PROJETANDO PARA A PERDA - monografias.ufrn.br · personas, cenários, mapa mental, painel...

113
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE BACHARELADO EM DESIGN RITA PINTO AMORIM DAS VIRGENS PROJETANDO PARA A PERDA: como o design pode influenciar positivamente no processo de luto. NATAL/RN 2016

Transcript of PROJETANDO PARA A PERDA - monografias.ufrn.br · personas, cenários, mapa mental, painel...

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES

CURSO DE BACHARELADO EM DESIGN

RITA PINTO AMORIM DAS VIRGENS

PROJETANDO PARA A PERDA:

como o design pode influenciar positivamente no processo de luto.

NATAL/RN

2016

RITA PINTO AMORIM DAS VIRGENS

PROJETANDO PARA A PERDA:

COMO O DESIGN PODE INFLUENCIAR POSITIVAMENTE NO PROCESSO DE

LUTO

Trabalho de conclusão de curso II apresentado à

disciplina DGN400 da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, como requisito parcial para

obtenção do grau de Bacharel em Design.

Orientadora: Prof. Helena Rugai Bastos

NATAL/RN

2016

RITA PINTO AMORIM DAS VIRGENS

PROJETANDO PARA A PERDA:

COMO O DESIGN PODE INFLUENCIAR POSITIVAMENTE NO PROCESSO DE

LUTO

Trabalho de conclusão de curso II apresentado à

disciplina DGN400 da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, como requisito parcial para

obtenção do grau de Bacharel em Design.

Aprovada em _____ de ____________ de________.

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________

Prof.ª Dr.ª Helena Rugai Bastos Orientadora

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

__________________________________

Profª Ivana dos Santos de Lima e Souza Membro

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

__________________________________

Psicóloga Catarina Maria Beatriz Farias de Oliveira

Membro Universidade Federal do Rio Grande do Norte

AGRADECIMENTOS

A Helena Rugai, por ter sido uma orientadora sensacional nesse um ano e meio de trabalho.

Aos meus pais Petit e Margot, que sempre me deram a melhor educação que poderiam dar,

além de apoiar todas as decisões que tomei na vida.

Aos meus avós Terezinha e Manuel, que me mimam todo dia.

À minha irmã Bel, que tem aula bem cedinho todo dia.

À minha amiga da vida toda Renas, parceira dos fins de semana, dos estudos, das viagens.

A Afonso e Nando, os melhores amigos que alguém poderia ter.

A Luiza! Para essa aí não tenho nem palavras.

Aos meus colegas de curso, Shinho, Cecília, Tiaguinho, Larissa, Laura, Felipe e Renas (de

novo), por terem feito comigo essa jornada.

Aos meus amigos do CSF, Mario, Diana, Daisy e Amber.

Aos meus amigos e colegas do Grupo Vila: Ayran, Juliana, Catu, Daniel, Raniery, Lee,

Giovanna, Mari e Eliza.

A Vinícius Dantas me ajudou a direcionar esta pesquisa.

A todas as pessoas que contribuíram para este trabalho, principalmente os entrevistados por

terem se disponibilizado a contar as suas vivências.

A todos vocês (e aos provavelmente muitos que acabei esquecendo agora), gratidão!

“O que as grandes e puras afeições têm de bom

é que depois da felicidade de as ter sentido,

resta ainda a felicidade de recordá-las.”

Alexandre Dumas Filho, A dama das camélias (peça).

RESUMO

Este trabalho propõe o projeto de um artefato para pessoas que experienciaram a

perda de um ente querido. Dessa maneira, temas como o luto, a morte e a relação do design

com esses tópicos foram explorados na fundamentação teórica. Como o método escolhido foi

o design centrado no humano (IDEO, 2015), o artefato em questão foi resultado de uma

investigação das necessidades de pessoas que tinham vivenciado o luto, assim como da

utilização de ferramentas do design para o desenvolvimento da proposta (como por exemplo

personas, cenários, mapa mental, painel semântico e wireframes). Dessa maneira, ao longo

do processo, foi identificada a necessidade de compartilhamento de histórias e construção de

narrativas pelos enlutados, resultando no projeto de um memorial online para web chamado

Memorando.

Palavras Chave: Luto; Thanatosensitive Design; Design de Interação; Memoriais

Online; Human Centered Design

ABSTRACT

This work’s purpose is to create a design concept for people who have suffered the

loss of a loved one. In that manner, themes such as bereavement, death, and the relationship

among design and these topics were explored. Since the method chosen to develop this

project was the Human Centered Design (IDEO, 2015), the final concept presented is the result

of: (1) the investigation of bereaved users’ needs; and (2) the application of design tools in the

proposal development phase (tools such as personas, scenarios, mind maps, mood boards

and wireframes were used). It was thus identified along the process that bereaved users

benefit from sharing stories and building narratives in order to cope with grief. This research

resulted in the design of an online memorial for web called Memorando.

Key words: Bereavement; Grief; Thanatosensitive Design; Interaction Design; Online

Memorials; Human Centered Design

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................12

2. OBJETIVOS...........................................................................................................14

2.1 OBJETIVO GERAL.........................................................................................14

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS...........................................................................14

3. REFERENCIAL TEÓRICO.....................................................................................15

3.1 PENSANDO DESIGN PARA A MORTE........................................................15

3.2 ENTENDENDO O PROCESSO DE LUTO......................................................19

3.2.1 Mitos sobre o luto...................................................................................20

3.2.2 Teorias aceitas.......................................................................................22

3.2.3 Continuing bonds: relacionamentos não morrem...................................24

3.3 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO.......................................................25

3.3.1 Enfrentamento através de narrativas....................................................26

3.4. IMORTALIDADE SIMBÓLICA.......................................................................29

3.4.1 imortalidade simbólica através da construção de uma identidade pós

morte..........................................................................................................................31

3.5 TANATOTECNOLOGIA: TECNOLOGIAS RELACIONADAS A MORTE.......33

3.5.1 Tanatotecnologia no meio online...........................................................33

3.5.2 O papel das redes sociais e memoriais online no processo de luto.....34

3.5.3 Memoriais online...................................................................................37

3.6 THANATOSENSITIVE DESIGN E SISTEMAS PARA PESSOAS EM

LUTO............................................................................................................. .............39

3.6.1 Projetando memoriais digitais..............................................................43

3.6.2 Design de interação e experiência do usuário.....................................49

4. METODOLOGIA E PROCESSO...........................................................................52

4.1 DESIGN CENTRADO NO HUMANO – IDEO..............................................52

4.2 - PESQUISA BIBLIOGRÁFICA....................................................................55

4.3 - ENTREVISTA COM ESPECIALISTA.........................................................56

4.4- ENTREVISTA SEMI ESTRUTURADA........................................................56

4.4.1 Hipóteses de projeto investigadas na entrevista exploratória.............57

4.4.2 Resultado das entrevistas..................................................................58

4.5 QUESTIONÁRIO.................................................................................................64

4.5.1 Resultado do questionário...................................................................64

4.6 PROPOSTA ........................................................................................................72

4.7 FERRAMENTAS DO DESIGN.............................................................................73

4.7.1 Personas..............................................................................................73

4.7.2 Cenários...............................................................................................78

4.7.3 Mapa mental.........................................................................................81

4.7.4 Pesquisa visual.....................................................................................81

4.7.5 Painel semântico..................................................................................82

4.7.6 Wireframes...........................................................................................84

5. RESULTADO..........................................................................................................86

5.1 PERFIL MEMORIAL.........................................................................................87

5.2 HISTÓRIAS DA MINHA VIDA - MODO DESCOBERTA..................................89

5.3 HISTÓRIAS DA MINHA VIDA - MODO ÍNDICE..............................................90

5.4 HISTÓRIAS DA MINHA VIDA - QUERO LER SOBRE ..................................92

5.5 DASHBOARD (HOME DO USUÁRIO)............................................................93

5.6 ESCREVER HISTÓRIA...................................................................................95

5.7 LER HISTÓRIA................................................................................................97

5.8 ITENS NÃO REPRESENTADOS GRAFICAMENTE......................................99

5.8.1 Transições............................................................................................99

5.8.1 Privacidade...........................................................................................99

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................100

7. BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................101

ANEXO (SKETCHBOOK).........................................................................................105

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Jogo criado pelo Re.Designing Death ..................................................................16

Figura 2 - Cartão para o registro dos desejos pós morte por Re.Designing Death...............17

Figura 3 - Troy Patterson mostra os diários do luto...............................................................18

Figura 4 - Memento Ring..............................................................,........................................19

Figura 5 - Modelo Dual de Processo do Luto (DPM)............................................................ 22

Figura 6- Memoriais online Never Gone e Forever Missed...................................................37

Figura 7- Vietnam Veterans Memorial em Washington D.C., Estados Unidos......................45

Figura 8 - Ghost Bike Memorial para James Langergaard, Nova Iorque..............................45

Figura 9 - Exemplo de memorial híbrido: QR code em cemitérios........................................46

Figura 10- Memorial online Forever Missed (memorial totalmente digital)............................47

Figura 11 - Memorial digital ThanatoFenestra.......................................................................48

Figura 12- Framework da Experiência de Garrett..................................................................51

Figura 13- Human-Centered Design......................................................................................53

Figura 14- Produto para o Human-Centered Design............................................................ 54

Figura 15- Processo deste trabalho baseada na proposta da IDEO.....................................55

Figura 16 - Persona 1 – Felipe, o pesquisador......................................................................74

Figura 17- Persona 2 – Ísis, a que gosta de ouvir histórias...................................................75

Figura 18 - Persona 3 – Eliane, a compartilhadora...............................................................76

Figura 19 - Persona 4 – Tiago, o escritor .............................................................................77

Figura 20 - Persona 5 – Ingrid, a usuária esporádica............................................................78

Figura 21- Mapa mental para a identidade visual da plataforma...........................................81

Figura 22 - Painel semântico referencias web.......................................................................82

Figura 23 -: Painel semântico cores e experiência................................................................83

Figura 24 - Esqueleto simplificado da plataforma Memorando..............................................84

Figura 25 - Esboços da plataforma Memorando....................................................................85

Figura 26 - Representação gráfica da plataforma Memorando.............................................86

Figura 27 - Telas plataforma Memorando – Perfil Memorial.................................................88

Figura 28 - Telas plataforma Memorando – Modo Descoberta.............................................89

Figura 29 - Telas plataforma Memorando – Modo Índice......................................................91

Figura 30 - Telas plataforma Memorando – Quero ler sobre................................................92

Figura 31 - Telas plataforma Memorando – Dashboard........................................................94

Figura 32 - Telas plataforma Memorando – “escrever história”.............................................96

Figura 33 -Telas plataforma Memorando – “ler história”........................................................98

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Os mitos do enfrentamento do luto.......................................................................21

Tabela 2 - Comparação dos Modelos de Luto.......................................................................23

Tabela 3 - Enfrentamento do luto por meio da revelação......................................................28

Tabela 4 - Os cinco tipos de imortalidade simbólica..............................................................30

Tabela 5 - Estratégias para a preservação da identidade pós morte de um indivíduo, por

UNRUH, 1983.........................................................................................................................31

Tabela 6 - O que é o Thanatosensitive Design......................................................................39

Tabela 7 - Sistemas tanatosensíveis para enlutados.............................................................41

Tabela 8 - Modelo para projeto de memoriais digitas.............................................................43

Tabela 9 - Hipóteses de Projeto.............................................................................................57

Tabela 10 - Guia de perguntas da entrevista semi estruturada.............................................58

Tabela 11 - Como você se sente ouvindo novas histórias sobre seu ente querido?.............65

Tabela 11 - Como as pessoas enfrentam o luto....................................................................65

Tabela 12 - Experiência do luto nas redes sociais................................................................68

Tabela 13 - Cenários para o projeto a partir das personas...................................................79

Tabela 14 - Requisitos e desejáveis......................................................................................80

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - você já utilizou alguma rede social para expressar o seu luto?..........................66

Gráfico 2 - você já utilizou alguma rede social para expressar o seu luto? Se sim

quais?.....................................................................................................................................66

Gráfico 3 - você julga importante o ato de fazer memoriais para entes queridos

falecidos?...............................................................................................................................69

Gráfico 4 - você já o ouviu falar em Memoriais Online?........................................................70

Gráfico 5 - Se sim, já utilizou ou chegou a visitar um Memorial Online?..............................70

Gráfico 6 - um website ou aplicativo destinado ao compartilhamento de histórias e

homenagem do seu ente querido seria algo bem-vindo para você?......................................71

12

1 INTRODUÇÃO

A primeira reação das pessoas quando eu dizia que estava desenvolvendo um

trabalho sobre o luto, era de espanto. “Como assim design e luto?” “O que é que tem a ver?

“Como é que você chegou nesse tema?” A motivação foi meu trabalho como estagiária de

design gráfico no Grupo Vila1, uma empresa do setor funerário, em Natal-RN. E, embora o

trabalho fosse o que se espera de um designer (design de livretos, cartazes e sinalização),

ele tinha um caráter muito específico: estávamos quase sempre fazendo o nosso trabalho

para pessoas que tinham perdido alguém. Nos cemitérios, a sinalização seria utilizada por

quem estavam visitando ou sepultando seus entes queridos, os livretos e cartazes também.

Como iríamos passar informações, tanto visualmente como verbalmente, para pessoas em

um estágio emocional fragilizado? Assim, o design e o luto estavam andando de mãos dadas

diariamente no meu trabalho.

Apesar de eu ter me acostumado a trabalhar com esses temas, a morte e a perda

passaram a fazer parte das minhas reflexões. E longe de isso ter sido algo ruim, na realidade

foi enriquecedor. Estar inserida nesse ambiente, fez-me consciente da importância de pensar

sobre a morte, seja a minha própria ou a daqueles próximos a mim. Essa consciência,

também, trouxe para o meu trabalho uma postura empática em relação às pessoas enlutadas.

Como consequência, também notei que a morte e o luto curiosamente pareciam ser

muito pouco explorados no design. Mesmo sendo aspectos inerentes ao ser humano, pois

todos morrem e quase todos enfrentam em algum momento da vida, a perda de um ente

querido. Foi ao perceber essa intrigante lacuna, que um principal questionamento surgiu: de

que maneira o design poderia influenciar positivamente no processo de luto de um indivíduo?

E ainda: como criar uma interação humano-artefato que fosse significativa para essas

pessoas?

O primeiro passo para responder essas perguntas foi pesquisar sobre a morte, luto e

projetos de design sobre esses tópicos. A partir dessa pesquisa, hipóteses de projeto foram

criadas, e depois exploradas em entrevistas com indivíduos que tinham vivenciado uma perda.

Foi interessante notar, que dois modos de enfrentamento do luto vistos na fundamentação

teórica se destacaram em meio aos entrevistados: o enfrentamento do luto através da

continuação da relação com o ente querido falecido, e pela construção e contato com

narrativas sobre essa pessoa2. Foi notável que os entrevistados gostavam de falar sobre

essas pessoas, e também de ouvir histórias sobre elas. Dessa maneira, veio a ideia de

1 Grupo corporativo presente no Rio Grande do Norte, Paraíba, e Pernambuco responsável por serviços do segmento funerário, como o plano funerário Sempre e o cemitério e crematório Morada da Paz. 2 Ver os tópicos “Continuing Bonds, relacionamentos não morrem” e “Enfrentamento através de narrativas”.

13

projetar um memorial online, um espaço onde as pessoas poderiam falar sobre o seu luto, e

preservar a memória do seu ente querido através do compartilhamento de histórias.

Assim, no capítulo de fundamentação teórica será discutido (1) o design para a morte;

(2) o processo de luto, mitos e teorias aceitas; (3) modos de enfrentamento do luto; (4)

imortalidade simbólica; (5) thanatechnology (tecnologias relacionadas a morte); (6) memoriais

online e sistemas para enlutados; (6) design de memoriais digitais; (7) design da interação.

Já no capítulo seguinte a esse, em metodologia e processo, iremos expor os métodos

e ferramentas utilizados para o desenvolvimento do projeto, que teve como abordagem

principal o design centrado no humano. Outras ferramentas foram entrevistas e questionários,

pesquisa visual, painel semântico, wireframes, personas e cenários. E por fim, a apresentação

do conceito de memorial online criado, chamado Memorando.

14

2 OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

Projetar, a partir da perspectiva dos enlutados, um artefato que influencie positivamente no

processo de luto.

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Realizar um estudo sobre o processo de luto de maneira a compreender como as pessoas

o enfrentam;

Descobrir como o design e a tecnologia podem influenciar pessoas em seu processo de

luto, seja essa interferência antes ou depois da perda;

Identificar de que modo as pessoas enlutadas já utilizam serviços e artefatos como tática

de enfrentamento da perda de um ente querido;

Investigar o nível de abertura das pessoas em relação a tecnologias relacionadas à morte

e o luto.

15

3 REFERENCIAL TEÓRICO

3.1 PENSANDO DESIGN PARA A MORTE

Embora a morte e o luto sejam temas muito pouco explorados no design, não significa

que projetos nessa área sejam inexistentes. Tem sido possível encontrar iniciativas

inovadoras para a resolução de problemas nesse âmbito, sejam elas advindas de projetos

gráficos, de produto ou de serviços.

Um exemplo de como o “Design para a Morte” tem sido percebido como um tema

pertinente, foi a matéria publicada em 2013 pelo Design Council3 em seu website, chamada

“Reinventando a morte para o século 21”4. Nela, podemos conferir as considerações do autor

James Pallister sobre uma conferência5 que reuniu doutores, designers, e até mesmo doentes

terminais para abordar aspectos relacionados à morte.

Nesse texto Pallister expõe e discute trechos de entrevistas realizadas com esses

designers, que projetam a partir de objetivos que vão desde melhorar a vida de doentes

terminais e enlutados, até sistemas que preveem a morte do seu usuário. Pallister relata que

Mat Hunter do Design Council, cita na entrevista que o design centrado no ser humano pode

melhorar o processo tanto da morte de uma pessoa, como do luto daqueles que foram

deixados. Ele afirma, que o problema encontrado nos serviços relacionados a esse tema é

que a alegria é um elemento excluído da equação, e que na verdade precisamos reconhecer

que a "vida é sobre estar vivo" (HUNTER apud PALLISTER, 2013, online). Ou seja, embora

a morte e o luto sejam temas geralmente evitados, eles são vivenciados por pessoas, e é

natural que elas busquem experiências mais leves e positivas.

A importância do envolvimento do designer com esse tema é reiterado no momento

em que Pallister cita o professor Roberto Vaganti (2009), quem, em seu livro6, discorre sobre

como os designers têm o poder de projetar objetos e experiências de modo a criar novos

significados e valores. Mostrando que o trabalho do designer para essa área não se limita a,

por exemplo, a desenhar produtos hospitalares para doentes terminais, mas também a

"projetar experiências, significados, e emoções que poderão nos guiar durante tal momento"

(VAGANTI apud PALLISTER, 2013, online).

3 Renomada organização não governamental inglesa que há mais de setenta anos trabalha para fomentar o Design Industrial. 4 Tradução nossa do inglês “Reinventing death for the 21st century” 5 Conferência realizada pelo Marie Curie's End of Life Care Design Programme, em Cambridge, Inglaterra. 6 O livro chama-se Inovação pelo Design: Mudando as regras da competição inovando radicalmente o que as coisas significam (tradução nossa do inglês “Design-Driven Innovation: Changing the Rules of Competition by Radically Innovating What Things Mean").

16

Uma iniciativa interessante, que pode ilustrar a convergência entre o design e a morte

é a comunidade Re.Designing Death. Trata-se de um grupo informal constituído por

antropólogos, designers, e atuantes do setor funerário de diversos países, reunidos por um

ideal em comum: promover a discussão sobre a morte e criar oportunidades para inovação

ao redor deste tópico. No site do grupo, expõem sua visão:

No passado a morte estava por toda parte, aceita como uma parte normal da vida. Agora, são

poucos os assuntos dos quais fugimos mais do que a nossa própria mortalidade. Suspensos em

um estado de negação, dizemos para nós mesmos: “Eu? Não. Não por um longo tempo. Eu lido

com isso depois” Até que “depois” torna-se “tarde demais”.

O mundo da morte e do morrer está cheio de práticas desumanas e ultrapassadas em produtos,

serviços e abordagens e acreditamos que elas nascem do tabu que cerca o tema. Nosso

pensamento talvez seja próprio do século 21, mas nossos ritos funerários ainda são arcaicos.

[...] E se nós não fugíssemos dessa conversa? Talvez nunca consigamos acabar com a morte

em si, mas porque não tentamos fazer a experiência ao redor dela muito melhor?

(RE.DESIGNING DEATH, online, grifo nosso, tradução nossa).

E é justamente por essa motivação de mudar como encaramos a morte e como nos

preparamos para ela, que esse grupo desenhou dois projetos gráficos. O primeiro trata-se de

um jogo que tem como principal objetivo motivar o diálogo sobre os nossos desejos e planos

para o pós-morte (fig. 1), e o segundo é um cartão onde podemos expressar esses desejos

(fig. 2).

Figura 1- Jogo criado pelo Re.Designing Death. Fonte: <https://www.redeath.org/death-a-conversation-

game>. Acesso em: 20 set. 2016.

É essencial que tomemos decisões sobre o nosso funeral em vida, pois segundo o

grupo, é exaustivo para a família decidir tantas coisas em um momento tão difícil. No site do

Re.Designing Death, fala-se sobre as vantagens práticas de pensar na nossa própria morte,

além do valor que essa discussão traz para as nossas vidas:

17

Como um resultado direto desse tabu [falar sobre a morte], famílias em luto são deixadas

frequentemente sentindo-se desamparadas e sobrecarregadas ao planejar funerais para seus

entes queridos. Por mais desconfortável que isso possa ser, falar sobre a morte e últimos desejos

podem não só nos preparar em termos práticos – mas também ser libertador aceitar a própria

mortalidade, além de emocionante discutir um tópico tão íntimo com nossos entes queridos, não

só quando já não temos tanto tempo. (REDESIGNING DEATH, online, grifo nosso, tradução

nossa)

Figura 2 - Cartão para o registro dos desejos pós morte por Re.Designing Death. Fonte:

<https://www.redeath.org/pocket-sized-funeral-decree/>. Acesso em: 20 set. 2016.

Outro projeto sobre design e luto, são os diários de luto criados pelo professor Troy

Patterson juntamente com seus alunos de design da York College, em Pensylvania, EUA.

Esse projeto foi idealizado para o Olivia's House, um centro de apoio a crianças e

adolescentes passando pelo processo de luto. Ao perceber que as crianças do centro eram

orientadas a manter diários escritos em cadernos comuns, viu que os eles poderiam ser mais

estimulantes para elas. Ele, então, trouxe para os seus alunos da universidade, a ideia de

criar novos diários para aquela instituição.

Assim, cada estudante criou um diário diferente, com projetos visuais e de conteúdo

únicos, pensados especialmente para as crianças e adolescentes do centro. Um desses

diários se chamava "little things"7 e consistia em incentivar a criança a escrever sobre

memórias da pessoa que tinha perdido. Em outro diário, cada parte sugeria uma música para

a criança escrever ouvindo. Já em outro trabalho, foi realizado um projeto fotográfico, o qual

consistia de fotos de objetos do próprio centro, no intuito de fazer com que a criança

7 “Pequenas coisas” (tradução nossa).

18

reconhecesse aqueles ambientes, e entendesse que aquele material tinha sido feito

especialmente para ela (Fig. 3).

Figura 3 - Troy Patterson mostra os diários do luto. Fonte:

<https://www.youtube.com/watch?v=mdyeIeNCCwI>. Acesso em: 15 out. 2015.

Outro exemplo de artefato pensado para pessoas em luto é o “Memento Ring” (Fig.4),

projetado por Juliette Huygen. Trata-se de um anel feito do cabelo do ente querido falecido e

fios de ouro. Abaixo Juliette Huygen fala mais sobre o seu produto:

Nos séculos passados, era muito comum fazer joias com o cabelo do ente querido

pessoa falecida. Eu usei essa forma de joia como uma fonte de inspiração para construir uma

nova geração de jóias para o luto. [...] Para mim, cabelo é incrivelmente precioso e eu penso que

jóias para o luto são formas definitivas de intimidade e emoção. Hoje em dia nós parecemos um

pouco tímidos com relação a demonstrar emoções e vulnerabilidade em público. Com esses

anéis, eu tentei mostrar que ser frágil é parte de ser humano, é parte da vida, e deveríamos

abraçar isso. (HUYGEN, 2012, online, tradução nossa, grifo nosso).

19

Figura 4 - Memento Ring. Fonte: <http://www.designboom.com/project/memento-rings-embracing-

vulnerability>. Acesso em: 15 out. 2015.

Esses trabalhos são exemplos de diferentes maneiras como o design pode se

relacionar com a morte e o luto. O jogo e o cartão estimulam um debate necessário, o diário

faz com que a criança se sinta mais confortável ao escrever sobre seu luto, e o anel aproxima

o enlutado de seu ente querido falecido.

Essa introdução sobre o design e a morte é essencial para que possamos ter um

primeiro contato com a relação entre esses dois temas. No entanto, antes de nos

aprofundarmos ainda mais nesse assunto, é necessário que exploremos o tema principal

desse trabalho: o luto. A seguir iremos discutir teorias e mitos sobre o luto, assim como

conceitos que poderão auxiliar na compreensão desse tema.

3.2 ENTENDENDO O PROCESSO DE LUTO

Definir, sistematizar, e compreender o luto não é uma tarefa simples, visto que a

complexidade do tópico é proporcional a dimensão da complexidade humana. Muitos autores

procuraram fazer exatamente isso, fazendo com que, ao longo do século XX, pudéssemos

ver diversas perspectivas e teorias surgirem sobre o tema.

Sigmund Freud em seu texto “Luto e Melancolia” de 1917, define o luto como “a reação

à perda de uma pessoa amada ou de uma abstração que ocupa seu lugar, como pátria,

liberdade, um ideal etc” (p.128). Nesse mesmo texto, ele introduz o conceito de “trabalho do

luto”, o qual trata-se de “enfrentar a dor a fim de chegar a um estado de restauração

emocional” (FREUD, 1917, p.129).

20

Outro autor a explorar o significado do luto foi John Bowlby em sua Teoria do Apego

de 1985. Essa teoria determina que os vínculos afetivos criados entre as pessoas são valiosos

para a sobrevivência, e o luto é uma resposta ao rompimento desses vínculos (BOWLBY apud

RODRIGUES et al., 2007).

Finalmente, PARKES (2010) define o luto como um período difícil, pois somos

obrigados a ressignificar a nossa vida e o nosso papel no mundo. Na seguinte passagem, ele

elabora:

“[O luto] É a combinação entre a nossa percepção de mundo e o mundo no qual realmente vivemos, que nos dá direção, propósito e significado para a vida. Com o luto há uma separação do mundo que vivemos e o mundo que deveria ser. Isso é experienciado como a perda de significado, e, trabalhos recentes tem dado atenção a importância de ajudar pessoas em luto a descobrirem novos significados ao reconstruir sua percepção de mundo” (PARKES, 2010 p.20, tradução nossa, grifo nosso).

A partir dessas informações, podemos então inferir que o luto é a reação humana

natural à perda, seja ela de algo ou alguém. Entretanto, consideraremos nesse trabalho, o

luto como um estado em que o indivíduo adentra ao perder um ente querido por morte.

3.2.1 MITOS SOBRE O LUTO

Provavelmente a mais famosa referência em estudos sobre o luto é o livro de 1969

“Sobre a Morte e o Morrer” de Elisabeth Kubler-Ross8. Nele são categorizados em cinco fases

os relatos de pacientes terminais: a negação e isolamento, a raiva, a barganha, a depressão

e a aceitação. Essas fases refletem os padrões percebidos pela a autora, ao registrar e

analisar relatos de seus pacientes ao saber da iminência da própria morte. Trata-se, então,

da reação de pacientes frente à perda de si mesmo, e não à perda de outra pessoa. É errôneo

acreditar que o luto acontece dessa forma, com etapas bem definidas de um processo linear

que culmina na “superação” (PARKES, 2010).

Parkes (2010) afirma inclusive, que não é adequado que psicólogos do luto ou

conselheiros imponham um modelo de fases em seus pacientes, pois cada indivíduo tem seu

próprio tempo e maneira de passar pelo luto. No entanto, reflete que embora esse sistema de

fases tenha sido usado de forma inadequada, elas serviram para entender a ideia do luto

“como um processo de mudança através do qual precisamos passar para encontrar nossa

nova visão de mundo” (p.20, tradução nossa).

8 Os relatos apresentados no livro “Sobre a morte e o morrer” são de pacientes terminais da própria autora,

que era psiquiatra.

21

Estar ciente de outros mitos relacionados ao luto, é fundamental para que evitemos

seguir suposições precipitadas no processo de projeto. Wortman & Boerner (2011) defendem

que muito do que pensamos saber sobre o luto são mitos, como por exemplo, crer que o luto

é algo que passa dentro de um ou dois anos. Abaixo podemos encontrar esse e outros mitos:

OS MITOS DO ENFRENTAMENTO DO LUTO

1

As pessoas sofrem de estresse depois de uma grande perda, e não senti-lo tende a

indicar um problema com o processo de luto;

2

Emoções positivas são ausentes durante este período (ao serem expressadas, elas

tendem a ser vistas como um indício de negação ou tentativa de esconder a angústia);

3

Ao sofrer uma perda, o enlutado precisa “trabalhar” seus sentimentos. Negar ou evitar

esses sentimentos são práticas vistas como não saudáveis a longo prazo;

4

É importante para os enlutados quebrar seu apego ao ente querido falecido;

5

Dentro de um ano ou dois, a pessoa enlutada será capaz de superar o acontecido, se

recuperar da perda, e continuar com seu nível de funcionamento original.

Tabela 1 – Os mitos do enfrentamento do luto. Adaptado de WORTMAN & BOERNER, 2011, p. 206.

Levando em consideração que informações equivocadas sobre o luto são amplamente

difundidas, Wortman & Boerner (2011) afirmam ser benéfico que os enlutados saibam que os

tipos de reação frente à perda, variam imensamente. Pois, muitas vezes, as pessoas podem

achar que o que estão sentindo ou como estão enfrentando a situação não é normal ou

saudável, quando na verdade não há nada de errado com elas.

As autoras inclusive salientam, que para determinar se o indivíduo está passando por

um processo de luto saudável, é preciso identificar os fatores por trás daquela perda. Só assim

é possível ter consciência de em quais condições é esperado que o enlutado não apresente

estresse, e em quais outras a dor seria mais intensa e prolongada (o que poderia caracterizar

22

um luto complicado). Wortman & Boerner (2011) também enfatizam que o luto não se

manifesta da mesma forma em todas as pessoas; de igual maneira, uma estratégia de

enfrentamento9 que funciona para uma pessoa, pode não funcionar para outra.

3.2.2 TEORIAS ACEITAS

O Modelo Dual de Processo do Luto (DPM)10 de Stroebe & Schut (1999) tem sido

citado em trabalhos mais recentes como o modelo mais aceito para explicar como ocorre o

processo de luto (SANTOS, 2009, PARKES 2010, e WORTMAN & BOERNE, 2011).

Figura 5 – Modelo Dual de Processo do Luto (DPM). Adaptado de STROEBE & SCHUT, 1999.

O modelo dual mostra que o processo de luto tem dois diferentes modos de

enfrentamento: o direcionado a perda e o direcionado a restauração. São nos momentos em

que o enlutado entra no modo direcionado a perda, que ele pensa sobre a perda, vê fotos do

ente querido, escreve sobre o ocorrido, fala sobre isso com outras pessoas etc. É nesse modo

9 Estratégia de enfrentamento é a tradução mais utilizada nos trabalhos brasileiros para o termo em inglês“coping”. O coping é a forma como cada pessoa lida com situações de estresse. No caso do luto, é a forma

de lidarmos com o estresse causado por uma perda significativa. 10 Tradução livre do inglês “The Dual Process Model of Coping with Bereavement”. DPM é a sigla utilizada pelos

próprios autores para se referir ao modelo.

23

que o “trabalho do luto”11 acontece. Já no modo direcionado a restauração buscamos nossa

nova identidade e nosso novo entendimento do que é o mundo. É nele que desempenhamos

atividades como ir ao trabalho, pensar sobre a nova realidade, tentar coisas novas, e evitar

pensamentos concentrados na perda em si.

Stroebe & Schut (2010), então, afirmam que é a oscilação entre esses dois modos que

compõe um processo de luto saudável12, muito embora aconteçam de maneiras diferentes,

de acordo com variações individuais e culturais.

Para fins de referência, observamos abaixo como o modelo dual de processo do luto

se compara a outros modelos13:

TABELA DE COMPARAÇÃO DOS MODELOS

Modelo de

Fases

(Bowlby, 1980)

Modelo de

Tarefas

(Worden, 1991)

Modelo Dual de Processo do Luto (DPM)

(Stroebe & Schut, 1999)

Choque

Aceita-se a

realidade da perda

Aceita-se a realidade da perda... assim como a

realidade de um mundo diferente.

Protesto

Experiencia-se a

dor do luto

Experiencia-se a dor do luto... e evita-se a dor do

luto.

Desespero

Ajusta-se à vida

sem a pessoa

falecida

Ajusta-se à vida sem a pessoa falecida... e

aprende a lidar com o ambiente mudado

Restituição

Realoca-se

emocionalmente a

pessoa falecida e

segue em frente

Realoca-se emocionalmente a pessoa falecida e

segue em frente... e desenvolve novos papéis,

identidades, e relacionamentos.

Tabela 2 – Comparação dos Modelos de Luto. Adaptado de STROEBE & SCHUT, 2010, p. 276.

11 Como supracitado, para Freud o trabalho do luto era essencial, ou seja precisaríamos enfrentá-lo ativamente para que o luto fosse resolvido. 12 Nos trabalhos brasileiros, também é utilizado “luto adaptativo” para luto saudável. 13 Para projeto, é considerado relevante discutir o entendimento do luto atualmente, dessa forma não iremos entrar em detalhes sobre os modelos mais antigos.

24

Eles também lembram que os dois modos são fontes de estresse e podem resultar em

angústia e ansiedade. Bem como ficar concentrado em apenas um modo pode indicar uma

interferência no processo de luto saudável14. Em suma, o enfrentamento do luto para o DPM

se resume a um “processo regulatório complexo de confronto e evitação” (STROEBE e

SCHUT, 2010, p.278, tradução nossa).

3.2.3 CONTINUING BONDS: RELACIONAMENTOS NÃO MORREM

Até meados dos anos 90 era comum que psicólogos do luto sugerissem que as

pessoas enfrentassem15 o luto através da desconexão com o seu ente querido, a fim de que

começassem uma nova vida do zero. Costumava-se aconselhar, por exemplo, a casais que

perderam um filho jovem, que engravidarem novamente, como se isso anulasse a perda que

tinham sofrido. (KLASS ET AL., 1994).

No entanto Klass et al. (1994) notaram que indivíduos vivenciando um processo de

luto saudável pareciam fazer exatamente o contrário: elas não se desconectavam dos seus

entes queridos, e sim mantinham esses relacionamentos, dando continuidade aos laços

construídos. Klass et al. (1994) então afirmam que a maneira como os enlutados manifestam

o continuamento dessas relações pode tomar diversas formas: como relembrar momentos

compartilhados com seu ente querido, falar com a pessoa como se estivesse ao seu lado,

visitar o seu túmulo, ou até mesmo sonhar com essa pessoa. Abaixo podemos encontrar mais

detalhes sobre como o continuing bonds se manifesta na vida dos enlutados:

Em um estudo de um grupo de apoio para pais enlutados, foi aparente que seus processos de

luto envolveram interação intensa com seus filhos falecidos. Esses pais estavam sustentando

essas interações usando meios similares daqueles das crianças em luto. A poesia que esses

pais escreveram esclarece a experiência para eles mesmos e entre eles [os companheiros do

grupo de apoio]: foi sobre aprender a viver sem a criança e ao mesmo tempo mantê-la em suas

vidas. Eles aprenderam a viver sem os papéis sociais e interações interpessoais centradas na

paternidade e maternidade, ao mesmo tempo que o filho virou parte deles, e até certo ponto,

parte da sua realidade social. [...]

Os membros consideraram a vida do grupo como uma extensão do seu relacionamento com

suas crianças. O refrão da música adotadao pela organização nacional16 diz "nossos filhos vivem

no amor que compartilhamos." Pais regularmente reportaram que sentiam a presença da criança,

a voz dela, ou viam a influência do seu filho nos pensamentos ou em eventos no mundo. Ao

compartilhar suas experiências com outras pessoas e as definirem como normais, descobriram

que estavam se dirigindo a uma resolução do se luto. Nessa resolução, as experiências dos seus

filhos tornaram-se parte dos seus cotidianos. [...]

14 Importante salientar que só a pessoa enlutada pode saber se está oscilando entre os dois modos, pois não dividir publicamente suas emoções não significa que não estar passando por elas. Mais adiante iremos abordar o trabalho de Pennebaker, Zech e Rimé (2001) sobre revelação de emoções no processo de luto. 15 No próximo capítulo explicaremos o que são estratégias de enfrentamento do luto. 16 O autor não especifica o nome organização é essa, mas inferimos que trata-se de uma organização para os grupos de apoio para pais em luto.

25

À medida que cada um de nós analisávamos dados coletados, percebemos que estávamos

observando um fenômeno que não se encaixava nos modelos de luto que a maioria dos nossos

colegas estavam usando. O que estávamos observando não era um estágio de desengajamento,

o qual fomos educados para esperar [dos enlutados], mais em vez disso, estávamos observando

pessoas mudando e então continuando esse relacionamento com a pessoa falecida. Se manter

conectado pareceu facilitar a habilidade de crianças e adultos de lidar com a perda e as

mudanças resultantes disso na vida delas. Essas conexões proveram conforto e apoio e

facilitou a transição do passado para o futuro. (KLASS ET AL., 1994, p.17, tradução nossa,

grifo nosso).

O continuing bonds é de fundamental importância para esse trabalho, e ainda

faleremos muito sobre esse conceito ao longo deste trabalho. No capítulo seguinte nos

apronfundaremos em estratégias de enfrentamento.

3.3 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO

Estratégia de enfrentamento é o nome dado às diferentes maneiras como as pessoas

lidam com o luto. O modo como essas estratégias se manifestam varia expressivamente, já

que são o resultado de uma série de fatores como: causa da morte, grau de proximidade com

o falecido, mudanças no cotidiano do enlutado, cultura e ambiente onde o indivíduo está

inserido e, até mesmo, liberdade de expressar sua dor nesse ambiente (KOVACS, 2008).

Um estudo que confirma essa premissa, é o das autoras Habekoste e Areosa (2011),

que, ao estudar estratégias de enfrentamento em pessoas que perderam entes queridos

repentinamente, relataram encontrar variadas formas de enfrentamento (sendo algumas o

contraposto de outras). Por exemplo, enquanto uns encontravam conforto na religião e a

doutrina espírita, outros reportaram a perda da fé. Ou enquanto uns abandonaram atividades

(de lazer principalmente) outros deram continuidade ao trabalho por questão de

sobrevivência. Mudanças de comportamento, procura por ajuda profissional, e principalmente

a negação foram outras estratégias encontradas nesse trabalho (HABEKOSTE E AREOSA,

2011).

A negação (tentativa de bloquear pensamentos sobre o acontecido) foi a forma de

enfrentamento mais presente em pessoas que tiveram as perdas consideradas mais súbitas

e traumatizantes. As autoras, no entanto, comentam que a negação é uma estratégia

essencial frente a um trauma como a perda repentina, mas que precisa ser observada com

cautela de forma a prevenir uma complicação do luto.

Habekoste & Areosa (2011) puderam observar que o grupo que deu continuidade as

suas atividades cotidianas e/ou buscaram apoio para o luto (seja em terapia ou em pessoas

provedoras de suporte emocional), obtiveram menor grau de depressão. As autoras também

afirmam que “a partir do momento em que o enlutado der-se conta desta finitude e relatar sua

26

perda sem dor, pode-se dizer que o processo de luto está encaminhando-se para uma

reestruturação de vida, mesmo permanecendo as lembranças do falecido” (HABEKOSTE &

AREOSA, 2011, p.200).

Em suma, a forma como toma o processo de luto depende consideravelmente de como

a morte ocorreu e das estratégias de enfrentamento adotadas pelo enlutado. É possível

observar que os resultados dessa pesquisa são condizentes com o DPM17, pois as pessoas

com sinais de depressão, não mostraram entrar no modo de restauração descrito pelo modelo.

Podemos assim inferir, que as estratégias de enfrentamento são ferramentas utilizadas na

jornada para uma nova vida com novos significados, e que a maneira como são usadas podem

impactar positiva ou negativamente a experiência de luto.

3.3.1 ENFRENTAMENTO ATRAVÉS DE NARRATIVAS

Além das formas de enfrentamento anteriormente citadas, podemos citar o

enfrentamento por meio da construção de narrativas18, tanto pela expressão escrita como pela

verbal. Para Tannem (apud BOSTICCO & THOMPSON, 2005), a construção de narrativas

pode ser um ato muito poderoso para o processo de luto de um indivíduo, pois, é por meio da

organização coerente de eventos, que são criadas ligações entre eles, o mundo, e as pessoas

a sua volta.

Sedney et al. (1994) apud Bosticco & Thompson (2005) defendem que as histórias são

construídas de maneira a atender as necessidades do contexto em que são contadas, e no

processo de luto não poderia ser diferente. Formar narrativas como contar histórias, escrever

sobre acontecimentos, e se engajar em diálogos, é uma maneira benéfica de lidar com a dor

de uma perda. “Histórias capturam eventos emocionais, ajudam indivíduos e família a ganhar

controle dos eventos, aliviar tensão emocional, trazer significado para experiência e conectar

as experiências vividas em eventos por diferentes pessoas” (SEDNEY et al. apud BOSTICCO

& THOMPSON, 2005, p. 5, tradução nossa).

Segundo esse mesmo autor, os efeitos da construção de narrativas podem ser

especialmente positivos para os relacionamentos familiares após uma perda na família. Ao

compartilhar histórias sobre uma pletora de temas (como detalhes da circunstância da morte

e a experiência de cada membro), essas interações ajudam a reconectar laços fraternais e

reestabelecer um relacionamento saudável.

17 Ver capítulo “Teorias Aceitas”. 18 Esse tipo de enfrentamento se relaciona intimamente com a prática da terapia e do suporte emocional citados no tópico anterior, já que são nesses momentos que os enlutados formam narrativas, ao conversar sobre seu luto e a pessoa que perdeu.

27

O estudo de Van Riper (1994) apud Bosticco & Thompson (2005) é um bom exemplo

do valor que o compartilhamento de possui. O autor estudou o caso de uma família de cinco

irmãs, que perderam a mais jovem, de 17 meses em um acidente de carro. Elas tinham entre

5 e 11 anos de idade na época do acidente, e, por ter sido uma experiência extremamente

traumática, nunca chegaram a conversar sobre o ocorrido. O assunto entre elas permaneceu

como tabu, até o momento em que uma das irmãs teve a iniciativa de escrever um trabalho

sobre essa perda. Ela pediu a contribuição das suas irmãs sobre suas experiências e o

impacto na vida de cada uma. Após esse processo de aprofundamento intenso sobre os

eventos relacionados ao acidente, uma delas relata:

“[...] participar desse processo longo e doloroso ajudou cada uma de nós a crescer e a nos

desenvolver como indivíduos. Também nos ajudou a crescer e a nos desenvolver como família.

Além disso, nos deu a sensação de alívio e de esperança” (VAN RIPER apud BOSTICCO &

THOMPSON, 2005, p.12, tradução nossa, grifo nosso).

Pais que perderam os filhos podem especialmente se beneficiar dessa prática, pois

“compartilhar histórias é uma ferramenta chave para que os pais enlutados revisem,

compartilhem e adicionem significado para a perda que experienciaram” (MASSIMI &

BAECKER, 2011, p.120, tradução nossa). Inclusive, os mesmos autores sugerem que

tecnologias como a computação ubíqua19 para a construção de narrativas, podem ser

caminhos inovadores para que pessoas enlutadas compartilhem suas histórias.

No entanto, é importante salientar que, nem sempre, o compartilhamento de emoções

durante o processo de luto caracteriza um luto saudável. Pennebaker et al. (2001) defendem

que devemos olhar para a personalidade do indivíduo, a fim de descobrir se aquele

comportamento é um bom sinal. Além desta, pode ser visto na tabela que os mesmos autores

puderam tirar outras conclusões, importantes para o entendimento do luto:

19 “Computação ubíqua (em inglês: Ubiquitous Computing ou ubicomp) ou computação pervasiva é um termo usado para descrever a onipresença da informática no cotidiano das pessoas” (WIKIPEDIA, 2016, online).

28

ENFRENTAMENTO DO LUTO POR MEIO DA REVELAÇÃO

1

Durante o processo de luto as pessoas, geralmente, trabalham a dor naturalmente e

não precisam de estratégias de intervenção para lidar com isso.

2

Para pessoas enlutadas, falar ou escrever sobre os sentimentos pode indicar tanto

uma ótima como péssima adaptação, dependendo da personalidade do indivíduo.

Dessa forma, ao contrário do que o senso comum possa fazer acreditar, falar sobre

as emoções com o intuito de lidar com o luto pode não ser benéfico.

3

Compartilhar emoções socialmente pode ajudar a manter o os relacionamentos com

amigos e família, e consequentemente fortalecer o suporte para a pessoa enlutada.

4

Pessoas que naturalmente não tendem a falar sobre suas emoções possuem mais

vantagem em expressar suas experiências por meio da escrita do que indivíduos mais

abertos.

5

Expressar os sentimentos por meio da escrita pode ser muito benéfico para pessoas

que sentem que têm a sua expressão do luto limitada devido a não aceitação de

certos assuntos pela sociedade (por exemplo, mortes causadas por fatores

estigmatizados como a AIDS, assassinato e suicídio). Isso acontece pois é uma forma

de manifestar emoções sem precisar de um interlocutor. Essa ferramenta também

pode ajudar a estruturação do pensamento e assim entender e encontrar sentido no

acontecido.

Tabela 3: Enfrentamento do luto por meio da revelação. Adaptado de PENNEBAKER et al., 2001

Importante notar, que, sabendo das diversas maneiras de enfrentar o luto, esse projeto

não pretende propor um artefato de terapia para o luto, que prometerá a “superação” (pois o

luto não é superado mas ressignificado), e sim um facilitador para atividades que enlutados

gostariam de se engajar, a fim de despertar-lhes sentimentos positivos.

29

3.4 IMORTALIDADE SIMBÓLICA

Neste trabalho, identificou-se a necessidade de melhor entender o modo dos seres

humanos encararem a morte, e como isso pode interferir no processo de luto. Lifton e Olson

(1974) defendem que a maneira como os seres humanos conseguem viver frente a

inevitabilidade da morte é através da ideia de continuidade além dela, chamada de

imortalidade simbólica. Vigilant & Williamson (2003) definem20 a Imortalidade simbólica como

“um aparato de trascendência da morte, que coloniza o futuro ao assegurar que a identidade

do indivíduo continuará uma parte ativa do futuro, seja por um ato estético, uma jornada

religiosa como objetivo de conquistar uma alma eterna, ou então por meios biológicos através

da progenia” (p.14, tradução nossa).

Um exemplo notável dessa “colonização do futuro” pode ser encontrado na obra Ilíada,

de Homero. Nela somos apresentados a Aquiles, o herói grego que se vê em um grande

impasse: o de escolher entre ir ou não a Guerra de Troia. Se escolhesse ficar, Aquiles

desfrutaria de uma vida comum, porém longa. Mas se a decisão fosse guerrear, ele daria a

vida em meio a grandes feitos na guerra e, assim, ganharia a imortalidade pela fama

eterna. Aquiles não hesitou em escolher a guerra e morrer a "Bela Morte”21, pois ela o

permitiria conquistar a imortalidade através da colonização do futuro pela memória da

humanidade.

Pés-de-prata, a deusa Tétis, madre, me avisou: um destino dúplice fadou-me à morte como

termo. Fico e luto em Troia: não haverá retorno para mim, só glória eterna; volto ao lar, a cara

terra pátria: perco essa glória excelsa, ganho longa vida; tão cedo não me assalta a morte com

seu termo. (HOMERO, Ilíada, IX, v. 410-416. apud FERMIGLI, online).

A partir da história de Aquiles, podemos notar o quão antiga, e portanto humana, é a

busca pela transcendência da morte corpórea. Felizmente, a “Bela Morte” é um exemplo

extremo dentre diversas maneiras de atribuir significado à nossa existência pelo conceito de

imortalidade simbólica. Dantas (2015) sintetiza as cinco maneiras discutidas por Lifton &

Olson (1974), apresentadas na tabela abaixo:

20 Vigilant & Williamson (2003) chegam a essa definição de imortalidade simbólica a partir da análise das obras de Anthony Giddens em The Constitution of Society: Outline of the Theory of Structuration. Cambridge: Polity Press, 1984.; também em Modernity and Self-Identity: Self and Society in the Late Modern Age. CA: Stanford

University Press, 1991. 21 Segundo VERNANT apud FERMIGLI (online), a “bela morte” é o objetivo de todo o guerreiro grego: a morte na batalha acolhida de bom grado através do feito heroico. (VERNANT, Jean Pierre. "A Bela Morte e o Cadáver Ultrajado". IN: Discursos, n° 9, São Paulo: USP, 1979).

30

OS CINCO TIPOS DE IMORTALIDADE SIMBÓLICA

Imortalidade biológica

o senso de continuidade que se enxerga na família, nação,

etnia, tribo, e até espécie; presentes no nosso cotidiano do

nosso material genético, fotografias, relíquias e heranças de

família, aos monumentos , memoriais e ritos fúnebres;

Imortalidade criativa

O senso de contribuição de um trabalhador criativo e a sua

influência na vida de outras pessoas, legado em artes, ciência,

tecnologia, filosofia etc;

Imortalidade teológica

Crença na existência da alma e em vida após a morte;

Imortalidade Natural

Senso de pertencimento a um ambiente e, por conseguinte,

aspirações de “retorno” à natureza e preocupações de ordem

ecológica;

Experiências

transcendentais

Descritas como um estado de “iluminação”, extrapolação dos

limites da vida ordinária, estar “fora de si”. Senso de estar “além

da vida e da morte” e um reordenamento simbólico. Pode

ocorrer em relação a qualquer um dos quatro modos

anteriormente citados com a integração de qualquer um deles

na vida de alguém.

Tabela 4: Os cinco tipos de imortalidade simbólica. Adaptado de DANTAS, 2015.

Lifton e Olson (1974) defendem que refletir sobre o que fazemos em vida, de maneira

a ressignificar nossa morte, é algo de extrema importância para a nossa saúde psicológica,

pois nos ajuda a dar propósito à vida e tranquilidade frente ao morrer.

Um indivíduo poderá deixar descendentes, ter uma extensa produção, entender que

viverá após sua morte como parte da natureza, ou unicamente acreditar que seu espírito

permanecerá após a morte do seu corpo. Utilizar qualquer ou todos os modos expostos,

permite que nós encontremos na imortalidade simbólica a redução do sentimento de medo e

ansiedade frente a morte.

31

3.4.1 IMORTALIDADE SIMBÓLICA ATRAVÉS DA CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE

PÓS MORTE

É muito comum encontrar entre indivíduos com a morte próxima, a preocupação de

como serão lembrados, ou seja, como irão ser imortalizados simbolicamente pelos vivos.

Unruh (1983) apud Vigilant & Williamson (2003) dá importância especial para esse

desenvolvimento da identidade pós morte:

O trabalho de David Unruh (1983), sobre estratégias de preservação da identidade entre pessoas

que estão morrendo e seus entes queridos, é de particular importância. O estudo de Unruh (1983)

sobre a jornada de preservação da identidade de uma pessoa além do túmulo é interessante

para sociológos, pois ele descreve esse processo como algo fundamentado na interação entre

os que estão morrendo e os seus supérstites (VIGILANT & WILLIAMSON, 2005, p.173, tradução

nossa)

Unruh (1983) então, determina que uma pessoa prestes a morrer poderá recorrer a

estratégias de preservação em vida da sua identidade22, assim como os seus entes queridos,

que podem vir a utilizar essa estratégia como um modo de enfrentamento do luto23 (apud

VIGILANT & WILLIAMSON, 2003).

ESTRATÉGIAS PARA A PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE PÓS MORTE DE UM

INDIVÍDUO (UNRUH, 1983)

Estratégias empregadas pelo

próprio indivíduo com morte

iminente

Tentativas de solidificar a identidade: o indivíduo registra

em diários, áudios e cartas, aspectos da sua identidade que

gostaria de preservar.

Acumulação de artefatos: o indivíduo coleta artefatos e

memorabilia que funcionarão como símbolos da sua história

de vida.

Distribuição de artefatos: o indivíduo distribui seus objetos

para amigos próximos e famíliares, seja por meio de

22 A construção da identidade pós morte não é algo exclusivo de pessoas com morte iminente, ela apenas se torna uma preocupação mais urgente para elas. 23 Vale salientar que a preservação da memória de um ente querido falecido é algo importante para muitos enlutados. Podemos ver no questionário aplicado no projeto depoimentos que relatam a necessidade de registrar memórias a fim de não deixá-las caírem em esquecimento. Esses depoimentos podem ser encontrados no capítulo “metodologia e processo”.

32

testamento ou não. Eles funcionam como provas da sua

identidade.

Estratégias empregadas

pelos seus entes queridos

Ressignificação de memórias: reinterpretar experiências

mundanas que tiveram com o falecido, de maneira a lhes dar

novos significados.

Redefinir o negativo: idealizar aspectos não tão positivos

sobre a personalidade do falecido ou experiências com ele.

Continuar conexões: engajar em atividades que relembram

o falecido.

Uso de artefatos santificadores: o uso de objetos

considerados representações sagrada do falecido.

Tabela 5: estratégias para a preservação da identidade pós morte de um indivíduo, por UNRUH, 1983.

Adaptado de VIGILANT & WILLIAMSON, 2003.

Vigillant & Williamson (2003) salientam que esse modo de imortalidade simbólica é

interacional, ou seja, é requerido ações que partem do indivíduo antes de falecer, e respostas

dos conhecidos que continuarão vivos. Assim, para que essa identidade pós morte seja

construída, interações precisam existir, seja por meio de registros ou da oralidade.

Em suma, a imortalidade simbólica é um conceito que pode trazer benefícios

psicológicos tanto para nós, ao lidarmos com a nossa própria morte, como para o nosso luto,

ao lidarmos com a morte do outro. Ela nos traz tranquilidade pois entendemos que, mesmo

que o nosso corpo não esteja vivo, iremos continuar vivos simbolicamente nas marcas que

deixamos: conexões humanas que criamos, trabalhos que publicamos, a volta da nossa

matéria ao cosmos, a crença da continuidade do nosso espírito, tudo isso traz sentido para a

nossa existência. Esse mesmo pensamento se aplica também ao ressignificar a morte uma

pessoa querida, pois ela continua nas nossas memórias, nas relíquias deixadas, nas

conversas com os amigos, e nas histórias que contamos.

33

3.5 TANATOTECNOLOGIA: TECNOLOGIAS RELACIONADAS A MORTE

Embora a relação entre o design, tecnologia e a morte pareça ser um assunto que só

tenha ganhado a devida atenção nos últimos anos, ele não é algo tão novo assim. Sofka

(2012) comenta que em meio aos anos de 1990, tanatologistas24 perceberam que a

tanatologia vinha sendo explorada na internet, uma tecnologia nova na época. Dessa maneira,

a fim de “capturar a sinergia entre o tópico [tanatologia] e a tecnologia que estava dando essa

nova exposição, um tanatologista cunhou o termo thanatechnology” (SOFKA, 2012, p.3,

tradução nossa, grifo nosso). Termo esse definido na época como “mecanismos tecnológicos

como vídeos interativos e programas de computador usados para acessar informação ou

auxiliar no aprendizado de tópicos da tanatologia” (SOFKA, 1997).25 Dessa maneira, ao longo

desse trabalho, iremos nos referir às tecnologias relacionadas a morte e ao luto com o termo

tanatotecnologia26.

3.5.1 TANATOTECNOLOGIA NO MEIO ONLINE

Podemos notar que de 1990 para cá, as maneiras como as pessoas utilizam a internet

para lidar com assuntos relacionados a morte tem sido cada vez mais variadas, e a

curiosidade em relação a este tema acaba por motivar diversos estudos. Em sua revisão

bibliográfica sobre a morte no meio online, Gotved (2014) classifica as atividades que ocorrem

na internet dentro de uma linha do tempo composta por três fases: “Ante Mortem” (antes da

morte), “Peri Mortem” (próximo a morte), e “Post Mortem” (pós morte). Ante e Peri Mortem

são as categorias que mais se relacionam com resolução de problemas, sendo as empresas

do setor funerário citadas como protagonistas nessa área. Já a fase Post Mortem engloba as

mudanças culturais em relação a como lidamos com o luto27, assim como a conservação da

memória no ambiente digital (com foco em compartilhamento de informação em redes sociais

e memoriais online).

Na fase Ante Mortem os stakeholders são, em sua maioria, pessoas que já começaram

a planejar a sua morte, geralmente por terem uma noção mais pragmática da inevitabilidade

da mesma, esteja ela próxima ou não. Podemos citar, por exemplo, empresas funerárias, que

oferecem serviços futuros no meio online, grupos de discussão sobre o tema, além de legado

24 De tanatologia: “estudo da morte”. 25 A autora cita na obra de 2012 seu outro estudo, publicado em 1997 “Social support "internetworks," caskets for sale, and more: Thanatology and the information superhighway”. No periódico Death Studies, p.553-574 26 Na falta de uma tradução oficial desse termo em português, foi feita a tradução livre para o termo tanatotecnologia. 27 Luto passa do meio offline para o meio online.

34

digital28. Na fase Peri Mortem os stakeholders são, principalmente, as pessoas mais próximas

daquele que morreu, pois são elas que lidam com a parte mais burocrática do acontecimento,

como por exemplo o funeral. As atividades relacionadas a essa categoria são em sua maioria

presentes no mundo físico e aos poucos passaram a coexistir no meio online. Por exemplo

na cidade de Natal, RN, Brasil, a empresa Grupo Vila oferece diversos serviços relacionados

a essa categoria, como o velório online29, mural de homenagens, obituário, e floricultura

online.

Gotved (2014) então relata que a fase Post Mortem tem como stakeholders toda a

rede de amigos, família, e conhecidos do falecido e que os estudos relacionados a essa fase

exploram principalmente o luto em redes sociais, memoriais online, e aplicativos. Por ser a

fase Post Mortem a mais relevante para o presente trabalho, abordaremos as maneiras como

a tanatotecnologia se manifesta nessa fase, dando ênfase ao luto em redes sociais como o

Facebook e memoriais online, além de falar mais sobre thanatosensitive design aplicado a

sistemas para enlutados.

3.5.2 O PAPEL DAS REDES SOCIAIS E MEMORIAIS ONLINE NO PROCESSO DE LUTO

O tipo mais comum de manifestação do luto em meio online é a utilização de redes

sociais, sendo o Facebook hoje a plataforma mais utilizada.30 Segundo Bousso (2014), a razão

pela qual as pessoas recorrem a esses ambientes para expressar o luto, é o apoio encontrado

neles em contraste com o sentimento de abandono experienciado no mundo offline. Embora

os seres humanos precisem interagir para lidar com o luto a sociedade brasileira urbana, (e

ocidental de modo geral) evita os tópicos morte e sofrimento fazendo com que os enlutados

sintam-se sozinhos na sua dor, como expõe Bousso et al. (2014):

Tal autor [Koury, 2003] aponta que a sociedade brasileira urbana é caracterizada pelo

refreamento das ações de partilha e expressão do sofrimento; mascaramento do morrer;

distanciamento em relação ao morto e aos enlutados; receio social de contaminação em relação

à dor do enlutado e vergonha de estar enlutado. Apesar de esse estudo não ser muito recente,

pois foi realizado em 2003, entendemos que o pensamento atual é de que nossa sociedade

ocidental, de um modo geral, nega a morte e tudo aquilo que pode fazer lembrar sua existência,

não oferece continência ao enlutado, pelo contrário, procuram afastá-lo e excluí-lo. (BOUSSO et

al., 2014, p.175)

Já que os enlutados acabam por não receber o devido suporte, podemos entender o

porquê dessas pessoas recorrerem a ambientes online como o Facebook. É lá onde eles

28 Legado digital engloba tudo o que uma pessoa possui em meio digital, por exemplo senhas, contas, arquivos, emails, perfis em redes sociais etc. 29 Este serviço permite que pessoas que não puderam comparecer pessoalmente ao velório, possam acompanhá-lo através de transmição ao vivo pelo computador. 30 No passado sites como o Orkut e o Myspace também eram empregados para o mesmo propósito.

35

encontram o apoio da sua comunidade de amigos, através da expressão escrita, ou feedback

proveniente das “curtidas” e comentários (BOUSSO et al., 2014). O depoimento a seguir

ilustra essa afirmação:

Na vida offline, todos tratam a nossa dor de uma forma muito fria. Ficam incomodados quando

começamos a falar e criam um distanciamento para o assunto. Já no mundo online, a dor não

pode ser calada! Leia quem quiser... O Facebook me ajudou muito! (BOUSSO et al., 2014, online)

Como defendido por Bousso et al. “as novas tecnologias e práticas interacionais

podem contribuir para uma mudança na maneira da sociedade lidar com a morte e com o

enlutado” (2014, p.176). Por exemplo, as maneiras como enlutados se expressam nas redes

sociais variam imensamente. Não deletar o perfil do falecido e, em vez disso, mudá-lo para a

função “memorial”, é uma delas. Esse recurso abre um espaço de quase peregrinação àquele

ambiente no qual é possível enviar mensagens e visualizar fotos, podendo desse modo,

relembrar momentos vivenciados com aquela pessoa.

No caso de memoriais online, Roberts (2004) apud Gotved (2014) aponta a utilização

de dessas plataformas como uma maneira de “complementar o processo de luto tradicional

por meio da continuação dos laços [continuing bonds] com o falecido, e aprofundamento das

conexões com pessoas passando por experiências similares” (p.117, tradução nossa, grifo

nosso).

Grupos e páginas dedicadas ao falecido funcionam de modo semelhante, tornando-se

espaços interativos de apoio e compartilhamento. Um outro ponto para o qual podemos

chamar atenção é o caráter dos textos escritos em perfis de pessoas falecidas. Carroll &

Landry (2010) ao pesquisar a expressão do luto na rede social MySpace31, identificam cinco

categorias de mensagens. Os tipos mais comuns eram sobre o luto e a dor da perda em si, já

outras mostravam admiração pelo falecido, pedidos de ajuda, reelaboração de narrativas que

colocavam o autor em um papel chave e, finalmente, relatos enaltecendo valores e crenças

do falecido. Alguns desses tipos de mensagem (reelaboração de narrativas e enaltecer

valores e crenças) são uma clara manifestação da necessidade dos enlutados de imortalizar

simbolicamente seu ente querido no meio online, de maneira a solidificar sua identidade pós

morte32 e, assim, lidar com o seu luto.

Juntamente com o uso de redes sociais como o Facebook para esse fim, vem também

a importância de que os desenvolvedores tenham o thanatosensitive design em mente ao

realizar updates e redesigns em funcionalidades. Brubaker & Vertesi (2010) alertam para uma

potencial tensão entre a necessidade de interação com perfis de falecidos online, e o

31 O My Space era uma rede social muito utilizada nos anos 2000, principalmente nos Estados Unidos, que, no entanto, perdeu força com advindo do Facebook. 32 Ver o tópico Imortalidade Simbólica

36

desconforto que pode ser causado ao nos depararmos com “perfis fantasmas”. Para ilustrar

esse fato, relatam um acontecimento ocorrido no Facebook, quando a função “reconectar”33

foi introduzida. Usuários então receberam notificações os orientando a se reconectar com

perfis de amigos, tanto vivos como já falecidos, o que motivou tanto reações positivas como

negativas. Por um lado, apontaram a insensibilidade do sistema ao pedir que os vivos se

reconectassem com os mortos, causando o desconforto de muitos usuários. Por outro,

comentários não contrariados, mas sim referentes ao luto também apareceram, como a

seguinte fala: “O facebook me disse que eu preciso me reconectar a você, eu queria que fosse

fácil como pegar o telefone ou digitar essas palavras. Eu sinto sua falta e penso muito em

você!” (BRUBAKER & VERTESI, 2010, p.4, tradução nossa).

Dessa maneira, Brubaker & Vertesi (2010) apontam o risco que existe ao remover

contas de usuários já falecidos ou realizar mudanças no modelo de interação desses perfis

no sistema, afinal de contas “o envolvimento continuado de usuários mortos nas práticas

sociais dos vivos, sugere a importância deles dentro das redes sociais e contextos que ainda

existem” (BRUBAKER & VERTESI, 2010, p.2, tradução nossa). Assim, os autores ressaltam

a importância das decisões de design para esses perfis, de maneira a serem tomadas com

empatia e cuidado especial.

A partir dessa revisão podemos entender o importante papel das redes sociais e como

elas são pensadas para o luto. Como Kern et al. apud Gotved (2014) defende: o Facebook

também “é um lugar para honrar, memorializar e promover diálogo sobre o falecido” (p.119,

tradução nossa).

33 Tratava-se de uma tentativa do Facebook de estimular interações entre os usuários, ao sugerir que se

comunicassem com pessoas que há algum tempo não interagiam.

37

3.5.3 MEMORIAIS ONLINE

Os memoriais online são plataformas que oferecem um ambiente para a

memorialização dos mortos. Eles oferecem funcionalidades como postar vídeos, fotos e

músicas, e até mesmo realizar atos ritualísticos como acender velas virtuais. Hutchings (2014)

define esse espaço como uma espécie de álbum de memórias do falecido, podendo ser

visualizado e alimentado com contribuições dos amigos e da família.

Figura 6: à esquerda: memorial online Never Gone, à direita: memorial online Forever Missed.

A experiência emocional que é visitar um memorial online pode ser muito benéfica para

enlutados, por ser uma oportunidade de liberar emoções há muito tempo contidas e, assim,

melhorar a saúde psicológica do indivíduo. Hutchings (2014) relata o trabalho de Egglestone

(2010), no qual ele estuda a sua própria interação com o memorial feito para seu amigo, que

visitado por ele todos os dias, como relata:

“intensa experiência emocional a qual permitiu me conectar com emoções que foram reprimidas

durante um momento difícil e finalmente liberá-las. Esse processo ajudou a melhorar minha

saúde mental consideravelmente” (EGGLESTONE apud HUTCHINGS, 2014, p.197, tradução

nossa).

38

Já em outro depoimento, a visita é descrita como uma experiência catártica:

Foi um sentimento muito especial. Eu senti como se estivesse entrando em um santuário. Eu li

as histórias [de outras pessoas] no passado, muitas vezes acabando por chorar muito, sentindo

a dor e a perda delas refletida na minha própria. [...] Hoje eu sinto afinidade com um grupo de

pessoas espalhadas pelo mundo, conectadas pela experiência de perder alguém com quem

temos uma conexão mais forte que a morte (GOLDEN apud HUTCHINGS 2014, p.197, grifo

nosso, tradução nossa).

Essa afinidade compartilhada entre desconhecidos, como exposto no depoimento

acima, é defendida por Hutchings (2014) como muito positiva para pessoas vivenciando

determinadas situações de luto, quando encontrar apoio pode ser mais difícil:

Categorias de luto que não são entendidas ou respeitadas por redes locais de apoio, podem ser expressadas digitalmente. Na Rainbows Bridge34, por exemplo, memoriais online podem ser

criados para pets, conectando donos enlutados e permitindo que eles expressem emoções de perda e esperanças para uma futura reunião que pode não ser considerada em outro lugar. Indivíduos passando pelo luto de um tipo de perda específica – morte de uma criança, morte por suicídio, perda de um pai – talvez descubram as comunidades de luto online como em maior sintonia com suas necessidades do que amigos e família offline. 35 (HUTCHINGS, 2014, p.205, grifo nosso, tradução nossa).

Dessa maneira podemos entender que a mudança do luto para o meio online é uma

tendência atual, e como tanto, uma área interessante de projeto a ser explorada, oferecendo

oportunidades de inovação em experiência e interação. No entanto, projetar para pessoas em

luto é algo que requer muita empatia e cuidado. A partir disso, viu-se a necessidade de criar

uma abordagem especial para o projeto de interfaces, levando a morte e o luto em

consideração. Essa abordagem se chama Thanatosensitive Design36, e será discutido no

tópico a seguir.

34 Uma plataforma para memoriais online 35 Ruth Swartwood, “Surviving Grief: An Analysis of the Exchange of Hope in Online Grief Communities,” Omega 63, no. 2 (n.d.): 161–181. 36 Tradução livre: Design Tanatosensível, ou o design sensível às necessidades relacionadas a morte.

39

3.6 THANATOSENSITIVE DESIGN E SISTEMAS PARA PESSOAS EM LUTO

Ao perceber a necessidade de uma atenção especial para projetos de sistemas que

levam a morte em consideração, o pesquisador canadense Michael Massimi desenvolveu a

abordagem Thanatosensitive Design, definida como:

uma nova abordagem humanisticamente fundamentada, para pesquisa em Interação

Humano-Computador (HCI, doravante)37 e design, a qual reconhece e ativamente se

relaciona com os fatores da mortalidade, processo de falecimento e a morte em si na

criação de sistemas interativos (MASSIMI, 2009, p. 2464, tradução nossa).

Mais à frente em 2012, Massimi desenvolve essa abordagem e descreve as diretrizes

do Thanatosensitive Design, como exposto na tabela abaixo:

O que é o Thanatosensitive Design (TSD)

Uma

abordagem/orientação

para o design

O TSD é um modo de abordar problemas de design de maneira a

considerar a morte e suas consequências. Ele encoraja o designer

a investigar múltiplas maneiras de compreender a morte no design

de um sistema, incluindo considerações das ciências humanas e

sociais.

Uma lente

O TSD enfoca aspectos particulares relacionados à morte ao

investigar o espaço do design. O TSD pode possibilitar os

designers a pensar sobre como usuários podem entender o

sistema no contexto da sua própria morte, assim como na eventual

morte de outra pessoa. Pode ser aplicado seletivamente durante o

processo de design e “trocado” por outras lentes.

Por exemplo, na abordagem TSD para um sistema como o

Facebook, designers identificariam novos tipos de usuários e

cenários de usos, proporcionando funções de acordo com as

necessidades encontradas.

Um domínio

O “Thanatosensitive design” provê a direção para uma nova classe

de pesquisa e projetos de design que investigam a morte. Uma

comparação pode ser feita ao design sustentável, o qual

similarmente não define um método para projeto, mas em lugar

disso questiona o designer a considerar fatores ecológicos a

medida em que o design é projetado.

37 Abreviação para o termo em inglês, Human-Computer Interaction.

40

Uma instância

reflexiva

O TSD quando aplicado como uma a lente a qualquer problema de

design, pode possibilitar aos designers a reflexão sobre suas

próprias experiências pessoais com a morte, de modo a entender

como elas impactam suas decisões de design. Um indivíduo que

experienciou uma morte traumática em seu círculo, poderá

enxergar determinado problema diferentemente de alguém que

nunca passou por tal experiência.

Parte de um grupo

maior de abordagens

ao fazer design para a

condição humana

O TSD é uma abordagem que entende apenas uma parte da

condição humana: a morte. Existem outros tópicos que são

profundamente humanos e que podem se beneficiar de

abordagens similares.

Mais importantemente, o TSD é uma ferramenta para o

pensamento. Ele pode agir como uma forma de questionar como

sistemas podem ser utilizados através e além da vida de uma

pessoa. Ao juntarmos a morte e o design, nós implicitamente

levantamos questões sobre outras partes da nossa vida, como o

nascimento e velhice, que podem potencialmente levar a insights

úteis para o projeto. Pensar sobre como um sistema poderá lidar

com a morte é uma preocupação crescente em pesquisa

acadêmica e na prática de projeto.

Tabela 6: O que é o Thanatosensitive Design. Adaptado de MASSIMI, 2012.

Massimi & Charise (2009) também chamam atenção para a importância de utilizar uma

abordagem humanista na pesquisa e projeto para sistemas relacionados a morte em HCI.

Eles comentam que a pesquisa em laboratório nessa área, ao contrário de outras, não oferece

resultados tão precisos quanto o emprego de métodos como a etnometodologia.38 No entanto,

embora reconheçam que a etnometodologia possa ser uma boa solução, ressaltam que

ferramentas desse método podem muitas vezes ultrapassar limites éticos, devido à natureza

sensível do tema:

[esses métodos] parecem carregar um risco emocional muito alto para participantes ao investigar um assunto tão culturalmente sensível como a morte. Pedir para participantes testarem um novo protótipo enquanto estão em luto pode ser eticamente, logisticamente e tecnologicamente difícil (MASSIMII & CHARISE, 2009, p.2461, grifo nosso, tradução nossa).

Stroebe & Schut (2003) confirmam essa premissa, ao afirmar a importância de um

posicionamento ético ao pesquisar o luto. Ressaltam que, embora muitas pessoas participem

38 Método da sociologia que busca observar o comportamento das pessoas em seu ambiente natural (hospitais, espaços públicos, lares).

41

de pesquisas nessa área (seja como um meio de desabafar ou contribuir para a compreensão

do luto) não podemos esquecer que ainda somos intrusos nos seus mundos.

De acordo com o que foi discutido sobre o uso de redes sociais por indivíduos em

processo de luto, não é de surpreender que existam muitas plataformas sendo desenvolvidas

nessa área. Juntamente com essa demanda, vem a necessidade de uma maior compreensão

do que essas pessoas estão vivenciando, de maneira a projetar interfaces mais

“tanatosensíveis”. Massimi & Baecker em seu artigo de 2011 estudam os fatores que

precisamos levar em consideração ao projetar sistemas para pessoas enlutadas. Eles

percebem principalmente, que devemos evitar tentativas de “consertar” o luto, pois não é algo

a ser consertado. Também, incentivam a construção de narrativas, chamam atenção para

possíveis dificuldades na comunicação com os amigos e familiares, para as riquezas das

interações entre pessoas com situações de luto semelhantes, para o ato de construir e cuidar

de coisas39 para o falecido e, principalmente, defende o Continuing Bonds como um conceito

que unifica todas essas atividades, como segue:

SISTEMAS TANATOSENSÍVEIS PARA ENLUTADOS (MASSIMI & BAECKER, 2011)

O luto não é um

problema a ser

resolvido.

Perder um ente querido é um processo, e uma mudança permanente

na visão de mundo. Projetar sistemas os quais buscam “consertar” o

luto de uma pessoa, como se fosse uma doença problemática (não

importando o quanto isso vem de boa intenção) pode ser

potencialmente desrespeitoso e não saudável.

A comunicação pode

ser complicada.

Podemos imaginar que os enlutados desejam constante companhia e

precisam conversar sobre seus sentimentos, de maneira a atingir

alguma paz. No entanto, ao mesmo tempo que a comunicação é

importante, designers precisam permitir que enlutados escolham o

silêncio, a desconexão e o isolamento.

Família e amigos não

ajudam tanto quanto

se acredita.

Amigos e família talvez não sejam capacitados a prover o suporte

necessário, por causa de complicações de relacionamentos pré

existentes ou da inabilidade de entender a experiência do enlutado. Ao

desenvolver tecnologias que encorajam a comunicação durante o luto,

é necessário considerar fontes de suporte extra familiares, como grupos

de apoio ou psicólogos do luto.

Encorajar o ato de

construir narrativas e

contar de histórias

Contar histórias/construção de narrativas é um rico processo para os

enlutados, e serve para muitos propósitos: desde relembrar de uma boa

lembrança, a tentar entender porque a morte ocorreu. Novas

tecnologias podem permitir que o enlutado conte histórias de maneiras

39 Como continuar projetos inacabados pelo falecido, cuidar de seus objetos e construir memoriais.

42

que não podiam antes: através de fotos, vídeos ou outras formas de

comunicação mediadas por computadores. Ouvir essas histórias

também pode ser uma maneira produtiva de imaginar novas

oportunidades para inovação tecnológica, assim como através de

storyboards ou desenvolvimento de cenários de design.

Relacionamentos não

morrem:

Quando um ente querido morre, o relacionamento não some. Em vez

disso, uma nova assimetria é introduzida, transformando o modo como

o relacionamento é conduzido. Sistemas devem considerar a realidade

do relacionamento e da perda. Ao fazer isso, tal sistema pode apoiar a

nova forma de relacionamento entre o falecido e os enlutados.

O ato de fazer é

significativo.

Para algumas pessoas, engajar em ações pode ser um bom modo de

enfrentar o luto, criando significado para a morte e se conectando com

pessoas que as apoiam. Ao oferecer a esses usuários a oportunidade

de criar, personalizar e construir artefatos significativos – sejam eles

digitais ou físicos – sistemas podem apoiar pessoas enlutadas de uma

maneira prática e útil. Pode-se incluir uma série de atividades

prescritivas e criativas e, assim, permitir que elas possam ser feitas

tanto sozinhas como em um grupo.

Permita que o sistema

evolua ao longo tempo

Os enlutados usam uma variedade de índices - fotos, vestimentas, joias,

música, lugares, música, lugares, dias do ano – para refletir sobre sua

perda. Sistemas que buscam apoiar enlutados ao criar memoriais

digitais ou legados, devem ser construídos para acomodar a

heterogeneidade dos materiais, momentos e lugares, e fazer com que

esses lembretes possam ser adicionados lentamente ao longo do

tempo. É possível permitir que usuários se engajem com essas “pistas”

de diferentes maneiras, como uma maneira de nutrir o relacionamento

(semelhante ao cuidado que as pessoas tomam ao cuidar de túmulos,

por exemplo).

Controlar símbolos de

luto:

Enlutados devem poder gerenciar sua aparência exterior e controlar o

quanto de indicação dão para os outros do seu estado emocional. Em

algumas situações, os enlutados não desejam ser vistos como uma

pessoa enlutada (ex. interações profissionais). Alguns símbolos de luto

são extremamente privados, enquanto outros são para serem vistos

publicamente. Ao projetar sistemas para o uso dos enlutados, é

necessário considerar como o sistema pode ser facilmente ignorado ou

omitido de interações diárias.

A vida continua

Mesmo que perder um ente querido seja um trágico evento emocional,

nós devemos lembrar que os enlutados continuam vivendo as suas

vidas, apenas de maneira diferente. Desenvolvedores de sistemas

precisam lembrar que enlutados ainda são amigos, parentes,

empregador e vizinhos, e que o luto é apenas uma parte da vida deles.

Tabela 7: Sistemas tanatosensíveis para enlutados. Adaptado de MASSIMI & BAECKER, 2011 (2015)

43

3.6.1 PROJETANDO MEMORIAIS DIGITAIS

Ao projetar memoriais digitais é importante que entendamos o que os caracterizam, e

no que devemos pensar para projetá-los. A seguir iremos explicar o Framework para a criação

de um memorial digital, desenvolvido por Moncur & Kirk (2014).

Nesse framework é defendido que ao construir um memorial digital precisamos nos

fazer quatro perguntas: 1) quem são os atores envolvidos; 2) quais serão os inputs; 3) qual é

a forma que esse memorial irá tomar; e 4) que mensagem ele irá passar (tabela 8). Essas

perguntas elas são fundamentais para a compreensão do memorial como um todo, como os

autores defendem:

Essas perguntas servem tanto para inspirar o design como para permitir críticas. Elas

podem ser usadas para interrogar o conceito e ver quais propostas respondem a esses

desafios críticos: de definir e apoiar atores relevantes; justificar a escolha de inputs,

forma, e mensagem. (MONCUR & KIRK, 2014, p.972, tradução nossa)

1 - Quem são os atores envolvidos no memorial digital?

1.1 Autores

1.2 Audiência

2 - Quais são os Inputs?

2.1 Sujeito e circunstância

2.2 Conteúdo

3 - Que forma o memorial toma?

3.1 Formas digitais

3.2 Estático<–>Evolução

4- Que mensagem o memorial deve passar?

4.1 Intencionalidade: Cultural <–> Pessoal

4.2 Sagrado<–>Secular

Tabela 8: Modelo para projeto de memoriais digitas. Adaptado de Moncur & Kirk, 2014, p. 966.

Em seu modelo, Moncur & Kirk (2014) defendem que os atores são compostos pelos

autores e audiência. Os autores são responsáveis pela criação, pela posse e curadoria

desse memorial, podendo uma instituição, um grupo, um indivíduo, ou até mesmo o falecido

44

antes de sua morte40 exercer esse papel. A audiência é o público-alvo, podendo o memorial

ser destinado ao grande público (cidade, país, mundo) ou ao privado (amigos e família). No

âmbito público o memorial é aberto a todas as pessoas e muitas vezes é criado por

instituições. Memoriais nacionais, por exemplo, são comumente criados por instituições, com

o objetivo de chamar atenção para alguma tragédia nacional. Já os memoriais privados são

criados a partir de uma iniciativa pessoal, e servem como uma maneira de expressão do luto

e preservação da memória do falecido (MONCUR & KIRK, 2014).

Não obstante, isso não impede que memoriais públicos entrem no âmbito do

privado e vice versa. Memoriais públicos podem ter importância pessoal, como no caso dos

memoriais de guerra. Ao mesmo tempo que eles têm o objetivo de trazer a público a realidade

da guerra, e relembrar soldados que lutaram e/ou vieram a falecer em batalha, famílias das

pessoas memorializadas podem visitar esses ambientes, a fim de recordar um ente querido

(fig.6). Outros memoriais criados por iniciativa pessoal podem, também, tornarem-se públicos,

por motivos que vão desde ganhar a empatia coletiva, até trazer atenção e consciência para

a causa dessa morte41. As ghost bikes42 são um exemplo disso. (fig.7). No caso de memoriais

online, é possível o gerenciamento de opções de privacidade de maneira a definir a audiência.

(MONCUR & KIRK, 2014)

40 Esse é o ato de auto-memorialização. 41 Acidentes de carro, bicicletas, aids, câncer etc. 42 “Uma bicicleta fantasma é uma bicicleta colocada no local onde um ciclista foi foi morto por um veículo motorizado. É ao mesmo tempo um memorial e um recado para os motoristas para compartilharem as estradas. Em geral, uma bicicleta fantasma é uma bicicleta velha pintada de branco e presa em algum objeto próximo ao local do acidente. Na maioria dos casos uma placa é presa a bicicleta com o nome do ciclista morto e a data do acidente” (WIKIPEDIA, 2016, online)

45

Figura 7- “Vietnam Veterans Memorial em Washington D.C., Estados Unidos” por Derek Key Fonte:

<https://www.flickr.com/photos/derekskey/5249593792>. Acesso em: 9 ago. 201

Figura 8 - “Ghost Bike Memorial para James Langergaard, Nova Iorque”. Fonte:

<http://shuc.org/2016/07/27/ghost-bikes-beautiful-memorials/>. Acesso em: 9 ago. 2016.

46

Já os inputs são as informações que fazem com que o memorial seja o que é. Ele é

definido pelo duo sujeito/circunstância e pelo conteúdo. O sujeito é quem ou o quê está

sendo memorializado, e a circunstância é o evento que causou a morte ou as mortes. Essas

informações são definidas por eventos passados, enquanto o conteúdo (toda a informação

inserida nesse memorial) é definido mediante curadoria dos autores (MONCUR & KIRK,

2014).

A circunstância é muito importante para o caráter do memorial. Tragédias, por

exemplo, fazem com que o memorial tenda a ser mais permanente. O conteúdo pode

envolver os bens materiais do sujeito memorializado e/ou memórias e testemunhos fornecidos

pelos sobreviventes. Moncur & Kirk (2014) chegam a salientar que a riqueza de um memorial

é proporcional à quantidade de vozes narrativas, pois uma única voz traz restrições na

perspectiva dos acontecimentos. Em meio a diversas narrativas, a natureza desse memorial

é afetado pela curadoria (no caso de um memorial online, o administrador do mesmo), pois é

ela quem decide o que incluir e o que deixar de fora. (MONCUR & KIRK, 2014)

Já a forma pode ser qualquer uma que venha a ser experienciada pelos nossos

sentidos - visão, tato, audição, e até mesmo paladar e olfato. Um memorial digital pode ser

completamente digital (fig. 8) ou híbrido (fig. 9), incorporando ou não objetos físicos. (MONCUR

& KIRK, 2014)

Figura 9- Exemplo de memorial híbrido: QR code em cemitérios. Fonte: <http://g1.globo.com/sao-

paulo/sorocaba-jundiai/noticia/2015/11/cemiterio-traz-qr-code-em-tumulos-de-personalidades-em-

sorocaba.html>. Acesso em: 9 ago. 2016.

47

Figura 10- Memorial online Forever Missed (memorial totalmente digital).

Fonte: <http://www.forevermissed.com/>. Acesso em: 9 ago. 2016.

Um memorial pode também ser estático ou evoluir com o tempo (degradar-se, ser

aumentado, ou reformatado), ativa ou passivamente, independentemente do caráter físico do

memorial. Por exemplo, uma página do Facebook memorializada torna-se estática,

permanecendo da mesma forma que era quando essa ação foi tomada. Enquanto um

memorial online também pode ser pensado para evoluir com o tempo, recebendo

contribuições (MONCUR & KIRK, 2014).

E, por fim, todo memorial passa uma mensagem, encontrada em duas escalas:

cultural-pessoal e sagrado-secular. Essas escalas são afetadas diretamente pelos seu atores

(autores e audiência). Quando o intuito é passar uma mensagem pessoal, o memorial

geralmente afirma a vida do falecido e, assim, cria um espaço terapêutico de continuing bonds

entre vivos e mortos. Já a mensagem cultural é geralmente transmitida com o obetivo de que

algum episódio sombrio que aconteceu na história, como uma guerra, seja esquecido (fig.6)

(MONCUR & KIRK, 2014).

Um memorial também pode ser sagrado ou secular, ou seja, ser carregado de

espiritualidade ou não. Geralmente, ao adicionar relíquias do falecido, como restos mortais, o

memorial automaticamente ganha um cunho sagrado. Objetos mundanos podem acabar por

ter qualidades sagradas, pois estão totalmente imersos em significado simbólico e emocional

pelo poder de trazer memórias do falecido (MONCUR & KIRK, 2014).

Já um memorial secular é caracterizado por algo que não envolve religião e/ou

espiritualidade, como placas com o nome do falecido, postas apenas para notar importância

mas sem uma significância emocional mais profunda (MONCUR & KIRK, 2014). Interessente

notar que só porque o memorial é digital, não quer dizer que não seja considerado especial

ou sagrado (fig. 10). Até mesmo arquivos de texto podem ganhar significância especial depois

48

da morte de seu autor. Moncur & Kirk (2014) também afirmam que, embora seja raro que um

memorial online seja considerado sagrado, nós vivemos em um tempo em que tecnologia e

espiritualidade estão se cruzando, fazendo possível que um espaço como esse torne-se um

ambiente de grande valor espiritual43 (MONCUR & KIRK, 2014; BRUBAKER & VERTESI,

2010).

Figura 11- Memorial digital ThanatoFenestra Fonte: < https://vimeo.com/14105517>.

Acesso em: 9 ago. 2016.

Além das perguntas propostas nesse framework, podemos também encontrar

direcionamentos valiosos em meio a abordagem do design reflexivo44. Foong & Kera (2008),

estudaram justamente as possibilidades de aplicação dessa abordagem em projetos de

memoriais digitais, de maneira a expor valiosos insights sobre projetos nesse âmbito. As seis

estratégias do design reflexivo são: 1) prover flexibilidade interpretativa; 2) prover feedback

dinâmico para usuários; 3) inspirar bons feedbacks de usuários; 4) construir tecnologia para

a sondagem; 5) inventar metáforas e cruzar limites; 6) promover a participação dos usuários

no projeto da plataforma (SENGERS et al., 2005).

A vantagem de utilizar essas estratégias em memoriais online são principalmente

duas: a primeira é que permite-se um espaço para a contínua evolução da plataforma, tanto

em termos de interface como de experiência (já que a participação do usuário e as

consequentes iterações são altamente incentivadas). E a segunda é a possibilidade dessa

43 Como visto no relato de Egglestone apud Hutchings (2010) ao descrever sua visita ao memorial online do

amigo como uma experiência extrememante espiritual. Brubaker & Vertesi (2010) chamam a convergência entre

o digital e o espiritual de technospirituality, ou tecnoespiritualidade. 44 Foong & Kera (2008) definem o design reflexivo como “uma mistura de várias tradições do design, desde design

participativo até a prática crítica reflexiva. Em suma, o objetivo do design reflexivo é prover avaliação crítica da

tecnologia e seus efeitos emergentes enquanto o usuário o utiliza. Na especificação original do design reflexivo, o

usuário pode ser facilmente o designer da tecnologia também (online, tradução nossa).

49

tecnologia ampliar o conhecimento sobre práticas sociais, pois ela pode servir para não só

entender melhor como seres humanos se comportam, como também para influenciar nesse

comportamento (FOONG & KERA, 2008).

Foong & Kera (2008) defendem que as experiências proporcionadas pelo design de

memoriais digitais podem influenciar no comportamento humano, como exposto a seguir:

As seis estratégias do design reflexivo oferecem diretrizes para designers de tecnologia

em dois grandes desafios. Primeiramente, ele oferece um caminho no que significa

projetar para boas experiências. Essas experiências tem a característica de serem

emergentes e pessoalmente significativas. Experiências ricas dependem não somente

da tarefa em mãos, mas como elas se acomodam entre nossas expectativas e histórias

pessoais íntimas45. Ao projetar tecnologia dos memoriais online, designers encontram

um tipo especial dessas histórias pessoais e íntimas, além de expectativas

relacionadas a alguém que está morto. (FOONG & KERA, 2008, online, tradução

nossa)

De modo geral, podemos afirmar que para projetarmos memoriais digitais devemos

entender quem são as pessoas envolvidas e as suas motivações, que tipo de reações

queremos causar nelas, quais informações (inputs) serão inseridas nesse memorial, que

ferramentas serão oferecidas, que tipo de preocupação iremos ter com termos de uso e

privacidade, como criaremos experiências especiais para esses usuários e, por fim, qual é o

valor sociológico e historiográfico de uma plataforma desse tipo.

Foong & Kera (2008) defendem que ao projetar para a morte, o designer pode

encontrar uma arena muito rica, pois lá é dada a chance de olhar para espaços que se

mantiveram “não projetados” e, assim, “novamente imaginar práticas relacionadas a morte em

novos contextos, rituais da morte existentes, e também criar novas experiências relacionadas

ao luto e morte dos usuários” (online, tradução nossa). Assuntos pouco explorados,

justamente por vivermos em uma sociedade que evita o diálogo sobre a morte.

3.6.2 DESIGN DE INTERAÇÃO E EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO

O design de interação, segundo Preece et al. (2013) trata-se de: “projetar produtos

interativos para apoiar o modo como as pessoas se comunicam e interagem em seus

cotidianos, seja em casa ou no trabalho"(p.8). Ou mais simplesmente “o projeto de espaços

para comunicação e interação humana” (WINOGRAD, 1997 apud PREECE ET AL., 2013,

p.8).

45 Nessa parte, Foong & Kera (2008) citam McCarthy, J., & Wright, P. Technology as Experience. MIT Press 2004.

50

Preece et al. (2013) também afirma que o objetivo do design de interação é criar

experiências para o usuário, por meio de uma atividade eclética, podendo ser utilizados

diferentes métodos e técnicas. Inferimos, a partir daí, que o design de interação é uma

atividade que não oferece um método definitivo que funcionará para todo projeto. Isso porque

cada projeto de interação tem requisitos próprios, os quais serão atendidos por meio de

diferentes abordagens, frameworks, técnicas, e tecnologia, de maneira que se adequem da

melhor forma possível.46 Como um projeto de design de interação deve ser desenvolvido, é

determinado por Preece et al. (2013) por um processo de quatro etapas essenciais que se

complementam e se repetem entre si: 1) estabelecer requisitos; 2) criar alternativas de design;

3) prototipar; 4) avaliar. Cada uma dessas etapas é subsidiada por diversas técnicas, as quais

podem ser combinadas de maneira a se adequar da melhor forma para o projeto.

Não podemos falar de design de interação sem falar de experiência do usuário. Preece

et al. (2013) determina que a experiência do usuário “diz respeito a como as pessoas se

sentem em relação a um produto e ao prazer e à satisfação que obtém ao usá-lo, olhá-lo, abri-

lo ou fechá-lo.” (p.13). Assim, no caso do design de interfaces, uma boa experiência trata-se

de usar determinado sistema de maneira mais eficiente e agradável possível.

Mas como devemos projetar para boas experiências? Garrett (2010) delimita muito

bem no que devemos pensar, e que tipo de decisões precisamos tomar em um projeto de

software para uma experiência do usuário satisfatória. Essas etapas são organizadas em um

framework (fig. 11), formado por cinco planos, representando as etapas necessárias para o

projeto: 1) estratégia; 2) escopo; 3) estrutura; 4) esqueleto; 5) superfície. Nele é sugerido que

os projetos de softwares devem ser realizados de baixo para cima (da estratégia para a

superfície), ou ao mesmo tempo, desde que as últimas etapas não tenham sido fechadas

antes de concluir as primeiras.

46 Assim como é defendido na definição de micro estrutura de Bonsiepe 1978 (ver o capítulo metodologia e processo).

51

Figura 12 - Framework da Experiência de Garrett. Adaptado de The Elements of User Experience:

User-Centered Design for the Web and Beyond, 2010.

Preece et al. (2013) também deixam claro que não podemos projetar experiências do

usuário, mas para o usuário. A nossa função como designer é criar o caminho: combinar as

metáforas e conceitos necessários para que o usuário tenha a experiência que pensamos

para ele, no entanto, o que ele irá realmente sentir ao percorrê-lo está além do nosso controle.

Dessa maneira, ressaltamos que só poderemos ter maior compreensão da experiência de

interação entre o usuário e a interface, após avaliá-la de maneira empírica por meio de testes

de usabilidade.

52

4 METODOLOGIA E PROCESSO

A metodologia deste trabalho é composta por uma coleção de métodos, ferramentas,

abordagens e frameworks, escolhidos de acordo com os objetivos apresentados. Levou-se

em conta nesta sessão a fundamentação teórica, que embasa os conceitos aplicados no

projeto. Desta maneira, a partir da fundamentação, apresenta-se a descrição teórica do

método e aplicação no projeto de maneira a melhor integrar os conhecimentos.

4.1 DESIGN CENTRADO NO HUMANO - IDEO

O método utilizado para o desenvolvimento do projeto é o Human Centered Design

(HCD, doravante)47 explorado no livro e toolkit desenvolvido pela IDEO48 The Field Guide to

Human Centered Design. Segundo a IDEO, o processo do HCD parece com uma montanha

russa, marcada por momentos de divergência (gerar grande quantidade de alternativas e

conhecimento) e convergência (organização, análise, e escolhas) de ideias (Fig.12).

O processo é dividido em três etapas: inspiração, ideação e implementação. O objetivo

da fase de inspiração é fazer com que o designer veja o problema a partir da perspectiva do

usuário. É aqui que iremos identificar como eles pensam, sob quais valores suas vidas são

vividas, o que desejam e no que acreditam. Na fase de ideação, todo o conhecimento que foi

absorvido na primeira fase será analisado, e a partir dele, oportunidades para projetos de

design serão identificados. As soluções encontradas são então testadas e refinadas.

Finalmente, na fase de implementação, são pensadas maneiras como a solução final poderá

ser introduzida no mercado.

Importante salientar que as fases de projeto da IDEO equivalem a análise sobre

metodologia de Gui Bonsiepe49. O autor explica que a metodologia do projeto é organizada

em duas partes, a macroestrutura e a microestrutura. A macroestrutura, que compreende três

grandes fases - problematização, desenvolvimento e finalização - atende o planejamento e

organização das etapas do trabalho para qualquer projeto. Já a microestrutura é formada

pelas atividades, os métodos, e as ferramentas adotadas de acordo com a especificidade de

cada projeto.

47 Tradução livre: Design Centrado no Humano. Termo equivalente ao “Design Centrado no Usuário”, podendo ser utilizados um no lugar do outro, pois os dois significam que os indivíduos que utilizarão o artefato a ser desenvolvido foram levados em consideração de forma significativa. 48 A IDEO é uma das empresas de design mais importantes e reconhecidas do mundo. Uma característica que a destaca, é o seu empenho em fomentar o método Design Centrado no Usuário, tendo como objetivo desenvolver soluções para problemas complexos. 49 Bonsiepe fala sobre essa metodologia no livro Teoría y práctica del diseño industrial: elementos para una manualística crítica. Barcelona: GG, 1978, pp. 145 – 193; também em Metodologia experimental: desenho industrial. Brasília: CNPq/Coordenação Editorial, 1984.

53

É possível, então, fazer o paralelo entre o método HCD da IDEO com essa

classificação. As fases de inspiração, ideação e implementação equivalem às fases da macro-

estrutura problematização, desenvolvimento e finalização. Já a microestrutura equivale às

ferramentas apresentadas no toolkit da IDEO.

Figura 13 - Human-Centered Design. Adaptado de The Field Guide to Human Centered Design,

2015.

O método HCD é conduzido de maneira que a solução final seja desejável, viável e

passível de implementação (Fig. 13). Ao conhecer o indivíduo podemos entender seus

desejos, aumentando a chance de aceitação por parte desse público. E ao gerar alternativas

(divergir), temos o poder de afunilar (convergir) para o que é possível tecnologicamente, e

viável financeiramente. No entanto, o escopo desse projeto não inclui a implementação do

mesmo, o que fez com que apenas as fases de inspiração e ideação tenham sido exploradas.

Elas foram suficientes para que pudéssemos convergir para uma solução possível, de

maneira a deixar a fase de implementação para estudos futuros.

54

Figura 14- Produto para o Human-Centered Design. Adaptado de The Field Guide to Human

Centered Design, 2015.

Cada fase desse método é subsidiada por diferentes ferramentas, muitas delas já

conhecidas e utilizadas largamente em projetos de design, como grupos focais, entrevistas e

pesquisa de campo. Assim, a escolha desse método não teve o intuito de explorar as

ferramentas mais inovadoras do kit, mas sim de ser a ideia principal que governa este

trabalho. Em outras palavras, O HCD é trazido aqui como o guarda-chuva, que acolhe em

suas macroestruturas (inspiração, ideação, implementação) as ferramentas, abordagens e

frameworks encontrados no mercado, para além do toolkit da IDEO, mas que são essenciais

para compor a microestrutura.

Por fim, O HCD mostrou-se a melhor alternativa devido ao luto ser um assunto ainda

considerado um tabu. Não somos educados nem preparados para a morte de pessoas

queridas. Então, quando acontece, nos vemos perdidos (tanto da perspectiva dos enlutados

como das pessoas que se relacionam com eles). Dessa maneira, é essencial que entendamos

como é viver o luto, o que as pessoas fazem para enfrentar esse processo, e que tipos de

experiências positivas podem ser criadas para integrá-lo. O HCD faz com que o projeto se

desenvolva a partir da perspectiva das pessoas, resultando assim em um artefato definido

não por um desejo arbitrário do designer, mas pela real necessidade dos usuários.

55

Segue abaixo uma figura explicativa relacionando os passos seguidos no presente

trabalho e o HCD:

Figura 15- Processo deste trabalho baseada na proposta da IDEO.

4.2 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

A revisão bibliográfica foi realizada com o intuito de melhor entender o luto e a perda,

de maneira a descobrir e embasar possíveis necessidades e oportunidades de projeto para

pessoas passando por esse processo. Por exemplo, pelo fato de muitas pessoas enfrentarem

o luto por meio da construção de narrativas, projetos de design editorial (diário de luto, livro

de visitas) poderiam se tornar o caminho desse projeto.

Essas hipóteses de projeto, assim como questionamentos que partiram dessa

pesquisa foram levados para a entrevista exploratória, que teve como objetivo definir qual

seria a solução a ser desenvolvida. Após determinada a proposta final, a pesquisa

bibliográfica serviu para aprofundar o conhecimento de conceitos inerentes e ela, além de

encontrar abordagens e ferramentas adequadas para o seu desenvolvimento.

56

4.3 ENTREVISTA COM ESPECIALISTA

Falar com especialistas é uma maneira rápida e fácil de compreender a dimensão de

um tópico, além de oferecer insights sobre o contexto abordado (IDEO, 2015). Esse tipo de

input é especialmente relevante para esse trabalho, em razão do tema trabalhado ser

consideravelmente sensível, assim como estar fora da área de conhecimento principal da

pesquisadora. Dessa maneira, em junho de 2016, uma entrevista informal com a psicóloga do

luto Catarina Farias foi realizada, com a finalidade de verificar se: 1) os conceitos abordados

no presente trabalho eram apropriados; 2) se as ferramentas do design escolhidas para a

aplicação na pesquisa eram adequadas50; 3) se a proposta de projeto definida após as

entrevistas era relevante.

4.4 ENTREVISTA SEMI ESTRUTURADA

Segundo Preece et al. (2013) a entrevista semi estruturada consiste em um roteiro de

tópicos a serem discutidos com os sujeitos, de maneira que a entrevista não se limite apenas

a um número específico de perguntas. Ou seja, a partir das repostas dos entrevistados, outras

perguntas podem ser elaboradas, de maneira a coletar o máximo de dados possível.

A entrevista semi estruturada foi escolhida em razão de seu caráter flexível, pois o

objetivo ao aplicá-la foi explorar a relevância das hipóteses de projeto51 propostas

inicialmente, assim como descobrir necessidades e características dos usuários. Essa etapa

foi necessária para que fosse possível observar juntamente com usuários, se eles realmente

tinham essas necessidades e se beneficiariam de propostas assim. A entrevista também foi

útil para descobrir necessidades que não haviam sido detectadas na pesquisa bibliográfica.

Dez participantes (n =10) foram contatados, e, em virtude do caráter exploratório da

entrevista, o critério para a seleção foi a variedade. Tanto nos quesitos gênero, idade e classe

econômica como principalmente na natureza das vivências que estavam sendo trazidas por

eles. As perguntas foram abertas (ver tabela 10), com exceção de questões mais objetivas

como idade e classe econômica.

50 Essa entrevista serviu para descartar, por exemplo, a possibilidade de fazer um grupo focal. Na pesquisa em

design, é muito comum realizar grupos focais, por ser um método dinâmico e que gera muita informação. No entanto, foi optado por não fazê-lo nessa pesquisa, já que existem muitas variáveis que poderiam interferir na qualidade desse método, como por exemplo, as pessoas se sentirem intimidadas ou não confiarem no grupo ao falar de tópicos pessoais. 51 As hipóteses de projeto definidas no TCC 1 tratavam-se de inferências tecidas a partir da pesquisa bibliográfica

sobre luto e design, além de experiências vividas pela pesquisadora.

57

Quanto ao ambiente, as entrevistas foram realizadas nos lugares em que os

entrevistados se sentiam confortáveis: uns foram entrevistados em casa e outros no local de

trabalho. Dessas dez entrevistas, nove foram feitas pessoalmente e uma por vídeo chamada.

Por se tratar de uma entrevista sobre um assunto muito delicado, existiu um grande cuidado,

quanto a maneira de contatar as pessoas para a pesquisa, assim como ao conduzir a

entrevista.

4.4.1 HIPÓTESES DE PROJETO INVESTIGADAS NA ENTREVISTA EXPLORATÓRIA

Por ter trabalhado em uma empresa do setor funerário, tive a oportunidade de visitar

o Centro de Velórios São José52 muitas vezes, tempo o suficiente para que alguns pontos me

chamassem a atenção. Por exemplo, o livro de visitas era bem simples (folhas A4

encadernadas em espiral). Será que esse seria um item que as pessoas gostariam que fosse

mais especial? Para que pudessem guardar, e relê-lo quando sentissem vontade? Outro

ponto foi a sinalização. Será que as informações disponíveis nas placas eram o suficiente

para atender pessoas que estavam no seu estado mais sensível? Uma pessoa que nunca foi

àquele centro de velórios sentiria facilidade de se locomover naquele ambiente? Notei

também a quantidade de símbolos cristãos e me perguntei se era fácil de retirá-los no caso

de uma família não ser católica ou evangélica. Ou então, será que seria algo fácil ou

complicado realizar uma cerimônia de velório diferente da padrão? Segue abaixo tabela com

as hipóteses de projeto pensadas antes da entrevista:

ÁREA

HIPÓTESES

GRÁFICO

Design editorial de um livro de visitas para o centro de velórios São José. Diário de luto

SERVIÇO

Redesign da sinalização do Centro de Velórios São José. Redesign do processo de contratação do serviço de velório.

PRODUTO

Investigar a relação das pessoas com objetos deixados pelos seus entes queridos

Tabela 9: Hipóteses de Projeto.

52 O centro de velórios São José é um dos centros de velório mais tradicionais de Natal-RN.

58

Outro foco da entrevista era investigar a maneira como as pessoas lidam com o luto:

se elas constroem narrativas (escrevem sobre isso e/ou conversam com as pessoas). E

também qual é a relação com os objetos deixados pelos seus entes queridos falecidos. Na

pesquisa bibliográfica já tinha me deparado com esses temas, mas queria ouvir diretamente

das pessoas quais eram as suas impressões.

4.4.2 RESULTADO DAS ENTREVISTAS:

Para fins de referência, segue representada a tabela com as perguntas que guiaram

as entrevistas:

ENTREVISTA SEMI ESTRUTRADA – Guia de Perguntas

Dados Básicos

Idade, Profissão, Classe Social.

Enfrentamento do Luto

Quem era a pessoa que você perdeu? Com que idade, e há

quanto tempo?

O que você fez para lidar com essa perda? Você tinha

alguma prática ou hábito?

Qual foi a consequência mais inesperada da perda dessa

pessoa?

Rituais Fúnebres

Para você, qual é a importância de rituais fúnebres?

Você precisou lidar com algum trâmite burocrático

relacionado a perda dessa pessoa?

Livro de Visitas

Você leu o livro de visitas? Você possui esse objeto? Qual é

a sua relação com ele?

Relação com objetos

herdados.

Seu ente querido deixou objetos para você? Você guarda

algum desses itens? Tem alguma relação forte com esses

objetos?

Tabela 10: Guia de perguntas da entrevista semi estruturada.

59

1- Enfrentamento do luto e a relação das pessoas com objetos herdados.

Nas entrevistas foi identificado que muitas pessoas guardam itens especiais de seus

entes queridos falecidos, e tem uma relação tão forte com eles, que não os abandonam de

forma alguma, mesmo sabendo do risco de um dia perdê-los. Como pode ser visto no

depoimento abaixo:

Entrevistada 1: [falando sobre a aliança deixada pelo pai] Só guardei isso dele. Eu não uso

minha aliança de casamento e uso essa. [...] E eu não consigo tirar nem pra vir pro alecrim.

Depois que eu fiz, eu não tiro pra dormir, eu não tiro pra tomar banho, eu não tiro pra nada.

Nada nada mesmo. Acho só se fosse tipo ‘olhe você vai ser assaltada hoje e é certeza absoluta’.

Aí eu tiro. Mas vão levar meu dedo se me assaltarem, porque eu vou dar um escândalo.” [Grifo

nosso]

Para outras pessoas o objeto em questão é uma espécie de ponte simbólica com a

pessoa falecida, como se ao estar em contato com ele, fosse possível que o enlutado

acessasse essa pessoa de alguma forma:

Entrevistada 2: [falando sobre um pingente deixado pela sua amiga] Eu não tiro ele, às vezes

quando eu falo eu seguro ele assim. Quando eu tô precisando de alguma coisa... É tipo um

terço pra mim, como a relação que as pessoas têm com o terço, de segurar de beijar e de

conversar com Deus. Eu tenho o pingente que eu seguro e converso com ela. Às vezes

olho, dou um beijinho. Eu tenho muito apego a essas coisas. Eu quero usar até eu ter uns 98

anos. [Grifo nosso]

Nesse mesmo depoimento podemos ver como o conceito de Continuing Bonds está

intimamente relacionado com os objetos de valor sentimental herdados. Nesse depoimento,

ela continua o relacionamento com a sua amiga por meio dos objetos que ela deixou,

segurando o pingente e conversando com ela como se estivesse ao seu lado. Outra

entrevistada comenta que, além daquele objeto a aproximar da sua avó, ele também a

protege:

Entrevistada 3: Muitas vezes eu tenho até amigos e pessoas na minha família que dizem “se é

tão importante pra você é melhor deixar guardado”, porque tem tanta violência e pessoas

assaltando. E eu não consigo tirar, é como se, se eu tirasse eu tivesse desprotegida

entende? E assim, é algo que me liga a ela. Ela não tá mais aqui mas é como se ela tivesse

próxima a mim nesse cordãozinho.

O conceito de Continuing Bonds também é percebido em falas como a seguinte:

Entrevistada 4: [Ao perguntar se a entrevistada gostaria de continuar algum projeto do seu pai]

Afetivamente, quando a gente não consegue acessar quem tá mais próximo fica o símbolo

daquilo que representa, do que você acessa [...] Como se você tivesse mantendo aquela

relação né? É uma espécie de conexão. Pra mim a essência fica. [Grifo nosso]

60

Uma das entrevistadas também comentou que escrevia cartas destinadas ao seu pai

que falecera, para lidar com o seu luto. E, muitas vezes escrevia essas mesmas cartas na

máquina de escrever que herdara do pai:

Entrevistada 5: Eu tinha a máquina de escrever dele e aí eu ficava escrevendo nessa máquina

de escrever ou na mão, ou no meu computador também. E eu relatava coisas do meu dia a dia,

como se meu pai ainda estivesse ali pra me ouvir só que não tava, e depois de um tempo isso

foi levado para psicóloga também, e as cartas passaram a fazer parte da terapia também.

Além desses relacionamentos serem continuados por meio de objetos, podemos ver

também uma transferência de relacionamento para outras pessoas:

Entrevistada 1: Eu acho que se teve uma válvula de escape foi chegar junto da minha mãe.

[...]Talvez a válvula de escape foi dar a ela o que eu queria dar a ele, porque ele não tava aqui.

[...] Mas a relação mudou, e eu acredito muito que eu transferi muito pra ela. Quando eu olho

para ela eu não consigo ver só a minha mãe mais, eu vejo muito ela e ele. Sabe? [...] Então

essa relação com ela não me faz esquecê-lo. [Grifo nosso]

Outro ponto explorado nas entrevistas foi a opinião sobre rituais fúnebres. Perguntei

se aquela cerimônia tinha representado seu ente querido, e se isso era algo que importava

para elas. Algumas pessoas falaram que se sentiram incomodadas com a condução das

cerimônias nos moldes cristãos, pois a pessoa falecida não os seguia, fazendo com que sua

memória fosse “ferida”. Interessante notar que isso tem muito a ver com a busca do enlutado

pela afirmação da identidade pós morte de seu ente querido.53 No depoimento seguinte, é

comentada a frustração sentida pela entrevistada ao saber que não tinha voz para expor os

desejos do seu pai:

Entrevistada 5: “foi bizarro. Porque meu pai nunca iria querer uma missa falando como ele era,

com um monte de gente que ele não gostava. Então foram rituais que ele criticava, então não

teve nada a ver com ele. [...] Me afetou bastante porque eu não tinha idade suficiente pra

falar que era contra a vontade do meu pai tudo aquilo. Como a família dele que organizou

tudo, então para mim sempre foi claro que aquilo não era o desejo dele.” [Grifo nosso]

Outra entrevistada também fala da importância de proteger a memória e o desejo das

pessoas quanto ao pós morte, chamando atenção para a possível possibilidade de deixá-lo

registrado juntamente com a contratação de planos funerários:

Entrevistada 4: “e aí ele ta sendo enterrado com todos os rituais [católicos] e aí tava lá minha

prima, minha tia, e elas são extremamente católicas, papai não [o pai dela era ateu] [...]Entao é

por ai, eu acho que deveria ter um respeito maior pela memória das pessoas, ou o que a

gente em vida pudesse dizer “poxa eu não gostaria de ter que passar por um processo

assim”. Eu pudesse escolher. Porque é em função da minha memória, como as pessoas

deixam, na sua finitude, a memória. Eu acho que as vezes a gente perde um pouco disso. Se

53 Ver o tópico “Imortalidade Simbólica”

61

voce for considerar o que eu ouvi dele, como ele se foi... Eu acho que deveria ser registrado

quando a gente faz o plano pra escolher o local, se quer ser cremado se quer ser enterrado.

Eu acho que a gente poderia ir construindo isso.” [Grifo nosso]

Assim como ouvi depoimentos de pessoas que não ficaram felizes com as cerimônias

de despedida que atenderam, também aconteceu o outro extremo. No depoimento abaixo,

vemos uma despedida especial, que não decepcionaria os desejos do falecido e nem da sua

família.

Entrevistada 1: [ao perguntar se o velório tinha refletido a personalidade do seu pai] “Refletiu,

minha mãe colocou um seresteiro, tocou o hino do América. Todas as pessoas estavam, todos

os garçons dos bares de natal estavam (risos). [...] Até uma tia minha do Rio brinca que nunca

foi para um velório pro povo estar dando risada de madrugada, porque começou a contar

as coisas que aconteciam e todo mundo tipo, rindo, lembrando dele de uma forma

positiva. Eu digo sempre que o velório de papai não foi um velório triste, foi diferente de tudo.”

[Grifo nosso]

Baseado no que foi ouvido de alguns entrevistados, notamos que existe sim demanda

para cerimônias de despedida seculares, além de ser necessário pensar em espaços de

despedida mais inclusivos, sem tantos símbolos de alguma religião específica.

2- Livro de Visitas

Muitos dos entrevistados relataram ter lido o livro de visitas, e inclusive revisitá-lo de

vez em quando:

Entrevistada 6: li. Pra mim tudo isso eu somo como uma questão da solidariedade, do amor das

pessoas [...] Eu guardo até hoje e vez por outra eu leio o livro. [Grifo nosso]

Uma outra entrevistada relata que encontrou no livro de visitas uma maneira de

conseguir expressar aquilo que não é possível oralmente, em um momento difícil como um

velório.

Entrevistada 2: tem muita gente que tem vergonha de ir lá na frente e contar uma história, mas

você tem aquele livro ali que é uma coisa íntima, você e uma caneta. Você consegue botar pra

fora.

3 - Construção de narrativas

Como observado na pesquisa bibliográfica, conversar sobre o ente querido também é

algo positivo para quem perde uma pessoa importante:

62

Entrevistada 5: Não, eu não tenho nenhum ritual que eu faço pra lidar, mas la em casa a gente

gosta de lembrar de coisas muito boas. Minha mãe e meu pai viveram um amor muito bonito. [...]

Minha mãe às vezes chega em casa e fala frases que meu pai falava e a gente ri, mas não é

nada triste hoje. Não é nada que deixe a gente mal, pelo contrário, é algo que deixa a gente

muito feliz. [Grifo nosso]

Entrevistada 3: O que é bom é bom relembrar. Então sempre que a gente se encontrava, os

fatos engraçados, as pessoas que conheciam ela a fundo, a gente até hoje menciona e lembra.

Porque é muito bom você fazer parte da vida de uma pessoa e lembrar daquele momento, como

foi interessante, como foi engraçado, como foi emocionante! Então eu até hoje gosto de lembrar

das histórias.

Ainda explorando o tema das narrativas, uma das entrevistadas ao falar sobre o livro

de visitas chama atenção para as histórias que ainda não conhecia:

Entrevistada 1: Li. Foi bom ler, tiveram muitas mensagens legais. Principalmente a dos amigos

de infância dele. Que tipo deu pra sacar uma etapa da vida dele que eu não tava presente? Então

tiveram muitas curiosidades, muitas coisas legais. Eu acho! Eu achei muito bacana, minha mãe

guarda até hoje.

Essa frase me chamou a atenção, pois pareceu algo muito diferente e especial para

ela ouvir histórias que não conhecia. Então, decidi perguntar a outros entrevistados, como

eles se sentiam ao ouvir histórias dos seus entes queridos que ainda não conheciam:

Entrevistada 2: Eu gostava de ouvir as histórias dela, tanto ela contando, como outras pessoas

narrando, isso quando ela tava viva. Então ouvir as histórias dela depois que ela morreu era de

certa maneira um conforto. Eu acho muito bom porque quando você ouve uma história na sua

mente você fica montando todo o cenário, entende? Então é uma coisa bacana porque você

escuta e você tenta montar na sua cabeça, e é mais uma coisa pra ficar próxima dela. [...]

Você nunca conhece ninguém 100%. Você pode conhecer bastante uma pessoa, mas às

vezes nem a própria pessoa se conhece. Então é meio que um complemento de

conhecimentos. Então, eu conheço muito dela. A mãe dela conhece muito mais do que eu.

Outros amigos conhecem menos, mas quando todo mundo junta, e troca essas experiências,

é como se você formasse um globo de conhecimentos que tipo, se eu tô contando pra você

algumas histórias que você não sabia, então agora na sua cabeça você já tem essa história dela,

você já conhece ela um pouco mais. Então, acaba que essa troca de conhecimentos que

cada um teve, cada experiência particular que uma pessoa teve com ela acaba trocando

com outras pessoas e mesmo que você não tenha tido as experiências, você ouve e você

se diverte, ou você se emociona, enfim. [Grifo nosso]

Entre as pessoas a quem perguntei, foi unânime que esse tipo interação era

extremamente positiva para elas:

Entrevistada 3: Adoro encontrar as pessoas que eu não conhecia, que foram da época da

infância dela, as amigas dela... Adoro encontrar! Que é como se eu tivesse encontrando

um pouco dela, um pedacinho dela, então isso me faz me aproximar sabe? Ela é de Macau54

então todas as vezes que eu vou a Macau e encontro uma amiga dela, de escola, e as amigas

54 Cidade do Rio Grande do Norte.

63

delas falam, você que é neta de Teresa?55 E eu digo sou. E ela fala: ‘sua vó era muita minha

amiga’, aí conta uma história. Então assim, isso me faz lembrar de quão ela era especial pra

mim e para as pessoas que tiveram o prazer de conhecê-la.

Embora conversar sobre o luto e sobre a pessoa falecida seja algo positivo para os

enlutados, é importante ressaltar que as pessoas podem sentir como se estivessem

incomodando de alguma forma:

Entrevistada 2: mas o que tem me ajudado é falar sobre isso. Tenho uma amiga, essa amiga

que foi pro hospital com ela. Ela me entende muito então eu converso muito com ela [...] Eu acho

que falar sobre como você tá se sentindo ajuda. Mas eu também acho que as pessoas ficam

às vezes meio sem saco. Não sei se sem saco ou só desconfortáveis. Porque a minha vida

toda, a parte mais importante da minha vida, que foi o começo da minha vida adulta e final

da adolescência foi todo com ela [sua amiga que faleceu]. [Grifo nosso]

Como relatado no referencial teórico, muitas vezes o sentimento de estar

incomodando, faz com que os enlutados acabem por encontrar na internet um ambiente muito

mais receptivo para falar sobre o seu luto, até mesmo com pessoas que passaram por uma

perda semelhante. Ao mesmo tempo, não sabemos ao certo o que é “aceitável” socialmente

nesse ambiente56. Por exemplo, a mesma entrevistada fala sobre sua experiência com o luto

no Facebook:

Entrevistada 2: Eu fiquei insegura pra escrever porque eu não sabia... Ao mesmo tempo que eu

quero botar isso pra fora de alguma maneira, eu fico com medo de tipo “ah, não é como se eu

tivesse querendo fazer um circo e fazer uma publicidade da minha perda”. “O Facebook parece

uma coisa tão ‘olha estou postando uma selfie, olha só.’ Mas é porque de alguma maneira eu

queria que as pessoas entendessem o que eu tava passando. E tipo, não se sentissem tão

desconfortáveis. No primeiro dia, eu não tinha o que fazer. Então foi um overposting57... Músicas

e músicas, porque foi a minha maneira de chorar, como se eu tivesse lá [...] No princípio foi mais

a minha maneira de estar presente, como se eu tivesse lá. Porque tem o ritual [...] então o meu

ritual foi basicamente postar lembranças que eu tinha com ela, e coisas que me lembram dela.

E às vezes eu lembro e não boto nada. Mas enfim... É basicamente isso

A partir dessa informação, considerei a ideia de projetar uma plataforma para

memoriais, em que as pessoas pudessem compartilhar histórias sobres seus entes queridos

falecidos. Outras falas (dessa vez sobre o livro de visitas) também foram úteis para que eu

pudesse desenvolver essa proposta, no lugar de outras hipóteses anteriores. Afinal, penso

que esse mesmo sentimento de intimidade que as pessoas têm com o livro de visitas, de

deixar sua mensagem, poderiam também ter com o memorial. O Facebook já possui essa

função para muitas pessoas, mas como expresso na última fala, existe o receio de parecer

uma “publicidade da perda”. Assim, pode-se considerar, que um ambiente online projetado

especificamente para esse tipo de interação seria uma iniciativa com bom potencial.

55 Nome trocado para preservar a identidade. 56 Ver o tópico “o papel das Redes Sociais e Memoriais Online no processo de luto.” 57 Palavra em inglês que significa publicar postagens na internet demasiadamente.

64

Dessa maneira, a fim de explorar o luto online e memoriais, a pesquisa bibliográfica foi

aprofundada e um questionário sobre o tema foi aplicado.

4.5 QUESTIONÁRIO

O questionário é uma ferramenta que possibilita conhecer dos usuários, “opiniões,

crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações vivenciadas, dados concretos, etc”

(GIL apud SANTA ROSA, 2012, p.80). Assim, após definida a direção do projeto (o qual surgiu

a partir da entrevista exploratória), um questionário foi elaborado, a fim de levantar mais

informações sobre como as pessoas utilizavam redes sociais e a internet para lidar com o

luto. O questionário tratou-se de um formulário online, e teve também como objetivo, sondar

a abertura do público quanto à proposta a ser desenvolvida. Vários tipos de questões foram

apresentados no questionário: abertas, fechadas, algumas opcionais, outras não. Foram

recebidas trinta e sete respostas, todas anônimas.

4.5.1 - RESULTADO DO QUESTIONÁRIO:

1 – Como as pessoas se sentem ouvindo novas histórias sobre entes queridos

falecidos?

O principal foco do questionário foi explorar a opinião das pessoas quanto ao luto

online e memoriais online. No entanto, algumas perguntas das entrevistas foram feitas

também no questionário, a fim de alcançar mais repostas, e assim, aumentar a precisão do

resultado. Por exemplo, resolvi explorar novamente a pergunta “como você se sente ao

ouvir histórias que não conhecia sobre seu ente querido?” A maioria das pessoas

disseram58 sentir-se felizes. De trinta e sete respostas, trinta e duas foram positivas:

“Fico feliz. Lembro no dia seguinte ao falecimento do meu pai um amigo dele me contou uma

história dele que eu ainda não conhecia. Foi a primeira vez que consegui sentir ele ainda perto.

Foi muito bom.”

“Sempre gosto de saber de história ou informações sobre meu filho, me sinto confortada em

observar o quanto ele é amado por familiares e amigos dele”

No entanto, as outras cinco revelaram não gostar tanto de ouvir essas histórias pelo

fato de deixá-las melancólicas ou saudosas demais:

58 Os trechos dos questionários foram inseridos como foram recebidos, com exceção de algumas correções ortográficas.

65

“Nostalgia, saudade e triste de não ter convivido mais quando ele estava vivo.”

“Estranho, é como se ela fosse uma pessoa diferente da que eu me lembro.

Veja abaixo tabela com o resumo das respostas:

Como você se sente ouvindo novas histórias sobre seu ente querido?

(37 respostas)

Respostas Quantidade

Feliz 22

Curioso 3

Surpreso 3

Confortável por saber que a pessoa aproveitou a vida 2

Confortável em saber que era uma pessoa amada 1

Melancólico/Triste 5

Saudade 7

Faz com que goste mais da pessoa 2

Tabela 11: Como você se sente ouvindo novas histórias sobre seu ente querido?

Em suma, ouvir histórias sobre um ente querido falecido parece ser algo positivo para

a maioria das pessoas. No entanto, algumas poucas disseram não se sentir tão bem. É

importante considerar que existem diversas variáveis, que podem influenciar nessa resposta,

como a possibilidade da pessoa estar passando por um luto complicado ou o acontecimento

ser demasiadamente recente.

2 - Como as pessoas lidam com o luto?

Também foi questionado como as pessoas enfrentavam o seu luto no dia a dia, a fim

de obtermos mais inputs sobre o tema. A maioria das pessoas disseram conversar sobre isso

com amigos e familiares, e outras disseram elaborar textos, desenhar ou ouvir música:

Como as pessoas enfrentam o luto? (28 respostas)

Respostas Quantidade

Conversas 21

Textos 6

Diário 1

66

Desenho 2

Música 1

Troca mensagens no What’s App59 2

Tabela 11: Como as pessoas enfrentam o luto.

3- Como se dá a expressão do luto nas Redes Sociais?

Nesta sessão, 54,1% dos participantes disseram utilizar redes sociais para expressar

o seu luto, sendo o Facebook o site mais popular com 57,1%.

Gráfico 1: você já utilizou alguma rede social para expressar o seu luto?

Gráfico 2: você já utilizou alguma rede social para expressar o seu luto? Se sim quais?

59 What’s app é um aplicativo de troca de mensagens para celular.

67

Também foi perguntado como tinha sido a experiência das pessoas com a expressão

do luto nas redes sociais. Muitos afirmaram receber apoio através dessa mídia, esclarecendo

como estavam se sentindo. Outros ressaltaram a importância de preservar a memória dos

falecidos utilizando essas redes. Abaixo podemos observar alguns comentários positivos:

[A experiência de luto nas redes sociais] “foi muito válida até agora, e continua sendo, embora

que tem sido menos frequente eu expressar sobre isto ultimamente, sempre sou acolhida pelos

familiares e amigos, pois sinto que existe uma reciprocidade afetiva muito positiva.” [Grifo nosso]

“Como não consegui me expressar publicamente, a rede social serviu de plataforma para minha

homenagem.”

“As pessoas podem ser muito queridas ou darem pitaco com o que não é necessário, o que te

dá raiva no seu processo de luto. Normalmente comigo as pessoas foram muito doces. Foi uma

experiência boa.”

“É notória a atenção de pessoas que se sentem curiosas sobre quem era e o que aconteceu,

além de todo o suporte recebido.”

“Na verdade, quando eu perdi minha avó não existia face [Facebook] e eu sequer tinha acesso

a redes sociais, era criança. Mas quando meu cachorro morreu, eu externei minha dor e luto pela

perda dele, afinal ele esteve ao meu lado por 13 anos.” [Grifo nosso]

“Ao expressar a dor (sem alardes), recebi solidariedade e pude dialogar com pessoas que

passaram por situações de perda.”

“No dia de seu falecimento, postei um texto e uma foto nossa, falando sobre quem ele era e a

falta que faria. O esquecimento pós morte é assustador, a pessoa não mais ali, fazendo história,

mesmo tendo sido TÃO querida pra gente.”

No entanto, recebemos também algumas opiniões divergentes. No comentário a

seguir, o participante tece uma crítica à sociedade que se distancia cada vez mais das

relações interpessoais fora do mundo online:

“Acho irrelevante mostrar aos outros a nossa dor ou o quanto sentimos para pessoas que nunca

vão entender a dimensão do nosso sofrimento, as relações em redes sociais são muito

superficiais para alguém se importar realmente, é o que eu acho. Acho válido expressar o carinho

e a saudade que o ente falecido deixou com a morte, mas muitas vezes é melhor conversar com

algum familiar ou amigos íntimos que vão te ajudar no processo de luto. Não precisamos de likes

em uma foto preto e branco, precisamos de afeto e empatia na vida real, mais do que isso

precisamos nos abrir e sair da nossa bolha social para criar laços e memórias reais com nossa

família e amigos, antes que seja tarde demais.”

Outros indivíduos também dizem não se sentir confortáveis em publicar textos sobre

esse tema nas redes sociais, embora tivessem se beneficiado e entendessem que essa

prática servia para amparar outros:

68

“Eu não expressei abertamente meu luto nas redes sociais porque sentia que a "ferida" era muito

nova, mas meus parentes expressaram todos os momentos. Meu sobrinho tinha Síndrome de

Edwards, uma modificação genética que ainda é incompatível com a vida. Minha irmã, minha

mãe e minha tia sempre faziam posts sobre ele desde que descobrimos que nasceria com a

síndrome. Então registrávamos tudo sobre ele, posts com informações, momentos pequenos.

Quando ele faleceu, com 5 meses, tínhamos muitas memórias e histórias para contar e foi isso

que houve. Eu não registrei, mas boa parte do que pude usar para passar por luto estava na

internet.”

Abaixo podemos observar um resumo das respostas:

Experiência do luto nas redes sociais (15 respostas)

Respostas Quantidade

Utilizou e teve experiência positiva 9

Não utilizou mas aprova a prática 1

Utilizou mas teve experiência negativa 1

Não teve experiência 1

Acha irrelevante 1

Utilizou mas não expressou opinião 2

Tabela 12: Experiência do luto nas redes sociais

4– Como as pessoas encaram a ideia de construir memoriais?

Ao perguntar sobre construção de memoriais para aqueles que já tinham passado por

essa experiência, obtivemos respostas variadas. No comentário a seguir vemos o uso do

Facebook para o compartilhamento de memórias em forma de texto e imagem:

“A moça que namorava com ele antes do seu falecimento, criou uma comunidade no Facebook

para compartilharmos as obras artísticas dele, e como estou sendo a administradora desta

página, estou sempre postando os desenhos, ilustrações, e outros materiais que ele criou, desde

a sua infância, até os seus últimos dias de vida. Postei muitas coisas da exposição da arte dele

que realizei ano passado na Pinacoteca do Estado.”

Nesses outros depoimentos, vemos a importância dada à preservação da memória:

“Poucos meses antes de meu avô morrer, entrevistei ele e minha avó sobre suas vidas e gravei

as conversas. Comecei a escrever uma narrativa sobre os dois, que pretendo terminar.”

“Eu e alguns irmãos, logo após a morte, sentimos a necessidade de escrever sobre o nosso pai

e o que ele significou para cada um de nós. Imprimimos e distribuímos para os amigos na missa

de 7 dia.”

69

Já no comentário seguinte, o memorial é um espaço na casa que remete a pessoa

falecida; ele funciona como um refúgio que o traz para mais perto do seu pai:

“Deixamos o escritório dele [do seu pai] do jeito que era. Com todos os livros, fotos, armários e

decorações do jeito que ele gostava. Toda vez que entro lá me sinto com ele, é uma experiência

legal. Como se ele tivesse lá na rede e eu no computador.” [Grifo Nosso]

De uma maneira geral, as pessoas que responderam o questionário julgaram

importante a construção de memoriais, com 81,1% dos participantes defendendo a prática:

Gráfico 3: você julga importante o ato de fazer memoriais para entes queridos falecidos?

5- O que as pessoas sabem sobre memoriais online? Elas estão abertas a essa ideia?

Questionei se já tinham ouvido falar em memoriais online e se essa era uma ideia bem

vinda. Apenas 29,7% dos participantes disseram já terem ouvido falar nesse tipo de

plataforma, e apenas três pessoas disseram tê-la utilizado. Esse resultado já era esperado

pois existe apenas um site60 desse tipo em português, sendo a maioria dos memoriais online

em inglês.

60 O site se chama Memorial Online (www.memorialonline.com.br).

10,8

70

Gráfico 4: você já o ouviu falar em Memoriais Online?

Gráfico 5: Se sim, já utilizou ou chegou a visitar um Memorial Online?

Por fim, perguntei se as pessoas achavam válido o projeto de um memorial online

focado no compartilhamento de histórias sobre seus entes queridos. Daqueles que

participaram, 83,8% responderam que sim, enquanto 16,2% responderam não.

71

Gráfico 6: um website ou aplicativo destinado ao compartilhamento de histórias e homenagem

(memorialização) do seu ente querido seria algo bem vindo para você?

Ao justificar a resposta a essa pergunta, diversas perspectivas foram apresentadas.

Nos depoimentos abaixo, os participantes defendem ser o memorial um local saudável para

enlutados, seja para ser visitado quando sentirem saudade, como também onde podem

encontrar apoio vindo de pessoas em situações semelhantes às delas.

“Se eu conseguisse reunir fotos e relatos pessoais sobre o ente querido, seria muito legal poder

ter acesso sempre que batesse a saudade.”

“Acho que é um espaço para dividir histórias, angústias e ser um lugar de apoio para outras

pessoas que passam pelo mesmo momento”

Novamente uma pessoa relata a importância da preservação da memória:

“Todo ser humano precisa ser lembrado, mantendo viva a memória de alguém entre parentes e

amigos. Assim a vida daquela pessoa que perdemos não cai no esquecimento. Um memorial

(colaborativo ou não) seria de grande valia para homenagear um ente querido.”

No depoimento que segue, fala-se sobre o valor organizacional de uma plataforma do tipo:

[Um memorial online é bem-vindo] “por facilitar o processo de armazenamento, catalogação e

acesso ao conteúdo referente ao ente falecido.” [Grifo nosso]

72

Em outros depoimentos, ressaltam a importância de um projeto assim, mas dizem que

não é algo que eles utilizariam:

“É uma maneira de compartilhar histórias e momentos com quem ainda está presente em nossas

vidas, porém, acho interessante para terceiros. Para mim, lido com o luto de uma outra forma,

algo mais pessoal e não sinto vontade e expor minhas histórias on-line. Gosto de contá-las

naturalmente, com amigos e familiares.”

“Na verdade não sei bem, as vezes acho que a internet parece um lugar muito impessoal para

um sentimento como o do luto. Mas ao mesmo tempo parece uma boa ideia, pra lembrar da

pessoa de uma maneira boa, compartilhar sentimentos/momentos com outros, se identificar, se

ajudar nesse momento. Mas acho que preferiria algo do tipo off-line.”

Os comentários expostos nessa seção foram selecionados como os mais

interessantes, no entanto, outros foram levados em consideração para o desenvolvimento do

projeto.

4.6 PROPOSTA

Propor a construção de um memorial online teve muitas motivações, mas a principal

foi o entusiasmo visto em muitos entrevistados ao contar histórias sobre seus entes queridos

(bem como os relatos positivos relacionados a esse tópico). Além disso, a construção de

memoriais se relaciona intimamente com diversos modos de enfrentamento do luto vistos

nesse trabalho, como: produzir e cuidar de coisas para o ente querido falecido, preservar a

identidade pós morte, e continuar relações (continuing bonds).

Dessa maneira, o objetivo desse trabalho é apresentar o conceito de um espaço onde

as pessoas se sentirão livres para falar sobre seu luto, além de preservar e descobrir histórias

de alguém especial na vida delas. Afinal, como uma das entrevistadas disse, de todas as

horas de vida que uma pessoa tem, quantas passamos com ela? O quão valioso é viver,

através das histórias de outras pessoas, as horas que não compartilhamos?

Ouvir histórias que não sabíamos, escrever sobre o nosso luto, e cuidar de um

memorial são maneiras de melhor conhecer as pessoas que, muito embora não estejam mais

conosco, nunca deixarão de ser especiais. Essas atividades fazem com que os

relacionamentos com elas não sejam interrompidos, mas sim continuados mesmo após a

morte.

Vale salientar, que falamos aqui de conceito de um memorial, ou seja, a proposta do

projeto não é apresentar um protótipo completo de todo o sistema, mas sim, a ideia do que

seria esse sistema e como algumas partes do mesmo poderiam ser utilizadas.

73

4.7 FERRAMENTAS DO DESIGN:

4.7.1 PERSONAS

Cooper (apud PREECE ET AL., 2013) defende que para que tornemos os perfis dos

usuários algo tangível, é necessário que se construam diferentes personas. Segundo Preece

et al. (2013):

As personas são descrições ricas de usuários típicos do produto em desenvolvimento, nas quais

os designers podem se concentrar e para quem podem projetar o produto. Elas não descrevem

pessoas reais, mas são realistas, em vez de idealizadas. Qualquer persona habitualmente

representa uma síntese de vários usuários reais que estão envolvidos na coleta de dados.

(PREECE ET AL., 2013, p.360)

Garrett (apud SANTA ROSA, 2012) afirma que o objetivo principal da construção de

personas é fazer com que os designers tenham sempre em mente as características dos seus

usuários durante o desenvolvimento do produto. Pelo fato de as personas surgirem a partir

das contribuições de pessoas reais, as histórias ouvidas durante as entrevistas viram partes

dessas personas. Pruitti e Grudin (apud SANTA ROSA, 2012) defendem que “as personas

contam histórias particulares que chamam a atenção e ficam na memória dos projetistas mais

do que relatórios estatísticos extraídos de um teste de usabilidade” (p.62). Isso faz com que

as vivências dos usuários possam realmente influenciar nas decisões do projeto.

Segundo Van Dijck (apud SANTA ROSA, 2012) ao construir as personas, precisamos

determinar suas características e o que a procurariam no sistema. É sugerido, também, que

exista uma imagem dessa pessoa, uma citação que a representa, e uma descrição das

“habilidades, necessidades, desejos, atitudes e restrições (...) estado civil, profissão e

hobbies” (p.55). O autor defende que quando fazemos uma descrição rica dessa persona, a

equipe de projeto tende a lembrar melhor dela, e consequentemente projetar para ela. Para

as personas deste projeto, foram utilizados os questionários e entrevistas feitos anteriormente

como base. A seguir, encontra-se as personas desenvolvidas para o presente projeto:

74

Figura 16- Persona 1 – Felipe, o pesquisador.

75

Figura 17- Persona 2 – Ísis, a que gosta de ouvir histórias.

76

Figura 18- Persona 3 – Eliane, a compartilhadora.

77

Figura 19- Persona 4 – Tiago, o escritor.

78

Figura 20- Persona 5 – Ingrid, a usuária esporádica.

4.7.2 CENÁRIOS

De acordo com Preece et al. (2013) o cenário “descreve as atividades ou tarefas

humanas em uma história que permite a exploração e a discussão de contextos, necessidades

e requisitos” (p. 374). Assim como com a técnica de personas, os cenários podem ser

elaborados, a partir de histórias reais ouvidas nas entrevistas (VAN DIJCK apud SANTA

ROSA, 2012), como também uma situação hipotética do futuro (PREECE ET AL., 2013). Ou

seja, a partir da construção de possíveis cenários com o usuário e o sistema, podemos pensar

79

no que o sistema poderá contribuir e como melhor poderá atender as necessidades do

público-alvo naquele momento.

Assim, podemos ver alguns cenários foram pensados a partir das personas:

CENÁRIOS PARA O PROJETO A PARTIR DAS PERSONAS

Cenário de Ingrid

Sua família decidiu criar uma conta no memorial online para homenagear sua

tia, também com o intuito de coletar histórias, para um livrinho a ser distribuído

na missa de 30 dias de falecimento. Foi pedido para os membros da família

que compartilhassem histórias sobre momentos bons que passaram com ela,

e sobre o que ela significava para eles.

Cenário de Ísis

Quando Ísis estava lendo as histórias sobre a sua amiga no memorial, sentiu

a necessidade de transformar aquilo em algo físico, para que pudesse revisitar

quando quisesse. Ísis gosta de ver fotos impressas da amiga, assim, sua

opção é imprimir tanto narrativas quanto fotos.

Cenário de Tiago

Ao conversar com sua mãe sobre o tio, sentiu a necessidade de escrever

sobre a saudade que sentia dele, porém sem o intuito de publicar.

Cenário de João

João decidiu transcrever os áudios que gravou dos seus avós. Ele quer postar

as histórias no memorial para que os familiares e amigos dos seus avós

possam visitar.

Cenário de Eliane

Ao visitar o memorial do seu filho, Eliane quer ler apenas histórias sobre a

amizade dele com os amigos. Assim utiliza a função de “quero ler sobre” do

memorial.

Tabela 13: Cenários para o projeto a partir das personas.

80

Com base nas personas e nos cenários idealizados, foi possível traçar os principais

requisitos do conceito da interface, assim como itens desejáveis. Abaixo encontra-se a tabela

com esses requisitos:

TEMAS

REQUISITOS

DESEJÁVEIS

Experiência Sistema intuitivo

Transições que dão vida a plataforma (dinâmicas, pulsantes).

Evitar aspecto sombrio, prezar por uma aparência simples e leve.

Privacidade Escolher salvar mas não publicar (como em um diário).

Memorial público ou apenas para pessoas escolhidas.

Moderador do memorial permite ou não postagens anônimas.

Permitir que as pessoas possam expressar seu desejo de não ter um memorial feito para elas após sua morte.

Histórias Categorizar histórias por temas de cada história por tags, de maneira que os usuários possam escolher que tipo de conteúdo querem ler.

Categorizar histórias por data.

Permitir impressão de histórias.

Galeria Permitir upload de fotos. Permitir alta qualidade nos uploads.

Ter como relacionar histórias e imagens da galeria.

Sincronização entre outras plataformas

Sincronizar com outras plataformas como Youtube, Spotify, Facebook.

Permitir importar posts do Facebook para essa plataforma.

Tabela 14. Requisitos e desejáveis.

81

4.7.3 MAPA MENTAL

De acordo com Lupton (2013), o mapa mental é: “uma forma de pesquisa mental que

permite aos designers explorar rapidamente o escopo de um dado problema, tópico ou

assunto. Partindo de um termo ou ideia central, o designer rapidamente mapeia as imagens

e propostas associadas” (p.22).

A técnica do mapa mental foi utilizada para a fase de ideação, pois possibilita que

façamos conexões entre conceitos, que, em um primeiro momento, não pareciam se

relacionar, criando assim novas possibilidades, sejam elas visuais, estruturais ou conceituais

dentro do projeto.

Figura 21- Mapa mental para a identidade visual da plataforma.

4.7.4 PESQUISA VISUAL

Lupton (2013) defende que a pesquisa visual é uma maneira de “analisar conteúdo,

gerar ideia e comunicar pontos de vista” (p.38). Ela é formada por três etapas: 1) coletar, 2)

visualizar 3) analisar. Ou seja, nesse processo buscamos referências visuais, que poderão

82

nos guiar estética e funcionalmente no processo do design. Neste projeto, foram estudados

memoriais online já existentes, além de outros projetos de interface. A pesquisa visual foi

utilizada como referência para a construção dos layouts, e contribuiu para a composição do

painel semântico.

4.7.5 PAINEL SEMÂNTICO

O painel semântico, ou moodboard, é uma técnica utilizada para auxiliar o designer na

ideação e decisões dentro do projeto (SANTA ROSA, 2012). O painel semântico pode conter

de tudo, desde fotos e desenhos até materiais mais inusitados, como uma folha de árvore por

exemplo. Para este trabalho, o painel semântico foi utilizado como um guia visual para o

projeto, de maneira a representar o tipo de experiência estética desejada para o usuário da

plataforma. Buscou-se referências visuais, que passassem uma sensação leve e neutra, além

de cores suaves.

Figura 22- Painel semântico referencias web

83

Figura 23. Painel semântico cores e experiência

84

4.7.6 WIREFRAMES

Segundo Chak (apud SANTA ROSA, 2012) os wireframes “descrevem a experiência do

usuário. São rascunhos em preto-e-branco ou desenhos que representam as telas que os

usuários acessarão no site e fornecem apenas um contorno daquilo que serão as páginas”

(p.92). Nesse projeto a técnica de wireframe foi utilizada tanto para ter uma ideia de como as

páginas de algumas partes do sistema se conectariam (fig. 23), como para desenhar

alternativas para a aparência (fig 24).

Figura 24- Esqueleto simplificado da plataforma Memorando

85

Figura 25 - Esboços da plataforma Memorando.

86

5 RESULTADO

Com base nas ferramentas utilizadas chegamos ao conceito final: a plataforma web

chamada Memorando (fig. 25). Esse nome foi escolhido pois memorando tem origem na

palavra do latim “memorandus”61, que por sua vez significa “aquele que não deve ser

esquecido”. Já o símbolo escolhido para o logotipo, trata-se de um nó infinito celta. Dentre os

vários significados do nó infinito, um deles é a “a interconexão de todos os seres do planeta

no espaço e no tempo” (WIKIPEDIA, 2016, tradução nossa).

Existem vários tipos de nós infinitos, mas esse foi escolhido pois passa a ideia de

partes separadas que formam um todo, o que condiz com o conceito da plataforma: um

memorial construído a partir de contribuições de várias partes.

Foi decidido optar por cores suaves, de maneira a fugir de tons sóbrios, pois, embora

seja um local em que lembramos de ente queridos falecidos, nesse site fala-se

predominantemente das suas vidas.

Figura 26: Representação gráfica da plataforma Memorando.

61 O termo memorando deriva do latim memini, que significa "o que deve ser lembrado'. Fonte: Dicionário etimológico. http://www.dicionarioetimologico.com.br/memorando/. Acesso em: 15 de Nov. 2016

87

5.1 PERFIL MEMORIAL

Para representar o memorial, foi escolhido um nome fictício “João Barbosa”. Nesta parte do

sistema, podemos visualizar os links “livro de visitas”, “galeria” e “histórias da minha vida”. A

página livro de visitas e galeria não foram representadas graficamente, mas o objetivo delas

é respectivamente: 1) ser uma página onde as pessoas podem “assinar”, mostrando que

visitaram o memorial; e 2) visualizar fotos, tanto postadas em histórias como carregadas

exclusivamente para essa sessão.

88

Figura 27- Telas plataforma Memorando – Perfil Memorial.

89

5.2 HISTÓRIAS DA MINHA VIDA – MODO DESCOBERTA:

O “modo descoberta” é uma maneira experimental de buscar histórias. Ele foi pensado para

que fosse um local, onde, intuitivamente o usuário escolhe histórias para ler pela cor (que é

determinada pela pessoa que escreve a história), e pela popularidade delas (círculos maiores

são histórias mais populares). A ideia, também, é que esses círculos flutuem na tela, para dar

a impressão de que as histórias são elementos vivos. Os círculos que têm gradiente de cor

ao redor deles, indicam que aquela história tem relação com outro memorial. Os círculos

ligados pelas linhas cinza claro são histórias relacionadas. Por exemplo, alguém pode ter lido

uma história sobre um evento, como um aniversário e, então, escrito uma história que

aconteceu no mesmo evento. O objetivo desse modo de leitura é fazer com que o usuário

sinta como se estivesse descobrindo novas histórias por acaso, como acontece na vida real.

Figura 28 - Telas plataforma Memorando – Modo Descoberta

90

5.3 HISTÓRIAS DA MINHA VIDA - MODO ÍNDICE

O modo índice é por sua vez mais cartesiano. Ele possui rolagem infinita e mostra as histórias

por ordem de publicação.

91

Figura 29 - Telas plataforma Memorando – Modo Índice

92

5.4 HISTÓRIAS DA MINHA VIDA - QUERO LER SOBRE

A navegação mostra as tags definidas pelos próprios usuários ao escrevê-las. Esse modo de

leitura foi criado a partir de comentários vistos nos questionários sobre o memorial acabar

sendo um local de muita tristeza. Com esse modo, as pessoas podem ter mais controle sobre

que tipo de narrativas elas entrarão em contato.

Figura 30 - Telas plataforma Memorando – Quero ler sobre

93

5.5 DASHBOARD (HOME DO USUÁRIO)

O dashboard é dividido em duas partes: A primeira mostra tarefas que o usuário pode realizar

naquele momento (escrever história, gerenciar memoriais, convidar pessoas e ir para histórias

não publicadas). Embora não expresso graficamente, a parte de histórias não publicadas pode

funcionar como um diário de luto. Ou seja, ao escrever uma história o usuário pode escolher

não publicá-la e acessá-las nessa parte da plataforma. A segunda parte do dashboard mostra

as histórias recentes de memoriais que a pessoa segue.

94

Figura 31 - Telas plataforma Memorando – Dashboard.

95

5.6 ESCREVER HISTÓRIA

Na janela “escrever história” existe uma série de informações que o usuário pode inserir, tais

como a data do acontecimento, cor da história, memoriais e histórias relacionadas. Não foi

definido agora se inserir essas informações seria algo obrigatório, sendo algo a ser

desenvolvido no futuro. A seção “procurando temas para sua história?” foi oferecer temas de

para pessoas que ainda não sabem bem sobre o que vão escrever (criado a partir da persona

Ingrid). Também, embaixo, há a opção de assinalar se aquela postagem será anônima,

embora a possibilidade de fazer isso, dependa das configurações de privacidade do usuário.

96

Figura 32: Telas plataforma Memorando – “escrever história”.

97

5.7 LER HISTÓRIA

Na janela “ler histórias”, podemos encontrar o texto, as informações da história, assim como

as opções “imprimir” e “escrever história relacionada”. A opção imprimir foi pensada nas

pessoas que melhor se relacionam com objetos físicos, fazendo com que seja possível para

elas imprimirem versões impressas.

98

Figura 29: Telas plataforma Memorando – “ler história”.

99

5.8 ITENS NÃO REPRESENTADOS GRAFICAMENTE:

5.8.1 TRANSIÇÕES

Como um todo, as transições do site são dinâmicas, fluidas e pulsantes. Isso para passar a

ideia de que embora o indivíduo memorializado tenha falecido, aquele local existe para manter

sua memória viva.

5.8.2 PRIVACIDADE

Provavelmente essa é a maior preocupação ao criar plataformas desse tipo, afinal, é um local

de exposição de histórias sobre a vida de alguém que não tem como como expressar seus

desejos. Por isso foi pensado que deveria ser possível usuários não autorizarem, ainda em

vida, a criação de um memorial para eles.

Com relação ao gerenciamento do memorial, o administrador é o responsável por permitir que

histórias enviadas por outras pessoas sejam efetivamente publicadas, ou que possam ser

anônimas.

100

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho nasceu da curiosidade de compreender como o design pode influenciar

positivamente no processo de luto, além da vontade de projetar algo positivo para pessoas

perderam um ente querido. A pesquisa bibliográfica possibilitou a obtenção de insights sobre

a relação entre design, a tecnologia e o luto, descobrir como as pessoas enfrentam esse

momento, e encontrar abordagens que serviram para o projeto.

O conhecimento adquirido nessa etapa serviu também como preparo para a entrevista

exploratória com os enlutados, devido ao caráter bastante emotivo dessas conversas. No

entanto, muitos dos entrevistados ao término da entrevista pareciam felizes de ter tido aquele

momento para falar sobre o seu luto e sobre quem perderam, afinal, não é sempre que existe

abertura para conversar sobre isso no dia a dia.

Depois de ouvir tantos depoimentos que revelavam o entusiasmo de conversar e ouvir

histórias sobre seus entes queridos, foi impossível pensar em projetar algo que não fosse um

memorial. A partir da definição do caminho a ser seguido no projeto, o questionário serviu

como a principal ferramenta para melhor delimitar o conceito da plataforma. Isso, pois tinha

como principal propósito, investigar a abertura das pessoas a essa ideia, e o modo como

utilizavam a internet para lidar com o luto.

Com relação aos desdobramentos do conceito final apresentado, o memorial online

“Memorando”, alguns pontos devem ser destacados:

como a plataforma Memorando é um protótipo não testado, não é possível determinar

no momento se a usabilidade e experiência do usuário seriam satisfatórias;

embora não incluído no projeto desenvolvido até agora, é de interesse da autora que

esse memorial seja também um espaço para a discussão e apoio para os enlutados,

o que poderia ser feito no formato de fórum;

não fez parte do escopo do projeto pensar em um aplicativo mobile ou design

responsivo para a interface, sendo esses tópicos a serem considerados para outras

versões. Dessa maneira, o desenvolvimento bem como a adição de outras funções

que aumentarão o valor da plataforma, poderão ser tópicos explorados em trabalhos

futuros.

É possível afirnar que todo esse processo foi pessoalmente didático e gratificante.

Espera-se que esse trabalho possa ser mais um motivador no diálogo sobre o design, o luto

e a educação para a morte. E, finalmente, que o conceito de memorial online apresentado

possa ser desenvolvido e testado em trabalhos futuros.

101

7 BIBLIOGRAFIA

BICICLETA FANTASMA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia

Foundation, 2016. Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Bicicleta_fantasma&oldid=44857380>. Acesso

em: 19 fev. 2016.

BOSTICCO, Cecilia; THOMPSON, Teresa. Narratives and Story Telling in Coping with Grief

and Bereavement. Omega - Journal Of Death And Dying, [s.l.], v. 51, n. 1, p.1-16, 1 ago.

2005. SAGE Publications. http://dx.doi.org/10.2190/8tnx-leby-5ejy-b0h6.

BOUSSO, Regina Szylit et al. Uma nova forma de luto: os efeitos da revolução

tecnológica. 2014. Disponível em:

<http://comciencia.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-

76542014000900008&lng=es&nrm=iso>. Acesso em: 07 jul. 2016.

BOUSSO, Regina Szylit et al. Facebook: um novo locus para a manifestação de uma perda

significativa. Psicologia Usp, [s.l.], v. 25, n. 2, p.172-179, ago. 2014. FapUNIFESP

(SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420130022.

BRUBAKER, Jed R.; VERTESI, Janet. Death and the Social Network. In: 28TH

CONFERENCE ON HUMAN FACTORS IN COMPUTING SYSTEMS, 28., 2010,

Atlanta. Anais... . [s.i]: [s.i], 2010. p. 1 - 5.

CARROLL, B.; LANDRY, K.. Logging On and Letting Out: Using Online Social Networks to

Grieve and to Mourn. Bulletin Of Science, Technology & Society, [s.l.], v. 30, n. 5, p.341-

349, 14 set. 2010. SAGE Publications. http://dx.doi.org/10.1177/0270467610380006.

COMPUTAÇÃO UBÍQUA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia

Foundation, 2016. Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Computa%C3%A7%C3%A3o_ub%C3%ADqua&o

ldid=46370797>. Acesso em: 5 ago. 2016.

DANTAS, Vinicius Cortez de Souza. ESPECULAÇÕES BIOFÍLICAS: Consciência de Morte

em Metadesign. 2015. 97 f. TCC (Graduação) - Curso de Design, Departamento de Artes,

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015.

DEATH and Design: Easing Grief Through Art. Direção de Anne Butcher. 2015. (5 min.),

son., color. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mdyeIeNCCwI>. Acesso em:

02 nov. 2015.

DEATH, Re.designing. About us. 2016. Apresentação do grupo Re.Designing Death.

Disponível em: <https://www.redeath.org/>. Acesso em: 20 set. 2016.

DEATH, Re.designing. Death, a conversation game. 2015. Disponível em:

<https://www.redeath.org/death-a-conversation-game/>. Acesso em: 26 jun. 2015.

102

FOONG, Pin Sym; KERA, Denisa. Applying reflective design to digital memorials. In:

INTERNATIONAL WORKSHOP ON SOCIAL INTERACTION AND MUNDANE

TECHNOLOGIES, 01., 2008, Cambridge (uk). Proceedings... . Cambridge (uk): [s.i], 2008.

p. 1 - 5. Disponível em: <http://mundanetechnologies.com/goings-

on/workshop/cambridge/papers/FoongKera.pdf>. Acesso em: 01 maio 2016.

FORMIGLI, Lille Lima; FERNANDES, Isabela. Um estudo das representações da morte

em Homero. Disponívelem:<http://www.puc-

rio.br/pibic/relatorio_resumo2013/resumos_pdf/ccs/HIS/Lille Lima Formigli.pdf>. Acesso em:

10 jul. 2016.

FREUD, Sigmund. LUTO E MELANCOLIA. In: FREUD, Sigmund. Sigmund Freud - Obras

Completas - Vol. 12: Introdução ao Narcisismo, Ensaios de Metapsicologia e Outros

Textos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 127-144.

GARRETT, Jesse James. The Elements of User Experience: User-Centered Design for

the Web and Beyond. 2. ed. Berkeley, Eua: New Riders, 2010. (Voices That Matter).

GOTVED, Stine. Research Review: Death Online - Alive and Kicking! Thanatos, Helsinki, v.

3, n. 1, p.112-126, jan. 2014. Semestral.

HABEKOSTE, Aline Herzog; AREOSA, Silvia Coutinho. O luto inesperado. 2011. Artigo

dos anais da IV jornada de Pesquisa em Psicologia da UNISC. Disponível em:

<http://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/jornada_psicologia/article/view/10197/18>.

Acesso em: 10 nov. 2015.

HUTCHINGS, Tim. Death, Emotion and Digital Media. In: DAVIS, Douglas J.; WARNE,

Nathaniel A.. Emotions and Religious Dynamics. Nova York: Ashgate Publishing, 2013. p.

191-208.

HUYGEN, Juliette. Memento Rings: Embracing Vulnerability. 2013. Disponível em:

<http://www.designboom.com/project/memento-rings-embracing-vulnerability/>. Acesso em:

02 nov. 2015.

IDEO.ORG (Canada) (Org.). The Field Guide To Human-Centered Design. [s.i]: Ideo.org,

2015. 192 p.

KLASS, Dennis; SILVERMAN, Phyllis R.; NICKMAN, Steven L. (Ed.). Continuing Bonds:

New Understandings of Grief. Washington, Dc: Taylor & Francis, 1996. 384 p. (Death

Education, Aging and Health Care).

KOVÁCS, Maria Julia. Desenvolvimento da Tanatologia: estudos sobre a morte e o

morrer. Paidéia (ribeirão Preto), [s.l.], v. 18, n. 41, p.457-468, set. 2008. FapUNIFESP

(SciELO). DOI: 10.1590/s0103-863x2008000300004. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-

863X2008000300004&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 05 out. 2015.

103

KUBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a Morte e o Morrer. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes,

1969. 299 p. Título original de 1969, mas foi utilizada a edição de 1996 traduzida para o

português..

LIFTON, Jay; OLSON, Eric. Symbolic Immortality, 1974. In: ROBBEN, Antonius C. G. M.

(org.). Death, mourning, and burial: a cross-cultural reader. Wiley-Blackwell, 2004.

LUPTON, Ellen. Intuição Ação Criação.: Graphic Design Thinking. São Paulo: Gustavo Gili,

2013. 184 p.

MARINHO, Ângela Heluy Ribeiro; MARINONIO, Cássia Cristina Rozzante; RODRIGUES,

Luciana Costa Alemar. O processo de luto na vida adulta decorrente de morte de um

ente querido. 2007. 36 f. TCC (Graduação) - Curso de Psicologia, Universidade Estácio de

Sá, Rio de Janeiro, 2007. Disponível em:

<http://www.4estacoes.com/pdf/publicacoes/o_processo_luto_vida_adulta.pdf>. Acesso em:

17 out. 2015.

MASSIMI, Michael. Thanatosensitively Designed Technologies for Bereavement

Support. 2012. 271 f. Tese (Doutorado) - Curso de Computer Science, Graduate

Department Of Computer Science, University Of Toronto, Toronto, 2012. Disponível em:

<http://www.dgp.toronto.edu/~mikem/pubs/MassimiPhDThesis.pdf>. Acesso em: 5 out. 2015.

MASSIMI, Michael; BAECKER, Ronald M.. Dealing with death in design: Developing

Systems for the Bereaved. Proceedings Of The 2011 Annual Conference On Human

Factors In Computing Systems - Chi '11, [s.l.], p.1001-1010, 2011. Association for

Computing Machinery (ACM). http://dx.doi.org/10.1145/1978942.1979092.

MASSIMI, Michael; CHARISE, Andrea. Dying, death, and mortality:: towards

thanatosensitivity in HCI. In: CHI '09 EXTENDED ABSTRACTS ON HUMAN FACTORS IN

COMPUTING SYSTEMS, 27., 2009, Boston. Proceedings... . Boston: [s.i], 2009. p. 2459 -

2468.

MONCUR, Wendy; KIRK, David. An emergent framework for digital memorials. Proceedings

Of The 2014 Conference On Designing Interactive Systems - Dis '14, [s.l.], p.965-974,

2014. Association for Computing Machinery (ACM).

http://dx.doi.org/10.1145/2598510.2598516.

PALLISTER, James. Reinventing death for the twenty-first century. 2015. Disponível em:

<http://www.designcouncil.org.uk/news-opinion/reinventing-death-twenty-first-century-0>.

Acesso em: 05 out. 2015.

PARKES, Colin Murray. Grief: Lessons from the Past, Visions for the Future. Psychologica

Belgica, [s.l.], v. 50, n. 1-2, p.7-26, 1 set. 2010. Ubiquity Press, Ltd.. DOI: 10.5334/pb-50-1-

2-7.

PENNEBAKER, James W.; ZECH, Emmanuelle; RIMÉ, Bernard. Disclosing and sharing

emotion: Psychological, social, and health consequences.. In: STROEBE, Margaret S. et

104

al. Handbook of bereavement research: Consequences, coping, and care.. Washington

D.c.: Amer Psychological, 2001. p. 517-539.

PREECE, Jennifer; ROGERS, Yvonne; SHARP, Helen. Design de Interação: Além da

Interação Homem-Computador. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013. 600 p.

RE.DESIGNING DEATH. Pocket-sized Funeral Decree. 2015. Disponível em:

<https://www.redeath.org/pocket-sized-funeral-decree/>. Acesso em: 19 jun. 2015.

ROSA, José Guilherme Santa; MORAES, Anamaria de. Design participativo. Rio de

Janeiro: Rio Books, 2012. 170 p.

SENGERS, Phoebe; BOEHNER, Kirsten; KAYE, Joseph ‘jofish’. Reflective design. In: 4TH

DECENNIAL CONFERENCE ON CRITICAL COMPUTING: BETWEEN SENSE AND

SENSIBILITY, 4., 2005, Aarhus, Dinamarca. Proceedings... . Aarhus, Dinamarca: [s.i],

2005. v. 1, p. 49 - 58.

SOFKA, Carla J.; CUPIT, Illene Noppe; GILBERT, Kathleen R.. Dying, Death, and Grief in

an Online Universe:: For Counselors and Educators. Nova Iorque: Springer Publishing

Company, Llc, 2012. 290 p.

STROEBE, Margaret; SCHUT, Henk. The Dual Process Model of Coping with Bereavement:

A Decade on. Omega - Journal Of Death And Dying, [s.l.], v. 61, n. 4, p.273-289, 1 dez.

2010. SAGE Publications. DOI: 10.2190/om.61.4.b.

STROEBE, Margaret; SCHUT, Henk. The Dual Process Model of Coping with Bereavement::

Rationale and Description. Death Studies, [s.i], v. 23, n. 3, p.197-224, abr. 1999.

STROEBE, Margaret; STROEBE, Wolfgang; SCHUT, Henk. Bereavement research:

methodological issues and ethical concerns. Palliative Medicine, [s.l.], v. 17, n. 3, p.235-

240, 1 abr. 2003. SAGE Publications. http://dx.doi.org/10.1191/0269216303pm768rr.

VIGILANT, Lee Garth; WILLIAMSON, John B.. Symbolic Immortality and Social Theory:: The

Relevance of an Underutilized Concept. In: BRYANT, Clifton D. (dow) (Ed.). Handbook of

Death and Dying. Londres: Sage Publications, 2003. p. 173.

WORTMAN, Camille B.; BOERNER, Kathrin. Beyond the Myths of Coping with Loss:

Prevailing Assumptions Versus Scientific Evidence. In: FRIEDMAN, Howard S.. The Oxford

Handbook of Health Psychology. Nova Iorque: Oxford University Press, Inc., 2011. p. 285-

324.

105

ANEXO - SKETCHBOOK

Análise visual do memorial online Legacy.com.

106

Análise visual do memorial online Forever Missed.

107

Análise visual do memorial online Never Gone.

108

Framework para memoriais digitais aplicada a plataforma Memorando

109

Brainstorm de de conceitos para a plataforma

110

Brainstorm de conceitos para a plataforma

111

Definição do processo

112

Exploração de conceitos para o logotipo.

113

Brainstorm de nomes para a plataforma.