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Revista PRESENÇAÓrgão do Conselho Estadual de Cultura e da Fundação Cultural do PiauíRua Coelho Rodrigues, 1016 – Centro CEP: 64.000-080 Fone: (86) 3221-7083 Fax: (86) 3223-5577ANO XXI, Nº 36 – Teresina, 2º semestre /2006

Governador do Estado José Wellington Barroso de Araújo Dias

Vice-governador Osmar Ribeiro de Almeida Júnior

Secretário de Educação e Cultura Antônio José Medeiros

Presidente do Conselho Estadual de Cultura Manoel Paulo Nunes

Presidente da Fundação Cultural do Piauí Sônia Maria Dias Mendes

Conselho Editorial Cineas SantosPedro Ferrer Mendes de FreitasPedro Nonato da Costa

Secretária Ana Maria dos Santos

Projeto gráfico, editoração eletrônica,imagens e ilustraçõesInterativa Propaganda e Marketing Ltda.Rua Gabriel Ferreira, 547 – Sala 206Ed. Sta. Isabel – Centro/NorteCEP: 64.000-250 Teresina-PIFone: (86) 3223-8266 • Fax: (86) 3223-8266interativa@interativapropaganda.com.brwww.interativapropaganda.com.br

Jornalista ResponsávelNatacha Maranhão / DRT-PI 1142

RevisãoCineas SantosNatacha Maranhão

Foto da capaArquivo IPHAN 19ª SR/PI

A SERVIÇO DA CULTURA

Uma das fortes razões para a conti-nuidade de uma revista de cultura e de sua penetração nos meios literários ou culturais é torná-la um vetor das preocupações e dos anseios da comunidade regional ou nacional. Assim ocorreu com a Revista de Portugal, fundada pela grande geração de 70 naquele país, cujo ideário foi largamente discutido pelo romancista Eça de Queiroz, a tal ponto que com ela se identifi caria pro-fundamente. O mesmo ocorre com a Revis-ta do Ocidente, criada em 1927 pelo fi lósofo Ortega y Gasset, vinculada às propostas literárias e fi losófi cas da famosa geração de 98, a geração da derrota, outra sorte de Vencidos da Vida, quando a Espanha perde o seu domínio colonial e mergulha no ocaso, mas parece renascer pelo pen-samento, com Dom Miguel de Unamuno, com Angel Ganivet, com Pio Baroja, com Jacinto Benavente, com Vale-Inclán, com Menendez Pidal, com o próprio Ortega, ou seja, com a fi na fl or da aristocracia do espírito espanhol.

Fato idêntico ocorreria entre nós com a Revista Brasileira, que, publicada inicialmente de junho de 1879 a dezembro de 1881, renasce com a chamada fase José Veríssimo, de janeiro de 1895 a setembro de 1899, tendo presenciado o nascimento da Academia Brasileira de Letras, que se cria em sua redação, em 1897, pelo gênio de Machado de Assis e de seus companhei-ros. A partir de 1941, na gestão de Levi Carneiro, passa a revista a ser editada sob a responsabilidade da Academia Brasileira de Letras.

Guardadas as devidas proporções, o mesmo temos feito com a revista Presença, inteiramente comprometida com a cultura piauiense, sem perder de vista, é claro, o compromisso maior com a cultura brasi-leira, desde que assumimos a presidência do Conselho Estadual de Cultura, que se encontrava desativado, como desativada

se encontrava igualmente a Revista, tra-zendo-a do nº 20 ao 36, que ora se edita, já agora, de dois anos a esta parte, em caráter semestral.

Desejaria destacar neste número da Revista, de modo especial, os estudos de Celso Barros Coelho sobre Clodoaldo Frei-tas, uma das fi guras estelares da nossa cul-tura, fundador que foi e primeiro presidente da Academia Piauiense de Letras, de Nelson Nery Costa, sobre as origens do Piauí e do Homem americano, do Programa Estadual de Cultura, elaborado por este Conselho e debatido e aprovado em seminário promo-vido pela Secretaria da Educação e Cultura, e da memória de autoria de Reginaldo Mi-randa sobre o poeta fundador da Literatura Piauiense, Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva. No mesmo passo, são de igual impor-tância as matérias que a complementam, quais sejam as homenagens ao poeta Mário Quintana, pelo transcurso do centenário de seu nascimento, e ao romancista Graciliano Ramos, pelos setenta anos da publicação de Angústia, bem como a entrevista do cartunista Zélio Alves Pinto, concedida a Cineas Santos. De igual modo se incluem as notícias referentes ao Balé de Teresina, às atividades da SEDUC e da FUNDAC, às artes plásticas, com a apresentação do tra-balho artístico de Braga Tepi e à página de cartum sob a responsabilidade de Jota A.

Queremos assim que ela se mantenha como uma revista do Piauí, como expressão da nossa cultura, em suas diferenciadas manifestações, preservando, entretanto, sua vinculação com a cultura brasileira, de que também pretende ser expressão, neste vasto arquipélago cultural, com várias ilhas de cultura autônomas e diferenciadas, como queria o ensaísta e acadêmico Vianna Moog, que constitui o nosso país.

Manoel Paulo NunesPresidente do Conselho Estadual de Cultura

Revista PRESENÇAEDITORIAL |

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Acabo de receber, com muita satisfação, o seu artigo “Histórias de Josué Montuello – VII”, em que o senhor, como sempre, se revela o co-nhecedor estudioso da obra de Josué Montello. Fico muito sensibilizada pelo reconhecimento do valor do escritor que foi meu marido, através da sua pena, voltada para a obra “montelliana”, focalizando no momento o seu grande romance Os Tambores de São Luís. Aguardando em breve receber o próximo número da publicação da revista Presença, renovo os meus agrade-cimentos muito afetuosos.

Yvone Montello O recebimento da Revista Presença é sempre renovado prazer. As linhas fi losófi ca, artísti-ca, literária, aliadas à memória e aos fazeres piauienses, encantam-nos pela qualidade e propriedade dos assuntos tratados. Tenho, portanto, a grata satisfação de cumprimentá-lo bem como a equipe de colaboradores.

Eleonora Santa RosaSecretária de Cultura de Minas Gerais, Belo Horizonte - MG

Parabenizo pelo lançamento da 35ª Revista Presença, a qual segui os pri-meiros passos quando prestei serviços à Cultura Piauiense como subsecretário, asseverando que a Revista Presença é um marco popular da intelectualidade de nosso estado.

Luiz Gonzaga Brandão de CarvalhoDesembargador, ex-presidente do Tribunal de Justiça

do Piauí, Teresina - PI

A Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul acusa o recebimento e agradece a doação de um exemplar da revista Presença, Praça da Bandeira, aqui nasceu Teresina, nº 35, 2006. Esta doação contribuirá para o enriqueci-mento do acervo de nossa biblioteca e para as pesquisas de nossos leitores. Atenciosamente,

Morgana MarconDiretora da Biblioteca Pública do Estado, Porto

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Revista PRESENÇA

Edição AnteriorPRESENÇA Nº 35

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Acusamos o recebimento de 3 (três) exemplares da 35ª Revista Presença, com matéria de capa sobre a praça da Bandeira. Ao tempo em que agradecemos o envio e emitimos justos elogios pela qualidade da publicação.

José Reis PereiraPresidente da Fund. Cultural Monsenhor Chaves, Teresina - PI

Ao prezado amigo Paulo Nunes os agradeci-mentos pelo envio da excelente Revista Pre-sença.

Arnaldo NiskierSecretário de Educação do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro - RJ

Cumprimentando-o, agradeço o envio do exemplar da Revista Presença, que enriquece o acervo bibliográfi co deste Instituto.

Tereza Carolina Frota de AbreuSuperintendente Regional da 21ª SR IPHAN, Vitória – ES

Recebi o nº 35 da Revista Presença. Agradeço-lhe a remessa e a gentil dedicatória. A publicação, por si só, revela o empenho, a dedicação e o bom gosto do seu trabalho no comando do Conselho Estadual de Cultura do nosso Estado. Gostei de todo o conteúdo da Revista, valendo exaltar, contudo, a matéria de sua lavra sobre a fi gura emblemática de Josué Montello. Belo trabalho! Fabiano MeloEscritor, Brasília - DF

Fico sempre muito feliz quando vejo que con-tinuamos ligados ao Piauí através dos queridos amigos. Sua Revista é recebida com imensa satisfação, diante da boa carga de informações, o que é de grande valor para a nossa Fundação Gilberto Freyre.

Cristina FreyreProfessora, Apipucos - PE

Impossibilitada de comparecer por compro-misso anteriormente agendado, agradeço a gentileza do convite ao tempo em que para-benizo pelo sucesso do lançamento da Revista Presença nº 35. Atenciosamente,

Rosimar LeiteDesembargadora, Teresina - PI

O Ministro Gilberto Gil agradece o envio de um exemplar da Revista Presença. Atencio-samente,

Adolpho Ribeiro S. NetoChefe de Gabinete do Ministério da Cultura, Brasília - DF

Acusamos e agradecemos o recebimento da Revista Presença ano XXI - nº 35/2006 desse egrégio Conselho de Cultura, ao tempo em que parabenizamos toda a equipe organizadora pelo excelente trabalho realizado. Atenciosamente,

Ana Luiza Ribeiro GarcezSecretária Geral do Conselho Estadual de Cultura, Aracaju - SE

Ontem, a surpresa agradabilíssima do rece-bimento da Revista Presença. Leitura com-pleta, ontem mesmo. Quanta coisa deliciosa... lembrei-me das boiadas a caminho do mata-douro, na minha infância. Ouvíamos o aboio, postávamo-nos atrás da cerca de madeira à espera do espetáculo. E a poeira vermelha que enchia os ares, o tropel dos cavaleiros, o gado no atropelo venciam meu medo.

Olga AmorimEscritora, São Paulo - SP

Agradeço a deferência da remessa de exemplar da edição de número 35, ano XXI, da Revista Presença, bem como de sua atenciosa men-sagem de encaminhamento da publicação. Fico distinguido com sua atenção, que reafi r-ma a elegância de gestos da gente do Piauí.

Maurício AzêdoPresidente da Associação Brasileira de Imprensa, Rio de

Janeiro - RJ

Recebi, mais uma vez, enviado por você, um exemplar da Revista Presença que pela colaboração de intelectuais − poe-tas, contistas, ensaístas, historiadores do Piauí, poderia ser considerada como uma grande Revista brasileira de literatura.

Geninha da Rosa BorgesAtriz e Diretora de Teatro, Recife - PE

O Sistema Estadual de Bibliotecas Públi-cas, representado pela Biblioteca Pública do Estado do Amazonas, acusa o recebi-mento de 01 (um) exemplar da revista: Revista Presença, nº 35. A Biblioteca agradece penhorada por sua doação, pois amplia nossa oferta à população amazo-nense.

Ana Cristina SantosDiretora Interina da Biblioteca Pública, Amazonas - AMCa

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Revista PRESENÇA

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PENSADORES• Clodoaldo Freitas - Homem Representativo

CRÔNICA• Clodoaldo Freitas - Canudos

CULTURA• Plano Estadual de Cultura - Uma Contribuição do Conselho Estadual de Cultura

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DANÇA• Dançando Teresina

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ESPECIAL• Mário Quintana - Quintana: A Simplicidade Construída

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HISTÓRIA• As Primeiras Ocupações Humanas no Piauí

ENTREVISTA• As Reinações de Zélio

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FUNDAC• Festivais de Cultura Consolidam Força da Descentralização da Arte

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ARTES PLÁSTICAS • Delicadeza em Ferro e Fogo - Braga Tepi

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SEDUC• O Piauí Participa da Mobilização Brasileira pela Educação

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MEMÓRIA• Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva - Pioneiro da Literatura Piauiense

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LITERATURA• Angústia, 70 anos

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CARTUM• Jota A

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ESPECIAL • Mário Quintana - Poesias

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S U M Á R I ORevista PRESENÇA nº 36

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SClodoaldo FreitasHomem Representativo

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Estas palavras de Lucídio Freitas, o patrono da Academia Piauiense de Letras, bastam, por si mesmas, para mostrar a importância dessa come-moração – o sesquicentenário de Clodoaldo Frei-tas – iniciada esta manhã com a solenidade de inauguração de placa destinada à perpetuação de sua memória visível.

É a Academia voltando-se para as suas ori-gens, reverenciando seus vultos eminentes e olhan-do com orgulho para seu passado.

Em verdade, o passado do Piauí, mesmo obscuro sob o aspecto da projeção cultural além de suas fronteiras, apresenta homens de grande valor intelectual, sem a oportunidade, porém, de serem conhecidos nacionalmente. A história de suas vi-das é bastante rica e signifi cativa. Apenas é uma história ignorada.

Geralmente nos comprazemos mais em ad-mirar espíritos estranhos, louvá-los e premiá-los do que cultivar os nossos, descobri-los e apontá-los às novas gerações. O que realizaram no cenário cultural, como poetas, jornalistas, ensaístas, escri-tores, é condenado ao esquecimento, porque não se procura estudar a sua obra. Deixa-se de lado o que de importante realizaram e não se mede o esforço por eles desenvolvido num meio acanhado para se imporem no seu tempo como homens de grande expressão cultural.

Um desses homens, sem dúvida, é Clodoaldo Freitas.

Se perguntarmos aos jovens que freqüentam as salas de aulas das nossas escolas, inclusive de nossas Universidades, quem é Clodoaldo Freitas, talvez a resposta seja simplesmente esta: é o nome de uma rua de Teresina.

Ao colocarem numa de nossas ruas princi-pais o nome desse ilustre piauiense, não presta-ram um favor, como a muitos se presta por lei da Câmara Municipal e com o que o nome passa a ser conhecido depois que fi gura numa placa represen-tativa de tal homenagem.

Em relação a Clodoaldo, mais do que uma rua, o seu nome deveria estar ligado a uma cidade, a uma instituição, repercutindo nos movimentos culturais de nossos dias, pois é ele um símbolo de luta, um exemplo de trabalho, uma vida enriqueci-da pela cultura e que soube viver o trágico, numa atitude em que este “apresenta o homem naquela situação-limite em que, ser natural que é, com-prova contudo a sua destinação espiritual”. (Ana-tol Rosenfeld).

Falou-nos Emerson dos homens repre-sentativos, como sendo aqueles que legaram à humanidade, como Platão e Shakespeare, Sweden-borg e Napoleão, Montaigne e Goethe, a prova de que vale a pena acreditar nos valores do espírito,

“Um povo que desconhece a sua história, des-conhece-se a si mesmo. É sentindo o contato das coisas mortas que podemos construir os grandes casos futuros”. (Lucídio Freitas)

Revista PRESENÇAPENSADORES | CLODOALDO FREITAS

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Celso Barros Coelho*Fotos: Arquivo da Academia Piauiense de Letras

Clodoaldo FreitasHomem Representativo

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em função dos quais realizam eles a sua obra imor-tal e salvadora.

Entre nós, Cristino Castello Branco escre-veu algo sobre os homens que iluminam, para signifi car que na história de cada homem de fé, de talento, de vontade, há um rastro de luz que lhes aclara os caminhos. Eles brilham por si mesmos, como estrelas, eles constroem o seu próprio des-tino, porque souberam confi ar no valor pessoal e não esqueceram o exemplo dos demais.

Escrevendo sobre o ideal da cultura grega e particularmente sobre o conceito de educação de Pitágoras, Werner Jaeger mostra que, nessa doutrina, a educação não acaba com a saída da es-cola, mas que é precisamente aí que ela começa. E exaltando a educação cívica, revela que a educação atinge o seu ponto mais alto quando o jovem entra na vida do Estado e se vê forçado a conhecer as leis e a viver de acordo com o seu modelo e exemplo. O modelo e o exemplo eram o paradigma (paradeig-ma). Essa concepção de educação, tão ricamente exposta na Paidéia, mostra que se terá à frente um modelo, pois “com o exemplo pessoal coloca-se viva diante dos olhos do educando a norma que deve seguir, e o olhar atento para a encarnação da fi gura ideal do Homem que deve movê-lo à imita-ção”. (Paidéia - Formação do Homem Grego).

Não se veja aí o culto da personalidade, que é a subordinação ao paradigma sem a consciên-cia de suas limitações. Nem é somente o culto do homem ou exclusivamente da lei. É sim o culto de tudo aquilo que eleva o homem, dignifi cando sua vida e tornando-o sempre mais consciente das ra-zões porque é livre. Estas razões estão radicadas no mundo da cultura, porque, como diz Schiller, “só a cultura deve libertar o homem, ajudando-o a preencher inteiramente o que ele é como concei-to” (Teoria da Tragédia).

Pode-se dizer, sem rebuços, que Clodoaldo Freitas é, nesse sentido, um paradigma e, em qual-quer outro, um grande homem. Como paradigma pode ser apontado aos jovens de hoje, pois foi um lutador e um idealista, um lutador sem conquis-tas terrenas, mas um idealista que foi além do seu tempo, para chegar até o nosso sem esmaecer a sua fi gura para quem a olha de perto e diretamente.

É com o pensamento voltado para tais ho-mens, os homens representativos ou os ho-mens que iluminam, que podemos suavizar as arestas de nosso caminho ou abrir roteiros para que outros possam passar ao nosso lado.

Em verdade, como nos lembra Bertrand Rus-sel, “novos pensamentos, novas esperanças, novas liberdades e novas restrições tornam-se necessá-rios, para que o mundo possa emergir de sua peri-gosa situação atual” (Retratos de Memórias e Ou-tros Ensaios). É, pois, pensando na situação desse mundo tão dividido e tão difícil de ser enfrentado, que nos acolhemos sob a proteção desses espíritos

que nos trazem novos pensamentos, nos abrem no-vas esperanças e pregam novas lições de liberdade.

Com essa convicção é que venho trazer ao exame dos piauienses, seus conterrâneos, essa fi -gura do seu passado e que está presente aos nossos olhos, não apenas nos estreitos ângulos de uma rua, mas no largo horizonte de nossa história. Essa fi gura é Clodoaldo Severo Conrado de Freitas.

Numa evocação do nosso passado, o mesmo Cristino Castello Branco, em conferência sobre a Academia Piauiense de Letras, por ele chamada “a minha Academia”, oferece-nos estes conceitos:

“Naquele hoje longínquo 1917, quando foi fundada a Academia Piauiense de Letras, numa Te-resina bem diferente da atual, Teresina sem trans-portes, sem escolas superiores, com uma população muito inferior à de agora, Teresina da Primeira Guerra Mundial, quando governava o Estado o dr. Eurípedes Clementino de Aguiar, naqueles tempos da malsinada República velha, das atas falsas e das eleições sem dinheiro, tempos de uma coloração tão diversa - as fi guras centrais da intelectualidade piauiense eram Higino Cunha, Abdias Neves e Clodoaldo Freitas” (Últimas Páginas).

Contemporâneo desses intelectuais, embora mais novo do que eles, o autor de Últimas Páginas dá o seu testemunho sobre cada um, nesta criterio-sa avaliação.

“Higino, o mais erudito, o mais eloqüente, o mais brilhante, antigo discípulo de Tobias Bar-reto na Faculdade de Direito do Recife, era ora-dor obrigatório de todas as solenidades cívicas e literárias nesta Cidade. Aquele homem de grande talento e grande cultura, um dos mais capazes da sua geração, como disse Clóvis Beviláqua, fi cou inteiramente abafado pela estreiteza do meio so-cial em que viveu a sua longa vida de oitenta e seis anos. Mesmo assim, escreveu ensaios magnífi cos como O Idealismo Filosófi co e o Ideal Artístico...................................................................................

Abdias Neves, o mais moço dos três e que fi ndou aos cinqüenta e dois anos, era o mais ativo, o mais trabalhador, o mais organizado. Estava sempre à frente de um jornal, não compreendia a vida sem jornal. Escreveu livros valiosos como a Guerra do Fidié, onde aparece, ao vivo, a epopéia da batalha do Jenipapo, em Campo Maior, a 13 de março de 1823, quando correu em ondas o sangue piauiense pela independência da pátria...................................................................................

Clodoaldo Freitas, o mais poeta, o mais inspirado, o de maior espontaneidade na produ-ção literária, era aquele em cuja casa se reuniam os intelectuais da terra, num ambiente de sonho, de idealismo, de cordialidade encantadora...................................................................................

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Revista PRESENÇAPENSADORES | CLODOALDO FREITAS

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Na casa de Clodoaldo, casa de inteligência, de cultura, de espiritualidade – pode-se dizer –, nasceu a Academia Piauiense de Letras, que, an-tes de existir ofi cialmente, já existia de fato sob aquele teto”.

A evocação desses nomes mostra o quadro histórico e social da época e o ambiente intelectual dos que nela viveram, produzindo trabalhos de va-lor literário, histórico e político em livros e jornais.

A atividade intelectual mais constante e em que os homens mais cultos se revelavam era o jor-nalismo. Não só porque o jornal era acessível a todos eles, como meio de divulgação de idéias e afi rmação do pensamento, senão também por ter-se tornado o instrumento de luta política mais em voga, oferecendo um palco de disputa das mais acirradas em torno de partidos, de grupos e de crenças. Era a imprensa de que falava o jornalista Carlos Castello Branco, em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras: “A princípio, a imprensa era, antes de mais nada, tribuna polí-tica e tribuna literária. Aos partidos, aos chefes políticos, às facções era indispensável dispor de instrumento de comunicação sufi ciente para atender seus objetivos, assegurando-se uma faixa mais ampla de leitores. É por isso que os grandes jornalistas do passado, desde a Independência, foram políticos ou vocações que, não sendo dado acesso à direção do País, se tornavam necessárias à execução do trabalho jornalístico a que nem sem-pre chefes podiam atender”.

A vida política da época era marcada, mais do que hoje, por posições radicais, onde as diatribes, as injúrias, as contumélias extrapolavam os limites da conveniência e até da decência, desencadeando ofensas pessoais e provocadoras de respostas ainda mais agressivas.

Vivendo nesse clima e envolvendo-se mais do que qualquer outro nas lutas políticas da épo-ca, Clodoaldo Freitas, que era um espírito inquieto e de dotes intelectuais superiores, descia, muita vez, à craveira comum do ataque destemperado e explosi-vo, pois a isso era impelido pelos doestos recebidos de adversários que não estavam à altura de terçar ar-mas com ele em nível elevado e que, por isso, tinham de buscar a resposta na retaliação pessoal.

Quando, porém, a prática do jornalismo exi-gia a análise segura dos fatos, a crítica construtiva, as questões de cunho cultural, ideológico ou histó-rico, enfi m, quando se exigia uma tomada de posi-ção em face de temas religiosos ou de idéias gerais, naquelas mesmas dimensões, então a linha seguida era outra, avultando os seus conhecimentos hau-ridos nas fontes doutrinárias mais autênticas da época, nos domínios da fi losofi a, da literatura, da teologia católica e da história pátria e universal.

Personalidade inquieta, mas determinada, dis-posta a procurar resposta a todas as indagações, pois

não se comprazia com a dúvida, que sempre se mos-traria disposto a enfrentar, tornava-se difícil ajustar-se ao meio ou entregar-se à comodidade de posições que confl itavam com o seu próprio temperamento ou suas convicções ideológicas ou doutrinárias.

O acanhado ambiente em que transcorria a vida social, cultural e política, caracterizado, tam-bém, por idéias conservadoras e, até certo ponto, chocantes com mentalidades que, como a de Clo-doaldo, haviam assimilado, nos meios acadêmicos, idéias renovadoras no campo da fi losofi a, da litera-tura e do direito, era propício para torná-lo um es-pírito rebelde, insatisfeito e preocupado em alterar esse mesmo ambiente e nele fazer circular a aragem renovadora dessas idéias.

Ingressando na Faculdade de Direito de Recife, ao tempo em que ali se acendiam as luzes do pensamento fi losófi co renovador, foi nesse am-biente de efervescência de idéias que viveu Clodal-do Freitas, em Recife, no período de 1877 a 1880. Apreciando-lhe as qualidades literárias, assim se expressa Clóvis Beviláqua, na “História da Facul-dade de Direito do Recife”: “Inteligência superior, possuindo largo preparo literário e fi losófi co, ten-do-se ensaiado em várias direções, na crítica das religiões, na política, na história, no romance, no conto e na poesia, foi, principalmente, jornalista vivaz, solerte, elegante e maleável, para quem não havia assunto árido, e cuja pena mais se enrique-cia em vibrações e mais se aligeirava no produzir, quanto mais dela exigiam as circunstâncias”.

Diz-se Clodoaldo um ideólogo. E confessa que entrara na vida pública preocupado com as idéias. O que a sua vida nos ensina, através dos re-petidos fracassos políticos e da vasta produção in-telectual que nos deixou nos mais variados campos do conhecimento e do saber, é exatamente como valorizar as idéias. E fazer delas um instrumento de luta. O meio em que vivia, indiferente a essa or-dem de poder – o poder das idéias – em contrapo-sição ao poder que emanava das posições sociais e políticas - não corresponderia ao desejo por ele manifestado e por tantos outros que, inutilmente, se batem com o mesmo idealismo.

A aproximação que sempre teve com o juris-ta Clóvis Beviláqua, casado com uma sua parenta - Amélia de Freitas Beviláqua, fi lha do desembar-gador José Manoel de Freitas, não se justifi ca ape-nas pela ordem do parentesco, mas também pela identidade no mesmo ideal de valorizar as coisas do espírito. A linha de pensamento de ambos é a mesma, desde a Faculdade de Direito do Reci-fe, onde foram colegas e atuaram em comum no movimento de que surgiu a revista A Idéia Nova. Ao grupo também pertenceu Martins Júnior. Aí se formara o ambiente para os debates em torno das questões vigentes, dos rumos que tomava o pensamento brasileiro, das correntes de idéias, do choque entre as bases da fi losofi a tradicional do-

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minante - o espiritualismo eclético, e as da fi loso-fi a que despontava renovadora, à frente Comte e Littré. Aí era o ambiente espiritual, a “república” onde viviam e sonhavam. Dela fala Clodoaldo: “A nossa república era um pequeno cenáculo onde as línguas de fogo do evangelho vinham, todos os dias, fazer milagre”. Era o milagre que acendia na alma de cada um a centelha da rebeldia e da fé.

A fi gura de Tobias Barreto dominava o am-biente acadêmico e sacudia a poeira dos velhos métodos, para introduzir uma ordem de indagação inteiramente hostil à metafísica e à teologia.

A clareza com que as idéias novas eram as-similadas fez com que os primeiros ídolos fossem cedendo terreno e novas perspectivas se descor-tinassem com as descobertas de Darwin e a teoria evolucionista de Haeckel. Depois Spencer, para quem a fi losofi a é um estágio da ciência, ou mais precisamente, “a ciência do mais alto grau de ge-neralidade” (Alcântara Nogueira). E por fi m Littré.

Clóvis, embora infl uenciado, como os seus demais companheiros, pela fi losofi a spenceriana, não lhe seguiu fi elmente os passos, pois não via a fi losofi a como uma relação de fenômenos, própria da ciência, nem um objeto exclusivo e determina-do de atuação desta, segundo a concepção de Ge-orge Lewes, já que, ao contrário da ciência, tinha como característica a universalidade. Negava, po-rém, à fi losofi a um terreno próprio de indagação, afi rmando: “ela não tem objeto seu, mas encara os fenômenos estudados pela ciência de um modo próprio, original, estabelecendo a ligação entre eles e fazendo surgir a concatenação harmônica do cosmos”. Por maior que fosse o esforço de li-bertar-se das idéias cosmológicas do naturalismo spenceriano, a ele voltava na afi rmação de que a fi losofi a tinha por objeto, de um lado, estabelecer a ligação dos fenômenos estudados pela ciência e, do outro, fazer surgir a concatenação harmônica do cosmos (Idem).

Esta, também, era a base fi losófi ca de Clodo-aldo Freitas, embora, por não ter-se preocupado particularmente com os problemas fi losófi cos, pou-ca coisa escreveu a refl etir esse ângulo de sua for-mação. Foi, sem dúvida, um homem de idéias, pau-tadas na linha do pensamento que formara o clima em que viveu na Escola do Recife. Foi não apenas testemunha, mas participante direto do movimento defl agrado contra a metafísica e a teologia.

E ao voltar ao seu Estado, como muitos ou-tros, procurou traduzir essa posição ideológica numa atitude de livre-pensador, que era exata-mente a de não vincular-se a credo religioso, nem aceitar o catolicismo ultramontano. Por isso era apontado como anticlerical. E tal, como sabemos, era também um obstáculo muito forte a quem ti-nha aspirações políticas e fazia das suas idéias um instrumento de combate.

Sua visão do problema religioso e as polêmi-

cas que sustentou nesse terreno estão traduzidas em trabalhos publicados, na época. A propósito escreveu Higino Cunha: “O Dr. Clodoaldo Frei-tas pode ser considerado como um dos principais cultores da crítica religiosa no Piauí, segundo os processos da ciência moderna, assunto que foi de sua predileção e sobre o qual publicou alguns en-saios preciosos. Basta citar: “O Homem na Natu-reza”, na Revista Mensal, em 1887; “As Tiranias Sociais”; “A Imortalidade da Alma Segundo a Bí-blia”; “A Mulher Perante a Teologia”; “O Processo de Jesus”; “Os Milagres de Jesus” e “A Excomu-nhão”, os seis últimos publicados na Litericultura, de 1912 a 1913. Obedecem à mesma orientação crí-tica algumas de suas belas crônicas, enfeixadas em um livro publicado em 1911 sob o título Em Roda dos Fatos (Pe. Joaquim Chaves, Apontamentos Biográfi cos e outros).

A relação de suas obras inéditas é bastante extensa. Era um escritor por vocação e havia-se preparado para isso. Entre esses trabalhos inédi-

tos, há uma tradução do Inferno, de Dante. Não precisamos ir muito longe para saber que essa tra-dução de parte da Divina Comédia era também a tradução do profundo sentimento de mágoa que lhe ia na alma, pois ele também, à semelhança do imortal poeta, suportava o desprezo, a perseguição, a indiferença, a incompreensão. Nos caminhos in-certos de sua longa peregrinação pelo Maranhão, Pará, Amazonas, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Estado do Rio, Goiás e São Paulo, per-manecendo a maior parte da vida fora do lar, em-bora espiritualmente voltado para ele, sentira a mesma amargura do poeta na sua proscrição e na sua pobreza: Come e duro calle, “como é dura a rua”. Era o mesmo que dizer: como é insuportável a vida longe dos amigos, dos familiares, da terra natal, do ambiente intelectual que formara no jor-nalismo e nas tertúlias literárias.

Em meio de todos os percalços por que pas-sou, sob o acúleo de todas as difi culdades que o

Herbert Spencer, fi lósofo e sociólogo inglês

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oprimiram, o único refúgio consolador eram suas elucubrações fi losófi cas e literárias, como ele pró-prio destaca em página autobiográfi ca escrita em Belém e que permaneceu inédita no manuscrito que deixara, em 1915: “Atirei-me, muito moço, ao estudo de fi losofi a positiva segundo a orientação de Littré, e, depois, ao monismo, e, mais tarde, à crítica religiosa, tendo feito alguns ensaios de crítica literária. Esta ordem de estudos e o gosto pela poesia e pelo romance foram sempre o me-lhor recurso que encontrei para amparar-me nas tempestades da vida e consolar-me nos momen-tos mais tremendos de agonias morais. Se eu não soubesse escrever, teria fatalmente enlouquecido como tantos outros, que vão buscar o esquecimento na embriaguez, no jogo ou no suicídio. Conservei-me sempre acima dessas fraquezas, com a minha integridade moral perfeita. Nunca pratiquei uma ação que pudesse fazer-me corar. A minha com-postura, a inteireza do meu caráter, a sincerida-

de de minhas convicções sempre me rodearam de uma atmosfera de consideração e respeito, mesmo entre os meus mais encarniçados inimigos”.

Era, assim, um homem de pensamento e ação, dotado de energia espiritual para ir direto às fontes do saber e movido de uma constante resistência física e moral para trilhar, corajosa-mente, todos os caminhos, difíceis e incertos, que o seu destino desafi ara. Não vacilou em nenhum momento. Resistiu, venceu e foi vencido, mas quando estava em jogo o seu patrimônio moral, foi sempre um vencedor. Ele escrevia: “Quem vence tem razão sempre. Não é a justiça de um ato que o santifi ca: é a vitória”. A vida pública colheu-o de surpresa, foi envolvido na malícia e na esperteza de muitos, esperteza que o seu espí-rito não previa, pois avaliava as ações humanas sob o prisma da confi ança e da boa-fé.

Os insucessos da vida foram o resultado de um despreparo inato para apegar-se a coisas que

só se colocam ao nosso alcance quando o segredo de conquistá-las é a conveniência, a traição ou a infi delidade. Para isso não tinha vocação. Di-lo no citado documento:

“Desprendido das preocupações pecuniárias e preocupado com as idéias, entrei na vida públi-ca sem nenhum conhecimento das coisas práticas, sem cogitar da realidade formidável, que nos pre-me por todos os lados como o ar atmosférico que nos circunda. Fui sempre um ideólogo. A velhice, a dolorosa experiência e as lições da desgraça não modifi caram nunca essa fatalidade do meu orga-nismo. Nasci assim, e assim, creio, hei de morrer, atravancado de cuidados, de desgostos, com a consciência nítida de que eu mesmo sou o fator supremo de todos os insucessos da minha vida. São negativos os predicados do meu caráter para triunfar, nessa luta atroz pela existência, em que os principais requisitos do triunfo são a ambição e a maleabilidade, a faculdade de adaptação a todos os meios e lugares. Não possuo essas qua-lidades preciosas. Não sei adular, não sei viver sem convicções próprias, ao léu das convicções alheias. Não posso adaptar-me a certos meios. Afi nal, tenho sido um eterno revoltado”.

Quem se dispunha a fazer política com essa armadura, cultivando um ideal de vida moral, ao invés de entregar-se às disputas com todas as ar-mas que asseguram o êxito e as vantagens de cargos e posições, jamais seria um vitorioso. Seria sempre um derrotado. A vida atormentada de Clodoaldo Freitas é a melhor prova de tudo isso. Rastreá-la em todas as suas peripécias e insucessos, surpre-sas e desvios, à força de suas convicções, é seguir uma direção retilínea, que se sobrepunha a todas essas variantes, para apontar, ao fi m de tudo, um homem que tinha em conta, em primeiro lugar, a realização de si mesmo. Não abdicava de suas con-vicções para adaptar-se ao que a conveniência exi-gia. O caráter fi rme comandava as ações. E como estas, nos embates políticos, requeriam a maleabi-lidade dos interesses, alheia ao foro daquelas con-vicções, o resultado era o total desencontro entre o ideal e a realidade. O que aquele construía, esta destruía no jogo dos interesses frustrantes.

__________________________________*Celso Barros Coelho é advogado, membro do Insti-

tuto dos Advogados Brasileiros e da Academia Piauiense de Letras. Discurso proferido no dia 21 de outubro de 2006, na homenagem que a Academia Piauiense de Letras prestou à memória de Clodoaldo Freitas, em comemoração ao sesqui-centenário do seu nascimento.

Clodoaldo Freitas era apontado como anticlerical numa atitude de livre-pensador

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LIVROS E TRABALHOS PUBLICADOS

Redator de A Idéia Nova (Recife). Dirigiu O Di-ário do Piauí (1911). Redigiu A Imprensa, O Reactor (1884), O Abolicionista (1884), A Reforma (1887), O Democrata (1890), O Estado (1892), O Diário (1894), Revista Piauiense (1896), República (1896 e 1899), A Notícia (1899), O Estado (1902), O Piauhy (1916). Cola-borou na Revista Mensal de Literatura, Ciências e Artes (1887), Revista Mensal de Sociedade União Piauiense (1893), A Pátria (1902), Litericultura (1912), A Notí-cia (1913), Revista da Academia Piauiense de Letras (1918), Revista do Instituto Geográfi co e Histórico do Piauí (1920) e Reação (1922). Fundador das Academias Maranhense (1908) e Piauiense de Letras (1917). Mem-bro da Academia de Letras do Pará. Inspetor escolar no Amazonas, pertenceu ao Instituto Geográfi co e Históri-co do Piauí (1920), ao Instituto Geográfi co Brasileiro e à Sociedade Geográfi ca do Rio de Janeiro. Publicou: Fa-tores do Coelhado (história-1892), O Piauí (conto ser-tanejo-1902), Vultos Piauienses (biografi a-1903), Me-mórias de um Velho (romances em rodapés do jornal A Pátria - 1915), História de Teresina (1911/2, em jornais, depois em edição autônoma), Crônicas (1911), Contos a Teresa (1915), Em Roda dos Fatos (crônicas - 1911). Traduções: O Inferno de Dante e Os Últimos Dias de Pompéia. Deixou inéditas 36 obras, sendo romances: A Entronização, Os Dominadores, O Senhor Secretário, Celuta, Os Dramas da Balaiada, Memórias de Padre, Fidalgos e Plebeus e Manoel Cabra (história), A Ba-laiada, O Visconde da Parnaíba, História Piauiense, O Piauí Republicano, Domingos Jorge Velho, Os Indíge-nas do Piauí e O Beckman (drama histórico); folclore: Danças e Cantigas Populares; biografi a: Dr. Nilo Peça-nha (conferência); novelas: O Malabar, Os Politiquei-ros e Os Burgos (novela sertaneja); poesia: Cantilenas; contos: Uma Semana em República, Um Lado da Exis-tência e Histórias Vulgares; crítica religiosa: A Moral Religiosa, Cleresia, O Santo, Pequenos Estudos Teoló-gicos, Os Problemas das Religiões e Tiranias Sociais; e ainda: A Derrocada (coisas paraenses), Os Comparsas (coisas do Piauí), O Pandemônio (costumes piauienses), A Situação Atual da Política do Piauí, Constituição Po-lítica do Piauí (comentários), Cartas a Maria (fi cção), Ele e Alguma Coisa do Meu Tempo, O Brasileiro Primi-tivo, Páginas Íntimas, Uma Noite de Insônia, O Segre-do Maldito, A Minha Psique (pensamentos), Coisas da Vida, Histórias Maranhenses e Idílios.

HISTÓRICO Clodoaldo Severo Conrado de Freitas nasceu

em Oeiras no dia sete de setembro de 1855, três anos após a mudança da capital para Teresina. Freqüentou o seminário das Mercês em São Luís, Maranhão, mas formou-se em Direito na cidade do Recife-PE, concluindo o curso em 1880.

Iniciou a carreira como Promotor Público e Juiz Municipal em Valença do Piauí e em Santa Filomena, Procurador dos Feitos da Fazenda do Piauí e Procurador de Justiça até 1900. Caracte-rizou-se como líder abolicionista e um dos cons-trutores da república, integrando a Junta Gover-nativa de 21 a 29/12 de 1881. Exerceu também os cargos de Chefe de Polícia no Piauí, Maranhão, Mato Grosso. Deputado Estadual no Pará. Atuou também como Juiz no Estado do Rio de Janeiro e Inspetor Escolar no Amazonas, além de Juiz de Direito em Bagagem (MG).

Com toda essa vivência jurídica e política e por tantas partes do Brasil, esse notável piauiense fez-se um escritor de largo fôlego - como biógrafo, contista, cronista, crítico, ensaísta, fi lósofo, histo-riador, jurista, magistrado, novelista, poeta lírico, romancista e sociólogo. A sua obra, portanto, é vas-tíssima e extremamente importante para o Piauí e para o Brasil.

Clodoaldo faleceu em 26 de junho de 1924. Como um dos fundadores da Academia Piauiense de Letras, a Casa de Lucídio Freitas prestou-lhe justa homenagem durante as comemorações do sesquicentenário de seu nascimento.

Clodoaldo Freitas, presidente da Academia Piauiense de Letras de 1917 a 1919

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1º Batalhão da Polícia Militar do Amazonas (3º Brigada)

Mulheres e Crianças, Prisioneiras da Guerra

Antonio Conselheiro

Canudos foi uma hecatombe de he-róis e um holocausto de mártires. O san-gue brasileiro, que aí ocorreu em rios, brada pela justiça da posteridade e pela re-paração da história. A terra fecunda que abrigue em seu seio materno os heróis, que aí se mediram

numa luta de gigantes e foram repousar, irmana-dos, sob a mesma bênção e sob o mesmo perdão da pátria comum! Canudos é uma epopéia de sangue e de lágrimas, onde os mártires e os heróis, o soldado e o jagunço, se enfrentaram e lutaram como lu-tam os tigres das nossas matas ou os touros dos nossos campos. Aí tudo é grande, anormal, exceto a vitória. O assassínio em massa, pelo incêndio, pela degola, pelo fuzilamento, é a vergonha mais aviltante de quantas têm maculado a história das nossas guerras civis. Diante da fé imensa, insensata, mas divi-na, de Antonio Conselheiro, só a estúpida cruel-dade, o covarde sangue frio de assassino do ge-neral vencedor.

Antonio Conselheiro veio cercado de uma auréola lendária de santo e de taumaturgo e en-tra na história cercado também pela lenda e pelo martírio. Quem era esse velho maníaco, santo como qualquer outro, o Bom Jesus do sertão, que o povo seguia e adorava com fervor fetichista de um povo devoto e sem religião? Deram-lhe um nome, escreveram-lhe a história, descobriram-lhe o berço. Era cearense, fora casado, parricida, uxoricida, vagabundo, be-ato, missionário, santo, e, por último, revolucio-nário e mártir. Estranho destino o deste sertanejo obscuro e fatal!

CanudosClodoaldo Freitas

Fotos: Flávio de Barros*

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Vista Geral de Canudos Ruínas da Igreja Nova

Divisão Canet, em Monte Santo

Tudo quanto se tem dito dele pode ser ver-dade e tudo pode ser falso. O certo é que ele, um belo dia, sem que ninguém soubesse quem era e de onde vinha, apareceu como um peregrino, um esmoler, armado de bordão e de sacola, rezando e fazendo as mais assombrosas penitências, dando tudo quanto tinha aos pobres e necessitados, vivendo só pelas es-tradas, entregue sempre, e por toda parte, às orações ferventes. O místico atraiu sobre si as vistas das po-pulações; foi arranjando prosélitos, criaturas, como ele, crédulas e beatas, que vinham receber dele a li-ção e os estímulos devotos das crenças. O número de prosélitos foi crescendo com o tempo, à proporção que a fama, circulando, o engrandecia em santidade e poder milagrento. Quando, já forte e grande, dominador e audacioso, foi atacado, injustamente, pela polí-cia baiana, Antonio Conselheiro, magoado pela injustiça e brutalidade da agressão, resolveu re-agir. E reagiu derrotando, no primeiro encontro, a polícia comandada pelo alferes Pires Ferreira; depois uma força mista de linha e polícia, co-mandada pelo major do exército Febrônio de Brito; depois, uma força do exército, cerca de mil praças e um parque de artilharia comandada pelo coronel Moreira César. Diante dessas vitó-rias, cada qual a mais estrondosa, o governo da União organizou a expedição do general Arthur Oscar e a expedição do general Savaget, uma, que devia atacar, de frente, pela Bahia; outra, pela retaguarda, por Sergipe. A brigada Savaget tem, para troféu, a passa-gem da garganta e Cocorobó e o socorro efi caz pres-tado “in extremis”, a libertação da coluna Arthur Oscar, encurralada em Favelas, dizimada, quase em debandada, faminta e sem munições de guerra. Canudos resistiu e resistiu mais heroicamen-

te do que tem resistido, com admiração universal, o forte de Porto-Arthur. O russo, se tem diante de si a coragem asselvajada e insensata do japonês, tem, em seu favor, a muralha granítica da mais formidável fortaleza do mundo; se é sitiado, acometido por um exército valente e disciplinado, tem por detrás das paredes das muralhas, um chefe heróico, munições e armamentos poderosos. O jagunço, vencido, aniquilado, represen-ta o papel de mártir de uma idéia. Ele cria. Pouco importa que a sua fé fosse insensata. Subjetiva-mente, toda fé é bela. No ponto de vista ejetivo é que a fé se torna suscetível de crítica e de qualifi cação. Nós não temos o direito de qualifi car a fé do jagunço, da mesma ma-neira que o fariseu não tinha o direito de qualifi car a fé dos discípulos de Jesus. Se o que justifi ca a origem ou missão divina do Mestre é o milagre, milagre públi-co, diário, presenciado por milhares de pessoas, que o atestam, Antonio Conselheiro era santo. Fez milagres, tinha uma vida imaculadamente religiosa. Era carido-so e bom. Passava o tempo rezando, nada queria para si e tudo quanto adquiria era para os pobres.

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Corpo Médico em Monte Santo

Ruínas da Igreja Velha

Localização de Canudos

Que lhe faltará para ser santo? Tinha, além do milagre, o dom da profecia. Curava en-fermos, dava vista aos cegos, consolava os afl itos. Tudo abandonara por amor de Deus, para servir à religião. Os padres não creram nele? Pior para os padres! Os padres judeus também não acredita-ram em Jesus Cristo! Conselheiro pregava contra a República, porque a República abolira a religião de Estado, de-cretara o casamento civil e se declarara atéia. Não queria a República sem Deus e sem san-tos, sem religião e sem padres. Amava o velho impe-rador como, em geral, todos os brasileiros o amavam e se doía vendo-o morrer abandonado e coberto de desgostos, dilacerado pelas ingratidões de seus sú-ditos e de seus pupilos. Era contrário à República, mas não um rebelde. Obedecia às leis, respeitava as autoridades. Queria, unicamente, ser respeitado no seu direito de rogar e de servir a Deus. O governo da Bahia interpôs-se entre ele e sua crença e procurou, pela força, anular a obra de Deus, que era a sua obra de evangelização e de caridade. Reagiu, lutou e lutou até a morte entre os seus, com o olhar fi to nas ima-gens do santuário, admirável, resoluto na fé inteme-rata, impotente para mudar montanhas de um para outro lugar, porém capaz de acender o fogo do hero-ísmo em corações indomáveis, tão grandes, tão belos como a própria idéia que os animava. Homens como esses, que se sacrifi caram pela sua crença, como os heróis se sacrifi cam pela sua pátria, são verdadeiros mártires. Morreram, selando sua fé com seu sangue, numa luta desesperada, titânica como a dos gigantes da teogonia pagã. No silêncio do adusto sertão baiano, dor-mem esses pobres mártires ao lado dos heróicos sol-dados, que os venceram e lhes disputaram palmo a palmo o terreno santo desse santuário, onde a prin-cípio era a morada, depois a sepultura do Bom Jesus da sua crença.

O jagunço, dentro das paredes pouco se-guras da igreja nova, apenas tinha algumas cara-binas, poucas munições e nada mais. Não tinha chefe. As peças tomadas à expedição Moreira Cé-sar foram inutilizadas como armas diabólicas ou imprestáveis. Assim mesmo, esse punhado de ho-mens nus, famintos, sitiados, resistiu como uma tenacidade inaudita, com uma bravura como não há exemplos na história. Lutou até a derradeira extremidade, sem trégua, sem recuar um passo. Quando, exausto, sem munições de guerra e de boca, reduzido à última miséria, com Antonio

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Corpo Sanitário do Hospital

O Corpo de Antônio Conselheiro

Conselheiro morto, a igreja em ruína, cercado por um verdadeiro exército que o bombardeava dia e noite, chegou a vez de ceder à fatalidade da for-ça, o jagunço preferiu morrer com a mulher e os fi lhos, no santuário da capela, queimado a quero-sene, a render-se à discrição do vencedor. Morrer por morrer, era melhor morrer com as armas na mão, no campo da honra, ao lado das sagradas imagens, providencialmente imunes nos altares, junto à sepultura santa, que guardava, amortalha-do na sua camisola comprida de pano azul desbo-tado, o cadáver bendito do Bom Jesus sertanejo, o Conselheiro milagreiro e bom, que Deus havia chamado para si, na hora suprema, livrando-o do poder do inimigo. Era preferível, mesmo porque a morte lhe abria as portas da bem-aventurança, desde que morria em defesa da fé e da religião. Minha piedade é imensa olhando para esse pobre povoado, onde a arte não entrara e onde só vivia pujante e maravilhosa a fé imortal maior do que a vida, que serpenteava tumultuária através dessas tortuosas ruas estreitas e toscas. O sol ar-dentíssimo mumifi cou soldados e jagunços, mortos engalfi nhados, numa constrição horrenda de bóia, estrangulados, nos braços uns dos outros. O sangue que eles derramavam ali, era sangue de irmãos. O mesmo heroísmo, a mesma coragem indômita os alentava e talvez, quem sabe, a mesma fé. O solda-do nortista, sertanejo e valente, educado sob infl ui-ção do mesmo do fetichismo, olhava com religioso respeito para o vulto amarelento da igreja nova, que se levantava sobre a casaria de Canudos. Às Ave-Marias, todas as tardes, quando o jagunço largava as armas e ia ao terço, o soldado também, ouvindo o repicar do sino, quebrando a profunda tristeza do crepúsculo sertanejo, se ben-zia e rezava. Acreditava, sinceramente, na lenda, nas histórias maravilhosas e milagrentas, que fazem as delícias dos inocentes serões sertanejos. A re-sistência de Canudos incitava o sitiado e impres-sionava o sitiante. Só quando desabou, arrebatado por uma bala de canhão, o teto da igreja, foi que

o soldado começou a acreditar na inefi cácia do poder do Conselheiro. O jagunço, apesar de tudo, não perdeu nunca a fé no seu Bom Jesus, vivo ou morto. A morte igualou, tirando-lhes os ódios que os separaram, os combatentes heróicos dessa pe-leja gigantesca e trágica. A história, abençoando compassivamente os que, em situação oposta, lutaram pelo seu dever e pela sua crença, deixa de lado os preconceitos humanos para guiar-se pela justiça divina. Pode haver honra na rebeldia contra a pátria? Que podemos entender por lutar contra a pátria? Calabar ou Saldanha da Gama? Trair a pátria, como Calabar, embora em desafronta de ofensas pessoais sangrentas, é sem-pre reprovável. Em caso algum podemos nos aliar aos inimigos e combater contra a pátria. Por isto, apesar de tudo, Calabar é um in-fame. Agora, combater, não a pátria, mas um go-verno tirânico, usurpador, que escraviza a pátria, é coisa diferente.

Antonio Conselheiro e seus jagunços não combateram contra a pátria; não combateram se-quer contra as instituições: combateram contra as violências e tropelias da policia baiana. Por isto são dignos da nossa piedade. Devem ser perdoa-dos, porque amaram muito. Antonio Conselhei-ro, morto, pode ser encarado sem preocupações e com justiça. Quem pode odiá-lo, olhando-o atra-vés do nimbo da sua fé imortal?__________________________________ *Flávio de Barros foi o único fotógrafo que docu-mentou com sua câmera fotográfi ca a Guerra de Canudos. Chegou a Canudos em 26 de setembro de 1897, acompa-nhando a Divisão de Artilharia Canet. Das suas fotografi as originais, são conhecidas três coleções que pertencem ao Museu da República, no Rio de Janeiro (72 fotos), ao Institu-to Geográfi co e Histórico da Bahia (68 fotos) e a Casa de Cul-tura Euclides da Cunha, de São José do Rio Pardo (24 fotos).

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Inscrições rupestres no Parque Nacional Serra da Capivara -São Raimundo Nonato

Casarão típico do início da colonização do estado

Fotos: Arquivo Conselho Estadual de Cultura

O presente trabalho resultou de debates e do estudo das propostas da PRIMEIRA CONFERÊNCIA NACIONAL DA CULTURA. Dos debates, realizados no plenário do Conselho Estadual de Cultura, partici-param representantes dos diferentes setores da cultura piauiense, quais sejam: o patrimônio cultural, inclusive o edifi cado; a literatura e as artes, em geral, nas suas variadas manifestações; o teatro, as artes plásticas, a música, a dança; a literatura, a programação editorial, bibliotecas, arquivos e museus; a política estadual do livro e da leitura; os meios de incentivo à cultura, den-tre outros.

As propostas contêm os resultados das confe-rências municipais e estaduais, de que também partici-param representantes de todos os setores culturais.

Toma-se por Cultura, na dimensão antropológi-ca, tudo o que aprimora a vida dos cidadãos e amplia a qualidade do quadro social. Cultura proporciona felici-dade, melhora as condições de vida, age diretamente na auto-estima do cidadão, abre perspectivas inovadoras, gera emprego e renda, interferindo no ambiente sócio-econômico e político.

As estratégias, propostas e projetos que aqui se defi nem demarcam roteiros de ação e sinalizam ca-minhos que hão de ser percorridos mesmo depois de cumprido o presente triênio. São temas fundamentais da contemporaneidade, merecedores da atenção do Poder Público, do cidadão e da sociedade, tanto para a conquista de realizações importantes e essenciais no período, quanto para a melhor sensibilização e compre-ensão de fenômenos decisivos no processo permanente de desenvolvimento do Piauí e do Brasil.

1 – PIAUÍ, BERÇO DAS AMÉRICAS

A História do Piauí começa na Pré-História, em períodos bem anteriores à chegada do colonizador no Estado. A pesquisa arqueológica desenvolvida na re-gião do Parque Nacional da Serra da Capivara, há mais de trinta anos, tem provado que o homem já habitava o Piauí há mais de 50.000 anos.

Essa pesquisa evidenciou também a riqueza cul-tural desses primeiros habitantes, que viviam em har-monia com o meio ambiente e dele retiravam apenas o essencial para o seu sustento ou para as suas manifes-tações artísticas. No início eram semi-nômades, viviam da caça, pesca e coleta de frutos e raízes. Fabricavam instrumentos de pedra lascada e polida e pintavam a parede e o teto de abrigos com tintas fabricadas a partir de argilas naturais, nas cores vermelha, marrom, ama-rela, cinza, branca e preta. Depois passaram a cultivar suas plantas e domesticar animais para o seu sustento, e fabricaram os primeiros utensílios em cerâmica.

O Estado do Piauí possui hoje um dos maiores e mais diversifi cados conjuntos de arte rupestre do País, com representações fi gurativas e não-fi gurativas. Algu-mas encontram-se associadas, formando cenas da vida cotidiana dos grupos que a elaboraram, como cenas de dança, de caça, de luta, de sexo, de parto, acrobacia, combate etc. Esta riqueza coloca o Piauí em posição de destaque no cenário nacional e internacional.

2 – PIAUÍ, CONTEXTO HISTÓRICO – COLONIZAÇÃO

Plano Estadualde Cultura

Uma contribuição do Conselho Estadual de Cultura

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Porto das Barcas - Parnaíba

Ao contrário dos demais estados nordestinos, o Piauí foi colonizado do interior para o litoral. Sua con-fi guração geográfi ca é a prova maior disso, o que coloca por terra qualquer estudo apontando o contrário, como naufrágios e/ou expedições ocorridas poucos anos após o descobrimento do Brasil. O que se tem de positi-vo, em termos de colonização e povoamento (prover de gente), são as trilhas do gado tocado por vaqueiros da Casa da Torre, de Garcia d’Ávila, sendo o mais impor-tante deles Domingos Afonso, um português de Mafra. Daí o Mafrense associado ao nome. Já o Sertão é pela sua bravura. Isso lá pelos anos setenta do século XVII.

A primeira fazenda chamava-se Cabrobó, situ-ada à margem direita do Mocha, riacho tributário do Canindé, em cujo vale outras fazendas surgiram. Assim teve início o que fi cou conhecido como a civilização do couro. Posteriormente, chegou a Igreja, através do Pa-dre Miguel de Carvalho, em novembro de 1696, trazen-do a ordem do Bispo de Olinda, Pernambuco, para cria-ção da primeira freguesia, com a invocação de Nossa Senhora da Vitória, cuja imagem também trouxe, além do primeiro vigário, Padre Thomé de Carvalho e Silva.

Em junho de 1712, criou-se a Vila, com o Senado da Câmara. A instalação deu-se somente em dezembro de 1717. Pela Carta Régia de 29 de julho de 1758, Dom José I criou a Capitania do Piauí. Em 13 de novembro do mesmo ano tomou posse o primeiro governador, o Coronel de Cavalaria João Pereira Caldas, que deu à Vila do Mocha, já capital, o nome de Oeiras, em ho-menagem ao poderoso ministro do Rei, Sebastião José de Carvalho Melo, Conde de Oeiras e futuro Marquês de Pombal. Em honra a sua majestade, denominou o Estado de São José do Piauí.

3 – CONSOLIDAÇÃO DA VIDA CULTURAL

O Estado do Piauí está dividido em 223 municí-pios, agrupados em 4 meso-regiões e 15 micro-regiões geográfi cas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística – IBGE. Possui uma área de 251.311,50 Km2 e uma população residente de 3.006.885 habitantes.

É fundamental que se estabeleçam as estraté-gias que venham promover a revolução que se prenun-cia na realidade piauiense, de modo a fazer da cultura um dos principais eixos de desenvolvimento da vida do Estado.

A questão cultural deve ser tratada como ponto decisivo para a afi rmação da cidadania e da ação co-munitária, da felicidade individual e coletiva, da me-lhoria da qualidade de vida do cidadão e da sociedade. A cultura é portadora do lazer e do entretenimento, da satisfação e da consciência crítica, do auto-estímulo e do comprometimento social.

4 – UMA NOVA DIMENSÃO

Como meta principal deste plano propõe-se a recriação da Secretaria de Cultura do Estado do Piauí. Secretaria que se empenhará em implantar uma polí-tica pública de cultura, assumida corajosamente pelo Governo do Estado, que deverá ter o compromisso de buscar profundas transformações, a partir da mudança

de objetivo, método, estilo e desempenho.Este plano deve promover o desenvolvimento in-

telectual, espiritual e material do povo piauiense, atra-vés do fortalecimento de sua identidade cultural e do processo de aquisição de novos elementos que possam contribuir para sua valorização e promoção, num con-texto social mais amplo.

Estado não produz cultura, mas é responsável por uma série de programas públicos, sem os quais o cidadão e a sociedade não terão meios de gerar ou fruir o fato cultural, de produzir e consumir cultura.

A circulação e a projeção da produção cultural

piauiense no Estado, no País e no exterior dependem da ação do Governo do Estado. Ao Governo cabe in-centivar e fomentar a criação e o intercâmbio, além de prestigiar os autores, assegurando-lhes acesso efetivo aos benefícios fi scais e à difusão.

A política estadual de cultura, em síntese, pre-cisa visar a valorização do indivíduo e da sociedade, o fortalecimento da identidade e da imagem do Piauí e sua projeção nacional e internacional, a qualifi cação da vida e do espaço urbano, a geração de empregos e recei-tas e a proteção do artista.

5 – RECURSOS PARA A CULTURA

A questão dos recursos é o primeiro ponto deci-sivo a ser enfrentado com objetividade e determinação. A aplicação em cultura é um investimento com retorno. Portanto o Estado deve destinar um mínimo de 1,5% do seu orçamento à cultura, a fi m de obter resultados mais signifi cativos.

Em segundo lugar, é preciso aprimorar a legisla-ção recente do Estado, em matéria de benefício fi scal, de maneira a assegurar amplo acesso aos produtores. Torna-se fundamental que a Secretaria de Cultura pro-mova intensa divulgação dos mecanismos da lei, bem como a legislação federal, ampliando a captação de re-cursos para o Piauí.

O envolvimento da iniciativa privada, das orga-nizações não-governamentais, das Universidades, das associações de amigos e das entidades culturais varia-das deverá permitir o aumento dos recursos disponíveis para o setor. Parcerias e convênios com os Governos Federal e Municipais contribuirão para a viabilização fi nanceira de projetos e programas, sobretudo para a

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Apresentação Folclórica

Obra da artista plástica Liz Medeiros

formação e qualifi cação de pessoal, melhoria do produ-to artesanal, artístico etc.

Recursos devem ser captados também no exte-rior. Os Bancos Mundial e Interamericano dispõem de programas de apoio à cultura, ao artesanato, ao patri-mônio histórico, às áreas de proteção ambiental, entre outros, ainda não devidamente aproveitados no Piauí. O Governo Federal deverá participar, assim como países que disponham de programas de cooperação para a formação e qualifi cação poderão ser convidados a co-laborar em projetos de proteção de nosso patrimônio cultural.

As interfaces com o turismo, lazer, esporte, meio ambiente e trabalho devem ser intensamente explora-das, visando a multiplicação de programas e recursos.

O plano do turismo arqueológico deverá ser im-plantado e a curto prazo fornecer uma resposta econô-mica positiva, gerando novas oportunidades de empre-go e renda e garantindo lugar de destaque ao Piauí no cenário nacional e internacional.

6 – UM PROGRAMA INOVADOR

O programa de cultura deve ser inovador e dinâ-mico, envolvendo todos os setores da sociedade, articu-

lado com as propostas para a educação, para a ciência e a tecnologia, para o meio ambiente, para o comércio e o turismo e deve estar atento à identidade de cada muni-cípio como potencial primeiro para o desenvolvimento local e, por conseguinte, regional. Tal política terá um impacto imediato na imagem do Estado e contribuirá para a aceleração do processo de desenvolvimento eco-nômico e social, como um todo, por sua força indutora.

Infelizmente, desde a nossa colonização, arte, educação e cultura nunca foram prioridades. Hoje, no cenário nacional, alguns estados se destacam como exemplo em que o apoio à cultura conseguiu interferir na realidade social, melhorando a auto-estima de seus cidadãos e elevando seu padrão de vida.

O Governo do Piauí deve valorizar a cultura como ponto fundamental de sua meta de restaurar a expres-são histórica e política do Estado na vida brasileira.

7 – ARTE E CULTURA DO PIAUÍAs expressões culturais do Piauí remontam ao

berço do homem americano, grafando na rocha as im-pressões individuais do psiquismo coletivo da socieda-de primeva. Da observação dos fenômenos naturais e incompreensíveis à absorção dos arquétipos sacros e pro-fanos, das festas religiosas e comemorativas das colheitas, o homem legou aos nossos dias a história oral e descritiva do ser cultural representado em cada um de nós.

O caldeirão de riquezas expressas em nossa cul-tura é mapeado nas manifestações do teatro, desde os recitais líricos das tertúlias familiares da sociedade, nos séculos XIX e começo do XX, aos ensaios no fundo

de quintal (década de 1950), ao movimento do teatro do estudante (década de 1960); ao CEPI - Centro In-tegrado de Arte do Piauí (década de 1970), reforçando o teatro dos anos de 1980 e ao premiado e respeitado, também internacionalmente, movimento dos anos de 1990 e século novo.

A música e os compositores locais também rede-fi niram sua pauta, penetrando cada vez mais no merca-do competitivo. As artes plásticas têm criado persona-lidade e nomes de destaque irrepreensíveis. A dança de formação e transformação conseguiu romper os limites do Estado, representando esse segmento artístico com muito louvor. A literatura e os autores, em todos os mo-mentos e escolas, manifestaram em letras o homem de espírito universal e contemporâneo. E por fi m, as raí-zes da cultura popular, inspiradas na colonização, na história do ciclo do gado, nas lendas e mitos religiosos, nas heranças trovadorescas ibéricas e todo um manan-cial de tradições presentes no bumba-meu-boi, reisado, cordel etc., feito história viva, mantêm relação intrínse-ca com toda manifestação de cunho cultural.

É essa riqueza de cultura e expressão que o Piauí deve ratifi car como linguagem que desenvolva o ho-mem e, por conseguinte, a sociedade.

É preciso que a imagem do Piauí seja associada a esse patrimônio. Que se torne cada vez mais o símbo-lo de riqueza arqueológica e manifestações artísticas, na dança, na música, nas artes plásticas, na literatura, e não mais na seca, na fome, no crime organizado, no desperdício de água do subsolo, no desvio de recursos públicos, entre outros.

8 – IMPLEMENTAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE CULTURA.

8.1. Gestão Pública de Cultura

8.1.1. Diretrizes:

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Obra da artista plástica Liz Medeiros

Apresentação de Reisado

Valorização das atividades culturais como força dinâmica da vida social, política e econômica do Estado e fator de bem-estar individual e coletivo.

Compromisso com o criador e produtor piauien-se, sua promoção no Piauí, no País e no exterior.

Integração da arquitetura, das artes plásticas, gráfi -cas e visuais, da moda, da gastronomia como setores deci-sivos na articulação da política cultural, ao lado da música, do teatro, da dança, do canto, do cinema, da literatura, do artesanato e das manifestações da cultura popular.

Integração das políticas públicas de cultura com as políticas de educação, de turismo, de meio ambiente, de comércio e indústria, de ciência e tecnologia e gera-ção de emprego.

Expansão de projetos de apoio à ação local, à in-teriorização, à formação de gestores culturais.

Apoio à continuidade do Projeto de transformar a antiga Estação Ferroviária em um pólo de Arte e Cultura – Estação Cultura, com espaço para música, para nova bi-blioteca, para exposições temporárias e permanentes.

Viabilização do funcionamento do Sistema Es-tadual de Bibliotecas, priorizando a recuperação dos espaços físicos das bibliotecas públicas estaduais com ampliação e modernização do acervo, informatização e acesso à Internet.

Incentivo às artes cênicas, à escola de teatro de Teresina e à interiorização do teatro, recuperando es-paços cênicos do interior e criando novos espaços.

Apoio à transformação das escolas de música e de dança do Estado em instituições de nível técnico e superior.

8.1.2. Metas:

Apoiar a edição, reedição e divulgação de obras de relevância de autores piauienses e/ou sobre o Piauí.

Incentivar sistematicamente assessoria técnica e treinamento a responsáveis por bibliotecas municipais, intensifi cando o programa “LIVRO ABERTO” do Mi-nistério da Cultura - MINC.

Apoiar a realização de cursos de qualifi cação e atualização a funcionários de arquivos e museus.

Incentivar a criação de uma lei que garanta o re-gistro dos mestres da cultura popular e recursos fi nan-ceiros para que esses mestres possam transmitir a sua arte a outras pessoas da comunidade.

Apoiar a participação de artistas piauienses em eventos culturais nacionais e internacionais.

Apoiar a realização de eventos culturais de âmbi-

to internacional, como o Salão Internacional de Humor, o Festival Internacional de Arte, na Serra da Capivara, o Festival de Inverno de Pedro II, o Festival Regional de Cultura de Oeiras e outros.

Fazer parceria com a COMEPI para publicação de ensaios sobre temas ligados à cultura e à sociedade piauienses, e catálogos de arte de artistas piauienses.

Incentivar a publicação de obras sobre a história de municípios do Estado, em articulação com as Prefei-turas, as Secretarias de Educação e de Ciência e Tecno-logia e com a COMEPI.

Apoiar a criação da Enciclopédia Eletrônica de Cultura, via lnternet, nas áreas de: artes visuais, artes cênicas, música, artesanato, literatura, manifestações populares e equipamentos culturais, contendo infor-mações sobre autores, principais obras, críticas, co-mentários e opiniões.

Incentivar programas de formação profi ssional para as áreas culturais, mediante a articulação de con-vênios com o FAT/MTb, SEBRAE, SESC, SESI/Piauí, FIEPI, Federação do Comércio do Piauí, CEFET e Uni-versidades.

Incentivar programas de ação conjunta das enti-dades de ensino para a realização de cursos de gestão cultural, nas áreas de política cultural, planejamento e marketing cultural, visando à melhor capacitação dos gestores governamentais e não-governamentais.

Apoiar projetos de publicações e concursos lite-rários.

Incentivar a criação do Instituto Piauiense do Pa-trimônio Histórico, Artístico e Ambiental (IPHAM-PI).

Promover a integração, no âmbito do Governo, das Secretarias de Educação, da Indústria e Comércio, Ciência e Tecnologia, do Trabalho e Assistência Social, de Meio Ambiente, Turismo (PIEMTUR) com a Secre-taria da Cultura, em articulação com as organizações não-governamentais.

Buscar ação integrada com as prefeituras muni-cipais, com entidades da sociedade civil, com organiza-ções não-governamentais, com associações comunitá-rias e grupos culturais diversos existentes no Estado, para maior sintonia com sua política de cultura, visan-do ao estabelecimento de uma programação e crono-grama de atividades e ações conjuntas.

Promover articulação com a iniciativa privada, especialmente com as entidades representativas das classes produtoras para uma participação comparti-lhada no fi nanciamento de projetos, utilizando-se dos benefícios das leis de incentivo à Cultura.

Realizar ação conjunta com as empresas públi-cas do Estado, utilizando os instrumentos legais dispo-níveis para viabilizar formas de cooperação.

Promover a integração aos Fóruns Nacional de Secretários de Estado da Cultura e de Conselhos Esta-duais de Cultura, particularmente nas ações de inter-câmbio cultural dentro do País.

Apoiar a reestruturação da Secretaria de Cultu-ra e fundações vinculadas a seus programas, projetos, modelos e serviços dentro de suas atribuições institu-cionais, com destaque para o departamento técnico dedicado especifi camente à elaboração de projetos de captação de recursos na área cultural.

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Ofi cina de artes plásticas no Museu do Piauí

Incentivar a reestruturação da Administração Pública Estadual, no que se refere a arquivos.

Implantar, de comum acordo com os demais ór-gãos da administração estadual e municipal, o corredor cultural da Praça da Bandeira, Igreja do Amparo e en-torno; do Parque da Floresta Fóssil; do Parque Conse-lheiro Saraiva; do Centro Cultural do Humor etc.

8.2. Economia da Cultura

8.2.1. Diretrizes:

Apoio aos criadores e promotores culturais, com aprimoramento da legislação estadual de benefício fi scal.

Implementação do Decreto nº 11.387, de 20 de maio de 2004, que institui a Comissão de Avaliação de Projetos Culturais (Conta-Cultura).

Incentivo ao desenvolvimento de ações de gera-ção de emprego e ainda para consolidação das respos-tas econômicas dos fazeres culturais.

Cadastramento das vocações peculiares de cada município geradoras de emprego, de receitas públicas e de melhor qualidade de vida.

Apoio técnico a grupos culturais na elaboração de projetos e na regulamentação de suas entidades a fi m de que possam captar recursos indispensáveis às suas atividades.

8.2.2. Metas:

Apoiar a realização de feiras de livros.Promover ação integrada com o setor de turismo. Apoiar institucional e fi nanceiramente projetos

culturais, através de organismos e entidades de fomen-to e cooperação nacional e internacional.

Captar recursos junto aos Ministérios da Cultura e do Trabalho, particularmente no que diz respeito aos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT.

Fiscalizar a aplicação dos recursos destinados à manutenção e à preservação do patrimônio cultural.

8.3. Comunicação é Cultura

8.3.1. Diretrizes:

Incentivo à TV e Rádio Antares como veículos mo-dernos, inovadores e dinâmicos de comunicação da cultura.

Apoio à divulgação do programa semanal de cul-tura recém-criado, sob a responsabilidade do Conselho Estadual de Cultura, com o intuito de discutir as dife-rentes ações culturais.

Apoiar a normatização das rádios comunitárias.

8.3.2. Metas:

Divulgar as áreas culturais de todos os municípios.Incentivar o cadastramento das potencialidades

e das atividades culturais dos diferentes municipais.Promover intercâmbio cultural entre os vários

municípios.Incentivar as rádios comunitárias para a realização

de programas referentes às ações culturais de suas comu-nidades.

8.4. Cultura, Direito e Cidadania

8.4.1. Diretrizes:

Valorização das diferentes manifestações cultu-rais de cada município, promovendo a sua divulgação, continuidade e participação de todos.

Intercâmbio e projeção dos produtos culturais piauienses no interior do Estado, no País e no exterior.

Apoio à edição de autores piauienses, à sua cir-culação nacional e internacional.

Intercâmbio e integração com as universidades estaduais e demais universidades do Piauí, visando à intensifi cação da vida cultural, da pesquisa, da exten-são e dos circuitos universitários.

Incentivos a programas voltados para a cultura afro-brasileira e indígena, em sintonia com as organi-zações representativas de cada grupo com as propostas da sociedade.

Apoio à implementação de Conselhos Munici-pais de Cultura.

Apoio a grupos de produção cultural do interior do Estado.

Apoio aos festivais culturais do Estado.

8.4.2. Metas:

Apoiar ações e programas de difusão da leitura, no sentido de despertar na comunidade o gosto pela li-teratura e oportunizar à população local o contato com a literatura nacional e universal.

Criar os centros de arte e cultura com ofi cinas es-pecífi cas de artes plásticas, música, teatro e dança, em pólos que favoreçam o maior número de municípios piauienses, sua identidade local, e tenham programa-ção continuada dentro de cada área.

Criar espaços culturais comunitários para apresen-tação de shows, peças teatrais e exposições com o objetivo de divulgar a cultura piauiense, promover a integração e dotar o Estado de infra-estrutura cultural plena.

Apoiar a utilização de todo e qualquer espaço pú-blico, tais como: escolas, centros sociais, praças e ter-renos nos seus horários disponíveis, para a produção,

Museu do Piauí - Casa de Odilon Nunes

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Ofi cina de artes plásticas no Museu do Piauí

manifestação artística e sócio-cultural organizadas pela comunidade, de acordo com a agenda cultural do município, garantindo a universalização do aces-so à cultura.

Apoiar programas que visem tirar das ruas as crianças e adolescentes, dando-lhes oportunidades nas ofi cinas artísticas.

Apoiar as manifestações tradicionais de cultura: Ar-tesanato, Bumba-Meu-Boi, Reisado, Cavalo Piancó etc.

Desenvolver, em cooperação com a Secretaria da Educação, programa de formação artística de crianças e de jovens, através das escolas de música, dança e teatro.

Incentivar a criação de bandas mirins municipais e apoiar a melhoria das existentes, com o objetivo de dar oportunidade a novos talentos musicais, promover a arte e divulgar a música.

Incentivar a criação de corais, como manifesta-ção socializante e um meio simples de divulgação dos conhecimentos musicais, de grande valia para o resgate da auto-estima.

Cadastrar as diferentes manifestações de cultura imaterial do Estado.

Apoiar a revitalização da cultura típica das dife-rentes regiões do Estado, incentivando a realização de festivais gastronômicos em cidades-símbolo da culiná-ria regional.

Apoiar a Orquestra Sinfônica Infanto-Juvenil do Estado.

Implementar o Memorial das Nações Indígenas, de acordo com a Lei nº 5.234, de 03.04.2002.

Apoiar o cumprimento e fi scalização da Lei de Direitos Autorais.

Promover a divulgação e conscientização do valor do patrimônio histórico, pois o Piauí possui um acervo arquitetônico e histórico bastante signifi cativo que precisa ser preservado de maneira sustentável, propiciando cultura, trabalho, educação e lazer.

Apoiar o cadastramento e estudos referentes a antigos quilombos, em cooperação com os órgãos pú-blicos e privados de defesa das comunidades negras.

Implementar ações de integração com as comu-nidades e com os países de língua portuguesa.

8.5. Patrimônio Cultural

8.5.1. Diretrizes:

Desenvolvimento da política estadual de patri-mônio histórico, em parceria com a União, com os mu-nicípios e com o setor privado.

Ênfase na questão do patrimônio urbano e natural, em sintonia com as políticas ambiental e fl orestal.

Valorização dos bens imateriais, do folclore e das expressões da cultura popular, do artesanato e da gas-tronomia.

8.5.2. Metas:

Viabilizar pesquisas para documentação do acer-vo do Museu do Piauí - Casa de Odilon Nunes, e demais casas de cultura, incluindo coleções particulares.

Informatizar o Museu do Piauí - Casa de Odilon Nunes e as demais casas de cultura do Estado.

Implantar o Setor de Arte Contemporânea no Museu do Piauí - Casa de Odilon Nunes.

Promover a articulação entre o Museu do Ho-mem Americano e o Museu do Piauí - Casa de Odilon Nunes com as casas de cultura do Estado, a fi m de pro-mover exposições temporárias em todo o Estado.

Incentivar a articulação com as prefeituras mu-nicipais, no sentido de restaurar, reabilitar e manter as casas de cultura do interior, ampliando seu leque de atuação e implantando novos espaços culturais em pó-los ainda não assistidos.

Realizar levantamento, pesquisa, documentação e cadastro do acervo de arte de propriedade do Estado do Piauí para conservação e divulgação.

Identifi car os museus existentes no Estado, com os respectivos acervos e características, e implementar ações conjuntas para uma política estadual de museus.

Incentivar a criação de cursos de museologia em uma das Universidades do Estado.

Apoiar a implantação do Museu da Imagem e do Som do Piauí – Casa de Torquato Neto.

Promover a modernização do Arquivo Público do Estado: informatização do acervo, criação de labo-ratórios de microfi lmagem e restauração, além de cli-matização do espaço físico.

Apoiar o desenvolvimento de projetos de arque-ologia pré-histórica nos parques nacionais da Serra da Capivara, Serra das Confusões e Sete Cidades.

Desenvolver o programa de defesa e proteção do patrimônio histórico em articulação com as prefeituras municipais, com os órgãos federais e com organizações não-governamentais.

Incentivar a restauração e conservação de monu-mentos e edifi cações de importância e signifi cado históri-co, cultural e artístico, de propriedade do Estado, criando infra-estrutura adequada à exploração turística.

Promover ação junto aos Institutos e Conselhos de Engenharia Civil e Arquitetura para o estabeleci-mento de padrões de qualidade na construção e or-ganização do espaço urbano e na preservação de bens edifi cados de valor artístico e cultural.

Implementar a política de preservação do patri-mônio documental.

Apoiar a ofi cina de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis, no sentido de dotá-la de es-paço físico permanente e recursos necessários ao seu funcionamento pleno.

Museu do Piauí - Casa de Odilon Nunes

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A cidade sofre, seu povo não vê, não sente. A cidade fi ca feia, seu povo não percebe. A cidade perde cores, perde poesia e ganha esquecimento e pressa. O bonito é o que vem de fora, a cidade bonita é sempre a dos outros.

Embalada por esses pensamentos, a bailarina Luzia Amélia sentiu que Teresina precisava ser mais vista por Teresina. Depois de assistir no Rio de Janeiro a uma apresentação do projeto Dança em Trânsito, ela quis adaptar a idéia. “Eu percebi que quando a gente viaja, começa a ver ângulos de Teresina que passavam despercebidos. O projeto Dança em Trânsito acontece no Rio uma vez por ano, eu quis ousar mais e fazer aqui uma vez por mês, em lugares diferentes da cidade”.

Ela conta que imaginou espetáculos que dialo-gassem com a cidade, que fossem vivos e provocassem refl exões. Foi assim que nasceu o projeto 1 Minuto para a Dança, que já apresentou quatro espetáculos ao longo de 2006 e promete crescer em 2007.

Luzia Amélia revela que o projeto é basicamente um diálogo do artista, do ator-bailarino, com a sua ci-dade, que vira cenário. “Nós criamos um espaço de arte em locais onde Teresina está perdendo poesia”.

O primeiro espetáculo foi A Mais Forte, uma per-formance da própria Luzia e da bailarina Irene Gomes. “Trabalhamos em cima de um texto do Augusto Strinz-berg, que é expressionista. Apresentamos o espetáculo no Museu do Piauí, que é um lugar lindo e as pessoas não conhecem. Quando eu criei o projeto, quis que ele tivesse um alcance social, que fosse visto por quem não tem condições de ir ao teatro, por isso fi quei muito feliz de ter começado lá no Museu”.

O segundo espetáculo foi Onze e Meia, dos baila-rinos Datan Izaká e Jean das Neves. “Eles trabalharam com o relógio da Praça Rio Branco, que está parado há anos e ninguém mais se incomoda com isso. As pessoas nem mais se dão conta da existência dele. A idéia de trabalhar com o relógio foi do (poeta e produtor) Jone

Dançando Teresina Espetáculo As Marcadas

Natacha Maranhão*Fotos: Arquivo da Escola de Dança

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Clay e quando ele falou eu nem lembrei do que se tra-tava. Na hora do ensaio foi que percebi que passava por lá e não via. As pessoas andam anestesiadas, ninguém vê a cidade onde vive. A gente vê cenas em Teresina que deveriam chocar, mas estão se tornando normais, a gente vê criança na rua pedindo esmola, cheirando cola, vê velhinhos morando na rua, sozinhos, e acha isso normal. Só que não é!”, comenta.

Datan Izaká e Jean das Neves fi zeram duas apre-sentações de Onze e Meia e durante o curto espaço de tempo em que eles entravam e saíam do relógio, fi zeram com que ele funcionasse. “As pessoas perguntavam: ‘o que eles estão fazendo aí? Não tem porquê!’. Estavam certas, a arte não tem porquê”.

O professor Helly Batista foi o responsável pelo terceiro espetáculo do projeto, Onde Estão as Fontes de Teresina?. Luzia Amélia enfatiza que esta é mais uma questão polêmica da cidade. “As fontes de Tere-sina eram lindas, e numa cidade quente como a nossa eram também um alívio. Agora estão todas desativadas e serão transformadas em jardins de pedra. Eu acho que alguns governantes têm a mesma mania dos an-tigos faraós, destroem o que está feito e funcionando apenas para construir de novo e assumir a autoria. A arte não pode fi car fora dessa discussão e o professor Helly Batista fez um trabalho maravilhoso. Ele propôs, criou e arcou com as apresentações, demos apenas um suporte na divulgação. Foi um espetáculo lindo, os bai-larinos dançaram dentro das fontes desativadas”.

A quarta edição do projeto mexeu com outra questão delicada. O espetáculo As Marcadas foi reali-zado no período em que havia a ameaça de derrubada de árvores centenárias da praça Saraiva. “As bailarinas Antônia Luciana e Andréa Barreto fi zeram uma per-formance linda dançando junto às árvores que foram marcadas para ser derrubadas. Todo mundo que esta-va presente silenciou, depois as pessoas abraçaram as árvores. Algumas delas estão ali desde a fundação de Teresina, são patrimônio da cidade”. Felizmente, as ár-vores serão poupadas.

Com um misto de satisfação e tristeza, Luzia Amélia revela que conseguiu realizar as quatro edições

do projeto sem nenhum apoio ofi cial. “Para realizar o primeiro espetáculo contei com a Associação dos Ami-gos do Museu do Piauí, que me cedeu o espaço, e com o Sindicato dos Artistas. Nas outras, fi zemos tudo so-zinhos. Por isso que eu agradeço muito ao Balé de Te-resina, essa companhia maravilhosa que eu dirijo, que tem bailarinos realmente comprometidos. Meu sonho era poder pagar um cachê a cada apresentação, mas não podia, e mesmo assim tudo aconteceu. O apoio do Jone Clay também é muito importante, ele cria textos maravilhosos, é um produtor fantástico. Esse projeto é a coisa que mais estou amando neste momento”, diz, emocionada.

Ela afi rma que tem esperança de conseguir pa-trocínio para seguir com o projeto em 2007. “O que nós já fi zemos mexeu com a cidade, as questões que nós levantamos – das árvores, das fontes, do relógio e do museu – falam do nosso patrimônio que apodrece, que se acaba e ninguém faz nada”.

A bailarina pretende montar no ano que vem o espetáculo A Casa de Bernarda Alba, baseado em um texto de García Lorca. “Eu quero fazer essa montagem e participar dela. O texto do Lorca é super político, fala de uma viúva que tem muitas fi lhas e cria todas

Espetáculo Onze e Meia

Espetáculo As Marcadas

Espetáculo A Mais Forte

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num clima de terror, dentro de casa não se pode falar de sexo, de nada. Eu quero ser a Bernarda Alba, quero trabalhar com bailarinos homens e fazer o espetáculo num desses prostíbulos da Paissandu. O que eu quero mostrar é que a prostituição está muito viva em Teresi-na, eu passo às cinco da tarde e vejo meninos e meninas ‘fazendo ponto’. A gente tenta dizer que isso é coisa de ‘cabaré da Paissandu’, mas não é. Está na cidade toda e são adolescentes que estão se prostituindo. Eu quero fazer ‘A Casa...’ dentro de um cabaré”.

Também já existem planos de espetáculos den-tro de ônibus, embaixo de pontes e em vários outros pontos de Teresina. Espera-se que a cidade pare para vê-los e que, por um minuto que seja, a beleza da dança seja maior que a pressa e o individualismo de cada um de nós.

A MAIS FORTE

Bailarina, coreógrafa, negra, mãe, mulher. Luzia Amélia, hoje diretora da Escola de Dança do Estado, sempre viu na dança seu motivo de viver e trabalhar. Ela criou e dirige o Balé de Teresina (ex-Balé Folclórico de Teresina) há dez anos e orgulha-se da companhia unida e talentosa que conquista prêmios desde o início da sua história.

Determinada, transformou um grupo de ado-lescentes pobres da periferia de Teresina em uma das referências da dança no Nordeste. Com o espetáculo A Dança do Calango, conquistou aplausos dentro e fora do país. Recentemente, a companhia estreou Mercado

Central, baseado nas histórias e personagens do mer-cado velho de Teresina.

O Balé de Teresina tem hoje 16 membros: 14 bai-larinos e mais Luzia e o poeta e produtor Jone Clay. Eles acabam de agendar para o primeiro semestre de 2007 uma temporada de duas semanas no Rio de Ja-neiro e enquanto não chega o dia de viajar, continuam trabalhando dentro e fora dos palcos pela valorização da dança piauiense.

_____________________________________ *Natacha Maranhão é jornalista e faz parte do site

Overmundo (www.overmundo.com.br).

Espetáculo Onde Estão as Fontes de Teresina?

Luzia Amélia no Espetáculo A Mais Forte

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Quintana: A Simplicidade Construída

Rep

rodu

ção

Revista PRESENÇAESPECIAL | MÁRIO QUINTANA

A poesia não se entrega a quem a defi ne. M.Q.

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Consta da festa de comemoração do centenário de nascimento de Mário Quintana (1906-2006) a publicação de sua Poesia Comple-ta pela Nova Aguilar, com excelente estudo intro-dutório de Tânia Franco Carvalhal. Trata-se de fato relevante que, certamente, jogará luz sobre a obra poética de um dos poetas mais amados e, paradoxalmente, menos conhecidos da literatura brasileira. O paradoxo é perfeitamente explicável: além de excelente poeta, Quintana era um frasis-ta incorrigível, dotado de agudo senso de humor e fi na ironia. Em sua coluna, Caderno H, usou e abusou de frases, ditos, sentenças, facécias que, de

tão populares, circulam por aí como se fossem do domínio público. Nem mesmo um intelectual do porte de Paulo Rónai resistiu à tentação de louvar essa faceta do poeta: “De clareza e leveza totais, encerram sínteses que desaconselham a leitu-ra dinâmica. Espécimes da melhor prosa que se constrói entre nós, provam a utilidade da poesia e dos poetas”, afi rmou em O Mundo Redefi nido. O problema é que o sucesso dessas “mini-máxi-mas”, de certa forma, contribuiu para “esconder” o extraordinário poeta Quintana. Acrescente-se a isso o fato de ter sido ele, ao longo da vida, um solteirão incorrigível, boêmio e freqüentador dos barzinhos perdidos nas ruas periféricas de Porto Alegre. Criou-se, no imaginário coletivo, a fi gura

do homem solitário, alheio aos rumores do mun-do, pervagando na penumbra e vertendo poesia, em estado puro, por todos os poros. Em Mário Quintana Desconhecido (Editora Brejo), Armin-do Trevisan, contemporâneo e amigo do poeta, afi rma: “Muita lenda sobre o poeta circula por aí. A maioria concerne ao seu alheamento, à sua im-pressionante distância psíquica dos homens e das coisas. Minha interpretação desse comportamento diverge do que em geral se diz. Penso que esse alhe-amento era uma couraça psicológica com que o po-eta se resguardava das cutiladas do convívio”.

Outro aspecto sempre realçado na poe-sia de Quintana é a decantada simplicidade, não raro confundida com “espontaneidade”, o que não passa de um equívoco. Como bem acentua Tânia Franco Carvalhal, “Se já foi atribuída ‘simplicida-de’ a seus versos, por exemplo, alguns deixaram de ver que a essa aparência espontânea corres-pondiam um trabalho consciente e um domínio amplo da matéria poética”. Em outras palavras: Mário Quintana conhecia como poucos a carpin-taria do verso. Nele, a simplicidade não é dádiva ou limitação; é árdua conquista. Mas isso será ob-jeto de análise mais acurada em outra oportuni-dade. O que se pretende nesta edição de Presença é reverenciar uma das fi guras mais representati-vas da poesia brasileira, na comemoração do seu centenário de nascimento.

__________________________________ *Cineas Santos é professor.

Cineas Santos*Fotos: Dulce Helfer

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O AUTO-RETRATO

No retrato que me faço - traço a traço – às vezes me pinto nuvem,às vezes me pinto árvore...

às vezes me pinto coisasde que não há mais lembranças...ou coisas que não existemmas que um dia existirão...

e dessa lida, em que busco- pouco a pouco –minha eterna semelhança,

no fi nal, que restará?Um desenho de criança...Corrigido por um louco!

(Apontamentos de História Sobrenatural - 1976)

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O POETA CANTA A SI MESMO

O poeta canta a si mesmoporque nele é que os olhos das amadastêm esse brilho a um tempo inocente e perverso...

O poeta canta a si mesmoporque num seu único versopende – lúcida, amarga – uma gota fúlgida a esse mar incessante do tempo...

Porque o seu coração é uma porta batendoa todos os ventos do universo.

Porque além de si mesmo ele não sabe de nadaou que Deus por nascer está tentando agora ansiosamente respirarneste seu pobre ritmo disperso!

O poeta canta a si mesmoporque de si mesmo é diverso.

(Esconderijos do Tempo - 1980)

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OS POEMAS

Os poemas são como pássaros que chegamnão se sabe de onde e pousamno livro que lês.Quando fechas o livro, eles alçam vôocomo de um alçapão.Eles não têm pousonem portoalimentam-se um instante em cada par de mãose partem.E olhas, então, essas tuas mãos vazias,no maravilhado espanto de saberesque o alimento deles já estava em ti...

(Esconderijos do Tempo - 1980)

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A clássica pergunta “quem descobriu o Piauí?” manifesta uma visão colonialista, de que o centro do mundo se encontra na Europa e no Oci-dente. Desde o século XVI, época em que ocorreram os primeiros contatos com o Piauí, que se impôs tal análise do Mundo. Antes, a barbárie; depois, a civilização. Não obstante, há muito existiam po-pulações aqui que deixaram impressas nas serras, sua arte e sua vida, tão belas como as pinturas das grutas francesas e espanholas pré-históricas, res-pectivamente, Lascaux e Altamira.

A ocupação humana da América é uma questão controvertida e vem levantando inúmeros debates acadêmicos. Não há registro da presença de qualquer espécie “homo” no continente, antes de cinqüenta mil anos contados de nossa era. Portanto, é patente que a presença da espécie veio de fora, possivelmente já o “Homo sapiens”. O caminho natural tem sido considerado sempre o estreito de Bering, entre a Sibéria e o Alasca, mas cada vez mais se cogita de outros caminhos, desde migrações

vindas da Polinésia como também da África, ainda que isto seja improvável.

Não existe data precisa para a existência do “Homo sapiens”, que se entende ter surgido entre duzentos a cem mil anos atrás, ainda sendo o “Homo neandertalensis”, possivelmente descen-dente do “Homo erectus”. A espécie humana atual, “Homo sapiens sapiens”, evoluiu separadamente do Homem de Neandertal, com crânios mais leves, rostos menores e membros mais retos. Surgiu, inicialmente, no Oriente Médio, vindo da África, há setenta mil anos atrás. Logo depois apareceu na Europa, como o Homem de Cro-Magnon; em seguida, chegou ao Extremo Oriente. Considera-se que, por volta de cinqüenta mil anos, os humanos atravessaram o Estreito de Bering, depois que o gelo retrocedeu, alcançando a América. Pela mesma época, chegaram à Austrália, ainda que se admita a hipótese desta ter sido o trampolim para o outro continente.

Os seres humanos são considerados mem-

Nelson Nery Costa*Fotos inscrições rupestres: IPHAN

Demais ilustrações: arquivo Interativa

As Primeiras Ocupações Humanas no Piauí

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bros da mesma espécie, não obstante a diversidade física existente. A cor da pele, o formato dos olhos e do nariz e a cor e a forma dos cabelos podem ser diversas, mas não há qualquer restrição quanto à reprodução, o que caracteriza uma espécie única. A população humana divide-se em três grupos, ou raças principais: negróide, caucasóide e mongolói-de. Os povos negróides têm a pele negra ou escura e, em geral, o cabelo encarapinhado, com altura variada. São encontrados nas regiões equatoriais da África, no sul da Índia e até na Nova Guiné, ilhas Fijis e Austrália. Os caucasóides possuem cabelos lisos ou ondulados, nariz e lábios fi nos, tendência à barba cerrada e pele clara, ainda que esta possa ser escura, como ocorre entre os arianos da Índia. Foram se estabelecendo, inicialmente, no norte da África, na Europa e no oeste da Ásia. Já os mongolóides têm a pele variando do amarelo ao marrom-escuro, com olhos amendoados e o cabelo liso e negro. Estas populações foram fi xadas na Ásia Central, no Extremo Oriente e na Indonésia e nas Filipinas. Existem, porém, populações que não podem ser enquadradas entre as anteriores, como os bosquímanos, do deserto de Kalahari, na África, além de outros povos, ditos primitivos.

A população principal que ocupou a América é mongolóide, mas isto não está comprovado. Pode ter havido, nas primeiras migrações, populações de aspecto físico mais caucasóide, sendo tudo con-jectura, por hora. Admite-se, até, que o primeiro fóssil brasileiro, a “Luzia”, com mais de dez mil anos, fosse negróide, pois foi com esta aparência que emergiu de sua reconstituição. Acredita-se, hoje, que grupos negróides possam ter vindo da Austrália, pela Oceania, ou que estivessem estabe-lecidos no Extremo Oriente, antes das populações

mongolóides. Nos primeiros tempos, a população era esparsa, deixando pouco testemunho de sua presença, de modo que não se tem uma análise mais convincente sobre a ocupação inicial.

A teoria tradicional considera que a data possível da chegada do homem na América se deu há apenas doze mil anos, talvez na glaciação anterior a vinte mil anos. Este entendimento de-corre do fato de que se considera que o Homem de Cro-Magnon teria surgido apenas há cinqüenta mil anos. Seria ainda intermediário entre a nossa espécie e os macacos superiores, com capacidade intelectual e tecnológica bastante reduzida. O “Homo sapiens sapiens” teria vindo através do Estreito de Bering, adaptado ao frio das planícies geladas, perseguindo rebanhos de animais que mi-gravam para o leste. Depois, desceria do Alasca à Terra do Fogo, correndo atrás de caça e ocupando todo o continente.

Pode ter havido, porém, outras formas de migração, em períodos anteriores à última glacia-ção. No mesmo modo que o homem enfrentou o

frio, no modelo anterior, teria tecnologia para viajar de ilha em ilha, quando as águas do oceano Pacífi co estavam mais baixas ou, mesmo, da África ou da Austrália, não se sabe bem. A pesquisadora Niéde Guidon entende que, como hipótese, o homem pode ter chegado à América há setenta mil anos e que, no Pleistoceno fi nal, há sítios no Brasil que indicam a presença humana bem antes do que é aceito normalmente.

Os sítios pré-históricos mais antigos na Amé-rica foram encontrados no sudeste do Piauí, na Serra da Capivara. No abrigo denominado “Toca da Pedra Furada”, há resíduos de carvão, datados por C-14 com quase cinqüenta mil anos. As primeiras ocupações utilizaram parte da base rochosa, perto do fundo da formação, que continham sedimen-tos pela erosão da parede, cobrindo os vestígios humanos. As camadas pesquisadas compreendem quinze fases de ocupação, que são agrupadas em três culturas. A primeira representa os grupos do Pleistoceno, chamada de “Pedra Furada”. A segunda cultura, denominada “Serra Talhada”, corresponde às populações que estiveram no abrigo, desde o início do Holoceno, de doze mil anos até cerca de seis mil anos atrás. Por fi m, uma terceira, a cultura “Agreste”, depois deste período, correspondendo à chegada de um novo grupo à região.

Na fase cultural mais remota, “Pedra Fura-da”, com datações de cinqüenta mil anos, foram construídos grandes fogões circulares resultantes da utilização de rochas caídas, arrumadas como se fossem fogueiras, com abundância de carvão. Os homens do período lascavam seixos de quartzo e de quartzito, com retoques limitados às margens dos bordos, como raspadores. Ao lado das pedras

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maiores, que tinham a função de quebrar os ossos, existiam lascas associadas às atividades de cortar a caça. Tratava-se de grupos caçadores-coletores muito primitivos. Por volta de trinta mil anos existem indícios de pinturas rupestres, ao passo que são comprovadas algumas pinturas vermelhas com duas retas paralelas, de dezessete mil anos. A presença humana no Piauí é bastante antiga, ao contrário do que acreditava a teoria tradicional, conforme as pesquisas indicam.

Não obstante, muitos arqueólogos, em es-pecial os norte-americanos, discordam de datas tão antigas. Afi rmam que não basta encontrar carvão de cinqüenta mil anos, mas que se deve provar que o homem foi quem utilizou o material que deu origem a estes resíduos e que não decorrera o mesmo de qualquer fenômeno natural, como uma combustão de arbustos. Por outro lado, o material lítico seria resultado de pedras caídas sobre as outras em velo-

cidade. Em relação a este argumento, Niède Guidon e equipe respondem que as ferramentas de pedras não resultam de quartzos produzidos naturalmente, em razão de apresentarem pedra com lascas remo-vidas da extremidade em cinco ocasiões sucessivas, resultando em um objeto de forma regular. Em relação ao carvão, argumentam os pesquisadores brasileiros que a paisagem da “Pedra Furada” era diferente do panorama agreste atual, pois lá havia fl oresta tropical, que difi cilmente queimaria de forma natural. Não obstante a coerência de tais argumentos, a comunidade científi ca ainda não deu a chancela defi nitiva para o problema.

O tempo vai dando razão à pesquisadora brasileira. Em notícia recente, de meados de 2005, foi publicado no Jornal O Globo que: “Os primei-ros seres humanos teriam chegado ao continente americano há cerca de 40 mil anos, pelo menos 20 mil anos antes do que sustentam as teorias mais aceitas. Uma equipe de cientistas chegou a essa polêmica conclusão após datar pegadas humanas preservadas por cinzas vulcânicas numa pedreira na região central do México. Segundo os especia-listas, os primeiros americanos teriam chegado ao continente pelo mar, e não a pé. [...] A origem do homem no continente ainda é repleta de dúvidas. Os ossos mais antigos encontrados até o momento são os de Luzia, que viveu no Brasil há cerca de 11 mil anos, e alguns mexicanos, que teriam 13 mil anos. Num encontro da Associação Britânica para o Avanço da Ciência, ano passado, pesquisadores divulgaram que há fortes indícios de que os pri-meiros habitantes das Américas seriam oriundos da Austrália”.

No período de transição entre o Pleistoceno e o Holoceno, por volta de doze mil anos atrás, a Amé-rica do Sul já estava toda habitada, com diversos sítios registrados no Brasil. Na Serra da Capivara, os indícios de ocupação humana desse período são numerosos e perduram por quase cinco mil anos. A fase cultural “Serra Talhada” apresenta uma gran-de quantidade de fogões em todos os níveis, com pedras lascadas e vestígios de caça usada, como tatus, preás, mocós, veados e roedores, além de res-tos de frutos e folhas. Existe registro, também, da indústria lítica sofi sticada, como lascas retocadas,

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raspadores de vários tipos, facas, pontas, furadores e resíduos do lascamento.

A fase cultural “Agreste” surgiu pouco depois da fase “Serra Talhada”, coexistindo ambas no mesmo espaço, de dez a seis mil anos. Os povos daquela fase tinham uma indústria lítica de baixa técnica, passando a se utilizar o quartzo e o quart-zito, sem retoque nas lascas. Existem diversas representações gráfi cas, em que predominavam as fi guras humanas, sendo raras as de animais, bem como inexistente a representação de objetos. Por volta de cinco mil anos, a fase “Agreste” tornou-se dominante, com o desaparecimento dos povos da tradição “Nordeste”, momento ocorrido há três mil anos.

Nos últimos dois mil anos, a prática da agri-cultura e o uso da cerâmica se tornaram correntes

em quase todo o território brasi-leiro, em razão da difusão de diversos povos e culturas, com línguas bem di-ferentes. Na Ser-ra da Capivara, por volta dessa época, existem os primeiros indícios do cul-tivo de amen-doim, feijão e cabaça, tendo sido esta ativi-dade agrícola precedida pela tradição “Una”, no centro do Brasil. Depois, vieram os po-vos da tradição

“Aratu”, que também habitavam o interior do País, há mil e quinhentos anos, que devem corresponder às populações de línguas Macro-Jê.

Constatam-se, no Brasil, quatro grandes grupos lingüísticos: Tupi, Jê, Karib e Arawak. Os três primeiros grupos são, possivelmente, relacionados. Trata-se de etnias com numerosos membros, que se espalharam por vastas áreas. Há, ainda, outros grupos lingüísticos menores, como Chapacura, Guaykuru, Katukina, Maku, Mura, Nmbikwara, Pano, Tukano e Yanomami, dentre ou-tros. Ocorrem, por fi m, línguas isoladas, separadas dos grupos acima mencionados. No Piauí, houve a ocorrência apenas de povos Jê, Tupi e Karib, não se encontrando vestígios de populações Arawak.

Existe a família Macro-Jê, que começou sua

dispersão entre cinco ou três mil anos. As línguas Macro-Jê formam um anel em torno do Brasil cen-tro-oriental, inclusive no Nordeste e no Piauí, como as populações Kariris e Jaikós. Já as populações de línguas Jê, propriamente ditas, um tempo depois surgiram provavelmente entre a foz do rio São Francisco e o rio Araguaia, sendo conhecidas tam-bém como tapuias, ou o povo da “língua travada”. Em geral, eram nômades, pouco se fi rmando em aldeias, além de terem uma agricultura rudimen-tar, limitada ao milho, vivendo mais da caça e da coleta. Lutavam praticando assaltos e emboscadas, inclusive homens e mulheres, lançando a fl echa em sentido horizontal, em razão de viverem em ecos-sistema de cerrado, cocais ou caatinga.

É bastante conhecida a fi liação genética entre as línguas do grupo Macro-Tupi, inclusive com a reconstrução detalhada de sua principal família, conhecida como Tupi-Guarani. Este povo come-çou a sua dispersão entre três a cinco mil anos, iniciando-se na região entre o rio Madeira e o rio Xingu, próximo de suas cabeceiras. Os falantes do Macro-Tupi, atualmente, estão concentrados no centro-oeste brasileiro. A grande dispersão geográ-fi ca destas línguas decorreu da explosão resultante do aumento da família Tupi-Guarani, ocorrida de dois a três mil anos. O movimento fi nal de expansão aconteceu após 1.000 d.C., em que as várias línguas seriam na verdade apenas uma, o Tupi. Depois de saírem de sua região original, migraram para o rio Amazonas e sua foz, seguindo em direção à costa brasileira. Foram desde o Pará até o Sul, quando os povos Tupis encontraram-se a oeste do litoral com os Guaranis, que tinham migrado para o Pa-raguai e depois para o sul do Brasil, fazendo outro caminho. Durante o trajeto, em que as tribos iam se dividindo, com os dissidentes sempre descendo para o Sul e, no fi nal, para o Oeste, expulsaram as populações Macro-Jês para o interior.

Vários povos Tupis habitavam o litoral, em especial os Tupinambás, que estiveram no Piauí, os Tupiniquins e os Potiguaras, que habitavam o Nordeste e a Bahia, populações hostis entre si, mas que falavam uma língua muito semelhante, quase igual. Os Tupi-Guaranis viviam em aldeias, com o domínio defi nido pelos acidentes naturais, possuindo lavoura rudimentar, mas com razoável diversidade. Teciam o algodão e trabalhavam a cerâmica. Lutavam de frente, apenas os homens, lançando a fl echa para cima, para descrever um arco no ar, por habitarem as regiões de matas.

As línguas Karib são bastante próximas, semelhantes à família Tupi-Guarani, com uma dispersão ocorrida entre dois ou três mil anos. Originam-se de um ponto entre as cabeceiras das Guianas e da Venezuela, ainda que se considere a hipótese de terem surgido no sul da Amazônia. Não

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existe identifi cada uma família Macro-Karib, que pudesse esclarecer sua origem. Foram detectadas três ramifi cações, sendo a última dos Bakairi, que migraram para o centro do Brasil, sendo talvez a origem da população mais ocidental conhecida, os Pimenteiras, que residiram aqui.

É difícil fi xar, hoje, quanto ao Piauí, quais populações indígenas que o habitaram nos séculos XVI e XVII. Em primeiro lugar, pelo fato de a região só ter sido colonizada no fi nal deste último século, havendo poucas referências, fora os registros da Missão na serra de Ibiapaba e das lutas travadas pelas forças portuguesas que atravessaram esta região. Em segundo, porque eram povos nômades, sendo que muitos já vinham fugindo dos mame-lucos nordestinos, como as populações de língua Jê, em especial os Kariris, e os Tupi-Guaranis da Bahia, que tinham fugido do litoral. Em terceiro, em razão do massacre com que os desbravadores do Piauí trataram as populações locais, conseguindo extingui-las aqui, uma das pouquíssimas unidades federadas que praticamente não têm a presença de índios em seu território. Não deixaram mais quais-quer registros, fora algumas observações e breves anotações dos primeiros colonizadores, além dos gens e das características físicas.

No século XVII, ocorreram alguns confl i-tos entre os portugueses e seus mamelucos com os índios que habitavam o Piauí. Houve alguma resistência mas, no seu último quarto de século, a presença dos colonizadores fi cou mais fi rme e quebrantou todas as revoltas. No século seguin-te, com a presença cada vez maior dos brancos e mestiços, aconteceu um gravíssimo genocídio, que apagou o rastro de qualquer indígena na região. Já não havia tantos índios aqui, vários já vinham fugindo dos colonizadores e de sua escravidão, em clima de terror e pânico. Os demais foram subme-

tidos à mestiçagem ou à extinção, apagando-os do território piauiense.

Depois, no século XVIII, houve o aldeamento das populações indígenas, com a utilização de sua força de trabalho, que podia ser requisitada pelos sesmeiros. Ocorreu, ainda, a miscigenação com os brancos e os mamelucos que vieram para a região. Houve, também, lutas para expulsar as populações mais hostis, que acabaram sendo exterminadas ou expulsas para o Maranhão ou Tocantins. As tribos que sobreviveram ao aculturamento, mestiçagem, extermínio e expulsão, no começo do século XIX, foram defi nitivamente extintas ao longo de seus primeiros cinqüenta anos.

Em meados de novembro de 2006, duas notícias publicadas na imprensa mexeram com a antropologia. Em primeiro lugar, o levantamento do DNA do Homem de Neandertal, sugerindo que a espécie se separou do “Homo sapiens” há quase quinhentos mil anos e, assim, também tornando mais velha esta espécie. Em segundo, a afi rmação de Niède Guidon, que na Serra da Capivara have-ria registros líticos com cem mil anos, dados estes ainda não inteiramente comprovados, mas que jogam para mais longe a presença do homem na América.

Quem descobriu o Piauí? Foram as primeiras populações que para cá vieram, há cinqüenta mil anos, ocuparam a Serra da Capivara, e deixaram sua arte e impressões no local de maior concentração de pinturas rupestres do Mundo. Quem descobriu o Piauí? Foi a pesquisadora Niède Guidon, que está revolucionando a história da ocupação das Améri-cas, com sua teoria sobre a presença humana antes de vinte mil anos.

__________________________________*Nelson Nery Costa é Membro da Academia

Piauiense de Letras, Professor Adjunto da UFPI e Defensor Público Especial.

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Cineas SantosFotos e Cartuns: Arquivo pessoal do artista

Aos 68 anos de ida-de, todas as manhãs, ao fazer a barba, Zélio Alves Pinto, com a saudável cu-riosidade de um menino traquina, pergunta ao es-pelho o que vai ser quan-do crescer. A resposta é sempre a mesma: Zélio, ou seja, um artista irre-quieto, sempre disposto a

reinventar tudo, inclusive a si mesmo. Até os 17 anos de idade, o universo de Zélio fi ndava logo ali na curva que separa Caratinga (MG) do resto do mundo. Aos 18, estava em Belo Horizonte fazendo rádio e TV; aos 19, estreava na revista O Cruzeiro, onde pontifi cavam os maiores humoristas do país; aos 21, já estava em Paris, estudando na Sorbonne e publicando na revista ParisMatch e no jornal L’Aurore; aos 23, fazia sua primeira exposição in-dividual na Maison du Brésil, na capital francesa. Isso é apenas o início da trajetória de um artista que, com seu talento multifacetado, ao longo de 50 anos, vem enriquecendo a cultura brasileira. Desenhista, professor, jornalista, editor, cartunista, pintor, contista, diretor de TV e drama-turgo, Zélio Alves Pinto é o que, no Piauí, chama-mos de um homem de sete ofícios. Depois de percorrer “Europa, França e Bahia”, Zélio sentou praça em São Paulo onde todos os dias, diante da prancheta, acrescenta novos tons ao alvorecer. Na 24ª edição do Salão de Humor do Piauí (novembro de 2006), Zélio veio comemorar conos-co os seus 50 anos de reinações. O Piauí o acolheu com o carinho que ele merece e Zélio acrescentou brilho a um Salão que é o xodó dos teresinenses. En-tre abraços, autógrafos e generosas doses de cajuína, encontrou tempo para conceder-nos essa entrevista que dividimos com os leitores de Presença.

As reinaçõesde Zélio

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PRESENÇA – Além de você e do Ziraldo, exis-tem outros artistas gráfi cos ou desenhistas em sua família?ZÉLIO – Existem, sim. É um mal de família; não é uma coisa acidental: alguém deve ter planejado isso. Fazer o quê? Agora é conviver com o fato até o fi m. Em nossa família, há muitos artistas, inclusive minha mulher, Ciça, que é quadrinista, poeta e escritora. Tenho outro irmão, o caçula da família, que é um excelente grafi sta no Rio de Ja-neiro e uma irmã, que é pintora, e um monte de sobrinhos, todos acometidos do mesmo mal...PRESENÇA – E entre os ascendentes?ZÉLIO – Algumas ameaças, digamos assim. Pra começo de conversa, à época, nosso mundinho

não comportava esse tipo de coisa, menos ain-da em Caratinga, sertão de Minas, onde nasci. Minha mãe, por exemplo, se tivesse vivido num outro meio, teria sido uma boa pintora. Vivendo naquele lugar acanhado, fez apenas alguns tra-balhos, que eu guardo com muito carinho. Meu pai também era um homem de sensibilidade: gostava de ler, gostava de teatro, o que era algo raro, estranho ao meio onde vivíamos. Mas o que realmente nos marcou muito, a todos nós, foi o fato de termos tido livros em casa, o que, na-quele meio, era algo raríssimo. Não se tratava de uma biblioteca organizada, apenas livros. Acho que éramos vistos em Caratinga como seres es-

tranhos, para dizer o mínimo. Conta-se que, na região, é corrente o seguinte comentário: “Coita-do de seu Geraldo (nosso pai): teve tantos fi lhos e ninguém deu certo...” Em defesa dele, posso garantir que ele tentou, tentou muito: pôs todo mundo na escola, mandou fi lho para o colégio militar, mandou para o seminário. Ele sabia que era preciso fazer alguma coisa para “encaminhar” aqueles meninos, senão ia dar no que deu... Só tem artista. O sonho dele era ter um fi lho médi-co, outro engenheiro, outro advogado, um padre e um militar...PRESENÇA – Como era a vida de vocês em Caratinga?ZÉLIO – Caratinga era uma cidadezinha per-dida no fundo de um vale, no sertão de Minas. Tinha pouca infra-estrutura, mas era muito gos-tosa, talvez por ser parte da infância da gente, onde quase sempre só sobrevive coisa boa... Mas era tudo muito pobre, sem perspectiva. Meu avô, quando percebeu que não havia saída, pegou o resto dos fi lhos e migrou para o Rio de Janeiro. Para nós, isso foi a melhor coisa porque, moran-do em Caratinga, tínhamos contato com o Rio, embora fosse uma relação mais emocional do que prática. Na adolescência, às vezes, íamos vi-sitar nossos avós e nossos primos no Rio. Graças a isso, tomamos conhecimento do mundo que havia lá fora. Mas somos fruto da sorte e do aca-so. Não há qualquer explicação plausível para o fato de termos tomado gosto pelas artes gráfi cas e pela literatura, encaradas como profi ssão.PRESENÇA – Havia boas escolas, bibliotecas públicas, vida literária em Caratinga?ZÉLIO – Quase nada. Havia o grupo escolar, como em qualquer cidadezinha e existia lá, tam-bém, uma biblioteca pública. Mas, como já afi r-mei antes, tínhamos livros em casa. O certo é que pegamos gosto pelos livros. Nós tivemos a sorte de ter na escola uma bibliotecária que marcou a nossa vida: dona Glorinha Abelha, que nos con-duzia, com carinho, naquele universo encantado. O sistema nos proporcionou esse mínimo indis-pensável para que pudéssemos pensar.PRESENÇA – Como qualquer criança, você de-ver ter feito seus primeiros desenhos “sujando” as calçadas com carvão ou giz; mais tarde, deve ter usado lápis, caderno, etc. À época, já fazia planos para se tornar desenhista ou pintor? ZÉLIO – Nada, absolutamente nada em minha vida foi planejado. Meu único plano era sair de Caratinga e ir para Paris. Em minha vida, quando muito, planejo o almoço e o jantar do dia. Quan-

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do alguém me fala: “Na semana que vem...”, eu respondo: peraí, a semana que vem está muito longe... Eu prefi ro não ter agenda. Quando exer-ci funções públicas que me obrigavam a cumprir determinadas tarefas, tive que recorrer a uma, mas aquilo me incomodava muito. Confesso que gostaria de ser uma pessoa organizadíssima, mas não consigo. O máximo que faço, em matéria de organização, é ter vontade. Nada além. Eu come-cei a desenhar, um pouco, por causa do ambiente familiar, mas foi, principalmente, pelo fato de ter por perto o Ziraldo, que já nasceu viciado no ofí-cio, que aceitei como sina. Tive a sorte de ter um irmão seis anos mais velho do que eu, que, para mim, era um parâmetro. O Ziraldo, aos olhos do irmão mais novo, era o cara que sabia tudo. Certa vez, encontrei-o com a farda do colégio em com-panhia de outros colegas. Perguntei para onde eles iam, e o Ziraldo me respondeu: “Estamos indo para a rádio comemorar o fi m da guerra”. O Ziraldo tinha apenas 14 anos e já vinha com essa consciência política. Fico pensando como, viven-do naquele fi m de mundo, ele podia ter consci-ência da importância daquele fato. Creio que os livros e o Ziraldo foram referências que me aju-daram a defi nir um rumo...PRESENÇA – Até quando você viveu em Caratinga?ZÉLIO – Até os 17 anos. Depois, fui para Belo Horizonte, onde trabalhei em rádio, televisão e tudo que tinha direito. Mas fui para a capital do Estado como bancário – Banco Ribeiro Junquei-ra. Meu pai planejou o seguinte: como éramos muitos, a única forma de continuar estudando era trabalhar no banco. Foi assim com os três fi -lhos mais velhos. Como tinha alguma infl uência no banco onde trabalhava junto com familiares, ele conseguia nossa transferência para Belo Ho-rizonte. Com o Ziraldo, foi um pouco diferente: ele saiu de Caratinga para o Rio. Eu passei pouco mais de um ano em Belo Horizonte. Um dia, re-cebi um convite para trabalhar na famosa revista O Cruzeiro e mudei-me para o Rio de Janeiro. Em pouco tempo, fi z um trabalho e ganhei um prêmio, “uma fortuna incalculável”, peguei o di-nheiro e me mandei para Paris. Fiz o percurso Caratinga-Paris em pouco mais de quatro anos. Lembro-me de que completei 21 anos em Paris. Fui para a capital francesa como correspondente de imprensa e bolsista.PRESENÇA – O que você foi fazer em Paris? ZÉLIO – Fui sem qualquer planejamento mais objetivo; fui aventureiramente, fascinado pelo

brilho da cidade. Já em Caratinga, eu via aqueles fi lmes com as pessoas sorrindo, dançando, como se Paris fosse realmente “uma eterna festa”. Fui para Paris sem falar francês, mas já “arranhava” alguma coisa, por causa dos fi lmes e dos discos que eu ouvia. Ao preparar-me para o vestibular, estudei um pouco de francês, mas isso não me bastava. Minha intenção era estudar jornalismo, cheguei a matricular-me na escola superior em Paris, mas não cumpri o programa da universi-dade porque eu precisava trabalhar. O que me pagavam como correspondente não me garantia a sobrevivência em Paris. Então tive de me vi-rar: fazer cartuns, pintar quadros e vender nas calçadas. Tive de matricular-me na Escola Supe-

rior de Jornalismo (meio a contragosto: eu que-ria mesmo era fi car na fl auta) para poder morar na Cidade Universitária. Nada de extraordinário, até porque, à época, eu já era efetivamente jorna-lista. Não me orgulho de ter me formado na Sor-bonne; na verdade, eu me formei na vida. É certo que freqüentei a famosa escola; os professores me adoravam porque eu representava um êxito para eles: tinha a mesma idade da molecada que estudava lá, mas tinha a tarimba, a experiência de já ter trabalhado efetivamente na imprensa. Na verdade, nem cheguei a terminar o curso, já que passei apenas três anos em Paris (1960-1963). Como era muito atirado, convenci uma

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editora francesa (Jean Jacques Pauvert) a editar um livro com os humoristas brasileiros. Depois, fi z estágio na revista ParisMatch; no jornal L’Aurore, publiquei cartuns na revista Hara-Kiri, fui dire-cionando a minha vida para o jornalismo, embora não fosse essa a minha paixão. Essa aventura du-rou até o dia em que apareceu por lá uma morena bonita, que eu já conhecera no Brasil. Comecei a conversar com ela, gostamos da idéia e resolvemos nos casar. Para casar, tive de voltar para o Brasil. Terminava ali minha aventura parisiense.

PRESENÇA – O que você fez ao regressar ao Brasil?ZÉLIO – Voltei para o Rio de Janeiro, passei a trabalhar outra vez na revista O Cruzeiro, mas o salário, à época, era muito pouco, e minha namo-rada era meio luxenta. Com o que eu ganhava na revista, não podia sustentar casa, mulher e fi lhos. Passei então, a publicar em tudo que era jornal e revista do país. Depois, fui trabalhar também com publicidade, atividade que já conhecia des-de Belo Horizonte...PRESENÇA – Você conviveu com aquelas fe-ras do humorismo que integravam a revista O

Cruzeiro?ZÉLIO – Com todos eles: Péricles Maranhão, Millôr, Appe, Borjalo, Carlos Estevão, Fortuna, Ziraldo, era um time, ou melhor, uma seleção de feras. O que havia de melhor no Brasil. Deixa eu lhe contar uma coisa: quando eu conheci o Mil-lôr, ele ainda não desenhava, só escrevia. Mas ele gostava de desenhar e acabou aprendendo. Criou um estilo personalíssimo. PRESENÇA – Além da revista O Cruzeiro, em que outros órgãos da imprensa brasileira você trabalhou?ZÉLIO – Na revista Senhor, O Globo, Jornal do Brasil, O Jornal e A Cigarra. Depois dessa tem-porada no Rio, casei-me e a família de minha mu-lher cismou de abrir uma agência de publicidade, deram uma olhada no quadro familiar e desco-briram que o único que tinha alguma familari-dade com o negócio era eu. Então me escalaram para ir trabalhar em São Paulo. Fui, passei um ano e meio em São Paulo, sofri que nem sovaco de aleijado. São Paulo era frio, as pessoas com-plicadas, tudo muito difícil. Ainda assim, criei a PROBRAS (Propaganda Brasileira), uma agência que sobreviveu até bem pouco tempo. Mas eu es-tava muito mal acostumado; saí de Minas e fui para o Rio de Janeiro: uma beleza. São Paulo era outra história. A primeira oportunidade que tive, voltei correndo para o Rio. O problema é que tra-balhei em muitos lugares, mas sempre por pouco tempo. Infelizmente, não tenho disposição para fazer carreira: sou irrequieto demais, impacien-te, dispersivo. Eu gostaria muito de ser um cara organizado, mas não tenho vocação para ser “um executivo de mim”.Eu sonhava casar com uma mulher que fosse o contrário de mim, a outra parte de mim, mas casei-me com uma artista, tão sonhadora quanto eu. Pelo menos, conseguimos administrar nosso casamento: estamos casados há mais de 40 anos.PRESENÇA – Como foi sua participação no Pasquim?ZÉLIO - Quando voltei para o Rio de Janeiro, passei a colaborar em muitas revistas e cheguei a editar algumas. Numa editora muito pequena, editei a revista Urubu, uma das primeiras revis-tas de humor contemporâneo do país. Antes des-sa revista, havia as grandes revistas antigas: O Governador, O Malho, Careta, etc. Mas a minha era mais aventureira: era eu e meus amigos. Era um negócio prazeroso, mas, do ponto de vista fi -nanceiro, um desastre. Então eu fui convidado para fazer uma revista feminina da Editora Blo-

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ch, a revista Jóia. Depois, voltei para São Paulo e, em 66, planejei o Canecão..PRESENÇA – Devagar. Que história é essa de Canecão?ZÉLIO – É uma história paralela, que vale um parêntese. Em Paris, encontrei um amigo que cursava administração e, um dia, saímos com nossas namoradas e fomos a um restaurante, no Bois de Boulogne, que tinha um boliche lindíssi-mo. Ficamos tão impressionados com aquilo que combinamos o seguinte: quando voltássemos para o Brasil, iríamos construir um boliche igual àquele, e montar uma rede. Veja que coisa pre-tensiosa! Não tínhamos grana nem para sobre-viver e já pensávamos em rede de boliche, coisa de quem está procurando um rumo na vida. Vol-tamos. Fui para o Rio e ele, para São Paulo, cada macaco no seu galho. Um dia, na véspera do meu casamento, ele apareceu lá em casa, no Rio, e fa-lou: “Zélio, vim aqui pra gente montar o nosso boliche”. Eu me lembro que tinha no banco ape-nas 1.700 qualquer-coisa, cruzeiros, talvez. Era o dinheiro que eu tinha economizado para casar. Não podia, portanto, me meter numa aventura comercial. Ele, então, falou: “Não se preocupe com dinheiro, não. Eu arranjo um sócio rico e a gente levanta a grana”. E assim se fez: ele levan-tou a grana, a Ciça nos ajudou a encontrar um local adequado e montamos o nosso primeiro boliche. Surgiu um problema: nos fi nais de se-mana, o negócio era um sucesso; de segunda a quarta, um fracasso, Foi aí que bolei uns campe-onatos de comerciários, bancários, professores, alfaiates, etc. Os treinos eram feitos no início da semana e os jogos nos fi nais de semana. Suces-so absoluto! O negócio pegou e nós (nós, não: eu nunca ganhei nada com o negócio), ele começou a ganhar dinheiro. Montou uma rede. Chegou a ter 11 boliches. Larguei aquilo, já que não ganha-va nada e fui cuidar das minhas revistas. Uns dois anos depois, ele me ligou: “Zélio, estou com um problema sério: resolvi construir o nosso boli-chão e, para levantar grana, vendi os bolichinhos para uns portugueses. Os caras não entendiam do assunto e o negócio melou. Agora, estou com um único boliche com 36 pistas, mas sem públi-co. Quero transformar o negócio numa cerveja-ria. Vi uma em São Paulo e fi quei entusiasmado. Gostaria que você fosse lá ver esse negócio”. Fui e fi quei decepcionado: a cervejaria se chamava “Urso Branco” ou coisa assim. Era um horror. Falei: se você pretende fazer uma cervejaria para cariocas, tem de ser um negócio diferente: Então

bolamos o Canecão, que está vivo até hoje.PRESENÇA – Em que ano foi isso?ZÉLIO – Acho que foi em 66 ou 67...PRESENÇA – Voltemos ao Pasquim.ZÉLIO – Em 68, fi quei sabendo que havia um grupo de jornalistas querendo fazer um jornal independente em plena ditadura. Inicialmente, acho que eram o Claudios, o Tasso, o Millôr, o Fortuna, o Jaguar e mais dois ou três caras liga-dos ao setor administrativo, cujos nomes não me lembro. Fiquei sabendo do projeto e comentei

com o Ziraldo sobre o assunto. Ele já estava por dentro e falou: “É um jornal de bairro, um jor-nal do povo de Ipanema, fogo de palha, acho...” Eu falei: quero ver de perto. Os caras lançaram o primeiro número e eu fi quei puto porque não fui incluído. A partir do 2º número, comecei a participar, mas sempre com aquela idéia de que era apenas um jornal de bairro. Sem que nin-guém suspeitasse, o jornal estourou, virou uma publicação nacional. Justo quando o Pasquim engrenava seu vôo, recebi o convite para fazer a reforma gráfi ca na Folha de São Paulo, que estava sendo dirigida pelo Cláudio Abramo e ti-

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nha sido comprada pelo Otávio Frias. Por causa disso, me afastei um pouco do Pasquim, tornei-me uma espécie de “agente infi ltrado” em São Paulo. Na verdade, pouco participei da equipe que fazia o jornal. Quando eu ia ao Rio, tomava parte nas reuniões de fechamento. Mas era um negócio muito doido. Ninguém poderia levar aquilo a sério. As entrevistas que o jornal fazia eram muito loucas, os caras bebiam e fumavam todas. O Tasso, genial – coitado! – morreu de tanto beber, anos mais tarde. O certo é que radi-quei-me em São Paulo e nunca mais voltei para o Rio. Virei paulista: se preciso uso gravata e falo com sotaque paulistano. Passei a ser tratado na própria família como um “paulista convertido”. Hoje não, porque tenho um monte de sobrinhos, todos felizes em São Paulo, convivendo com os meus fi lhos, tudo muito família paulista.PRESENÇA – O que você faz em São Paulo?ZÉLIO – De certa forma, eu continuo fazendo jornalismo. Agora mesmo, acabo de fazer a refor-ma gráfi ca de um jornal e já tenho outro em mira. É o tipo do trabalho que me satisfaz porque não cria vínculos: terminado o trabalho, estou livre para fazer outras coisas. Tenho pouca paciência para empregos. Em São Paulo, fi z televisão: fui um dos fundadores da TV Cultura, mas aí cansei ou se cansaram de mim. A única coisa que nun-ca parei de fazer foi desenhar. Hoje, vivo mais como pintor. Todos os dias, a partir das 8 horas da manhã, estou no meu atelier pintando. Faço exposições regularmente e vou tocando o barco.PRESENÇA - Voltando ao Pasquim, que avalia-ção você faria hoje do jornal?ZÉLIO - Algo de extraordinário que não mais se repetirá na imprensa brasileira. Um conjunto de circunstâncias contribuiu para o aparecimen-to de um jornal moderno, escrachado em termos

de linguagem, com uma seleção de craques do melhor nível. Imagine reunir, num mesmo jor-nal, Millôr, Tasso, Sérgio Cabral, Paulo Francis, Ziraldo, Fortuna, Maciel, Jaguar, Ivan Lessa e tantos outros. Não revelo nenhuma novidade ao afi rmar que o Pasquim revolucionou a impren-sa brasileira e lançou no mercado uma leva de humoristas, até então, desconhecidos do grande público. Para ilustrar o que digo, basta citar o Henfi l, que já era conhecido em Minas, mas foi revelado ao Brasil pelo jornal. Eu mesmo devo muito da projeção do meu nome nacionalmente ao Pasquim.PRESENÇA – Zélio, como foi aquela aventura do Pasquim - 21 ?ZÉLIO – Você certamente se lembra de que a morte do velho Pasquim foi lenta e dolorosa. Quero avaliar um fenômeno: com o fi m da cen-sura, o jornal perdeu um grande aliado. Um dos charmes do Pasquim era justamente a metáfora, ou seja, encontrar um meio de dizer o indizível, driblando as regras com irreverência, graça e hu-mor. O jornal tinha esse caráter meio marginal, meio transgressor, e sabia explorar isso de forma muito competente, graças ao talento dos que o faziam. Com o fi m da censura e o apagar da dita-dura, os jornalões, já liberados, se apropriaram

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de muitas das conquistas do Pasca. Perderam boa parcela de um público que era fi el ao jornal: esse público se diluiu. O grupo também se desfez, alguns viajaram, outros desistiram, com exceção do Jaguar que levou o jornal até onde pôde. Cada um foi cuidar da sua vida, mas eu e o Ziraldo e, certamente, muita gente sentia falta de um jor-nal irreverente, inteligente, com espaço para os novos talentos que surgiam pelo Brasil afora. No início do século o Ziraldo, um cara sempre entu-siasmado, me propôs relançarmos o jornal com outro formato, mas eu, que nunca gostei de ge-renciar nada, fui direto ao assunto: Ziraldo, sem capital, não dá! Os tempos mudaram: nenhuma publicação se sustenta hoje sem um sólido su-porte fi nanceiro. Ele falou: “Não se preocupe: eu levanto a grana com algum empresário inteligen-te”. Tudo bem: fi quei esperando. Um dia, ele me liga: “Zélio, dinheiro já não é problema: encon-trei um empresário que bancará o jornal”. Falei: quero ver a cara desse cidadão, não por duvidar do meu irmão, mas porque é tão raro encontrar um empresário com visão e desprendimento para esse tipo de proposta. Marcamos um jantar, conversamos muito e, lá pelas tantas, perguntei ao capitalista: Escuta aqui, meu chapa: você nos garante um milhão para segurarmos o jornal por um ano? Depois desse período, o jornal andará com as próprias pernas e dará lucro, vaticinei. Ele concordou que poderíamos lançar o jornal e

que o capital de giro estava garantido. Propus ao Ziraldo a assinatura de um contrato. O Ziraldo: “Pára com isso, Zélio, ele é meu amigo; empe-nhou a palavra, isso não basta?” Falei: tudo bem, mas me deixa pelo menos escrever uma carta para o “amigo-sócio”, dizendo algo sobre o proje-to. O Ziraldo não concordou. Lançamos o jornal, chegamos a vender 70 mil exemplares, sucesso absoluto. No terceiro mês, o cara saltou fora, não entendia o retorno lento do investimento, tirou a escada e nos deixou no ar. Desastre total: ainda hoje pago contas do Pasquim-21.PRESENÇA – Depois do Pasquim - 21, você e o Ziraldo fi zeram uma revista belíssima, a Palavra. Grafi camente a revista era linda, os textos eram excelentes. Por que não deu certo?ZÉLIO – Isso foi antes. Cada vez que eu me en-contro com o Ziraldo, meia hora depois, temos pronto o projeto de uma revista. Nós somos bons nisso. A Palavra foi exatamente um desses pro-jetos bem feitos, viáveis, mas que, por uma série de razões, que se resumem a uma: gerenciamen-to de capital, não vingou. Quando pensamos a revista, o Ziraldo, com aquele entusiasmo dele, foi falar com o Itamar Franco, que era governa-dor de Minas. Ele prometeu apoio e falou que po-díamos tocar o barco, que suporte fi nanceiro não faltaria, assegurou que as empresas e os bancos mineiros anunciariam, etc. Era um negócio mui-to bom para um político, já que, pela primeira vez, se tentava editar uma publicação nacional fora do eixo onde isso tradicionalmente aconte-cia. Não deu em nada: vender uma página da re-vista, mesmo para o governo, era uma aventura. Depois, houve o problema da periodicidade. Para fazer uma revista de cultura bem feita, é preciso

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tempo, gente qualifi cada. Se o capital de giro for modesto, o ideal é que ela seja trimestral. Infeliz-mente, no Brasil, isso não funciona. O certo é que a revista foi fi cando muito cara, inviabilizou-se. Tivemos que passar adiante. Se eu continuo pa-gando as contas do Pasquim - 21, o Ziraldo ainda hoje paga as contas de Palavra e Bundas.PRESENÇA – Você, que inventou quase tudo no Brasil, é também o idealizador do Salão de Humor de Piracicaba. Como foi essa história?ZÉLIO - Bem, no início dos anos setenta eu fui à Europa e participei do Salão de Lucca, na Itália. Voltei encantado com aquilo. Pensei: tenho que fazer algo semelhante no Brasil. Pouco tempo depois, entrou no meu estúdio um líder estudan-til, um garoto que estudava no Mackenzie. Ele me falou: “Olha, a gente tá querendo fazer uma exposição de humor no Instituto Mackenzie, você poderia ver isso conosco”. À época o institu-to Mackenzie era taxado de CCC, por ter brigado com o pessoal da faculdade de fi losofi a da USP. Era considerada uma escola de extrema direita. Pra colaborar com eles, fi zemos então o salão. Trouxemos a redação do Pasquim para São Paulo e boa parte da mídia deu apoio ao evento, que foi um sucesso. Meses depois, fui procurado por um grupo de Piracicaba que pretendia fazer um salão de humor na cidade, que eu ainda nem conhecia. Peguei um mapa do Estado, vi a localização de Piracicaba, circulei a região com um compasso e percebi que um salão bem feito atrairia gente

de outras cidades circunvizinhas: Americana, Li-meira, Campinas, Rio Claro. Seria um salão para um milhão de pessoas, calculei. Fui a Piracica-ba, gostei muito da cidade, achei que estava no ponto e fi zemos o salão, que é uma referência em matéria de humor no mundo, ainda hoje. Mesmo assim, o Salão de Piracicaba ainda não é o que eu imagino fazer um dia. O do Piauí se aproxima um pouco mais do que pretendo, que é ver o humor tratado como processo de aprimoramento da in-teligência. Pra mim, é fundamental estimular a inteligência através do processo dedutivo. O Hu-mor pode fazer isso como nenhum outro meio. Essa solução que o Albert Piauí encontrou para atrair os interessados - levar o humor às escolas - é genial. E existe ainda outra coisa muito inte-ressante inventada aqui, que pretendo divulgar, entre os outros Salões, cerca de duas dezenas no país: são essas exposições na rua, espalhadas pela cidade inteira, abrigadas em galerias-tubo. Aqui se faz o processo correto: se o público não vem até a obra do artista, esta é levada até o apreciador. O Salão de Humor do Piauí é dife-rente, original e tem o essencial: a participação da comunidade de Teresina. Uma ação cultural inteira, que interage e identifi ca o gosto e a von-tade comunitária.

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O primeiro piauiense a incursionar no cam-po da poesia foi Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva. Nascido em 1786, na vila de S. João da Parnaíba, hoje cidade de Parnaíba, no norte do Estado, era fi lho de Antonio Saraiva de Carvalho e Margari-da Rosa da Silva. Apenas completada a idade de seis anos, o que remete ao ano de 1792, os pais lhe mandaram estudar em Portugal, certamente mo-rando na casa de familiares. É que o Piauí ainda não contava com escolas. Sobre esse prematuro afastamento do lar paterno, longe das brincadeiras entre amigos e dos afagos maternos, assim como a sofrida travessia do Oceano, aos dezoito anos de idade ele vai recordar: “Passaram três lustros e mais três anos/Que à estância dos mortais volvi do nada;/Mas bem que ainda não seja adianta-da/Minha idade, sofrido hei já mil danos;//Além dos torvos mares desumanos,/Recebi dos meus pais a vida ervada;/E contando anos seis à Pá-

tria Amada/Arrancaram-me os pais com vis en-ganos”. Vê-se nesse soneto um traço de revolta pelo afastamento da “Pátria Amada” ainda em tenra idade, o que marcou profundamente a sua personalidade. Assim, parece injusta a crítica de que só tinha de piauiense a origem do nascimento. A verdade é que, embora gostasse da sua terra, sua formação se dera toda em Portugal.

Em 1805, ingressa no curso de Leis da Uni-versidade de Coimbra, onde se forma em 1810. Segundo alguns relatos, por esse tempo passa a morar, sucessivamente, no Arco da Traição, n.º 13 e nos Palácios Confusos, n.º 7 e 65, designa-ções singelas de repúblicas de jovens universitá-rios. Tentando defi nir esse ambiente dissoluto assim informa o historiógrafo João Pinheiro: “Os Palácios Confusos eram um manancial de onde, do bairro alto, rolavam as catadupas da troça à cidade baixa, para a Ponte, para o Sansão e para

Reginaldo Miranda*

Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva

Pioneiro da Literatura Piauiense

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Sophia. O acadêmico estróina, o faceiro, o arru-ador, o díscolo, o cábula, o poeta guloso e bêbado do outeiro, o perturbador do seráfi co sossego dos mosteiros de Chellas e de Sant’ana, arruavam-se nos Palácios Confusos. Da malta de facíno-ras, chamada de Carqueja, o maior número dos sócios foi dali para o degredo e para a forca. O Ovídio brasileiro compreendia a natureza, como ela especialmente se exibia nos Palácios Confu-sos. Tangia a viola e compunha as letras de suas cantigas, que ainda vivem e gemem no primei-ro livro dos seus versos” (Literatura Piauiense – Escorço Histórico, 1994:15). É desse tempo de convivência entre a Universidade e essa malta de boêmios que publica seu primeiro livro Poemas, em 1808. No mesmo período Portugal foi invadi-do pelas tropas francesas de Napoleão Bonaparte, obrigando a fugirem para o Brasil o Príncipe Re-gente, toda a família real e os demais graúdos da Corte. A apreensão era grande, os pais no distan-

te Piauí se preocupavam com a sorte do fi lho que persistiu até a conclusão do curso. E mesmo esse ambiente incerto não impediu o casamento do es-tudante piauiense.

Dessa forma, formado em Leis e casado, pleiteia passaporte para retornar ao Piauí com a jovem esposa, “em face da repentina invasão do inimigo” francês. Esse passaporte para a viagem foi expedido em nove de outubro de 1810, o des-crevendo como “de estatura ordinária, de idade de vinte e quatro anos, rosto redondo e pálido, olhos pardos, (e) nariz regular”. Traz a informa-ção de que o titular “intenta passar para a cidade do Maranhão na companhia de sua mulher Dona Umbelina Joana Almadamim, para se transpor-tarem para o Piauí”. Retornava, assim, à terra natal, depois de quase vinte anos ausente. Vinha rever os pais e apresentar-lhes a esposa. Era, ao que tudo indica, o segundo bacharel piauiense. Nos autos cíveis para a justifi cação de passaporte foram ouvidas em Coimbra quatro testemunhas: Jerônimo Luís da Silva, solteiro, 27 anos, bacha-rel em Leis, residente na Rua dos Sapateiros; José Francisco de Medeiros, solteiro, 28 anos, bacharel em Leis, residente na Rua dos Douradores, fre-guesia de S. Nicolau; Manoel Francisco de Medei-ros, solteiro, 18 anos, estudante do curso de Leis da Universidade de Coimbra, residente na mesma Rua dos Douradores; e consta, também, um ates-tado de sua naturalidade, casamento e intenção de retornar ao Piauí fi rmado por Joaquim Félix de Menezes, Feliciano Nogueira e o padre José Maria de Sousa Lima, capelão da Brigada Real da Marinha. Todavia, o poeta se declara batizado na freguesia de N. Sra. do Rosário, da dita vila de Parnaíba, em evidente equívoco. É que ao tempo de seu batizado não existia freguesia em Parnaíba, pertencendo esta à freguesia de N. Sra. do Carmo de Piracuruca.

Ao contrário do que muitos apregoam, nos parece que Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva não trazia muitas saudades de Portugal, onde fora cria-do longe do aconchego familiar. Os temas ligados à Corte de que trata em sua obra são em face de sua formação toda ela transcorrendo em Portugal, sob a infl uência de Bocage. Os cantos de seu pri-meiro livro são as impressões de um jovem estu-dante de dezoito anos de idade, cujos últimos dois terços da existência se deram longe da terra natal. Os temas abordados, assim como os oferecimen-tos às autoridades representam a tentativa vã de um jovem bacharel da Colônia para angariar boa colocação na Corte, frustrada com a mudança de rumos na política européia. Consta que depois de seu regresso não mais retornou a Portugal, fazendo toda a sua carreira profi ssional no Brasil. Também demonstrando afeto com a “Pátria Amada” soube cantar: “Os bronzes da tirania/já no Brasil não rouquejam./Os monstros que os escravizam/já

Bocage, poeta português, exerceu forte infl uência nas obras de Ovídio

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entre nós não vicejam”; “Amanheceu fi nalmente/a liberdade no Brasil/Ah! Não desça à sepultura/o dia sete de abril”. Em 1821, embora eleito repre-sentante do Piauí junto às Cortes Constituintes de Lisboa, não aceita o mandato porque se encontra-va radicado no Brasil, sendo substituído pelo pa-dre Domingos da Conceição, que se encontrava no reino. De fato, preferia a vida em seu jovem País. Em 1812, é nomeado juiz de fora da comarca de Mariana, em Minas Gerais, de onde passou para a comarca de N. Sra. do Desterro, atual Florianó-polis (SC). Mais tarde, assumiu o cargo de desem-bargador da Relação do Rio de Janeiro, onde se aposentou. Faleceu na cidade de Piraí (RJ), em onze de janeiro de 1852.

Conforme dissemos, o poeta Ovídio Saraiva estreou em livro aos dezoito anos de idade com Po-emas (1808). Participando ativamente das mani-festações patrióticas estudantis que rechaçavam a invasão francesa, publicou: Ode Pindárica e Con-gratulatória ao Príncipe, à Pátria e à Academia pela Restauração do Governo Legítimo (Coimbra, 1808); Narração das marchas feitas pelo corpo acadêmico, desde 21 de março, quando saiu de Coimbra, até 12 de maio, sua entrada no Porto (Coimbra, 1809) e Os sucessos da restauração do Porto (Coimbra, 1812). De retorno ao Brasil, pu-blicou: O Patriotismo Acadêmico (Rio de Janeiro, 1812); O Pranto Americano (Rio de Janeiro, 1812); O Amigo do Rei e da Nação (Rio de Janeiro, 1821); As Saudosas Cinzas do Sr. João de Castro Mello, Visconde de Castro (1821); Considerações Sobre a Legislação Civil e Criminal do Império do Bra-sil (Rio de Janeiro, 1837); Heroídes de Olímpia e Herculano (Rio de Janeiro, 1840); Defesa de João Guilherme Ratcliff, caso rumoroso que lhe deu notoriedade e associou seu nome ao movimento nativista, ao defender esse português descendente de poloneses, que se envolveu na Confederação do Equador(1824); é, também, autor de uma letra do hino “Ao Grande e Heróico Sete de Abril” (1831), considerada fraca, embora musicada por Francis-co Manuel da Silva (1795-1865).

No entanto, a importância da obra literária de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva para a litera-tura piauiense é meramente cronológica, em face de ser considerada fraca e não representar temas, costumes e modus vivendi local. Citando Ronald de Carvalho, afi rma João Pinheiro, que esse poe-ta era “entusiasta admirador de Bocage, fi liou-se aos Elmanistas, entre os quais muito se distinguiu por diversos trabalhos em que, como quase todos os congêneres da época, sentia-se ainda o infl uxo dos árcades portugueses”. Para Herculano Mora-es, historiador da literatura piauiense, o livro “Po-emas é um vasto conjunto de versos da corren-te elmanista” com “nítida infl uência de Bocage, notadamente na construção do soneto, rigorosa-mente decassílabo”. Acrescenta que a poética des-se autor é marcada por temáticas de expressões simbolistas, falando de sofrimento, desengano, desgraça, morte, tristeza, solidão, tortura, deses-pero, langor e outras expressões sinônimas (Visão Histórica da Literatura Piauiense. 4ª ed. Teresi-na, 1997). É a mesma opinião do crítico literário Francisco Miguel de Moura: “A estética de Ovídio Saraiva era portuguesa, demonstrando forte in-fl uência arcádica e acentos bocagianos” (Litera-tura do Piauí, 2001).

Em ligeiro traço é este o perfi l de Ovídio Sa-raiva de Carvalho e Silva, o primeiro poeta e es-critor nascido na bacia oriental do rio Parnaíba, embora dela, aos prantos, tenha sido arrancado em tenra idade.__________________________________

*Reginaldo Miranda é advogado, escritor e membro da Academia Piauiense de Letras.

Universidade de Coimbra (ao fundo) onde estudou o escritor Ovídio

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O Estado experimentou nesses últimos qua-tro anos um salto de qualidade na educação. Hoje, todos os municípios já contam com escolas do ensino médio, muitas escolas foram construídas, outras tantas reformadas, a educação profi ssional e a educação especial ganharam o destaque que mereciam e muitos foram os projetos implantados que têm dado destaque ao Piauí no setor educacio-nal, como o EJA - Educação de Jovens e Adultos, os Exames de Suplência e os Cursinhos Populares, que muito têm contribuído para a inclusão de jo-vens carentes nas universidades.

O Governo enfrenta agora dois desafi os de modo decisivo:

a) A garantia do acesso à educação básica a todas as crianças e jovens de 4 a 17 anos, comparti-lhando essa responsabilidade com os municípios;

b) O oferecimento de nova oportunidade àqueles que não completaram sua escolarização na idade regular, através da educação de jovens e adultos, com destaque para o Programa Brasil Alfa-betizado - Piauí, Nova Abolição, que constitui uma marca dos atuais governos federal e estadual.

É importante destacar que todo esse traba-lho se realiza de modo planejado, defi nindo dire-trizes, estabelecendo metas, integrando esforços. A prática do planejamento de curto, médio e longo prazo se consolida na Secretaria da Educação.

As ações do Governo na área da educação são defi nidas dentro de cada um dos eixos citados.

EIXO 1: DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À EDUCAÇÃO BÁSICA

Atendendo às diretrizes constitucionais, o Estado tem assumido conjuntamente com os mu-

nicípios a obrigatoriedade do ensino fundamental e tratado como prioritária a expansão do ensino médio. Nestes últimos quatro anos, o número de matrículas no ensino médio, apenas na rede pú-blica estadual, teve um crescimento de 50,47%. Nesta gestão, o ensino médio foi levado a todos os municípios que até 2002 não contavam com esta modalidade. Com esta ação, a rede estadual de ensino médio está presente em todo o Estado e começa a ser levada para a zona rural.

A educação infantil foi repassada, em ação negociada, para os municípios. Todas as creches estaduais foram municipalizadas. O Estado fez a doação dos prédios e equipamentos.

O ensino fundamental rural foi também municipalizado, nas mesmas condições de doa-ção dos prédios e equipamentos, e vem seguindo a tendência observada em todo o Brasil, com a transferência espontânea de alunos para as redes municipais. Ressaltem-se, entretanto, dois aspec-tos: onde o Estado mantém turmas de 1ª à 4ª série foi introduzida a classe inicial, implantando-se, portanto, o ensino fundamental de 9 anos; e fo-ram abertas turmas de 5ª à 8ª série, de modo que hoje a matrícula do ensino fundamental na rede estadual é majoritariamente de 5ª à 8ª série.

Na educação especial, como modalidade própria de educação, o Governo do Estado vem adotando a política de inclusão, favorecida inclu-sive pela acessibilidade para pessoas com defi ci-ência física nos prédios escolares. São mantidas também parcerias com organizações não-gover-namentais para o atendimento especializado a pessoas com defi ciência mental (APAEs e AMA), visual (ACEP) e auditiva (APADA). Nesse segundo

O Piauí Participa da Mobilização Brasileira pela Educação

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semestre de 2006, foi concluída a reforma do Cen-tro de Apoio Pedagógico para os defi cientes visuais (CAP), e implantado no mesmo prédio o novo Centro de Apoio aos Surdos (CAS), cujos equipamentos fo-ram adquiridos numa parceria com o MEC.

O Governo do Piauí tem dado atenção à educa-ção profi ssional, integrando-a ao ensino médio. Em 2006 foram realizados fóruns regionais sobre edu-cação profi ssional, reunindo mais de 500 pessoas, para defi nir os cursos técnicos a oferecer, conforme as demandas e tendências das cadeias produtivas, em cada território de desenvolvimento. A partir do início do ano letivo de 2007, será ampliada a oferta de vagas nas áreas de enfermagem, gestão, informá-tica, comunicação, turismo e hotelaria, nas cidades de Teresina, Picos e Parnaíba, além da experiência pioneira de uma escola de teatro em Teresina.

Na área agrícola, foram ou estão sendo re-formadas, após uma década de paralisação, as es-colas agrotécnicas de São João do Piauí, Piripiri e Piracuruca. A Escola Agrotécnica de José de Frei-tas está passando por uma ampliação e a Escola Agrotécnica de União foi elevada à modalidade de ensino médio. Com estas ações, o Governo abre 1.320 novas vagas para jovens, que através de uma educação técnica de qualidade terão ampliadas suas oportunidades no mercado de trabalho.

No campo do ensino normal (formação de professores), o Instituto de Educação “Antonino Freire” foi transformado em normal superior e já está ampliando a oferta de vagas em núcleos que criou nas cidades de em Parnaíba e Picos.

A educação de jovens e adultos (EJA) é uma das prioridades desta gestão. Nesta modalidade, o Governo do Estado atua em sintonia com o Go-verno Federal, através do Programa Brasil Alfa-betizado. Participam desse esforço as prefeituras municipais, o SESI e diversas ONG´s.

Merece destaque especial a concentração de esforços em três municípios (Guaribas, Acauã e São João do Arraial) com o objetivo de zerar o analfabetismo, bem como a experiência-piloto com o método cubano de alfabetização, que vem dando bons resultados em Buriti dos Lopes, Caxin-gó e Murici dos Portelas.

EIXO 2: ELEVAÇÃO DO PADRÃO DE QUA-LIDADE DA ESCOLA PÚBLICA

Todo o esforço para democratizar o acesso à educação só se completa com a garantia da perma-nência e do sucesso na aprendizagem daqueles que freqüentam as escolas. Daí a atenção que o Gover-no dedica ao resgate da imagem da escola pública, à auto-estima de professores e alunos e à confi ança das famílias em relação às escolas públicas estaduais.

O Governo vem desenvolvendo esforços para aprimorar as condições de ensino nas escolas públicas, contando com o apoio do Governo Fede-ral, que mantém vários programas que fi nanciam investimentos nessa área.

A SEDUC organiza sua intervenção buscando a qualidade do ensino em cinco linhas de ação:

a) Promoção da gestão democrática das escolas.O Governo crê que a participação da comu-

nidade escolar e da sociedade na vida das escolas é fundamental para que estas desempenhem sua mis-são. Por isso vem reforçando e instituindo mecanis-mos de participação dos vários segmentos sociais na vida escolar. Foram criados novos conselhos escola-res, sobretudo em escolas de ensino médio, além da revitalização dos conselhos que já existiam.

Nesse processo o grande marco foi a promo-ção de eleição direta para diretores das escolas es-taduais, que ocorreu pela primeira vez em 2003 e se repetiu em 2005. Completam essa estratégia a instituição do repasse mensal para as escolas, des-tinado ao custeio de pequenos serviços e material de consumo, o estímulo à organização de grêmios estudantis e associações de pais e comunitárias. Incluímos também entre as iniciativas que visam à democratização da escola o Programa Escola-Comunidade, que mantém escolas abertas para a comunidade nos fi nais de semana.

b) Construção de uma proposta curricular contextualizada.

Além de garantir o acesso e a permanên-

cia, a escola tem a responsabilidade de promover uma aprendizagem signifi cativa dos alunos que a freqüentam. A proposta curricular é o eixo desse es-forço. A Secretaria da Educação está fi nalizando as diretrizes curriculares que adequam os parâmetros curriculares nacionais às nossas escolas de ensino médio. São desenvolvidas outras ações estratégicas para a efetiva aprendizagem: aceleração e correção do fl uxo de idade escolar; reforço e recuperação, projetos voltados para o domínio das habilidades de letramento, leitura e cálculo pelos alunos de 1ª à 4ª série - Praler, GESTAR e Qualiensino, este último em parceria com o Instituto de Qualidade da Edu-cação, apoiado pela Phillips do Brasil, em escolas de Parnaíba, Campo Maior e José de Freitas.

O Projeto Cursinhos Populares funciona como verdadeiro reforço escolar no ensino mé-dio. Foram 5.600 matriculados em 2003, 3.800 em 2004, 12.000 em 2005 e 20.000 em 2006. Os resultados são muito bons: 50% dos aprovados na UESPI são oriundos da escola pública: isso sig-nifi ca um aumento de 1.212 em 2005 para 2.275 aprovados em 2006.

O Governo tem feito um grande esforço para

Feira Cultural para alunos de Educação Especial

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potencializar o uso de tecnologias educacionais nas escolas estaduais, em especial do ensino médio. Além da aquisição de novos equipamentos, biblio-tecas e laboratórios, a Secretaria da Educação pro-moveu a capacitação de professores, visando a utili-zação desses meios de forma adequada e efi caz.

O Governo buscou motivar professores e alunos para os temas transversais, tais como: edu-cação ambiental, educação fi scal e educação para o trânsito, que são objeto de projetos em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Naturais, a Secretaria da Fazenda e o DETRAN, respectivamente.

A Secretaria da Educação atua ainda no apoio e incentivo a projetos pedagógicos inovado-res, como as Olimpíadas de Matemática e o Xa-drez nas Escolas, além dos jogos escolares com a realização de uma etapa nacional. São estimu-lados projetos de iniciativa das próprias escolas, para tanto foram criados dois fundos: um destina-do ao ensino médio, com recursos do Projeto Al-

vorada; e outro com recursos do tesouro estadual, que apoiou 42 projetos. Esta ação promove a cria-tividade e a inovação nas escolas.

Em parceria com a FUNDAC, a SEDUC desenvolveu projetos culturais, não só levando os alunos a eventos culturais e artísticos, como também trazendo a arte para dentro das escolas. Destacam-se os seguintes projetos: Cara Alegre do Piauí, Humor nas Escolas, Portal de Estórias e so-bretudo o Festival de Identidade Cultural que en-volveu 50 escolas e cujos vencedores participaram do festival nacional de talentos juvenis, realizado em Recife-PE.

c) Melhoria da infra-estrutura física.A Secretaria da Educação melhorou o geren-

ciamento da sua sede e da rede de prédios escolares e vem desenvolvendo um programa de construções, ampliações e reformas. Deve ser registrado o fato de que todas as obras iniciadas em governos anterio-res tiveram a sua continuidade e foram concluídas, como são os casos das Escolas Agrícolas de São João do Piauí, Piracuruca e Piripiri, da Escola Teresinha Nunes e de várias sedes de regionais.

d) Modernização de equipamentos e recur-sos tecnológicos.

Ao lado do mobiliário básico, atualmente as escolas necessitam cada vez mais de equipamen-tos tecnológicos. Programas do MEC e iniciativas próprias do Governo do Estado têm possibilitado avanços signifi cativos nessa área.

Houve um grande avanço no número de bi-bliotecas, com a aquisição e implantação de 150 novas e de mais 100 laboratórios de ciências. O processo de informatização das escolas evoluiu bastante: de 204 escolas com computadores até 2002, atingiu-se 489 escolas e já existem recursos assegurados para colocar um computador admi-nistrativo em cada uma das escolas do Estado.

e) Implementação de ações de apoio ao educando.

O apoio ao estudante se faz através de três programas básicos: merenda escolar, livro didáti-co e transporte escolar.

O programa de fornecimento da merenda escolar tem funcionado com total regularidade. A transferência de recursos pelo FNDE obedece rigoro-samente ao calendário pré-estabelecido e a SEDUC repassou com regularidade as parcelas das escolas.

O Programa do Livro Didático avançou para atender ao ensino médio. Além dos 2.700.000 li-vros distribuídos para o ensino fundamental, tam-bém foram distribuídos 86 mil livros de português e matemática para a 1ª série do ensino médio.

O grande desafi o é o transporte escolar, mas a cooperação com as prefeituras municipais tem sido fundamental para ampliar o atendimento da demanda.

EIXO 3: VALORIZAÇÃO DOS PROFESSO-RES E PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO

O engajamento e o desempenho dos profes-sores e funcionários da educação são fatores es-tratégicos para a elevação do padrão de qualidade da escola pública. A valorização dos professores e funcionários se traduz num conjunto de medidas articuladas voltadas para a qualifi cação profi ssio-nal, a estruturação da carreira e a melhoria dos níveis de remuneração.

Na área da qualifi cação profi ssional, esta gestão vem desenvolvendo os programas de for-mação inicial e formação continuada para profes-sores, estratégia já consolidada na política edu-cacional nacional. Foi mantida a parceria com a UESPI para formação, em nível universitário, dos professores em exercício nas escolas da rede es-tadual. Mais de 1.195 professores ingressaram na UESPI nos últimos quatro anos. Na área da pós-graduação estão liberados 4 professores para dou-torado, 11 para o mestrado e 210 para cursos em nível de especialização. Foi instituído um progra-ma de bolsas de estudo para os melhores classifi -cados na seleção para especialização.

A formação continuada, que visa à atualiza-ção e aperfeiçoamento de professores, tem se ex-pandido nos últimos anos, sobretudo pela celebra-ção de convênios com o MEC. Aproximadamente 4.000 professores participaram desses cursos nos últimos quatro anos, com duração de 40 a 120 ho-ras, e nas diversas áreas curriculares: educação

Inauguração da Unidade Escolar Florestan Fernandes

Ofi cina do Salão de Humor com participação de alunos da Rede Pública

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especial, aceleração da aprendizagem, educação física, ensino religioso, reforço escolar, metodolo-gia de EJA, entre outras. Merece destaque o curso à distância, em convênio com a UNB/UFPI, para 160 professores das áreas de física, química, bio-logia e matemática.

O programa de capacitação de alfabetizado-res e supervisores de turmas de alfabetização atin-giu 12 mil capacitados, nos quatro últimos anos, apenas nas turmas coordenadas pela SEDUC. Uma quantidade similar de alfabetizadores foi ca-pacitada pelas ONGs que implementam o Progra-ma Brasil Alfabetizado.

A qualifi cação de funcionários, por sua vez, tem ocupado um espaço cada vez maior na preo-cupação dessa gestão. Foram realizados cursos de curta duração para vigias, zeladoras e merendeiras, atingindo 1.220 funcionários, e cursos para secretá-rios e auxiliares administrativos, com 400 capacita-dos, e para bibliotecários, com 200 capacitados. Na área de informática, cerca de 200 servidores da SE-DUC participaram de cursos na Escola de Governo.

Mas o grande salto da SEDUC foi a aprova-ção do Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos dos Servidores da Educação, que foi, sem dúvida, uma das maiores conquistas da categoria, reivin-dicada por dez anos e concluída nessa gestão. O PCCV da Educação contempla todos os trabalhado-res em Educação, e não apenas os professores, como acontecia no passado. Os funcionários em educação passam a ter uma carreira. O plano vai fazer uma diferenciação de cada um dos servidores.

EIXO 4: MODERNIZAÇÃO DO SISTEMA DE PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO DO ENSINO

No que diz respeito à modernização da SE-DUC, destaca-se a descentralização das tarefas administrativas, da sede para as Gerências Re-gionais de Educação (GREs), o que tem permitido uma presença mais constante e efetiva junto aos municípios e às escolas. A informatização do ge-renciamento avançou com a instalação da INTRA-NET, que permite o acesso de todas as GREs ao SIIG – Sistema Integrado de Informações Geren-ciais, possibilitando maior rapidez e segurança na troca de informações.

EIXO 5: INTENSIFICAÇÃO DO REGIME DE COLABORAÇÃO COM OS MUNICÍPIOS

No campo da intensifi cação do regime de colaboração com os municípios destacam-se as seguintes ações já realizadas ou em andamento:

a) Apoio à Estruturação do Sistema e das Secretarias Municipais de Educação: realização de seminários, em parceria com o MEC e o Con-selho Estadual de Educação, sobre a criação e di-namização dos conselhos municipais de educação como órgãos normativos; assistência técnica na elaboração dos Planos Municipais de Educação; execução do PRADIME – Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação, que assessora o planejamento estratégico das Secretarias Muni-cipais de Educação.

b) Parcerias nos programas do MEC: con-tinuação do PROFORMAÇÃO, para qualifi cação dos professores leigos do ensino fundamental; do PROINFANTIL, para qualifi cação dos professores leigos da educação infantil; implementação dos projetos do FUNDESCOLA, como a adequação de salas de aula (PAPE), à capacitação para a alfabe-tização das crianças (Praler) e para o desenvolvi-mento das habilidades de leitura e cálculo (GES-TAR), a introdução de metodologia especial para classes multi-seriadas (Escola Ativa).

c) Assistência Técnica: professores e técni-cos das secretarias municipais de educação são convidados para participar das atividades de ca-

pacitação promovidas pela SEDUC, que também assessorou prefeituras na elaboração de projetos para o FNDE.

d) Parcerias nas ações concretas: já se fi r-mou a tradição na relação com as prefeituras, da permuta de professores, da utilização mútua de prédios e dos convênios de transporte escolar, além de outras formas concretas de colaboração.

__________________________________*Lili Oliveira Batista é jornalista e assessora de

imprensa da SEDUC.

Ofi cina do Salão de Humor com participação de alunos da Rede Pública

Capacitação de professores

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Os leitores de Graciliano Ramos se re-cordam da reação do romancista quando do aparecimento de Angústia, há 70 anos. O au-tor se encontrava na casa de detenção da po-lícia do Rio de Janeiro e o episódio vem rela-tado à sua maneira no capítulo 14, 4ª vol., 1ª edição (1953), das Memórias do Cárcere.

“Enfi m, o romance encrencado veio a lume, brochura feia de capa azul. A tiragem, de dois milheiros, rendia-me um conto e qua-trocentos e esta ninharia ainda representava para mim grande vantagem.

...A leitura me revelou coisas medonhas: pontuação errada, lacunas, trocas horríveis de palavras. A datilógrafa, o linotipista e o revi-sor tinham feito no livro sérios estragos. Onde

eu escrevera opinião pública, havia polícia, remorsos, em vez de rumores. Um desastre.” (Ob. cit., p.83).

Informa entretanto que alguns leitores a quem foram distribuídos alguns exemplares na prisão não levaram em conta tais defeitos e lhe condenaram fi rmes o pessimismo.

Eneida de Morais, companheira de pri-são, aproximou-se dele, os olhos fundos, e lhe disse:

“ – Li o teu romance de cabo a rabo, e não dormi um instante, apanhei uma insônia dos diabos. Pavoroso! “ (Ob.cit., idem).

Algumas pessoas, entretanto, pela im-prensa, manifestaram-se favoravelmente ao livro, ou seja, ao “caso triste”, como o roman-

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oM. Paulo Nunes

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cista se refere àquele episódio. Assim, entre perdas e ganhos, o caso foi esquecido, salvo a observação daquele jornalista que considerou o livro “um formoso romance” e deixou o au-tor a estalar de raiva, suavizada com o consolo de sua amiga de cárcere – a psiquiatra Nise da Silveira, que ele chama a “ótima Nise”.

Houve ainda, de surpresa, uma improvi-sada festa de lançamento do livro organizada pelos amigos do autor, na Casa de Detenção.

Hoje, aquele romance, a respeito do qual ele dissera ao editor José Olympio que não venderia cem exemplares, corre o mundo, pu-blicado em várias línguas e já alcançou entre nós a 59ª edição. Edição esta que me deixou muito feliz ao recebê-la, porquanto em sua bi-bliografi a está já incluído um pequeno ensaio de minha autoria a respeito do romancista, dos maiores de nossa literatura.

É este um dos livros mais densos de Gra-ciliano Ramos e aquele que, como construção literária, a despeito das peripécias por que teve de passar, dada a condição especial de seu autor, de preso e perseguido político, mais trabalho lhe tenha exigido.

A respeito dele já havíamos feito um in-ventário crítico no ensaio antes referido, ao salientar que, da história banal de Luís da Sil-va, um pobre diabo, jornalista de província e funcionário público, que se apaixona por Ma-rina, com quem pretende casar-se, e é sedu-zida por Julião Tavares, gordo, rico e cretino, que a engravida e em seguida desaparece, re-tira o autor os elementos substanciais “de um dos mais apaixonantes e intensos romances de nossa literatura”. Segundo o crítico Álva-

ro Lins, em um dos melhores estudos sobre aquele romancista, em seu livro Os Mortos de Sobrecasaca, “é preciso lê-lo por inteiro, e mais de uma vez, acompanhando com emo-ção aquela fi gura angustiada de Luis da Silva, no tumulto e desordem de seus pensamentos, sentimentos, reminiscências, intenções, pro-jetos, delírios”, que o conduzem à loucura e ao crime. (Ob. cit., p.144).

Graciliano Ramos segue neste denso ro-mance a vertente romanesca criada por Ma-chado de Assis a partir das Memórias Póstu-mas de Brás Cubas, a do romance psicológico ou romance problema, contrária à outra ver-tente, a do romance espetáculo, criada por Alencar.

Angústia, que alguns críticos consideram sua obra prima, é aquele que, pela densidade psicológica, pela vida interior, pela criação de indivíduos que transitam pelas suas páginas como duendes, é talvez o mais completo como realização estilística e como criação romanes-ca um dos mais perfeitos de nossa literatura. É este mais um motivo para aqui reverenciar-mos, nos setenta anos de seu aparecimento, um dos marcos de nossa literatura._______________________________

Publicado originariamente no Jornal Diário do Povo em 16/11/06.

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A forma de se encarar a cultura no Piauí mudou. A transformação começou a ocorrer de forma lenta, porém muito sólida. Ao longo dos últimos quatro anos, a Fundação Cultural do Piauí (FUNDAC), órgão responsável pelo fomento e promoção dos bens culturais no Estado, vem desenvolvendo um trabalho com bases bem defi nidas. Um exemplo é a descen-tralização das ações, que durante muito tempo fi caram concentradas na capital. Descentra-lizar, aliás, é uma das marcas de trabalho da FUNDAC.

Os festivais regionais de cultura têm sido a principal tônica dessa descentralização, já que conseguem promover auto-estima da população das cidades onde são realizados, além de lhes dar visibilidade dentro e fora do Estado. Graças a parcerias importantes, feitas com Prefeituras, Sebrae e ONG’s, esses eventos conseguiram ter a força propulsora que preci-savam para marcar a política de interiorização do governo do Estado.

Para a presidente da FUNDAC, Sônia Terra, o papel do governo foi exatamente o de procurar e fomentar essas parcerias para que os festivais acontecessem. “Com esses parceiros foi muito mais fácil trabalhar no sentido de dar a essas regiões a visibilidade necessária.

Festivais de Cultura Consolidam Força da Descentralização da Arte

Simone Rodrigues*Fotos: Arquivo FUNDAC

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Iniciativas como essa valorizam as produções locais de arte e cultura, integram os artistas e promovem a formação, através das diversas ofi cinas e palestras”, comentou.

O mais recente evento, o III Festival de Cultura de Oeiras, que ocorreu no início de dezembro, foi um sucesso total. O encontro foi recheado com uma vasta e diversifi cada pro-gramação nas áreas de artesanato, literatura, música, dança, teatro, patrimônio histórico e turismo. Destaque para as atrações locais, como Soraya Castelo Branco, Vavá Ribeiro e Assis Bezerra, além das nacionais, como Chico César e Yamandú Costa.

O talento oeirense também teve destaque, com shows dos Bandolins de Oeiras, Congos, Orquestra Possidônio Queiroz, Rossini Sá e Rochinha, entre muitos outros. Durante toda a programação do Festival deste ano, a população contou ainda com palestras e ofi cinas.

Assim como o Festival de Oeiras, todas as outras iniciativas foram coroadas de grande êxito. Exemplos são as cidades de Amarante, Parnaíba e Castelo do Piauí. “Essas ações têm recebido constantemen-te a presença de técnicos do Ministério da Cultura que, além de conferirem de perto a riqueza cultural do Estado, também proferem

__________________________________________*Simone Rodrigues é jornalista e assessora

de imprensa da FUNDAC.

palestras e repassam seus conhecimentos”, acrescenta Sônia Terra.

Ainda dentro desse processo de des-centralização o governo, através da FUNDAC, também deu apoio a inúmeras iniciativas próprias de prefeituras ou entidades. Festivais como o Interartes, em São Raimundo Nonato, e o Festival de Inverno em Pedro II, receberam atenção especial do Estado.

Semanas culturais promovidas em cida-des como Inhuma, Barras, Luzilândia, Jardim do Mulato, Ipiranga, Campo Maior, Monsenhor Gil, Paes Landim, entre muitas outras, também tiveram a parceria com o governo.

A presidente da FUNDAC, empolgada com a realização de mais um evento em cidade do interior, afi rma: “A descentralização é um caminho sem volta. Começamos a enveredar e promover a cultura latente, mas que estava adormecida dentro do nosso Estado, e a par-tir de então esse projeto tem que ser levado adiante. Para os próximos anos, o governo do Estado vai continuar a cumprir esse papel, que eleva a auto-estima do piauiense, gera renda e desenvolvimento para o Estado”.

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Engrenagens, rolamen-tos, parafusos, porcas, fi os de cobre e pedaços de ferro ga-nham beleza e formas delica-das nas mãos do artista plás-tico Braga Tepi.

Desenhista desde crian-ça, ele começou a criar peças com sucata quando trabalha-

va em uma ofi cina mecânica e nunca fez cursos de arte. O que sabe bem é a técnica de moldar, soldar e fundir pedaços de ferro velho e transformá-los em esculturas ricas em detalhes, belas e harmo-niosas.

As fi guras humanas chamam a atenção, mas de que o artista gosta mesmo é de criar peças abs-tratas, que ganham diferentes nomes de acordo com quem as vê.

Com o talento que tem e a técnica ousada que usa, Braga bem que poderia seguir o exemplo

de muitos artistas do Piauí e ir tentar a sorte em outros lugares. Mas prefere fi car. Prefere continu-ar com a vida simples que sempre teve, trabalhan-do em seu quintal e abrindo um tímido sorriso quando alguém aplaude sua obra.

Natacha Maranhão Fotos: Arquivo pessoal do artista

Delicadezaem Ferro e Fogo

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