PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA: 1970-2000* · 2006-09-04 · Paulo em 1970. 4.2. Mortalidade...

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PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA: 1970-2000* Jair Lício Ferreira SANTOS ** SANTOS, J. L. F. — Projeção da população brasileira: 1970-2000. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 8(supl.):91-102, 1974. RESUMO: É utilizado o método de componentes para projetar a população brasileira por idade e sexo de 1970 a 2000. São feitas duas hipóteses com rela- ção ao padrão futuro de fecundidade e uma com relação à mortalidade. Carac- terísticas da população projetada são esboçadas ao final do trabalho. UNITERMOS: Projeção da população (método de componentes); População brasileira. 1. INTRODUÇÃO O objetivo deste trabalho é projetar a população brasileira pelo método de com- ponentes, por um período de 30 anos, iniciado em 1970. De início pensou-se considerar três hi- póteses quanto à fecundidade futura. No entanto, como será visto adiante, duas des- tas hipóteses levavam praticamente ao mesmo resultado. Quanto à mortalidade postulou-se apenas uma tendência a par- tir dos dados de 1970. Quanto à estrutura etária, mortalidade e fecundidade, a caracterização da popu- lação em 1970, precedeu à projeção pro- priamente dita e será mostrada em deta- lhes no transcorrer do trabalho. 2. MATERIAIS Os dados básicos a partir dos quais se caracterizou a população brasileira em 1970, possibilitando a posterior projeção, foram : 2.1. população segundo idade e sexo em 1970 Utilizaram-se os dados publicados pela Fundação IBGE 1 (1973), posteriormente adaptados às necessidades do trabalho; 2.2. distribuição dos nascidos vivos no ano anterior ao censo de 1970, segundo a idade da mãe Novamente, com correções e adapta- ções citadas posteriormente, usaram-se as informações do censo demográfico de 1970 1 ; 2.3. tábuas de sobrevivência para o Brasil, 1960-1970 Tábuas de vida abreviadas, específicas para cada sexo, foram utilizadas em cor- * Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada à XXV Reunião anual da SBPC, no Rio de Janeiro, julho de 1973. Até aquela data não se dispunha dos resultados definitivos do Censo de 1970 nos quais o presente trabalho é baseado. **Do Centro de Estudos de Dinâmica Populacional (CEDIP) da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo — Av. Dr. Arnaldo, 715 — São Paulo, SP — Brasil.

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PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA: 1970-2000*

Jair Lício Ferreira SANTOS **

SANTOS, J. L. F. — Projeção da população brasileira: 1970-2000. Rev. Saúdepúbl., S. Paulo, 8(supl.):91-102, 1974.

RESUMO: É utilizado o método de componentes para projetar a populaçãobrasileira por idade e sexo de 1970 a 2000. São feitas duas hipóteses com rela-ção ao padrão futuro de fecundidade e uma com relação à mortalidade. Carac-terísticas da população projetada são esboçadas ao final do trabalho.

UNITERMOS: Projeção da população (método de componentes); Populaçãobrasileira.

1 . I N T R O D U Ç Ã O

O objetivo deste trabalho é projetar apopulação brasileira pelo método de com-ponentes, por um período de 30 anos,iniciado em 1970.

De início pensou-se considerar três hi-póteses quanto à fecundidade futura . Noentanto, como será visto adiante, duas des-tas hipóteses levavam praticamente aomesmo resultado. Quanto à mortalidadepostulou-se apenas uma tendência a par-tir dos dados de 1970.

Quanto à estrutura etária, mortalidadee fecundidade, a caracterização da popu-lação em 1970, precedeu à projeção pro-priamente dita e será mostrada em deta-lhes no transcorrer do trabalho.

2 . M A T E R I A I S

Os dados básicos a partir dos quais secaracterizou a população brasileira em

1970, possibilitando a posterior projeção,foram :

2.1. população segundo idade e sexoem 1970

Utilizaram-se os dados publicados pelaFundação IBGE1 (1973), posteriormenteadaptados às necessidades do trabalho;

2.2 . distribuição dos nascidos vivos noano anterior ao censo de 1970,segundo a idade da mãe

Novamente, com correções e adapta-ções citadas posteriormente, usaram-se asinformações do censo demográfico de19701;

2.3. tábuas de sobrevivência para oBrasil, 1960-1970

Tábuas de vida abreviadas, específicaspara cada sexo, foram utilizadas em cor-

* Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada à XXV Reunião anual da SBPC, noRio de Janeiro, julho de 1973. Até aquela data não se dispunha dos resultados definitivosdo Censo de 1970 nos quais o presente trabalho é baseado.**Do Centro de Estudos de Dinâmica Populacional (CEDIP) da Faculdade de Saúde Públicada Universidade de São Paulo — Av. Dr. Arnaldo, 715 — São Paulo, SP — Brasil.

reções e adaptações dos dados. Entre asdisponíveis para o período foram relacio-nadas as publicadas por IRWIN & MADEI-R A 3 ;

2.4. tábuas de vida modelo, famíliaoeste

Para as futuras razões de sobrevivên-cia foram utilizados os elementos nLx dastábuas de vida modelo, família oeste2 ,adequadamente interpoladas;

2.5. coeficientes específicos de fecundi-dade para o Estado de São Paulo,1970

Estes dados *, utilizados na formulaçãode hipóteses para as presentes projeções,são apresentados na Tabela 1;

2.6. coeficientes específicos de fecundi-dade para o Brasil, 1965

Além da caracterização quanto a fe-cundidade da população brasileira em1970, utilizaram-se também dados pró-ximos a essa data, a fim de serem visua-lizadas possíveis tendêncais. Tais dados,calculados por R. R. Cassinelli e publi-cados por MADEIRA 5, correspondem, naverdade, ao decênio 1960-1970. No en-tanto, preferiu-se considerá-los como refe-rentes a uma data específica, optando-sepor 1965. Através destes coeficientes cal-culou-se a fecundidade total, tendo-se ob-tido o valor de 5,35 filhos/mulher.

3 . P R E S S U P O S T O S

São pressupostos, neste trabalho:

— que a razão de masculinidade ao nas-cer seja de 1,033;

— que a sub-enumeração no censo de1970, para o grupo e idades de 0 a 4anos seja da ordem de 2,5%, paraambos os sexos;

— que a população de idade ignoradatenha a mesma estrutura de idadesque a população de idade conhecida.

4. HIPÓTESES PARA A PROJEÇÃO

4.1. Fecundidade

Originalmente pensou-se utilizar trêshipóteses para a fecundidade. A primeiraextrapolaria para o período de 1970-2000,tendência observada entre 1965 e 1970.

As hipóteses I e II partiriam do pres-suposto que a fecundidade da populaçãobrasileira está sendo afetada por fatoresque já estiveram atuando por mais tem-po em alguns setores dessa população.

* Dados do trabalho: A fecundidade no Estado de São Paulo de J. L. F. Santos Inédito.

Imaginou-se, por exemplo, que os níveisde industrialização e urbanização agoraobservados no Brasil como um todo, cor-respondem aos níveis de alguma data pas-sada que vigoraram em Estados como SãoPaulo ou Guanabara. Mais ainda, supon-do a continuidade desse processo, e acei-tando a atuação determinista desses fato-res, poder-se-ia cogitar de que o Brasilatingisse em alguma data futura, os ní-veis e padrões de fecundidade observadosnaqueles setores, recentemente. Para am-bas as hipóteses o Estado de São Paulofoi tomado como referência.

A hipótese II, quanto ao comportamen-to futuro da fecundidade no Brasil, seriaa de que vigorasse, em nosso país, em1990, o padrão de fecundidade observadoem São Paulo em 1970.

A hipótese III, idêntica à II, teria pordata de referência o ano 2000.

No entanto, realizados os cálculos ini-ciais, observou-se uma proximidade mar-cante entre as hipóteses I e II.

Assim, tomando-se por medida de fe-cundidade a fecundidade total, com asextrapolações e interpolações necessáriasfeitas pelo método geométrico, o compor-tamento dessa variável no futuro seriadescrito conforme a Tabela 2.

Como se observa, as diferenças entreas hipóteses I e II são diminutas. Resol-veu-se, então, considerar apenas duas hi-póteses, as quais designaremos por:

Hipótese I: A fecundidade no Brasil,medida através da fertilidade total, seráem 1990, igual à observada em São Paulo,em 1970.

Hipótese II: Idêntica à hipótese I, es-tendendo-se para 2000 a data em que afecundidade no Brasil se iguala à de SãoPaulo em 1970.

4.2. Mortalidade

Para cada uma das hipóteses de fe-cundidade recém-mencionadas adotou-se amesma hipótese quanto a mortalidade.Esta pode ser resumida no que segue:

— os padrões futuros de mortalidade noBrasil seguem os padrões representa-dos pela família oeste da Tábuas deVida Modelo, de COALE & DEMENY 2;

— as esperanças de vida ao nascer se-guirão a reta de regressão obtida porSPIELMAN 6. Para cada quinqüênioentre 1970 e 2000 a esperança de vi-da ao nascer assumiria os valores cons-tantes na Tabela 3.

5 . M É T O D O S

5.1. Projeção por componentes

O método das componentes projeta apopulação entre idade x e x + n na da-

ta t, para n anos mais tarde, atra-

vés da relação:

Para os nascidos entre t e t + n, N, arelação se forma

cientes específicos de fecundidade, médiosdo período seriam:

Supondo que a população média de ida-des entre x e x + n seja no período consi-derado

o total de nascimentos no período, paraaquelas mulheres seria:

e o total de nascimentos para todas as ida-des; durante o período:

E para o último grupo etário (no nos-so caso 70 e + anos) a relação utiliza-da é:

5.2. Projeção dos nascidos vivos

Dispondo-se da população feminina pro-jetada para duas datas t e t + n, e doscoeficientes específicos de fecundidade na-quelas datas, ( e nFx t + u ) ) os coefi-

Através da razão de masculinidade ado-tada, obtém-se o número de nascimentos,segundo o sexo, ocorrido no período.

5.3. Projeção dos coeficientes específicosde fecundidade

Conforme se viu na seção 4.1, a medidade fecundidade utilizada na formulação dashipóteses foi a fecundidade total, definidacomo

Para projetar os coeficientes específicosde fecundidade, que são os utilizados nasprojeções, procedeu-se da seguinte forma:calculou-se, para 1970 os coeficientes pa-dronizados, definidos como:

para São Paulo e para o Brasil como umtodo.

Para as duas hipóteses calcularam-se asvariações quinqüenais, D5, nos, coeficien-tes padronizados, necessárias para que seatingissem, em 1990 e em 2000, as fertili-dades totais daquelas datas, definindo

para a hipótese I e

para a hipótese II.

Em cada um dos casos, os coeficientespadronizados para as datas futuras sãoobtidos por:

E dessa forma obtém-se os coeficientesespecíficos de fecundidade compatíveiscom as medidas de fecundidade total pro-postas pelas hipóteses, através da simplesrelação

5.4. Projeção das razões desobrevivência

As razões de sobrevivência, para nanos, definidas como

foram calculadas para cada quinqüênioconforme a hipótese referida na seção4.2.

Para tanto, calculou-se por interpela-ção aritmética a que níveis das tábuas

modelo, família oeste correspondem asesperanças de vida constantes na Tabe-la 3.

Obtidos os referidos níveis, calculou-se,novamente, por interpelação aritmética.os valores de nLx correspondentes e assimos valores de nSX.

5.5. Períodos de projeção, data dereferência

O controle sobre os níveis de mortali-dade e fecundidade é feito quinqüenal-mente durante toda a projeção. Entre-tanto, calcula-se a população projetadadecenalmente:

A projeção quinqüenal só foi realizadapara as mulheres em idades férteis, a fimde se exercer um controle mais segurosobre a fecundidade e o número de nas-cimentos por período.

As datas de referência para as proje-ções serão sempre 1.° de setembro decada ano mencionado.

6 . R E S U L T A D O S

6.1. Caracterização da populaçãoem 1970

6.1.1. População por idade e sexo,em 1970.

Através das pressuposições mencionadasem 3.2 e 3.3, reconstruiu-se a populaçãoem 1.° de setembro de 1970, tendo-se ob-tido os resultados constantes na Tabela 4.

6.1.2. Fecundidade em 1970.

Há fortes indicações de que os nasci-dos vivos no ano anterior ao censo este-jam subenumerados. A população entre0 e 1 ano de idade, segundo Tabela 4 é

e os nascidos no ano anterior ao censoconforme os dados das tabulações avan-çadas 1 somam 2.897.326.

Resolveu-se então abandonar o dadocensitário sobre nascidos vivos. Note-seque este dado está de inicio subenumera-do, se não por outros motivos, pelo me-nos pelo fato de não tomar em conta osnascimentos ocorridos para as mães quefaleceram antes de 1.° de setembro de1970.

Procedeu-se então da seguinte forma:

a) para cada sexo em separado, gra-duou-se, osculatoriamente, os valoresde nLx constantes na tábua de vidapara o Brasil, período 1960/70 3, ob-tendo-se L0. Assim pode ser calcula-do o número de nascidos vivos noano anterior ao censo, N:

tendo-se obtido N = 3.152.983:

b) distribuiu-se este total segundo o nú-mero de nascidos vivos no ano ante-rior ao censo, cujas mães tinhamentre 15 e 50 anos de idade;

c) graduou-se, novamente por Spraguecitado por JAFFÉ 4 todos os valoresde nLx necessários para a retroproje-ção da população feminina para 1.°de setembro de 1969. Em cada gru-po etário, a média aritmética entreas populações em 1.° de setembro de1969 e de 1970 forneceu a estima-tiva da população média no ano an-terior ao censo. E assim pode-secalcular os coeficientes específicos defecundidade que constam da Tabe-la 5.

Embora os coeficientes assim obtidosreferem-se ao período de um ano cujoponto médio é 1.° de março de 1970, hásuficiente proximidade de datas para su-pô-los centrados em 1.° de setembro de1970.

6.2. Projeções dos componentes

6.2.1. MortalidadeConforme citado em 5.4 as razões de

sobrevivência foram calculadas a partirdos valores de nLx correspondentes aos ní-veis interpolados das tábuas modelo. Osníveis encontrados são os que constam daTabela 6.

6 .2.2. Fecundidade

Os coeficientes específicos de fecundi-dade, calculados segundo a seção 5.3, pa-ra diversas datas futuras são os que cons-tam da Tabela 7.

6.3. Projeção dos nascidos vivos

Uma vez obtida a população femininaprojetada para períodos quinqüenais, usan-do-se a metodologia descrita na secção 5.2,fórmula 4, estimou-se o número de nas-cidos vivos durante os vários quinqüênios,segundo as duas hipóteses, o que constada Tabela 8.

6.4. Projeção da população

A aplicação da metodologia até aquimencionada resultou para as projeções dapopulação brasileira os números que cons-tam nas Tabelas 9 e 10.

7. DISCUSSÃO: CARACTERÍSTICAS DASPOPULAÇÕES PROJETADAS

Para as diversas datas de projeção, cal-cularam-se algumas características da po-pulação projetada. Juntamente com os da-dos para 1970, estes resultados constamda Tabela 11.

Conforme se observa na Tabela 11, ashipóteses usadas nas projeções não impli-cam em valores aberrantes nas caracterís-ticas estudadas.

O aumento da razão de masculinidadepode ser originado de duas causas:

— pode ter ocorrido que o valor da ra-zão de masculinidade ao nascer, fixa-do em 1,033 seja alto para a popula-ção brasileira;

— a segunda causa, que absolutamentenão exclui a primeira, pode ser oriun-da de maiores ganhos para o sexo mas-culino nas razões de sobrevivência uti-lizadas. Reforçando a primeira destas

causas está o fato de que o aumentoda razão de masculinidade é maior soba hipótese II, onde os níveis de fecun-didade se mantém mais altos.

O decréscimo relativamente menor dataxa geométrica de crescimento, com re-lação à fecundidade (a taxa decai apro-ximadamente 30% entre 1970 e 2000, se-gundo a hipótese I, e o coeficiente geralde fecundidade 39% no mesmo período)

é explicado pela diminuição da mortali-dade, implícito na hipótese de aumento daesperança de vida ao nascer.

Da mesma forma, o decréscimo relativono coeficiente geral de natalidade é me-nor do que o observado no coeficiente ge-ral de fecundidade. O fato pode ser ex-plicado pelo aumento da população demulheres em idade reprodutiva com re-lação ao total de mulheres, conforme seobserva na última coluna da Tabela 11.

SANTOS, J. L. F. — [Projection of the Brazilian population: 1970-2000]. Rev.Saúde públ., S. Paulo, 8(supl.):91-102, 1974.

SUMMARY: The population of Brazil, by age and sex is projected from1970 to 2000 through the components method. Two hypothesis are assumedconcerning the future fertility. Some characteristics of the projected popu-lation are outlined.

UNITERMS: Population projection, components method.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BRASIL. Ministério de Planejamento eCoordenação Geral — Censo Demográ-fico — Série Nacional — Brasil. Riode Janeiro, Fundação IBGE, 1973.v. 1.

2. COALE, A. J. & DEMENY, P. — Regionalmodel life tables and stable popula-tions. Princeton, N.J . , Princeton Uni-versity Press, 1966.

3. IRWIN, R. & MADEIRA, J. L. — Deduçãode uma tábua de vida através deanálise demográfica, Brasil — 1960-1970. Rio de Janeiro, Fundação IBGE,1972.

4. JAFFÉ, A. J. — Handbook of statisticalmethods for demographers. Washing-ton, D.C., U.S. Government PrintingOffice, 1951.

5. MADEIRA, J. L. — O IBGE e os estudosda fecundidade no Brasil (Históricoe perspectivas de fecundidade). Rev.bras. Est., 33:211-39, 1972.

6. SPIELMAN, E. — Projeção da vida média— Brasil: 1970-2000. Bol. demogr.CBED, 3 (3): 13-22, 1973.