PROJETANDO PARA A PERDA - monografias.ufrn.br · personas, cenários, mapa mental, painel...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE BACHARELADO EM DESIGN
RITA PINTO AMORIM DAS VIRGENS
PROJETANDO PARA A PERDA:
como o design pode influenciar positivamente no processo de luto.
NATAL/RN
2016
RITA PINTO AMORIM DAS VIRGENS
PROJETANDO PARA A PERDA:
COMO O DESIGN PODE INFLUENCIAR POSITIVAMENTE NO PROCESSO DE
LUTO
Trabalho de conclusão de curso II apresentado à
disciplina DGN400 da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Design.
Orientadora: Prof. Helena Rugai Bastos
NATAL/RN
2016
RITA PINTO AMORIM DAS VIRGENS
PROJETANDO PARA A PERDA:
COMO O DESIGN PODE INFLUENCIAR POSITIVAMENTE NO PROCESSO DE
LUTO
Trabalho de conclusão de curso II apresentado à
disciplina DGN400 da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Design.
Aprovada em _____ de ____________ de________.
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________
Prof.ª Dr.ª Helena Rugai Bastos Orientadora
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
__________________________________
Profª Ivana dos Santos de Lima e Souza Membro
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
__________________________________
Psicóloga Catarina Maria Beatriz Farias de Oliveira
Membro Universidade Federal do Rio Grande do Norte
AGRADECIMENTOS
A Helena Rugai, por ter sido uma orientadora sensacional nesse um ano e meio de trabalho.
Aos meus pais Petit e Margot, que sempre me deram a melhor educação que poderiam dar,
além de apoiar todas as decisões que tomei na vida.
Aos meus avós Terezinha e Manuel, que me mimam todo dia.
À minha irmã Bel, que tem aula bem cedinho todo dia.
À minha amiga da vida toda Renas, parceira dos fins de semana, dos estudos, das viagens.
A Afonso e Nando, os melhores amigos que alguém poderia ter.
A Luiza! Para essa aí não tenho nem palavras.
Aos meus colegas de curso, Shinho, Cecília, Tiaguinho, Larissa, Laura, Felipe e Renas (de
novo), por terem feito comigo essa jornada.
Aos meus amigos do CSF, Mario, Diana, Daisy e Amber.
Aos meus amigos e colegas do Grupo Vila: Ayran, Juliana, Catu, Daniel, Raniery, Lee,
Giovanna, Mari e Eliza.
A Vinícius Dantas me ajudou a direcionar esta pesquisa.
A todas as pessoas que contribuíram para este trabalho, principalmente os entrevistados por
terem se disponibilizado a contar as suas vivências.
A todos vocês (e aos provavelmente muitos que acabei esquecendo agora), gratidão!
“O que as grandes e puras afeições têm de bom
é que depois da felicidade de as ter sentido,
resta ainda a felicidade de recordá-las.”
Alexandre Dumas Filho, A dama das camélias (peça).
RESUMO
Este trabalho propõe o projeto de um artefato para pessoas que experienciaram a
perda de um ente querido. Dessa maneira, temas como o luto, a morte e a relação do design
com esses tópicos foram explorados na fundamentação teórica. Como o método escolhido foi
o design centrado no humano (IDEO, 2015), o artefato em questão foi resultado de uma
investigação das necessidades de pessoas que tinham vivenciado o luto, assim como da
utilização de ferramentas do design para o desenvolvimento da proposta (como por exemplo
personas, cenários, mapa mental, painel semântico e wireframes). Dessa maneira, ao longo
do processo, foi identificada a necessidade de compartilhamento de histórias e construção de
narrativas pelos enlutados, resultando no projeto de um memorial online para web chamado
Memorando.
Palavras Chave: Luto; Thanatosensitive Design; Design de Interação; Memoriais
Online; Human Centered Design
ABSTRACT
This work’s purpose is to create a design concept for people who have suffered the
loss of a loved one. In that manner, themes such as bereavement, death, and the relationship
among design and these topics were explored. Since the method chosen to develop this
project was the Human Centered Design (IDEO, 2015), the final concept presented is the result
of: (1) the investigation of bereaved users’ needs; and (2) the application of design tools in the
proposal development phase (tools such as personas, scenarios, mind maps, mood boards
and wireframes were used). It was thus identified along the process that bereaved users
benefit from sharing stories and building narratives in order to cope with grief. This research
resulted in the design of an online memorial for web called Memorando.
Key words: Bereavement; Grief; Thanatosensitive Design; Interaction Design; Online
Memorials; Human Centered Design
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................12
2. OBJETIVOS...........................................................................................................14
2.1 OBJETIVO GERAL.........................................................................................14
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS...........................................................................14
3. REFERENCIAL TEÓRICO.....................................................................................15
3.1 PENSANDO DESIGN PARA A MORTE........................................................15
3.2 ENTENDENDO O PROCESSO DE LUTO......................................................19
3.2.1 Mitos sobre o luto...................................................................................20
3.2.2 Teorias aceitas.......................................................................................22
3.2.3 Continuing bonds: relacionamentos não morrem...................................24
3.3 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO.......................................................25
3.3.1 Enfrentamento através de narrativas....................................................26
3.4. IMORTALIDADE SIMBÓLICA.......................................................................29
3.4.1 imortalidade simbólica através da construção de uma identidade pós
morte..........................................................................................................................31
3.5 TANATOTECNOLOGIA: TECNOLOGIAS RELACIONADAS A MORTE.......33
3.5.1 Tanatotecnologia no meio online...........................................................33
3.5.2 O papel das redes sociais e memoriais online no processo de luto.....34
3.5.3 Memoriais online...................................................................................37
3.6 THANATOSENSITIVE DESIGN E SISTEMAS PARA PESSOAS EM
LUTO............................................................................................................. .............39
3.6.1 Projetando memoriais digitais..............................................................43
3.6.2 Design de interação e experiência do usuário.....................................49
4. METODOLOGIA E PROCESSO...........................................................................52
4.1 DESIGN CENTRADO NO HUMANO – IDEO..............................................52
4.2 - PESQUISA BIBLIOGRÁFICA....................................................................55
4.3 - ENTREVISTA COM ESPECIALISTA.........................................................56
4.4- ENTREVISTA SEMI ESTRUTURADA........................................................56
4.4.1 Hipóteses de projeto investigadas na entrevista exploratória.............57
4.4.2 Resultado das entrevistas..................................................................58
4.5 QUESTIONÁRIO.................................................................................................64
4.5.1 Resultado do questionário...................................................................64
4.6 PROPOSTA ........................................................................................................72
4.7 FERRAMENTAS DO DESIGN.............................................................................73
4.7.1 Personas..............................................................................................73
4.7.2 Cenários...............................................................................................78
4.7.3 Mapa mental.........................................................................................81
4.7.4 Pesquisa visual.....................................................................................81
4.7.5 Painel semântico..................................................................................82
4.7.6 Wireframes...........................................................................................84
5. RESULTADO..........................................................................................................86
5.1 PERFIL MEMORIAL.........................................................................................87
5.2 HISTÓRIAS DA MINHA VIDA - MODO DESCOBERTA..................................89
5.3 HISTÓRIAS DA MINHA VIDA - MODO ÍNDICE..............................................90
5.4 HISTÓRIAS DA MINHA VIDA - QUERO LER SOBRE ..................................92
5.5 DASHBOARD (HOME DO USUÁRIO)............................................................93
5.6 ESCREVER HISTÓRIA...................................................................................95
5.7 LER HISTÓRIA................................................................................................97
5.8 ITENS NÃO REPRESENTADOS GRAFICAMENTE......................................99
5.8.1 Transições............................................................................................99
5.8.1 Privacidade...........................................................................................99
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................100
7. BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................101
ANEXO (SKETCHBOOK).........................................................................................105
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Jogo criado pelo Re.Designing Death ..................................................................16
Figura 2 - Cartão para o registro dos desejos pós morte por Re.Designing Death...............17
Figura 3 - Troy Patterson mostra os diários do luto...............................................................18
Figura 4 - Memento Ring..............................................................,........................................19
Figura 5 - Modelo Dual de Processo do Luto (DPM)............................................................ 22
Figura 6- Memoriais online Never Gone e Forever Missed...................................................37
Figura 7- Vietnam Veterans Memorial em Washington D.C., Estados Unidos......................45
Figura 8 - Ghost Bike Memorial para James Langergaard, Nova Iorque..............................45
Figura 9 - Exemplo de memorial híbrido: QR code em cemitérios........................................46
Figura 10- Memorial online Forever Missed (memorial totalmente digital)............................47
Figura 11 - Memorial digital ThanatoFenestra.......................................................................48
Figura 12- Framework da Experiência de Garrett..................................................................51
Figura 13- Human-Centered Design......................................................................................53
Figura 14- Produto para o Human-Centered Design............................................................ 54
Figura 15- Processo deste trabalho baseada na proposta da IDEO.....................................55
Figura 16 - Persona 1 – Felipe, o pesquisador......................................................................74
Figura 17- Persona 2 – Ísis, a que gosta de ouvir histórias...................................................75
Figura 18 - Persona 3 – Eliane, a compartilhadora...............................................................76
Figura 19 - Persona 4 – Tiago, o escritor .............................................................................77
Figura 20 - Persona 5 – Ingrid, a usuária esporádica............................................................78
Figura 21- Mapa mental para a identidade visual da plataforma...........................................81
Figura 22 - Painel semântico referencias web.......................................................................82
Figura 23 -: Painel semântico cores e experiência................................................................83
Figura 24 - Esqueleto simplificado da plataforma Memorando..............................................84
Figura 25 - Esboços da plataforma Memorando....................................................................85
Figura 26 - Representação gráfica da plataforma Memorando.............................................86
Figura 27 - Telas plataforma Memorando – Perfil Memorial.................................................88
Figura 28 - Telas plataforma Memorando – Modo Descoberta.............................................89
Figura 29 - Telas plataforma Memorando – Modo Índice......................................................91
Figura 30 - Telas plataforma Memorando – Quero ler sobre................................................92
Figura 31 - Telas plataforma Memorando – Dashboard........................................................94
Figura 32 - Telas plataforma Memorando – “escrever história”.............................................96
Figura 33 -Telas plataforma Memorando – “ler história”........................................................98
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Os mitos do enfrentamento do luto.......................................................................21
Tabela 2 - Comparação dos Modelos de Luto.......................................................................23
Tabela 3 - Enfrentamento do luto por meio da revelação......................................................28
Tabela 4 - Os cinco tipos de imortalidade simbólica..............................................................30
Tabela 5 - Estratégias para a preservação da identidade pós morte de um indivíduo, por
UNRUH, 1983.........................................................................................................................31
Tabela 6 - O que é o Thanatosensitive Design......................................................................39
Tabela 7 - Sistemas tanatosensíveis para enlutados.............................................................41
Tabela 8 - Modelo para projeto de memoriais digitas.............................................................43
Tabela 9 - Hipóteses de Projeto.............................................................................................57
Tabela 10 - Guia de perguntas da entrevista semi estruturada.............................................58
Tabela 11 - Como você se sente ouvindo novas histórias sobre seu ente querido?.............65
Tabela 11 - Como as pessoas enfrentam o luto....................................................................65
Tabela 12 - Experiência do luto nas redes sociais................................................................68
Tabela 13 - Cenários para o projeto a partir das personas...................................................79
Tabela 14 - Requisitos e desejáveis......................................................................................80
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - você já utilizou alguma rede social para expressar o seu luto?..........................66
Gráfico 2 - você já utilizou alguma rede social para expressar o seu luto? Se sim
quais?.....................................................................................................................................66
Gráfico 3 - você julga importante o ato de fazer memoriais para entes queridos
falecidos?...............................................................................................................................69
Gráfico 4 - você já o ouviu falar em Memoriais Online?........................................................70
Gráfico 5 - Se sim, já utilizou ou chegou a visitar um Memorial Online?..............................70
Gráfico 6 - um website ou aplicativo destinado ao compartilhamento de histórias e
homenagem do seu ente querido seria algo bem-vindo para você?......................................71
12
1 INTRODUÇÃO
A primeira reação das pessoas quando eu dizia que estava desenvolvendo um
trabalho sobre o luto, era de espanto. “Como assim design e luto?” “O que é que tem a ver?
“Como é que você chegou nesse tema?” A motivação foi meu trabalho como estagiária de
design gráfico no Grupo Vila1, uma empresa do setor funerário, em Natal-RN. E, embora o
trabalho fosse o que se espera de um designer (design de livretos, cartazes e sinalização),
ele tinha um caráter muito específico: estávamos quase sempre fazendo o nosso trabalho
para pessoas que tinham perdido alguém. Nos cemitérios, a sinalização seria utilizada por
quem estavam visitando ou sepultando seus entes queridos, os livretos e cartazes também.
Como iríamos passar informações, tanto visualmente como verbalmente, para pessoas em
um estágio emocional fragilizado? Assim, o design e o luto estavam andando de mãos dadas
diariamente no meu trabalho.
Apesar de eu ter me acostumado a trabalhar com esses temas, a morte e a perda
passaram a fazer parte das minhas reflexões. E longe de isso ter sido algo ruim, na realidade
foi enriquecedor. Estar inserida nesse ambiente, fez-me consciente da importância de pensar
sobre a morte, seja a minha própria ou a daqueles próximos a mim. Essa consciência,
também, trouxe para o meu trabalho uma postura empática em relação às pessoas enlutadas.
Como consequência, também notei que a morte e o luto curiosamente pareciam ser
muito pouco explorados no design. Mesmo sendo aspectos inerentes ao ser humano, pois
todos morrem e quase todos enfrentam em algum momento da vida, a perda de um ente
querido. Foi ao perceber essa intrigante lacuna, que um principal questionamento surgiu: de
que maneira o design poderia influenciar positivamente no processo de luto de um indivíduo?
E ainda: como criar uma interação humano-artefato que fosse significativa para essas
pessoas?
O primeiro passo para responder essas perguntas foi pesquisar sobre a morte, luto e
projetos de design sobre esses tópicos. A partir dessa pesquisa, hipóteses de projeto foram
criadas, e depois exploradas em entrevistas com indivíduos que tinham vivenciado uma perda.
Foi interessante notar, que dois modos de enfrentamento do luto vistos na fundamentação
teórica se destacaram em meio aos entrevistados: o enfrentamento do luto através da
continuação da relação com o ente querido falecido, e pela construção e contato com
narrativas sobre essa pessoa2. Foi notável que os entrevistados gostavam de falar sobre
essas pessoas, e também de ouvir histórias sobre elas. Dessa maneira, veio a ideia de
1 Grupo corporativo presente no Rio Grande do Norte, Paraíba, e Pernambuco responsável por serviços do segmento funerário, como o plano funerário Sempre e o cemitério e crematório Morada da Paz. 2 Ver os tópicos “Continuing Bonds, relacionamentos não morrem” e “Enfrentamento através de narrativas”.
13
projetar um memorial online, um espaço onde as pessoas poderiam falar sobre o seu luto, e
preservar a memória do seu ente querido através do compartilhamento de histórias.
Assim, no capítulo de fundamentação teórica será discutido (1) o design para a morte;
(2) o processo de luto, mitos e teorias aceitas; (3) modos de enfrentamento do luto; (4)
imortalidade simbólica; (5) thanatechnology (tecnologias relacionadas a morte); (6) memoriais
online e sistemas para enlutados; (6) design de memoriais digitais; (7) design da interação.
Já no capítulo seguinte a esse, em metodologia e processo, iremos expor os métodos
e ferramentas utilizados para o desenvolvimento do projeto, que teve como abordagem
principal o design centrado no humano. Outras ferramentas foram entrevistas e questionários,
pesquisa visual, painel semântico, wireframes, personas e cenários. E por fim, a apresentação
do conceito de memorial online criado, chamado Memorando.
14
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Projetar, a partir da perspectiva dos enlutados, um artefato que influencie positivamente no
processo de luto.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Realizar um estudo sobre o processo de luto de maneira a compreender como as pessoas
o enfrentam;
Descobrir como o design e a tecnologia podem influenciar pessoas em seu processo de
luto, seja essa interferência antes ou depois da perda;
Identificar de que modo as pessoas enlutadas já utilizam serviços e artefatos como tática
de enfrentamento da perda de um ente querido;
Investigar o nível de abertura das pessoas em relação a tecnologias relacionadas à morte
e o luto.
15
3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 PENSANDO DESIGN PARA A MORTE
Embora a morte e o luto sejam temas muito pouco explorados no design, não significa
que projetos nessa área sejam inexistentes. Tem sido possível encontrar iniciativas
inovadoras para a resolução de problemas nesse âmbito, sejam elas advindas de projetos
gráficos, de produto ou de serviços.
Um exemplo de como o “Design para a Morte” tem sido percebido como um tema
pertinente, foi a matéria publicada em 2013 pelo Design Council3 em seu website, chamada
“Reinventando a morte para o século 21”4. Nela, podemos conferir as considerações do autor
James Pallister sobre uma conferência5 que reuniu doutores, designers, e até mesmo doentes
terminais para abordar aspectos relacionados à morte.
Nesse texto Pallister expõe e discute trechos de entrevistas realizadas com esses
designers, que projetam a partir de objetivos que vão desde melhorar a vida de doentes
terminais e enlutados, até sistemas que preveem a morte do seu usuário. Pallister relata que
Mat Hunter do Design Council, cita na entrevista que o design centrado no ser humano pode
melhorar o processo tanto da morte de uma pessoa, como do luto daqueles que foram
deixados. Ele afirma, que o problema encontrado nos serviços relacionados a esse tema é
que a alegria é um elemento excluído da equação, e que na verdade precisamos reconhecer
que a "vida é sobre estar vivo" (HUNTER apud PALLISTER, 2013, online). Ou seja, embora
a morte e o luto sejam temas geralmente evitados, eles são vivenciados por pessoas, e é
natural que elas busquem experiências mais leves e positivas.
A importância do envolvimento do designer com esse tema é reiterado no momento
em que Pallister cita o professor Roberto Vaganti (2009), quem, em seu livro6, discorre sobre
como os designers têm o poder de projetar objetos e experiências de modo a criar novos
significados e valores. Mostrando que o trabalho do designer para essa área não se limita a,
por exemplo, a desenhar produtos hospitalares para doentes terminais, mas também a
"projetar experiências, significados, e emoções que poderão nos guiar durante tal momento"
(VAGANTI apud PALLISTER, 2013, online).
3 Renomada organização não governamental inglesa que há mais de setenta anos trabalha para fomentar o Design Industrial. 4 Tradução nossa do inglês “Reinventing death for the 21st century” 5 Conferência realizada pelo Marie Curie's End of Life Care Design Programme, em Cambridge, Inglaterra. 6 O livro chama-se Inovação pelo Design: Mudando as regras da competição inovando radicalmente o que as coisas significam (tradução nossa do inglês “Design-Driven Innovation: Changing the Rules of Competition by Radically Innovating What Things Mean").
16
Uma iniciativa interessante, que pode ilustrar a convergência entre o design e a morte
é a comunidade Re.Designing Death. Trata-se de um grupo informal constituído por
antropólogos, designers, e atuantes do setor funerário de diversos países, reunidos por um
ideal em comum: promover a discussão sobre a morte e criar oportunidades para inovação
ao redor deste tópico. No site do grupo, expõem sua visão:
No passado a morte estava por toda parte, aceita como uma parte normal da vida. Agora, são
poucos os assuntos dos quais fugimos mais do que a nossa própria mortalidade. Suspensos em
um estado de negação, dizemos para nós mesmos: “Eu? Não. Não por um longo tempo. Eu lido
com isso depois” Até que “depois” torna-se “tarde demais”.
O mundo da morte e do morrer está cheio de práticas desumanas e ultrapassadas em produtos,
serviços e abordagens e acreditamos que elas nascem do tabu que cerca o tema. Nosso
pensamento talvez seja próprio do século 21, mas nossos ritos funerários ainda são arcaicos.
[...] E se nós não fugíssemos dessa conversa? Talvez nunca consigamos acabar com a morte
em si, mas porque não tentamos fazer a experiência ao redor dela muito melhor?
(RE.DESIGNING DEATH, online, grifo nosso, tradução nossa).
E é justamente por essa motivação de mudar como encaramos a morte e como nos
preparamos para ela, que esse grupo desenhou dois projetos gráficos. O primeiro trata-se de
um jogo que tem como principal objetivo motivar o diálogo sobre os nossos desejos e planos
para o pós-morte (fig. 1), e o segundo é um cartão onde podemos expressar esses desejos
(fig. 2).
Figura 1- Jogo criado pelo Re.Designing Death. Fonte: <https://www.redeath.org/death-a-conversation-
game>. Acesso em: 20 set. 2016.
É essencial que tomemos decisões sobre o nosso funeral em vida, pois segundo o
grupo, é exaustivo para a família decidir tantas coisas em um momento tão difícil. No site do
Re.Designing Death, fala-se sobre as vantagens práticas de pensar na nossa própria morte,
além do valor que essa discussão traz para as nossas vidas:
17
Como um resultado direto desse tabu [falar sobre a morte], famílias em luto são deixadas
frequentemente sentindo-se desamparadas e sobrecarregadas ao planejar funerais para seus
entes queridos. Por mais desconfortável que isso possa ser, falar sobre a morte e últimos desejos
podem não só nos preparar em termos práticos – mas também ser libertador aceitar a própria
mortalidade, além de emocionante discutir um tópico tão íntimo com nossos entes queridos, não
só quando já não temos tanto tempo. (REDESIGNING DEATH, online, grifo nosso, tradução
nossa)
Figura 2 - Cartão para o registro dos desejos pós morte por Re.Designing Death. Fonte:
<https://www.redeath.org/pocket-sized-funeral-decree/>. Acesso em: 20 set. 2016.
Outro projeto sobre design e luto, são os diários de luto criados pelo professor Troy
Patterson juntamente com seus alunos de design da York College, em Pensylvania, EUA.
Esse projeto foi idealizado para o Olivia's House, um centro de apoio a crianças e
adolescentes passando pelo processo de luto. Ao perceber que as crianças do centro eram
orientadas a manter diários escritos em cadernos comuns, viu que os eles poderiam ser mais
estimulantes para elas. Ele, então, trouxe para os seus alunos da universidade, a ideia de
criar novos diários para aquela instituição.
Assim, cada estudante criou um diário diferente, com projetos visuais e de conteúdo
únicos, pensados especialmente para as crianças e adolescentes do centro. Um desses
diários se chamava "little things"7 e consistia em incentivar a criança a escrever sobre
memórias da pessoa que tinha perdido. Em outro diário, cada parte sugeria uma música para
a criança escrever ouvindo. Já em outro trabalho, foi realizado um projeto fotográfico, o qual
consistia de fotos de objetos do próprio centro, no intuito de fazer com que a criança
7 “Pequenas coisas” (tradução nossa).
18
reconhecesse aqueles ambientes, e entendesse que aquele material tinha sido feito
especialmente para ela (Fig. 3).
Figura 3 - Troy Patterson mostra os diários do luto. Fonte:
<https://www.youtube.com/watch?v=mdyeIeNCCwI>. Acesso em: 15 out. 2015.
Outro exemplo de artefato pensado para pessoas em luto é o “Memento Ring” (Fig.4),
projetado por Juliette Huygen. Trata-se de um anel feito do cabelo do ente querido falecido e
fios de ouro. Abaixo Juliette Huygen fala mais sobre o seu produto:
Nos séculos passados, era muito comum fazer joias com o cabelo do ente querido
pessoa falecida. Eu usei essa forma de joia como uma fonte de inspiração para construir uma
nova geração de jóias para o luto. [...] Para mim, cabelo é incrivelmente precioso e eu penso que
jóias para o luto são formas definitivas de intimidade e emoção. Hoje em dia nós parecemos um
pouco tímidos com relação a demonstrar emoções e vulnerabilidade em público. Com esses
anéis, eu tentei mostrar que ser frágil é parte de ser humano, é parte da vida, e deveríamos
abraçar isso. (HUYGEN, 2012, online, tradução nossa, grifo nosso).
19
Figura 4 - Memento Ring. Fonte: <http://www.designboom.com/project/memento-rings-embracing-
vulnerability>. Acesso em: 15 out. 2015.
Esses trabalhos são exemplos de diferentes maneiras como o design pode se
relacionar com a morte e o luto. O jogo e o cartão estimulam um debate necessário, o diário
faz com que a criança se sinta mais confortável ao escrever sobre seu luto, e o anel aproxima
o enlutado de seu ente querido falecido.
Essa introdução sobre o design e a morte é essencial para que possamos ter um
primeiro contato com a relação entre esses dois temas. No entanto, antes de nos
aprofundarmos ainda mais nesse assunto, é necessário que exploremos o tema principal
desse trabalho: o luto. A seguir iremos discutir teorias e mitos sobre o luto, assim como
conceitos que poderão auxiliar na compreensão desse tema.
3.2 ENTENDENDO O PROCESSO DE LUTO
Definir, sistematizar, e compreender o luto não é uma tarefa simples, visto que a
complexidade do tópico é proporcional a dimensão da complexidade humana. Muitos autores
procuraram fazer exatamente isso, fazendo com que, ao longo do século XX, pudéssemos
ver diversas perspectivas e teorias surgirem sobre o tema.
Sigmund Freud em seu texto “Luto e Melancolia” de 1917, define o luto como “a reação
à perda de uma pessoa amada ou de uma abstração que ocupa seu lugar, como pátria,
liberdade, um ideal etc” (p.128). Nesse mesmo texto, ele introduz o conceito de “trabalho do
luto”, o qual trata-se de “enfrentar a dor a fim de chegar a um estado de restauração
emocional” (FREUD, 1917, p.129).
20
Outro autor a explorar o significado do luto foi John Bowlby em sua Teoria do Apego
de 1985. Essa teoria determina que os vínculos afetivos criados entre as pessoas são valiosos
para a sobrevivência, e o luto é uma resposta ao rompimento desses vínculos (BOWLBY apud
RODRIGUES et al., 2007).
Finalmente, PARKES (2010) define o luto como um período difícil, pois somos
obrigados a ressignificar a nossa vida e o nosso papel no mundo. Na seguinte passagem, ele
elabora:
“[O luto] É a combinação entre a nossa percepção de mundo e o mundo no qual realmente vivemos, que nos dá direção, propósito e significado para a vida. Com o luto há uma separação do mundo que vivemos e o mundo que deveria ser. Isso é experienciado como a perda de significado, e, trabalhos recentes tem dado atenção a importância de ajudar pessoas em luto a descobrirem novos significados ao reconstruir sua percepção de mundo” (PARKES, 2010 p.20, tradução nossa, grifo nosso).
A partir dessas informações, podemos então inferir que o luto é a reação humana
natural à perda, seja ela de algo ou alguém. Entretanto, consideraremos nesse trabalho, o
luto como um estado em que o indivíduo adentra ao perder um ente querido por morte.
3.2.1 MITOS SOBRE O LUTO
Provavelmente a mais famosa referência em estudos sobre o luto é o livro de 1969
“Sobre a Morte e o Morrer” de Elisabeth Kubler-Ross8. Nele são categorizados em cinco fases
os relatos de pacientes terminais: a negação e isolamento, a raiva, a barganha, a depressão
e a aceitação. Essas fases refletem os padrões percebidos pela a autora, ao registrar e
analisar relatos de seus pacientes ao saber da iminência da própria morte. Trata-se, então,
da reação de pacientes frente à perda de si mesmo, e não à perda de outra pessoa. É errôneo
acreditar que o luto acontece dessa forma, com etapas bem definidas de um processo linear
que culmina na “superação” (PARKES, 2010).
Parkes (2010) afirma inclusive, que não é adequado que psicólogos do luto ou
conselheiros imponham um modelo de fases em seus pacientes, pois cada indivíduo tem seu
próprio tempo e maneira de passar pelo luto. No entanto, reflete que embora esse sistema de
fases tenha sido usado de forma inadequada, elas serviram para entender a ideia do luto
“como um processo de mudança através do qual precisamos passar para encontrar nossa
nova visão de mundo” (p.20, tradução nossa).
8 Os relatos apresentados no livro “Sobre a morte e o morrer” são de pacientes terminais da própria autora,
que era psiquiatra.
21
Estar ciente de outros mitos relacionados ao luto, é fundamental para que evitemos
seguir suposições precipitadas no processo de projeto. Wortman & Boerner (2011) defendem
que muito do que pensamos saber sobre o luto são mitos, como por exemplo, crer que o luto
é algo que passa dentro de um ou dois anos. Abaixo podemos encontrar esse e outros mitos:
OS MITOS DO ENFRENTAMENTO DO LUTO
1
As pessoas sofrem de estresse depois de uma grande perda, e não senti-lo tende a
indicar um problema com o processo de luto;
2
Emoções positivas são ausentes durante este período (ao serem expressadas, elas
tendem a ser vistas como um indício de negação ou tentativa de esconder a angústia);
3
Ao sofrer uma perda, o enlutado precisa “trabalhar” seus sentimentos. Negar ou evitar
esses sentimentos são práticas vistas como não saudáveis a longo prazo;
4
É importante para os enlutados quebrar seu apego ao ente querido falecido;
5
Dentro de um ano ou dois, a pessoa enlutada será capaz de superar o acontecido, se
recuperar da perda, e continuar com seu nível de funcionamento original.
Tabela 1 – Os mitos do enfrentamento do luto. Adaptado de WORTMAN & BOERNER, 2011, p. 206.
Levando em consideração que informações equivocadas sobre o luto são amplamente
difundidas, Wortman & Boerner (2011) afirmam ser benéfico que os enlutados saibam que os
tipos de reação frente à perda, variam imensamente. Pois, muitas vezes, as pessoas podem
achar que o que estão sentindo ou como estão enfrentando a situação não é normal ou
saudável, quando na verdade não há nada de errado com elas.
As autoras inclusive salientam, que para determinar se o indivíduo está passando por
um processo de luto saudável, é preciso identificar os fatores por trás daquela perda. Só assim
é possível ter consciência de em quais condições é esperado que o enlutado não apresente
estresse, e em quais outras a dor seria mais intensa e prolongada (o que poderia caracterizar
22
um luto complicado). Wortman & Boerner (2011) também enfatizam que o luto não se
manifesta da mesma forma em todas as pessoas; de igual maneira, uma estratégia de
enfrentamento9 que funciona para uma pessoa, pode não funcionar para outra.
3.2.2 TEORIAS ACEITAS
O Modelo Dual de Processo do Luto (DPM)10 de Stroebe & Schut (1999) tem sido
citado em trabalhos mais recentes como o modelo mais aceito para explicar como ocorre o
processo de luto (SANTOS, 2009, PARKES 2010, e WORTMAN & BOERNE, 2011).
Figura 5 – Modelo Dual de Processo do Luto (DPM). Adaptado de STROEBE & SCHUT, 1999.
O modelo dual mostra que o processo de luto tem dois diferentes modos de
enfrentamento: o direcionado a perda e o direcionado a restauração. São nos momentos em
que o enlutado entra no modo direcionado a perda, que ele pensa sobre a perda, vê fotos do
ente querido, escreve sobre o ocorrido, fala sobre isso com outras pessoas etc. É nesse modo
9 Estratégia de enfrentamento é a tradução mais utilizada nos trabalhos brasileiros para o termo em inglês“coping”. O coping é a forma como cada pessoa lida com situações de estresse. No caso do luto, é a forma
de lidarmos com o estresse causado por uma perda significativa. 10 Tradução livre do inglês “The Dual Process Model of Coping with Bereavement”. DPM é a sigla utilizada pelos
próprios autores para se referir ao modelo.
23
que o “trabalho do luto”11 acontece. Já no modo direcionado a restauração buscamos nossa
nova identidade e nosso novo entendimento do que é o mundo. É nele que desempenhamos
atividades como ir ao trabalho, pensar sobre a nova realidade, tentar coisas novas, e evitar
pensamentos concentrados na perda em si.
Stroebe & Schut (2010), então, afirmam que é a oscilação entre esses dois modos que
compõe um processo de luto saudável12, muito embora aconteçam de maneiras diferentes,
de acordo com variações individuais e culturais.
Para fins de referência, observamos abaixo como o modelo dual de processo do luto
se compara a outros modelos13:
TABELA DE COMPARAÇÃO DOS MODELOS
Modelo de
Fases
(Bowlby, 1980)
Modelo de
Tarefas
(Worden, 1991)
Modelo Dual de Processo do Luto (DPM)
(Stroebe & Schut, 1999)
Choque
Aceita-se a
realidade da perda
Aceita-se a realidade da perda... assim como a
realidade de um mundo diferente.
Protesto
Experiencia-se a
dor do luto
Experiencia-se a dor do luto... e evita-se a dor do
luto.
Desespero
Ajusta-se à vida
sem a pessoa
falecida
Ajusta-se à vida sem a pessoa falecida... e
aprende a lidar com o ambiente mudado
Restituição
Realoca-se
emocionalmente a
pessoa falecida e
segue em frente
Realoca-se emocionalmente a pessoa falecida e
segue em frente... e desenvolve novos papéis,
identidades, e relacionamentos.
Tabela 2 – Comparação dos Modelos de Luto. Adaptado de STROEBE & SCHUT, 2010, p. 276.
11 Como supracitado, para Freud o trabalho do luto era essencial, ou seja precisaríamos enfrentá-lo ativamente para que o luto fosse resolvido. 12 Nos trabalhos brasileiros, também é utilizado “luto adaptativo” para luto saudável. 13 Para projeto, é considerado relevante discutir o entendimento do luto atualmente, dessa forma não iremos entrar em detalhes sobre os modelos mais antigos.
24
Eles também lembram que os dois modos são fontes de estresse e podem resultar em
angústia e ansiedade. Bem como ficar concentrado em apenas um modo pode indicar uma
interferência no processo de luto saudável14. Em suma, o enfrentamento do luto para o DPM
se resume a um “processo regulatório complexo de confronto e evitação” (STROEBE e
SCHUT, 2010, p.278, tradução nossa).
3.2.3 CONTINUING BONDS: RELACIONAMENTOS NÃO MORREM
Até meados dos anos 90 era comum que psicólogos do luto sugerissem que as
pessoas enfrentassem15 o luto através da desconexão com o seu ente querido, a fim de que
começassem uma nova vida do zero. Costumava-se aconselhar, por exemplo, a casais que
perderam um filho jovem, que engravidarem novamente, como se isso anulasse a perda que
tinham sofrido. (KLASS ET AL., 1994).
No entanto Klass et al. (1994) notaram que indivíduos vivenciando um processo de
luto saudável pareciam fazer exatamente o contrário: elas não se desconectavam dos seus
entes queridos, e sim mantinham esses relacionamentos, dando continuidade aos laços
construídos. Klass et al. (1994) então afirmam que a maneira como os enlutados manifestam
o continuamento dessas relações pode tomar diversas formas: como relembrar momentos
compartilhados com seu ente querido, falar com a pessoa como se estivesse ao seu lado,
visitar o seu túmulo, ou até mesmo sonhar com essa pessoa. Abaixo podemos encontrar mais
detalhes sobre como o continuing bonds se manifesta na vida dos enlutados:
Em um estudo de um grupo de apoio para pais enlutados, foi aparente que seus processos de
luto envolveram interação intensa com seus filhos falecidos. Esses pais estavam sustentando
essas interações usando meios similares daqueles das crianças em luto. A poesia que esses
pais escreveram esclarece a experiência para eles mesmos e entre eles [os companheiros do
grupo de apoio]: foi sobre aprender a viver sem a criança e ao mesmo tempo mantê-la em suas
vidas. Eles aprenderam a viver sem os papéis sociais e interações interpessoais centradas na
paternidade e maternidade, ao mesmo tempo que o filho virou parte deles, e até certo ponto,
parte da sua realidade social. [...]
Os membros consideraram a vida do grupo como uma extensão do seu relacionamento com
suas crianças. O refrão da música adotadao pela organização nacional16 diz "nossos filhos vivem
no amor que compartilhamos." Pais regularmente reportaram que sentiam a presença da criança,
a voz dela, ou viam a influência do seu filho nos pensamentos ou em eventos no mundo. Ao
compartilhar suas experiências com outras pessoas e as definirem como normais, descobriram
que estavam se dirigindo a uma resolução do se luto. Nessa resolução, as experiências dos seus
filhos tornaram-se parte dos seus cotidianos. [...]
14 Importante salientar que só a pessoa enlutada pode saber se está oscilando entre os dois modos, pois não dividir publicamente suas emoções não significa que não estar passando por elas. Mais adiante iremos abordar o trabalho de Pennebaker, Zech e Rimé (2001) sobre revelação de emoções no processo de luto. 15 No próximo capítulo explicaremos o que são estratégias de enfrentamento do luto. 16 O autor não especifica o nome organização é essa, mas inferimos que trata-se de uma organização para os grupos de apoio para pais em luto.
25
À medida que cada um de nós analisávamos dados coletados, percebemos que estávamos
observando um fenômeno que não se encaixava nos modelos de luto que a maioria dos nossos
colegas estavam usando. O que estávamos observando não era um estágio de desengajamento,
o qual fomos educados para esperar [dos enlutados], mais em vez disso, estávamos observando
pessoas mudando e então continuando esse relacionamento com a pessoa falecida. Se manter
conectado pareceu facilitar a habilidade de crianças e adultos de lidar com a perda e as
mudanças resultantes disso na vida delas. Essas conexões proveram conforto e apoio e
facilitou a transição do passado para o futuro. (KLASS ET AL., 1994, p.17, tradução nossa,
grifo nosso).
O continuing bonds é de fundamental importância para esse trabalho, e ainda
faleremos muito sobre esse conceito ao longo deste trabalho. No capítulo seguinte nos
apronfundaremos em estratégias de enfrentamento.
3.3 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO
Estratégia de enfrentamento é o nome dado às diferentes maneiras como as pessoas
lidam com o luto. O modo como essas estratégias se manifestam varia expressivamente, já
que são o resultado de uma série de fatores como: causa da morte, grau de proximidade com
o falecido, mudanças no cotidiano do enlutado, cultura e ambiente onde o indivíduo está
inserido e, até mesmo, liberdade de expressar sua dor nesse ambiente (KOVACS, 2008).
Um estudo que confirma essa premissa, é o das autoras Habekoste e Areosa (2011),
que, ao estudar estratégias de enfrentamento em pessoas que perderam entes queridos
repentinamente, relataram encontrar variadas formas de enfrentamento (sendo algumas o
contraposto de outras). Por exemplo, enquanto uns encontravam conforto na religião e a
doutrina espírita, outros reportaram a perda da fé. Ou enquanto uns abandonaram atividades
(de lazer principalmente) outros deram continuidade ao trabalho por questão de
sobrevivência. Mudanças de comportamento, procura por ajuda profissional, e principalmente
a negação foram outras estratégias encontradas nesse trabalho (HABEKOSTE E AREOSA,
2011).
A negação (tentativa de bloquear pensamentos sobre o acontecido) foi a forma de
enfrentamento mais presente em pessoas que tiveram as perdas consideradas mais súbitas
e traumatizantes. As autoras, no entanto, comentam que a negação é uma estratégia
essencial frente a um trauma como a perda repentina, mas que precisa ser observada com
cautela de forma a prevenir uma complicação do luto.
Habekoste & Areosa (2011) puderam observar que o grupo que deu continuidade as
suas atividades cotidianas e/ou buscaram apoio para o luto (seja em terapia ou em pessoas
provedoras de suporte emocional), obtiveram menor grau de depressão. As autoras também
afirmam que “a partir do momento em que o enlutado der-se conta desta finitude e relatar sua
26
perda sem dor, pode-se dizer que o processo de luto está encaminhando-se para uma
reestruturação de vida, mesmo permanecendo as lembranças do falecido” (HABEKOSTE &
AREOSA, 2011, p.200).
Em suma, a forma como toma o processo de luto depende consideravelmente de como
a morte ocorreu e das estratégias de enfrentamento adotadas pelo enlutado. É possível
observar que os resultados dessa pesquisa são condizentes com o DPM17, pois as pessoas
com sinais de depressão, não mostraram entrar no modo de restauração descrito pelo modelo.
Podemos assim inferir, que as estratégias de enfrentamento são ferramentas utilizadas na
jornada para uma nova vida com novos significados, e que a maneira como são usadas podem
impactar positiva ou negativamente a experiência de luto.
3.3.1 ENFRENTAMENTO ATRAVÉS DE NARRATIVAS
Além das formas de enfrentamento anteriormente citadas, podemos citar o
enfrentamento por meio da construção de narrativas18, tanto pela expressão escrita como pela
verbal. Para Tannem (apud BOSTICCO & THOMPSON, 2005), a construção de narrativas
pode ser um ato muito poderoso para o processo de luto de um indivíduo, pois, é por meio da
organização coerente de eventos, que são criadas ligações entre eles, o mundo, e as pessoas
a sua volta.
Sedney et al. (1994) apud Bosticco & Thompson (2005) defendem que as histórias são
construídas de maneira a atender as necessidades do contexto em que são contadas, e no
processo de luto não poderia ser diferente. Formar narrativas como contar histórias, escrever
sobre acontecimentos, e se engajar em diálogos, é uma maneira benéfica de lidar com a dor
de uma perda. “Histórias capturam eventos emocionais, ajudam indivíduos e família a ganhar
controle dos eventos, aliviar tensão emocional, trazer significado para experiência e conectar
as experiências vividas em eventos por diferentes pessoas” (SEDNEY et al. apud BOSTICCO
& THOMPSON, 2005, p. 5, tradução nossa).
Segundo esse mesmo autor, os efeitos da construção de narrativas podem ser
especialmente positivos para os relacionamentos familiares após uma perda na família. Ao
compartilhar histórias sobre uma pletora de temas (como detalhes da circunstância da morte
e a experiência de cada membro), essas interações ajudam a reconectar laços fraternais e
reestabelecer um relacionamento saudável.
17 Ver capítulo “Teorias Aceitas”. 18 Esse tipo de enfrentamento se relaciona intimamente com a prática da terapia e do suporte emocional citados no tópico anterior, já que são nesses momentos que os enlutados formam narrativas, ao conversar sobre seu luto e a pessoa que perdeu.
27
O estudo de Van Riper (1994) apud Bosticco & Thompson (2005) é um bom exemplo
do valor que o compartilhamento de possui. O autor estudou o caso de uma família de cinco
irmãs, que perderam a mais jovem, de 17 meses em um acidente de carro. Elas tinham entre
5 e 11 anos de idade na época do acidente, e, por ter sido uma experiência extremamente
traumática, nunca chegaram a conversar sobre o ocorrido. O assunto entre elas permaneceu
como tabu, até o momento em que uma das irmãs teve a iniciativa de escrever um trabalho
sobre essa perda. Ela pediu a contribuição das suas irmãs sobre suas experiências e o
impacto na vida de cada uma. Após esse processo de aprofundamento intenso sobre os
eventos relacionados ao acidente, uma delas relata:
“[...] participar desse processo longo e doloroso ajudou cada uma de nós a crescer e a nos
desenvolver como indivíduos. Também nos ajudou a crescer e a nos desenvolver como família.
Além disso, nos deu a sensação de alívio e de esperança” (VAN RIPER apud BOSTICCO &
THOMPSON, 2005, p.12, tradução nossa, grifo nosso).
Pais que perderam os filhos podem especialmente se beneficiar dessa prática, pois
“compartilhar histórias é uma ferramenta chave para que os pais enlutados revisem,
compartilhem e adicionem significado para a perda que experienciaram” (MASSIMI &
BAECKER, 2011, p.120, tradução nossa). Inclusive, os mesmos autores sugerem que
tecnologias como a computação ubíqua19 para a construção de narrativas, podem ser
caminhos inovadores para que pessoas enlutadas compartilhem suas histórias.
No entanto, é importante salientar que, nem sempre, o compartilhamento de emoções
durante o processo de luto caracteriza um luto saudável. Pennebaker et al. (2001) defendem
que devemos olhar para a personalidade do indivíduo, a fim de descobrir se aquele
comportamento é um bom sinal. Além desta, pode ser visto na tabela que os mesmos autores
puderam tirar outras conclusões, importantes para o entendimento do luto:
19 “Computação ubíqua (em inglês: Ubiquitous Computing ou ubicomp) ou computação pervasiva é um termo usado para descrever a onipresença da informática no cotidiano das pessoas” (WIKIPEDIA, 2016, online).
28
ENFRENTAMENTO DO LUTO POR MEIO DA REVELAÇÃO
1
Durante o processo de luto as pessoas, geralmente, trabalham a dor naturalmente e
não precisam de estratégias de intervenção para lidar com isso.
2
Para pessoas enlutadas, falar ou escrever sobre os sentimentos pode indicar tanto
uma ótima como péssima adaptação, dependendo da personalidade do indivíduo.
Dessa forma, ao contrário do que o senso comum possa fazer acreditar, falar sobre
as emoções com o intuito de lidar com o luto pode não ser benéfico.
3
Compartilhar emoções socialmente pode ajudar a manter o os relacionamentos com
amigos e família, e consequentemente fortalecer o suporte para a pessoa enlutada.
4
Pessoas que naturalmente não tendem a falar sobre suas emoções possuem mais
vantagem em expressar suas experiências por meio da escrita do que indivíduos mais
abertos.
5
Expressar os sentimentos por meio da escrita pode ser muito benéfico para pessoas
que sentem que têm a sua expressão do luto limitada devido a não aceitação de
certos assuntos pela sociedade (por exemplo, mortes causadas por fatores
estigmatizados como a AIDS, assassinato e suicídio). Isso acontece pois é uma forma
de manifestar emoções sem precisar de um interlocutor. Essa ferramenta também
pode ajudar a estruturação do pensamento e assim entender e encontrar sentido no
acontecido.
Tabela 3: Enfrentamento do luto por meio da revelação. Adaptado de PENNEBAKER et al., 2001
Importante notar, que, sabendo das diversas maneiras de enfrentar o luto, esse projeto
não pretende propor um artefato de terapia para o luto, que prometerá a “superação” (pois o
luto não é superado mas ressignificado), e sim um facilitador para atividades que enlutados
gostariam de se engajar, a fim de despertar-lhes sentimentos positivos.
29
3.4 IMORTALIDADE SIMBÓLICA
Neste trabalho, identificou-se a necessidade de melhor entender o modo dos seres
humanos encararem a morte, e como isso pode interferir no processo de luto. Lifton e Olson
(1974) defendem que a maneira como os seres humanos conseguem viver frente a
inevitabilidade da morte é através da ideia de continuidade além dela, chamada de
imortalidade simbólica. Vigilant & Williamson (2003) definem20 a Imortalidade simbólica como
“um aparato de trascendência da morte, que coloniza o futuro ao assegurar que a identidade
do indivíduo continuará uma parte ativa do futuro, seja por um ato estético, uma jornada
religiosa como objetivo de conquistar uma alma eterna, ou então por meios biológicos através
da progenia” (p.14, tradução nossa).
Um exemplo notável dessa “colonização do futuro” pode ser encontrado na obra Ilíada,
de Homero. Nela somos apresentados a Aquiles, o herói grego que se vê em um grande
impasse: o de escolher entre ir ou não a Guerra de Troia. Se escolhesse ficar, Aquiles
desfrutaria de uma vida comum, porém longa. Mas se a decisão fosse guerrear, ele daria a
vida em meio a grandes feitos na guerra e, assim, ganharia a imortalidade pela fama
eterna. Aquiles não hesitou em escolher a guerra e morrer a "Bela Morte”21, pois ela o
permitiria conquistar a imortalidade através da colonização do futuro pela memória da
humanidade.
Pés-de-prata, a deusa Tétis, madre, me avisou: um destino dúplice fadou-me à morte como
termo. Fico e luto em Troia: não haverá retorno para mim, só glória eterna; volto ao lar, a cara
terra pátria: perco essa glória excelsa, ganho longa vida; tão cedo não me assalta a morte com
seu termo. (HOMERO, Ilíada, IX, v. 410-416. apud FERMIGLI, online).
A partir da história de Aquiles, podemos notar o quão antiga, e portanto humana, é a
busca pela transcendência da morte corpórea. Felizmente, a “Bela Morte” é um exemplo
extremo dentre diversas maneiras de atribuir significado à nossa existência pelo conceito de
imortalidade simbólica. Dantas (2015) sintetiza as cinco maneiras discutidas por Lifton &
Olson (1974), apresentadas na tabela abaixo:
20 Vigilant & Williamson (2003) chegam a essa definição de imortalidade simbólica a partir da análise das obras de Anthony Giddens em The Constitution of Society: Outline of the Theory of Structuration. Cambridge: Polity Press, 1984.; também em Modernity and Self-Identity: Self and Society in the Late Modern Age. CA: Stanford
University Press, 1991. 21 Segundo VERNANT apud FERMIGLI (online), a “bela morte” é o objetivo de todo o guerreiro grego: a morte na batalha acolhida de bom grado através do feito heroico. (VERNANT, Jean Pierre. "A Bela Morte e o Cadáver Ultrajado". IN: Discursos, n° 9, São Paulo: USP, 1979).
30
OS CINCO TIPOS DE IMORTALIDADE SIMBÓLICA
Imortalidade biológica
o senso de continuidade que se enxerga na família, nação,
etnia, tribo, e até espécie; presentes no nosso cotidiano do
nosso material genético, fotografias, relíquias e heranças de
família, aos monumentos , memoriais e ritos fúnebres;
Imortalidade criativa
O senso de contribuição de um trabalhador criativo e a sua
influência na vida de outras pessoas, legado em artes, ciência,
tecnologia, filosofia etc;
Imortalidade teológica
Crença na existência da alma e em vida após a morte;
Imortalidade Natural
Senso de pertencimento a um ambiente e, por conseguinte,
aspirações de “retorno” à natureza e preocupações de ordem
ecológica;
Experiências
transcendentais
Descritas como um estado de “iluminação”, extrapolação dos
limites da vida ordinária, estar “fora de si”. Senso de estar “além
da vida e da morte” e um reordenamento simbólico. Pode
ocorrer em relação a qualquer um dos quatro modos
anteriormente citados com a integração de qualquer um deles
na vida de alguém.
Tabela 4: Os cinco tipos de imortalidade simbólica. Adaptado de DANTAS, 2015.
Lifton e Olson (1974) defendem que refletir sobre o que fazemos em vida, de maneira
a ressignificar nossa morte, é algo de extrema importância para a nossa saúde psicológica,
pois nos ajuda a dar propósito à vida e tranquilidade frente ao morrer.
Um indivíduo poderá deixar descendentes, ter uma extensa produção, entender que
viverá após sua morte como parte da natureza, ou unicamente acreditar que seu espírito
permanecerá após a morte do seu corpo. Utilizar qualquer ou todos os modos expostos,
permite que nós encontremos na imortalidade simbólica a redução do sentimento de medo e
ansiedade frente a morte.
31
3.4.1 IMORTALIDADE SIMBÓLICA ATRAVÉS DA CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE
PÓS MORTE
É muito comum encontrar entre indivíduos com a morte próxima, a preocupação de
como serão lembrados, ou seja, como irão ser imortalizados simbolicamente pelos vivos.
Unruh (1983) apud Vigilant & Williamson (2003) dá importância especial para esse
desenvolvimento da identidade pós morte:
O trabalho de David Unruh (1983), sobre estratégias de preservação da identidade entre pessoas
que estão morrendo e seus entes queridos, é de particular importância. O estudo de Unruh (1983)
sobre a jornada de preservação da identidade de uma pessoa além do túmulo é interessante
para sociológos, pois ele descreve esse processo como algo fundamentado na interação entre
os que estão morrendo e os seus supérstites (VIGILANT & WILLIAMSON, 2005, p.173, tradução
nossa)
Unruh (1983) então, determina que uma pessoa prestes a morrer poderá recorrer a
estratégias de preservação em vida da sua identidade22, assim como os seus entes queridos,
que podem vir a utilizar essa estratégia como um modo de enfrentamento do luto23 (apud
VIGILANT & WILLIAMSON, 2003).
ESTRATÉGIAS PARA A PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE PÓS MORTE DE UM
INDIVÍDUO (UNRUH, 1983)
Estratégias empregadas pelo
próprio indivíduo com morte
iminente
Tentativas de solidificar a identidade: o indivíduo registra
em diários, áudios e cartas, aspectos da sua identidade que
gostaria de preservar.
Acumulação de artefatos: o indivíduo coleta artefatos e
memorabilia que funcionarão como símbolos da sua história
de vida.
Distribuição de artefatos: o indivíduo distribui seus objetos
para amigos próximos e famíliares, seja por meio de
22 A construção da identidade pós morte não é algo exclusivo de pessoas com morte iminente, ela apenas se torna uma preocupação mais urgente para elas. 23 Vale salientar que a preservação da memória de um ente querido falecido é algo importante para muitos enlutados. Podemos ver no questionário aplicado no projeto depoimentos que relatam a necessidade de registrar memórias a fim de não deixá-las caírem em esquecimento. Esses depoimentos podem ser encontrados no capítulo “metodologia e processo”.
32
testamento ou não. Eles funcionam como provas da sua
identidade.
Estratégias empregadas
pelos seus entes queridos
Ressignificação de memórias: reinterpretar experiências
mundanas que tiveram com o falecido, de maneira a lhes dar
novos significados.
Redefinir o negativo: idealizar aspectos não tão positivos
sobre a personalidade do falecido ou experiências com ele.
Continuar conexões: engajar em atividades que relembram
o falecido.
Uso de artefatos santificadores: o uso de objetos
considerados representações sagrada do falecido.
Tabela 5: estratégias para a preservação da identidade pós morte de um indivíduo, por UNRUH, 1983.
Adaptado de VIGILANT & WILLIAMSON, 2003.
Vigillant & Williamson (2003) salientam que esse modo de imortalidade simbólica é
interacional, ou seja, é requerido ações que partem do indivíduo antes de falecer, e respostas
dos conhecidos que continuarão vivos. Assim, para que essa identidade pós morte seja
construída, interações precisam existir, seja por meio de registros ou da oralidade.
Em suma, a imortalidade simbólica é um conceito que pode trazer benefícios
psicológicos tanto para nós, ao lidarmos com a nossa própria morte, como para o nosso luto,
ao lidarmos com a morte do outro. Ela nos traz tranquilidade pois entendemos que, mesmo
que o nosso corpo não esteja vivo, iremos continuar vivos simbolicamente nas marcas que
deixamos: conexões humanas que criamos, trabalhos que publicamos, a volta da nossa
matéria ao cosmos, a crença da continuidade do nosso espírito, tudo isso traz sentido para a
nossa existência. Esse mesmo pensamento se aplica também ao ressignificar a morte uma
pessoa querida, pois ela continua nas nossas memórias, nas relíquias deixadas, nas
conversas com os amigos, e nas histórias que contamos.
33
3.5 TANATOTECNOLOGIA: TECNOLOGIAS RELACIONADAS A MORTE
Embora a relação entre o design, tecnologia e a morte pareça ser um assunto que só
tenha ganhado a devida atenção nos últimos anos, ele não é algo tão novo assim. Sofka
(2012) comenta que em meio aos anos de 1990, tanatologistas24 perceberam que a
tanatologia vinha sendo explorada na internet, uma tecnologia nova na época. Dessa maneira,
a fim de “capturar a sinergia entre o tópico [tanatologia] e a tecnologia que estava dando essa
nova exposição, um tanatologista cunhou o termo thanatechnology” (SOFKA, 2012, p.3,
tradução nossa, grifo nosso). Termo esse definido na época como “mecanismos tecnológicos
como vídeos interativos e programas de computador usados para acessar informação ou
auxiliar no aprendizado de tópicos da tanatologia” (SOFKA, 1997).25 Dessa maneira, ao longo
desse trabalho, iremos nos referir às tecnologias relacionadas a morte e ao luto com o termo
tanatotecnologia26.
3.5.1 TANATOTECNOLOGIA NO MEIO ONLINE
Podemos notar que de 1990 para cá, as maneiras como as pessoas utilizam a internet
para lidar com assuntos relacionados a morte tem sido cada vez mais variadas, e a
curiosidade em relação a este tema acaba por motivar diversos estudos. Em sua revisão
bibliográfica sobre a morte no meio online, Gotved (2014) classifica as atividades que ocorrem
na internet dentro de uma linha do tempo composta por três fases: “Ante Mortem” (antes da
morte), “Peri Mortem” (próximo a morte), e “Post Mortem” (pós morte). Ante e Peri Mortem
são as categorias que mais se relacionam com resolução de problemas, sendo as empresas
do setor funerário citadas como protagonistas nessa área. Já a fase Post Mortem engloba as
mudanças culturais em relação a como lidamos com o luto27, assim como a conservação da
memória no ambiente digital (com foco em compartilhamento de informação em redes sociais
e memoriais online).
Na fase Ante Mortem os stakeholders são, em sua maioria, pessoas que já começaram
a planejar a sua morte, geralmente por terem uma noção mais pragmática da inevitabilidade
da mesma, esteja ela próxima ou não. Podemos citar, por exemplo, empresas funerárias, que
oferecem serviços futuros no meio online, grupos de discussão sobre o tema, além de legado
24 De tanatologia: “estudo da morte”. 25 A autora cita na obra de 2012 seu outro estudo, publicado em 1997 “Social support "internetworks," caskets for sale, and more: Thanatology and the information superhighway”. No periódico Death Studies, p.553-574 26 Na falta de uma tradução oficial desse termo em português, foi feita a tradução livre para o termo tanatotecnologia. 27 Luto passa do meio offline para o meio online.
34
digital28. Na fase Peri Mortem os stakeholders são, principalmente, as pessoas mais próximas
daquele que morreu, pois são elas que lidam com a parte mais burocrática do acontecimento,
como por exemplo o funeral. As atividades relacionadas a essa categoria são em sua maioria
presentes no mundo físico e aos poucos passaram a coexistir no meio online. Por exemplo
na cidade de Natal, RN, Brasil, a empresa Grupo Vila oferece diversos serviços relacionados
a essa categoria, como o velório online29, mural de homenagens, obituário, e floricultura
online.
Gotved (2014) então relata que a fase Post Mortem tem como stakeholders toda a
rede de amigos, família, e conhecidos do falecido e que os estudos relacionados a essa fase
exploram principalmente o luto em redes sociais, memoriais online, e aplicativos. Por ser a
fase Post Mortem a mais relevante para o presente trabalho, abordaremos as maneiras como
a tanatotecnologia se manifesta nessa fase, dando ênfase ao luto em redes sociais como o
Facebook e memoriais online, além de falar mais sobre thanatosensitive design aplicado a
sistemas para enlutados.
3.5.2 O PAPEL DAS REDES SOCIAIS E MEMORIAIS ONLINE NO PROCESSO DE LUTO
O tipo mais comum de manifestação do luto em meio online é a utilização de redes
sociais, sendo o Facebook hoje a plataforma mais utilizada.30 Segundo Bousso (2014), a razão
pela qual as pessoas recorrem a esses ambientes para expressar o luto, é o apoio encontrado
neles em contraste com o sentimento de abandono experienciado no mundo offline. Embora
os seres humanos precisem interagir para lidar com o luto a sociedade brasileira urbana, (e
ocidental de modo geral) evita os tópicos morte e sofrimento fazendo com que os enlutados
sintam-se sozinhos na sua dor, como expõe Bousso et al. (2014):
Tal autor [Koury, 2003] aponta que a sociedade brasileira urbana é caracterizada pelo
refreamento das ações de partilha e expressão do sofrimento; mascaramento do morrer;
distanciamento em relação ao morto e aos enlutados; receio social de contaminação em relação
à dor do enlutado e vergonha de estar enlutado. Apesar de esse estudo não ser muito recente,
pois foi realizado em 2003, entendemos que o pensamento atual é de que nossa sociedade
ocidental, de um modo geral, nega a morte e tudo aquilo que pode fazer lembrar sua existência,
não oferece continência ao enlutado, pelo contrário, procuram afastá-lo e excluí-lo. (BOUSSO et
al., 2014, p.175)
Já que os enlutados acabam por não receber o devido suporte, podemos entender o
porquê dessas pessoas recorrerem a ambientes online como o Facebook. É lá onde eles
28 Legado digital engloba tudo o que uma pessoa possui em meio digital, por exemplo senhas, contas, arquivos, emails, perfis em redes sociais etc. 29 Este serviço permite que pessoas que não puderam comparecer pessoalmente ao velório, possam acompanhá-lo através de transmição ao vivo pelo computador. 30 No passado sites como o Orkut e o Myspace também eram empregados para o mesmo propósito.
35
encontram o apoio da sua comunidade de amigos, através da expressão escrita, ou feedback
proveniente das “curtidas” e comentários (BOUSSO et al., 2014). O depoimento a seguir
ilustra essa afirmação:
Na vida offline, todos tratam a nossa dor de uma forma muito fria. Ficam incomodados quando
começamos a falar e criam um distanciamento para o assunto. Já no mundo online, a dor não
pode ser calada! Leia quem quiser... O Facebook me ajudou muito! (BOUSSO et al., 2014, online)
Como defendido por Bousso et al. “as novas tecnologias e práticas interacionais
podem contribuir para uma mudança na maneira da sociedade lidar com a morte e com o
enlutado” (2014, p.176). Por exemplo, as maneiras como enlutados se expressam nas redes
sociais variam imensamente. Não deletar o perfil do falecido e, em vez disso, mudá-lo para a
função “memorial”, é uma delas. Esse recurso abre um espaço de quase peregrinação àquele
ambiente no qual é possível enviar mensagens e visualizar fotos, podendo desse modo,
relembrar momentos vivenciados com aquela pessoa.
No caso de memoriais online, Roberts (2004) apud Gotved (2014) aponta a utilização
de dessas plataformas como uma maneira de “complementar o processo de luto tradicional
por meio da continuação dos laços [continuing bonds] com o falecido, e aprofundamento das
conexões com pessoas passando por experiências similares” (p.117, tradução nossa, grifo
nosso).
Grupos e páginas dedicadas ao falecido funcionam de modo semelhante, tornando-se
espaços interativos de apoio e compartilhamento. Um outro ponto para o qual podemos
chamar atenção é o caráter dos textos escritos em perfis de pessoas falecidas. Carroll &
Landry (2010) ao pesquisar a expressão do luto na rede social MySpace31, identificam cinco
categorias de mensagens. Os tipos mais comuns eram sobre o luto e a dor da perda em si, já
outras mostravam admiração pelo falecido, pedidos de ajuda, reelaboração de narrativas que
colocavam o autor em um papel chave e, finalmente, relatos enaltecendo valores e crenças
do falecido. Alguns desses tipos de mensagem (reelaboração de narrativas e enaltecer
valores e crenças) são uma clara manifestação da necessidade dos enlutados de imortalizar
simbolicamente seu ente querido no meio online, de maneira a solidificar sua identidade pós
morte32 e, assim, lidar com o seu luto.
Juntamente com o uso de redes sociais como o Facebook para esse fim, vem também
a importância de que os desenvolvedores tenham o thanatosensitive design em mente ao
realizar updates e redesigns em funcionalidades. Brubaker & Vertesi (2010) alertam para uma
potencial tensão entre a necessidade de interação com perfis de falecidos online, e o
31 O My Space era uma rede social muito utilizada nos anos 2000, principalmente nos Estados Unidos, que, no entanto, perdeu força com advindo do Facebook. 32 Ver o tópico Imortalidade Simbólica
36
desconforto que pode ser causado ao nos depararmos com “perfis fantasmas”. Para ilustrar
esse fato, relatam um acontecimento ocorrido no Facebook, quando a função “reconectar”33
foi introduzida. Usuários então receberam notificações os orientando a se reconectar com
perfis de amigos, tanto vivos como já falecidos, o que motivou tanto reações positivas como
negativas. Por um lado, apontaram a insensibilidade do sistema ao pedir que os vivos se
reconectassem com os mortos, causando o desconforto de muitos usuários. Por outro,
comentários não contrariados, mas sim referentes ao luto também apareceram, como a
seguinte fala: “O facebook me disse que eu preciso me reconectar a você, eu queria que fosse
fácil como pegar o telefone ou digitar essas palavras. Eu sinto sua falta e penso muito em
você!” (BRUBAKER & VERTESI, 2010, p.4, tradução nossa).
Dessa maneira, Brubaker & Vertesi (2010) apontam o risco que existe ao remover
contas de usuários já falecidos ou realizar mudanças no modelo de interação desses perfis
no sistema, afinal de contas “o envolvimento continuado de usuários mortos nas práticas
sociais dos vivos, sugere a importância deles dentro das redes sociais e contextos que ainda
existem” (BRUBAKER & VERTESI, 2010, p.2, tradução nossa). Assim, os autores ressaltam
a importância das decisões de design para esses perfis, de maneira a serem tomadas com
empatia e cuidado especial.
A partir dessa revisão podemos entender o importante papel das redes sociais e como
elas são pensadas para o luto. Como Kern et al. apud Gotved (2014) defende: o Facebook
também “é um lugar para honrar, memorializar e promover diálogo sobre o falecido” (p.119,
tradução nossa).
33 Tratava-se de uma tentativa do Facebook de estimular interações entre os usuários, ao sugerir que se
comunicassem com pessoas que há algum tempo não interagiam.
37
3.5.3 MEMORIAIS ONLINE
Os memoriais online são plataformas que oferecem um ambiente para a
memorialização dos mortos. Eles oferecem funcionalidades como postar vídeos, fotos e
músicas, e até mesmo realizar atos ritualísticos como acender velas virtuais. Hutchings (2014)
define esse espaço como uma espécie de álbum de memórias do falecido, podendo ser
visualizado e alimentado com contribuições dos amigos e da família.
Figura 6: à esquerda: memorial online Never Gone, à direita: memorial online Forever Missed.
A experiência emocional que é visitar um memorial online pode ser muito benéfica para
enlutados, por ser uma oportunidade de liberar emoções há muito tempo contidas e, assim,
melhorar a saúde psicológica do indivíduo. Hutchings (2014) relata o trabalho de Egglestone
(2010), no qual ele estuda a sua própria interação com o memorial feito para seu amigo, que
visitado por ele todos os dias, como relata:
“intensa experiência emocional a qual permitiu me conectar com emoções que foram reprimidas
durante um momento difícil e finalmente liberá-las. Esse processo ajudou a melhorar minha
saúde mental consideravelmente” (EGGLESTONE apud HUTCHINGS, 2014, p.197, tradução
nossa).
38
Já em outro depoimento, a visita é descrita como uma experiência catártica:
Foi um sentimento muito especial. Eu senti como se estivesse entrando em um santuário. Eu li
as histórias [de outras pessoas] no passado, muitas vezes acabando por chorar muito, sentindo
a dor e a perda delas refletida na minha própria. [...] Hoje eu sinto afinidade com um grupo de
pessoas espalhadas pelo mundo, conectadas pela experiência de perder alguém com quem
temos uma conexão mais forte que a morte (GOLDEN apud HUTCHINGS 2014, p.197, grifo
nosso, tradução nossa).
Essa afinidade compartilhada entre desconhecidos, como exposto no depoimento
acima, é defendida por Hutchings (2014) como muito positiva para pessoas vivenciando
determinadas situações de luto, quando encontrar apoio pode ser mais difícil:
Categorias de luto que não são entendidas ou respeitadas por redes locais de apoio, podem ser expressadas digitalmente. Na Rainbows Bridge34, por exemplo, memoriais online podem ser
criados para pets, conectando donos enlutados e permitindo que eles expressem emoções de perda e esperanças para uma futura reunião que pode não ser considerada em outro lugar. Indivíduos passando pelo luto de um tipo de perda específica – morte de uma criança, morte por suicídio, perda de um pai – talvez descubram as comunidades de luto online como em maior sintonia com suas necessidades do que amigos e família offline. 35 (HUTCHINGS, 2014, p.205, grifo nosso, tradução nossa).
Dessa maneira podemos entender que a mudança do luto para o meio online é uma
tendência atual, e como tanto, uma área interessante de projeto a ser explorada, oferecendo
oportunidades de inovação em experiência e interação. No entanto, projetar para pessoas em
luto é algo que requer muita empatia e cuidado. A partir disso, viu-se a necessidade de criar
uma abordagem especial para o projeto de interfaces, levando a morte e o luto em
consideração. Essa abordagem se chama Thanatosensitive Design36, e será discutido no
tópico a seguir.
34 Uma plataforma para memoriais online 35 Ruth Swartwood, “Surviving Grief: An Analysis of the Exchange of Hope in Online Grief Communities,” Omega 63, no. 2 (n.d.): 161–181. 36 Tradução livre: Design Tanatosensível, ou o design sensível às necessidades relacionadas a morte.
39
3.6 THANATOSENSITIVE DESIGN E SISTEMAS PARA PESSOAS EM LUTO
Ao perceber a necessidade de uma atenção especial para projetos de sistemas que
levam a morte em consideração, o pesquisador canadense Michael Massimi desenvolveu a
abordagem Thanatosensitive Design, definida como:
uma nova abordagem humanisticamente fundamentada, para pesquisa em Interação
Humano-Computador (HCI, doravante)37 e design, a qual reconhece e ativamente se
relaciona com os fatores da mortalidade, processo de falecimento e a morte em si na
criação de sistemas interativos (MASSIMI, 2009, p. 2464, tradução nossa).
Mais à frente em 2012, Massimi desenvolve essa abordagem e descreve as diretrizes
do Thanatosensitive Design, como exposto na tabela abaixo:
O que é o Thanatosensitive Design (TSD)
Uma
abordagem/orientação
para o design
O TSD é um modo de abordar problemas de design de maneira a
considerar a morte e suas consequências. Ele encoraja o designer
a investigar múltiplas maneiras de compreender a morte no design
de um sistema, incluindo considerações das ciências humanas e
sociais.
Uma lente
O TSD enfoca aspectos particulares relacionados à morte ao
investigar o espaço do design. O TSD pode possibilitar os
designers a pensar sobre como usuários podem entender o
sistema no contexto da sua própria morte, assim como na eventual
morte de outra pessoa. Pode ser aplicado seletivamente durante o
processo de design e “trocado” por outras lentes.
Por exemplo, na abordagem TSD para um sistema como o
Facebook, designers identificariam novos tipos de usuários e
cenários de usos, proporcionando funções de acordo com as
necessidades encontradas.
Um domínio
O “Thanatosensitive design” provê a direção para uma nova classe
de pesquisa e projetos de design que investigam a morte. Uma
comparação pode ser feita ao design sustentável, o qual
similarmente não define um método para projeto, mas em lugar
disso questiona o designer a considerar fatores ecológicos a
medida em que o design é projetado.
37 Abreviação para o termo em inglês, Human-Computer Interaction.
40
Uma instância
reflexiva
O TSD quando aplicado como uma a lente a qualquer problema de
design, pode possibilitar aos designers a reflexão sobre suas
próprias experiências pessoais com a morte, de modo a entender
como elas impactam suas decisões de design. Um indivíduo que
experienciou uma morte traumática em seu círculo, poderá
enxergar determinado problema diferentemente de alguém que
nunca passou por tal experiência.
Parte de um grupo
maior de abordagens
ao fazer design para a
condição humana
O TSD é uma abordagem que entende apenas uma parte da
condição humana: a morte. Existem outros tópicos que são
profundamente humanos e que podem se beneficiar de
abordagens similares.
Mais importantemente, o TSD é uma ferramenta para o
pensamento. Ele pode agir como uma forma de questionar como
sistemas podem ser utilizados através e além da vida de uma
pessoa. Ao juntarmos a morte e o design, nós implicitamente
levantamos questões sobre outras partes da nossa vida, como o
nascimento e velhice, que podem potencialmente levar a insights
úteis para o projeto. Pensar sobre como um sistema poderá lidar
com a morte é uma preocupação crescente em pesquisa
acadêmica e na prática de projeto.
Tabela 6: O que é o Thanatosensitive Design. Adaptado de MASSIMI, 2012.
Massimi & Charise (2009) também chamam atenção para a importância de utilizar uma
abordagem humanista na pesquisa e projeto para sistemas relacionados a morte em HCI.
Eles comentam que a pesquisa em laboratório nessa área, ao contrário de outras, não oferece
resultados tão precisos quanto o emprego de métodos como a etnometodologia.38 No entanto,
embora reconheçam que a etnometodologia possa ser uma boa solução, ressaltam que
ferramentas desse método podem muitas vezes ultrapassar limites éticos, devido à natureza
sensível do tema:
[esses métodos] parecem carregar um risco emocional muito alto para participantes ao investigar um assunto tão culturalmente sensível como a morte. Pedir para participantes testarem um novo protótipo enquanto estão em luto pode ser eticamente, logisticamente e tecnologicamente difícil (MASSIMII & CHARISE, 2009, p.2461, grifo nosso, tradução nossa).
Stroebe & Schut (2003) confirmam essa premissa, ao afirmar a importância de um
posicionamento ético ao pesquisar o luto. Ressaltam que, embora muitas pessoas participem
38 Método da sociologia que busca observar o comportamento das pessoas em seu ambiente natural (hospitais, espaços públicos, lares).
41
de pesquisas nessa área (seja como um meio de desabafar ou contribuir para a compreensão
do luto) não podemos esquecer que ainda somos intrusos nos seus mundos.
De acordo com o que foi discutido sobre o uso de redes sociais por indivíduos em
processo de luto, não é de surpreender que existam muitas plataformas sendo desenvolvidas
nessa área. Juntamente com essa demanda, vem a necessidade de uma maior compreensão
do que essas pessoas estão vivenciando, de maneira a projetar interfaces mais
“tanatosensíveis”. Massimi & Baecker em seu artigo de 2011 estudam os fatores que
precisamos levar em consideração ao projetar sistemas para pessoas enlutadas. Eles
percebem principalmente, que devemos evitar tentativas de “consertar” o luto, pois não é algo
a ser consertado. Também, incentivam a construção de narrativas, chamam atenção para
possíveis dificuldades na comunicação com os amigos e familiares, para as riquezas das
interações entre pessoas com situações de luto semelhantes, para o ato de construir e cuidar
de coisas39 para o falecido e, principalmente, defende o Continuing Bonds como um conceito
que unifica todas essas atividades, como segue:
SISTEMAS TANATOSENSÍVEIS PARA ENLUTADOS (MASSIMI & BAECKER, 2011)
O luto não é um
problema a ser
resolvido.
Perder um ente querido é um processo, e uma mudança permanente
na visão de mundo. Projetar sistemas os quais buscam “consertar” o
luto de uma pessoa, como se fosse uma doença problemática (não
importando o quanto isso vem de boa intenção) pode ser
potencialmente desrespeitoso e não saudável.
A comunicação pode
ser complicada.
Podemos imaginar que os enlutados desejam constante companhia e
precisam conversar sobre seus sentimentos, de maneira a atingir
alguma paz. No entanto, ao mesmo tempo que a comunicação é
importante, designers precisam permitir que enlutados escolham o
silêncio, a desconexão e o isolamento.
Família e amigos não
ajudam tanto quanto
se acredita.
Amigos e família talvez não sejam capacitados a prover o suporte
necessário, por causa de complicações de relacionamentos pré
existentes ou da inabilidade de entender a experiência do enlutado. Ao
desenvolver tecnologias que encorajam a comunicação durante o luto,
é necessário considerar fontes de suporte extra familiares, como grupos
de apoio ou psicólogos do luto.
Encorajar o ato de
construir narrativas e
contar de histórias
Contar histórias/construção de narrativas é um rico processo para os
enlutados, e serve para muitos propósitos: desde relembrar de uma boa
lembrança, a tentar entender porque a morte ocorreu. Novas
tecnologias podem permitir que o enlutado conte histórias de maneiras
39 Como continuar projetos inacabados pelo falecido, cuidar de seus objetos e construir memoriais.
42
que não podiam antes: através de fotos, vídeos ou outras formas de
comunicação mediadas por computadores. Ouvir essas histórias
também pode ser uma maneira produtiva de imaginar novas
oportunidades para inovação tecnológica, assim como através de
storyboards ou desenvolvimento de cenários de design.
Relacionamentos não
morrem:
Quando um ente querido morre, o relacionamento não some. Em vez
disso, uma nova assimetria é introduzida, transformando o modo como
o relacionamento é conduzido. Sistemas devem considerar a realidade
do relacionamento e da perda. Ao fazer isso, tal sistema pode apoiar a
nova forma de relacionamento entre o falecido e os enlutados.
O ato de fazer é
significativo.
Para algumas pessoas, engajar em ações pode ser um bom modo de
enfrentar o luto, criando significado para a morte e se conectando com
pessoas que as apoiam. Ao oferecer a esses usuários a oportunidade
de criar, personalizar e construir artefatos significativos – sejam eles
digitais ou físicos – sistemas podem apoiar pessoas enlutadas de uma
maneira prática e útil. Pode-se incluir uma série de atividades
prescritivas e criativas e, assim, permitir que elas possam ser feitas
tanto sozinhas como em um grupo.
Permita que o sistema
evolua ao longo tempo
Os enlutados usam uma variedade de índices - fotos, vestimentas, joias,
música, lugares, música, lugares, dias do ano – para refletir sobre sua
perda. Sistemas que buscam apoiar enlutados ao criar memoriais
digitais ou legados, devem ser construídos para acomodar a
heterogeneidade dos materiais, momentos e lugares, e fazer com que
esses lembretes possam ser adicionados lentamente ao longo do
tempo. É possível permitir que usuários se engajem com essas “pistas”
de diferentes maneiras, como uma maneira de nutrir o relacionamento
(semelhante ao cuidado que as pessoas tomam ao cuidar de túmulos,
por exemplo).
Controlar símbolos de
luto:
Enlutados devem poder gerenciar sua aparência exterior e controlar o
quanto de indicação dão para os outros do seu estado emocional. Em
algumas situações, os enlutados não desejam ser vistos como uma
pessoa enlutada (ex. interações profissionais). Alguns símbolos de luto
são extremamente privados, enquanto outros são para serem vistos
publicamente. Ao projetar sistemas para o uso dos enlutados, é
necessário considerar como o sistema pode ser facilmente ignorado ou
omitido de interações diárias.
A vida continua
Mesmo que perder um ente querido seja um trágico evento emocional,
nós devemos lembrar que os enlutados continuam vivendo as suas
vidas, apenas de maneira diferente. Desenvolvedores de sistemas
precisam lembrar que enlutados ainda são amigos, parentes,
empregador e vizinhos, e que o luto é apenas uma parte da vida deles.
Tabela 7: Sistemas tanatosensíveis para enlutados. Adaptado de MASSIMI & BAECKER, 2011 (2015)
43
3.6.1 PROJETANDO MEMORIAIS DIGITAIS
Ao projetar memoriais digitais é importante que entendamos o que os caracterizam, e
no que devemos pensar para projetá-los. A seguir iremos explicar o Framework para a criação
de um memorial digital, desenvolvido por Moncur & Kirk (2014).
Nesse framework é defendido que ao construir um memorial digital precisamos nos
fazer quatro perguntas: 1) quem são os atores envolvidos; 2) quais serão os inputs; 3) qual é
a forma que esse memorial irá tomar; e 4) que mensagem ele irá passar (tabela 8). Essas
perguntas elas são fundamentais para a compreensão do memorial como um todo, como os
autores defendem:
Essas perguntas servem tanto para inspirar o design como para permitir críticas. Elas
podem ser usadas para interrogar o conceito e ver quais propostas respondem a esses
desafios críticos: de definir e apoiar atores relevantes; justificar a escolha de inputs,
forma, e mensagem. (MONCUR & KIRK, 2014, p.972, tradução nossa)
1 - Quem são os atores envolvidos no memorial digital?
1.1 Autores
1.2 Audiência
2 - Quais são os Inputs?
2.1 Sujeito e circunstância
2.2 Conteúdo
3 - Que forma o memorial toma?
3.1 Formas digitais
3.2 Estático<–>Evolução
4- Que mensagem o memorial deve passar?
4.1 Intencionalidade: Cultural <–> Pessoal
4.2 Sagrado<–>Secular
Tabela 8: Modelo para projeto de memoriais digitas. Adaptado de Moncur & Kirk, 2014, p. 966.
Em seu modelo, Moncur & Kirk (2014) defendem que os atores são compostos pelos
autores e audiência. Os autores são responsáveis pela criação, pela posse e curadoria
desse memorial, podendo uma instituição, um grupo, um indivíduo, ou até mesmo o falecido
44
antes de sua morte40 exercer esse papel. A audiência é o público-alvo, podendo o memorial
ser destinado ao grande público (cidade, país, mundo) ou ao privado (amigos e família). No
âmbito público o memorial é aberto a todas as pessoas e muitas vezes é criado por
instituições. Memoriais nacionais, por exemplo, são comumente criados por instituições, com
o objetivo de chamar atenção para alguma tragédia nacional. Já os memoriais privados são
criados a partir de uma iniciativa pessoal, e servem como uma maneira de expressão do luto
e preservação da memória do falecido (MONCUR & KIRK, 2014).
Não obstante, isso não impede que memoriais públicos entrem no âmbito do
privado e vice versa. Memoriais públicos podem ter importância pessoal, como no caso dos
memoriais de guerra. Ao mesmo tempo que eles têm o objetivo de trazer a público a realidade
da guerra, e relembrar soldados que lutaram e/ou vieram a falecer em batalha, famílias das
pessoas memorializadas podem visitar esses ambientes, a fim de recordar um ente querido
(fig.6). Outros memoriais criados por iniciativa pessoal podem, também, tornarem-se públicos,
por motivos que vão desde ganhar a empatia coletiva, até trazer atenção e consciência para
a causa dessa morte41. As ghost bikes42 são um exemplo disso. (fig.7). No caso de memoriais
online, é possível o gerenciamento de opções de privacidade de maneira a definir a audiência.
(MONCUR & KIRK, 2014)
40 Esse é o ato de auto-memorialização. 41 Acidentes de carro, bicicletas, aids, câncer etc. 42 “Uma bicicleta fantasma é uma bicicleta colocada no local onde um ciclista foi foi morto por um veículo motorizado. É ao mesmo tempo um memorial e um recado para os motoristas para compartilharem as estradas. Em geral, uma bicicleta fantasma é uma bicicleta velha pintada de branco e presa em algum objeto próximo ao local do acidente. Na maioria dos casos uma placa é presa a bicicleta com o nome do ciclista morto e a data do acidente” (WIKIPEDIA, 2016, online)
45
Figura 7- “Vietnam Veterans Memorial em Washington D.C., Estados Unidos” por Derek Key Fonte:
<https://www.flickr.com/photos/derekskey/5249593792>. Acesso em: 9 ago. 201
Figura 8 - “Ghost Bike Memorial para James Langergaard, Nova Iorque”. Fonte:
<http://shuc.org/2016/07/27/ghost-bikes-beautiful-memorials/>. Acesso em: 9 ago. 2016.
46
Já os inputs são as informações que fazem com que o memorial seja o que é. Ele é
definido pelo duo sujeito/circunstância e pelo conteúdo. O sujeito é quem ou o quê está
sendo memorializado, e a circunstância é o evento que causou a morte ou as mortes. Essas
informações são definidas por eventos passados, enquanto o conteúdo (toda a informação
inserida nesse memorial) é definido mediante curadoria dos autores (MONCUR & KIRK,
2014).
A circunstância é muito importante para o caráter do memorial. Tragédias, por
exemplo, fazem com que o memorial tenda a ser mais permanente. O conteúdo pode
envolver os bens materiais do sujeito memorializado e/ou memórias e testemunhos fornecidos
pelos sobreviventes. Moncur & Kirk (2014) chegam a salientar que a riqueza de um memorial
é proporcional à quantidade de vozes narrativas, pois uma única voz traz restrições na
perspectiva dos acontecimentos. Em meio a diversas narrativas, a natureza desse memorial
é afetado pela curadoria (no caso de um memorial online, o administrador do mesmo), pois é
ela quem decide o que incluir e o que deixar de fora. (MONCUR & KIRK, 2014)
Já a forma pode ser qualquer uma que venha a ser experienciada pelos nossos
sentidos - visão, tato, audição, e até mesmo paladar e olfato. Um memorial digital pode ser
completamente digital (fig. 8) ou híbrido (fig. 9), incorporando ou não objetos físicos. (MONCUR
& KIRK, 2014)
Figura 9- Exemplo de memorial híbrido: QR code em cemitérios. Fonte: <http://g1.globo.com/sao-
paulo/sorocaba-jundiai/noticia/2015/11/cemiterio-traz-qr-code-em-tumulos-de-personalidades-em-
sorocaba.html>. Acesso em: 9 ago. 2016.
47
Figura 10- Memorial online Forever Missed (memorial totalmente digital).
Fonte: <http://www.forevermissed.com/>. Acesso em: 9 ago. 2016.
Um memorial pode também ser estático ou evoluir com o tempo (degradar-se, ser
aumentado, ou reformatado), ativa ou passivamente, independentemente do caráter físico do
memorial. Por exemplo, uma página do Facebook memorializada torna-se estática,
permanecendo da mesma forma que era quando essa ação foi tomada. Enquanto um
memorial online também pode ser pensado para evoluir com o tempo, recebendo
contribuições (MONCUR & KIRK, 2014).
E, por fim, todo memorial passa uma mensagem, encontrada em duas escalas:
cultural-pessoal e sagrado-secular. Essas escalas são afetadas diretamente pelos seu atores
(autores e audiência). Quando o intuito é passar uma mensagem pessoal, o memorial
geralmente afirma a vida do falecido e, assim, cria um espaço terapêutico de continuing bonds
entre vivos e mortos. Já a mensagem cultural é geralmente transmitida com o obetivo de que
algum episódio sombrio que aconteceu na história, como uma guerra, seja esquecido (fig.6)
(MONCUR & KIRK, 2014).
Um memorial também pode ser sagrado ou secular, ou seja, ser carregado de
espiritualidade ou não. Geralmente, ao adicionar relíquias do falecido, como restos mortais, o
memorial automaticamente ganha um cunho sagrado. Objetos mundanos podem acabar por
ter qualidades sagradas, pois estão totalmente imersos em significado simbólico e emocional
pelo poder de trazer memórias do falecido (MONCUR & KIRK, 2014).
Já um memorial secular é caracterizado por algo que não envolve religião e/ou
espiritualidade, como placas com o nome do falecido, postas apenas para notar importância
mas sem uma significância emocional mais profunda (MONCUR & KIRK, 2014). Interessente
notar que só porque o memorial é digital, não quer dizer que não seja considerado especial
ou sagrado (fig. 10). Até mesmo arquivos de texto podem ganhar significância especial depois
48
da morte de seu autor. Moncur & Kirk (2014) também afirmam que, embora seja raro que um
memorial online seja considerado sagrado, nós vivemos em um tempo em que tecnologia e
espiritualidade estão se cruzando, fazendo possível que um espaço como esse torne-se um
ambiente de grande valor espiritual43 (MONCUR & KIRK, 2014; BRUBAKER & VERTESI,
2010).
Figura 11- Memorial digital ThanatoFenestra Fonte: < https://vimeo.com/14105517>.
Acesso em: 9 ago. 2016.
Além das perguntas propostas nesse framework, podemos também encontrar
direcionamentos valiosos em meio a abordagem do design reflexivo44. Foong & Kera (2008),
estudaram justamente as possibilidades de aplicação dessa abordagem em projetos de
memoriais digitais, de maneira a expor valiosos insights sobre projetos nesse âmbito. As seis
estratégias do design reflexivo são: 1) prover flexibilidade interpretativa; 2) prover feedback
dinâmico para usuários; 3) inspirar bons feedbacks de usuários; 4) construir tecnologia para
a sondagem; 5) inventar metáforas e cruzar limites; 6) promover a participação dos usuários
no projeto da plataforma (SENGERS et al., 2005).
A vantagem de utilizar essas estratégias em memoriais online são principalmente
duas: a primeira é que permite-se um espaço para a contínua evolução da plataforma, tanto
em termos de interface como de experiência (já que a participação do usuário e as
consequentes iterações são altamente incentivadas). E a segunda é a possibilidade dessa
43 Como visto no relato de Egglestone apud Hutchings (2010) ao descrever sua visita ao memorial online do
amigo como uma experiência extrememante espiritual. Brubaker & Vertesi (2010) chamam a convergência entre
o digital e o espiritual de technospirituality, ou tecnoespiritualidade. 44 Foong & Kera (2008) definem o design reflexivo como “uma mistura de várias tradições do design, desde design
participativo até a prática crítica reflexiva. Em suma, o objetivo do design reflexivo é prover avaliação crítica da
tecnologia e seus efeitos emergentes enquanto o usuário o utiliza. Na especificação original do design reflexivo, o
usuário pode ser facilmente o designer da tecnologia também (online, tradução nossa).
49
tecnologia ampliar o conhecimento sobre práticas sociais, pois ela pode servir para não só
entender melhor como seres humanos se comportam, como também para influenciar nesse
comportamento (FOONG & KERA, 2008).
Foong & Kera (2008) defendem que as experiências proporcionadas pelo design de
memoriais digitais podem influenciar no comportamento humano, como exposto a seguir:
As seis estratégias do design reflexivo oferecem diretrizes para designers de tecnologia
em dois grandes desafios. Primeiramente, ele oferece um caminho no que significa
projetar para boas experiências. Essas experiências tem a característica de serem
emergentes e pessoalmente significativas. Experiências ricas dependem não somente
da tarefa em mãos, mas como elas se acomodam entre nossas expectativas e histórias
pessoais íntimas45. Ao projetar tecnologia dos memoriais online, designers encontram
um tipo especial dessas histórias pessoais e íntimas, além de expectativas
relacionadas a alguém que está morto. (FOONG & KERA, 2008, online, tradução
nossa)
De modo geral, podemos afirmar que para projetarmos memoriais digitais devemos
entender quem são as pessoas envolvidas e as suas motivações, que tipo de reações
queremos causar nelas, quais informações (inputs) serão inseridas nesse memorial, que
ferramentas serão oferecidas, que tipo de preocupação iremos ter com termos de uso e
privacidade, como criaremos experiências especiais para esses usuários e, por fim, qual é o
valor sociológico e historiográfico de uma plataforma desse tipo.
Foong & Kera (2008) defendem que ao projetar para a morte, o designer pode
encontrar uma arena muito rica, pois lá é dada a chance de olhar para espaços que se
mantiveram “não projetados” e, assim, “novamente imaginar práticas relacionadas a morte em
novos contextos, rituais da morte existentes, e também criar novas experiências relacionadas
ao luto e morte dos usuários” (online, tradução nossa). Assuntos pouco explorados,
justamente por vivermos em uma sociedade que evita o diálogo sobre a morte.
3.6.2 DESIGN DE INTERAÇÃO E EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO
O design de interação, segundo Preece et al. (2013) trata-se de: “projetar produtos
interativos para apoiar o modo como as pessoas se comunicam e interagem em seus
cotidianos, seja em casa ou no trabalho"(p.8). Ou mais simplesmente “o projeto de espaços
para comunicação e interação humana” (WINOGRAD, 1997 apud PREECE ET AL., 2013,
p.8).
45 Nessa parte, Foong & Kera (2008) citam McCarthy, J., & Wright, P. Technology as Experience. MIT Press 2004.
50
Preece et al. (2013) também afirma que o objetivo do design de interação é criar
experiências para o usuário, por meio de uma atividade eclética, podendo ser utilizados
diferentes métodos e técnicas. Inferimos, a partir daí, que o design de interação é uma
atividade que não oferece um método definitivo que funcionará para todo projeto. Isso porque
cada projeto de interação tem requisitos próprios, os quais serão atendidos por meio de
diferentes abordagens, frameworks, técnicas, e tecnologia, de maneira que se adequem da
melhor forma possível.46 Como um projeto de design de interação deve ser desenvolvido, é
determinado por Preece et al. (2013) por um processo de quatro etapas essenciais que se
complementam e se repetem entre si: 1) estabelecer requisitos; 2) criar alternativas de design;
3) prototipar; 4) avaliar. Cada uma dessas etapas é subsidiada por diversas técnicas, as quais
podem ser combinadas de maneira a se adequar da melhor forma para o projeto.
Não podemos falar de design de interação sem falar de experiência do usuário. Preece
et al. (2013) determina que a experiência do usuário “diz respeito a como as pessoas se
sentem em relação a um produto e ao prazer e à satisfação que obtém ao usá-lo, olhá-lo, abri-
lo ou fechá-lo.” (p.13). Assim, no caso do design de interfaces, uma boa experiência trata-se
de usar determinado sistema de maneira mais eficiente e agradável possível.
Mas como devemos projetar para boas experiências? Garrett (2010) delimita muito
bem no que devemos pensar, e que tipo de decisões precisamos tomar em um projeto de
software para uma experiência do usuário satisfatória. Essas etapas são organizadas em um
framework (fig. 11), formado por cinco planos, representando as etapas necessárias para o
projeto: 1) estratégia; 2) escopo; 3) estrutura; 4) esqueleto; 5) superfície. Nele é sugerido que
os projetos de softwares devem ser realizados de baixo para cima (da estratégia para a
superfície), ou ao mesmo tempo, desde que as últimas etapas não tenham sido fechadas
antes de concluir as primeiras.
46 Assim como é defendido na definição de micro estrutura de Bonsiepe 1978 (ver o capítulo metodologia e processo).
51
Figura 12 - Framework da Experiência de Garrett. Adaptado de The Elements of User Experience:
User-Centered Design for the Web and Beyond, 2010.
Preece et al. (2013) também deixam claro que não podemos projetar experiências do
usuário, mas para o usuário. A nossa função como designer é criar o caminho: combinar as
metáforas e conceitos necessários para que o usuário tenha a experiência que pensamos
para ele, no entanto, o que ele irá realmente sentir ao percorrê-lo está além do nosso controle.
Dessa maneira, ressaltamos que só poderemos ter maior compreensão da experiência de
interação entre o usuário e a interface, após avaliá-la de maneira empírica por meio de testes
de usabilidade.
52
4 METODOLOGIA E PROCESSO
A metodologia deste trabalho é composta por uma coleção de métodos, ferramentas,
abordagens e frameworks, escolhidos de acordo com os objetivos apresentados. Levou-se
em conta nesta sessão a fundamentação teórica, que embasa os conceitos aplicados no
projeto. Desta maneira, a partir da fundamentação, apresenta-se a descrição teórica do
método e aplicação no projeto de maneira a melhor integrar os conhecimentos.
4.1 DESIGN CENTRADO NO HUMANO - IDEO
O método utilizado para o desenvolvimento do projeto é o Human Centered Design
(HCD, doravante)47 explorado no livro e toolkit desenvolvido pela IDEO48 The Field Guide to
Human Centered Design. Segundo a IDEO, o processo do HCD parece com uma montanha
russa, marcada por momentos de divergência (gerar grande quantidade de alternativas e
conhecimento) e convergência (organização, análise, e escolhas) de ideias (Fig.12).
O processo é dividido em três etapas: inspiração, ideação e implementação. O objetivo
da fase de inspiração é fazer com que o designer veja o problema a partir da perspectiva do
usuário. É aqui que iremos identificar como eles pensam, sob quais valores suas vidas são
vividas, o que desejam e no que acreditam. Na fase de ideação, todo o conhecimento que foi
absorvido na primeira fase será analisado, e a partir dele, oportunidades para projetos de
design serão identificados. As soluções encontradas são então testadas e refinadas.
Finalmente, na fase de implementação, são pensadas maneiras como a solução final poderá
ser introduzida no mercado.
Importante salientar que as fases de projeto da IDEO equivalem a análise sobre
metodologia de Gui Bonsiepe49. O autor explica que a metodologia do projeto é organizada
em duas partes, a macroestrutura e a microestrutura. A macroestrutura, que compreende três
grandes fases - problematização, desenvolvimento e finalização - atende o planejamento e
organização das etapas do trabalho para qualquer projeto. Já a microestrutura é formada
pelas atividades, os métodos, e as ferramentas adotadas de acordo com a especificidade de
cada projeto.
47 Tradução livre: Design Centrado no Humano. Termo equivalente ao “Design Centrado no Usuário”, podendo ser utilizados um no lugar do outro, pois os dois significam que os indivíduos que utilizarão o artefato a ser desenvolvido foram levados em consideração de forma significativa. 48 A IDEO é uma das empresas de design mais importantes e reconhecidas do mundo. Uma característica que a destaca, é o seu empenho em fomentar o método Design Centrado no Usuário, tendo como objetivo desenvolver soluções para problemas complexos. 49 Bonsiepe fala sobre essa metodologia no livro Teoría y práctica del diseño industrial: elementos para una manualística crítica. Barcelona: GG, 1978, pp. 145 – 193; também em Metodologia experimental: desenho industrial. Brasília: CNPq/Coordenação Editorial, 1984.
53
É possível, então, fazer o paralelo entre o método HCD da IDEO com essa
classificação. As fases de inspiração, ideação e implementação equivalem às fases da macro-
estrutura problematização, desenvolvimento e finalização. Já a microestrutura equivale às
ferramentas apresentadas no toolkit da IDEO.
Figura 13 - Human-Centered Design. Adaptado de The Field Guide to Human Centered Design,
2015.
O método HCD é conduzido de maneira que a solução final seja desejável, viável e
passível de implementação (Fig. 13). Ao conhecer o indivíduo podemos entender seus
desejos, aumentando a chance de aceitação por parte desse público. E ao gerar alternativas
(divergir), temos o poder de afunilar (convergir) para o que é possível tecnologicamente, e
viável financeiramente. No entanto, o escopo desse projeto não inclui a implementação do
mesmo, o que fez com que apenas as fases de inspiração e ideação tenham sido exploradas.
Elas foram suficientes para que pudéssemos convergir para uma solução possível, de
maneira a deixar a fase de implementação para estudos futuros.
54
Figura 14- Produto para o Human-Centered Design. Adaptado de The Field Guide to Human
Centered Design, 2015.
Cada fase desse método é subsidiada por diferentes ferramentas, muitas delas já
conhecidas e utilizadas largamente em projetos de design, como grupos focais, entrevistas e
pesquisa de campo. Assim, a escolha desse método não teve o intuito de explorar as
ferramentas mais inovadoras do kit, mas sim de ser a ideia principal que governa este
trabalho. Em outras palavras, O HCD é trazido aqui como o guarda-chuva, que acolhe em
suas macroestruturas (inspiração, ideação, implementação) as ferramentas, abordagens e
frameworks encontrados no mercado, para além do toolkit da IDEO, mas que são essenciais
para compor a microestrutura.
Por fim, O HCD mostrou-se a melhor alternativa devido ao luto ser um assunto ainda
considerado um tabu. Não somos educados nem preparados para a morte de pessoas
queridas. Então, quando acontece, nos vemos perdidos (tanto da perspectiva dos enlutados
como das pessoas que se relacionam com eles). Dessa maneira, é essencial que entendamos
como é viver o luto, o que as pessoas fazem para enfrentar esse processo, e que tipos de
experiências positivas podem ser criadas para integrá-lo. O HCD faz com que o projeto se
desenvolva a partir da perspectiva das pessoas, resultando assim em um artefato definido
não por um desejo arbitrário do designer, mas pela real necessidade dos usuários.
55
Segue abaixo uma figura explicativa relacionando os passos seguidos no presente
trabalho e o HCD:
Figura 15- Processo deste trabalho baseada na proposta da IDEO.
4.2 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA
A revisão bibliográfica foi realizada com o intuito de melhor entender o luto e a perda,
de maneira a descobrir e embasar possíveis necessidades e oportunidades de projeto para
pessoas passando por esse processo. Por exemplo, pelo fato de muitas pessoas enfrentarem
o luto por meio da construção de narrativas, projetos de design editorial (diário de luto, livro
de visitas) poderiam se tornar o caminho desse projeto.
Essas hipóteses de projeto, assim como questionamentos que partiram dessa
pesquisa foram levados para a entrevista exploratória, que teve como objetivo definir qual
seria a solução a ser desenvolvida. Após determinada a proposta final, a pesquisa
bibliográfica serviu para aprofundar o conhecimento de conceitos inerentes e ela, além de
encontrar abordagens e ferramentas adequadas para o seu desenvolvimento.
56
4.3 ENTREVISTA COM ESPECIALISTA
Falar com especialistas é uma maneira rápida e fácil de compreender a dimensão de
um tópico, além de oferecer insights sobre o contexto abordado (IDEO, 2015). Esse tipo de
input é especialmente relevante para esse trabalho, em razão do tema trabalhado ser
consideravelmente sensível, assim como estar fora da área de conhecimento principal da
pesquisadora. Dessa maneira, em junho de 2016, uma entrevista informal com a psicóloga do
luto Catarina Farias foi realizada, com a finalidade de verificar se: 1) os conceitos abordados
no presente trabalho eram apropriados; 2) se as ferramentas do design escolhidas para a
aplicação na pesquisa eram adequadas50; 3) se a proposta de projeto definida após as
entrevistas era relevante.
4.4 ENTREVISTA SEMI ESTRUTURADA
Segundo Preece et al. (2013) a entrevista semi estruturada consiste em um roteiro de
tópicos a serem discutidos com os sujeitos, de maneira que a entrevista não se limite apenas
a um número específico de perguntas. Ou seja, a partir das repostas dos entrevistados, outras
perguntas podem ser elaboradas, de maneira a coletar o máximo de dados possível.
A entrevista semi estruturada foi escolhida em razão de seu caráter flexível, pois o
objetivo ao aplicá-la foi explorar a relevância das hipóteses de projeto51 propostas
inicialmente, assim como descobrir necessidades e características dos usuários. Essa etapa
foi necessária para que fosse possível observar juntamente com usuários, se eles realmente
tinham essas necessidades e se beneficiariam de propostas assim. A entrevista também foi
útil para descobrir necessidades que não haviam sido detectadas na pesquisa bibliográfica.
Dez participantes (n =10) foram contatados, e, em virtude do caráter exploratório da
entrevista, o critério para a seleção foi a variedade. Tanto nos quesitos gênero, idade e classe
econômica como principalmente na natureza das vivências que estavam sendo trazidas por
eles. As perguntas foram abertas (ver tabela 10), com exceção de questões mais objetivas
como idade e classe econômica.
50 Essa entrevista serviu para descartar, por exemplo, a possibilidade de fazer um grupo focal. Na pesquisa em
design, é muito comum realizar grupos focais, por ser um método dinâmico e que gera muita informação. No entanto, foi optado por não fazê-lo nessa pesquisa, já que existem muitas variáveis que poderiam interferir na qualidade desse método, como por exemplo, as pessoas se sentirem intimidadas ou não confiarem no grupo ao falar de tópicos pessoais. 51 As hipóteses de projeto definidas no TCC 1 tratavam-se de inferências tecidas a partir da pesquisa bibliográfica
sobre luto e design, além de experiências vividas pela pesquisadora.
57
Quanto ao ambiente, as entrevistas foram realizadas nos lugares em que os
entrevistados se sentiam confortáveis: uns foram entrevistados em casa e outros no local de
trabalho. Dessas dez entrevistas, nove foram feitas pessoalmente e uma por vídeo chamada.
Por se tratar de uma entrevista sobre um assunto muito delicado, existiu um grande cuidado,
quanto a maneira de contatar as pessoas para a pesquisa, assim como ao conduzir a
entrevista.
4.4.1 HIPÓTESES DE PROJETO INVESTIGADAS NA ENTREVISTA EXPLORATÓRIA
Por ter trabalhado em uma empresa do setor funerário, tive a oportunidade de visitar
o Centro de Velórios São José52 muitas vezes, tempo o suficiente para que alguns pontos me
chamassem a atenção. Por exemplo, o livro de visitas era bem simples (folhas A4
encadernadas em espiral). Será que esse seria um item que as pessoas gostariam que fosse
mais especial? Para que pudessem guardar, e relê-lo quando sentissem vontade? Outro
ponto foi a sinalização. Será que as informações disponíveis nas placas eram o suficiente
para atender pessoas que estavam no seu estado mais sensível? Uma pessoa que nunca foi
àquele centro de velórios sentiria facilidade de se locomover naquele ambiente? Notei
também a quantidade de símbolos cristãos e me perguntei se era fácil de retirá-los no caso
de uma família não ser católica ou evangélica. Ou então, será que seria algo fácil ou
complicado realizar uma cerimônia de velório diferente da padrão? Segue abaixo tabela com
as hipóteses de projeto pensadas antes da entrevista:
ÁREA
HIPÓTESES
GRÁFICO
Design editorial de um livro de visitas para o centro de velórios São José. Diário de luto
SERVIÇO
Redesign da sinalização do Centro de Velórios São José. Redesign do processo de contratação do serviço de velório.
PRODUTO
Investigar a relação das pessoas com objetos deixados pelos seus entes queridos
Tabela 9: Hipóteses de Projeto.
52 O centro de velórios São José é um dos centros de velório mais tradicionais de Natal-RN.
58
Outro foco da entrevista era investigar a maneira como as pessoas lidam com o luto:
se elas constroem narrativas (escrevem sobre isso e/ou conversam com as pessoas). E
também qual é a relação com os objetos deixados pelos seus entes queridos falecidos. Na
pesquisa bibliográfica já tinha me deparado com esses temas, mas queria ouvir diretamente
das pessoas quais eram as suas impressões.
4.4.2 RESULTADO DAS ENTREVISTAS:
Para fins de referência, segue representada a tabela com as perguntas que guiaram
as entrevistas:
ENTREVISTA SEMI ESTRUTRADA – Guia de Perguntas
Dados Básicos
Idade, Profissão, Classe Social.
Enfrentamento do Luto
Quem era a pessoa que você perdeu? Com que idade, e há
quanto tempo?
O que você fez para lidar com essa perda? Você tinha
alguma prática ou hábito?
Qual foi a consequência mais inesperada da perda dessa
pessoa?
Rituais Fúnebres
Para você, qual é a importância de rituais fúnebres?
Você precisou lidar com algum trâmite burocrático
relacionado a perda dessa pessoa?
Livro de Visitas
Você leu o livro de visitas? Você possui esse objeto? Qual é
a sua relação com ele?
Relação com objetos
herdados.
Seu ente querido deixou objetos para você? Você guarda
algum desses itens? Tem alguma relação forte com esses
objetos?
Tabela 10: Guia de perguntas da entrevista semi estruturada.
59
1- Enfrentamento do luto e a relação das pessoas com objetos herdados.
Nas entrevistas foi identificado que muitas pessoas guardam itens especiais de seus
entes queridos falecidos, e tem uma relação tão forte com eles, que não os abandonam de
forma alguma, mesmo sabendo do risco de um dia perdê-los. Como pode ser visto no
depoimento abaixo:
Entrevistada 1: [falando sobre a aliança deixada pelo pai] Só guardei isso dele. Eu não uso
minha aliança de casamento e uso essa. [...] E eu não consigo tirar nem pra vir pro alecrim.
Depois que eu fiz, eu não tiro pra dormir, eu não tiro pra tomar banho, eu não tiro pra nada.
Nada nada mesmo. Acho só se fosse tipo ‘olhe você vai ser assaltada hoje e é certeza absoluta’.
Aí eu tiro. Mas vão levar meu dedo se me assaltarem, porque eu vou dar um escândalo.” [Grifo
nosso]
Para outras pessoas o objeto em questão é uma espécie de ponte simbólica com a
pessoa falecida, como se ao estar em contato com ele, fosse possível que o enlutado
acessasse essa pessoa de alguma forma:
Entrevistada 2: [falando sobre um pingente deixado pela sua amiga] Eu não tiro ele, às vezes
quando eu falo eu seguro ele assim. Quando eu tô precisando de alguma coisa... É tipo um
terço pra mim, como a relação que as pessoas têm com o terço, de segurar de beijar e de
conversar com Deus. Eu tenho o pingente que eu seguro e converso com ela. Às vezes
olho, dou um beijinho. Eu tenho muito apego a essas coisas. Eu quero usar até eu ter uns 98
anos. [Grifo nosso]
Nesse mesmo depoimento podemos ver como o conceito de Continuing Bonds está
intimamente relacionado com os objetos de valor sentimental herdados. Nesse depoimento,
ela continua o relacionamento com a sua amiga por meio dos objetos que ela deixou,
segurando o pingente e conversando com ela como se estivesse ao seu lado. Outra
entrevistada comenta que, além daquele objeto a aproximar da sua avó, ele também a
protege:
Entrevistada 3: Muitas vezes eu tenho até amigos e pessoas na minha família que dizem “se é
tão importante pra você é melhor deixar guardado”, porque tem tanta violência e pessoas
assaltando. E eu não consigo tirar, é como se, se eu tirasse eu tivesse desprotegida
entende? E assim, é algo que me liga a ela. Ela não tá mais aqui mas é como se ela tivesse
próxima a mim nesse cordãozinho.
O conceito de Continuing Bonds também é percebido em falas como a seguinte:
Entrevistada 4: [Ao perguntar se a entrevistada gostaria de continuar algum projeto do seu pai]
Afetivamente, quando a gente não consegue acessar quem tá mais próximo fica o símbolo
daquilo que representa, do que você acessa [...] Como se você tivesse mantendo aquela
relação né? É uma espécie de conexão. Pra mim a essência fica. [Grifo nosso]
60
Uma das entrevistadas também comentou que escrevia cartas destinadas ao seu pai
que falecera, para lidar com o seu luto. E, muitas vezes escrevia essas mesmas cartas na
máquina de escrever que herdara do pai:
Entrevistada 5: Eu tinha a máquina de escrever dele e aí eu ficava escrevendo nessa máquina
de escrever ou na mão, ou no meu computador também. E eu relatava coisas do meu dia a dia,
como se meu pai ainda estivesse ali pra me ouvir só que não tava, e depois de um tempo isso
foi levado para psicóloga também, e as cartas passaram a fazer parte da terapia também.
Além desses relacionamentos serem continuados por meio de objetos, podemos ver
também uma transferência de relacionamento para outras pessoas:
Entrevistada 1: Eu acho que se teve uma válvula de escape foi chegar junto da minha mãe.
[...]Talvez a válvula de escape foi dar a ela o que eu queria dar a ele, porque ele não tava aqui.
[...] Mas a relação mudou, e eu acredito muito que eu transferi muito pra ela. Quando eu olho
para ela eu não consigo ver só a minha mãe mais, eu vejo muito ela e ele. Sabe? [...] Então
essa relação com ela não me faz esquecê-lo. [Grifo nosso]
Outro ponto explorado nas entrevistas foi a opinião sobre rituais fúnebres. Perguntei
se aquela cerimônia tinha representado seu ente querido, e se isso era algo que importava
para elas. Algumas pessoas falaram que se sentiram incomodadas com a condução das
cerimônias nos moldes cristãos, pois a pessoa falecida não os seguia, fazendo com que sua
memória fosse “ferida”. Interessante notar que isso tem muito a ver com a busca do enlutado
pela afirmação da identidade pós morte de seu ente querido.53 No depoimento seguinte, é
comentada a frustração sentida pela entrevistada ao saber que não tinha voz para expor os
desejos do seu pai:
Entrevistada 5: “foi bizarro. Porque meu pai nunca iria querer uma missa falando como ele era,
com um monte de gente que ele não gostava. Então foram rituais que ele criticava, então não
teve nada a ver com ele. [...] Me afetou bastante porque eu não tinha idade suficiente pra
falar que era contra a vontade do meu pai tudo aquilo. Como a família dele que organizou
tudo, então para mim sempre foi claro que aquilo não era o desejo dele.” [Grifo nosso]
Outra entrevistada também fala da importância de proteger a memória e o desejo das
pessoas quanto ao pós morte, chamando atenção para a possível possibilidade de deixá-lo
registrado juntamente com a contratação de planos funerários:
Entrevistada 4: “e aí ele ta sendo enterrado com todos os rituais [católicos] e aí tava lá minha
prima, minha tia, e elas são extremamente católicas, papai não [o pai dela era ateu] [...]Entao é
por ai, eu acho que deveria ter um respeito maior pela memória das pessoas, ou o que a
gente em vida pudesse dizer “poxa eu não gostaria de ter que passar por um processo
assim”. Eu pudesse escolher. Porque é em função da minha memória, como as pessoas
deixam, na sua finitude, a memória. Eu acho que as vezes a gente perde um pouco disso. Se
53 Ver o tópico “Imortalidade Simbólica”
61
voce for considerar o que eu ouvi dele, como ele se foi... Eu acho que deveria ser registrado
quando a gente faz o plano pra escolher o local, se quer ser cremado se quer ser enterrado.
Eu acho que a gente poderia ir construindo isso.” [Grifo nosso]
Assim como ouvi depoimentos de pessoas que não ficaram felizes com as cerimônias
de despedida que atenderam, também aconteceu o outro extremo. No depoimento abaixo,
vemos uma despedida especial, que não decepcionaria os desejos do falecido e nem da sua
família.
Entrevistada 1: [ao perguntar se o velório tinha refletido a personalidade do seu pai] “Refletiu,
minha mãe colocou um seresteiro, tocou o hino do América. Todas as pessoas estavam, todos
os garçons dos bares de natal estavam (risos). [...] Até uma tia minha do Rio brinca que nunca
foi para um velório pro povo estar dando risada de madrugada, porque começou a contar
as coisas que aconteciam e todo mundo tipo, rindo, lembrando dele de uma forma
positiva. Eu digo sempre que o velório de papai não foi um velório triste, foi diferente de tudo.”
[Grifo nosso]
Baseado no que foi ouvido de alguns entrevistados, notamos que existe sim demanda
para cerimônias de despedida seculares, além de ser necessário pensar em espaços de
despedida mais inclusivos, sem tantos símbolos de alguma religião específica.
2- Livro de Visitas
Muitos dos entrevistados relataram ter lido o livro de visitas, e inclusive revisitá-lo de
vez em quando:
Entrevistada 6: li. Pra mim tudo isso eu somo como uma questão da solidariedade, do amor das
pessoas [...] Eu guardo até hoje e vez por outra eu leio o livro. [Grifo nosso]
Uma outra entrevistada relata que encontrou no livro de visitas uma maneira de
conseguir expressar aquilo que não é possível oralmente, em um momento difícil como um
velório.
Entrevistada 2: tem muita gente que tem vergonha de ir lá na frente e contar uma história, mas
você tem aquele livro ali que é uma coisa íntima, você e uma caneta. Você consegue botar pra
fora.
3 - Construção de narrativas
Como observado na pesquisa bibliográfica, conversar sobre o ente querido também é
algo positivo para quem perde uma pessoa importante:
62
Entrevistada 5: Não, eu não tenho nenhum ritual que eu faço pra lidar, mas la em casa a gente
gosta de lembrar de coisas muito boas. Minha mãe e meu pai viveram um amor muito bonito. [...]
Minha mãe às vezes chega em casa e fala frases que meu pai falava e a gente ri, mas não é
nada triste hoje. Não é nada que deixe a gente mal, pelo contrário, é algo que deixa a gente
muito feliz. [Grifo nosso]
Entrevistada 3: O que é bom é bom relembrar. Então sempre que a gente se encontrava, os
fatos engraçados, as pessoas que conheciam ela a fundo, a gente até hoje menciona e lembra.
Porque é muito bom você fazer parte da vida de uma pessoa e lembrar daquele momento, como
foi interessante, como foi engraçado, como foi emocionante! Então eu até hoje gosto de lembrar
das histórias.
Ainda explorando o tema das narrativas, uma das entrevistadas ao falar sobre o livro
de visitas chama atenção para as histórias que ainda não conhecia:
Entrevistada 1: Li. Foi bom ler, tiveram muitas mensagens legais. Principalmente a dos amigos
de infância dele. Que tipo deu pra sacar uma etapa da vida dele que eu não tava presente? Então
tiveram muitas curiosidades, muitas coisas legais. Eu acho! Eu achei muito bacana, minha mãe
guarda até hoje.
Essa frase me chamou a atenção, pois pareceu algo muito diferente e especial para
ela ouvir histórias que não conhecia. Então, decidi perguntar a outros entrevistados, como
eles se sentiam ao ouvir histórias dos seus entes queridos que ainda não conheciam:
Entrevistada 2: Eu gostava de ouvir as histórias dela, tanto ela contando, como outras pessoas
narrando, isso quando ela tava viva. Então ouvir as histórias dela depois que ela morreu era de
certa maneira um conforto. Eu acho muito bom porque quando você ouve uma história na sua
mente você fica montando todo o cenário, entende? Então é uma coisa bacana porque você
escuta e você tenta montar na sua cabeça, e é mais uma coisa pra ficar próxima dela. [...]
Você nunca conhece ninguém 100%. Você pode conhecer bastante uma pessoa, mas às
vezes nem a própria pessoa se conhece. Então é meio que um complemento de
conhecimentos. Então, eu conheço muito dela. A mãe dela conhece muito mais do que eu.
Outros amigos conhecem menos, mas quando todo mundo junta, e troca essas experiências,
é como se você formasse um globo de conhecimentos que tipo, se eu tô contando pra você
algumas histórias que você não sabia, então agora na sua cabeça você já tem essa história dela,
você já conhece ela um pouco mais. Então, acaba que essa troca de conhecimentos que
cada um teve, cada experiência particular que uma pessoa teve com ela acaba trocando
com outras pessoas e mesmo que você não tenha tido as experiências, você ouve e você
se diverte, ou você se emociona, enfim. [Grifo nosso]
Entre as pessoas a quem perguntei, foi unânime que esse tipo interação era
extremamente positiva para elas:
Entrevistada 3: Adoro encontrar as pessoas que eu não conhecia, que foram da época da
infância dela, as amigas dela... Adoro encontrar! Que é como se eu tivesse encontrando
um pouco dela, um pedacinho dela, então isso me faz me aproximar sabe? Ela é de Macau54
então todas as vezes que eu vou a Macau e encontro uma amiga dela, de escola, e as amigas
54 Cidade do Rio Grande do Norte.
63
delas falam, você que é neta de Teresa?55 E eu digo sou. E ela fala: ‘sua vó era muita minha
amiga’, aí conta uma história. Então assim, isso me faz lembrar de quão ela era especial pra
mim e para as pessoas que tiveram o prazer de conhecê-la.
Embora conversar sobre o luto e sobre a pessoa falecida seja algo positivo para os
enlutados, é importante ressaltar que as pessoas podem sentir como se estivessem
incomodando de alguma forma:
Entrevistada 2: mas o que tem me ajudado é falar sobre isso. Tenho uma amiga, essa amiga
que foi pro hospital com ela. Ela me entende muito então eu converso muito com ela [...] Eu acho
que falar sobre como você tá se sentindo ajuda. Mas eu também acho que as pessoas ficam
às vezes meio sem saco. Não sei se sem saco ou só desconfortáveis. Porque a minha vida
toda, a parte mais importante da minha vida, que foi o começo da minha vida adulta e final
da adolescência foi todo com ela [sua amiga que faleceu]. [Grifo nosso]
Como relatado no referencial teórico, muitas vezes o sentimento de estar
incomodando, faz com que os enlutados acabem por encontrar na internet um ambiente muito
mais receptivo para falar sobre o seu luto, até mesmo com pessoas que passaram por uma
perda semelhante. Ao mesmo tempo, não sabemos ao certo o que é “aceitável” socialmente
nesse ambiente56. Por exemplo, a mesma entrevistada fala sobre sua experiência com o luto
no Facebook:
Entrevistada 2: Eu fiquei insegura pra escrever porque eu não sabia... Ao mesmo tempo que eu
quero botar isso pra fora de alguma maneira, eu fico com medo de tipo “ah, não é como se eu
tivesse querendo fazer um circo e fazer uma publicidade da minha perda”. “O Facebook parece
uma coisa tão ‘olha estou postando uma selfie, olha só.’ Mas é porque de alguma maneira eu
queria que as pessoas entendessem o que eu tava passando. E tipo, não se sentissem tão
desconfortáveis. No primeiro dia, eu não tinha o que fazer. Então foi um overposting57... Músicas
e músicas, porque foi a minha maneira de chorar, como se eu tivesse lá [...] No princípio foi mais
a minha maneira de estar presente, como se eu tivesse lá. Porque tem o ritual [...] então o meu
ritual foi basicamente postar lembranças que eu tinha com ela, e coisas que me lembram dela.
E às vezes eu lembro e não boto nada. Mas enfim... É basicamente isso
A partir dessa informação, considerei a ideia de projetar uma plataforma para
memoriais, em que as pessoas pudessem compartilhar histórias sobres seus entes queridos
falecidos. Outras falas (dessa vez sobre o livro de visitas) também foram úteis para que eu
pudesse desenvolver essa proposta, no lugar de outras hipóteses anteriores. Afinal, penso
que esse mesmo sentimento de intimidade que as pessoas têm com o livro de visitas, de
deixar sua mensagem, poderiam também ter com o memorial. O Facebook já possui essa
função para muitas pessoas, mas como expresso na última fala, existe o receio de parecer
uma “publicidade da perda”. Assim, pode-se considerar, que um ambiente online projetado
especificamente para esse tipo de interação seria uma iniciativa com bom potencial.
55 Nome trocado para preservar a identidade. 56 Ver o tópico “o papel das Redes Sociais e Memoriais Online no processo de luto.” 57 Palavra em inglês que significa publicar postagens na internet demasiadamente.
64
Dessa maneira, a fim de explorar o luto online e memoriais, a pesquisa bibliográfica foi
aprofundada e um questionário sobre o tema foi aplicado.
4.5 QUESTIONÁRIO
O questionário é uma ferramenta que possibilita conhecer dos usuários, “opiniões,
crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações vivenciadas, dados concretos, etc”
(GIL apud SANTA ROSA, 2012, p.80). Assim, após definida a direção do projeto (o qual surgiu
a partir da entrevista exploratória), um questionário foi elaborado, a fim de levantar mais
informações sobre como as pessoas utilizavam redes sociais e a internet para lidar com o
luto. O questionário tratou-se de um formulário online, e teve também como objetivo, sondar
a abertura do público quanto à proposta a ser desenvolvida. Vários tipos de questões foram
apresentados no questionário: abertas, fechadas, algumas opcionais, outras não. Foram
recebidas trinta e sete respostas, todas anônimas.
4.5.1 - RESULTADO DO QUESTIONÁRIO:
1 – Como as pessoas se sentem ouvindo novas histórias sobre entes queridos
falecidos?
O principal foco do questionário foi explorar a opinião das pessoas quanto ao luto
online e memoriais online. No entanto, algumas perguntas das entrevistas foram feitas
também no questionário, a fim de alcançar mais repostas, e assim, aumentar a precisão do
resultado. Por exemplo, resolvi explorar novamente a pergunta “como você se sente ao
ouvir histórias que não conhecia sobre seu ente querido?” A maioria das pessoas
disseram58 sentir-se felizes. De trinta e sete respostas, trinta e duas foram positivas:
“Fico feliz. Lembro no dia seguinte ao falecimento do meu pai um amigo dele me contou uma
história dele que eu ainda não conhecia. Foi a primeira vez que consegui sentir ele ainda perto.
Foi muito bom.”
“Sempre gosto de saber de história ou informações sobre meu filho, me sinto confortada em
observar o quanto ele é amado por familiares e amigos dele”
No entanto, as outras cinco revelaram não gostar tanto de ouvir essas histórias pelo
fato de deixá-las melancólicas ou saudosas demais:
58 Os trechos dos questionários foram inseridos como foram recebidos, com exceção de algumas correções ortográficas.
65
“Nostalgia, saudade e triste de não ter convivido mais quando ele estava vivo.”
“Estranho, é como se ela fosse uma pessoa diferente da que eu me lembro.
Veja abaixo tabela com o resumo das respostas:
Como você se sente ouvindo novas histórias sobre seu ente querido?
(37 respostas)
Respostas Quantidade
Feliz 22
Curioso 3
Surpreso 3
Confortável por saber que a pessoa aproveitou a vida 2
Confortável em saber que era uma pessoa amada 1
Melancólico/Triste 5
Saudade 7
Faz com que goste mais da pessoa 2
Tabela 11: Como você se sente ouvindo novas histórias sobre seu ente querido?
Em suma, ouvir histórias sobre um ente querido falecido parece ser algo positivo para
a maioria das pessoas. No entanto, algumas poucas disseram não se sentir tão bem. É
importante considerar que existem diversas variáveis, que podem influenciar nessa resposta,
como a possibilidade da pessoa estar passando por um luto complicado ou o acontecimento
ser demasiadamente recente.
2 - Como as pessoas lidam com o luto?
Também foi questionado como as pessoas enfrentavam o seu luto no dia a dia, a fim
de obtermos mais inputs sobre o tema. A maioria das pessoas disseram conversar sobre isso
com amigos e familiares, e outras disseram elaborar textos, desenhar ou ouvir música:
Como as pessoas enfrentam o luto? (28 respostas)
Respostas Quantidade
Conversas 21
Textos 6
Diário 1
66
Desenho 2
Música 1
Troca mensagens no What’s App59 2
Tabela 11: Como as pessoas enfrentam o luto.
3- Como se dá a expressão do luto nas Redes Sociais?
Nesta sessão, 54,1% dos participantes disseram utilizar redes sociais para expressar
o seu luto, sendo o Facebook o site mais popular com 57,1%.
Gráfico 1: você já utilizou alguma rede social para expressar o seu luto?
Gráfico 2: você já utilizou alguma rede social para expressar o seu luto? Se sim quais?
59 What’s app é um aplicativo de troca de mensagens para celular.
67
Também foi perguntado como tinha sido a experiência das pessoas com a expressão
do luto nas redes sociais. Muitos afirmaram receber apoio através dessa mídia, esclarecendo
como estavam se sentindo. Outros ressaltaram a importância de preservar a memória dos
falecidos utilizando essas redes. Abaixo podemos observar alguns comentários positivos:
[A experiência de luto nas redes sociais] “foi muito válida até agora, e continua sendo, embora
que tem sido menos frequente eu expressar sobre isto ultimamente, sempre sou acolhida pelos
familiares e amigos, pois sinto que existe uma reciprocidade afetiva muito positiva.” [Grifo nosso]
“Como não consegui me expressar publicamente, a rede social serviu de plataforma para minha
homenagem.”
“As pessoas podem ser muito queridas ou darem pitaco com o que não é necessário, o que te
dá raiva no seu processo de luto. Normalmente comigo as pessoas foram muito doces. Foi uma
experiência boa.”
“É notória a atenção de pessoas que se sentem curiosas sobre quem era e o que aconteceu,
além de todo o suporte recebido.”
“Na verdade, quando eu perdi minha avó não existia face [Facebook] e eu sequer tinha acesso
a redes sociais, era criança. Mas quando meu cachorro morreu, eu externei minha dor e luto pela
perda dele, afinal ele esteve ao meu lado por 13 anos.” [Grifo nosso]
“Ao expressar a dor (sem alardes), recebi solidariedade e pude dialogar com pessoas que
passaram por situações de perda.”
“No dia de seu falecimento, postei um texto e uma foto nossa, falando sobre quem ele era e a
falta que faria. O esquecimento pós morte é assustador, a pessoa não mais ali, fazendo história,
mesmo tendo sido TÃO querida pra gente.”
No entanto, recebemos também algumas opiniões divergentes. No comentário a
seguir, o participante tece uma crítica à sociedade que se distancia cada vez mais das
relações interpessoais fora do mundo online:
“Acho irrelevante mostrar aos outros a nossa dor ou o quanto sentimos para pessoas que nunca
vão entender a dimensão do nosso sofrimento, as relações em redes sociais são muito
superficiais para alguém se importar realmente, é o que eu acho. Acho válido expressar o carinho
e a saudade que o ente falecido deixou com a morte, mas muitas vezes é melhor conversar com
algum familiar ou amigos íntimos que vão te ajudar no processo de luto. Não precisamos de likes
em uma foto preto e branco, precisamos de afeto e empatia na vida real, mais do que isso
precisamos nos abrir e sair da nossa bolha social para criar laços e memórias reais com nossa
família e amigos, antes que seja tarde demais.”
Outros indivíduos também dizem não se sentir confortáveis em publicar textos sobre
esse tema nas redes sociais, embora tivessem se beneficiado e entendessem que essa
prática servia para amparar outros:
68
“Eu não expressei abertamente meu luto nas redes sociais porque sentia que a "ferida" era muito
nova, mas meus parentes expressaram todos os momentos. Meu sobrinho tinha Síndrome de
Edwards, uma modificação genética que ainda é incompatível com a vida. Minha irmã, minha
mãe e minha tia sempre faziam posts sobre ele desde que descobrimos que nasceria com a
síndrome. Então registrávamos tudo sobre ele, posts com informações, momentos pequenos.
Quando ele faleceu, com 5 meses, tínhamos muitas memórias e histórias para contar e foi isso
que houve. Eu não registrei, mas boa parte do que pude usar para passar por luto estava na
internet.”
Abaixo podemos observar um resumo das respostas:
Experiência do luto nas redes sociais (15 respostas)
Respostas Quantidade
Utilizou e teve experiência positiva 9
Não utilizou mas aprova a prática 1
Utilizou mas teve experiência negativa 1
Não teve experiência 1
Acha irrelevante 1
Utilizou mas não expressou opinião 2
Tabela 12: Experiência do luto nas redes sociais
4– Como as pessoas encaram a ideia de construir memoriais?
Ao perguntar sobre construção de memoriais para aqueles que já tinham passado por
essa experiência, obtivemos respostas variadas. No comentário a seguir vemos o uso do
Facebook para o compartilhamento de memórias em forma de texto e imagem:
“A moça que namorava com ele antes do seu falecimento, criou uma comunidade no Facebook
para compartilharmos as obras artísticas dele, e como estou sendo a administradora desta
página, estou sempre postando os desenhos, ilustrações, e outros materiais que ele criou, desde
a sua infância, até os seus últimos dias de vida. Postei muitas coisas da exposição da arte dele
que realizei ano passado na Pinacoteca do Estado.”
Nesses outros depoimentos, vemos a importância dada à preservação da memória:
“Poucos meses antes de meu avô morrer, entrevistei ele e minha avó sobre suas vidas e gravei
as conversas. Comecei a escrever uma narrativa sobre os dois, que pretendo terminar.”
“Eu e alguns irmãos, logo após a morte, sentimos a necessidade de escrever sobre o nosso pai
e o que ele significou para cada um de nós. Imprimimos e distribuímos para os amigos na missa
de 7 dia.”
69
Já no comentário seguinte, o memorial é um espaço na casa que remete a pessoa
falecida; ele funciona como um refúgio que o traz para mais perto do seu pai:
“Deixamos o escritório dele [do seu pai] do jeito que era. Com todos os livros, fotos, armários e
decorações do jeito que ele gostava. Toda vez que entro lá me sinto com ele, é uma experiência
legal. Como se ele tivesse lá na rede e eu no computador.” [Grifo Nosso]
De uma maneira geral, as pessoas que responderam o questionário julgaram
importante a construção de memoriais, com 81,1% dos participantes defendendo a prática:
Gráfico 3: você julga importante o ato de fazer memoriais para entes queridos falecidos?
5- O que as pessoas sabem sobre memoriais online? Elas estão abertas a essa ideia?
Questionei se já tinham ouvido falar em memoriais online e se essa era uma ideia bem
vinda. Apenas 29,7% dos participantes disseram já terem ouvido falar nesse tipo de
plataforma, e apenas três pessoas disseram tê-la utilizado. Esse resultado já era esperado
pois existe apenas um site60 desse tipo em português, sendo a maioria dos memoriais online
em inglês.
60 O site se chama Memorial Online (www.memorialonline.com.br).
10,8
70
Gráfico 4: você já o ouviu falar em Memoriais Online?
Gráfico 5: Se sim, já utilizou ou chegou a visitar um Memorial Online?
Por fim, perguntei se as pessoas achavam válido o projeto de um memorial online
focado no compartilhamento de histórias sobre seus entes queridos. Daqueles que
participaram, 83,8% responderam que sim, enquanto 16,2% responderam não.
71
Gráfico 6: um website ou aplicativo destinado ao compartilhamento de histórias e homenagem
(memorialização) do seu ente querido seria algo bem vindo para você?
Ao justificar a resposta a essa pergunta, diversas perspectivas foram apresentadas.
Nos depoimentos abaixo, os participantes defendem ser o memorial um local saudável para
enlutados, seja para ser visitado quando sentirem saudade, como também onde podem
encontrar apoio vindo de pessoas em situações semelhantes às delas.
“Se eu conseguisse reunir fotos e relatos pessoais sobre o ente querido, seria muito legal poder
ter acesso sempre que batesse a saudade.”
“Acho que é um espaço para dividir histórias, angústias e ser um lugar de apoio para outras
pessoas que passam pelo mesmo momento”
Novamente uma pessoa relata a importância da preservação da memória:
“Todo ser humano precisa ser lembrado, mantendo viva a memória de alguém entre parentes e
amigos. Assim a vida daquela pessoa que perdemos não cai no esquecimento. Um memorial
(colaborativo ou não) seria de grande valia para homenagear um ente querido.”
No depoimento que segue, fala-se sobre o valor organizacional de uma plataforma do tipo:
[Um memorial online é bem-vindo] “por facilitar o processo de armazenamento, catalogação e
acesso ao conteúdo referente ao ente falecido.” [Grifo nosso]
72
Em outros depoimentos, ressaltam a importância de um projeto assim, mas dizem que
não é algo que eles utilizariam:
“É uma maneira de compartilhar histórias e momentos com quem ainda está presente em nossas
vidas, porém, acho interessante para terceiros. Para mim, lido com o luto de uma outra forma,
algo mais pessoal e não sinto vontade e expor minhas histórias on-line. Gosto de contá-las
naturalmente, com amigos e familiares.”
“Na verdade não sei bem, as vezes acho que a internet parece um lugar muito impessoal para
um sentimento como o do luto. Mas ao mesmo tempo parece uma boa ideia, pra lembrar da
pessoa de uma maneira boa, compartilhar sentimentos/momentos com outros, se identificar, se
ajudar nesse momento. Mas acho que preferiria algo do tipo off-line.”
Os comentários expostos nessa seção foram selecionados como os mais
interessantes, no entanto, outros foram levados em consideração para o desenvolvimento do
projeto.
4.6 PROPOSTA
Propor a construção de um memorial online teve muitas motivações, mas a principal
foi o entusiasmo visto em muitos entrevistados ao contar histórias sobre seus entes queridos
(bem como os relatos positivos relacionados a esse tópico). Além disso, a construção de
memoriais se relaciona intimamente com diversos modos de enfrentamento do luto vistos
nesse trabalho, como: produzir e cuidar de coisas para o ente querido falecido, preservar a
identidade pós morte, e continuar relações (continuing bonds).
Dessa maneira, o objetivo desse trabalho é apresentar o conceito de um espaço onde
as pessoas se sentirão livres para falar sobre seu luto, além de preservar e descobrir histórias
de alguém especial na vida delas. Afinal, como uma das entrevistadas disse, de todas as
horas de vida que uma pessoa tem, quantas passamos com ela? O quão valioso é viver,
através das histórias de outras pessoas, as horas que não compartilhamos?
Ouvir histórias que não sabíamos, escrever sobre o nosso luto, e cuidar de um
memorial são maneiras de melhor conhecer as pessoas que, muito embora não estejam mais
conosco, nunca deixarão de ser especiais. Essas atividades fazem com que os
relacionamentos com elas não sejam interrompidos, mas sim continuados mesmo após a
morte.
Vale salientar, que falamos aqui de conceito de um memorial, ou seja, a proposta do
projeto não é apresentar um protótipo completo de todo o sistema, mas sim, a ideia do que
seria esse sistema e como algumas partes do mesmo poderiam ser utilizadas.
73
4.7 FERRAMENTAS DO DESIGN:
4.7.1 PERSONAS
Cooper (apud PREECE ET AL., 2013) defende que para que tornemos os perfis dos
usuários algo tangível, é necessário que se construam diferentes personas. Segundo Preece
et al. (2013):
As personas são descrições ricas de usuários típicos do produto em desenvolvimento, nas quais
os designers podem se concentrar e para quem podem projetar o produto. Elas não descrevem
pessoas reais, mas são realistas, em vez de idealizadas. Qualquer persona habitualmente
representa uma síntese de vários usuários reais que estão envolvidos na coleta de dados.
(PREECE ET AL., 2013, p.360)
Garrett (apud SANTA ROSA, 2012) afirma que o objetivo principal da construção de
personas é fazer com que os designers tenham sempre em mente as características dos seus
usuários durante o desenvolvimento do produto. Pelo fato de as personas surgirem a partir
das contribuições de pessoas reais, as histórias ouvidas durante as entrevistas viram partes
dessas personas. Pruitti e Grudin (apud SANTA ROSA, 2012) defendem que “as personas
contam histórias particulares que chamam a atenção e ficam na memória dos projetistas mais
do que relatórios estatísticos extraídos de um teste de usabilidade” (p.62). Isso faz com que
as vivências dos usuários possam realmente influenciar nas decisões do projeto.
Segundo Van Dijck (apud SANTA ROSA, 2012) ao construir as personas, precisamos
determinar suas características e o que a procurariam no sistema. É sugerido, também, que
exista uma imagem dessa pessoa, uma citação que a representa, e uma descrição das
“habilidades, necessidades, desejos, atitudes e restrições (...) estado civil, profissão e
hobbies” (p.55). O autor defende que quando fazemos uma descrição rica dessa persona, a
equipe de projeto tende a lembrar melhor dela, e consequentemente projetar para ela. Para
as personas deste projeto, foram utilizados os questionários e entrevistas feitos anteriormente
como base. A seguir, encontra-se as personas desenvolvidas para o presente projeto:
78
Figura 20- Persona 5 – Ingrid, a usuária esporádica.
4.7.2 CENÁRIOS
De acordo com Preece et al. (2013) o cenário “descreve as atividades ou tarefas
humanas em uma história que permite a exploração e a discussão de contextos, necessidades
e requisitos” (p. 374). Assim como com a técnica de personas, os cenários podem ser
elaborados, a partir de histórias reais ouvidas nas entrevistas (VAN DIJCK apud SANTA
ROSA, 2012), como também uma situação hipotética do futuro (PREECE ET AL., 2013). Ou
seja, a partir da construção de possíveis cenários com o usuário e o sistema, podemos pensar
79
no que o sistema poderá contribuir e como melhor poderá atender as necessidades do
público-alvo naquele momento.
Assim, podemos ver alguns cenários foram pensados a partir das personas:
CENÁRIOS PARA O PROJETO A PARTIR DAS PERSONAS
Cenário de Ingrid
Sua família decidiu criar uma conta no memorial online para homenagear sua
tia, também com o intuito de coletar histórias, para um livrinho a ser distribuído
na missa de 30 dias de falecimento. Foi pedido para os membros da família
que compartilhassem histórias sobre momentos bons que passaram com ela,
e sobre o que ela significava para eles.
Cenário de Ísis
Quando Ísis estava lendo as histórias sobre a sua amiga no memorial, sentiu
a necessidade de transformar aquilo em algo físico, para que pudesse revisitar
quando quisesse. Ísis gosta de ver fotos impressas da amiga, assim, sua
opção é imprimir tanto narrativas quanto fotos.
Cenário de Tiago
Ao conversar com sua mãe sobre o tio, sentiu a necessidade de escrever
sobre a saudade que sentia dele, porém sem o intuito de publicar.
Cenário de João
João decidiu transcrever os áudios que gravou dos seus avós. Ele quer postar
as histórias no memorial para que os familiares e amigos dos seus avós
possam visitar.
Cenário de Eliane
Ao visitar o memorial do seu filho, Eliane quer ler apenas histórias sobre a
amizade dele com os amigos. Assim utiliza a função de “quero ler sobre” do
memorial.
Tabela 13: Cenários para o projeto a partir das personas.
80
Com base nas personas e nos cenários idealizados, foi possível traçar os principais
requisitos do conceito da interface, assim como itens desejáveis. Abaixo encontra-se a tabela
com esses requisitos:
TEMAS
REQUISITOS
DESEJÁVEIS
Experiência Sistema intuitivo
Transições que dão vida a plataforma (dinâmicas, pulsantes).
Evitar aspecto sombrio, prezar por uma aparência simples e leve.
Privacidade Escolher salvar mas não publicar (como em um diário).
Memorial público ou apenas para pessoas escolhidas.
Moderador do memorial permite ou não postagens anônimas.
Permitir que as pessoas possam expressar seu desejo de não ter um memorial feito para elas após sua morte.
Histórias Categorizar histórias por temas de cada história por tags, de maneira que os usuários possam escolher que tipo de conteúdo querem ler.
Categorizar histórias por data.
Permitir impressão de histórias.
Galeria Permitir upload de fotos. Permitir alta qualidade nos uploads.
Ter como relacionar histórias e imagens da galeria.
Sincronização entre outras plataformas
Sincronizar com outras plataformas como Youtube, Spotify, Facebook.
Permitir importar posts do Facebook para essa plataforma.
Tabela 14. Requisitos e desejáveis.
81
4.7.3 MAPA MENTAL
De acordo com Lupton (2013), o mapa mental é: “uma forma de pesquisa mental que
permite aos designers explorar rapidamente o escopo de um dado problema, tópico ou
assunto. Partindo de um termo ou ideia central, o designer rapidamente mapeia as imagens
e propostas associadas” (p.22).
A técnica do mapa mental foi utilizada para a fase de ideação, pois possibilita que
façamos conexões entre conceitos, que, em um primeiro momento, não pareciam se
relacionar, criando assim novas possibilidades, sejam elas visuais, estruturais ou conceituais
dentro do projeto.
Figura 21- Mapa mental para a identidade visual da plataforma.
4.7.4 PESQUISA VISUAL
Lupton (2013) defende que a pesquisa visual é uma maneira de “analisar conteúdo,
gerar ideia e comunicar pontos de vista” (p.38). Ela é formada por três etapas: 1) coletar, 2)
visualizar 3) analisar. Ou seja, nesse processo buscamos referências visuais, que poderão
82
nos guiar estética e funcionalmente no processo do design. Neste projeto, foram estudados
memoriais online já existentes, além de outros projetos de interface. A pesquisa visual foi
utilizada como referência para a construção dos layouts, e contribuiu para a composição do
painel semântico.
4.7.5 PAINEL SEMÂNTICO
O painel semântico, ou moodboard, é uma técnica utilizada para auxiliar o designer na
ideação e decisões dentro do projeto (SANTA ROSA, 2012). O painel semântico pode conter
de tudo, desde fotos e desenhos até materiais mais inusitados, como uma folha de árvore por
exemplo. Para este trabalho, o painel semântico foi utilizado como um guia visual para o
projeto, de maneira a representar o tipo de experiência estética desejada para o usuário da
plataforma. Buscou-se referências visuais, que passassem uma sensação leve e neutra, além
de cores suaves.
Figura 22- Painel semântico referencias web
84
4.7.6 WIREFRAMES
Segundo Chak (apud SANTA ROSA, 2012) os wireframes “descrevem a experiência do
usuário. São rascunhos em preto-e-branco ou desenhos que representam as telas que os
usuários acessarão no site e fornecem apenas um contorno daquilo que serão as páginas”
(p.92). Nesse projeto a técnica de wireframe foi utilizada tanto para ter uma ideia de como as
páginas de algumas partes do sistema se conectariam (fig. 23), como para desenhar
alternativas para a aparência (fig 24).
Figura 24- Esqueleto simplificado da plataforma Memorando
86
5 RESULTADO
Com base nas ferramentas utilizadas chegamos ao conceito final: a plataforma web
chamada Memorando (fig. 25). Esse nome foi escolhido pois memorando tem origem na
palavra do latim “memorandus”61, que por sua vez significa “aquele que não deve ser
esquecido”. Já o símbolo escolhido para o logotipo, trata-se de um nó infinito celta. Dentre os
vários significados do nó infinito, um deles é a “a interconexão de todos os seres do planeta
no espaço e no tempo” (WIKIPEDIA, 2016, tradução nossa).
Existem vários tipos de nós infinitos, mas esse foi escolhido pois passa a ideia de
partes separadas que formam um todo, o que condiz com o conceito da plataforma: um
memorial construído a partir de contribuições de várias partes.
Foi decidido optar por cores suaves, de maneira a fugir de tons sóbrios, pois, embora
seja um local em que lembramos de ente queridos falecidos, nesse site fala-se
predominantemente das suas vidas.
Figura 26: Representação gráfica da plataforma Memorando.
61 O termo memorando deriva do latim memini, que significa "o que deve ser lembrado'. Fonte: Dicionário etimológico. http://www.dicionarioetimologico.com.br/memorando/. Acesso em: 15 de Nov. 2016
87
5.1 PERFIL MEMORIAL
Para representar o memorial, foi escolhido um nome fictício “João Barbosa”. Nesta parte do
sistema, podemos visualizar os links “livro de visitas”, “galeria” e “histórias da minha vida”. A
página livro de visitas e galeria não foram representadas graficamente, mas o objetivo delas
é respectivamente: 1) ser uma página onde as pessoas podem “assinar”, mostrando que
visitaram o memorial; e 2) visualizar fotos, tanto postadas em histórias como carregadas
exclusivamente para essa sessão.
89
5.2 HISTÓRIAS DA MINHA VIDA – MODO DESCOBERTA:
O “modo descoberta” é uma maneira experimental de buscar histórias. Ele foi pensado para
que fosse um local, onde, intuitivamente o usuário escolhe histórias para ler pela cor (que é
determinada pela pessoa que escreve a história), e pela popularidade delas (círculos maiores
são histórias mais populares). A ideia, também, é que esses círculos flutuem na tela, para dar
a impressão de que as histórias são elementos vivos. Os círculos que têm gradiente de cor
ao redor deles, indicam que aquela história tem relação com outro memorial. Os círculos
ligados pelas linhas cinza claro são histórias relacionadas. Por exemplo, alguém pode ter lido
uma história sobre um evento, como um aniversário e, então, escrito uma história que
aconteceu no mesmo evento. O objetivo desse modo de leitura é fazer com que o usuário
sinta como se estivesse descobrindo novas histórias por acaso, como acontece na vida real.
Figura 28 - Telas plataforma Memorando – Modo Descoberta
90
5.3 HISTÓRIAS DA MINHA VIDA - MODO ÍNDICE
O modo índice é por sua vez mais cartesiano. Ele possui rolagem infinita e mostra as histórias
por ordem de publicação.
92
5.4 HISTÓRIAS DA MINHA VIDA - QUERO LER SOBRE
A navegação mostra as tags definidas pelos próprios usuários ao escrevê-las. Esse modo de
leitura foi criado a partir de comentários vistos nos questionários sobre o memorial acabar
sendo um local de muita tristeza. Com esse modo, as pessoas podem ter mais controle sobre
que tipo de narrativas elas entrarão em contato.
Figura 30 - Telas plataforma Memorando – Quero ler sobre
93
5.5 DASHBOARD (HOME DO USUÁRIO)
O dashboard é dividido em duas partes: A primeira mostra tarefas que o usuário pode realizar
naquele momento (escrever história, gerenciar memoriais, convidar pessoas e ir para histórias
não publicadas). Embora não expresso graficamente, a parte de histórias não publicadas pode
funcionar como um diário de luto. Ou seja, ao escrever uma história o usuário pode escolher
não publicá-la e acessá-las nessa parte da plataforma. A segunda parte do dashboard mostra
as histórias recentes de memoriais que a pessoa segue.
95
5.6 ESCREVER HISTÓRIA
Na janela “escrever história” existe uma série de informações que o usuário pode inserir, tais
como a data do acontecimento, cor da história, memoriais e histórias relacionadas. Não foi
definido agora se inserir essas informações seria algo obrigatório, sendo algo a ser
desenvolvido no futuro. A seção “procurando temas para sua história?” foi oferecer temas de
para pessoas que ainda não sabem bem sobre o que vão escrever (criado a partir da persona
Ingrid). Também, embaixo, há a opção de assinalar se aquela postagem será anônima,
embora a possibilidade de fazer isso, dependa das configurações de privacidade do usuário.
97
5.7 LER HISTÓRIA
Na janela “ler histórias”, podemos encontrar o texto, as informações da história, assim como
as opções “imprimir” e “escrever história relacionada”. A opção imprimir foi pensada nas
pessoas que melhor se relacionam com objetos físicos, fazendo com que seja possível para
elas imprimirem versões impressas.
99
5.8 ITENS NÃO REPRESENTADOS GRAFICAMENTE:
5.8.1 TRANSIÇÕES
Como um todo, as transições do site são dinâmicas, fluidas e pulsantes. Isso para passar a
ideia de que embora o indivíduo memorializado tenha falecido, aquele local existe para manter
sua memória viva.
5.8.2 PRIVACIDADE
Provavelmente essa é a maior preocupação ao criar plataformas desse tipo, afinal, é um local
de exposição de histórias sobre a vida de alguém que não tem como como expressar seus
desejos. Por isso foi pensado que deveria ser possível usuários não autorizarem, ainda em
vida, a criação de um memorial para eles.
Com relação ao gerenciamento do memorial, o administrador é o responsável por permitir que
histórias enviadas por outras pessoas sejam efetivamente publicadas, ou que possam ser
anônimas.
100
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho nasceu da curiosidade de compreender como o design pode influenciar
positivamente no processo de luto, além da vontade de projetar algo positivo para pessoas
perderam um ente querido. A pesquisa bibliográfica possibilitou a obtenção de insights sobre
a relação entre design, a tecnologia e o luto, descobrir como as pessoas enfrentam esse
momento, e encontrar abordagens que serviram para o projeto.
O conhecimento adquirido nessa etapa serviu também como preparo para a entrevista
exploratória com os enlutados, devido ao caráter bastante emotivo dessas conversas. No
entanto, muitos dos entrevistados ao término da entrevista pareciam felizes de ter tido aquele
momento para falar sobre o seu luto e sobre quem perderam, afinal, não é sempre que existe
abertura para conversar sobre isso no dia a dia.
Depois de ouvir tantos depoimentos que revelavam o entusiasmo de conversar e ouvir
histórias sobre seus entes queridos, foi impossível pensar em projetar algo que não fosse um
memorial. A partir da definição do caminho a ser seguido no projeto, o questionário serviu
como a principal ferramenta para melhor delimitar o conceito da plataforma. Isso, pois tinha
como principal propósito, investigar a abertura das pessoas a essa ideia, e o modo como
utilizavam a internet para lidar com o luto.
Com relação aos desdobramentos do conceito final apresentado, o memorial online
“Memorando”, alguns pontos devem ser destacados:
como a plataforma Memorando é um protótipo não testado, não é possível determinar
no momento se a usabilidade e experiência do usuário seriam satisfatórias;
embora não incluído no projeto desenvolvido até agora, é de interesse da autora que
esse memorial seja também um espaço para a discussão e apoio para os enlutados,
o que poderia ser feito no formato de fórum;
não fez parte do escopo do projeto pensar em um aplicativo mobile ou design
responsivo para a interface, sendo esses tópicos a serem considerados para outras
versões. Dessa maneira, o desenvolvimento bem como a adição de outras funções
que aumentarão o valor da plataforma, poderão ser tópicos explorados em trabalhos
futuros.
É possível afirnar que todo esse processo foi pessoalmente didático e gratificante.
Espera-se que esse trabalho possa ser mais um motivador no diálogo sobre o design, o luto
e a educação para a morte. E, finalmente, que o conceito de memorial online apresentado
possa ser desenvolvido e testado em trabalhos futuros.
101
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