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PROJETO MEMÓRIA”: A MARINHA DO BRASIL E AS FONTES ORAIS SERGIO WILLIAN DE CASTRO OLIVEIRA FILHO* “Não foi bem isso, não. Aí, eu me lembro bem.” 1 Apresentar qualquer discussão relativa a projetos que se propõem a trabalhar com a metodologia da “história oral” 2 se torna um trabalho bastante difícil se previamente não levarmos em consideração os debates em torno do conceito “memória”. Um amplo e infindável espectro de abordagens já se fizeram e continuam sendo feitas em relação a este conceito. Nossa ideia aqui não é a de fazer um levantamento bibliográfico de tal debate, entretanto, cremos que se faz necessário realizar uma apresentação inicial de tal temática para em seguida apresentarmos o “Projeto Memória” em consecução na Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha. De modo geral podemos classificar a memória como a “propriedade de conservar certas informações, [a qual] remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou o que ele representa como passadas” (LE GOFF, 2003:419). Dessa maneira, um dos atributos inerentes ao uso da memória consiste no fato de que a mesma vem à tona à medida que estímulos do presente desencadeiam a revisão de informações passadas. Este ponto de vista acerca da memória pode ser complementado, em nossa opinião, ao que Lowenthal (LOWENTHAL, 1998:88) denomina de capitulação da memória, isto é, ao ser requisitada, ante as demandas do presente, constantemente a memória tende a ser metamorfoseada de modo a adequar-se a estes pleitos: A função fundamental da memória, por conseguinte, não é preservar o passado mas sim adaptá-lo a fim de enriquecer e manipular o presente. (...) Lembranças não são * Doutorando em História Cultural pela Unicamp. Pesquisador da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha. 1 Depoimento do Contra-Almirante (Reformado) Jayme Leal Costa Filho (1918-2009). Entrevista realizada em 24 de novembro de 1998. 2 Apesar de utilizarmos no decorrer desse texto o já consagrado termo “história oral” fazemos a ressalva levantada por Garrido e compartilhada por nós: “Nos referimos a fontes orais porque não nos parece procedente falar em História Oral, mas preferimos insistir na ideia de que o importante é utilizar fontes orais para fazer história. Trata-se, portanto, de incorporar tais fontes orais como uma fonte documental a mais” (GARRIDO, 1993:33). Desta maneira, daremos preferência à utilização de “fontes orais” para a escrita da história, entendendo-se aqui “história” no “sentido de historiografia. Quer dizer (...) uma prática (uma disciplina), seu resultado (um discurso) e sua relação” (CERTEAU, 2006:109).

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“PROJETO MEMÓRIA”: A MARINHA DO BRASIL E AS FONTES ORAIS

SERGIO WILLIAN DE CASTRO OLIVEIRA FILHO*

“Não foi bem isso, não. Aí, eu me lembro bem.”1

Apresentar qualquer discussão relativa a projetos que se propõem a trabalhar com

a metodologia da “história oral” 2 se torna um trabalho bastante difícil se previamente não

levarmos em consideração os debates em torno do conceito “memória”. Um amplo e

infindável espectro de abordagens já se fizeram e continuam sendo feitas em relação a este

conceito.

Nossa ideia aqui não é a de fazer um levantamento bibliográfico de tal debate,

entretanto, cremos que se faz necessário realizar uma apresentação inicial de tal temática para

em seguida apresentarmos o “Projeto Memória” em consecução na Diretoria do Patrimônio

Histórico e Documentação da Marinha.

De modo geral podemos classificar a memória como a “propriedade de conservar

certas informações, [a qual] remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções

psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou o

que ele representa como passadas” (LE GOFF, 2003:419). Dessa maneira, um dos atributos

inerentes ao uso da memória consiste no fato de que a mesma vem à tona à medida que

estímulos do presente desencadeiam a revisão de informações passadas.

Este ponto de vista acerca da memória pode ser complementado, em nossa

opinião, ao que Lowenthal (LOWENTHAL, 1998:88) denomina de capitulação da memória,

isto é, ao ser requisitada, ante as demandas do presente, constantemente a memória tende a ser

metamorfoseada de modo a adequar-se a estes pleitos:

A função fundamental da memória, por conseguinte, não é preservar o passado mas sim adaptá-lo a fim de enriquecer e manipular o presente. (...) Lembranças não são

* Doutorando em História Cultural pela Unicamp. Pesquisador da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha. 1 Depoimento do Contra-Almirante (Reformado) Jayme Leal Costa Filho (1918-2009). Entrevista realizada em 24 de novembro de 1998. 2 Apesar de utilizarmos no decorrer desse texto o já consagrado termo “história oral” fazemos a ressalva levantada por Garrido e compartilhada por nós: “Nos referimos a fontes orais porque não nos parece procedente falar em História Oral, mas preferimos insistir na ideia de que o importante é utilizar fontes orais para fazer história. Trata-se, portanto, de incorporar tais fontes orais como uma fonte documental a mais” (GARRIDO, 1993:33). Desta maneira, daremos preferência à utilização de “fontes orais” para a escrita da história, entendendo-se aqui “história” no “sentido de historiografia. Quer dizer (...) uma prática (uma disciplina), seu resultado (um discurso) e sua relação” (CERTEAU, 2006:109).

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reflexões prontas do passado, mas reconstruções ecléticas, seletivas, baseadas em ações e percepções posteriores e códigos que são constantemente alterados através dos quais delineamos, simbolizamos e classificamos o mundo à nossa volta. (LOWENTHAL, 1998:103)

Desde a consagrada explosão documental advinda com a ofensiva dos Annales à

chamada história metódica tendo entre seus porta-vozes March Bloch, que proclamou a

infinitude de testemunhos históricos ao alcance do pesquisador, em que “Tudo que o homem

diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve informar sobre ele” (BLOCH,

2001: 79), os historiadores passaram a se ver cercados por um turbilhão de possibilidades, ao

mesmo tempo em que, para justificar o uso de outros tipos de fontes históricas, além da

documentação oficial escrita passou a ter que por em prática uma série de cuidados

metodológicos.

Ante tais argumentos nos deparamos com um dos grandes desafios enfrentados

pelos historiadores que se utilizam de fontes orais3 baseadas na memória para a consecução de

seus trabalhos, que diz respeito à confiabilidade de suas fontes. Ora, já foi bastante discutido

que nenhum tipo de fonte histórica permite ao historiador um repasse objetivo de informações

para suas análises, mas que pelo contrário, todo documento disponível aos historiadores estão

repletos de intencionalidades e subjetividades.

Porém, durante bastante tempo, as fontes orais foram postadas como detentoras de

maior desconfiança, ante sua forte carga subjetiva. Além do que, ao transitar no âmbito da

memória, tais fontes imiscuem-se no que Pollack denomina de “não-ditos” (POLLAK,

1989:8), isto é “lembranças proibidas (...), indizíveis (...) ou vergonhosas”.

Somados aos “não-ditos” encontram-se os esquecimentos, os quais são

fundamentais no mecanismo da memória, na medida em que:

A necessidade de se utilizar e reutilizar o conhecimento da memória, e de esquecer assim como recordar, força-nos a selecionar, destilar, distorcer e transformar o passado, acomodando as lembranças às necessidades do presente. (LOWENTHAL, 1998:77)

Todas essas escorregadias características presentes na memória repercutem

diretamente no trabalho do historiador e devem ser levadas em consideração quando do

desenvolvimento de sua análise. Por outro lado, se levados em consideração os cuidados

3 Meihy classifica as fontes orais como “as diversas manifestações sonoras, gravadas, decorrentes da voz humana e que se destinam a algum tipo de registro passível de arquivamento ou de estudos. As fontes orais são sempre decorrentes de projetos de gravação, como banco de entrevistas, pesquisas dirigidas ou coleções de músicas gravadas” (MEIHY, 2005:21).

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metodológicos, as fontes orais podem possibilitar ao historiador diversos caminhos que

dificilmente poderiam ser percorridos apenas se utilizando a documentação tradicional.

Conforme Jucá “A memória é considerada, de acordo com a dimensão social que

representa, uma realidade onde se mesclam o individual e o coletivo, possibilitando uma

compreensão diferenciada daquela transmitida pela documentação tradicional” (JUCÁ,

2003:16).

Buscando aproximar-se desta compreensão diferenciada a Marinha do Brasil,

através de sua Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação, vem a quase duas décadas

direcionando esforços no desenvolvimento do “Projeto Memória”.

Entre os anos de 1970 e 1990 a Marinha do Brasil desenvolveu a coleta de uma

série de depoimentos orais de alguns de seus membros. Desta fase, encontramos atualmente

no Arquivo da Marinha aproximadamente 300 gravações entre fitas de rolo e fitas K7, com

depoimentos de autoridades navais e gravações de eventos concernentes à divulgação da

história naval brasileira. Todavia, tais coletas não foram realizadas de maneira a poder

denominá-las de “história oral”, na medida em que, consoante Meihy:

Para se fazer um trabalho de história oral, não basta alguém munido de gravador e filmadora e a existência de um ou mais depoentes dispostos a dar entrevistas. É preciso um projeto que guie as escolhas, especifique as condutas e qualifique os procedimentos do começo ao fim. (MEIHY, 2005:173)

Assim, somente em 1998, com a ampliação da discussão sobre os métodos

utilizados pela chamada “história oral”, o Departamento de História da Diretoria do

Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha (DPHDM), buscou sistematizar o trabalho

relativo à memória oral da Marinha do Brasil com o desenvolvimento de um trabalho de

produção, arquivamento, conservação e disponibilização ao público de fontes orais através do

“Projeto Memória”.

Tal projeto busca postar-se como uma das engrenagens do cumprimento de uma

das tarefas da DPHDM, conforme o regulamento desta Organização Militar, que é “propor e

incentivar a divulgação da cultura e história marítima para a sociedade em geral” (MARINHA

DO BRASIL, 2013:3).

Este programa de história oral tem como uma de suas características essenciais a

opção pela história oral temática, ou seja:

A história oral temática se compromete com o esclarecimento ou a opinião do entrevistador sobre algum evento definido. A objetividade portanto é direta. A

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hipótese de trabalho nesse ramo da história oral é testada com insistência e o recorte do tema deve ficar de tal maneira explícito que conste das perguntas a ser feita ao colaborador. (MEIHY, 2005:162).

Desta forma, desde seu início em 1998, o “Projeto Memória” da DPHDM

desenvolve os seguintes subprojetos: ‘Ministros da Marinha’, ‘Aviação na Marinha’,

‘Intendentes da Marinha’, ‘Corpo de Engenheiros Navais’, ‘Corpo de Fuzileiros Navais’,

‘Submarinistas’, ‘Plano Diretor’, ‘Participação da Marinha na Segunda Guerra Mundial’,

‘Marinha Mercante’, e o subprojeto em fase inicial intitulado ‘Ingresso da mulher militar na

Marinha’.

Tais subprojetos possibilitaram a realização de sessenta entrevistas conforme

discriminado na tabela abaixo:

Ministros da Marinha

Almirante de Esquadra Mauro César Rodrigues Pereira

Almirante de Esquadra Alfredo Karam

Almirante de Esquadra Ivan da Silveira Serpa

Almirante de Esquadra Henrique Sabóia

Almirante de Esquadra Mário Cesar Flores

Aviação na Marinha

Vice-Almirante Mário Rodrigues da Costa

Vice-Almirante Roberto Mário Monnerat

Contra-Almirante Jayme Leal Costa Filho

Coronel Aviador José de Faria Pereira Sobrinho

Capitão de Fragata Roberto Arieira

Almirante de Esquadra (Fuzileiro Naval) Carlos de Albuquerque

Capitão de Mar e Guerra Cleumo de Carvalho Cruz

Vice-Almirante Hélio Leôncio Martins

Coronel Aviador Nelson Alves Santiago

Contra-Almirante Sylvio Caielli de Siqueira

Almirante de Esquadra José Maria do Amaral Oliveira

Capitão de Mar e Guerra Hercel Ahrents Teixeira

Capitão de Mar e Guerra Wigando Engelke

Almirante de Esquadra Eddy Sampaio Espellet

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Brigadeiro Paulo Coutinho de Assis

Contra-Almirante Paulo Ronaldo Daldegan Moreira

Vice-Almirante (Médico) Hadoran Calazans

Vice-Almirante (Médico) Marco Antônio Montenegro

Capitão de Mar e Guerra (Engenheiro Naval) Edmilson de Queiroz Matos

Coronel Aviador José de Carvalho

Capitão de Fragata (Engenheiro Naval) Mário Jansen Cavalcanti

Coronel Aviador Armin Freudenfeld

Capitão de Mar e Guerra Robério Cardoso Brochado

Capitão de Mar e Guerra Ney Moura de Almeida

Vice-Almirante Claudio José Correa Lamego

Tenente-Coronel Aviador João José Pereira Pinto

Tenente- Brigadeiro Márcio Terezino Drummond

Capitão de Mar e Guerra Elígio Ferreira de Moura Filho

Brigadeiro Àlvaro Moreira Pequeno

Brigadeiro João Eduardo Magalhães Motta

Intendentes da Marinha

Contra-Almirante (Intendente da Marinha) Arnaldo Andrade Ferreira dos Santos

Contra-Almirante (Intendente da Marinha) Roberto Silvares Sertã

Vice-Almirante (Intendente da Marinha) Luiz Henrique Grimmer

Vice-Almirante (Intendente da Marinha) Otávio Mello de Almeida Filho

Vice-Almirante (Intendente da Marinha) Ícaro Passos

Corpo de Engenheiros Navais

Vice-Almirante (Engenheiro Naval) José Claudio Beltrão Frederico

Vice-Almirante (Engenheiro Naval) José Carlos Coelho de Souza

Vice-Almirante (Engenheiro Naval) Armando de Senna Bittencourt

Capitão de Mar e Guerra (Engenheiro Naval) Paulo Domingos Ribas Ferreira

Vice-Almirante (Engenheiro Naval) Othon Luiz Pinheiro da Silva

Corpo de Fuzileiros Navais

Almirante de Esquadra (Fuzileiro Naval) Carlos de Albuquerque

Capitão de Mar e Guerra (Fuzileiro Naval) Hélio Miguelis Leão

Submarinistas

Contra-Almirante Diocles Lima Siqueira

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Capitão de Mar e Guerra Carlos Baltazar da Silveira

Capitão de Mar e Guerra Antônio Jovino Pavan

Plano Diretor

Capitão de Mar e Guerra Carlos Borba

Contra-Almirante Telmo Becker Reiffshneider

Participação da Marinha na Segunda Guerra Mundial

Primeiro-Tenente Reynaldo Machado de Faria

Vice-Almirante Leopoldo Francisco Correa Dias de Paiva

Primeiro-Tenente Euliseto Santos Cezimbra

Segundo-Sargento Manoel Garcia Santos

Corpo de Saúde da Marinha

Contra-Almirante (Médico) Moacyr Mirabeau De Carvalho Soares

Marinha Mercante

Capitão de Longo Curso Carlos Eugênio Dufriche

Brigadeiro Álvaro Moreira Pequeno

Forças de Paz

Vice-Almirante (Fuzileiro Naval) Fernando Do Nascimento

A proposta principal inserida no “Projeto Memória” é, após feito o termo de

cessão, a entrega das entrevistas ao setor de documentação especial do Arquivo da Marinha

para, em seguida, ocorrer a disponibilização de tais entrevistas aos pesquisadores.

De certa maneira, na disponibilização de tal material é que se concentram os

esforços da DPHDM. Apesar de nem sempre ocorrer a análise das fontes orais produzidas

pelo projeto4, o que faz parte das etapas de realização da história oral, conforme Meihy, “1.

Elaboração do projeto; 2. gravação; 3. confecção do documento escrito; 4. Eventual análise; e

devolução do produto” (MEIHY, 2005:107), cremos que o trabalho metodológico com as

fontes orais não torna-se menos meticuloso, na medida em que uma série de outras etapas são

postas em prática, tais como: a elaboração do projeto e o desenvolvimento dos roteiros de

entrevistas (feitos a partir de um longo planejamento), a captação dos depoimentos, o

arquivamento, o trabalho de transcrição, a autorização dos colaboradores.

4 Atualmente estão em fase de produção e publicação dois trabalhos desenvolvidos pela Marinha do Brasil e que utilizaram como parte de suas fontes a documentação oral produzida pelo “Projeto Memória” da DPHDM, que são: A História da Intendência na Marinha e o livro comemorativo ao centenário da Força de Submarinos.

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Porém, apesar dos esforços de constituição de um acervo documental disponível

aos pesquisadores que procuram o Arquivo da Marinha, ainda encontramos uma série de

dificuldades.

A primeira dessas dificuldades diz respeito à ontologia do projeto, pois este

constitui-se como um projeto que propõe justamente subsidiar trabalhos que se voltem à

história institucional da Marinha do Brasil. Dessa maneira, projetos de história oral que têm

por foco uma instituição e que são desenvolvidas pelos seus historiadores “oficiais”5 podem

levar à sedução do “Tornar-se senhores da memória e do esquecimento” (LE GOFF,

2003:422).

Outro ponto delicado, e que advém do acima exposto, habita justamente na

tentativa de se obter a direção da memória com a finalidade de se evitar tensões e cisões

acerca do passado que seriam difíceis de se controlar, desta forma “o controle da memória se

estende aqui à escolha de testemunhas autorizadas, ele é efetuado nas organizações mais

formais pelo acesso dos pesquisadores aos arquivos e pelo emprego de “historiadores da

casa”” (POLLAK, 1989:10).

Curioso é notar que fazendo uma rápida análise crítica do “Projeto Memória” a

partir dos dados a respeito dos colaboradores notamos que, quando da captação dos

depoimentos, a grande maioria dos entrevistados havia chegado, no final de suas carreiras, aos

postos mais altos no interior da Marinha ou da Força Aérea. Isto é compreensível na medida

em que, por constituir-se como um projeto de história institucional, o “Projeto Memória”

voltou-se a aspectos relacionados ao poder decisório da instituição.

Por outro lado, quando tomados determinados cuidados metodológicos (os quais

guiaram este trabalho e que atualmente norteiam o “Projeto Memória”), pode-se chegar a um

produto extremamente válido no âmbito historiográfico. Conforme as palavras de Janotti e

Rosa:

Quanto à história oral de instituições, atualmente objeto de vários estudos, apresenta maiores possibilidades analíticas, desde que não privilegie apenas depoentes e mesmos estratos funcionais, recolhendo também as vozes daqueles que não mais fazem parte dos seus quadros. (JANOTTI & ROSA, 1993:15)

5 Não se pode perder de vista a observação de Certeau acerca do lugar social do historiador o qual “torna

possíveis certas pesquisas em função de conjunturas e problemáticas comuns. Mas torna outras impossíveis; exclui do discurso aquilo que é sua condição num momento dado” (CERTEAU, 2006:76-77).

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Ora, de certa maneira o subprojeto ‘Ingresso da mulher militar na Marinha’ vem

buscando tomar essas vozes ao elencar entre seus prováveis depoentes: mulheres, das quais,

muitas não chegaram ao oficialato em suas carreiras militares.

Por fim, cabe ressaltar mais duas dificuldades atualmente encontradas pelo

“Projeto Memória”. Primeiramente a carência de pessoal redunda em uma lentidão no

desenvolvimento dos subprojetos, haja vista que dentre as atribuições do Departamento de

História da DPHDM não se encontram apenas aquelas relativas ao “Projeto Memória”.

Em segundo lugar citamos a necessidade de uma melhor adequação a nível de

material por parte do “Projeto Memória”, adequação essa que decorre da rápida

obsolescência do material necessário à consecução da história oral. Acerca deste fator Paul

Thompson já discorrera, há mais de duas décadas, nos seguintes termos:

Isso levanta uma outra questão controvertida entre os historiadores orais – a qualidade da gravação. Para uma gravação realmente boa, da qualidade exigida para um programa de rádio, você deveria chegar com um bom equipamento e utilizá-lo adequadamente. Infelizmente, as mudanças técnicas fundamentais que a gravação digital de áudio implica significam que, por alguns anos mais, as escolhas serão difíceis, uma vez que um equipamento caro pode tornar-se rapidamente obsoleto. (THOMPSON, 1992:268).

Assim, tal busca por um produto final de qualidade a ser arquivado repercute,

além dos aspectos inerentes à metodologia utilizada pelo historiador, na necessidade de uma

observância dos fatores técnicos envolvidos no processo de captação e arquivamento das

entrevistas.

Referências:

BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício de historiador. Tradução de André Telles.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Tradução de Maria de Lourdes Menezes 2 ed.

Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

GARRIDO, Joan del Alcàzar. As fontes orais na pesquisa histórica: uma contribuição ao

debate. Tradução de Alberto Aggio. In. Revista Brasileira de História. São Paulo. V.

13, n. 25/26, set.1992/ago.1993.

JANOTTI, Maria de Lourdes M. & ROSA, Zita de Paula. História oral: uma utopia? In.

Revista Brasileira de História. São Paulo. V. 13, n. 25/26, set.1992/ago.1993.

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JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. A oralidade dos velhos na Polifonia urbana. Fortaleza:

Imprensa Universitária, 2003.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução de Bernardo Leitão. 5 ed. Campinas:

Editora Unicamp, 2003.

LOWENTHAL, David. Como conhecemos o passado. Tradução de Lúcia Haddad. In. Projeto

História, São Paulo, n° 17, Nov. 1998.

MARINHA DO BRASIL. Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha:

Carta de serviços ao cidadão. 2013. Disponível em

<http://www.mar.mil.br/dphdm/diversos/cartadeservicosaocidadao.pdf> Acesso em 12

de abril de 2014.

MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. 5 ed. São Paulo: Edições Loyola,

2005.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Tradução de Dora Rocha Flaksman. In.

Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989.

THOMPSON, Paul. A voz do passado: História Oral. Tradução de Lólio Lourenço de

Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.