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aeronáutica aeronáutica 2004 E-mail: [email protected] Número 243 Revista Revista O Mito Voa mais Alto... Alberto Santos-Dumont Um Conflito Interminável O Direito (e Dever) de Opinar Brig. J. Carlos fala sobre o COMGAR

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aeronáuticaaeronáutica2004 E-mail: [email protected] Número 243

RevistaRevista

O Mito Voa mais Alto...

Alberto Santos-Dumont

Um Conflito Interminável

O Direito (e Dever) de Opinar

Brig. J. Carlos fala sobre o COMGAR

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Márcia Regina I. Horta GalhardoPsicóloga

No início de cada ano, renovam-se expectativas, refazem-se metas, traçam-se novosobjetivos, buscam-se novas forças, reavivam-se as esperanças.

Assim é, assim se passa, com pessoas e instituições e, naturalmente, com estaRevista, fortalecendo-a a cada ano.

Esta é a realidade com que vive a equipe desta Revista, que se dedica comprofissionalismo e carinho ao que produz.

Aplausos e críticas!

São essas liberdades de expressão que nos trazem a recompensa.

Mas, são a estas liberdades que também são submetidos aqueles que ousam escrever.

São a estas liberdades que se subordinam a verdade e a mentira,o ridículo e a graça, a vida e...

São estas liberdades que condicionam a própria liberdade.

São estas liberdades, condicionantes de nosso espaço destinado àqueles quedefendem idéias e querem dividi-las com outros.

Enfim, são estas liberdades que movimentam esta equipe na direção da seriedade edo fazer melhor.

Em 2004, exerçam a liberdade das liberdades – o poder da palavra – pensando,escrevendo e movimentando esse espaço literário...

Batam palmas e falem sobre.

Mas, façam...

Feliz Ano Novo!

Feliz Ano Novo!

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Revista aeronáutica nº 243 • Janeiro - Fevereiro / 20042

Presidente:Brig.-do-Ar R1 Danilo Paiva Álvares1º Vice-Presidente:Brig.-Med.R1 José Américo de Albuquerque Montenegro2º Vice-Presidente:Cel. Int. R1 Ricardo José Clemente

DEPARTAMENTOSAdministrativo:Cel. Int. R1 Haroldo Prado de AzevedoPatrimonial:Cel. Av. R1 Fernando Moura CorreiaSocial:Ten.-Cel. Int. R1 José Pinto CabralCultural:Cel. Av. R1 Mário F. Pontes FilhoFinanças:Ten.-Cel. Int. R1 Irajá Domingues da SilvaBeneficente:Cel. Int. R1 Haroldo Prado de AzevedoSecretaria Geral:Cap. Adm. R1 Ivan Alves MoreiraAssessoria Jurídica:Dr. Francisco Rodrigues da Fonseca

SUPERINTENDÊNCIASSede Aerodesportiva:Ten. Av. Ref. José Menezes FilhoDivisão de Ultraleves Motorizados:Ten. Av. Ref. José Menezes FilhoSede Social:Ten.-Cel. Av. R1 Cleber Cirilo dos SantosSede Lacustre:Márcio Ganem Álvares

CHICAER:Brig.-do-Ar R1 Danilo Paiva Álvares

Endereço:Pça. Marechal Âncora, 15 - Rio de Janeiro - RJ - CEP 20021-200

Tel.: (21) 2210-3212 Fax: (21) 2220-8444Expediente do CAER:

Dias: de 3ª a 6ª feira - Horário: 9 às 12h e13 às17hSede Aerodesportiva: (21) 3325-2681

Sede Lacustre: (24) 2662-1049

Revista do Clube de AeronáuticaTel./Fax: (21) 2220-3691

Diretor-EditorMario F. Pontes Filho

Gerente de Produção EditorialMárcia Regina I. H. Galhardo

Jornalista ResponsávelJ. Marcos Montebello

Produção GráficaLuiz Ludgerio P. Silva

RevisãoDirce Brízida

Conselho EditorialPresidente1º Vice-Presidente2º Vice-PresidenteChefe do Departº CulturalDiretor Revista aeronáutica e Jornal arauto

Órgão Oficial doClube de Aeronáutica

Consultoria, ProduçãoGráfica e Fotolito

Rua do Rezende, 80 – Centro – RJ

Tels.: (21) 2263 3892, 2221 [email protected]

aeronáuticaaeronáuticaRevista

2004 E-mail: [email protected] Número 243

As opiniões emitidas em entrevistas e em ma-térias assinadas estarão sujeitas a cortes, no todoou em parte, a critério do Conselho Editorial, nãorepresentando com isto ponto de vista do Clube deAeronáutica e, sim, dos seus autores. As matériasnão serão devolvidas, mesmo que não publicadas.

Índice

EDITORIAL0404040404

0606060606Comandante-Geral do Ar

Ten.-Brig.-do-Ar José Carlos PereiraRedação

ENTREVISTA

1010101010Ronaldo Venâncio - Cap. Av.

HOMENAGEM O Mito Voa mais Alto...

1212121212 Uma História para Ser ContadaTelma Penteado

DECEA

1515151515

1616161616Emprego do Oxigênio sob Pressão

nas Reconstruções da FaceSylvio Luiz Costa de Moraes - Maj.Dent. Aer.

MEDICINA E SAÚDE

1818181818Um Pouco de História

sobre a Luta Armada no BrasilCarlos Ilich Santos Azambuja

VISÃO DOS FATOS

2222222222 O Direito (e Dever) de OpinarEM FOCOMaj.-Brig.-do-Ar Ref. Lauro Ney Menezes

NOSSA CAPA

Caros AmigosBrig.-do-Ar R1 Danilo Paiva Álvares

Reflexões Sobre um Bem ComumMaria Veronica Aguilera

CRÔNICA

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2424242424 Um Conflito InterminávelCENÁRIO INTERNACIONALManuel Cambeses Júnior - Cel. Av. R1

2727272727 Alberto Santos-DumontACONTECIMENTODalva Lazaroni

3535353535Ivan Von Trompowsky Douat Taulois - Cel. Av. R1

MEMÓRIA As Botas de Anesia

4141414141 O Sucesso Atrás do MuroREFLEXÃOPercival Puggina

A Idade Média3030303030Araken Hipólito da Costa - Cel. Av. R1

3838383838 O Poder Naval na Formação e Consolidação do BrasilMARINHA DO BRASILServiço de Documentação da Marinha

ARTE

4444444444Anna Guasque

Ser Idoso Não é Ser VelhoMOMENTO

4848484848Controle do Espaço Aéreo -

Nova Atração no Museu AeroespacialEvaldo Pereira Portela

MUSAL

Aldo Alvim de Rezende Chaves - Cel. Av. Ref.4646464646 CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Imagens Digitais Programadas: um mercado de bilhões de dólares egrandes oportunidades para o Brasil

4242424242 Vocação, Qual é a Sua?VIVÊNCIAAndré Modelo

Ten.-Brig.-do-Ar Ref. Humberto Zignago Fiuza3232323232 LOGÍSTICA Logística

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EDITORIAL

EDITORIAL

Caros amigos,

EDITORIALEDITORIALEDITORIALEDITORIALO Vice-Presidente do Conselho Delibera-

tivo do Clube Monte Líbano, Sr Gilberto AdibCouri, escreveu um pequeno artigo intituladoComo Matar um Clube, que por sempre opor-tuno passo a transcrevê-lo, apesar de já ter sidopublicado no arauto de junho de 2003.

Ameace deixar o Clube, sob o pretexto de quenão adianta ser sócio e que é muito melhor serconvidado.

Deixe de pagar sua mensalidade alegando queexistem muitos convidados freqüentando oClube gratuitamente, logo você também nãoprecisa pagar.

Não freqüente, mas quando o fizer, procurealgo do que reclamar.

Use as instalações sem cuidado ou zelo, pois“não está na sua casa”. Deixe luzes acesasdesnecessariamente e as torneiras abertas,jogue lixo no chão, e não se esqueça de recla-mar que o Clube “está imundo”, e que “ataxa de manutenção está muito alta”.

Se comparecer a qualquer atividade, encontreapenas falhas no trabalho de quem está ten-tando acertar.

Nunca aceite uma incumbência. Lembre-se deque é mais fácil criticar do que realizar.

Se alguém pedir sua opinião, responda que nãotem nada a dizer. Depois espalhe como ascoisas “deveriam ser”.

Não faça nada além do inevitavelmente neces-sário. E quando a Direção estiver trabalhan-do, afirme que o Clube está dominado por um“grupinho”.

Não leia os informativos, tampouco os comuni-cados. Afirme que eles não trazem nada deinteressante, ou melhor, diga que não os receberegularmente.

Se for convidado para qualquer cargo, recuse.Alegue falta de tempo e depois critique comafirmações do tipo: “essa turma quer ficar como poder”.

Ou melhor, quando convidado, aceite, mas nãofaça nada dizendo que não lhe dão “liberdadede agir”.

Quando tiver divergências com a Direçãoprocure, com toda a ansiedade, vingar-se noClube.

Sugira, insista e cobre a realização de eventos.Quando ocorrem, não compareça e depoisespalhe: “ninguém foi”.

Se receber questionários, ou pedidos de colabo-ração, não responda. E se, a direção nãoadivinhar suas idéias e pontos de vista, critiquee diga a todos que você é ignorado.

Depois de tudo isso, quando cessarem aspublicações, as atividades diminuírem, asinstalações estiverem desmoronando, estufe opeito e afirme com orgulho: “Eu não disse?”

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EDITORIAL

Brig.-do-Ar R1 Danilo Paiva ÁlvaresPresidente

Alguns fatos acontecidos recentemente le-varam-me a recordar este artigo, senão vejamos:

1 – O Clube de Aeronáutica não acabou,não faliu e nem está fechado;

2 – O Clube está com todas as suas contaspagas e em dia;

3 – O Clube continua com todas as suasatividades sociais;

4 – O Clube está passando por algumas di-ficuldades, já explanadas à exaustão, com umasolução prática, adequada e exeqüível aindaeste ano;

5 – A Sede Aerodesportiva foi interditadano final de dezembro de 2003 e estará em plenofuncionamento em janeiro de 2004.

Prezados sócios e leitores da Revista aero-náutica, releiam o artigo do Vice-Presidente doConselho Deliberativo do Clube Monte Líbanotoda vez que ouvirem alguma notícia contráriaao que está escrito nos cinco itens acima, e en-quadrem o seu interlocutor como um tipo demau sócio do Clube de Aeronáutica.

Feliz Ano Novo, Clube de Aeronáutica!

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ENTREVISTA

RA – Como e quando pensou em FAB?JC – A Força Aérea surgiu para mim como uma al-ternativa de escape – uma história anti-heróica, semromantismos, fantasias e pieguices. Em 1955, eu eraum garoto de 13 anos, em Salvador, filho único eórfão de pai e mãe. De minha mãe possuía apenasuma vaga imagem de mulher bonita, tensa e que can-tava uma música que falava de sabiás. Foi-se quandoeu tinha seis anos. Talvez seu grande erro tenha sidose apaixonar por meu pai, um combatente republica-no da Guerra Civil Espanhola, percorrendo uma rotade fuga que passava por Salvador. De meu pai, tinhae tenho vívidas lembranças de suas narrativas de com-bate – a resistência de Madri, a luta na Plaza Moncloa,os bombardeios de Bilbao, o terror e o cheiro da mor-te, o batalhão feminino defendendo uma ponte, a fi-gura da Pasionaria. Ele se foi quando completei meustreze, e então decidi que teria de deixar Salvador eencontrar outro lugar, qualquer lugar, e teria que saircom minhas próprias pernas. Para jovens não ricos,como eu, existiam duas soluções relativamente sim-ples: a Igreja ou as Forças Armadas. Tentei a Igreja.Foi um tremendo engano, mas que durou apenas qua-tro dias. Alternei a Força Aérea apenas pelo práticomotivo de que o concurso parecia mais fácil, em re-lação à Marinha e ao Exército. E assim, com 16 anos,me vi em Barbacena. Só então vim a conhecer real-mente onde havia me metido. E gostei muito do quevi. Apaixonei-me pelo que, gradativamente, fui des-

cobrindo. E a cada dia, 45 anos depois e no topo dahierarquia, meu caso de amor pela Instituição aindaé um tema muito sério. Mas, também, existe sofri-mento. Crescer na hierarquia e ampliar o horizontede visada traz em anexo visões e contextos muitasvezes deprimentes e melancólicos. Tenho muita in-veja das pessoas que não têm essas visões. Tenhomuita raiva das pessoas que fingem não vê-las ouque aceitam passivamente suas ocorrências. Mas, nobalanço de perdas e danos, os sentimentos de reali-zação, de dever e de luta ainda levam enorme vanta-gem sobre os setores sombrios e inquietadores comque somos obrigados a conviver.

RA – Quando e como apareceu a filosofia em suavida?JC – A primeira coisa séria que li em minha vida foiO Homem que sabia Javanês, um pequeno conto irônicode Lima Barreto. Logo em seguida li Zadig, de Voltai-re, outro conto, extremamente denso e oposto aoHomem de Java. Acho que desde aquela época, e porinfluência inicial de Barreto e Voltaire, passei a ques-tionar a tinta e não a cor, o roteiro e não a mise-en-scène, as causas e não os efeitos. Descobri que Deusnada tinha a ver com a liturgia. As narrativas de meupai também ajudaram – toda a tragédia espanhola,ele sempre repetia, foi uma tentativa de deter o avançodo nazi-facismo na Europa, ou seja, uma causa, umaorigem. O interesse pelas origens me levou natural-

José Carlos Pereira, aspirante de 63, bom amigo,tenente-brigadeiro-do-ar. Sincero, dezoito condecoraçõesna carreira...justo.Estados-Maiores, Presidência, homem das Informações,Washington, Academia, Defesa Aérea...uma largaexperiência profissional.Inesquecível vítima dos beduínos (rapto, seqüestro,fumígeno etc.) em Fortaleza; tornou-se Caçador, peloespírito; Guerreiro, pela profissão; Analítico, pela vida.Numa só pessoa, o artista, o operário e o filósofo.A Revista aeronáutica sente-se honrada em tê-lo conosco,atual Comandante-Geral do Ar.

Ten.-Brig.-do-Ar JOSÉ CARLOS PEREIRA

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ENTREVISTA

mente à busca de conhecimentos que só a filosofiapode oferecer. Gostaria de ter ido mais fundo, masnão foi possível. No entanto, ter estudado Platão,Espinosa, Merleau-Ponty, Marx, Nietzsche e Maqui-avel, entre outros, facilitou-me passar pela vida semmuitos danos psicológicos e com baixo índice de fun-damentalismo. Acho que ficou mais fácil decifrar Clau-sewitz. Com certeza, ficou mais fácil compreender eparticipar do conflito humano.

RA – Alegrias? Tristezas? Decepções?JC – Minha fascinação pelo perguntório de Sócratesconvive pacificamente com o pragmatismo selvagemde Charles Peirce. Acho que por isso não consigo tergrandes alegrias, tristezas ou decepções. Tive um ca-samento, um divórcio e outro casamento. Foram trêsmomentos de alegria, principalmente o do divórcio.Tive um momento de tristeza marcante quando acom-panhei lentamente a morte de uma pessoa amiga. Emdado instante, disse-me que estava com sono e pe-diu-me que contasse uma história. Falei dos sabiáscantadores da Bahia.Minhas alegrias atuais e diárias são as informaçõesdo meu Chefe de Estado-Maior ou do Sistema de Co-mando e Controle informando que uma operação foicompletada com sucesso, uma missão foi cumprida,que tudo deu certo, que pessoal e material concluí-ram o planejado e estão em segurança, prontos paraa próxima. Não me sinto mal quando qualquer Co-mandante me traz algo de ruim no campo operacio-nal – um acidente, uma falha grave, um risco altoque passou despercebido, uma reação inesperada.Longe de gerar aborrecimento, esses contextos ge-ram solidariedade, união de esforços e um sentimen-to de que, permanecendo unidos e leais, resolvere-mos todos os problemas. Decepção mesmo é quandose confirma um crime, uma corrupção, um abuso deautoridade, uma negligência perniciosa. Nesses ca-sos, há que ser duro na forma da lei. É uma tristeza,mas de caráter salutar.

RA – É sabido que o atual Presidente freqüenta-va do seu convívio. Ainda continua?JC – Não é verdade que tive convivência com o Pre-sidente da República. Parece importante esclareceralguns fatos. Ainda na fase anterior à campanha elei-toral, aí por junho ou julho, um velho amigo, do meutempo de Gabinete Militar do Governo Figueiredo,informou-me que algumas pessoas do PT estavam

interessadas em conversar comigo. Como nunca re-cusei uma conversa, alguns dias depois eu estava reu-nido com pessoas que não conhecia e que foram di-retas ao assunto. Queriam que eu desse ao Partidoalguma assessoria militar. Consideravam que o Par-tido necessitava conhecer melhor as questões, pro-blemas e anseios das Forças Armadas e dos milita-res. Aceitei imediatamente colaborar, dentro de al-gumas condições: conhecimento total de meu Co-mandante, sem participação em manifestações polí-ticas, na forma da lei, sem informações sigilosas e,também, ajudando qualquer outro Partido que soli-citasse. Tudo aceitado e combinado, trabalhei durono preparo de documentos que relatavam a situaçãodas Forças Armadas, as questões estratégicas bási-cas, os desânimos existentes, as ameaças principais,segundo minha visão, e ofereciam um elenco de su-gestões ao Partido e ao seu candidato.Uma das minhas recomendações mais enfáticas foipela absoluta observância de princípios e priorida-des de hierarquia. No meu acordo com o pessoal doPT ficou claro que estava trabalhando, com plenaconsciência ideológica, para o fortalecimento do Es-tado e o bemdo meu país.Qualquer quefosse o resul-tado das elei-ções, nin-guém deverianada a nin-guém e meu compromisso se encerraria no dia doturno final. A partir daí, já deveria existir um esque-ma oficial preparado para apoio ao candidato eleitoe eu, certamente, estaria fora desse esquema.Apesar da promessa, por razões de consciência mo-ral, decidi que nada faria em prol de um dos candida-tos, que, felizmente, também nada solicitou. Outraspessoas de outros Partidos pediram minha colabora-ção. Ajudei no que foi solicitado, mas apenas o PTpermaneceu todo o tempo conectado e com ansie-dade por mais e mais dados e sugestões.Logo no início, percebi ser indispensável contar comcompanheiros da Marinha e do Exército capazes deanalisar e transmitir com mais segurança que eu aspeculiaridades e questões de cada Força. Acho queprocurei as pessoas erradas, porque o nível de rejei-ção encontrado foi muito alto. Decidi então que se-guiria só e não mais ofenderia a consciência de quem

“E a cada dia, 45 anosdepois e no topo da

hierarquia, meu caso deamor pela Instituição ainda

é um tema muito sério.”

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ENTREVISTA

quer que fosse. De fato, fui ajudado apenas por doisou três oficiais não generais da Força Aérea e por umpequeno grupo da Reserva.Com o Presidente então candidato estive quatro ve-zes, das quais em apenas duas conversei diretamentecom ele sobre temas militares. Respondi muitas per-guntas e dele ouvi com clareza e sem rodeios todauma estrutura de pensamento, uma visão objetivasobre a defesa nacional e idéias claras, muito claras,sobre as questões sociais do país e as brutais dificul-dades que esperava encontrar e vencer. A palavra docandidato ratificou meu convencimento de que esta-va fazendo a coisa certa.Conforme combinado, no dia do segundo turno en-cerrei minhas ligações. Desde então, só estive próxi-mo ao Presidente em solenidades oficiais e para cum-primentos protocolares. Por outro lado, fiz bons ami-gos entre o pessoal do PT e de outros segmentos.Com eles mantenho relacionamento de companhei-rismo, não cabendo qualquer tema ou compromissoque signifique, mesmo superficialmente, ultrapassa-gem de canais, seja no nível da Força Aérea, seja nonível mais amplo do Ministério da Defesa.

RA – Teve problemas por isso?JC – Problemas propriamente ditos não. Mas sei per-feitamente que algumas pessoas, poucas, me consi-deram como uma espécie de traidor de alguma coisa.Algumas simplesmente não falam mais comigo. Ne-nhuma, no entanto, teve coragem suficiente para meabordar diretamente sobre a matéria. De minha par-te, morro de rir. De fato, sinto pena dos pobres deespírito. Estou convencido de que houve algum errona tradução do aramaico. Deus não pode ter dito deque deles será o reino dos céus.Por outro lado, também sei que houve ações efetivasde vigilância clandestina sobre minhas atividades. Nãoconsegui descobrir qual organização ou grupo foi res-ponsável; também não me empenhei na busca, prin-cipalmente porque descobri logo que estava lidandocom agentes trapalhões e da mais alta incompetên-cia. Limitei-me às medidas convencionais de inver-sões telefônicas, desinformação, limpeza dos retrovi-sores e táticas elementares de combate de rua.

RA – E o COMGAR?JC – Acredito que está cumprindo sua missão comprofissionalismo crescente. Tenho 13 oficiais-gene-

rais subordinados que se destacam pela coragem pes-soal, iniciativa e lealdade à Instituição e ao país. Man-temos forte ambiente de confiança recíproca. Confiona minha estrutura de comando e em nossas Unida-des Aéreas. Eles dão demonstrações contínuas decompetência, de arrojo consciente e de altíssima ca-pacidade de improvisar e sobreviver em ambientescríticos. Nossas Bases Aéreas, duramente atingidaspelas restrições orçamentárias, fazem milagres coti-dianos e asseguram o suporte às Unidades operacio-nais. A COMARA pode ser considerada um dessesheróicos e desconhecidos orgulhos nacionais. A In-fantaria, a Guerra Eletrônica e a Instrução Tática sãooutros setores de eficácia e visão de futuro. NossoCentro de Comando e Controle, infelizmente ativa-do com anos de atraso, resultado de conceitos medi-evais e posturas equivocadas, vem correndo em bus-ca do tempo perdido, atingiu padrões internacional-mente aceitáveis e já assegura ao Brasil certa compe-tência para liderar operações de combate multinaci-onais. O próximo grande teste será a Operação In-ternacional CRUZEX, no último trimestre de 2004.Em 2003, o COMGAR apoiou decisivamente diver-sas operações de nossa Polícia Federal. Salvamos muitasvidas, apoiamos a saúde, os índios, o meio ambiente;pela primeira vez nossas aeronaves abriram fogo deadvertência sobre traficantes, atacamos e destruímospistas e infra-estrutura do narcotráfico, interceptamosmuitos tráfegos ilícitos, transportamos de tudo – au-toridades, feridos, presos, polícia, índios, órgãos paratransplante, sementes, remédios, máquinas e tropas.Vigiamos o mar e o espectro eletromagnético. Estive-mos na África e pela América do Sul em operações derisco. Ajudamos nossos irmãos vizinhos, dividindocom eles um pouco de nossos meios, de nossas espe-ranças e de nossas angústias. Voamos cem mil horas etivemos apenas um acidente fatal. Estivemos juntoscom o Exército e a Marinha, nas fronteiras, nos diver-sos exercícios e manobras, na Antártica, no Timor, notreinamento depessoal e naque-les momentos denecessidades ino-pinadas.

RA – E a FAB?JC – É um privi-légio fazer parte

“...atropelou o tempo,não se abalou mesmo em

momentos dramáticose teve coragem suficiente

para mexer com tabuse alterar falsos

determinismos, tambémhistoricamente falsos.”

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ENTREVISTA

dessa Força Aérea. Acompanho de perto as ações doscompanheiros do Alto Comando, e é altamente com-pensador conviver com avanços acelerados, soluçõescorajosas e inovadoras, espírito de equipe e vontadeférrea na superação de problemas. O ano de 2003,apesar de todas as limitações financeiras, foi um anode renascimento. Em alguns setores foi quase revo-lucionário. No Ensino, por exemplo. A superação datragédia do VLS e a retomada da ação espacial é ou-tra boa mostra. O sistema de controle do espaço aé-reo operou com extrema eficácia, não só preservan-do métodos e processos como avançando decidida-mente para um futuro repleto de desafios. A Logísti-ca ganhou velocidade e ampliou sua confiabilidade.A Inteligência renasceu forte e na trilha correta. NaAdministração de pessoal foram ativados modernosconceitos de administração. Setores de Saúde, Enge-nharia, Intendência e Comunicação Social estiveramafinados como nunca com a modernidade e seus com-promissos operacionais. E foi emoção pura acompa-nhar as manobras de Engenharia econômica realiza-das pela nossa gente da SEFA. Tudo foi facilitadopela harmonia proporcionada pelo Estado-Maior daAeronáutica, e a máquina Força Aérea acelerou sobum Comandante decidido, que permitiu liberdade deação aos seus Comandantes subordinados, atrope-lou o tempo, não se abalou mesmo em momentosdramáticos e teve coragem suficiente para mexer comtabus e alterar falsos determinismos, também histo-ricamente falsos. Tivemos ainda amplo apoio, soli-dariedade e compromisso do Ministro da Defesa.

RA – Algo especial com relação à América do Sul?JC – Para 2004 está previsto um grande exercíciointernacional no Nordeste brasileiro, com participa-ção, além do Brasil, de quatro países sul-americanos,um europeu e um africano. Teremos ainda vários exer-cícios bilaterais de policiamento de espaço aéreo emregião de fronteira. Diversos intercâmbios foram am-pliados. Teremos trocas de tripulações, alunos em di-ferentes organizações de ensino, formação operacio-nal de pilotos, apoio logístico recíproco em diversasáreas, trocas de informações operacionais de inte-resse, em tempo real. Existe uma esperança de seretomar os vôos de ligação militar e diplomática noâmbito da América do Sul. Tudo isso faz parte deuma estratégia de governo visando ampliar a confi-ança recíproca no contexto do subcontinente, mini-

mizar custos por meio de exploração adequada dascapacidades logísticas disponíveis e colaborar no for-talecimento defensivo de cada país, o que significa,de fato, maior segurança coletiva para toda a região.

RA – J por JJC – Minha missão está chegando ao fim. Para umgaroto que deixou Salvador pela porta da Força Aé-rea, absolutamente só, acho até que fui bem sucedido.Considero-me uma pessoa altamente tolerante, masexacerbadamente radical no que concerne aos ladrõesdo dinheiro público, aos corruptos de todas as especi-alidades e níveis,trambiqueiros denariz alto e reven-dedores da pátria.São vermes peço-nhentos e costumotratá-los como tal.Sem qualquermedo de ser feliz.Adoro a minhaprofissão, mas no dia que deixá-la será um fato defi-nitivo. Nem tristeza nem alegria, apenas mais um fato.Considero-me completamente preparado para encer-rar minha carreira e, parcialmente preparado, para en-cerrar a vida. Não me arrependo de nada embora re-conheça algumas grandes bobagens que fiz. Sou pro-fundamente feliz em ter tido oportunidade de ajudarna eleição do Presidente Lula. Sei que ele não é mila-greiro, mas, certamente, a enorme legião de miserá-veis do país, os comedores de melancia podre esta-rão menos solitários. Sinto-me bem em companhiade verdadeiros patriotas. Odeio a hipocrisia dos fal-sos moralistas. Amei e amo de paixão as pessoas queme amaram e me amam do mesmo jeito. Sinto-memais seguro ao constatar que meu Presidente chora.Sinto-me muito bem ao ver mudanças, como o presi-dente da CUT obtendo de Bancos reduções de taxasde juros. Preocupa-me uma possível perda de ban-deiras de lutas. Lutar ainda será preciso.Quando morrer, minha alma estará vagando pelaspraias de Itaparica, pela estrada de Ponta Negra, poraquele convento em Iauretê, por um bar que esqueci onome, na Ilha do Governador, pela velha Lapa e pelacolina sagrada. Apenas vagando, sem celular e sem e-mail. Depois, talvez vá me encontrar com meu pai.Acho que ele anda vagando pela Plaza Moncloa.

“Considero-mecompletamente

preparado para encerrarminha carreira e,

parcialmente preparado,para encerrar a vida.”

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HOMENAGEM

Ronaldo Venâncio- Cap. Av.Esquadrilha da Fumaça

“Na Esquadrilha daFumaça tornou-se umareferência mundial.”

AA Aviação brasileira está de luto, perdeuum de seus mais ilustres filhos: o Coronel AviadorAntônio Arthur Braga.

Considerado um ícone da aviação brasileira, foifonte inspiradora para diversas gerações de aviado-res militares e civis. Acompanhado de seu insepará-vel amigo, o antigo T-6, arrancou suspiros e aplausosde milhões de pessoas com suas arrojadas e segurasacrobacias.

O Cel. Braga tornou-se conhecido publicamen-te em 1959, na antiga Escola de Aeronáutica, noCampo dos Afonsos (RJ), quando era instrutor de vôodaquela unidade e foi convidado para compor umseleto grupo de instrutores que formavam a incipi-ente Esquadrilha da Fumaça.

Na Esquadrilha da Fumaça tornou-se uma refe-rência mundial. Realizou mais de mil demonstraçõesaéreas nos quatro cantos desse imenso Brasil e emdiversos países da América do Sul e Central. Serásempre um verdadeiro exemplo de idealismo e amora uma instituição. É, ainda hoje, o homem com maishoras de vôo na aeronave T-6 no planeta, possuía aincrível marca de 10.000 horas voadas.

Desenvolveu um importante trabalhocomo piloto e comandante da Esquadrilhada Fumaça, Unidade em que teve o prazerde servir durante dezessete anos (onze dosquais como comandante). Aproximou aaviaçãomil i tar

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HOMENAGEM

da aviação civil. Junto a um dos melhores pilotoscivis de acrobacia aérea do Brasil, Alberto Bertelli,acabou com qualquer clima de competição que exis-tia entre as duas aviações. Uniram-se com umpropósito comum:mostrar ao públiconacional toda a ou-sadia e capacidade

profissional dos pilotos brasileiros na condução desuas máquinas voadoras.

É difícil dissociar o nome Cel. Braga do aviãoT-6. Tão grande era a admiração pública para comessa dupla que o reconhecimento veio logo: em 1976,ano da desativação dos T-6 pela FAB, uma dessasaeronaves que pertenceu à Esquadrilha das Fumaçafoi carinhosamente doada a ele.

Mesmo seguindo o caminho comum a todo mi-litar, a reserva remunerada, não abandonou a avia-ção. Participou de inúmeras feiras aeronáuticas e ce-rimônias militares pilotando ainda o velho T-6, queparecia calçá-lo como uma luva.

A imagem de um excelente piloto e de um ami-go especial como poucos vai ficar sempre na memó-ria da Força Aérea Brasileira. A lacuna deixada comsua ausência será motivo para que se façam vôos cadavez mais arrojados, mais seguros, mais altos...

É assim que ele gostaria que fizéssemos.

Nascido na cidade de Cruzeiro (SP), em 3 de fevereiro de 1932.Ingresso na FAB: 17 de abril de 1950.

Ingressou na Esquadrilha da Fumaça em 1959.Número de demonstrações: mais de 1.000.

Horas de vôo na Aeronave T-6: mais de 10.000; é o piloto com maishoras de vôo, no planeta, nessa aeronave.

Comandante da Esquadrilha da Fumaça de 1965 até 1976.Trabalhou no Museu Aeroespacial (Brasil) de 1987 até 2003.

Data em que foi para a Reserva Remunerada: 14 de junho de 1982.Data do falecimento: 8 de dezembro de 2003.

Breve Histórico

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DECEA

sivamente, até acharem que a experiência está debom tamanho. Resumindo, o exercício diz respeitoa deixar-se amparar de olhos fechados por alguém;é entregar-se em confiança. Esta brincadeira apa-rentemente superficial, infantil, revela como se dãoas relações de entrega e confiança entre as pessoas.Quem está no centro da roda confia que alguémsempre irá ampará-la.

Quantas vezes na sua vida você, caro leitor, seviu em uma situação como esta, na qual sua seguran-ça está nas mãos de outra pessoa? Algumas? Muitas?E quantas destas foram vivenciadas com pessoas to-talmente estranhas? Assim acontece, por exemplo,quando nos ferimos e somos levados ao hospital (co-locamos nossas vidas nas mãos de um médico quenão conhecemos, confiando que ele terá competên-cia de nos salvar).

E este certamente não é o único exemplo de um

ão é de hoje que os mais diversos ramos daPsicologia afirmam que uma das necessida-des primordiais dos seres humanos é a confi-

ança. Precisamos confiar no outro como uma formade garantir nossa sobrevivência. No entanto, é notó-ria a dificuldade de colocar em prática a confiançanos outros, principalmente nos dias de hoje, em quea violência e a falta de segurança parecem imperar.

Nos recreios dos colégios, em exercícios de cur-sos de teatro ou até mesmo em dinâmicas de grupoem empresas, muita gente se diverte (outras nem tan-to!) com uma brincadeira que revela o quanto confi-amos – ou nos permitimos confiar – no outro. Umgrupo pequeno de pessoas se reúne numa roda e umapessoa fica no centro dela, de olhos fechados.

Fechar os olhos já é o primeiro obstáculo a serenfrentado. Não é todo mundo que consegue ficar nocentro de uma roda – mesmo que esta seja compostasomente por amigos ou familiares – de olhos fechadosou vendados. Para muitos esta é uma exposição muitogrande, na qual a pessoa fica extremamente vulnerá-vel – o que não deixa de ser uma verdade.

Então, dando seqüência à brincadeira, esta pes-soa é empurrada por alguém da roda e tem seu cor-po amparado por outra pessoa que, ao recebê-la,imediatamente a empurra para outra e assim suces-

N

Telma PenteadoJornalista

“ Há momentos nos quaisdevemos nos sobrepor aomedo e à insegurança emprol da solução positiva deuma determinada crise.”

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DECEA

momento no qual deixamos de ter o controle totalde uma situação e temos que confiar a solução deum problema que envolve nossa preservação a outrapessoa. Os pilotos e os controladores que o digam!Quantas histórias você já ouviu – ou até mesmo vi-veu – nesta agitada e emocionante vida na Aviação?

Bem, temos uma história de sucesso e muita con-fiança que merece ser contada.

Eram cerca de seis horas da tarde do dia 16 defevereiro de 1987, quando o vôo RG 101 da VARIG,vindo de Porto Alegre com destino à cidade do Rio deJaneiro e conduzindo 138passageiros, apresentou umapane grave: perdera todas asindicações de seus equipa-mentos de navegação.

As condições meteoro-lógicas eram extremamente adversas e o combustí-vel permitia apenas mais uma hora de vôo de auto-nomia. As opções para o pouso, que não pôde serrealizado no destino original (Aeroporto do Galeão),eram Campinas ou Guarulhos. Diante do impasse, oComandante do Airbus, Jayme Dahne, consultou oControle de Aproximação do Rio de Janeiro se, ex-cepcionalmente, não poderia conseguir autorizaçãopara tentar o pouso na Base Aérea de Santa Cruz.

A Base Aérea de Santa Cruz é um ambiente es-tritamente militar, que abriga aeronaves de intercep-tação da FAB e, portanto, não pode ser utilizadapor aeronaves civis, a não ser em condições absolu-tamente justificáveis.

A partir daí, três telefonemas foram dados emseqüência.

O responsável pelo controle de aproximação noGaleão era o então Sargento Cosme (atualmente oSargento Cosme é o Ten. Paulo Barcelos, Chefe daSeção de Investigação e Prevenção de Acidentes daBase Aérea do Galeão), que ligou diretamente para ocontrolador do Radar de Aproximação de Precisão –PAR de Santa Cruz, explicando a situação doVARIG 101 e consultando se não seria possível tra-

zer para o chão o VARIG em uma aproximação PAR.Não havia tempo a perder!O controlador do PAR, Sargento Anderson, ligou

imediatamente para o Comandante da Base Aérea.À época, o Comandante da Base de Santa Cruz

era o Cel. Lencastre (o Ten.-Brig.-do-Ar Lencastre éex-Diretor-Geral do DECEA e atualmente Ministrodo Supremo Tribunal Militar). Segundo o relato doTen. Anderson em seu texto Terra Santa Cruz, o en-tão coronel respondeu à sua solicitação dizendo:

– Eu autorizo o pouso. Está contigo, Guer-reiro. Faça o melhor quevocê puder.

Com estas palavras deconforto e incentivo, o Ten.Anderson pôde elevar suaauto estima e tomar para si

a responsabilidade sobre o pouso da aeronave civil.“Sentei-me à frente da tela do radar e logo iden-

tifiquei o plote da aeronave passando Jacaré na proade Santa Cruz. Uma certa tranqüilidade me envolvia,pois em momento algum me passava pela cabeça quealgo pudesse dar errado”, relata o controlador.

Após falar com o Comandante Dahne, “come-cei a sentir um pouco de calafrio, mas eu sabia quenão poderia deixar transparecer meu nervosismo, pelocontrário, eu tinha que encorajá-lo. Então orientei-opara o bloqueio do VOR (auxílio de navegação aé-rea) e, como os nossos procedimentos são reserva-dos para a Aviação Militar, transmiti passo a passotodas as fases do procedimento november dois, parapouso na pista 22.

Quando a aeronave estava terminando a curvaque iria alinhá-lo a aproximadamente oito milhas dacabeceira da pista, a torre, que já estava ciente dotráfego, ligou e disse:

– Controle, o CB (sigla correspondente a Cu-mulus Nimbus – formação meteorológica pesada)está sobre o aeródromo, tá chovendo muito e esta-mos fechando instrumento.

– Não conta isso pra ninguém e não fecha

“...em momentoalgum me passava pela cabeçaque algo pudesse dar errado”

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DECEA

“...este é um maravilhosoexemplo de total confiança.”

nada. Deixa eu pousar o VARIG, gritei da posição decontrole.

Quando o VARIG alinhou na final, o Radar deAproximação de Precisão, que já se encontrava li-gado, começou a detectar aquele plote bonito, de-vido ao tamanho da aeronave. Então, em vez demandá-lo trocar de freqüência, empurrei minhacadeira e estiquei o fio do microfone. Postei-me àfrente do PAR e transmiti:

– VARIG uno zero uno, a partir de agora lhe dareiinstruções de eixo e rampa, pois com nosso PAR te-nho condições de conduzi-lo até o ponto de toquemesmo sem o senhor avistar a pista.

Estava tudo sob controle, apesar da chuva tor-rencial, do nervosismo aparente do piloto e do arcode suor que aumentava, gradativamente, embaixodo meu braço, na minha camisa azul baratéia.Quando comandei:

– Top, seis milhas para o ponto de toque, inicieagora a decida final.

E os olhos grudados na tela.Seu alinhamento foi perfeito do início ao fim,

sem precisar de correções deproa. Eixo e rampa, eixo e ram-pa, até que a duas milhas do pon-to de toque, o piloto gritou: –Estou avistando! Estou alinhado!Eu vou pousar, controle!

Junto a essa transmissão pôde-se ouvir umabalbúrdia de comemoração ao fundo. – Ciente, unozero uno, a torre informa pista livre, livre pouso,acuse controlado.

Ele me informou controlado e, sem mudar defreqüência, eu autorizei seu táxi até o estaciona-mento.

O Comandante já o aguardava no pátio, em suaviatura, com seu VHF móvel ligado. Então ouvimosa seguinte transmissão:

– VARIG uno zero uno, boa noite. Quem vosfala é o Cacique zero uno, Comandante da Base Aé-rea de Santa Cruz, Cel. Lencastre. Seja bem-vindo econfirme o apoio que necessita.

– Boa noite, coronel. Antes de qualquer coisa,eu gostaria que o senhor desse um abraço por mimneste controlador de vôo que nos colocou aqui nochão em segurança.”

Conforme a publicação da matéria sobre o pousodo Airbus no Noticiário da Aeronáutica (NOTAER)

n.º 014/87, “O pouso com sucesso só foi possívelgraças à apurada perícia dos controladores do Ra-dar de Aproximação de Precisão (PAR) de SantaCruz, profissionais que reúnem condições técnicaspara vetorar aeronaves e orientá-las para pouso sobcondições de teto e visibilidade zero.

Este evento por si só justificaria os investimen-tos do Ministério da Aeronáutica, através da CISCEA(Comissão de Implantação do Sistema de Controledo Espaço Aéreo), nas Unidades da FAB, cujos re-cursos, além do emprego militar, podem ser utiliza-dos em proveito da Aviação Civil comercial em situ-ações emergenciais semelhantes a essa”.

Como podemos ver, este é um maravilhosoexemplo de total confiança. O Comandante Dahneconfiou sua vida e as 138 vidas que estavam a bordodo airbus nas mãos do Ten. Anderson, então con-trolador do PAR. O Brigadeiro Lencastre, então

Comandante da Base Aérea deSanta Cruz, também confiou osucesso da operação ao controla-dor, que, por sua vez, confiou for-temente na sua capacidade pro-

fissional, ficando, corajosamente, à frente de umaoperação desta magnitude.

Há momentos na vida em que não nos resta ou-tra saída a não ser nos entregarmos nas mãos de ou-tra pessoa. Há momentos nos quais devemos nos so-brepor ao medo e à insegurança em prol da soluçãopositiva de uma determinada crise.

Este exemplo mostra o grau de acerto do Bra-sil em operar e manter um sistema integrado quereúne sob um mesmo comandamento os tráfegoscivis e militares.

Assim é a Força Aérea Brasileira. Assim é a mis-são dos aviadores militares: pensar no futuro; pensargrande (projetos de nível internacional); projetar, de-senvolver e executar tecnologias de ponta; bem comoatender, proteger os usuários diretos e indiretos dotransporte aéreo e garantir a soberania nacional. Asíntese de tudo isto está no DECEA, onde um pu-nhado de brasileiros – civis e militares – lutam diari-amente, na difícil arte de conquistar e transmitir con-fiança aos demais.

“ A síntese de tudo istoestá no DECEA...”

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CRÔNICA

Reflexões sobre um Bem ComumMaria Veronica AguileraJornalista

TTTTTempo de matrícula nas escolas de ensinofundamental. Afligem-se pais e avós: com a vagana escola pública, com a mensalidade do colégioparticular, com a qualidade do ensino, com a for-mação dos professores, com a adaptação e segu-rança das crianças. Ei-los em breve com seus uni-formes novos, e a velha e renovada esperança quenos despertam. Têm, sem dúvida, um longo ca-minho pela frente, de aprendizagem e descober-tas. Mas, nos seus cinco ou seis anos de idade,carregam um cabedal de conhecimento de quefreqüentemente não nos damos conta. Em seusfrágeis ombros, deposita-se já o maior dos bensde sua condição humana e o mais rico patrimô-nio de seu povo e de sua gente: a língua mater-na. Potencial que a escola e a sociedade muitasvezes ignoram ou destratam, com danos irrever-síveis. Lapidar ou dilapidar esse bem comum étrabalho de ourivesaria dos mais delicados. Exi-ge conhecimento, habilidade e sensibilidade.

O que quer, o que pode esta língua? cantamuns versos de Caetano Veloso. O que quere-mos e podemos nós, nesta língua? Língua co-tidiana, companheira de viagem dos mínimosacontecimentos, tão unha e carne, que nemsabemos mais se pensamos através dela ou seé ela que nos pensa. Língua das primeiras des-cobertas e surpresas; da alegria indizível, dasdores caladas, da raiva impronunciável. Daseternas palavras de amor. De alguns encon-tros e tantos desencontros. Língua dos ritu-ais. Oração e feitiço que se perpetua e renovaem pensamento, palavra e ação.

Escritos de todas as épocas dão corpo aessa língua falada e falante, que salta hoje doteclado para a tela do computador, como, jáse desenhou, ao correr da pena, em capricha-dos manuscritos. Novos instrumentos paraum velho desejo de comunicação e expres-são, de cuja antigüidade falam pré-históricosdesenhos das cavernas.

Língua é, sobretudo, uma questão de amor.Desse ponto de partida, a viagem pelo mundo dosaber fica muito mais prazerosa e produtiva. É co-nhecimento, sim e regras também, sem dúvida.A gramática normativa é necessária e fundamen-tal, valioso ponto de referência e comunicabilida-de na medida em que permite, aos falantes deuma língua, um código comum para ser seguidoe entendido por todos, com a finalidade de facili-tar as formas de expressão. E cabe à escola, en-tre outras missões, ensinar e trabalhar a gramá-tica, com todos os seus alunos. Questão de de-mocracia lingüística.

Mas, se falar ou escrever, de forma a tradu-zir idéias e sentimentos de pleno entendimentode parte do outro, ler, de maneira a apreendero pleno sentido do texto, fosse apenas um pro-blema de gramática, não se veriam tantos pro-blemas de interpretação e expressão entre aspessoas, em geral. Como dizíamos em recen-te curso, diante da angústia manifestada poralguns alunos sobre como escrever certo é pre-ciso menos regras e mais afeto; menos decore-ba e mais Van Gogh, menos prescrições e maiserotismo no trato com a linguagem.

Fernando Pessoa, na página imorredou-ra em que declarou Minha pátria é a línguaportuguesa (Livro do Desassossego), exprimebem essa paixão amorosa: Lembro-me, comodo que estou vendo, da noite em que, ainda cri-ança, li pela primeira vez numa seleta o passocélebre de Vieira sobre o rei Salomão. «Fabri-cou Salomão um palácio...» E fui lendo, até aofim, trêmulo, confuso: depois rompi em lágri-mas, felizes, como nenhuma felicidade real mefará chorar, como nenhuma tristeza da vidame fará imitar. Aquele movimento hieráticoda nossa clara língua majestosa, aquele expri-mir das idéias nas palavras inevitáveis, correrde água porque há declive, aquele assombrovocálico em que os sons são cores ideais – tudoisso me toldou de instinto como uma grandeemoção política.

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MEDICINA & SAÚDE

Emprego do Oxigênio sob Pressão nas emprego do oxigênio sob condições de pressão – no meiomédico denominado oxigenoterapia hiperbárica

(OHB) – tem como base a Medicina Submarina, ouMedicina Hiperbárica.

Para melhor compreensão dos leitores, sem em-pregar terminologia técnica, os fundamentos estãorelacionados aos conhecimentos básicos da física eda química – sem intentar ser simplista – que apren-demos ainda nos bancos escolares.

Sabemos que os três estados da matéria são:sólido, líquido e gasoso.

Quanto ao peso, volume e forma pode-se afirmar que:a) no estado sólido os três parâmetros são constantes;b) no estado líquido só a forma é variável, vez que

se adequa ao recipiente que o contém;c) no estado gasoso somente o peso é constante –

o volume e a forma são variáveis, pois todo o gás tendea se expandir.

Na verdade, em termos de sangue deve-se aten-tar para os estados líquido e gasoso – importantespara se entender os efeitos da pressão no interior deuma câmara hiperbárica (câmara de alta pressão).

De forma objetiva, a OHB consiste na adminis-tração intermitente de oxigênio a 100 % numa pres-são ambiente – pressão atmosférica – atmosfera absoluta(ATA) – maior do que ao nível do mar, utilizando-seuma câmara hiperbárica.

A pressão atmosférica – aquela sob a qual vive-mos (uma ATA ao nível do mar) vem sendo objeto decuriosidade há muitos séculos. Alguns registros apon-tam o ano de 1654 – em Magdeburgo, Alemanha – comoaquele que efetivamente marcou a constatação daexistência de uma força incidente sobre a superfície

terrestre. Cita-se aindaque o ar comprimidotem sido empregadocom fins terapêuticos

desde 1664, quando o médico inglês H. Henshawpressurizou um aposento, utilizando um fole de órgão,para tratar uma doença crônica.

É importante entender que no ar que se respira,existe uma mistura de gases em concentrações dife-rentes: Nitrogênio (78%), Oxigênio (21%) e outrosgases – incluindo o Gás Carbônico (1%). Portanto, ogás predominante é o Nitrogênio e não, o Oxigênio. Comoo ar ganha as vias aéreas, chega aos pulmões e é trans-portado para o sangue, neste existem os mesmos ga-ses – proporcionalmente nas mesmas concentrações.

Ainda quanto à relação entre os estados líquidoe gasoso, pode-se citar duas Leis Físicas e alguns pro-cessos bioquímicos que ajudam o entendimento so-bre o mecanismo de ação da OHB e dos métodosutilizados na Medicina Hiperbárica – a Lei de Boyle:“A uma temperatura constante, o volume de um gás éinversamente proporcional à sua pressão”, ou seja, numambiente pressurizado, o gás sofre contração – e aLei de Henry: “A solubilidade dos gases é diretamenteproporcional à pressão, isto é, quanto mais alta for apressão, maior será a capacidade do líquido de dissolver ogás”. O exemplo popular é o que constata que, aoabrir uma garrafa de refrigerante, o gás sobre pressãocontido na garrafa se expande.

Portanto, compreende-se que os gases contidos nosangue, quando sob pressão se liquefazem e melhoram aperfusão (aporte sangüíneo e conseqüente oxigena-ção para todos os tecidos).

Deve-se atentar para o fato de que se vive sobuma ATA. Todavia, quando se está praticando omergulho subaquático, em média, a cada 10 (dez) metroshá o acréscimo de uma ATA de pressão sobreo corpo, ou seja, a 10 metros a pressão éde duas ATA, a 20 metros de três ATAe assim por diante. A Câmara Hiperbáricareproduz tais condições, possibilitando

Emprego do Oxigênio sob Pressão nas

Tumor e“close” do tumor

Fotos do enxerto fixado

O

Caso que mostra extenso tumor de mandíbulaenvolvendo o “corpo e ramo mandibular”dolado esquerdo. Seqüência de fotos quemostram o tumor + “close” do tumor + fotosdo enxerto fixado + foto do RX 2 anos após(c/ close) mostrando excelente resultado.

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MEDICINA & SAÚDE

Reconstruções da Facea execução de mergulhos secos no seu interior.

Em bases consideradas científicas, a OHB é umaterapêutica que conta com uma História de meio sé-culo. É segura, eficiente e econômica. Sob condiçõesde pressão, equivalente àquela encontrada a 15 (quin-ze) metros de profundidade de água salgada ou 2,4 a2,5 ATA (atmosfera absoluta), devido ao notável au-mento da fração de oxigênio dissolvido no plasmaentre 9 a 10 vezes maior do que sob uma ATA – ao níveldo mar, além daquela carreada pela hemoglobina, ocor-re um aumento da oferta de oxigênio em todo o orga-nismo. Por este motivo, tem mostrado ser extrema-mente importante e útil como adjuvante no tratamentode diversas condições infecciosas, inflamatórias, ne-crotizantes e de insuficiência vascular. Confere umaacentuada melhora no processo de cicatrização, ten-do grande aplicabilidade na preservação de retalhosou enxertos cutâneos comprometidos, ou na prepa-ração local de enxertos, aonde tem se mostrado alta-mente benéfica.

Emprega-se o seguinte protocolo de tratamento:a) Pré-operatório: 30 (trinta) sessões diárias, com

90 minutos de duração sob uma pressão de 2,5 ATA(equivalente a 15 metros de profundidade), nas cha-madas multi-câmaras (destinadas a alguns pacientespor vez) ou sob as mesmas condições por 30 minu-tos nas chamadas monocâmaras (destinadas a umúnico paciente por vez);

b) Pós-operatório: o mesmo protocolo.Pelo fato do nosso Serviço de Cirurgia Buco-Ma-

xilo-Facial do Hospital Central da Aeronáutica rece-ber pacientes portadores de extensas lesões que acome-teram o osso mandibular num percentual expressivo doscasos, o tratamento instituído, para tais condições, é ci-

rúrgico. As operações con-sistiram em ressecção (reti-rada) do segmento acome-tido (parte do maxilar infe-rior ou mandíbula) – garan-

tindo desta forma a chamada remoção em peça única, prati-camente inviabilizando as chances de recidiva – segui-da de reconstrução imediata através de enxerto ósseo li-vre, oriundo da crista ilíaca, combinando a utilização defixação esquelética do tipo rígida em titânio.

Entre 1997 e 2003 foram operados 31 (trinta eum) pacientes portadores de tumores da mandíbula que,embora benignos, evoluem com grande invasividade.

A partir de 1998, nosso Serviço passou a empre-gar a OHB rotineiramente no pós-operatório, para as-segurar melhores condições ao enxerto ósseo livre, bemcomo ao seu leito receptor. Em 1999, iniciamos oprotocolo que envolve o emprego da OHB tanto nopré quanto no pós-operatório. Para tal, conta-se como apoio do NUIFISAL (Núcleo de Fisiologia Aeroes-pacial), que dispõe das chamadas multi-câmaras.

Na iniciativa privada, o apoio vem de outros Cen-tros de Medicina Hiperbárica, que contam basicamen-te com os dois tipos de câma-ra já mencionados: a monocâ-mara e a multi-câmara.

Finalmente a experiênciado nosso Serviço vem ao en-contro da constatação de quea OHB representa hoje umaferramenta eficaz não só nascondições que envol-vem a face, cabeça epescoço, mas no tra-tamento de muitasdoenças ou compli-cações decorrentesdestas.

Reconstruções da Face

Fotos do RX dois anos após(com close)

Sylvio Luiz Costa de MoraesMaj. Dent. Aer.

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VISÃO DOS FATOS

“Um tempo de mudançase contestações, em queas teses filosóficas de

Herbert Marcusepropalavam que era‘proibido proibir’.”

Carlos Ilich Santos AzambujaHistoriador

propósito da próxima passagem dos 40 anos daRevolução de Março de 1964, é interessante fa-

zer um breve retrospecto, para as novas gerações de mi-litares e civis, sobre o que foi a luta armada, no Brasil.

O período de violência armada, nos anos 60 e70, foi um tempo em que, em todo o mundo, se pro-palava que o capitalismo estava com os dias conta-dos. Um tempo em que as revoluções de esquerdaeram consideradas iminentes, segundo aquela mode-lada pelos guerrilheiros cubanos que instalaram emCuba uma república democrática popular (ou seja,um governo do povo popular, pleonasmo que se prolongaaté hoje:) e procuravam estender esse pleonasmo atodo o continente; ou ainda segundo aquela copiadado livrinho vermelho de Mão Tsé-tung, de guerra po-pular prolongada.

Um tempo de mudanças e contestações, em queas teses filosóficas de Herbert Marcuse propalavamque era “proibido proibir”. Um tempo, enfim, em queum punhado de jovens militares e civis, sem dinhei-ro, sem doutrina e sem equipamentos, mas com dis-posição e vontade, no início por conta própria, é ver-dade, decidiram combater e, ao final, erradicaram oterrorismo, os seqüestros de diplomatas e de aviões eas guerrilhas urbana e rural.

A doutrina, o dinheiro, a organização e os equi-pamentos viriam depois. No início foram substituí-dos pela imaginação, pelo desprendimento e pelo fortesentimento de que era imperativo defender a socie-

dade. Os procedi-mentos iam sendoinventados na medi-da das necessida-des, em face da ra-pidez com que osacontecimentos sesucediam.

Somente apartir de janeiro de

1970, com a consti-tuição dos Destaca-mentos de Opera-ções e Informações,subordinados aosCentros de Opera-ções de Defesa Inter-na (DOI/CODI),passou-se a atuar or-denadamente. Então, Marighela não mais existia,embora tivesse deixado atrás de si um legado que,traduzido em vários idiomas, ainda iria causar umamontanha de mortos: o Minimanual do GuerrilheiroUrbano.

Tudo isso aconteceu não sem a perda de vidas,não sem sangue, suor e lágrimas e não sem que reputa-ções fossem manchadas, carreiras abreviadas, promo-ções postergadas, injustiças e erros fossem cometidos.

Foi um tempo duro, diferente e difícil. Um tem-po, no entanto, do qual aqueles que o viveram e par-ticiparam devem se orgulhar. Um tempo que, espera-mos, jamais voltará.

Passados 40anos, alguns persis-tem em manter naordem do dia umadiscussão acadêmicasobre a qual muitaspessoas não têm cla-reza: o de quem deu

“A complacência de hoje é paga com as angústias de amanhã.E se ela persiste, com o sangue de depois de amanhã.”

(Suzanne Labin, no livro Em Cima da Hora)

Tropas nasproximidades do

Palácio dasLaranjeiras,

residênciapresidencial,

durante a Revoluçãode 1964,

Rio de Janeiro

“... procedimentos iamsendo inventados na

medida das necessidades,em face da rapidez com

que os acontecimentos sesucediam.”

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VISÃO DOS FATOS

o primeiro tiro; quem nasceu primeiro, se o ovo ou agalinha; se o terrorismo ou a chamada repressão, comuma parte da mídia, alguns políticos, escritores e ci-entistas sociais advogando que a insana violência ar-mada desencadeada pela esquerda radicalizada foi,fundamentalmente, uma reação à Revolução de Marçode 1964, segundo uns, ou ao Ato Institucional nº 5,de dezembro de 1968, segundo outros.

A verdade é que o projeto de violência armadadesencadeada pelo Partido Comunista do Brasil nasselvas do Araguaia, por exemplo, foi anterior à pró-pria Revolução de 1964, e os projetos, nesse mesmosentido, das demais Organizações constituídas pelosdissidentes do Partido Comunista Brasileiro, foramuma espécie de justificativa encontrada pelos mili-tantes que abandonaram esse partido, por serem con-trários à sua opção pelo chamado caminho pacífico daRevolução. Condenando o caminho pacífico, a alterna-tiva era desencadear a Revolução.

Desde o início dos anos 60, a esquerda radicalizadaalimentava o ovo da serpente, estimulada pelo exemplo daRevolução Cubana. Isso sem falar nas propostas de revolu-ção armada que vinham de muito antes, na melhor tradiçãobolchevique, de assalto ao Palácio de Inverno, como o levantecomunista de novembro de 1935.

O certo é que no período de agosto de 1961 –quando o Presidente Jânio Quadros renunciou – a 31de março de 1964, foi colocada em xeque, no Brasil,a chamada ordem constitucional burguesa, segundo o jar-gão das esquerdas.

No governo de João Goulart, que sucedeu ao deJânio Quadros, já existiam organizações e grupos vol-tados para aquilo que, sutilmente, era denominadode formas de luta mais avançadas:

– as Ligas Camponesas de Francisco Julião – mais tarde,em 21 de abril de 1962 transformadas, efemeramente, no Mo-vimento Revolucionário Tiradentes – são o exemplo mais nítido.Já em 1961, tão logo Julião regressou de uma viagem a Cuba,diversos militantes das Ligas foram mandados àquele país para

receber treinamento mi-litar. Ainda mais re-motamente, recorde-seque em 1957, quandona condição de deputa-do federal, ao realizaruma viagem à União

Soviética, Julião solicitou a autoridades do PC Soviético o forne-cimento de armas para equipar as Ligas e fazer a Revolução noBrasil (1);

– a Organização Revolucionária Marxista Políti-ca Operária (ORM-POLOP), que ficou conhecidacomo POLOP, constituída em fevereiro de 1961, agru-pou elementos de várias tendências alternativas ao PCB,e se destacou pelo intenso trabalho de doutrinação eformação de quadros, bem como pela propaganda dasidéias socialistas, tendo como referência os escritos deRosa de Luxemburgo, Trotsky e Bukharin. Em maiode 1964, decorridos apenas dois meses da Revoluçãode Março, adiantou-se aos acontecimentos que viriammarcar a dinâmica das esquerdas por quase uma déca-da, tornando público um documento que definia a guer-rilha como o caminho a seguir, e em torno desse docu-mento tentou cooptar e organizar os sargentos e mari-nheiros expulsos em 1964;

– o Partido Comunista do Brasil, constituído em1962 a partir de uma cisão no PCB, ainda no Gover-no Jango, em fins de março de 1964, enviou um gru-po de militantes à China, a fim de receber treinamen-to na Academia Militar de Pequim para, no regresso,a partir de 1966, instalar no Araguaia o embrião daguerra popular prolongada (2), teoria imaginada por MaoTsé-tung;

– a Ação Popular (AP), constituída em 1962 comraízes no Cristianismo, particularmente na JuventudeUniversitária Católi-ca (JUC), que exer-cia domínio indiscu-tível sobre a UniãoNacional de Estu-dantes. Desde suaformação, passoupela influência daRevolução Cubana,adesão ao marxis-

Às vésperas daRevolução de 1964,

João Goulartparticipa da festa

dos sargentos noAutomóvel Clube

do Brasil.Rio de Janeiro,

30 de março

“Desde o início dosanos 60, a esquerda

radicalizada alimentavao ovo da serpente...”

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VISÃO DOS FATOS

das para a violênciaarmada denomina-das pelo partido, nacodificada lingua-gem partidária da época de Trabalho Especial.

Entretanto, com exceção da experiência do Ara-guaia, através da qual o Partido Comunista do Brasilbuscou a implantação do embrião da Guerra PopularProlongada, com know-how importado da China, nenhumgrupo de esquerda chegou a reunir, jamais, as condi-ções mínimas de infra-estrutura para a instalação da-quilo que o cientista social francês Regis Debray, com-panheiro de Che nas selvas da Bolívia, definiu comoFoco Guerrilheiro, em seu livro Revolução na Revolução.

Os seqüestros de diplomatas estrangeiros e de avi-ões comerciais, os assassinatos a título de justiçamentos, aavidez com que eram praticados os roubos de armas, deagências bancárias e até mesmo de residências para fi-nanciar a instalação do Foco e como propaganda armadapara estimular as massas, pouco a pouco foram transfor-mados em tática militar e iriam consumir os principaisquadros dessas organizações, levando ao seu total des-mantelamento no início dos anos 70.

O Ato Institucional nº 5 assinado pelo PresidenteCosta e Silva em 13 de dezembro de 1968 nada maisfoi, portanto, que uma resposta. Antes disso, já exis-tiam vítimas da esquerda radicalizada, como o solda-do Mario Kozel Filho, morto em 26 de junho de 1968quando da explosão de um carro-bomba atirado con-tra o portão do II Exército, em São Paulo e o justiça-mento, em 12 de outubro de 1968, de Charles RodneyChandler, capitão do Exército dos EUA, em São Pau-lo, na frente de seus filhos.

O AI-5 foi, portanto, um ato de legítima defesado Estado.

mo-leninismo em 1968 e integração da maioria ao PCdo B em 1973. Logo após a Revolução, mandou tam-bém um grupo de militantes receber treinamento polí-tico-ideológico em Pequim. Esse grupo, “regressou aoBrasil transfigurado e logo depois transformaria a AP numaorganização marxista-leninista-maoísta”, conforme o de-poimento de Herbert José de Souza, o Betinho, entãocoordenador nacional da AP (3);

– o Partido Operário Revolucionário Trotskista-Posadista, com efetivos reduzidos e nenhuma inser-ção social, constituído em 1952, pelo argentino co-nhecido pelo codinome de Juan Posadas, bem comodiversos outros grupos trotskistas, embora seja ver-dade que nenhum deles jamais optou pela forma deviolência armada;

– os famosos Grupos dos Onze, uma inspiraçãode Leonel Brizola, então deputado federal, constitu-ídos em 1963.

O projeto de violência armada foi, assim, bemanterior a1964. Isso éreconhecidopor aquela es-querda ondehá um míni-mo de vidainteligente:

“(...) As-sim, antes da

radicalização da ditadura, em 1968, e antes mesmo de suaprópria instauração, em 1964, estava no ar um projeto revo-lucionário ofensivo. Os dissidentes se estilhaçariam em tornode encaminhamentos concretos (...) Aprisionados por seusmitos, que não autorizavam recuos, insensíveis aos humorese pendores de um povo que autoritariamente julgavam repre-sentar, empolgados por um apocalipse que nãoexistia senão em suas mentes, julgavam-se numarevolução que não vinha, que, afinal, não veio, eque não viria mesmo” (4).

Nesse contexto, com dissidências emvários Estados, foi rápida a conversão dasbases radicalizadas do PCB à tática da vi-olência armada.

O PC Soviético, na segunda metadeda década de 60, também treinou um gru-po de militantes do PCB em táticas volta-

Aspectos da Revoluçãode 1964, nos jardinsdo Palácio Guanabara,Rio de Janeiro

“(...) Assim, antes daradicalização da ditadura, em1968, e antes mesmo de sua

própria instauração, em 1964,estava no ar um projeto

revolucionário ofensivo.”Daniel Aarão Reis Filho

O Ato Institucional nº 5assinado pelo Presidente

Costa e Silva em 13 dedezembro de 1968 nada mais

foi, portanto, que umaresposta.

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VISÃO DOS FATOS

Em todo esse contexto, a discussão acadêmicapara descobrir, hoje, quase 40 anos depois, quem deuo primeiro tiro, não passa, portanto, de uma masturba-ção sociológica (5).

As guerrilhas urbana e rural ceifaram vidas precio-sas de jovens idealistas, a grande maioria composta deuniversitários e até secundaristas, impregnados da ideolo-gia que então lhes era incutida nos colégios, escolas e uni-versidades, pelos homens de palavra, que nunca colocaramem risco suas vidas.

Quando a violência armada nas cidades real-mente eclodiu, no ano de 1968, as Forças Armadas,tradicionalmente, em todo o mundo, preparadas econdicionadas para travar guerras convencionais,chamadas para dar combate a essa guerra suja, vi-ram-se frente a inúmeras dificuldades. Em razãodisso, foi necessário, em um curto prazo, que se adap-tassem, aprendendo coisas que não lhes haviam sidoensinadas nas Escolas Militares.

Para isso contou com a participação efetiva de umgrupo de jovens oficiais e praças, e de alguns civis, pron-tos a servir a Pátria. Foram muitas, portanto, as impro-visações. Os métodos de trabalho iam sendo aprendi-dos na prática, na medida em que os acontecimentosocorriam, num ritmo cada vez mais alucinante.

Registre-se que o principal fator de fraqueza,que tornou vulnerável a esquerda armada, foi a ex-trema divergência entre suas concepções táticas, bemcomo a ânsia de mando, responsável por inúmerase permanentes cisões, com a constituição de umsem-número de Organizações, grupos e grupelhosdesprovidos de um mínimo de coesão e infra-estru-tura, perdendo em capacidade deluta e tornando-se permeáveisà infiltração pelos Órgãos deInteligência.

Hoje, os perdedores de ontem e seus epígonos,muitos com cargos no governo, mesmo após o des-mantelamento da doutrina científica, com ares de re-formistas, não cessam de explorar os mortos, de dis-torcer os fatos, de exaltar os covardes, fazendo acu-sações infundadas, promovendo falsos testemunhose acusando com a ausência do contraditório. Esque-cem os assassinatos, a título de justiçamentos, de ci-vis não combatentes, de alguns de seus próprios com-panheiros que ousaram expor suas dúvidas e pensarcom suas próprias cabeças; esquecem o abandonode companheiros nas selvas do Araguaia; e esque-cem da eliminação traiçoeira de amigos e inimigos,justiçados após simulacros de julgamentos.

Essa é a VERDADE HISTÓRICA.

(1) Declaração de Oleg Ignatiev, ex-Secretário daEmbaixada da URSS em Buenos Aires; O Globo,12 de julho de 1999, no obituário de Francisco Julião;(2) Livro Combate nas Trevas, do escritor marxista JacobGorender;(3) Livro No Fio da Navalha, de Herbert José de Souza,o Betinho;(4) Daniel Aarão Reis Filho foi dirigente do MR8;banido do país em troca da liberdade do EmbaixadorVon Holleben, da então Alemanha Ocidental.Atualmente é professor de História Contemporânea naUniversidade Federal Fluminense; artigo Este ImprevisívelPassado, na revista Teoria e Debate (julho/agosto/setembrode 1996), editada pelo PT;(5) Royalties para o falecido Ministro Sérgio Motta, autorda frase.

Nássara

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EM FOCO

O DIREITO O DIREITO presença dos militares brasileiros na

arena política é sobejamente conhecida. Mesmotentando discuti-la ou questioná-la, é um fato his-tórico e irretorquível. Não cabe avaliar o quantode espaço no cenário político as elites brasileirascederam aos militares. Nem mesmo cabe julgarpor que, quanto à formação castrense, fechou-se em si mesma por tanto tempo. Embora essainiciativa tenha assegurado ao processo de for-mação e desenvolvimento dos seus membros, ocultivar e manter valores e ética, independente-mente das alterações ocorridas extramuros.

Além disso, há um quê de postura tácita daNação, e que parte da premissa de que organi-zação – metodologia – isenção – disciplina – hie-rarquia –desprendimento – vocação etc. são apa-nágio somente dos militares, em detrimento da-quilo que possa vir a ocorrer (ou estar ocorren-do) na sociedade como um todo. Razão pela qual,em circunstâncias emergenciais do passado, oscidadãos-fardados foram convocados, pela pró-pria sociedade civil, a participar da solução deimpasses políticos de momento.

Como decorrência do retorno aos quartéis,inaugurado e implementado após o ocaso dosgovernos militares, as lideranças fardadas natu-rais abandonaram o cenário, não existindo, nadata de hoje, personalidades castrenses desejo-sas de aglutinar a caserna fora de sua missão ede seus compromissos constitucionais. Assim, asForças Armadas Brasileiras se auto-impuserama figura do Grand Muet, o grande mudo, masque, mesmo não falando...pensa!

Sem muito se distanciar da visão geral, comrelação à SITU-AÇÃO NACIO-NAL, a opiniãocastrense podeser sintetizadacomo se segue:

a) a postura superfluida das liderançaspolíticas compele buscar ocomprometimento da sociedade, comoum todo, para fazer face à administraçãode possíveis crises;

b) no atual clima brasileiro se inscrevem ofisiologismo, o descrédito dos políticos e odemonstrado descomprometimento político/partidário para com a Nação;

c) a inflação é originada da (omissão) política;d) o sistema judiciário/penal e policial está

em estado falimentar;e) a Constituição vive sob a ameaça de vir a

ser reformada;f) a Nação se apresenta complacente para

com a permissividade, que conduz aoaparecimento de Estados dentro doEstado, através do tráfico de drogas, dobanditismo e da corrupção, da banalizaçãoda violência e do desprezo pelos valoreséticos e morais;

g) as lideranças políticas e comunitáriasestão desacreditadas;

h) a fome e a miséria que imperam são uminimigo a combater permanentemente.

As Forças Armadas não se despojam, em nenhu-ma circunstância, da posição máxima de fiado-res da ordem e da lei.

Componentes das gerações militares passa-das têm timidamente voltado ao cenário, estimu-lados a participar no equacionamento da gran-

“...em circunstânciasemergenciais do passado,

os cidadãos-fardadosforam convocados, pela

própria sociedade civil...”

Maj.-Brig.-do-Ar Ref.Lauro Ney Menezes

A “...as Forças Armadas Brasileirasse auto-impuseram afigura do Grand Muet,

o grande mudo...”

“...as Forças Armadas Brasileirasse auto-impuseram afigura do Grand Muet,

o grande mudo...”

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EM FOCO

(E DEVER) DE (E DEVER) DEOPINAROPINAR

de problemática nacional. Assim o fazem moti-vados pelo abrandamento dos Regulamentos(naquilo que se refere à participação de milita-res no processo político partidário), assim comopela facilidade de acesso à mídia e à opinião pú-blica, somados à expansão do sentimento de as-sociatividade em torno de interesses comuns.Dessa forma, produzem declarações com o fimde gerar um movimento de opinião. Principal-mente no que tange ao reequipamento das For-ças, sua destinação constitucional, seu empregooperacional e no resgate da dignidade da profis-

são. E o fa-zem sob aégide do ple-no direito decidadão.

A l é mdisso, as velhas (e, por que não, as novas?) gera-ções, insatisfeitas com a baixa prioridade longa-mente atribuída à condução, e o tratamento dadoàs mais urgentes e justificadas aspirações dasForças Armadas, buscam saídas. A solução é en-contrar uma forma de aglutinar a massa de opi-nião militar e direcioná-la, em busca da conquis-ta de suas expectativas e atendimento de suascarências. E é aqui que a Reserva, (principalmen-te), inferindo a missão, deve se dispor a abando-nar o mutismo e vir à luz, expondo posições, commais clareza e ênfase.

Tentando contrapor-se ao odioso status quoe a quaisquer posições radicalizadas, o que as

Forças Armadas hoje procuram são os bons sol-dados, indiscutíveis profissionais das armas, queencarnem a fi-gura de repre-sentantes deuma comuni-dade que nabusca e ma-nutenção dosprincípios ba-silares de suaexistência e sobrevivência tornem público suafilosofia e conceitos, na expectativa de, atravésdeles, sensibilizar a parcela silenciosa da socie-dade civil (e da própria militar), com objetivo dese integrar legitimamente à condução do proces-so político brasileiro, sem abandonar o exercíciodo regime democrático; assim como opinar naformulação das soluções para o encaminhamentodos assuntos profissionais. E, não há por que en-tender de outra forma a participação dos milita-res no momento brasileiro, já que ela faz partedo característico processo de mobilização deopinião dos regimes democráticos.

Em suma, na democracia do século 21, ma-nifestação de militares não deve ser vista comoexceção, mas sim como uma forma de atuaçãopermanente para afirmar seus pensamentos eideário, como o fazem os diversos segmentos dasociedade! Sem inibições.

OPINAR, PORTANTO, NÃO É SÓDIREITO: É DEVER!

“...deve se dispor aabandonar o mutismo e vir

à luz, expondo posições,com mais clareza e ênfase.”

“...manifestação de militaresnão deve ser vista como

exceção, mas sim como umaforma de atuação

permanente para afirmar seuspensamentos e ideário...”

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CENÁRIO INTERNACIONAL

á dias, conversando amenidades com um ami-go durante um encontro casual no Clube de

Aeronáutica, entre vários assuntos, abordamos aquestão da Palestina. Para o meu interlocutor, a po-sição de Israel em relação à Palestina era incompre-ensível em face da origem bíblica de Povo Eleito. Equestionava: como um povo tão especial aos olhosde Deus pode praticar tantas atrocidades contra osseus irmãos palestinos, sobretudo depois de ter sidovítima do Holocausto? A perple-xidade do companheiro justifica-se. Custa ver povos afins, comoo são o judeu e o árabe, enfren-tando-se em terrível carnificina.Na oportunidade, tentamos expli-car o fato, calcados na História.Concluímos que os israelenses de hoje pouco têm aver com o Povo de Deus da época de Abraão e deMoisés, ainda que naquele tempo também tenhamsido pouco amistosos com os povos autóctones.

Os hebreus, quando se estabeleceram na TerraPrometida, não encontraram uma região desabitada.Ali já viviam outros povos, de raiz semita, como eles:os cananeus, desdobrados em várias tribos; e um deorigem indo-européia: os filisteus. O topônimo Pa-lestina é, aliás, uma corruptela de Filistina, que querdizer Terra dos Filisteus, onde fundaram várias cida-des-estados, entre as quais Gaza. Esta correspondehoje a uma estreita faixa a sul do Estado de Israel,onde se alberga e sobrevive cerca de um milhão depalestinos. A ocupação do território prometido nemsempre foi pacífica e, depois do Êxodo, as guerrasforam freqüentes contra os povos locais, com o ex-termínio, inclusive, de alguns deles. Claro que, naóptica dos israelenses de ontem e de hoje, a TerraPrometida representa uma promessa Divina, outorga-da aos Patriarcas Abraão e Moisés, pelo que têm odireito de a ocupar, custe o que custar. Os homensbuscam sempre boas razões para justificar atos ignó-beis, e nisto, os judeus não são diferentes dos de-

mais. Quando finalmente foi possível estabelecer, sobas lideranças de David e de Salomão, um verdadeiroEstado-Nação, este não durou mais do que um século.Logo depois Israel dividiu-se em dois Reinos: um aonorte, com o mesmo nome, e outro ao sul, Judá. De-pois, ambos foram definhando mercê das inúmeraslutas internas pelo Poder e do desgaste do próprioJudaísmo que tanto os unia como separava, males,afinal, sempre temidos pelos Profetas. O domínio su-

cessivo da região por grandes im-périos: o assírio e o babilônico,que obrigou os hebreus à sua pri-meira grande deportação, e, final-mente o romano, inviabilizou devez a existência de um Reino He-braico permanente, conforme a

tradição bíblica. Com a última diáspora, ocorridadurante século I, na seqüência de uma insurreiçãoarmada, conduzida pelos zelotas contra os romanos,os judeus sobreviventes foram expulsos de Jerusa-lém e migraram para diversos rincões do mundo. Osárabes vieram depois e lá se mantêm, mais do quetodos os outros, há cerca de 12 séculos.

A vida dos judeus da diáspora, particularmentena Europa, nãotem sido fácil,pelo menos até aSegunda GuerraMundial, quan-do tiveram noHolocausto amais difícil pro-va de sobrevi-vência. O sofri-mento a que têmestado sujeitosdeve-se, funda-mentalmente, adois fatores: aoseu arraigado

Manuel Cambeses JúniorCel. Av. R1

H

“...na óptica dos israelensesde ontem e de hoje, a TerraPrometida representa uma

promessa Divina...”

“Os homens buscam sempre boas

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CENÁRIO INTERNACIONAL

sentido cultural, fundado na presunção de que são oPovo Escolhido de Deus, e ao estigma da usura que sem-pre os acompanhou ao longo da História, constituin-do uma bandeira étnica que não se esforçam por re-jeitar. Veja-se o episódio dos Vendilhões do Templo, quesuscitou no tolerante Cristo uma reação violenta. Taisfatores os tornaram, em muitas situações, odiados aosolhos dos povos que facilmente foram mobilizadospara campanhas anti-semitas por políticos insanos,como o fez, por exemplo, Adolfo Hitler. Há, entre-tanto, outros tipos de verdugos, em que se incluemalguns dos seus próprios líderes, que do seu sofri-mento se têm servido para justificar e atingir objeti-vos políticos e econômicos, no interesse de terceiros.Os EUA são, atualmente, a esse respeito, um para-digma. A estratégia estadunidense para o Oriente Mé-dio tem no Estado de Israel um parceiro privilegiado,não hesitando em fornecer-lhe os meios militares efinanceiros que o tornam o exército mais bem equi-

pado da região.Por outro lado, aComunidade Ju-daica America-na, que constituium forte lobby fi-nanceiro e indus-trial naquele

país, manobra para que a Casa Branca tenha um pa-pel instrumental na consecução dos objetivos do Si-onismo. Há como que uma simbiose: Israel garanteuma posição geoestratégica no Médio Oriente aosnorte-americanos, e estes, indiretamente, contribu-em para os propósitos hegemônicos dos sionistas ra-dicais. Interessante destacar que esta aliança tambémfoi tentada anos antes com os ingleses.

O Sionismo, criado no final do século XIX, porTheodor Herzl, um judeu austríaco, é uma doutrina lai-ca, nacionalista e racista, que pretende não apenas ocontrole territorial da Palestina. Os Protocolos de Sião, queos sionistas negam ser os signatários, seguem nesse sen-

tido. Os fatos posteriores à sua publicação o compro-vam. A criação de um Estado judaico, na Palestina, porexemplo, é apenas uma plataforma para vôos mais al-tos. Os sionistas mais moderados querem um Estadoespraiado sobre os antigos territórios ocupados pelas dozetribos de Israel, e isso lhes basta. Porém, para os maisradicais, deverá ir do Eufrates ao Nilo, incluindo aTransjordânia. Certamente é uma ocupação que ultra-passa em muito a resolução da ONU de 1947.

Inicialmente, os líderes sionistas previam a com-pra das terras aos árabes, tanto que uma das resolu-ções finais do Congresso da Basiléia foi a criação deum banco com esse fim. Contudo, a ocupação pas-sou a ocorrer de forma violenta, com a expulsão demuitas famílias palestinas, o que originou uma ime-diata reação por parte dos palestinos, com greves edepredações de propriedades de judeus imigrantes.O Reino Unido, que tinha um mandato da Liga dasNações para controlar a região, contribuiu de formairresponsável para o recrudescimento desse conflito.Ao permitir a imigração em massa de judeus euro-peus para a Palestina deveria saber que, mais cedoou mais tarde, a guerra entre judeus e árabes estariana ordem do dia e assim foi o que realmente veio aocorrer. Veja-se, por exemplo, a Declaração de Balfour,em que o ministro inglês dos Negócios Estrangeirosdirigiu uma carta aos líderes sionistas manifestandoo apoio do seu país à criação de um Estado Judeu naPalestina, embora ressalvasse a necessidade de se res-peitar os direitos dos autóctones. Porém os palesti-nos nunca foram res-peitados, nem se-quer do ponto devista cultural. Aosingleses da época in-teressava, sobretu-do, garantir um cor-redor na Palestinapara o escoamentodo petróleo do Ira-

razões para justificar atos ignóbeis...”

“A criação de um Estadojudaico, na Palestina,por exemplo, é apenasuma plataforma para

vôos mais altos.”

“...a guerra entrejudeus e árabes

estaria na ordem dodia e assim foi o que

realmente veio aocorrer.”

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CENÁRIO INTERNACIONAL

que, já entãoconsideradoum produtoestratégicopara o Oci-dente. A pre-sença maci-ça de judeus

europeus na região, pela sua ligação cultural e políti-ca à Europa, assegurava a perfeição de tal objetivo.

Durante o período que precedeu a criação doEstado de Israel, o Sionismo criou uma organizaçãoterrorista: o Haganah, que levou a cabo vários aten-tados, quer contra os ingleses, quer contra os árabes.Figuras como Menahem Begin, que foi Primeiro-Mi-nistro do novel Estado judeu, e Ariel Sharon, queatualmente exerce o mesmo cargo, foram militantesativos dessa organização que tanta violência provo-cou entre a população civil árabe. Cometeram atosque agora tanto se condena do lado dos árabesfundamentalistas. Naturalmentenão apoiamos atos desta natu-reza, mas convenhamos: comofaríamos se tomassem as nossaspropriedades e nos expulsassemde nosso rincão?

Com o fim da SegundaGuerra Mundial, e depois dofatídico Holocausto, estavam criadas as condiçõespolíticas para a criação do Estado de Israel, sob osauspícios das Nações Unidas. O fato levou a umareação violenta dos países árabes, que não aceitarama resolução, em conseqüência do que foi deflagradaa primeira guerra árabe-israelense. Venceram os ju-deus com o apoio do Ocidente, em resultado do queforam expulsos 800 mil palestinos desuas casas e de sua pátria. São os

filhos dessapopulaçãoexpurgadaque hoje lu-tam para re-cuperar asterras de queos seus pais foram espoliados; lutam desigualmentecontra forças de ocupação fortemente apoiadas pe-los EUA. De uma posição de perseguidos e usurpa-dos, como ocorreu durante dois mil anos, os judeus,principalmente os seus líderes políticos, passaram aperseguidores e usurpadores.

A recente posição manifestada por 27 pilotosde caça israelenses contra ataques a civis palestinos,aos quais se juntaram 500 militares presos que senegam a combater os seus irmãos árabes, constituium bom sinal a caminho da tão almejada paz. Ade-mais, evidencia que nem todos os israelenses estãode acordo com os crimes que os seus líderes perpe-

tram em nome de uma estraté-gia que, se não for detida, le-vará, mais cedo ou mais tarde,a uma nova diáspora.

Os sistemáticos atentadosperpetrados por terroristas pa-lestinos contra a população ci-vil israelense semeiam um hor-

ror que de modo algum honra a causa da Palestina eapenas conduz a sacrifícios inúteis. A melhor solu-ção para os dois povos é rejeitarem a política suicidade seus líderes e aceitarem-se mutuamente, buscan-do alternativas racionais e inteligentes para este con-flito que parece não ter mais fim e que produz, comocorolário, uma contumaz e incompreensível carnifi-cina e a conseqüente perda de vidas em ambos oslados da contenda.

“...o Sionismo criou umaorganização terrorista: o

Haganah, que levou a cabovários atentados...”

“De uma posição deperseguidos e usurpados,

como ocorreu durante doismil anos, os judeus,

principalmente os seuslíderes políticos, passaram

a perseguidores eusurpadores.”

“A melhor solução para osdois povos é rejeitarem apolítica suicida de seuslíderes e aceitarem-se

mutuamente...”

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ACONTECIMENTO

Lamentavelmente, quando o assunto éSantos-Dumont, surgem logo alguns indesejáveischavões. Coisas do tipo: tirou a própria vida (emum quarto do Grande Hotel de La Plage, Guarujá,em 1932); o motivo teria sido uma profunda depres-são. Outros insinuam que sua depressão foi causa-da após a constatação de que seu invento estava sen-do usado em bombardeios, guerras, tornando-se uminstrumento de morte e destruição.

O absurdo chega ao cúmulo de existiremtestemunhas que juraram terem visto Santos-Dumont presenciar um bombardeio na Ilha daMoela, Guarujá, em frente à praia do GrandeHotel, pouco antes de recolher-se a seu quarto paraenforcar-se, com a própria gravata. Outros ga-rantem que o inventor acabou com a vida usan-do o cinto do roupão de banho.

Histórias e estórias são contadas a respeitodos motivos que conduziram Dumont à morte.Há quem afirme que o suicídio foi em função deuma desilusão amorosa: apaixonado e se sentin-do humilhado ao ver seu amor rejeitado por DonaOlívia Guedes Penteado. Outros dizendo que oinventor não agüentou a dor de ser abandonado

por seu sobrinho e companheiro Jorge DumontVillares. Muitos afirmam que a cantora lírica BiduSayão, casada com Walter Mocchi, visitava San-tos-Dumont no Grande Hotel. Christian, mora-dor do Guarujá, conta: eu vi Santos-Dumont cho-rando na praia após ver o bombardeio do CruzadorBahia, por três aviões “vermelhinhos”, leais ao Go-verno Federal, na Ilha da Moela.

A verdade é que Santos-Dumont não apare-ceu para o almoço de 23 de julho de 1932. Osempregados do hotel arrombaram a porta doquarto 152 e encontraram o Pai da Aviação já semvida. Há registro de que o quarto de número 151havia sido reservado para seu sobrinho Jorge.

Verdades ou invencionices? Não restam dú-vidas, a biografia de Santos-Dumont é pautada porfortes emoções e fatos dramáticos. Quatro anosantes de morrer, quando voltava para o Brasil (3 dedezembro de 1928), a bordo do navio Cap Arcona,Santos-Dumont sofreu um dos mais duros golpesda sua existência: vários de seus amigos morre-ram a bordo de um hidroavião tentando homena-geá-lo. Eles planejavam lançar, de um pára-que-das, uma mensagem de boas-vindas ao herói bra-

“Histórias e estóriassão contadas a respeito...”

Dalva LazaroniEscritora e ex-Presidente daFundação Casa França-Brasil

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ACONTECIMENTO

sileiro que chegava. Após umainfeliz manobra, o avião caiu nomar. Todos os seus ocupantesmorreram, entre eles: Amauride Medeiros, Amoroso Costa,Ferdinando Laboriau, Frede-rico de Oliveira Coutinho, Pau-lo de Castro Maia e TobiasMoscoso.

Desesperado, o Pai da Aviação acompanhoupor vários dias as buscas pelos corpos dos ami-gos. Em profunda depressão, refugiou-se noHotel Copacabana Palace; dias depois foi parasua casa em Petrópolis e mais tarde voltou a Pa-ris, internando-se em um sanatório nos Pirineus.

Foi Antonio Prado Júnior, então exilado naFrança, após visitar o amigo Santos-Dumont emBiarritz, quem constatou seu total desinteressepela vida. Prado Júnior comunicou o estado de-pressivo do amigo à família, no Brasil, solicitan-do que tomassem as medidas necessárias. Diasdepois, Jorge Dumont Villares foi buscar o tio,passando, a partir de então, a ser seu fiel amigoe companheiro.

Com a saúde abalada, já em São Paulo, Al-berto Santos-Dumont recebeu os cuidados mé-dicos do Dr. Sinésio Rangel Pestana, que suge-riu ao inventor uma mudança de ares. O SenhorSantos então seguiu para o Guarujá, onde pas-sou os últimos dias da sua vida.

Distante dos fatos fico imaginando, sensívelcomo era Santos-Dumont, o que sentiria ao verseu invento protagonizando cenas de horror, vis-tas por todo o mundo, quando aviões civis foramatirados contra as torres do World Trade Center eo Pentágono, em ações terroristas.

Santos-Dumont e os Irmãos WrightSem dúvida, a irritação do Pai da Aviação é

compreensível, quando o assunto era a invençãodo avião. Muitos insistiam em creditar aos Ir-mãos Wright tal feito, o que é deveras injusto. O14-Bis levantou vôo em outubro de 1906, sem re-correr a qualquer artifício. Já os americanos vo-aram somente em 1908 e seu aparelho alçava vôoapenas com o auxílio de uma catapulta.

No entanto, tenho certeza, Santos-Du-mont ficaria feliz se pudesse ler a edição, de 10de dezembro de 2003, do jornal americano NewYork Times, quando quase deu a ele o créditopela invenção do avião. A começar pelo títulodo artigo: Eles (os Irmãos Wright) não foram osprimeiros, mas sua vontade de voar ajudou a inven-tar o aeroplano.

É claro que o famoso jornal não coloca odedo na ferida, mas reconhece no texto: AlbertoSantos-Dumont, um brasileiro que fazia pesquisade vôo na França, é outro aviador considerado poralguns como o real Pai da Aviação. Ele foi o pionei-ro em vôo dirigível antes de se dedicar a máquinasmais-pesadas-que-o-ar, baseado em relatórios dostrabalhos dos Irmãos Wright. No outono de 1906,Santos-Dumont fez os primeiros vôos observadosde um mais-pesado-que-o-ar com autopropulsão naEuropa.

“Eles (os IrmãosWright) não foram osprimeiros, mas sua

vontade de voar ajudoua inventar o aeroplano.”

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ACONTECIMENTO

O Vôo que mudou a Históriae a França

O ano de 2005 será o ano do Brasil na Fran-ça. Uma iniciativa daquele governo, que já con-templou diversos países, dentre eles o Japão e aChina. Isto quer dizer que cidades francesas,através de seus museus, salas de exposições, ci-nemas, estão se preparando para celebrar a cul-tura brasileira.

Coincidentemente, também em 2005, esta-remos comemorando os 450 anos da chegadados franceses ao Brasil. Eram eles piratas ou cor-sários? Pouco importa. O que vale mesmosão as histórias que unem os dois países.E que histórias!

A começar porSantos-Dumont! Queem 19 de outubro de 1901comprovou a dirigibilidade dos ba-lões, demonstrada pelo nosso inventor,em Paris, ao contornar a Torre Eiffel noseu número 6. Nessa data, observado pe-los membros do Aeroclube da França epor milhares de curiosos, cumpriu o per-curso pré-determinado, dentro do tem-po estabelecido, vencendo assim o am-bicionado Prêmio Deutsch.

Tal feito teve grande repercussão,pois foi o primeiro na incrível série deeventos que marcaram o século XX,realizando um dos mais antigos dossonhos do homem: o de voar. MasSantos-Dumont não parou por aí.Persistente, acabou por realizar o

segundo maior evento: o primeiro vôo de um apa-relho mais-pesado-que-o-ar: o 14-Bis.

Preparamos uma mostra internacional parahomenagear Alberto Santos-Dumont, com acer-vo do Museu Aeroespacial localizado no Campodos Afonsos, Realengo, incluindo valiosas peças,dentre as quais destacamos o 14-Bis, exposto na-quela instituição. E é claro, não faltará o catálo-go e um programa educativo voltado para os vi-sitantes locais.

Quando esta exposição retornar ao Brasil,estaremos dando início aos festejos dos 100 anosdo vôo do 14-Bis. E aí começa, de verdade, umtrabalho fantástico de difusão, para os brasi-leiros, dos feitos e inventos de Alberto Santos-Dumont.

Mas que fique bem claro, não vamos mos-trar um Santos-Dumont deprimido ou suicida.Isto pouco importa! Queremos que o mundoconheça melhor o Pai da Aviação como ele real-mente era: alegre, pensador, bem humorado, tãogeneroso, que foi capaz de dividir o prêmio rece-bido em dinheiro com os pobres da cidade que oacolheu e com a sua equipe técnica.

Queremos mostrar seus inventos, desde orelógio de pulso, criado para facilitar a manipu-lação e o comando dos balões dirigíveis e ver ashoras, até o arpão salva-vidas, o táxi aéreo e ohangar, que desenhou e planejou.

Com estes projetos, temos objetivos clarose definidos: dar a oportunidade aos brasileiros,democratizando estas informações e difundin-do-as; a oportunidade de conhecerem melhor

a história dos homens que ajudaram aconstruir a História do Brasil.

“Eram eles piratas ou corsários?Pouco importa. O que vale

mesmo são as histórias que unem osdois países.”

“Eram eles piratas ou corsários?Pouco importa. O que vale

mesmo são as histórias que unem osdois países.”

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ARTE

A Idade Média

A Filosofia medieval consiste na associação entreFilosofia e Teologia. Utilizando a razão e a fé para de-fender e explicar as verdades reveladas, apresenta doismomentos ou fases bem caracterizadas: a Patrística (en-tre 200 e 700) e a Escolástica (entre 800 e 1300).

A Filosofia patrística é constituída pelas doutri-nas elaboradas pelos escritores cristãos dos primei-ros séculos que, em razão de sua ortodoxia e santida-de de vida, receberam a aprovação da Igreja. Comoem sua grande maioria quase todos eram sacerdotes,também foram conhecidos como Padres da Igreja,donde vem o nome patrística.

Mas foi no Ocidente, por obra de Santo Agosti-nho (354-430), a maior expressão da patrística, quese consumou no primeiro e grande sistema da Filoso-fia cristã. Mas suas obras mostram o caminho de umSanto que mudou sua história com decisões e res-ponsabilidade diante da verdade. Sua autobiografia,a obra Confissões, é uma profunda análise psicológicaque reflete duas coisas: o conhecimento da verdadee a subordinação de sua obra ao conteúdo, em queinteressam os fatos e as experiências. O eu de Agosti-nho é existencial, é real. Santo Agostinho é o primei-ro a falar do eu, é a alma no autoconhecimento hu-mano. Este assunto é vital para o entendimento dofazer da arte.

Um fato importante para disseminação do saberno período medieval foi a criação das Universidades.Até então as escolas em vigor eram as escolas mona-cais, catedrais (episcopais) e palatinas (do palácioreal). O ensino compreendia o trívio e o quadríviocomo preparação para uma formação teológica bas-tante sumária. No século VII começou mudar a fisio-nomia intelectual da cristandade. Surgiram pessoas

Araken Hipólito da CostaCel. Av. R1

com consciência de uma profissão específica: ser in-telectual, trabalhador do ensino. Em torno delas sur-giram as escolas superiores, embriões de Universida-des, porque englobavam o universo de professores ealunos, uma organização para unificar e estruturar asatividades intelectuais. Foi em Bolonha que se for-mou a primeira Universidade(1088). Na Inglater-ra(1163), surgiu a Universidade de Oxford; na Fran-ça, a de Montpellier(1180); e a mais importante emParis, em 1206. Existiu até uma disposição do Con-cílio de Latrão III (1179) que mandava fundar emtodas as dioceses o ensino de Teologia. Entre 1200 e1400 fundaram-se, na Europa, 52 Universidades, to-das sob a influência preponderante da Igreja.

A Escolástica constitui-se no segundo período daFilosofia cristã, já plenamente inserida na Idade Mé-dia. O termo escolástico advém do termo latino scho-lasticus, com o qual eram denominados os professoresnormalmente formados nas scholae claustri, reservadasaos monges e, mais tarde, nas Universidades.

Mais adiante, o termo escolástico passou a de-signar genericamente os filósofos que seguissem cer-tas orientações teóricas ou usos como: o emprego dolatim, a preferência pelo método dialético-intelectu-al; a procura por uma adaptação da Filosofia greco-romana, especialmente a de Aristóteles, aos ensina-mentos cristãos, uma filosofia que se submete à fé eàs verdades do Cristianismo.

Dentro deste contexto, a figura de Santo Tomástornou-se central no ambiente do pensamento cris-tão, praticamente do católico. O pensamento de SantoTomás representa o resultado final e mais completode um processo intelectual que vinha se desenvol-vendo desde o início do Cristianismo. O fio condu-tor desse processo era o problema das relações entrea razão e a fé.

Esses dois tipos de conhecimento, o da razão eo da fé, possuem a mesma origem, que é Deus. Porisso não pode haver entre eles contradições intrínse-cas, pois são apenas modos diferentes de participa-

“A religião eravalor central para acultura medieval.”

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ARTE

ção em uma mesma verdade, sendo evidente para ocristão que as relações entre ambos devem ser desubordinação do conhecimento racional ao obtidopela revelação.

Dessa colaboração harmônica entre a razão ea fé resultou uma nova ciência, tipicamente cristã,que é a Teologia.

Os textos da Suma Teologia mostram claramentecomo Santo Tomás entendia o papel da Filosofia eda Teologia. Como ciências distinguem-se pelo obje-to formal: a Filosofia utiliza a luz natural da razão e aTeologia a luz natural da revelação. Tal conjunto deprincípios constitui a base teórica da nova correntedoutrinal que ficaria conhe-cida como Tomismo. Nos sé-culos da Idade Média, ohomem era olhado comocriatura de Deus. Ele sedefinia na relação com oabsoluto, o transcendente,o qual vivemos.

Filosofia e Teologia procuravam aprimorar acultura da época, dar uma visão de vida. A religiãoera valor central para a cultura medieval. Daí afir-mar-se que a cultura da Idade Média era teocêntrica,isto é, tinha Deus no centro como valor supremo.

Essa cultura traria reflexos na pintura, pois é nes-te período que, pela primeira vez, os artistas procuramtornar visível o transcendente. É a tentativa da repre-sentação do mundo sagrado. Repetidamente o céu des-te mundo transcendente era pintado na cor dourada,pois significava o ouro, metal de maior valor.

Observa-se, também, que a representação dos

objetos figurados se situam ou se deslocam de acor-do com a sua hierarquia. Assim, nas obras medievaistemos o espaço agregado, em que os objetos se justa-põem sem contabilizarmos suas relações espaciais,pois o artista não objetivava criar no plano, metodi-camente, a ilusão da profundidade, e, sim, apresen-tar indivíduos e objetos conforme as relações de gran-dezas aparentes. O estilo da arte medieval é planar,tal como o egípcio, embora na arte egípcia não te-nhamos representados os motivos de fundo. Já noestilo medieval, encontramos esses motivos, porém,de modo desvalorizado.

Outro fator significativo é o caráter geral dametafísica tomista, a qual é essencialmente realista,pois parte do princípio de que o ser, objeto do co-nhecimento humano, é anterior ao sujeito que oapreende. O ser é o pressuposto de todo pensamen-to. Isto conduz o artista a procurar o ser na realida-de percebida, aquilo que está por trás das aparênci-as. Desta maneira, evita-se incorrer na fantasia, noimaginário, recair meramente na cópia do exteriorda natureza e dos seres.

Com relação aos materiais usados na Idade Mé-dia, os artistas pintavam em painéis de madeira, cri-ando quadros articulados chamados retábulos paradecorar os altares das Igrejas.

Outras formas eram as pinturas gigantescas: osaprendizes preparavam o reboco para passar na pare-

de, outros preparavam astintas, moendo pigmentospara depois misturá-los comovos e, em alguns casos,com leite de figueira. En-carrapitado num andaime, opintor pintava com rapideze precisão sobre o reboco

ainda fresco. Ele não podia nem apagar nem corrigirseu trabalho, porque o afresco, uma vez seco, ficariagravado para sempre na camada de gesso.

Giotto, o grande mestre da Idade Média, levoutrês anos para pintar as paredes e tetos da CapelaScrovegni em Pádua, na Itália (1303-1306).

A sociedade medieval caracterizava-se pelo Feu-dalismo e Cristianismo, que se integravam. A Euro-pa inteira se considerava cristã.

Naquela sociedade, o artista era anônimo. So-mente no final do período é que começariam a assi-nar suas obras.

“... pois é neste períodoque, pela primeira vez, osartistas procuram tornarvisível o transcendente.”

Giotto, Lamentação, c. 1304-1313, 230x200cm

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LOGÍSTICA

esde as origens da civilização, quando os ho-mens das cavernas lutaram pela primeira vez,

provavelmente disputando a primazia sobre um ani-mal abatido durante a caça, a guerra faz parte dacultura universal.

A 500 a.C. SUN TZU, em seu livro A Arte daGuerra, orientava que Suprimentos úteis são meiosde facilitar a vitória. Guerreiros firmes efortes são necessários para repelir assaltos.

Que cada soldado reúna rações paratrês dias, este é um meio de suprir neces-sidades de energia. A partir desta época,começou a surgir a atual Logística que, atra-vés dos anos, se transformou na ciênciado estudo e planejamento para a previsãodas aquisições, do fornecimento, do trans-porte e do armazenamento, e que está pre-sente e atuante em qualquer atividadehumana.

A Logística é crescente nos camposda nacionalização, da exportação, da im-portação e do comércio. Ela pode ser abor-

Logística

dada de forma micro (operacional) ou de formamacro (estratégica).

O campo das exportações deve ser fomentadoe com continuado investimento, pois sem investi-mento não há emprego, sem emprego não há renda,sem renda não há consumo, o qual depende da pro-dução, que é alimentada pelo investimento. Com o

Ten.-Brig.-do-Ar Ref.Humberto Zignago Fiuza

“A existência degrandes recursos não

é fator de êxito...”

D

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LOGÍSTICA

círculo fechado, observar-se-á a existência do de-senvolvimento em andamento e favorável a todos.

Quanto a custos, a Logística macro leva van-tagem ao considerarmos o grande volume das aqui-

sições. A micro, por ser mais limi-tada e imediata, tem seus

custos mais elevados.Devemos pensar es-

t r a t eg i c amente ,como país logís-t ico, diante daexplosão das ati-vidades industri-ais, dos agro-ne-

gócios e de nossosinteresses comercias.

Exportar e importar a preços competitivos,como e para quem? E a contrapartida?

A primeira, voltada para a quebra de paradig-mas (macro), e a outra, limitada (micro), vol-tada para os resultados imediatos.

Os resultados sempre demonstram queaqueles que adotaram a visão estratégica(macro) conseguiram maiores reduções decusto para melhor atendimento aos clientes.

A cadeia de suprimento deve ser alinha-da nos seguintes componentes: o custo, aaquisição, o fornecimento, a distribuição, o ar-mazenamento e o transporte, pois criam me-lhores condições econômicas. É vantajoso aocomércio e à indústria adotarem a Logística(macro) que baixa custos e atende melhor asnecessidades dos futuros compradores.

Logística Aérea

A Logística Aérea é parte da Logística Militar,que é responsável pela determinação, obtenção, dis-tribuição, reparação e manutenção dos meios neces-sários, destinados a efetuarem e sustentarem as mis-sões aéreas, sendo também, a responsável pela or-ganização, pelo planejamento, pela execução e pelasupervisão de todas as suas tarefas.

Por princípio conceitual em uma Força Aérea,existem três responsabilidades concretas para ocumprimento de uma missão: a operacional, a lo-gística e a técnica.

A operacional executa o planejamento de umaconcepção para atingir com êxito um objetivo.

A logística assume sempre o caráter de forçadinâmica, sem o que a concepção passa a ser sim-plesmente um efeito desejado ou uma expressãode um desejo, sem os meios necessários para aten-der ao planejamento operacional. A concepçãopode ser genial, mas sem uma sustentação logísti-ca sólida não atingirá o efeito desejado.

As funções logísticas não estão circunscritasa limites absolutos e rígidos. Ela se desenvolve emum campo cada vez mais amplo e absorve proble-mas sumamente heterogêneos. Para dar uma idéiaconceitual, a Logística está limitada às disponibi-lidades econômicas.

Podemos dizer que o elemento que sustenta aLogística é o caráter econômico e comercial.

Ela tem sua raiz mais profunda no proble-ma econômico, visto que sua ação, por mais que

perfeita, não pode prescindir desta condição.Logo, é necessário entendermos que a LogísticaAérea não se limita à função de adquirir; ela pe-netra ativamente no esforço econômico parafazê-lo.

Qualquer planejamento deve ser antecipadode uma mobilização econômica, pois o início desua primeira tarefa é a obtenção.

A existência de grandes recursos não é fator deêxito sem que haja um adequado processo de obten-ção e uma distribuição oportuna. As empresas não têmmais material nas prateleiras; é preciso fabricá-los, e

“ Qualquerplanejamento deveser antecipado deuma mobilizaçãoeconômica...”

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LOGÍSTICA

os TPR, prazos de entrega, muitas vezes são longos.O princípio fundamental de uma negociação

é a confiança entre parceiros.O serviço t é cnico é um

componente da Logís-tica que é respon-sável pela in-ve s t i g a ç ão,f abr i cação,recuperaçãoe manuten-ção de todo omaterial aéreoe seus equipamentos.

A área de manutenção e os seus serviços têmgrande responsabilidade em manter as aeronaves eseus componentes operando com eficiência.

Os Parques de Material Aeronáutico devemdispor de uma gama de serviços para atender prin-cipalmente a todos os programas, assim como,Check’s, PAR e IRAN, que são serviços de altaqualidade.

O Material Bélico tem uma característica quedifere do Material Aeronáutico: sua periculosida-de. Suas tarefas logísticas de obtenção, investiga-ção, transporte, distribuição e armazenamento sãorealizadas por pessoal altamente qualificado e es-pecializado nesta área tão sensível.

Entretanto a progressiva redução dos orça-mentos militares está criando uma mudança de vi-são na Logística que vem aumentando a eficiência

dos componentes, procurando diminuir custos. Afilosofia de manutenção hard time, ou seja, a inspe-ção por limite de tempo, está sendo substituída pelaon condition, que reduz a carga de trabalho, aumen-

ta a disponibilidade e baixa os custos. Em ter-mos mais simples, on condition exige traba-lhos de manutenção quando necessários.

As aeronaves atuais têm no, cockpit, oMaintenance Status Panel – Painel de Esta-

do de Manutenção, que girando um seletordefine o estado de manutenção da aeronave, ten-

do ainda, o Navigation and Control Display Unit –Unidade de Controle de Navegação. Basta olharo 1-IDD Head Down Display e, instantaneamente,aparece um relatório conciso sobre o estado daaeronave. O vôo é acompanhado pelo Flight FaultReport, que é acionado automaticamente por ummicro switch instalado no trem de pouso, quando aaeronave decola.

A leitura é feita durante todo o vôo, analisan-do os sistemas da aeronave, interrogando e diag-nosticando cada um.

As falhas são registradas e, no término do vôo,as discrepâncias acusadas. Elas aparecem na jane-la do Ground Operator Panel – Painel do Operadorde Solo. A janela estando limpa, a aeronave estápronta para o próximo vôo.

O sistema gera uma enorme economia depessoal e custos reduzidos de manutenção, aten-dendo a diminuição dos orçamentos militares. Onovo caminho logístico foi aberto nas áreas demanutenção e serviços da aeronave, sendo o pa-cote elaborado de acordo com o desejo do ope-rador.

Tal procedimento visa o mínimo de manuten-ção, máximo de segurança, aumento de disponibi-lidade e custos bastante reduzidos, atendendo me-lhor a disponibilidade orçamentária.

O Coronel Thorpe (USAF), precursor e estu-dioso de Logística, em seu livro Logística Pura, diz:

A Estratégia e a Tática proporcionam o esquemapara a condução de operações militares; a Logística pro-porciona os meios para a realização das mesmas.

Nesta ordem de idéias, a Estratégia e a Logís-tica guardam uma intima relação; são inteiramenteinterdependentes e conjugadas harmonicamentequando a concepção estratégica está apoiada porum adequado plano logístico.

“Em termos mais simples,

on condition exige

trabalhos de manutenção

quando necessários.”

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MEMÓRIA

Ivan Von Trompowsky Douat TauloisCel. Av. R1

AsBotasdeAnesia

Eu vou contar a estória de duas mulheres:Anesia e Edite.

Anesia Pinheiro Machado, um mito. Umapioneira dos anos vinte. O mundo a reveren-ciou. Paris, Washington, Buenos Aires.

Edite, uma menina. Operária. Sem sobre-nome. O mundo não a conheceu. Mas os pilo-tos a conheciam.

Qual delas foi a mais importante? Anesia?Edite? É difícil escolher.

Eterno apaixonadopor Anesia e Edite

ou talvez porEdite e Anesia.

Eterno apaixonadopor Anesia e Edite

ou talvez porEdite e Anesia.

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Revista aeronáutica nº 243 • Janeiro - Fevereiro/200436 Revista aeronáutica nº 243 • Janeiro - Fevereiro/200436

MEMÓRIA As Botas de Vocês irão descobrir que eu sou apaixonado por Anesia.

Pelos seus olhos, suas botas, sua camisa cobrindo seu pescoço.Mas também por Edite! E o que é pior, por ela e

suas companheiras! As telefonistas de Santa Maria! Foramanjos da guarda de uma dezena de pilotos.

O tempo está ótimo.Não, não venham. Chove uma barbaridade!(Essa estória não está sendo fácil de ser contada).Eu tenho que levá-los a um imenso canteiro de obras.

Um presidente idealista, sonhador, construíra a nova capi-tal do Brasil: Brasília. A Força Aérea Brasileira teria quedefendê-la. E construiu a Base Aérea de Anápolis. E colo-cou ali as aeronaves MIRAGE.

Duas vezes mais velozes que o som: 2.400km por hora.Relutei um pouco em contar essa estória.Tive receio de críticas menores, da fragilidade evi-

dente dessa ponte entre os pilotos de MIRAGE e seusAnjos da Guarda.

Sabem de uma coisa? Dane-se!Anesia, os pilotos, Edite e suas companheiras possu-

íam a determinação dos pioneiros: vôo tem que sair!Anesia, no longínquo 1923, e os pilotos de Mirage,

em 1973, eram pioneiros, nesse inundo de poucos, de aven-tureiros, de idealistas.

Vou iniciar pela estória de Anesia.Na realidade, existem duas estórias. A oficial e a não

oficial.Eu vou contar a não oficial.A oficial, todos conhecem. A jovem de vinte anos,

que em 1923 realizou o primeiro RAID São Paulo-Rio deJaneiro. Foi recebida no Rio de Janeiro por Santos-Dumont.A fotografia que tiraram, após a sua chegada, é um tesourohistórico. Calças de montaria, perneiras até o joelho, blusade manga comprida, enlaçando totalmente seu pescoço. Osolhos enormes, rosto de menina, os lábios grossos.

Pousei em Guaratinguetá. O motor estava aquecen-do. Eu devia estar com pouco óleo.

Os leitores não são obrigados a conhecer os pri-meiros tem-pos da Avia-ção. Sua aero-nave era umCAUDRONG-3, o pri-meiro caça daP r i m e i r aGuerra Mun-dial (1914-1918). O que

chama a atenção é que não era a hélice que girava. Era omotor que girava com a hélice. Vá até o Museu Aeroespacialdo Campo dos Afonsos e você conhecerá um deles. Lindão!

Não havia óleo para motor de avião em Guaratin-guetá, naquela época.

Coloquei óleo de rícino. Era um laxante terrível.Cheguei ao Rio de Janeiro fedendo. O óleo respin-

gava na nacele. Coitado de Santos-Dumont!Perguntei-lhe, certa vez, por suas botas. Era uma cu-

riosidade minha. As imagens que me chamavam a atençãoeram fotografias antigas dos ases da já Guerra Mundial,pilotos de caça famosos, Guynemer, René Fonk, Immeli-nann, Richthofen. Dias depois entra em minha sala, ergueuma perna, colocando-a em cima da mesa, e diz:

– Me acompanha há cinqüenta anos!Vestia uma saia plissada negra, longa, que lhe permi-

tia esse exagero! Ilhoses franceses. Ao invés do cadarçosinuoso acompanhando os furos, os ilhoses eram abotoa-dos. Delicadamente!

– Houve alguma atividade aérea da Revolução de 1923?– Não houve. A única aeronave dos revoltosos esta-

va com a hélice quebrada em Santa Maria.Quem respondia essa pergunta era a sobrinha do po-

deroso Senador Pinheiro Machado, figura maior da VelhaRepública, assassinado por um adversário político, em umhotel, no bairro do Catete, confluência das ruas Marquêsde Abrantes e Senador Vergueiro.

Conheceu e conviveu, na sua juventude, com lide-ranças políticas gaúchas, responsáveis maiores pelo de-clínio da Velha República e pelo surgimento da Nova.Borges de Medeiros, Flores da Cunha, Oswaldo Aranha,Baptista Luzardo, Getúlio Vargas foram personagens queconheceu na sua mocidade.

Casou-se, com um oficial general da Aeronáutica.Não teve filhos. Suas iguais, a detestavam! Nas reuni-

ões, sempre estava com os pilotos:– Entrei um pouco alto, e glissei...Era uma personagem fascinante.Tinha sempre, na bolsa, uma garrafa de água cristal.

Whisky só com água cristal!Ela me ligando, tarde da noite:– Trompowsky, você vai voar amanhã?– Vou.– Eu vou contigo.Escalei-a com o melhor instrutor. Bobagem. Na ins-

peção antes do vôo, ela, a moça de oitenta anos, domina-va o menino instrutor. Na decolagem, alguém me diz:

– Ela já assumiu!O pouso perfeito. Os jovens pilotos, testemunhas desse

“ Calças de montaria, perneirasaté o joelho, blusa de manga

comprida, enlaçando totalmenteseu pescoço.”

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Revista aeronáutica nº 243 • Janeiro - Fevereiro/2004 37

MEMÓRIAAnesiamomento mágico, cercaram seu ultraleve. Alguém falou:

– Vamos abrir uma garrafa de whisky!E ela:– Tem gelo? A água cristal ela tinha levado!Brigadeiro Délio, Ministro da Aeronáutica, seu ami-

go de cinqüenta anos, me liga:– Trompowsky, não deixa ela voar solo. Ela fuma

muito, e bebe um pouco.Falei com ela. Ela escutou quieta. Era baixinha, boni-

ta. Os olhos grandes.Escuta-me em silêncio. Quando terminei, olhos nos

olhos, me disse:– Vocês são uns cagões!E éramos. Seus pais, seus amigos, Brigadeiro Délio,

Ministro da Aeronáutica, e eu.A estória de Edite, eu prefiro contá-la como uma

estória de amor.Recuso-me o enfoque moderno; 121 (um, dois, um),

mais o código da cidade, e você falaria com o mundo.O ano, 1973. Embratel. Era estatal na época. Fun-

cionava!O único telefone da Base Aérea de Anápolis.– Alô?– Santa Maria informações. Bom dia!– Bom dia! Aqui é da Base Aérea de Anápolis.Pausa. Silêncio.– Como é que está o tempo aí?– Alô?– Desculpe, é que nós estamos para decolar para

Santa Maria, e não temos idéia de como está o tempo aí.Pausa. Silêncio.– Alô?Pausa.– Nós estamos falando aqui da Base Aérea de Anápo-

lis, em Goiás. Nós vamos decolar com os aviões Mirage!Pausa. Silêncio.– Edite! Os Mirage estão vindo!– Eu estou falando com os pilotos!Trecho inaudível.– Hoje?– É, nós vamos decolar daqui a pouco.Pausa.– Mas olha, o dia está lindo.Quando a jardineira (l) me pegou, não se via nada. Que

nevoeiro, meu Deus. Agora está um solaço. Todo mundolagarteando (2). Vinte quilômetros de visibilidade, CIRRUS/ESTRATUS a 3.000 metros, temperatura em elevação. Céude brigadeiro. Essa foi a imagem que veio à mente do pilotode caça. Céu de brigadeiro. É quando o tempo está lindo,

claro. A lenda diz que eles só voavam com céu azul. Eu deixoem aberto essa afirmação...Não fique surpreso, leitor. As in-formações meteorológicas eram recebidas naquele Canteiro deobras às oito horas. Os meus tenentes necessitavam recebê-losàs seis horas.

Não me imaginem um contador de estórias, frio, sem alma.Não, eu vou lhes contar um delicioso conto de amor.– Alô?– Santa Maria informações.– Bom dia.– Bom dia.– Que voz bonita.Silêncio.– Você acha?– Você sabe de onde eu estou falando, não sabe?– Anápolis, lógico!Leitor, não critique, você foi jovem em algum tempo.– Como você se chama?– Edite.– Que nome bonito.– Você acha?– Eu estou decolando daqui a pouco para Santa Maria.

Podemos nos encontrar?Pausa.– Eu saio às quatro...Pronto. Três, quatro frases, e dois jovens se uniam.O bardo inglês (3), ele mesmo apaixonado, que in-

vente uma outra estória.O meu tenente e Edite casaram-se, tiveram muitos

filhos e foram muito felizes. Ponto final.

(1) Jardineira – condução coletiva, rústica, com capacidade para 12passageiros.(2) Lagarteando – manhã fria. Quando o sol aparece, as pessoas seaquecem. Batem com os pés no chão.(3) William Shakespeare nasceu em STRATFORD-ON-AVON em1492. Escreveu a mais bela estória de amor: Romeu e Julieta.

– Eu estou decolando daqui a poucopara Santa Maria. Podemos nos encontrar?

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Revista aeronáutica nº 243 • Janeiro - Fevereiro/200438

MARINHA DO BRASIL

Brasil transformou-se na sede de um PoderNaval constituído ainda antes da Independên-cia, quando, em meio às guerras napoleônicas,

o Príncipe D. João, Regente de Portugal, transferiu aCorte para o Brasil, trazendo grande parte da Esqua-dra e toda estrutura administrativa da Marinha por-tuguesa. Instalou-se no Rio de Janeiro, então sede dacolônia, a Secretaria de Estado dos Negócios daMarinha e, sob sua subordinação, o Quartel-Generalda Armada, a Intendência e Contadoria, o ArquivoMilitar, o Hospital de Marinha, a Academia de Guar-das-Marinha, enfim, todos os ramos operativos e ad-ministrativos da Marinha portuguesa.

O mar foi, à época da Independência, uma áreade ações obrigatórias no panorama bélico que seformou.

O Brasil, independente a 7 de setembro de 1822,tomou posse dos remanescentes da Marinha portu-guesa na Baía de Guanabara. Não foi uma herançaprometedora. Os elementos nativosrecrutados eram escassos. A maioriadas guarnições compunha-se de por-tugueses adesistas, que não mereciammuita confiança. A solução encontra-da por José Bonifácio (Ministro doImpério e dos Negócios Estrangeiros)e executada na Europa por Caldeira Brant (futuro Mar-quês de Barbacena) foi contratar oficiais e marinhei-

ros estrangeiros, per-to de 600, a maioriaingleses, dos quaishavia grande dispo-nibilidade com o fimdas guerras napoleô-nicas.

Os esforços de-ram resultados. A 14de novembro de1822, fez-se de velada Guanabara a pri-meira força naval os-tentando em seusmastros a bandeirado Império.

Vencida a guer-ra de Independência,o período que se estende até 1870 foi o de maior

atividade da Marinha, que, por isso,ampliou-se enormemente, chegando adispor de mais de 150 unidades, e en-trou na era da propulsão a vapor e doscanhões de alma raiada, tornando-seexclusivamente nacional.

A Armada brasileira desempe-nhou importante papel no bloqueio do Rio da Prata,durante a Campanha da Cisplatina (1825-1828), tra-

Serviço de Documentação da Marinha “...Marinha continuará a honrar o seu passado, ampliando

“O mar foi, à épocada Independência,uma área de ações

obrigatórias...”

A Fragata Niterói, comandada por John Taylor,oficial inglês contratado, foi destacada da força naval deCochrane e perseguiu a esquadra portuguesa até o Tejo

Rebocador de alto mar Laurindo Pitta, participante daDivisão Naval em Operações de Guerra (DNOG)

O Almirante Francisco Manoel Barrosoda Silva, Comandante da divisão navalbrasileira na Batalha do Riachuelo

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MARINHA DO BRASIL

vada contra as Pro-víncias Unidas doRio da Prata (Confe-deração Argentina),tornando-se indepen-dente a RepúblicaOriental do Uruguai.

Por ocasião dasinsurreições e levan-tes ocorridos em vá-rios pontos do terri-tório brasileiro du-rante a Regência(1831-1840), teve aMarinha participaçãodestacada em apoio àautoridade do podercentral.

O Império Brasileiro, em 1851, reunido às for-ças do Partido Colorado uruguaio e às tropas leais aogovernador da província argentina de Entre-Rios, JoséUrquiza, adversário de Rosas, derrubou Oribe, noUruguai, e Rosas, na Argentina, estabelecendo umahegemonia política brasileira na região do Prata, quesó seria desafiada com a Guerra contra o Paraguai.Foi neste conflito que a Esqua-dra brasileira, sob o comandodo Vice-Almirante Grenfell,ultrapassou Tonelero (17 dedezembro de 1851), em umaousada ação, onde subiram oRio Paraná as tropas aliadas queengajariam e derrotariam osexércitos de Rosas.

Porém, novamente, em 1864, eram as forças deterra e mar convocadas para luta. Em novembro da-quele ano, motivado por uma disputa, não mais pelaposse, mas pela influência na soberania uruguaia, ogoverno do Paraguai rompia relações com o Brasil.

Em abril de 1865, duas Divisões Navais já subiamo Rio Paraná com a tarefa de efetuar um bloqueio,próximo da confluência dos Rios Paraná e Paraguai,para cortar o eixo de ligação logística e deter o avan-ço das forças do ditador paraguaio Solano Lopez.

O confronto entre as forças navais nas proximi-dades de Riachuelo evocou uma das mais heróicasheranças da memória militar brasileira. Em uma gran-de vitória de largo valor estratégico, a Marinha fe-chou as vias fluviais para transporte de tropas e abas-tecimento logístico do Paraguai em guerra, possibili-tando a utilização dessas vias no gradual avanço ecerco dos Exércitos da Tríplice Aliança (Império Bra-sileiro, Confederação Argentina e República Orien-tal do Uruguai) sobre o inimigo.

Em 1917, reagindo a um decreto do Império ale-mão ativando a campanha submarina irrestrita, nobloqueio da Europa, o que nos custou a perda desete navios mercantes afundados, decidimos colocar-nos ao lado dos aliados na Primeira Guerra Mundial.

sua herança de tradições e de trabalhos fecundos...”

O Almirante Marquês de Tamandaré,Comandante-em-chefe da Esquadra emoperações durante a Batalha do Riachuelo

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MARINHA DO BRASIL

Uma Divisão incorporando cruzadores, contratorpe-deiros e navios auxiliares seguiu para costa da Áfri-ca, a fim de juntar-se à frota inglesa que lá operava.O maior inimigo encontrado em seu caminho foi agripe espanhola, uma praga mundial que atingiu aDivisão brasileira em Dakar, resultando em tragédiade grandes proporções, com navios imobilizados, semágua, sem luz, sem cozinha, por estar toda a guarni-ção doente e incapaz de se por empé. Assim, os navios foram tripula-dos por convalescentes. A epidemiadeixou 176 mortos, mas não impe-diu que, dominada, continuasse aDivisão Naval em Operações deGuerra a atuar no pouco tempo quea guerra ainda durou.

Na Segunda Guerra Mundial(1939-1945), o envolvimento direto do Brasil deu-seentre 31 de agosto de 1939 e 8 de maio de 1945, deletendo participado nossas três Forças Armadas. AMarinha e a Força Aérea asseguraram o tráfego marí-timo ao longo do litoral brasileiro contra a ação desubmarinos inimigos, sendo que a Força Aérea en-viou, ainda, ao teatro de operações da Itália um con-tingente aerotático. Já o Exército participou com oenvio de uma Força Expedicionária.

O trabalho realizado pelas Marinhas de Guerrae Mercante brasileiras durante o conflito mundial

foi silencioso, constante, pouco conhecido e bravo.O resultado desse esforço conjunto, com a presen-ça permanente no mar e a vigilância alerta, foi amanutenção da livre circulação nas nossas linhasde comunicação marítima.

Nossa tarefa principal foi a de garantir a prote-ção dos comboios que trafegavam entre Trinidad,no Caribe, e Florianópolis. Foram eles 574, for-

mados por 3.164 navios mercan-tes, dos quais apenas três foramafundados, apesar do avultadonúmero de submarinos inimigosque operavam no Atlântico Sul.Documentos alemães confirmamque realizamos 66 ataques contraseus submarinos.

Fica, nesta breve mostra dahistória da Marinha do Brasil, a convicção de suahonrosa e dignificante participação na defesa do Paíse de seus interesses marítimos, bem como na efeti-va participação no desenvolvimento social e eco-nômico da Nação. Assim, a Marinha continuará ahonrar o seu passado, ampliando sua herança de tra-dições e de trabalhos fecundos, deixando a certezade que não faltará ao chamamento da Pátria, quan-do e onde for necessário, à semelhança do que jáocorreu em tempos passados, confirmando o lega-do de sua história.

O Contratorpedeiro Bracuí, recebido pelaMarinha durante a Segunda Guerra Mundial

O Monitor Alagoas, belonave provida de couraça epropulsão a vapor, construído no Brasil em 1867

O Encouraçado Minas Gerais, um dos doisdreadnought adquiridos em conseqüência doprograma naval de 1904-1906

“Documentos alemãesconfirmam que

realizamos 66 ataquescontra seus

submarinos.”

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REFLEXÃO

Depois que caiu o Muro de Berlim, formou-se um consenso bastante amplosobre a incompetência do sistema que o produziu, ficando meio esquecido o fato deque por trás dele ocorreram três incontestáveis sucessos.

Os dois primeiros se deram na conquista do espaço e no aparelhamento parauma guerra total que a extinta URSS disputou contra os poderosos Estados Unidos eseus aliados, orelha com orelha. Esses dois casos positivos no conjunto da fracassadaexperiência comunista são uma evidência de algo muito importante para se compre-ender alguns fatos básicos da vida. De fato, em ambos os casos – no preparo para aguerra e na conquista do espaço – havia corridas sendo disputadas. E sempre que hácompetição, surgem o esforço, a criatividade, o investimento e o desenvolvimento. Naeconomia, o investimento é a aposta que os agentes fazem sobre tais ou quais possibi-lidades, num cenário onde o jogo dos outros concorrentes é desconhecido. Quando oestado é o único agente econômico, não há estímulo nem possibilidade de apostar einvestir. Ora, como o espaço e as armas eram objeto de competição da URSS comoutros países, surgiram ali aquelas condições que fazem a roda andar para frente. Eela andou, até que o restante da economia soviética parou.

O terceiro caso de sucesso, comum a todas as sociedades de inspiração mar-xista é o mercado negro, de onde lhes vem o mínimo oxigênio necessário para quese mantenham respirando. O mercado negro, aliás, é o puro e simples mercado,dito negro por ser declarado como proibido, embora sempre seja tolerado. Graças aele muitos sobrevivem atendendo necessidades fundamentais da população.

Penso que devemos observar estas realidades que os fatos e a História nosensinam para deles extrair o resultado da sofrida experiência de outros povos. Ondenão há disputa, o esforço se reduz a suas mínimas dimensões; onde não há compe-tição, não há prêmio, nem lucro, nem promoção; onde não há prêmio, some a com-petência; onde não há competência, se extingue a competitividade.

Exemplificando o que afirmei acima, imaginemos que por um passe de mágicao empenho que a esquerda brasileira vem fazendo na direção do assim chamadosoftware livre se cristalize como comportamento domi-nante no mercado de informática. Nesse caso, estaría-mos dando um tiro no próprio pé. Primeiro, porque nos-so país é um dos três mais competentes na criação desoftware; segundo, porque a insegurança dos softwareslivres é muito grande (ninguém pagaria pelo que pode ter de graça se o que forregalado tiver qualidade); terceiro, porque no momento em que se transformar apesquisa científica e tecnológica em objeto de generosidade compulsória estare-mos acabando com a criatividade e celebrando aquele pacto com o atraso que inibeo esforço, a competência, a criatividade.

Nada impede o Brasil de adotar, em repartições e escolas, um sistema operacio-nal de uso livre, como o Linux, se isso for bom e permitir a utilização de máquinastornadas obsoletas com o desenvolvimento do Windows. Mas não me venham coma conversa de inclusão tecnológica, tudo é de todos, e contra o direito de patente,porque isso acaba em mercado negro, em estagnação e em muro.

E, depois, isso mesmo acaba por derrubar o muro. Mas leva meio século.

“...onde não há competência,se extingue a competitividade.”

Percival PugginaEscritor

“...ninguém pagariapelo que pode ter de graça

se o que for regaladotiver qualidade...”

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VIVÊNCIA

A inda não estou bem certo do que vim fazerna Terra, mas sei que temos quase que a obri-gação de encontrar a felicidade. Está certo queas chances não são iguais. Ao contrário danatureza, não existe perfeição em nossaraça ou sociedade. Além disso, acidentesde percurso acontecem. Normalmente,entretanto, todos podemos ser felizes!

Nossa espécie, que se diz racio-nal, complica bastante as coisas. Di-ferentemente das ditas irracionais,precisamos muito mais do que casae comida para manter a sanidade.Uma destas necessidades é a reali-zação de tarefas diárias que ocu-pem nosso corpo e mente. O so-nho de muitos: não precisar tra-balhar, na realidade, é utopia. Seassim fosse, nenhum rico traba-lharia. Além disso, todos seriamfelizes...Já que trabalhar é preci-so, que tal escolher as melhoresprofissões? Quando digo melhor,refiro-me à melhor para cadaum de nós. Na definição de me-lhor devemos considerar tudo,incluindo tempo e custo de formação.

Se, para os pais, a orientação vocacionalfosse tão importante quanto sua orientação se-xual, as coisas ficariam bem mais fáceis. Afinalde contas, enquanto a última só tem duas op-ções, a primeira é um labirinto gigante, commuitas entradas, bifurcações, becos sem saída eapenas um ponto central. A boa notícia é queeste labirinto vocacional tem o centro um poucorebaixado em relação às paredes externas, faci-litando um pouco a chegada ao centro.

Podemos resumir os muitos caminhos da se-guinte forma:

– alguns são mais altos que asparedes externas. Como podem ver

tudo de cima, vão direto ao centro.Aconteceu com meu irmão mais ve-

lho, que desde pequeno gostava de ele-trônica. Ele sempre trabalhou na área;

– outros felizardos, normalmenteauxiliados pelos pais, acreditam em sua

experiência e fazem o trajeto seguindo suasorientações. Também costumam encontrar

o centro sem problemas;– uma parte considerável nunca chegará

ao centro. Uns por não ter forças para procurar.Outros por má orientação. Alguns por falta de

oportunidades. Outros por puro comodismo;– alguns encaram o labirinto sem saber o

que está acontecendo. Podem até saber que exis-te um centro, mas fazem tudo às cegas desde oinício. Testam muitos caminhos, acabam em umbeco, voltam, tentam outro sentido...Se forem per-sistentes, atentos aos sinais da vida e tiverem

sorte, podem atingir o objetivo. Foi o queaconteceu comigo.

Se pudesse voltar atrás faria quasetudo diferente. Não é uma críticaà orientação dada por meus pais.Eles, pouco ou nada sabiam so-

bre os muitos caminhos fora de sua realidade. Er-raram no que quase todos erram: querer para osfilhos o que queriam para eles. No final das contas,tudo acabou bem. Depois de muito andar chegueifinalmente ao centro do meu labirinto:

1 – 1984/1986: comecei trabalhando comoprofessor de inglês. Não por vocação, mas parapraticar e perder a antiga timidez. Desisti porfalta de tempo, quando cursava simultaneamen-

“...estelabirintovocacionaltem ocentro umpoucorebaixadoem relaçãoàs paredesexternas,facilitandoum poucoa chegadaaocentro.”

André ModeloJornalista

A

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Revista aeronáutica nº 243 • Janeiro - Fevereiro/2004 43

VIVÊNCIA

te Engenharia (UFRJ) e Economia (UERJ);2 – 1986: abandonei a Economia quando fa-

zia estágio em um grande banco. Não tinha nadaa ver comigo;

3 – 1987/1989: Trabalhei como engenheironuma multinacional. Assim que saí da fábrica, asensação de liberdade foi tal que notei que estavana hora de parar e pensar o que realmente queria;

4 – 1989: enquanto não encontrava um novocaminho, pela primeira vez na vida me dediqueia algo de que realmente gostava: surf. Nessaépoca comecei a trabalhar como modelo. No fi-nal do ano, numa temporada de três meses desurf na Praia da Pipa (RN), conheci o Forró e aLambada. Foi paixão à primeira vista;

5 – 1990/1991: de volta ao Rio, no dia do PlanoCollor, notei que seria impossível qualquer dos tra-balhos anteriores. Assim que liguei a TV, vi cenasde um show do Beto Barbosa no Canecão. Sinalentendido! Passei a me dedicar completamente àdança. Minha especialidade era a lambada, mastambém pegava trabalhos com samba ou afro.Quando os cachês pioraram, voltei a trabalhar comomodelo. Aconteceu logo depois de ter dançado noúltimo show do Beto Barbosa, no Canecão...

6 – 1991/1992: passei a me dedicar mais se-riamente à carreira de modelo. Trabalhava portodo o Brasil até ser convidado a mudar paraParis. Ainda no Brasil, conheci o parapente;

7 – 1992/1993: como modelo internacionaltrabalhei na França, África do Sul, Holanda, Itá-lia, Alemanha e Grécia. Depois de inesquecíveisviagens, resolvi voltar para o Brasil;

8 – 1994: em parceria com meu irmão maisnovo, passei a construir Buggies a partir de ve-lhos VW. De uma certa forma me realizava. Tra-

balhava como mecânico, de que gostava muito.Mas comparado ao que ganhava como modelo...

9 – 1994/1995: voltei a trabalhar como mo-delo, agora baseado em São Paulo. Lá os traba-lhos sempre foram melhores que no Rio. Quan-do os trabalhos foram ficando escassos, voltarpara o Rio foi a decisão lógica;

10 – De 1995 a 1999: comprei meu primeiroparapente. Desde o início foi quase uma obses-são: viajar, treinar, conhecer novas rampas e com-petir. Como os custos são elevados, os cachêseram fundamentais;

11 – 1999/2002: o parapente cresceu no Brasile no mundo. O resultado foi o aparecimento de umanova categoria profissional: Piloto de Parapente.Além dos prêmios em dinheiro nas competições,várias empresas passaram a investir no patrocíniode pilotos. O patrocínio da MITSUBISHIMOTORS permitiu-me dedicação total ao espor-te. Tornei-me Campeão Carioca, Campeão doCircuito Brasileiro e Campeão Brasileiro;

12 – 2002/2003: para divulgar melhor o para-pente e meus patrocinado-res, tornei-me jornalistaprofissional. Escrevo maté-rias, faço imagens e fotosem todos os campeonatose expedições de vôo. O ma-terial é fornecido para canaisde TV, jornais, sites e revis-

tas especializadas em espor-tes de aventura.

Agora fica fácil entender minha deso-rientação inicial. Como poderia ter identificadoo centro do labirinto quando ele ainda não exis-tia? Ser Piloto de Parapente sempre foi minhavocação! Só o que tenho a fazer agora é divulgaro parapente da melhor forma possível, garantin-do que ele conquiste seu devido lugar na mídia eno cenário esportivo nacional.

Estou certo de que sempre tive muita sorte.É lógico que não sou um caso único, mas porque arriscar? Um bom teste vocacional, lá pelametade da adolescência, seria um bom começo.Além disso, a orientação não tendenciosa dos paistambém tem fundamental importância.

Boa sorte e bons vôos!

“Depois demuito andar

chegueifinalmenteao centrodo meu

labirinto...”

“Depois demuito andar

chegueifinalmenteao centrodo meu

labirinto...”

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MOMENTO

“Basta olhardentro dos

olhos eenxergamos aalma da vida.”

emos que o recordar é do idoso e o lamen-tar é do velho.Tal frase provoca um toque de meditação re-

conhecendo essa assertiva como verdadeira.Entretanto, há pessoas ainda jovens, que adi-

cionaram a lamúria como expressão de seu me-canismo de vida. Será a baixa auto-estima.

Consentimos, então em aceitar que há dife-rença entre sentir-se velho e ser velho. Esse jogode verbos é presente em todas as característicasda vida humana. Ele avança para o definir dasalmas, para a seleção dos seres e vai se refletirna qualidade dos povos.

A juventude, mesmo a da Capadócia, é pres-suposto que seja alegre, extrovertida, otimista,divertida. São, em todo o planeta, a primaverados tempos. É imperioso afagar no regaço essatemperança, até o fim do nosso tempo individu-al. Todos compartilham em cada época, dessevigor sadio.

Tinham os jovens, usualmente, quintal comhorta, galinheiro e jardim cheio de flores e verde.

Lembranças evocam o deslumbramento pro-vocado pelo aroma do pé de manacá, do jasmimdo Cabo. A acácia dourada, com suas cachadasbalançando ao ar, atapetava o chão. Surge a goia-beira, que ajudava a marcar uma fictícia trave, narede invisível para a concretização do gol, no fute-bol que os meninos jogavam no quintal.

Forma-se o clichê da hora do jantar, com afamília reunida em tomo da grande mesa, parti-lhando o repasto e cada um revelando as novida-des do seu dia.

Geralmente o pai era crivado de perguntassobre o significado de cada vocábulo novo quetraziam da escola.

As tachadas da goiabada, que era feita noquintal, transformavam em doce, os frutos dabendita árvore encanto da infância.

Esses focos luminosos do passado deixam

“Basta olhardentro dos

olhos eenxergamos aalma da vida.”

não éSER IDOSO

SER VELHOnão é

SER IDOSO

SER VELHOAnna GuasqueEscritora

L

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Revista aeronáutica nº 243 • Janeiro - Fevereiro/2004 45

MOMENTO

todos ao sabor dos pensamentos flutuantes. Es-tamos convencidos de que foi o passado queconstruiu o ontem, o hoje, e nos proveu de dis-cernimento para encarar o toque do entardecer.

O espelho não nos mostra mais nenhum fu-turo, mas reflete a diferença entre a pessoa ve-lha e a idosa. Basta olhar dentro dos olhos e en-xergamos a alma da vida.

Nossos braços lembram os de nossas mães.Descobrimos que envelhecemos. Acontece oimpacto com a realidade, que se impõe com ousem cirurgias plásticas. As amigas começam acontar de suas dores nas costas. Outras, da fra-queza das pernas. É duramente criticada, a quecontinua a fumar. Alguns apertos de mão já es-tão a tremer e outros caminhares já se fazemclaudicantes.

Comenta-se sobre os oitenta anos de outra,que empunha uma bela e valiosa bengala, comose fosse um cetro de rainha. Oh! Ela já está idosa...

No grupo, outra é amparada pelas amigaspara subir escadas. Lamenta-se continuamen-te. Oh! Ela está velha...

Algumas tantas sempre foram subjugadaspelos maridos e hoje falam neles o tempo todo.Esquecem que deixaram passar a oportunidadede opinar, agir, contestar para serem autênticasem solidariedade realista.

Aí reconhecemos a diferença entre estar sóe ser sozinha, mesmo acompanhada.

Minha amiga, irmã pelo coração, vive em um

sítio no campo. Estácardíaca, cheia dehorários para remédi-os. Não se preocupacom isso e inteligentemente mudou de hábitos.Escreve, telefona, caminha em seu próprio ritmo.Dá gosto vê-la contar as anedotas de português,mesmo sendo filha de um. Sua gargalhada é purajuventude e ao telefone nos divertimos tanto, queesquecemos as horas. Colecionamos nossas car-tinhas mútuas nos desabafos e encorajamentos.

As mulheres são assim, sabem firmar ami-zades puras e participativas.

Somos o que somos, pelo poder de nossaenergia; pelo saber carregar o produto substan-cial de nosso conteúdo cósmico; nós os sereshumanos.

O instinto instala o reflexo do nosso meca-nismo de viver. O nosso estado elevado de ser éinspirado porém, pela energia cósmica que nosé imanente. Ela nos informa sobre a razão atra-vés da vontade.

Na filosofia grega, Sócrates além do conhece-te a ti mesmo nos deu a evidência de que a virtudenão é mais do que a ciência do bem. Isso significao aprendizado de viver. Essas reflexões nos ajudama aceitar a decadência da máquina física, porquetemos em nós, a energia que percorre o universocriador. A lembrança do que somos, do que apren-demos e transmitimos, unida ao evolar dessa ener-gia é que nos tornará eternos. Entretanto, comquem convivemos desde o início até o fim de nossavida, é cada um consigo mesmo.

Nosso pensamento é lúcido, portanto, esta-mos vivos, somos apenas idosos.

Não iremos para o céu nem para o inferno,já passamos por eles. Apazigua-se o coraçãoquando a consciência está clara.

Entre os vagares do pensamento, entramosna Gerontológica da Aeronáutica para lembrarnossa visita. Encontramos a maioria das hóspe-des mulheres, exercendo a criatividade, ativis-tas intelectuais, todas idosas sem velhice.

Concluímos que não estamos; somos oainda de nosso estádio de luz!

E como o poeta cantante, que faz viver sem-pre esperança, tomemos o tempo e façamos dele,todos os dias, o sempre de nosso agora.

“Comenta-se sobre os oitenta anos deoutra, que empunha uma bela e valiosa

bengala, como se fosse um cetro de rainha.Oh! Ela já está idosa...”

“Nosso pensamento é lúcido,portanto, estamos vivos,

somos apenas idosos.”

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Revista aeronáutica nº 243 • Janeiro - Fevereiro/200446

CIÊNCIA E TECNOLOGIA

odernamente, para desenvolver riquezas, umpaís tem que abrir caminho na alta tecnologia.

Isto exige assistência governamental e participaçãoda iniciativa privada. É assim que está fazendo For-mosa, que pretende substituir sua indústria de bugi-gangas por uma gigantesca ilha do silício para com-putadores e indústria correlata, e que já movimenta,financeiramente, o dobro das exportações brasileiras.O Brasil tem uma oportunidade paralela no campode imagens digitais programadas.

As primeiras câmaras digitais eram de imagensde baixa qualidade; as câmaras atuais fornecem ima-gens excelentes, reproduzidas em impressoras e porbaixo custo. Entretanto a grande vantagem da ima-gem digital é que os dígitos podem ser trabalhadosem programas de computador e visualizar imagensimperceptíveis à retina humana: uma revolução naÓtica, na Medicina, na Engenharia e em toda Tec-nologia.

Isto tem especial pertinência em imagens quepossuem elevado percentual de luz uniforme de fun-do, como as imagens através de nevoeiros e aquelasampliadas além do limite clássico da Ótica, conheci-do como Limite de Rayleigh, onde se forma sobre aimagem uma luz uniforme de fundo cujo percentualé tanto maior quanto maior a ampliação. Publiqueiesta teoria em maio de 1963, no Jornal Americano deÓtica. A NASA utilizou-a para construir seu fabulo-so satélite telescópio KH-11, o qual, da altitude de250 km, consegue imagens com nitidez para distin-guir a face das pessoas e pequenos marrecos, comomostra a foto publicada pelo New York Times de 29 de

março de1983. Casonão tivessesido usadaesta tecnolo-gia para seobter estesdetalhes, aobjetiva do

satélite telescópio teria 18,5 metros de diâmetroe não uns vinte centímetros com se vê na figura.Conclusão pericial: o satélite telescópio espiãoKH-11 amplia imagens 100 vezes além do limi-te clássico da Ótica ou do Limite de Rayleigh,fato estarrecedor para todos os físicos.

Imagem é um conjunto de variações de lumino-sidade da retina, duais com as variações de luminosi-dade emitidas por um objeto iluminado. O olho hu-mano só percebe variações de luminosidade de 5%,abaixo deste valor, interpretando-as como iguais. Poristo é que a presença de luz uniforme de fundo tornaa imagem esmaecida. É como ver um filme com asluzes da sala acesas. Retirando a luz unifor-me de fundo, a imagem torna-se nítida.

Pelo limite da ótica clássica (Limi-te de Rayleigh), o máximo de amplia-ção dos microscópios é de 400 diâme-tros. Entretanto os fabri-cantes os constróem comampliação de 6.000 diâ-metros, ou seja, uma ampliação15 vezes além do Limite de Rayleigh.Isto traz a vantagem de se ver uma ima-gem maior, mas como desvantagem, a ima-gem tem apenas 87 % de luz uni-forme de fundo, sendo,portanto, uma imagemesmaecida e pou-co nítida. Isto po-derá ser evitadoprogramando aimagem digital demodo a eliminar aluz uniforme de fun-do; além disso poderemos projetar am-pliações microscópicas muito maiores, construindoaparelhos mais simples e mais baratos que os micros-cópios eletrônicos, o que será uma revolução na Me-dicina e em toda a Biologia. Por outro lado o micros-copista que trabalhar com este tipo de imagem terá

MM

“... a grande vantagem daimagem digital é que os

dígitos podem sertrabalhados em programasde computador e visualizarimagens imperceptíveis à

retina humana...”

IMAGENS DIGITAISPROGRAMADAS:

IMAGENS DIGITAISPROGRAMADAS:Aldo Alvim de Rezende Chaves

Ten.-Cel. Int. R1

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uma produtividade maior e não estará sujeito a tantafadiga como aqueles que trabalham com imagens me-nores, esmaecidas e pouco nítidas, como as produzi-das pelos microscópios usuais; todo diagnóstico, comlaudo e imagens, poderá ser gravado para arquivosde estudo e perícia.

Outra vantagem das imagens digitais é poderoperar com imagens além da tricromia. Uma imagemem tricromia é um milhão de vezes mais informativaque uma imagem em monocromia ou em preto ebranco. Usando quatro cromias teremos imagens ummilhão de vezes mais informativas que em tricromia.

O potencial informativo da imagem étanto maior quanto for o nú-

mero de cromias.Comoo olho só percebe

imagens em tri-cromia, temos

de transfor-mar as ima-gens produ-zidas emquatro, cin-co ou maiscromias, em

imagens emtricromia. Uma

imagem em qua-tro cromias pode

produzir 100 ima-gens em tricromia. Uma

imagem emcinco cro-mias podeser represen-

tada em 10 mil imagens em tricromia. Com umnúmero tão grande de imagens, temos de pesquisarqual a imagem que nos dará as informações que de-sejamos e descartar as outras imagens. Parece com-plicado, mas sabendo o programa, isto é muito rápi-do, além de podermos fazer diagnósticos de grande

precisão; seguindo esta tecnologia, um exame der-matológico poderá determinar rapidamente, e combaixo custo, o estado clínico de um paciente quandoas modifica-ções na peleainda são im-perceptíveis aoolho humano.Isto decorre dofato de se tornarem perceptíveis imagens que esta-vam imperceptíveis. As relações entre as cores e cro-mias divulguei na revista italiana de Ótica, em de-zembro de 1995.

Os médicos estão interessados em um progra-mador de imagens que separe com nitidez um tecidosadio de um tumor, o que será possível programandoa imagem captada. Atualmente esta diferenciação deimagem é muito limitada, o que faz com que o bisturiseja trabalhado aquém e além do correto.

Com programações adequadas podemos obterradiografias mais informativas. Sobre este assuntoapresentei um trabalho na Conferência Internacionalde Optoeletrônica realizada na Índia, em 1998.

A tecnologia de programação de imagens digitaistem um vasto campo econômico e tecnológico, tantomilitar, na Medicina, como na Engenharia, um merca-do de vários bilhões de dólares. Já existe em váriasempresas, grande variedade de produtos que poderãoser usados no desenvolvimento do hardware; isto é oque os sociólogos chamam de condições maduras parao aparecimento de uma nova tecnologia.

Os programas de computador são o grande filãode ouro para se ganhar muito dinheiro. A Índia faturaoito bilhões de dólares só em exportação de progra-mas de computadores. No Brasil, falta vontade políti-ca e garra empresarial para ganhar este campo. As ima-gens programadas serão nossa grande oportunidade.Os novos aparelhos médicos, microscópios e apare-lhos de Raios-X, com imagens digitais programadastrarão tantas vantagens técnicas e financeiras que trans-formarão em sucata todos os aparelhos usuais.

“Os médicos estãointeressados num

programador de imagensque separe com nitidez umtecido sadio dum tumor...”

um mercado de bilhões de dólares egrandes oportunidades para o Brasilum mercado de bilhões de dólares egrandes oportunidades para o Brasil

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Revista aeronáutica nº 243 • Janeiro - Fevereiro/200448

MUSAL

esde sua inauguração,há quase trinta anos, o Mu-seu Aeroespacial vem reu-nindo e expondo aerona-ves de inestimável valorhistórico, o que o torna omaior Museu de Aeronáu-tica do Hemisfério Sul.

Entretanto o MUSALcarecia de colocar em exi-bição objetos ligados àárea do espaço aéreo e deseu controle, atividadefundamental na Aviação.

Na História doControle do Espaço Aé-reo, o Brasil despontacomo pioneiro, com a con-cepção do Sistema Inte-grado de Defesa Aérea eControle de Tráfego Aéreo(SISDACTA), fórmula desucesso operacional im-plantada antes mesmo dacriação do MUSAL.

A heróica e pioneira Diretoria de Rotas Aéreas(D.R.) foi reorganizada e ampliada na reforma admi-nistrativa de 1967 (Decreto nº 60.521), criando-seos CINDACTA, que hoje provêm cobertura efetivaem praticamente todo o território nacional.

Era hora de mostrar ao público, com uma expo-sição permanente e aberta, o que foi, o que é, e o que

Brig.-do-Ar R1 Márcio Bhering Cardoso

será o controle de nossoespaço aéreo: uma espeta-cular malha – invisível pe-las ondas eletromagnéticas,e visível ao pessoal que aopera – que coloca o Brasilentre os mais seguros eavançados sistemas de na-vegação aérea.

E a materialização des-sa idéia está na Sala de Con-trole do Espaço Aéreo,inaugurada no dia sete dejaneiro no Museu Aeroes-pacial, acolhido no lendá-rio Campo dos Afonsos.

A sala é subdivididaem três módulos: um rela-tivo à História, o módulocentral com consoles-rada-res reproduzindo as ima-gens e as conversas entrepilotos e controladores, eum módulo onde se proje-ta um filme institucional.

Congratulamo-nos com o Departamento de Con-trole do Espaço Aéreo (DECEA) que, pela visão doseu Diretor, Ten.-Brig.-do-Ar LENCASTRE, provi-denciou a montagem dessa Sala que proporcionaráaos milhares de visitantes a constatação de estarmosnuma rota segura, controlada por pessoas altamentequalificadas.

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