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1755 PROJETO DE ASSENTAMENTO DOIS DE JUNHO OLHOS D’ÁGUA- MG : DA LUTA PELA TERRA AOS PROCESSOS DE TERRITORIALIZAÇÃO. Suzana Graziele de Souza Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES; Mestranda em Geografia; [email protected]. Cássio Alexandre da Silva Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES; Doutor em Geografia, Docente e Pesquisador do Departamento de Geociências e no Programa de Pós Graduação em Geografia – PPGEO. [email protected]m Aline Fernanda Cardoso Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES; Mestranda em Geografia; [email protected] RESUMO A formação de um assentamento revela a historicidade de um território, este é forjado a partir das dinâmicas humanas inscritas neste espaço que abarca desde as dimensões materiais, con- cretas até um sentido mais simbólico. Desta forma, o presente artigo tem por objetivo entender as territorialidades dos assentados do Projeto de Assentamento Dois de Junho, Olhos D’Água, Norte de Minas Gerais. O PA foi criado em 1999, por 17 famílias de antigos posseiros e atual- mente conta com cerca de 100 famílias distribuídas em uma área total de 14.365,07 hectares. E este projeto de assentamento situa-se em um entremeio, de um lado, às grandes fazendas pecuaristas, amplas áreas de eucaliptos e áreas de mineração; de outro, o Parque Nacional das Sempre Vivas. As metodologias utilizadas consistem em pesquisas bibliográficas, levantamento e coleta de dados em órgãos oficiais, observações de campo e entrevistas abertas (de modo a retratar as práticas produtivas do assentamento) além dos registros fotográficos. Diante deste quadro, concluímos que o território do assentamento Dois de Junho, adquire múltiplas funções que perpassam os aspectos materiais e simbólicos do território. Palavras-Chave: Luta pela terra. Territórios. Territorialização.

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PROJETO DE ASSENTAMENTO DOIS DE JUNHO OLHOS D’ÁGUA- MG : DA LUTA PELA TERRA AOS PROCESSOS

DE TERRITORIALIZAÇÃO.

Suzana Graziele de Souza Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES; Mestranda em Geografi a;

[email protected].

Cássio Alexandre da SilvaUniversidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES; Doutor em Geografi a, Docente

e Pesquisador do Departamento de Geociências e no Programa de Pós Graduação em Geografi a – PPGEO.

[email protected] Fernanda Cardoso

Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES; Mestranda em Geografi a;[email protected]

RESUMO

A formação de um assentamento revela a historicidade de um território, este é forjado a partir das dinâmicas humanas inscritas neste espaço que abarca desde as dimensões materiais, con-cretas até um sentido mais simbólico. Desta forma, o presente artigo tem por objetivo entender as territorialidades dos assentados do Projeto de Assentamento Dois de Junho, Olhos D’Água, Norte de Minas Gerais. O PA foi criado em 1999, por 17 famílias de antigos posseiros e atual-mente conta com cerca de 100 famílias distribuídas em uma área total de 14.365,07 hectares. E este projeto de assentamento situa-se em um entremeio, de um lado, às grandes fazendas pecuaristas, amplas áreas de eucaliptos e áreas de mineração; de outro, o Parque Nacional das Sempre Vivas. As metodologias utilizadas consistem em pesquisas bibliográfi cas, levantamento e coleta de dados em órgãos ofi ciais, observações de campo e entrevistas abertas (de modo a retratar as práticas produtivas do assentamento) além dos registros fotográfi cos. Diante deste quadro, concluímos que o território do assentamento Dois de Junho, adquire múltiplas funções que perpassam os aspectos materiais e simbólicos do território.Palavras-Chave: Luta pela terra. Territórios. Territorialização.

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INTRODUÇÃO.

Na década de 1960 a região do Norte de Minas, apresentava características socioespa-ciais predominantemente rurais. A maior parte da população vivia e dependia economicamente das atividades agrícolas. As áreas de chapadas e chapadões eram menos valorizadas, bem como as áreas de campo, ambas eram utilizadas para criação da pecuária extensiva, local onde se coletava elementos da fl ora local. A agricultura era praticada nas áreas úmidas, principalmente, na beira de rios e córregos. Os projetos agropecuários, sobretudo, os de refl orestamento rompe esta estrutura territorial e, evidentemente, muda também a função social da terra, que ganhou contornos comerciais do capital devido a apropriação privada por grandes grupos capitalistas que se instalaram na região mudando a paisagem local e separando o homem de seu território.

Este encurralamento ganha novos contornos a partir do ano de 2002, com o reconheci-mento do Parque Nacional das Sempre Vivas, que abrange uma área total de cerca de 124.000 hectares, compreendendo parte dos municípios de Diamantina, Buenopolis, Olhos D’Água e Bocaiúva. O parque foi criado sob um discurso preservacionista da natureza contra a ação pre-datória da expansão capitalista, porém desconsiderou as pessoas que ali habitavam, sobrepondo a seus territórios. É dentro deste quadro de rupturas, mas também de resistências que se situa e se confi gura o Projeto de Assentamento Dois de Junho.

Desta forma, o presente artigo tem por objetivo entender as territorialidades dos assen-tados do Projeto de Assentamento Dois de Junho, Olhos D’Água, Norte de Minas Gerais.

Em primeiro lugar, é preciso destacar que os sujeitos que territorializaram tal área, tem vinculação direta com as fazendas de gado da região. Na grande maioria eram posseiros, va-queiros, agregados e camaradas que prestavam serviço para os fazendeiros. É diante do quadro no qual a terra de trabalho se tornava um bem cada vez mais raro que, 17 famílias que presta-vam serviços ao proprietário de uma fazenda denominada Rocinha, reivindicaram a posse da terra, mais do que isto, lutavam pela conquista de um território, onde eles pudessem continuar com os seus modos de vida, trabalho, lazer e tradições.

O artigo encontra se estruturado da seguinte forma: Primeiramente apresentamos o processo de luta pela terra a territorialização do PA Dois de Junho e posteriormente tecemos considerações evidenciando as territorialidades dos assentados, quanto as suas práticas cotidia-nas e saberes tradicionais .Contudo entendemos que o território do PA Dois de Junho é forjado tanto pelo seu uso e apropriação funcional, como também pela sua valoração simbólica, um mesmo território adquire múltiplas posições simultaneamente.

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DA LUTA PELA TERRA A TERRITORIALIZAÇÃO DO PA DOIS DE JUNHO.

A área da pesquisa encontra-se regionalmente inserida na bacia do Jequitinhonha, dis-tante a 94 km de Montes Claros, principal centro regional, localiza-se no município de Olhos D’ Água, a 23 km da sede e tem o acesso facilitado pela BR 451.

Figura 1 – Localização do município de Olhos D’ Água e do PA Dois de junho no Nor-te de Minas Gerais.

Mapa: Localização do PA Dois de Junho.

Fonte: Org. Santos, 2018.

Conforme aponta o mapa o município de Olhos D’ Água faz parte da mesorregião do Norte de Minas e encontra se entre os municípios de Bocaiuva (ao Norte ) e Diamantina (ao Sul). Quanto ao PA Dois de Junho, este limita se ao norte com a Fazenda Pedra Negra e Fazenda das Rosas, ao Sul encontra se a área de refl orestamento da Empresa Floresta Minas, a Oeste limita-se com uma área de Mineração, e está a 5 km do Parque das Sempre vivas.

A primeira ocupação da fazenda da Rocinha ocorreu no dia Dois de Junho de 1999, com o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bocaiuva (STR) e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG). O assentamento recebeu este nome por ser esta a data que marcou a ocupação das famílias na área da antiga fazenda Rocinha.

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Em 2000, o Assentamento já contava com a organização dessas famílias, os demais trabalhadores que ali chegaram juntaram-se aos posseiros da fazenda Rocinha e engrossaram as reivindicações da posse da terra, tendo em vista que seus pais sempre moraram naqueles arredo-res. Iniciou-se então a estruturação e organização do Projeto de Assentamento, para tanto se fez necessário solicitar um trator junto ao STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais para gradear as terras para plantar e para melhorias de acesso ao assentamento, como por exemplo, abertura de novas estradas. Vejamos a seguir a transcrição da entrevista de um dos primeiros moradores do assentamento, ao ser indagado como foi a sua chegada à fazenda da Rocinha:

Assentado 01: Nós entramos no dia 02 de junho de 1999, [...] viemos para cá [...] daí depois de 3 dias, recebemos foi a polícia lá de Bocaiúva, tenente Rômulo mais uns oito, e nós fi camos como invasor da terra, aquele negócio todo, eles fez ocorrência nossa, mas como nós não podíamos retirar daqui de dentro. Só com ordem de juiz porque não nós éramos invasores, e aquele negócio todo.(Entrevista 1. Realizada em outubro de 2017).

Conforme descrito pelo entrevistado, a ocupação e conquista da terra não ocorreu de forma pacífi ca, considerando o quadro de violência da justiça local e do proprietário da fazen-da. Dentro deste quadro de resistência e estruturação do PA, é importante frisar como elemento estratégico a implantação da escola João Eduardo Pereira, na antiga sede da fazenda (casa do fazendeiro), conforme a fi gura 2.

Figura 2 - Escola do Assentamento

Autor: SOUZA, S. G., Out., 2017.

A Escola Municipal João Eduardo Pereira atende cerca de 160 alunos e contempla 1º a

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4º série do ensino fundamental, sendo ofertado transporte escolar para as demais séries que é realizada na cidade de olhos D’Água. A escola iniciou a suas atividades no assentamento no ano de 2000, antes da emissão da posse da terra que só veio ocorrer em 2005. Diante do quadro de incertezas, a criação da escola fortaleceu o processo de luta e conquista da terra pelos assenta-dos. Mais do que uma benfeitoria realizada na terra ocupada, a escola marcou historicamente o processo de conquista da terra.

Além da escola, a associação Comunitária da fazenda da Rocinha teve esta função es-tratégica, considerando que estas instituições são elementos fundamentais que contribuíram no processo de luta e na efetivação do território. Como a situação se tornava cada vez mais complicada e com a pretensão de exploração de garimpo às margens do rio Jequitinhonha e, principalmente, a recusa do proprietário em vender as terras ao Instituto Nacional de Coloni-zação e Reforma Agrária -INCRA, além dos pedidos de reintegração de posse, a consolidação do PA era incerta. Daí que tais instituições sejam consideradas como elementos estratégicos de resistência e conquista da terra.

Desta forma, somente em 10 de março de 2005 houve o decreto de desapropriação das terras da antiga fazenda Rocinha. Desde então o INCRA aproximou-se das famílias e passou a prestar assistência por meio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER). A elaboração do Plano Desenvolvimento do Assentamento- PDA contou com uma equipe mul-tidisciplinar da (Empresa de Assistência Técnica e extensão Rural) – EMATER-MG (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agraria) – INCRA e da Assessoria Técnica Socioam-biental (ATES). Sendo o primeiro o responsável pela elaboração o segundo empreendedor do projeto e ao último coube a tarefa de acompanhamento e a implantação do PDA.

No processo de construção do PDA fi cou evidente pelo ou menos duas dimensões: a primeira refere-se aos processos formais implementados pelo INCRA e órgão ambientais na área ocupada pelo PA, efetuando levantamentos dos aspectos histórico, sociais, econômicos e ambiental; uma segunda que se relaciona aos principais entraves e anseios dos assentados através da realização de ofi cinas de diálogo e diagnósticos, que foram concretizados juntamente com as famílias para retratar a suas trajetórias e necessidades desde a ocupação até a conquista da terra. Ocorreu também o parcelamento do território da antiga fazenda em lotes que respeitou a primeira ocupação realizada pelos moradores , tendo em vista que eles já haviam realizado benfeitorias como casas, estradas, currais, e pequenas plantações. Portanto, a criação dos assen-tamentos rurais representam a constituição de “novas unidades agrícolas, visando o reordena-mento do uso da terra, por meio de políticas governamentais, ou seja, é um território produto do Estado”. (PANTA e MOREIRA, 2014, p.506).

o assentamento rural é:

[...] Um espaço concreto, defi nido por fronteiras e delimitado por e a partir de relações de poder que se estabelecem e se transformam ao longo do tempo históricos; [...] como uma porção do espaço socialmente produzido, que exprime as características do espaço a que pertence, porém, destaca-se pela dimensão que assume enquanto objeto de disputa e de enfrentamentos. [...]como um produto da luta de classes e do confronto entre capital e traba-lho. [...] enquanto processo efetivo de territorialização, [...] que assume

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também uma dimensão tanto concreta como simbólica; (MOREIRA; TARGINO, 2007, p.4).

Desta forma, a apropriação é a principal característica de um território, o que signifi ca dizer, que, é o uso social que defi ne o território. O assentamento representa a formação de um novo território, com novas relações sociais, de trabalho e poder, ele (...) “é um trunfo particular, recurso e entrave, continente e conteúdo, tudo ao mesmo tempo. O território é o espaço polí-tico por excelência, o campo da ação dos trunfos.” (RAFFESTIN, 2011, p. 54). De maneira o assentamento rural é um trunfo para os assentados, pois com a conquista da terra, eles passam a teritorializar e qualifi car os espaços tornando-os em seu território ou seja, é o campo da ação dos trunfos, onde os assentados vão desenvolver as suas territorialidades.

As relações estabelecidas no território são carregadas de historicidade e mudam com o passar do tempo, ou seja; o território adquire novas signifi cações em seu processo de apro-priação, ele se “desdobra ao longo de um continuum que vai da dominação político, econômica mais concreta e funcional à apropriação mais subjetiva e/ou cultural – simbólica”. (HAESBA-ERT, 2005, p. 6775).

Assim, compreendemos que o PA Dois de Junho circunscreve neste movimento históri-co do território, pois os assentados apropriam do espaço geográfi co na busca de obter meios de manutenção de sua vida social, política, econômica e cultural.

TERRITORIALIDADES NO PA DOIS DE JUNHO.

Entendemos que o território do PA Dois de Junho se constitui simultaneamente tanto pela forma material e funcional, quanto pela forma simbólica. O território signifi ca o lar, abri-go físico, fonte de recursos e meio de produção, além de ser um espaço de referência, onde os assentados constroem signifi cados e demarcam os lugares de sua cultura. Para Haesbaert (2005, p.6775). “Todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes com-binações, funcional e simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar funções quanto para produzir signifi cados”. O autor entende que o território é sempre múltiplo e complexo, ele não é puramente funcional, pois carrega também uma carga simbólica. Neste sentido, a constituição do território de um assentamento rural, pode ser compreendido como um momento de materialização das lutas pela posse da terra e também como um momento de vivências signifi cativas.

Para Medeiros (2009, p. 219) o território do assentamento se confi gura como um terri-tório alternativo, que abarca uma outra forma de organização social do espaço geográfi co “que deixa de ser abstrato, que passa do sonho a concretude, expressa através da conquista da terra, da reconstrução da identidade e da territorialidade. São as novas relações que surgem do novo território”. (MEDEIROS, 2009, p. 219).

Na compreensão do território, devemos entender que as territorialidades são elementos fundamentais em sua constituição. Com a conquista da terra, os assentados passam a construir novas territorialidades [...] é a partir de então que uma nova necessidade se impõe, é preciso mudar o modo de ver o mundo interno e o mundo externo, envolvendo-os em novos valores que lhes permitirão organiza-se no novo ambiente (MEDEIROS, 2009). Neste sentido, as terri-

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torialidades dos assentados se formam para além das relações de poder [...] “elas adquirem um valor bem particular, pois refl ete a multidimensionalidade do vivido territorial pelos homens e pelas sociedades em geral.” Raffestin (2011, p, 142). Desta forma, são construídas novas rela-ções entres os assentado e entre eles e o espaço são as suas cotidianidades. O que signifi ca que as territorialidades dos assentados do PA Dois de Junho, são evidenciadas nas suas relações do cotidiano, por meio dos vínculos e das relações sociais, políticas, econômicas e culturais.

As territorialidades dos assentados do PA Dois de Junho, podem ser evidenciadas atra-vés das novas relações que estes moradores estabelecem, entre eles e com os espaços no qual estão inseridos. A exemplo disso, apontamos a residência dos assentados, que vai além de uma simples moradia ou abrigo físico. Ela é o lugar da convivência familiar, dividida entre a casa como um abrigo e o quintal como uma extensão do trabalho feminino, onde se cultiva as plantas ornamentais, as hortas e outros afazeres. Como evidenciado a fi gura 3 a seguir.

Figura 3 - Residência do assentado PA Dois de Junho.

Autor: SOUZA, S. G., Julho, 2018.

As residências do PA Dois de Junho apresentam padrões variados, algumas foram cons-truídas com ajuda do INCRA, que forneceu um crédito inicial no valor de R$ 7.000,00 para compra de materiais para construção. Embora seja um valor insufi ciente, é bom lembrar que nem todos foram benefi ciados pelo crédito habitação, devido a burocracia dos órgãos respon-

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sáveis. A casa tem um sentido próprio para estas pessoas, é o lugar do convívio social, con-

forme afi rma a Assentada 02: “[...] eu gosto mesmo é de fi car em casa, aqui é onde eu faço o requeijão, cuido da horta, das plantas, enquanto o marido está na lida com a lavoura [...] sei que a gente mexe aqui e ali quando vai ver já chegou a noite”. (Entrevista 2. Realizada em julho de 2018).

Neste sentido, a casa não é apenas um abrigo, ela representa um lugar de vida e de trabalho. É importante frisar também que geralmente em quase todas as casas, notamos a pre-sença do fogão a lenha, que auxilia no preparo dos alimentos, sem ele os alimentos “não fi cam a mesma coisa”, “não pegam gosto, não pega cor”. É desta forma que os assentados resgatam e mantém várias receitas das famílias, os saberes herdados de gerações, como o doce de mocotó, biscoitos de polvilho, queijo e o requeijão, são exemplos de alguns dos alimentos produzidos no assentamento.

Figura 4 - Produção de Requeijão

Autor: SOUZA, S. G., Julho, 2018.

Além de ser um alimento consumido pelos moradores do PA Dois de Junho, o requeijão (fi gura 4.) fornece mais uma fonte de renda para as famílias e também a possibilidade deles participarem das feiras, que são realizadas semanalmente na cidade de Olhos D’ Água. Os as-sentados participam da feira para venderem os produtos não só pelo recurso fi nanceiro, mas porque representam um espaço de convívio e de sociabilidades.

As territorialidades dos assentado também se expressam pelas diferentes formas de or-ganização da agricultura camponesa. Há entre as famílias dos assentados o cultivo de alguns alimentos que garantem a sua sobrevivência, dentre os quais podemos citar: feijão, milho, man-dioca, cana-de-açúcar, banana, abacaxi, abóbora. Como mostra a (fi gura 5.)

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Figura 5 - Cultivo de Cana–de–açúcar e Banana, no PA Dois de junho.

Fonte: EMATER/2012.

A fi gura 5 evidencia a forma como os assentados organizam os sistemas de cultivos, sobretudo, demonstra a técnica de consorciamento de culturas. Estes fatores, aliados à persis-tência e luta destas pessoas, tornam-se decisivos no processo de territorialização do PA Dois de Junho, que mesmo diante das lógicas de exclusão como a (mineração e o refl orestamento), obedecem a uma forma distinta de produção. E, mesmo diante de uma lógica que se propõem uma natureza “intocável” (o Parque), estes produzem territórios a partir da socialização e pro-dução cultural da natureza. Para Haesbaert ( 2005 ) a territorialidade, além de congregar uma dimensão estritamente política, diz respeito também às relações econômicas e culturais, pois está intimamente ligada a maneira como as pessoas utilizam a terra, como elas próprias se or-ganizam no espaço e como elas dão signifi cado ao lugar.

Desta forma, os assentados do PA Dois de Junho territorializaram os espaços antes ocu-pado pelo latifúndio com novas formas de organização, de lazer e de trabalho, tornando-os em seus lugares de vida as suas territorialidades.

Neste sentido, o Galpão da Associação Comunitária da fazenda da Rocinha, também ganha uma funcionalidade territorial específi ca, é o lugar no qual os assentados se reúnem mensalmente (fi gura 6), para participarem das reuniões da associação.

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Figura 6 - Sede da Associação Comunitária da Rocinha

Autor: SOUZA, S. G., Out., 2017.

O Galpão também se traduz em um local de sociabilidades como descrito pela Assenta-da 3 : “aqui nós realizamos tudo, casamento, aniversários e leilões, o povo aqui gosta muito de festa, agora mesmo dia dois de junho comemoramos o aniversário do assentamento, todo ano a gente comemora, foi uma festa só” (Entrevista 3. Realizada em outubro de 2017).

Estas atividades políticas e culturais vão transformando, e qualifi cando os espaços, isto é, por uma vinculação concreta e simbólica do sujeito assentado ao seu território. Estes são ape-nas alguns elementos que evidenciam as territorialidades dos assentados do PA Dois de Junho, todavia, há outros elementos simbólicos que contribuem para reforçar ainda mais os vínculos territoriais dos assentados a exemplo das festas, costumes, danças, comidas, e artesanatos.

CONSIDERAÇÕES

Desta maneira, a territorialidade dos assentados do PA Dois de Junho ocorre das mais variadas formas, envolvendo desde a materialização da luta pela terra, à construção das novas territorialidades.

O território do PA Dois de Junho se constitui simultaneamente tanto pela forma material e funcional, quanto pela forma simbólica. Ele é um território conquistado através das dimensões da luta pela terra, pois como verifi camos no processo de territorialização, os assentados ocu-param e lutaram pela conquista de seus territórios. É um território de resistência, pois mesmo com a conquista da terra, estes assentados precisam resistir às múltiplas lógicas de exclusão do capital que os cercam, representado pelo parque, a mineração, o refl orestamento e as fazendas.

É um território do estado, organizado e delimitado através de suas instituições como a EMATER e o INCRA. Sendo estes órgãos responsáveis pela elaboração e implementação do

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PDA, promovendo o parcelamento e a reconfi guração territorial do assentamento. O território e sua expressão mais concreta a territorialidade são evidenciadas pelas di-

ferentes formas de organização social da agricultura camponesa, e pelos diferentes espaços do cotidiano dos assentados, representado pelas residências, que vai além de uma simples moradia, é o lugar familiar de afetividade, é onde eles recriam os elementos de sua cultura, por meio das práticas de produção do requeijão, doces, biscoitos. O galpão da associação que além de ser um espaço onde os assentados participam das reuniões , também é o lugar onde constroem signifi -cados e demarcam os lugares de sua cultura com as festas e os leilões.

Essas diferentes territorialidades promovem a ruptura com o antigo território do la-tifúndio, criando uma nova organização social diferente daquela marcada pela subordinação, pela dominação e exploração, as territorialidades são evidenciadas pela multidimensionalidade das experiências vividas pelos assentados. Trata se de um território conquistado, inacabado, em continuo processo de recriação e redefi nição pelos sujeitos que nele habitam.

REFERÊNCIAS

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