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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, COMUNICAÇÃO, LETRAS E ARTES
ALEXANDRE ARAÚJO DE OLIVEIRA
JORNALISMO, LITERATURA E DENÚNCIA NO ROMANCE-REPORTAGEM DE JOSÉ LOUZEIRO
São Paulo
2015
ALEXANDRE ARAÚJO DE OLIVEIRA
JORNALISMO, LITERATURA E DENÚNCIA NO ROMANCE-REPORTAGEM DE JOSÉ LOUZEIRO
Projeto de pesquisa apresentado como requisito para aprovação na disciplina de Trabalho de Conclusão I na Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Orientador: Wladyr Nader
São Paulo
2015
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SUMÁRIO
1. TEMA...........................................................................................................42. OBJETIVOS.................................................................................................5
2.1 OBJETIVOS GERAIS............................................................................52.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS.................................................................5
3. JUSTIFICATIVA..........................................................................................74. METODOLOGIA........................................................................................105. EMBASAMENTO TEÓRICO.....................................................................116. CRONOGRAMA........................................................................................167. PROPOSTA DE SUMÁRIO.......................................................................178. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS............................................................18
1 TEMA
Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) se propõe a analisar e a expor pontos
reflexivos relativos à obra de José Louzeiro, autor que, com a publicação de Lúcio
Flávio, o Passageiro da Agonia, em 1975, foi responsável por inaugurar no Brasil o
romance-reportagem, gênero híbrido que mistura os fazeres jornalístico e literário¹.
Devendo ser registrada em forma de livro, a pesquisa buscará revelar, por meio da
análise da trajetória e dos trabalhos de seu precursor e principal autor, os fatores
que levaram ao surgimento desse gênero, ao mesmo tempo parajornalístico e
paraliterário, na década de 1970.
O trabalho terá como principais pontos de estudo os mais influentes romances-
reportagens lançados por Louzeiro na segunda metade dos anos 70: o já
mencionado Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, Aracelli, Meu Amor, lançado em
1976, e Infância dos Mortos, originalmente publicado em 1977.
A partir da análise dos textos e das condições político-sociais que levaram ao
surgimento dos mesmos, serão abordados temas diversos. Entre eles, destacam-se:
a condição do jornalismo no Brasil na década de 1970 e a forte atuação da censura,
a apropriação do espaço literário por parte de diversos jornalistas, que viram neste
meio uma forma de revelar as verdades sufocadas pela ditadura nas redações e, por
fim, a constituição do romance-reportagem como um gênero autónomo e tipicamente
brasileiro (ao contrário do que fazem crer as constantes e quase inevitáveis relações
estabelecidas entre as obras publicadas no país neste período e aquelas
provenientes do New Journalism, movimento que surgiu na década de 1960 nos
Estados Unidos), que tem a resistência e a denúncia social como características
fundamentais.
____________
¹ COSSON, Rildo. Romance-reportagem: o gênero. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. p. 9
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2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
O objetivo deste Trabalho de Conclusão de Curso é abordar o surgimento do
romance-reportagem no Brasil e as ainda problemáticas relações entre jornalismo e
literatura a partir do resgate da trajetória e da análise das principais obras de José
Louzeiro, autor apontado como precursor do gênero.
O resultado final da pesquisa, constituída tanto por fundamentação acadêmica
quanto por trabalho de campo, será transformado em um livro, como forma de
trabalho final para obtenção do diploma de graduação em Jornalismo pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Para alcançar o objetivo acima exposto, faz-se necessário debruçar-se sobre
diversas questões que, intercruzando-se, permeiam o surgimento do romance-
reportagem no Brasil e o papel de José Louzeiro nesse processo:
A) Contextualização histórica
Para abordar tão complexo fenômeno, é importante primeiramente compreender o
cenário em que os diversos agentes sociais por ele responsáveis se locomoviam. No
intuito de contextualizar as condições históricas dos anos 1970, este trabalho deve,
portanto, se partir da já extensa bibliografia acerca da ditadura militar e buscar
compreender os mecanismos da censura imposta aos jornais e ao mercado editorial
brasileiro, a fim de entender os impactos da repressão nos âmbitos jornalístico e
literário.
5
B) Relação entre jornalismo e literatura no Brasil
Por meio de pesquisa histórica e acadêmica, o trabalho se propõe ainda a abordar
as sempre estreitas relações entre jornalismo e literatura no Brasil. Da crônica as
grandes reportagens, passando por relatos híbridos e de difícil definição, como Os
Sertões, de Euclides da Cunha, e Esqueleto na Lagoa Verde, de Antônio Calado,
essas duas modalidades de discurso, ainda que muitas vezes vistas como
antagônicas, parecem andar de mãos dadas na tradição nacional. Estudar, ainda
que de forma generalista, as antigas relações e entender o papel do romance-
reportagem nessa longa corrente de intersecções é um dos objetivos deste trabalho.
C) Análise da obra do autor
Embora os autores fundamentais da literatura nacional, como Machado de Assis e
José de Alencar, já tenham sido objetos de extensivos estudos críticos e
acadêmicos de vieses diversos, é notório que, em um país com uma produção tão
plural como o Brasil, faltam estudos concentrados em características específicas das
criações de importantes autores, sobretudo daqueles da segunda metade do século
XX. Este trabalho busca, então, tratar de forma devida da obra de um desses
autores, José Louzeiro, sem, contudo, ter a pretensão de ser um estudo primordial
ou definitivo sobre o jornalista-escritor. Pelo contrário, a pesquisa aqui desenvolvida
reconhece e se apoia nos comentários já tecidos por outros pesquisadores, como
Antonio Roberto Espinosa2, Rildo Cosson3 e Carlos Rogé Ferreira4, a fim ampliar a
discussão sobre as especificidades dos escritos de Louzeiro.
____________2 ESPINOSA, Antonio Roberto. Literatura Comentada - Jose Louzeiro. São Paulo: Abril, 1982.3 COSSON, Rildo. Fronteiras contaminadas: literatura como jornalismo e jornalismo como literatura no
Brasil dos anos 1970. Brasília: Universidade de Brasília, 2007.4 FERREIRA, Carlos Rogé. Literatura e Jornalismo, Práticas Políticas. São Paulo: Edusp, 2003.
6
3 JUSTIFICATIVA
Amplamente aceita, a ideia de que a Carta de Pêro Vaz de Caminha a El-Rei D.
Manuel, primeiro relato a conter impressões sobre a fração do Novo Mundo que viria
a ser conhecida como Brasil, marca não só o início de nossa historiografia, mas
também de nossa literatura, diz muito sobre a tradição escrita nacional. Autores
como Jorge de Sá5 há muito afirmam ser o documento de Caminha a primeira
crônica brasileira, texto que mistura o relato factual e processos narrativos literários.
Ganhando amplo espaço nas páginas dos principais jornais da nação a partir do final
do século XIX e, portanto, adentrando a instância do jornalismo, esse modo de
narrar ambíguo foi adotado por alguns dos mais célebres autores do Brasil em
diferentes fases do desenvolvimento cultural do país. Machado de Assis, João do
Rio, Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz, Clarice Lispector, Fernando
Sabino, entre muitos outros se aventuraram pelas descrições breves da crônica, um
dos gêneros que representam a longínqua e complexa relação entre jornalismo e
literatura em nossas terras.
Obras ficcionais que carregam inspirações jornalísticas em seu conteúdo e em sua
forma, como Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, e
textos originalmente jornalísticos que viriam a ganhar elevado status literário, como o
já referido Os Sertões, de Euclides da Cunha, unem-se à crônica como expoentes
de uma tradição brasileira de narrativas intercambiadas pelo jornalismo e pela
literatura. É como parte dessa tradição que surge, nos anos 1970, o romance-
reportagem, gênero que, assim como seus pares, ainda carece de estudos
aprofundados que definam seu estatuto próprio, revelando, assim, os aspectos que
o aproximam e aqueles que o distanciam tanto do fazer jornalístico, quanto do fazer
literário.
____________5 SÁ, Jorge de. A crônica. São Paulo: Atica, 2005. p. 7.
7
Os problemas que deve enfrentar um estudo que, como este, se propõe a analisar
as relações entre jornalismo e literatura não são de fácil resolução. Como anota
Manuel Ángel Vázquez Mendel:
As relações entre criação literária e exercício jornalístico têm sido
problemáticas desde seus inícios. Parece que aquela, sem abandonar a
dimensão lúdica e fruitiva, deve encaminhar para o essencial humano, bem
que encarnado nas inevitáveis coordenadas espaço-temporais que nos
constituem. A atividade informativa, ao contrário, aponta mais para o efêmero,
passageiro, circunstancial (e sabemos até que ponto a vertigem informativa
devora a estabilidade e permanência dos acontecimentos). Simplificando
muito, parece que a literatura se orienta para o importante e a informação
jornalística para o urgente.6
Como poderia, então, existir um gênero como o romance-reportagem? Como
conceber um texto que a partir do resgate de um fato circunstancial, digno das
páginas dos jornais, desenvolve uma narrativa que, assim como o romance, revela o
que está além do imediato, algo do essencial humano?
Além desses problemas fundamentais, questões mais pragmáticas, que concernem
à história do surgimento do gênero e a sua categorização, ainda se encontram sem
respostas consensuais. Por que os temas dos romances-reportagens são retirados
principalmente de casos policiais, como atesta não só a obra de José Louzeiro, mas
também os trabalhos de autores como Valério Meinel, Fernando Pinto e Caco
Barcellos? Dadas as condições de seu surgimento, haveria um comprometimento
histórico do gênero com a resistência as versões oficiais e a denúncia social? O que
difere o romance-reportagem do livro-reportagem, categoria mais ampla que abarca
um número maior de obras?
____________6 MEDEL, Manuel Ángel Vázquez. Discurso literário e discurso jornalístico: convergências e divergências. In: CASTRO, Gustavo de; GALENO, Alex. (Org.). Jornalismo e Literatura – A sedução da palavra. São Paulo: Escrituras, 2002. p. 18 (grifos do autor).
8
Esse trabalho se mostra relevante, portanto, por pretender agregar informações e
reflexões a um objeto de estudo que, embora já conte com importantes e profundos
estudos acadêmicos, ainda está longe de ser desnudado em sua totalidade. Eis o
porquê da proposta de analisar o romance-reportagem enquanto gênero e suas
implicações nos meios jornalístico e literário a partir da obra de seu mais relevante
autor.
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3 METODOLOGIA
A fim de atingir os objetivos gerais e específicos, a metodologia da pesquisa contará
com levantamento e revisão bibliográfica, entrevistas com autores, profissionais e
acadêmicos de algum modo envolvidos com o tema proposto, e trabalho de campo.
A bibliografia pode ser dividia em duas vertentes: uma relacionada à reconstituição
histórica do período – contemplando livros, documentários e outras fontes que
abordem a ação da ditadura militar nos meios editoriais do Brasil dos anos 1970 –, e
outra que trate de teoria literária, ligada principalmente a questão dos gêneros e a
constituição de narrativas híbridas. A leitura de obras do autor e de estudos a elas
relacionados também constitui, por motivos óbvios, parte essencial do projeto.
Para a apuração de dados concernentes a atuação jornalística de José Louzeiro e a
reação da crítica a seus romances-reportagens no período especificado, recorrerei
ao Arquivo Público do Estado de São Paulo, a Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional e aos arquivos digitais dos principais jornais do país.
No trabalho de campo, selecionarei entrevistados que tenham convivido com José
Louzeiro, seja no meio literário, no jornalístico ou em ambos, além de estudiosos e
críticos que demonstrem conhecimento substancial de sua obra. As entrevistas
serão pensadas com antecedência, o que não exclui a possibilidade de alterações
no roteiro, conforme o desenrolar das conversas. Será usado gravador e o áudio
será posteriormente transcrito.
A análise dos romances-reportagens do autor será feita com base nas propriedades
dos textos em si mesmos, mas também levará em conta elementos extratextuais,
buscando trazer fatos do período e acontecimentos que deram origem ou que foram
decorrentes dos casos em que o Louzeiro buscou inspiração para seus escritos.
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4 EMBASAMENTO TEÓRICO
Texto factual e texto ficcional
Diferentes modalidades de discurso, os textos factual e ficcional e o cisma entre eles existente vêm preocupado pensadores ocidentais há milênios. Já em sua Poética, Aristóteles trata das narrativas calcadas em fatos reais, de procedência verificável, por ele definidas como história, e de outras formas de narrar que falem de coisas que não ocorreram com alguém em particular, mas que comuniquem algo comum a todos, por ele definidas como poesia, destacando a primazia desta última nos seguintes termos:
O historiador e o poeta não se distinguem por escrever em verso ou em prosa; caso as obras de Heródoto fossem postas em metros, não deixariam de ser história; a diferença é que um relata os acontecimentos que de fato sucederam, enquanto o outro fala das coisas que poderiam suceder. E é por esse motivo que a poesia contém mais filosofia e circunspecção do que a história; a primeira trata das coisas universais, enquanto a segunda cuida do particular.7
Tratando também daquilo que expressam os discursos de ficção ante os discursos factuais, Manuel Ángel Vázquez Mendel, em análise sintática, aborda o problema da referencialidade, uma vez que o discurso factual tem um referencial que lhe é exterior e pode ser encontrado no real, ao passo que o discurso literário tem um referencial próprio, interno e regido pela lógica apresentada no texto. Desse modo, diz o autor:
Se nestes [os discursos factuais], o designatum (criação do significado) deve relacionar-se com o denotatum (esse apontar para a realidade que está fora do discurso), nos discursos literários o designatum cria o seu próprio denotatum de modo que se os discursos factuais, próprios do jornalismo podem ser, mais ou menos, submetidos à prova de veracidade ou falsidade, nos discursos literários esta conexão não é pertinente, já que o que o autor disse, estabelece sua próprio referência. 8
____________7 Os Pensadores – Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 47.8 MEDEL, Manuel Ángel Vázquez. Discurso literário e discurso jornalístico: convergências e divergências. In: CASTRO, Gustavo de; GALENO, Alex. (Org.). Jornalismo e Literatura – A sedução da palavra. São Paulo: Escrituras, 2002. p. 24 (grifos do autor).
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As diferenças, todavia, não dizem respeito somente aquilo que os textos expressam, mas também ao modo como o fazem. Categorias discursivas, relatos factuais e ficcionais estão condicionados a linguagem. Organização, seleção de palavras e expressões, a escolha do foco narrativo, entre diversos outros procedimentos são inexoráveis a ambas as modalidades. Porém, se nos discursos ficcionais a figura daquele que realiza esses procedimentos, o autor, o artista por trás da obra, se faz onipresente, estando cada página de sua narrativa impregnada de seu estilo, no grosso dos relatos jornalísticos ocorre uma tentativa de apagamento do sujeito, nas palavras da estudiosa Nanami Sato, em busca de uma impossível objetividade e representação direta do real:
A vocação da notícia é representar o referente, o que torna a notícia, em princípio, verificável. Ao exigir-se do jornalista o uso da terceira pessoa que garantiria formalmente a impessoalidade do discurso, tem-se como resultado um discurso esvaziado, que acaba por ocultar o processo social que possibilitou a notícia.9
Ao não se assumir como um relato produzido por um alguém, e, portanto, como um relato enviesado e parcial, como uma mera interpretação do real que lhe é externo, o discurso jornalístico opera um falseamento. Ainda segundo Nanami Sato, “o ‘apagamento’ das marcas do sujeito tem como resultado um efeito de objetividade, pois o peso dado ao referente externo cria a ilusão de sua autonomia, de uma existência independente da linguagem.” 10
Mas, nem em todos os discursos de víeis jornalístico se verifica esse apagamento do sujeito. Seja nas grandes reportagens de Joel Silveira ou no jornalismo gonzo de Hunter S. Thompson, o autor, enquanto intérprete dos fatos e artífice do texto, é uma figura fundamental. Essas obras não são, porém, puramente factuais, estando contaminadas por procedimentos ficcionais.
Vê-se, portanto, que, os discursos factual e ficcional são essencialmente diferentes, seja naquilo que expressam, seja na forma como o expressam, mas que, paradoxalmente, existem discursos híbridos, localizados na fronteira entre factual e ficcional, jornalístico e literário. O romance-reportagem é um desses gêneros híbridos de discurso.
____________9 SATO, Nanami. Jornalismo, literatura e representação. In: CASTRO, Gustavo de; GALENO, Alex. (Org.). Jornalismo e Literatura – A sedução da palavra. São Paulo: Escrituras Editora, 2002. p. 31.10 Idem
12
Gênero
A questão dos gêneros literários também remonta a Poética aristotélica, na qual o filósofo define que as diferentes modalidades poéticas se distinguem entre si porque utilizam de meios e recursos diferentes, próprios a cada uma, para representar (imitar, mimetizar) o real: “Diferem umas das outras [as modalidades poéticas] em três aspectos: imitam por modos diferentes, e não o mesmo, ou por objetos diferentes, ou por meios diferentes”11.
A partir das acepções de Aristóteles, nasceu toda a teoria dos gêneros e da crítica literária como tida no Ocidente. No início do século XX, no entanto, um grupo de intelectuais russos, conhecidos como estruturalistas, viria a abalar as certezas construídas desde os helénicos. Partindo de investigações sobre a linguagem verbal, eles buscaram analisar os gêneros com base naquilo que estes têm de mais estrutural, ou, parafraseando J. Tynianov, “o estudo dos gêneros é impossível fora do sistema no qual e com o qual eles se correlacionam”12. Em suma, uma análise aprofundada dos gêneros deve ser, necessariamente, uma análise da linguagem, dos discursos que constituem não só as modalidades literárias, mas, nos termos de Bakthin, todos os “tipos relativamente estáveis de enunciados”13. Não se trata, então, somente de gêneros literários, e sim de gêneros do discurso.
Para Tzvetan Todorov, “o gênero é a condição histórica atestada das propriedades discursivas”14, no que diz respeitos às dimensões semântica, sintática, pragmática e verbal do texto. Cada gênero possui, portanto, características próprias nos diferentes níveis de sua estruturação. As propriedades discursivas do romance são de todo distintas das presentes no relato biográfico, que, por sua vez, se distingue da reportagem ou de qualquer outro gênero. Contudo, longe de serem rígidas, as relações entre os gêneros são dinâmicas e intercambiáveis, sendo que “um novo gênero é sempre a transformação de um ou de vários gêneros antigos: por inversão, por deslocamento, por combinação” 15.
____________11 Os Pensadores – Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 37.12 Tynianov, J., Da evolução da prosa. In: Eikhenbaum, Boris (Org.). Teoria da literatura – os formalistas russos, Porto Alegre: Globo, 1978. p. 111.
13 Bakthin, Mikahail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 279.14 Todorov, Tzvetan. Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980. p. 53. 15 Idem. p. 54.
13
Por conta desse dinamismo, é possível a existência de um gênero como o romance-reportagem, originário de discursos distintos, com traços tanto literários quanto jornalísticos. Como pontua Rildo Cosson:
O romance-reportagem pode ser visto como um gênero que resultou do entrecruzamento do gênero “literário” romance com o gênero “não-literário” reportagem, ou, em outras palavras, da intersecção das marcas constituitivas e condicionadoras da narrativa romanesca e da narrativa jornalística.16
Romance-reportagem
Ao caracterizar o romance-reportagem que emergiu no Brasil nos anos 1970, Felipe Pena pondera que este tem como principal marca o “cruzamento da narrativa romanesca com a narrativa jornalística. O que significa manter o foco na realidade factual, apesar das estratégias ficcionais”17. É, portanto, um gênero que se apropria simultaneamente de aspectos do discurso romanesco e do jornalístico, o que, dado o que já foi dito sobre as diferenças fundamentais entre narrativas factuais e ficcionais, parece resultar em um paradoxo – paradoxo este exposto por Rildo Cosson: “Por um lado não é jornalismo, uma vez que é romance; por outro, não é literatura, uma vez que é reportagem”18. Híbrido, utilizando de estratégias do romance e da reportagem, sem, no entanto, pertencer ao domínio da literatura ou do jornalismo, o romance-reportagem é “um gênero duplo, porque pertence ao jornalismo e à literatura simultaneamente, e ambíguo, porque não permite uma definição que se incline indubitavelmente para um ou para outro dos discursos”19.
Tendo uma constituição e um estatuto próprio, o romance-reportagem se distingue não só dos gêneros que o originaram, o romance e a reportagem, mas também de outros gêneros de difícil definição, como aqueles abarcados pela denominação genérica livro-reportagem, na qual estão contempladas desde obras de cunho biográfico, como as escritas por Ruy Castro (O Anjo Pornográfico - A Vida de Nelson Rodrigues; Estrela Solitária - Um Brasileiro Chamado Garrincha), até expoentes do jornalismo de guerra, como o famoso livro de José Hamilton Ribeiro, O Gosto da Guerra.____________16 COSSON, Rildo. Romance-reportagem: o gênero. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. p. 32.17 PENA, Felipe. Jornalismo Literário. São Paulo: Contexto, 2006. p. 103.18 COSSON, Rildo. Romance-reportagem: o gênero. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. p. 9.19 COSSON, Rildo. Fronteiras contaminadas: literatura como jornalismo e jornalismo como literatura no Brasil dos anos 1970. Brasília: Universidade de Brasília, 2007. p. 252.
14
Posto isso, o romance-reportagem será tratado neste trabalho como um gênero autónomo, com marcas próprias (marcas estas que, segunda a teorização de Rildo Cosson, na qual se fundamenta a definição de romance-reportagem aqui exposta, são a verdade factual, no nível semântico, os processos narrativos realistas, no nível sintático, e a denúncia social, no nível pragmático20), que devem ser valorizadas não só pelas semelhanças apontadas tanto com o romance quanto com a reportagem, mas também, e talvez principalmente, pelas diferenças que distinguem o romance-reportagem desses gêneros que o originaram, estabelecendo-o como algo novo.
____________20 COSSON, Rildo. Romance-reportagem: o gênero. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. p. 80.
15
5 CRONOGRAMA
ATIVIDADES MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV
Encontros com o orientador
Pesquisa bibliográfica Leituras e elaboração de resumos
Realização de entrevistas
Entrega do projeto de pesquisaRevisão bibliográfica complementarColeta de dados complementares
Redação do livro
Entrega da primeira versãoRevisão e entrega da versão final Diagramação, impressão e entrega do livroApresentação do trabalho em banca
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6 PROPOSTA DE SUMÁRIO PARA O TCC II
O livro será composto por quatro partes, além de uma introdução e de uma
conclusão, conforme o esquema abaixo:
INTRODUÇÃOBreve introdução do tema e dos motivos que levaram a sua escolha.
1 Das calçadas de São Luís ao despenhadeiro de Camanducaia1.1 Narrar brevemente a vida de José Louzeiro, com destaque para sua trajetória profissional e seu envolvimento no mundo literário.1.2 Em paralelo a vida do autor, traçar o cenário do Brasil da década de 1970, abordando a censura aos jornais e o papel de resistência e denúncia assumido pelo meio editorial.
2 As pás do moinho 2.1 Conceitualizar teoricamente o romance-reportagem enquanto gênero e introduzir Lúcio Flávio, o passageiro da agonia como primeiro exemplar dessa nova forma híbrida. 2.2 Fazer uma análise do livro e de seu impacto, com destaque para as condições históricas em que foi escrito.
3 O choro das casuarinas3.1 Desenvolver as ideias apresentadas no capítulo anterior, aplicando-as também a Aracelli, meu amor.3.2 Tratar de forma mais aprofundado do papel de denúncia social nesta obra e falar da intervenção da censura, que classificou o livro como “altamente imoral”.
4 A manhã estava clara e leve4.1 Aplicar o mesmo procedimento utilizado nos capítulos anteriores a Infância dos Mortos.4.2 Encaminhar o livro para um fechamento, ressaltando a relevância do autor, da obra e do gênero por ele inaugurado no contexto nacional.
CONCLUSÃOApresentar as considerações finais e fechar os pontos reflexivos abertos ao longo do livro.
REFERÊNCIAS
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7 REFERÊNCIAS
Bakthin, Mikahail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
COSSON, Rildo. Fronteiras contaminadas: literatura como jornalismo e jornalismo como literatura no Brasil dos anos 1970. Brasília: Universidade de Brasília, 2007.
COSSON, Rildo. Romance-reportagem: o gênero. Brasília: Universidade de Brasília, 2001.
ESPINOSA, Antonio Roberto. Literatura Comentada - Jose Louzeiro. São Paulo:
Abril, 1982.
FERREIRA, Carlos Rogé. Literatura e Jornalismo, Práticas Políticas. São Paulo:
Edusp, 2003.
MEDEL, Manuel Ángel Vázquez. Discurso literário e discurso jornalístico: convergências e divergências. In: CASTRO, Gustavo de; GALENO, Alex. (Org.). Jornalismo e Literatura – A sedução da palavra. São Paulo: Escrituras, 2002.
Os Pensadores – Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
PENA, Felipe. Jornalismo Literário. São Paulo: Contexto, 2006.
SÁ, Jorge de. A crônica. São Paulo: Atica, 2005.
SATO, Nanami. Jornalismo, literatura e representação. In: CASTRO, Gustavo de; GALENO, Alex. (Org.). Jornalismo e Literatura – A sedução da palavra. São Paulo: Escrituras Editora, 2002.
Todorov, Tzvetan. Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980
Tynianov, J. Da evolução da prosa. In: Eikhenbaum, Boris (Org.). Teoria da literatura – os formalistas russos, Porto Alegre: Globo, 1978.
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