ORGANIZAÇÃO E CAPACITAÇÃO DE AGRICULTORES FAMILIARES NA CADEIA PRODUTIVA DA MAMONA NO SEMI-ÁRIDO

Ferreira, M. S. L., Castro, C. R. e Prado, F. M. V.Associação Caatinga, acaatinga@acaatinga.org.br

RESUMO - Executado em Itatira-Ceará, em assentamentos que cultivam a mamona, inseridos na cadeia produtiva do biodiesel (CPB). Realizou ações de fomento a organização e capacitação técnica para os agricultores familiares organizando-os em associações comunitárias e cooperativas, interferindo diretamente no mercado da oleaginosa, instrumentando-os para beneficiarem-se deste novo mercado. Seu objetivo foi contribuir para a inserção efetiva da agricultura familiar na CPB buscando o desenvolvimento de uma produção econômica, social e ecologicamente viável que estimule a geração de emprego e renda no semi-árido. Resultados positivos ocorreram na forma de benefícios nas áreas mais próximas aos locais de produção em decorrência ao aproveitamento local dos subprodutos, tornando o projeto compatível com as políticas de segurança alimentar e redução da pobreza introduzindo um ciclo local de produção com benefício dos subprodutos da mamona. O estudo e a construção de um Plano de Negócios para a CPB na perspectiva da agricultura familiar contribuíram para a definição da viabilidade da produção da mamona no contexto familiar, além de indicar as oportunidades e os riscos inerentes à atividade. O Projeto contribuiu de forma direta e indireta para: redução de emissões de gases causadores do efeito estufa; combate à desertificação; fomento ao uso de alternativas energéticas limpas.

INTRODUÇÃONas atividades e atitudes impactantes das comunidades humanas originam-se a maior parte

das fontes de ameaça à conservação da biodiversidade. No semi-árido acentua-se a relação direta entre a degradação ambiental e a degradação social. O Mapa do Fim da Fome (FGV, 2001) revela que a indigência atinge 52,6% da população nordestina, o que corresponde a 50,5% da população indigente brasileira. Além disso, as áreas com risco maior de desertificação devido ao alto grau de degradação do ambiente encontram-se exclusivamente no semi-árido brasileiro no domínio do bioma Caatinga (M.M.A., 2006). A participação direta dos agricultores do semi-árido no uso de sistemas de produção alternativos que promovam práticas conservacionistas é essencial para melhorar os índices ambientais da região. No contexto deste projeto os principais atores e beneficiários da intervenção proposta foram os pequenos produtores do município de Itatira, sertão de Canindé no Ceará, diretamente envolvidos nas ações para conservação do solo através da utilização de sistemas produtivos menos impactantes do ponto de vista ambiental.

Embora o ciclo da seca seja um dos grandes agravantes do subdesenvolvimento e miséria na região Nordeste, não é, necessariamente, a causa principal dos problemas sociais dessa região. A

base destes problemas pode ser encontrada na falta histórica de políticas públicas eficientes que promovam o desenvolvimento rural sustentável inserindo a agricultura familiar e que busquem estratégias eficazes para o convívio com o semi-árido em substituição a políticas voltadas para o combate e mitigação dos efeitos imediatos da seca.

O modelo de desenvolvimento e uso do solo tem se baseado na exploração madeireira predatória, associada à pecuária extensiva, que juntas ocupam a maior parte das terras antropizadas da região. Esta ocupação é caracterizada por um gradual declínio da produção que resulta na exaustão parcial dos recursos naturais associada ao processo de concentração fundiária. Ao final do ciclo, os pequenos produtores e agricultores familiares continuam sem alternativas e sem perspectivas de melhoria de vida, a base de recursos naturais fica exaurida e a economia local subdesenvolvida. Nos últimos 15 anos, aproximadamente 40 mil Km² de Caatinga se transformaram em deserto devido à interferência do homem sobre os recursos naturais da região. Sendo importante destacar que as áreas consideradas muito antropizadas correspondem a 60% do bioma Caatinga e as pouco antropizadas a cerca de 30%, sendo esse um dos biomas mais degradados pelo homem no Brasil. Soma-se a este quadro, o baixo número de Unidades de Conservação na Caatinga, sendo ela protegida legalmente com menos de 1% de Unidades de Conservação de proteção integral (CASTRO, 2003).

A comunidade piloto onde foi executado o projeto fica localizada no município de Canindé, Ceará, no bioma Caatinga, num assentamento da reforma agrária, que já vem cultivando a mamona, estando já inserida na cadeia produtiva do biodiesel (Fig. 1). Os agricultores familiares beneficiados foram selecionados com a ajuda do INCRA-CE, e com o apoio da Secretaria de Agricultura do Ceará. O projeto realizou ações de fomento a organização comunitária e capacitação técnica para que os agricultores familiares se organizassem por meio de associações comunitárias e/ou cooperativas de produção, passando a ter uma interferência mais direta no mercado da oleaginosa, instrumentando os mesmos para beneficiarem-se deste novo mercado em surgimento. O projeto também recomendou o plantio em áreas abandonadas, aproveitando as áreas que não estavam em cultivo, contribuindo assim para redução da pressão sobre a abertura de outras áreas florestadas na Caatinga e reduzindo a pressão sobre a Reserva Legal. Seu objetivo, portanto, foi adequar o nível tecnológico e organizacional dos pequenos produtores com vista a permitir um melhor aproveitamento das oportunidades em surgimento no fortalecimento da cadeia produtiva do biodiesel. Isso contribuiu para a inclusão dos pequenos produtores de forma mais ativa nesta cadeia, agregando maior valor para os mesmos. Resultados adicionais positivos também ocorreram na forma de benefícios para as áreas mais próximas aos locais de produção da mamona em decorrência ao aproveitamento local dos

subprodutos, tornando o Projeto compatível com as políticas de segurança alimentar e redução da pobreza introduzindo um ciclo local de produção com benefício local dos subprodutos da mamona.

O estudo e a construção de um Plano de Negócios para a cadeia produtiva da mamona na perspectiva da agricultura familiar proposto neste projeto contribuíram para a definição da viabilidade ou não da produção da mamona no contexto familiar na região de Itatira, além de indicar as oportunidades e os riscos inerentes à atividade.

De curto a médio prazo o projeto proposto contribuiu de forma direta e indireta para: 1. A redução de emissões de gases causadores do efeito estufa; 2. O combate à desertificação; 3. O fomento ao uso de alternativas energéticas/energias limpas.

Assim sendo, o presente trabalho visa contribuir para a inserção efetiva da agricultura familiar na cadeia produtiva do biodiesel buscando o desenvolvimento de uma produção econômica, social e ecologicamente viável que estimule a geração de emprego e renda no semi-árido nordestino.

MATERIAL E MÉTODOSO trabalho foi desenvolvido em 4 etapas básicas, citadas e detalhadas a seguir:

1) Diagnóstico da cadeia produtiva da mamona/biodiesel no âmbito da agricultura familiar:Tratou-se de um estudo prévio e elaboração de um diagnóstico sobre a situação em que se encontra a mamona levando frente as suas condições atuais de comercialização em mercado nacional e internacional, sendo também levantadas as suas perspectivas de crescimento.2) Agricultores familiares capacitados em organização e técnicas de produção:Os agricultores foram capacitados em diversas técnicas organizacionais e de produção com o intuito instrumentalizá-los para uma maior e mais efetiva participação na cadeia produtiva do biodiesel.

•Atividade 2.1: Oficina de capacitação sobre a organização de associações

A)Organização da associação dos pequenos agricultores familiares

Envolveu cinco módulos, trabalhando desde os conceitos jurídicos básicos até a criação de uma nova Associação dos Produtores Rurais de Itatira - APRAI, sendo eles (Fig. 2A):Modulo 01: Conceitos jurídicos – pessoa física x pessoa jurídica; Módulo 02: Como funciona estruturalmente uma associação; Módulo 03: Elaboração, em conjunto, do estatuto para a nova associação; Módulo 04: Fechamento do estatuto definitivo e Assembléia Geral de Criação da Associação dos Produtores Rurais de Itatira – APRAI; Módulo 05: Boas práticas agrícolas.

B)Motivação, funcionamento e capacitação no setor de crédito da associação criada.

Trabalharam-se noções de funcionamento e estruturação de uma Associação, a fim de fortalecer e estimular os trabalhos da mesma. Foi programado em 4 módulos: Módulo 01: Experiências da Cooperativa de sisal, com cerca de 13 anos; Módulo 02: Funcionamento e estruturação de uma das regiões mais produtora de mamona do País, Irecê, na Bahia; Módulo 03: Trabalhando o estatuto na prática; Módulo 04: Fortalecimento da comercialização da produção de mamona da APRAI.

•Atividade 2.2: Oficinas de capacitação sobre técnicas de produção da mamona (Fig. 2B)

A)Manejo Sustentável da Caatinga

Com a ajuda da EMBRAPA, os agricultores foram informados sobre o que tem se pesquisado sobre a mamona, seu sistema de produção de forma sustentável, uma vez que, tratou-se sobre sistemas agroflorestais que garantem a conservação do ambiente. Foram trabalhadas noções de boas práticas que devem ser trabalhadas pelos agricultores para que assim possam garantir maior produtividade e ao mesmo tempo possa colaborar com o desenvolvimento Sustentável do Bioma Caatinga.

B)Sistema de Produção de mamona

Através da EMATER-CE, ministrou-se uma capacitação com carga horária de 16 horas sobre as formas de se cultivar a mamona obtendo uma maior produtividade, instruindo os agricultores quanto à forma de plantio e variedade de mamona utilizada e indicada pela Secretaria de Agricultura do Estado. 3) Plano de Negócios para a cadeia produtiva do biodiesel para a agricultura familiar elaborado.4) Plano de Negócios disseminado para outras comunidades produtoras da mamona.Com o Plano de Negócios concluído, formatou-se uma cartilha para ampla divulgação junto aos agricultores familiares e pequenos agricultores produtores de mamona em Itatira e nos municípios vizinhos de Canindé.

RESULTADOS E DISCUSSÃOCom o caminhar do projeto foi possível observar o aumento de adesão dos assentamentos de

Itatira, uma vez que, o projeto previa a capacitação de uma única comunidade que julgou interessante abrir para a participação dos assentamentos que desejassem, obtendo um total de 10 assentamentos, o que possibilitou, com o entusiasmo dos mesmos, por conta das capacitações, a criação da nova Associação denominada Associação dos Produtores Rurais de Itatira – APRAI, sendo este o primeiro produto do projeto. Algo que pode ser observado de inovador foi a sempre participação de assentamentos federais e estaduais lutando juntos por melhores condições de vida. Com a importância do projeto frente ao estado do Ceará, indicando novas oportunidades, foi possível realizar uma

assinatura de convênio com a EMATER-CE para garantir a construção do galpão que será a sede definitiva da APRAI e disponibilização de um agente rural para acompanhar desde o plantio até a comercialização dos produtos por parte dos produtores familiares. Além disso, no âmbito local, o Prefeito Municipal de Itatira abarcou a causa dos agricultores e fez uma doação pessoal de um terreno para construção do galpão.

Num processo consultivo e participativo o Plano de Negócios foi elaborado a partir dos dados coletados na fase de diagnóstico do Projeto e de trabalho realizado junto aos pequenos produtores da comunidade piloto. Concluída a 1ª versão do Plano de negócios, foi feita uma discussão com todos os parceiros e beneficiários envolvidos a fim de obter um documento mais completo e condizente com a realidade.

Por ter sido amplamente divulgado no Estado inteiro, foi discutido durante o Irriga Ceará 2006, numa mesa redonda que tinha como tema a comercialização da mamona, contando com a participação de importantes integrantes na cadeia produtiva, como por exemplo, a Petrobrás, o BNB, Banco do Brasil, Brasil EcoDiesel, EMATER-CE, SEAGRI, CONAB, entre outros. Todos demonstraram preocupação quanto à desorganização da Cadeia Produtiva da mamona/biodiesel, enfatizando necessidade da organização do pequeno agricultor familiar e a sua importância na mesma. Desta forma, a metodologia utilizada no projeto Organização e Capacitação dos Agricultores Familiares na

Cadeia Produtiva da Mamona foram visto como uma saída para organização dos agricultores a nível estadual.

CONCLUSÃODe acordo com a metodologia consultada, pode-se verificar que os produtores resgataram a

sua auto-estima em relação ao trabalho rural e principalmente, voltaram a acreditar que o negócio da mamona pode sim ser uma solução para que ele possa está participando de forma efetiva e justa da Cadeia Produtiva da Mamona. Além disso, com as capacitações sobre o sistema de produção, boas práticas de cuidados ao meio ambiente pôde-se observar que os próprios agricultores estão realizando ações de conservação ambiental a medida que se tornaram multiplicadores desde conhecimento adquirido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASCASTRO, R.; REED, P.; SALDANHA, M.; OLSEN, A. 2003. Caatinga um bioma brasileiro desprotegido. In: X Congresso de Ecologia do Brasil. Anais. Fortaleza-Ce.

CAPOBIANCO, J.P.R. et al. Biodiversidade Brasileira: Avaliação e Identificação de Áreas Prioritárias para Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da biodiversidade dos biomas brasileiros; Brasília: MMA/SBF, 2002, 404p.Fundação Getúlio Vargas – Centro de Políticas Sociais (FGV/CPS). 2001. Mapa do fim da fome: Metas sociais contra a miséria nos municípios cearenses. Fundação Getúlio Vargas.Ministério do Meio Ambiente (M.M.A.). 2006. Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação Ministério do Meio Ambiente,(PAN-Brasil) [online]. - http://desertificacao.cnrh-srh.gov.br/.

Figura 1. Mapa de localização do município de Itatira, no Sertão de Canindé.

Figura 2. A - Assembléia de Criação da APRAI; B - Atividade de capacitação no setor de crédito; C - Agricultores no em visita ao terreno doado pelo Prefeito Municipal de Itatira

CA B