; o clima de insegurança que se espalhou

entre os proprietários locais, em vista da imprecisão quanto às formas de

desapropriação de terras; a repentina alteração da demografia das localidades

atingidas com a chegada de imigrantes regionais e de outros estados, a concentração

nas áreas de exploração e a marginalização daquelas que não participavam.

Entre 1960 e 1979, Salvador, respectiva região metropolitana e algumas áreas

do Recôncavo receberam a instalação de empreendimentos industriais representados

pelo CIA (Centro Industrial de Aratu), pela USIBA (Usina Siderúrgica da Bahia) e pelo

Pólo Petroquímico de Camaçari. Apesar dessa onda de industrialização, o Recôncavo

da Bahia não se beneficiou como um todo com as mudanças introduzidas. Seus

territórios tradicionais alcançaram poucas melhorias, não superando os elementos

responsáveis pela desigualdade, pobreza, violência e falta de perspectivas na

expansão do mercado de trabalho. Analisando essa situação, Brandão afirma que:

[...] atingindo profundamente a estrutura social das áreas impactadas, atraiu migrantes de outras regiões, elevou o custo de vida e contribuiu para desorganizar e reduzir o padrão de vida dos mais pobres. As cidades históricas de São Félix, Maragojipe, Santo Amaro, Cachoeira, Jaguaripe, bem como o circuito de casarões e templos rurais, continuaram a morrer (BRANDÃO, 2007a, p. 55).

Todavia um dos efeitos mais visíveis e recentes do distanciamento entre as áreas

tradicionais e aquelas ligadas às atividades de industrialização na região pode ser

visto nas mudanças ocorridas na rede de transportes. No passado as comunicações

entre o litoral e o interior do Recôncavo tinham nos rios Paraguaçu, Jaguaripe e seus

afluentes suas principais rotas para o transporte de pessoas e mercadorias, enquanto

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que as localidades do litoral eram servidas e interligadas por barcos e saveiros. Zorzo

(2007, p. 90) mostra como a posterior introdução das estradas de ferro na região não

alterou a importância econômica da Baía de Todos os Santos, agregando maior valor

ao sistema de transporte com a atuação dos portos de Nazaré e São Roque. Mas a

ampliação da malha rodoviária implantada no Estado entre as décadas de 1950 e

1970 impactou a posição do Recôncavo no contexto estadual. A ligação entre Salvador

e a BR 116 através de Feira de Santana; a abertura da BR 101 e a duplicação da BR

324 foram eventos que modificaram a direção das atividades econômicas de Salvador

e cidades vizinhas, que passaram a se relacionar com o resto do país por meio das

novas rotas terrestres, invertendo o sentido antes direcionado para a Baía de Todos

os Santos e seu Recôncavo.

Foi a questão da criação de um novo porto para a Bahia e um distrito industrial que abriu a discussão sobre a relação Capital / Recôncavo, levando a uma nova concepção da região de Salvador e eliminando a importância da Baía de Todos os Santos (BRANDÃO, 2007b, p. 26)

Com essa análise Brandão relaciona os fatores econômicos vistos até aqui e sua

articulação com a decadência da região que hoje compõe o Território de Identidade nº

21: Recôncavo da Bahia.

Brandão (2007a, p. 56) aponta ainda os impasses que se apresentam na

atualidade para a dinamização da economia local e sua inevitável influência na vida de

sua população: “a descoberta da região como destino turístico, com todas as

implicações sobre a cultura, a vida social e o mercado imobiliário”, bem como a

manutenção dos impactos produzidos pela Petrobrás e a implantação de novos

complexos de estaleiros são questões que explicam a situação complexa vivida hoje

pela região.

2.2.3. Artesanato e política cultural no Recôncavo atual

O Território de Identidade do Recôncavo apresenta uma das maiores expressões

da diversidade cultural observadas no Estado da Bahia. Esse fato, já estudado por

Costa Pinto (1997), torna-se expressivo quando se focaliza especificamente a

produção artesanal local. Para a abordagem dessa questão neste estudo foram

selecionados 10 municípios desta região, listados no quadro H, segundo critérios

essencialmente geográficos e espaciais:

• Ser banhado pela Baía de Todos os Santos

• Ser cortados pelos rios Paraguaçu, Jaguaripe e Subaé

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Nos municípios selecionados, foram mapeados os registros mais expressivos do

artesanato local segundo dados do 1º Censo Cultural da Bahia (BAHIA, 2006). O

Quadro 02 resume os artesanatos levantados por município.

QUADRO 02 Tipos de artesanato em municípios do Recôncavo

MUNICÍPIO

TIPO DE ARTESANATO

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e

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ba

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Aproveitamento de retalhos - - - - 6

Bordado - - - 7

Cerâmica - - - - 6 Cestaria / Trançados - - - - 6

Couro - - - - 6

Crochê / Tricô - - 8

Flores - 9

Madeira - - 8

Rendas - - - - - - 4 Bambu / coco / Dendê - - - - - - - 3

Bonecas - - - - - 5

Vidro / Pedra - - - - 6

Legenda: Existente - Inexistente Fonte: Desenvolvido pelo autor a partir de Bahia (2006)

Neste quadro 02, a coluna que totaliza a ocorrência dos registros demonstra que o

aproveitamento de retalhos não é uma atividade predominante, mas está presente

nos municípios mais antigos como Cachoeira, Santo Amaro, Santo Antonio de Jesus e

Maragojipe. Os dados do Censo, entretanto, não permitem identificar nem caracterizar

as condições de produção nem os tipos de produtos, sendo que, no caso de

Maragojipe, as referências indicam apenas o centro da cidade sede do município, sem

esclarecer se se trata de local de venda ou de produção.

Sendo o artesanato um componente do patrimônio cultural da Bahia, tanto no

aspecto imaterial por concentrar e expressar valores e tradições locais, quanto no

aspecto material, por produzir peças de variadas utilidades, ornamentação ou para

lazer, o mesmo se torna também objeto de programas e projetos orientados por

setores oficiais. A Secretaria da Cultura do Estado da Bahia atua nesse sentido através

do Instituto de Artesanato Visconde de Mauá, cuja missão pode ser identificada nos

artigos 11 e 12 do seu regimento publicado em 2012. O artigo 11, referente ao núcleo

de acervo artesanal, “promove, acompanha e avalia as atividades de preservação da

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memória do artesanato baiano” (BAHIA, 2012), tendo, entre suas tarefas, a

manuitenção do “acervo representativo do artesanato baiano” (Op. Cit.). Já o artigo

12, relativo à Gerência de Fomento ao Artesanato “tem por finalidade promover,

acompanhar, executar e avaliar ações de fomento e apoio aos artesãos” (BAHIA,

2012). O Instituto Mauá promove regularmente mostras, feiras e exposição da

produção artesanal do Estado, a exemplo da realizada em 2011, que reuniu

exemplares da peculiar cerâmica utilitária do distrito maragojipense de Coqueiros, de

influencia nitidamente indígena (BAHIA, 2011a), conforme já visto anteriormente.

A política cultural do Estado ainda desenvolve parcerias com instituições privadas

para fins de desenvolvimento de projetos de organização e produção artesanal, como

pode ser visto na temática Design útil em negócios de artesanato, desenvolvida na V

Rodada de Negócios de Artesanato, promovida pelo SEBRAE, em parceria com o

Instituto Mauá e a Secretaria de Turismo do Estado da Bahia em 2012 (FRANCO,

2012). Destacou-se, naquela ocasião, o objetivo de “sensibilizar parceiros do SEBRAE,

arquitetos, decoradores, designers e artesãos da Bahia para o uso do artesanato de

elevado valor agregado, nos projetos de decoração e interiores” (FRANCO, 2012).

Outro exemplo é o do programa do Instituto Votoratim, o Fomento a Cadeias

Produtivas (INSTITUTO VOTORANTIM, 2012) que, entre 2006 e 2011, promoveu nos

municípios de Cahoeira, São Félix, Maragojipe e Governador Mangabeira o Programa

de Desenvolvimento de Negócios Sustentáveis: mel, pescados, turismo e artesanato

no Recôncavo Baiano / Bahia, divulgando, entre seus resultados a organização de

artesãos de diversas atividades com “capacidade técnica e de criação” para viabilizar

canais de venda no Instituto Mauá e no comércio da cidade de Salvador.

A atuação de empresas privadas em projetos sócioeconômicos de ação impactante

em regiões previamente selecionadas resulta de políticas oficiais de incentivo à

instalação dessas empresas, que se beneficiam de isenções fiscais e privilégios de

mercado e, por sua vez, como contrapartida, desenvolvem projetos sociais tais como

o de desenvolvimento de atividades artesanais. Os critérios para a escolha das

categorias de trabalho a serem apoiadas não ficam muito claros para o público em

geral. No projeto da Votorantim, por exemplo, não foi incluído o artesanato de

aproveitamento de retalhos, muito embora essa produção ter sido registrada no

Censo Cultural da Bahia de 2006 e estar presente em três dos quatro municípios que

participaram do projeto: Cachoeira, São Félix e Maragojipe, conforme explicitado no

Quadro 02.

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A prática irregular e seletiva dos projetos de incentivo à produção cultural do

Estado da Bahia foi abordada por Lima (2011), que aponta o distanciamento desses

projetos das áreas do interior do Estado, exemplificando o Censo Cultural de 2006,

como uma realização que “não foi capaz de impulsionar as práticas culturais do

governo para dinamizar os espaços culturais do interior” (LIMA, 2011 p. 13). Ainda a

mesma autora chama a atenção para distorções no entendimento e na prática de

programas culturais do Estado, que não levam em consideração as identidades

culturais da Bahia, o que resultou na concepção de uma identidade única para o

Estado (LIMA, 2011)

Nessa mesma linha crítica se coloca Santos (2010) que informa sobre a redução do

número de artesãs no Recôncavo a partir de dados coletados no Instituto Mauá de

Cachoeira e na Casa da Cultura Américo Simas, de São Félix. Nesses municípios

menos de 0,5% da população realizam atividades de artesanato, revelando uma

contradição entre as informações oficiais e a realidade constatada. Repetindo o

depoimento de artesãs locais, Santos (2010) denuncia que “o artesanato não é

valorizado pelos moradores, que fazem este trabalho mais pelo prazer que ele

proporciona e para manter viva essa tradição [...] a baixa procura pelos objetos

artesanais tem contribuído para que as pessoas se interessem cada vez menos pelo

ofício”.

A questão da organização do mercado constitui-se também em um fator de

dificuldade para os artesãos do Recôncavo, fato reconhecido pela Secretaria Estadual

do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte que, ao reconhecer a necessidade de garantia

de espaços específicos para a comercialização de peças do artesanato baiano (BAHIA,

2011b), levou o apoio à iniciativa do Instituto Mauá em criar o selo A Bahia feita à

mão.

Como visto, o estado da produção artesanal no Recôncavo da Bahia, de forma

geral, e do artesanato de aproveitamento de retalhos, em particular, apresenta-se

pouco promissor para os produtores que se encontram à margem de programas

oficiais orientados pelo Instituto Mauá ou mesmo programas de parceria deste

Instituto com empresas da iniciativa privada. A articulação entre a produção artesanal

e comunidades quilombolas na região aqui estudada representa um esforço para a

compreensão dos problemas que envolvem essa produção.

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2.3. ABORDAGENS SOBRE COMUNIDADES QUILOMBOLAS

O termo quilombo, e a denominação do seu habitante, o quilombola, têm origem

africana. Segundo Freitas (1980, p 32), quilombo é adaptação aportuguesada do

termo Kilombu, proveniente da língua quimbundo, falada em uma das regiões de

Angola e pertencente ao grupo linguístico banto. Significa arraial, acampamento,

povoação, cidade ou ainda grupos armados que apoiavam traficantes de escravos. No

Brasil, segundo Castro (2001, p. 324), o termo quilombo passou a significar um

agrupamento de escravos fugidos e após a abolição, os grupamentos de ex-escravos

em terras doadas, herdadas ou simplesmente ocupadas por suas famílias.

Esses agrupamentos de escravos fugidos eram um fenômeno comum em todo

Novo Mundo e, de acordo com Carvalho (1996), recebiam nomes diferentes em várias

regiões da América: mocambo ou quilombo no Brasil; palenques, na Colômbia e em

Cuba; cumbes, na Venezuela e marrons, no Haiti. No Brasil, tais comunidades

surgiram espalhadas e fragmentadas em inúmeras regiões do país, não alcançando,

por isso, uma coletividade. Durante o processo da escravidão, tais comunidades

sobreviveram como foco de resistência às perseguições da classe senhorial, que

buscavam recuperar os escravos fugidos.

Os quilombos foram, então, como vilas de escravos fugidos. Muitas delas

estavam distantes e fora do alcance dos antigos donos, mas outras existiam

instaladas nos arredores dos engenhos e fazendas, em lugares conhecidos dos

senhores de engenhos e demais autoridades. Nessas vilas se refugiavam, além dos

escravos fugidos, também escravos libertos, indígenas e brancos fugitivos da justiça

da época (ALBUQUERQUE e FRAGA FILHO, 2006, p. 120). Porém a idéia de que os

quilombos eram vilarejos autosuficientes, autônomos, isolados e defendidos está

associada ao quilombo de Palmares, localizado onde hoje é o território do estado de

Alagoas.

Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 120), o quilombo de Palmares

pode ser considerado como modelo para o conceito atual de quilombo. Palmares

estava em uma localização distante, em terreno acidentado, cercado de mata fechada

e de difícil acesso, tanto para os seus agressores quanto para seus moradores. Por

outro lado, a terra era fértil, a mata permitia a caça e a pesca. Seus moradores se

defendiam aplicando táticas de guerrilha, o que foi eficaz durante muitas investidas

das tropas de bandeirantes, antes da sua queda em 1695, depois de 65 anos de lutas,

o que não foi o suficiente para acabar com os quilombos. Estes se multiplicaram.

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Depois da abolição, tais comunidades foram abandonadas à própria sorte, e

esquecidas pelas políticas públicas e pelas correntes políticas, reduzindo-as a

comunidades à margem dos avanços do resto do país. Segundo Carvalho (1996) a

falta de uma política que atendesse às necessidades dessas comunidades e a

insegurança quanto à sua propriedade foram um dos principais “fatores que os

levaram a uma busca da territorialidade, não somente para garantir seu

assentamento, mas também como suporte das suas identidades”. Além disso, a busca

pela sobrevivência levou as comunidades quilombolas a adotarem comportamentos de

isolamento e invisibilidade social, permanecendo em estado de resistência desde sua

formação até os dias de hoje. Isso acarretou a preservação dos conhecimentos,

sabres, práticas, enfim, da cultura dos seus ancestrais, os quilombolas. “Essas

comunidades sempre fizeram as coisas do mesmo modo que faziam seus ancestrais,

há dois séculos atrás” (CARVALHO, 1996).

Atualmente o conceito de quilombo está modificado. O termo quilombo é

aplicado com mais propriedade ao contexto histórico da escravidão, quando essas

comunidades eram formadas por escravos fugidos ou ex-escravos. Para o pós-

abolição e para a contemporaneidade, as designações mais apropriadas são

Comunidades Remanescentes de Quilombos ou Comunidades Quilombolas, relativas

às comunidades que foram e são formadas pelos descendentes dos escravos,

assentadas em terras herdadas, doadas ou, eventualmente, ocupadas por eles. A

abordagem do conceito de Comunidades Quilombolas aparece na literatura com

pequena variação de conteúdo, fato que se observa nas referências que se seguem:

• Comunidades rurais habitadas por descendentes de escravos que mantêm laços de parentesco e vivem em sua maioria, de cultura de subsistência, em terra doada, comprada ou ocupada secularmente pelo grupo. Os negros dessas comunidades valorizam as tradições culturais dos antepassados, religiosas ou não, recriando-as no presente (MOURA, 1999).

• Comunidades negras, descendentes de negros escravizados vindos da África, que vivem em espaços urbanos, periurbanos e rurais do território brasileiro (DOS ANJOS 1999, p. 87-98).

Essas definições permitem entender que o conceito de Comunidades Quilombolas

não somente se refere a comunidades afrodescendentes, tanto rurais como urbanas,

que preservam o patrimônio cultural dos seus ancestrais como forma de manter a sua

sobrevivência cotidiana e a sua identidade, mas também se referem àquelas que

resistem socialmente e que lutam por essa sobrevivência. O conceito de Comunidades

Remanescentes de Quilombos ou Quilombolas, na maioria das referências

pesquisadas, está associado à luta pela sobrevivência e à resistência social de um

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povo que sofreu grandes opressões históricas, ideia esta que pode ser considerada

como parte constituinte deste conceito. É o que se conclui da citação de Leite (2000):

O quilombo constitui questão relevante desde os primeiros focos de resistência dos africanos ao escravismo colonial, reaparece no Brasil/república com a Frente Negra Brasileira (1930/40) e retorna à cena política no final dos anos 70, durante a redemocratização do país. Trata-se, portanto, de uma questão persistente, tendo na atualidade importante dimensão na luta dos afrodescendentes (LEITE, 2000).

A luta pela legalização da posse da terra é considerada pela literatura como um

dos maiores esforços das comunidades quilombolas no que diz respeito a questões da

sua sobrevivência e da preservação de seu patrimônio étnico-cultural. As terras onde

se localizam tais comunidades, além de serem um fator de coesão entre seus

indivíduos por morarem na mesma localidade, são principalmente, um dos

constituintes da sua identidade e da sua história. Contudo, a posse da terra só foi

garantida por lei a partir da Constituição de 1988, lei nº 7.668, que diz no artigo #68

das Disposições Constitucionais Transitórias–ADCT:

Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos (BRASIL, 1988).

Para tal, segundo o Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003 (BRASIL,

2003), “a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será

atestada mediante autodefinição da própria comunidade.” Em seguida, esse mesmo

decreto define as terras a serem ocupadas e suas finalidades: “São terras ocupadas

por remanescentes das comunidades de quilombos as utilizadas para a garantia de

sua reprodução física, social, econômica e cultural” (BRASIL, 2003).

A autodefinição, ou melhor, o autorreconhecimento a que se refere o Decreto nº

4.887, deve ser primeiramente manifestado pela comunidade, através de documentos

e estudos que comprovem a origem quilombola em questão (FUNDAÇÃO CULTURAL

PALMARES, 2010), para, em seguida, ser submetida a uma avaliação científica de

caráter histórico e antropológico, que atestará, segundo este mesmo Decreto, Art 3º

§1º , o direito à terra pretendida.

O INCRA deverá regulamentar os procedimentos administrativos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, dentro de sessenta dias da publicação deste Decreto (BRASIL, 2003).

A situação político-jurídica vivida atualmente por grande parte das comunidades

quilombolas na Bahia relaciona-se, diretamente, com as determinações contidas no

Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição

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Federal de 1988, que, ao estabelecer critérios para o reconhecimento dos direitos

territoriais às comunidades quilombolas, introduziu um conteúdo jurídico para a

compreensão do significado ao termo quilombo nos dias atuais (O’DWYER, 2002,

p.18). Esse significado jurídico, aliado ao político, oriundo das formas de organização

social dos grupos negros, que reivindicam a posse e a estabilidade nas terras que

ocupam, desde tempos recuados, passa a exigir reformulações quanto ao conceito

histórico de quilombo, utilizado pela historiografia tradicional.

Baseado na antiga concepção, elaborada pela sociedade escravista, de que os

agrupamentos de escravos fugidos constituíam quilombos (LARA, 2005, p. 96), o

conceito tradicional já não atende à compreensão atual dessa realidade sociocultural.

Portanto, neste trabalho será utilizado o significado do termo quilombo proposto pela

Associação Brasileira de Antropologia (ABA), segundo a qual “[...] quilombos

consistem em grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência na

manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos e na consolidação de

um território próprio” (O’DWYER, 2002, p.18). Quanto ao significado de Comunidade

Quilombola, será seguido o que estabelece o Art. 2º do Decreto nº 4.887/2003, que

regulamenta o Art. 68 da Constituição Federal, segundo o qual:

Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida (BRASIL, 1988).

Apesar da abertura facultada pela Lei Constitucional de 1988, no entanto, há

muitas dificuldades quanto ao primeiro passo para a conquista da terra: a

autodefinição, ou seja, o ato de reconhecer a si próprio como quilombola e que

compete, logicamente, à própria comunidade. Um exemplo dessa dificuldade é

claramente mostrado no documentário denominado Quilombos da Bahia (2004), no

qual várias comunidades quilombolas baianas não se reconhecem como tal, sendo que

alguns dos seus habitantes não conhecem a história de sua ancestralidade. Neste

documentário tem-se como exemplo o relato da Sra. Maria dos Santos, conhecida

como Dona Cecé, moradora da Comunidade Quilombola Bananal, localizado na

Chapada Diamantina, no município de Rio de Contas. Com a idade de 89 anos quando

deu a entrevista, Dona Cecé falou do seu desconhecimento quanto à história de seu

povo quanto à escravidão, a qual ela identifica como lei do cativeiro:

Meu avô nunca contou para nós sobre o cativeiro. Só contava assim, que o pai dele falava para ele que teve. Agora, ele não sabia contar a história para gente! Não, meu avô não sabia contar a história para nós. O pai dele falava com ele: olha, teve uma lei do cativeiro, mas, só assim! Ele não informou direito para contar pra meu avô, para meu avô contar para meu pai, e para meu pai contar para nós. Só falou que teve, mas ele não sabe como. (MARIA DOS SANTOS, em QUILOMBOS DA BAHIA, 2004)

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Neste mesmo documentário, outros moradores de outras comunidades

quilombolas, quando argüidos sobre o significado da palavra quilombo, diziam não

saber do que se tratava e outros ainda confundiam o termo quilombo com a medida

de distância quilometro.

O aparente desconhecimento quanto às origens da história dessas comunidades

pode ser entendido como resultante da perda da memória coletiva face às pressões

vividas no sistema escravista. Esse desconhecimento vem sendo superado

crescentemente por ações que, não só preservam a cultura tradicional quilombola,

mas em muitos casos, desperta entre seus indivíduos a consciência de sua identidade.

A consciência de uma identidade que integra os membros do grupo social é de

fundamental importância para que o mesmo possa se enquadrar nos dispositivos

constitucionais anteriormente referidos, que passaram a garantir às comunidades

ditas remanescentes de quilombos ou quilombolas, direitos territoriais presentes na

Constituição Brasileira de 1988 (O’DWYER, 2002, p 13). Nesse sentido, a análise

desenvolvida por O’Dwyer destaca, dentre outras questões, a autoatribuição de uma

identidade básica e mais geral que, no caso das comunidades negras rurais, “costuma

ser determinada por sua origem comum e sua formação no período escravocrata”

(O’DWYER, 2002, p 16).

2.3.1 Distribuição das comunidades quilombolas no Brasil e na Bahia

Poucos são os Estados do Brasil sem registro de existência de comunidades

quilombolas, mas a sua distribuição é bastante heterogênea. As áreas onde

atualmente há maior concentração dessas comunidades foram pontos de

desembarque dos africanos e localidades nas quais usaram a mão-de-obra escrava.

Por isso, as regiões Norte e, principalmente, a Nordeste são as regiões onde os

registros de comunidades quilombolas são, atualmente, mais freqüentes.

Segundo Anjos e Cypriano (2006, apud NEIVA et al, 2006) e Oliveira (2010),

existem no Brasil entre 2.549 e 2.842 comunidades quilombolas. Há, entretanto, uma

perspectiva de aumento desse número, pois novas comunidades quilombolas podem

ser confirmadas. A Figura 06 mostra a distribuição dessas comunidades no Brasil,

baseada nos dados apresentados por Neiva et al (2006). Nesta figura verifica-se a

participação da região Nordeste com 61% de registros, tornando-se, então, a região

com participação majoritária, seguida pela região Norte com 15% e Sudeste com

13%, Sul com 6% e Centro-Oeste com 5% dos registros. Segundo a Fundação

Cultural Palmares (2010) e Oliveira (2010), foram certificadas cerca de 1.523 dessas

comunidades, e cerca de 1.318 certidões foram emitidas e publicadas no Diário Oficial

da União.

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FIGURA 06 Distribuição quantitativa das Comunidades Quilombolas nas regiões do Brasil

Fonte: construção do Autor a partir dos dados de Neiva et al (2006)

Neste cenário, o Estado da Bahia se destaca ocupando o segundo lugar em

ocorrências de comunidades quilombolas no Brasil, com aproximadamente 469

comunidades confirmadas, 16,5% dos registros, colocando-se atrás do Estado do

Maranhão, que possui 743 comunidades (NEIVA et al, 2006). A Figura 07 mostra, na

cor cinza, os municípios baianos onde há registro de comunidades quilombolas.

Norte 426 CQ 15%

Bahia 469 CQ 16,5%

Nordeste (menos a Bahia)

1265 CQ 44,5%

Centro-Oeste 142 CQ

5% Sudeste 369 CQ 13%

Sul 171 CQ

6%

Total: 2.549 CQ CQ: Comunidades Quilombolas

Nordeste Total:

1734 QC 61%

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FIGURA 07 Distribuição geográfica das Comunidades Quilombolas na Bahia

Fonte: construção do Autor a partir dos dados de Dos Anjos (1999 e 2005)

Segundo a Figura 07, apesar de uma grande distribuição das comunidades

quilombolas no Estado, destaca-se uma grande concentração nas regiões do

Recôncavo, Costa do Dendê e demais regiões próximas à cidade de Salvador.

QUADRO 03 Comunidades certificadas na Bahia entre 2004 à 2010

ANO DA CERTIFICAÇÃO

NÚMERO DE CERTIFICAÇÕES EMITIDAS

2004 23 2005 52 2006 112 2007 22 2008 36 2009 21 2010* 33

TOTAL 299 * Até o mês de agosto

Fonte: Fundação Cultural Palmares (2010)

Como pode ser visto, dessas comunidades, 469 confirmadas, foram certificadas

pelo Governo Federal, a partir de 2004 até o ano de 2010, cerca de 299 comunidades

(FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES, 2010), conforme mostra o Quadro 3, ou seja,

pouco mais da metade das comunidades conhecidas.

Municípios com registro de existência de Comunidades Quilombolas

Linhas de fronteira municipal

ESTADO DA BAHIA

Região com grande concentração de Comunidades Quilombolas

RMS: Região Metropolitana de Salvador, Recôncavo, Costa do Dendê e vizinhanças.

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2.3.2. Caracterização da cultura quilombola

Não há dúvidas de que a cultura afro-brasileira é uma das mais importantes para

a cultura geral do Brasil, visto que esta é uma das suas partes estruturantes,

ratificando ao Brasil a característica de país mestiço ou multiétnico, possuidor de uma

cultura multifacetada. Nesse contexto, a cultura afro-brasileira se apresenta como

ampla e diversa e seu conteúdo se manifesta de várias maneiras, sendo formada a

partir da cultura ancestral africana, mas recebendo conteúdos de outras origens e

modificando outras manifestações culturais brasileiras de origem não africana.

Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 225-252) recortaram na história três

manifestações culturais praticadas ou influenciadas pela população negra: o carnaval,

o candomblé e a capoeira, que exemplifica o quanto profundamente a cultura

ancestral africana, mesmo modificada e generalizada pela mistura das culturas dos

escravos de diversas etnias durante o processo de captura e escravidão, influenciou a

cultura popular brasileira, principalmente nas cidades de Salvador, Recife, Rio de

Janeiro e Belém do Pará. Nessas manifestações revelam-se a persistência de

comportamentos e a inclusão de valores dos escravos, ex-escravos e seus

descendentes, tal como no caso do Entrudo, Figura 08, manifestação precursora do

carnaval moderno, festejado pelos negros e que sobrepujou o modelo carnavalesco

europeu, preferido pelas elites.

FIGURA 08 O entrudo no Rio de Janeiro, 1823

Fonte: Jean-Baptiste Debret (França 1768-1848) - Aquarela sobre papel

Museu da Chácara do Céu - Rio de Janeiro

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Entretanto, a construção da cultura quilombola rural difere da trajetória da

cultura afro-brasileira no geral. Tal diferença pode ser atribuída tanto pelo isolamento

social dos quilombos, que conservaram muito da cultura ancestral africana, quanto da

mistura dos componentes culturais africanos com componentes culturais índígenas e

europeus, pois muitos indivíduos desses povos viviam nos quilombos ou se

relacionavam intimamente com os quilombolas.

Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 128-130) afirmam que os quilombos além

de abrigar, por várias circunstâncias, indígenas e brancos, também se relacionavam

com tribos indígenas e vilas de colonos brancos vizinhos, principalmente com

interesses comerciais. Juntos, esses povos praticavam também agricultura de

subsistência, trocavam experiências e conhecimentos sobre a vida na mata, plantas

medicinais, formas de cultivo, estratégias de guerra. Além disso, todos esses povos se

relacionavam entre si, gerando descendentes mestiços e formando famílias, provando

que, apesar do isolamento, os quilombos interagiam com o resto da sociedade da

região. Portanto, não se pode atribuir à cultura quilombola uma ancestralidade

puramente africana, sem considerar a participação de elementos culturais indígenas e

brancos.

Ao mesmo tempo, além de ter uma formação multicultural, as comunidades

quilombolas também preservam parte das culturas africanas ancestrais, apesar da

presença significativa de elementos culturais de outros povos. Como exemplo, pode-

se apontar a comunidade quilombola do Cafundó, atualmente localizada no interior do

estado de São Paulo. Os quilombolas do Cafundó, apesar de mostrarem elementos

culturais de influência européia, tal como o culto ao catolicismo e elementos

tradicionais afrodescendentes como a capoeira, preservam, também, um dialeto

africano, a Cupópia, língua ancestral de origem banto da região de Angola (ÁVILA,

2010), “cujo papel social é, sobretudo, de representá-los como africanos no Brasil [...]

utilizada em situações sociais mais ou menos corriqueiras” (VOGT e FRY, 2005).

Exemplos como o de Cafundó não podem ser considerados como regra geral. Na

maioria dos casos vistos na literatura, as comunidades quilombolas apresentam sua

origem africana matizada com tantas outras influências européias e indígenas, visto

que a formação histórica e cultural dessas comunidades, no Brasil, dificultou a livre

preservação de suas expressões culturais. Na condição de escravos, antepassados das

atuais comunidades quilombolas precisavam disfarçar suas práticas originais, ora

revestindo-as de roupagem da cultura dominante, ora negando-as ou escondendo-as.

São exemplos: a capoeira: luta perseguida pelas autoridades policiais, disfarçada em

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dança e, já no Séc. XX associada às artes marciais; a religião com a diversidade das

divindades originais encoberta pela diversidade presente nos cultos católicos; a língua

com a obrigação de aprendizado da língua portuguesa encobrindo as línguas originais,

malgrado as alterações introduzidas na própria língua portuguesa falada no Brasil.

A convivência sistemática dos africanos escravizados e seus descendentes com a

cultura dominante no Brasil limitou a preservação de suas expressões culturais na sua

diversidade original, ao contrário dos povos indígenas que, tendo a oportunidade do

distanciamento, preservaram melhor suas características representativas e

identitárias. São exemplos as pinturas corporais indicadoras de pertencimento a

determinadas tribos e a Cerâmica Marajoara, reconhecível como de origem dos índios

da Ilha de Marajó.

Comparada com outras manifestações afrodescendentes, o patrimônio cultural

quilombola apresenta algumas peculiaridades na sua construção. Questões de

territorialidade e de fator familiar podem ser consideradas como grandes diferenciais,

pois a cultura se concentra na relação entre a comunidade familiar, baseada em laços

de parentesco, de solidariedade e reciprocidade, e um território definido e por ela

ocupado, não como lotes individuais, mas “predominando o seu uso comum”

(O’DWYER, 2002, p. 18-19). Esse contexto pode ser considerado, então, como um

ambiente propício para a preservação e transmissão dos conhecimentos tradicionais,

originários dos antigos quilombos, e que se manifestam na contemporaneidade.

2.3.3. Exemplos de artesanato produzido por Comunidades Quilombolas

contemporâneas

As comunidades quilombolas rurais geralmente praticam a economia de

subsistência desde os seus primórdios, tais como atividades agropecuárias e o

artesanato. Transmitidas de geração em geração, essas atividades e técnicas rurais

além de serem o principal meio de abastecimento desses povoados, também são uma

alternativa de renda importante. Além disso, essas atividades têm um grande papel

na proteção da identidade quilombola, pois “a preservação dos saberes tradicionais

transformou-se em foco de resistência de uma gente que não quer passar

despercebida e, ao mesmo tempo, busca conservar firmes suas raízes” (BUCHWEITZ

at al, 2009).

Atualmente, o artesanato quilombola recebe o apoio de várias OGNs e de

empresas com atividades voltadas para o desenvolvimento rural, desenvolvimento

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sustentável e de ações afirmativas para comunidades negras. Para o presente estudo,

foram levantados alguns destes trabalhos, listados a seguir.

• Santos (2005) descreveu e analisou a atividade artesanal em fibra de

bananeira das Comunidades Quilombolas de Ivaporunduva, de André Lopes e

de Sapatu, localizadas no município de Eldorado, no Vale do Ribeira, São

Paulo. Iniciado em 1997, esse artesanato prioriza a valorização da mulher

quilombola e é baseado no conceito de aproveitamento de resíduos agrícolas

como matéria-prima para a produção. Neste caso, os resíduos da

bananicultura, como alternativa econômica para as comunidades. A Figura 09

mostra alguns exemplos desse artesanato.

FIGURA 09 Artesanato em fibra e palha de bananeira, produzido por

Comunidades Quilombolas do município de El Dourado (SP)

Fonte: Santos (2005)

• BUCHWEITZ at al (2009) – publicou, através da ONG gaúcha CAPA (Centro de

Apoio ao Pequeno Agricultor), o catálogo Artesanato Quilombola do Sul do Rio

Grande do Sul – Brasil, que divulga produtos do artesanato quilombola

voltados para o Mercado Justo. Nesse catálogo, os produtos são mostrados

através de fotografias seguidas de textos em português, em inglês e em

alemão. A Figura 10 mostra alguns dos produtos desse artesanato.

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FIGURA 10 Artesanato produzido por Comunidades Quilombolas do Rio Grande do Sul 1, 2 e 3 – Cestaria de palha de coqueiro, bambu, taquara, milho e outras palhas

4- Vestimenta de Lã; 5- Tapetes de Fuxico; 6- bolsas e sacolas em garrafas PET descartadas.

1

2

3

4

5

6

Fonte: Buchweitz at al (2009)

• Quilombos do Ribeira (2010). Website criado pelas comunidades quilombolas

do Vale do Ribeira, no estado de São Paulo, através do Projeto Capacitação

em Gestão, organizado pela ONG Instituto Socioambiental (ISA), e que reúne

as comunidades quilombolas de Bombas, Cangume, Galvão, Ivaporunduva,

Mandira, Morro Seco, Pedro Cubas, Porto Velho e São Pedro. Nesse trabalho

são divulgados os produtos de artesanato feitos em fibra de bananeira, vistos

na Figura 11. As atividades nessas comunidades são divididas entre homens e

mulheres. Segundo Brum (2009) os homens cultivam banana orgânica e

vegetais para a susbsistência das comunidades. Já as mulheres tecem a fibra

da bananeira para o artesanato voltado para o turismo. O lucro é, então,

investido em educação, tecnologia e outras melhorias, já que os alimentos

são produzidos no local.

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FIGURA 11 Artesanato em fibra e palha de bananeira produzido pelas

Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira (SP) 1 e 2 – bolsas; 3- cinto; 4- almofada; 5- jogo americano; 6- descansadores de prato.

1

2

3

4

5

6

Fonte: Quilombos do Ribeira (2010)

• Zambo (2009) é um website das comunidades quilombolas de Muquém,

composta de remanescentes do Quilombo dos Palmares. Fica localizada aos

pés da Serra da Barriga, no município de União dos Palmares, no Estado de

Alagoas. Seus habitantes vivem da lavoura de cana de açúcar, agricultura de

subsistência e do artesanato de panelas, potes e outros objetos de cerâmica

comum. Esse artesanato tem sido a principal fonte de renda das famílias que

habitam o povoado. A Figura 12 mostra alguns produtos artesanais dessa

comunidade.

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FIGURA 12 Artesanato de cerâmica produzido pela Comunidade Quilombola de Muquém (AL)

1 e 2- Produtos acabados; 3- artesão durante o trabalho.

1 2

Fonte: Zambo (2009) e Alagoas (2009)

• Projeto Manejo dos Territórios Quilombolas. Desenvolvido pela ARQMO

(Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de

Oriximiná) (2010), envolve atividades sociais e econômicas nessas

comunidades, localizadas no Estado do Pará. Dentre essas atividades estão a

fabricação e comercialização de artesanato feito dos frutos e da casca da

castanha-do-pará, conforme visto na Figura 13. Segundo as Comunidades

Quilombolas no Brasil (2010), desde o século XIX essa comunidade coleta e

comercializa a castanha-do-pará. Além disso, o conhecimento sobre os

castanhais é considerado uma herança preciosa deixada pelos antepassados e

engloba o conhecimento da floresta amazônica, os períodos de coleta, a

preservação dos recursos naturais e o trabalho manual, executado em grande

parte pelas mulheres da comunidade.

FIGURA 13

Artesanato em casca de castanha-do-pará, produzido pelas Comunidades Quilombolas de Oriximiná (PA)

1- Pote decorativo; 2- Pulseira bio-joia; 3- Porta-lápis rústico

1 2 3

Fonte: ARQMO (2010)

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Essas manifestações, acima descritas, são apenas algumas das muitas

desenvolvidas e já identificadas na literatura pesquisada. Abreu, por exemplo, lista

uma série de atividades tradicionais comuns na maioria dos quilombos da região do

norte do Estado do Espírito Santo e extremo Sul da Bahia:

Uma das características principais dessas comunidades está relacionada à prática da agricultura familiar, baseada no cultivo de gêneros alimentícios como mandioca, feijão milho, hortaliças e café; o hábito de manter pequenas criações de suínos, aves e bovinos para a produção de carne e a fabricação de requeijão e manteiga; as pequenas indústrias artesanais, voltadas para a fabricação de beiju, tapioca e outros derivados da mandioca; a fabricação de rapadura e do melaço de cana de açúcar; artesanato com a madeira, fabricação de carrancas e imagens religiosas, casas de estuque, peneiras samburás, quiçambas, balaios, cestos, esteiras, vassouras, etc.; no extrativismo vegetal destaca-se a fabricação do dendê, óleos e extratos vegetais utilizados como antibióticos e outras drogas medicinais. Os produtos eram vendidos em feiras livres, localizadas nas vilas e cidades (ABREU, 2010).

Esses exemplos mostram que o artesanato produzido por esses quilombolas se

concentra no aproveitamento de materiais disponíveis aos artesãos, sendo de fácil

aquisição e baixo custo, adequados à dura realidade econômica dessas comunidades,

mostrando, também, sua inventividade e riqueza cultural. A argila para a cerâmica e

os materiais vegetais são abundantes e explorados nas cercanias das comunidades.

Alguns desses materiais vegetais são sobras e resíduos agrícolas gerados pela própria

agricultura de subsistência. Outros materiais são resíduos de produtos industrializados

tal como a garrafa PET descartada no pós-uso. Outros ainda usam matérias primas

virgens, tal como a lã, assim como as peças de acabamento em metal.

2.3.4. Elementos comuns identificados no artesanato produzido pelas Comunidades Quilombolas exemplificadas

A análise dos exemplos de artesanato acima apresentados permitiu identificar

pontos em comum quanto à materialização de componentes dessas comunidades

quilombolas, mostrados no Quadro 04. Esses componentes podem ser usados para

caracterizar, em aspectos básicos, a identidade dessas comunidades tradicionais

contida no seu patrimônio material.

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QUADRO 04 Características do artesanato produzido pelas Comunidades Quilombolas exemplificadas

Quanto ao material de fabricação • Na maioria dos casos, são usados materiais naturais, acessíveis, abundantes, de

custo baixo ou custo zero. São os resultados de coleta extrativista, aproveitamentos de resíduos agrícolas ou provenientes da economia de subsistência, tal como plantações e criação de animais.

• Os materiais industrializados representam pouco, ou, às vezes, nenhum volume nos produtos e, quando usados, o são como parte da estrutura ou do acabamento do produto.

• Esse fato revela o aspecto da condição de subsistência, característica tradicional oriunda dos antigos quilombos, que transformavam materiais alternativos em produtos artesanais, tanto para o uso local quanto para a comercialização.

Quanto ao processo produtivo

• Envolve boa parte da população da comunidade, revelando o trabalho participativo e comunitário. Em alguns casos, ONGs buscaram organizar tal tarefa, em prol de uma maior qualidade e produtividade dos produtos.

• O trabalho comunitário também é outra característica das comunidades quilombolas e tem origem na vida cotidiana dos antigos quilombos.

Quanto ao tipo e estilo dos produtos • São produtos artesanais rústicos, que dão a impressão de serem rudes e toscos,

mas que refletem tanto a realidade do ambiente no qual a comunidade se localiza, quanto os conceitos e conhecimentos de produção baseados na economia de subsistência.

Quanto aos objetivos do artesanato • A maioria dos artesãos produz tanto para o consumo próprio como para o

comércio. Revela-se então a importância que o artesanato tem para a economia das comunidades, que tanto aponta para soluções próprias, para alguns dos seus problemas, quanto como um fator de aumento da renda da comunidade.

Fonte: produzido pelo Autor

O propósito do Quadro 04 é mostrar algumas características da cultura das

comunidades quilombolas anteriormente citadas, nos pontos comuns do artesanato

analisado. Essa síntese poderá ser comparada posteriormente com a síntese do

artesanato produzido por outras comunidades tradicionais rurais, na busca de uma

confirmação de pontos comuns entre o caso estudado e os casos das demais

comunidades.

Usando os Quadros 01 e 04 e as definições da UNESCO (2003), do Decreto

Presidencial nº 6.040/2007 (BRASIL, 2007), vistos no item 2.4, em O’Dwyer (2002, p.

18-20, 173-174) e Abreu (2010) pode-se listar, no quadro 05, alguns elementos

preservados pelas comunidades quilombolas que as caracterizam como comunidades

de cultura tradicional.

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QUADRO 05 Componentes culturais preservados pelas Comunidades Quilombolas

que as caracterizam como comunidades de cultura tradicional

Origem em grupos de escravos e/ou ex-escravos que não se dispersaram;

Relação com a cultura afro-brasileira ancestral;

Organização social a partir de um núcleo familiar original, gerando um forte sentimento de parentesco e coletividade;

Fixação em um determinado local ancestral, gerando um sentimento de territorialidade;

Sentimento de identidade construído através do valor dado às origens, à ancestralidade, à territorialidade e às relações de parentesco;

Valor dado a conhecimentos tradicionais, apesar de incorporar novos elementos e características aos primeiros, aumentando e modificando, assim, o patrimônio cultural local (dinâmica cultural), sem, contudo, perder a identidade original;

Modo de vida rústico, com base no trabalho rural, na vida no campo e principalmente prevalecendo uma economia de baixa renda baseada na subsistência;

Subsistência e modos de produção baseados em técnicas manuais ou semimanuais, executados de maneira individual ou coletiva, muitas vezes na forma de mutirões, na qual sobressaem a agricultura, o extrativismo, a pesca. Uso de materiais naturais, alternativos e residuais como matéria prima para a prática do artesanato, cujos produtos se destinam para a própria comunidade e/ou para um pequeno comércio local;

Senso estético baseado tanto em formas geométricas primárias e naturais quanto na seleção de cores baseada em significados locais, sendo, quase sempre, cores naturais ou associadas à natureza, à força e a sentimentos de resistência e luta, tais como o azul, o verde, o branco, o vermelho e o amarelo.

Fonte: Produzido pelo pesquisador, baseado nas características de uma cultura tradicional (Quadro 1), nos componentes da cultura quilombola identificados nos artesanatos contemporâneos apresentados (Quadro 5), nas definições de cultura e comunidade tradicional da UNESCO (2003), no Decreto Presidencial nº 6.040/2007 (BRASIL 2007), em O’Dwyer (2002, p. 18-20, 173-174) e Abreu (2010).

Abreu (2010) confirma algumas características acima e amplia o conceito de

cultura quilombola ao afirmar que o “ato de aquilombar-se, ou seja, de organizar-se

contra qualquer atitude ou sistema opressivo”, passa a ter um significado de luta

contra a discriminação e seus efeitos; que o trabalho em mutirão é uma das

expressões mais marcantes quanto aos valores de solidariedade e como princípio

organizativo; e finalizando, a importância do trabalho familiar, no que se refere tanto

à agricultura de subsistência quanto às outras atividades, como o artesanato, por

exemplo.

O artesanato produzido por comunidades quilombolas pode ser considerado,

portanto, como resultante dos fundamentos que caracterizam essas comunidades,

quais sejam: a territorialidade, os laços de parentesco, o cultivo da ancestralidade e o

aproveitamento de materiais disponíveis.

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2.4. ABORDAGENS SOBRE DESENVOLVIMENTO LOCAL

2.4.1. Desenvolvimento Sustentável e Desenvolvimento Local

O conceito de Desenvolvimento Sustentável foi inicialmente apresentado como “o

desenvolvimento que procura atender às necessidades do presente sem comprometer

a capacidade das gerações futuras em atender as suas próprias necessidades”,

segundo o Relatório Brundtland (ONU, 1987). De acordo com esse conceito, o

Desenvolvimento Sustentável seria resultante da gestão entre a tecnologia e a

organização social, a fim de proporcionar uma nova era de crescimento econômico.

Nesse sentido a erradicação da pobreza tornava-se um dos elementos condicionantes,

vista tanto como uma das principais causas, quanto um dos efeitos dos problemas

ambientais mundiais.

Atualmente o conceito mais atualizado de Desenvolvimento Sustentável decorre

das discussões realizadas em Joanesburgo 2002, que o descreve como aquele que

“procura a melhoria da qualidade de vida de todos os habitantes do mundo sem

aumentar o uso de recursos naturais além da capacidade da Terra” (MIKHAILOVA,

2004). Apesar de a questão do desenvolvimento sustentável estar presente nas

preocupações econômicas, políticas e científicas da última década, observa-se que o

consenso sobre seu conceito ainda está longe de ser atingido, por conta de sua

complexidade, seu caráter multi e interdisciplinar e das variantes regionais/locais

relacionadas à sua aplicabilidade, conforme explica Layrargues (1997).

Por sua vez o desenvolvimento local constitui-se uma expressão do

desenvolvimento sustentável, visto que representa uma oportunidade para que,

levando-se em conta as especificidades das comunidades locais, busquem-se no seu

interior, num processo endógeno, as possibilidades de estabelecer uma relação

equilibrada entre seus componentes: população local, seu repertório cultural, os

conhecimentos sobre o meio ambiente e os desejos de bem-estar definidos pelas

próprias comunidades. Para Buarque:

Desenvolvimento local é um processo endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população. Representa uma singular transformação nas bases econômicas e na organização social em nível local, resultante da mobilização das energias da sociedade, explorando as suas capacidades e potencialidades específicas (BUARQUE, 1999).

A relação entre desenvolvimento local e desenvolvimento sustentável é

sintetizada por Buarque (1999, p. 31-32) como Desenvolvimento Local Sustentável,

cuja compreensão deve levar em conta:

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• Elevação da qualidade de vida e equidade social: consideradas como

objetivo final na busca pelo desenvolvimento sustentável;

• Eficiência e crescimento econômicos: como pré-requisitos fundamentais

para o alcance da elevação da qualidade de vida e da equidade social;

• Conservação ambiental: considerado como um condicionante a longo prazo

da sustentabilidade.

A partir desta expressão sintetizada por Buarque (1999) é possível compreender

que esta pode ser aplicada a comunidades onde se registrem carências de ordem

social, como habitação e saneamento dentre outras e que disponham no seu

repertorio cultural de práticas capazes de serem usadas como instrumento de

ampliação de sua capacidade econômica.

O desenvolvimento local também se estabelece a partir da preservação de

práticas tradicionais, tais como a produção de alimentos, construção de habitações,

confecção de utensílios; da inclusão de novas práticas aprendidas com o mundo

exterior à comunidade, adaptando-as às tradições locais; da tomada de consciência

ou da ênfase na consciência de que os benefícios adquiridos com a produção local

devem ser compartilhados direta e indiretamente por todos os membros; na busca de

soluções para questões locais na própria realidade local, usando saberes e práticas

contidas na própria localidade, possibilitando “a melhoria da sua qualidade de vida”

(CASTILHO, ARENHARDT e LE BOURLEGAT, 2009).

É conveniente ressaltar, finalmente, que o desenvolvimento local não ocorre

dissociado do contexto mais amplo das realidades externas, levando-se em conta os

fenômenos da globalização e da expansão crescente dos meios de comunicação. Esse

fenômeno gera pressões e influências tanto positivas quanto negativas, levando à

interação entre o local, o global e as aspirações pela ampliação dos benefícios gerados

por “oportunidades econômicas e comerciais” (BUARQUE, 1999).

2.4.2. Relações com a cultura

A concepção geral de desenvolvimento sustentável tem enfatizado três

dimensões de abordagem, de acordo com OECD (2000, p. 141): a econômica, a

ambiental e a social. Para Sachs (2002, p. 85 e 86), essa ênfase privilegia

primeiramente uma economia baseada na gestão dos recursos naturais de forma mais

eficiente, equilibrando o uso desses recursos com as reais necessidades produtivas e

de mercado; o uso racional e eficiente dos recursos naturais sem, entretanto,

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ameaçá-los e, finalmente, a redução das diferenças sociais mediante o combate a

pobreza e a ampliação da qualidade de vida.

De acordo com o entendimento de Castilho, Arenhardt e Le Bourlegat (2009) a

cultura constitui-se fator preponderante para o desenvolvimento sustentável de uma

sociedade. A cultura também é vista por Yúdice (2006, P. 25) como “um recurso para

a melhoria sociopolítica e econômica”, uma esfera crucial para investimentos e fator

catalizador para o desenvolvimento humano (YÚDICE, 2006, P. 30). Considera-se que

cada povo desenvolve mecanismos de relacionamento entre os indivíduos de suas

próprias comunidades e estas com o meio ambiente; desenvolve práticas particulares

de produção de bens tangíveis e intangíveis, fundamentados na participação individual

e/ou coletiva, além de desenvolver conceitos particulares de bem-estar e qualidade de

vida. A cultura é parte do processo propulsor da criatividade, gerador de inovação

econômica e tecnológica. “A diversidade cultural produz distintos modelos de geração

de riqueza que devem ser reconhecidos e valorizados” (BRASIL, 2008).

As concepções de bem-estar, qualidade de vida e satisfação das necessidades da

vida coletiva variam, a depender dos contextos culturais onde acontecem, implicando,

portanto, na necessidade de conhecimento, equilíbrio e articulação entre os

componentes locais e projetos, propostas ou programas de desenvolvimento

sustentável, que possam alcançar uma comunidade qualquer. Segundo Vecchiatti,

A cultura é tão essencial em grandes metrópoles como em áreas rurais. Em cada local, diferentes agentes são envolvidos, com tarefas e formatos variados e, conseqüentemente, resultados distintos. Mas os processos são sempre muito similares envolvendo, por meio de parcerias de médio e longo prazos, os agentes públicos, privados e do terceiro setor (VECCHIATTI, 2004).

A importância ou relevância da compreensão do papel das identidades culturais

se estabelece a partir das expressões advindas dos próprios sujeitos componentes das

sociedades/comunidades, que se declaram desejosos de participar de um esforço mais

geral pela elevação da sua qualidade de vida. Qualquer projeto de desenvolvimento

sustentável que pretenda levar em consideração os aspectos culturais deve levar em

conta, também, os limites estabelecidos pela própria cultura (CASTILHO, ARENHARDT

E LE BOURLEGAT, 2009).

Por outro lado, para Hahn (2010) a sustentabilidade é vista muitas vezes apenas

como uma questão ambiental, distanciada de uma abordagem cultural. A autora

também enfatiza que as soluções científicas e tecnológicas são insuficientes para a

abordagem das questões ligadas à sustentabilidade e que o desafio está exatamente

na inclusão das perspectivas culturais como caminho para o enfrentamento de

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problemas e questões que são urgentes. Sua análise se amplia ao indicar a

transdiciplinaridade como alternativa para a criação de novos conceitos, métodos e

ferramentas integrativas, permitindo a percepção da importância da diversidade

cultural como elemento de análise. Hahn, então, considera que a cultura torna-se uma

base para a inclusão de propostas de sustentabilidade:

[...] a cultura torna-se importante aqui porque oferece mudanças para o processo de sustentabilidade. Cultura, nesse sentido, é o sistema integrado de como os valores e comportamentos sociais são formulados. (HAHN, 2010, p. 82)

A compreensão da relação entre desenvolvimento sustentável e cultura é

sintetizada por Duxbury e Gillette (2007) como Cultura Sustentável, que se expressa

como “a habilidade de captar a identidade cultural de um povo, permitindo que as

mudanças sejam compatíveis com seus valores culturais”. O alcance dessa cultura

sustentável depende da possibilidade dos habitantes em mostrar seus valores, de

serem resilientes, de satisfazerem as necessidades sociais básicas e de terem

participação e responsabilidades na comunidade. Nessa mesma direção se coloca

Vecchiatti (2004) ao afirmar que na relação entre cultura e desenvolvimento

sustentável leva-se em conta a valorização das identidades individuais e coletivas,

tendo sempre em vista que as características culturais de determinada localidade

podem se constituir como fator de crescimento econômico e social do mesmo. Isso

pode acontecer a partir da ampliação de aspectos específicos de sua produção,

divulgação de componentes de seu patrimônio material e imaterial, bem como a

valorização de sua própria paisagem geográfica.

A cultura como fator de sustentabilidade é uma abordagem que lida com a

criatividade que transita entre o repertório atual e o histórico, que impulsiona uma

sociedade a construir seu futuro. Para Pelegrini (2006), a atitude de proteger o

patrimônio local é importante para a conservação das raízes plurais dos povos e suas

tradições culturais, “uma vez que estas expressam as origens étnicas e implicam a

manutenção de suas identidades”. Assim sendo, pode-se concordar com Vecchiatti

(2004) ao afirmar que:

Pensar a cultura como fator de desenvolvimento significa valorizar identidades individuais e coletivas, promover a coesão em comunidades e levar em consideração que as características da cultura podem ser um fator de crescimento em determinado território (VECCHIATTI, 2004).

A ênfase na participação ativa dos sujeitos componentes de uma determinada

cultura em ações de desenvolvimento sustentável levará a tomada de consciência

quanto à sua capacidade de direcionar e decidir sobre a vida da própria comunidade,

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explorando suas potencialidades, suas práticas e saberes. A ampliação dos contatos e

comunicações com o contexto externo e as inevitáveis influências decorrentes

poderão ser canalizada, em benefício da satisfação de necessidades locais. Essas

necessidades são modeladas pelas práticas culturais vigentes e assim minimizam os

impactos resultantes daquelas influências, permitindo a manutenção das estruturas da

cultura tradicional, que conferem identidade a cada grupo humano (CASTILHO,

ARENHARDT E LE BOURLEGAT, 2009).

Duxbury e Gillette (2007) ainda chamam a atenção sobre a inevitabilidade da

inclusão da cultura na compreensão dos laços que unem os conteúdos econômicos,

sociais e ambientais dos projetos de desenvolvimento sustentável. A cultura,

considerada como fator diferencial e identitário do ser humano na sua vida em

sociedade, apresenta-se como uma dimensão mais ampla onde se inserem variadas

expressões das suas atividades nos campos econômico, social, político e ambiental, no

que concordam com Sachs, quando este indica a cultura como elemento essencial do

desenvolvimento sustentável: “É cultura todo nosso conhecimento do meio em que

vivemos. A cultura é um mediador entre a sociedade e a natureza” (SACHS 2000). A

Figura 14 representa a relação entre os fatores culturais, sociais, econômicos e

ambientais, conforme exposto por Runnalls (2007).

FIGURA 14 A relação entre as dimensões do desenvolvimento sustentável

Fonte: Runnalls (2007)

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Neste diagrama, observa-se a imersão das dimensões econômica, social e

ambiental, numa abordagem maior, regida pela dimensão cultural. Nesta

interpretação mais recente, está a evidência de que a qualidade de vida e os

elementos constituintes da cultura são condicionantes para a realização dos objetivos

das demais dimensões.

A pluralidade e a diversidade são características consideradas como as mais

relevantes na abordagem cultural, e podem ser entendidas, respectivamente, quanto

à quantidade e quanto à qualidade de culturas diferentes. Quanto maior a pluralidade

e a diversidade, maior é o repertório de conhecimentos disponível para a humanidade.

O fortalecimento dessa característica tem como propósito usar o próprio repertório

cultural local como fonte de criatividade e de soluções técnicas para resolver

problemas locais, como reforça Faria e Garcia (2003), afirmando que “é no interior de

sua diversidade que se encontram soluções para os grandes desafios da humanidade”.

O resgate e a valorização tanto de conhecimentos antigos e/ou esquecidos, assim

como o repertório contido nas diferentes etnias, manifestações, religiões etc. podem

ser úteis para a solução de problemas da própria comunidade que os contém. Nesse

cenário, o uso de conhecimentos populares, tal como o artesanato associado ao

design, pode ser a ponte entre tais conhecimentos e a sustentabilidade de uma

comunidade, construindo sua própria cadeia produtiva.

A relação entre cultura e sustentabilidade começou a ser discutida

definitivamente a partir da Conferência Eco-92, como visto na Agenda 21, mas

assumiu caráter oficial no Brasil com a Emenda Constitucional n. 40, de 2005,

regulamentada pela Lei 12.343 de 2 de dezembro de 2010, que instituiu o Plano

Nacional de Cultura. Essa lei foi antecedida por uma série de estudos cujo resultado

foi a publicação em 2008 da segunda edição das Diretrizes Gerais do Plano Nacional

de Cultura (PNC), que serviu de base para a elaboração do anteprojeto da referida

Lei. Nessa proposta o PNC “avaliza a inserção de produtos, práticas e bens artísticos e

culturais nas dinâmicas econômicas contemporâneas, com vistas à geração de

trabalho, renda e oportunidades de inclusão social” (BRASIL, 2008). As questões

sobre sustentabilidade são principalmente discutidas a partir da visão cultural dos

envolvidos, pois eles definem suas decisões e escolhas a partir das suas visões,

interpretações e comportamentos de cada povo. Quando se referindo à relação da

natureza com a cultura, o Plano Nacional de Cultura (BRASIL, 2008) deixa claro que

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ambos são indissociáveis, pois integram “identidade, imaginário e manifestações

simbólicas” da cultura humana com a natureza.

Esta lei define princípios e objetivos para a cultura nacional, discrimina os órgãos

responsáveis por sua viabilização e as fontes de financiamento. No que diz respeito à

relação entre cultura e sustentabilidade, o assunto está contido no Anexo à Lei,

intitulado como Plano Nacional de Cultura (BRASIL, 2010), que estabelece no Capítulo

1, Título VIII, a “valorização da cultura como vetor do desenvolvimento sustentável”.

Alguns tópicos desse Anexo esclarecem a política do Estado brasileiro quanto à

relação entre cultura e sustentabilidade (BRASIL, 2010):

• Instituir programas em conjunto com as organizações e entidades civis para capacitar os indígenas em sua relação com a economia contemporânea global, estimulando a reflexão e a decisão autônoma sobre as opções de exploração sustentável do seu patrimônio, produtos e atividades culturais;

• Incentivar as inovações tecnológicas da área cultural que compreendam e dialoguem com os contextos e problemas socioeconômicos locais;

• Incentivar a realização de eventos ligados à moda, design e artesanato, dos desfiles e exposições dos grandes centros urbanos às festas e feiras populares, valorizando a implementação de idéias e soluções inovadoras. Articular as ações dos órgãos culturais com o Programa Brasileiro de Design do Ministério do Desenvolvimento. (BRASIL, 2010)

Vale ressaltar que algumas dessas diretrizes, muito embora direcionadas a

comunidades específicas, tais como as indígenas, são aplicáveis, entretanto, a

quaisquer comunidades classificadas como tradicionais.

Em síntese, o patrimônio cultural de comunidades tradicionais dispõe, assim, de

repertório de práticas e saberes capazes de serem utilizados para promoção do seu

desenvolvimento.

2.5. ABORDAGENS SOBRE DESIGN

O Design pode ser considerado como uma atividade interdisciplinar voltada para

o projeto e análise de bens de consumo de origem majoritariamente industrial, cuja

finalidade, definida pelo International Council of Societies of Industrial Design, é de

estabelecer as “qualidades multi-facetadas de objetos, processos, serviços e seus

sistemas, em ciclos de vida inteiros” (ICSID, 2012). Tais qualidades levam em

consideração características funcionais, estruturais e estético-formais de produtos

industriais e sistemas de produtos (BONSIEPE, 1984), assim como também insere

requisitos ergonômicos, de usabilidade e de antropometria, além dos requisitos de

marketing. O design não é uma técnica e sim um processo de concepção e

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planejamento (GOMES, 2000, p 13 à 15). “É uma atividade criativa” (ICSID, 2012)

que busca a “concepção de idéias, projetos ou planos para a solução de um problema

determinado” (LÖBACH 2001, p. 16), uma atividade preocupada com a “geração e

desenvolvimento de idéias eficientes e eficazes por meio de um processo que leva a

novos produtos” (MORRIS, 2010. p. 22), buscando, finalmente, a materialização

dessa idéia.

O termo design tem origem no latim Designare, que pode ser entendido tanto

como designar, projetar, conceber, mas também significa desenhar no sentido do

registro gráfico bidimensional (DENIS, 2000, p. 16), levando ao entendimento

ambíguo das atividades de designação (projeto) de produto e de desenho de produto.

Neste caso, segundo Denis (2000) e Bonsiepe (1983) a atividade oferecida pelo

Designer, profissional de design, é realmente a atividade de criatividade, de projeto e

concepção, atividade esta que faz uso de metodologias específicas geradoras de

conceitos e de inovações que serão aplicadas em bens de consumo, possibilitando a

geração de idéias que traduzem fantasias, sentimentos, desejos e “necessidades em

soluções para vida das pessoas” (STRUNCK, 2000).

Tal atividade abrange amplo espectro de aplicações, entre as quais o projeto de

produtos em geral; serviços; comunicações e peças gráficas; decoração; moda,

vestuário e demais acessórios; web e internet em geral são alguns exemplos. Essa

capacidade de o Design articular idéias e soluções é abordada por Ono, quando afirma

que:

O designer desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de produtos, através de sua capacidade de sintetizar idéias e soluções, conjugando os vários requisitos dos objetos e fatores envolvidos, e de participar interativamente junto às diversas áreas responsáveis pelo processo (ONO, 2004).

A atuação do design não se esgota, todavia, com a concepção das idéias e com a

geração de soluções, mas permanece presente ao longo de todo o processo de

realização de um produto, fazendo avaliações, ajustes ou redefinições do produto

criado, a depender de necessidades que se apresentem. Ambrose e Harris (2011, p.

28) definem essa presença constante como feedback.

2.5.1. Design, sustentabilidade e cultura

O Eco-Design foi uma das primeiras manifestações de design em prol da

sustentabilidade. É conhecido também como DfE (Design for Envoironment ou Projeto

para o Ambiente) e pode ser considerado como uma “estratégia para projeto de

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produtos que considera requisitos ambientais em todo ciclo de vida dos produtos”

(MANZINI e VEZZOLI, 2002). Apesar de o Design ser uma atividade em evidência

desde a Revolução Industrial, foi Buckminster Fuller1 que introduziu o conceito de

fazer cada vez mais com cada vez menos em produtos e artefatos, como uma maneira

de prevenir problemas ecológicos (DESIGN MUSEUM, 2012). Na década de 1970

começou um processo de revisão no conceitos de Design no que se refere a sua

importância sobre problemas do mundo real, ou seja, problemas ambientais, sociais e

culturais. Um dos seus pioneiros, Victor Papanek, definiu assim o novo discurso:

[...] A ecologia e o equilíbrio ambiental são os esteios básicos de toda a vida humana na Terra; não pode haver vida nem cultura humanas sem ela. O design preocupa-se com o desenvolvimento de produtos, utensílios, máquinas, artefatos e outros dispositivos, e esta atividade exerce uma influência profunda e direta sobre a ecologia. A resposta do design deve ser positiva e unificadora; deve ser a ponte entre as necessidades humanas, a cultua e a ecologia (PAPANEK, 1998. p 31).

A dimensão ecológica foi, durante a década de 1990 e começo do séc. XXI, o

principal foco do design sustentável. O conceito de eco-design, entretanto, evoluiu

recentemente para abranger questões de equidade e coesão social, expandindo os

limites do design dentro do desenvolvimento sustentável (VEZZOLI, 2010), focando

em direitos humanos e justiça social; necessidades básicas sociais; diversidade e

preservação cultural. O Quadro 06 oferece uma visão da evolução do conceito de

Design em relação à sustentabilidade, indo desde as discussões propostas por

Papanek, em 1971, aos dias contemporâneos. Esse quadro traz uma visão dos

conceitos, a partir dos autores considerados como referência neste assunto, que

discorrem diretamente quanto ao Eco-design, e outros que trazem conceitos

correlatos, mas importantes, que contribuem para a sua visão atual.

1 ( 1895 1983) Designer, arquiteto, inventor, teórico e ativista ambiental americano.

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QUADRO 06 Evolução do conceito de Design Sustentável e alguns conceitos correlatos

ANO AUTOR CONCEITO

1971 Papanek

O “Design para o mundo real” dá ênfase tanto à consciência ecológica, como a problemas originários do comportamento consumista; quanto ao social, abrangendo questões de inclusão de minorias, tais como idosos ou portadores de necessidades especiais e questões da pobreza. Neste conceito o autor questiona a real necessidade dos produtos industrializados, quanto a questões de consumo, uso e descarte;

1988 Mace

“Design Universal”, conceito que começou a ser formulado desde a década de 1980 (Cambiachi, 2007), foi organizado como um modelo de design socialmente inclusivo, pensando em produtos, áreas urbanas e arquitetura voltada para o máximo de tipos de usuários possível, incluindo idosos e portadores de limitações físicas. Este conceito levou em consideração inicialmente questões quanto à acessibilidade, abrangendo posteriormente a usabilidade, o uso eqüitativo, a intuição e a tolerância ao erro humano, dentre outros;

1995 Graedel e Allenby

O “Design for Environment”, ou DfE, enfatiza as dimensões econômica e ambiental e é considerado como uma das ferramentas da Ecologia Industrial, abrangendo a eficiência energética durante a fabricação e uso de produtos, redução da poluição, logística, escolha e reciclagem de matérias, numa idéia de uso de matérias primas em ciclos fechados;

1995 Peneda e Frazão

O Eco-design proposto parte do uso do conceito de Produção Mais Limpa (P+L), para sugerir uma metodologia de Design de produto com ênfase ambiental. Ou seja, um modelo de design que torne a P+L operacional. A P+L é a aplicação contínua de uma estratégia preventiva integrada a empresas, de modo a evitar, ou pelo menos reduzir ao máximo a poluição e seus riscos para a saúde humana durante os processos produtivos;

1996 Fiksel O “Design for Environment” é o projeto sistemático que leva em consideração o meio ambiente, saúde, segurança e sustentabilidade em todo o ciclo de vida do produto;

1998 Manzini e Vezzoli

O eco-design é o projeto de produtos baseado em critérios ecológicos introduzidos desde o início de seu desenvolvimento, abrangendo inclusive novos tipos de comportamento de consumo, uso e descarte de produtos industriais.

2002 McDonough e

Braungart

O “cradle-to-cradle design”, ou design do berço ao berço, enfatiza o retorno do produto ou material ao processo produtivo original, dando a idéia de berço ou início, compreendendo o reuso e/ou remanufatura do produto e a recuperação do material de fabricação. Este conceito ainda abrange o “fazer mais com menos” e o uso dos princípios de sistemas naturais, tais como o uso da energia solar ou o uso de materiais em ciclos fechados.

2002 Margolin & Margolin

Defendem o Design para necessidades sociais. Os autores consideram que os modelos de design, incluindo o eco-design e suas tecnologias ambientais, até então propostos enfatizam o mercado, mas são falhos na abordagem social. Na proposta do design social o objetivo primordial é a satisfação das reais necessidades sociais humanas, visando os sentimentos de satisfação e de bem-estar sociais.

2006 Crul e Diehl

O “D4S - Design for Sustainability” segundo seus autores, tem uma abordagem que vai além do eco-design ao incluir propostas ao mesmo tempo inovadoras e sustentáveis. Para isso este conceito é baseado no planeta (meio ambiente), nas pessoas (fatores sociais) e no lucro (fatores econômicos). O conceito ainda aborda o planejamento de produtos através do seu ciclo de vida social e ambiental.

2008 Vezzoli

O “design de sistemas para a sustentabilidade” tira o foco na tecnologia dos produtos e enfatiza questões de natureza estratégica, buscando novas formas de promover e facilitar o design em um processo participativo entre seus empreendedores, em prol de uma sustentabilidade ambiental e social;

2009 Krucken

O conceito de “Design e Território” busca a valorização da identidade local através dos produtos de comunidades tradicionais, numa visão que enfatiza as dimensões econômica, social e cultural do desenvolvimento sustentável, através do uso do design como estratégia de gerenciamento entre as comunidades e o mercado consumidor.

Fontes: Papanek (1977), Manzini e Vezzoli (2002), Vezzoli (2010), Graedel e Allenby (1995), McDonough e Braungart (2002), Peneda e Frazão (1995), Cambiachi (2007), Mace et al (1990), Margolim e Margolim (2004), Fiksel (2009),

Krucken (2009), Crul e Diehl (2006).

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No Quadro 06 observa-se que o discurso inicial, proposto por Papanek, é ao

mesmo tempo problematizador, holístico e pioneiro, por isso mesmo importante,

ainda que o autor não tenha sido tão profundo nem sistemático nos itens abordados.

A partir dai, alinhado com as abordagens econômica e ambiental vista no

Desenvolvimento Sustentável, vê-se um esforço ao redor do Design com ênfase para

o meio ambiente (o Eco-design, DfE ou Design for Environment), em particular as

propostas associadas aos conceitos das Tecnologias Limpas, mais precisamente a

Prevenção da Poluição e a Ecologia Industrial (KIPERSTOK et al, 2002),

principalmente entre 1995 e o começo do séc. XXI.

Ao mesmo tempo desenvolvem-se criticas às propostas do eco-design. Margolin e

Margolim (2004), por exemplo, o critica, assim como seus praticantes, por considerá-

lo voltado para soluções meramente tecnológicas, ainda que relacionadas a problemas

reais, mas visto por ele como soluções artificiais em demasia e distantes das

necessidades humanas e da natureza. Os autores propõem então uma transição deste

para soluções mais sustentáveis, numa abordagem mais social e, portanto, mais

humana e justa (MARGOLIM E MARGOLIM, 2004).

Fora dos holofotes das soluções em prol do meio ambiente, entretanto, estavam

outras importantes abordagens, tal como o Desenho Universal, que apesar de não ter

sido originado dentro dos debates da sustentabilidade, tornou-se correlato a esta por

seu forte discurso social, principalmente quanto à inclusão do uso de produtos

industriais por minorias com limitações físicas, quer sejam estas devido a problemas

relativos à idade, quer por problemas congênitos ou adquiridos. Vezzoli (2010) ao

propor um modelo de design voltado para a equidade e coesão sociais, coloca o foco

no ser humano, pondo-o no mesmo patamar hierárquico dado aos fatores ambientais

pelo eco-design. O autor define, então, um novo patamar conceitual a ser entendido

pelos designers: o da socioeficiência ou “o esforço para orientar a atividade do design

para formatar um sistema de produção e consumo economicamente competitivo e

socialmente justo e coeso” (VEZZOLI, 2010). E entre as diretrizes sociais que

modelam as idéias de Vezzoli (2010, P. 190-191) estão:

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• Respeitar e fortalecer as características peculiares locais;

• Desenvolver sistemas para movimentar a economia local, reforçando-a e

colaborando para ações coletivas em prol do bem da comunidade;

• Adaptar e promover sistemas usando recursos locais, naturais e

regenerados;

A análise do quadro 06 enfatiza, finalmente, a importância da primeira década do

séc XXI para a diversificação do conceito de Design Sustentável, incluindo a

abordagem social e a cultural, estas relacionadas, dentre outras, às formas de

relacionamento entre comunidades tradicionais e mercado consumidor.

A relação entre design, fatores sociais e culturais leva em conta o fato de que o

design, ao ser relacionado objetivamente com a produção material, torna-se parte do

patrimônio cultural de uma sociedade, pois surge a partir da materialização de valores

imateriais tais como os estéticos, os de formas de usos, etc., inerentes a uma

sociedade, “tornando concreto o intangível” (DIAS FILHO, 2007). O design representa,

então, “um papel relevante no desenvolvimento da cultura material, na medida em

que abrange atividades de planejamento, decisões e práticas” (ONO, 2004).

Para Niemeyer (2003, p. 21) um produto qualquer fruto do design é resultante

da expressão de um “cenário político, econômico, social e cultural, dentro das

dimensões históricas e geográficas”, expressando o contexto cultural no qual está

inserido, passando assim a identificá-lo. Características como a forma, configuração

dos elementos e sistemas, maneiras de uso, processo de produção, materiais

empregados, plástica e uso de cores, dentre outras, de acordo com Niemeyer (2003),

e também a distribuição, consumo e formas de uso, conforme Denis (1998) explicou,

permitem que um objeto identifique sua origem e, portanto, tenha uma identidade.

Na atividade do design, a concepção do produto, que envolve a criatividade para

o desenvolvimento de conceitos e de alternativas, talvez seja o que melhor o

caracteriza. “O designer é capaz de gerar novos conceitos continuamente para

inúmeros projetos diferentes e é essa a característica que distingue o designer

profissional do inventor de ocasião” (MORRIS, 2010, p. 12). Essas idéias e conceitos

são apresentados, principalmente, na forma de representação gráfica, através de

desenhos, rascunhos, esquemas, sketchs e renderings manuais e/ou digitais, com o

uso de softwares específicos. Essas formas de representação servem para descrever

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visualmente o produto em desenvolvimento, fornecendo uma visão geral deste para

que, mais tarde, possam ser agrupados com os desenhos técnicos específicos,

voltados para a produção. Segundo Cross (2000, p. 3), o designer representará um

produto graficamente com vários tipos de desenhos para propósitos diferentes em

cada etapa do seu desenvolvimento.

Ao tratar com a criatividade e tecnologia simultaneamente, o design torna-se

uma atividade dotada de ambigüidade, transitando entre o pragmático da tecnologia e

o poético da criatividade, sem que haja entre eles uma hierarquia definida, pelo

menos na ótica do designer. Nesse processo criativo há uma mescla de informações

lógicas e técnicas, provenientes de análises das mais diversas, conforme propõe

Löbach (2001), com informações do contexto cultural, material e imaterial, no qual o

designer está inserido. E, como visto com Niemeyer (2003) e Denis (1998), essas

informações de origem cultural são capazes de modificar, interferir, organizar, definir

elementos estéticos, definir a produção, relacionando um produto com sua origem,

dando a este uma identidade. Neste caso, o design tem como função básica tornar os

produtos comunicáveis, em relação às funções simbólicas de uso e técnicas dos

mesmos, ajudando a desenvolver as “relações simbólicas e práticas dos indivíduos nas

sociedades” (ONO, 2004).

O design sociocultural tem sido ultimamente posto na pauta das discussões. Ono

(2004) aponta para a falácia de um Design que satisfaça simultaneamente todas as

formas de cultura e que seja adaptável às necessidades e desejos de todos os tipos de

usuários, dentro dos respectivos contextos culturais, pois estes se estabelecem em

torno da diversidade e onde os significados e os usos assumidos para cada pessoa

variam substantivamente. Um projeto de design que não ponha em relevo a

diversidade cultural pode conduzir a grandes equívocos no desenvolvimento de

produtos para a sociedade. Já Krucken (2009), ao trazer o conceito de Design e

Território, como visto no Quadro 6, destaca a importância do fortalecimento da

cultura e da identidade de comunidades locais como fatores de sustentabilidade,

visando beneficiar simultaneamente produtores e consumidores de uma determinada

localidade numa visão estratégica e ações inovadoras. Nesse caso a autora explica

que “o papel do design é o de facilitador, ou agente ativador de inovações

colaborativas, promovendo interações na sociedade” (KRUCKEN, 2009, p. 48).

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A aproximação do design com culturas tradicionais, segundo Lin (2007), ao

permitir projetar características locais em produtos, pode ser considerada uma ação

importante para o mercado global, onde os produtos estão perdendo sua identidade

por causa das semelhanças na forma e função, aumentando inclusive o valor tanto

cultural quanto de venda do produto. A ação de reforçar o valor do produto através de

características culturais torna então o Design numa ferramenta impulsionadora para o

desenvolvimento local.

Usar os recursos culturais para agregar valor extra aos produtos pode beneficiar não só o crescimento econômico de uma sociedade, mas também pode promover a singularidade da cultura local no mercado global (LIN, 2007).

Por outro lado Moalosi et al (2007) explicam que o design baseado na cultura

pode ser usado para recuperar valores culturais perdidos por processos históricos,

para depois apresentá-los no contexto contemporâneo através de novos produtos,

ajudando não somente comunidades locais, mas países inteiros a se beneficiarem com

essa ação.

Os conteúdos culturais podem ser usados de várias formas, por exemplo, como

um fator que caracteriza uma origem e reforça a identidade local, ou como fator de

inspiração e concepção de produtos, serviços e sistemas voltados tanto para o

consumo interno da comunidade quanto para o consumo externo, principalmente para

a resolução de problemas do seu cotidiano. Como exemplos podem ser citados os

produtos apresentados por Lin (2007) e por Abba (2007) mostrados no Quadro 07.

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QUADRO 07 Produtos de design inspirados em produtos tradicionais

PRODUTOS BASEADOS NOS BARCOS PINBAN

Os barcos Pinban são característicos na cultura do povo Tao, povo tradicional das zonas periféricas de Orchid Island, na costa sudoeste de Taiwan. Esta embarcação, considerada símbolo de seu povo, por relacioná-lo com o mar e também com a pesca, transporte e festejos tribais, serviu para inspirar produtos voltados para o mercado urbano, tal como uma bolsa feminina.

Estes, por sua vez, passam a ter uma identidade cultural não somente em Taiwan, mas também no exterior, devido aos traços característicos que remetem ao povo Tao. Segundo Lin (2007) cada tribo tradicional de Taiwan tem uma cultura e um estilo único que pode ser identificado simplesmente a partir da sua escultura, têxteis, tecelagem, artesanato, couro e cerâmica. Essas informações são úteis para a composição de novos projetos de produto que se baseiem em culturas tradicionais.

Fonte: Lin (2007)

POT-IN-POT COOLER

O pot-in-pot cooler foi desenvolvido pelo nigeriano, Mohammed Bah Abba, filho de família de ceramistas, em 1995. Trata-se de um sistema para preservação de vegetais durante a estação seca. O sistema usa dois potes de cerâmica comum, um dentro do outro, separados por uma camada de areia ou barro encharcado com água. Os alimentos depositados no seu interior ficam frescos por dias pela ação da evaporação da água pelas paredes do sistema.

O invento foi desenvolvido a partir dos potes da cerâmica tradicional local, que fazem parte do patrimônio cultural das comunidades rurais nigerianas. O sistema foi imediatamente dominado pelos ceramistas locais e distribuído não somente para a zona rural da Nigéria, mas também para outros países africanos como Camarões, Etiópia, Niger e Burkina Faso.

Fonte: Abba (2007).

Esses produtos mostrados no Quadro 07 exemplificam como idéias, conceitos e

soluções, contidos no repertório cultural de uma comunidade tradicional, podem ser

usados pelo design moderno. Não somente para o desenvolvimento de novos

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produtos, mas fazendo com que estes possam desempenhar um papel de relevância

tanto para os seus consumidores, externos à comunidade, mas, e principalmente,

para as comunidades detentoras de tais conhecimentos. Outros estudos que

relacionam design e comunidades tradicionais têm apresentado formas semelhantes

de abordagem.

• Martins e Silva (2009) apresentam bases de uma metodologia participativa de

design gráfico, abordando diferentes grupos comunitários e propondo, a partir

daí, uma “reflexão sobre o papel do designer ao atuar em projetos que visam

apoiar o desenvolvimento sócio-econômico de comunidades tradicionais”. As

pesquisadoras efetuaram pesquisas em duas comunidades tradicionais do

Belém do Pará: a primeira foi a Ver-as-Ervas – grupo de vendedores de ervas

atuantes no Mercado do Ver-o-Peso em Belém; a segunda comunidade foi a

Associação Comunitária dos Artesãos e Lapidários de Floresta do Araguaia,

localizada no município de Floresta do Araguaia. Uma terceira comunidade foi o

núcleo produtivo Cardume de Mães, da periferia da cidade de São Paulo. A

pesquisa teve como um dos objetivos o desenvolvimento de um sistema de

identidade visual que representasse comercialmente a respectiva comunidade.

Para isso foram aplicados nessas comunidades métodos de pesquisa

participante como forma de coleta de informações e de sugestões delas

próprias para o desenvolvimento dos sistemas de identidade visual.

• Muniz (2009) e Muniz e Figueiredo (2010) realizaram pesquisa baseada numa

articulação entre métodos de pesquisa-ação e abordagem sistêmica e na

ferramenta de investigação Looking for Likely Alternatives (LOLA), o qual gerou

a PAIS (Pesquisa-ação integral e sistêmica). Essa abordagem de pesquisa-ação

envolveu os pesquisadores com os moradores da Guarda do Embaú, uma

comunidade tradicional de pescadores de colonização açoriana, localizada no

entorno do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, região do Município de

Palhoça do Estado de Santa Catarina. Esta pesquisa usou o design como

alternativa para integrar os stakeholders (partes interessadas) no processo de

investigação e promoção de inovações sociais sustentáveis. Os autores

chegaram à conclusão de que “a inovação social não pode ser projetada, porém

o design pode oferecer contribuições para a sua promoção” (MUNIZ e

FIGUEIREDO, 2010).

• Preto, Merino e Figueiredo (2011), partindo do pressuposto de que o artesanato

tradicional tem importância tanto por representar a identidade cultural de

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comunidades locais quanto por ser uma fonte de trabalho e renda relevante

para a mesma apresentam, numa pesquisa que envolve revisão de literatura e

pesquisa exploratória, um “processo de aprendizagem situada como estratégia

cognitiva nas comunidades tradicionais locais, para a valorização dos produtos,

territórios e identidades por meio da gestão de design.” Os autores concluíram

que a aplicação dessa aprendizagem neste tipo de comunidade se traduz em

benefícios devido à “conscientização da realidade da comunidade sobre sua

tradição e território”. Segundo os autores, esse processo pode possibilitar a

“valorização do produto local, a exploração sustentável e o desenvolvimento do

território como parte da identidade local”, disseminando a cultura interpretada

nos produtos pelos consumidores.

Os benefícios podem ser muitos, tais como o reconhecimento dos valores

tradicionais fora da comunidade; soluções de problemas do cotidiano; ganhos sociais

tais como oportunidade de trabalho, geração de renda e a transformação desta em

melhoria da qualidade de vida local, dentre outros. De qualquer forma, estes são

possíveis benefícios os quais o papel do design, ao orientar a forma como o repertório

cultural local é usado, torna-se importante para aproximar tais comunidades das

propostas do desenvolvimento local.

2.5.2. Relações interdisciplinares entre Design e Antropologia Cultural

Por ser uma atividade multifacetada, o design possui uma natureza

interdisciplinar, que usa processos criativos para desenvolvimento de novos conceitos

para a solução de problemas e criação de produtos inovadores. A múltipla tarefa de

entender problemas e desenvolver conceitos e soluções criativas e inovadoras leva o

designer a mover-se entre várias áreas do conhecimento, de maneira transversal,

dependendo da necessidade do problema ou da natureza do fenômeno o qual se

propõe a resolver ou compreender. A abrangência dos conhecimentos usados de

forma interdisciplinar “vão além das áreas usualmente utilizadas nas atividades

econômicas e industriais” (ASSIS, FARIA e NAVALON, 2008). Compreende também

atividades de natureza intrínseca a ele mesmo numa busca se de obter o máximo de

variáveis que atuam no contexto de um projeto (RIBEIRO, 2008).

Na interdisciplinaridade “busca-se a intercomunicação entre as disciplinas,

abordando efetivamente um tema ou objetivo comum de forma transversal” (ROSA,

SCHULTE e PULS, 2010), ocorrendo quando se usa um conhecimento de uma

disciplina dentro de outra diferente, integrando conteúdos fragmentados numa

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concepção e entendimento unitários. A natureza do processo de conhecimento

científico é ilimitada, construindo-se a partir da circulação dos mais variados tipos de

conhecimentos. Tal dinâmica justifica-se a partir de necessidades diversas,

principalmente na complexidade atual de enfrentar problemas contemporâneos, já

que se apresentam contendo dimensões distintas e diversas.

O design aborda conhecimentos e habilidades vindas das mais variadas origens,

o que o caracteriza como sendo uma atividade interdisciplinar. Como exemplo de

conteúdos interdisciplinares destacam-se os das áreas tecnológicas, tais como a

tecnologia dos materiais, os processos de fabricação, o desenho técnico. Nas áreas

das artes destacam-se o desenho artístico e demais formas de representação gráfica,

construção de mock-ups e maquetes, os processos criativos, a computação gráfica e o

estudo das cores. Na área das ciências humanas destacam-se a história das artes e do

design, a fotografia, a semiótica e a percepção visual. Na área da filosofia, por sua

vez, tem-se a ética e a estética. Além disso, há fortes aproximações com outras áreas

interdisciplinares, tais como a ergonomia ou a biônica, dentre outras.

Dentre os conteúdos relacionados de forma interdisciplinar com o Design,

destacam-se os da Antropologia Cultural. Segundo Ullmann (1991, p. 29) “a

antropologia, em sentido estrito, constitui-se o estudo e o conhecimento sistemático

do homem e de suas obras”. Para Harris (2001) a Antropologia é o estudo da

humanidade, dos povos antigos, dos contemporâneos e seus estilos de vida. É um

campo extremamente vasto, abrangendo tanto o histórico da evolução física humana,

a Antropologia Física, quanto da cultura associada a essa evolução, a Antropologia

Cultural. Harris (2001) ainda afirma que a “antropologia cultural se ocupa da

descrição, análise e comparação das culturas do passado, as contemporâneas e suas

tradições socialmente aprendidas, proporcionando base para hipóteses e teorias sobre

as causas dos estilos de vida relacionados às sociedades”.

Tendo, portanto, a cultura como objeto do seu trabalho, a antropologia cultural

constitui-se numa área privilegiada para oferecer ao design os elementos necessários

à concretização de idéias e conceitos relacionados com necessidades apresentadas

pelo ser humano na sua relação com seu entorno.

A natureza interdisciplinar da atividade de design confere-lhe uma importante dimensão antropológica cultural. No desenvolvimento de produtos industrializados, o design sofre, por um lado, o impacto do desenvolvimento tecnológico e dos processos técnicos, e, por outro, as pressões das transformações culturais decorrentes do surgimento de novos usos e necessidades, promovidos pelos artefatos que são inseridos na Sociedade (ONO, 2004).

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A relação do design com a Antropologia pode ser compreendida como uma

relação entre design e cultura, pois o estudo dos valores, comportamentos, estilos de

vida e demais elementos culturais de uma determinada sociedade, além do estudo

comparativo entre as culturas, pode permitir sua aplicação em projetos de design (XU,

2012).

A Antropologia Cultural, na sua atuação interdisciplinar pode permitir o acesso a

conteúdos que fundamentam o conhecimento para o trabalho em Design. Conteúdos

tais como cultura local e suas expressões de identidade; herança cultural e suas

formas de transmissão; aspectos imateriais e materiais da cultura e sua correlação

interna, tornam-se componentes do conhecimento sobre contextos sociais e culturais

que podem orientar e se constituir em informações e dados para a elaboração de

projetos em design atuando, inclusive, como fonte de inspiração para a realização de

suas tarefas. Tais conhecimentos permitem então, o entendimento de

[...] uma série de elementos constituintes de uma sociedade, ou seja, sua organização econômica, social, jurídica e política, além de seus sistemas de parentesco, religiosos, míticos, e suas criações artísticas. (RODRIGUES. 2005)

A partir dos conhecimentos obtidos através da relação interdisciplinar com a

Antropologia Cultural, o Design pode contribuir para a formação de uma consciência

crítica e responsável a respeito do patrimônio cultural de comunidades pesquisadas,

podendo favorecer, além de tudo, a regeneração e melhoria de economias locais,

conforme explica Vezzoli (2010, p. 190).

Assim, a relação do design com a Antropologia Cultural pode permitir a

visibilidade de conteúdos culturais pouco conhecidos ou o resgate de outros já

esquecidos, dando retorno favorável aos indivíduos a eles relacionados. A partir da

Antropologia Cultural, o estudo e a aplicação da cultura podem desempenhar um

papel importante no campo da concepção e se tornar um importante diferenciador no

design do futuro (LIN, 2007), identificando e articulando elementos socioculturais

tradicionais (MOALOSI et al, 2007), marcando e reforçando identidades e territórios

culturais num mundo globalizado.

As abordagens reunidas neste capítulo atendem, portanto, às necessidades da

tese quanto ao conhecimento do contexto geocultural no qual se desenvolvem as

relações entre o design e a cultura de uma comunidade tradicional rural, numa

perspectiva de desenvolvimento local.

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FUNDAMENTOS METODOLOGICOS 3

Neste capítulo são abordados os métodos de pesquisa selecionados para a

articulação da proposta metodológica necessária ao desenvolvimento da tese. Trata-

se, em primeiro lugar, de modelos de metodologias do design que resultam na síntese

a ser aplicada na metodologia proposta para esta pesquisa. Em segundo lugar a

metodologia da pesquisa-ação, que, como modelo estruturante, se constitui na

principal diretriz para a elaboração dos passos do trabalho de campo. Em seguida

apresentam-se os métodos da Pesquisa Etnográfica, da Observação Participante, do

Estudo de Caso e da Pesquisa Documental como ferramentas a serem agregadas à

pesquisa-ação, levando à construção da proposta metodológica final, aqui denominada

de Pesquisa-ação Adaptada, desenvolvida no Cap. 4.

3.1. METODOLOGIAS DE DESIGN

O termo metodologia de projeto sugere etapas hierarquizadas para o

desenvolvimento de produtos que, partindo da formulação de um problema, busca a

sua solução e apresentação de resultados. Ou seja, etapas em seqüência sistemática

em que os resultados parciais de uma etapa alimentam a próxima, até a solução do

problema inicial. Munari (1998, p. 10) explica o conceito de metodologia de projeto da

seguinte forma: “o método de projeto não é mais que uma série de operações

necessárias, dispostas em ordem lógica, ditada pela experiência. Seu objetivo é o de

atingir o melhor resultado com o mínimo esforço”.

Segundo Iida (1990, p. 360) o processo metodológico pode não seguir uma

lógica linear, já que “avanços realizados em uma etapa podem indicar a necessidade

de retorno a etapas anteriores, com o objetivo de modificar algum aspecto já

aprovado, mas não confirmado como a melhor alternativa”. Desse modo, conforme

esse autor, “a solução final raramente é o conjunto das soluções ótimas de cada etapa

metodológica, devendo-se considerar sacrifícios de determinados aspectos resultantes

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das etapas separadas em função do conjunto e desempenho final” (IIDA 1990, p.

360).

Algumas abordagens das metodologias relativas ao projeto em design

apresentam uma seqüência lógica de etapas que permite a identificação de pontos

comuns entre si. Dessas, foram selecionadas as propostas de Morris (2010) e

Ambrose e Harris (2011), escolhidos por sua visão geral e flexível de metodologia do

design, não se direcionando para nenhum tipo específico de produto e por isso

mesmo, úteis à estruturação de uma proposta metodológica específica. Paralela às

propostas anteriores foi considerada, também, a desenvolvida por Rozenfeld et al

(2006), direcionada ao Desenvolvimento de Produtos que, na sequência de suas

etapas, considera pontos de abordagem que também podem contribuir para

elaboração de uma síntese que permita identificar seus pontos principais.

• Morris (2010) apresenta uma proposta de metodologia de design, reunida

em capítulos específicos e interligados, a partir dos quais foi elaborado o

esquema apresentado na Figura 15.

FIGURA 15 Proposta de metodologia de Design de Morris (2010)

Imaginação A partir da análise e inspiração individual do designer, independente de demandas externas; 1 IDÉIAS DE

PRODUTOS Necessidade das

pessoas A partir das necessidades dos clientes e do mercado;

Definição de necessidades

Transformação de um conceito vago em algo que possa ser tangível a partir das necessidades dos clientes;

Tendências de mercado

Definição do produto a partir das tendências e exigências do mercado;

2 BRIEFING

DO PRODUTO

Exigências do produto

Especificações técnicas, operacionais, ergonômicas, de legislação, de produção, etc...

Atendendo às necessidades

Estudos de forma x função a partir do briefing do produto

Desenvolvimento de conceitos

Aplicação de processos criativos na busca de soluções e suas representações em diversas mídias 3 SOLUÇÕES

EM DESIGN

Funcionalidade Atributos tecnológicos para atender as funções das soluções apresentadas nos conceitos

Desenvolvimento Análise de valor, custos, qualidade...

Fabricação Processos produtivos, materiais, montagem e desmontagem das peças 4 PRODUÇÃO

Operações Equipamentos, cadeia de fornecedores, recursos humanos...

Preparação para venda

Direitos, patentes, gestão do conhecimento, proteção comercial... 5 O MERCADO

Marketing Contato com os clientes, estratégias comerciais, promoção, vendas, branding, serviços...

Fonte: Construção do autor baseado em Morris (2010)

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Esta figura mostra que o produto pode se originar tanto da inspiração espontânea

do designer, quanto de uma resposta sua a uma necessidade externa (MORRIS, 2010,

P. 44). Além disso, sua concepção de projeto de design está intimamente relacionada

a uma seqüência de etapas que articulam coleta e análise de dados oriundas da

aplicação de técnicas de Briefing; que, por sua vez, alimenta uma etapa criativa, na

qual se propõe soluções de design, com sua posterior produção e inserção no

mercado.

• Ambrose e Harris (2011) apresentam sua proposta de metodologia de

design em sete etapas interligadas segunfdo mostra a Figura 16.

FIGURA 16 Proposta de metodologia de Design de Ambrose e Harris (2011)

1 DEFINIR • Estabelecendo o problema e objetivos • Aplicação de Briefing

2 PESQUISAR • Coleta de informações primárias e secundárias • Pesquisa do histórico do problema e do público alvo

3 GERAR IDÉIAS • Criar possíveis soluções / processos criativos • Uso de inspiração e de referências

4 TESTAR PROTÓTIPOS

• Teste de viabilidade técnica / estética / interfaces • Aprimorar as soluções mais promissoras

5 SELECIONAR • Escolher uma solução entre as já propostas • Levantamento e aplicação de critérios de escolha

6 IMPLEMENTAR • Adequação da proposta ao detalhamento técnico • Concretização e produção da proposta escolhida

7 FEEDBACK • Identificar pontos positivos e negativos no processo • Aprender, corrigir falhas e aprimorar o processo

Fonte: Construção do autor baseado em Ambrose e Harris (2011)

As etapas desta proposta relacionam a necessidade geradora de um problema a

partir de um público alvo, a coleta e análise de dados, a concepção de soluções, a

produção e o feedback, o qual possibilita a revisão, o reordenamento e propostas de

melhorias, tanto no produto quanto no processo. A Figura 16 destaca as atividades

criativas e seus desdobramentos, pois, segundo seus autores, um projeto em design

exige “um alto grau de criatividade, mas de uma maneira controlada e direcionada

pelo processo [...] servindo tanto para objetivos tanto econômicos quanto criativos”

(AMBROSE e HARRIS, 2011 p. 11).

• Rozenfeld et al (2006) apresenta um modelo metodológico de

Desenvolvimento de Produto que, nas suas etapas, abrange questões que

se aproximam de etapas de projeto de design, segundo demonstra a

Figura 17.

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FIGURA 17 Proposta de metodologia de Rozenfeld et al (2006)

Fonte: PDP (2006)

Na Figura 17, a fase pré-desenvolvimento diz respeito à preparação estratégica

da empresa, tanto na busca da satisfação das necessidades do cliente relativas a um

produto, quanto à satisfação dos próprios interesses empresariais. Aí se inserem o

levantamento das necessidades, o conhecimento dos contextos e o esboço de um

problema a ser resolvido. As informações relativas às condições objetivas de

atendimento ao cliente encontram-se no portfólio que reúne “um conjunto de

produtos capaz de atender a todas as necessidades dos clientes” (ROSENFELD et al,

2006, p. 45) e está intimamente ligado ao planejamento estratégico da empresa.

Compõe a fase de desenvolvimento o projeto informacional, que coleta e analisa

informações e dados que irão integrar as especificações do produto e orientar seu

conceito (ROSENFELD et al, p. 212); o projeto conceitual diz respeito à “busca,

criação, representação e seleção de soluções” (p. 236); o projeto detalhado “tem

como objetivo desenvolver e finalizar todas as especificações do produto a serem

encaminhadas à manufatura” (p. 294); a preparação da produção engloba a

“definição do processo de produção, manutenção e demais cadeias de suprimento” (p.

394) e, finalmente, o lançamento do produto que diz respeito à colocação do produto

no mercado e seu respectivo planejamento de marketing (p. 416). A fase pós-

desenvolvimento indica procedimentos destinados ao acompanhamento do

desempenho do produto durante as fases de produção e de mercado, possibilitando

um feedback sobre necessidades e oportunidades de melhorias até a descontinuação

do mesmo no mercado (p. 436).

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Com base nas propostas dos três autores citados, foi elaborada uma síntese que,

baseada nos seus pontos comuns, expressa uma interpretação reunida nos elementos

que se seguem:

• Síncrese: Etapa que se inicia com o estudo do contexto no qual as necessidades e

desejos se manifestam para, em seguida, ser feita a formulação e delimitação do

problema;

• Informacional: a partir do problema são feitos os levantamentos e as análises de

dados, dentre os quais o público alvo; os mercadológicos; as características

positivas e negativas em produtos similares; as tarefas de uso; os sistemas

funcionais e tecnológicos; os materiais de fabricação e os sistemas produtivos, etc;

• Conceitual: a partir da etapa informacional, com o estudo da problematização e

com os resultados das análises, parte-se para o desenvolvimento de conceitos ou

idéias de solução do problema inicial, que possa ser concretizado na forma de um

produto. A partir de conceitos, são geradas alternativas projetuais, representadas

na forma de esboços, desenhos ou rendering’s, os quais são frutos do repertório

criativo e da habilidade do designer. Nessa fase, são construídos modelos de

testes, mock´ups e protótipos que permitem avaliar dimensões, formas, volumes,

interfaces de uso, dentre outros aspectos;

• Detalhamento: após a escolha da melhor alternativa que satisfaça a solução do

problema inicial, parte-se para o detalhamento técnico e tecnológico de sistemas e

subsistemas funcionais, seleção de materiais e processos de produção.

• Produção: prevê o acompanhamento da fabricação do produto, com vistas à

distribuição e venda;

• Relações com o Mercado: diz respeito ao diálogo conclusivo entre os envolvidos no

projeto, visando estabelecer as formas de inserção do produto no mercado;

• Feedback: trata-se de uma prática que acompanha todo o processo, possibilitando

o retorno a etapas anteriores, sempre que aspectos não satisfatórios forem

detectados em uma etapa específica, seja qual for sua posição na lógica do

processo. Esse retorno pode implicar ou não em uma revisão em cascata das

etapas precedentes ou se fixar numa determinada etapa.

A análise das metodologias vistas anteriormente demonstra que, apesar dos seus

aspectos particulares, as mesmas contêm pontos em comum que, reunidos,

possibilitaram a elaboração da síntese demonstrada na Figura 18.

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FIGURA 18 Representação gráfica da síntese metodológica do Design

Fonte: elaboração do Autor

Esta síntese revela a existência de uma orientação básica que conduz as etapas

de projetos e seus procedimentos respectivos. Essa orientação parte do que foi

denominado Síncrese e chega à etapa de Relações com o Mercado. Destaca-se aí,

também, a etapa de feedback que pode ocorrer em qualquer momento do

desenvolvimento do projeto, buscando adequações aos objetivos estabelecidos.

3.2. PESQUISA-AÇÃO

A Pesquisa-ação é um tipo de pesquisa que se caracteriza por ter a participação

do pesquisador no interior do objeto de pesquisa, integrando-o, interagindo com o

mesmo, aprendendo e também ensinando e, às vezes, modificando-o, devido à sua

presença ser quase sempre de natureza externa à cultura da sociedade pesquisada.

Uma definição para a Metodologia Pesquisa-Ação é dada por Thiollent:

[...] um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo, no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (THIOLLENT, 2002 p. 14).

Segundo Tripp (2005, p. 445) a origem desse método de pesquisa é imprecisa,

não sendo possível apontar um responsável direto por sua criação. Seu uso inicial

remonta à primeira metade do séc. XX, quando pesquisadores europeus,

desenvolvendo trabalhos nas áreas de psicologia e de relações interculturais,

promoveram ações junto à comunidades e, buscando aperfeiçoar sua prática,

construíram gradativamente os primeiros passos da pesquisa-ação. Tripp (2005, p

445) ainda considera a pesquisa-ação como sinônimo de pesquisa participante,

explicando que ambas são usadas para atingir objetivos semelhantes. Todavia

Thiollent (2002, p. 7), ao apontar as diferenças existentes entre os dois métodos,

afirma que a pesquisa-ação apresenta uma característica específica, porque, “além da

participação, supõe uma forma de ação planejada de caráter social, educacional,

técnico ou outro, que nem sempre se encontra em proposta da pesquisa participante”.

S I C D P F R

S- SÍNCRESE I- INFORMACIONAL C- CONCEITUAL D- DETALHAMENTO

P- PRODUÇÃO R- RELAÇÕES COMO O MERCADO F- FEEDBACK

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Segundo Gil (1996, p. 60), a pesquisa-ação “é um método que exige o

envolvimento ativo do pesquisador e ação por parte das pessoas ou grupos envolvidos

no problema” sendo “apropriado para conhecer e intervir na realidade social, graças à

sua capacidade de estar em contato com os problemas reais” (BORGES et al, 2007).

Engel (2000) explica que a Pesquisa-ação procura unir uma pesquisa teórica á um

objetivo concreto através de ações práticas para, a partir daí, buscar melhorar sua

compreensão e/ou seus processos tornando-se, então, um processo de aprendizagem.

Thiollent (2002 p. 15) explica que o papel do pesquisador objetiva a identificação de

valores e comportamentos baseada em relações comunicativas. Na pesquisa-ação há

uma ação por parte das pessoas ou grupos de pessoas implicadas no problema sob

observação, conduzida pela participação ativa do pesquisador, que é o responsável

por equacionar problemas encontrados, acompanhar e avaliar as ações

desencadeadas em função destses problemas, assumindo objetivos definidos e

orientando investigações em função dos meios disponíveis (THIOLLENT 2002 p. 15 e

17).

Os aspectos relevantes da pesquisa-ação, segundo Thiollent (2002 p. 16)

abordam formas para uma ampla e explicita interação entre o pesquisador e o grupo

social sob pesquisa, onde se delimitam as prioridades na busca tanto por

esclarecimentos dos problemas de natureza social apresentados, quanto por soluções

concretas destes mesmos problemas. Posição semelhante é a de Peruzzo (2003) ao

apontar dois aspectos da participação do pesquisador: em primeiro lugar ele pode

modificar o contexto que pretende investigar, com o objetivo não só de coletar dados,

mas também de propiciar benefícios ao grupo pesquisado; em segundo lugar, sua

interferência no grupo, influenciando e sendo influenciado, pode ser um fator de

comprometimento do próprio estudo.

Thiollent (2002 p. 18) recorta dois objetivos principais da pesquisa-ação: o

prático, no qual o pesquisador, através de atividades transformadoras, propõe

soluções concretas para os problemas pesquisados; e o de obtenção de conhecimento

e informações difíceis de serem alcançadas por outros meios metodológicos. Nessa

mesma linha, Gil (1996, p. 126 à 131) apresenta um planejamento metodológico para

Pesquisa-ação, que embora se organize em fases, ou conjuntos de ações, em uma

determinada ordem, prevê um vai-e-vem entre as mesmas, determinado pela

dinâmica da interação entre o pesquisador e o grupo pesquisado, o que é visto na

Figura 19

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FIGURA 19 Proposta de Thiollent de metodologia de Pesquisa-ação

1 FASE EXPLORATÓRIA

• Determinação do campo de investigação; • Determinação das expectativas dos interessados; • Visitas preliminares e consulta à documentos diversos;

2 PROBLEMATIZAÇÃO • Formulação do problema; • Formulação de objetivos teóricos e práticos;

3 CONSTRUÇÃO DE HIPÓTESES

• Construção de hipóteses;

4 SEMINÁRIOS • Reunião entre pesquisadores e membros significativos e representativos do grupo pesquisado com o objetivo de recolher e debater propostas das ações a serem realizadas;

5 SELEÇÃO DE AMOSTRAS

• Determinação dos elementos a serem pesquisados; • Seleção de amostra quando o universo pesquisado se apresentar numeroso e disperso;

6 COLETA DE DADOS

• Determinação das técnicas de coleta de dados; • Aplicação das técnicas de acordo com a dinâmica da interação entre o pesquisador e o grupo pesquisado;

7 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO

• Determinação dos procedimentos de análise; • Discussão e interpretação dos dados coletados; • Organização dos resultados em quadros explicativos;

8 ELABORAÇÃO DE PLANO DE AÇÃO

• Elaboração dos objetivos e indicação dos benefícios; • Elaboração de procedimentos de motivação e participação do grupo pesquisado • Determinação e concretização das tarefas e ações • Determinação das formas de controle das ações e avaliação dos resultados

9 DIVULAÇÃO DOS RESULTADOS

• Divulgação dos resultados no meio acadêmico

Fonte: Construção do Autor baseado em Gil (1996, p. 126 à 131) e em Engel (2000)

Gil (1996, p. 128), ao se referir à delimitação do universo da pesquisa, explica a

importância do uso de uma seleção de amostra (etapa 5) quando o mesmo se

encontra numeroso e esparso. Esta seleção sugerida pelo autor (op. cit.) seria

baseada em critérios de representatividade, numa abordagem qualitativa e

intencional, os quais seriam tidos como relevantes tanto para o pesquisador quanto

para o grupo pesquisado.

Dentre as diversas técnicas possíveis para a coleta de dados, Gil (1996, p. 129)

recorta o uso de entrevistas individuais e/ou coletivas; questionários, observação

participante e história de vida, que devem ser usados como procedimentos flexíveis,

abertos e sem muita estruturação, devido, primeiramente, à natureza dinâmica dos

objetivos que podem sugerir mudanças dos conteúdos coletivos pesquisados; em

segundo lugar devido à importância de coleta de informações argumentativas e a

forma pouco imperativa sugeridas por processos investigatórios mais flexíveis.

A metodologia da Pesquisa-Ação vem sendo usada no Design como ferramenta

de coleta de dados em etapas informacionais e de orientação em processos

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artesanais, em comunidades tradicionais rurais com objetivos de ações de

responsabilidade social e ética cultural. Bons exemplos são as pesquisas e ações de

resgate sóciocultural junto a comunidades indígenas. Neste caso, segundo Cavalcante

e Valle (2007), o uso do Design em empreendimentos sociais pôde introduzir nas

comunidades pesquisadas o conceito de sustentabilidade, tanto agregando valor a

produtos desenvolvidos, quanto contribuindo para o desenvolvimento dos

participantes no processo.

Por sua vez, Cavalcante e colaboradores (CAVALVCANTE et al, 2006;

CAVALCANTE e PAGNOSSIM, 2007), usando a pesquisa-ação, resgataram antigos

saberes, antigas práticas de artesanato e manufatura além de valores culturais

considerados esquecidos na comunidade indígena Kaingáng, etnia que ocupa

territórios em vários estados do Sul e Sudeste do Brasil e que se encontravam em

estado de risco social, com vários casos de desemprego, alcoolismo e marginalidade

(CAVALVCANTE et al, 2006). Esta aplicação de design social foi denominada de

Projeto KRE KYGFY, no qual foram desenvolvidos produtos de cestaria junto às

artesãs da comunidade. As Figuras 20 e 21 mostram um momento e um dos produtos

acabados desenvolvidos neste projeto.

FIGURA 20 Trabalho de artesã do Projeto KRE KYGFY

FIGURA 21 Cesta produzida no Projeto KRE KYGFY

Fonte: Brasil (2008) Fonte: Cavalvcante et al (2006)

Ainda segundo Cavalvcante et al (2006), os resultados alcançados foram: a

recuperação de formas dos produtos; tipos de trançados; utilização de outras fibras

naturais além da taquara, como: a criciúma, o guaimbé, o cipó imbé e o rami;

geração de renda com possibilidade de sustentabilidade da comunidade pela

comercialização de seus produtos. Dessa forma diminuíram-se os impactos tanto

sociais quanto ambientais pela agregação de conteúdos culturais locais a produtos de

design.

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Outros exemplos podem ser citados. O Projeto Imaginário Pernambucano, que

trabalhou uma metodologia interdisciplinar, incluindo a Pesquisa Ação usada na fase

de coleta de dados durante a interação com artesãos. Teve como objetivo a

valorização da cultura do povo sertanejo de Pernambuco, vinculando a esse aspecto

outros aspectos sociais, econômicos e ambientais na promoção do desenvolvimento

saudável de comunidades. (CAVALCANTI et al, 2004, 2006 e 2007). Já Reis et al

(2011) destacou a importância do papel do Design em ações sociais na forma de

“prestação de assessoria especializada a empreendimentos econômicos solidários”,

atuando em uma cooperativa de recicladores de materiais e produtos descartados, na

qual houve a utilização do design em ações participativas, na forma de oficinas de

artesanato e trabalhos manuais, com o propósito de promoção de justiça social.

3.3. PESQUISA ETNOGRÁFICA

A pesquisa etnográfica se destaca como uma das principais ferramentas da

Antropologia Cultural para coleta de dados. Neste tipo de pesquisa é previsto o

contato direto do pesquisador com a situação estudada, onde se procura a

compreensão de fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos da situação em

estudo (GODOY, 1995). Este método é uma “descrição sistemática da cultura em

estudo” (HARRIS, 2001), sendo composto de técnicas e de procedimentos de coleta

de dados associados a uma prática do trabalho de campo “a partir de uma convivência

mais ou menos prolongada do pesquisador junto ao grupo social a ser estudado”

(ROCHA e ECKERT, 2008). Durante essa experiência, o pesquisador se vale de

ferramentas como entrevistas, observação participante, descrição de atividades e

comportamentos, levantamento fotográfico, diários de campo, coleta de amostras,

vivencia junto da comunidade pesquisada.

A pesquisa etnográfica, como método da Antropologia Cultural, contribui para o

estudo e a descrição dos povos, sua língua, religião e demais manifestações materiais

e imateriais de suas atividades; é enfim, “a descrição e análise da cultura de um povo

ou de uma comunidade social” (ULLMANN, 1991, p. 39; FROST, 2008, p. 8 e 9).

Compreende o estudo, pela observação direta e por um período de tempo, das formas costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas: um grupo de pessoas associadas de alguma maneira, uma unidade social representativa para estudo, seja ela formada por poucos ou muitos elementos. Por exemplo: uma vila, uma escola, um hospital, etc. (MATTOS, 2001)

O método de coleta de dados usado nesta tese fundamentou-se em alguns

princípios e ferramentas da pesquisa etnográfica, que, segundo DaMatta (1987, p.

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143), “tem a pesquisa de campo como o modo característico de coleta de novos dados

para reflexão teórica ou como laboratório social”. A pesquisa etnográfica prevê o

contato com outros modos de vida, outros valores e outros sistemas de relações

sociais, nos quais o pesquisador fica aberto à experimentação da vivência, ajustando,

todavia sua participação e presença junto a uma nova cultura, ao objetivo de realizar

contatos e levantamento de dados.

Para Malinowski (1984, p. 24), o objetivo principal da pesquisa etnográfica é

“estabelecer o contorno firme e claro da constituição da comunidade estudada,

delineando os padrões dos fenômenos culturais e isolando-os de fatos irrelevantes”.

Para tal, o autor recomenda (MALINOWSKI, 1984):

• Buscar o maior conhecimento possível da comunidade em estudo a partir do

contato pessoal, com o objetivo de conhecê-la pessoalmente e também seus

costumes, códigos, comportamentos e suas crenças;

• Buscar a compreensão do universo cultural da comunidade em estudo através

da reunião de dados, os mais variados possíveis, na busca por fenômenos que

caracterizem tanto os aspectos gerais quanto os específicos da cultura em

questão;

• Na coleta de dados, usar ferramentas que permitam as expressões de opiniões

e suas considerações feitas pelos próprios membros da comunidade;

Considerando-se a pesquisa etnográfica como um das ferramentas da

Antropologia Cultural, seus elementos, tais como a observação, a descrição e as

entrevistas podem ser usados como metodologia aplicada ao estudo de comunidades

tradicionais, com o objetivo de desvendar parte da sua cultura, que se manifesta

dentre outros, através do artesanato.

Um exemplo desse uso pode ser identificado no trabalho de Noronha et al (2011)

que desenvolveu um projeto de pesquisa junto a comunidades quilombolas de

Alcântara, no Maranhão, dentro do projeto denominado Iconografias do Maranhão.

Este trabalho teve como finalidade a sistematização dos processos produtivos e a

identificação dos valores culturais nos produtos artesanais do ponto de vista dos seus

produtores. O projeto teve como objetivo a afirmação da identidade cultural pela

reflexão dos artesãos sobre si mesmos e sobre seus trabalhos artesanais, com a

aplicação de “uma metodologia que dá visibilidade à cultura de um lugar, promovendo

a comunicação do patrimônio imaterial” (NORONHA et al, 2011, p. 12).

Neste trabalho evidenciou-se a aplicação de uma metodologia baseada em

pesquisa etnográfica na qual se registrou a vivência dos pesquisadores com o

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cotidiano dos artesãos, na busca de analisar os discursos e as práticas tradicionais, os

quais foram registrados de forma sistematizada. Como resultado dessa pesquisa,

destaca-se a possibilidade de identificação das representações que “relacionam o

produto ao território, às tradições do lugar e às práticas sociais estabelecidas perante

os ciclos da natureza” (NORONHA et al, 2011, p. 121).

3.3.1. Pesquisa etnográfica e design

É conhecido que o design, por sua natureza criativa e inovadora, tem uma forte

tendência a se amalgamar com outros processos criativos e culturais, sempre

trazendo consigo outras visões e outros conceitos. Na relação interdisciplinar do

Design com a Antropologia Cultural, verifica-se a necessidade de buscar na pesquisa

etnográfica instrumentos de coleta de dados e de compreensão de contextos culturais

que permitam o conhecimento mais aproximado possível da realidade em estudo.

Todavia a Pesquisa Etnográfica constitui-se um método amplo e complexo,

desenvolvido a partir de conhecimentos teóricos e empíricos específicos e, por isso

mesmo, escapa às possibilidades objetivas de sua completa utilização pelo Design.

A abordagem interdisciplinar, todavia, oferece ao Design a possibilidade de

utilizar algumas de suas ferramentas, com o objetivo de estudar e caracterizar um

contexto cultural em pesquisa, podendo identificar relações de parentesco, relações

interpessoais, histórias e experiências de vida, formas de organização da produção e

do trabalho, relações com o território ocupado, comportamentos, sentimentos e

significados, elementos da memória coletiva e outros componentes da cultura

imaterial. Oliveira e Gomes (2005) afirmam que...

A compreensão dos significados atribuídos pelos sujeitos é outro aspecto importante nesta abordagem. Compreender como as pessoas dão sentido às suas vidas, quais suas expectativas, apreender as suas perspectivas e elucidar a dinâmica interna das situações; sendo necessário também perceber o que os participantes experimentam, como interpretam as suas experiências e o modo como organizam o mundo social em que vivem. (OLIVEIRA E GOMES, 2005)

Por outro lado, Skaggs (2010) explica que a antropologia cultural e seu método

etnográfico oferecem ao design um conteúdo investigativo, experiência e

documentação sistemática de uma cultura em estudo, capazes de levantar

informações que levam ao entendimento do comportamento e atitudes dos grupos

pesquisados, permitindo uma maior congruência entre o que é desenvolvido no design

e as necessidades da sociedade.

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A aplicação da Pesquisa Etnográfica na área do Design não é uma novidade e é

encontrada em projetos que apresentam diversas formas de abordagem que diferem

entre si de acordo com os objetivos estabelecidos. A literatura especializada registra

exemplos de trabalhos e pesquisas relacionados a projetos concebidos nessa relação,

conforme visto abaixo.

• Rosa, Gurgel e Passos (2012) usaram pesquisa etnográfica em grupos

acadêmicos compostos de alunos e professores com o propósito de

levantamento de dados necessários para a identificação de

funcionalidades, requisitos desejáveis e problemas de usabilidade, durante

o processo de design de interface de um software de compartilhamento de

informações acadêmicas.

• Anicet, Laschuk e Pereira (2012) usaram os processos da pesquisa

etnográfica, tais como observação participante, descrições, diários de

campo e entrevistas, para levantar “o processo de significação dos

elementos da cultura” no campo de Design de Moda, com o objetivo de

“conceitualização e mapeamento dos processos artesanais têxteis na

região metropolitana de Porto Alegre”.

• Flores (2010) usou a pesquisa etnográfica aplicada a comunidades virtuais,

para um levantamento de características de objetos culturais materiais e

imateriais que possam ajudar na definição da representação da identidade

cultural do Estado do Rio Grande do Sul, através da ótica do Design de

Produto.

• Araújo (2012), enfim, estudou como a relação entre os processos da

Pesquisa Etnográfica e do Design, numa perspectiva metodológica na qual

indica como informações oriundas da primeira podem ser aplicadas no

universo da pesquisa em Design, tendo como objeto de pesquisa o caso de

uma empresa carioca especializada em Design de Serviços.

A pesquisa etnográfica, como instrumento de coleta de dados, apresenta-se,

portanto, como a concretização do caráter interdisciplinar do design em sua relação

transversal com a Antropologia.

3.3.2. O Informante Chave na Pesquisa Etnográfica

O objeto da Etnografia é o ser humano e pesquisar seu comportamento

sóciocultural é o seu objetivo. O sujeito, historicamente fazedor da ação social,

contribui para significar o universo pesquisado, ”exigindo uma constante reflexão e

reestruturação do processo de questionamento do pesquisador” (MATTOS, 2001).

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Uma comunidade tem seu patrimônio imaterial diluído nos seus indivíduos, e os

modos de pensar, de agir, de sentir, os conhecimentos e saberes estão ligados à

comunidade pelos seus membros. Este patrimônio pode, no entanto, ser distribuído de

forma diferente entre tais membros, sendo que uns podem dominar certos conteúdos

que outros não dominam. Todavia, um conteúdo sob domínio de membros específicos

é identificado e considerado pelos demais membros como mais uma peça do mosaico

cultural local e pertencente a todos no geral. Assim, os conteúdos pesquisados são

dados subjetivos,

pois trata-se do modo como aquele sujeito observa, vivencia e analisa seu tempo histórico, seu momento, seu meio social etc.; é sempre um, entre muitos pontos de vista possíveis. Assim, tomar depoimentos como fonte de investigação implica extrair daquilo que é subjetivo e pessoal neles o que nos permite pensar a dimensão coletiva, isto é, que nos permite compreender a lógica das relações que se estabelecem (estabeleceram) no interior dos grupos sociais dos quais o entrevistado participa (participou), em um determinado tempo e lugar (DUARTE, 2004).

A UNESCO (2003) define que o patrimônio cultural imaterial, no que diz respeito

às práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas, junto com

conteúdo material relativo aos instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que

lhes são associados, são referentes às comunidades, aos grupos e, em alguns casos,

aos indivíduos, que os reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.

O conceito de indivíduo representativo está relacionado ao indivíduo/membro de

uma determinada comunidade, que reúne em si e expressa concepções, crenças,

práticas e expectativas do todo social a que pertence. Essa representatividade não

está associada necessariamente ao número ou à quantidade de registros que o

mesmo possa apresentar, mas à intensidade com que reproduz determinados

artefatos de sua cultura. Malinowski (1984), na sua pesquisa em algumas

comunidades autóctones do Pacífico Sul, foi o primeiro antropólogo que enfatizou a

importância de apreender o ponto de vista dos habitantes locais, usando informantes

chave para a coleta de informações orais, que estavam presentes principalmente no

conhecimento dos anciãos das aldeias, como o caso do ancião chamado Ibena, “um

bom informante, ansioso por instruir e mostrar sua sabedoria e conhecimento”

(MALINOWSKI, 1984, p. 348).

Por isso, faz-se importante a explicação do conceito do Ser Representativo,

Informante Chave ou Indivíduo Síntese, como alguém que reúne em si parte do

conteúdo intangível, integrante de um repertório sóciocultural. Ginzburg (1987, p 27 e

28) refere-se a esse ser representativo como “um microcosmo de um estrato social

inteiro”, capaz de expressar tanto as singularidades como as generalidades do que o

rodeia. Segundo Rosa, Lucena e Crossetti (2003), o “Informante Chave é a pessoa

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que conhece ou vivencia um fenômeno sóciocultural”, levando o foco da pesquisa

etnográfica para a observação dos informantes no contexto cultural pesquisado.

Assim, essa pessoa identificada pelo pesquisador no universo de pessoas da

comunidade como o Ser Representativo, funciona como um componente de um

conteúdo, partilhado de forma espontânea pelos demais componentes daquele

segmento social. Segundo Mattos (2001), a “Etnografia está interessada no

significado local das coisas para estas pessoas em particular”. Como exemplos do uso

de informante chave em trabalhos etnográficos, é possível citar:

• Araújo (2010), que aplica o termo Informante em Foco para Expedito

Lourenço, um iniciado em religiões afro-brasileiras, o qual é descrito

fisicamente, gestualmente, comportamentalmente e socialmente, assim

como tem a descrição de sua biografia, durante a coleta de informações

sobre o candomblé que praticava.

• Jardim e Pereira (2009), que usaram o termo de Informante Local durante a

pesquisa etnográfica no município de Bocaina de Minas (MG). Esse

informante local proporcionou coletar dados sobre determinadas práticas

comumente utilizadas por produtores rurais do município, como por

exemplo, o preparo do solo com fogo. Além disso, as pesquisadoras usaram

dados desse informante durante técnica da caminhada transversal, que

consistiu em percorrer uma determinada área da unidade de produção rural,

acompanhado do informante local, observando todo o socioecossitema.

• Benetti e Lenardt (2006) usaram o termo informante-chave para as pessoas

entrevistadas durante pesquisa etnográfica realizada em um hospital

localizado na região do Contestado, Planalto Norte Catarinense, para coletar

as opiniões e significados com o objetivo de compreender o que as pessoas

sabem sobre o sangue e as transfusões sangüíneas.

A escolha do informante chave é, para Duarte (2002), uma prioridade, pois

permite a descrição e delimitação da população base, ou seja, dos sujeitos a serem

entrevistados, assim como o seu grau de representatividade no grupo social em

estudo, pois se trata do solo sobre o qual grande parte do trabalho de campo será

assentada. Nesta tese será utilizada a expressão ser representativo utilizada por

Ginzburg (1987, p 27 e 28) como indicado anteriormente.

3.3.3. Seleção de ferramentas da pesquisa etnográfica

Diário de campo

O diário de campo é um registro pessoal, feito pelo pesquisador, onde se anotam

as observações, impressões e interpretações pessoais sobre os fatos observados; o

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comportamento das pessoas observadas; registro do levantamento in loco de

informações relacionadas a atividades realizadas. Trata-se de uma forma de registrar

informações específicas da área de intervenção, das rotinas, observações sobre

relatos e descrição sobre as intervenções e sobre a realidade.

Nesse sentido, “as anotações descritivas realizadas em diário de campo

pretendem transmitir com exatidão a exposição dos fenômenos sociais – requisito

essencial da pesquisa qualitativa” (LIMA, MIOTO E PRÁ, 2007). Trata-se, portanto de

uma fonte primária de informações sobre o fenômeno estudado.

Entrevista semiestruturada:

As entrevistas podem ser classificadas como:

• Não estruturada, aberta ou não diretiva, na qual não há critérios ou roteiros

para a abordagem dos assuntos a serem tratados, ficando a entrevista a mais

espontânea possível, mas também de resultado imprevisível;

• Estruturada, também conhecida como entrevista diretiva ou fechada, feita a

partir de perguntas e questionários previamente elaborados, na qual não há

oportunidade para outras abordagens a não ser aquelas já definidas, o que

pode ser considerado como um fator limitante e não aberto às informações

espontâneas importantes;

• Semiestruturada, ou semidiretiva ou semiaberta. Esta é uma técnica de

coleta de dados subjetivos através da aplicação de questionários e/ou de

conversa informal. Segundo Lüdke e André (1986, p. 34) trata-se de uma

entrevista que se “desenrola a partir de um esquema básico e pré definido”, o

roteiro, que, todavia, não é aplicado rigidamente, permitindo adaptações do

pesquisador. Justifica-se, quando se pretende obter dados que envolvam

sentimentos, valores, conhecimentos, saberes, fatos e opiniões.

Para Duarte (2002), “pesquisas de cunho qualitativo exigem a realização de

entrevistas, quase sempre longas e semiestruturadas”, nas quais a coleta de dados

será feita a partir da descrição e delimitação da população base. Esse tipo de

entrevista se realiza tanto numa forma de combinação de perguntas fechadas e

abertas num mesmo questionário e/ou na forma de um roteiro pré-estabelecido com o

qual o pesquisador poderá realizar a entrevista como uma “conversa informal”, na

qual os dados serão obtidos sem que se fuja do tema a ser tratado (BONI e

QUARESMA, 2005). Conforme Duarte (2004), as entrevistas são fundamentais,

quando se precisa ou se deseja “mapear práticas, crenças, valores e sistemas

classificatórios de universos sociais específicos”.

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A entrevista semiestruturada segue as questões e os roteiros sem deixar de ser

flexível. As vantagens são, primeiramente, o aumento de interatividade entre

entrevistador e entrevistado, permitindo o aprofundamento de certos assuntos que,

por acaso, venham à tona naquele instante. Em segundo lugar, há maior liberdade

para respostas espontâneas dos entrevistados, que colaboram tanto para o

levantamento de informações subjetivas e comportamentais, como para o aumento

das informações coletadas, que não foram previstas inicialmente, mas que podem ser

importantes ou mesmo surpreendentes. A metodologia de entrevista semiestruturada

proposta nesta tese constitui-se numa síntese baseada em Duarte (2002) e em Boni e

Quaresma (2005), cujos fundamentos são:

• Escolha dos entrevistados: definida a partir do reconhecimento de uma

representatividade dentro do contexto ou dentro do assunto abordado. Essa

escolha parte do conhecimento prévio do pesquisador quanto aos possíveis

entrevistados, feito a partir de contatos preliminares sem uma metodologia

específica para tal. Segundo Duarte (2002), o número de pessoas a serem

entrevistadas, que não pode ser definido a priori, é menos importante do que a

qualidade das informações coletadas, que variam a depender da profundidade do

conhecimento sobre determinado assunto, da convergência ou divergência de

opiniões e de demais fatores subjetivos. De acordo com as pessoas entrevistadas

podem aparecer novos dados permitindo análises mais consistentes e densas,

levando à identificação de padrões simbólicos, práticas, sistemas classificatórios

etc.

• Elaboração do roteiro: o roteiro é constituído por pontos, itens, tópicos ou

perguntas abertas que são apresentadas ao entrevistado, “gerando uma conversa

que aborda o assunto da pesquisa ou guiando a entrevista através destes tópicos a

serem cobertos” (LÜDKE E ANDRÉ 1986, p. 36). O roteiro fica sob o controle do

pesquisador e não é apresentado ao entrevistado. A conversa é então anotada ou

gravada para posterior compilação ou transcrição.

3.4. OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

A observação participante apresenta-se como um método de pesquisa que

“consiste na inserção do pesquisador no grupo observado, tornando-se parte dele”

(QUEIROZ, 2007). Becker descreve a ação do observador participante ao coletar

dados através de sua participação na vida cotidiana de uma comunidade:

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90

Ele observa as pessoas que está estudando para ver as situações com que se deparam normalmente e como se comportam diante delas. Entabula conversação com alguns ou com todos os participantes desta situação e descobre as interpretações que eles têm sobre os acontecimentos que observou. (BECKER, 1993, p. 47)

Seu objetivo é o de compreender um contexto pesquisado através da observação

dos comportamentos, hábitos, atitudes, interesses, relações interpessoais e demais

características do cotidiano de um grupo social. Para Lima, Almeida e Lima,

a observação participante é a técnica de captação de dados menos estruturada que é utilizada nas ciências sociais, pois não supõe qualquer instrumento específico que direcione a observação. Dessa forma, uma das limitações existentes pode ser o fato de que a responsabilidade e o sucesso pela utilização dessa técnica recaem quase que inteiramente sobre o observador. (LIMA, ALMEIDA E LIMA 1999)

Entretanto, para Correia (2009) a observação participante pode se relacionar

com outros métodos e técnicas de pesquisa se complementando “com a entrevista

semi-estruturada ou livre, embora também com outras técnicas como análise

documental, se bem que a mesma possa ser aplicada de modo exclusivo”,

possibilitando, assim, uma de coleta de informações mais objetiva.

O entendimento do contexto pesquisado exige que o observador se torne parte

do mesmo, convivendo com o cotidiano da comunidade pesquisada e explicitando seu

papel ao abordar o objeto em estudo. Essa inserção, todavia, não implica na perda da

identidade do pesquisador, que deve “mostrar-se diferente do grupo pesquisado. Seu

papel de pessoa de fora terá que ser afirmado e reafirmado” (VALLADARES, 2007)

levando-o a tomar consciência das possibilidades, limites e responsabilidades do seu

papel durante a pesquisa. Para Valladares (2007) “a observação participante implica

saber ouvir, escutar, ver, fazer uso de todos os sentidos. É preciso aprender quando

perguntar e quando não perguntar, assim como que perguntas fazer na hora certa”.

Correia (2009) identifica três fases da observação participante: a descritiva, a

focalizada e a seletiva, sendo que não há uma seqüência obrigatória nas suas

aplicações: na primeira, a descritiva, o observador procura por uma “visão geral” do

contexto observado, possibilitando a coleta e análise de informações iniciais. A

segunda, a focalizada, busca, dentro das informações coletadas, as mais significativas

e relevantes, com o objetivo de aprofundamento do entendimento do contexto.

Finalmente a ultima, a seletiva, é feita após novas visitas ao campo, com o objetivo

de novas coletas e análises dos conteúdos antes focalizados.

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91

3.5. ESTUDO DE CASO

O estudo de caso pode ser considerado como um método de pesquisa qualitativa,

na qual um contexto pode ser entendido, analisado e explicado a partir de um

fenômeno nele existente. Ou seja, ao se selecionar um fenômeno para entender seu

contexto, esse fenômeno denomina-se então caso. Gil (1996, p. 58) caracteriza o

Estudo de Caso como “o estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de

maneira que permita o seu amplo e detalhado conhecimento”.

Considerando-se que todo caso se insere em um determinado contexto e que

com ele interage, entende-se também que o próprio caso selecionado pode promover

o conhecimento e a compreensão das forças que atuam no seu entorno e dos

elementos que deste entorno o influenciam. Assim há uma contribuição para o

entendimento tanto dos fenômenos individuais quanto dos coletivos/sociais que

permitem “uma investigação para se preservar as características holísticas e

significativas dos eventos da vida real - tais como ciclos de vida individuais” (YIN,

2001).

Gil aponta alguns critérios para a aplicação deste método, destacando entre eles

a delimitação da unidade-caso, que para ele “pode ser uma pessoa, uma família, uma

comunidade, ou conjunto de relações ou processos ou mesmo uma cultura” (GIL,

1996, p. 121). A determinação dessa unidade-caso exige, por seu lado, a aplicação de

certos critérios, sendo um dos mais relevantes a busca de casos típicos que ofereçam

a melhor expressão da questão a ser investigada (GIL, 1996, p. 122). Yin (2001, p.

94 e 98) por sua vez, destaca o papel da pessoa-chave, que deve ser abordada

“conforme a disponibilidade do entrevistado”. Os dados coletados a partir dessa

investigação devem abranger comportamentos, atitudes e percepção individuais desse

informante-chave relacionados ao seu contexto.

Como exemplo de estudo de caso no Design pode-se citar o estudo de Tanure e

Kistmann (2010), no qual é feito uma avaliação da forma como é usada a gestão do

design no setor de moda nos seus três níveis: estratégico, tático e operacional através

do estudo de uma empresa de produtos de vestuário com sede em Curitiba-Paraná.

Esta pesquisa foi baseada em questionários como principal ferramenta para se obter

dados que explicassem o contexto do mercado de moda na sua relação com os

procedimentos da gestão do design através da caracterização das operações

gerenciais dessa empresa.

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3.6. PESQUISA DOCUMENTAL

Denominada por Rudio (1999) de observação documental, este método de

pesquisa fundamenta-se na busca de informações sobre determinado tema em

documentos impressos, fotográficos e/ou digitais. Tratando-se de informações que se

apresentem sob a forma de documentos ou dados ainda não analisados e

interpretados, seu conteúdo é caracterizado como fonte primária. No caso contrário,

constituem-se, então, como fontes secundárias.

A pesquisa documental consiste em identificar, verificar e apreciar os documentos com uma finalidade específica e, nesse caso, preconiza-se a utilização de uma fonte paralela e simultânea de informação para complementar os dados e permitir a contextualização das informações contidas nos documentos (SOUZA, KANTORSKI e LUIS, 2011).

A coleta de dados documentais deve ser organizada sobre uma base de fichas

impressas ou eletrônicas, onde as referências são registradas e as informações

relativas ao tema, seu desenvolvimento, os argumentos e as conclusões, bem como

os dados essenciais à elaboração dos conteúdos são reunidos.

As metodologias abordadas neste capítulo apresentam como peculiaridade a

convergência de orientações quanto às formas de abordagem do objeto, técnicas de

investigação, relação entre pesquisador e pesquisados e objetivos buscados. Por

caminhos muito aproximados, por exemplo, a pesquisa-ação e a observação-

participante interagem, ajudam a reconhecer problemas, buscam e sugerem soluções

aos membros dos grupos sociais onde são aplicadas. Por sua vez o estudo de caso, ao

focalizar como sujeito de sua investigação um agente social de uma determinada

comunidade, trata-o como informante-chave, indivíduo representativo dos saberes e

práticas de um dado grupo social, aproximando-se claramente de procedimento

semelhantes presentes na pesquisa etnográfica. Esta, por sua vez, se apoia na

observação, na narrativa e em depoimento de membros representativos de um grupo

em estudo. A impossibilidade de estabelecer limites rígidos entre os referidos

procedimentos metodológicos e a convergência, acima indicada, de seus

componentes, explicam a interligação, dentro do universo proposto pela pesquisa-

ação, de etapas componentes da pesquisa etnográfica, da observação participante e

do estudo de caso.

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MÉTODO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA 4

Neste capítulo é apresentada a proposta metodológica a ser aplicada na

pesquisa, cujo objetivo é o de intermediar a produção artesanal de comunidades

rurais com o mercado urbano e adequar características dos produtos daquele

artesanato a requisitos estabelecidos pelo mercado, sem prejuízo dos componentes

identitários dos produtos referidos. Esta proposta baseia-se no modelo de Pesquisa-

ação de Thiollent (2002), já descrito anteriormente no Cap. 3, o qual será adaptado

neste trabalho às condições concretas exigidas pela relação entre o design e o

artesanato de uma comunidade tradicional.

A escolha da Pesquisa-ação como método de referência resultou da compreensão

de que a mesma permite a intervenção concreta do pesquisador em realidades

socioeconômicas específicas, buscando entendimento da sua estrutura interna e a

proposição de soluções para problemas de natureza social que forem detectados. A

necessidade desta adaptação justifica-se tanto pela introdução nas etapas da

Pesquisa-Ação de procedimentos metodológicos provenientes da pesquisa etnográfica,

da observação participante e do estudo de caso, quanto pelas exigências

apresentadas na elaboração de projetos em design voltados para comunidades

tradicionais. Este capítulo é finalizado com a apresentação das quatro etapas do

procedimento metodológico desenvolvidas para orientar a parte da aplicação prática,

descrita no capítulo 5.

4.1. ADAPTAÇÕES NO MODELO DE PESQUISA-AÇÃO

O modelo de Pesquisa-ação de Thiollent (2002) constitui-se como referência para

muitos trabalhos nesta área, tornando-se fundamento para a concepção metodológica

desta pesquisa e para validar os argumentos nela contidos. Gil (1996, p. 126 à 131)

fazendo uma leitura desta proposta, elaborou uma sistematização das suas etapas,

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descritas no capítulo 3 as quais são tomadas como roteiro estruturante para a

proposta de Pesquisa-ação Adaptada apresentada neste trabalho.

Tiollent (2002) não estabelece critérios rígidos para a escolha das ferramentas de

pesquisa específicas para cada etapa da Pesquisa-ação, bem como Gil não faz na sua

leitura referida. Em geral sugerem procedimentos e indicações genéricas sobre o uso

de questionários, roteiros de entrevistas e discussões entre pesquisadores e

pesquisados. No que diz respeito à coleta de dados, os dois Autores são mais

precisos, referindo-se ao questionário, à entrevista, à história de vida, ao sociograma

ou mesmo à observação participante. Para Gil (1996, p. 129) “a pesquisa-ação tende

à adotar preferencialmente procedimentos flexíveis. Primeiramente porque, ao longo

do processo de pesquisa, os objetos são constantemente redefinidos, sobretudo a

partir das decisões do seminário”.

Essa flexibilidade dá a oportunidade para que, neste trabalho, as propostas de

pesquisa-ação referidas sejam adaptadas às diretrizes estabelecidas na hipótese e nos

objetivos, resultando na proposta aqui denominada de Pesquisa-ação Adaptada. Essa

adaptação responde às necessidades de:

• Entender o contexto cultural da comunidade abordada mediante a

aplicação de procedimentos da pesquisa documental e da observação

participante;

• Coletar dados nos universos de pesquisa indicados, necessários ao alcance

desse entendimento, aplicando ferramentas da pesquisa etnográfica;

• Aprofundar a análise sobre os universos de pesquisa abordados

selecionando um informante chave que se constituirá como um estudo de

caso;

• Inserir procedimentos da pesquisa em design necessários à elaboração e

execução do plano de ação.

Nesta proposta de pesquisa-ação adaptada, ficam estabelecidos os papéis da

pesquisa-ação e do design. A primeira como o caminho metodológico estruturante

onde se passa o diálogo entre a produção artesanal e o mercado urbano, num

processo de intermediação; o segundo, parte integrante do plano de ação,

desempenha o papel de instrumento de adequação dos produtos artesanais aos

requisitos estabelecidos por aquele mercado. O Quadro 08 demonstra graficamente a

proposta da Pesquisa-ação Adaptada.

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QUADRO 08

Proposta de adaptação da pesquisa-ação de Thiollent

PESQUISA-AÇÃO PROPOSTA POR THIOLLENT

PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA

Fase exploratória Fase exploratória Problema Problema Construção de hipóteses

Hipótese

Seminário Interação com os universos de pesquisa Seleção da amostra Informante chave / Estudo de Caso Coleta de dados Análise e interpretação dos dados

Coleta, descrição e análise de dados

Plano de ação Plano de ação Apresentação e resultados alcançados

Divulgação dos resultados Resultados esperados e efeitos colaterais

Fonte: Desenvolvido pelo autor

No Quadro 08, a coluna relativa à Pesquisa-ação Adaptada está assim

discriminada:

• Fase exploratória: nesta fase são desenvolvidas ações de reconhecimento

do contexto dos universos da pesquisa, isto é a comunidade rural e o

mercado urbano, estabelecendo contato com seus membros, a partir de

procedimentos da observação participante. No primeiro, é identificada a

atividade econômica que apresente afinidade com os processos de design

tais como aspectos plásticos, funcionais e de produção; no segundo, são

identificados necessidades e desejos que indiquem a abertura de

oportunidades para a atividade econômica do primeiro. Para tal sugerem-se

a apresentação do pesquisador e sua proposta de pesquisa, a discussão do

projeto e a possibilidade de sua aceitação pelos dois universos;

• Problema e hipóteses: o resultado da fase exploratória permite a

construção da problematização necessária à formulação do problema de

pesquisa e à elaboração da hipótese para a sua solução;

• Interação do pesquisador com os universos de pesquisa: nesta fase

avalia-se a aceitação do pesquisador e sua proposta pelos membros dos

universos de pesquisa, permitindo o estreitamento entre seus laços. A partir

daí podem ser identificados a estrutura, as hierarquias e os papeis sociais

dos seus componentes, tal como suas lideranças. Nesta fase também são

levantadas informações sobre tradições, saberes e práticas que compõem o

contexto cultural do universo da comunidade rural, mediante o uso de

procedimentos da pesquisa participante e ferramentas da pesquisa

etnográfica. Essas informações permitem selecionar o tipo de produção

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artesanal a ser objeto da pesquisa, tal como o perfil e o compromisso

sóciocultural da entidade representante do mercado urbano. Finalmente,

avalia-se a possibilidade de articulação dos interesses dos dois universos,

esboçando-se uma perspectiva de intermediação proposta pelo pesquisador;

• Informante chave / Estudo de Caso: a seleção do tipo de produção

artesanal a ser objeto de pesquisa determinará a seleção do(s)

informante(s) chave que se constiuirá(rão) como o estudo de caso. Propõe-

se, então, o uso de ferramentas da pesquisa etnográfica e da observação

participante;

• Coleta, descrição e análise de dados: propõe-se nesta etapa o uso de

instrumentos de pesquisa tais como o diário de campo, entrevistas,

fotografias, descrições, análise documental, dentre outros;

• Plano de ação: definição do papel do pesquisador, do informante chave,

dos representantes do mercado urbano, bem como dos demais membros

dos universos de pesquisa, usando-se procedimentos da pesquisa

participante. Estabelecimento das ações necessárias à intermediação entre a

produção artesanal de uma comunidade rural e o mercado urbano, com

vistas à possibilidade de compatibilização entre os interesses mútuos.

Adequação, mediante a aplicação de ferramentas da pesquisa etnográfica e

da metodologia do design, dos produtos artesanais ao mercado urbano,

gerando novos produtos, na forma de protótipos;

• Apresentação e resultados alcançados: os resultados alcançados serão

submetidos a apreciação e a aprovação nos dois universos de pesquisa. Na

comunidade rural, para a observação quanto à preservação dos caracteres

identitários; no mercado urbano, para a comprovação da aplicação dos

requisitos estabelecidos. Posteriormente, propõe-se a busca de um

feedback, a partir de coleta de informações posteriores à apresentação dos

protótipos, com o objetivo de correção de eventuais erros e aplicação de

melhorias;

• Resultados esperados e efeitos colaterais: sua observação, por não ser

de ação imediata, demandará o tempo necessário para que seus

desdobramentos possam ser identificados, avaliados e eventualmente

corrigidos.

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O processo de adaptação no modelo de Pesquisa-ação proposto por Thiollent

(2002) das diretrizes metodológicas do design ocorre de forma dinâmica, permitindo

que suas etapas se articulem entre si, realimentando as necessidades que se

apresentarem em cada uma delas. Os dados documentais e os etnográficos, as

observações da pesquisa participante e a atuação do informante-chave, na

perspectiva de um estudo de caso, permeiam todo o processo, mesmo que sua

intensidade seja variada. Da mesma forma o papel do pesquisador torna-se mais ou

menos intenso a depender da situação, mas continua presente.

4.2. FERRAMENTAS METODOLÓGICAS USADAS NA PESQUISA-AÇÃO

ADAPTADA

A articulação entre os componentes que modificam o modelo de pesquisa-ação

proposto por Thiollent e o transformam em Pesquisa-ação Adaptada é demonstrada

no Quadro 09. Nele são explicitadas as ações e aplicações decorrentes da introdução

de procedimentos da pesquisa documental, da pesquisa etnográfica, da observação

participante, do estudo de caso e do estudo em design para a obtenção do produto

final decorrente das ações de intermediação e de adequação dos produtos artesanais

ao mercado urbano.

QUADRO 09 Componentes da Pesquisa-ação Adaptada

PESQUISA AÇÃO APLICAÇÃO

Documental Levantamento de informações teóricas e de conteúdo

Em todo o processo da pesquisa

Etnográfica Coleta de dados etnográficos e outros

Identificação: • dos entrevistados; • do informante-chave; • do tipo de artesanato objeto da

pesquisa; • do representante do mercado

urbano. Elaboração do plano de ação

Observação participante

Coleta de informações e interação com os membros da comunidade

• Contexto sociocultural da comunidade pesquisada;

• Elaboração do plano de ação.

Estudo de caso Coleta de informações específicas a partir do informante-chave

Intermediação entre a produção artesanal e o mercado urbano

Pesquisa em design

Plano de ação baseado em: • levantamento de características

do artesanato; • levantamento de requisitos; • desenvolvimento de protótipos.

Adequação de produtos artesanais ao mercado urbano

Fonte: elaboração do Autor

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O conteúdo do Quadro 09 exige o detalhamento de alguns procedimentos como

os relacionados a seguir.

• Critérios para a seleção da comunidade tradicional rural: estar integrada ao

contexto cultural do seu território de identidade; apresentar características

culturais tradicionais nas relações com o território onde se localiza; apresentar

uma produção artesanal que indique a presença de saberes e práticas comuns às

comunidades tradicionais da região e que seja capaz de ser abordada pelo design;

apresentar no seu cotidiano necessidades relacionadas à sobrevivência social e

econômica dos seus membros; estar à margem de incentivos e programas oficiais

e de empresas privadas voltadas à dinamização e valorização do artesanato

regional.

• Critérios de seleção dos entrevistados: buscando alcançar pontos de vista

variados quanto às questões apresentadas, são solicitadas entrevistas com

diferentes membros da comunidade, segundo os seguintes critérios:

o O público a ser entrevistado deve ser membro da comunidade e estar

integrado no seu cotidiano.

o Seu número dependerá das circunstâncias e das possibilidades apresentadas

pela comunidade, devendo fornecer informações suficientes para uma

análise e compreensão dos valores, das práticas, das atitudes, dos

comportamentos, dentre outros componentes significativos da cultura da

população estudada.

o Esse grupo deve integrar pessoas de diferentes faixas etárias e diferentes

posições na hierarquia social da comunidade.

• Critérios de seleção do informante chave: a escolha do informante chave deve

obedecer a critérios pré-estabelecidos, de modo a garantir a consistência e a

fidedignidade das informações a serem colhidas. Triviños (1987, p. 144) sugere

como pré-requisitos para a seleção do informante chave seu envolvimento, desde

o começo, no fenômeno que se quer estudar; o conhecimento amplo e detalhado

das circunstâncias que têm envolvido o foco em análise; a disponibilidade

adequada de tempo para participar no desenrolar das entrevistas e encontros e a

capacidade para expressar especialmente o essencial do fenômeno e o detalhe

vital que enriquece a compreensão do mesmo. Assim, com base nesses pré-

requisitos, foram definidos os seguintes critérios de seleção do informante-chave:

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o Ser membro da comunidade e estar integrado na produção do artesanato

escolhido;

o Produzir artefatos compatíveis com os valores estéticos, funcionais e

simbólicos da comunidade;

o Ter sua produção reconhecida pela comunidade como expressão das suas

tradições;

o Demonstrar tanto o domínio das técnicas artesanais, quanto o interesse em

transmiti-las às futuras gerações da comunidade;

o Estar disposto e disponível para participar da pesquisa.

• Critérios para escolha do estabelecimento do mercado urbano:

considerando-se a diversificação de estabelecimentos componentes de um

mercado urbano, distribuídos, sobretudo, nas áreas de comércio e de serviços,

torna-se necessária a seleção de um setor que apresente afinidade com o

artesanato produzido por uma comunidade tradicional rural e cujas formas de

expressão sejam capazes de atrair o interesse da sua clientela. A diversificação

desse contexto dificulta assim a definição de critérios precisos para essa escolha,

dando lugar para a atuação da oportunidade e para os contatos pessoais buscados

pelo pesquisador. Assim, neste caso, o critério de escolha orienta-se para um

estabelecimento que apresente uma filosofia de valorização e incentivo da cultura

popular expressa por um artesanato tradicional.

• Roteiro de conduta da observação participante: considerando-se as limitações

para o estabelecimento de instrumentos específicos do direcionamento para a

Observação Participante, segundo Lima, Almeida e Lima (1999), foi sugerido um

roteiro de conduta para a realização desse procedimento:

o Estar atento, no cotidiano da comunidade, a tudo que contribua para

esclarecer e complementar informações preliminares e/ou espontâneas;

o Buscar apoio das lideranças da comunidade;

o Deixar livre o caminho da observação, dispensando formas ou roteiros a

priori;

o Dar liberdade à livre expressão e às atitudes dos membros da comunidade;

o Organizar as anotações das observações.

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• Organização do diário de campo: o diário de campo pode ser feito através de

anotações escritas ou gravadas. Estas últimas podem ser transcritas em uma ficha

que, segundo Triviños (1987, p. 158), deve conter:

o Nome da instituição que patrocina a pesquisa;

o Nome da pesquisa;

o Nome do coordenador e do observador da pesquisa;

o Assunto observado;

o N° da observação;

o Local, data, hora da observação;

o Um comentário crítico sobre as mesmas.

4.3. PLANEJAMENTO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA

O planejamento do método da Pesquisa-ação Adaptada, descrito na Figura 22,

está organizado em 4 fases e tem como objetivo tanto esclarecer a relação de cada

uma delas com os itens do modelo adaptado como servir de roteiro a ser seguido,

desde os primeiros momentos, nos universos da pesquisa, até sua finalização.

FIGURA 22 Fases do planejamento da pesquisa-ação adaptada

FASE I - EXPLORATÓRIA EXPLORATÓRIA / PROBLEMA / HIPÓTESE / INTERAÇÃO COM OS UNIVERSOS DE PESQUISA OBJETIVOS 1. CONHECER A COMUNIDADE E SUAS ATIVIDADES ECONÔMICAS 2. CONHECER O ESTABELECIMENTO URBANO SELECIONADO 3. CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA E DA HIPÓTESE 4. INTERAÇÃO DO PESQUISADOR COM OS UNIVERSOS DA PESQUISA TAREFAS NA COMUNIDADE • Levantar informações na literatura especializada; • Contatar a comunidade, apresentando o pesquisador e seu projeto de pesquisa; • Pesquisar elementos da estrutura social e do repertório cultural local; • Identificar o tipo de artesanato com possibilidade de sofrer o processo de intermediação ao

mercado urbano; TAREFAS NO MERCADO URBANO • Contatar um estabelecimento representante do mercado urbano, apresentando o pesquisador e

seu projeto de pesquisa; • Pesquisar características, desejos, necessidades e interesses que permitam sua articulação com a

produção artesanal da comunidade; DADOS A SEREM LEVANTADOS • Características gerais da comunidade e do mercado urbano • Características gerais das atividades econômicas da comunidade • Características gerais da atividade artesanal selecionada que apresentem afinidade com os

processos de design e com os interesses do estabelecimento do mercado urbano CONTINUA NA PÁGINA 101

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FIGURA 15 Fases do planejamento da pesquisa-ação adaptada

(Continuação)

FASE II – ESTUDO DE CASO INFORMANTE-CHAVE / ESTUDO DE CASO / COLETA, DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE DADOS NOS UNIVERSOS DA PESQUISA OBJETIVOS 1. SELECIONAR O TIPO DE PRODUÇÃO ARTESANAL OBJETO DA PESQUISA 2. IDENTIFICAR O INFORMANTE-CHAVE A COMPOR O ESTUDO DE CASO 3. COLETAR, DESCREVER E ANALISAR OS DADOS ORIUNDOS DO INFORMANTE-CHAVE E DO ESTABELECIMENTO DO MERCADO URBANO TAREFAS: • Designação do informante-chave como o artesão que comporá o estudo de caso; • Aplicação de entrevistas semiestruturadas, observação participante, anotações no diário de campo; DADOS A SEREM LEVANTADOS • Características do processo artesanal, elementos identitários e biografia do artesão; • Levantamento das necessidades do estabelecimento do mercado urbano e os requisitos técnicos do

produto artesanal escolhido pelo mesmo.

FASE III - PLANO DE AÇÃO INTERMEDIAÇÃO E ADEQUAÇÃO OBJETIVOS 1. PROMOVER A INTERMEDIAÇÃO ENTRE OS DOIS UNIVERSOS DA PESQUISA, O RURAL E O URBANO, APRESENTANDO O CONTEXTO DO ESTABELECIMENTO E SEUS REQUISITOS 2. DESENVOLVER SOLUÇÕES E PROCESSOS DE ADEQUAÇÃO DO PRODUTO ARTESANAL AOS REQUISITOS INDICADOS MEDIANTE PESQUISAS EM DESIGN 3. DESENVOLVER PROTÓTIPOS QUE EXPRESSEM CONTEÚDOS TRADICIONAIS NO MERCADO URBANO TAREFAS: • Identificar o produto artesanal requerido pelo estabelecimento urbano e as condições de

atendimento por parte do artesão; • Construir o conceito do produto artesanal a ser realizado pelo artesão a partir do seu repertório

cultural e dos requisitos apresentados pelo estabelecimento urbano; • Detalhar e confeccionar os protótipos pelo artesão aplicando soluções técnicas para a adequação

do produto artesanal aos requisitos estabelecidos; • Identificar a necessidade ou não de elaboração de uma Identidade Visual que informe a origem do

artesanato; DADOS A SEREM LEVANTADOS • Características conceituais e físicas dos espaços e dos produtos artesanais usados no

estabelecimento do mercado urbano; • Requisitos técnicos para o desenvolvimento dos protótipos que sejam compatíveis tanto com os

requisitos do mercado urbano quanto com a identidade do artesanato da comunidade.

FASE IV - RESULTADOS APRESENTAÇÃO E RESULTADOS OBJETIVOS 1. APRESENTAR OS PROTÓTIPOS AOS UNIVERSOS DE PESQUISA 2. IDENTIFICAR OS RESULTADOS ALCANÇADOS 3. LEVANTAR DADOS PARA O FEEDBACK TAREFAS • Apresentar os protótipos finalizados à comunidade e ao estabelecimento selecionado; • Recolher a opinião dos universos de pesquisa quanto aos protótipos apresentados; • Verificar se os protótipos resultantes atendem os significados culturais partilhados na comunidade

tradicional e aos requisitos do estabelecimento, satisfazendo os dois universos da pesquisa; • Analisar as informações e a opinião dos dois universos quanto aos protótipos apresentados,

identificando a necessidade de possíveis melhorias no processo; APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ALCANÇADOS FEEDBACK RESULTADOS ESPERADOS E POSSÍVEIS EFEITOS COLATERAIS

Fonte: produzido pelo Autor

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Este planejamento diz respeito à organização das ações cujo detalhamento é

apresentado a seguir.

4.4. DETALHAMENTO DAS AÇÕES NAS FASES DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA

FASE I: fase que reune as etapas: exploratória, formulação do problema e da

hipótese e a interação do pesquisador com os universos pesquisados, etapas estas

necessárias à obtenção do conhecimento sobre ambos, a caracterização de parte do

seu repertório cultural e a identificação de suas necessidades e desejos que possam

torná-los receptivos à proposta da pesquisa.

A formulação do problema específico da Pesquisa-ação Adaptada deve levar em

consideração as diferenças entre os universos de pesquisa, o interesse da comunidade

tradicional em direcionar sua produção para o mercado urbano e o interesse deste

mercado em produtos que expressem a identidade de comunidades tradicionais

rurais. Para a elaboração da hipótese deve-se se levar em conta as necessidades e

desejos do mercado urbano e a possibilidade de adequação desses produtos

artesanais aos requisitos estabelecidos por esse mercado.

No universo de pesquisa relativo à comunidade tradicional rural, devem ser

coletados dados sobre o patrimônio cultural, sua origem e história, a identificação dos

papéis sociais representados pelos membros do grupo, principalmente aqueles

responsáveis pelo artesanato, e o registro gravado, fotográfico e descritivo dos

depoimentos, opiniões e idéias comuns aos membros da comunidade. Também devem

ser observados os tipos de produção artesanal existentes na comunidade e

identificado aquele que apresente a possibilidade de sofrer o processo de

intermediação com o mercado urbano.

Em todas as visitas à comunidade, as ferramentas devem estar presentes,

permitindo a coleta de dados de maneira uniforme. O roteiro guia das entrevistas

semi-estruturadas, de posse e controle do pesquisador e mantido distante da

comunidade, deve ser aplicado por ocasião das visitas específicas de entrevistas,

envolvendo o número de pessoas necessárias ao levantamento de dados.

Paralelamente devem ser coletados dados documentais, a partir de literatura

especializadas e de documentos oficiais e, em seguida, desenvolvidas as seguintes

ações:

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103

• Observação participante na comunidade e nas atividades de artesanato;

• Entrevistas semi-estruturadas, gravadas para transcrição posterior;

• Levantamento fotográfico do espaço e de atividades do artesanato em geral;

• Registro sistemático em diário de campo.

No universo de pesquisa relativo ao estabelecimento representativo do mercado

urbano, devem ser coletados dados sobre sua atividade específica, seu publico alvo,

sua filosofia de trabalho e seu interesse por produtos artesanais tradicionais. O

registro gravado, fotográfico e descritivo dos depoimentos permitirá captar opiniões e

idéias expressas por sua gerência quanto ao uso de peças artesanais na composição

do ambiente do estabelecimento. Paralelamente devem ser reunidos dados

documentais a partir de literatura especializada. As visitas ao estabelecimento

permitirão o desenvolvimento das seguintes ações:

• Observação participante nas dependências do estabelecimento;

• Entrevistas semiestruturadas, gravadas para transcrição posterior;

• Levantamento fotográfico do espaço do estabelecimento;

• Registro sistemático em diário de campo.

O roteiro de entrevistas semi-estruturadas, dividido em dois blocos relativos aos

dois universos de pesquisa, está organizados para atender às informações necessárias

ao desenvolvimento da FASE I, como visto no Quadro 10. O bloco relativo à

comunidade é previsto para ser aplicado e respondido durante as reuniões promovidas

pelo pesquisador, com o máximo de indivíduos possível. Essa parte tem como objetivo

coletar informações amplas sobre as origens da comunidade, alguns de seus

comportamentos, relatos de necessidades, dificuldades e alegrias, além de opiniões a

respeito do modo de vida e relacionamento com outras comunidades e também com

os municípios vizinhos.

Os itens do bloco relativo ao estabelecimento do mercado urbano destinam-se ao

levantamento de dados para descrição do estabelecimento selecionado quanto às suas

características, filosofia de trabalho, clientela e, principalmente, informações sobre o

uso de produtos artesanais.

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104

QUADRO 10 Roteiro de entrevistas semi-estruturadas a ser aplicado na FASE I

FASE I ÍTENS DO ROTEIRO DAS ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS

NA COMUNIDADE RURAL

1. Como nasceu / qual a origem da comunidade;

2. Como se organiza internamente: famílias, laços de parentesco;

3. Como se relaciona com as demais comunidades vizinhas e com a população urbana do município;

4. Quais as atividades específicas da comunidade;

5. Quais as principais necessidades da comunidade no que se refere à propriedade da terra, saúde, educação, habitação;

NO ESTABELECIMENTO DO MERCADO URBANO

1. Características do estabelecimento selecionado;

2. Filosofia de trabalho do estabelecimento;

3. Público alvo a ser atingido;

4. Razão do uso de produtos artesanais;

5. Relevância do uso de produtos artesanais.

Fonte: produzido pelo Autor.

FASE II: esta fase se desenvolve em torno de dois pólos de informação, de um

lado o informante-chave, na figura do artesão e demais membros da comunidade

tradicional rural e, de outro lado, o representante do estabelecimento urbano, de onde

são colhidas informações por meio de ferramentas da pesquisa etnográfica e da

observação participante.

Nesta fase primeiramente seleciona-se o tipo de produção artesanal a ser o

objeto da pesquisa, tendo como critério a possibilidade de dialogar com processos de

design, na qual podem ser observados conteúdos relativos ao uso de cores, texturas,

formas e materiais, dentre outros.

Em seguida, para a escolha do informante-chave devem ser aplicados os critérios

de seleção já descritos no detalhamento da Pesquisa-ação Adaptada, item 4.2,

sobretudo no que se refere à produção de artefatos compatíveis com os valores

funcionais e estéticos da comunidade em estudo. O informante-chave, que, além de

reunir informações amplas sobre o histórico da comunidade, tenha também sua

história de vida ligada diretamente ao artesanato em estudo, comporá o estudo de

caso.

Suas informações permitem ao pesquisador conhecer seu histórico de vida, a

formação do seu conhecimento e de sua prática na produção artesanal e, finalmente,

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105

a relação entre o artesanato e os valores culturais presentes na comunidade, cuja

realização estabelece as seguintes ações:

• Observação participante com o informante-chave;

• Entrevistas semiestruturadas, gravadas para transcrição posterior;

• Levantamento fotográfico das etapas de criação, produção e de produtos já

confeccionados;

• Registro sistemático em diário de campo.

As informações colhidas junto à comunidade, mediante a aplicação de entrevistas

semi-estruturadas e da observação participante contribuem ao conhecimento do

pesquisador quanto ao contexto histórico-cultural da mesma, bem como a observação

e o levantamento do processo criativo e produtivo do artesão durante o

desenvolvimento de peças artesanais, no cotidiano da comunidade.

No estabelecimento do mercado urbano devem ser levantados dados relativos

aos tipos de produtos artesanais nele utilizados, com ênfase em requisitos técnicos

plásticos, formais, funcionais, de durabilidade, de materiais e, principalmente, quanto

aos valores culturais locais neles expressos, conforme os critérios descritos

anteriormente. Está prevista uma visita para fins de reconhecimento dos espaços,

identificação de produtos artesanais utilizados e critérios para provável produção de

peças artesanais por parte da comunidade, cuja realização estabelece as seguintes

ações:

• Aplicação de entrevistas semi-estruturadas;

• Observação participante;

• Levantamento fotográfico dos produtos artesanais e dos espaços;

• Anotações no diário de campo.

À semelhança da FASE I, são aplicados roteiros específicos para cada um dos

universos de pesquisa. Na comunidade, as entrevistas semi-estruturadas concentram-

se na figura do artesão sujeito do estudo de caso, com a recorrência a depoimentos

de outros membros da comunidade. No estabelecimento urbano, o roteiro concentra-

se na obtenção de informações relacionadas a aspectos físicos, significados e

requisitos técnicos. A sistematização desses roteiros está registrada no Quadro 11.

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QUADRO 11 Roteiro de entrevistas semi-estruturadas a ser aplicado na FASE II

FASE II ÍTENS DO ROTEIRO DAS ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS

NA COMUNIDADE RURAL

1. O que levou o artesão a trabalhar com o artesanato escolhido; 2. Informações sobre os clientes e seus pedidos;

• Origem da tradição do artesanato escolhido; • Informações sobre outras pessoas que trabalham ou já

trabalharam com o artesanato escolhido;

3. Ancestralidade do artesanato e formas de transmissão do saber.

• Informações sobre a produção e seus participantes/ajudantes;

4. Condições de seleção e aquisição da matéria prima; 5. Como a artesão descreve o seu processo produtivo; 6. Verificação do processo de produção seguido pelo artesão na confecção dos seus

produtos; 7. Verificação das etapas de criatividade durante o processo de produção do artesanato. 8. Como a comunidade percebe e compreende o trabalho artesanal escolhido

NO ESTABELECIMENTO DO MERCADO URBANO 1. Significado cultural expresso nos produtos artesanais usados no estabelecimento; 2. Significado de “qualidade de produtos” para a gerência do estabelecimento; 3. Requisitos plásticos, formais e funcionais exigidos pelo estabelecimento; 4. Tipos de produtos artesanais usados no estabelecimento;

• Local de aplicação • Função • Material • Acabamento

5. Aspectos físicos

• Composição plástica

Fonte: produzido pelo Autor.

Para a realização da FASE I e FASE II, podem ser usados:

• Gravador digital de som tipo MP3/MP4;

• Máquina fotográfica digital;

• Notebook, para suporte, preparação e organização de arquivos digitais;

• Roteiro para a entrevista semiestruturada.

FASE III: o plano de ação constitui-se como o momento chave para a aplicação

dos objetivos da Pesquisa-ação Adaptada através das ações de intermediação entre os

dois universos da pesquisa e a adequação dos produtos artesanais aos requisitos

indicados pelo estabelecimento do mercado urbano. Além disso, é também nesta fase

que se desenvolve a articulação entre os passos dessas duas ações e o que preconiza

a síntese da metodologia em design, descrita no Cap. 3. Assim, tem-se como

demonstração, no Quadro 12.

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107

QUADRO 12 Plano de ação

SÍNTESE DA

METODOLOGIA DO DESIGN

AÇÕES APLICAÇÕES

1 SÍNCRESE INTERMEDIAÇÃO

• Informações preliminares • Esclarecimento quanto ao contexto do

estabelecimento • Esclarecimento quanto aos problemas a serem

resolvidos e tarefas a serem executadas 2 INFORMACIONAL INTERMEDIAÇÃO Requisitos para a adequação

3 CONCEITUAL ADEQUAÇÃO Geração de ideias para solução

4 DETALHAMENTO ADEQUAÇÃO Seleção de materiais

5 PRODUÇÃO ADEQUAÇÃO Desenvolvimento dos protótipos

6 RESULTADOS FASE IV FASE IV

7 FEEDBACK FASE IV FASE IV Fonte: produzido pelo Autor.

Neste quadro, 12, a síntese da metodologia do design permite o planejamento

das ações de intermediação e adequação, tendo como ponto de partida as

informações preliminares passadas pelo pesquisador ao artesão, a partir das ações

desenvolvidas na FASE II e, como finalização, a produção dos protótipos dos produtos

artesanais selecionados. As etapas de resultados e feedback são o objeto de

desenvolvimento da FASE IV.

O processo da intermediação desenvolve-se pela relação entre a comunidade

tradicional rural, representada pelo informante-chave, na pessoa do artesão, e o

mercado urbano, representado pela gerência do estabelecimento escolhido. Busca-se,

nessa intermediação, a troca de informações entre o artesão e um representante de

uma instituição desse mercado.

Esse processo, regido pela observação participante do pesquisador, se

caracteriza pela visita do artesão ao referido estabelecimento, para que esse contexto

possa ser interpretado por si próprio, momento no qual o mesmo tomará

conhecimento das necessidades e desejos da instituição em visita, quanto a produtos

do seu interesse e quanto aos requisitos necessários para a produção de protótipos. A

quantidade de visitas poderá ser flexibilizada de acordo com as necessidades. Todos

esses encontros podem contar com a gravação dos diálogos entre os representantes

de cada um dos universos de pesquisa, levantamento fotográfico e registro no diário

de campo. Esse processo prevê as seguintes ações:

• Visitas técnicas ao estabelecimento com a presença do artesão, com o

propósito de adquirir esclarecimentos quanto ao contexto do mesmo;

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108

• Tomada de conhecimento pelo artesão quanto aos requisitos técnicos

necessários à adequação dos produtos artesanais da comunidade às

necessidades do estabelecimento;

• Seleção dos tipos de produtos a serem desenvolvidos e solicitação, por parte

do representante do estabelecimento, de um protótipo de teste do produto

artesanal escolhido.

O processo de adequação vem a seguir à intermediação. Segundo Coelho (2008,

p. 161) o termo “adequação” no design significa uma “adaptação, compatibilidade” ou

um atendimento a uma necessidade de algo a um contexto determinado. Essa fase

reúne elementos conceituais construídos a partir de requisitos estabelecidos pelo

representante do mercado urbano e de elementos do repertório cultural do artesão,

daí resultando em uma proposta de solução para o produto solicitado a ser construído

na forma de protótipos.

As soluções apresentadas buscam atender, primeiramente, aos requisitos do

estabelecimento urbano do ponto de vista de suas necessidades, quanto às questões

técnicas, e de seus desejos quanto às referências à identidade cultural que o origina.

Em segundo lugar, essas soluções são construídas a partir da aplicação de conteúdos

do repertório cultural da comunidade tradicional representada pelo artesão. A

necessidade de identificar com maior clareza a identidade cultural dos produtos

artesanais leva à possibilidade de desenvolvimento de identidade visual elaborada a

partir de metodologia específica.

A partir daí, a FASE III pode compreender duas macroações: a de

desenvolvimento de uma identidade visual, se necessário, seguida pela produção dos

protótipos, ações estas descritas abaixo.

Construção de identidade visual:

• Aplicação de observação participante e entrevistas semiestruturadas junto à

comunidade, para levantamento dos dados etnográficos necessários à

produção da identidade visual;

• Desenvolvimento gráfico da identidade visual, com etapa conceitual

realizada junto à comunidade e etapa técnico-construtiva desenvolvida pelo

pesquisador a partir das informações coletadas na comunidade;

• Fabricação, pelo pesquisador, de etiquetas com a identidade visual para

aplicação nos protótipos.

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Produção dos protótipos:

• Discussão entre o pesquisador e o artesão quanto à aplicação dos requisitos

técnicos obtidos junto ao estabelecimento;

• Escolha e aquisição de materiais necessários à produção dos protótipos pelo

pesquisador e pelo artesão;

• Desenvolvimento do produto na comunidade, sob a responsabilidade do

artesão e sem a presença do pesquisador;

Nesta fase verifica-se a presença sistemática do pesquisador na condução do

processo de intermediação e adequação, utilizando procedimentos da observação

participante, da pesquisa etnográfica e de processos de design.

FASE IV: aborda os resultados alcançados, abrindo espaço para ações de

feedback e a expectativa tanto de resultados esperados quanto de efeitos colaterais.

Os resultados alcançados referem-se à expressão por parte da comunidade tradicional

rural e do estabelecimento do mercado urbano quanto ao alcance das expectativas

referentes às suas necessidades e desejos. No que se refere à comunidade, avalia-se

a presença dos elementos do seu repertório cultural nos produtos apresentados e sua

opinião quanto aos seus aspectos plásticos. No que se refere ao estabelecimento

urbano, avalia-se a satisfação dos requisitos por ele estabelecidos e a aparência

plástica geral dos produtos. A importância da coleta dessas opiniões refere-se à

validação dos resultados pelos dois universos de pesquisa. A FASE IV prevê as

seguintes ações:

• Apresentação dos protótipos nos dois universos de pesquisa acompanhada

da observação participante do pesquisador;

• Aplicação de entrevistas semiestruturadas nos dois universos de pesquisa,

para a coleta das opiniões dos seus componentes quanto aos produtos

apresentados.

As entrevistas semi-estruturadas devem estar baseadas nos roteiros que buscam

responder aos conteúdos referentes à presença do repertório cultural da comunidade

nos produtos apresentados e ao atendimento dos requisitos estabelecidos pelo

mercado urbano, como visto no Quadro 13:

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110

QUADRO 13 Roteiro de entrevistas semi-estruturadas a ser aplicado na FASE IV

FASE IV ÍTENS DO ROTEIRO DAS ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS

NA COMUNIDADE RURAL

1. Informações sobre formas;

2. Informações sobre cores;

3. Significados;

4. Participação da comunidade nos processos de construção dos protótipos;

5. Informações necessárias ao feedback.

NO ESTABELECIMENTO DO MERCADO URBANO

1. Informações sobre cores;

2. Informações sobre resistência;

3. Informações sobre plástica;

4. Significado cultural e rusticiade;

5. Informações necessárias ao feedback.

Fonte: produzido pelo Autor.

Uma avaliação global de todo o processo desenvolvido abre a expectativa para a

ocorrência de resultados a serem alcançados; o registro de efeitos colaterais e a

necessidade de ações de feedback que permitam a tomada de decisões quanto à

continuidade do processo, a modificações de alguns dos seus procedimentos ou

mesmo à reformulação completa da proposta de trabalho. Todo esse processo

demanda o atendimento ao tempo real de execução do projeto, período durante o

qual o pesquisador já não se encontra no campo de pesquisa, e as relações se

estabelecem diretamente entre os dois universos.

O método proposto nesta tese, a Pesquisa-ação Adaptada, tem na

interdisciplinaridade sua principal característica. Dela dependem o diálogo entre

diferentes experiências e a flexibilidade indispensável para possibilitar sua replicação

em diferentes comunidades tradicionais em relação com o mercado urbano.

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APLICAÇÃO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA 5

Este capítulo relata como foram desenvolvidas as fases da Pesquisa-Ação

Adaptada, realizada de acordo com suas quatro fases propostas e explicadas no

capítulo anterior. Todavia a apresentação do trabalho de campo não está

rigorosamente presa à sequência do conteúdo de cada uma das quatro fases,

integrando os procedimentos de pesquisa às necessidades da narrativa do processo. A

experiência foi desenvolvida nos dois universos de pesquisa, uma comunidade

quilombola do Recôncavo da Bahia, aqui representando uma comunidade tradicional

rural e em um hotel localizado no Centro Histórico de Salvador, representando o

estabelecimento do mercado urbano.

A escolha da Comunidade Quilombola de Giral Grande decorreu da sua

identificação com os critérios de escolha de comunidades tradicionais, conforme

descrito no Cap. 4, onde se destacam sua integração com o território de identidade;

sua produção artesanal fundamentada em saberes e práticas tradicionais; suas

necessidades de sobrevivência socioeconômica distantes do atendimento de

programas de incentivo ao artesanato.

Por sua vez, o estabelecimento escolhido do mercado urbano escolhido, o Hotel

Villa Bahia, foi selecionado por apresentar interesse em artesanato produzido por

comunidades tradicionais rurais, portanto por apresentar uma filosofia de valorização

da cultura popular expressa por essa produção artesanal e, finalmente, por utilizar

tais produtos no uso decorativo e funcional do seu cotidiano.

Os sujeitos da pesquisa foram representados pelo pesquisador, no seu papel de

agente motivador e orientador dos trabalhos; pela artesã e membros da comunidade,

no seu papel de representantes da cultura local; pelos membros da gerência do Hotel

Villa Bahia, no seu papel de representantes de um estabelecimento do mercado

urbano. O objeto da pesquisa foi o artesanato de retalhos produzido pela comunidade,

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112

assim escolhida por se tratar da atividade local mais apropriada para a intermediação

e adequação propostas no plano de ação da Pesquisa-ação Adaptada.

5.1. FASE I - EXPLORATÓRIA

5.1.1. Contextualização e características da cultura da Comunidade

Quilombola de Giral Grande

A Comunidade Quilombola de Giral Grande, como mencionado no Capítulo 1,

pertence ao município de Maragojipe, localizado no Recôncavo da Bahia, a 133

quilômetros de Salvador. O município tem uma população estimada em 41.000

habitantes e 436 km² de área da unidade territorial, distribuída entre a sede e os seis

distritos: Coqueiros, Guaí, Guapira, Capanema, Nagé e São Roque do Paraguaçu

(IBGE, 2009). Segundo depoimento dos moradores da cidade (BARBOSA et al, 2010),

a primeira ocupação humana do município foi feita por volta do século XVI, por uma

tribo indígena pertencente à etnia Aimoré, que denominou a região de “Marag-gyp”,

que significa “vale ou rio dos mosquitos”, devido à infestação dos manguezais da

região por tais insetos. A Figura 23 apresenta a localização do município de

Maragojipe no Recôncavo da Bahia, tendo como referência a proximidade da cidade

de Salvador e a Baia de Todos os Santos.

FIGURA 23 Mapa da localização do município de Maragojipe

Fonte: Desenho do Autor a partir de: Brasil, Mapa Rodoviário da Bahia,

Ministério dos Transportes DNIT. 2002; IBGE. Mapa político do Estado da Bahia. 2010.

A existência de quilombos na região de Maragojipe é registrada desde 1713

(PEDREIRA, 1973, pp. 87 e 88.), numa área que abrangia também os atuais

municípios de Cachoeira, Muritiba e São Bartolomeu. Seus habitantes, escravos

fugidos das fazendas e engenhos de cana-de-açúcar próximos, eram, inicialmente,

andarilhos que, frequentemente, se fixavam em locais de difícil acesso, como forma

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113

de autoproteção, formando as primeiras comunidades de quilombos da região. O

sucesso das várias tentativas de destruir esses grupos e capturar os escravos fugidos,

neles refugiados, pode ser considerado mínimo. Esses antigos quilombos são

provavelmente os antepassados das comunidades quilombolas da região de

Maragojipe, incluindo a comunidade hoje denominada Giral Grande.

O acesso do pesquisador a essa comunidade deu-se através de contatos por ele

estabelecidos com uma profissional da área de Educação que já trabalhava com

comunidades quilombolas da região e que o apresentou aos seus membros, ocasião

em que o mesmo explicou as razões e os objetivos do seu trabalho, conforme descrito

no Estrato do Diário de Campo Nº1, presente nos apêndices deste trabalho.

Giral Grande localiza-se nas cercanias de Maragojipe e faz parte de um complexo

de dez comunidades quilombolas, totalizando 550 famílias, assim denominadas:

Guaruçú, Guerém, Tabatinga, Giral Grande, Baixão do Guaí, Salamina, Enseadinha,

Quizanga, Porto da Pedra e Fazenda Dendê. Elas são organizadas principalmente por

grau de parentesco, com seus membros morando próximos, em pequenas vilas, sem

muita distância uma da outra. Giral Grande é cercada por vegetação litorânea, com a

presença de manguezais. O acesso é feito a partir de estrada asfaltada e trecho sem

pavimentação. As Figuras 24 e 25 mostram a paisagem natural nas suas cercanias, a

vegetação litorânea característica da região e o acesso através da estrada de terra.

FIGURA 24 Paisagens das cercanias de Giral Grande com destaque do Rio Paraguaçu

Fonte: Fotografias do Autor, 2010

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FIGURA 25 Estrada de terra que dá acesso à comunidade

Fonte: Fotografias do Autor, 2011

De acordo com o depoimento dos membros da comunidade,2 esta foi formada

com a união de escravos fugidos das fazendas de cana da região e descendentes de

índios que habitavam o local. Ocuparam, então, um antigo engenho de cana-de-

açúcar, o qual é, atualmente, denominado pelos quilombolas de Fazenda dos Guedes.

O nome do local como Giral Grande é conhecido desde a ocupação desse engenho

pelos ancestrais da comunidade. Segundo esse mesmo depoimento, o substantivo

“giral”, que é corruptela do termo jirau, definido pelo Dicionárioweb (2011) como uma

armação de madeira sobre a qual se constroem as casas, significa para a comunidade

um posto de observação, colocado em um lugar alto, o que facilitava a tarefa de vigiar

os capitães do mato, milícias policiais comuns na época dos quilombos, destinadas à

fiscalização e à captura de escravos fugidos. Portanto, o nome Giral Grande foi

associado, pelos seus antigos habitantes, a um posto alto de vigilância, refúgio e

resistência.

Giral Grande é formada por um conjunto de casas, distribuídas em uma colina,

composta de uma casa principal, outras ao seu lado e em seu quintal, como pode ser

visto na Figura 26. Tal comunidade quilombola é formada pela família Calheiros,

constituída por, aproximadamente, 30 pessoas de todas as faixas de idade. A casa

principal abriga cerca de 15 membros. Os demais moram nas casas vizinhas, Figura

27, dentre os quais a responsável pelo artesanato de retalhos.

A área da frente das casas é de terra batida e solo arenoso, servindo como

acesso à estrada de terra de ligação a Maragojipe. Nos fundos da casa principal,

erguem-se as instalações das atividades artesanais e de subsistência, como a

plantação de mandioca e legumes, a fabricação de farinha de mandioca e o apiário.

2 Depoimento de representantes da família Calheiros, durante entrevista do pesquisador, em Giral Grande, Maragojipe, Bahia, em 13/03/2010.

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FIGURA 26 Casa Principal de Giral Grande, considerada como sede da comunidade

Fonte: Fotografia do Autor, 2010

FIGURA 27

Demais casas localizadas na frente da comunidade. 1- Casas à esquerda da sede, construídas de adobe e alvenaria.

2- Casa de adobe, à direita da sede, na qual se realiza o artesanato de retalhos

1 2 Fonte: Fotografia do Autor, 2010

Quase a metade das casas da comunidade é de adobe, e o conhecimento de sua

fabricação artesanal para a construção das casas é valorizado pelos moradores como

parte da cultura local. O barro para a confecção dos blocos é retirado dos quintais das

casas, amassados e moldados com formas de madeira, como mostrado na Figura 28 e

29.

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FIGURA 28

Parte das etapas de fabricação de blocos de adobe 1- Molde de madeira 2- Bloco sem acabamento

1

2

Fonte: Fotografias do Autor, 2010

FIGURA 29 Casas de adobe da comunidade

1- Blocos de adobe secando ao sol; 2- Detalhe de uma parede de adobe; 3- Grande parte das casas é feita inteiramente com adobe, com pouco acabamento.

1 2 3

Fonte: Fotografias do Autor, 2010

Muitos moradores cuidam e preservam as casas de adobe de forma sentimental,

principalmente os mais velhos. Há uma manifestação de afeto por tais casas,

reforçada pelo fato de muitas terem sido construídas pelos pais ou avós, há mais de

40 anos. Mas, apesar disso, tais moradas apresentam problemas, a exemplo da

concentração de animais perigosos, principalmente escorpiões e barbeiros, que se

escondem nas frestas dos blocos. Para enfrentá-los, está em curso o projeto da ONG

Pastoral da Terra, que prevê a substituição de todas as casas de adobe por outras de

alvenaria, com baixo custo para os moradores da comunidade.

Entretanto, segundo depoimento dos moradores, com a chegada das casas novas

e da energia elétrica, foram alterados antigos hábitos locais, gerando uma

preocupação com a perda de práticas tradicionais da comunidade, tais como o uso de

fogão a lenha e o candeeiro a gás. “Isso vai se perder, uma parte da cultura. Os meus

netos não vão ver mais casas de adobe, nem o fogão de lenha, nem o candeeiro.

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117

Minha filha não viu o candeeiro, e ela já está com dez anos”,3 diz um representante da

comunidade, apesar do reconhecimento por todos os quilombolas dos benefícios

importantes que tais mudanças trarão.

Os membros de Giral Grande sobrevivem das atividades de subsistência.

Cultivam legumes e raízes; coletam mariscos nos mangues e no estuário do rio

Paraguaçu, dentre outras atividades para o consumo próprio. Já o mel e a farinha de

mandioca produzidos no local, de forma artesanal, além de atenderem o consumo

interno, também são vendidos nas feiras de Maragojipe, o que gera uma renda

importante para sua manutenção. As instalações de produção de farinha de mandioca

e mel ficam em área separada, nos fundos. Algumas dessas atividades econômicas

e culturais de Giral Grande, a exemplo da produção do mel e da farinha de mandioca,

são mostradas na figura 30:

FIGURA 30

Atividades econômicas de subsistência e comercial da comunidade: 1- Agricultura de subsistência: produção de raízes como a mandioca e o inhame; 2- Parte do

apiário: módulos para ampliação; 3- Produção de farinha: preparação da raiz de mandioca; 4- Produção de farinha: moedor de mandioca.

1 2 3 4

Fonte: Fotografias do Autor, 2010

Outra produção de destaque no local é a confecção de produtos artesanais

usando sobras e retalhos de tecidos adquiridos a baixo custo, destinados à geração de

roupas de cama, roupas para público adulto e infantil, acessórios de moda, dentre

outros, conforme exemplos vistos na Figura 31. Este artesanato despertou especial

atenção do pesquisador por ser o que apresentava as condições mais propícias de ser

articulado com os processos de design propostos para o plano de ação da Fase III.

3 Depoimento de representante da família Calheiros, durante entrevista do pesquisador, em Giral Grande, Maragojipe, Bahia, em 13/03/2010.

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FIGURA 31 Peças do artesanato de retalhos

Fonte: Fotografias do Autor, 2010

Essas atividades envolvem quase todos os seus moradores e também os das

demais comunidades da vizinhança, quando necessário, segundo depoimento dos

próprios. Os trabalhos feitos em mutirão, característica de comunidades quilombolas

rurais (O’DWYER, 2001, p. 19), como a produção de farinha, são exemplos do espírito

comunitário, de solidariedade e reciprocidade, que envolve quase todos eles, o que

fica em evidência no local.

A comunidade de Giral Grande se diz católica praticante. Isso se deve à presença

e à atuação do catolicismo no histórico da região. Também afirma não cultuar

religiões de descendência africana, muito embora venere santos e práticas

influenciadas por religiões afrobrasileiras, tais como São Cosme e Damião e Santa

Bárbara, que são reverenciados tanto pela religião católica, quanto pelas

afrobrasileiras, tal como foi dito em entrevista:

Temos os mesmos costumes de rezar, de cantar, de dançar, de fazer o

caruru. [...] Quando se fala que vamos fazer um caruru, um samba de

São Cosme, o pessoal diz que isso é do ‘diabo’ e temos firme que isso

não é do ‘diabo’ coisa nenhuma. [...] Nós rezamos em todas as

comunidades, nós somos rezadores, meu avô era rezador e a gente

herdou essa coisa dele, rezamos São Cosme, Santa Bárbara, o santo

que se quer rezar, a gente reza.4

Um problema considerado grave, que ainda não tem solução prevista, é a falta

de legalização da posse da terra, que, como visto anteriormente, afeta a maioria das

comunidades quilombolas no Brasil. Os de Giral Grande afirmam que, devido à falta

dessa posse, há a influência negativa dos donos quanto ao seu uso e à construção de

casas. Essa condição levou ao êxodo de alguns quilombolas para Salvador, em busca

de melhores condições de vida. Segundo depoimento dos moradores da comunidade,

4 Depoimento de representantes da família Calheiros, durante entrevista do pesquisador, em Giral Grande, Maragojipe, Bahia, em 13/03/2010.

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o simples projeto de construção de novas casas, como o que está atualmente

ocorrendo lá, cria expectativa do retorno dessas pessoas.

Giral Grande e as demais comunidades vizinhas lutam contra vários fatores

sociais desfavoráveis: a falta de um atendimento de saúde, de saneamento e de

escolas próximas dentre outros. Porém, o maior de todos eles ainda é o preconceito,

praticado por outros moradores da região e dos municípios próximos, pelo fato de os

habitantes serem negros e quilombolas.

Nas entrevistas, relatadas no diário de campo, falou-se sobre o sofrimento

quanto à rejeição por eles sofrida nas escolas, nos empregos e, também, na igreja

católica. Isso afeta a vida social, tal como a vida das crianças na escola ou no

atendimento nos postos de saúde em Maragojipe, pois, segundo eles, são sempre os

últimos a serem atendidos. O depoimento dos Calheiros, registrado em entrevista, em

2010, exemplifica os problemas de conviver com crianças de fora das comunidades

quilombolas: “Eu sei, tem uma família que não gosta de mim, eu sinto. Tem uma

criança que não gosta mesmo de negro e não senta de junto de nenhuma criança

preta. [...] Quando a gente estudava, a gente sentava no chão, os negros e os

pobres”.5

Através da pesquisa etnográfica realizada, percebe-se que Giral Grande

apresenta vários aspectos culturais comuns em outras comunidades quilombolas: é

formada por pessoas de grau muito próximo de parentesco, tais como pais, filhos,

irmãos e primos; pratica atividades econômicas de subsistência, sendo alguma

comercial, que agrega rendimentos financeiros; há a participação dos membros em

grande parte das atividades laborais, caracterizando-se, desse modo, como trabalho

comunitário quilombola; é associada ao território em que está assentada de forma

histórica e, sobretudo, são afrodescendentes.

A consciência de pertencimento a uma determinada comunidade e as formas de

conservação de suas práticas coletivas constituem-se patrimônio partilhado por todos

componentes do grupo. A coesão social decorrente de tais circunstâncias explica a

permanência de seus membros no território, ao longo de sua trajetória histórica. Em

Grial Grande, por exemplo, o apego ao território se manifesta de várias formas e

tradições. Uma delas é a “tradição de enterrar o umbigo”, explicada conforme o

seguinte depoimento:

5 Depoimento de representantes da família Calheiros, durante entrevista do pesquisador, em Giral Grande, Maragojipe, Bahia, em 13/03/2010.

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Enterrar o umbigo. Exatamente isso que aconteceu com a gente. Por isso que a gente não sai daqui. O umbigo que vai colado na gente quando nasce, quando cai a gente enterra. Enterra no quintal, ou na beira do rio, ou no pasto. Onde enterra o umbigo, a pessoa vai ter a riqueza naquele lugar. ‘Mainha’ sempre enterrou o da gente no curral, cavava um buraco, botava o umbigo da gente, tampava e deixava lá. A pessoa pode ir aonde for, mas volta para Giral Grande, pra morar ali. Todas as crianças lá enterram o umbigo. E também queremos ser enterrados lá, quando morrermos. Viraremos adubo da nossa própria terra.6

O caráter político expresso nas formas de organização social, na luta pelo

reconhecimento do direito à terra, tem levado a Comunidade Quilombola de Giral

Grande, à semelhança de outras da Bahia em processo de reconhecimento, conforme

visto no documentário Os Quilombos da Bahia (2004), a expressar de forma mais

clara o reconhecimento de sua identidade. É o que se depreende do depoimento que

se segue:

A família, nós sabemos, veio dos escravos, e antes de se ouvir essa história de quilombos, e para a gente agora isso é novo, por causa da nossa pele negra, éramos excluídos de tudo. [...] Nós sentimos a descoberta nas reuniões, nos encontros. Nós começamos a descobrir que negro também é ‘gente’. Antes a gente não percebia, mas agora nós percebemos. Antes a gente não brigava contra o preconceito e discriminação. Mas hoje a gente briga.7

Depois do autorreconhecimento como comunidade quilombola, o que deve ser

considerado uma nova condição, como pode ser observado na fala acima, é que

passou a haver um sentimento de elevação da autoestima, que revigorou o de luta e

resistência social. Uma das respostas para o preconceito é exemplificada pela escolha

das cores das roupas de seus membros, que, em passado recente, eram sombrias,

como cinza e preto, mas agora, não há o medo de usar cores vibrantes, como

vermelho, amarelo, azul, rosa e outras.8 Conforme as entrevistas com demais

membros da comunidade, percebe-se que há uma valorização dos gostos, dos valores

e da subjetividade do local. Por exemplo, uma das manifestações positivas de

identidade é refletida no gosto estético quanto à escolha de cores para suas roupas,

fato que pode ser considerado como sentimentos escondidos, que agora estão

aflorando.

A Comunidade aqui estudada, portanto, expressa uma dimensão de

comunidades tradicionais rurais, e sua identidade quilombola representa uma

característica particular, específica de sua trajetória histórica e cultural.

6 Depoimento de Tânia, durante entrevista do pesquisador, em 11/09/2011 7 Depoimento de representantes da família Calheiros, durante entrevista do pesquisador, em Giral Grande. Maragojipe, Bahia, em 13/03/2010. 8 Depoimento representantes família Calheiros, 20/02/2009, registrado em diário de campo

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5.1.2. Contextualização e características do estabelecimento hoteleiro

O Hotel Villa Bahia ocupa dois casarões dos séculos XVIII e XIX localizados no

Terreiro de Jesus, no Centro Histórico de Salvador. Conta com 17 apartamentos de

luxo, piscina, vista panorâmica para o Pelourinho, dentre outras características. A

decoração do hotel faz referência aos principais momentos históricos da navegação

portuguesa. As Figuras 32 e 33 mostram a localização do hotel no Centro Histórico e a

fotografia dos prédios na Praça do Terreiro de Jesus, respectivamente.

FIGURA 32 Localização do Hotel Villa Bahia

Fonte: Site do Hotel Villa Bahia com adaptação do Autor

FIGURA 33 Os dois prédios do Hotel Villa Bahia no Terreiro de Jesus, Centro Histórico

Fonte: Hotel Villa Bahia

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O entrevistado foi o Gerente do estabelecimento, Sr. Bruno Guinard, que

esclareceu aspectos e características do hotel e dos produtos usados nas unidades

habitacionais (quartos). A ele foi apresentado o projeto de pesquisa e aplicada uma

entrevista que seguiu o roteiro do Quadro 10.

Segundo depoimento do gerente,9 a maioria dos clientes do hotel são visitantes

que não procuram os pontos e eventos turísticos habituais, como praias ou festas,

mas preferem os museus, a gastronomia, os locais históricos, a arquitetura antiga.

São turistas estrangeiros e também nacionais, com perfil intelectualizado, muitas

vezes são famílias, e que se interessam por passeios culturais. Por isso a implantação

do hotel no Centro Histórico: por estar mais próximo de tais atrações turísticas,

seguindo o gosto dos seus clientes.

O espaço do hotel se caracteriza por dar prioridade a uma decoração baseada em

produtos artesanais de comunidades tradicionais rurais ou urbanas, e em produtos

construídos ou adaptados a partir de material reusado, reciclado e reaproveitado em

diversos fins. Essa característica integra o Hotel aos princípios estabelecidos pelo

programa internacioal Artisans du Monde, que desenvolve ações para integrar uma

rede de pequenos hotéis, hospedarias e navios de hospedagem, ao ideal e prática da

sustentabilidade. Trata-se de sustentabilidade cultural ao promover o apoio a

comunidades tradicionais através da aquisição de artesanato e da sustentabilidade

ambiental, ao usar e divulgar equipamentos da decoração construídos com material

residual.

Segundo depoimento da gerência, “a linha filosófica do hotel é do

Desenvolvimento Sustentável e isso é muito interessante para nós”.10 Busca-se

contatos e interação com ONG´s ambientais, cooperativas de catadores e

recicladores, comunidades tradicionais rurais e urbanas dentre outros, com o

propósito tanto de ajudá-los quanto de adquirir produtos artesanais originais e

criativos para uso interno, como um atrativo e um fator diferencial do hotel.

A decoração das unidades habitacionais segue temas selecionados, possuindo um

estilo rústico, que dá uma atmosfera rural ou de fazenda aos quartos. As Figuras 34,

35 e 36 mostram exemplos de peças decorativas e funcionais, baseadas em rejeitos e

partes descartadas de produtos de madeira, em algumas das unidades habitacionais

9 Depoimento do Gerente do Hotel em 27/05/2011 10 Depoimento do Gerente do Hotel em 02/05/2011

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do hotel. Nessas figuras podem ser vistos peças e equipamentos fabricados a partir de

objetos descartados, tais como velhas portas de igreja, bancadas de carpinteiros e

cochos de alimentação de animais, dentre outros. Essas peças são adquiridas a baixo

custo e preparadas para o uso no hotel sem que percam tanto suas principais

características, tal como a rusticidade, quanto o significado que as acompanha.

FIGURA 34

Cabeceira de cama de casal feita a partir de porta de igreja descartada

Fonte: Hotel Villa Bahia: fotografia do Autor (2010)

FIGURA 35

Mesa para lavatório feita a partir de bancada de marcenaria descartada

Fonte: Hotel Villa Bahia: fotografia do Autor (2010)

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FIGURA 36 Pia / lavatório duplo, feito a partir de coxo de madeira para alimentação de porcos.

Fonte: Hotel Villa Bahia: fotografia do Autor (2010)

Esses exemplos mostram o estilo, os valores e o espírito do hotel, baseados na

rusticidade e na preservação ambiental, na forma do uso de produtos reciclados e

reusados, além da valorização cultural de comunidades rurais.

As colchas, feitas de algodão cru, tal como mostrado na figura 37, são

atualmente usadas em todas as camas do hotel, substituindo o enxoval anterior, feito

com estampas coloridas, mostrado na Figura 38. Segundo o depoimento da gerência,

a alternativa pela cor branca se deve, principalmente, a fatores de durabilidade,

higiene, limpeza e manutenção, os quais não eram satisfatórios no enxoval anterior.

FIGURA 37 Um dos modelos de colchas brancas usadas nas unidades habitacionais

Fonte: Hotel Villa Bahia: fotografia do Autor (2010)

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FIGURA 38 Exemplos do enxoval anterior, com estampas coloridas

Fonte: Site do Hotel Villa Bahia

Diante do exposto verificou-se que o artesanato de retalhos de Giral Grande

reunia condições e características favoráveis para ser aceito pelo Hotel Villa Bahia, na

condição de se adequar às expectativas daquele estabelecimento. A oportunidade de

produzir peças artesanais para o estabelecimento hoteleiro veio ao encontro de

necessidades da própria comunidade relativa à sua sobrevivência econômica, o que

gerou expectativas positivas entre seus membros.

Então, a partir das informações até aqui reunidas nos dois universos de pesquisa,

levantaram-se problema e hipótese específicos da Pesquisa-ação Adaptada:

Problema: como transformar os produtos do artesanato de retalhos da

Comunidade Quilombola de Giral Grande em peças atrativas o suficiente para serem

adquiridas pelo estabelecimento hoteleiro Villa Bahia?

Hipótese: O artesanato de retalhos da Comunidade Quilombola de Giral Grande

será atrativo para os interesses do Hotel Villa Bahia, se passar por um processo de

adequação de seus produtos aos requisitos apresentados pelo Hotel, preservando suas

características identitárias.

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5.2. FASE II – ESTUDO DE CASO

5.2.1. A artesã como indivíduo representativo e estudo de caso

A artesã Tânia Calheiros, Figura 39 foi identificada como o “individuo

representativo” do patrimônio cultural de Giral Grande, segundo os critérios de

seleção do informante-chave estabelecidos no Cap. 3. Ao expressar os valores

estéticos da comunidade, a artesã torna-se “representativa” de uma parte da cultura

local (GINZBURG, 1987, p. 27). Sendo responsável pela produção em análise,

resume, em si e em seu trabalho, elementos presentes no local, que são

sistematizados e reproduzidos nos artefatos, reconhecidos e aceitos pela comunidade

como de qualidade e resultantes do “bom gosto” da artesã. O gosto é considerado

bom, porque alcança sentido ao assumir significado face aos valores locais. Portanto,

a identificação dos componentes estéticos e utilitários dos produtos oferecidos pela

artesã expressa valores coletivos, compartilhados pela comunidade quilombola, a

partir dos quais a artesã, como o indivíduo representativo, foi considerada como o

estudo de caso.

FIGURA 39 A artesã Tânia Calheiros

Fonte: Fotografia do Autor, 2010

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Tânia Calheiros exerce a prática da costura como subsistência no cotidiano da

comunidade, embora outras pessoas também tenham tal conhecimento, exercendo-o

de forma eventual, apesar de não ser com a mesma intensidade da artesã. Essa ajuda

é reconhecida pelos outros membros da comunidade de Giral Grande como uma mão-

de-obra auxiliar em potencial, podendo ser requisitada em qualquer necessidade, o

que vem ao encontro do conceito de trabalho coletivo, uma das características das

comunidades quilombolas, conforme visto anteriormente.

Segundo a artesã, o seu interesse pela costura vem da infância, quando fazia as

roupas de suas bonecas. Afirma não ter sido um conhecimento herdado por ela, nem

aprendido com pessoas de outras comunidades. Para ela, a sua habilidade é “uma

coisa espontânea, dela mesma”. Todavia, as técnicas de costura propriamente ditas e

usadas pela artesã foram aprendidas fora da comunidade, primeiro pela convivência

com uma antiga moradora da região, que, embora não fosse quilombola, vivia nas

imediações da escola em que a artesã estudava. Mais tarde, quando trabalhou em

Salvador, a artesã fez um curso ministrado pela Legião Brasileira de Assistência

(LBA), onde aprendeu técnicas mais avançadas de costura e modelagem. Essas

técnicas de costura, juntamente com valores estéticos, utilitários e identitários

presentes em Giral Grande, foram absorvidos e interpretados pela artesã e se

constituem na base a partir da qual é construído o artesanato, desde a sua concepção

estético-formal até a produção das peças finais.

Ao afirmar que a habilidade de costurar não foi herdada, mas foi aprendida por

“conta própria”, como quase nata, observa-se que a artesã considera,

inconscientemente, que só há aprendizado quando ele ocorre formal e regularmente

na infância e na adolescência. Desconsidera, portanto, a aprendizagem espontânea,

fruto da interação de seu meio social, dentro do contexto da sua cultura. A forma de

aprender assistemática, espontânea e inconsciente, desenvolvida por meio de

procedimentos ligados à sua cultura, é interpretada, pela artesã, como uma

“brincadeira”, segundo seu depoimento:

Eu me lembro que eu tinha uns dez anos, eu costurava roupa de boneca para as crianças, para mim e para as minhas irmãs. Eu fazia roupinhas de boneca e gostava muito de costurar. É uma coisa de vocação, eu não sei quando começou, só sei que eu tenho essa coisa de costura comigo desde os treze anos. Com dez anos eu ficava olhando uma senhora costurar, mas já costurava roupinhas de boneca. Não houve influência dos meus pais ou dos meus avós, eu mesmo que gostava de costurar.11

11 Depoimento de Tânia Calheiros, durante entrevista do pesquisador, em Giral Grande. Maragojipe, Bahia, em 13/03/2010.

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Portanto, o repertório cultural que influenciou a costura de retalhos e que foi

construído ao longo da história da comunidade foi aprendido pela artesã de forma

assistemática, possibilitando a concretização da situação atual. Como visto, o fato de

pertencer e estar profundamente inserida no seu universo cultural, o de Giral Grande,

dificulta à artesã a percepção da dinâmica presente nesse contexto. Quer dizer, ao

conhecimento pessoal a artesã adicionou elementos externos, sintetizados na sua

produção artesanal. Verifica-se, então, um fenômeno de dinâmica ou de mudança

cultural assim explicado por Forst e Hoebel:

A cultura se modifica pelo acréscimo de invenções e com a alteração ou substituição de métodos antigos. A cultura individual se modifica e cresce pela aceitação de invenções criadas pelos membros de sua própria sociedade ou pela aceitação de novos métodos inventados em outra parte e levados à atenção de seus membros através da difusão e do empréstimo de idéias e comportamentos (FORST e HOEBEL, 2008, p. 35).

As técnicas de costura de origem externa e aprendidas pela artesã, só ganharam

sentido e significado para a comunidade, quando a elas foram agregados os valores

utilitários, estéticos e identitário, representativos do repertório cultural local.

Seus clientes são os próprios parentes de Giral Grande, os moradores das

comunidades vizinhas e também várias pessoas de Maragojipe e dos municípios

próximos. Seu principal diferencial, atribuído por eles, é a beleza da combinação das

cores e a diversidade de produtos, uma característica que, segundo a artesã, além de

agradar é também celebrada pelos seus clientes. Conforme relato da artesã, eles

elogiam sempre a qualidade dos seus produtos: “todo mundo gosta do meu gosto, as

pessoas dizem: como você faz fica lindo, ou dizem ainda que pode fazer como você

achar melhor, pois confiamos no seu gosto”.12 Esse é um atributo considerado pela

artesã como algo nato, mas os valores de beleza são compartilhados por todos os

membros da comunidade e também por outras pessoas.

A comprovação da sintonia entre a visão estética da artesã com a visão estética

da comunidade reside não só no fato do seu pertencimento àquela comunidade, mas

também pelas afirmações contidas em depoimentos colhidos junto aos outros

membros do grupo que, mesmo não participando do processo de produção, admiram,

aceitam e consomem os produtos oferecidos pela artesã. Para corroborar seu relato,

foram feitas entrevistas com outros componentes da comunidade de Giral Grande,

constituídos por seus parentes afastados e vizinhos, não estando ai incluídos membros

da sua própria família nuclear (pais, irmãos e sobrinhos em primeiro grau), conforme

anotado em diário de campo.

12 Depoimento Tânia Calheiros, 13/03/2010.

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Foram entrevistados seis membros da comunidade, homens e mulheres, na faixa

de idade entre dezesseis e cinquenta anos, que opinaram sobre o artesanato de

retalhos. Essas entrevistas mostraram como resultado, que há uma interação entre a

artesã e seus clientes na hora de definir os detalhes das roupas e demais produtos a

serem feitos. Na maioria das vezes, os clientes definem o tipo, cores, estilo ou

mudanças, marcando bem a subjetividade e o gosto pessoal. Outras vezes, a própria

artesã sugere e define o produto, principalmente quando o cliente sente dificuldade de

fazê-lo. E algumas vezes, há um consenso definido em conversa preliminar ou ainda

há modificações posteriores no produto, seguindo o gosto da artesã. Os depoimentos

dos entrevistados deixam claro esse processo:

“Ela só costura do jeito que a gente gosta, então eu gosto do trabalho dela [...] ela faz o modelo que a gente quer e a qualidade também que agente quer” (Dona Ilma, dona de casa); “Do jeito que a gente pede, ela faz [...] a gente escolhe um modelo ou ela sugere um modelo, algumas vezes ela faz ou conserta.” (Naiara, estudante); “Ela sugere o modelo pra gente, eu dou minha opinião e da minha opinião ela já começa a transformar os detalhes”.13

A identificação desse gosto se expressa, por exemplo, na preferência por cores

fortes e vibrantes, usadas naturalmente no cotidiano dos membros da comunidade,

tanto nas roupas, quanto nos enxovais, nos acessórios e demais produtos artesanais.

Segundo a artesã, “as cores vermelha e azul chamam a atenção. [...] Com essas

cores, tem-se a visão do produto bonito. Com cores apagadas não fica bonito.”14 O

depoimento de outros membros da comunidade confirma a preferência por cores

vibrantes e fortes como parte marcante do gosto da comunidade: “nós usamos o

vermelho, o verde cana, o amarelo, o rosa, qualquer tipo de cor, nós assumimos o

que nós somos.”15

Todo mundo gosta do meu gosto, eles falam assim: ‘ah! tá lindo!, tá bom!, tá bonito!’ e acabei descobrindo que eles gostam do que eu gosto. [...] As pessoas acham que eu tenho uma visão de beleza e eu sou uma pessoa que gosta de coisas bonitas, sou vaidosa [...] O sentimento de beleza que eu tenho eu passo para as roupas, para o edredom, para o pelego.16

A consciência da beleza plástica do artesanato de retalhos, fruto da criatividade

da artesã, aprovada e elogiada pelos seus clientes, quilombolas ou não, representa o

gosto compartilhado pelos membros da comunidade. A artesã, fortalecida pela

sintonia com seus clientes, entende que suas peças artesanais expressam a maneira

de ser e de ter a afeição de seus companheiros.

13 Depoimento de outros membros da Comunidade Quilombola de Giral Grande, 26/02/2011 14 Depoimento concedido por representantes da família Calheiros em 26/02/2011 15 Depoimento concedido por representantes da família Calheiros em 20/02/2009 16 Depoimento Tânia Calheiros, 13/03/2010.

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5.2.2. Características e identidade do artesanato de retalhos

O artesanato de roupas, acessórios, enxovais de cama e conserto de roupas

usadas é uma atividade que envolve poucas pessoas, se comparada às demais

atividades comunitárias locais. O processo que orienta a produção dessas peças

envolve um artesão principal (Tânia Calheiros), cujo papel de maestria está explicado

no Cap. 2; seus ajudantes eventuais, membros da comunidade, em caso de maior

volume ou complexidade do trabalho e, finalmente, jovens da família que já

expressam interesse no aprendizado da atividade.

É um processo de aproveitamento de sobras de tecido, transformando retalhos

de baixo custo de aquisição em produtos para o uso no cotidiano, na forma de

vestuário, acessórios, bolsas, mochilas infantis e enxovais de cama. São fabricados

com retalhos de tecidos e malhas, que são costurados uns aos outros, usando costura

a máquina e/ou manual. O artesanato de retalhos, como um componente do universo

cultural da comunidade, expressa aspectos desse patrimônio, tais como a estética e a

percepção da beleza, assim como se constitui em fator de subsistência, em vista do

papel que ocupa na reunião dos recursos econômicos de Giral Grande.

A diversidade de produtos artesanais de retalhos está classificada em cinco

grupos, identificados pela artesã como os tipos mais produzidos, vistos nas Figuras 40

e 41, e explicados abaixo.

• Enxoval de cama: peças construídas com pedaços retangulares e/ou

triangulares, frente simples ou com frente e verso. São colchas de cama,

lençóis, fronhas e edredons.

• Roupas: se expressa através da confecção de peças novas ou da

customização de peças trazidas pelos clientes, atendendo a todas as faixas

etárias, tanto para o público feminino quanto para o masculino.

• Acessórios: com formatos variados, para uso adulto ou infantil. Os

acessórios vão desde bolsas e mochilas escolares, até prendedores de

cabelo feitos de retalho e fuxico.

• Pelego: uma colcha colorida feita com tiras das sobras dos retalhos,

usada para diversos fins, tais como cobertura de cadeiras, poltronas,

assentos de carro e assentos de cela para vaqueiros da região.

• Fuxico: é uma técnica artesanal de confecção de trouxinhas, feitas com

sobras dos retalhos, podendo ser aplicadas a roupas, bolsas, adereços,

colchas, almofadas etc.

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Esses produtos concentram em si elementos derivados da cultura local que

podem ser identificados a partir de alguns significados apontados pelos membros de

Giral Grande: o crochê, cuja complexidade imprime aos produtos significados de

beleza e refinamento; o taco como sinônimo de retalho, que se constitui à base deste

artesanato; a resistência estrutural exigida aos produtos para que sejam duradouros,

face às dificuldades para sua reposição e, finalmente, a escolha e aplicação de cores

fortes e vibrantes nos produtos confeccionados.

FIGURA 40 Algumas peças do artesanato com retalhos

1- almofada de “pelego” (em detalhe); 2 e 3- roupas infantis; 4- bolsa de fuxico; 5 e 6- bolsas; 7- mochila jeans escolar;

8- prendedores de cabelo; 9- edredom.

1 2 3

4 5 6

7 8 9

Fonte: Fotografias do Autor, 2010

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FIGURA 41 Exemplos de pelego feitos no local

Fonte: Fotografias do Autor, 2010

Tal diversificação é fruto tanto da variedade da matéria-prima, em cores,

texturas e desenhos, quanto da criatividade da artesã. Essa criatividade, produto de

sua sintonia com a cultura da comunidade local, resulta na geração de produtos

artesanais que coincidem com necessidades e desejos dos seus consumidores e por

sua vez se expressam na forma de valores utilitários, estéticos e identitários,

presentes no próprio patrimônio cultural local.

Como valor utilitário, destacam-se as idéias de reuso e reciclagem com a

atribuição de novos usos e significados ao retalho de tecido, somados aos valores de

subsistência, tal como vistos nas características culturais básicas dos quilombolas

(Quadro 05). A própria subsistência pode ser vista como elemento motivador da

produção e da dinâmica desse trabalho artesanal.

Como valor estético, destaca-se o gosto por cores escolhidas a partir de

significados definidos na cultura local. Por exemplo, o vermelho e o amarelo

representam a força da comunidade; o verde, o azul e o branco representam a

natureza17. Além disso, esse gosto indica o sentimento de liberdade da comunidade,

cujos membros passaram a vestir roupas coloridas assim que se autoreconheceram

como uma comunidade quilombola.18, 19

Como valor identitário, além do senso estético na escolha das cores, ressalta o

significado de ser afrodescendente, presente nos comportamentos cotidianos, se

17 Depoimento dos membros da comunidade dado em entrevista em 01/07/2011 18 Depoimento Tânia Calheiros, 13/03/2010 19 Depoimento Tânia Calheiros, 01/07/2011.

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expressando através do vestuário, dos acessórios, dos penteados e a referência aos

laços de identidade da comunidade com o território, como elemento de coesão e

identificação do grupo, permitindo que se identifiquem e sejam identificados.

O artesanato de retalhos é considerado pela comunidade como uma das

expressões do espírito de luta pela sobrevivência e pela inventividade de uma

comunidade frente a problemas gerados pelos poucos recursos financeiros.

Exemplifica essa criatividade a associação feita entre o artesanato de retalhos e o

processo de reciclagem. À primeira vista, é apenas uma oportunidade de

aproveitamento de sobras de materiais, disponíveis a baixo custo e dentro da

realidade financeira da comunidade, o que é confirmado pela artesã, como um

material muito mais barato e acessível do que comprar o tecido nas lojas.20 Contudo,

o conceito de reciclagem aplicado pela artesã ao processo de produção artesanal,

embora careça de consistência quanto ao seu significado técnico, é o do

aproveitamento dos retalhos como uma maneira de minimizar possíveis preconceitos

quanto à origem da matéria-prima e aumento do valor cultural dos produtos.

É resto de loja, então é mais barato. Todo material que faço é totalmente de reciclado. Quando eu uso os retalhos que vem das lojas das roupas, do que sobra ainda faço mais algumas coisas. Não jogo fora nenhum pedaço de retalho, faço fuxico, pelego, enchimento de almofada. Quando o produto vai embora daqui, não é mais lixo.21

Segundo Teixeira (2005), o termo reciclagem pode ser entendido

sistematicamente em quatro níveis: o primeiro é o reuso de produtos na mesma

função original. Nessa situação se prevê a reparação, a atualização e o preparo do

produto usado para usos subseqüentes. O segundo é a remanufatura, na qual se

prevê a desmontagem de produtos usados e a sua remontagem na forma de outros

produtos para usos distintos. Neste caso se prevê a identificação, a separação e a

limpeza de peças ou partes úteis para serem empregadas em novos produtos. O

terceiro nível é o da recuperação da matéria-prima, considerando-se o retorno de

materiais aos processos e produtos originais. Nesse caso existe a limitação ao tipo de

material, que deve permitir seu uso várias vezes no seu ciclo de vida. E, finalmente, o

último nível: a reciclagem propriamente dita, que prevê o uso de matérias-primas em

situação diversa daquela da sua condição original, no caso da impossibilidade da sua

recuperação. Sendo assim, se prevê a reutilização da matéria-prima oriunda tanto de

processos industriais, considerada como resíduo (reciclagem pré-consumo ou pós-

industrial), quanto àquela contida nos produtos finalizados e considerados no fim da

20 Depoimento Calheiros, 13/03/2010. 21 Depoimento Calheiros, 20/02/2009.

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vida útil, não sendo mais possível o seu reuso nem sua remanufatura (reciclagem

pós-consumo).

Em Giral Grande, na sua manufatura de produtos artesanais, conforme visto

anteriormente, o conceito mais próximo usado para a matéria-prima pode ser

considerado o da reciclagem propriamente dita, primeiramente por não haver

produtos a serem reusados ou remanufaturados, ou mesmo algum material que

permita sua volta aos processos produtivos originais; em segundo lugar, por ser a

matéria-prima considerada como resíduo ou sobras de um processo de fabricação da

indústria têxtil e distribuição comercial, a qual é disponibilizada nas feiras livres para o

melhor destino dado pelos interessados.

Esse conceito se concretiza no desdobramento do processo produtivo

desenvolvido pela artesã, que usa as sobras dos retalhos de tecido utilizados na

manufatura dos produtos artesanais, na geração de outros produtos, a exemplo do

Pelego: na sua produção são usados apenas os retalhos menores e demais sobras,

que são recortados em tiras e são costurados a uma base de tecido mais simples até

que se forme uma colcha. Apesar de ser um produto simples, entretanto, a artesã

consegue criar várias formas de pelego, tal como os de tiras retas ou os de

acabamento arredondado, aumentando ainda mais a diversidade e a variedade do

produto (Figura 41).

O significado da preservação ambiental e da defesa do meio ambiente alcança,

na atualidade, diversos segmentos da sociedade. Mesmo algumas comunidades rurais,

como os quilombolas de Giral Grande, não estão totalmente isoladas de informações

socioculturais, dando condições aos seus membros de aquisição de um entendimento

básico sobre o conceito de reciclagem. No caso de Giral Grande, existe o interesse de

valorização dos produtos artesanais. Além de atender ao gosto dos clientes, buscam

estar também sintonizados com questões atuais. Ao apresentá-los como produtos

confeccionados com material reciclado, a artesã diz a si mesma e à comunidade que

aquele artesanato tem um valor positivo a mais, e tal condição alimenta o sentimento

de orgulho pelo que se produz, alcançando, portanto, um papel de representatividade

da cultura local.

Do ponto de vista da análise cultural, o que mais importa em relação à

reciclagem, associada ao artesanato de retalhos, é o sentido atribuído ao produto e o

significado que o mesmo passa a desempenhar para a visão de mundo de seus

envolvidos. Mesmo que esse conceito utilizado não esteja sujeito a uma rígida análise,

do ponto de vista do material, o resíduo de tecidos, o mais relevante é o

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entendimento do que a artesã sente, vê e reproduz para as demais pessoas, dentro e

fora da comunidade. Trata-se de um produto que contém significados por ela

considerados imprescindíveis para o reconhecimento da cultura local: o valor estético,

o gosto coletivo e o valor prestigiado com a associação à reciclagem.

Dessa forma, entende-se que a reciclagem, nesse contexto, é uma maneira de se

fazer algo que está sintonizado com o próprio espírito de produção de subsistência,

uma das características apresentadas pelas comunidades quilombolas na sua história.

Ou seja, a reciclagem, na compreensão da comunidade de Giral Grande, faz parte da

sua identidade e se manifesta no artesanato de retalhos.

Ao mesmo tempo, a variedade de cores, desenhos e texturas dos retalhos

permite maiores possibilidades para que o artesanato possa ser moldado de acordo

com o gosto do usuário, principalmente no que tange à possibilidade de serem

fabricados sob encomenda, o que é considerado um diferencial da artesã, atraindo

clientela de fora da comunidade.

5.2.3. O processo criativo da artesã

“Criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a algo novo, abrangendo

as capacidades de compreender, relacionar, ordenar, configurar, e de significar”

(Ostrower, 2001, p. 9). Segundo Tschimmel,

[...] compreende-se por criatividade a capacidade de um sistema vivo (indivíduo, grupo, organização) produzir novas combinações, dar respostas inesperadas, originais, úteis e satisfatórias, dirigidas a uma determinada comunidade [...] é ainda o resultado de um pensamento intencional, posto ao serviço da solução de problemas que não têm uma solução conhecida (TSCHIMMEL. 2003).

O fenômeno da criatividade visto no artesanato de retalhos de Giral Grande pode

ser considerado como um exemplo de busca de soluções para situações cotidianas,

em vista de limitações de ordem econômica e material que precisam ser contornadas,

soluções estas encontradas no contexto cultural local. Ostrower (2001, p. 5) explica

que “a atividade criativa do ser humano se elabora em um contexto cultural” e que,

apesar de poder expressar as potencialidades de um único indivíduo, pode ser

considerada como um resultado do repertório cultural no qual ele está inserido. Para

Tavares (2012), a criatividade seria “a capacidade de formar mentalmente idéias,

imagens e coisas intangíveis, para dar existência a algo novo, único e original, porém

com uma dada finalidade”, construída a partir da reorganização de dados ou

conhecimentos anteriores. Ostermann e Cavalcanti (2010, p. 23) explicam que nesse

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136

processo, teorizado por David Ausubel (1918-2008) como aprendizagem significativa,

uma nova informação se relaciona com uma idéia, um conceito ou uma proposição já

existente na estrutura cognitiva do indivíduo. Pode-se considerar, portanto, o

conhecimento anterior como uma expressão do repertório cultural no qual o indivíduo

criador está inserido.

Para Ostrower a criatividade tem dois níveis inseparáveis e interdependentes: o

individual ou subjetivo e o cultural ou coletivo. Partindo dessa premissa, pode-se

considerar o poder criativo da artesã, concretizado pelo artesanato de retalhos, como

elemento representativo da cultura tradicional da comunidade quilombola. Baxter

(2000, p. 42-45) comenta que o contexto cultural tem grande influência sobre os

valores e crenças individuais e isso faz com que certos aspectos dos produtos sejam

valorizados, podendo ter um ciclo de vida de longa duração, enquanto outros sejam

desprezados.

O processo criativo da artesã pode ser compreendido como intuitivo, espontâneo

e bastante flexível, mudando de acordo com as circunstâncias do momento ou com a

encomenda. Esse processo intuitivo expressa as características pessoais e subjetivas

de um artesão, dentre as quais se destaca “a importância da vivência de quem projeta

o produto, da sua experiência de vida em olhar as coisas na sua essência” (SANTOS,

2008), como nesse caso, em que “fatores expressivos e simbólicos são considerados

como parte integrante do conteúdo funcional dos objetos pensados e produzidos”

(DORFLES, 1991, p. 43). Portanto, a criatividade como processo intuitivo de um

artesão é modulada e influenciada profundamente pelo simbolismo cultural presente

nas formas, cores, forma de usar e de se produzir, mesmo que, à primeira vista, os

produtos da Comunidade Quilombola de Giral Grande possam parecer apenas uma

“simples colcha de retalhos”.

Observando os passos do processo criativo da artesã, foi possível perceber a

presença da sua intuição estética coincidindo com a estética da comunidade no

momento de escolha da matéria-prima quanto a características de cor, textura,

desenhos dos tecidos disponibilizados em feiras livres do município de Maragojipe; na

escolha de modelos inspiradores de roupas selecionados por observação da artesã em

várias ocasiões externas à comunidade, anotados e registrados como esboços e,

finalmente, na organização da padronagem plástica dos produtos artesanais. As

figuras 42 e 43 mostram o momento de escolha e aquisição dos retalhos de tecido

numa feira livre em Maragojipe, pela artesã.

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FIGURA 42 Venda de retalhos nas feiras livres do município de Maragojipe

Fonte: Fotografia do Autor (2011)

FIGURA 43

Seleção de matéria prima nas feiras livres de Maragojipe

Fonte: Fotografia do Autor (2011)

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Para roupas, acessórios e demais produtos, a artesã primeiramente esboça, num

caderno de anotações ou em folhas de papel avulsas, o rascunho do modelo a ser

feito. Segundo ela, os modelos produzidos são inspirados na observação de roupas e

outros produtos vistos nos municípios próximos.

Entretanto o modelo observado nunca é fielmente copiado, mas recebe

modificações, rearranjos e adaptações, com o objetivo de deixá-lo único, de modo a

evitar o uso de um mesmo modelo por dois clientes. Por outro lado, as sugestões dos

clientes são sempre consideradas e usadas junto ao gosto da artesã, conforme

depoimento: “A pessoa já vem com a opinião dela... eu deixo na vontade dela. Eu

pego o gosto deles e transformo. Eu faço o gosto deles.”22 A figura 44 mostra

exemplos dos esboços da artesã.

FIGURA 44 Cadernos de desenho com os esboços da artesã

Fonte: Fotografia do Autor (2011)

Para o pelego, Figura 45, aqui considerado como o produto de concepção menos

complexa, são usados apenas os retalhos menores, que geralmente são as sobras da

produção das peças dos demais grupos, na forma de pequenos pedaços de material.

Os retalhos são recortados em tiras e são costurados a uma base de tecido mais

simples até formar uma colcha.

22 Depoimento da artesã, 28/02/2011

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FIGURA 45 Detalhes de algumas colchas de pelego.

1-Frente de retalhos; 2-Fundo

1 2

Para enxovais de cama, são organizados esquemas geométricos baseados em

formas retangulares e triangulares, feitos com pedaços cortados do próprio material e

costurados na forma de faixas. As faixas são, posteriormente, unidas e costuradas

formando o produto final. Para colchas e lençóis simples é costurada apenas uma

face, para edredom são costuradas duas faces. A escolha do tamanho dos pedaços de

retalho e as cores usadas nos produtos dependem da encomenda, da disponibilidade

de material e da criatividade da artesã. A Figura 46 mostra como uma peça de

enxoval é produzida, através de cortes geométricos, retangulares e triangulares.

FIGURA 46 Seqüência do processo de criação e produção de um edredom a partir da união de formas

geométricas retangulares ou triangulares

Fonte: Fotografia do Autor (2011)

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Uma das características da criatividade durante o processo de produção do

artesanato é a preferência por uma combinação de cores que remetem à luz e ao

fog,o bem como ao significado de força, resistência e luta, como o vermelho e o

amarelo; cores que remetem à água, à sombra e demais tons da natureza, como o

verde, o azul o branco e seus gradientes23, tal como registrado no Quadro 05. Essa

combinação pode ser organizada em pedaços com ou sem desenhos e padrões.

Um exemplo dessa seleção e combinação de cores é visto na Figura 47. Nela são

mostradas as cores aplicadas em edredons, parte integrante de enxovais de cama.

Verifica-se a aplicação de cores fortes, em composição com cores mais suaves, que

são atenuações e variações das demais cores (GUIMARÃES, 2000, p. 59).

FIGURA 47 Partes de edredons finalizados

Fonte: Fotografia do Autor (2011)

O uso da cor, além de ter um caráter técnico, tem também caráter psicológico e,

acima de tudo, um caráter simbólico. Para Guimarães (2000, p. 25) não há algo que

diferencie, na biologia dos seres humanos, a percepção das cores em pessoas

diferentes, ou seja, as cores são, do ponto de vista da percepção visual, as mesmas

para todos os seres humanos. As cores têm, também, efeitos psicológicos sobre o

organismo humano (PEDROSA, 2002, p. 91), influenciando os sentimentos de forma

muito similar entre as pessoas. As diferenças, portanto, se dão, principalmente, no

campo dos significados.

23 Registro no diário de campo n. 8 e em entrevistas do dia 01/07/2011

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Pedrosa (2002, p. 99) afirma, ainda, que “a variedade e os significados das cores

estão intimamente ligados à cultura da sociedade que a cria, resultante da adoção

consciente de valores representativos que constituem os códigos culturais”. Ao afirmar

a escolha das cores nos seus produtos artesanais, seguindo seu “gosto”, e ainda que

as cores e suas combinações, selecionadas e organizadas através do seu “gosto”, são

aceitas como algo “belo” pelos outros membros da comunidade, a artesã reforça a

crença numa manifestação de unidade sobre um valor comunitário e, portanto,

integrante do patrimônio cultural local.

5.2.4. O processo produtivo da artesã

No caso do artesanato de Giral Grande, foi observado que a artesã, no curso do

processo produtivo, não usa uma sequência de etapas rígidas a serem seguidas, mas

há uma série de momentos que podem ser entendidos como uma sequência

rudimentar de etapas, que entra em curso no desenrolar da manufatura dos produtos.

Observando-se os passos do processo criativo, foi possível se identificar uma

série de procedimentos relativos à elaboração de cada categoria de produtos a serem

confeccionados, nos quais foi percebida a presença da intuição estética da cultura

local na escolha de características da matéria-prima, na escolha de modelos

inspiradores e na organização estética dos produtos artesanais. Na sua essência esses

procedimentos variam de acordo com:

• A necessidade e oportunidade do que for solicitado, a exemplo do trabalho

na confecção e conserto de roupas acessíveis para a comunidade e clientes

menos favorecidos economicamente;

• O material disponível: sua seleção é feita no momento da compra dos

retalhos, levando-se em consideração fatores técnicos e econômicos, que

influenciam no tamanho do retalho e no tipo de tecido, bem como fatores

estéticos, que determinam cores, texturas e desenhos;

Esse procedimento acontece nas feiras livres de Maragojipe. Esses retalhos se

constituem restos de lojas de tecidos e de sobras pequenas de confecções de

roupas, cujos resíduos, na forma de retalhos, são coletados e comercializados.

A artesã seleciona a matéria-prima seguindo três critérios básicos:

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142

o Tamanho: preferência por pedaços médios e grandes, que permitem a

produção de uma maior variedade de produtos. Pedaços menores são

aproveitados para a confecção de detalhes, fuxicos e pelegos;

o Preço: fator que determina a quantidade e o tamanho das peças a

serem adquiridas. Geralmente a artesã escolhe peças de tamanho

médio, com cerca de 70 cm de lado. Peças maiores ou menores são

adquiridas de acordo com as circunstâncias;

o Cor: com preferência por cores fortes ou gradações próximas, cores

vibrantes, desenhos e texturas variadas. As cores preferidas, segundo a

artesã são: o vermelho, o amarelo, o azul, o preto, o rosa, o verde,

estampadas ou não, capazes de serem combinadas entre si, em

consonância com o padrão estético da comunidade. Segundo seu

depoimento são escolhidas as cores que combinam e/ou que contrastam

entre si;

• A inspiração: a depender do produto solicitado e/ou planejado, podem ser

usados modelos de roupas, acessórios e padronagens, vistos nas ruas de

Maragojipe e em outros momentos do cotidiano da artesã, usados como

referência e aos quais são agregados outros elementos do repertório local.

Para alguns produtos são aplicados rudimentos de geometria plana, com

preferência a formas retangulares e triangulares, a exemplo da produção de

enxovais de cama.

Esses procedimentos, finalmente, exigem, por vezes, a elaboração de croquis e

esboços, como visto na Figura 44, que, a depender do que se queira produzir, são

feitos no local do contato com o produto modelo ou feitos posteriormente usando as

lembranças desse contato.

A produção do artesanato de retalhos é feita num quarto pequeno da casa da

artesã, com janela abrindo para o pátio do lugarejo. Neste quarto há, num lado, uma

máquina de costura elétrica e, no outro lado, uma mesa de trabalho. Grande parte do

processo de produção é feita nesse ambiente. Os retalhos são armazenados em caixas

nesse quarto e em outros cômodos da casa. As demais ferramentas de costura, tais

como tesouras, agulhas, alfinetes, fitas métricas, são guardadas em gavetas da mesa

e em algumas caixas pequenas. Alguns produtos finalizados são presos, em

exposição, nas paredes do quarto, em frente à janela, para que os interessados

possam vê-los. A figura 48 mostra a máquina e a mesa de trabalho em uso.

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143

FIGURA 48

O sistema produtivo do artesanato de retalho: 1- máquina de costura 2- mesa de trabalho

1 2

Fonte: Fotografia do Autor (2011)

A pesquisa de campo, baseada em observação participante, em entrevistas semi-

estruturadas, levantamento fotográfico e coleta de material mostrou que o conteúdo

cultural de Giral Grande se manifesta não apenas em conhecimentos tradicionais,

passados de geração em geração, a exemplo das casas de adobe e da prática da

agricultura de subsistência, mas também na incorporação de novas concepções

advindas da circulação de idéias e informações sobre a vida material da sociedade

circundante.

Entretanto, o estudo do artesanato de retalhos permitiu o entendimento de um

conteúdo cultural mais amplo, mas, ao mesmo tempo, mais sutil: os significados e os

valores atribuídos pelos membros de Giral Grande a esses produtos. Algumas

características da produção os remetem ao âmago da sua identidade, fator de

indispensável reconhecimento e consciência, como já foi ressaltado anteriormente. A

identidade local, revelada a partir dessa produção artesanal, assim se expressa:

• O significado da reciclagem: coerente com a própria condição quilombola

de ter que usar meios alternativos para suprir as necessidades básicas do

cotidiano, o reaproveitamento de materiais residuais de baixo custo, na forma

do uso de retalhos, como entendida pela comunidade, reflete e manifesta

essa condição. Trata-se de uma maneira de aproveitar o que está disponível e

ao alcance do nível financeiro da comunidade. A sua subsistência vem

exatamente do encontro de condições econômicas alternativas, reproduzindo

antigas práticas de populações de escravos fugidos e seus descendentes,

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144

refugiadas em territórios longínquos ou mesmo os localizados na periferia dos

centros urbanos da sociedade escravista;

• O significado estético: o valor dado à beleza dos produtos artesanais se

manifesta através do “gosto” da artesã no momento de seleção de cores,

formas e improviso. Esse detalhe, na verdade, é uma manifestação

compartilhada por todos os membros da comunidade, o que se encaixa no

sentimento de unidade social e de participação coletiva, considerado como

uma característica básica (ALBUQUERQUE e FRAGA FILHO, 2006. p. 120);

• O significado de luta pela preservação da cultura local: o uso dos

produtos artesanais, assim como a maioria daqueles feitos a partir de

atividades do cotidiano, como as casas de adobe, o candeeiro à base de

querosene, a farinha, dentre outras manifestações da cultura material, são

vistos com carinhoso orgulho pelos integrantes da comunidade. Esse

tratamento dado a tais patrimônios fortalece a identidade local. Por sua vez,

essa é uma força que os une contra o preconceito circundante e, portanto, é

do interesse desses integrantes o fortalecimento e a preservação desse valor.

A consciência de sua identidade, além disso, aparece como um dado diferencial

entre a comunidade quilombola e outras populações afrodescendentes em geral, dado

esse de importância relevante para a obtenção do reconhecimento do status de

Comunidade Remanescente de Quilombo, necessário para obtenção dos benefícios

previstos na Constituição Federal de 1988.

Esta fase da pesquisa teve como objeto o artesanato de retalhos de tecidos, uma

atividade que, embora reúna poucas pessoas envolvidas, mostrou elementos

representativos da cultura material de Giral Grande. As características encontradas

nesse artesanato demonstram que, além de ser uma atividade de importância

econômica para a comunidade, concentra outros indicadores da identidade cultural: o

aproveitamento de recursos disponíveis, tais como os retalhos adquiridos a baixo

custo; a manifestação positiva sobre a beleza dos produtos que passa pela visão

criativa da artesã e, finalmente, as manifestações sobre a preservação da cultura local

são, todas, manifestações já vistas, segundo a literatura, em outras comunidades

tradicionais semelhantes e, principalmente, nos quilombos ancestrais.

A síntese das características da cultura tradicional quilombola, conforme listados

nos Quadros 1, 4 e 5, e presentes no artesanato de retalhos de Giral Grande,

encontram-se no Quadro 14.

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QUADRO 14 Características da Cultura Tradicional Quilombola

identificadas no artesanato de retalhos de Giral Grande

Presença de conhecimentos tradicionais ligados à origem, à territorialidade e aos laços de parentesco, apesar de incorporar novos elementos e características aos primeiros, aumentando e modificando assim, o patrimônio cultural local (dinâmica cultural), sem, contudo perder a identidade original.

Estética baseada tanto em formas geométricas primárias e naturais quanto na seleção de cores baseada em significados locais, sendo quase sempre cores associadas à natureza, ao significado de força e a sentimentos de resistência e luta, tais como o azul, o verde, o branco, o vermelho e o amarelo.

Subsistência e modos de produção baseados em técnicas manuais ou semi-manuais, executadas de maneira individual ou coletiva, muitas vezes na forma de mutirões.

Uso de materiais naturais, alternativos e residuais como matéria prima para a prática do artesanato, cujos produtos se destinam para a própria comunidade e/ou para um pequeno comércio local.

Uso de tecnologia relativamente simples e de impacto limitado sobre o meio ambiente.

Reduzida divisão técnica e social do trabalho, no qual o produtor (e sua família) domina o processo de produção do início até o produto final.

Autoidentificação ou identificação pelos outros quanto a relação de pertencimento entre o artesanato de retalhos e a comunidade de Giral Grande.

Fonte: Construído pelo Autor a partir dos dados da pesquisa etnográfica e observação participante

Observam-se, neste quadro, a predominância e a relevância das características

tradicionais quilombolas, apesar da agregação de elementos externos, tal como as

técnicas de costura, aprendidas pela artesã em experiências fora da sua comunidade.

5.3. FASE III – PLANO DE AÇÃO

5.3.1. Necessidades e requisitos estabelecidos pelo Hotel

Durante a entrevista do primeiro contato do pesquisador com o hotel, foi

mostrada uma seqüência de fotos dos produtos artesanais de retalhos e uma colcha

pronta do artesanato de Giral Grande, Figura 49, ao gerente do estabelecimento, para

que ele emitisse uma opinião a respeito:

“A minha opinião é que ela já tem uma capacidade de trabalho e para mim não faltaria muita coisa [...] tudo depende do mercado, pois é bonita essa colcha de retalho, pois é uma questão de gosto”.24

Continuando a entrevista, o gerente opinou sobre a qualidade esperada de um

produto para o mercado hoteleiro e seus clientes:

24 Depoimento do Gerente do Hotel, Sr. Bruno, em 02/05/2011

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“Para vender para o turista, talvez uma orientação em cores e tecidos, mas pouca coisa... assim. O ideal é que ela poderia fazer encomendas, com amostras de tecidos, fazendo as colchas que ela quer, mas adequadas para os quartos. A qualidade vem do tecido, da costura... O material que tenho que vem de Minas Gerais é bonito, mas mancha”. 25

FIGURA 49

Colcha mostrada à gerencia do hotel como exemplo do Artesanato de Retalhos de Giral Grande

Fonte: Fotografia do Autor (2010)

Na segunda visita ao hotel, o gerente deu mais um depoimento sobre os

produtos artesanais usados no seu estabelecimento, desta vez comentando e

explicando dados técnicos sobre os enxovais usados nas unidades habitacionais. A

gerência mostrou produtos artesanais adquiridos em comunidades tradicionais rurais

do estado de Minas Gerais. A figura 50 mostra um edredom, enquanto a figura 51

apresenta uma colcha de algodão cru com bordados, ambos usados pelo hotel em

camas de casal e solteiro.

IMAGEM 50 Edredom feito por comunidade tradicional rural do estado

de Minas Gerais

Fonte: Fotografia do Autor no Hotel Villa Bahia (2010)

25 Depoimento do Gerente do Hotel em 02/05/2011

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IMAGEM 51 Colcha de cama feita em algodão cru e bordados, feito por uma comunidade tradicional rural

do estado de Minas Gerais

Fonte: Fotografia do Autor no Hotel Villa Bahia (2010)

O modelo em algodão cru, com detalhes em crochê e bordados é usado em todos

os quartos e é um dos tipos considerados como padrão de enxoval do

estabelecimento. Trata-se de um produto artesanal feito com um material de baixo

custo que, por não ser tingido, apresentando sua cor branca natural, não corre o risco

de desbotamento. Contudo, segundo o depoimento da gerência, os detalhes em

crochê e bordados não são da qualidade necessária para suprir os requisitos de

durabilidade, pois “engancham em objetos e descosturam durante o uso dos hóspedes

e, também, durante o processo de lavagem” 26.

Por outro lado, seu ponto forte é a beleza dos detalhes, feitos a mão, um por um.

Esse fato é bem recebido e valorizado pelos hóspedes, que não somente procuram

saber das origens do produto, mas às vezes expressam o interesse pela compra de

algumas unidades do enxoval artesanal. Segundo a gerência, este é um dos motivos

que levam ao uso de produtos artesanais de comunidades tradicionais na decoração

do estabelecimento hoteleiro, pois desperta a motivação no tipo de hóspede do hotel,

classificado pelo gerente como pessoas que buscam valores culturais e históricos do

local visitado.

Desse ponto de vista, o artesanato tradicional passa a ser um componente de

uso com um significado diferenciado, pois expõe parte da vida e da biografia de quem

o fez, tendo um histórico e uma subjetividade associada que desperta o interesse de

outras pessoas. Esse interesse tanto pode ser uma motivação para perpetuar o

artesanato, quanto preservar a comunidade de origem.

26 Depoimento do Gerente do Hotel em 27/05/2011

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5.3.2. Intermediação: Visita da artesã ao hotel

A visita da artesã efetuou-se após os contatos preliminares do pesquisador com a

gerência, durante os quais foram agendadas as datas do encontro. Seu transporte de

ida ao hotel e retorno à sua comunidade ocorreu sob a responsabilidade e execução

do pesquisador. Durante o percurso da viagem, a artesã se mostrou ansiosa e

apreensiva quanto à receptividade dos seus produtos, por ela considerados simples,

por um hotel, a seu juízo, de luxo. No seu entender haveria pouco a oferecer partindo

de uma comunidade quilombola. Todavia não escondia a expectativa de sucesso no

empreendimento, o que, segundo ela, a deixaria “muito feliz” com a possibilidade de

aumentar seus rendimentos.27

Chegando ao hotel, a artesã foi recebida, juntamente com o pesquisador, pela

gerente de governança, sra. Lílian, que lhe mostrou a decoração e o enxoval de várias

unidades habitacionais. Essa etapa foi dividida em duas partes, que foram realizadas

simultaneamente. Na primeira, ocorreu o contato da artesã com o enxoval em uso e,

na segunda, houve uma conversa com a gerência durante a visita às unidades

habitacionais.

Esse contato permitiu à artesã conhecer, primeiramente, os padrões plásticos dos

bordados e também o material de fabricação e o acabamento feito à mão do enxoval

em uso. Foram visitadas cerca de oito unidades habitacionais, todas com decoração

semelhante, no estilo rústico, usando os enxovais em tecidos de algodão cru. Ao

examinar essas peças, a artesã, de maneira menos apreensiva, reconheceu que

podia, dentro do seu conhecimento e prática tradicionais, ajudar nas soluções técnicas

e preencher os requisitos estabelecidos pelo hotel.

A figura 52 mostra o contato da artesã Tânia Calheiros com um enxoval e um

edredom feitos em outras comunidades tradicionais rurais.

27 Estrato do Diário de campo Nº7 (vide apêndice 1, pág. 224)

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FIGURA 52 Momentos da visita da artesã ao estabelecimento hoteleiro:

1 e 2- testando as colchas de cama 3- verificando as qualidades de um produto similar feito

por outras comunidades tradicionais rurais.

1

2

3 Fonte: Fotografias do Autor (2011)

A artesã teve a oportunidade de ver e tocar os enxovais, verificando a qualidade

do material de fabricação, acabamento e demais detalhes. Nessa oportunidade ela

emitiu diversas opiniões e sugestões sobre os enxovais observados:

“Esse foi comprado pronto, dá pra ver que o bordado foi cortado e quem fosse fazer não iria cortar o bordado, então existe o pano já bordado, que só precisa cortar e fazer. Esse é industrial e não dá para fazer. Como esses de taco e o de crochê dá para fazer manual. Posso colocar fuxico, fuxico de seis pontas. Posso fazer de fuxico, de crochê.”28

28 Depoimento da artesã em 19/06/2011

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150

Quando argüida pela gerência sobre o problema do uso de crochê, que

descosturava durante a lavagem e/ou no uso com os hóspedes, a artesã propôs a sua

própria solução técnica:

“Vou pôr todos os detalhes de crochê presos no fundo. Todos os retalhos presos no fundo. Porque os meus em casa faço presos no fundo, dou um pontinho e prego no fundo, dou um pontinho e prego no fundo. Ai ele fica preso e aí se prender não solta na lavagem.”29

Muito embora a encomenda possa parecer afastada do padrão dos produtos

habitualmente produzidos no artesanato de Giral Grande, principalmente por haver

uma concentração a uma só cor para atender os requisitos do hotel, ainda assim,

parece não ter se constituído um fator estranho para a artesã, visto que ela já possuía

a prática de produzir bordados em crochê em outros produtos, precisando apenas

redirecionar seus conhecimentos e práticas para aplicação no caso requisitado.

Ao mesmo tempo, a aceitação do artesanato de retalhos de Giral Grande por

parte do hotel, na forma de uma encomenda, representou a sua valorização de

pessoas de fora da comunidade. Os valores apresentados pelo estabelecimento

hoteleiro, baseados, como visto anteriormente, na sustentabilidade e na ênfase aos

conteúdos culturais, sintonizaram com os valores do artesanato de retalhos, conforme

visto na Etapa I: a reciclagem de materiais, como os retalhos de tecido, e a plástica

de comunidades tradicionais rurais, como a de Giral Grande. Essa aceitação, portanto,

reforça a valorização das raízes culturais da comunidade e, ao mesmo tempo,

comprova a exatidão da relação cultura/sustentabilidade.

No fim da visita, a artesã acertou quais os produtos que iriam ser

manufaturados, a título de experiência: três conjuntos de colcha e fronha, sendo dois

brancos e um colorido, deixando para dar o valor de venda na entrega da encomenda.

Então quando perguntada sobre o desafio, a artesã disse: “gostei, e vou fazer o

possível”.30

Segundo registrado no Estrato de Diário de Campo Nº7, presente nos apêndices

da tese, durante a volta para Giral Grande, a artesã externou seu alívio e entusiasmo

com a tarefa, afirmando que passava a acreditar no seu sucesso, que daria o melhor

de si e que o divulgaria na comunidade, buscando atrair outras pessoas para o

cumprimento da encomenda.

29 Ibidem 30 Ibidem

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5.3.3. Requisitos do hotel para o desenvolvimento da adequação

Segundo depoimento da gerência, 31 durante a intermediação, os problemas dos

enxovais usados são basicamente relativos à durabilidade e higiene das peças. Os

modelos antigos, coloridos, desbotavam antes do esperado, devido à quantidade de

lavagens necessárias a que eram submetidos. A solução foi substituí-los por um

enxoval branco, feito apenas com tecido de algodão e decorados com bordados

também brancos. Mesmo assim, essas novas peças apresentaram problemas quanto

ao arrancamento dos bordados, de forma intencional ou não, durante o uso dos

clientes ou durante o processo de lavagem, o que levava geralmente a uma

intervenção de manutenção ou descarte, quando não era possível o conserto.

A cor branca, por outro lado, permitia ao enxoval ser submetido ao ritmo das

lavagens necessárias para o padrão de higiene do estabelecimento sem, contudo,

afetar sua cor. O algodão cru, que tem uma cor natural, já que não usa pigmentação

alguma, também amplia a durabilidade das peças por ser mais grosso e fisicamente

resistente. Segundo depoimento da gerência, no entanto, “não precisa ser

necessariamente o algodão cru, mas um tecido de algodão branco [...] pode ser o

brim [...] pode-se trabalhar só o ‘pano’ grosso e ir aplicando o bordado.” 32

Outro problema percebido pelo pesquisador durante as entrevistas com a

gerência do hotel foi a respeito da identificação dos produtos artesanais. Verificou-se

que nenhum dos enxovais artesanais usados no estabelecimento tinha algo que

identificasse sua origem. A falta de uma identificação visual dificultava remeter

possíveis interessados para a comunidade de origem do artesanato, mantendo os

artesãos afastados de uma provável clientela. Portanto, foi decidido o

desenvolvimento de uma identificação visual a ser aplicada nos protótipos feitos em

Giral Grande, processo esse explicado posteriormente.

A partir do depoimento colhido nas entrevistas, foi possível levantar os requisitos

técnicos a serem usados na produção das peças pela artesã, segundo a idéia de

qualidade da gerência. Esses requisitos estão reunidos no Quadro 15, que se segue:

31 Depoimento do Gerente do Hotel em 02/05/2011 32 Depoimento da Gerente de Governança do Hotel em 19/06/2011

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QUADRO 15 Requisitos técnicos para a produção dos protótipos

REQUISITOS AÇÃO PLANEJADA

Identidade Visual Desenvolver, junto à própria comunidade, uma identidade visual para o artesanato de retalhos,

Material de fabricação Usar tecidos de algodão, conforme a indicação do hotel, podendo ser algodão cru e/ou brim, devido à resistência física e à durabilidade apresentada por esses tecidos.

Cor

Usar a cor branca e suas gradações, que permite que as peças sejam lavadas no ritmo necessário para a higienização, conforme as necessidades do hotel, sem a preocupação com o desbotamento. Essa cor também permite a identificação de manchas e sujeiras mais facilmente.

Protótipo colorido

Produzir uma peça colorida, feita igualmente com tecidos de algodão tipo brim, para que se possa testar e conhecer outros padrões plásticos possíveis de serem fabricados. O objetivo dessa peça é poder ser mostrada e avaliada por um público diferente e que não tenha as mesmas necessidades do hotel.

Costura e reforços

Inserir nas peças do enxoval costuras reforçadas buscando aumentar a sua durabilidade durante o uso e durante o processo de lavagem intensiva. Deverá usar um fundo de reforço do mesmo material da superfície superior e os bordados devem ser firmemente fixados nesse fundo.

Acabamento Usar crochê e bordados

Tamanhos Planejar os tamanhos para cama de solteiro e casal

Composição plástica e criatividade

Seguir exclusivamente a criatividade da artesã, sem interferências de qualquer natureza externa à comunidade.

Fonte: Produzido pelo Autor.

O Quadro 15 reúne os critérios que orientaram a adequação dos produtos

artesanais às necessidades do mercado urbano. No que se refere à criatividade

chamou a atenção a ênfase dada à preservação dos aspectos identitários dos seus

produtores, sendo este um dos fatores de agregação de valor aos mesmos frente a

possíveis consumidores.

5.3.4. Adequação de produtos do artesanato de retalhos

O processo de adequação desenvolveu-se em duas partes, a primeira relativa ao

desenvolvimento de identidade visual para a aplicação nos protótipos e a segunda

relativa à produção dos mesmos, dentro dos requisitos listados no Quadro 15.

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5.3.4.1. Desenvolvimento da identidade visual para Giral Grande

Esta etapa da pesquisa teve como objetivo o desenvolvimento de uma identidade

visual para a Comunidade Quilombola Giral Grande a fim de ajustar a apresentação do

artesanato de retalhos da comunidade às exigências de mercados urbanos, gerando

um produto que possa ser usado na rede hoteleira especializada em temas culturais

da cidade do Salvador, Bahia. Essa identidade visual é resultante de uma metodologia

que incluiu a aplicação de pesquisa etnográfica para conhecimento da cultura da

localidade, de entrevistas semiestruturadas nas quais foram coletados conceitos e

valores determinantes para o layout da identidade visual, e de requisitos técnicos que

determinaram a sua concretização.

A importância dessa fase se revela, primeiramente, pela possibilidade de

alavancar o artesanato de retalhos para mercados além das fronteiras e das relações

habituais da comunidade, mediante a aplicação de uma identidade visual que

relaciona e identifica o produto com a sua origem. Tal ação poderá se constituir em

fator de sustentabilidade socioeconômica para a comunidade em estudo, além de

mostrar a metodologia de geração de uma identidade visual para uma comunidade

quilombola.

5.3.4.2. Fundamentação teórica

Identidade visual é o nome que se dá à representação gráfica, na forma de

símbolos e/ou grafia, não somente de um produto, serviço ou empresa, mas também

para um conceito, um pensamento, um comportamento; um sentimento, uma

personalidade, uma cultura, ou seja, qualquer componente que possa ser identificado

visualmente (PEÓN, 2000, p. 11-13). Sua função contemporânea propõe comunicar

uma qualidade e uma origem, facilitando ao público-alvo a identificação, o

entendimento e a memorização das mesmas. Segundo Ribeiro (1998, p. 241), é nessa

comunicação que se dá a fixação da imagem associada a sua origem naqueles a quem

se destina. Segundo Heilbrunn (2002, p. 35), do ponto de vista da semiótica, a

identidade visual é encarregada de representar, “por elementos concretos ou semi-

abstratos, uma realidade abstrata e intangível”, tal como valores e conceitos, mas

pode representar também elementos do mundo real e físico. Para Peón (2000, p. 17-

18), os sistemas de identidade visual objetivam influenciar no posicionamento de

determinado produto ou empresa diante dos seus concorrentes; persuadir, convencer

e influenciar o público-alvo sobre os atributos de serviços ou produtos e remeter a

memória dos usuários à empresa ou corporação, enfim, à origem do que se quer

promover.

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Martins (2006) explica que o conceito de identidade visual pode ser descrito

como “a união de atributos tangíveis e intangíveis, simbolizados num logotipo

[identidade visual] gerenciado de forma adequada e que criam influência e geram

valor”. De acordo com Heilbrunn (2002, p. 36), a identidade visual é um vetor de

transmissão de idéias que não vale somente por si, mas remete a outras coisas que

não ela mesma. Como exemplo, a marca Volkswagen pode representar tanto um

veículo motorizado quanto a qualidade do design e da indústria alemã.

A identidade visual, segundo Ribeiro (1998, p. 244), é antes de tudo “um

elemento puramente gráfico, que sintetiza uma idéia ou um motivo”. Para isso,

apresenta várias características conceituais e funcionais, dentre as quais podem ser

citadas:

• Originalidade: é característica da identidade visual ser oriunda do próprio

criador e assim poder representá-lo (HEILBRUNN 2002, p. 35-36), de modo

que o público-alvo possa identificá-lo sem cometer o erro de remetê-la a

outro referencial distante da origem criadora (PEÓN, 2000, p. 12);

• Nome: contribui na construção da identidade por fazer associações

simbólicas que remetem à empresa ou produto, além de dar a idéia de

exclusividade do que é oferecido. Pode ser um nome abstrato, informativo,

descritivo ou sugestivo, mas principalmente, deve ter significado e ser fácil

de pronunciar, de reconhecer e de memorizar (RODRIGUES 2010; AAKER,

2002; BYRNE, 2004);

• Associações: tudo o que o público-alvo vincula à identidade visual, tal

como os atributos dos produtos, a qualidade percebida; a origem, sua

personalidade e seus valores (AAKER, 2002);

• Conceito: é a idéia que a identidade visual se propõe transmitir. Esta deve

refletir os desejos, necessidades, atributos, características e a cultura do

universo de origem;

• Estilo ou personalidade: a qualidade ou a forma com que as expressões

particulares e conceitos da origem são visualmente transmitidos para o

público-alvo e capazes de serem compreendidos (ROALCABA e ROSA,

2002);

• Forma: é o “desenho ou configuração visível do conteúdo” (ARNHEIM,

1986). A forma é responsável tanto por permitir a visualização da marca

quanto por transmitir seu estilo. Aqui se deve levar em consideração as leis

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da Gestalt, como os princípios de organização, o da semelhança ou o da

pregnância, já explicados por muitos teóricos tais como Arnheim (1986) ou

Gomes Filho (2000), para garantir a facilidade de reconhecimento,

compreensão e memorização da marca.

• Tipografia: refere-se à família tipográfica, conhecida no meio da

informática como fonte de letra. O tipo de letra pode transmitir idéias tais

como simplicidade, força ou fragilidade, peso, rusticidade ou delicadeza,

dentre outras. Os estilos podem variar de forma, podendo ou não facilitar a

sua legibilidade (RIBEIRO, 1998, p. 74-75; NIEMAYER, 2003, p. 70-71). A

escolha do tipo de letra deverá seguir o estilo sugerido para a identidade

visual, obviamente se esta tiver partes textuais.

• Cor: elemento tanto estético como transmissor de idéias e expressões,

como por exemplo, “valores, sentimentos e espiritualidade” (ROALCABA E

ROSA, 2002), podendo ter o mesmo peso conceitual que a forma ou o estilo.

Deve-se, entretanto, atentar para o número de cores aplicadas na

identidade visual, buscando utilizar a menor quantidade possível. Isso não

somente facilita a legibilidade e compreensão como a torna financeiramente

mais barata, por facilitar os processos gráficos.

• Viabilidade: Segundo Peón (2000, p. 25), é o conjunto de requisitos e

restrições que fazem a identidade visual ser viável no que se refere à

economia e à técnica, principalmente quanto aos processos de aplicação e

reprodução gráfica; ser operacional e flexível para aplicação em diversos

tipos de mídia, tanto impressas quanto digitais.

Uma identidade visual pode ser considerada como fator indispensável à

circulação de produtos industrializados e pode ser também importante para produtos

artesanais, como aqueles gerados em comunidades tradicionais locais. É um

componente que pode desempenhar um papel importante no esforço para associar

um produto a uma origem, seja esta uma região ou uma comunidade tradicional.

Segundo Scanavino (2010) “os serviços ou produtos que se originam em determinada

região estão associados ou possuem um vínculo direto com a mesma”, e as

identidades visuais podem dar visibilidade a essa associação, tornando-se, assim, uma

vantagem competitiva.

Para Soares, Cavalcanti e Andrade (2010), “o desenvolvimento de produtos junto

a comunidades produtoras de artesanato tem-se mostrado um grande desafio para os

designers contemporâneos”. É necessário estabelecer um diálogo entre a produção

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artesanal e o mercado, considerando a valorização da cultura e tradição locais e, ao

mesmo tempo, buscando a ampliação das possibilidades de geração de renda e a

sustentabilidade da comunidade envolvida. Esse diálogo mostra-se complexo, pois

trata de duas concepções diferentes de produção, sendo que a primeira abrange a

subsistência e a satisfação de necessidades básicas de pequenas comunidades,

enquanto a outra se manifesta nos mecanismos do comércio urbano regidos pelo

capitalismo.

Por esse motivo, o design deve assumir um papel importante na expansão de

condições que favoreçam o desenvolvimento de comunidades tradicionais locais,

através da valorização desses produtos artesanais. Segundo Kruken (2009, p. 17), “a

perspectiva do design vem justamente ajudar nessa complexa tarefa de mediar

produção e consumo, tradição e inovação, qualidades locais e relações globais”.

Portanto, o planejamento de estratégias de valorização pode influenciar positivamente

o reconhecimento dos potenciais econômicos e culturais, ajudando a proteger tanto

esse patrimônio quanto o próprio território e a comunidade nele fixada.

5.3.4.3. Desenvolvimento da identidade visual

O desenvolvimento da identidade visual de Giral Grande seguiu a estratégia

sugerida pela pesquisa etnográfica, baseada na coleta de dados e opiniões da

comunidade, durante as atividades. Portanto, o trabalho fundamentou-se na

observação e na descrição, no recolhimento de dados, a partir de entrevistas semi-

estruturadas e no levantamento fotográfico. Além disso, buscou-se maximizar a

participação dos componentes da comunidade na construção do seu conceito e na

decisão de escolha sobre o estilo, a forma e a tipografia. Contudo, outras

características técnicas, como o número de cores, mancha gráfica e traços, exigiram

maior intervenção do pesquisador, com o intuito de adequar o resultado final a uma

identidade visual aplicável em diversos tipos de suporte e outras mídias. O

desenvolvimento da identidade visual, portanto, usou os dados da comunidade

revelados nas fases anteriores e também os da pesquisa de campo específica, dividida

em seis etapas, M1 à M6 mostradas na Quadro 16, e explicadas a seguir.

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QUADRO 16 Etapas metodológicas do desenvolvimento da identidade visual

Nº ETAPA ÍTENS

M1 PESQUISA ETNOGRÁFICA

• Conhecimento prévio da comunidade • Levantamento de dados sobre comportamentos,

valores e cultura em geral;

M2 APLICAÇÃO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

• Levantamento de informações para a construção dos elementos conceituais e de estilo;

M3 APRESENTAÇÃO DE EXEMPLOS SIMILARES E NÃO SIMILARES

• Levantamento de opiniões no momento da

apresentação de identidades visuais de outras comunidades similares e outras com origens e estilos diferentes;

M4 APRESENTAÇÃO E SELEÇÃO DE TIPOS DE LETRAS

• Levantamento de opiniões sobre tipos de letras pré-selecionadas tendo como critério as opiniões das etapas M1,M2 e M3;

• Seleção do tipo de letra, algumas mostradas a partir do nome da comunidade escrito com tais tipos.

M5 CONSTRUÇÃO DO CONCEITO, ESBOÇOS E SELEÇÃO PRELIMINAR.

• Construção do conceito a partir dos dados obtidos nas etapas anteriores;

• Desenho de alternativas preliminares na forma de esboços rápidos, na presença de membros da comunidade, com o propósito de obter sua maior participação;

• Seleção, feita pelos membros da comunidade, do esboço que melhor a representa.

M6 GERAÇÃO DE ALTERNATIVAS E SELEÇÃO FINAL

• Desenho digital do esboço escolhido, com pequenas variações de forma e configuração;

• Seleção da proposta final, feita pelos membros da comunidade, a partir das alternativas desenvolvidas na etapa M5.

Fonte: produzido pelo Autor.

Etapa M1 - Pesquisa etnográfica

A pesquisa etnográfica revelou a importância e o significado do valor dado à terra

e à cultura local, o que é considerado pela comunidade como um exemplo de luta, de

resistência e de resiliência, típicos das comunidades quilombolas em geral. Além

disso, revelou a importância do aproveitamento de retalhos e da valorização do

aspecto estético do artesanato baseado numa criatividade livre, mas influenciada pela

interação dos desejos, necessidades e valores da artesã com seus companheiros de

Giral Grande. Portanto, esses aspectos e valores foram os pontos de partida para o

desenvolvimento da identidade visual, os quais determinaram as etapas M2, M3 e M4,

no que se refere à escolha e à organização do material a ser mostrado e à estrutura

da entrevista semiestruturada a ser aplicada.

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Etapa M2 - Aplicação de entrevista semiestruturada

Uma vantagem dessa técnica é a possibilidade de uma abordagem espontânea

do entrevistado, permitindo que surjam assuntos não previstos, mas interessantes e

enriquecedores. As perguntas foram elaboradas de maneira simples, direta e

compreensível. No ato da entrevista propriamente dita, utilizou-se uma conversa

informal, tendo, contudo um roteiro em mãos. Todas as perguntas e questões desse

roteiro (vide Quadro 17) foram respondidas, entretanto sem seguir a ordem em que

foram apresentadas. O resultado dessa etapa possibilitou o acesso a informações

importantes para a construção do conceito e estilo da identidade visual.

QUADRO 17 Roteiro da entrevista semi-estruturada

A Busca de algo (concreto) na comunidade que possa resumi-la ou identificá-la.

B Busca de algo (simbólico) na comunidade que possa resumi-la ou identificá-la.

C Identificação de algum tipo de comportamento ou de atitude que são exclusivos da comunidade.

D Identificação de algo de valor, coisa ou sentimento que diferencie a comunidade de outras comunidades semelhantes.

E Identificação de alguma mensagem ou pensamento que a comunidade gostaria de comunicar.

F Indicação das cores de que a comunidade mais gosta.

Fonte: produzido pelo Autor.

Com a aplicação do roteiro foram obtidos os seguintes dados sobre os valores

dos quilombolas de Giral Grande, segundo o depoimento da família Calheiros: 33

• A estrada de chão, referindo-se ao acesso de terra batida que leva à

comunidade (Figura 18), é considerada como “uma marca registrada de

Giral Grande” porque, além de traduzir a realidade rústica e campestre do

local, também significa o caminho, a solidariedade, a coesão dos membros

da comunidade e seu acolhimento;

• O terreiro na frente da casa principal da comunidade (figura 19) é

considerado o ponto mais importante, por ser o local das reuniões e

assembléias onde ocorrem as discussões comunitárias, e também o ponto

33 Depoimento dado durante entrevista do pesquisador, em Giral Grande. Maragojipe, Bahia, em 01/07/2011

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de encontro para as conversas de final de tarde e fim de semana; local de

recreação das crianças, brechó, dentre outros eventos. Um local onde todos

se encontram;

• A preferência por uma determinada cor depende da subjetividade de cada

membro, sendo que o vermelho, para alguns membros, simboliza a força e

resistência do local, além da quebra dos preconceitos sofridos pelos

quilombolas; já o branco e o azul representam a paz e a delicadeza do local,

respectivamente, para outros membros;

• A preservação das árvores, mensagem que a comunidade deseja passar,

como ato que representa o cuidado com o meio ambiente local. A

comunidade planta árvores e ajuda a preservar as demais já existentes,

principalmente as que cercam o terreiro e as demais mais próximas das

casas. Essa paisagem é apelidada pelos membros de Giral Grande como o

“pedacinho do céu”.

Etapa M3 - Apresentação de exemplos de identidades visuais similares e não

similares

Essa etapa se caracterizou pela apresentação, feita pelo pesquisador, de painéis

com exemplos de identidades visuais similares referentes ao seu universo e exemplos

não similares, distantes do contexto do universo local. Portanto, foram apresentados

exemplos de outras comunidades quilombolas ou que se referiam a estas, e também

alguns sem nenhuma relação com comunidades negras, embora algumas dessas

fizessem referência ao artesanato ou características que retratavam a natureza, tal

como foi relatado na Etapa M2.

O objetivo dessa etapa foi o de apresentar aos quilombolas de Giral Grande

diversos exemplos de identidade visual, de forma que estabelecessem parâmetros

comparativos tanto quanto inspiradores. Foi explicado aos quilombolas presentes que

a maioria das identidades visuais referentes às comunidades negras apresentadas

possuía traços rústicos, letras grossas e cores fortes, pois se referiam à natureza de

luta e resistência já conhecidas por eles. As identidades visuais não similares

apresentadas, por sua vez, mostraram alternativas de formas, composição e cores

com o objetivo de contrabalançar a influência da visão dos exemplos anteriores. A

figura 53 mostra três dos painéis apresentados. Os exemplos presentes nestes painéis

foram copiados a partir de pesquisa nas páginas do Google Images.

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FIGURA 53 Alguns dos painéis34 de exemplos de identidade visual apresentados

aos habitantes de Giral Grande:

1 e 2- exemplos relativos à comunidades quilombolas. 3- exemplos não similares

1

2

3

Fonte: Google Images

Com a apresentação dos painéis foram obtidas as seguintes opiniões:35

• Alguns dos exemplos similares refletem os valores semelhantes aos de

Giral Grande, tais como o trabalho no campo, a terra, a união e a

coletividade entre as pessoas, a figura de casas retratando o sentimento

de lar;

• Alguns exemplos não similares foram interpretados como trazendo idéias

de vida, natureza, mas, somente isso;

• O estilo que mais se aproximou dos valores dos quilombolas de Giral

Grande foi, exatamente, o elaborado com linhas grossas e traços

rústicos, porque, segundo o depoimento, essas características

representam a resistência: “estamos resistindo ao preconceito e

gostamos do trabalho no campo, pois somos brabos”, referindo-se à sua

própria rusticidade.

34 Os dois painéis à esquerda referem-se às marcas com afinidade com o universo quilombola, enquanto o da direita apresenta marcas sem essa afinidade. 35 Depoimento dado durante entrevista do pesquisador, em Giral Grande. Maragojipe, Bahia, em 01/07/2011.

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Etapa M4 - Apresentação e seleção de tipos de letras

Essa etapa se caracterizou pela apresentação do nome Giral Grande escrito em

alguns tipos de letras, selecionados de acordo com os dados coletados nas etapas M2

e M3, com requisitos de peso, linhas grossas e rusticidade. Além desses critérios, os

depoimentos dados nas entrevistas revelaram a preocupação dos quilombolas, não

somente com o significado de rusticidade e luta associados à forma da letra, mas,

também, com a necessidade de a identidade visual ser lida por pessoas com baixa

escolaridade, um fato existente não só na comunidade, como nas vizinhanças.

Segundo o depoimento da família Calheiros, as letras tipo bastão são mais fáceis de

serem lidas pelas pessoas do campo, que não têm habilidade com a leitura: “pela

facilidade de compreensão, as letras ‘de forma’ são melhores”. Essa atitude mostrou

uma preocupação dos seus membros com a imagem de Giral Grande para além das

suas fronteiras.

Portanto, foram escolhidas para serem apresentadas três famílias de letra usadas

em caixa alta e em caixa alta/baixa, mostradas na Figura 54, e que representam os

grupos de letras serifadas, bastão e manuscrita. Essa foi uma estratégia para resolver

o dilema apresentado pelos próprios quilombolas: um tipo de letra grosso e rústico,

mas com boa legibilidade. Os tipos de letra escolhidos são fontes digitais do tipo true-

type, que podem ser baixadas gratuitamente em sites de download especializados.

FIGURA 54 Tipos de letra apresentados à comunidade

1

2

Fonte: BerradisplaySSK Classificação: Serifada Peso: Super negrito Disponibilidade da fonte em Caixa Alta e Baixa

3

4

Fonte: MicrogrammaDBolExt Classificação: Bastão Peso: Negrito Disponibilidade da fonte em Caixa Alta e Baixa

5

Fonte: JeffreyPrint JL Classificação: Manuscrita ou Fantasia Peso: Negrito Disponibilidade da fonte apenas em Caixa Alta

Fonte: produzido pelo Autor

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Após a apresentação dos tipos de letra para a comunidade, foi realizada a

votação para a escolha e, segundo os próprios quilombolas de Giral Grande, a

alternativa nº 5, desenvolvida com a fonte JeffreyPrint JL, foi eleita por unanimidade

para ser usada na identidade visual.

Etapa M5 - Construção do conceito, esboços e seleção preliminar

Nesta etapa, em grande parte realizada na presença e com a participação dos

quilombolas de Giral Grande, foi desenvolvida a identidade visual com as informações

obtidas nas etapas anteriores, nas quais os valores e desejos dos moradores do local

foram revelados. A identidade visual foi planejada para ser simples, mostrando, com

poucos traços, idéias e referências do local, da força da união comunitária e da

rusticidade de seus membros. Entretanto, esse conceito precisou ser modulado por

requisitos técnicos e funcionais que atuaram na determinação dos traços e na

configuração da identidade visual.

Os requisitos técnicos e funcionais foram baseados nas informações de Heilbrunn

(2002, p. 91) sobre reprodutibilidade, segundo as quais, a identidade visual pode ser

colorida, mas deve ser pensada a alternativa de reprodução em monocromia. Esses

requisitos abrangem também a possibilidade de aplicação em áreas de pequena

dimensão, que, neste caso, foi de 2 cm2, tal como a reprodução em fotocópia, por

exemplo, sem que se percam os significados a serem transmitidos. O uso de cores,

apesar de ser interessante, sofre a restrição do custo, já que se deve considerar a

baixa condição econômica do local, tal como Teixeira et al (2011a) afirmou. Portanto,

procurou-se solução no uso do traço monocromático, sem meios-tons, ou seja, “sem

gradientes ou retículas” (RIBEIRO, 1998. P. 111).

O Quadro 18 mostra as sugestões conceituais e os requisitos técnicos funcionais

que nortearam o desenvolvimento da identidade visual. Nele, as sugestões conceituais

geradas a partir das informações das etapas anteriores são confrontadas com

requisitos técnicos e funcionais, necessários para que a mesma se torne realizável

graficamente.

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QUADRO 18 Confrontamento das sugestões conceituais com os requisitos técnicos e funcionais

SUGESTÕES CONCEITUAIS REQUISITOS TÉCNICOS

E FUNCIONAIS

Ter traço rústico, mas garantindo a facilidade de leitura tanto da parte textual quanto da parte da simbologia.

Traços com espessura mínima capazes de serem reproduzidos por vários processos gráficos, principalmente quando sua pretensão de ocupar a área mínima de 2 cm2.

Ser inspirado nos elementos: caminho de terra, na casa principal, nas árvores do local e na união comunitária.

Possibilidade de redução para 2 cm2, mantendo a leitura para permitir a compreensão do conceito.

Usar cores básicas ou que representem os desejos da comunidade ou ainda que retratem os elementos naturais da localidade, podendo usar uma combinação de todas estas.

Usar número reduzido de cores, com a tendência para a monocromia, a fim de facilitar a produção e a reprodução gráfica, buscando a redução de custos.

Usar partes da fonte JeffreyPrint JL como elemento construtivo de outras partes da identidade visual com o propósito de manter as características do traço e estilo, oriundos da letra.

Usar o tipo de letra JeffreyPrint JL para a parte textual principal (Giral Grande) e outro tipo bastão simples para o texto secundário (Comunidade Quilombola).

Fonte: produzido pelo Autor

O nome Giral Grande pode ser classificado como toponímico, que, segundo

Rodrigues (2010), se caracteriza por usar como referência o “lugar de origem” do

objeto. Por ser de fácil pronúncia, pode ser melhor memorizado, aumentando,

portanto, sua pregnância, uma das leis da gestalt definida por Gomes Filho (2000, p.

37) como uma “organização do objeto que facilita a compreensão e a rapidez da

leitura”.

A geração de alternativas buscou apresentar à comunidade vários caminhos:

usando somente o nome (logotipia) em alguns casos; usando todos os elementos

conceituais em outros casos ou, ainda, usando apenas alguns destes elementos. O

uso dessa variedade tornou-se uma estratégia, com o objetivo de não forçar a escolha

em uma única direção. A figura 55 mostra alguns dos esboços das soluções, feitos

com marcadores sobre papel, na presença dos membros da comunidade, que também

opinaram durante o processo. Na prancha da esquerda, buscou-se trabalhar

principalmente a solução como logotipo, usando o nome Giral Grande. Na da direita,

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procurou-se usar os componentes citados nas sugestões conceituais: a casa principal,

a estrada de terra, as árvores e a união comunitária.

FIGURA 55 Pranchas com alguns dos esboços feitos à mão livre

Fonte: produzido pelo Autor

Os elementos marcantes usados foram o telhado, representando a casa principal;

as figuras humanas de mãos dadas, representando a união entre os quilombolas; a

linha sinuosa, abaixo, representando o caminho de terra e uma árvore. Após a

apresentação dos rascunhos para a comunidade, realizou-se a votação para a escolha

e, segundo os próprios quilombolas, as alternativas que remetem ao conceito de casa,

comunidade e natureza foram as escolhidas para posterior desenvolvimento. O estilo

da identidade visual buscou uma forma de, ao mesmo tempo, transmitir esses valores

da comunidade e ser de simples leitura e fácil memorização, combinando uma forma

de usar o conceito baseado nos elementos coletados, porém buscando ser o mais

pregnante possível. O uso de símbolos já conhecidos e de domínio público, como o

telhado de casa e os pictogramas humanos, procurou exatamente esse caminho.

Etapa M6 - Geração de alternativas e seleção final

Esta etapa foi desenvolvida pelo pesquisador sem a participação direta dos

membros da comunidade, exceto na seleção final. As informações coletadas nas

etapas anteriores permitiram a construção digital da identidade visual, usando

softwares comuns para desenho vetorial e de edição de imagens bitmap. O desenho

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do nome Giral Grande sofreu alterações, primeiramente na suavização dos contornos

e na distância entre as letras, buscando melhor legibilidade na redução gráfica.

Durante o seu desenvolvimento, a identidade visual sofreu uma evolução, sendo que

algumas informações iniciais, como a presença da árvore e a cor do caminho de terra

desapareceram ou foram reduzidos a um simples traço, seguindo os requisitos

técnicos / funcionais. Por solicitação da comunidade, não foi incluído seu endereço,

conforme depoimento:

Temos medo de quem está lá fora, de pessoas que vindo para cá possa trazer violência [...] Ao mesmo tempo temos que ver a valorização da cultura e da natureza, às vezes nos sentimos ameaçados, querem aproveitar e botar restaurante. 36

A figura 56 mostra as etapas de construção da identidade visual baseada no uso

de letras da fonte JeffreyPrint JL como parte estrutural do desenho. Assim, a letra “I”

foi usada como um bastão dando forma ao corpo das figuras humanas e do telhado; o

“O” usado como a cabeça e o “A” como a saia da figura feminina. Assim, o estilo

rústico da fonte pôde ser preservado, unindo visualmente as partes do telhado,

figuras humanas e caminho de terra com o texto principal, oferecendo, dessa

maneira, uma unidade estética ao desenho. Para o texto secundário foi usada a fonte

Arial Normal, que é um tipo de letra bastão, com estilo reto e neutro, com o propósito

de comunicar sem, contudo, influenciar no resto da identidade visual.

FIGURA 56 Etapas de construção da identidade visual (em uma das suas alternativas)

LEGENDA 1- Suavização das bordas das letras 2- Telhado representando a casa principal 3- Figuras humanas representando a união comunitária 4- Linha sinuosa abaixo dos pés, representando o caminho de terra 5- Texto principal em fonte JeffreyPrint JL já suavizada 6- Texto secundário em fonte Arial Normal 7- Processo construtivo usando partes da fonte JeffreyPrint JL

Fonte: produzido pelo Autor

36 Depoimento dado em 11/09/2011

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A Figura 57 mostra algumas das alternativas geradas e apresentadas à

comunidade. As primeiras alternativas tentaram aproveitar o máximo das informações

da etapa conceitual. Posteriormente, tanto as idéias contendo o elemento “árvore”

quanto as com cores foram descartadas, buscando-se a simplificação e uma melhor

adequação aos requisitos técnicos e funcionais mostrados na Quadro 18.

FIGURA 57 Alternativas apresentadas à comunidade

Fonte: produzido pelo Autor.

As alternativas foram então apresentadas à comunidade que, por votação,

escolheu aquela demonstrada na Figura 58. Segundo os próprios quilombolas em seu

depoimento, os critérios de escolha foram questões plásticas e financeiras, pois este

recurso é limitado, o que justifica a escolha de uma alternativa monocromática. A

alternativa escolhida, portanto, satisfez o planejamento inicial e também a

comunidade, por ser simples e rústica, permitindo a comunicação do conceito,

facilitando a leitura e a reprodutibilidade.

FIGURA 58 Alternativa final escolhida pela comunidade.

Fonte: produzido pelo Autor

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A figura 59 mostra o teste da identidade visual em diversos fundos cromáticos

com o propósito de verificar as possibilidades de aplicação em suportes variados. Esse

teste também avalia o poder de redução da mesma, pois cada uma está reduzida

para, aproximadamente, dois centímetros quadrados.

FIGURA 59 Aplicação de cores na identidade visual:

Aplicação da alternativa final em monocromia preta (1), em escala de cinza: 20% (2) e 50% (3),

em negativo (4), em fundos coloridos (5, 6, 7, 8 e 9) e monocromia colorida em fundo branco (10, 11 e 12)

Fonte: produzido pelo Autor

5.3.4.4. Aplicação da identidade visual em etiquetas

Da solução escolhida partiu-se para um teste de aplicação na forma da produção

de etiquetas, apresentada na Figura 60, destinadas às peças artesanais já prontas na

comunidade. Essas etiquetas foram impressas na cor preta sobre tecidos de algodão

cru e brim, no tamanho de, aproximadamente, 5 cm2. O processo produtivo escolhido

foi a serigrafia, processo de impressão gráfica que abrange desde sistemas manuais

para pequenas e médias tiragens aos semiautomáticos para grandes tiragens.

Segundo Oliveira (2000), a serigrafia é um processo de baixo custo tanto para

aplicação em papel quanto para tecido, sendo que esse processo apresenta a melhor

relação custo/benefício no setor de vestuário e moda em geral, o que satisfaz os

requisitos de redução de custos mostrados no Quadro 18.

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FIGURA 60 Imagens digitalizadas das etiquetas para o artesanato de retalhos

(redução para ¼ do tamanho original) 1- Em algodão cru 2- Em brim branco

1

2

Fonte: produzido pelo Autor

5.3.4.5. Finalização da etapa de desenvolvimento da identidade visual

Durante seu desenvolvimento houve a preocupação de incluir os seus membros

como pivô do processo que somava, não somente a coleta das informações culturais

para a construção do conceito e estilo, mas também as opiniões e decisões sobre a

seleção das melhores alternativas.

A metodologia aplicada no desenvolvimento desse trabalho foi baseada em

entrevistas semiestruturadas, na participação ativa da comunidade e no

confrontamento dos conceitos gerados a partir das informações coletadas com

requisitos técnicos / funcionais, fundamentados nas referências, mostrando-se

adequada para este propósito.

O resultado, portanto, reflete parte da cultura e da identidade local, pois é

baseado nas informações fornecidas, discutidas, avaliadas e selecionadas pelos

próprios quilombolas de Giral Grande, o que reforça a autenticidade e originalidade da

identidade visual, muito embora a sua construção técnica tivesse sido feita pelo

pesquisador. Este se propôs a ser um instrumento que, baseado em requisitos de

design, sintetizou e concretizou os conceitos da localidade. Já a produção das

etiquetas aprovou o desempenho da identidade visual frente a processos produtivos

de baixo custo, como a serigrafia, o que se adequou à realidade da comunidade.

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A identidade visual passou a ser, a partir desse ponto, mais um elemento que

busca reforçar a valorização da comunidade mediante a sua aplicação no artesanato

local, em particular no artesanato de retalhos.

5.3.5. Desenvolvimento dos protótipos

Conhecendo os requisitos dados pelo estabelecimento hoteleiro, mostrado no

Quadro 15, partiu-se para a confecção dos protótipos solicitados. Foram

confeccionados três deles, sendo dois brancos e um azul. O processo artesanal foi

dividido nas seguintes etapas:

A. Anotação dos requisitos;

B. Compra da matéria-prima;

C. Criação e manufatura.

As etapas A e B desenvolveram-se a partir da observação participante do

pesquisador no que concerne às informações obtidas pela artesã junto ao

estabelecimento hoteleiro durante o processo de intermediação37. A etapa B foi

executada nas lojas de tecidos localizadas no Centro da Cidade de Salvador, onde

havia maior oferta e variedade de material, na forma de retalhos, com preços mais

acessíveis.

A etapa C, executada inicialmente pela artesã e uma ajudante, ganhou

posteriormente a participação, em mutirão, de outros membros da comunidade. Essa

participação, majoritariamente feminina no início, contou também com a presença

masculina, segundo os depoimentos a seguir.

“Todo mundo viu, ajudou a fazer, participou de tudo. O mérito não é só dela não. Todo mundo ajudou”.38 [...] “Aí faltou água e meu primo foi pegar água de moto, porque tem que ser bem limpa, para lavar. Os homens ficavam com o serviço pesado”39.

Nesta etapa (C) a artesã criou os padrões, bordados, combinações e formas,

sempre dentro dos limites ditados pelos requisitos (Quadro 15). O pesquisador,

apesar de se manter afastado da comunidade durante o processo de confecção,

buscou informações contínuas sobre o andamento do processo. Procurou, dessa

maneira, a preservação da forma de criar e fazer, características da comunidade local.

O processo de produção foi executado, pela artesã e seus ajudantes em dois meses, 37 Registrado no diário de campo n. 7 38 Mara, irmã de Tânia, quando argüida sobre se todos viram o desenvolvimento do trabalho, em 11/09/2011 39 Tânia, quando perguntado sobre a participação masculina no processo, em 11/09/2011

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considerando a existência de outras atividades cotidianas e essenciais da artesã e da

comunidade.

A matéria-prima escolhida pela artesã foi o brim, um tecido grosso, feito de

algodão, a partir do qual é fabricado o jeans. A sua estrutura usa ligações feitas em

estrias diagonais (sarja), produzindo, frequentemente, um tecido mais resistente que

os tecidos normais. É utilizado para a confecção de roupas, como calças, saias,

bermudas e casacos, toalhas de mesa etc., e também na decoração de interiores para

forração. É mais difícil de sujar, todavia requer uma lavagem mais rigorosa (PORTAIS

DA MODA, 2011). Os aviamentos foram também de algodão, como linhas para

costura e para bordados.

Segundo seu depoimento, a artesã40 dividiu a manufatura dos protótipos em

etapas muito parecidas com as que são usadas na confecção dos demais produtos do

seu artesanato. Entretanto expressou cuidado e preocupação maior que o habitual,

dado o significado da encomenda recebida. A sequência das ações do trabalho

executado pela artesã, tanto no processo criativo quanto no de produção, está

explicitada no Quadro 19.

QUADRO 19 Sequência das ações durante o processo criativo e produtivo dos protótipos

1. Recebimento da encomenda

2. Compra do tecido

3. Decisão quanto ao melhor produto: “olhando e decidindo o que fazer”.

4. Desenho de várias alternativas da padronagem do crochê e separando o que seria melhor, o mais bonito, experimentando e testando em pedaços soltos.

5. Variação de soluções durante o processo: “A gente vai imaginando e vai fazendo”; primeiro no papel, depois testando os modelos selecionados no tecido, “a gente vai experimentando, vai descobrindo e vai botando”.

6. O desenho precede a produção, tanto nas colchas quanto para as roupas, “é o mesmo processo de desenhar”, “tem que ser no papel, tem que ser no desenho, é tudo no desenho, não pode perder tecido, desenho para não ter dúvida, para não ter erro”.

7. Em primeiro lugar faz-se o crochê; depois corta-se o tecido usando moldes de papelão e monta tudo na máquina ou a mão.

8. Em seguida faz-se a estrutura, o reforço, o forro e o acabamento.

9. Lavagem e goma para limpar as manchas de sujeira feitas durante o processo de produção.

10. Finalização e entrega dos trabalhos.

Fonte: sintetizado pelo autor baseado nas entrevistas e no estratos de diários de campo Nº 10, do dia 04/12/2011

40 Depoimento da artesã Tânia Calheiros em 11/09/2011

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O trabalho artesanal seguiu etapas e lógica próprias, ambas definidas pela

artesã, nas quais foram identificadas uma fase criativa e outra produtiva, conforme

suas próprias palavras.

Etapa Criativa:

“Não posso começar a cortar sem antes pensar no que vou fazer e pra a gente pensar só na cabeça, que tem muitas coisas, não ia dá, tem que estar com um papel na mão, e ai eu desenhei tal como um pedreiro desenha uma casa, ou pra fazer uma comida tem que seguir o que está no papel. Então peguei um caderno e fui desenhado e descobrindo que eu achava melhor, será que com esse vou ter muito trabalho ou será que com outro terá menos trabalho, ou será que realmente ia ficar bonito?”

“Primeiro desenhei as flores, depois desenhei os quadrinhos no papel, com a flor no meio, me perguntei: será que com a florzinha no meio vai ficar bonito? Depois pensei com flores no cantinho; fiz mais de duas alternativas. Outros tipos se fazem com triângulos, tal como já fiz, fica bonito. Fui imaginando e fazendo no papel.”

“Para todos os modelos feitos fiz o mesmo processo de desenhar, tal como desenho todas as roupas que costuro. Usando desenho, já fiz até vestido de casamento. Tudo que eu faço tem que ser no papel, tem que ser no desenho, tudo que vou fazendo tem que pensar primeiro se vale a pena, se vai dar certo, pra não perder tecido, para depois não ter erro. Para aquele tecido que você comprou vou cortar e tem que dar certo.41

Etapa de produção:

“Vou cortando o tecido, depois faço a bainha, faço o crochê e por ultimo costuro as flores. Esses ficam no meio e esses outros são as bordas, na bainha. Depois monto tudo na mesa e coloco o forro. Depois que termina tem que lavar e depois engomar. Todos levam o mesmo processo.”

“O pessoal tá gostando assim, estão dizendo: Ave Maria! Que trabalho maravilhoso, não sabia que era tão duro fazer!”42

Durante a confecção dos protótipos, a comunidade também participou, mediante

sugestões, opiniões e ajuda em tarefas relacionadas à produção, tal como o

transporte de insumos. A artesã, no seu processo intuitivo de criação e produção,

seguiu etapas que transitaram da criação para a produção e vice-versa, num processo

de experimentação contínua. É o que se deduz da sua afirmação: “tá bonito não tá?

Pergunto a um, pergunto a outro e vou fazendo. Fiquei aberta para ouvir opiniões”43

A Figura 61 mostra desenhos de algumas das alternativas realizadas pela artesã.

Esses traços mostram o conhecimento e o sentimento de uma lógica ou uma

sequência de etapas que parte de uma encomenda, seguida por uma etapa de

idealização, finalizando com a etapa de produção.

41 Depoimento da artesã Tânia Calheiros em 04/12/2011 42 Ibdem 43 Ver no Diário de campo n. 11 (04/06/2012)

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FIGURA 61

Desenhos das alternativas, realizados pela artesã.

Fonte: Fotografia do Autor, 2011

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A figura 62 mostra fases da etapa produtiva, com parte da matéria-prima,

aviamentos e algumas das agulhas para diferentes tarefas de costura: crochê, mão

livre e a máquina. Esta figura mostra também as etapas de produção, com a

preparação das flores de crochê e dos bordados feitos com essa mesma técnica. A

figura 63 mostra fotos do trabalho manual, feito pela artesã sentada no terreiro da

comunidade, na frente das casas.

FIGURA 62 Partes da etapa produtiva:

A: agulhas usadas; B insumos; C e D: miolos de flor; E e F flores montadas nos quadrados para a colcha e fronha, respectivamente.

A B

C D

E F Fonte: Fotografia do Autor, 2011

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FIGURA 63 Partes da etapa produtiva: trabalho manual

Fonte: Fotografia do Autor, 2011

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O processo de adequação se completou com a aplicação das etiquetas com a

identidade visual nos protótipos, segundo registra a figura 64, fato que expressou a

concretização dos objetivos propostos para a Fase III.

FIGURA 64

Partes da etapa produtiva: aplicação das etiquetas

Fonte: Fotografia do Autor, 2011

5.4. FASE IV - RESULTADOS

5.4.1. Apresentação e resultados dos protótipos na comunidade

A apresentação dos protótipos à comunidade foi marcada por um clima de

entusiasmo quase festivo. Compareceu grande parte dos seus membros que

expressaram sua admiração pela beleza e qualidade das peças, elogiando o trabalho

dirigido pela artesã.

As Figuras 65 e 66 mostram os protótipos finalizados sendo exibidos por alguns

membros da comunidade, incluindo a artesã Tânia Calheiros. Nestas fotos são vistos

os protótipos feitos com brim branco, destinados ao uso do hotel denominados pela

artesã de Quadrados Brancos e Caminho Branco, e o protótipo Azul, destinado para

outros públicos interessados.

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FIGURA 65 Apresentação do protótipo Azul

Fonte: Fotografia do Autor, 2011

FIGURA 66 Apresentação do protótipo Quadrados Brancos

Fonte: Fotografia do Autor, 2011

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O protótipo 1 Quadrados Brancos é mostrado abaixo na Figura 67. O estilo

escolhido procurou se aproximar ao máximo da plástica e das necessidades expressas

pela gerência do hotel. Esta pedia algo mais elaborado, combinando partes bordadas,

característica essa que agradava os hóspedes. Esse protótipo foi considerado o mais

belo e bem acabado entre os três, exatamente pela sua complexidade, o que foi

entendido como esmero e considerado pelo hotel como uma característica atrativa

para os clientes.

FIGURA 67 O protótipo 1, batizado pela artesã como “Quadrados Brancos”

Fonte: Fotografia do Autor, 2011

Este protótipo foi elaborado com as seguintes características:

• Cor: branco gelo;

• Peças quadradas unidas por bordados duplos;

• Os bordados de união fixados em um forro na outra face da colcha, como um

elemento de reforço estrutural, diminuindo a possibilidade de descosturar ou

de ser arrancado, se for enganchado por objetos pontiagudos;

• Aplicação de flores bordadas, costuradas no centro de cada quadrado.

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O protótipo 2, Caminhos Brancos, é visto abaixo, na Figura 68. Diferentemente

do protótipo anterior, este visou preencher mais as necessidades de manutenção do

que atender a aspectos plásticos, sendo construído com soluções mais simples e

resistentes que os demais protótipos. Foi produzido usando figuras e linhas, imitando

caminhos bordados costurados por cima de partes de brim, unidas umas às outras por

costura simples, sem serem bordadas. Essa característica eliminou reentrâncias e

tramas bordadas que costumam enganchar em objetos, acabando por descosturar ou

desfiar. No entanto revelou-se com uma plástica mais simples e menos atraente para

as necessidades do hotel.

FIGURA 68 O protótipo 2, batizado como “Caminhos Brancos”

Fonte: Fotografia do Autor, 2011

Esse protótipo foi elaborado com as seguintes características:

• Tem a cor branca do algodão cru;

• Tem suas partes unidas por costuras simples, sem bordados;

• É decorado com elementos bordados, desenhando caminhos retos, fixados

por costura no forro, aumentando a resistência ao arrancamento.

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O protótipo 3, Azul, é mostrado na Figura 69. Seu objetivo é totalmente diferente

dos demais protótipos, pois foi destinado a pessoas interessadas em adquirir um

produto colorido para uso no próprio domicílio ou para outros estabelecimentos

hoteleiros sem restrições por cores. Este protótipo foi elaborado com a união de peças

retangulares, em duas gradações da cor azul, intercaladas e formando um mosaico,

unidas por bordados também da cor azul. Devido aos gradientes escuros de azul

usados neste mosaico, este protótipo foi considerado pelos membros da comunidade44

como um produto voltado para o público masculino.

FIGURA 69 O protótipo 3, batizado como “Azul”

Fonte: Fotografia do Autor, 2011

Este protótipo foi elaborado com as seguintes características:

• Colorido em gradações de azul;

• Peças geométricas retangulares unidas por bordados, que, por sua vez, são

fixados em um forro na outra face da colcha, com o mesmo objetivo do

protótipo 1.

44 Depoimento dado por membros da família Calheiros em 11/09/2011

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Os três protótipos, embora construídos em modelos diferentes, concentraram

elementos constitutivos da plástica predominante no gosto e no repertório da

comunidade, bem como preservaram técnicas tradicionais de confecção. Aplicaram o

bordado de crochê, dispondo o retalho em tacos de forma geométrica, preservaram

características de rusticidade e usaram técnicas de reforço de costura já conhecidas.

Os requisitos estabelecidos pelo hotel exigiram mais tempo para a confecção; mais

cuidado no esmero do acabamento e maior participação dos membros da comunidade,

mas não alteraram os fundamentos das formas de criar e produzir existentes no local.

Segundo a comunidade, os três protótipos agradaram bastante quanto à beleza e

acabamento, superior às peças antes produzidas e destinadas para o consumo local.

Os membros da comunidade, em depoimento, comentaram que o resultado foi um

dos melhores já alcançados pela artesã e todos que a ajudaram:

Estamos admirados com o trabalho. Tá lindo demais. Tânia se dedicou bastante, ela deu um duro danado. Foi um trabalho minucioso. O azul é bonito, mas a maioria está gostando mais dos brancos.45.

Quando eu estava desocupada eu dava uns pontinhos, o mérito não é só dela não. Todo mundo ajudou. [...] Demos elogios, elogio dá um incentivo medonho. 46

As meninas se interessaram e queriam fazer também, compraram agulha e começaram a fazer uns pontinhos. E aí, é desse jeito que vai aprendendo. Elas se interessam, achou bonito e quer aprender.47

Os depoimentos acima mostram a sintonia entre os valores estéticos

compartilhados entre a artesã e a comunidade, diante da qual ela assume o papel de

maestria, daquela que sabe, está em condições de ensinar e ser reconhecida pelo seu

saber. A comunidade acha o trabalho “lindo demais”. Além disso, a expressão

“incentivo medonho” denota a concentração das atenções em torno do trabalho na

expectativa dos seus resultados.

Esses depoimentos validam também as peças e comprovam que, apesar de os

protótipos serem elaborados a partir dos requisitos de um hotel localizado em um

contexto urbano e com valores diferentes daqueles da comunidade, o resultado não

interferiu no significado cultural atribuído pelos membros da comunidade às peças-

protótipos. Segundo eles, os protótipos continuaram a preservar os valores estéticos e

de rusticidade, característicos da criatividade local, representados e interpretados pela

artesã no seu artesanato.

45 Depoimento dado por membros da família Calheiros em 11/09/2011 46 Ibdem 47 Ibdem

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Mesmo no que diz respeito ao uso da cor branca, como foi indicada para os

protótipos, a comunidade não expressou estranhamento e considerou que a cor

branca não descaracterizou a peça artesanal como produto da sua cultura, por a

mesma ter mantido outros elementos e características do artesanato, a exemplo da

emenda do “taco”, ou pedaços, em formas retangulares, do crochê e das soluções

estruturais para a preservação física das peças.

O depoimento a seguir comprova a posição da comunidade, quando perguntada a

respeito das diferenças entre os produtos coloridos e os novos produtos na cor

branca: “o antigo tinha o colorido, mas o branco é mais sofisticado. É lençol de taco,

continuou de taco, igual ao outro”.48 Essa opinião, emitida por um dos homens da

comunidade, expressa mais uma vez a integração da cor branca no universo da

cultura de Giral Grande, dado já observado no conteúdo do Quadro 14. Portanto,

mesmo atendendo a uma encomenda externa e aceitando requisitos por ela

solicitados, a identidade cultural da comunidade foi preservada, pois se observou que

o fato não gerou estranhamento nem alterou as formas tradicionais de concepção e de

produção.

Arguidos sobre o que mais identificava os produtos como expressão da cultura

local, duas características prevaleceram nos depoimentos dos membros de Giral

Grande: a primeira foi a produção estar relacionada com a idéia de reciclagem de

materiais e a segunda foi a disposição dos retalhos unidos uns nos outros, formando

um mosaico de “tacos”. Segundo os depoimentos, a reciclagem de materiais é usada

para a obtenção de produtos de uso cotidiano, constituindo-se uma característica local

por se relacionar com a forma particular de como algumas necessidades materiais são

satisfeitas, e o artesanato de retalhos é um exemplo:

Nada é jogado fora [...] porque, se jogar os retalhos fora, é o mesmo que tá jogando um lençol, uma saia, uma toalha de mesa de retalho, vestido, cortina [...] tudo a gente recicla [...] o jeito aqui foi esse: aproveitar tudo [...] no Giral temos que fazer as coisas, como o lençol de taco que temos que ter [...] Nós temos a cultura de usar lençol de taco, todo mundo usa, todas as casas usam o taco [...] é do lugar, e também por causa da pobreza da gente, porque a gente sempre foi humilde, assim, emendavam os paninhos pra cobrir agente, ganhávamos uma roupa, se não prestava já cortava, emendava e montava. Até hoje usamos pra enrolar os filhos. À minha mãe pediam retalho e hoje as pessoas me pedem retalho [...] uma coisa que, se emendar, forra sua cama por muitos e muitos tempos. [...] nós crescemos e sempre vimos os lençóis de taco, de pedacinhos que iam ser jogados fora.49

48 Depoimento de Antônio Calheiros (irmão de Tânia) em 11/09/2011 49 Depoimentos de Tânia, sua filha Jéssica e suas irmãs Zenilda, Isabel, Eliete, Elisabete e Tina em 11/05/2013

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182

A outra característica tida por eles como identitária é o próprio “taco” em si, ou a

forma dos pedaços serem unidos formando um produto artesanal. Segundo os

membros de Giral Grande, o “taco” é tido como uma solução que vai além da forma

de se ter coisas necessárias para o uso cotidiano, pois representa a união entre os

seus membros:

A colcha de retalhos mostra o costume de cada um, a particularidade de cada pessoa, cada pedacinho é como representasse as pessoas da família e o jeito de ser de cada um [...] o que lembra o povo daqui é os pedacinhos que vira um lençol. 50

Segundo os membros da comunidade, Tânia mostrou como se faz os produtos de

taco no local, mas revelou uma novidade, pois não se sabia do valor que se podia

alcançar com esse tipo de trabalho: “Quando eu vejo o lençol de Tânia, bonito, assim

bem trabalhado, me pergunto: por que a gente não fez isso antes? [...] o que era

necessidade virou talento.” 51

Segundo a artesã, esses protótipos não são tão diferentes dos modelos feitos de

retalhos comuns, produzidos anteriormente. Segundo o desejo da artesã, produtos

semelhantes aos anteriores continuarão a ser confeccionados: “sempre que eu tiver

um tempinho eu vou fazendo, pois aqueles são os do dia-a-dia, e eu faço cada um em

dois dias, apenas”.52 Já os protótipos exigiram muito mais tempo e dedicação,

incluindo a ajuda de outros membros da comunidade na confecção das flores de

crochê, dentre outras tarefas. O que diferenciou, além do tempo gasto, foram os

detalhes em crochê usados e a aplicação do forro, gastando quarenta e cinco dias (um

mês e meio) na confecção dos três protótipos. O resto foi um processo muito similar e

já do domínio da artesã.

Em visita posterior do pesquisador à comunidade, verificou-se que o resultado do

aceite do hotel e a confirmação de novas encomendas pelo mesmo abriram novas

possibilidades de inclusão de outros dos seus membros para a confecção das novas

peças. Essas pessoas ajudaram principalmente na confecção dos detalhes de crochê e

de outras tarefas de costura, reservando, porém, a tarefa da criatividade à

responsabilidade da artesã. A participação efetiva de outros membros da comunidade

no processo produtivo não alterou as características específicas do trabalho artesanal,

que o identificam como representativo da cultura local.

50 Depoimentos de Mara e Marina (irmãs de Tânia) em 11/05/2013 51 Depoimento de Eliete (irmã de Tânia) em 11/05/2013 52 Depoimento dado por membros da família Calheiros em 11/09/2011

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Os ganhos obtidos com a entrega das primeiras encomendas foram aplicados na

aquisição de bens para uso cotidiano, como a compra de uma máquina de lavar

roupas; no pagamento de dívidas e na aplicação do restante em uma conta poupança

em nome da própria artesã. Esses fatos comprovaram o sucesso do projeto e a

perspectiva de ampliação dos seus resultados em benefício do desenvolvimento

local.53

5.4.2. Apresentação e resultados dos protótipos no hotel

No dia combinado, a artesã compareceu ao hotel para a apresentação dos

protótipos encomendados pela gerência, como visto na Figura 70. A gerência do hotel

os examinou minunciosamente perguntando sobre o tempo destinado à confecção, os

tons de branco, o crochê, os reforços. Concluiu que os modelos apresentados estavam

compatíveis com os requisitos de durabilidade, beleza e rusticidade, dentre os outros

exigidos anteriormente, como citados na Fase III. Diante dessa avaliação e da

disposição da artesã em confeccionar outras peças, a gerência se declarou decidida a

fazer novas encomendas, segundo o depoimento que se segue:

Está bom viu, está muito bom [...] esse ai eu compro. [...] Sim, está aprovado, para mim o que era importante era ver a qualidade. [...] O mais interessante foi o trabalho. O trabalho dela é muito bonito.54

FIGURA 70 Momento da entrega dos protótipos no hotel

Fonte: Fotografias do Autor, 2011

53 Depoimento de Tânia Calheiros em 11/05/2013 em Giral Grande 54 Depoimento dado pela gerência do hotel em 11/09/2011

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Em seguida abriu-se o diálogo para estabelecer a negociação sobre o custo de

venda para aquela e futuras encomendas. Feito o acordo e estabelecida a encomenda

de mais peças do tipo “quadrados brancos”, que foi o preferido pela gerência e o

modelo escolhido para futuras encomendas, a visita foi encerrada.

5.4.3. Avaliação geral dos resultados alcançados

Os resultados concretos referem-se à geração da identidade visual aplicada nos

produtos artesanais da comunidade e à produção dos protótipos, na forma de colchas

e fronhas, como solicitado pelo estabelecimento hoteleiro, nos quais foi observada a

preservação das características identitárias originais. Assim foram respondidas as

questões estabelecidas no problema e na hipótese da Pesquisa-ação Adaptada.

A participação nesta pesquisa representou para a comunidade uma experiência

nova, que não foi vista como uma ameaça ao seu patrimônio cultural. Ao contrário, foi

plenamente aceita e identificada pela própria comunidade como mais um produto de

sua cultura imaterial e material, representada pela criação conceitual e pela produção

das peças por parte da artesã e demais membros da comunidade envolvidos.

As experiências de intermediação e de adequação revelaram um processo de

interação entre as práticas de produção do artesanato de retalhos de Giral Grande

com as exigências estabelecidas pelo mercado urbano, na forma dos requisitos

coletados no hotel. Este processo revestiu-se de complexidade visto que a artesã, ao

articular seus conhecimentos tradicionais com os requisitos estabelecidos pelo hotel,

vivenciou novas experiências, preservando, todavia, os conteúdos identitários

culturais a que está relacionada, como pode ser visto a seguir:

• Transposição de conteúdos originários do somatório de suas experiências e

saberes tradicionais contidos no seu repertório cultural, para a concepção

tanto das alternativas dos protótipos quanto na aplicação de elementos

formais e estruturais. Esses elementos estão representados pelo crochê,

flores bordadas e demais detalhes estéticos usados por ela na produção

das peças do seu artesanato;

• Aplicação, nos protótipos, de soluções técnicas já utilizadas nos seus

produtos artesanais, buscando proporcionar maior durabilidade aos

produtos solicitados, tais como o reforço na estrutura dos bordados, das

faixas laterais e o uso de forro, no qual os bordados foram fixados;

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• Aplicação do significado simbólico atribuído pela comunidade de Giral

Grande às cores, na confecção dos protótipos. A cor branca, solicitada pelo

hotel, não é estranha ao universo de cores preferidas pela comunidade, o

que compatibiliza os requisitos estabelecidos ao universo cultural da

mesma. A artesã, por sua vez, também mostrou uma alternativa em azul

(o modelo “azul”), buscando assim oferecer outros modelos para possíveis

solicitações externas, feitas por eventuais interessados na aquisição de

produtos coloridos.

Observa-se que as soluções aplicadas na adequação dos produtos artesanais,

com exceção da Identidade Visual, foram propostas pela própria artesã, a partir de

sua experiência e saberes, buscando responder as necessidades contidas nos

requisitos apresentados pelo hotel: cor, durabilidade e beleza.

Saberes e valores locais também foram impressos na Identidade Visual, a qual,

sem indicar a localização de Giral Grande, contém elementos representativos do

contexto e da cultura locais, a exemplo da representação do território, da casa

principal e da união entre seus membros.

Por outro lado, a divulgação do trabalho, dentro e fora da comunidade, atraiu

novos fregueses interessados nos novos modelos. Segundo a artesã, o uso do crochê

nas peças ajudou a atrair a atenção para a beleza das mesmas, surpreendendo as

pessoas pelo bom resultado do trabalho55 e levando-as a fazer mais encomendas de

peças, além daquelas pedidas pelo hotel.

No que diz respeito à participação do design no processo de adequação do

produto artesanal ao mercado urbano, além do uso dos requisitos fornecidos por este,

leva-se em consideração:

• O design, como componente do plano de ação destinado a alcançar formas

de adequação dos produtos artesanais às necessidades e desejos daquele

mercado. Buscava-se, assim, abrir perspectivas de desenvolvimento local

para a comunidade, a partir da aceitação desses produtos pelo referido

mercado, e a abertura de novas oportunidades à expansão do artesanato

tradicional;

• O uso de ferramentas do método etnográfico bem como da observação-

participante permitiu que a coleta de dados fosse aprofundada, reunindo

tanto informações técnicas quanto subjetivas, importantes para identificar

55 Depoimento da artesã Tânia Calheiros em 04/12/2011

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sentidos e significados atribuídos pela cultura local aos seus saberes e

práticas;

• A elaboração da Identidade Visual, nasceu de uma necessidade que se

apresentou durante a pesquisa, relativa à configuração do contexto, uma

vez que a introdução dos produtos artesanais no mercado urbano exigiria

sua identificação como produto artesanal de uma comunidade tradicional.

A criação da Identidade Visual, além de utilizar os dados disponíveis na

pesquisa etnográfica, exigiu uma participação mais direta do pesquisador

neste processo, visto que as exigências técnicas para a sua construção

estavam além do conhecimento e das experiências disponíveis na

comunidade.

Uma avaliação geral da participação do design no plano de ação demonstra ainda

sua importância na tomada de decisões da artesã quanto aos caminhos e soluções

aplicados para a geração de novos produtos. Essa participação foi atenuada na fase do

processo criativo e produtivo das soluções e protótipos, durante os quais os conteúdos

identitários da cultura local foram aplicados livremente pela artesã. A atuação do

pesquisador designer foi maior no desenvolvimento da Identidade Visual, o qual

buscou, na sua criação, traduzir os valores da comunidade a partir do conteúdo dos

dados etnográficos coligidos junto a ela. Finalmente, a presença da comunidade foi

marcante na livre escolha das alternativas dos modelos de Identidade Visual que lhes

foram apresentados.

5.4.4. Feedback

Como visto no Cap. 3, o feedback representa uma avaliação final dos resultados,

e a busca de informações oriundas do campo de pesquisa, com o propósito de

aplicação de correções e melhorias na geração dos produtos. Essas informações,

embora ainda não implementadas, poderão se constituir como um roteiro para futuras

ações a serem adotadas nos processos de produção e distribuição dos produtos

artesanais locais. O feedback aqui apresentado está sistematizado em três níveis: o

da comunidade, o do hotel e o do pesquisador.

• Da comunidade: a comunidade descobriu que seu repertório cultural ainda

continha elementos não explorados, a ela revelados durante a experiência

da Pesquisa-ação Adaptada e cuja aplicação pode contribuir para melhorar

ainda mais a qualidade dos produtos artesanais. Essa melhoria diz respeito

ao estímulo à criatividade na retomada dos produtos atuais, para gerar

novas alternativas de cor, de detalhes em crochê e de novos modelos de

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colchas, além de contribuir para a criação de novos produtos. A disposição à

criatividade ficou registrada no seguinte depoimento: “eu vou fazer mais

bonito, eu vou me apurar para fazer mais bonito.”56

• Do hotel: verificou-se que os protótipos ainda precisariam passar por

processos de correção nas suas dimensões e nas soluções estruturais, para

se ajustarem às necessidades de aplicação correta nos mobiliários das

unidades habitacionais. Para isso planejaram-se novas visitas da artesã ao

hotel com o objetivo de reunir mais informações quanto à dimensões e

soluções estruturais, com o que a gerencia espera superar essas dificuldades

e submeter as peças à apreciação dos hóspedes. A gerencia do hotel sugeriu

o retorno da artesã “para que ela veja o que vai ser corrigido [...] a idéia é

desenvolver com ela uma parceria e ir melhorando, trocando, evoluindo

junto com ela e pra mim isso é normal.”57 As providências para a

concretização dessas mudanças foram tomadas segundo a solicitação

referida.

• Do pesquisador: este percebeu a ocorrência de ruídos na comunicação

entre a comunidade e o hotel, face à distância física entre esses dois

universos e, mais ainda, da imprecisão dos contatos telefônicos e do

incipiente uso dos novos meios da comunicação digital. Esses fatos têm

levado à dependência da presença do pesquisador na intermediação entre os

universos, com possível risco na interrupção do projeto.

Percebeu, também, a diferença entre os ritmos de tempo vivenciados nos

dois universos. Na comunidade, as necessidades cotidianas e de subsistência

se sobrepõem aos compromissos assumidos com o hotel, gerando

descompasso entre os ritmos de produção e os ritmos exigidos pelo mercado

urbano.

Quanto a esses aspectos, observou-se a necessidade de ser respeitado o

ritmo de tempo vivido pela comunidade, por este se constituir como um dos

dados estruturantes da sua maneira de ser. Uma das possíveis soluções

seria a organização de um cronograma de compromissos, de modo a

preservar a continuidade do projeto.

Observou-se, ainda, a necessidade de a comunidade assumir o projeto como

seu, de forma estrutural, demandando a organização, pela mesma, de

tarefas e processos. Desta forma espera-se a superação da participação

pontual do pesquisador, verificada até aqui.

56 Depoimento de Tânia em em 11/05/2013 57 Depoimento dado pela gerência do hotel em 14/05/2013

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5.4.5. Resultados Esperados

Os protótipos foram aceitos pelo hotel como parte de uma encomenda maior,

fato festejado por todos os membros de Giral Grande. Esse resultado mostra que a

pesquisa teve êxito no que se refere à possibilidade de abrir oportunidades para se

alcançar um possível desenvolvimento socioeconômico para a comunidade. Assim, os

resultados esperados podem ser organizados dentro de quatro perspectivas:

• Ampliação de uma atividade antes restrita às necessidades internas da

comunidade e ao pequeno mercado local, para uma produção capaz de

alcançar outros mercados, tanto na própria região quanto nas áreas

urbanas;

• Fortalecimento do papel do artesanato e da sua plástica como elementos

de atração do interesse de novos clientes, a partir da releitura dos

componentes culturais e identitários, sempre presentes no universo de sua

cultura;

• Perspectivas de geração de novas oportunidades de trabalho para outros

membros da comunidade, ampliando-se as possibilidades de

desenvolvimento sócio-econômico local;

• Valorização do artesanato de retalhos de tecidos como fator de

fortalecimento da consciência identitária, a partir da concentração das

atenções da comunidade no processo de concepção do produto. O

conhecimento tradicional constitui-se como um patrimônio cultural que

pode ser considerado um dos bens mais expressivos de que as

comunidades dispõem como elemento capaz de conduzi-las ao

desenvolvimento local.

Tomando por base essas perspectivas podem ser tecidas algumas considerações.

Em primeiro lugar, espera-se que, dada a continuidade à relação de oferta/demanda

iniciada entre a comunidade quilombola e o representante do mercado urbano, seja

possível a ampliação da clientela, composta por outros estabelecimentos hoteleiros,

por possíveis centros comerciais dedicados a esse tipo de produto ou mesmo por

clientes individuais interessados na aquisição de peças variadas.

Uma das possibilidades para ampliação desta clientela está relacionada ao

conceito de “inovação eco-eficiente de sistemas” construído por Vezolli (2010, p. 89)

que preconiza entre outras ações, a aplicação de princípios de design para a oferta de

serviços que, sob a orientação do designer, ampliem o grau de satisfação do cliente e

permitam também a interação entre os atores envolvidos na produção.

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No caso específico da comunidade quilombola estudada, o conceito de inovação

eco-eficiente de sistemas pode ser aplicado: na inclusão de soluções de design que

permitam a aplicação de elementos do repertório cultural local na oferta de serviços

para customização, reforma ou reuso de produtos têxteis em geral; na busca por

novos materiais recicláveis para a obtenção de novas matérias primas; na inclusão

sistemática da participação de outros membros da comunidade nas diferentes fases

do processo de produção. O conjunto destes fatores pode, enfim, gerar satisfação,

também, nos aspectos particulares da vida cotidiana da comunidade, tais como

oportunidade de trabalho e renda, transformando-se em fator atrativo para a

permanência de sua população no território.

Em segundo lugar a ampliação da produção artesanal e a crescente inclusão de

outros membros da comunidade no processo produtivo podem criar condições

favoráveis para o estabelecimento de melhores condições de acesso à educação e à

saúde, não somente para os membros da comunidade como também para os

moradores de comunidades vizinhas.

Finalmente, em terceiro lugar, os recursos decorrentes da expansão da produção

artesanal podem ser investidos na formação de estoques de matéria prima, na

aquisição de novas ferramentas de trabalho e na aquisição de bens e equipamentos

que proporcionem benefícios à vida cotidiana, bem como ao lazer da comunidade.

Quanto a esse ponto a artesã já se propôs a construir um pequeno espaço, anexo à

sua casa, para a instalação de uma oficina, o que ela chamou de “atelier”, para o

trabalho dedicado às tarefas do artesanato de retalhos.58

5.4.6. Possíveis efeitos colaterais

Efeitos colaterais podem ocorrer na implantação de projetos que promovam

alterações nas formas de produção e nos relacionamentos sociais, tanto comunitários

quanto familiares, de comunidades tradicionais. A compatibilização entre as

perspectivas de renda e os ideais identitários da comunidade pode se tornar difícil,

sobretudo se a ampliação do consumo cotidiano de produtos industrializados levarem

à geração de resíduos poluentes; ao distanciamento de práticas comunitárias

tradicionais, ou ainda ao abandono do território por membros que busquem outros

laços sociais no ambiente urbano.

58 Estrato do Diário de Campo Nº 12

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Deve ser considerado, também, que a formação de uma rotina de ações para o

atendimento das demandas do mercado urbano poderá ser acrescentada às práticas

tradicionais, promovendo alterações que levam à quebra da rotina das tarefas do

trabalho cotidiano, cuja flutuação dependerá da maior ou menor penetração dos

referidos produtos artesanais nesse mercado.

Além disso, o impacto da ampliação da produção decorrente da demanda do

mercado urbano pode gerar insegurança nos artesãos, temorosos de não darem conta

às encomendas, podendo levar ao abandono do projeto pela comunidade.

Finalmente, membros da comunidade temem, ainda, que o desenvolvimento local

e a divulgação da atividade artesanal atraiam pessoas estranhas ou mal

intencionadas, o que poria em risco a segurança do local e o próprio equilíbrio interno

do grupo, resultando no rompimento de laços e de práticas tradicionais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS 6

O trabalho, ora em conclusão, propôs e testou a tese segundo a qual a aplicação

de um método de pesquisa e intervenção em uma comunidade tradicional rural

permite a organização de formas de acesso de componentes do seu repertório cultural

ao mercado urbano, preservando as características identitárias de origem.

Dessa forma foi possível, com base nos conhecimentos contidos no repertório

cultural da comunidade tradicional, orientar a sua produção artesanal ao mercado

urbano, neste caso um hotel do Centro histórico de Salvador, primeiramente

facilitando o diálogo e a intermediação entre estes dois universos, conduzido pelo

designer/pesquisador e, em segundo lugar, objetivando a adequação dos produtos

referidos aos requisitos estabelecidos por aquele mercado. Os resultados obtidos da

aproximação de contextos diferentes, tais como a comunidade rural e o mercado

urbano colocaram em relevo alguns conhecimentos e práticas específicas de uma

comunidade tradicional rural.

O método testado, aqui denominado de Pesquisa-ação Adaptada apresentou

algumas peculiaridades: primeiramente, a reunião de procedimentos de outros

métodos de pesquisa, tais como os da pesquisa etnográfica, da observação

participante, do estudo de caso e da pesquisa em design; em segundo lugar a

importância da presença do Informante Chave que representava a comunidade. No

caso deste trabalho, esse papel foi representado pela artesã Tânia Calheiros que,

reunindo conhecimentos materiais e imateriais, patrimônio da comunidade, tornou-se

personagem relevante tanto por representá-la, quanto por ser a principal responsável

pela execução da produção artesanal, constituindo-se, portanto, no estudo de caso.

O método aplicado, por seu caráter interdisciplinar e por sua flexibilidade,

permite a emergência de informações não previstas nos roteiros de entrevista semi-

estruturada e nos roteiros de conduta da observação participante, informações essas

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que ampliam e aprofundam o conhecimento e a compreensão do pesquisador quanto

ao objeto da pesquisa.

O desenvolvimento do trabalho exigiu que o pesquisador assumisse um papel

diretivo nos encaminhamentos e decisões na execução do projeto, visto que a

comunidade carecia de informações e experiência necessárias ao relacionamento com

a complexidade de funcionamento do mercado urbano.

O método da Pesquisa-ação Adaptada destacou, na etapa do Plano de Ação, o

papel do pesquisador/designer. Na aplicação da metodologia, o mesmo se constituiu

em instrumento de interlocução entre os dois universos. Traduziu para a comunidade

rural a linguagem usada pelo estabelecimento urbano para definir seus requisitos

referentes a conteúdos e exigências técnicas distantes ou não percebidas pela artesã

no cotidiano da sua produção. E traduziu para o estabelecimento urbano as técnicas

tradicionais, referentes à criação e produção, e os significados atribuídos pela

comunidade aos produtos referidos.

Por outro lado, a proposta da Pesquisa-ação Adaptada mostrou-se limitada nos

seguintes pontos: primeiramente, não foi previsto o planejamento financeiro,

envolvendo gastos com viagens, aquisição de materiais, transporte e projeção do

valor de venda dos produtos, dificultando, assim, a avaliação do lucro a ser obtido;

em segundo lugar, não foi previsto o impacto da distância física entre os dois

universos de pesquisa na logística do processo de produção, gerando problemas com

a embalagem e com o transporte de materiais e dos produtos finalizados; em terceiro

lugar, ficou evidente a necessidade da inclusão de uma estratégia de marketing para

identificar as áreas mais promissoras de penetração do produto no mercado urbano. A

superação dessas limitações em trabalhos futuros poderá, então, contribuir para a

melhoria desse método proposto.

Para o desdobramento futuro do projeto, sugere-se que a comunidade busque as

condições necessárias para administrar a nova experiência de produção e

comercialização desses novos produtos artesanais, assumindo, por ela mesma, a

direção das ações e dispensando gradativamente a atuação do pesquisador. Esta

observação é importante para orientar pesquisas futuras a serem replicadas em

outras comunidades semelhantes.

Assim, a aplicação do método da Pesquisa-ação Adaptada em trabalhos futuros,

superadas as limitações acima indicadas, pode se constituir em uma oportunidade

para outras comunidades rurais que estejam à margem de projetos públicos e/ou

privados, ou mesmo daquelas que, voluntariamente, se interessem por esse caminho.

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Portanto, a replicação deste método em outras comunidades tradicionais pode ser

uma proposta promissora, abordando outras categorias de produção artesanal e

buscando destacar outros traços culturais referentes a essas comunidades.

6.1. CONTRIBUIÇÃO CIENTÍFICA

A contribuição desta tese para a ampliação do conhecimento científico, no que

se refere à possibilidade de propiciar elementos para a realização de outras pesquisas

no campo do design, diz respeito ao método utilizado para o desenvolvimento do

trabalho de campo, em particular à forma como foram articuladas as ferramentas

para a sua construção. O trabalho se orientou pelos passos descritos no Cap. 4, onde

são explicitadas as fases da Pesquisa-ação Adaptada, nas quais se articulam

ferramentas da pesquisa etnográfica, da observação participante, do estudo de caso e

de metodologias em design, que permitem ações em uma comunidade tradicional,

com vistas à viabilização da concepção, da criação, do desenvolvimento e produção de

produtos artesanais mediante o estabelecimento de relações com o mercado urbano.

Embora outros trabalhos em design já tenham utilizado a pesquisa-ação, a

pesquisa etnográfica e a observação participante como ferramentas para a realização

de coleta de dados e orientação de pesquisas em design aplicadas de forma isolada,

como vistos nos Caps. 2 e 3, esta tese tem sua originalidade marcada pelo método do

trabalho desenvolvido que, articulando concomitantemente ferramentas dos métodos

referidos com a pesquisa-ação, construiu a Pesquisa-ação Adaptada, e nisto acredita-

se que reside sua contribuição.

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APÊNDICE 1

ESTRATOS DO DIÁRIOS DE CAMPO

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UFBA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA POLITÉCNICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA INDUSTRIAL

TÍTULO: UMA ESTRATÉGIA DE DESIGN SUSTENTÁVEL PESQUISADOR: Marcelo Geraldo Teixeira

ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO Local: Giral Grande - Maragojipe 1 Data: 20/02/2009

Este é a primeira visita à Comunidade Quilombola de Giral Grande. Além de mim,

participam da visita a Profa. Dra. em História Marli Teixeira, que é minha mãe, e sua

aluna de Especialização em outra instituição, a Laura Catarina. Foi através de Laura,

que já realizava pesquisas nesta comunidade, que foi feito o contato de aproximação.

Antes de chegar a Giral Grande, passei pela cidade de Maragojipe, pois gostaria

de visitar a cidade a qual a comunidade quilombola de Giral Grande estava

relacionada. Após a breve visita a Maragojipe, pegamos a estrada para Giral Grande,

na qual observei a paisagem realmente exuberante, o rio Paraguaçu e a mata

atlântica. Essa era a paisagem das cercanias das comunidades quilombolas da região.

Ao chegar a Giral Grande observei, de cara, a casa principal, ladeada por outras

casas menores. Não eram muitas casas e não estavam muito distantes uma das

outras. Na frente da casa principal havia um pequeno terreiro, um pátio, onde vi

roupas secando e galinhas ciscando, uma cena rural. Minha sensação foi de que Giral

Grande era uma vila na qual moravam todos de uma família só. O lugarejo é pobre,

mas não há miséria, mas noto a falta de alguns recursos sociais importantes, pois

parece que armazenam água em tanques, ou seja, a água não é de lá. Laura Catarina

me falou que a maioria das pessoas da família Calheiros morava lá, mas haviam

alguns morando em Maragojipe e em Salvador.

Fomos bem recebidos, gerando grande curiosidade por parte da comunidade,

fato observado pela quantidade de pessoas que vieram nos ver, muito embora a

conversa tenha girado em torno das irmãs Tânia, Lenira e Maria (Mara). A conversa

foi espontânea, mas percebi que havia grande dúvida e curiosidade em torno da

proposta que eu estava trazendo.

Mesmo assim, elas conversaram sobre coisas do cotidiano, gostos da

comunidade, comportamento, religião, dentre outros assuntos. Foi-nos apresentado o

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artesanato de retalhos e também o de pequenas peças de adobe. Também me foi

apresentado o presépio de pedras, que ainda estava montado no chão da casa.

Tânia, a artesã dos produtos em retalhos, falou que o trabalho dela tinha o

objetivo comercial enquanto o de adobe era mais uma forma de distração e lazer

local. Mara se apresentou como a porta-voz da comunidade, talvez por ser professora,

mas, lógico, o que me chamou atenção foi exatamente o trabalho do artesanato de

retalhos de Tânia. A primeira vista, era o que eu estava buscando.

A conversa não foi muito longa, mas importante para agendar as novas visitas.

Foram gravados cerca de 25 minutos de entrevistas e tiradas cerca de 25 fotos

digitais. No final da visita fiquei bastante esperançoso, apesar de considerar a

localidade longe e cansativa, 3 horas de estradas em veículo próprio, para visitas de 1

dia, como programado.

Alguns depoimentos foram importantes, pois registraram as opiniões sobre

preconceito e o gosto por roupas coloridas. Segundo Tânia e Mara, em passado

recente, as roupas que usavam eram sombrias, como cinza e preto, mas que depois

da tomada de consciência de ser quilombola, não há o medo de usar cores vibrantes,

como vermelho, amarelo, azul, rosa e outras.

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA INDUSTRIAL

TÍTULO: UMA ESTRATÉGIA DE DESIGN SUSTENTÁVEL PESQUISADOR: Marcelo Geraldo Teixeira

ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO Local: Giral Grande - Maragojipe 2 Data: 13/03/2010

Essa é a primeira grande entrevista que faço na comunidade de Giral Grande. Já

estou fazendo uso de parte do roteiro planejado e construído seguindo a estratégia.

Nessa visita estou planejando fazer primeiramente um tour pela comunidade, depois

fazer uma entrevista com a artesã Tânia sobre o artesanato. Tive o auxílio de Laura

Catarina, que me guiou pelo caminho até a comunidade, pois eu ainda não sei o

caminho de cor.

Chegando lá, fui recebido com entusiasmo pelos moradores. Primeiramente

identifiquei algumasdas pessoas com as quais o convívio seria mais interessante, além

da artesã Tânia. Sua irmã Maria, conhecida como Mara, formada em pedagogia,

elegeu-se, de forma natural, como uma das representantes da comunidade na

pesquisa. Outra que se destacou foi uma outra irmã, a Lenira, que é bastante

politizada, representante da comunidade na Cooperativa de pescadores e

marisqueiros, a qual a comunidade faz parte.

A visita começou com uma conversa sobre os tipos de artesanato do local, e me

mostraram primeiramente um artesanato de bonecos de adobe, feito por uma outra

irmã e também cortinas feitas de garrafa PET, mas sem o propósito comercial.

Foi me explicado sobre as casas de adobe. Como faziam e o porquê se fazia. O

motivo maior é a falta de recursos financeiros para construir casas de alvenaria.

Apesar disso se orgulham de falar do histórico de dificuldades da comunidade e que

aos poucos essas dificuldades foram sendo contornadas. Explicaram-me que as casas

de adobe formam a maioria das casas da comunidade a ponto de ter um sentido

tradicional, alcançando um relacionamento sentimental, principalmente em relação à

casa principal, pois foi construída pelos pais de Tânia. Apesar disso, há uma

preocupação com o uso dessas casas, pois são encontrados nas suas frestas animais

perigosos como escorpiões. Os blocos de adobe são fabricados no próprio local,

usando barro coletado no próprio quintal das casas, moldes de madeira e secado no

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terreiro. Foi me explicado que em breve, todas as casas de adobe serão substituídas

por casas de alvenaria, através da intervenção de uma ONG em parceria com o

governo estadual.

Depois Tânia me mostrou algumas peças do artesanato de retalhos, os tipos de

produtos, a “loja” dentro de um dos quartos da sua casa de adobe. Tânia relatou, de

forma superficial, como são feitos os produtos artesanais. Enquanto ela relatava como

era o artesanato eu aproveitava e tirava fotos dos mesmos. Fiquei surpreso pela

qualidade dos produtos, que tinham muitos detalhes plásticos e funcionais. Os

produtos iam de roupas infantis à acessórios como bolsas, mochilas escolares, colchas

de pelego e prendedores de cabelos. Tânia, sempre com muito entusiasmo, falou

também como fazia o artesanato: a mão e com máquina de costura elétrica, sendo

esta ultima considerada uma novidade devido a instalação recente de energia elétrica

na comunidade.

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA INDUSTRIAL

TÍTULO: UMA ESTRATÉGIA DE DESIGN SUSTENTÁVEL PESQUISADOR: Marcelo Geraldo Teixeira

ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO Local: Giral Grande - Maragojipe 3 Data: 05/09/2010

Essa entrevista aborda o processo de criação e confecção de uma colcha de

cama, feita com retalhos. O objetivo hoje tanto é registrar como uma colcha é

concebida e confeccionada, quanto coletar informações da biografia da artesã e o

histórico do artesanato de retalhos. A artesã Tânia me recebeu, nesta manhã de

domingo, com toda uma apresentação do processo já pronta, com os retalhos

cortados e prontos para explicar o processo criativo e produtivo.

Primeiramente fiz uma entrevista semi-estruturada, seguindo o roteiro que

estava em minhas mãos. E ela foi explicando e se lembrando da sua história de vida,

de maneira bastante espontânea e relaxada. Nessa ocasião a artesã falou, com

detalhes, de que o interesse com costura veio das brincadeiras com bonecas, quando

ela era criança, mas depois teve ajuda de uma vizinha da comunidade, que lhe

ensinou conhecimentos básicos de costura. Tânia falou que havia outras pessoas que

também costuravam. Algumas irmãs ajudam no artesanato quando solicitadas e

também há outras artesãs que trabalham com retalhos de tecido nas comunidades

quilombolas vizinhas. Tânia abordou também os tipos de produtos artesanais que

trabalha e sobre os clientes que mais compravam: reformas de roupas, roupas

encomendadas, colchas e edredons, tapetes, bolsas, prendedores de cabelo.

Notei que Tânia trabalha as encomendas de quase tudo a respeito de vestuário,

acessórios, tapetes, dentre outros produtos confeccionados à mão, a partir de retalhos

de tecidos. Falou do processo criativo, sobre a seleção de cores, do gosto por cores

vivas, do uso do desenho para planejar o que seria confeccionado. Segundo ela, tudo

que ela faz no artesanato é antes desenhado. Em seguida Tânia me mostrou passo a

passo como ela criava um lençol de retalhos. O termo retalho é também conhecido no

local como “taco”, que significa pedaço pequeno. Tânia já havia cortado os tacos e

mostrou como eram montados, seguindo uma geometria retangular ou triangular.

Tudo foi registrado com fotografias e gravação de voz.

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Ao ser perguntada sobre o desafio de levar um produto para um hotel em

Salvador ela falou que era um desafio grande, nunca enfrentado, mas que não havia

medo e que aceitava o desafio. Gostei da resposta mas senti um pouco de receio da

parte dela, talvez por causa de ser uma proposta nunca antes oferecida.

Além da conversa sobre o artesanato, conversei também sobre a família

Calheiros, sobre os membros, sobre a ancestralidade, principalmente sobre os seus

pais; falaram-me também sobre o valor dado às casas de adobe, como fazê-las e o

prazer de morar nelas, em algo construído pelas próprias mãos. Junto com suas irmãs

Mara e Lenira, Tânia me falou sobre a construção das novas casas de alvenaria, e

que, apesar do sentimento de perda das casas de adobe, as novas casas trariam um

benefício maior. Visitei também o apiário (somente à distância) e a confecção de

farinha de mandioca, na qual vários membros da comunidade revezavam o trabalho,

principalmente os homens.

Após Tânia me mostrar o artesanato e fazer um tour na comunidade reuni, no

terreiro em frente à casa principal, várias pessoas, todas membros de Giral Grande,

para uma conversa sobre a vida cotidiana, as dificuldades, os desejos e necessidades,

sobre as tradições, as festas e principalmente sobre as origens da comunidade, sobre

o nome “Giral Grande”. Todas participaram, mas quem falou mais foram Mara, Tânia e

Lenira. Esse foi um momento muito importante deste dia, pois foi abordado também o

tema polêmico do preconceito, um problema que ainda os afeta e incomoda.

Foi emocionante saber sobre a origem da comunidade, formada a partir de ex-

escravos e de populações indígenas que também habitavam a região. Tudo como

explicado na literatura especializada que havia lido recentemente.

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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO Local: Giral Grande - Maragojipe 4 Data: 26/02/2011

Essa é uma visita que tem como objetivo coletar informações sobre a opinião dos

demais membros da comunidade de Giral Grande a respeito dos produtos artesanais

confeccionadas na comunisdade. Neste momento me foi revelado que a atividade

artesanal referida é feita no cotidiano por Tânia, mas que para grandes tarefas ou

encomendas, outras pessoas, irmãs e primas, também são acionadas para ajudar.

Entrevistei várias pessoas, mulheres e homens, pessoas jovens e mais velhas,

tentando ampliar o universo qualitativo dos entrevistados. Nesta tarefa, Tânia me

conduziu por Giral Grande, em locais ainda não visitados, principalmente nas casas

vizinhas, das irmãs e primas.

De maneia geral, todos compartilham os serviços de Tânia, seja como ajudantes

eventuais, seja como consumidores / usuários, reformando roupas, encomendando

roupas novas, bolsas, tapetes, etc... E todos gostam. Percebi que havia um gosto, ou

um tipo de entendimento estético compartilhado por todos, mas sem uma origem

definida, pois todos falavam e opinavam de modo semelhante.

Visitei várias residências. As pessoas entrevistadas falaram de como

encomendavam, sobre como escolhiam os modelos, os tamanhos, as cores e demais

características dos produtos encomendados. Tânia faz o artesanato seguindo e sendo

influenciada pelo gosto da comunidade ao mesmo tempo em que também o influencia.

Segundo uma das entrevistadas havia uma “interação” entre ela e Tânia, a respeito

de como compartilhavam as mesmas idéias e conceitos a respeito da beleza dos

produtos.

Conclui que havia uma convergência de opiniões dos entrevistados sobre o

resultado dos produtos. Observei também que essa opinião corroborava com o que

Tânia falava sobre o tal “gosto” e que este era algo compartilhado por todos. Conclui

que tal gosto faz parte do patrimônio imaterial do local, e que este se manifesta,

dentre outros modos, no artesanato de retalhos.

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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO Local: Hotel Villa Bahia - Salvador 5 Data: 02/05/2011

Esse foi o primeiro contato com o Hotel Villa Bahia. Esse encontro foi facilitado

através de contatos de conhecidos que já tinham trabalhado no hotel. O hotel fica

localizado no Terreiro de Jesus, no Centro Histórico, portanto é fácil de ser

encontrado. Este encontro teve como principal objetivo explicar minha pesquisa e

agendar visitas, incluindo uma com a artesã. Além disso, havia o propósito de exibir

uma amostra do artesanato, que eu adquiri junto a Tânia, para uma avaliação

preliminar.

O gerente do Hotel, Sr. Bruno, de naturalidade francesa, me recebeu com muita

educação e presteza. Falou sobre o Hotel e o conceito de sustentabilidade e

responsabilidade social assumido pela rede de hotéis a qual o Hotel Villa Bahia

pertence. O Sr. Bruno falou que já consumia produtos artesanais de comunidades

tradicionais, principalmente roupas de cama, mas que não estava satisfeito com a

durabilidade do que comprava.

Mostrei fotografias dos produtos artesanais e também um lançol de retalhos para

a apreciação do Sr. Bruno. Ele aprovou a beleza dos produtos mas falou que, para uso

no hotel, esses produtos tinham que se adequar aos requisitos da cor branca e de

durabilidade, principalmente. O Sr. Bruno então falou de diversas formas de

apresentar os produtos no Hotel e fora dele.

No final da entrevista, agendei mais três visitas:

• Uma visita técnica, junto com uma estudante de Design de Moda, para

avaliar tecnicamente os produtos de roupa de cama já em uso pelo hotel;

• Uma visita técnica com a artesã, preenchendo o programado pela

estratégia de gestão e intermediação, propostas pela pesquisa. Neste

momento poderão ser encomendados os produtos à artesã;

• Uma volta da artesã, com os produtos finalizados e prontos para serem

vendidos para o hotel se, e somente se, forem aprovadas pela gerência.

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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO Local: Hotel Villa Bahia - Salvador 6 Data: 14/06/2011

Entrevista com Sr. Bruno, gerente do Hotel Villa Bahia, com a ajuda da Srta.

Gleice Quele, minha aluna de Design de Moda, que fará uma avaliação técnica nos

produtos artesanais usados como enxoval de cama dos quartos do hotel.

Foi-nos apresentados vários enxovais de cama, todos artesanais provenientes de

comunidades rurais de Minas Gerais e Mato Grosso, dentre outros. Gleice Quele

analisou os produtos e juntamente com as observações do Sr. Bruno me permitiu

levantar as seguintes informações:

• Preferência pela cor branca por motivo de limpeza, de facilidade de

manutenção, para ser usado em qualquer quarto, sem a preocupação com a

adaptação para a decoração, decoração universal.

• Cortinas, combinação de edredom com a cortina, o edredom dupla face pode

ser usado em dois ambientes diferentes. Cores neutras para combinar com

qualquer situação. O edredom é feito com duas faces com enchimento.

• A colcha de algodão cru vai bem em qualquer quarto. O crochê, nestes

produtos, não é interessante, pois aumenta a possibilidade de desfio, apesar

da beleza. O crochê é trabalhoso de fazer e difícil de manter. No lugar do

crochê um tecido com cores diferentes, de outra cor que não a do algodão

cru. A fronha é também de algodão cru.

• O algodão cru é um material barato, e que pode ser usado em produtos

caros, o valor depende da espessura do tecido. Por gramatura. É bastante

resistente, e pode ser tingido. É sucesso garantido. O material natural

acrescenta interesse do cliente.

• O Hotel Villa Bahia faz parte de uma rede ligada ao movimento Artisans du

Monde que dá apoio à cultura local, ao desenvolvimento sustentável, à

divulgação do artesanato local e ao comércio justo. Envolve rede de hotéis,

hospedarias e navios de hospedagens, dentre outros.

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• O turista alvo são pessoas que gostam de história, e não de praia.

Intelectualizados que buscam aspectos culturais, gastronomias, visitam

igrejas, museus, locais históricos. Geralmente são estrangeiros, mas o

turista nacional está aumentando.

• O hotel prefere consumir produtos artesanais, de comunidades locais, dá

valor para peças, produtos e decoração baseada em artesanato, material

reciclado e reaproveitado. Há a “dificuldade” pela característica da produção

do artesanato ser mais trabalhoso e com prazo de entrega longo. Mas isso é

compensado pela aceitação e admiração dos turistas, que elogiam e querem

saber qual a origem dos produtos, querem divulgar o trabalho. Tudo feito “a

mão” é valorizado. A transformação de material de baixo valor e/ou

produtos usados e considerados como resíduo em produtos artesanais é

considerada como uma prática de criatividade, e por isso é valorizado.

Em seguida, o Sr. Bruno, juntamente com a gerente de governança, a Sra. Lílian,

nos levou para conhecer os quartos do hotel, e principalmente, os móveis e enxovais

de cama, todos artesanais, rústicos, com forte conteúdo de sustentabilidade, no que

se refere aos materiais usados e na sua origem.

Essa visita me deu uma visão geral do contexto do hotel, das suas necessidades

e dos desejos referentes à produtos artesanais voltados para o uso no cotidiano dos

quartos.

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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO Local: Giral Grande – Maragojipe / Hotel Villa Bahia - Salvador 7 Data: 19/06/2011

Hoje é o dia da visita da artesã ao Hotel Villa Bahia, como eu havia programado

na estratégia de intermediação. Essa foi a forma que encontrei para permitir que a

artesã entenda, pela sua própria ótica que, por sua vez, é sintonizada com o

repertório cultural de Giral Grande. Vai ser uma viagem longa, com duas idas e vindas

de Giral Grande, pois pretendo busca-la, fazer a intermediação, e leva-la de volta.

Devem ser quase 12 horas de estrada, 3 para cada perna. Preparei-me

emocionalmente, mas fisicamente sei que será difícil, e até perigoso, pois voltarei

sozinho, de noite pelas BR 324 e 101.

Saí de casa cedo, peguei nevoeiro, me atrasei na estrada, mas cheguei em Giral

Grande depois das 09:30 da manhã. Fui recebido por Tânia, que já tinha se preparado

para a viagem. Entretanto ela se mostrou bastante apreensiva, ansiosa e, de certo

modo, cética a respeito da recepção no hotel, tanto da sua pessoa quanto dos

produtos que ela levava como amostra. Segundo ela, seria difícil um hotel de luxo em

Salvador aceitar um produto de uma comunidade quilombola como a de Giral Grande.

Mas que se desse certo, ela ficaria muito feliz e que esperava um acréscimo nos seus

rendimentos, mesmo que fosse pequeno. Fomos conversando muito durante a

viagem, mas sempre abordando a vida cotidiana da comunidade e os anseios pessoais

e comunitários.

Chegamos perto do meio dia e fomos bem recebidos pelos gerentes, Sr. Bruno e

Sra. Lílian, que nos mostraram, quarto por quarto, os produtos de enxoval de cama

usados. Ao ver, pegar e avaliar esses enxovais, Tânia ficou impressionada o quanto

ela podia, dentro do seu conhecimento técnico, ajudar nas soluções e preencher os

requisitos técnicos do hotel. Ela conversou bastante principalmente com a Sra. Lílian,

que era a profissional responsável pelos enxovais. Tânia perguntava e respondia

perguntas, apresentava idéias de solução e de beleza. No Final, após grande

expectativa da minha parte, as partes em contato, a artesã e a gerência, fecharam

uma encomenda a ser entregue nos próximos meses.

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Durante a volta para Giral Grande, Tânia desabafou quanto à tarefa: disse o

quanto o projeto era importante, que ia se dedicar ao máximo para fornecer o melhor

produto possível, que estava na maior expectativa pela aceitação e possível lucro. E

me agradeceu muito, dizendo que estava enganada quanto ao futuro do projeto e que

agora ia divulgar ainda mais o projeto na comunidade, buscando o engajamento de

outras pessoas para ajudar.

A volta a Giral Grande ocorreu tranquilamente, mas a volta a Salvador foi muito,

muito cansativa, pois sai da comunidade no crepúsculo e logo tudo estava um breu,

às 18:00h da noite. Voltei pelas BR 101 e 324 no maior cuidado, mas também no

maior apreensão, visto o tamanho dos caminhões que via e a velocidade em que

estavam. Decidi naquele momento que nunca mais iria fazer duas viagens a Giral

Grande num mesmo dia.

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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO Local: Giral Grande – Maragojipe 8 Data: 01/07/2011

Este encontro é voltado para o desenvolvimento da Identidade Visual. Os dados,

entretanto, também serão usados para argumentar outras partes da pesquisa.

Principalmente a respeito de informações sobre o valor dado ao meio ambiente no

contexto da comunidade, ao território e também opiniões sobre o significado de cores

da preferência da maioria dos membros da comunidade.

Como sempre fui bem recepcionado e logo envolto por todos, que queriam opinar

e ser entrevistados. Falei que ia desenvolver uma espécie de marca ou logotipo que

identificasse o local e todos se mostraram curiosos. Fui munido de lápis, marcadores

coloridos e, lógico, do meu gravador MP3 e do Laptop. Com isso preparei as condições

de realizar a maior parte do trabalho de concepção da identidade visual, na

comunidade, com a participação de quem estivesse disponível no momento. E foram

muitos, inclusive as crianças e jovens, além das habituais pessoas presentes nas

entrevistas anteriores. Deixei o processo de finalização para ser feito posteriormente,

visto que este é voltado apenas para adequar a idéia à realidade técnica.

A participação da comunidade foi, logicamente, determinante. As informações

coletadas me deram uma visão sobre o que a comunidade entendia e valorizava sobre

o território em que ocupavam, sobre o meio ambiente e conservação das árvores,

sobre as cores, sempre associadas às características da natureza (opinião de algumas

pessoas mais jovens) tanto quanto sobre força, rusticidade e sobrevivência do local

(opinião de algumas pessoas mais velhas).

No final apresentei algumas idéias, baseadas nas informações colhidas, para

serem votadas. O resultado final agradou a todos.

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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO Local: Giral Grande – Maragojipe / Hotel Villa Bahia - Salvador 9 Data: 11/09/2011

Hoje é a apresentação dos protótipos na comunidade e no hotel. Sou recebido

como se fosse uma festa, todos estão presentes. Tânia apareceu com os protótipos

prontos, excelentes. Fiquei emocionado.

Primeiramente faço uma grande sessão de fotos. Todos querem posar ao lado

dos protótipos. As irmãs, os irmãos, os primos e primas, os sobrinhos, etc... Muita

zoada, conversas paralelas, ouço comentários baixinhos de como ficou bonito.

Mostraram as entiquetas com a Identidade Visual já aplicada. O cachorro late, late

muito, com a muvuca. Acho que, à primeira vista, os protótipos agradaram a Giral

Grande. As fotos finais são das duas irmãs que em muito me ajudaram: Tânia e Mara.

Não satisfeito, procuro entrevistar algumas pessoas, coletando opiniões sobre o

resultado. Entrevistei alguns irmãos e irmãs e todos foram unânimes: o resultado não

só ficou lindo, como acham que saíram melhor do que esperavam. Falam que Tânia e

seus ajudantes se esforçaram muito e o resultado foi o sucesso. Falaram também de

como o resultado era, de fato, algo de todos ali, apesar de ter sido confeccionado por

algumas pessoas. As características da cor, da aplicação do crochê, de ser de “Taco”,

a maneira que eles se remetem ao uso de retalhos. Percebi que tudo isso identificava

e relacionava o resultado à comunidade. Esses depoimentos selavam e respondiam às

dúvidas quanto à identidade do resultado.

Depois desse primeiro, demorado, mas carnavalesco momento, nós pegamos a

estrada rumo a Salvador. Eu, Tânia e os protótipos. Destino: o Hotel Villa Bahia. Tânia

foi ansiosa, apreensiva, mas confiante por causa do resultado alcançado. E eu

também sentia o mesmo. Tânia foi narrando e descrevendo como confeccionou os

protótipos. Falou que, apesar de parecer algo novo e estranho, pelo contrário, a tarefa

era a mesma de qualquer cliente, apenas com exigências especiais.

Finalmente chegamos no Hotel. Nunca uma conversa se amarrou tanto. O

gerente do hotel, Sr. Bruno e a gerente de governança, Sra. Lílian, aceitaram de

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imediato os protótipos. Os examinaram minuciosamente: primeiramente perguntaram

quanto tempo levou para terminar a confecção de toda a tarefa. Tânia disse que

alternando os trabalho de casa e as tarefas comunitárias com a tarefa da confecção

dos protótipos, tudo levou cerca de quatro semanas mais alguns dias. Em seguida

comentaram-se sobre as cores, os tons de branco. Em seguida sobre o crochê, os

reforços, etc... Sr. Bruno então falou: “Está aprovado, eu queria ver isso, a

qualidade”. Tânia por sua vez se mostrava assustada com o sucesso, achava que isso

ia alterar seu cotidiano.

Então veio o impasse: quanto ia custar. Tânia, Sr. Bruno e Sra. Lílian

conversaram bastante, mas sem chegar inicialmente, em um meio termo quanto ao

valor. Mas com a seqüência da conversa, chegou-se a um acordo satisfazendo a todas

as partes, incluindo as minhas expectativas. No final do acordo quanto ao preço

dessas primeiras peças, foi encomendado uma nova remessa, com mais peças do tipo

“Quadrados Brancos”, o protótipo de “tacos” unidos com crochê. Esse fato ratificou o

sucesso do artesanato tanto em relação à satisfação dos requisitos quanto os desejos

e necessidades do Hotel.

Ao final da tarde, deixei Tânia na Estação Rodoviária (não ia levá-la

pessoalmente à Giral Grande como fiz anteriormente). Ela me falou da ansiedade

diante do sucesso, do medo de não conseguir satisfazer as encomendas, e que ia

envolver mais familiares nos processos artesanais.

Enfim, sosseguei sentindo o sucesso alcançado. Tanto pela artesã Tânia, quanto

o meu e minha pesquisa.

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TÍTULO: UMA ESTRATÉGIA DE DESIGN SUSTENTÁVEL PESQUISADOR: Marcelo Geraldo Teixeira

ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO Local: Giral Grande – Maragojipe 10 Data: 04/12/2011

Essa foi uma visita rápida a Giral Grande. O objetivo era a descrição do processo

criativo e produtivo do artesanato de retalhos de Giral Grande, cuja artesã Tânia

Calheiros era a principal encarregada e a responsável por tais tarefas. Fui ver de perto

como era o tal processo, registrando com novas fotos e entrevistas. Tânia estava

preparando com suas ajudantes a segunda encomenda de colchas tipo “quadrados

brancos”.

Tânia descreveu minuciosamente, mas da sua maneira, como partia da

encomenda ao produto final. Falou da importância do desenho, do esboço no caderno,

como desenhava uma quantidade de alternativas capaz de dar uma visão do caminho

a ser seguido, da beleza que ela achava que tinha que ter para satisfazer a

encomenda e como o desenho era uma das maneiras de transmitir as idéias para seus

ajudantes. Falou de como fazia primeiramente as partes separadas, o “taco”, as flores

de crochê, a bainha e as demais partes da estrutura, para depois fazer o mosaico,

unindo as partes com crochê. Depois falou que lavava e engomava, porque o processo

sujava as peças.

Notei que em grande parte, o processo artesanal era análogo ao processo de

design, pois havia uma necessidade (ou encomenda); fases de criatividade e geração

de alternativas na forma de desenho; fase de detalhamento e de construção. Esse

fato me pareceu interessante, pois era como um design popular.

Depois fotografei a artesã durante ao processo de costura e também as partes

separadas antes da confecção do mosaico. Levei comigo uma flor de crochê, como

souvenir.

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TÍTULO: UMA ESTRATÉGIA DE DESIGN SUSTENTÁVEL PESQUISADOR: Marcelo Geraldo Teixeira

ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO Local: Giral Grande – Maragojipe / Hotel Villa Bahia - Salvador 11 Data: 04/06/2012

Hoje é a entrega da nova encomenda. Ao chegar em Giral Grande, cercado pelas

crianças, perguntei sobre a participação de outras pessoas nas tarefas do processo

artesanal, liderado por Tânia. Falaram-me que muitas pessoas se envolveram e

ajudaram nas mais diferentes tarefas, desde a ajuda na costura e crochê até o

transporte de água limpa para a lavagem dos produtos finalizados. Mulheres e

homens ajudaram no que identifiquei como uma tarefa em mutirão. Tânia me falou

que o sucesso foi percebido pelos vizinhos e que já havia outras encomendas além da

do hotel.

Um dos depoimentos mais importantes e significativos foi quanto ao

compartilhamento de idéias sobre soluções que envolviam e determinavam a beleza

do que era produzido. Segundo Tânia, ela mesmo perguntava para as irmãs e

sobrinhas: “tá bonito não tá? Pergunto a um pergunto a outro e vou fazendo. Fiquei

aberta para ouvir opiniões” A pesar de ter sido uma encomenda para um cliente

distante, “diferente” ou não habitual (o hotel) os entrevistados não consideraram os

produtos como estranhos à cultura local. A cor branca, o “taco” e o crochê eram as

características mais visíveis que relacionavam os produtos com a cultura local. Mas

havia também a questão da criatividade ou como Tânia desenvolveu as soluções

seguindo os requisitos do hotel, mas não se afastando do repertório cultural local.

Todo processo despertou o interesse das meninas sobrinhas de Tânia, que,

segundo o depoimento de sua irmã Mara, se aproximaram para aprender também.

Houve, entretanto a preocupação do trabalho atrair pessoas estranhas e mal

intencionadas. Acho que fiz certo ao desenhar a Identidade Visual sem algo que

marcasse o endereço do local.

Durante a viagem para Salvador, Tânia falou-me das expectativas futuras, da

bicicleta que a filha pediu para comprar com o dinheiro da encomenda, das coisas que

ia comprar e compartilhar com as irmãs. Aqui comecei a entender a importância da

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minha pesquisa na comunidade. Tânia me falou também que, qualquer que fosse o

resultado e os ganhos, era desejo dela nunca sair de Giral Grande. Para ela ali será o

local que viverá até seu desaparecimento. Ela falou do “Ritual do Umbigo”, do

cemitério do local dentre outras manifestações culturais que relacionavam seus

moradores com a localidade em que viviam desde os tempos dos antigos quilombos.

Foi um depoimento emocionante.

Ao chegar ao Hotel, fomos recebidos novamente com muita educação pelos

gerentes, Sr. Bruno e Sra. Lílian. E novamente analisaram e aprovaram os produtos

trazidos por Tânia. Segundo eles o que mais os interessava era tanto o processo

manual, expressados pelo “taco” e pelo crochê quanto o fato de ter uma origem

tradicional. E isso interessava diretamente os clientes e visitantes do hotel. Diante

disso, novas encomendas foram pedidas. Para mim não era mais surpresa.

Então, visto que havia um acordo se cristalizando entre a artesã e o hotel,

entendi que minha participação no processo estava por diminuir e, por fim, acabar.

Diante desse tempo, desde que os visitei pela primeira vez até agora, pensei ter

alcançado o objetivo da pesquisa.

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TÍTULO: UMA ESTRATÉGIA DE DESIGN SUSTENTÁVEL PESQUISADOR: Marcelo Geraldo Teixeira

ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO Local: Giral Grande – Maragojipe 12 Data: 11/05/2013

Hoje voltei à comunidade para fazer o que eu considero a ultima entrevista no

local. O objetivo foi coletar informações sobre o significado de identidade local

presentes nas peças produzidas. Foi um sábado bastante chuvoso e pegar as estradas

por três horas me deixou apreensivo, ansioso por acabar logo essa tarefa.

Ao chegar em Giral Grande fui recebido por Tânia e seus irmãos, que me

mostraram as novas casas de alvenaria, que substituíram as de adobe. Muito feliz,

apesar de sua casa nova ainda estar em construção, Tânia me mostrou onde será o

que ela chamou de “atelier”, um terreno ao lado da nova casa no qual será erguido

um pequeno galpão para o artesanato de retalhos.

Numa reunião que envolveu Tânia, sua filha, algumas irmãs, um irmão e

sobrinhos, fui informado sobre o significado do artesanato de retalhos e sobre as

peças produzidas para o hotel. O valor da reciclagem aplicada nos produtos artesanais

tem grande significado, não somente quanto aos resultados plásticos proporcionados

pela mistura de cores e texturas, mas também quanto a ser uma forma simples e

inteligente se obter utensílios para o uso no cotidiano e essa prática, segundo a

própria Tânia e corroborado por outros membros, é remetida aos seus pais e avós,

como uma tradição. Segundo Tânia, as peças produzidas para o hotel são um exemplo

desta tradição.

Outra característica citada neste encontro e valorizada no local é o fato destes

produtos serem de “taco”. O mosaico de retalhos de tecidos, o qual é denominado

pela comunidade de taco, tem um significado que vai além de uma solução prática e

plástica, representando, também, a união entre os membros da comunidade. Mara,

uma das irmãs de Tânia, relatou que os pedaços separados representam cada pessoa,

como se fosse algo individual, subjetivo. E a colcha representa a comunidade, pela

união das suas partes individuais. Esse relato me foi surpreendente, pois ainda não

tinha sido a mim revelado.

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TÍTULO: UMA ESTRATÉGIA DE DESIGN SUSTENTÁVEL PESQUISADOR: Marcelo Geraldo Teixeira

ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO Local: Hotel Villa Bahia - Salvador 13 Data: 14/05/2013

Hoje voltei ao Hotel Villa Bahia para saber da opinião da gerência quanto aos

resultados dos produtos artesanais recém adquiridos de Giral Grande. Como sempre

fui muito bem recebido pelo Sr. Bruno e pela Sra. Lílian.

Além da resposta positiva quanto à satisfação sobre a qualidade plástica e do

significado referente ao produto artesanal tradicional, a entrevista me reservou

algumas surpresas. Sr. Bruno disse que estava querendo muito falar com Tânia, mas

que não conseguia, pois tinha perdido o contato e que esperava pela minha presença

para restabelecer o caminho de comunicação com Giral Grande.

O fato é que as peças necessitavam de ajustes e que por isso, ainda não tinham

sido usadas nos quartos do hotel. Ele solicitava uma nova visita para que Tânia

pudesse ver os produtos e fazer as correções necessárias. Sr. Bruno e Sra. Lílian

falaram que isto não era um problema, pois consideravam os produtos em fase de

testes e em processo de evolução, e que, além disso, opinaram que ainda faltava

experiência para Tânia, pois aquele era um desafio muito grande e inédito para ela.

Fiquei surpreso, mas entendi que o processo ainda não havia acabado.

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APÊNDICE 2 De: Fale Conosco enviado por Marcelo Geraldo Teixeira ([email protected]) [[email protected]] Enviado: domingo, 1 de agosto de 2010 18:55 Para: Assessoria de Comunicação Assunto: COMUNIDADES QUILOMBOLAS Olá FCP, Sou aluno de curso de doutorado na UFBA Gostaria de saber dados atualizados sobre o número de comunidades quilombolas conhecidas (certificadas ou não) nas regiões do Brasil e, em separado, o número do estado da Bahia. Agradeço a ajuda Marcelo Remetente: Marcelo Geraldo Teixeira Email: [email protected] Entidade: UFBA Cargo: Aluno curso Doutorado Telefone: (71) 3248-6031 Prezado Marcelo, Existem 1.523 comunidades remanescentes de Quilombo certificadas e cerca de 2.549 ao total (certificadas, tituladas ou apenas indentificadas). Na Bahia existem 332 CRQs, sendo o segundo maior estado com número de comunidades quilombolas no Brasil. Atenciosamente, MARCONDES SILVA DE OLIVEIRA DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO AFRO-BRASILEIRO-DPA FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES-FCP MINISTÉRIO DA CULTURA-MinC Tel (61) 3424-0160 De: Dpa Palmares Enviado: segunda-feira, 9 de agosto de 2010 16:40 Para: Marcondes Silva de Oliveira Cc: Miriam Caetana Souza Assunto: ENC: COMUNIDADES QUILOMBOLAS De: Assessoria de Comunicação Enviado: segunda-feira, 2 de agosto de 2010 9:39 Para: Dpa Palmares Assunto: ENC: COMUNIDADES QUILOMBOLAS Muito obrigado pelo contato! Assessoria de Comunicação Social Fundação Cultural Palmares/Ministério da Cultura Fone: 3424-0166 Fax: 3424-0164

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APÊNDICE 3

CARTA DE AUTORIZAÇÃO

Eu, Tânia Maria dos Santos Calheiros, artesã da Comunidade Quilombola de Giral Grande, autorizo o uso das fotografias da referida comunidade, de peças do artesanato e das minhas conversas e diálogos feitos durante entrevistas e visitas técnicas, partes integrantes da pesquisa de Curso de Doutorado do Programa de Engenharia Industrial (UFBA), feitas pelo pesquisador Marcelo Geraldo Teixeira, para fins de elaboração da sua tese.

Tânia Maria dos Santos Calheiros

Artesã da Comunidade Quilombola de Giral Grande

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APÊNDICE 4

CARTA DE AUTORIZAÇÃO

Eu, Bruno Pascal Guinard, diretor do Hotel Villa Bahia, autorizo o uso das fotografias da decoração dos quartos e das minhas conversas e diálogos feitos durante entrevistas e visitas técnicas, partes integrantes da pesquisa de Curso de Doutorado do Programa de Engenharia Industrial (UFBA), feitas pelo pesquisador Marcelo Geraldo Teixeira, para fins de elaboração da sua tese.

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