Projeto Urbano, Paisagem e Representação – Alternativas para o ...

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PROURB Programa de Pós-Graduação em Urbanismo - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal do Rio de Janeiro Laura Mariana Vescina Projeto urbano, paisagem e representação Alternativas para o espaço metropolitano Rio de Janeiro, 2010

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PROURBPrograma de Pós-Graduação em Urbanismo - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Laura Mariana Vescina

Projeto urbano, paisagem e representaçãoAlternativas para o espaço metropolitano

Rio de Janeiro, 2010

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Laura Mariana Vescina

Projeto urbano, paisagem e representaçãoAlternativas para o espaço metropolitano

Tese de Doutorado em UrbanismoOrientadora: Prof. Dr. Denise Pinheiro Machado

PROURBPrograma de Pós-Graduação em Urbanismo

Faculdade de Arquitetura e UrbanismoUniversidade Federal do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, 2010

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V575 Vescina, Laura Mariana, Projeto urbano, paisagem e representação: alternativas para o espaço metropolitano/ Laura Mariana Vescina. – Rio de Janeiro: UFRJ/FAU, 2010. 205f. Il., 30 cm. Orientador: Denise Pinheiro Machado. Tese (Doutorado) – UFRJ/PROURB/Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, 2010. Referências bibliográficas: p.198-205. 1. Urbanismo. 2. Paisagem. 3. Espaço urbano. I. Machado, Denise Barcellos Pinheiro. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Urbanismo. III. Título.

CDD 711

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Tese submetida ao corpo docente Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários para obtenção do grau de Doutor

Aprovada por:

Profa Doctora Denise Barcellos Pinheiro MachadoPROURB/FAU/UFRJ

Profa Doctora Lucia Maria Sá Antunes CostaPROURB/FAU/UFRJ

Prof. Doctor Pablo Cesar BenettiPROURB/FAU/UFRJ

Prof. Doctor Pedro da Luz MoreiraCentro Tecnológico, Escola de Arquitetura e Urbanismo/UFF

Prof. Doctor José Almir Farias FilhoCentro de Tecnologia, Departamento de Arquitetura e Urbanismo/UFC

Rio de Janeiro, Agosto 2010

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3Introdução

Agradecimentos

Mesmo sendo uma tarefa solitária, realizar uma tese de doutorado é um desafio que não podemos enfrentar sozinhos. Muitas foram as pessoas que acompanharam a trajetória destes quatro anos, de perto e de longe, que deram o suporte acadêmico e emocional indispensável para ter chegado, finalmente, ao momento da defesa.

Em primeiro lugar os agradecimentos institucionais: ao PROURB e seu corpo de pro-fessores, à Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e à minha orientadora, professora Denise Pinheiro Machado, pelo apoio recebido.

Ao programa Alfa da Comunidade Europeia pela oportunidade de realizar um inter-câmbio com a Universidade de Eindhoven, particularmente ao professor Bruno de Meulder pelo cálido acolhimento e as pertinentes orientações.

Mas esta tese não teria sido possível sem o apoio dos seres queridos. Meu agrade-cimento a Christophe, pela paciência e pelo amparo. À minha família, pelo incentivo sempre. Aos meus companheiros de turma que compartilharam as primeiras inquie-tações e definições do trabalho e, muito especialmente, à Monica Rocio das Neves pela hospitalidade e boa companhia.

Não quero deixar de agradecer também aos colegas da Blac Arquitetura, com os quais “andamos” as ruas da Baixada Fluminense. À Serla (Secretaria Estadual de Rios e Lagoas) pelo fornecimento de informações e imagens e à Fundação Cide pela doação das bases cartográficas.

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4Introdução

O presente trabalho procura investigar caminhos alternativos para a formulação do projeto urbano na metrópole. Coloca-se como um convite a repensar a construção da cidade e do território a partir de uma lógica diferente, fundada na paisagem.

Assinala as limitações do projeto urbano, nos moldes em que ele foi concebido até hoje, frente aos desafios da cidade contemporânea. A escala e a condição das me-trópoles no século XXI questionam a forma em que os projetos são formulados, de-senvolvidos e executados. A mudança de foco do centro para o território mais amplo da metrópole pressupõe uma revisão dos conceitos e das ferramentas até agora experimentados na cidade consolidada. Uma abordagem paisagística - onde a lógica projetual deriva da imbricação complexa entre sistemas naturais e processos de ur-banização – se apresenta como resposta possível.

Esta hipótese se fundamenta metodologicamente na descrição e em sua habilidade para produzir interpretações de situações destiladas das condições materiais do lu-gar. O mapeamento se concebe assim como uma exploração, onde potenciais são descobertos e possibilidades testadas. A descrição se instala como mediação, como ponto de passagem entre o espaço concreto e o projeto (Corboz, 2001). Descrição, representação e projeção são entendidas como dialeticamente relacionadas.

A partir da proposta de quatro categorias/conceitos operacionais, a saber: camadas, espaços livres, fronteiras e processos, o trabalho investiga o potencial de uma abor-dagem paisagística para uma porção da periferia metropolitana do Rio de Janeiro.

Resumo

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5Introdução

Abstract

The present work seeks to investigate alternative ways for the formulation of the ur-ban project in the metropolis. It is placed as an invitation to rethink the construction of the city and the territory from a different logic, founded in the landscape.

It points out the limitations of the urban project, in the way it has been conceived until today, in face of the challenges of the contemporary city. The scale and the condition of the XXI century metropolises question the form projects are formulated, developed and executed. The change of focus from the center to the expanded territory of the metropolis presupposes a revision of the concepts and the tools so far tried in the consolidated city. A landscape approach - where the project´s logic derives from the complex imbrications between natural systems and processes of urbanization - it is presented as possible answer.

This hypothesis is methodologically based on description and its ability to produce interpretations of situations distilled from the material conditions of place. Mapping is then conceived as an exploration, where potentials are discovered and possibi-lities tested. The description is installed as mediation, as passage point, between the concrete space and the project (Corboz, 2001). Description, representation and projection are understood as dialectically related.

From the proposal of four operational categories/concepts, namely: layers, open spa-ces, borders and processes; the work investigates the potential of a landscape appro-ach for a portion of the metropolitan periphery of Rio de Janeiro.

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6Introdução

Lista de Figuras

FI-1: Buenos Aires. Infra-estruturas e novos aparatos da globalização. Fonte: Revista SCA 194 ............................................................................................27

FI-2: A dispersão dos mais ricos. Esquerda: condomínios fechados da periferia de Buenos Aires. Direita: condomínios verticais na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Fonte: flirck .............................................................................................................................................................................................................29

FI-3: América do Sul, cidades com 20.000 habitantes e mais, 1950 e 1990. Fonte: Boletin especial: urbanización y evolución de la población urbana de América Latina, 1950 – 1990. Celade - CEPAL.........................................................................................................................................................................32

FI-4: A dispersão dos mais pobres. Periferias urbanas Buenos Aires (esquerda) e Rio de Janeiro (direita). Fonte: Revista SCA 194 e flirck. .......................33

FII-1 e 2: Havana, renovação do centro histórico. Plaza de Armas Fonte: Oficina Del Historiador Habana ............................................................................43

FII-3: Plaza de La Muralla, centro histórico de Lima, Peru. Fonte: Autor ..................................................................................................................................44

FII-4: Tambos no centro histórico de Arequipa. Planta: Fonte: Liesbeth Caymax e Esther Jacobs. .........................................................................................45

FII-5: Acessos às moradias renovadas do Tambo Del Matadero, Arequipa. Fonte: Autor........................................................................................................45

FII-6: Malecóm de Guayaquil. Fonte: Diario La Nación .............................................................................................................................................................46

FII-7: Paseo del Caminante, nas “barrancas” do rio Paraná, Rosario. Fonte: Arq. Gerardo Caballero ....................................................................................46

FII-8 e 9: Requalificação do espaço público. Programa Rio Cidade, Leblon, Rio de Janeiro. Autores: Luiz Eduardo Indio da Costa, Guto Indio da Costa, Fernando Chacel. Fonte: Alvarenga, Andre (2009) ...................................................................................................................................................................47

FII-10: CEU (Centros Educativos Unificados) Jambeiro, em Guaianazes zona leste de São Paulo, dos arquitetos Alexandre Delijaicov, André Takiya e Wanderley Ariza. Fonte: Arcoweb_ ............................................................................................................................................................................................48

FII-11: Biblioteca El Tintal, Bogotá. Fonte: Arq. Daniel Bermudez .............................................................................................................................................49

FII-12: Puerto Madero, o novo cartão postal de Buenos Aires. Fonte: Autor ............................................................................................................................50

FII-13: Perspectiva do Eixo Tamanduatehy, Santo André: Fonte: Municipalidade de Santo Andre. ..........................................................................................51

FII-14: Perspectiva do projeto Ciudad Portal Bi-Centenário, Santiago. Fonte: Ministerio de Urbanismo y Vivienda ................................................................51

FII-15 e 16: Imagem das indústrias cerealíferas desativadas e plano para Puerto Nuevo, Rosario. Fonte: Municipalidad de Rosario ...................................52

FII-17: Transmilenio, ônibus articulados no centro de Bogotá: Fonte: Flirck .............................................................................................................................53

FII-18 e 19: Novos espaços públicos gerados a partir da passagem do metro-cable em Medellín. Fonte: Municipalidad de Medellín ...................................54

FII-20: Corredor Verde del Oeste, Buenos Aires. Fonte: Revista SCA .....................................................................................................................................55

FII-21: Urbanização de assentamentos informais. Morro do Socó e do Portal, em Osasco, São Paulo, dos arquitetos Viglieca & Associados. Fonte: Arcoweb .....................................................................................................................................................................................................................................56

FII-22: Favela Novos Alagados em Salvador. Vista da enseada do Cabrito e do Parque São Bartolomeu, antes e depois da intervenção, com o man-guezal recuperado. Fonte: Cities Alliance. ................................................................................................................................................................................56

FII-23: Programa Favela-Bairro, equipamentos sociais na favela Fubá-Campinho, Rio de Janeiro. Fonte: Arq. Jaurequi ......................................................57

FII-24: A ocupação gradual através dos séculos e o desaparecimento do sistema lacustre na cidade do México. Fonte: Arq. Kalach ...................................60

FII-25: México, Ciudad Futura, fases do projeto. Fonte: Arq. Kalach ........................................................................................................................................61

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7Introdução

FII-26: México, Ciudad Futura, o novo litoral recriado albergará serviços, parques e infraestruturas. Fonte: Arq. Kalach .......................................................62

FII-27: Riachos e pântanos, que atravessam a cidade transversalmente, regulam o equilíbrio hidrológico ao mesmo tempo em que se inserem como ..................................................................................................................................................................................................................................................peças dentro do sistema de espaços públicos. Fonte: Alcaldía de Bogotá ...............................................................................................................................63

FII-28: Humedal Juan Amarillo, Bogotá. Fonte: Flirck ...............................................................................................................................................................64

FII-29: Redefinir o próprio paradigma do projeto de infraestrutura é a proposta de MMBB. Os piscinões são vistos como oportunidades únicas para criar uma rede de vazios urbanos que possam qualificar as periferias paulistanas. Fonte: MMBB Arquitetos .......................................................................65

FII-30: O Projeto La Aguada se insere dentro do plano mestre do Anel metropolitano de Santiago, integrando num novo parque recreativo as infraestr-turas de mobilidade e de controle das inundações. Fonte: Ministerio de Vivienda y Urbanismo de Chile................................................................................66

FIII-1: Alguns princípios da Ecologia da Paisagem. Fronteiras. A) Fronteiras vegetais com diversidade estrutural são mais ricas em espécies animais. B) a largura da fronteira de um fragmento difere segundo a direção dos ventos. C) Quando a fronteira administrativa ou política de uma área protegida não coincide com a borda ecológica natural, se distingue e pode atuar como buffer atenuando o efeito do entorno no interior da área protegida. Frag-mentos. A) Um fragmento ecologicamente ótimo provê várias vantagens ecológicas e geralmente tem uma forma de “nave espacial”, com um core arredondado para proteger os recursos e uns dedos para a dispersão das espécies. B) Um fragmento orientado com seu eixo principal de forma para-lela à rota de dispersão dos indivíduos terá menos possibilidades de ser recolonizado que um com seu eixo vertical. Fonte: Dramstad, Olson e Forman (1996) ........................................................................................................................................................................................................................................83

FIII-3: Ian McHarg, método ecológico para a bacia do rio Potomac. Neste mapa, idoneidade para a urbanização. Fonte: McHarg ([1969], 1992) ...............85

FIII-2: Rosa Kliass, inventario dos aspectos da paisagem natural e urbana de São Luis de Maranhão. (Fragmento). Fonte: Kliass (2006) ..........................85

FIII-4: Paola Vigano. Água e asfalto. As camadas de hidrologia, figura-fundo e redes de infraestrutura, revelam uma esponja isotrópica densa que integra agricultura, indústria e áreas de residência. Fonte: Vigano (2008) ...............................................................................................................................86

FIII-5: Florian Beigel. A leitura e decomposição em camadas do sitio provê os materiais de projeto. Leichterfelde Sud, Plano de infraestrutura urbana, o sítio e as arquiteturas. Fonte: Rosell (2001) ..............................................................................................................................................................................86

FIII-6: Fragmento do Plano de Roma de Nolli, 1748. Uma das mais antigas descrições da cidade através de seus espaços públicos. Fonte: http://nolli.uoregon.edu/ .............................................................................................................................................................................................................................88

FIII-7: Central Park, o vazio que modela a cidade. Fonte: flirck ...............................................................................................................................................88

FIII-8: Frederick Olmsted. Plano do sistema de parques The Emerald Necklace, Boston.Fonte: www.emeralknecklace.org ..................................................88

FIII-9: Rem Koolhaas. Projeto para a ville nouvelle de Melun-Senart. A garantia da qualidade do espaço urbano resulta de seus sistema de espaços livres. Em vez de projetar sobre a paisagem, o projeto se deduz dela. A) Preexistências: florestas, povoados, autopistas e a linha de TGV. B) O novo vazio desenhado para obter o máximo de situações diversas e complexas. C) O plano síntese. Fonte: Koolhaas (1995) .....................................................90

FIII-10: Emscher Park. Sistema de corredores verdes regionais interliga os terrenos reciclados e conecta povoados existentes. Detalhe Duisburg No-ord, um novo parque cultural integra as arquiteturas industriais. Projeto de Peter Latz and Partners. Fonte: www.landschaftspark.de .................................92

FIII-11: Rosa Kliass. Parque da Juventude, São Paulo. Fonte: Kliass (2006)...........................................................................................................................92

FIII-12: Michel Desvigne. Planta geral das intervenções paisagísticas propostas para a cidade de Cergy-Pontoise. Detalhe da proposta para a interfase com o rio Olsen. Fonte: Desvigne (2009) ..................................................................................................................................................................................96

FIII-13: Parque do Flamengo, Rio de Janeiro. A criação de uma nova interface entre o mar e a cidade. Fonte: Instituto Moreira Salles................................97

FIII-14: Parque nas margens do Rio Gallego em Zuera, Espanha. Uma fronteira flutuante que incorpora os ritmos e variações da natureza. Arq. Iñaki Alday. Fonte: Balcells (2002) .....................................................................................................................................................................................................98

FIII-15: Field Operations. Projeto ganhador para Fresh Kills. O projeto concebido como matriz para processos. A estrutura da paisagem provê o supor-te para que sementes, biota, pessoas e atividades possam colonizar o lugar no tempo. Fonte: www.nyc.gov ....................................................................100

FIII-16: Michel Desvigne. Naturezas intermédias. Projetos que permitem a ocupação flexível em situações de incerteza sobre a ocupação urbana. Bordeaux, margem direita. O parque é criado à medida que os terrenos são liberados. Lyon, proposta para a confluência dos rios Rohane e Soane, rejeita a ideia de um projeto totalizador e propõe um processo gradual de construção da cidade. Fonte: Desvigne (2009). ................................................103

FIII-17: François Xavier Mousquet. Projeto Lagunage de Harnes. Paisagens que incorporam serviços ambientais, a criação de novas ecologias e no-vos tipos de espaço público. Fonte: Arq. Mousquet ...............................................................................................................................................................104

FIV-1: Plano de fundação da cidade de S. Felipe de Santiago na ilha de Cuba. Arquivo Geral das Índias, M e P. Sto Domingo, 119. OrdeM e caos. A regularidade da grelha inserida no meio da floresta desconhecida do novo mundo. Fonte: de Teran (1997) ........................................................................109

FIV-2: The Naked City. Illustration de l’hipotèse des plaques tournantes de Guy Debord 1957. Decomposição cartográfica e a geografia alternativa da deriva. Fonte : Vitruvius ..........................................................................................................................................................................................................109

FIV-3: Upside down map do artista uruguaio Joaquín Torres Garcia, desafiando as convenções cartográficas. “La escuela del sur”, foi um grupo de artistas latinoamericanos que proclamaram o seu lugar num mundo dominado pela cultura ocidental. Fonte: Harmon (2004) ............................................ 111

FIV-4: Los Angeles, Mario Gandelsonas. A escala colossal da grelha de uma milha, as montanhas e o oceano fazem o plano de Los Angeles compre-ensível. Fonte: Gandelsonas (1999) ....................................................................................................................................................................................... 112

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8Introdução

FIV-5: Los Angeles, Mario Gandelsonas: As diferentes grelhas urbanas e o bulevar Wilshire como um quebra-cabeças sobre o plano “real” da cidade. Fonte: Gandelsonas (1999) ..................................................................................................................................................................................................... 113

FIV-6: Los Angeles, Mario Gandelsonas: Descrição tipológica das diferentes paisagens urbanas ao longo do bulevar. Fonte: Gandelsonas (1999) .......... 113

FIV-7: Boston, Mario Gandelsonas. Num processo de decapagem (delayaring), o plano das ruas reais é abandonado e só os elementos estruturais são descritos. Fonte: Gandelsonas (1999) .............................................................................................................................................................................. 114

FIV- 8 e 9: Boston, Mario Gandelsonas. Uma outra decomposição do aparentemente caótico tecido urbano expõe as ruas radiais versus as ruas cir-cunferenciais. A estrutura radio-concêntrica é a força que organiza os elementos urbanos de Boston. Fonte: Gandelsonas (1999).................................... 115

FIV-10: James Corner, The survey Landscape Accrued. As medidas da terra. A pesar da aplicação mecânica e repetitiva da divisão da terra, uma grande variedade na paisagem tem evoluído no tempo. Fonte: Corner e MacLean (1996) ................................................................................................... 116

FIV-11 e 12: James Corner, Long lots along the Mississippi River. Os rios se transformaram nas principais linhas de organização dos assentamentos. Democrático e equitativo, cada habitante recebe uma porção igual de frente de rio com solo baixo aluvial, e terra alta onde se recolher durante as inundações. Fonte: Corner e MacLean (1996) ........................................................................................................................................................................ 117

FIV-13: James Corner, Nahavo Spring-Line Fields. As medidas de adaptação. Pequenos canais e barragens captam e distribuem a pouca água que se infiltra de entre a escarpa de uma grande meseta. A água, cuidadosamente distribuída junto à parede do barranco que protege das geadas, permite o crescimento de um jardim verde no deserto. Fonte: Corner e MacLean (1996) ..................................................................................................................... 118

FIV- 14, 15 e 16: Alan Berger, Chicago. Indicadores entrópicos: geografia de espaços residuais. Gráfico de dispersão: afastandose do centro da cidade duas claras depressões na densidade populacional podem ser medidas. Quadro axial: desde 1977 o condado central de Chicago perdeu mais de 4000 fábricas, o que representa 35%. O maior e sustetado crescimento fabril nesta região está localizado 30 a 50 milhas do centro da cidade. Fonte: Berger (2006) ..........................................................................................................................................................................................................................120

FIV-17, 18 e 19: Raoul Bunschoten. Linz, Quadro I The Echo Chamber com atores e agentes (letras) e lugares (números). Quadro II The Loom, e Quadro III The Agora. Fonte: Bunschoten (2001)....................................................................................................................................................................122

FIV-20 e 21: Mathur e da Cunha. Triangulating. Milhares de tanques. No território de Bangalore os tanques são uma forma de vida. Discretas linhas de montículos com comportas formam a paisagem. Mathur e da Cunha (2006) .........................................................................................................................126

FIV-22 e 23: Mathur e da Cunha. Botanizing. Rosqueadas em cordas, as flores têm uma segunda vida na cidade ao serem distribuídas em mercados, templos, casas e ao redor da cidade nos cabelos das mulheres. Produzidas em hectares e vendidas por quilo, as flores são menos para serem apre-ciadas e mais para serem usadas em festivais e rituais. Fonte: Mathur e da Cunha (2006) ..................................................................................................127

FV-1 e 2: A metropolização do espaço. Rio de Janeiro e São Paulo, sistema integrado de áreas metropolitanas. Fonte: Elaborado pelo autor sobre base Google Maps ..................................................................................................................................................................................................................132

FV-3: Recorte de estudo: Baixada Fluminense. Fonte: Autor .................................................................................................................................................135

FV-4: Evolução da região metropolitana de Rio de Janeiro. Fonte: Elaborado pelo autor sobre base da Fundação Cide ....................................................136

FV-5: Relevo. Contrastes. O plano enquadrado e os fundos montanhosos. A planície salpicada por colinas. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide. ..............................................................................................................................................................................................139

FV-6: Condições ambientais. A paisagem foi –e continua sendo- modelada por processos de erosão e deposição. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide. ......................................................................................................................................................................................141

FV-7: Cobertura vegetal. Um mosaico heterogêneo. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide. ........................................143

FV-8: Hidrografia. Descendo com força das serras e inundando a planície até alcançar a Baía. O amplo sistema de rios que atravessa a Baixada Flu-minense é um dos elementos da paisagem que mais fortemente marcaram a construção de sua identidade. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide. ..............................................................................................................................................................................................145

FV-9: Infra-estrutura e urbanização. Um contínuo urbano seguindo os eixos principais de conexão a São Paulo e Petrópolis. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide. ...............................................................................................................................................................147

FV-10: Durante o século XVIII freguesias, portos e uns poucos caminhos se organizam em função do espaço fluvial. Mapa que compara as vantagens de uma saída alternativa do caminho de Minas para a Baía da Guanabara. Fonte: Arquivo Nacional ..................................................................................150

FV-11: Rios e Trilhos, a síntese do território nos finais do século XIX. Planta da Estrada de Ferro Rio d’ Ouro. 1897. Fonte: Arquivo Nacional ..................152

FV-12: Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense. Secagem dos brejais e canalização do rio da Prata. Fonte: Goes (1934) ................................154

FV-13: A malha de infraestruturas nos começos de século XX. Mapa das estradas de rodagem Rio- São Paulo e Rio- Petrópolis. Fonte: Arquivo Nacional ...................................................................................................................................................................................................................................156

FV-14: Nova Iguaçu em 1940: “Capital da citricultura do Estado do Rio de Janeiro”. Fonte: Correio de Manhã, Arquivo Nacional.......................................159

FV-15: Bases cartográficas. Nova Iguassu. Serviço Geográfico e Histórico do Exército, 1:10.000, 1939. Fonte: Arquivo Nacional ......................................160

FV-16: Reconstituição da ocupação em 1940. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica do Serviço Geográfico e Histórico do Exército .......161

FV-17: Bases cartográficas. Nova Iguassu e Duque de Caxias. Fundrem, 1:10.000, 1975. Fonte: Fundação Cide ..............................................................162

FV-18: Reconstituição da ocupação em 1975. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundrem ............................................................163

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9Introdução

FV-19: Bases cartográficas. Fundação Cide Ortofoto. 1:10.000. Programa de Despoluição da Baía da Guanabara. Data do voo 2003. Fonte: Fundação Cide ........................................................................................................................................................................................................................................164

FV-20: Reconstituição da ocupação em 2003. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide ..................................................165

FV-21: Paisagem metropolitana. Vista da Baixada Fluminense desde a serra de Madureira.................................................................................................166

FVI-1: Relevo. O conjunto de morros baixos agrupados formando línguas entre os vales fluviais. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide. ..................................................................................................................................................................................................................169

FVI-2: Condições ambientais. Ao superpor as camadas das condições geológicas e da hidrografia os contrastes entre os leques fluviais e os grupos de morros se reforçam. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide. ..........................................................................................170

FVI-3: As águas reclamam espaços de inundação. Áreas afetadas na grande enchente de 1988. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide e da COPPE, Laboratorio de Hidrologia UFRJ. ........................................................................................................................................171

FVI-4: Um sistema integrado de infraestruturas duras (rodovias e ferrovias) e brandas (rios) forma a armadura de suporte do território. Como re-pensar a relação entre elas nos futuros planes de expansão do sistema rodoviário? 1. Via Expressa Presidente João Goulart, 2. Via Expressa planejada ao longo do rio Sarapuí, 3. Futuro Arco Rodoviário. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide. .............................................173

FVI-5: Footprint vazios. Fonte: Autor .......................................................................................................................................................................................175

FVI-6: Espaços livres e relevo. Se a lógica rural se distinguia pela divisão entre morar a meia encosta do morro, deixando os vales livres para a produ-ção agrícola, os usos urbanos alteraram esta lógica dando prioridade à ocupação dos vales –pela facilidade de deitar as infraestruturas- para depois colonizar os morrotes de declividade suave. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide. ....................................................176

FVI-7: Espaços livres e água. As várzeas e bordas de rios, a pesar de proteções legais, são vulneráveis à ocupação urbana. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide. ...............................................................................................................................................................177

FVI-8: Ocupações e resistências. Tecido compacto, os vazios que restam. Campos de futebol (Mesquita), pista de aeroporto (Nova Iguaçu). Tecido em processo de consolidação, os vazios expectantes: áreas inundáveis (Belford Roxo), morros baixos (Queimados). Fonte: Serla (Inea) ..............................178

FVI-9: Cheios e vazios. Amostras de tecido urbano. Fonte: Autor ..........................................................................................................................................179

FVI-10: Inundações Belford Roxo 2009. Fonte: Divulgação Governo do Estado. ..................................................................................................................180

FVI-11: Pôlder do rio Outeiro, Belford Roxo. Forma elaborada / forma recebida (matriz). Fonte: Autor .................................................................................181

FVI-12: Comissão Federal de Saneamento da Baixada Fluminense.1a Seção Estudos. Bacia do Rio Sarapuhy. 1914. Fonte: Arquivo Nacional ................182

FVI-13: Ocupações informais nas margens do rio Sarapuí. Fonte: Serla (Inea) .....................................................................................................................182

FVI-14: Rio Sarapuí, 2010. Transformações: Em vermelho, superposto o trajeto segundo o levantamento de 1914. Fonte: Autor ....................................183

FVI-15: Rio Sarapuí, 2010. Oportunidades. Espaços livres remanescentes nas margens do rio. Fonte: Autor .....................................................................184

FVI-16: Barragem de Gericinó, Nilópolis. Fonte: Panoramio ..................................................................................................................................................185

FVI-17: Interfaces urbanas com os dispositivos hidráulicos. Barragem Gericinó. Forma construída / forma recebida (matriz) .............................................186

FVI-18: Mangue degradado na Baía de Guanabara. Fonte: Moscatelli ..................................................................................................................................187

FVI-19: Infraestruturas metropolitanas: BR-040. Fonte: Kamps (2003) ..................................................................................................................................187

FVI-20: Interfaces urbanas com a Baía da Guanabara. Forma construída / forma recebida (matriz) ....................................................................................188

FVI-21: Saibreiras abandonadas, Belford Roxo. Fonte: Katia Mansur ....................................................................................................................................189

FVI-22: Extrações, saibreira em atividade em Nova Iguaçu, na margem do rio Botas. Forma elaborada / forma recebida (matriz). Fonte: Autor ................190

FVI-23: Extrações. Canteira Nova Iguacu, areeiros Seropédica. Fonte: Google Maps ..........................................................................................................191

FVI-24 e 25: Lixão de Gramacho na foz do rio Sarapuí. Fonte: Moscatelli / flirc ....................................................................................................................192

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10Introdução

Introdução 12

PARTE I 1701.Cidade contemporânea 19

Paradoxos contemporâneos: urbanização e capacidades contestadas 19O paradigma tecnológico ou o fim da cidade 21A rede global ou a exclusão do local 23O discurso genérico ou o fim da identidade 24

A forma da cidade contemporânea. Metrópoles, suburbanização e novas periferias 26O paradigma americano 27A cidade difusa europeia 29Megalópoles latino-americanas. Do padrão periférico à dispersão 31

02.Sobre o Projeto Urbano 36O ressurgimento internacional do projeto urbano 38Desde o Sul: a experiência latino-americana 39Taxonomia do projeto urbano na cidade latino-americana. Panorama de uma prática local 41

Projeto urbano: uma experiência. 41Renovação de centros históricos/ patrimônio: a cidade herdada 41Espaço Público / Cidadania: a cidade da democracia 43Equipamentos sociais: a cidade da equidade 45Vazios urbanos: a cidade pós-industrial 48Mobilidade: a cidade dos fluxos 52Urbanização de assentamentos informais: a não-cidade 55

Projeto urbano: o desafio da metrópole 58Cidade fora, cidade dentro 67

03.Projeto Urbano na metrópole: a alternativa da paisagem 69Urbanismo e paisagismo: sobreposições 70

A abordagem paisagística 71Paisagem e cidade contemporânea 71

Sumário

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11Introdução

A natureza da cidade 75A questão ambiental 78Urbanismo e ecologia 80

A questão operacional. Quatro categorias para a abordagem paisagística 84Camadas: revelar o lugar.

Ou como desconstruir a complexidade do território urbanizado 84Espaços livres: a armadura da cidade

Ou de como abordar a situação dispersa e fragmentada. 89Fronteiras: o espaço das trocas

Ou de como trabalhar entre cidade e natureza 95Processos: trabalhando no tempo

Ou como criar as condições para o futuro 101

04.Sobre os mapas 107Mapas. Para além da representação 111

X-urbanismo e o texto urbano 111As medidas da paisagem 115Drosscape. As paisagens residuais 119Urban Flotsam: agitando a cidade 122Deccan Traverses 126

Descrever, revelar, uma forma de entender 128

PARTE II 05.Rio de Janeiro: Explorações no subúrbio fluminense 131

Rio de Janeiro Metrópole 131Baixada Fluminense, um recorte 134A forma recebida 137

Relevo 137Condições ambientais 138Cobertura vegetal 142Hidrologia 144Infraestrutura e urbanização 146

A paisagem elaborada 149De fluvio-vias, ferro-vias e rodo-vias 150Do engenho ao subúrbio: a ocupação do solo na Baixada Fluminense 157

06.A síntese, paisagem, matriz para urbanismo 167Infraestruturas “duras” versus infraestruturas “brandas”. Camadas 167Ocupações e resistências. O desvanecimento das áreas livres 174Diques, barragens e pôlderes. Fronteiras da água 180Extração e deposição, a geografia mutante da Baixada. Processos 191

07. Considerações finais 194

Referências 198

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12Introdução

Introdução

A expansão rápida e sem limites das metrópoles latino-americanas é um fenômeno bem conhecido. No entanto, as grandes áreas espalhadas dos chamados subúrbios não têm recebido outra descrição senão aquela que as define segundo as deficiên-cias em comparação com a cidade central consolidada. Reconhecido como um ter-ritório caótico, desmembrado, sem estrutura nem qualidade, o espaço metropolitano é hoje um espaço dinâmico em permanente transformação, porém só considerado pelas suas carências.

Este trabalho procura colaborar para uma outra leitura do espaço metropolitano, uma leitura que possa entender a sua especificidade territorial e espacial e permita for-mular um outro projeto urbano. A paisagem será a lente através da qual abordar a complexidade espacial e as cartografias o instrumento para compreender a forma, a identidade e os processos que atravessam o território. O trabalho propõe estudar a relação dialética entre “espaço recebido” –a identidade natural- e “espaço cons-truído” – a forma elaborada- (McHarg, 2000 [1969]) e desemaranhar as lógicas que formaram (e continuam formando) a paisagem, analisar a racionalidade e as contra-dições dos processos que a constroem.

Parte-se da hipótese que a paisagem - algoritmo socioecológico que reflete, seja a intangibilidade da matriz biofísica, seja o tipo e grau das transformações que tem experimentado por efeito da ação humana1- tem a capacidade de outorgar uma ra-cionalidade ao espaço metropolitano. Uma racionalidade que possa ser o marco, a guia para um projeto urbano renovado para a metrópole.

As novas práticas que caracterizaram o urbanismo no final do século XX se distin-guiram pela atenção dada –pelo menos nas cidades latino-americanas- ao espaço

1_As diferentes abordagens sobre a definição do termo paisagem e os discursos em relação ao par cidade-natureza serão discutidos no capitulo 3. Tomamos empres-tada para o avanço do trabalho a definição de paisagem de Ramon Folch: Área tal como la perciben los humanos, cuyo carácter resulta de la acción e interacción de factores naturales y antrópicos. Como sujeto universal, es el aspecto del territorio, un algoritmo sociológico que refleja bien sea la intangibilidad de la matriz biofísica, bien sea el tipo y grado de las transformacio-nes que ha experimentado por efecto de la acción humana. Como entidad territorial concreta, es un mosaico en el que varios conjuntos de ecosistemas locales, o elemen-tos paisajísticos, se reiteran, refle-jos de sí mismos, en una escala de orden kilométrica. . Folch, Ramón, ed. (2003), El territorio como siste-ma. Conceptos y herramientas de ordenación, Barcelona, Diputación Barcelona, p. 285

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13Introdução

centro. Renovação de centros históricos, requalificação do espaço público, reincor-poração de vazios urbanos, urbanização de assentamentos informais, entre outras, foram empresas iniciadas pelos poderes locais, muitas vezes com participação do capital privado.

No livro “Sobre Urbanismo” (Pinheiro Machado, 2006), Nuno Portas reflete sobre a experiência do projeto urbano, tanto no contexto europeu como em países ditos periféricos, e discute os novos desafios de pesquisa e projeto. Coloca a questão da escala e abrangência dos projetos experimentados até o momento, diferenciando en-tre uma primeira fase, nos anos 80-90, onde predominam as intervenções com foco no espaço público e na regeneração dos tecidos existentes, contra uma geração de projetos mais recentes, de maior dimensão e ambição programática, integrando pro-gramas de acessibilidade, ambientais e paisagísticos de grande extensão. Enquanto a primeira geração de projetos funciona como alavanca para novas atividades produ-tivas, de cultura e lazer, a segunda, atravessada por demandas de sustentabilidade, busca integrar as urbanizações e os vazios que erraticamente foram se misturando com áreas industriais e infraestruturas de mobilidade e logística nas áreas metropo-litanas. Portas reclama a ausência de pesquisa e avaliação de projetos deste último tipo, tanto na América Latina como em Portugal, projetos que possam recuperar as espalhadas periferias, marcadas por conflitos ambientais e carências sociais, de in-fraestrutura e de transporte [...], cuja prioridade social, mas também econômica pa-recem indiscutíveis e, em termos de custos públicos, provavelmente tão exequíveis quanto os de maior visibilidade externa (Portas, 2006:63).

Na América Latina, depois do fracasso do planejamento normativo que caracterizou os anos 70, não voltaram a ocorrer programas de coordenação das ações e projetos de escala metropolitana. A herança dos últimos governos militares não logrou con-trolar a crescente expansão dos tecidos informais nas periferias, mas deixou mar-cas importantes com o desenvolvimento de infraestruturas de transporte de grande impacto. A democratização advogou pela descentralização conferindo primazia aos municípios nas decisões e ações sobre a cidade, privilegiando intervenções pontuais voltadas para o interior.

Mas a renovação do projeto urbano para o espaço metropolitano não significa apenas um câmbio de escala ou a necessidade de coordenação de ações intermunicipais2. O pensamento sobre o urbano, portanto sobre o projeto, exige uma reflexão sobre a especificidade do território metropolitano. A gênese deste espaço e as particulares transformações que vem sofrendo suscitam questões em relação às ferramentas e

2_ Um projeto metropolitano não necessariamente equivale a um projeto de grande escala. O projeto deve também compreender inter-venções menores locais. Partimos da hipótese que um projeto metro-politano articula diferentes escalas como ferramentas de investigação e desenho.

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14Introdução

métodos de desenho urbano como foi entendido até hoje. A pergunta que norteia esta tese se articula em função do reconhecimento desta especificidade. Que tipo de projeto para esta nova realidade urbana?

Enquanto abundam as pesquisas com base em dados sociais, sabemos muito pouco sobre a materialidade metropolitana. Os discursos acadêmicos sobre a metrópole se debruçam ora sobre a exclusão e fragmentação social que caracterizam as cidades latino-americanas, ora sobre os efeitos da globalização e suas novas manifestações no território - os chamados aparatos da globalização (shoppings, complexos de escri-tório e bairros fechados) (De Mattos, 2004). A inexistência de uma pesquisa voltada para a compreensão de sua espacialidade integrada e de formulação de um projeto possível revela um vazio que esta investigação pretende explorar.

A leitura do espaço metropolitano a partir de uma abordagem paisagística não pre-tende ser setorial nem evadir a complexidade social e política própria às metrópo-les latino-americanas. Oferece-se como uma alternativa que venha enriquecer e complementar as abundantes investigações focadas no conflito e na fratura social. Diferencia-se no sentido de ser propositiva e de salientar não só as deficiências, mas principalmente as potencialidades.

Escolheu-se para trabalhar uma porção da área metropolitana do Rio de Janeiro. Trata-se do território da Baixada Fluminense, uma região ao norte da capital que se espalha entre uma hidrologicamente frágil planície de inundação e pequenos morros. Território rural durante o século XIX, a Baixada cresceu exponencialmente com a expansão do Rio de Janeiro na segunda metade do século XX, sendo uma área de grandes carências sociais e conflitos ambientais. Algumas transformações em curso e investimentos planejados trazem novos desafios a este território urbano.

Metodologicamente o trabalho se aproxima da complexidade do território metropoli-tano através de uma pesquisa cartográfica. Descrição, representação e projeção são entendidas como operações dialeticamente relacionadas. Os mapas são concebidos como ferramentas para decompor o território e torná-lo legível. Eles se constituem em instrumentos reveladores de projetos possíveis, sendo a descrição mediadora entre o espaço substrato –o mileu mesmo- e o espaço projeto.

Para o seu desenvolvimento utilizaram-se uma variedade de fontes e recursos. Visi-tas a campo, percursos a pé, em trem ou de carro buscaram combinar as percepções “desde baixo” com as “visões panópticas” oferecidas pelas imagens aéreas e os

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15Introdução

mapas tradicionais. As pesquisas históricas de relatos, iconografias e cartografias permitiram revelar as forças envolvidas na construção do território no tempo.

O trabalho se organiza em sete capítulos, agrupados em duas partes. A primeira concentra as discussões teóricas e metodológicas enquanto a segunda –predomi-nantemente gráfica- traz o estudo de caso.

O primeiro capítulo apresenta a constelação de ideias em torno da cidade contempo-rânea e a chamada crise urbana, as dificuldades para pensá-la e interpretá-la. Dis-cute as expressões formais da cidade contemporânea, comparando a cidade difusa europeia e edge-cities norte-americanas com as megalópoles latino-americanas.

O segundo capítulo reflete sobre o mundo da ação tecendo um panorama do urba-nismo contemporâneo como prática. Parte de uma visão retrospectiva -como tem se desenvolvido recentemente- para uma análise prospectiva -quais os desafios por en-frentar. Através da descrição de casos, explora a experiência recente no âmbito das intervenções urbanas nas cidades latino-americanas. Busca determinar as famílias de projetos, os temas que abordaram os programas dominantes e os locais e escalas de intervenção para, em seguida, discutir os desafios da metrópole.

O terceiro capítulo examina a capacidade da abordagem paisagística como alternati-va na hora de pensar o projeto urbanístico fora da cidade central consolidada, no es-paço desarticulado da periferia metropolitana. Discutem-se os fundamentos teórico-metodológicos que dão sentido a esta hipótese. Procura-se entender as condições nas quais esta abordagem surge, as contribuições de outras disciplinas e destilar, através de alguns exemplos, o seu vocabulário. Como resultado quatro categorias são propostas como dispositivos operacionais. Camadas, ou como desemaranhar a complexidade do território urbanizado, supõe decompor o território em capas, isolá-las, perceber a lógica da cada uma em particular e em relação com outras camadas. Vazios aponta para os espaços não construídos e explora o potencial das áreas li-vres para conferir inteligibilidade à cidade dispersa e fragmentada. Fronteiras implica resgatar os espaços de mediação entre cidade e natureza. Por último, Processos objetiva instaurar uma visão do lugar e do projeto como processos mais do que como objetos, trabalhando no tempo e criando as condições para o futuro.

O quarto capítulo versa sobre aspectos metodológicos que ligam a paisagem a pro-cessos de descrição do território. Este capítulo se propõe investigar como é que descrição, representação e projeção estão dialeticamente relacionadas; e portanto como, através da construção e deconstrução de novas cartografias, poderemos en-

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16Introdução

tender, descobrir, desemaranhar as lógicas que dão forma ao território. Intentaremos, também, demonstrar como essa descoberta contida no processo mesmo de mape-amento pode revelar a chave de intervenção nele e englobar a possibilidade de um outro projeto urbano.

Na segunda parte, e sobre a base dos pressupostos teóricos tratados anteriormente, é desenvolvida a pesquisa cartográfica. Antes que impor um projeto idealizado des-de o topo, o mapeamento visa encontrar e desvelar as forças latentes e complexas do território. O mapa é utilizado como meio de “encontrar” e depois “fundar” novos projetos, efetivamente, retrabalhando o que já existe (Corner, 2002). Várias escalas são exploradas, cada uma revelando coisas diferentes, ao mesmo tempo em que vinculadas entre si.

No capítulo cinco o foco centra-se na relação dialética entre a matriz biofísica, o suporte ou campo, -o que McHarg chama de espaço “recebido”- e as transformações sofridas no tempo –o espaço construído. São estudadas as condições físicas (relevo, hidrografia, geologia, cobertura vegetal, etc.) superpostas e inter-relacionadas com as ações do homem. Dois aspectos são destacados: as infraestruturas que serviram de ossatura ao território e a mudança dos usos que modificaram a paisagem no tem-po. Os mapas históricos são entendidos como dispositivos que revelam uma forma específica de visão e de representação do território e uma ferramenta de pesquisa.

O sexto capítulo aplica as categorias operacionais discutidas no capitulo três como filtros para explorar as possibilidades de uma abordagem paisagística na formulação de um projeto urbano para a periferia metropolitana. Um conjunto de amostras de tecido evidencia situações específicas nas quais as mediações entre a matriz biofísi-ca e o tecido construído adquirem expressões particulares. As perguntas levantadas convidam a repensar a construção do território sob uma outra racionalidade, que surge da lógica da paisagem.

O último capítulo, reservado às conclusões, faz uma síntese dos temas tratados e reflete sobre as respostas encontradas para as hipóteses colocadas no início. O tra-balho não pretende propor um projeto, mas sim demonstrar a sua possibilidade, abrir caminho para a agenda de um novo tipo de projeto urbano para a metrópole.

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17Cidade contemporânea

PARTE I

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18Cidade contemporânea

“Para el que mira sin ver, la tierra es tierra nomás”

Atahualpa Yupanqui

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19Cidade contemporânea

01.Cidade contemporânea

Paradoxos contemporâneos: urbanização e capacidades contestadas Vivemos num mundo cada vez mais urbano, o século que acaba de terminar foi o grande século da urbanização. No seu início existiam no planeta apenas 16 cidades que alcançavam um milhão de habitantes, 7% da população mundial era considerada urbana. Hoje, mais de 500 cidades superam um milhão (um número que está cons-tantemente mudando) e quase a metade da população do planeta vive em zonas urbanas (Harvey, 2002).

O processo não tem sido homogêneo, nem temporal nem geograficamente. Na ver-dade, foi na segunda metade do século, e mais especialmente nos últimos três decê-nios que os processos de urbanização e as mudanças se aceleraram marcadamente. Se, até 1950, os maiores conjuntos urbanos se encontravam no mundo chamado “desenvolvido”; sendo Londres e Nova York as únicas metrópoles que alcançavam os oito milhões de habitantes; hoje o booming das megalópoles e os mais chamativos fenômenos urbanos acontecem mormente em países pobres ou em vias de desen-volvimento (Boeri, 2000).

Paradoxalmente, enquanto o planeta se urbaniza, a própria cidade como artefato e como ideia parece cada vez mais difícil de ser apreendida. As transformações têm se produzido de uma forma e a uma velocidade nunca antes vistas, a ponto de colocar em crise o poder de intervenção de arquitetos e urbanistas.

Rem Koolhaas, um dos mais provocadores arquitetos contemporâneos, não sem pouco pessimismo, assinala frente ao rápido crescimento das cidades asiáticas:

Este primeiro capítulo busca inserir a tese no contexto das discussões teóricas em torno da cidade contemporânea. Serão discutidos os processos que contestam a forma como a cidade é apreendida, conceitualizada e representada, e os resultados e efeitos concretos destes processos novos nas con-figurações urbanas.

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20Cidade contemporânea

1_A ausência, por um lado, de doutrinas plausíveis e universais, e a presença por outro, de uma intensidade de produção sem pre-cedentes, têm criado uma condição única e chave: o fenômeno urbano parece ser cada vez menos com-preendido à medida que atinge a sua apoteose. (Tradução do autor)

2_ Segundo Ignasi de Sola Mora-les, a percepção é um fenômeno cultural, portanto a representação está ligada aos valores culturais de uma sociedade.

3_Em uma situação de contínua construção, destruição, de perma-nente crescimento e renovação, de mutação e obsolescência a condi-ção casual, imprevisível da cidade se converte em seu verdadeiro modo de exposição. A cidade atual se apropria de sua energia, de seus conflitos sociais, geológicos e ambientais aceitando com fatalismo conviver com eles. (Tradução do autor)

The absence, on the one hand, of plausible, universal doctrines,

and the presence, on the other, of an unprecedented intensity of

new production, create a unique wrenching condition: the urban

condition seems to be least understood at the moment of of its very

apotheosis (Koolhaas, 2001:27)1.

Mutações: novas metáforas, novas leituras do espaço urbanoOs instrumentos analíticos e descritivos tradicionais se tornam obsoletos frente a uma realidade urbana sem precedentes na história da cidade. As antigas metáforas que serviam para compreender e concebê-la, como a metáfora do corpo humano ou a da cidade como máquina, derivadas de uma racionalidade euclidiana, já não são capazes de abranger e explicar a complexidade da “cidade” contemporânea (Amén-dola, 2000). Emprestados das ciências naturais, da física e das teorias mais recentes em torno do “caos”, conceitos como fractais, entropia, fluxos, entre outros, são trasla-dados ao âmbito urbano outorgando uma racionalidade diferente às transformações de uma paisagem que já não se concebe como unitária senão como um arquipélago de fragmentos sem ordem aparente (Garcia Vázques, 2004).

Porém, a crise da representação, e portanto da projeção da cidade, denota mudanças não só na estrutura física dela, mas fundamentalmente uma mudança cultural que está relacionada com o modo de olhar e projetar os valores que uma sociedade esta-belece num determinado momento histórico 2. Complexidade, conflito, multiplicidade e diversidade são hoje conceitos resgatados e valorizados no espaço urbano em oposição ao paradigma moderno de um habitat universal, controlado e homogêneo.

Em oposição à ideia dos urbanistas da primeira metade do século XX , a cidade atual é concebida como ingovernável. Têm-se abandonado os projetos totalizadores e de plena confiança na racionalidade técnica da planificação que previa o controle e a transformação da cidade no longo prazo. Os câmbios são súbitos, a cidade parece se metamorfosear para além de nossa capacidade de controlá-la. A condição mutável se transforma em sua própria identidade.

En una situación de continua construcción y destrucción, de per-

manente crecimiento y renovación, de mutación y obsolescencia

la condición casual imprevisible de la ciudad se convierte en su

verdadero modo de exposición. La ciudad actual se apropia de

su energía pero también de sus conflictos sociales, geológicos

y ambientales, aceptando con fatalismo convivir con ellos. (Sola

Morales, 2002:157)3.

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21Cidade contemporânea

Cidade global, cidade difusa, cidade em rede, cidade dual, cidade fractal, cidade genérica são algumas das categorias que mostram a heterogeneidade das teorias que tentam explicar as novas configurações espaciais e sociais do espaço que ha-bitamos. A diversidade de interpretações retrata a ausência de um metarrelato unifi-cado, substituído por uma possível coexistência de interpretações diferentes sobre o fenômeno urbano. Não obstante, apesar da diversidade de neologismos para denominar a cidade do século XXI, a maioria dos autores contemporâneos parecem coincidir quando apon-tam os processos ligados à chamada “globalização” como fatores determinantes das mudanças no espaço urbano e no território. Estes processos, que não são novos, estariam acontecendo de uma nova maneira fundamentalmente por duas causas principais: a) o desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação, b) a liberali-zação dos mercados e financeirização da economia mundial.

O paradigma tecnológico ou o fim da cidadeAs maiores ondas de inovação que vêm transformando o mundo desde o século XVI têm ocorrido ao redor de revoluções nos transportes e nas comunicações (Harvey, 2002). Não é de surpreender que os grandes câmbios que estamos experimentando no seio da sociedade e na sua expressão no espaço e no território estejam vincula-dos aos avanços nas tecnologias de comunicação. Elas transformaram radicalmente a relação entre tempo e espaço.

Além das posturas, das denominações e discussões a respeito da modernidade/ pós-modernidade, o certo é que muitos autores reconhecem que é esta mutação na relação entre tempo e espaço que notadamente caracteriza o momento que atra-vessamos. Zigmunt Bauman encontra na metáfora dos fluidos a via para descrever a natureza leve da modernidade presente, onde evidenciamos uma supremacia do tempo em detrimento do espaço.

Segundo o autor, a modernidade é o tempo em que o tempo não tem história. Ela se instala quando espaço e tempo são separados e teorizados como categorias diferen-tes e independentes. Na pré-história do tempo, longe e tarde, perto e cedo significa-vam o mesmo, havia uma correspondência entre tempo e espaço determinada pelo wetware, a força dos músculos do homem ou os animais para percorrer distâncias.

Continuando seu raciocínio, ele diz que a história do tempo principia quando o ho-mem cria os dispositivos mecânicos que permitem manipulá-lo. A velocidade do mo-vimento através do espaço transforma-se numa questão de hardware que o engenho

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22Cidade contemporânea

e a capacidade humana podem superar. A partir desse momento o tempo moderno se converte na arma de conquista do espaço. No par espaço-tempo, o espaço é o componente sólido, estável e defensivo, enquanto o tempo é o lado dinâmico, ativo e ofensivo. Na era da modernidade pesada, da conquista territorial, maior é melhor, tamanho é poder, volume é êxito.

De acordo com Bauman o que está acontecendo neste momento é que o esforço para acelerar a velocidade do movimento chegou a seu limite natural: o tempo se reduziu à instantaneidade. No universo do software, da viagem à velocidade da luz, o espaço pode ser atravessado em tempo nenhum. A quase instantaneidade do tempo anuncia a desvalorização do espaço. Agora é o menor, o mais leve e mais portátil que representam melhoria e progresso (Bauman, 2001).

A crescente mobilidade, em combinação com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, anuncia para alguns a morte da cidade. A possibilidade de estar “conectado” em tempo real com qualquer lugar do planeta cancela, em teoria, a de-pendência entre o sujeito, as atividades e a especificidade do lugar. Trata-se da des-valorização do espaço assinalada por Bauman. Já não importa a localização senão a conexão. A interconectividade entre os lugares modifica os padrões espaciais de comportamento em uma rede fluida de intercâmbios que constitui a base para o sur-gimento de um novo espaço, o espaço de fluxos.

O desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação tem gerado mudanças importantes em nossas atividades cotidianas, em nossa relação com o trabalho, o entretenimento, o consumo, o intercâmbio social.

Entretanto, como vem sendo demonstrado pelas pesquisas de autores como Cas-tells, as relações entre tecnologia, espaço e sociedade são muito mais complexas e escapam aos determinismos tecnológicos. As profecias do fim da cidade não têm se cumprido, pelo contrário, intercâmbios mais intensos e a maior mobilidade têm forçado a singularidade dos espaços fixos:

pois locais de trabalho, escolas, complexos médicos, postos de

atendimento ao consumidor, áreas recreativas, ruas comerciais,

shopping centers, estádios de esportes e parques ainda existem

e continuarão existindo. E as pessoas deslocar-se-ão entre todos

esses lugares com mobilidade crescente, exatamente devido a

flexibilidade recém conquistada pelos sistemas de trabalho e inte-

gração social em redes: como o tempo fica mais flexível os lugares

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23Cidade contemporânea

tornam-se mais singulares à medida que as pessoas circulam entre

eles em um padrão cada vez mais móvel (Castells, 2002:487).

Isto não significa, porém, que as cidades não tenham mudado sua configuração. Elas estão testemunhando transformações na estrutura física e em seu funcionamento, sobretudo nas formas de relacionamento entre cidades conectadas globalmente em novas redes.

A rede global ou a exclusão do localDispersão/centralização, territorialização/desterritorialização. Se, por um lado, as no-vas tecnologias e a mundialização da economia anunciam a quebra das barreiras espaciais para dar lugar à dispersão territorial das funções de produção e consumo da indústria e de serviços, ao mesmo tempo isto só acontece através do estabeleci-mento de lugares fixos.

As novas tecnologias de produção modificam a lógica de localização da indústria e facultam a sua distribuição geográfica segundo a conveniência econômica ou as capacidades da mão de obra de seus componentes produtivos. Mesmo assim, as funções de comando são realizadas desde poucas cidades que concentram o poder. Essas cidades, que Saskia Sassen (Sassen, 1999) denomina cidades globais, se distinguem por abrigar as atividades terciárias de alto padrão, corporações e bancos internacionais, como também uma ampla gama de serviços avançados: assessora-mento legal e financeiro, inovação, desenvolvimento, desenho, administração, tecno-logia de produção, transportes, comunicações, seguridade, publicidade, marketing, etc. Ao mesmo tempo, elas oferecem também os equipamentos culturais, de ócio e de consumo para um grupo exigente de elites gerenciais.

Uma nova configuração espacial mundial estaria definida assim por um sistema de cidades globais, onde os centros de comando estão vinculados entre si por redes de comunicação e transporte (hubs and networks).

Contudo, como toda inovação, os processos globais de modernização são também destrutivos, e a conectividade com a rede global parece acontecer de mãos dadas com a exclusão do local e a dualização social.

Esta parece ser a peculiaridade que distingue as megacidades como nova configura-ção urbana da globalização. Elas concentram altos níveis de segregação e exclusão. Como assinala Castells, o mais significativo é que elas estão conectadas externa-

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24Cidade contemporânea

mente a redes globais, embora internamente desconectadas das populações locais (Castells 2002).

Cidade dual é o termo criado para descrever essa polarização social crescente na metrópole contemporânea. Alguns autores (Castells, 1995; Sassen, 2000) reconhe-cem esta característica como resultante das mudanças nas estruturas laborais. Por um lado, a deterioração do emprego, a ausência de segurança laboral, o trabalho em tempo parcial, subcontratado e informal. Por outro, a demanda por profissionais alta-mente qualificados, remunerados pelas companhias multinacionais (white collar), e de um setor de serviços de salário baixo, coberto pelas camadas sociais mais pobres e marginais. Nesse sentido esta dependência parece indicar que a declividade social, de um indicativo da deterioração, passou a um complemento do desenvolvimento (Garcia Vazquez, 2004).

Outros autores consideram que a evolução é para uma cena mais complexa e frag-mentada que a do esquema bipolar da dualização, e identificam a grande metrópole pós-fordista como uma cidade fractal ou como uma cidade organizada em múltiplos planos, superpostos no tempo e no espaço (layered city, hypercity) 4.

A tendência predominante é para um horizonte de espaço de fluxos

a-histórico em rede, visando sua lógica nos lugares segmentados

e espalhados, cada vez menos relacionados uns com os outros,

cada vez menos capazes de compartilhar códigos culturais. A me-

nos que, deliberadamente, se construam pontes culturais, políticas

e físicas entre essas duas formas de espaço, poderemos estar

rumando para a vida em universos paralelos cujos tempos não

conseguem encontrar-se porque são trabalhados em diferentes

dimensões de um hiperespaço social (Castells, 2002:518).

O discurso genérico ou o fim da identidadeOutra das mudanças que estão atravessando as cidades diz respeito à homogenei-zação da paisagem urbana. Ao mesmo tempo em que as cidades intensificam seus intercâmbios globais e as empresas multinacionais se instalam nelas, as arquiteturas e as paisagens urbanas tornam-se cada vez mais iguais: shopping malls, torres de oficinas anódinas, infraestruturas, vivendas parecem tiradas de um catálogo global da cidade pós-moderna.

Marc Augé definiu uma nova categoria para se referir a esses lugares carentes de identidade e história que se repetem indistintamente no contexto. Denomina-os “não-lugares”:

4_ Mattos (2002) resume assim as teorias de Edward Soja e Marcuse e Van Kempen.

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25Cidade contemporânea

El no-lugar es un espacio sin carácter, sin relación y sin historia, es

la negación del lugar antropológico tradicional. Los hospitales, los

aeropuertos, las autopistas, los hoteles, los medios de transporte,

etc., en todos estos espacios característicos de la ciudad contem-

poránea prima el anonimato, la soledad, lo efímero, en todos ellos

el relato histórico es inviable, ya que su esencia es el desarraigo.

(Augé apud Garcia Vazques, 2004:197)5.

Esta se afigura uma realidade que acontece em tal escala, que para alguns autores significa não mais um problema, mas uma liberação do “corselete” da identidade. Rem Koolhaas tem provocativamente invertido as preocupações do urbanismo com a busca do sentido do lugar e a relação com a história. Fazendo quase uma apologia do pragmatismo com que a cidade contemporânea é construída, celebra a cidade genérica que surge da nova tabula rasa:

La Ciudad Genérica es la ciudad liberada de la cautividad del cen-

tro, del corsé de la identidad. La Ciudad Genérica rompe con ese

ciclo destructivo de la dependencia: no es más que un reflejo de la

necesidad actual y la capacidad actual. Es la ciudad sin historia. Es

suficientemente grande para todo el mundo. Es fácil. No necesita

mantenimiento. Si se queda demasiado pequeña, simplemente

se expande. Si se queda vieja, simplemente se autodestruye y se

renueva. Es igual de emocionante –o poco emocionante- en todas

partes. Es superficial: al igual que un estudio de Hollywood, puede

producir una nueva identidad cada lunes por la mañana (Koolhaas,

2006:12)6.

5_O não-lugar é um espaço sem caráter, sem relação e sem história, é a negação do lugar antropológico tradicional. Hospitais, aeroportos, autopistas, hotéis, meios de transporte, etc., em todos esses espaços característicos da cidade contemporânea prima o anonimato, a solidão, o efêmero, em todos eles o relato histórico é inviável já que sua essência é o desarraigo. (Tradução do autor)

6_A Cidade Genérica é a cidade liberada do cativeiro do centro, da camisa-de-força da identidade. A Cidade Genérica quebra com esse ciclo destrutivo de dependência: ela não é nada além de um reflexo da necessidade e capacidade presentes. É a cidade sem historia. É suficientemente grande para tudo mundo. É fácil. Não necessita manutenção. Se ficar demasiado pequena, simplesmente se expan-de. Se ficar velha, simplesmente se autodestrói e se renova. É igual-mente estimulante e desestimulan-te em qualquer lugar. É ‘superficial’ – como um estúdio hollywoodiano, pode produzir uma nova identidade a cada manhã de segunda-feira. (Tradução do autor)

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26Cidade contemporânea

A forma da cidade contemporânea. Metrópoles, suburbanização e novas periferias Mas qual é a forma dessa cidade emergente que funciona conectada globalmente em rede e onde a velocidade dos câmbios parece ser a constante? Quais as carac-terísticas da nova forma urbana?

A mesma dialética de centralização/dispersão que observamos na dinâmica global está presente nos processos contemporâneos que definem a morfologia da metrópo-le. A passagem para uma economia pós-fordista, mudanças drásticas na produção industrial e nas relações comerciais, intensificação dos mercados internacionais, e em termos gerais o que tem se chamado de “globalização”, têm se associado às transformações espaciais da cidade contemporânea. A crescente mobilidade indi-vidual e o desenvolvimento de tecnologias de comunicação puseram em xeque o conceito de cidade compacta. O resultado é a emergência de novas configurações territoriais determinadas pela extensão de um tecido difuso onde já não é possível diferenciar campo de cidade.

O modelo parece apontar a consolidação de uma cidade difusa, policêntrica. A clássica divisão entre centro/periferia não representa mais a realidade espacial. A cidade contemporânea já não tem um centro, mas múltiplos centros espalhados num sistema reticular e não- hierárquico.

Fenómenos de desterritorialización combinados con potentes

sistemas de flujos forman una estructura espacial inédita en las

formas urbanas anteriores. La metrópoli se extiende en galaxias

difusas que habrá que considerar en función del tipo de relaciones

que queremos detectar. No hay centro sino multiplicidad de cen-

tros. No hay zonificación de funciones sino, a menudo, una alta

especialización funcional combinada con una permanente mixtura

de actividades. Los espacios de conexión, vías, transporte, puntos

de intercambio e intercambio telemático son, en cierto sentido, los

verdaderos soportes de la identidad metropolitana (Sola Morales,

2002:71)7.

Ignasi de Sola Morales talvez seja um dos teóricos que mais tem trazido aportes para uma compreensão da cidade contemporânea sem cair em nostalgias historicistas ou apologias do caos. Em Presente y futuros. Arquitectura en la ciudad8, um texto que se transformou em um clássico da cultura arquitetônica, procura ordenar e sintetizar os rasgos essenciais da nova situação urbana através de cinco conceitos. Mutações, fluxos, habitações, contêineres e terrain vague são as categorias arquitetônicas,

7_Fenômenos de desterritoriali-zação combinados com potentes sistemas de fluxos formam uma estrutura espacial inédita nas formas urbanas anteriores. A metrópole se estende em galáxias difusas que terá que considerar em função do tipo de relações que queremos detectar. Não há centro, mas multiplicidade de centros. Não há zonificação de funções mas muitas vezes uma alta especializa-ção funcional combinada com uma permanente mistura de atividades. Os espaços de conexão, vias, transporte, pontos de intercâmbio e intercâmbio telemático são os verdadeiros suportes da identidade metropolitana. (Tradução do autor)

8_ Foi o texto oficial em torno do qual foi organizado o Congresso da UIA, União Internacional de Arqui-tetos, em Barcelona em 1996.

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27Cidade contemporânea

mas também culturais propostas para explorar a nova cena urbana. São concebidas como plataformas desde as quais ver, entender, problematizar e julgar a complexa rede de inteirações no interior da qual a arquitetura tem que encontrar seu lugar e capacidade.

Todas as categorias enunciadas revelam princípios da mudança dos paradigmas mo-dernos, processos demasiado evidentes, de acordo com Morales, para voltar a vista atrás: da transformação evolutiva do planejamento para a mutação repentina; da visão funcionalista do movimento para os fluxos como substância mesma do projeto; da residência como preocupação pública para a despreocupação pela residência; do existenzminimum para os novos templos de rituais de consumo; do museu para a ausência e a indefinição como experiência da memória.

Para o crítico catalão, aeroportos, malls comerciais, áreas esportivas, parques temá-ticos, centros de intercâmbio de transporte, centros de negócios, etc. são os novos geradores de atividade urbana, em torno dos quais a forma da cidade parece fazer-se plástica e maleável (Sola Morales, 2002).

O paradigma americanoMesmo sendo um fenômeno que se reconhece “globalmente”, as expressões da cida-de contemporânea têm variações regionais particulares, segundo contextos sociopo-líticos, diferenças geográficas e tradições urbanas. Uma imensa literatura acadêmica tem se produzido em relação à transformação das cidades nos EEUU, com especial atenção à cidade de Los Angeles como paradigma dos processos pós-modernos

FI-1: Buenos Aires. Infra-estruturas e novos aparatos da globalização. Fonte: Revista SCA 194

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28Cidade contemporânea

de urbanização: um manto horizontal de residências sem um centro diferenciado, uma extensa rede de rodovias e uma marcada dependência do carro, mas também segregação, espaço público vigiado, multirracialidade, conflitos urbanos, etc. (Davis, 1998; Fulton, 1997; Soja, 2008).

Edge cities, cidades viradas inside-out, pós-subúrbio são termos que apontam para uma transformação tanto do centro como do clássico subúrbio americano e anun-ciam o fim da era da metrópole moderna (Soja, 2008). A configuração dualizada distintiva entre um centro concentrador de funções financeiras, governamentais e de serviços e uma periferia suburbana, basicamente residencial e habitada por uma classe média aburguesada, já não representa a realidade americana. A antiga di-visão regida por raça e classe é hoje um caleidoscópio mais complexo de grupos sociais, e as formas de vida diferenciadas – vida urbana versus suburbana- estariam se tornando ubíquas.

Segundo Garreau (1991), a expansão suburbana não tem mais nada de “sub”, já que podemos considerar agora, de forma inversa, a cidade tradicional subordina-da à expansão suburbana. O jornalista americano tem chamado a atenção para as urbanizações novas que concentram espaços de trabalho, corporações e comércio nas periferias das grandes cidades americanas e que tem batizado como Edge Ci-ties9. Estas áreas de formação recente (nada existia ali 30 anos atrás) representam para Garreau a conquista de uma nova fronteira, seguindo os deslocamentos fora da cidade central da residência (sprawl dos anos 50) e do mercado (shopping mall a partir dos anos 70). Como contraponto, muitos centros urbanos estariam perdendo atratividade e se esvaziando, até o extremo de cidades como Houston, denominada de “donat city” por se distinguir formalmente por um core que se desmancha e um anel periférico – em torno dos anéis rodoviários- que se densifica.

Estes processos opostos de descentralização, recentralização, desterritorialização e reterritorialização, expansão horizontal e intensa nuclearização estariam modelando assim uma nova paisagem (pós)metropolitana. Soja mesmo entra no jogo semântico e escolhe o termo Exópolis para sintetizar as múltiplas facetas dos discursos sobre a reestruturação da forma urbana. Exo (fora) é uma referência direta ao crescimento de cidades “externas” e igualmente sugere a importância crescente das forças exóge-nas que dão forma ao espaço da cidade na era da globalização. Pode ainda denotar “fim de” como na ex-cidade, a ascensão de cidades sem os traços tradicionais da “cidade” como nós os definíamos no passado. O autor também usa o termo para de-signar uma síntese e uma extensão de recombinação dos muitos processos relativos à oposição e argumentos dualizados que deram corpo ao discurso geral da forma ur-

9_ Para se definir como tal uma edge-city deve conter: cinco mi-lhões de pés quadrados ou mais de espaço de escritórios arrendá-vel; 600.000 pés quadrados ou mais de espaço de varejo, uma população que aumenta no período da jornada de trabalho, distin-guindo-a como centro de trabalho e não subúrbio residencial; uma percepção do local como destino único para trabalho, compra e entretenimento; e uma história na qual há 30 anos atrás o local não era de nenhuma maneira urbano, mas opressivamente residencial ou de caráter rural.

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29Cidade contemporânea

bana. O composto Exópolis pode metaforicamente ser descrito como a cidade virada inside-out, como na urbanização dos subúrbios, mas igualmente representa a cidade virada de fora para dentro, uma globalização do centro urbano que traz as periferias de todo o mundo para o centro (Soja, 2008:250).

A cidade difusa europeiaPor outro lado o continente europeu é representado hoje como um grande território urbanizado. A abertura das fronteiras, as políticas de integração econômica e polí-tica, junto com a extensão de amplas redes de infraestrutura e comunicação fazem do continente uma grande megalópole, com algumas configurações transnacionais reconhecidas como o caso da chamada “blue-banana”: um corredor descontínuo de urbanização que inclui, entre outras, as cidades de Milão, Zurique, Colônia, Bruxelas, Amsterdã e Londres com 90 milhões de habitantes e as mais altas concentrações de indústria e capital.

Na Europa a expansão suburbana é uma preocupação mais recente em compara-ção com os Estados Unidos, porém a um par de décadas que se reconhece como obsoleta e limitada a expressão “área metropolitana” para dar conta das novas situa-ções urbanas e territoriais (Monclus, 1998). Conceitos como cita difussa, metapoles, hipercidade (Indovina, 1990; Ascher, 1995; Corboz, 1995) começam a ser usados na literatura acadêmica, e procuram tanto se diferenciar como identificar com os proces-sos concorrentes do outro lado do Atlântico.

FI-2: A dispersão dos mais ricos. Esquerda: condomínios fechados da periferia de Buenos Aires. Direita: condomínios verticais na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Fonte: flirck

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30Cidade contemporânea

Demattis (1998) reconhece singularidades históricas nas formações suburbanas de tradição latino-mediterrânea e germano-anglo-saxônica que por muito tempo segui-ram caminhos diferentes. Enquanto a tradição urbana da Europa mediterrânea se distinguia por suas cidades compactas e de alta densidade, marcando uma clara separação entre a paisagem urbana e a rural, a Europa setentrional começou muito cedo a distribuição de elementos urbanos no território e consolidou -sobretudo a par-tir do século XIX com os movimentos de cidade jardim- o habitar em casa individual com quintal nas periferias dos núcleos urbanos.

Para Demattis, essas diferenças que designaram por muitos anos especificidades históricas e culturais, hoje se apagam tendendo a convergir num modelo único, co-mum a toda Europa, de “cidade sem centro” e estrutura reticular, cujos núcleos con-servam e acentuam sua identidade através de processos inovadores de competição e cooperação.

Outros discursos procuram se distanciar do sprawl americano, entendendo a condi-ção dispersa europeia como fruto da distribuição isotrópica de redes de infraestrutu-ras e de padrões de divisão da terra antes que do espalhamento decorrente do des-locamento dos habitantes. A dispersão contemporânea em lugares como o norte da Itália ou a Bélgica seria não um fenômeno novo, mas a continuação de uma tradição histórica, com características próprias e nem por isso necessariamente negativas (Vigano, 2008; de Muelder, 2008).

Porém, a situação da expansão suburbana em outras cidades europeias, como no caso de Madrid ou algumas cidades francesas, especialmente através da residência de baixa densidade, alarma governantes e acadêmicos. Se, por um lado, o cres-cimento populacional se reduz, por outro o consumo da terra para usos urbanos cresce10. As preocupações com a situação emergente abarcam temas territoriais e meio-ambientais em torno do crescente consumo de solo, da contaminação, do custo das infraestruturas e gestão dos serviços para atender maiores extensões de den-sidade decrescente. Outras inquietudes se focam nas transformações qualitativas das paisagens históricas. A Europa está lutando hoje para manter um equilíbrio en-tre a suburbanização e os fragmentados espaços rurais remanescentes, com fortes programas de controle e subsídios para poder preservar as tradicionais paisagens agrícolas. A crescente indústria do turismo, por sua parte, tem colaborado tanto para o consumo indiscriminado de terra e crescimento desordenado –como é o caso da costa Ibérica- quanto para a transformação de cidades e paisagens produtivas em congelados cenários de consumo.

10_ Por exemplo, segundo Mon-clus (1998), estudos recentes sobre 22 cidades francesas: entre 1950 e 1975, a população duplica enquan-to a superfície aumenta 25%; entre 1975 e 1990 ocorre o contrário, ao aumentar a população 25% e dobrar a superfície.

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31Cidade contemporânea

Megalópoles latino-americanas. Do padrão periférico à dispersão A América Latina é predominantemente um continente urbano. Com uma média de 75% da população vivendo em áreas urbanas, apresenta índices de urbanização similares aos do mundo dito “desenvolvido” 11. Mais ainda, não só o índice de urba-nização na região é muito alto, senão que o fenômeno urbano tem alcançado dimen-sões extraordinárias. Dentro do “ranking” mundial, e apesar da rápida ascensão das cidades asiáticas, das 20 maiores megalópoles do planeta, quatro se encontram na América Latina. Segundo dados da CEPAL12, só a América do Sul sextuplicou, num lapso de 40 anos (de 1950 a 1990), o número de cidades com mais de 20.000 habi-tantes. No mesmo período, o mesmo grupo de países passou de cinco cidades com mais de um milhão a contar com 31 centros urbanos que contabilizavam um total de 87.548.040 pessoas. Hoje existem na América do Sul três cidades que superam os dez milhões de habitantes (São Paulo, Buenos Aires e Rio de Janeiro), outras três que excedem os cinco milhões (Bogotá, Lima e Santiago), dez que se encontram entre os cinco e os dois milhões, e um grupo crescente e flutuante de pelo menos outras 18 cidades que ultrapassam um milhão de habitantes.

Mas as diferenças com a Europa e os EEUU, tanto nos sistemas urbanos quanto nas características das periferias metropolitanas, são importantes acentuar. Até pouco tempo os estudos sobre a urbanização na América Latina versavam em torno de dois temas. Por um lado, na escala regional, a primazia em cada país de uma ou duas cidades concentradoras da economia e da população em grande contraste com o sistema de pequenas cidades que lhes dão suporte. Esta característica foi descrita pelos teóricos da dependência como macrocefalia urbana, uma disfunção do sistema que expressaria os desequilíbrios de uma urbanização desigual (Castells, 1974). Por outro lado, na escala metropolitana, um modelo dual centro-periferia, também mar-cado pela segregação espacial e social, seria o denominador comum das cidades latino-americanas.

As preocupações teóricas crescem nos anos 60 como consequência do forte proces-so de urbanização e do crescimento sem precedentes das principais capitais. Como resultado da expansão industrial e das migrações internas por melhores condições de trabalho e serviços oferecidos pela cidade, as principais capitais viram seus limi-tes desbordados, suas populações contabilizadas em milhões e seus tecidos fundi-dos com os vilarejos e municípios próximos formando um todo complexo. O rápido crescimento das periferias se deu muitas vezes de forma precária e sem o aporte indispensável de serviços urbanos e de infraestrutura, consolidando a diferenciação qualitativa entre centro e periferia. Distingue-se então um núcleo privilegiado, onde os serviços urbanos são considerados de qualidade, a partir do qual, em forma radial

11_ Claro que con procesos de ur-banización muy diferentes. Podría argumentarse que AL se consolida como territorio urbano muy tempra-namente, desde la colonización. La mayoría de las ciudades latinoame-ricanas que son hoy importantes centros urbanos surgen como locus simbólico y logístico de una estrategia de conquista del territorio y no como el resultado de un pro-ceso gradual de transformación de una sociedad rural o feudal hacia una organización urbana. En AL, sobretodo en la América hispana, el territorio rural se desarrolla como instrumento económico dependien-te de las sociedades urbanas.

12_ Boletín demográfico URBA-NIZACIÓN Y EVOLUCIÓN DE LA POBLACIÓN URBANA DE AMÉ-RICA LATINA 1950 – 1990, AÑO XXXIII, Edición especial, Mayo 2001, Comisión Económica para América Latina y el Caribe, Centro Latinoamericano y Caribeño de Demografía (CELADE) - División de Población, Santiago de Chile

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32Cidade contemporânea

e concêntrica, a cidade iria diminuindo em densidade e aumentando em carências. A noção de periferia teria então uma tripla dimensão: por um lado física, determinada pela distância do centro; por outro, qualitativa, diferenciada pela carência de infraes-trutura e em geral com uma qualidade urbana pobre; e uma relacional, fortemente marcada pela dependência e dominação do centro. O “padrão periférico de urbaniza-ção” (Queiroz e Lago, 1994) -definido pela segregação social das camadas populares de menos renda, pela autoconstrução de moradias e condições de consumo coletivo muito precárias- deixa de ser um modelo descritivo e se consolida nos anos 70 como paradigma da metropolização latino-americana. Queiroz e Lago reconhecem duas vertentes teóricas que tentam explicar a geração desse padrão periférico de urbani-zação. Por um lado, as que atribuem a segregação espacial aos efeitos do mercado imobiliário bem como à intervenção diferenciada do Estado. A desigual distribuição espacial dos investimentos públicos em infraestrutura e equipamentos coletivos se daria em consequência da maior capacidade política das camadas superiores de gestão. Por outro, as teorias que pretendem compreender o fenômeno metropolitano a partir da própria lógica de organização da periferia, os processos de loteamento e ocupação informal do território.

Nos últimos anos, porém, as transformações que vêm se evidenciando no território metropolitano merecem uma especial atenção e põem em crise o modelo anterior. Ainda que a estrutura centro-periferia persista, existem nas metrópoles contemporâ-neas indícios de mudanças tanto na natureza dos processos de expansão e lógicas

FI-3: América do Sul, cidades com 20.000 habitantes e mais, 1950 e 1990. Fonte: Boletin especial: urbanización y evolución de la po-blación urbana de América Latina, 1950 – 1990. Celade - CEPAL.

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33Cidade contemporânea

de produção do espaço, como no tipo e características do tecido urbano. Também na América Latina os estudos mais recentes das metrópoles apontam para um sistema mais aberto e policêntrico, caracterizado pela dispersão.

Há uma mudança demográfica na forma como a população é distribuída no sistema de cidades. O ciclo das migrações campo-cidade se completou e o crescimento urba-no atual expressa basicamente o crescimento natural da população. A pressão sobre as grandes cidades tem diminuído, as principais metrópoles não têm aumentado conforme o prognóstico e as redes urbanas apresentam uma hierarquia relativamen-te equilibrada, com cidades de tamanho intermediário crescendo em importância. (Valladares e Prates Coelho, 1995; Balbo, 2003)

As periferias estão se transformando e, como demonstram algumas pesquisas13, processos similares estariam acontecendo em cidades como Buenos Aires, Lima, México, Rio ou São Paulo. Por um lado, algumas intervenções públicas visam o me-lhoramento das condições físicas e da qualidade urbana das periferias. Mas também novos investimentos privados se instalam segundo as oportunidades oferecidas pela mobilidade. Várias cidades na América Latina têm evidenciado processos de descen-tralização e recentralização de atividades terciárias, empresariais e comerciais que tendem a modificar a geografia metropolitana das principais capitais. A localização distante –estimulada pela mobilidade individual crescente- acompanha também a dispersão da residência. Periferia já não representa mais o território onde se espera um avanço formal ou informal da habitação pobre, mas –se bem conectada- detém o potencial de albergar empreendimentos excepcionais para as classes médias e altas.

13_Ver, por exemplo, as publica-ções da Rede Iberoamericana de Investigadores sobre Globalizacion y Território. Criada a partir de 1994, e presidida por Mattos, realiza regularmente seminários interna-cionais que procuram discutir os processos territoriais vinculados com a globalização e seus aspec-tos sociais, econômicos, políticos, etc.

FI-4: A dispersão dos mais pobres. Periferias urbanas Buenos Aires (esquerda) e Rio de Janeiro (direi-ta). Fonte: Revista SCA 194 e flirck.

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34Cidade contemporânea

Sem dúvida, o fenômeno mais notório dos últimos anos nas cidades latino-america-nas tem sido o crescimento de condomínios fechados e enclaves de residência em áreas suburbanas.

Os padrões de mobilidade se tornam mais complexos. Pesquisas como a de Rainer Randolph demonstram como as dinâmicas de deslocamento de trabalhadores e con-sumidores superam as que tradicionalmente definiram as áreas metropolitanas, se voltando para áreas cada vez mais distantes e com padrões mais intricados que os de dependência em relação a um único centro. Para Randolph a expansão perime-tropolitana14 não pode ser mais entendida como mera extrapolação daquelas formas de expansão urbana que levaram à conformação das regiões metropolitanas, mas como um fenômeno de outra natureza (Randolph, 2007).

Para o caso brasileiro, Goulart Reis registra que as transformações observadas ates-tam não só uma simples mudança de forma, mas uma completa mudança de estado. A dispersão urbana é a passagem de um estado a outro, no qual as formas se sub-dividem rapidamente sobre o território. As relações que regem os processos sociais já não são as mesmas e se devem em grande parte a novos estágios do comércio mundial, novos modos produtivos e formas mais complexas de organização capita-lista (Goulart Reis, 2006). Goulart descreve e estuda a semelhança dos fenômenos e as relações entre as áreas metropolitanas de São Paulo e as de formação mais recente (Campinas, Baixada Santista e Vale do Paraíba) que formam, em conjunto, um sistema metropolitano integrado. As mudanças identificadas pelo autor incluem: a formação de áreas cada vez mais dispersas, separadas no território, mas mantendo estreitos vínculos entre si; a regionalização do cotidiano com a adoção de modos de vida da população que tem seus deslocamentos diários em escala metropolitana e intermetropolitana; novas modalidades de gestão dos espaços urbanos; alterações nas relações entre espaços públicos e privados; novas formas de organização do mercado imobiliário e novos padrões de projeto.

Para o caso de Buenos Aires, Adrian Gorelik descreve a modernização recente não apenas como meras alterações da cidade existente, mas como expressão de um câmbio profundo com a conformação de um novo sistema urbano. Se a cidade tem se produzido historicamente do centro para a periferia com a expansão da grelha isotrópica como modelo de expansão das fronteiras sociais e urbanas, hoje, com a modernização, ela está se produzindo de maneira inversa. Desde a periferia, desde os pontos mais débeis do sistema anterior para o centro. O que antes era uma falha, converte-se no novo núcleo de sentido (Gorelik, 1999).

14_O termo “perimetropolitano” de-nominaria, nesse sentido, uma área de interface entre o metropolitano e um território urbano-regional que está próximo à região metropolita-na, mas que tem e mantém alguma característica pró pria. (Rudolph, 2007)

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35Cidade contemporânea

Para Gorelik esta nova modernização é o resultado da combinação fundamentalmen-te de duas dimensões de mudança que operam de forma autônoma, mas que tam-bém se alimentam mutuamente. Por um lado, novos tipos de inversões decisivamen-te vinculadas aos processos de globalização que afetam setores urbanos de escala territorial, a urbanização do capital privado. Por outro, a decomposição do estado de bem-estar e a situação crítica da sociedade civil, que se manifesta na fratura social e urbana. Assim, os enclaves de residência, comércio e trabalho que prosperam nas periferias metropolitanas, combinados com a decadência das redes públicas da cida-de se transformam, segundo o autor, em verdadeiras “máquinas de dualizar”.

Os chamados “aparatos da globalização” (shopping malls, bairros fechados, comple-xos comerciais e de escritórios de grandes empresas) estariam, assim, remodelan-do as paisagens metropolitanas latino-americanas e transfigurando a imagem das cidades (Mattos, 2002), mas também agudizando as diferenças e o isolamento com a outra cidade, a cidade “empobrecida”. Se a crescente mobilidade individual das pessoas e das empresas estimula a tendência à metropolização expandida, ainda existe uma grande porção da população que, não por opção, mora em áreas cada vez mais distantes do centro, que carecem de infraestrutura e que dependem de redes de transporte público obsoletas.

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36Sobre o Projeto Urbano

Os projetos urbanos têm se constituído na abertura do século XXI, no mais efetivo e dominante modo de transformação para muitas cidades.

Por projetos urbanos nos referimos a um tratamento específico do urbanismo como tem sido praticado e teorizado nas últimas décadas em um corpo de literatura ur-banística. Sob o título de “projeto urbano”, este corpo de literatura descreve uma forma de fazer cidade na qual o desenho urbano desempenha um papel crucial. Esta abordagem:- é pragmática em aparência (incorpora as lógicas do mercado imobiliário),- enfatiza o papel do espaço como meio de negociação sociopolítica e construção de alianças, - focaliza a escala intermédia (entre edifícios individuais e a cidade),- focaliza um prazo de tempo intermediário como horizonte temporal,- é processual, flexível e aberta a mudanças e reorientações (Sola Morales, 1989). Projetos urbanos representam uma alternativa, sensível ao contexto, frente à tradi-ção do planejamento estático que predominou no período anterior. O projeto urbano é considerado também a nova ferramenta flexível do planejamento. Assim, o corpo dos projetos mencionados consegue, em muitos casos, o suporte necessário de dife-rentes atores, investidores e interessados para criar momentum nas flexíveis, priva-tizadas/privativas e com frequência fragmentadas economias pós-fordistas. No fim dos anos 80 e princípios dos 90, seguindo a liderança de cidades como Barcelona, Paris ou Londres, o projeto urbano foi adotado como “best practice” e como política urbana explicitamente defendida.

02.Sobre o Projeto Urbano

Enquanto o capítulo anterior procurou apresentar o universo de discursos teóricos sobre a condição contemporânea da cidade e seus rebatimentos na forma urbana, como contraponto, este capítulo se concentrará no mundo da ação. Discutir-se-á a noção de projeto urbano como forma específica de intervenção na cidade, com foco nas práticas recentes em cidades latino-americanas. Intentaremos elaborar uma taxonomia dos projetos com base nas experiências locais que permita construir um panorama dos temas, localizações, programas e escalas abordados. Argumentaremos que, apesar de a maioria das experiências ter se concentrado no espaço-centro, algumas experimentações projetuais sugerem novos enfoques para as periferias metropolitanas. A renovação do projeto urbano a partir de uma abordagem paisagística será o tema do próximo capitulo.

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37Sobre o Projeto Urbano

Amplamente utilizado na academia e nas oficinas técnicas municipais, o termo pro-jeto urbano é sem embargo um termo difuso. Comporta múltiplas interpretações e significações em cada contexto e a cada momento, levando muitas vezes a confu-sões conceituais. Mas, de forma geral, é possível encontrar consenso na definição do projeto urbano como um câmbio na forma de conceber a construção da cidade. Este câmbio, cujas origens podemos localizar nos questionamentos ao urbanismo funcionalista, se baseia na valorização da dimensão qualitativa das intervenções urbanas e no reconhecimento da complexidade das forças que contribuem para a (co)produção da cidade. Como tal, incorpora uma reflexão sobre o existente, sobre a cidade herdada e se apresenta em termos de continuidade e não de ruptura com o passado (Roncayolo, 2002).

Ignasi de Sola Morales, para quem a analogia histórica entre fazer arquitetura e fazer cidade é hoje discutível ante as ingovernáveis metrópoles contemporâneas1, reco-nhece a existência de uma prática urbanística que, sob o nome comum de Projeto Urbano, tem reunido a experiência de um grupo de arquitetos que veem em cada intervenção uma oportunidade para produzir uma parte da cidade, uma ocasião onde os traços da cidade e os da arquitetura buscam tornar-se solidários.

Proyecto urbano quiere decir que la arquitectura parte de datos

que están en la ciudad -restos, memorias, fragmentos y directri-

ces- tomándolos selectivamente como vínculos del propio proyecto

al tiempo que éste se propone como respuesta y resolución a un

estado de cosas que previamente se entiende como inacabado,

desvencijado, por resolver (Sola Morales, 2002:30)2.

Como ação concertada, o projeto urbano é visto também como mediador e incorpora a negociação entre diferentes atores em prol de interesses compartidos. Em teoria, deve ser entendido não como fim, imagem a alcançar, mas como processo. Não é concebido enquanto obra acabada, senão como sucessões de ações em contínua gestação e transformação, aberto e flexível, capaz de englobar as diferentes tempo-ralidades em seu desenvolvimento.

Yannis Tsiomis reconhece também a noção de projeto urbano como polissêmica e extensível. A diversidade de objetos (seja a cidade consolidada ou a periferia, a metrópole ou o território) e a variedade de programas (sejam projetos de espaço público, de grandes equipamentos culturais, de reordenação de tecidos residenciais, ou de ações sobre a paisagem) resultam numa multiplicidade de interpretações e de possíveis ações entendidas como tal. Mais ainda, as especificidades segundo cada

1_Ignasi de Sola Morales plantea las dudas sobre la capacidad de la arquitectura contemporánea para hacerse con la metrópolis. Esta relación biunívoca entre una y otra enraizada en la naturaleza social tanto de la arquitectura como de la ciudad es visible para el autor en la ciudad histórica pero no tan clara en la metrópolis contemporánea. Ver “Hacer la arquitectura, hacer la ciudad”, em Territorios, Gustavo Gili, 2002, pp. 37-53.

2_Projeto urbano quer dizer que a arquitetura parte de dados que estão na cidade –restos, memórias, fragmentos e diretrizes- tomando-os seletivamente como vínculos do próprio projeto ao tempo que este se propõe como resposta e resolução de um estado de coisas que previamente se entende como inacabado, desvencilhado, por resolver. (Tradução do autor)

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38Sobre o Projeto Urbano

contexto, as interpretações segundo legislações nacionais ou locais outorgam à no-ção de projeto urbano significados particulares (Tsiomis, 2003).

Ao mesmo tempo, o conceito de projeto urbano não se manteve invariável, pelo con-trário, vem se adaptando nos últimos 30 anos as cambiantes condições urbanas nas quais os projetos são formulados e desenvolvidos. Nessa medida, vários autores têm classificado a sequência de mudanças em diferentes “gerações” de projetos urbanos (Portas, 2004).

O ressurgimento internacional do projeto urbanoNós poderíamos dizer que é a convergência de duas linhas de pensamento sobre a renovação da prática do urbanismo que caracteriza a forma contemporânea de apro-ximação à cidade. Originadas em contextos diferentes, uma na Europa Mediterrânea, a outra nos países anglo-saxões, ambas as teorias forjam-se como reação à crise do planejamento funcionalista, incapaz de satisfazer às demandas de uma sociedade e de um território cada vez mais complexos.

Uma ruptura importante ocorre em torno dos anos 60, quando, na Europa, come-çaram a se procurar alternativas ao planejamento que preponderou fortemente no período de recuperação pós-Segunda Guerra. A reflexão em torno da morfotipologia introduzida pela escola italiana, a recuperação dos valores da cidade histórica, em combinação com o fracasso do urbanismo defendido pela Carta de Atenas, promo-veram uma nova forma de aproximação dos problemas urbanos que retomava o protagonismo da arquitetura. Um retorno à cidade desde a arquitetura e a realidade de sua fabricação.

O projeto urbano ressurge como instrumento específico de intervenção pontual e concreta, um urbanismo qualitativo em substituição às aplicações normativas e ge-neralistas do planejamento tradicional. As operações no centro histórico da Bolonha e a exposição da IBA Berlim foram as primeiras experiências de recuperação dos arredores urbanos com forte ênfase na tipologia. Os projetos de desenho do espaço público, feitos durante a administração de Oriol Bohigas em Barcelona, resultaram em uma referência publicitada e promovida nas municipalidades do mundo inteiro, muito especialmente na América Latina.

Ao mesmo tempo, a partir de países anglo-saxões novas correntes teóricas tentam explicar os fenômenos que caracterizam o urbanismo na perspectiva de uma econo-mia globalizada. A queda da indústria como motor do desenvolvimento urbano e o crescimento do setor de serviços suscitaram o surgimento de um tipo de planejamen-

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to que vê nas intervenções urbanas um modo de melhorar a eficiência econômica e funcional da cidade. As experiências de Baltimore e das zonas das docas inglesas foram as primeiras a indicar uma geração de projetos vistos como catalisadores de transformações econômicas. Peter Hall adverte sobre uma mudança fundamental no papel do planejamento: em vez de regular o crescimento da cidade o planejador urbano se dedica a fomentá-lo (Hall, 1996).

As empresas e o mercado imobiliário ocupam, neste modelo, uma posição preponde-rante como promotores do desenvolvimento urbano em associação com os governos municipais. O modelo de gerência empresarial é aplicado à cidade, o prefeito é trans-formado no “gerente” de uma cidade que procura a sua valoração econômica em um contexto de competição entre cidades (Merlin e Choay, 2005).

Sem dúvida que existe implícita nesta concepção uma contradição conceitual, como bem indica Françoise Choay:

Comment concilier les éléments de regulation et de durée avec

les éléments de la vie des enterprise qui sont de court temps?

Projet Urbain touche à l’intérêt public, le projet de enterprise révèle

l’intérêt privé... La stratégie d’enterprise repose sur un seul projet,

alors que la gestión urbaine, inspirée d’une vision stratégique, doit

reposer sur trois projets, car la ville est une réalité triple : territoire

socio-économique, patrimoine construit et institution (Merlin e Cho-

ay, 2005)3.

Desde o Sul: a experiência latino-americana Embora este novo “status” do urbanismo sintetize a experiência dos países centrais, seus princípios circulam e cristalizam em outras realidades, como o caso das cidades da América Latina. O intercâmbio institucional e acadêmico tem estimulado a difusão da teoria e da prática do projeto urbano nas universidades locais, com a renovação curricular e a introdução de novas matérias. Também, promovido por agências de cooperação, consultores internacionais e instituições multilaterais (BID, Nações Uni-das, etc.), o projeto urbano tem sido propagado como “modelo” entre os municípios do continente latino-americano.

Com diferentes objetivos, muitas cidades têm embarcado na transformação urbana através da execução de projetos pontuais de requalificação e renovação.

Confrontado pelas condições locais, o projeto urbano também tem provocado crí-ticas. Muitas delas, provenientes de profissionais das ciências sociais, contestam

3_Como conciliar os elementos de regulação e de duração com os elementos da vida das companhias que são de curto prazo? Projeto urbano toca ao interesse público, o projeto de companhia revela o interesse privado… A estratégia da empresa descansa em um único projeto, enquanto que a gerência urbana, inspirada em uma visão es-tratégica, deve descansar em três projetos, porque a cidade é uma realidade tripla: território socioe-conômico, patrimônio construído e instituição. (Tradução do autor)

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40Sobre o Projeto Urbano

a aplicação acrítica de modelos e métodos estrangeiros com o risco de agudizar os efeitos excludentes da urbanização contemporânea (Somekh e Malta Campos, 2001). Outros autores destacam o caráter fragmentado das intervenções que só tem colaborado para agravar iniquidades, alargando a defasagem entre áreas privilegia-das e não-privilegiadas (Gorelik, 2004); não conseguindo quebrar o círculo vicioso dos investimentos públicos em benefício de poucos, ao invés da sua distribuição equitativa (Cuenya, 2004). Outras críticas referem-se à concepção dos projetos ex-clusivamente sob a lógica do mercado, ou que tem contribuído para a expansão indiscriminada do setor de serviços em contraste com outras economias alternativas (Rolnik, 2002). Reparos também são feitos quanto aos perigos por trás da submissão ao discurso estratégico, com forte ênfase na “competitividade” e “atratividade” das cidades ao medir seus impactos sociais. Arantes menciona a existência de um “pensamento único”, uma espécie de dogma a seguir para a inclusão exitosa na rede internacional de cidades ganhadoras. Para Vainer, este pensamento único está baseado em três paradoxos: a cidade é uma mercadoria, a cidade é uma empresa, a cidade é unifica-da com um consenso homogêneo (Arantes, Vainer, 2002).

Estas críticas, porém, muitas vezes reduzidas a um entendimento limitado do pro-jeto urbano, não permitem resgatar uma atitude projetual plausível para as cidades latino-americanas. Argumentaremos que tanto a natureza (tecidos contrastados de desigualdades sociais), quanto a dimensão dos fenômenos urbanos locais (megaló-poles de milhões de habitantes) desafiaram o projeto urbano a produzir reapropria-ções locais (Vescina, 2007). Como veremos em alguns exemplos, inúmeros projetos urbanos buscam equilibrar desigualdades e mostrar seu comprometimento com a distribuição em vez da concentração, a homogeneização em vez da exacerbação das diferenças, no sentido que contribuem para uma partilha mais igualitária dos recursos limitados e dos benefícios da cidade.

O projeto urbano se propõe, em termos pragmáticos, a ser um catalisador capaz de provocar sinergias dentro da cidade para promover mudanças tangíveis na paisagem urbana. A capacidade potencial do projeto urbano supõe a superação formal e a integração, em sua dimensão espacial, de múltiplas dimensões, econômicas, sociais e culturais.

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41Sobre o Projeto Urbano

Taxonomia do projeto urbano na cidade latino-americana. Panorama de uma prática local

Projeto urbano: uma experiência. Apresentaremos a seguir um panorama da prática local do projeto urbano nas úl-timas décadas, através da análise de um conjunto de cidades. As categorias pro-postas se estruturam em função de temas considerados relevantes para as cidades latino-americanas. Para cada família de projetos, buscamos identificar os objetivos e disparadores das intervenções, os programas dominantes, a localização e os ele-mentos que conformam a estratégia do projeto, seja de iniciativa pública seja com a participação de atores privados, de escala e complexidade variáveis.

No final, um conjunto de projetos traz novas reflexões sobre os desafios das metró-poles. Eles serão o elo de conexão com o próximo capítulo onde discutiremos orien-tações possíveis para a renovação do projeto urbano. Este conjunto de experiências incipientes e experimentais procura atender questões de maior abrangência, de uma nova realidade urbana nas áreas metropolitanas.

Renovação de centros históricos/ patrimônio: a cidade herdada Esta família de projetos retrata as primeiras experimentações na qualificação urbana. A renovação dos centros históricos é relevante na prática do projeto urbano porque trouxe consigo as primeiras reflexões sobre como intervir na cidade existente e, fun-damentalmente, porque foi uma transição da atenção do edifício-monumento para os espaço “entre” os prédios: do interior ao exterior, do edifício à rua, da arquitetura ao espaço público.

Alinhada com os ideais de recuperação dos valores simbólicos da cidade antiga, a noção de patrimônio urbano surge como detonador da renovação urbana durante os anos 80. As primeiras intervenções começaram motivadas pelas declarações de patrimônio histórico da humanidade4 outorgadas a vários centros coloniais. A de-claração de interesse, que em diversos casos ampliava prévios reconhecimentos nacionais, se estende à preservação não só de prédios isolados, mas de ambientes urbanos, incluindo a trama, o espaço aberto e os tecidos formados por arquiteturas populares.

Assim os compactos centros históricos das primeiras fundações coloniais que, de uma maneira ou outra, tinham resistido à modernização, entraram em competição para integrar o grupo seleto de sítios patrimoniais. Compromissos mútuos foram as-sumidos por agentes internacionais de cooperação técnica e financeira e os municí-

4_Sequência de centros históricos da América Latina declarados Patrimônio da Humanidade: 1978, Quito, EC; 1979, Antigua Guate-mala, GT; 1980, Ouro Preto, BR; 1982, Olinda, BR; 1982, Havana, CU; 1983, Cuzco, PE; 1984, Carta-gena, CO; 1985, Salvador, Bahia, BR; 1987, Brasília, BR; 1987, Poto-sí, BO; 1987, México y Xochimilco, MX; 1987, Oaxaca, MX; 1987, Puebla, MX; 1988, Lima, PE; 1988, Guanajuato, MX; 1988, Trinidad, CU; 1990, Santo Domingo, DO; 1991, Morelia, MX; 1991, Sucre, BO; 1993, Zacatecas, MX; 1995, Santa Cruz de Mompox, CO; 1995, Colonia del Sacramento, UY; 1997, Panamá, PA; 1997, São Luís, BR; 1999, Santa Ana de los Ríos de Cuenca, EC; 1999, Diamantina, BR; 2000, Arequipa, PE; 2001, Goiás, BR; 2002, Paramaribo, SR; 2003, Valparaíso, CL; 2005, Cien-fuegos, CU. Fonte: Unesco World Heritage. www.//whc.unesco.org.

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pios estabelecendo as estratégias e as ações para executar, gerenciar e monitorar os projetos de renovação e preservação. Em muitas cidades, oficinas técnicas especiais foram criadas para coordenar as ações e cumprir as demandas da Unesco.

Por várias décadas os centros históricos das cidades latino-americanas sofreram um processo de esvaziamento e degradação físico-ambiental como consequência do incremento da cultura do automóvel, da descentralização de funções comerciais e de serviços, dos interesses do setor imobiliário e de políticas habitacionais antiurbanas que levaram a uma desvalorização da “cidade antiga”.

A volta ao centro se consolida, ao mesmo tempo, como reação frente a alarmante expansão da cidade. A ideia de incorporar novas funções ao patrimônio construído, reinserir a moradia, estimular o comércio, etc. em áreas providas de valores culturais, mas também de prover infraestrutura urbana, foi defendida como alternativa a custo-sa e insustentável expansão dos subúrbios.

Mas, igualmente, por detrás do renascer dos centros históricos existe uma estratégia econômica em torno da crescente indústria do turismo. Uma estratégia que procura promover as cidades, tendo na imagem de seus centros históricos, agora renovados e polidos, um elemento fundamental de marketing. Algumas críticas têm apontado para os custos sociais da renovação dos centros antigos com ênfase na “imagem”, criando mais uma cena que reativando um patrimônio vivo. A concepção limitada e museificante do patrimônio tem produzido, em alguns casos, o congelamento das verdadeiras forças produtoras da cultura local.

Um caso particular e ilustrativo das tensões entre desenvolvimento local, renovação urbana e patrimônio histórico é o de Habana, em Cuba. Circunscrita ao isolamento e embargo econômico, Cuba enfrenta sérios problemas financeiros para conservar o seu rico patrimônio construído. Porém, a cidade tem encontrado, a partir do turismo e de um modelo próprio de gestão e autofinaciamento de seus bens culturais, um filão de desenvolvimento social. A oficina do historiador, com faculdades excepcionais para explorar suas próprias fontes econômicas, (serviços culturais, ingressos, impos-tos locais, etc) consegue financiar as obras de renovação urbana assim como outras ações de caráter social e produtivo.

As obras que a princípio focaram igrejas e prédios institucionais abraçaram depois o espaço entre os prédios, as praças e seu entorno, eixos de conexão entre pontos significativos, etc. (Spengler, 2004; Fernandez, 1993).

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A incorporação de novas dinâmicas sociais e econômicas sem deslocar os residen-tes mais pobres tem sido um dos mais difíceis desafios da reconstituição urbana nos centros históricos latino-americanos. As primeiras experiências, como a renovação do Pelourinho, em Salvador (Bahia) no início dos anos 90, foram fortemente criti-cadas por se basearem na erradicação da sua população para dar lugar a novos programas “culturais” e turísticos. Mudanças de orientação, porém, têm procurado melhorar as condições de habitabilidade e assegurar a permanência dos moradores. Ao mesmo tempo, a preocupação com a imagem tem dado lugar a um entendimento mais complexo do patrimônio. A atenção dispensada ao tecido e à tipologia vem substituindo o simples “fachadismo”. A restauração arquitetônica e social dos tambos de Arequipa -um tipo de residência popular originalmente hospedagem dos comer-ciantes de passagem pela cidade- é um exemplo desta abordagem (Cidap, 2008; Cordoba Valdivia, 2005; Ludeña, 2005; Maldonado Valz, 2004).

Espaço Público / Cidadania: a cidade da democraciaNesta categoria podemos reunir um grupo de projetos que utilizam a estratégia de redesenho do espaço público como indutor de um processo de requalificação urbana em lugares específicos da cidade.

Não é casual que nos últimos anos os discursos em torno do urbano tenham como protagonista o “espaço público”. Termo usado e abusado por arquitetos, prefeitos e até empresas imobiliárias tanto para legitimar as qualidades de um projeto urbano como para garantir seus benefícios sociais e políticos. Em contraste com a ideia da “morte da cidade”, a reafirmação do “público” como lugar de trocas e de encontros

FII-1 e 2: Havana, renovação do centro histórico. Plaza de Armas Fonte: Oficina Del Historiador Habana

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ganha força como expressão direta dos valores da democracia. A experiência de Barcelona nos anos 80 foi uma referência muito importante para a geração de proje-tos urbanos que logo seriam ensaiados nas cidades latino-americanas. O otimismo que tomou conta da Espanha depois da abertura democrática e a força participativa dos grupos vicinais deram lugar a uma política urbana com grande ênfase na recu-peração do espaço público. As centenas de projetos de desenho, equipamento e renovação de ruas, praças e parques tinham um sentido democrático e distributivo, e supunham um efeito de “metástases”, espalhando os efeitos benignos para além de seus limites de intervenção.

Seguindo o exemplo de Barcelona muitas cidades latino-americanas têm se empe-nhado na renovação do espaço público tanto no centro como nos bairros. Desde os discursos oficiais, à volta a rua é defendida como expressão da relação dialética entre espaço público e cidadania, onde se expressa a diversidade, se produz o inter-câmbio e se aprende a tolerância (Borja, 2003).

Em relação aos programas, as ações incluem a ordenação do trânsito com ênfase no pedestre, a incorporação de ciclovias, arborização, novos pavimentos, nova ilumina-ção, novos mobiliários urbanos, entre outras. A localização é variada. Alguns projetos se distribuem em um sistema de eixos estruturais, outros se concentram em pontos significativos da cidade, ou em um conjunto de “pockets” espalhados pelos bairros.

O espaço público recriado procura reforçar identidades locais, engendrar novas re-lações entre partes desconexas (costuras urbanas) e em geral estimular dinâmicas

FII-3: Plaza de La Muralla, centro histórico de Lima, Peru. Fonte: Autor

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sociais, econômicas e culturais. Também aqui os investimentos públicos procuram criar efeitos “contagiantes” sobre o entorno, estimulando o setor privado. Um tipo específico de projetos, dentro deste grupo, está representado por aqueles que têm se focado nas bordas de contato com a natureza, com o redesenho de pas-seios marítimos, orlas e promenades junto a rios e costas marítimas. Buenos Aires e Rosário, por exemplo, têm lançado programas que procuram uma nova relação com o rio, com um sistema de parques lineares e promenades ao longo da costa (Arrese, 2005, Monteverde 2005). Guayaquil, no Equador, concebeu um imenso projeto de re-novação urbana a partir da reabilitação do Malecom, um antigo passeio ao longo do rio Guayas. Promovido e gerido por uma fundação privada com o objetivo de resgatar seu deteriorado centro comercial e bancário, o projeto não se reduz ao espaço públi-co, mas incorpora várias funções comerciais (mercado, cinema, etc) (Wong, 2005).

O Rio de Janeiro se destacou nos anos 90 pelas intervenções no espaço público. O programa Rio-Cidade procurou revitalizar eixos principais e estruturantes de cada bairro da cidade através do redesenho das ruas e calçadas (Andreatta, 2006; Alva-renga, 2009).

Equipamentos sociais: a cidade da equidade Este conjunto de projetos surge como resposta a um quadro de desigualdades entre os bairros das cidades latino-americanas e de carência de serviços sociais. Objeti-vam distribuir e descentralizar algumas funções, de forma a incorporar diversidades de usos e qualificar as periferias residenciais.

FII-4: Tambos no centro histórico de Arequipa. Planta: Fonte: Liesbeth Caymax e Esther Jacobs.FII-5: Acessos às moradias reno-vadas do Tambo Del Matadero, Arequipa. Fonte: Autor

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46Sobre o Projeto Urbano

A estratégia se fundamenta na provisão de equipamentos sociais que atuam como catalisadores de uma transformação urbana. Sempre articulando e combinando po-líticas sociais com ações espaciais, neste caso, serviços necessários concentrados num prédio público singular, tem início uma transformação que transcende a dimen-são do objeto arquitetônico e se desdobra num –mínimo- projeto urbano. Aqui o papel da arquitetura não é menor, já que o projeto se baseia no valor simbólico destas infraestruturas sociais.

O programa, seja uma biblioteca, um centro de administração pública ou uma escola, torna-se uma referência em torno da qual se estabelece uma nova centralidade. A inserção do novo programa acarreta modificações do entorno, com a criação de no-vos acessos, espaço público e infraestrutura urbanos. A escolha do lugar e o cuidado quanto à localização do prédio, condicionando as articulações com o entorno, são de capital importância.

Como são programas e não projetos, o critério de localização procura atender equi-tativamente aos diferentes bairros. Selecionamos três exemplos no contexto latino-americano, destacando em cada caso um programa específico: bibliotecas no caso de Bogotá, escolas em São Paulo e centros de administração municipal em Rosá-rio.

Em Rosário, a renovação urbana acompanhou a reestruturação político-administrati-va da cidade. Seis centros administrativos foram desenhados por arquitetos nacionais e estrangeiros para atender a nova divisão em distritos. Através da reconversão de

FII-6: Malecóm de Guayaquil. Fon-te: Diario La NaciónFII-7: Paseo del Caminante, nas “barrancas” do rio Paraná, Rosario. Fonte: Arq. Gerardo Caballero

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prédios antigos ou da construção de novos, os centros administrativos foram estra-tegicamente alocados em cada bairro para possibilitar novas centralidades, levando os serviços municipais para mais perto dos moradores, mas também incorporando outras facilidades culturais, recreativas e de saúde. Em cada situação, o projeto teve um recurso específico para qualificar a área urbana: a recuperação de uma esta-ção de trens abandonada, a criação do espaço público, a consolidação de um eixo urbano, a complementação de redes de rua, etc. (Corea 2000; Monteverde, 2005; Municipalidad de Rosario, 2006; Pampinella 2006).

Estratégias similares à distribuição de infraestruturas sociais foram testadas em São Paulo. Neste caso, o programa de construção de escolas em áreas periféricas da megalópole brasileira traz renovações que buscam equilibrar as desigualdades. Os centros educacionais foram concebidos a partir de um único protótipo composto de três volumes, que permite variações na composição e no arranjo para satisfazer as especificidades de cada contexto. Também aqui, a escala e a linguagem particular do prédio introduzem um marco urbano novo, uma referência em contraste com a pai-sagem desolada da metrópole. Sobre o papel inquestionável da presença da escola pública nas comunidades e da integração de programas culturais e recreacionais, adiciona-se a capacidade fundamental da transformação física da área onde são in-seridos. Não somente porque trazem novas estradas e infraestrutura de saneamento às adjacências, mas, principalmente, porque a escolha da posição e as relações que estes edifícios estabelecem com a geografia do local não são um detalhe banal: uma determinada condição topográfica, a presença de um curso d´ água, bem como cone-xões com a malha urbana. Um único edifício se desdobra em espaços públicos novos

FII-8 e 9: Requalificação do espaço público. Programa Rio Cidade, Leblon, Rio de Janeiro. Autores: Luiz Eduardo Indio da Costa, Guto Indio da Costa, Fernando Chacel. Fonte: Alvarenga, Andre (2009)

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com relação a estes elementos da paisagem, muitas vezes esquecidos e degradados (Anelli , 2004; Melendez, 2008).

Com o mesmo caráter distributivo Bogotá incorporou uma rede de bibliotecas. Quatro edifícios principais, de escala metropolitana, e um conjunto de unidades menores de bairro se espalham para atingir a maioria da população. Indubitavelmente, neste caso a monumentalidade e a qualidade arquitetônica dos edifícios principais procu-raram um efeito de visibilidade à escala da cidade. Entretanto, um dos projetos que tem gerado interesse é El Tintal, uma biblioteca situada em um setor normalmente relegado do investimento público. O projeto reutiliza um edifício para a incineração de lixo abandonado, adaptando a estrutura industrial ao novo programa cultural. A biblioteca assenta-se em um parque e integra, junto com pantanais adjacentes, uma estrutura verde maior. O projeto se articula com alamedas e ciclovias, elementos que pertencem a intervenções de maior abrangência (Alvarez , 2004; Caudo, 2009; Martin, 2007).

Vazios urbanos: a cidade pós-industrialOs câmbios na economia, o crescimento do setor de serviços e a realocação das indústrias têm deixado uma herança de terrenos de grande porte dentro da cidade. Localizados no que alguma vez foi periferia do centro, estes terrenos, absorvidos pelo crescimento urbano, acabam transformando-se em ilhas no tecido urbano. Por-tos e aeroportos em desuso, fábricas, presídios, leitos ferroviários, sítios industriais obsoletos formam um conjunto diverso de situações que são vistas como oportuni-dades de projeto.

FII-10: CEU (Centros Educativos Unificados) Jambeiro, em Guaia-nazes zona leste de São Paulo, dos arquitetos Alexandre Delijaicov, André Takiya e Wanderley Ariza. Fonte: Arcoweb_

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Esta família de projetos representa a mais clássica interpretação do projeto urbano, no sentido que envolve estruturas mais complexas de intervenção e de gestão onde a participação de investidores privados, junto com outros atores e os governos locais contribuem para reincorporar à produtividade da cidade áreas abandonadas ou em desuso. São projetos com uma perspectiva de tempo de médio prazo, executados em etapas segundo o avanço das negociações e as mediações entre as partes, incluindo às vezes estruturas mistas de gestão especialmente desenhadas para o desenvolvimento do projeto (corporações, agências, fundações, administrações pú-blicas especiais, etc.).

Os projetos geralmente propõem um programa de usos mistos; novas residências, escritórios, comércio, equipamentos culturais e de lazer e fundamentalmente um es-paço público renovado. Os desenhos procuram integrar as novas peças urbanas com o entorno dando continuidade à malha urbana. Não por isso, muitos destes projetos deixam de ser percebidos como “guetos” dentro da cidade, voltados às grandes em-presas globais e às camadas de maior renda, sendo portanto direta ou indiretamente excludentes.

Um caso paradigmático na região –pela rapidez e a qualidade do empreendimento- é Puerto Madero, em Buenos Aires (Argentina). Seguindo o modelo catalão e sob a consultoria de experts nacionais e internacionais, a recuperação do antigo porto, em desuso desde 1925, significou a expansão do centro administrativo de Buenos Aires, a conquista de uma nova relação da cidade com o rio de La Plata e a consolidação

FII-11: Biblioteca El Tintal, Bogotá. Fonte: Arq. Daniel Bermudez

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de um novo cartão postal da cidade. Os 170 hectares foram reconvertidos para rece-ber novas ruas e passeios, escritórios, comércio e residências. O projeto procurou a continuação da trama e da morfologia sugerida pela arquitetura portuária de blocos compactos e retangulares, contrastando com acentos urbanos de prédios de altura enquadrando e marcando perspectivas (Arrese, 2005; Gorelik, 2004; Liernur, 2007; Martinez de San Vicente, 2004).

Outros exemplos mostram dificuldades para passar da prancheta à realidade. A falta de continuidade dos governos, obstáculos financeiros, ou as muitas vezes complexas forças em jogo têm atrapalhado o andamento de projetos ambiciosos. Tal é o caso do Eixo Tamanduatehy, no ABC paulista (Brasil). Originalmente pensado como uma nova centralidade metropolitana, a transformação do que foi nos anos 50 um grande parque industrial ao longo do rio Tamanduatehy nunca logrou ser concretizada e viu muitos de seus objetivos desvirtuados. Um concurso internacional forneceu as bases para o projeto de regeneração do corredor de mais de 12 quilômetros de extensão que procurava, entre outros objetivos, combater o desemprego e a paralisia econô-mica, recompor fisicamente a estrutura urbana, articular um processo político inter-municipal e promover a inclusão socioterritorial, democratizando os benefícios. No entanto, as poucas operações - acordos e contrapartidas entre empresários privados e a municipalidade- resultaram em ações fragmentadas, faltando uma estrutura es-pacial para guiar as intervenções ou estrategicamente induzir o desenvolvimento. Em muitos casos, os acordos entre o público e o privado ficaram limitados a melhorias de pequenas áreas dos arredores imediatos, que redundaram em vantagens para o empresário mais que uma distribuição igualitária dos benefícios. Hipermercados,

FII-12: Puerto Madero, o novo cartão postal de Buenos Aires. Fonte: Autor

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centros de negócios, hotéis e universidades privadas substituíram algumas velhas indústrias. As urgências e o apoio público a atividades que pudessem trazer novas oportunidades de trabalho deram espaço a grandes companhias no setor comercial e a setores de serviço, em detrimento do desenvolvimento de redes produtivas locais menores e de geração de novos tecidos misturados que pudessem integrar espaços de trabalho e habitação (Netto Teixeira , 2005; Prefeitura do Município de Santo An-dré, 1999; Reese, 2004; Santoro, 2005).

Algumas outras cidades estão hoje experimentando projetos semelhantes. Podemos citar o caso de Puerto Nuevo na cidade de Rosário (Argentina), ou o de Ciudad Portal Bi-centenário em Santiago (Chile). No primeiro caso, se trata da reconversão de 80 hectares de terrenos ferroviários e indústrias cerealíferas desativadas, que foram por muito tempo um obstáculo à conexão entre o centro e o norte da cidade através da costa. A partir da abertura de novas vias e após complexas negociações entre os vários proprietários e a municipalidade, parcelas de terra estão sendo liberadas. O plano segue as diretrizes do projeto vencedor do concurso nacional, cujo desenho incorpora as preexistências a marcas do passado industrial como lógica do projeto. A morfologia proposta se distancia do tecido tradicional da cidade e sugere uma configuração em “ilhas de residência” que permite maiores transparências para o rio Paraná (Municipalidad De Rosario, 2006; Sánchez-Pombo, 2001).

O exemplo de Santiago representa outro projeto ambicioso que prefigura a expansão da cidade para o sul, sobre os terrenos onde funcionava o aeródromo de Cerrillos. Impulsionado pelo Ministério de Urbanismo e Vivenda, o projeto visa urbanizar 250

FII-13: Perspectiva do Eixo Taman-duatehy, Santo André: Fonte: Muni-cipalidade de Santo Andre.FII-14: Perspectiva do projeto Ciu-dad Portal Bi-Centenário, Santiago. Fonte: Ministerio de Urbanismo y Vivienda

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hectares através de parcerias público-privadas, onde as infraestruturas estão entre-gues ao poder público e os projetos residenciais ao mercado imobiliário. Promovido como um lugar da inovação e desenvolvimento sustentável, com espaços públicos de qualidade e bairros integrados e conectados às infraestruturas de transporte, o projeto tem gerado polêmicas com relação ao impacto ambiental para a cidade de Santiago (Asociación Portal Bi-centenário; Corti, 2003).

Mobilidade: a cidade dos fluxosEste grupo de intervenções se fundamenta na potencialidade de criar urbanidade dos projetos de infraestrutura urbana, especificamente aqueles que envolvem mobilida-de. A ideia é aproveitar o investimento público neste tipo de projeto para acumular ganhos na qualidade urbana, de forma a integrar objetivos funcionais, urbanos e ambientais.

As estratégias de desenho urbano se baseiam na concepção do espaço da mobili-dade –redes e nós- como um tipo específico de espaço público capaz de gerar urba-nidade e qualificar a paisagem urbana. Se, por um lado, os sistemas que permitem a circulação de pessoas e mercadorias servem de suporte para a vida urbana e pro-movem a expansão da cidade, igualmente -dependendo dos modos de articulação com o tecido urbano- podem ser elementos de coesão ou segregação. Pensados desde perspectivas setoriais (engenharia), muitas vezes os projetos de infraestrutura impõem à cidade a sua própria lógica e -dissociados do entorno- geram efeitos nega-tivos sobre o espaço que atendem.

FII-15 e 16: Imagem das indústrias cerealíferas desativadas e plano para Puerto Nuevo, Rosario. Fonte: Municipalidad de Rosario

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Ao mesmo tempo, as preocupações mais contemporâneas com o desenvolvimento sustentável têm produzido reformulações na abordagem da questão dos desloca-mentos na cidade. A conversão do conceito de “transporte” para “mobilidade” supõe uma mudança de paradigma na qual se prioriza o pedestre ao veículo e o coletivo ao individual (Montezuma, 2007). A intenção, mais do que resolver os problemas de circulação dos carros, é a busca de condições adequadas à mobilidade das pessoas e mercadorias sob critérios ambientais, sociais e econômicos.

Este é um tema relevante para as metrópoles latino-americanas, caracterizadas pela supremacia do automóvel individual e por um transporte público caótico e ineficien-te. Em muitas cidades, o serviço público de ônibus predomina em detrimento de sistemas alternativos (bicicletas, trens urbanos, bondes, metrô), com centros con-gestionados pela superpopulação de unidades obsoletas em contraste com bairros periféricos carentes de atendimento.

Inspirada na experiência de Curitiba, e como alternativa frente ao custoso projeto de implantação do metrô, Bogotá (Colômbia) introduziu, no final dos anos 90, o Transmi-lenio. Composto por redes troncais de grande capacidade e outras complementares de alimentação, o novo sistema integrado de transporte público conta com faixas exclusivas para ônibus articulados e estações fixas com plataformas de acesso ao nível do veículo. O sistema se completa com uma rede de ciclovias e estações integradas intermodais providas de depósitos para bicicletas. O projeto se vincula a outras iniciativas que visam mudanças de atitudes e comportamentos na via pública e conscientização sobre o uso de transporte alternativo ao automóvel5.

FII-17: Transmilenio, ônibus articu-lados no centro de Bogotá: Fonte: Flirck

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Internacionalmente, o Transmilenio tem sido recebido com entusiasmo (premiado na Bienal de Veneza 2006), localmente, no entanto, enfrenta resistências. As críticas apontam para problemas quanto à frequência e à capacidade6 de atendimento - con-gestionamento nas horas de pico- como também no custo do transporte para o cida-dão e para a cidade. Mas, descontados os ajustes necessários ao aperfeiçoamento do sistema, os ganhos na qualidade urbana e ambiental são notórios e a experiência de Bogotá tem sido amplamente difundida no contexto latino-americano com muitas cidades adotando modelos similares (Alvarez , 2004; Caudo, 2009; Martin, 2007).

Também oriundas da Colômbia, outras iniciativas se destacam pela originalidade na abordagem da questão da mobilidade. A cidade de Medellín implementou um siste-ma de metro-cable para dar acessibilidade a comunidades pobres que cresceram informalmente nas periferias da cidade. O sistema de cabo aéreo, especialmente desenhado para poder atingir áreas de difícil acesso nas ladeiras dos morros, se conecta com o metrô existente, uma estrutura linear elevada que atravessa a cidade de norte a sul. À medida que o metro-cable vai atravessando os bairros, rampas de acesso, terraços, estações e praças facilitam a acessibilidade, mas fundamental-mente criam um novo espaço público em áreas densas. A inserção do sistema de metro-cable, que tem se estendido a vários bairros de Medellín e a outras cidades latino-americanas, é na verdade a cara mais visível de um projeto ambicioso, que as autoridades locais denominam “projeto urbano integral”, um instrumento técnico de intervenção física e social para atender áreas não-planejadas da cidade, carentes de equipamentos e espaço público (Bohigas, 2007; Capella, 2007).

5_Os programas “Pico e Placa” e “um dia sem carro” procuram, o primeiro criar restrições à circula-ção nas horas de pico de acordo com o número de placa, o segundo estimular o uso de transporte alter-nativo ao mesmo tempo que poder imaginar uma cidade mais humana e sustentável.

6_Com planos de expansão, o sistema atende hoje cerca de 20% dos deslocamentos da cidade, o resto continua se realizando pelo sistema tradicional.

FII-18 e 19: Novos espaços públi-cos gerados a partir da passagem do metro-cable em Medellín. Fonte: Municipalidad de Medellín

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Enquanto o exemplo de Medellín se destaca pelo impacto visual da infraestrutura na paisagem urbana, outros casos seguem na direção oposta: procuram ocultar, soterrar para dispor deste espaço sobre as infraestruturas. Tal é o caso do Corredor Verde do Oeste, na cidade de Buenos Aires. O projeto objetiva superar a barreira urbanística que implica, para a transversalidade norte-sul da cidade, o percurso da ferrovia Geral Sarmiento. A ideia é criar um parque linear de quase dez quilômetros de extensão que melhore a qualidade ambiental e urbana dos bairros adjacentes. Fazem parte do projeto novas escadas, estações, caminhos e ciclovias, praças verdes e secas para promover atividades ao ar livre, assim como também novas regulações urbanísticas para incentivar a transformação das fachadas que se abrem ao novo espaço público (Arrese, 2005).

Urbanização de assentamentos informais: a não-cidadeComo expressão das desigualdades sociais e das dificuldades de acesso à terra urbana dos mais pobres, as cidades latino-americanas se distinguem pela presença de favelas, villas misérias, pueblos, diferentes denominações do mesmo fenômeno: moradias precárias, autoconstruídas, sem posse regular da terra e carentes de infra-estrutura urbana.

A relação complexa destes assentamentos informais com o resto da cidade tem evo-luído nos últimos anos. Considerados por muito tempo um “câncer” urbano, graças a mudanças na sua valorização7 e à ação de movimentos sociais houve uma reformu-

FII-20: Corredor Verde del Oeste, Buenos Aires. Fonte: Revista SCA

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lação das políticas públicas que abandonaram ‘soluções’ violentas de remoção em favor de estratégias mais progressistas de inclusão e urbanização.

Um tipo específico de projeto urbano vem se desenvolvendo no contexto latino-ameri-cano em torno de experiências que procuram integrar estes assentamentos informais à cidade dita “formal”. Esta integração envolve um conjunto de intervenções físicas, mas também sociais e institucionais, que apontam para a provisão de infraestrutura e serviços urbanos, melhoria da acessibilidade, regularização das propriedades e criação de novos espaços públicos. As obras se articulam com ações sociais, com programas de capacitação e educação, projetos de geração de renda, de saúde, entre outros.

O Brasil liderou esta mudança com o programa Favela-Bairro, que nos anos 90 ga-nhou repercussão internacional. Implementado pela municipalidade do Rio de Janei-ro, o programa instalou com originalidade e determinação o projeto urbano nas fave-las. Por sobre as ideias de urbanização e valorização deste espaço autoconstruído foram adicionadas noções de desenho urbano. Desse modo, estratégias usadas na mais alta cultura urbana foram transladadas e traduzidas para um espaço que até então escapava à categoria “urbano”.

De acordo com seus promotores, o objetivo do programa não era reparar o déficit de moradia, mas o déficit urbano, ou seja, fornecer infraestrutura básica, equipamen-to social e novos espaços públicos. Significou uma abordagem sensível de projeto capaz de retratar em cada bairro o seu genius loci, através de intervenções estra-

7_“A favela não é problema, mas uma solução” foi uma frase famosa de John Turner nos anos 70 que refletiu um giro na aproximação aos assentamentos informais na Amé-rica Latina. Anunciou o processo de valorização da favela, por clara-mente apresentar vantagens (tanto para seus habitantes quanto para os agentes públicos) em compara-ção com os projetos fracassados de habitação social fornecida pelo Estado.

FII-21: Urbanização de assenta-mentos informais. Morro do Socó e do Portal, em Osasco, São Paulo, dos arquitetos Viglieca & Associa-dos. Fonte: ArcowebFII-22: Favela Novos Alagados em Salvador. Vista da enseada do Ca-brito e do Parque São Bartolomeu, antes e depois da intervenção, com o manguezal recuperado. Fonte: Cities Alliance.

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tégicas, quase cirúrgicas, que procuraram a requalificação, mas sem destruir sua identidade e suas lógicas espaciais intrínsecas.

As intervenções também envolveram aspectos legais de posse da terra e objetivos sociais, abrangendo programas que variaram de instalações esportivas a postos de saúde e creches. Realocações pontuais de moradias em áreas de risco foram incluídas dentro de cada bairro. Durante os sete anos de seu desenvolvimento, o projeto recebeu financiamento local e de fontes estrangeiras -principalmente o BID e a União Europeia- e atingiu mais de 150 favelas, totalizando uma população de 550 mil pessoas (Magalhães, 2004). Considerado um dos programas mais avançados de redução da pobreza, o Favela-Bairro ganhou amplo reconhecimento nacional e internacional (Conde e Magalhães, 2004; França e Bayeux,2002; Machado, 2003, Benetti, 2004).

Outras cidades brasileiras vêm, desde então, implementando projetos análogos. Sob a égide do novo Estatuto da Cidade através do Ministério das Cidades, a urbaniza-ção de favelas e a regulação fundiária têm se transformado numa política de ordem nacional. Com graus variados de sucesso, dependendo da qualidade dos projetos, de suas modalidades de gestão e participação dos habitantes, um vasto conjunto de intervenções constitui um corpo relevante de experiências locais. Destacam-se, entre outros, pela qualidade da arquitetura, os projetos realizados pelo escritório Viglioco e Associados na periferia de São Paulo, no Morro do Socó e do Portal e nas favelas Paraisópolis e Heliópolis. Em Salvador, na Bahia, o projeto do arquiteto Anastas-sakis para o assentamento conhecido como Novo Alagados sobressai também pela

FII-23: Programa Favela-Bairro, equipamentos sociais na favela Fubá-Campinho, Rio de Janeiro. Fonte: Arq. Jaurequi

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integração do desenho urbano com a revitalização ambiental. A forma como a favela tinha invadido a enseada dos Cabritos com construções de palafitas comprometia seriamente a saúde dos habitantes e do ecossistema natural. O projeto conseguiu construir uma frente marítima com uma via à beira-mar, realocar as famílias em no-vas unidades habitacionais e recuperar o mangue degradado (Aliança de Cidades, 2008; França e Bayeux, 2002).

Projeto urbano: o desafio da metrópoleComprovamos até aqui a existência de um corpo importante de experiências que nos últimos 20 anos tem caracterizado a prática do projeto urbano no continente latino-americano. Com diferentes objetivos, os projetos qualificaram áreas obsoletas no centro da cidade, renovaram prédios industriais abandonados, transformaram por-tos em novas áreas de lazer e residência, distribuíram equipamentos sociais, entre outros. Com ênfase na construção de novo espaço público, a maioria dos projetos discutidos até aqui tem se concentrado na cidade consolidada ou na sua periferia imediata.

Este novo “status” do urbanismo encontra dificuldades, porém, para abordar as com-plexidades da metrópole. São quatro os desafios que o projeto urbano, em face ao século XXI, deve enfrentar. Por um lado, existe um problema de escala, a própria condição horizontal da cidade condiciona o alcance em um território cada vez mais amplo. Por outro, há uma questão instrumental, já que os elementos clássicos do de-senho urbano – quadra, lote, tipo - devem se renovar com a incorporação do novo vo-cabulário da metrópole (infraestruturas, grandes vazios, fragmentos de áreas rurais e industriais, naturezas, etc.). Em terceiro lugar, não podemos deixar de mencionar um problema de gestão, já que muitos temas excedem as limitações administrativas locais e requerem decisões intermunicipais, envolvendo uma complexa rede de ato-res. Por fim, mais notável no caso da América Latina, o que poderíamos chamar de problema ético, já que questiona a maneira como os projetos garantem a distribuição dos benefícios com sentido de equidade.

É neste quadro que a noção de paisagem – em sua complexa dimensão socioe-cológica - e o paisagismo como prática vêm surgindo nos últimos anos como fonte renovadora para o projeto urbano. Nas cidades latino-americanas tal abordagem pai-sagística para o projeto urbano na metrópole ainda permanece mais no campo expe-rimental e de investigação acadêmica do que na prática real. Porém, os exemplos a seguir demonstram a sua enorme potencialidade e pertinência para o espaço metro-politano de nossas cidades. As possibilidades jazem no modo como os três maiores componentes, a saber: infraestrutura, ecologia e desenvolvimento urbano, podem

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superar dimensões monofuncionais e produzir coalizões para criar novas oportunida-des e novos tipos de espaço público. Equipamentos sociais necessários, serviços bá-sicos, transporte público e outras infraestruturas podem ser operacionalizados junto com corredores ecológicos, grandes sistemas de paisagem recarregados com novos programas que ativem relações positivas com o meio construído.

Muitos desses projetos baseiam sua estratégia numa racionalidade ecológica. Ge-ralmente, são projetos de uma abrangência maior que intentam relacionar o tecido urbano ao seu contexto natural. Eles buscam reconciliar os processos de desen-volvimento urbano com os processos ecológicos que atravessam a cidade e que inevitavelmente fazem parte dela. A ideia é “trabalhar junto com a natureza” (McHarg, Hough), produzindo sinergias entre as lógicas ambientais que dão sustentabilidade ao território e ao espaço construído. Assim, os sistemas ecológicos servem de su-porte para a cidade que, por sua vez, os incorpora como valores positivos dentro da sua espacialidade e uso.

Existe um grande sentido de restauração nesses projetos. Deter o crescimento ur-bano sobre ecossistemas frágeis, reabilitar sítios contaminados, recompor bordas de rios, proteger cerros, controlar enchentes, etc. constituem, entre outros, o repertório de temas que guiam as intervenções. Em geral são projetos de grande complexidade e ambição, mas não por isto menos urgentes. No caso específico das cidades latino-americanas o denominador comum tem sido o crescimento rápido e desordenado das periferias das grandes cidades. Sem o desenvolvimento de uma infraestrutura que acompanhe esse crescimento, os conflitos ambientais têm assumido dimensões emergenciais. Esse tipo de intervenção possibilita estruturar e dar sentido e qualida-de urbana a estas áreas de grande carência.

Cidade Futura, Cidade do México, México. O projeto desenvolvido por um grupo interdisciplinar e dirigido pelo arquiteto mexicano Alberto Kalach se insere nesta linha de trabalhos. De grande ambição e alcance, a proposta é o resultado de muitos anos de pesquisa sobre a maior metrópole da América Latina. A cidade do México, que em cinco décadas quase quintuplicou a sua população (de 2 a 18, 5 milhões de ha-bitantes), evidencia um crescimento urbano intenso e desordenado, ocupando áreas de valor ecológico, leitos de rios e lagos, aliado à insuficiência de serviços sociais, equipamentos e, sobretudo, espaço verde público.

O trabalho propõe uma visão integral para a cidade, apoiando-se no resgate do antigo lago Texoco. Um novo polo de desenvolvimento vinculando a nova paisagem lacus-tre e incorporando novas infraestruturas de impacto metropolitano seria fruto de um

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processo de recomposição social e ecológica. A cidade do México, que na época da colônia chegou a ser conhecida como a Veneza da América, se encontrava originalmente rodeada por um sistema interconectado de lagos que fo-ram sendo gradualmente ocupados e secados, a ponto de hoje estar em quase total extinção. Por outro lado, a ocu-pação crescente das ladeiras tem comprometido as áreas de recarga do aquífero subterrâneo. A água que cai é con-duzida pelo sistema de drenagem sem ser reutilizada, e a contínua extração de água – maior que a capacidade de recarga - determina que o solo se deprima lentamente.

Frente a este cenário, o projeto se baseia em restituir o equilíbrio hidrológico, reutilizando parte das águas que são despejadas e reconfigurando a paisagem através da cons-trução de novas bordas urbanas com o aterro sanitário, que hoje acontece desordenadamente no mesmo lugar. Assim, o próprio processo de constituição da paisagem seria consequência do manejo racional dos despejos ur-banos, convertendo-os num verdadeiro sistema de meta-bolismo urbano-ecológico (Kalach, 2007).

O litoral recriado abrigará equipamentos, serviços e par-ques para os assentamentos, hoje desprovidos de infra-

FII-24: A ocupação gradual através dos séculos e o desaparecimento do sistema lacustre na cidade do México. Fonte: Arq. Kalach

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estrutura urbana. No leste, são propostas áreas de urbanização entrelaçadas entre o lago e as edificações existentes, respeitando as canhadas e descidas de água naturais. Parques junto ao corpo d´ água permitirão a recolonização da flora e da fauna. Novas infraestruturas estabelecerão ligações entre norte e sul e costurarão o novo polo aos bairros circundantes.

Uma peça importante no conjunto proposto é o novo aeroporto, concebido numa ilha, o que traz vantagens ambientais e logísticas, ao mesmo tempo em que recentraliza a metrópole atraindo para o centro atividades que hoje acontecem de forma dispersa. O atual aeroporto será transformado em um parque metropolitano, com áreas de de-senvolvimento misto complementando a ligação entre o sistema de parques urbanos da cidade do México e a nova laguna.

A paisagem lacustre renovada trará efeitos ambientais: temperaturas menos extre-mas e o céu mais limpo, dado que a evaporação produzida pelo lago reduz a conta-minação do ar. Ao focalizar o crescimento no novo polo se alivia a pressão urbana sobre as ladeiras ao sul do vale e se protege as áreas de recarga de aquíferos. O desafio é um dia lograr que a metrópole seja autossuficiente em água, evitando que

FII-25: México, Ciudad Futura, fases do projeto. Fonte: Arq. Kalach

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a extração desmedida dos poços continue produzindo o descenso do solo da cidade (Kalach, 2007).

Recuperação de Humedales, Bogotá, Colômbia. A cidade de Bogotá tem sido alvo da atenção internacional por suas políticas de transformação urbana, que souberam combinar ações sociais e intervenções espaciais. Um importante marco para esta transformação foi o desenvolvimento, a partir de 1997, do POT (Plan de Ordenacion Territorial), cujas prioridades incluíam a restauração do meio ambiente, a revalori-zação do espaço público e a participação cidadã. Componente chave do plano foi o delineamento da estrutura ecológica da cidade como elemento de conexão regional para enquadrar projetos e ações (Martignoni, 2008).

Bogotá se caracteriza por estar inserida entre os Cerros Orientais no nordeste e o rio Bogotá ao sudoeste. Entre estas duas estruturas, uma série de riachos e córre-gos cruzam a cidade transversalmente. Muitos destes rios foram canalizados, outros permanecem parcialmente visíveis. Um aspecto singular do ecossistema bogotano é a presença de alagados (humedales) -terras pantanosas e de pequenas lagoas- vinculados a estes riachos e indispensáveis à regulação hidrológica do território. No século passado, 80% das áreas alagadiças que existiam originariamente foram pre-judicadas pelo crescimento urbano: contaminadas ou ocupadas ilegalmente.

A transformação de Bogotá incluiu a incorporação dos alagadiços - 13 pântanos que cobrem uma superfície de 667,3 hectares - por seu valor ambiental, mas, principal-mente, como parte da rede do espaço público da cidade. Assim, as intervenções

FII-26: México, Ciudad Futura, o novo litoral recriado albergará serviços, parques e infraestruturas. Fonte: Arq. Kalach

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envolveram o redesenho de suas bordas, com a inclusão de áreas de transição entre a cidade e o pântano, abrangendo parques, passeios, áreas de descanso e recre-ação, e nova acessibilidade. Em síntese, uma nova frente que qualifica o entorno urbano, ao mesmo tempo em que visibiliza o valor ambiental e social dos pântanos ao integrá-los à vida cotidiana da cidade.

Vazios de Água, São Paulo, Brasil. Mais que um projeto, a proposta dos arquitetos MMBB para a periferia de São Paulo pode ser entendida como a tese de uma estra-tégia possível. Fundamenta-se na potencialidade do projeto de infraestrutura, na sua forma difusa em rede para construir pontualmente urbanidade onde, até então, só se aportam valores funcionais. A proposta consiste na redefinição do próprio paradigma do projeto de infraestrutura, reconhecido como articulador na escala territorial, mas que na escala local é um agente desagregador. “Redefinir esse paradigma consiste, para além dos serviços prestados pelas redes, em articular políticas setoriais, cons-truir lugares adequados à vida urbana e configurar imagens referenciais na paisa-gem, contribuindo para o estabelecimento de uma relação afetiva dos habitantes com a cidade” (MMBB, 2007).

Especificamente, o projeto - premiado na 3ª Bienal Internacional de Arquitetura de Roterdã - propõe uma “inversão” das obras de controle de enchentes em São Paulo. Atualmente, para regular o sistema hídrico foi construído um conjunto de reservató-rios de retenção das águas pluviais chamados “piscinões”. Seu principal propósito é acumular água retardando o seu lançamento na rede de rios e córregos da cida-de, reduzindo o risco de transbordamento. “Em suma, o ´piscinão´ visa substituir

FII-27: Riachos e pântanos, que atravessam a cidade transver-salmente, regulam o equilíbrio hidrológico ao mesmo tempo em que se inserem como peças dentro do sistema de espaços públicos. Fonte: Alcaldía de Bogotá

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o funcionamento regulador original das várzeas ocupadas e impermeabilizadas da cidade”.

Os arquitetos reconhecem como uma oportunidade ímpar utilizar esses espaços pre-vistos para os “piscinões” para criar uma rede de vazios urbanos que qualifiquem e estruturem as periferias. Para tal são necessárias cinco ações. A primeira é dispo-nibilizar o correto caminho para as águas e o adequado espaço para as casas. Ou seja, realocar as favelas que estão em situação de risco ocupando as várzeas dos rios, recompor as calhas dos córregos para as águas e implantar as residências nos vazios previstos para os “piscinões”. Segundo, melhorar a qualidade das águas, através de um sistema difuso de estações compactas de tratamento de esgoto para cada microbacia, incrementando assim a qualidade e a quantidade de água nos rios. Redefinir as fronteiras que permitam a aproximação da cidade às águas seria a ter-ceira ação. Através da criação de nova acessibilidade, um espaço de abertura da cidade para os rios, que conjugue parques lineares, permita circular, atravessar o rio e integrar o tecido urbano. Reprogramar os vazios e as margens que os conformam aportando-lhes um valor de centralidade é uma ação que envolveria diversidades de usos e qualificaria o entorno estabelecendo uma relação de afetividade com a cida-de. Por último, anotar uma escritura de água na paisagem remete a uma dimensão poética e histórica do território, uma marca líquida na cartografia da metrópole, con-ciliando um novo sistema de espaços livres e os requisitos técnicos para o controle das inundações (MMBB, 2007).

FII-28: Humedal Juan Amarillo, Bogotá. Fonte: Flirck

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A proposta se apoia numa lógica metropolitana imbatível. O problema das enchentes, que compromete tanto bairros periféricos como a produtividade da metrópole –cor-tando vias e caminhos- tem origem em zonas geralmente desatendidas pelo poder público. Os projetos de infraestrutura para o controle das inundações representam uma oportunidade única destas regiões receberem investimento. Conciliar a dimen-são metropolitana destas infraestruturas com seu impacto local é o seu fundamento.

Parque La Aguada, Santiago, Chile8. Outro caso, que surgiu como projeto de pes-quisa da Universidade Católica de Santiago, mas que já vem sendo adotado pelas autoridades locais e está aos poucos se tornando realidade, é o Parque La Aguada. O parque se insere em um projeto mais abrangente, o Plano Mestre Anel Metropoli-tano de Santiago, uma iniciativa do governo chileno emblemática das intervenções

FII-29: Redefinir o próprio paradig-ma do projeto de infraestrutura é a proposta de MMBB. Os piscinões são vistos como oportunidades únicas para criar uma rede de vazios urbanos que possam qualifi-car as periferias paulistanas. Fonte: MMBB Arquitetos

8_Agradeço muito especialmente à arquiteta Juana Zunino, professora da PUC de Santiago e autora do projeto de arquitetura e paisagis-mo, pelas informações e as ima-gens do projeto.

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previstas para a celebração do bicentenário da República9. O anel consiste em uma estratégia de reestruturação do antigo caminho de cintura de Santiago, visando à recuperação dos terrenos abandonados da ferrovia e das indústrias desativadas. Um total de 250 hectares de terras pertencentes a vários proprietários - o governo nacional, algumas municipalidades e a empresa de ferrovia entre outros- serão re-cuperadas de forma integral para qualificar bairros, criar novos espaços públicos e serviços, e melhorar a conectividade e o transporte. Definido como uma fronteira interna, o anel articula as relações entre o centro e os 12 municípios adjacentes, o que o transforma numa iniciativa metropolitana. O projeto pretende incentivar o mer-cado imobiliário, estimulando o crescimento interno e evitando a contínua expansão e ocupação de terrenos agrícolas (Gobierno de Chile, 2003).

O Parque La Aguada completa a borda sul do anel e incorpora o chamado “zanjon de la aguada”, um curso d´ água que –ao contrário do rio Mapocho que tem condensado as representações nobres da cidade- leva o mote de “costanera dos pobres”, e tem

FII-30: O Projeto La Aguada se insere dentro do plano mestre do Anel metropolitano de Santiago, integrando num novo parque recre-ativo as infraestrturas de mobilida-de e de controle das inundações. Fonte: Ministerio de Vivienda y Urbanismo de Chile

9_O recente terremoto que atingiu o Chile com certeza modificará as prioridades do governo. Antes do trágico evento, as primeiras licita-ções do parque estavam prontas para serem lançadas.

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sido historicamente os “fundos” da cidade, aglutinando indústrias, assentamentos informais e lixões. Ainda hoje alberga dois matadouros e a principal penitenciária de Santiago (Allard, 2005).

O projeto almeja se converter em motor de uma transformação urbana para uma das áreas mais pobres da cidade. Um parque longitudinal recuperará 60 hectares de ribeira incorporando programas recreativos, equipamentos cívicos, quadras de esporte e lagunas. O rio será revalorizado, suas margens recuperadas, de forma a melhor manejar as variações do volume das águas e controlar as frequentes inun-dações. O duto, que hoje é insuficiente para evacuar as águas durante as chuvas de inverno, será reaberto permitindo a inundação controlada do parque. Assim, as águas e suas variações sazonais serão integradas ao projeto como valores positivos e não como ameaças. O parque se transformará em dispositivo regulador hidráuli-co, demonstrando que infraestrutura e qualidade urbana não se contrapõem (Perez Oyarzun, 2005).

Cidade fora, cidade dentroComo estes projetos respondem aos desafios do projeto urbano para a metrópole?Em relação à escala, por sua natureza, eles tendem a ser mais abrangentes já que não focalizam áreas pontuais, mas se estendem em sistemas mais amplos e aber-tos. Tendo por base a matriz biofísica superam divisões administrativas e podem alcançar a escala metropolitana e territorial.

Todos eles incorporam saberes e vocabulários de outras disciplinas, do paisagismo, da ecologia, mas também da engenharia. A questão das águas aparece em todos os projetos selecionados como um tema recorrente. Onde originalmente só se encon-travam valores funcionais (vazamento, saneamento) as águas são tratadas como elemento dinâmico que modela o projeto e agrega qualidade urbana. Os parques veem assim suas funções ampliadas em múltiplas dimensões: como espaço público recreativo, como meio para modelar a forma e o caráter do crescimento urbano, como contendor das infraestruturas e como peça que concorre para a integridade ecológica de um sistema maior. Sejam os alagados recuperados, o rio despoluído, a lagoa recriada ou as margens reconstruídas, as intervenções na paisagem estão ligadas a uma transformação nos tecidos urbanos. Essa interdependência entre a matriz biofísica e o espaço construído é dinâmica e incorpora os processos eco-lógicos, mas também os sociais, econômicos e políticos que fazem parte da vida urbana. A paisagem é concebida não como cena estática, mas como um modelo de processos.

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68Sobre o Projeto Urbano

Os maiores desafios permanecem ainda na implementação dos projetos. Em um extremo o exemplo de Bogotá, que talvez seja um caso paradigmático pelo grau de efetividade das intervenções, no outro extremo o caso do lago do México que, por seu alcance, poderíamos catalogar de utópico, o que não significa que ele não pos-sa se desdobrar em intervenções exequíveis e não menos eficazes. É interessante observar que todos tiveram origem no âmbito acadêmico e como projetos de inves-tigação. O envolvimento das universidades como lócus da reflexão sobre o território aparece como uma constante. Os poderes públicos, como no caso de Santiago, são mais tarde envolvidos e acabam se responsabilizando pelo projeto sob a consultoria das instituições acadêmicas. A transferência para o poder público não significa, po-rém, o fim do processo de participação. Outros atores, a população, organizações de base, o setor privado, etc. devem ser incluídos para dar continuidade e legitimidade aos projetos.

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69Projeto urbano na metrópole: a alternativa da paisagem

O termo paisagem e o paisagismo como prática vêm ganhando um lugar cada vez maior, tanto no âmbito profissional das disciplinas que lidam com o espaço como no vocabulário cotidiano em geral. Paradoxalmente, a reaparição da paisagem na esfe-ra cultural coincide com certa dificuldade de compartilhar definições e teorias. Flutu-ando entre posições culturalistas e naturalistas extremas, a paisagem abrange, com toda a sua polissemia, dimensões ecológicas, socioeconômicas, histórico-culturais e estéticas do território que habitamos.

Na prática recente o paisagismo vem ampliando o seu campo de ação. Tradicional-mente ligado ao desenho de jardins –públicos e privados- e visto como “complemen-to” da arquitetura, passa a envolver um universo mais complexo de dimensão urbana e territorial onde as relações entre o espaço “natural” e o “construído” se transformam no fundamento do projeto urbano.

Têm contribuído para esta transformação, por um lado a crescente consciência am-biental das cidades, por outro a constatação do avanço da urbanização sobre o ter-ritório e as novas formas de configuração urbana expandida. Fundamentalmente, um novo entendimento da cidade como parte inseparável da natureza confere nova racionalidade às intervenções urbanas. O desenvolvimento de disciplinas como a ecologia e a ecologia da paisagem trazem novos conceitos e categorias sobre a forma de organização, os fluxos e as dinâmicas existentes entre os elementos da paisagem que são trasladadas para o urbanismo.

03.Projeto Urbano na metrópole: a alternativa da paisagem

Neste capitulo procuramos examinar a abordagem paisagística enquanto uma alternativa na hora de pensar o projeto urbano fora da cidade central consolidada, no território expandido da metrópole con-temporânea. Discutir os fundamentos teóricos e os princípios que asseguram esta hipótese. Entender as condições nas quais esta abordagem surge, determinar as colaborações de outras disciplinas e destilar, através de alguns exemplos, o seu vocabulário projetual.

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70Projeto urbano na metrópole: a alternativa da paisagem

Mas a “paisagem” também aparece como um meio capaz de responder às indetermi-nações, incertezas e mudanças do mundo contemporâneo. Apresenta-se como um modelo de processos, mais que uma realidade física dada ou uma cenografia. Não menos importante, a “paisagem” igualmente serve como lente cultural, como plata-forma a partir da qual descrever e interpretar a cidade contemporânea (Waldheim, 2006).

Urbanismo e paisagismo: sobreposiçõesA aproximação das duas disciplinas –urbanismo e paisagismo- tem provocado muita discussão. Por um lado existe um receio sobre as incumbências e as responsabi-lidades profissionais de cada uma, ao mesmo tempo em que se reconhecem os cruzamentos e a transdisciplinaridade indispensáveis para abordar a complexidade do território urbanizado.

Rosa Barba, arquiteta e paisagista catalã, quem tem colaborado enormemente para o desenvolvimento do paisagismo na Espanha, entende que há sobreposições porque ambas as disciplinas tratam do espaço “entre” as arquiteturas, embora diferenças e pontos em comum devam ser discernidos. Enquanto tradicionalmente se considera o urbanismo como a disciplina cujo material de trabalho é o edilício, o mundo construí-do, para Barba o paisagismo tem como objeto de projeto o entorno onde predominam os fatores ambientais. Outras disciplinas tratam também do entorno natural, como a geografia, a ecologia ou a biologia, porém só o paisagismo incorpora uma ação que é fundamentalmente projetual (Barba, 2006).

Para a autora, o urbanismo tem historicamente partido de uma diferença conceitual entre cidade e campo, que toma a natureza como redentora e assume o comporta-mento dos fatores do meio natural como perenes, curativos, imutáveis e seguros. Contrariamente, para o paisagismo o meio natural se apresenta frágil, escasso e limi-tado. Na conjuntura contemporânea –em que a relação ética e epistemológica entre homem e natureza vem sendo revisada- o paisagismo se coloca como alternativa de intervenção projetiva, dadas as particulares preocupações meio-ambientais que são significativas neste final de século (Barba, 2006). Uma perspectiva mais inovadora é proposta por James Corner e Charles Waldheim, desde a experiência norte-americana, ao sugerir uma prática compartilhada onde arquitetura, paisagismo, desenho urbano e planejamento estariam se aproximando: o landscape-urbanism. Em lugar de pensar os espaços urbanos como paisagens ou de falar de paisagem na cidade, Corner pensa o landscape-urbanism como uma síntese dialética entre as duas disciplinas (Corner, 2006). Waldheim, por sua parte,

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71Projeto urbano na metrópole: a alternativa da paisagem

o define como um realinhamento disciplinar onde a paisagem suplanta a arquitetura como bloco construtivo básico de desenho urbano (Waldheim 2006).

O termo nasceu após uma conferência e exposição em Nova York, em 1997, e tem suscitado desde então vários livros, ganhando também espaço nos cursos das esco-las de arquitetura e urbanismo1, embora seu alcance teórico e prático ainda deva ser comprovado. O neologismo em inglês expande a abrangência da clássica e de algu-ma maneira redutiva landscape architecture para o urbanismo. Não que não tenham sido urbanas as intervenções que, desde o século XIX, têm incorporado “natureza” à cidade. A diferença, segundo os seus defensores, está na concepção da paisagem.

Enquanto Barba e outros autores ainda formulam seus discursos a partir da duali-dade cidade/ natureza, a proposta do landscape-urbanism entende (ou quer enten-der) ambientes culturais, sociais, políticos e econômicos como encaixados dentro e simetricamente com o mundo natural. Segundo Corner, a promessa do landscape-urbanism é o desenvolvimento de uma ecologia espaço-temporal que trate todas as forças e agentes operando no campo urbano, considerando-os como redes contínu-as de inter-relações (Corner, 2006:30).

A abordagem paisagística Americano de origem e adotado pelos europeus, o vocábulo landscape-urbanism não encontra uma boa tradução em português. Urbanismo paisagista, urbanismo da paisagem não parecem refletir nem a força nem a síntese semântica do vocábulo em inglês. Enquanto o landscape-urbanism busca definir o seu próprio lugar entre as disciplinas que modelam o território, para o caso desta tese abordagem paisagística parece expressar com mais rigor a intenção de explorar algumas ideias sem cair em modismos nem em linguagens sedutoras.

Entendemos como abordagem paisagística uma aproximação à construção da cida-de-território que envolve uma reflexão tanto sobre os tecidos construídos como sobre a matriz de suporte. Refere-se a uma aproximação ao projeto urbano na qual a lógica projetual deriva da imbricação complexa entre sistemas naturais e processos de urbanização. As implicações sociais e culturais próprias à noção de paisagem diferenciam esta abor-dagem de outras simplesmente ambientais ou ecológicas.

Paisagem e cidade contemporâneaPartimos da hipótese que na abordagem paisagística podemos encontrar os elemen-tos para lidar com a condição e a escala da urbanização contemporânea.

1_Entre as publicações podemos destacar: The landscape-urbanism reader, editado por Charles Wal-dheim; Landscape Urbanism: A Manual for the Machinic Landscape de Mohsen Mostafavi e Ciro Najle.

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Atribuem-se a abordagem paisagística, múltiplas competências. Ela é capaz de dar conta da escala da urbanização contemporânea bem como de melhor prover os ins-trumentos para se haver com a condição horizontal e aberta –o predomínio do vazio. Para alguns autores, sob a ótica da paisagem atende-se melhor a velocidade dos câmbios, uma vez que ela é vista como uma forma mais flexível de ação. Para outros, é a que melhor resiste aos efeitos homogeneizantes da globalização e, por último, que tem a capacidade de agenciamento.

Ariella Masboungi, quem tem dedicado seu trabalho ao estudo da prática do projeto urbano na França, reconhece limitações no desenho urbano tradicional para tratar a escala das extensas periferias urbanas. As ferramentas conceituais que tem se experimentado até agora em escalas pequenas, devem ser revisadas à luz da ex-tensão e dimensão do fenômeno urbano. Apoiando-se na história e na geografia do sítio, e interpretando os traços existentes, o paisagismo poderia fornecer, segundo Masboungi, a renovação necessária dos princípios operacionais e instrumentais do projeto (Masboungi, 2002).

Certamente, a condição horizontal da cidade contemporânea tem despertado a aten-ção de urbanistas e paisagistas. Não é casual, que esta abordagem tenha surgido –pelo menos em seus princípios teóricos- no contexto norte-americano, distingui-do fortemente pela expansão suburbana. Charles Waldheim descreve o ambiente aonde moram a maioria dos americanos como crescentemente de baixa densidade, acomodado à cultura do automóvel e com extensos domínios públicos de vegetação. A paisagem seria, segundo Waldheim, um meio versátil para dar forma urbana a este campo horizontal de urbanização, caracterizado por ambientes naturais complexos, sítios pós-industriais e infraestruturas públicas. O autor critica a inabilidade do dese-nho urbano de dar “explicações convincentes” da cidade contemporânea. Citando seu colega Stan Allen, descreve o paisagismo como modelo para o urbanismo.

Increasingly, landscape is emerging as a model for urbanism.

Landscape has traditionally been defined as the art of organizing

horizontal surfaces… By paying close attention to these surface

conditions –not only configuration but also materiality and perfor-

mance- designers can activate space and produce urban effects

without the weighty apparatus of traditional space making (Allen,

apud Waldheim 2006:037)2.

Mas a dispersão não é hoje apenas um fenômeno norte-americano. O italiano Rena-to Bocchi ressalta o desvanecimento das certezas ditadas pela morfologia urbana, frente à explosão dos fenômenos de difusão do construído sobre o território e ao con-

2_Cada vez mais, a paisagem está emergindo como um modelo para o urbanismo. A paisagem foi definida tradicionalmente como a arte de organizar superfícies horizontais… Prestando muita atenção a estas condições da superfície - não somente à configuração, mas igualmente à materialidade e o desempenho- os projetistas podem ativar o espaço e produzir efeitos urbanos sem o instrumento pesado da factura tradicional do espaço. (Tradução do autor)

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sequente definitivo dissolver-se da oposição entre cidade e campo (Bocchi, 2005). Para Bocchi, a paisagem mais que um modelo para o urbanismo se apresenta como um novo plano de referência, a única estrutura formal com a qual a arquitetura da metrópole contemporânea pode confrontar-se e sobre a qual radicar-se. A alternativa para encontrar uma estrutura de fundação e sustentação do projeto se encontra na geografia e no que, mais timidamente, Bocchi define como paisagem:

...el sustrato de referencia para la nueva “forma urbana” no sea

más la constitución formal de los tejidos urbanos (morfología urba-

na) sino mucho más la constitución formal de un sistema territorial

más vasto que llamamos con alguna aproximación “paisaje”, un

sistema territorial en el cual el dominio de los grandes espacios

vacíos (no construidos) es igualmente y más importante del domi-

nio de la ciudad construida.2

Bocchi defende a ideia que nos novos territórios, projeto urbano e projeto de paisa-gem se confundem integrando arquitetura e projeto do solo (do vazio) num verda-deiro projeto urbano: o projeto do sistema de relações constitutivas da nova ordem territorial, as novas “geometrias da paisagem”.

De forma similar, Sebastian Marot encontra na geografia e na paisagem importantes referentes para o projeto no contexto de crescente suburbanização. Paisagem neste caso está fortemente ligada à ideia de lugar. A relevância das qualidades próprias do sítio como determinantes do projeto, são fortemente defendidas por ele, a ponto de propor –num jogo semântico- uma subversão do urbanismo, uma mudança radical na qual o lugar se converte na matriz do projeto. Marot assinala que o grande desafio do urbanismo no futuro será não mais eleger a locação onde vai ser construída uma cidade, mas como atuar em áreas que vão ser afetadas pela mutação suburbana, e quais projetos deveremos empreender para abordá-las.

Entre las dos grandes cuestiones que determinan cualquier proyec-

to, a saber, el programa y el emplazamiento, esta situación implica

un cambio profundo de perspectiva. Apela a la emergencia de

una disciplina en la cual la jerarquía del programa frente al lugar,

tradicionalmente instaurada por el urbanismo (a partir de la lógica

del encargo dominante de la arquitectura) se invertiría, de moque

que el lugar se convierta en la idea reguladora del proyecto. A este

camino alternativo, y sus consecuentes determinaciones especí-

ficas que se perfilan de modo especialmente claro en la llamada

arquitectura del paisaje, proponemos denominarlo sub-urbanismo

(Marot, 2006 p.9)3.

2_...o substrato de referência para a nova “forma urbana” não é mais a constituição formal dos tecidos urbanos, mas a constituição formal de um sistema territorial mais amplo que chamamos com alguma aproximação “paisagem”, um sis-tema territorial no qual o domínio dos grandes espaços vazios (não construídos) é igualmente e até mais importante que o domínio da cidade construída. Renato Bocchi em palestra ministrada no curso de pós-graduação “Ciudad Paisaje y Medioambiente”, Universidad Nacional de La Plata, Argentina, Setembro 2005. (Tradução do autor).

3_Entre as duas, grandes questões que determinam qualquer projeto, a saber, o programa e o lugar, esta situação implica um câmbio profundo de perspectiva. Apela à emergência de uma disciplina na qual a hierarquia do programa frente ao lugar, tradicionalmente instaurada pelo urbanismo (a partir da lógica do encargo dominante da arquitetura) inverter-se-ia, de modo que o lugar se converteria na idéia reguladora do projeto. A este cami-nho alternativo, e suas conseqüen-tes determinações específicas que se perfilam de modo especialmente claro na chamada arquitetura da paisagem, propomos denominá-lo suburbanismo. (Tradução do autor)

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O crítico francês reconhece que o paisagismo como disciplina teve historicamente o subúrbio como lugar de experimentação –“a pátria histórica da arquitetura da paisa-gem, o lugar desde o qual esta disciplina tem contemplado o mundo e afrontado sua transformação”- e, por esse motivo, as reflexões teóricas e instrumentais produzidas no campo do paisagismo poderiam compreender melhor as novas configurações do que o urbanismo, que permanece vinculado à ideia de cidade centro.

O neologismo suburbanismo aponta para um terceiro estado do território que o autor identifica entre a cidade e o campo e que, segundo Marot, será o âmbito mais impor-tante onde os profissionais desenvolverem seu trabalho. Fundamentalmente, o con-ceito de suburbanismo aponta para o substrato das práticas do planejamento, pois apresenta o sítio, o assentamento ou a paisagem como as grandes infraestruturas cujo sentido perpassa todo o projeto4.

Para outros autores, este retorno ao lugar e às qualidades do sítio teria seus funda-mentos nas preocupações contemporâneas com a perda de identidade ocasionada pela globalização. A ideia que o substrato de suporte do projeto, o lugar, contém uma história, uma memória e um “espírito” que o projeto não só deve revelar como interpretar, já tem sido explorada pela fenomenologia. O conceito de genius loci5, desenvolvido por Norberg Schulz nos anos 80, encontra ecos contemporâneos nas tentativas de outorgar à paisagem a capacidade de se opor às tendências homoge-neizantes dos processos de globalização. A internacionalização dos mercados e das forças de produção do espaço estariam gerando paisagens “genéricas”, indiferentes às particularidades físicas e culturais próprias de cada lugar. Depois das formulações teóricas para uma arquitetura regional crítica, Keneth Frampton assinala o poder da paisagem como único instrumento passível de oferecer resistência ao implacável “aplanamento de lugares e culturas” (Shannon, 2004).

The dystopia of the megalopolis is already an irreversible historical

fact: it has long since installed a new way of life, not to say a new

nature… I would submit that instead we need to conceive of a re-

medial landscape that is capable of playing a critical and compen-

satory role in relation to the ongoing, destructive commmodification

of our man-made world (Frampton apud Shannon, 2004)6.

Confere-se assim à paisagem a capacidade de equilibrar as tendências negativas dos efeitos globais. Kelly Shannon, ao estudar as possibilidades de tal abordagem fora do contexto ocidental7, defende que estratégias projetuais que reforcem e ga-rantam a diversidade e qualidade da paisagem existente, atuam como ativas ferra-

4_Quatro são as pistas que orien-tam o suburbanismo proposto por Marot e que poderiam ser interpretadas como uma orientação metodológica. A primeira é a me-mória ou anamnese das qualidades do lugar; a segunda, a visão do lugar e do projeto como processos, mais que como produtos; a leitura em espessura e não somente em planta e, finalmente, o pensamento relativo: uma concepção do lugar ou de projeto como campo de relações mais que como disposição de objetos (Marot, 2006).

5_Norberg-Schulz, Christian, Genius loci: Towards a phenome-nology of architecture, Rizzoli, New York, 1980.

6_A distopia da megalópole é um fato histórico irreversível: tem já por muito tempo instalado uma maneira de vida nova, por não dizer uma natureza nova… Eu submeter-me-ia que preferivelmente nós preci-samos conceber uma paisagem corretiva que fosse capaz de jogar um papel crítico e compensatório com relação à mercantilização des-trutiva em curso de nosso mundo sintético. (Tradução do autor)

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mentas operativas para resistir às forças homogeneizantes dos processos urbanos contemporâneos (Shannon, 2004).

Na introdução do livro “Recovering Landscape”, James Corner (1999) outorga à pai-sagem um papel ativo e crítico na construção cultural. Corner quer afastar a noção de paisagem de imagens pastoris ou puramente de preservação, colocando-a como agente produtor de cultura.

The emphasis shifts from landscape as product of culture to lan-

dscape as an agent producing and enriching culture. Landscape

as noun (as object or scene) is quieted in order to emphasize

landscape as verb as process or activity. Here it is less the formal

characteristics of landscape that are described than it is the forma-

tive effects of landscape in time. The focus is upon the agency of

landscape rather than its simple appearance (Corner, 1999:4)8.

Como arquiteto paisagista, Corner está mais interessado no que a paisagem pode fazer do que no que ela pode ser ou representar. O foco está nos efeitos, nos pro-cessos que pode suscitar, na sua instrumentalidade estratégica. Nesse sentido, pro-jeto de paisagem e projeto urbano assemelham-se, já que são pensados para poder conduzir os processos de formação da cidade.

A natureza da cidadeOs debates sobre a convergência entre urbanismo e paisagismo não podem nos iludir sobre a difícil tarefa de discutir a relação cidade / natureza. Os discursos muito raramente escapam aos pares dicotômicos. Falamos da oposição natureza versus cultura, natureza versus artifício, natureza versus cidade. Porém, inevitavelmente, enquanto ideia a natureza –tanto como a cidade- não é nem universal, nem a-histó-rica, senão que, como assinala Corboz, a natureza é aquela que cada cultura define como tal (Corboz, 2001). Como o nosso interesse concentra-se no urbanismo como prática não pretendemos analisar em profundidade cada conceito, mas entender me-lhor como tem se expressado esta correspondência.

Três posturas podem ser observadas na relação histórica do par cidade-natureza. Uma primeira que podemos nomear como de redenção, onde a natureza é vista como fonte de tudo o que é bom e virtuoso contra a cidade que, por sua vez, é a culpada da sua destruição. A natureza encorpada em um idealismo platônico é capaz de nos salvar da alienação da cidade, podendo ser o paliativo para as doenças cau-sadas pela vida urbana. Reconhece-se esta corrente tanto nas reformas higienistas como reação aos efeitos da cidade industrial do século XIX e nos modelos de cida-

7_Analisa, descreve e oferece leituras alternativas para três ci-dades no Vietnam, com o objetivo de ampliar e testar os conceitos do urbanismo-paisagista, até então restritos ao mundo ocidental. A pesquisa revela as tensões exis-tentes entre uma milenar tradição de relação com a terra -através das paisagens produtivas arraigadas no território- com as expectativas de mudança trazidas pelo rápido desenvolvimento de novos modelos econômicos. Ver “Rethorics and realities, adressing landscape urbanism. Three cities in Vietnam”. Unpublished thesis, KULeuven, 2004.

8_A ênfase desloca se da paisa-gem como produto da cultura para paisagem como agente produzindo e enriquecendo à cultura. Paisa-gem enquanto substantivo (como objeto ou cena) é abandonado a fim de enfatizar paisagem como verbo, como processo ou atividade. Aqui são menos as características formais da paisagem que são des-critas do que são os efeitos per-formativos da paisagem no tempo. O foco é na agência de paisagem em vez de sua simples aparência. (Tradução do autor)

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de jardim, como em alguns discursos dos ecologistas radicais contemporâneos. Em ambos os casos natureza e cidade se mantêm como antagônicas, uma redentora da outra. Esta concepção da natureza produziu (e continua produzindo) reações antiur-banas, alimentando a falsa ideia que uma vida “em contato com a natureza” poderia trazer benefícios tanto morais como ecológicos, quando a realidade só tem colabo-rado para a expansão nada sustentável da moradia suburbana. David Harvey, um grande crítico desta visão da ecologia, aponta os perigos na romantização da volta a um tipo de “comunitarismo ruralizado” como modelo ideal de organização social:

This predominant anti-urbanism is as odd as it is pernicious. It is

almost as if a fetishistic conception of “nature” as something to be

valued and worshipped separate from human action blinds a whole

political movement to the qualities of the actual living environments

in which the majority of humanity will soon live. It is, in any case, in-

consistent to hold that everything in the world relates to everything

else, as ecologists tend to do, and then decide that the built envi-

ronment and the urban structures that go with it are somehow out-

side of both theoretical and practical consideration. The effect has

been to evade integrating understandings of the urbanizing process

into environmental-ecological analysis (Harvey, 2000:38)9.

Estas linhas de pensamento estão impregnadas tanto da teoria do desígnio divino (tudo o que Deus fez é perfeito) quanto da concepção idealista do funcionamento da natureza fundada nas teorias clementsianas10 (Terradas, 2003). Tais teorias têm alimentado a ideia de que o laissez faire da natureza levaria ao clímax dos ecossis-temas, e qualquer mudança deste cenário é considerada uma degradação, razão do incentivo a um preservacionismo extremo.

Podemos chamar a segunda postura na concepção da relação cidade/ natureza como de controle e dissociação. Nesta acepção, o homem, através da razão e do desenvolvimento tecnológico, é capaz de domesticar a natureza bem como de impor-lhe uma nova ordem. A natureza é entendida como fonte de recursos que o homem pode usufruir, não tendo outro valor que aquele medido pela sua utilidade de con-sumo, seja econômico, social ou estético. Esta visão caracteriza-se por certa igno-rância dos valores ecológicos próprios dos sistemas naturais e dos processos que os atravessam. Se pudermos chamar a postura anterior de naturalista radical, esta seria o seu oposto, culturalista. O antagonismo entre cidade e natureza se mantém, só muda a figura dominante. A “tabula rasa” talvez seja o paradigma modernista que melhor exemplifique esta relação na cidade. Mesmo que tenha permanecido mais como estereótipo do urbanismo CIAM do que como real “modus operandus”, a ideia

9_Este anti-urbanismo predominan-te é tão estranho como pernicioso. É quase como se uma concepção feiticista da “natureza” como algo a ser avaliado e adorado separado da ação humana cega todo um movimento político das qualidades reais dos ambientes nos quais a maioria da humanidade viverá logo. É, em todo caso, inconsistente sus-tentar que tudo no mundo se rela-ciona com tudo, como os ecólogos tendem a fazer, e então decidir que o ambiente construído e as estrutu-ras urbanas que vão com ele estão de algum modo fora de ambas as considerações teórica e prática. O efeito tem sido iludir compreensões integrais do processo de urbaniza-ção na análise ambiental-ecológica. (Tradução do autor)

10_Clements, ecólogo do princípio do século XX, defendia a ideia da comunidade vegetal como um superorganismo e a dinâmica da vegetação como um processo auto-organizativo, determinista, direcio-nal comparável ao crescimento de um organismo e conducente a um estado final, o clímax.

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da tabula rasa pressupõe uma desatenção às particularidades do sítio. A estrutura da cidade –o projeto- emerge assim dissociada dos valores fisicoambientais do lugar onde ela é inserida (Farah, 2006). No conjunto de arranha-céus isolados e dispersos, a natureza aparece como um grande parque que funciona como plano de fundo, um contínuo verde indiferenciado e passivo. A paisagem já não cumpre mais o seu papel histórico como extensão, como matriz para a arquitetura, mas serve simplesmente como buffer vegetal entre edificações (Treib, 1999).

Paralelamente, esta mesma ignorância dos valores ambientais -mas também históri-cos- próprios de cada lugar, aliada à desmedida confiança na capacidade tecnológica têm levado a um consumo excessivo dos recursos naturais. Os efeitos da expansão depredadora que acompanharam o capitalismo levaram a revisões críticas neste final do século com consequências para a cidade, como veremos mais adiante.

A terceira e última postura é a sistêmica. Natureza e cidade já não mais se veem como opostas -nem complementares-, mas integradas num mesmo e único sistema. Nem uma nem outra aparecem como dominantes, existindo uma constante negocia-ção, uma imbricação que marca uma unidade indissolúvel. Na contemporaneidade o oxímoro cidade-natureza é superado, a cidade é compreendida como inseparável dos processos naturais que governam a vida sobre a terra: a cidade faz parte da natureza (Hough, 1990). Como assinala Anne Spirn:

The city is a granite garden, composed of many smaller gardens,

set in a garden world. Nature in the city is the consequence of a

complex interaction between the multiple purposes and activities

of human beings and other living creatures and of the natural

processes that govern the transfer of energy, the movement of air,

the erosion of the earth and the hydrologic cycle. The city is part of

nature (Spirn, 1984:4)11.

A visão sistêmica rompe com antigas percepções dicotômicas que pensam a cidade separada da natureza, apontando para um sistema integrado que envolve processos, é dinâmico e está em constante mutação. Neste contexto, outras disciplinas, como a ecologia e a ecologia da paisagem se vinculam ao urbanismo.

The lesson of ecology and landscape for urbanism is that we might

no longer simply see nature as something outside and remote

–fullness in the city, emptiness outside in nature- but now more as

an integrative system that is essentially soft and pliant adapting

in time. A soft system –whether wetland, city or economy- has the

11_A cidade é um jardim de granito, composto de muitos jardins meno-res, num mundo jardim. A natureza na cidade é a conseqüência de uma interação complexa entre as finalidades e as atividades múlti-plas de seres humanos e de outras criaturas vivas e dos processos naturais que governam a transfe-rência de energia, o movimento do ar, a erosão da terra e o ciclo hidrológico. A cidade é parte da natureza. (Tradução do autor)

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capacity to absorb, transform and exchange information with its

surroundings (Corner, 2003:116)12.

A questão ambientalSão várias as mudanças e os fatores que ajudam a vislumbrar a possível aproxima-ção do paisagismo ao urbanismo. A urgência da questão ambiental é um deles.

Sem dúvida, desde o final do século XX temos evidenciado uma crescente consciên-cia mundial sobre os efeitos da atividade humana sobre o planeta. A partir dos anos 70, encontros e seminários internacionais vêm alertando sobre o rápido consumo dos recursos naturais e as graves consequências futuras, considerando o modelo de desenvolvimento vigente. Uma nova ordem de preocupações ambientais: esquenta-mento global, desflorestamento, extinção de espécies, resíduos tóxicos, etc. têm cha-mado a atenção não só dos cientistas como do público em geral. Mudanças drásticas e uma revisão dos estilos de vida tornam-se imperativos para um desenvolvimento menos destrutivo e a garantia da sobrevivência das gerações futuras.

O relatório Our common future da Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvol-vimento das Nações Unidas - conhecido também como The Brundtland Report- esta-beleceu, em 1987, as bases para colocar definitivamente na agenda política as preo-cupações ambientais dando forma ao conceito de desenvolvimento sustentável13. Mais ainda, o relatório destacava a necessidade de uma ação coordenada global, já que a interconexão e a interdependência entre as nações seriam inegáveis. Assen-tou as bases para a criação da Comission for Sustainable Development das Nações Unidas e a adoção de um modelo de ações a nível internacional, nacional e local denominado Agenda 21.

Desde então, ainda que com muitas ambiguidades, o conceito de desenvolvimento sustentável tem atravessado todas as esferas da vida humana, e até parece encon-trar consenso entre ideias e posições preconizadas. O resgate do planeta aparece como um novo paradigma que elimina antigas dicotomias políticas e adquire um novo consenso mundial (Anderson, 2008).

Para medir a capacidade dos ecossistemas da terra para abastecer nossa deman-da atual Mathis Wackernagel14 desenvolveu uma ferramenta denominada pegada ecológica ou ecological footprint. Este indicador mede a quantidade de terra e mar biologicamente produtivos necessários para regenerar os recursos que uma popu-lação humana consome e para absorver e tornar inofensivo o lixo correspondente. Utilizando esta avaliação é possível estimar quanto do planeta terra (e quantos pla-

12_A lição da ecologia e a paisa-gem para o urbanismo é que não devemos já mais olhar a natureza simplesmente como algo fora e re-moto –cheio na cidade, vazio fora, na natureza- mais como um siste-ma integrador que é essencialmen-te macio e flexível, se adaptando no tempo. Um sistema macio -seja brejo, cidade ou economia- tem a capacidade de absorver, transfor-mar e intercambiar informação com o entorno. (Tradução do autor)

13_ “desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a habilidade de gerações futuras para satisfazer as próprias necessidades delas”.

14_Wackernagel et al. 2006. The Ecological Footprint of Cities and Regions; Comparing resource availability with resource demand. Environment and Urbanization 18(1): 103–112.

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netas terra) são precisos para atender a humanidade se todos vivem um determinado estilo de vida. Segundo a Global Footprint Network, desde meados dos anos 80, a humanidade está em ecological overshoot com uma demanda anual em recursos que excede o que a Terra pode regenerar cada ano. Leva hoje um ano e quatro me-ses para reconstituir o que usamos em um ano15.

Claro que este consumo não é homogêneo. Este e outros estudos, como as análises sobre as causas do aquecimento global, vêm invertendo a geografia mundial que até pouco tempo classificava os países segundo o seu grau de desenvolvimento. Re-centemente, a ordem de países mais ricos entrou na lista de países ecologicamente devedores, já que eles dependem do crédito ambiental dos países mais pobres para equilibrar a sua demanda de consumo. A mesma análise pode ser trasladada à escala local urbana ou metropolitana para se entender o alcance do custo ambiental de uma cidade no seu entorno imediato. Se-gundo Hough (1994), a sustentabilidade no contexto urbano implica que os produtos e os sistemas de energia da vida urbana devem ser transferidos ao meio ambiente como benefícios mais que como perdas custosas. Os trabalhos feitos pelo homem deveriam ser desenhados para produzir ganhos líquidos em qualidade ambiental e em qualidade de vida em geral. Circunscrever a sustentabilidade a questões quan-titativas e de metabolismo energético tem sido fortemente criticado. A redução da durabilidade da cidade à sua dimensão estritamente material tende a descaracterizar a dimensão política do espaço urbano, desconsiderando a complexidade da trama social responsável tanto pela reprodução como pela inovação na temporalidade his-tórica das cidades (Acselrad, 2001).

Só recentemente as cidades foram incluídas na agenda ambiental. Alcerad admite que existe uma “ambientalização” do debate sobre políticas urbanas, ao mesmo tem-po em que há também uma maior presença de questões urbanas no debate ambien-tal. As cidades exercem um papel capital na busca do desenvolvimento sustentável, já que muitos dos problemas identificados no contexto global têm suas origens nas cidades, nas quais se concentram a utilização dos recursos e a produção de bens. Assim, o planejamento e gestão das cidades e as políticas públicas têm incorporado a dimensão ambiental em temas como economia de energia, tratamento de resíduos, destino das águas pluviais, saneamento, transporte e até mesmo na forma urbana. Cidades sustentáveis, desenho urbano sustentável, são neologismos que o demons-tram16.

15_http://www.footprintnetwork.org, acesso em Agosto 2009.

16_Não é objetivo deste trabalho discutir em profundidade os des-dobramentos do desenvolvimento sustentável para a cidade e o urba-nismo. Para uma discussão mais profunda ver a tese de Roberto Anderson Magalhães, “A constitui-ção de políticas públicas de desen-volvimento urbano sustentável”.

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Urbanismo e ecologiaOs esforços para vincular a ecologia –parte da biologia que estuda a composição e o funcionamento dos ecossistemas- com o urbanismo não são novos: desde os anos 60 um grande número de pesquisas acadêmicas e trabalhos aplicados têm se dedicado a esta junção.

Um trabalho considerado pioneiro é o de Ian McHarg. O já clássico livro “Design with Nature” (1969) foi dos primeiros a defender a ideia que a ecologia deve estar no fundamento das artes que projetam o ambiente. A proposta de McHarg implica uma crítica ao planejamento que, nesse momento, era considerado exclusivamen-te um processo socioeconômico. Adiantando questões que anos mais tarde seriam reconhecidas como fundamentais, tentou aproximar as ciências biológicas, físicas e de ordenação do território. Para isto desenvolveu um método que consistia em apreender os processos que configuram as paisagens, utilizando-os como alicerces para o projeto. Para tal fim, o território era decomposto em camadas (layer-cake) segundo um critério cronológico: começando por sua formação geológica; estudando depois as condições meteorológicas, o que permitia uma reinterpretação das condi-ções hidrológicas subterrâneas assim como da descrição física de sua geografia; em seguida a hidrologia da superfície, a vegetação e a vida animal, para culminar com o uso do solo. Esta representação em camadas facilitava uma explicação provisional da área de estudo de maneira a compreender as dependências entre cada um dos níveis de camadas, cada uma incrementando a explicação; tudo isso dava como resultado o modelo descritivo biofísico. Este modelo permitia determinar as áreas mais adequadas para um determinado uso e as mais desaconselháveis (McHarg, [1969] 2000).

O trabalho de McHarg tem sido criticado, porém, por um certo determinismo ecológi-co e uma inegável nostalgia de uma paisagem pré-industrial. Seguidores de McHar-gh, os também paisagistas Ann Spirn e Michael Hough têm continuado seu legado e introduzido novas colaborações. Especialmente Hough, na última edição de seu livro Cities and natural process (1995) incorpora uma dimensão social que os trabalhos anteriores desconsideravam. Chama a atenção para a cidade, sustentando que é na cidade que se encontram as raízes dos problemas urbanos e regionais e onde devem ser buscadas as soluções. A proposta é trabalhar não com a ideia de ambien-tes utópicos onde uma relação ideal com a natureza seja restaurada, mas com os ambientes existentes, nos quais jazem as oportunidades e onde os esforços devem se concentrar.

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O autor canadense elabora uma série de princípios de desenho que constituem a base teórica para uma integração entre urbanismo e ecologia:

- entender que a cidade como os ambientes naturais são o resultado de processos, portanto contém uma temporalidade e um grau de imprevisibilidade com os quais devemos trabalhar; - alcançar máximos benefícios ambientais, econômicos e sociais com um mínimo de recursos de energia;- a diversidade tanto social como biológica enriquece os ambientes urbanos;- perceber a conectividade entre o lugar e seu contexto, a biorregião onde é inserido, ao mesmo tempo em que a compreensão da biorregião começa nos lugares locais; - entender que as inter-relações entre a vida humana e a não humana devem acon-tecer no ambiente cotidiano onde moramos;- o desafio do projeto é pensar não só como diminuir o impacto do desenvolvimento, mas como ele pode melhor contribuir para o meio ambiente que modifica;- tornar visíveis os processos é um componente essencial da consciência ambiental e uma base indispensável para a ação.

De especial interesse para as regiões, e seguindo a tradição iniciada por Geddes, Hough estuda a interdependência entre paisagem e forma construída e como, através desta compreensão, podemos conceber a natureza como infraestrutura: o grande elemento estruturador capaz de orientar a forma e o caráter do crescimento urbano. Valorizando, vinculando e reorganizando vales de rios, florestas, alagados e sistemas de parques naturais, a proposta é formar uma infraestrutura verde, uma armação que suporte e dê sentido de identidade ao tecido urbano, ao mesmo tempo em que contém o seu crescimento.

Mais recentemente, e paralelo ao desenvolvimento da fotografia aérea, um ramo da ecologia tem aportado novos princípios à compreensão da estrutura, função e dinâmica da paisagem, princípios que são aplicáveis ao desenho urbano e ao pla-nejamento. Para este ramo da ecologia a paisagem se define como um mosaico de unidades com uma determinada ordenação espacial, uma pauta que pode ser atri-buída a causas físicas ou culturais e com frequência a ambas. Há sempre, dentro do mosaico, processos básicos de transferência de matéria e energia em escala local, regional ou global que dão suporte à vida (Terradas, 2003). A ecologia da paisagem estuda a ecologia destes mosaicos – áreas homogêneas da paisagem- sem diferen-ciar áreas naturais das que são fruto de atividade humana. Tecido suburbano, áreas de agricultura, deserto, floresta, todos são compreendidos como sistemas viventes

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onde os princípios da ecologia da paisagem podem ser aplicados (Dramstad, Olson e Forman, 1996). Três características descrevem uma paisagem:

- Estrutura: o padrão espacial, o arranjo dos elementos da paisagem.- Função: os movimentos e fluxos de animais, plantas, água, vento, materiais e ener-gia através da estrutura.- Câmbio: a dinâmica ou alteração no padrão espacial e na função no tempo.

Uma paisagem em sistema é definida por fragmentos (patches), fronteiras, corredo-res e matrizes.

Fragmentos ou patches são entendidos como peças do mosaico que têm carac-terísticas homogêneas e apresentam certo grau de isolamento. Podem variar em tamanho, localização e quantidade. Quatro origens são reconhecidas: remanescente (áreas que remanesceram de áreas mais extensas, como florestas num campo de agricultura), introdução (um novo desenvolvimento de moradia numa área de agricul-tura ou uma pequena pastagem numa floresta), distúrbio (uma área queimada numa floresta ou um ponto devastado por uma tormenta) e recursos ambientais (alagados numa cidade ou oásis no deserto).

Fronteiras ou edges são definidas como a porção externa do fragmento onde o ambiente difere significativamente do interior. Sendo a borda reta ou curvilínea in-fluencia o fluxo de nutrientes, água ou espécies ao longo ou através do fragmento. As fronteiras também podem ser artificiais ou administrativas; coincidentes ou não com as ecológicas, elas devem ser consideradas.

Corredores proveem conectividade. Vários processos dinâmicos causam isola-mento e perda de biodiversidade. Os processos-chave que explicam este fenômeno incluem: fragmentação (quebradura de grandes habitats em pequenos fragmentos dispersos), dissecção (divisão de um habitat em dois, separados por um corredor), perfuração (criação de buracos em um habitat intacto), encolhida (diminuição em ta-manho de um ou vários habitats) e atrito (desaparição de um ou mais habitats). Face à perda e isolamento dos habitats, os corredores podem contribuir para melhorar a conectividade ligando fragmentos de habitats. Corredores também podem atuar como barreiras ou filtros para o movimento de espécies, como rodovias, ferrovias, linhas de tensão, etc. De excepcional importância, como corredores ecológicos, são os rios e cursos de água.

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A matriz representa o ecossistema de base ou padrão de uso do solo. É determinada por seu recobrimento extensivo, sua elevada conectividade e sua estabilidade fun-cional, na qual se encontram os fragmentos e corredores. A integridade estrutural e funcional da paisagem pode ser avaliada em termos de padrão e escala. Corredores se interconectam, formam redes e encerram outros elementos da paisagem. Por sua vez, as redes têm vários níveis de conectividade, diferentes circuitos e tamanhos de malha. O padrão comum é a fragmentação, que é considerado um dos processos de transformação da terra que produz diminuição e isolamento do habitat. A escala espacial na qual a fragmentação ocorre é importante para identificar estratégias para lidar com a contínua perda de habitat (Dramstad, Olson e Forman, 1996).

No manual desenvolvido por Forman, junto com Dramstd e Olson, uma série sim-ples de diagramas e textos explicam os princípios da ecologia urbana e como eles podem ser aplicados em diferentes escalas; seja a macroescala ou escala regional, a mesoescala ou escala paisagística e a microescala ou escala local-urbanística. A multiescalaridade do enfoque paisagístico é o que revela a sua pertinência.

Cada escala, porém, permite observar coisas diferentes e tem associado um tipo de fenômeno que se torna incompreensível quando contemplado demasiado de perto ou demasiado de longe (Folch, 2003). Poder percorrer várias escalas permite relacio-nar uma intervenção pontual com seu contexto regional e vice-versa, corroborando assim a legitimidade das ações e decisões. Essa vocação da paisagem, a habilidade de mudar de escala, de localizar tecidos urbanos na sua escala regional e contexto biótico, e de desenhar relações entre processos ambientais dinâmicos e forma urba-na (Corner, 2006) são as suas qualidades mais relevantes.

Fragmentos. A) Um fragmento ecologicamente ótimo provê várias vantagens ecológicas e geralmente tem uma forma de “nave espacial”, com um core arredondado para pro-teger os recursos e uns dedos para a dispersão das espécies. B) Um fragmento orientado com seu eixo principal de forma paralela à rota de dispersão dos indivíduos terá menos possibilidades de ser recolonizado que um com seu eixo vertical. Fonte: Dramstad, Olson e Forman (1996)

FIII-1: Alguns princípios da Eco-logia da Paisagem. Fronteiras. A) Fronteiras vegetais com diversi-dade estrutural são mais ricas em espécies animais. B) a largura da fronteira de um fragmento difere segundo a direção dos ventos. C) Quando a fronteira administrativa ou política de uma área protegida não coincide com a borda ecoló-gica natural, se distingue e pode atuar como buffer atenuando o efeito do entorno no interior da área protegida.

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A questão operacional. Quatro categorias para a abordagem paisagísticaÉ reconhecido como fundamental – frente ao grau, velocidade e caráter das mudan-ças que se evidenciam- procurar a renovação das ferramentas e princípios projetu-ais. Como analisado anteriormente, diversos autores coincidem ao assinalar que é na abordagem paisagística que podemos encontrar as capacidades para lidar com a escala e a condição –aberta, espalhada, fragmentada- da urbanização contempo-rânea.

Com base nas discussões teóricas até aqui apresentadas, a intenção é elaborar um quadro propositivo. As categorias operacionais delineadas podem ser vistas como ferramentas, mas também como o vocabulário com o qual decifrar a complexida-de do território urbanizado. A intenção é descobrir possibilidades de projeto e como explorá-las, como e o que olhar. Elas não se pretendem exaustivas, mas pavimentar um caminho, um set básico de princípios sobre os quais trabalhar. Camadas, Vazios, Fronteiras e Processos são as quatro instâncias propostas para uma abordagem paisagística da cidade contemporânea. Para cada uma delas, alguns projetos são examinados para a melhor compreensão da operacionalidade de cada conceito.

Camadas: revelar o lugarOu como desconstruir a complexidade do território urbanizadoA natureza e o homem vêm depositando, ao longo do tempo, camada sobre camada, os materiais e as ações que deram forma ao território. Todo exercício de projeto pressupõe uma indagação e exploração que permitam revelar o sentido do lugar. A posição do arquiteto tem sido comparada a de um arqueólogo quando o território é concebido como o resultado de uma longa e lenta estratificação. Para uma inter-venção inteligente, Andre Corboz postula o conhecimento do significado de cada acidente, de cada camada. Para ele o território não pode ser entendido como um campo operatório quase abstrato: um lugar não é um dado, mas consequência de uma condensação (Corboz, 2001).

Mas o conceito arqueológico de estratificação não fornece –segundo Corboz- a me-táfora mais apropriada para descrever esse fenômeno de acumulação. Sobretudo porque não somente acrescentamos, também apagamos. Daí a semelhança com o palimpsesto:

Le territoire, tout surchargé qu’il est de traces et de lectures passés

en forcé, ressemble plutôt à un palimpseste… Mais le territoire

n’est pas un emballage perdu ni un produit de consommation que

se remplace. Chacun est unique, d’ou la necessité de “recycler”,

de gratter une fois encoré (mais si posible avec le plus grand

17_O território carregado de vestígios e leituras assemelha-se, sobretudo a um palimpsesto...Mas o território não é uma embalagem perdida, nem um produto de con-sumo que se substitui. Cada um é único, por isso a necessidade de reciclar, de raspar mais uma vez (se possível com grande cuidado) o velho texto que os homens têm inscrito sobre o insubstituível material dos solos com o fim de depositar um novo, que responda às necessidades de hoje antes que seja anulado por sua vez. (Tradu-ção do autor)

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FIII-2: Rosa Kliass, inventario dos aspectos da paisagem natural e urbana de São Luis de Maranhão. (Fragmento). Fonte: Kliass (2006)

FIII-3: Ian McHarg, método ecológico para a bacia do rio Potomac. Neste mapa, idoneidade para a urbaniza-ção. Fonte: McHarg ([1969], 1992)

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FIII-4: Paola Vigano. Água e asfalto. As camadas de hidrologia, figura-fundo e redes de infraestrutura, revelam uma esponja isotrópica densa que integra agri-cultura, indústria e áreas de residência. Fonte: Vigano (2008)

FIII-5: Florian Beigel. A leitura e decomposição em camadas do sitio provê os materiais de projeto. Leichterfelde Sud, Plano de infraes-trutura urbana, o sítio e as arquite-turas. Fonte: Rosell (2001)

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soin) le vieux texte que les hommes ont inscrit sur l’irremplacable

matériau des sols, afin d’en déposer un nouveau, qui réponde aux

nécessités d’aujourd’hui avant d’être abrogé à son tour. (Corboz,

2001:228)17.

A operação supõe a decomposição do território em capas, para isolá-las e estudá-las individualmente. Deconstruir o território, compreendê-lo através desta redução da complexidade em seus materiais concretos. Entender a lógica de cada camada, iso-ladamente e em relação com outras camadas de modo que possamos ver o território de formas antes nunca vistas.

A decomposição em camadas pressupõe o território não como uma superfície plana e homogênea, mas com a sua espessura e a sua densidade. Nesta perspectiva, fa-culta a leitura da história e dos eventos menos tangíveis que modelaram cada lugar, assim como a sequência complexa das camadas materiais que compõem a paisa-gem: geologia, topografia, drenagem, etc., elementos que uma visão plana tende a segregar, simplificar e suprimir (Marot, 2006).

O chamado método ecológico, iniciado por McHarg nos anos 60 -ponta de lança para que o paisagismo e a ecologia integrassem o planejamento- foi pioneiro no uso das camadas como ferramenta de análise dos componentes “naturais” do território. Seguindo um método preciso a decomposição possibilitava: primeiro, compreender a natureza como um processo interativo e dinâmico, em seguida, interpretá-lo como um sistema de valores relativo e, por último, indicar os usos mais adequados ao solo. O trabalho de McHarg se mantém no campo do planejamento estático do zoneamen-to, fornece as informações e os critérios que facilitam a tomada de decisões sobre o inventário de possibilidades do “armazém” que é a natureza. Mas a forma como essa informação pode ser interpretada projetualmente fica indefinida e pendente das demandas, oportunidades e sobretudo das intenções.

No Brasil, Rosa Kliass tem utilizado o método Mchargiano no plano de paisagem para a cidade de São Luis do Maranhão. A coletânea de mapas que descrevem as-pectos da morfologia do lugar, da cobertura vegetal, do clima, da ocupação urbana, etc., constituem um inventário dos vários aspectos da paisagem natural e urbana que nas diferentes interfaces, conexões e superposições permitem detectar tanto tensões -entre a expansão urbana e as fragilidades ambientais- quanto potencialidades exis-tentes. O plano da paisagem classifica e identifica as unidades que conformam o pa-trimônio ambiental e cultural e as ações de adequação, consolidação, preservação e expansão que concorrem para a sua revalorização. Mais ainda, o trabalho de Kliass

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se desdobra em um conjunto de propostas para planos e projetos específicos que se agrupam em duas categorias: os projetos de requalificação de espaços urbanos e os projetos paisagísticos do sistema viário. No contexto brasileiro, a experiência de São Luiz do Maranhão se diferencia dos planos diretores que –como assinala Ruth Verde Zein na introdução do livro sobre a obra de Kliass- tipificados em tabelas de zoneamento apenas corroboram o status quo de um desenvolvimento disruptivo.

A decomposição em camadas permite, no caso do planejamento, valorizar um set complexo de variáveis e favorece a tomada de decisões: onde ocupar, onde não ocupar. Mas essa utilização é mais passiva, já que a relação com o projeto fica in-definida. O que nos interessa aqui resgatar é o momento em que a exploração se

FIII-6: Fragmento do Plano de Roma de Nolli, 1748. Uma das mais antigas descrições da cidade através de seus espaços públicos. Fonte: http://nolli.uoregon.edu/FIII-7: Central Park, o vazio que modela a cidade. Fonte: flirckFIII-8: Frederick Olmsted. Plano do sistema de parques The Emerald Necklace, Boston.Fonte: www.emeralknecklace.org

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transforma em descoberta, deixa de ser uma descrição estéril e se converte numa interpretação crítica.

No caso do estudo para a região do Vêneto, dos italianos Secchi-Vigano, por exem-plo, a desconstrução das camadas forneceu os argumentos para a formulação de uma hipótese sobre a condição dispersa do território. Segundo os autores, esta con-dição foi o resultado da presença de configurações de infraestrutura específicas, em particular de uma esponja difusa e isotrópica de vias e canais. Num longo processo histórico, diferentes “racionalizações” foram dando forma ao território: o centuriatio romano (antiga divisão da terra), as diversificações e retificações de canais escava-dos na lagoa, os povoados de pescadores, os aterros, a construção de vias, rodo-vias, metrôs, etc. foram sendo superpostos uns sobre os outros, cada um criando a sua própria paisagem. Sob esse aspecto, os arquitetos se questionam se essa condição de isotropia é contemporânea e quais projetos poderiam interpretar hoje essa tradição.

Em outros casos, a decomposição em camadas provê mais diretamente os mate-riais do projeto. No caso de Lichterfelde Sud, um projeto para integrar à paisagem urbana um antigo terreno militar na periferia de Berlim, Florian Beigel pesquisa as camadas do lugar para propor um marco arquitetônico. Desenha – segundo palavras suas- uma “paisagem infraestrutural” que servirá para alojar as arquiteturas e que se origina da leitura seletiva da história da paisagem em quatro camadas: a geologia, componente horizontal formado pela sedimentação marinha; o padrão que deriva dos cultivos agrícolas do século XVIII; as topografias artificiais com barreiras de de-fesa herdadas da cena militar; e a paisagem selvagem que por si mesma gera uma nova diversidade ecológica. A composição surge como resposta à leitura histórica e em profundidade do sítio, e a paisagem criada organiza, como num grande tapete, a disposição das futuras edificações. Para Beigel, é na pegada histórica do lugar que estão as substâncias e os valores que uma comunidade pode compartilhar e, assim, formar uma trama coerente numa paisagem contemporânea caótica e diversa.

Espaços livres: a armadura da cidadeOu de como abordar a situação dispersa e fragmentada. A segunda categoria aponta para os espaços não construídos e explora o poten-cial dos espaços urbanos livres para dar inteligibilidade à cidade contemporânea. Numa inversão da abordagem tradicional da cidade –através da forma construída, do cheio- esta categoria operacional chama a atenção para o seu negativo, os espa-ços de omissão.

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FIII-9: Rem Koolhaas. Projeto para a ville nouvelle de Melun-Senart. A garantia da qualidade do espaço urbano resulta de seus sistema de espaços livres. Em vez de projetar sobre a paisagem, o projeto se deduz dela. A) Preexistências: florestas, povoados, autopistas e a linha de TGV. B) O novo vazio desenhado para obter o máximo de situações diversas e complexas. C) O plano síntese. Fonte: Koolhaas (1995)

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Espaços urbanos livres, vazios, interstícios, terrain vagues, espaços de reserva da natureza, etc. constituem o renovado vocabulário da cidade contemporânea. A rea-lidade urbana já não se apresenta mais como uma cidade central e compacta, mas como um território urbanizado expandido. O núcleo original vem crescendo e se es-palhando, incorporando na sua expansão urbanizações antigas, mas também novas ilhas que saíram da cidade, misturando-se com fragmentos rurais remanescentes, lotes industriais obsoletos, espaços de logística e comércio, etc. Nesse caleidoscópio que é a cidade contemporânea os espaços residuais que foram ficando entre os frag-mentos e as infraestruturas, os espaços abandonados e em desuso, os interstícios configuram um conjunto latente à espera de serem incorporados e valorados.

Por um lado, os espaços não construídos, ou seja, os espaços livres, os quais perten-cem à tradicional interpretação da cidade na dependência entre cheio e vazio, figura e fundo. Aos clássicos espaços livres como vias, parques e praças somam-se, na escala metropolitana, as áreas da natureza, costas e bordas de rios e outras áreas protegidas por seus valores ambientais. Mas também os fragmentos rurais e outros terrenos que, por legislação ou por dinâmicas econômicas permanecem sem edifi-cação. Cada vez em menos quantidade e menores em tamanho, os espaços livres são distribuídos irregularmente no território urbanizado e sofrem constantemente a ameaça de ocupação.

Mas existe ainda uma categoria mais recente de espaços livres que se define não por oposição ao espaço ocupado (construído), mas pela sua condição de uso. Os “vazios por esvaziamento” (Borde, 2007), terrenos ou prédios sem uso, desocupados ou subutilizados, são produtos das dinâmicas mais modernas de transformação eco-nômica e desindustrialização. Eles instauram um tipo singular de espaços livres, que tem despertado nos últimos anos uma especial reflexão teórica e projetual.

Ignasi de Sola Morales denomina estes lugares de terrain vagues, encontrando no enunciado francês a sua melhor expressão polissêmica. Terrain no sentido de ex-tensão de terra, terreno, mas também na sua condição expectante, potencialmente aproveitável. Vague em sua tripla significação de wave (oscilante), vacant (vazio) e vague (indefinido) (Sola Morales, 2002).

Aeroportos desativados, áreas industriais abandonadas, aterros sanitários obsoletos, fábricas fechadas, bases militares em desuso, etc. trazem um novo set de problemas e desafios ao desenho urbano que demandam revisões concretas sobre a forma de serem incorporados. Como eles podem trazer benefícios sociais, culturais e ambien-tais? Sola Morales critica a atitude convencional do desenho urbano que consiste

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FIII-10: Emscher Park. Sistema de corredores verdes regionais interliga os terrenos reciclados e conecta povoados existentes. Detalhe Duisburg No-ord, um novo parque cultural integra as arquiteturas industriais. Projeto de Peter Latz and Partners. Fonte: www.landschaftspark.de

FIII-11: Rosa Kliass. Parque da Juventude, São Paulo. Fonte: Kliass (2006)

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em integrar estes espaços na trama produtiva da cidade, e invoca uma intervenção que resista aos ditames da eficiência e admita a continuidade da memória e o tempo histórico da cidade “sem cancelá-lo nem imitá-lo”.

Uma linha recente de projetos procura dar legibilidade ao território através da articu-lação dos espaços livres. A estratégia se baseia em conformar um sistema estrutura-dor em grande escala, que possa agregar um novo valor aos espaços livres. Tardim (2008), quem na sua pesquisa tem testado uma tal abordagem para o Rio de Janeiro, reconhece nos espaços livres o componente funcional e espacialmente mais flexível. São os lugares mais frágeis e os mais promissores tendo em conta a possibilidade de reestruturação do território, já que podem assumir algumas funções importantes, por exemplo, como lugar dos ecossistemas, da percepção da paisagem e como lugar possível para o futuro da ocupação urbana (Tardim, 2008).

Assim, um grande potencial para estruturar a metrópole consiste em trabalhar sobre os espaços livres, dando-lhes continuidade, articulando- os num sistema de suporte que outorgue coerência e qualidade ao tecido construído.

Esta estratégia reinterpreta na escala metropolitana as experiências de sistemas de parques já desenvolvidas nos EEUU no século XIX. O sistema de parques The Eme-rald Necklace, em Boston, é um dos primeiros exemplos da articulação de peças de espaços livres em sistema. Uma combinação de parques, park-ways e bulevares -desenhados para a cidade de Boston em 1877, por Frederick Olmsted- forma uma sequência de espaços verdes que se estendem em semicírculo por mais de 11 qui-lômetros. Incorporando o Muddy River e uma série de lagoas, o parque foi também concebido como mecanismo de controle das inundações, e significou a remodelação de uma antiga área de brejos. Nessa medida, o parque se multiplica em dimensões, além dos fins sociais e recreativos atua como depositário de infraestruturas de mobi-lidade e de controle de enchentes, catalisa ou qualifica o desenvolvimento urbano e traz inúmeros benefícios ambientais (climáticos e de biodiversidade).

Com a ironia e a inteligência que distinguem a obra de Rem Koolhaas, a estratégia de articular espaços livres ganha ares de manifesto no concurso para a ville nouvelle de Melun-Senart, na França. Cético em relação às possibilidades de controlar a qualida-de do desenvolvimento urbano contemporâneo, Koolhaas propõe aferrar-se ao único que considera absolutamente possível: o não-construído.

The built is now fundamentally suspect. The unbuilt is green, ecolo-

gical, popular. If the built – le plein – is now out of control – subject

to permanent political, financial turmoil – the same is not yet true of

18_O construído é agora funda-mentalmente suspeito. O não-cons-truído é verde, ecológico, popular. Se o construído – o cheio - esta agora fora do controle - sujeito à agitação política, financeira per-manente – o mesmo não é ainda verdadeiro para o não-contruído; a nada pode ser o último assunto de certezas plausíveis. (Tradução do autor)

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the unbuilt; nothingness may be the last subject of plausible cer-

tainties (Koolhas, 1995:974)18.

Assim, o projeto para a nova cidade se ocupa em definir a locação e a qualidade dos lugares que devem permanecer livres, deixando um arquipélago de ilhas –o resíduo- que poderia ser desenvolvido independentemente, segundo a demanda de lugar e o programa no tempo. A única garantia da qualidade do espaço urbano –beleza, aces-sibilidade, serenidade e identidade- está no seu sistema de espaços não-construídos sem importar, ou a despeito de suas arquiteturas (Koolhaas, 1995).

Numa acepção inversa, em vez de projetar sobre a paisagem Koolhaas e sua equipe escolhem deliberadamente deduzir o projeto dela. O projeto, nessa perspectiva, res-gata alguns dos elementos existentes, florestas, povoados, autopistas e a linha de tgv e sobre este inventário de preexistências, bandas de espaços livres são desenha-das para obter o máximo de situações diversas e complexas. O resultado formal, um hieróglifo chinês, é a síntese da estrutura que dá suporte e sentido à nova cidade.

Outro exemplo que não podemos deixar de mencionar, por ser uns dos primeiros a abordar a reutilização de areas em desuso numa escala regional, é a experiência de Iba Emscher Park, no vale do Ruhr, na Alemanha. Desenvolvido como exposição in-ternacional e comprometendo 17 municipalidades, o projeto significou a regeneração econômica e ecológica de uma área de 800 km², atingindo 3 milhões de pessoas. Em uma área seriamente afetada pelo declínio da indústria metalúrgica e mineira, o projeto se estruturou sob o lema Câmbio sem Crescimento (Change without Growth) e baseou-se em quatro fundamentos: reutilizar os terrenos para prevenir a explora-ção adicional de “greenfields” ou terras ainda sem ocupação; estender a vida dos prédios existentes através de estratégias de modernização e reuso; incorporar práti-cas ecológicas de construção para novos prédios e reuso adaptativo, e transformar a estrutura produtiva da região com métodos mais responsáveis ambientalmente.

Dentre a complexidade e a diversidade de projetos iniciados para abordar diferen-tes aspectos da regeneração (sociais, econômicos, ecológicos), o que nos interessa ressaltar é o papel da paisagem. O conceito de “parque” deu unidade à intervenção, sendo o componente ambiental um dos grandes pilares do projeto regional. Seguindo velhos caminhos e trilhas industriais, um novo conjunto de corredores verdes regio-nais interliga os grandes terrenos reciclados das minas de carvão e indústrias inati-vas formando uma rede de espaços abertos reconectando povoados. A reciclagem da paisagem industrial num novo tipo de parque recreativo-cultural significou uma es-pecial reflexão sobre a preservação da memória sem congelamento, transformando

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grandes estruturas, depósitos, gruas e prédios para atender novos usos. A retomada casual da natureza foi valorizada junto com outros processos que encetaram, guia-ram e monitoraram a descontaminação e a reabilitação da paisagem degradada.

No contexto brasileiro, um caso relevante de intervenção paisagística em vazios urba-nos é o Parque da Juventude em São Paulo, dos arquitetos Aflalo, Gasárini e Kliass. O parque ocupa 24 hectares das antigas instalações de um complexo penitenciário e faz parte de uma série de intentos do governo para recuperar áreas degradadas ao longo da várzea do rio Tietê. Organizado em três setores (desportivo, central e insti-tucional) o projeto logrou inserir um importante espaço recreativo numa área densa e carente de espaços verdes. Também neste caso, a integração das preexistências (ruínas de antigas instalações) como da vegetação que espontaneamente vem colo-nizando o lugar, fazem parte das intenções do projeto.

Fronteiras: o espaço das trocasOu de como trabalhar entre cidade e naturezaEsta categoria operacional supõe resgatar as interfaces da metrópole. Interface, bor-das, limites, ecotono referem-se aos espaços de contato entre partes diferentes do sistema urbano. As interfaces podem ser naturais ou construídas, físicas ou sociais. Aqui utilizaremos o termo para referir-nos especificamente aos espaços de mediação entre natureza e cidade.

Num contexto de crescente urbanização, os limites que antigamente separavam o mundo rural/ natural do urbano são contestados. Embora essa afirmação deva ser revista para cada contexto19, não podemos negar o fato de que hoje essa fronteira se dilui, torna-se uma entidade fragmentada. A fronteira externa se desmancha, apare-cem múltiplas fronteiras internas, já não mais reconhecemos um espaço cidade-den-tro e um outro cidade-fora, mas vários espaços “entre” os núcleos de urbanização. Ao lado de, entre (in betwwen), no limite de, ao longo de, as fronteiras remetem a uma ideia de intervalo, interrupção, descontinuidade.

Mas, para além da sua definição em relação à posição, as interfaces referem-se a uma indeterminação, a uma expectativa. Alain Berger resgata a sua condição de indefinição ao apontar as fronteiras como espaços liminares. Liminar quer dizer que está em posição (espacial, temporal ou outra) inicial, limítrofe ou de passagem. Des-creve alguma coisa que vive em transição e ilude a classificação, que resiste à nova estabilidade e reincorporação. Os espaços “entre” da cidade espalhada são liminares

19_Poderíamos argumentar que, no caso do Rio de Janeiro, a pre-sença de uma geografia particular torna a coexistência entre o mundo natural e o urbano inevitável, iludin-do categorias de natureza “fora” e cidade “dentro”.

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FIII-12: Michel Desvigne. Planta ge-ral das intervenções paisagísticas propostas para a cidade de Cergy-Pontoise. Detalhe da proposta para a interfase com o rio Olsen. Fonte: Desvigne (2009)

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porque permanecem nas margens esperando um desejo da sociedade de inscrevê-los com valores e status (Berger, 2006).

Do ponto de vista ecológico, aprendemos que as interfaces ou ecotonos são os espa-ços de maior riqueza biológica. O termo ecotono identifica a solução de continuidade de um habitat, traduzida no câmbio espacial de um ecossistema para outro: em am-bos os lados do ecotono se estabelece uma zona de fronteira. Segundo Ruben Pes-ci, estas são as áreas de maior intercâmbio de energia, matéria e informação, sendo portanto sítios privilegiados para compreender os ciclos da natureza e sua comple-xidade sistêmica. (Pesci, 2003). Os ecotonos operam como filtros e, dependendo de suas características (bordas bruscas e retilíneas, irregulares ou graduais), varia a sua permeabilidade e a sua diversidade. Mas também são lugares privilegiados que o homem tem escolhido –pelas suas próprias características- para viver.

En el enorme cambio de escala actual de los sistemas sociales,

con sus consecuencias en las grandes aglomeraciones urba-

nas, el respeto y el rescate de las grandes interfaces naturales

constituye la nueva frontera de los espacios abiertos de escala

multitudinaria. Podemos visualizar así, un territorio urbano super-

puesto o entrelazado a una red natural perdurable, y en esa trama

compleja y diversificada recobrar calidad de vida, biodiversidad y

escala humana en cada fragmento, barrio o porción del sistema.

(Pesci,2003:111)20.

FIII-13: Parque do Flamengo, Rio de Janeiro. A criação de uma nova interface entre o mar e a cidade. Fonte: Instituto Moreira Salles

20_No enorme câmbio de escala atual dos sistemas sociais, com suas consequências nas grandes aglomerações urbanas, o respeito e o resgate das grandes interfaces naturais constituem a nova fronteira dos espaços abertos de escala multitudinária. Podemos visualizar assim um território urbano super-posto ou entrelaçado a uma rede natural perdurável, e nessa trama complexa e diversificada recobrar qualidade de vida, biodiversidade e escala humana em cada fragmen-to, bairro ou porção do sistema. (Tradução do autor)

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FIII-14: Parque nas margens do Rio Gallego em Zuera, Espanha. Uma fronteira flutuante que incorpora os ritmos e variações da natureza. Arq. Iñaki Alday. Fonte: Balcells (2002)

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99Projeto urbano na metrópole: a alternativa da paisagem

Refletir projetualmente sobre as fronteiras implica em reconhecer a importância das interfaces entre o tecido urbano e os sistemas naturais que atravessam a metrópo-le como lugares privilegiados de intervenção. São espaços de mediação nos quais podemos pôr à prova uma renovada relação sustentável, o entendimento dos ritmos e ciclos da natureza, mas também a possibilidade de criação de um novo tipo de espaço público.

O projeto para o Parque do Flamengo, na cidade do Rio de Janeiro no começo dos anos 60, talvez seja um caso paradigmático na construção de interfaces cidade-na-tureza. A intervenção demandou uma obra de grande envergadura incluindo o aterro proveniente das demolições no centro. A necessidade de melhorar as conexões entre o centro da cidade e os crescentes bairros ao sul, foi a oportunidade para demons-trar como um projeto de infraestrutura pode transcender em dimensões urbanas e paisagísticas.

Resultou na criação de um park-way de sete quilômetros de extensão; um espaço intermediário “entre” a cidade e o mar, acomodando as pistas tanto para a circulação veloz dos veículos como das suaves conexões para os pedestres. Lânguidas pontes esculturais fazem as ligações entre a cidade e o novo espaço recreativo e contem-plativo na frente marítima. Burle Marx, encarregado do desenho dos jardins, logrou construir uma segunda natureza sem ser mimético, compondo diferentes atmosferas como “quartos” ao longo do parque, sempre integrando a flora nativa. O parque in-corporou programas inovadores na época para parques urbanos, campos de futebol, pista de dança, aeromodelismo, etc. Conseguiu resolver questões técnico-funcionais de mobilidade, valorizou o crescimento do entorno urbano, mas, sobretudo, transfor-mou-se num lugar único de trocas culturais, sociais e ecológicas.

A reabilitação da costa do rio Gallego em Zuera, Espanha, é um excelente exemplo para ilustrar as possibilidades de intervenção nas fronteiras entre cidade e natureza. Neste caso, as margens do rio foram recuperadas para a cidade, que as utilizava como monturo. O projeto envolveu, além de intervenções para garantir o correto tra-tamento das águas residuais, a construção de uma nova fachada, o estabelecimento de novos acessos e usos recreativos que permitiram recriar uma nova articulação entre a cidade e o rio.

A característica mais interessante do projeto, porém, é a forma dinâmica com que o parque foi pensado, não só dando espaço, mas tirando partido das variações cíclicas no volume d´ água e das diferentes configurações que o meandro do rio pode adotar.

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100Projeto urbano na metrópole: a alternativa da paisagem

FIII-15: Field Operations. Projeto ganhador para Fresh Kills. O projeto concebido como matriz para processos. A estrutura da paisagem provê o suporte para que sementes, biota, pessoas e atividades possam colonizar o lugar no tempo. Fonte: www.nyc.gov

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101Projeto urbano na metrópole: a alternativa da paisagem

Nessa medida, a configuração do parque vai se modificando conforme os diferentes terraços vão se inundando, tornando evidente a dinâmica fluvial.

Outro caso sugestivo é o projeto do paisagista Michel Desvigne para a cidade nova de Cergy-Pontoise, criada nos anos 70 como cidade satélite de Paris. O projeto pro-curou dar inteligibilidade a uma cidade de baixa densidade, inacabada, mas com expectativa de crescimento. A resposta do projeto foi diferente de um plano e buscou inserir algumas estruturas paisagísticas que pudessem dar qualidade e favorecer oportunidades de desenvolvimento urbano. O foco foi nas áreas de fronteiras: três estudos de caso fundamentam a abordagem geral. Um primeiro sobre o oeste, frente a uma depressão natural do terreno, onde o projeto foi pensado como um marco, uma paisagem que estabelece a condição para o futuro. A proposta vincula poma-res e fileiras arborizadas –em terrenos com controle institucional- com um tecido de caminhos, promenades e campos que qualificam, e mais importante, preparam para a expansão. Uma segunda estrutura foi pensada para a interface da cidade com o espaço da autoestrada. Neste caso, um sistema de claros e florestas é concebido para organizar o espaço comercial que comumente floresce sem nenhuma qualida-de. Por último, junto ao rio Olsen, a paisagem proposta recria a relação da cidade com o espaço aquático através da reconfiguração da água, uma espécie de laguna paralela ao rio que permite novas acessibilidades e usos.

Desvigne concebe estas paisagens nas bordas não como limites formais rígidos, mas como uma precondição para a formação da cidade. Os materiais, muitos deles derivados da agricultura, são leves e permitem pensar o projeto em sua condição temporal. Isto abre a discussão para a última categoria proposta: processos.

Processos: trabalhando no tempoOu como criar as condições para o futuroEsta última categoria procura instaurar uma visão do lugar e do projeto mais como processos do que como objetos, o que implica uma reflexão sobre como as coisas funcionam no tempo e no espaço. Cada projeto deve assumir uma estratégia de final aberto, como que preparando as condições para o futuro. Mais que uma solu-ção final, sementes são plantadas, perguntas levantadas e potenciais estruturados (Marot, 2006).

The principle is that the processes of urbanization –capital accumu-

lation, deregulation, globalization, environmental protection and so

on- are much more significant for the shaping of urban relationships

that are the spatial forms of urbanism in and of themselves…The

emphasis on urban processes is not meant to exclude spatial form

21_O princípio é que os processos de urbanização –acumulação de capital, deregulação, globalização, proteção ambiental, etc.- são muito mais significativos para dar forma às relações urbanas que as formas espaciais do urbanismo neles... A ênfase nos processos urbanos não significa a exclusão da forma espa-cial senão que procura construir um entendimento dialético de como se relaciona aos processos que atra-vessam, manifestam e sustentam-na. (Tradução do autor)

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102Projeto urbano na metrópole: a alternativa da paisagem

FIII-16: Michel Desvigne. Naturezas intermédias. Projetos que permitem a ocupação flexível em situações de incerteza sobre a ocupação urbana. Bordeaux, margem direita. O parque é criado à medida que os terrenos são liberados.

bur rather seeks to construct a dialectical understanding of how it

relates to the processes that flow trough, manifest and sustain it.

(Corner, 2006:28)21.

Os exemplos de projetos que propõem a reabilitação de sítios contaminados se transformam em oportunidades ideais para a experimentação do projeto em função dos processos. Assim, a reconversão de “brownfields” requer tempos e técnicas específicas. Como esses processos que limpam e descontaminam podem ser ao mesmo tempo incorporados ao desenho e à forma da paisagem constituem um novo desafio projetual.

A reconversão de “landfill to landscape” (de aterro à paisagem) do lixão desativado da maior metrópole americana, os 8 mil hectares conhecidos como Fresh Kills, foi objeto de um concurso internacional em 2001. A incorporação do parque reabilitado, que duplica a oferta de espaço aberto de Staten Island, supõe uma obra pública sem precedentes. Por sua parte, o concurso condensou uma importante reflexão sobre a reincorporação destes sítios à paisagem, de forma análoga ao concurso para o parque da Villete nos anos 80 em Paris.

Field Operations, a equipe ganhadora do concurso enfatizou a concepção do projeto como uma matriz para processos, mais que como um desenho acabado e fechado. A comunicação das ideias, através de diagramas que mostram a sequência de ações pensadas para um espaço temporal de 30 anos e que preparam o sítio para que aconteçam atividades, planejados ou não, resulta efetiva. Com o vocabulário em-

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103Projeto urbano na metrópole: a alternativa da paisagem

prestado da ecologia, de fios, tapetes e ilhas, Corner e Allen constroem a estrutura da paisagem que provê o suporte para que sementes, biota, pessoas e atividades possam colonizar o lugar no tempo. O entrelaçado entre as sementes que são planta-das, a forma e o tempo em que processos ecológicos são gerados, as infraestruturas inseridas e as atividades instigadas compõem um sistema integrado que se pretende flexível e adaptável.

Trabalhar com a perspectiva temporal é sem dúvida um desafio do urbanismo con-temporâneo. A incorporação de um certo grau de indeterminação e liberdade -sem perder qualidade- permite uma melhor adaptação às incertezas e imprevisibilidades que caracterizam a construção da cidade.

A prática do paisagismo está fortemente ligada à temporalidade. Ao contrário do que acontece muitas vezes com a arquitetura, um parque alcançará o seu máximo es-plendor não no momento da sua inauguração, mas após meses, anos até, quando as espécies cheguem a crescer e madurar. A experiência será diferente segundo as estações do ano, de acordo com as variações de cor, luz, umidade e floração. Algo similar acontece no universo da agricultura, à qual a prática do paisagismo está muito ligada, e que requer o manejo dos tempos: os tempos da coleta, a rotação de culti-vos, os tempos de espera, etc. Michel Desvigne tem experimentado alguns destes

Lyon, proposta para a confluência dos rios Rohane e Soane, rejeita a ideia de um projeto totalizador e propõe um processo gradual de construção da cidade. Fonte: Des-vigne (2009).

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104Projeto urbano na metrópole: a alternativa da paisagem

FIII-17: François Xavier Mousquet. Projeto Lagunage de Harnes. Paisagens que incorporam serviços ambientais, a criação de novas ecologias e novos tipos de espaço público. Fonte: Arq. Mousquet

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conhecimentos que incorporam a ideia de duração ao processo de transformação da cidade. O paisagista frances desenvolveu o conceito de “paisagens intermédias”, uma estratégia que permite a ocupação flexível de terrenos em relação aos quais pairam incertezas quanto à ocupação futura.

Os projetos estabelecem um plano flexível de plantação e criação de parques que ocupam temporalmente o território em transformação enquanto perdurarem as incer-tezas. A paisagem, concebida como quadro estrutural para as arquiteturas, demons-tra uma grande maleabilidade ao mesmo tempo em que agrega atributos positivos ao lugar. No caso do projeto para Lyon, uma área abandonada de 150 hectares ao sul da cidade, na confluência dos rios Rohane e Soane, que aguarda ser incorporada. Um set complexo de condicionantes tornam um projeto totalizador de difícil imple-mentação. O projeto de Desvigne desenvolve um plano que pode ir colonizando o lugar e se adaptando aos diferentes tempos à medida que as indústrias se desativam e que os terrenos são liberados, iniciando um processo que gradualmente constrói a cidade e o desejo de habitá-la. A mesma estratégia foi utilizada em Bordeaux; um parque linear ao longo do rio foi se constituindo, à medida que as terras iam sendo adquiridas pelo município. Pomares e jardins temporários e permanentes se alter-nam na paisagem que expressa, na sua própria construção e estética, a ideia da temporalidade.

Por fim, outra dimensão desta categoria operacional refere-se à gestão dos ecos-sistemas urbanos e como eles se manifestam na paisagem. A cidade é um conjun-to dinâmico de processos sociais, econômicos, políticos e ecológicos em constante mutação. Muitos dos processos que fazem parte da vida cotidiana são desconheci-dos ou ignorados. Uma nova consciência de como são trasladados ao ambiente os processos de intercâmbio de fluxos e energia da vida urbana traz também algumas reflexões projetuais.

A questão de como as paisagens urbanas podem oferecer serviços ambientais faz parte das mais recentes exigências do desenvolvimento sustentável. A incorporação de agricultura urbana, a reciclagem de resíduos domiciliares, o manejo das águas servidas, entre outros, trazem também um novo vocabulário projetual.

O projeto das lagunas de Harnes, na região de Pas de Calais, é um exemplo inte-ressante do manejo dos processos do metabolismo urbano modelando a paisagem e criando novos tipos de espaço público. O projeto do francês François Xavier Mous-quet transforma um antigo território de extração mineral em um parque que recicla águas servidas. O terreno situado entre o povoado e as margens do rio recebe as

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106Projeto urbano na metrópole: a alternativa da paisagem

águas semidepuradas da planta de tratamento. Ao passar por um circuito de lagoas a água é purificada através de um processo de fitorremediação. As plantas absorvem os minerais remanescentes ao mesmo tempo em que criam uma nova paisagem aquática. Os dispositivos técnicos –piscinões, canais, moinhos- são utilizados como materiais do projeto, compondo uma paisagem nova e original, mas que permite a reprodução do habitat natural. Um novo espaço público recreativo e educativo possi-bilita o conhecimento e o contato com os processos que sustentam a vida urbana.

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107Sobre os mapas

Já discutimos que, enquanto o mundo se urbaniza, a cidade como artefato e como ideia parece cada vez mais difícil de ser apreendida. Paradoxalmente, a crise tanto na representação como na projeção da cidade contemporânea acontece ao mesmo tempo em que novas tecnologias de fotografia por satélite e sistemas de informação geográfica proveem um infindável número de informações esperando ser interpreta-das.

Superadas as visões positivistas que dominaram as ciências até o século XX, quando a teoria da relatividade, a mecânica quântica e a psicanálise, entre outros eventos, puseram em questão a pura e simples objetividade, entendeu-se que a realidade não existe como verdade inquestionável, mas sim em função da observação, porquanto a aparência do objeto depende sempre dos instrumentos utilizados para descrevê-lo (Corboz, 2001).

A história cultural tem colaborado para a compreensão das representações não como meras reproduções de uma realidade “dada”, mas como construções culturais, filtra-das e elaboradas segundo as visões do mundo “encarnadas” em atores sociais de um determinado momento. No caso da representação da cidade foi percebido que as descrições da experiência urbana não são fruto dos câmbios físicos que a cidade experimenta, mas, como assinala Sola Morales (Sola Morales, 2002), a percepção é um fenômeno cultural e, portanto, essa representação está ligada aos valores que cada cultura estabelece como primordiais num determinado momento histórico.

Um grande potencial para a compreensão do fenômeno urbano contemporâneo existe latente nas operações de descrição do território. Este capítulo procura investigar de que forma descrição, re-presentação e projeção estão dialeticamente relacionadas, e portanto, como, através da construção e deconstrução de novas cartografias poderemos entender, descobrir, desemaranhar as lógicas que dão forma ao território. Intentaremos também demonstrar como essa descoberta, contida no processo mesmo de mapeamento, pode revelar a chave de intervenção no território e englobar a possibilidade de um outro projeto urbano.

04.Sobre os mapas

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108Sobre os mapas

Entre ferramenta científica e representação artística, os mapas têm sido historica-mente um meio de expressão do modo de pensar e experimentar o espaço urbano. Denis Cosgrove (Cosgrove, 2006) chama a atenção para as variações ao longo dos séculos e identifica três dimensões dos mapas. A primeira é celebratória e apa-rece claramente nas representações dos centros comerciais emergentes do século XV, uma imagem sintética e compreensiva de uma totalidade espacial e social, em contraste com as expressões “outras” do descobrimento do selvagem mundo novo. Esta dimensão se expressa hoje, por exemplo, no conjunto de mapas que servem de promoção turística das cidades e de comunicação dos processos de planejamento. Uma segunda dimensão é a analítica que se desenvolve com o aperfeiçoamento de precisões instrumentais e acompanha a emergência do urbanismo como ciência. São as cartografias da cidade que começa a evidenciar patologias, carecendo de medidas de controle de seu crescimento. A crença nas visões panópticas e racionais do espaço urbano trasladam para o mapa a capacidade de tornar legível e regular a desordem material e social. Contrapõe-se a esta função reguladora e analítica a terceira dimensão que é experimental. O exemplo arquetípico é aquele dos mapas desenvolvidos nos anos 60 pelos situacionistas franceses1, que contestam a coerên-cia do plano concebido pelos planejadores urbanos quando confrontado com a expe-riência pessoal e subjetiva da cidade. A “deriva”, a passagem rápida por ambiências variadas permite, através da experiência, a apreensão do espaço urbano. Esta é uma prática onde a cidade é concebida como uma performance artística.

Celebratória, de controle, ou experimental, a consciência hoje de que imagens carto-gráficas nunca são veículos inocentes de informação dissolve distinções claras entre estas dimensões. Como assinala Cosgrove, espaço urbano e espaço cartográfico permanecem inseparáveis, transformações em um ou outro alteram a sua relação.

O valor renovado das representações desloca o papel passivo da descrição como “espelho” de uma realidade para a nova consciência que entende que a representa-ção é ativa: ela não é um decalque, mas sempre uma construção. Assim, os mapas enquanto construções culturais representam e constroem eles mesmos a realidade. Parafraseando Roncayolo: A representação é ativa, não apenas “diz” a cidade, como “faz” a cidade (Roncayolo, 1997).

Esse caráter performativo das representações abre novas possibilidades de ação para os mapas, elevando o ato de descrever e mapear a um patamar também criati-vo, e dissolve a relação sequencial entre descrição –como atividade primeira e objeti-va- e projeto, compreendendo ambas as atividades dialeticamente articuladas. Como afirma André Corboz:

1_Para mais informação sobre a Internacional Situacionista e a psicogeografia ver o livro de Paola Berenstein Jacques, Apologia da deriva, Escritos situacionistas sobre a cidade, Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2003.

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109Sobre os mapas

…decrier consiste à (re)construire l’object ex novo après l’avoir

décontruit au moyen de l’analyse descriptive elle-même. La des-

cription est le lieu de conversion entre le reel brut –là-bas, dans

la “nature”- et le projet, lequel reste longtemps un être purament

mental. (Corboz 2001 p.252)2.

Corboz, quem tem contribuído para a compreensão da densidade do território, visto por ele como um palimpsesto, uma superfície que é escrita e sobrescrita, raspada e apagada, borrada e reescrita, estrato sobre estrato, situa a descrição como ponto de passagem entre o mundo como leitura e o mundo como escritura. Ele verifica duas posições opostas de intervenção na cidade e no território em relação à descrição. A posição que poderia ser exemplificada com os princípios modernos do CIAM, onde a manipulação criadora do arquiteto unifica descrição de projeto e descrição do ter-ritório. No outro extremo, o ecologismo radical que vê o território como mensagem e onde o sujeito é quase que eliminado pela iniciativa do objeto. Segundo Corboz, no primeiro caso o território é reformulado como escritura, o projeto substitui-se ao milieu, chapeia-se sobre ele. No outro, a intervenção nasce do milieu mesmo, o ter-ritório se reformula como leitura.

Entre esses extremos radicais colocam-se as operações de descrição como negocia-ção, como jogo, como diálogo necessário entre o que Soubeyran chamara de espaço substrato (leitura) e espaço projeto (escritura).

FIV-1: Plano de fundação da cidade de S. Felipe de Santiago na ilha de Cuba. Arquivo Geral das Índias, M e P. Sto Domingo, 119. OrdeM e caos. A regularidade da grelha inserida no meio da floresta desco-nhecida do novo mundo. Fonte: de Teran (1997)

FIV-2: The Naked City. Illustra-tion de l’hipotèse des plaques tournantes de Guy Debord 1957. Decomposição cartográfica e a geografia alternativa da deriva. Fonte : Vitruvius

2_Descrever consiste em recons-truir o objeto ex novo depois de tê-lo deconstruído por meio de análises descritivas mesmo. A descrição é o lugar de conversão entre o real bruto –lá, dentro da natureza- e o projeto, que resta por longo tempo um ser puramente mental. (Tradução do autor)

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110Sobre os mapas

Assim, os mesmos autores reconhecem que não pode existir descrição sem uma ideia prévia do território, ideia esta que é informada pela cultura. A descrição é inten-cional, procede de um propósito determinado, uma finalidade, ela é sempre função de uma intenção implícita ou explícita.Por isso a descrição é seletiva, já que separa, ressalta ou negligencia os caracteres que ela determina. Como resultado da seleção, omissão, isolamento e codificação o mapa permanece sempre como uma abstração.

Menos interessado no que os mapas significam e sim no que eles realmente fazem, o arquiteto paisagista James Corner tem advogado pelo mapeamento como agente ativo de intervenção cultural. Para ele, mapear nunca é uma ação neutra, passiva ou sem consequência, pelo contrário, talvez seja o ato mais criativo e formativo de qualquer processo de projeto, primeiro revelando e logo produzindo as condições para a emergência de novas realidades. Corner lamenta a indiferença para com o mapeamento, refutando a falsa ideia de que mapear consiste numa atividade ana-lítica e não-imaginativa quando comparada com a suposta criatividade da atividade de projeto, que ocorre depois que todos os mapas relevantes foram realizados. Pelo contrário, para o autor, a importância da atividade de mapeamento deve ser enten-dida na sua capacidade performativa2, já que a base sobre a qual os projetos são imaginados e executados deriva precisamente de como os mapas são feitos. As con-dições sobre as quais o projeto se desenvolve se originam com o que é selecionado e priorizado no mapa, com o que é subsequentemente deixado de lado ou ignorado, como os materiais são esquematizados, indexados e enquadrados, e como a síntese do campo gráfico evoca conteúdos semânticos, simbólicos e instrumentais.

Mapping is neither secondary nor representational but doubly ope-

rative: digging, finding and exposing on the one hand, and relating,

connecting and structuring on the other. Through visual disclosure,

mapping both sets up and puts into effect complex sets of rela-

tionships that remain to be more fully actualized. Thus mapping is

not subsequent to but prior to landscape and urban formations. In

this sense, mapping is returned to its origins as a process of explo-

ration, discovery and enablement. This is less a case of mapping

to assert authority, stability and control, and more one of searching,

disclosing and engendering new sets of possibility. Like a nomadic

grazer, the exploratory mapper detours around the obvious so as to

engage what remains hidden. (Corner 1999, p.225)4.

No final do século XX, vários arquitetos começaram a explorar essa capacidade cria-tiva do mapeamento para a exploração das condições emergentes da cidade e do

3_O termo “performativo” é aqui utilizado para reforçar o sentido de dar-forma, fazer, atuar.

4_Mapear não é secundário nem representacional, mas duplamente operativo: cavando, encontrando e expondo de um lado, e relacio-nando, conectando e estruturando do outro. Através da exposição visual, mapear constrói e efetiva séries complexas de relações que aguardam para serem atualizadas plenamente. Assim, mapear não é subseqüente, mas prévio às paisa-gens e formações urbanas. Neste sentido, mapear retorna as suas origens como processo de explo-ração, descobrimento e liberdade. Este é menos um caso de mape-amento para afirmar autoridade, estabilidade e controle, e mais de buscar, revelar e engendrar novas possibilidades. Como um pastor nômade, o mapeador explorador rodeia o óbvio para se envolver com o que permanece escondido. (Tradução do autor)

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111Sobre os mapas

território contemporâneo. Bernardo Secchi descreve essas práticas como um revival do que ele chama de urbanismo-descritivo, com a proliferação de inventários, atlas e mapas de fragmentos urbanos/rurais e de grandes paisagens. Porém, para o ur-banista italiano nem sempre estas práticas são efetivas, frequentemente diluindo a atividade de planejar numa descrição estéril que contorna o novo sem revelá-lo. Para Secchi, revelar algo novo é pré-requisito de uma descrição pertinente. A releitura dos territórios, os desenhos interpretativos e a subsequente reescritura da linguagem descritiva têm o potencial não só para desvelar o fazer histórico da nova forma urba-na, mas oferecem chaves para a intervenção.

A seguir, procuramos revisar algumas dessas experiências, investigar os temas abor-dados, analisar o papel dos mapas em cada caso e como eles foram metodologica-mente construídos, como também determinar as articulações com o projeto. A partir dessa análise, tentamos traçar um percurso para nosso propósito: a construção de uma leitura possível para o espaço metropolitano da América Latina, especificamente para o Rio de Janeiro.

Mapas. Para além da representaçãoX-urbanismo e o texto urbano Um dos primeiros trabalhos nesta linha foi o do arquiteto argentino residente nos Estados Unidos, Mario Gandelsonas. No seu livro “X-urbanism” (Gandelsonas 1999), ele propõe ler a cidade americana através de desenhos. Na busca de uma identida-de própria, o autor se interessa pela história, mas também pelas relações entre plano urbano e arquitetura.

FIV-3: Upside down map do artista uruguaio Joaquín Torres Garcia, desafiando as convenções carto-gráficas. “La escuela del sur”, foi um grupo de artistas latinoamerica-nos que proclamaram o seu lugar num mundo dominado pela cultura ocidental. Fonte: Harmon (2004)

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112Sobre os mapas

Para ele, as cidades americanas sofreram nas últimas décadas do século XX trans-formações drásticas que deslocaram a ênfase da dimensão espacial, onde os dis-positivos de ordem se empobreceram substancialmente, para a dimensão temporal, onde novas e complexas estruturas ordenadoras foram introduzidas. O que o autor chama de mutação x-urbana, que começa a acontecer nas cidades americanas nos anos 70 e logo se alastra no resto do mundo, dificulta a articulação entre arquitetura e cidade. A ausência de forma no plano (form-less) parece dominar, as preocupações da arquitetura acabam no nível do edifício e as forças urbanas resistem a qualquer intento de ver a forma arquitetônica imposta.

Nesse contexto, os desenhos urbanos foram produzidos como crítica ao papel tra-dicional dos desenhos de representação da cidade como uma realidade urbana. Segundo Gandelsonas, eles foram propostos como articulação entre duas práticas diferentes, entre duas superfícies discursivas diferentes –arquitetura e cidade.

Gandelsonas sugere radicalizar as “leituras” pós-estruturalistas iniciadas nos anos 60 (Lynch, Venturi e Denis Scott Brown) e deslocá-las para o lugar do plano, num pro-cesso que “abre o jogo da forma”, mas onde esta não é somente a forma percebida da configuração física da cidade, mas uma construção textual (visual-discursiva).

What is the city if it can be represented by a text? And what kind

of text is the city? The textual metaphor opens up the question of

the city as memory (of its people) that is, the city as inscription of

both permanent traces and the possibility of erasure. (Gandelsonas

1999, p.66)5.

FIV-4: Los Angeles, Mario Gandel-sonas. A escala colossal da grelha de uma milha, as montanhas e o oceano fazem o plano de Los Angeles compreensível. Fonte: Gandelsonas (1999)

5_O que é a cidade se ela pode ser representada por um texto? Que tipo de texto é a cidade? A metá-fora textual inaugura a pergunta da cidade como memória (de sua gente), a cidade como ambos, a inscrição de traços permanentes e a possibilidade de apagá-los. (Tra-dução do autor)

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113Sobre os mapas

Nos seus desenhos, Gandelsonas procura uma abstração gráfica que possa tornar tangível essas tensões entre permanências e contingências. Por um lado, os mapas trazem visibilidade às estruturas organizadoras da cidade e às lógicas internas de re-lação. O tema da grelha americana como dispositivo organizador em grande escala é reiteradamente introduzido e investigado tanto quanto os elementos do plano que se desviam da malha neutra. A coexistência de múltiplas configurações, grelhadas e não grelhadas, se torna evidente num processo de desestratificação do plano e do tecido. Por outro lado, se em um nível ocorre uma análise diferenciada do plano, num outro nível a atenção volta-se para os “sintomas”, anomalias, distúrbios que interrompem a ordem do “campo”, permitindo outras leituras.

Um processo de apagamento delimita o plano para criar camadas que podem super-por-se em formas diferentes para produzir sequências de desenhos. Os desenhos são escritos como diálogos entre dois discursos, o plano ready-made que atua como fundo contra o qual a escritura arquitetônica é inscrita. A atenção flutua entre descri-ção (depiction) e reescritura (ou escritura subordinada à leitura, ou leitura à escritura) esfumando as diferenças. É um processo no qual arquitetura e cidade ocupam e trocam posições de analista e analisando (aquele que é analisado), uma alteração onde cada prática atravessa a outra superfície discursiva; a arquitetura atravessa o discurso urbano e a cidade atravessa o discurso arquitetônico.

Por exemplo, na sequência de desenhos para a cidade de Los Angeles, Gandelsonas contesta o caos comumente percebido da metrópole, e aponta um sistema complexo de grelhas urbanas como tecidos urbanos, objetos ligados pela grande grelha de

FIV-5: Los Angeles, Mario Gan-delsonas: As diferentes grelhas urbanas e o bulevar Wilshire como um quebra-cabeças sobre o plano “real” da cidade. Fonte: Gandelso-nas (1999)

FIV-6: Los Angeles, Mario Gandel-sonas: Descrição tipológica das diferentes paisagens urbanas ao longo do bulevar. Fonte: Gandelso-nas (1999)

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114Sobre os mapas

uma milha de fundo. Numa escala, grelha, montanhas e oceano tornam o plano com-preensível. Numa outra, a malha territorial funciona como cola entre as diferentes cidades. Os desenhos explicitam os diferentes modos de relação entre as grelhas da cidade e os bulevares. Estes últimos são identificados como contentores de fluxos de energia, conectores entre os vários elementos. Inúmeros estudos morfológicos do bulevar retratam as diversas paisagens resultantes do encontro do bulevar com os bairros que ele atravessa.

No caso do estudo de Boston, o mesmo processo de decapagem (delayering) revela organizações ocultas no plano da cidade. Os desenhos apresentam Boston compos-ta de duas partes. Cabeça –alternando setores de tecido urbano e “fields”, campos abertos com ou sem prédios- e pescoço –resultante da superposição de diferentes grelhas. Porém, Gandelsonas mostra como a estrutura radioconcêntrica original é a força organizadora dos principais elementos urbanos de Boston e da ordem, seja quanto ao tecido, seja quanto aos edifícios-objeto. Diferentes desenhos decompõem o plano e expõem as ruas radiais versus às circunferenciais. Outros se focalizam nas áreas de distúrbio entre a estrutura radioconcêntrica e a grelha ortogonal, definidas como áreas intersticiais, espaços residuais. O deslocamento da cena de leitura como o ponto de partida para o processo de escri-tura arquitetônica, onde a leitura da cidade não busca uma representação exata, mas é o início de um processo de inventar uma nova cidade, inaugura novas questões sobre a cena de escrever, sobre a sua posição histórica, sobre a necessidade de construção de um novo lugar.

FIV-7: Boston, Mario Gandelsonas. Num processo de decapagem (delayaring), o plano das ruas reais é abandonado e só os elementos estruturais são descritos. Fonte: Gandelsonas (1999)

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115Sobre os mapas

Gandelsonas se preocupa em diferenciar a capacidade transformadora de seus de-senhos urbanos da atividade de mapear, descrita por Michel de Certeau como uma das políticas da prática da cidade: o mapa do geógrafo versus o mapa dos trajetos das pessoas ordinárias. Para o autor, os desenhos urbanos são concebidos como parte de uma prática capaz de transformar a cidade e não tomando a cidade como lugar para o desenvolvimento de táticas da vida cotidiana.

Nesse sentido, os mapas não só expandem o repertório de ferramentas analíticas e estratégias, mas também sugerem o possível desdobramento de um urbanismo americano específico, baseado nas condições descobertas pela análise.

As medidas da paisagem James Corner, o arquiteto-paisagista americano que tanto tem defendido a capa-cidade transformadora dos mapas, também tem levado a sua própria investigação cartográfica. No seu livro “Taking Measures across the American Landscape”, Corner junto com o fotógrafo Alex MacLean propõem uma pesquisa descritiva da paisagem americana. O objetivo do trabalho é encontrar as imagens que melhor exemplifiquem as várias paisagens agrícolas e tecnológicas da América e compreender como esses ambientes têm sido construídos. O exercício serve de gatilho para uma reflexão so-bre a medida, particularmente, sobre como as medidas usadas para olhar o mundo afetam as ações tomadas e como tipos particulares de realidades são então constru-ídas. Corner decompõe o ato de medir num jogo tripartido de significados: medidas como quantum, medidas como instrumento e medidas como juízo de valor. A inter-relação entre dimensões numéricas, instrumentais e éticas das medidas tomadas

FIV- 8 e 9: Boston, Mario Gandel-sonas. Uma outra decomposição do aparentemente caótico tecido urbano expõe as ruas radiais versus as ruas circunferenciais. A estrutura radio-concêntrica é a força que organiza os elementos urbanos de Boston. Fonte: Gandel-sonas (1999)

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116Sobre os mapas

através do território, juntamente com o potencial de maior reciprocidade e poesia entre elas, formam a base do trabalho de Corner e estruturam o seu discurso.

Afiliado aos princípios da ecologia, não é casual que Corner se incline pelas repre-sentações sinópticas da paisagem de MacLean, visto que é nas fotografias aéreas onde a dependência orgânica entre os seres humanos e o mundo natural é claramen-te confirmada. Segundo Corner, a ecologia inter-relacional -conectando vastas regi-ões fisiográficas- é mais bem compreendida e manipulada desde cima. Finalmente, é isso o que interessa ao autor, instigar relações mais harmoniosas entre pessoas e território:

One of our intentions in this book is to show how actions taken

upon the land can either precipitate or preclude the possibility for

more wholesome and harmonious modes of dwelling. We wish to

argue that to continue to relate to the land either as an exploitable

resource or as merely a scenic phenomenon is to fail to recognize

the dynamic and interactive connectedness between human life

and the natural environment (Corner 1996, p. XIX)6.

O livro, visualmente chamativo, combina textos, fotos e mapas que foram coletados durante várias expedições por ar e por terra. As anotações feitas durante os percur-sos instigaram Corner a fazer uma série de mapas-desenhos, que se transformaram em composições de mapas com imagens fotográficas e de satélites, superpostas com equações dimensionais e logísticas e outras linhas invisíveis de medida.

FIV-10: James Corner, The survey Landscape Accrued. As medidas da terra. A pesar da aplicação mecânica e repetitiva da divisão da terra, uma grande variedade na paisagem tem evoluído no tempo. Fonte: Corner e MacLean (1996)

6_Uma das intenções deste livro é mostrar como ações tomadas sobre o território podem, seja precipitar ou privar a possibilidade de formas mais harmoniosas e integradas de habitar. Desejamos argumentar que continuar se relacionando com a terra tanto como recurso explorável ou como meramente fenômeno cênico é fracassar em reconhecer a conectividade dinâmica entre vida humana e ambiente natural. (Tradução do autor)

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117Sobre os mapas

Segundo o autor, as inscrições, adições e apagamentos que foram subsequentemen-te feitos nos mapas constituem um intento para reconhecer a primazia da medida ra-cional e sinóptica no forjamento da paisagem americana, ao mesmo tempo revelando as dimensões ficcionais e metafóricas da construção da paisagem.

Assim, os mapas-anotações-desenhos destinam-se a complementar as fotografias ao mesmo tempo em que se distanciam delas. Os desenhos aventuram abstrações, visibilizam organizações estratégicas de elementos sobre o solo ou revelam algu-ma escala e estruturas inter-relacionais. Consequentemente, os desenhos elucidam como métodos tipicamente prosaicos e analíticos do planejamento sinóptico e siste-matização da terra escondem um potencial mais criativo e poético.

On the surface, America is a carefully measured landscape of sur-

vey lines, rectangular fields, irrigated circles, highways, railroads,

dams, levees, canals, revetments, pipelines, power plants, ports,

military zones and other such constructions. All are efficiently laid

out with ingenious indifference to the land, crossing desert, forest,

plain, marshes and mountain with a cool, detached and rational

logic. These highly planned constructions are literally measures

that have been taken across the American Landscape in order to

ensure a productive human occupation of the earth and its resour-

ces (Corner 1996, p. 25)7.

Mas Corner também contrapõe às medidas tomadas pelo homem a resistência que exercem as próprias medidas da terra. Essa tensão –entre medida humana e força

FIV-11 e 12: James Corner, Long lots along the Mississippi River. Os rios se transformaram nas principais linhas de organização dos assentamentos. Democrático e equitativo, cada habitante recebe uma porção igual de frente de rio com solo baixo aluvial, e terra alta onde se recolher durante as inun-dações. Fonte: Corner e MacLean (1996)

7_Na superfície, América é uma paisagem cuidadosamente medida de linhas, campos retangulares, círculos irrigados, rodovias, fer-rovias, represas, diques, canais, oleodutos, portos, zonas militares, e outras construções como tal. Todas estão eficientemente arran-jadas com engenhosa indiferença à terra, atravessando desertos, florestas, planícies, pântanos e montanhas com uma lógica fria, distanciada e racional. Estas cons-truções altamente planejadas são literalmente medidas que têm sido tomadas através da paisagem no sentido de assegurar a ocupação humana produtiva da terra e de seus recursos. (Tradução do autor)

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118Sobre os mapas

da natureza- perpassa a maioria dos desenhos e fotografias e atravessa as cinco categorias que estruturam a investigação. Medidas da terra, Medidas de controle, Medidas de regra, Medidas de adaptação e Medidas da fé.

Assim como em Gandelsonas, a grelha americana reaparece como tema de pes-quisa, abrindo especulações sobre as relações entre as medidas de divisão e de-marcação do território e os vindicados valores americanos de democracia, liberdade e ascensão social. Um conjunto de desenhos expõe como a mecânica e repetitiva divisão do território, segundo a National Land Survey do século XVIII, permitiu a evolução de uma paisagem também diversificada. As negociações dos topógrafos com mudanças da topografia, assentamentos pre-existentes, rios, etc. levou a va-riações regionais. Ao mesmo tempo, subdivisões posteriores, diferentes padrões de plantio e usos do solo têm conferido complexidade a uma simples e neutra geometria original.

Em outros exemplos de divisão da terra, as medidas da natureza prevalecem, como no loteamento do rio Mississipi. Nesse caso, é o rio que estabelece o princípio de ordem para a organização dos assentamentos que se dispõem numa série de lotes compridos, perpendiculares à borda do rio. Democrática e equitativamente, cada ha-bitante recebe uma porção igual de frente de rio com solo baixo aluvial e terra alta onde se recolher durante as inundações, compartilhando igualmente, segundo Cor-ner, as riquezas e os riscos do assentamento em área inundável.

FIV-13: James Corner, Nahavo Spring-Line Fields. As medidas de adaptação. Pequenos canais e barragens captam e distribuem a pouca água que se infiltra de entre a escarpa de uma grande meseta. A água, cuidadosamente distribuída junto à parede do barranco que protege das geadas, permite o crescimento de um jardim verde no deserto. Fonte: Corner e MacLean (1996)

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119Sobre os mapas

Se, por um lado, as imagens de sofisticadas irrigações no meio do deserto suscitam ao mesmo tempo fascinação e questionamentos sobre a supremacia da tecnologia frente às limitações dos recursos naturais –por exemplo, os efeitos de desertificação subterrânea-, outros mapas mostram como é possível uma relação mais harmonio-sa, de negociação entre homem e meio-ambiente, onde existe adaptação sem que haja dominação de um sobre o outro. Este é o caso das linhas de irrigação no Arizo-na, que se constroem com pequenos canos e barragens que captam e distribuem a pouca água que se infiltra dentre a escarpa de uma grande meseta. A água, cuidado-samente distribuída junto à parede do barranco que protege das geadas, possibilita o crescimento de um jardim verde no deserto. Os exemplos se repetem, constituindo um extenso panorama da paisagem america-na e dos mecanismos que forjaram e continuam forjando a sua construção. Corner acredita que mudanças em práticas culturais e em modos de entendimento podem preceder ou seguir inovações em representação. A originalidade dos mapas e dos diálogos com a fotografia, sem dúvida, são sugestivos modos alternativos de olhar e portanto de atuar sobre a geografia cambiante da América. Drosscape. As paisagens residuaisSeguidor da escola de James Corner, o também arquiteto paisagista Alan Berger desenvolve uma pesquisa quantitativa e visual do espaço residual decorrente dos processos do chamado sprawl americano. Definitivamente engajado com a emergên-cia de novas paisagens oriundas de novas atividades industriais, econômicas e de

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120Sobre os mapas

FIV- 14, 15 e 16: Alan Berger, Chica-go. Indicadores entrópicos: geografia de espaços residuais. Gráfico de dispersão: afastandose do centro da cidade duas claras depressões na densidade populacional podem ser medidas. Quadro axial: desde 1977 o condado central de Chicago perdeu mais de 4000 fábricas, o que representa 35%. O maior e sustetado crescimento fabril nesta região está localizado 30 a 50 milhas do centro da cidade. Fonte: Berger (2006)

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121Sobre os mapas

consumo, Berger se interessa pela recuperação da paisagem in-between, entre deux e pela definição de um novo vocabulário para a cidade horizontal.

A sua tese defende que o desperdício é um componente natural de toda cidade que evolui dinamicamente. Dross (escória, desperdício, resíduo) é, como tal, indicador de crescimento urbano saudável. Berger sustenta que sprawl é um termo obsoleto e que se estender em retóricas polarizadas sobre sprawl –das críticas negativas à defesa- não soa produtivo para o avanço do conhecimento sobre o urbano. O termo urban-sprawl e as retóricas pró e contra sprawl se tornam obsoletas ante a afirmação de que não existe crescimento sem resíduos e que crescimento urbano e desperdício andam juntos.

O trabalho faz uma análise quantitativa e visual de dez regiões urbanizadas, espa-lhadas em diversas locações dos EEUU. Berger assinala que medir as dinâmicas de urbanização para poder ver os efeitos na paisagem é um tema representacional. Os mapas e imagens que compõem a pesquisa revelam as relações entre paisagem residual e urbanização. As categorias que conformam o universo de paisagens de Berger incluem desde extensas áreas de moradia suburbana, a edifícios transitórios de armazenamento, espaços entre infraestruturas, lixões e aterros, grandes exten-sões de logística e comércio, áreas contaminadas e abandonadas decorrentes dos processos de desindustrialização, entre outras.

Essas paisagens residuais em cada uma das áreas são compostas através de re-presentações gráficas que combinam dados geoespaciais, resultados empíricos do censo e imaginário espacial. Em conjunto, estas representações e as combinações de informação que elas apontam geram oportunidades para reconceptualizar paisa-gens residuais no mundo urbano.

Para cada região Berger elabora três tipos de gráficos: o primeiro representa um mapeamento que pretende entender a geografia das paisagens de desperdício, lo-calizando as paisagens residuais previamente definidas; o segundo é um gráfico de dispersão que mostra para cada quadrante da cidade os picos e depressões de den-sidade populacional, evidenciando os espaços in-between e de fronteira; e o último quadro axial mostra as mudanças –crescimento e decadência- das indústrias nos últimos anos.

As informações podem ser lidas simultaneamente em múltiplas vistas e escalas. A variedade das técnicas de representação fornece a cola que permite ao leitor ligar e derivar associações entre facetas diferentes da urbanização no tempo. Paralelamen-

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122Sobre os mapas

te, fotografias são inseridas nos gráficos para prover evidência específica do lugar, das condições do solo reveladas no mapa e nos quadros e complementam a visão macro com aquela da escala do indivíduo.

Sem entrar em discussões sobre projeto, Berger consegue com seus mapas inserir uma agenda nova para o urbanismo. O trabalho é um manifesto pela emergência de um novo paradigma que convoca desenhistas e profissionais que lidam com a orde-nação do espaço a repensar o desenho urbano, a considerar o trabalho nas margens mais do que no centro, atendendo ao que a paisagem significa para o urbanismo e os processos de urbanização.

O termo Drosscape é criado para descrever uma pedagogia de desenho que enfatiza a integração produtiva e o reuso de paisagens residuais através do mundo urbano e transforma desperdício (real ou percebido) em paisagens mais produtivas.

As condições desses lugares apresentam um novo conjunto de desafios ao paisagis-mo e aos profissionais de desenho de infraestruturas e edifícios, que devem encarar as dimensões espaço-temporais da recuperação porquanto o lugar é de-contamina-do, re-regulado, ou transformado para outros usos.

Urban Flotsam: agitando a cidadeNo contexto europeu, Raoul Bunschoten e o grupo Chora têm experimentado novas práticas de representação e de intervenção na cidade. Ligado à Architectural Asso-ciation, na Grã Bretanha, e ao Berlage Institute, na Holanda, o Chora tem funcionado

FIV-17, 18 e 19: Raoul Bunschoten. Linz, Quadro I The Echo Chamber com atores e agentes (letras) e luga-res (números). Quadro II The Loom, e Quadro III The Agora. Fonte: Buns-choten (2001)

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123Sobre os mapas

como laboratório que combina prática e pesquisa, teoria e projeto, buscando respos-tas à crescente complexidade das cidades.

Altamente experimental a pesquisa de Raoul Bunschoten representa uma outra linha de trabalho com mapas. Mais perto das experiências da psicogeografia dos situa-cionistas franceses, o trabalho, reunido no livro “Urban Flotsam”, apresenta uma abordagem pessoal e original.

O autor define a cidade como uma pele elástica e cambiante, uma forma de vida que tem emoções. Essas emoções são denominadas condições protourbanas, que são as condições que agitam a pele. Para reconhecer essas condições e suas manifes-tações são necessários novos olhos, novas miradas.

Immersion in the city with new eyes means walking through it,

entering its flux, encountering emergent phenomena, recognizing

them as manifestations of proto-urban conditions, sorting them into

boxes (Bunschoten 2001, p. 75)8.

Para Bunschoten projetar a cidade é como brincar. Envolve escolhas aleatórias, des-cobertas, achados. No jogo novas possibilidades podem ser exploradas. Descrição e projeção se misturam de tal forma que não é possível diferenciar uma da outra. Buns-choten entra na cidade à procura das condições protourbanas que são identificadas e isoladas numa série de quadros, dispositivos de observação e de operações. Esses quadros são ao mesmo tempo um modelo dinâmico e uma mostra em pequena es-cala de fenômenos mais complexos que acontecem na cidade.

Os quadros representam tanto limites físicos como espaços simbólicos, desvelando dimensões materiais e imateriais da cidade. Além das manifestações das condições protourbanas o autor também se interessa por identificar conflitos. Para Bunschoten, conflitos são passos (step-stones) no desenvolvimento de encenações, ferramentas que provocam inteirações entre atores e agentes que de outra maneira não se en-contrariam.

Uma vez caracterizados os quadros, os agentes e os conflitos só resta imaginar um novo set de relações: cenários. Cenários são narrações de possibilidades urbanas, realidades e práticas alternativas. Os mapas se transformam em “mesa de jogo”, o campo semântico onde edifícios singulares, caracteres geográficos, instituições, eventos e grupos sociais são identificados junto com novas ligações, fluxos e rela-ções que permitem desenhar um cenário novo possível e temporal para a emergên-cia de projetos.

8_Imersão na cidade com novos olhos significa caminhar através dela, entrar em seus fluxos, en-contrar fenômenos emergentes, reconhecê-los como manifestações de condições protourbanas e organizá-las em caixas. (Tradução do autor)

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124Sobre os mapas

Uma boa ilustração da metodologia utilizada por Bunschoten nós podemos encontrar no projeto para a cidade de Linz, na Áustria. O foco do estudo está nas mudanças na periferia da cidade decorrentes, dentre outras causas, do declínio da indústria do aço, do êxodo em direção aos subúrbios de grande parte da população trabalhadora, da queda da “cortina de ferro” e do crescente afluxo de estrangeiros à cidade.

A periferia representa um campo de especial interesse, já que é nas bordas que as chamadas condições protourbanas são mais ativas. Segundo Bunschoten, nas periferias é que a cidade se mostra em seu estado mais cru e inalterável, onde existe dissolução entre cidade e paisagem, onde limites estão constantemente sendo trans-gredidos e negociados, onde nada é estabelecido.

Neste contexto o autor se pergunta: como transformar a periferia numa demonstra-ção, numa narrativa das transformações de sua identidade? Quais métodos podem modelar um ambiente dinâmico que permita desenvolver uma série de conclusões e formular projetos que demonstrem o potencial envolvido nas mudanças?

Quatro espaços periféricos são identificados como singularidades, sítios primários de conflito. Cada seção periférica é caracterizada através de um quadro, atuando como um dispositivo ótico focalizado nessa área. Os quadros são também umbrais entre o centro e a periferia, espaços instrumentais para o desenvolvimento de cada setor, o quadro protourbano. Ao mesmo tempo, para estimular e descrever cenários, para cada espaço são propostas revelações (unfoldings), os cenários narrativos.

O primeiro quadro (the echo chamber) se localiza no vale norte da cidade, um es-paço liminar em grande escala onde instituições culturais e eventos são utilizados para reorganizar áreas da cidade carentes de câmbio e criar temporariamente uma realidade alternativa. A proposta inclui a institucionalização do lugar e sua ligação a uma linha de instituições culturais, desde o castelo existente até o proposto parque do outro lado do porto, e envolve vários atores que animam ou ativam possíveis constelações de eventos efêmeros.

O segundo quadro (the loom) é outra área industrial adjacente à cidade, flanquea-da pelo rio Danúbio e por infraestruturas que a separam da cidade: uma paisagem industrial altamente estruturada na qual os principais atores estão ou mudando ou saindo. A proposta inclui o nomeado de zonas que potencialmente formam uma pon-te entre a cidade e o rio, e o nomeado de utilidades públicas existentes, situadas na borda original da cidade. A revelação (unfolding) prevê uma tessitura entre os

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125Sobre os mapas

atores e desenvolvimentos existentes, usando zonas como catalisadores para novos desenvolvimentos

O terceiro quadro (the agora) é uma comunidade virtual de aglomerações periféricas e amorfas, posicionadas entre o leito do rio e planícies inundáveis, se espalhando em padrões informais entre 16 municipalidades e entre infraestruturas regionais e nacio-nais. Estendendo-se para além dos limites do município de Linz, o terceiro cenário é mais uma proposta de gerenciamento do que um novo espaço político e a proposta de um espaço público alternativo.

O último quadro (the free house). Uma periferia cultural e social de “estrangeiros” que não tem participação social e política, mas são ativos como economia branda. Este quadro é o menos “formal” em aparência e pretende mapear fluxos sociais e migrató-rios que fazem parte de uma estrutura branda que tem um papel na dinâmica urbana, mas que ainda resiste à institucionalização. A revelação (unfolding), neste caso, inclui o estabelecimento de uma política cultural de integração e incorpora intervenções físicas que se justapõem aos quadros anteriores.

Especulativo e original, o trabalho de Bunschoten procura mapear as emoções que agitam a cidade. Seu método de mapeamento exige uma grande capacidade de observação para poder detectar aqueles elementos existentes, materiais e imateriais -desde a tradição de eventos teatrais a um prédio abandonado ou a uma estrutura geológica- que podem ser reforçados e transformados em ferramentas de planeja-mento.

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126Sobre os mapas

Deccan TraversesFora das especulações sobre as cidades e territórios do mundo chamado “desen-volvido”, o trabalho do casal Anuradha Mathur e Dilip da Cunha explora técnicas de mapeamento para compreender a formação e a valoração da paisagem no território indiano de Bangalore. Deccan Traverses é uma exploração do território que uma vez foi identificado como “país nu” pelos colonizadores e que, depois de várias transfor-mações, ainda hoje é conhecido como a Cidade-Jardim da Índia.

Não só as flores têm sido cultivadas, mas também uma visão e uma forma de apre-ender o território que tem uma história. Esta paisagem, que não é apenas superficial mas que provê um vocabulário da terra é o tema de pesquisa. Entre arqueólogos, topógrafos e cartógrafos Mathur e da Cunha realizam, com olhar renovado, um outro descobrimento do território, uma versão contemporânea do gazetteer3. Essa empre-sa descritiva procura entender como a paisagem foi sendo construída nos últimos dois séculos a partir de materiais, ideias, imagens, habilidades e uma mirada que, segundo os autores, são hoje desconsideradas na administração, educação e plane-jamento da cidade.

Deccan Traverses recounts our engagement with this less evident

Bangalore, a place of potential rather than identity. It demands a

shift in perception from seeing a place constrained by a timeline

and held by the spatial limits of a municipality or metropolis, to

seeing a gathering of materials and events each exerting its own

presence, trajectory and ambition for a “naked country”. It is not

surprising tha there is little written about his Bangalore. Our educa-

FIV-20 e 21: Mathur e da Cunha. Triangulating. Milhares de tanques. No território de Bangalore os tanques são uma forma de vida. Discretas linhas de montículos com comportas formam a paisagem. Mathur e da Cunha (2006)

3_Um gazetteer é um dicionário ou um diretório geográfico, uma referência importante para a in-formação sobre lugares, incluindo história, geografia, flora, fauna, etnografia, etc. Uma forma de descrição para administrar e go-vernar utilizada como ferramenta pelos colonizadores da Índia no século XIX.

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127Sobre os mapas

tion and administration privilege the seeing of a defined if not physi-

cally demarcated entity (city), and not an extended material terrain

(Mathur e da Cunha 2006, p. 5)9.

Metodologicamente, a pesquisa é um campo aberto de conversações, fotografias de expedições, desenhos de medidas, pesquisa de arquivos e investigações materiais que, após muitas especulações, foram organizados em quatro empresas: Surveying: reconstrói as múltiplas expedições geodésicas que documentaram o território e enfatiza a sua habilidade para estabelecer um quadro infraestrutural do território. Triangulating: documenta as primeiras ações urbanísticas que determinaram a fun-dação de Bangalore e que marcaram os parâmetros de seu crescimento. Picturing: introduz o papel da arte pitoresca como uma prática estética e científica que contém uma grande habilidade para identificar, arquivar e transplantar diversos elementos da paisagem e da cultura. Botanizing: utiliza o jardim público mais importante da cidade para uma narrativa visual que explica a complexa matriz botânica de Bangalore.

Os mapas-canvas que compõem o trabalho reúnem um conjunto variado de mate-riais, documentos encontrados, fotografias, desenhos de linha, seções e “sugerem um modo de atravessar esses terrenos construídos”. Com grande dimensão poética, os mapas quebram convenções cartográficas e revelam a construção cultural do território. Dessa maneira, questionam também a forma em que ele é hoje concebido e projetado.

FIV-22 e 23: Mathur e da Cunha. Botanizing. Rosqueadas em cor-das, as flores têm uma segunda vida na cidade ao serem distribuí-das em mercados, templos, casas e ao redor da cidade nos cabelos das mulheres. Produzidas em hectares e vendidas por quilo, as flores são menos para serem apre-ciadas e mais para serem usadas em festivais e rituais. Fonte: Mathur e da Cunha (2006)

9_Deccan Traverses descreve nosso compromisso com este Bangalore menos evidente, um lugar de potencial mais que de identidade. Demanda um desloca-mento na mirada do lugar, limitado pelo tempo e contido por limites espaciais de uma municipalidade ou metrópole, para mirar um conjunto de matérias e eventos, cada um exercendo sua própria presença, trajetória e ambição para um país desnudo. Não é uma sur-presa que tem muito pouco escrito deste Bangalore. Nossa educação e administração privilegiam o olhar de uma entidade definida senão fisicamente demarcada (cidade), e não um terreno material estendido. (Tradução do autor)

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128Sobre os mapas

Deccan Traverses is ultimately a platform for engaging Bangalore

as an open terrain, for recovering the moments of wonder that

make the ordinary extraordinary; for seeding new initiatives that

cultivate fresh vocabularies and trajectories for future interventions

(Mathur e da Cunha 2006, p. 7)10.

Descrever, revelar, uma forma de entenderO que podemos apreender destas variadas expressões de mapeamento? Os quatro exemplos discutidos aqui – e a lista poderia se estender- utilizam o mapeamento como uma forma de descoberta, uma ferramenta para decompor a complexidade do território ou torná-lo inteligível. Sugerem portanto um modo de aproximação e de projeção que envolve um esforço descritivo e revelador antes que a imposição de um projeto idealizado desde o topo.

A representação gráfica dessas descobertas, como já foi discutido, não é inocente nem desprovida de objetivo, mas implica um contínuo julgamento, interpretação e seleção dos dados e materiais que configuram o mapa. Leituras e releituras são filtradas pelas intenções e teses de cada mapeador, ao mesmo tempo em que cada descoberta questiona e modifica as mesmas teses.

Os mapas retratam estruturas e organizações ocultas –Gandelsonas, Corner; apre-sentam dados de forma criativa –Berger; isolam elementos e atores –Bunschoten; escavam materiais e eventos –Dilip e da Cunha; e decompõem as lógicas que dão forma ao território. A capacidade de revelar e reformular o que já existe supõe muito mais que os caracteres físicos do terreno, mas também as forças escondidas subja-centes à construção de um determinado lugar.

Esta ênfase nos processos antes que na forma –talvez menos evidente no trabalho de Gandelsonas- demonstra uma forma renovada de entender a cidade e o território, menos determinada formalmente e mais como expressão contingente de dinâmicos processos naturais, sociais e políticos. A dimensão temporal e imaterial desses pro-cessos talvez seja o maior desafio para o mapeamento da cidade contemporânea.

10_Deccan traverses é finalmente uma plataforma para incorporar Bangalore como terreno aberto, para recuperar os momentos de maravilha que fizeram do ordinário extraordinário, para semear novas iniciativas e cultivar vocabulários frescos e trajetórias para interven-ções futuras. (Tradução do autor)

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129Rio de Janeiro: Explorações na subúrbio fluminense

PARTE II

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130Rio de Janeiro: Explorações na subúrbio fluminense

“Représenter le territoire c’est déjà le saisir. Or cette représentation n’est pas un calque, mais toujours une construction” André Corboz

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131Rio de Janeiro: Explorações na subúrbio fluminense

05.Rio de Janeiro: Explorações no subúrbio fluminense

Rio de Janeiro MetrópoleCom uma população de mais de 11 milhões de habitantes e uma superfície de 5.693 km², a região metropolitana do Rio de Janeiro é a segunda maior do país depois de São Paulo. Representa 13% do território do Estado e 75 % de sua população, com uma de cada três pessoas do Estado morando na capital e três de cada quatro na sua região metropolitana.

Administrativamente, a região metropolitana do Rio de Janeiro é composta hoje, se-gundo a Lei Complementar n° 105 de 2002, por 17 municípios: Rio de Janeiro, Bel-ford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Japeri, Magé, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica, Mesquita e Tinguá. Recentes reorganizações políticas determinaram que municípios que ainda mantêm fortes ligações com a capital passam a fazer parte de outras regiões, como Itaguaí e Mangaratiba, que pertencem oficialmente à região da Costa Verde, Maricá à Baixada Litorânea e Petrópolis à Região Serrana.

Mas os limites reais da região metropolitana são imprecisos. A metropolização do espaço abrange um território mais amplo, definido pela acessibilidade e pela cir-culação, que traspassa divisões administrativas reconhecidas (Davinovich, 2001). Numa panorâmica em grande escala, poderíamos observar um sistema integrado de áreas metropolitanas, onde Rio e São Paulo aparecem como os núcleos principais, enquanto um grande número de pequenos núcleos interligados se espalha no territó-rio1. A visão hierárquica e concêntrica de centro e periferia se dilui numa constelação de múltiplos núcleos, conectados por infraestruturas físicas e virtuais.

Com base nas discussões teóricas precedentes, apresentamos neste capítulo o caso específico de estudo, a Baixada Fluminense. Concentramo-nos em compreender a materialidade e a espacialidade próprias de uma porção da periferia metropolitana do Rio de Janeiro. O foco está na relação dialé-tica entre a matriz biofísica (espaço “recebido”) e as transformações sofridas no tempo –o espaço construído. Analisam-se as condições físicas (relevo, hidrografia, geologia, cobertura vegetal, etc.), superpostas e inter-relacionadas às ações do homem. Um conjunto de mapas históricos foram utiliza-dos como dispositivos que revelam uma forma específica de visão e representação do território e uma ferramenta de pesquisa. Dois aspectos foram destacados, por um lado as infraestruturas que serviram de ossatura ao território, e por outro a mudança dos usos que modificaram a paisagem no tempo.

1_ A proposta de uma Região Ur-bana Global (RUG) já foi estudada e proposta pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica aplicada). Ver o relatório elaborado em 1999 por Roberto Cavalcanti de Albuquerque em : http://www.ipea.gov.br.

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132Rio de Janeiro: Explorações na subúrbio fluminense

FV-1 e 2: A metropolização do es-paço. Rio de Janeiro e São Paulo, sistema integrado de áreas metro-politanas. Fonte: Elaborado pelo autor sobre base Google Maps

Esse processo parece, a primeira vista, mais intenso nas redondezas de São Paulo, o que pode ser atribuído por um lado, à geografia, por outro à intensidade dos pro-cessos globalizantes da maior metrópole sul-americana em relação ao Rio de Ja-neiro que tem sofrido, nas últimas décadas, um esvaziamento político e econômico. Enquanto no Estado de São Paulo a dispersão parece mais intensa e estilhaçada, no Rio de Janeiro, podemos identificar uma organização mais linear segundo as principais infraestruturas de mobilidade. O eixo de ligação com São Paulo, através da rodovia Presidente Dutra e seguindo o vale do Paraíba, aparece como um contínuo (sub)urbano, uma cidade linear de quase 400 quilômetros de extensão. Outros eixos de expansão da metrópole carioca seguem, para o norte, em direção a Petrópolis, e para o leste, em direção à região dos Lagos.

A periferia metropolitana do Rio de Janeiro é sem dúvida um território dinâmico em transformação. Representa a fronteira sempre flutuante de expansão, mostra dinâ-micas demográficas mais intensas que a capital e é o território onde se concentram diferentes investimentos públicos e privados. Inúmeros projetos em curso no território metropolitano acarretarão transformações importantes nos próximos anos. A constru-ção do anel rodoviário, a expansão do porto de Sepetiba, a expansão das atividades petroleiras, os planos para o trem de alta velocidade entre Rio e São Paulo, etc., em diferentes graus de concretude, intensificarão as mudanças em curso e trarão novos desafios projetuais.

Por outro lado, e se diferenciando das descrições otimistas, o espaço metropolitano caracteriza-se fortemente pelas suas carências. Conflitos ambientais, pobreza, vio-

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lência, falta de qualidade urbana e de infraestrutura, entre outros problemas, definem o ambiente onde vivem mais de 5 milhões de pessoas.

Enquanto este é o quadro, quase nada sabemos da materialidade metropolitana. Existem inumeráveis pesquisas com perspectiva social sobre as periferias -geral-mente focadas em demonstrar como tem se dado o processo de construção diferen-ciada do espaço fluminense- mas muito poucas voltadas para o ponto de vista es-pacial. O território metropolitano é comumente representado com grande abstração, através de dados estatísticos, ou de sínteses gráficas (linhas e manchas) incapazes de transmitir as condições reais do espaço urbano.

Flavio Villaça (1998) e Nestor Goulart Reis (2006) chamam a atenção para a necessi-dade de estudar as áreas internas dos espaços da metropolização sob perspectivas urbanas e não meramente de análise regional. Para Villaça, os espaços da metropo-lização são também cidades e, como tal, devem ser objeto de análises intraurbanas. Goulart Reis, desde sua perspectiva como arquiteto, valoriza uma abordagem de base empírica, com análises que partem da lógica do projeto, dos espaços construí-dos e dos modos de produção material:

As condições em que ocorrem as diferentes modalidades e for-

mas de organização do espaço intraurbano devem ser estudadas

também de modo especial pelas condições materiais de suas

configurações em toda sua diversidade. O espaço intraurbano

é fundamentalmente concreto e tende a ser registrado por suas

formas geométricas de divisão e edificação (tecido urbano), pela

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infraestrutura e pelos serviços de mercado e uso. É constituído

também pelos espaços já acessíveis, mas ainda não edificados de

valor determinado por essa potencialidade, por essa virtualidade.

São espaços cuja análise envolve questões sobre a racionalidade

dos projetos (Goulart Reis, 2006:42).

O mesmo autor recomenda que, para poder compreender a urbanização dispersa, duas escalas devem ser estudadas: uma escala metropolitana onde podemos obser-var a nebulosa de nós e vazios interligados e uma outra, a do tecido urbano, onde se definem as relações entre espaço público e privado.

Em consonância com a proposta de Goulart Reis, o objetivo deste capítulo é estu-dar as relações entre a forma recebida -a identidade natural- e a cidade criada -a forma elaborada. A intenção é poder compreender essa relação no tempo, quais as mediações entre ambas as esferas, para logo depois descobrir onde jazem as oportunidades de projeto.

As análises se concentraram assim, numa primeira instância, na descrição das con-dições físicas que formam a identidade natural, entendidas como o resultado das evoluções geológica e biológica que existem como uma soma de processos e que têm sido modificadas pelo homem (McHarg, [1969] 2000).

Em seguida, uma análise histórica busca compreender as adaptações culturais que se refletem no conjunto de transformações do meio, na ocupação do território e na conformação dos tecidos urbanos; localizando as forças culturais, sociais e econômi-cas que modelaram a paisagem no tempo. A construção articulará dados bibliográ-ficos, cartografias, imagens e desenhos que ajudam a tornar legíveis os processos que intervieram na formação do território e as lógicas que determinaram sua forma e identidade.

Baixada Fluminense, um recorteÉ difícil determinar os limites da Baixada Fluminense, já que não há um consenso na sua definição. Geograficamente, podemos entender a Baixada –planície entre montanhas- como o território plano que se estende entre “a muralha abrupta de cen-tenas de metros de altitude da serra do Mar e o oceano”, abraçando desde a baía da Ilha Grande até o Campo de Goitacazes, perto do limite com o Espírito Santo, incluindo, portanto, um extensíssimo território e uma enorme variedade de situações fisiográficas.

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FV-3: Recorte de estudo: Baixada Fluminense. Fonte: Autor

Politicamente, vários autores identificam a Baixada Fluminense como uma porção do território da periferia metropolitana antigamente denominada Baixada da Guana-bara. Um grupo de municípios, ao norte do Rio de Janeiro, que compartilham tanto características físicas como uma história de desenvolvimento similar; não obstante a definição precisa de quais os municípios que o compõe se mantenha ambígua. Segundo Simões (2007), existe um núcleo duro, sobre o qual não existem dúvidas quanto à sua pertença, formado pelos municípios de Nova Iguaçu –incluindo os seus desmembramentos mais recentes2- e Duque de Caxias. Outros autores incluem tam-bém, para o leste, os municípios de Magé e Guapimirim e, para oeste, Seropédica, Paracambi e Itaguaí.

Para o objeto de nosso trabalho são pouco relevantes as divisões administrativas. O que nos interessa é estudar um recorte do tecido metropolitano que possa apresentar a maior quantidade de elementos constitutivos e revelar a sua complexidade. Assim, o recorte espacial escolhido –embora focado na Baixada Fluminense- não responde

2_Belford Roxo foi desmembrado de Nova Iguaçu em 1990, do mesmo modo que Queimados. Em 1991 foi Japeri e finalmente, em 1999, Mesquita.

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1974

1984

1994

FV-4: Evolução da região metro-politana de Rio de Janeiro. Fonte: Elaborado pelo autor sobre base da Fundação Cide

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a divisões geopolíticas precisas nem a escalas determinadas. O objetivo é poder flu-tuar entre olhares territoriais e locais percorrendo um conjunto de diferentes escalas. Tomaremos, para começar, o recorte expandido da Baixada política, para logo entrar numa janela que inclui parte dos municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Bel-ford Roxo, São João de Meriti, Nilópolis e Mesquita, e que se aproxima –mas não se reduz a ele- do recorte hidrográfico da bacia do rio Iguaçu. Outras janelas enquadram escalas menores, retratando situações específicas. Cada escala tem associado um tipo de fenômeno que se torna incompreensível se contemplado desde demasiado longe ou demasiado perto (Folch, 2003). Ao mesmo tempo, o trânsito entre as várias escalas permite visualizar as relações entre o local e a biorregião, criando conexões entre elementos díspares e revelando possibilidades que de outra forma não seriam visíveis.

To properly understand a local place therefore requires an unders-

tanding of its larger context – the watershed and bio-region in whi-

ch it lies. At the same time, understanding of the bio-region begins

with its local places (Hough 1995, p.16)3.

A forma recebidaRelevoA Baixada –como o seu próprio nome indica- se caracteriza por ser um território principalmente plano. Enquadrada, ao norte, pelo sopé da escarpa da serra do Mar, ao sul, pelo maciço de Gericinó- Mendanha, a leste, pela baía de Guanabara e a oeste, pela baía de Sepetiba. Esta configuração topográfica determina o seu caráter de insularidade, de entre-deux, com abruptos contrastes entre a planície e os fundos montanhosos. O plano, por sua vez, salpicado por colinas, configura uma superfície de suaves ondulações que contornam as planícies fluviais.

Em relação à altura e ao tipo de declividade, podemos identificar três formações diferentes: as superfícies planas que não ultrapassam os dez metros acima do nível do mar com uma declividade inferior a 10%, formadas por leques aluviais, terraços fluviais e planícies de inundação, convergentes aos amplos vales fluviais dos baixos cursos. Em segundo lugar, as colinas e morros baixos, comumente denominados de meia-laranja. Eles apresentam forma arredondada e suave declive, não superando 100 metros de altura. Distribuem-se de forma regular, pontilhando a planície, ganhan-do um pouco mais de altura ao se aproximarem das serras. Por último, os grandes maciços; ao norte, a transição com o planalto se dá através da escarpa serrana, ao sul, e marcando a entrada à Baixada Fluminense desde a capital, o maciço de Gericinó-Mendanha.

3_Compreender corretamente um lugar local exige consequentemen-te uma compreensão de seu con-texto maior – a bacia e a biorregião onde se encontra. Ao mesmo tem-po, a compreensão da biorregião começa com seus lugares locais.

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Fortemente alinhadas sob direção WSW-ENE, as escarpas serranas apresentam, em geral, desnivelamentos extremamente elevados, por vezes, superiores a 2 mil metros, com vertentes muito íngremes e rochosas, porém os picos mais altos se en-contram nos municípios de Teresópolis e Petrópolis. Duas unidades se diferenciam geomorfologicamente (CPRM, 2001). A primeira, denominada escarpa das serras de Araras e Paracambi, de altitudes mais modestas (entre 500 e 700m) e cristas amor-readas emoldura, a oeste, o recôncavo da baixada de Sepetiba. A segunda unidade corresponde à escarpa das serras do Couto e dos Órgãos. Descrita como uma mu-ralha montanhosa, a escarpa delimita o recôncavo da bacia da baía de Guanabara. Separada da unidade anterior pelo vale profundo do rio Santana, perto da localidade de Japeri, se prolonga como um paredão monolítico até as proximidades de Nova Friburgo. Com vertentes muito íngremes e topos aguçados, distingue-se como uma majestosa e abrupta barreira orográfica, de orientação WSW-ENE, sendo que sua linha de cumeada mostra uma significativa elevação de oeste para leste que varia de 900 para 1.500 metros. Incrustado dentro da escarpa serrana encontramos o maciço do Tinguá, de origem vulcânica, ele apresenta formato dômico bem definido, alcan-çando 1600 metros de altura. Em seu topo, ressaltam cristas de estruturas anelares, sugerindo o rebordo de uma antiga cratera. A face sul do maciço do Tinguá forma um escarpamento íngreme e imponente em direção à planície fluvial do rio Iguaçu, onde se situam as localidades de Adrianópolis, Cava e Rio D´Ouro. A face norte, delimita-se com a escarpa da serra da Bandeira através do vale do rio São Pedro. Em sua face leste, o importante escarpamento do maciço tem continuidade em direção a Petrópolis por meio da serra do Couto, conferindo aspecto monolítico a esse trecho da serra do Mar (CPRM, 2001).

Limitando ao sul, isolado e contrastando com as planícies adjacentes, o maciço do Mendanha tem forma alongada também em direção WSW-ENE, atingindo altitudes superiores a 800 metros (serra de Madureira – 940m). O morro de Marapicu (620m) integra essa unidade, apresentando uma perfeita morfologia de cone vulcânico pre-servando estruturas anelares. Essas estruturas também ocorrem no restante do ma-ciço, porém são menos relevantes que as estruturas WSW-ENE, que controlam a direção das cristas e drenagens principais (Costa, 1984).

Condições ambientaisA geologia histórica e o clima conformaram a forma básica da Baixada Fluminense, o que nos permite também estudar e compreender a forma, a distribuição e as proprie-dades dos solos e os ecossistemas associados a eles. Sem dúvida, a Baixada Flu-minense é um território que foi –e continua sendo- modelado pela água. Seja por in-vasão do mar ou por sedimentos arrastados pelos rios, a paisagem foi modelada por

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RelevoFV-5: Relevo. Contrastes. O plano enquadrado e os fundos monta-nhosos. A planície salpicada por colinas. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide.

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processos de erosão e deposição, dinâmicas que continuam ainda hoje. Os rios que descem com força das serras e se perdem lentamente em meandros nas planícies, as enxurradas que arrastam sedimentos até encontrar os rios, os ritmos da maré que nas suas oscilações diárias cria as condições para que os manguezais retenham os sedimentos e sigam com o processo de modelação de uma nova costa, etc.

Em torno da baía de Guanabara, e por efeito da maré, encontramos manguezais e terrenos alagadiços. Os mangues são compostos por uma mistura de terras argilo-sas, matéria orgânica e restos de conchas e vegetais. A vegetação típica de mangue cumpre importante função na deposição e fixação dos sedimentos, mantendo um equilíbrio entre erosão e deposição e contribuindo para a manutenção do calado dos canais e cursos d’ água. Os alagadiços, de solos moles de origem fluvial e ambiente marinho, ocorrem em torno das depressões das planícies litorâneas. A baixa per-meabilidade do solo argiloso e a má drenabilidade dos terrenos tornam essas áreas constantemente encharcadas, com um nível de água raso e aflorante.

Junto às margens dos rios estão os terrenos aluviais, de formação mais recente. Identificamos, segundo a composição do solo, dois tipos: os argilosos e os arenosos. Os primeiros se expandem nos cursos baixos dos rios, perto do entorno da baía de Guanabara, enquanto os arenosos predominam no interior, encaixados entre os morros e serras do cristalino e as planícies. Os típicos morros arredondados da Baixada são resíduos degradados de rochas cris-talinas cobertos por solos vermelhos e siltosos, cujo substrato é predominantemente gnáissico e migmatítico (CPRM, 2001). Este tipo de morro sofreu intensa extração no processo de expansão urbana sobre o território da Baixada, provendo o barro e o saibro para o aterro dos terrenos alagadiços (Leite Mansur, 2000). A extração de saibro (como também de areia e outros minerais) continua sendo hoje uma atividade importante, com consideráveis consequências nas condições ambientais e na paisa-gem: uma descaracterização geral da topografia com o lento aplanamento dos mor-ros, a perda de cobertura vegetal, ravinamentos e desmoronamentos nas encostas, assoreamento dos sistemas pluviais, entre outras.

Junto à base e a meia encosta das montanhas e serras os solos são heterogêneos, resultado do acúmulo de material detrítico, formando depósitos de tálus. Estão com-postos por uma granulometria que envolve desde argila até blocos e matacões de rocha, outorgando-lhes um caráter inconsolidado. Tal situação propicia o acúmulo e a circulação intensa e desordenada de água, cujos fluxos variam ao longo do processo de acomodação destes depósitos (Fundação Cide, 1995).

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Condições ambientais

FV-6: Condições ambientais. A paisagem foi –e continua sendo- modelada por processos de erosão e deposição. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide.

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Também formado por acúmulo de material, o colúvio forma rampas junto à base de morros, montanhas e serras. Constituído por material de espessura e extensão variadas, com granulometria que envolve desde argila até cascalhos, eventualmente contendo blocos de rocha. Já nos morros isolados observamos dois tipos de formações, os morros gnaisses, onde predominam gnaisses, migmatitos e xistos, e os morros de rochas graníticas e alcalinas. Ambos apresentam solos arenosos pouco desenvolvidos e com alto grau de erodibilidade. Nas montanhas e encostas de maior declividade, encontramos tam-bém xistos, gnaisses e migmatitos e, localizadamente, granitos e rochas alcalinas com afloramentos rochosos e solos pouco espessos (Fundação Cide, 1995).

Cobertura vegetalConhecer as condições naturais do solo permite-nos entender melhor a lógica das atividades e usos que se instalaram no território. Porém, precisamos conhecer tam-bém os valores econômicos, sociais e culturais que vêm transformando esse ter-ritório no tempo. Os usos, maus-usos e desusos da terra poderão ser mais bem compreendidos à luz da história da Baixada Fluminense. O mapa atual da cobertura vegetal e uso do solo apresenta um mosaico heterogê-neo.

A mata atlântica ou “florestas ombrófilas primárias” que cobriam no início da colônia 97% do Estado do Rio de Janeiro foram drasticamente reduzidas pela ação do ho-mem, cobrindo hoje só 20%. Encontramos os remanescentes, maiormente em altura -onde as temperaturas são altas e as precipitações intensas-, nos maciços monta-nhosos da serra do Mar, Tinguá e Gericinó-Mendanha. Em muitas das encostas das serras o que temos é a chamada Capoeira, ou mata secundária, que é aquela que nasceu do processo de regeneração natural após o derrubamento da mata virgem (Fundação Cide, 1995).

A ocupação do solo fluminense resultou de um processo histórico onde as queima-das e o desmatamento sucederam a uma exploração sem maior planejamento no que diz respeito à aptidão das terras e ao seu uso (CPRM, 2001). Nas áreas cultiva-das com cana-de-açúcar e café, no período do Brasil-Colônia, foram desenvolvidas pastagens compostas de algumas espécies herbáceas nativas e gramíneas. A maior parte do território (56% da superfície do Estado) está coberta por estas pastagens que pertencem à primeira fase de sucessão vegetal.

Outra mancha que chama a atenção no mapa da cobertura vegetal da Baixada Flu-minense é justamente a sua ausência: as áreas de encosta degradada. Original-

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Cobertura Vegetal

FV-7: Cobertura vegetal. Um mosaico heterogêneo. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide.

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mente desmatadas para uso agrícola, as encostas degradadas se concentram na metade leste da Baixada, onde também a pressão pela ocupação urbana é maior. Junto com este grupo devemos considerar as áreas de solo exposto por atividades extrativas, que aparecem de forma espalhada pelo território. Pela percepção nas vi-sitas a campo e pelas fotografias aéreas, a presença de saibreiras parece muito mais intensa do que o relevamento da Fundação Cide mostra. Isto pode se dever também a uma questão da escala, já que muitas destas atividades acontecem em pequenos terrenos e de forma ilegal. O fundo avermelhado dos morros desnudos faz parte da paisagem atual da Baixada.

Outra vegetação que vem sofrendo degradação é o mangue, uma típica formação arbórea adaptada à salinidade das águas, localizada no entorno das baías de Gua-nabara e de Sepetiba. Os manguezais crescem nos terrenos afetados pela ação da maré formando um ecossistema de transição entre os estuários dos rios e o mar. Só recentemente foi reconhecida a importância dos manguezais tanto para a fixação do solo e a prevenção das erosões –como foi comentado anteriormente- quanto pela sua diversidade ecológica, sendo o habitat natural de alimentação e reprodução de peixes e aves.

As áreas de reflorestamento para uso comercial (eucaliptos, pino) são poucas, bem como as áreas de cultivo agrícola. Depois do “último respiro agrícola” na região, com o cultivo da laranja, o solo cansado e pouco fértil resultou mais lucrativo para o uso urbano. As áreas de uso agrícola mais intensivo encontram-se hoje a leste do Estado (Campos) e no vale do Paraíba. Podemos ainda encontrar alguns pequenos mosai-cos no pé da serra do Mar no entorno de Japeri e Magé, e no oeste, em Santa Cruz e Itaguaí, no pé da serra das Araras (Fundação Cide, 1995).

HidrologiaO amplo sistema de rios que atravessam a Baixada Fluminense é inegavelmente um dos elementos da paisagem que mais fortemente marcaram a construção de sua identidade. É ao mesmo tempo o espaço no qual ocorreram as transformações mais radicais e onde se concentram avultados investimentos públicos. Mais adiante, veremos como a história da ocupação do território está ligada a forma como os rios foram “remediados” e incorporados à paisagem.

O mapa hidrográfico da Baixada denota uma clara divisão de águas em duas bacias: a leste, os rios que deságuam na baía de Guanabara, para oeste, os que deságuam na baía de Sepetiba. As duas bacias principais coletam as águas que nascem nas serras -ao norte e ao sul- e escoam buscando a saída para o mar. Entre as princi-

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Hidrografia

FV-8: Hidrografia. Descendo com força das serras e inundando a planície até alcançar a Baía. O amplo sistema de rios que atraves-sa a Baixada Fluminense é um dos elementos da paisagem que mais fortemente marcaram a construção de sua identidade. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide.

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pais sub-bacias, destacam-se as dos rios Inhomirim-Estrela e Iguaçu- Sarapuí, na Guanabara, e a oeste a do rio Guandu, principal abastecedor de água da região metropolitana do Rio de Janeiro (Serla, 1996).

No período de chuva, entre dezembro e março, as águas descem com força das ser-ras, perdendo velocidade ao chegar à planície, inundando as várzeas e abrindo-se em meandros entre os morros até alcançar a baía de Guanabara. O efeito da maré faz com que as águas salinas entrem a contra fluxo pelos rios, criando as condições para que se desenvolvam nessa fronteira flutuante os ecossistemas típicos desses ambientes salobros: os manguezais. Como os rios carregam grande quantidade de depósitos, os manguezais cumprem uma importante função ao reter parte do se-dimento e, lentamente, ir recriando por deposição uma nova linha de costa (Serla, 1996).

O “saneamento” dos campos, com o objetivo de tornar produtivos os terrenos ala-gadiços em torno da baía de Guanabara, ocasionou uma grande transformação do sistema fluvial, com a construção de diques e barragens, a dragagem e retificação do leito dos rios, a eliminação de mangues e brejos e em geral uma modificação radical do ambiente. A rápida ocupação urbana que se seguiu a este processo e a pouca manutenção das obras ao longo do tempo geraram uma situação de fragilidade, com a constante ameaça de enchentes na região.

Apesar das regulações em relação à não-ocupação das faixas marginais, muitas bei-ras de rios têm sido ocupadas de forma irregular por favelas. O despejo do esgoto “in natura” diretamente nas águas dos rios, aliado a falta de controle da poluição indus-trial e de coleta de lixo, fazem com que os rios da Baixada Fluminense apresentem altos graus de contaminação e assoreamento (Britto e Porto, 1998).

Infraestrutura e urbanizaçãoUma leitura da forma atual da cobertura da urbanização na Baixada Fluminense re-vela uma mancha de maior densidade no limite norte com o Rio de Janeiro, onde não existem divisões espaciais com a capital, mas se percebe como um contínuo urba-nizado, compreendendo os municípios de Nilópolis, Mesquita, São João de Meriti e parte de Nova Iguaçu. À medida que nos afastamos da capital, os espaçamentos vão aumentando e o tecido se fragmentando. Reconhecemos porém três ramificações que, através das infraestruturas, enlaçam os núcleos mais dispersos: a principal, em direção N-W, entre o eixo da antiga ferrovia Central do Brasil e a autoestrada Presidente Dutra que inclui os municípios de Nova Iguaçu, Belford Roxo, Queima-dos e Japeri, e tem continuidade até São Paulo; uma outra, seguindo o caminho de

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Infraestrutura e urbanização

FV-9: Infra-estrutura e urbanização. Um contínuo urbano seguindo os eixos principais de conexão a São Paulo e Petrópolis. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide.

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Petrópolis em direção N-E incluindo Duque de Caxias e Magé; e uma última, mais espaçada para o S-W, ligando os municípios de Seropédica e Itaguaí.

Enquanto as principais conexões de mobilidade – através de ferrovia ou rodovia- se concentram na direção norte-sul e sempre a partir do núcleo da capital, existem hoje poucas ligações transversais entre os diferentes bairros e municípios da Baixada. Esta situação poderia mudar drasticamente com a construção do planejado arco ro-doviário. O arco, que busca ligar o porto de Itaguaí na baía de Sepetiba ao novo complexo petroquímico da Coperj, em Itaboraí, no lado leste da baía de Guanabara, atravessaria de leste a oeste a Baixada e não só modificaria os fluxos do transporte industrial do Estado, mas traria novas dinâmicas ao valor e uso da terra em áreas ambientalmente frágeis que deveriam ser estudadas. Como demonstrou Carneiro, as já comprometidas áreas permeáveis e os alagados que contribuem para a retenção das águas nos trechos superiores dos rios precisariam ser resguardados de ocupa-ção (Carneiro, 2008).

A rede de vias urbanas de menor porte constitui um sistema heterogêneo e bastante fragmentado, refletindo a forma desordenada com que a terra foi dividida e loteada. Ao mesmo tempo, as variações topográficas também concorrem para a percepção labiríntica do sistema viário, observando malhas regulares nas áreas planas e outras adaptadas à declividade dos morros.

O construído também é heterogêneo, com pontos de maior densidade aonde vem se evidenciando um processo de verticalização, em contraste com outras áreas iso-ladas de características rurais. Mas o tecido que basicamente cobre a Baixada se caracteriza por ser um manto autoconstruído, horizontal e compacto de baixa altura. Superpostos a esse manto precário de moradias estão as indústrias e estabeleci-mentos comerciais e de logística que se instalaram junto as principais vias de cone-xão. Redes de alta tensão, estações de tratamento, aterros sanitários, muitas das infraestruturas que alimentam a metrópole fazem parte do diversificado patchwork da Baixada Fluminense.

O abastecimento de serviços básicos tem melhorado nas últimas décadas, mas ain-da se evidenciam precariedades na qualidade ou falta de atendimento. A provisão de saneamento -água, esgoto e coleta de lixo- é irregular, com casos extremos em Belford Roxo com só 66% de cobertura, e outras áreas em Nova Iguaçu, Duque de Caxias e Japeri, onde o déficit do serviço supera 20% dos domicílios (Observatório das Metrópoles, 2005).

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A paisagem elaboradaO percurso histórico aqui apresentado não se pretende uma pesquisa detalhada de fatos e dados, mas procura desvelar a formação do território no tempo, com especial atenção às mediações entre o suporte natural -o que temos chamado de forma rece-bida- e o espaço construído. O estudo focaliza dois aspectos: por um lado, as infra-estruturas que tiveram um importante papel na organização das conexões e serviram de ossatura para a ocupação do território, por outro lado, os usos e as modificações que eles introduziram na paisagem.

A particular fisiografia do território e a forma como ele foi percebido determinaram a lógica de sua ocupação. A serra do Mar foi, por muito tempo, um obstáculo difícil de transpor; até o século XIX, as conexões físicas entre o planalto e a Baixada eram praticamente inexistentes. As terras úmidas e alagadiças ofereceram também resis-tências à ocupação. Silveira Mendez (1950), ao descrever as paisagens culturais da Baixada Fluminense, ressalta a importância dos morros baixos como ponto de apoio do colonizador, em contraste com as planícies frequentemente inundadas. Os exten-sos brejais foram um outro impedimento “às forças civilizadoras”, além de uma fonte de doenças e pestes. Os esforços para transformar em produtivas as terras “insalu-bres” da Baixada produziram uma transformação drástica de sua paisagem natural.

Veremos as transformações que o território evidenciará a partir das atividades agrí-colas, que abrangem desde a cana de açúcar, durante o século XVII, até a cultura laranjeira em épocas bem mais recentes. A propagação de infraestruturas, especial-mente as ferrovias, dará início, no final século XIX, ao processo de metamorfose do território, que de agrícola se torna suburbano. A Baixada fará eco às mudanças no seio da capital atraindo, nas primeiras décadas do século XX, um importante con-tingente de trabalhadores sem opção de acesso à moradia no centro da cidade. O rápido retalhamento da terra determinará um processo de urbanização marcado pela precariedade e insuficiência de serviços urbanos.

Passados mais de 50 anos do auge da migração urbana, a Baixada enfrente hoje um lento processo de consolidação urbana: melhorias nos serviços de saneamento, investimentos na qualidade urbana, proliferação de atividades econômicas e de di-versidade de usos, etc. Ao mesmo tempo, novas dinâmicas econômicas, mudanças nas formas de produção do espaço, investimentos em grande escala trazem novos desafios a esta porção da periferia metropolitana.

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FV-10: Durante o século XVIII fregue-sias, portos e uns poucos caminhos se organizam em função do espaço fluvial. Mapa que compara as van-tagens de uma saída alternativa do caminho de Minas para a Baía da Guanabara. Fonte: Arquivo Nacional

De fluvio-vias, ferro-vias e rodo-viasRenato Kamp salienta, no seu livro sobre as “belezas” da Baixada, que este territó-rio tem sido historicamente percebido pelo carioca como “lugar de passagem”. Esta percepção se fundamenta no papel que o espaço desempenhou nos distintos ciclos econômicos que imprimiram o ritmo de desenvolvimento da região e do país: durante o ciclo do açúcar, do ouro ou do café e nos períodos mais recentes de industrializa-ção, a Baixada foi o nexo entre a capital e os diferentes polos de produção. Portos, caminhos, ferrovias foram as primeiras marcas sobre o território e as que sustenta-ram o processo de urbanização.

Inicialmente, os rios em torno da baía da Guanabara serviam de conexão entre o porto do Rio do Janeiro e o interior, e foi às suas margens que surgiram os primeiros povoados. Os pequenos portos instalados nas beiras dos rios funcionavam como entrepostos, lugares de transbordo para barcos menores ou para lombos de burros que subiam a serra e lugares de descanso e pouso para viajantes e animais (Kamp, 2003).

Podemos observar nos mapas das travessias da época como freguesias, portos e uns poucos caminhos se organizam em função do sistema fluvial. Alguns destes pri-meiros locais de atividade e intercâmbio tiveram um grande incremento de população e chegaram a formar vilas e cidades. Goes (1934) destaca, entre as que gozaram de certa prosperidade, a vila da Estrela, ponto inicial da estrada que se dirigia aos

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sertões dos estados do Rio, Minas e Mato Grosso, o Porto das Caixas, nas margens do rio Macacu, e a antiga vila de Iguassu, às margens do rio de mesmo nome.

Silveira Mendes (1950) compara a paisagem da Baixada colonial com um arquipéla-go, visto que as relações entre os vários núcleos humanos, cidades, vilas e engenhos se processavam através das águas. Todo aglomerado possuía o seu porto, e daí a sua localização não muito longe da costa, da lagoa ou do rio. Destaca ainda o modo como as embarcações, a remo ou vela e cobertas por toldos de palha quando utiliza-das para transporte de passageiros, estavam intimamente associadas ao ambiente.

As condições cambiaram drasticamente na segunda metade do século XIX, quando uma sucessão de acontecimentos determinaram o abandono dos rios. É o momento de conquista dos trilhos, que tiveram um desenvolvimento vertiginoso a partir de 1850. Num período de 50 anos, a paisagem se transmutaria com a construção de quatro linhas ferroviárias que atravessaram a Baixada Fluminense de norte a sul.

A primeira foi a Estrada de Ferro Dom Pedro II –transformada em Central do Brasil a partir da República- cujo primeiro trecho ligava a freguesia de Santana a Queimados -atualmente Nova Iguaçu-, construído em 1858. Em 1876 começam as obras para a linha Rio D´Ouro, inicialmente para transportar materiais para a construção da rede de distribuição e abastecimento de água para o Rio de Janeiro, proveniente dos mananciais da serra, em Tinguá e Xerém, mais tarde com serviço regular de pas-sageiros. Seguiu-se a Northern Railway Company, posteriormente Leopoldina, que exigiu árduos trabalhos de engenharia para transpor as terras baixas e pantanosas próximas à baía de Guanabara. Em 1886, foi inaugurada a primeira linha até Mirity (hoje Duque de Caxias). Continuou depois até Inhomirim onde entroncava com a Es-trada de Ferro do Grão Pará, que partia do porto de Mauá até Petrópolis. Por último, a Estrada de Ferro Melhoramentos do Brasil, projetada inicialmente para transportar ao Rio de Janeiro a produção de Paraíba do Sul, seria mais tarde incorporada como linha auxiliar da Central do Brasil.

Traçada de forma quase paralela, do centro da capital para o interior, a malha ferro-viária se delineia sobre o território da Baixada galgando os rios que correm de forma perpendicular. No final de século XIX, a armadura da infraestrutura que daria suporte à ocupação da Baixada Fluminense estava lançada. Trilhos e rios formam a malha básica em função da qual a periferia metropolitana se organiza.

A próxima medida de racionalização do território será o “saneamento dos campos”, através da dragagem, retificação e canalização dos rios, e da secagem de brejos e

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FV-11: Rios e Trilhos, a síntese do território nos finais do século XIX. Planta da Estrada de Ferro Rio d’ Ouro. 1897. Fonte: Arquivo Nacional

pântanos. A luta contra o pântano foi uma preocupação constante dos habitantes da Baixada. A limpeza e dragagem dos leitos dos rios foi uma tarefa comum durante a Colônia, muito especialmente entre os jesuítas, os quais desenvolveram a arte do controle hidráulico com grande maestria. Os fazendeiros, através da mão escrava, também cuidaram de manter desobstruídos os rios e canais, para escoar a produção por via fluvial (Silveira Mendes, 1950).

A domesticação da natureza meândrica dos rios e o dessecamento dos pântanos e brejos da Baixada Fluminense se torna uma questão pública a partir dos inícios do século XX, mediante a contratação de empresas privadas e, posteriormente, com a criação de comissões públicas exclusivamente dedicadas ao saneamento da Bai-xada. As preocupações se originam em função da situação de abandono e declínio econômico da região com o fim da cultura canavieira, o “retorno dos pântanos” e a presença da malária. Considerado por vários autores como um período de “deca-dência” motivado, entre outros fatores, pela falta de manutenção dos rios, a partir da

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abolição da escravidão (1888), e o abandono dos campos. Trabalhos mais recentes (Fernandes, 1998) relativizam o peso atribuído ao fim do trabalho escravo e chamam a atenção para o caráter predatório de mais de dois séculos de intensa exploração das matas e dos solos, que levaram a uma degradação ambiental que é usualmente desconsiderada. Devemos avaliar também fatores de relocalização, com o surgimen-to de outras áreas produtivas e de maior fertilidade, como o caso de Campo de Goita-cazes. Na questão do agravamento das enchentes e do retorno dos pântanos, outras causas humanas são também imputadas às obras de instalação das ferrovias com a construção de pontes e aterros comprometendo o escoamento das águas, criando barragens e contenções.

As obras de saneamento, para tornarem valorizadas e produtivas as terras abando-nadas e insalubres, significaram uma importante modificação da paisagem fluvial. Na bacia da Guanabara as intervenções visavam principalmente recuperar áreas alagadas periodicamente pelas marés e controlar as inundações (Goes, 1939). Re-cuperadas as terras, o objetivo sonhado pelos governantes era plasmar um cinturão verde que pudesse abastecer de produtos agrícolas a capital, sem custos excessivos de transporte (Goes, Lamego, Silveira).

Os cursos baixos dos rios tiveram seu leito aprofundado e retificado, diques e canais marginais foram projetados para aumentar a capacidade de vazão, manguezais fo-ram desmatados, terrenos alagadiços e parte da baía de Guanabara aterrados.

Segundo o relato do engenheiro chefe da comissão, o novo traçado dos rios em plan-ta procurava seguir o talweg natural... só quando não havia vestígio de algum álveo, onde os cursos d´ água se perdiam em brejais imensos, traçaram-se grandes tan-gentes.... Esta foi a estratégia utilizada nos rios Iguassu e afluentes; Botas, Sarapuí, Capivari. O Rio Sarapuí teve também sua foz modificada, já não mais desembocando diretamente na baía, mas através do rio Iguassu.

Quanto aos aterros, a técnica utilizada consistia na reutilização ora do material dra-gado, ora do material oriundo da demolição de morros adjacentes -tradicionalmente instaurada na modernização do Rio de Janeiro. Cabe destacar as obras realizadas na enseada de Manguinhos, no limite norte da capital, que demandou quase 4 mi-lhões de metros quadrados de aterro para a criação, neste caso, de bens imobiliá-rios destinados ao uso industrial. A enseada de Manguinhos foi por muito tempo um grande obstáculo à expansão da capital e à conexão com os subúrbios da Baixada. O aterro possibilitou, mais tarde, a montagem de novas estruturas rodoviárias (Fer-nandes, 1998).

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FV-12: Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense. Secagem dos brejais e canalização do rio da Prata. Fonte: Goes (1934)

Algumas colônias agrícolas foram promovidas pelo governo federal com o objetivo de tornar produtivas e ocupar as terras públicas saneadas, mas foram reduzidas a poucas experiências e provaram ter seus objetivos desvirtuados. A colônia São Bento foi desenvolvida na antiga fazenda nas margens do Iguassu, através da venda de lotes que visavam garantir a “lavoura branca”. Mas, com muito pouca produção -segundo Mendes (1950) só eram cultivados mil hectares em uma superfície de 120 mil hectares-, as terras acabaram destinadas para uso de week-end e especulação imobiliária (Fernandes, 1998).

Finalmente, o objetivo da constituição do green-belt que pudesse abastecer de pro-dução agrícola a capital não foi alcançado. Pelo contrário, a conquista de terras atra-vés das obras de saneamento redundou na inversão da forma de ocupação do solo, que de rural se tornou urbano (Fernandes, 1998).

Se a expansão das ferrovias e a seca-gem dos campos prepararam o terre-no para a expansão suburbana do Rio de Janeiro, as rodovias “abriram literalmente o caminho” para a sua ocupação. Sobre a matriz da infraes-trutura já instaurada de trilhos e rios se sobrepôs, a partir de 1920, um terceiro layer de mobilidade: as estradas de rodagem.

Devemos entender as transformações físicas no contexto do que foi denominado no Brasil de “rodoviarismo”, um movimento que envolveu atores sociais e políticos engajados na modernização das cidades e do território, a partir da inserção do veí-culo à combustão e pneus de borracha como meio de transporte. A construção das rodovias, impulsionada pelo entusiasmo de proprietários e governantes, estava for-temente ligada a um ideário desenvolvimentista. O automóvel modificaria a relação viária da cidade como também permitiria a integração do vasto território brasileiro (Rosa Costa, 2006).

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Foram inauguradas no mesmo ano -1928- as duas principais rodovias de alcance nacional que ligariam o Rio de Janeiro a São Paulo e Petrópolis, respectivamente. Sob a presidência de Washington Luís, ele mesmo membro do Automóvel Clube Bra-sileiro, e que fez da expressão “governar é fazer estradas4” o lema de seu mandato no governo do Estado de São Paulo e depois como Presidente do Brasil.

As obras deviam atravessar os brejos da baía de Guanabara e a muralha da serra do Mar, considerados os dois maiores entraves à integração nacional. No caso da estrada para Petrópolis, vários traçados foram estudados, incluindo o aproveitamen-to de um trecho inutilizado da Leopoldina. Saindo da Praia Pequena, continuava bordejando a ferrovia até empalmar, perto do rio Iguassu, com a antiga estrada para Petrópolis, aberta pelos sócios do Automóvel Clube em 1922. As condições técnicas da estrada, ou seja, o revestimento em macadame com penetração de betume, no trecho da Baixada, e o leito em concreto, no trecho da serra, permitiriam que os au-tomóveis desenvolvessem até 60 quilômetros de velocidade por hora, o que, para a época, representava um novo padrão de velocidade (Rosa-Costa, 2006).

A estrada Rio - São Paulo saía do Engenho de Dentro, continuava na direção oeste da cidade, correndo no vale entre o maciço da Tijuca e a serra de Madureira até Campo Grande, para logo depois atravessar Seropédica e subir a serra das Araras, no ponto mais baixo da serra do Mar. O tempo de viagem entre Rio e São Paulo foi reduzido a dez horas, diferença notável em comparação com as 144 horas que demorou a Bandeira Automobilística da Associação de Estradas de Rodagem, em 1925 (Diário do Vale).

Um novo trajeto, encurtando 110 quilômetros de extensão, seria construído em 1950, contornando a ladeira norte da serra de Madureira e atravessando o município de Nova Iguaçu, e que se transformaria na ligação definitiva das duas maiores metró-poles do país. Com trechos de quatro pistas, a moderna rodovia Presidente Dutra será o novo eixo de desenvolvimento da Baixada Fluminense e o elo de conexão com São Paulo.

É interessante recordar, que no início do desenvolvimento rodoviário a rede de estra-das foi concebida como um sistema complementar às ferrovias, pressupondo que a articulação entre elas levaria a influência benéfica de ambas a zonas que, de outra maneira, ficariam isoladas. A intenção, segundo os discursos de Washington Luís, era de complementaridade e não de concorrência (BRAZIL-FERRO-CARRIL,1926a, apud Rosa-Costa).

4_A versão original está descrita à página 57 do relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas: “Go-vernar é povoar; mas não se povoa sem abrir estradas, e de todas as espécies. Governar é, pois, fazer estradas. É esta campanha que ora se começa.”

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FV-13: A malha de infraestruturas nos começos de século XX. Mapa das estradas de rodagem Rio- São Paulo e Rio- Petrópolis. Fonte: Arquivo Nacional

Com o tempo, porém, essa intenção de complementaridade foi se perdendo. A febre rodoviária ganhou ainda mais força, com obras de grande impacto para o Rio de Janeiro (abertura de túneis, viadutos, elevados, etc), enquanto as ferrovias ficaram relegadas, sem receber investimentos. A partir dos anos 60, logo após ser unificada a administração de todas as linhas na sociedade anônima Rede Ferroviária Federal (RFFSA), o sistema ferroviário sofreu um processo de desinvestimento, degradação da infraestrutura e perda do mercado para o modal rodoviário. Nos anos 90, a RFFSA se extingue, transferindo-se as poucas linhas ativas para mãos privadas.

No caso das linhas que atravessavam a Baixada Fluminense, elas passaram a fa-zer parte do sistema de trens urbanos que servem à metrópole. Administradas hoje pela companhia Supervia, operam sete linhas, todas com destino à Estação Central do Brasil: Linha Japeri (Japeri), Linha Santa Cruz (Rio de Janeiro), Linha Deodoro (Rio de Janeiro), Linha Saracuruna (Duque de Caxias), Linha Belford Roxo (Belford Roxo), Linha Paracambi (Paracambi), Linha Vila Inhomirim (Magé).

As rodovias, pelo contrário, continuaram se expandindo, ampliando e melhorando para atender o crescente fluxo de veículos e os novos padrões de velocidade. Depois do Plano Nacional de Viação de 1974, as rodovias foram reorganizadas. A Washing-ton Luiz ganhou novo percurso, com um moderno traçado atravessando Duque de Caxias. A antiga Rio-Petrópolis passou a ser a avenida urbana Presidente Kennedy, eixo tronco do município. Com a construção da Linha Vermelha e da avenida Brasil (trevo das Margaridas) a rodovia Washington Luiz (BR 040) e a Presidente Dutra (BR

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116) foram interligadas no limite norte do município do Rio de Janeiro. Nos anos 90, ambas as rodovias passaram a concessionárias privadas.

A ossatura da metrópole ficou assim desenhada. As autoestradas, de alguma manei-ra, reforçaram os trajetos originais das ferrovias mantendo as ligações regionais, com poucos e pontuais contatos com o tecido local. Enquanto as linhas férreas, relegadas às conexões metropolitanas, fazem a articulação na escala local.

Do engenho ao subúrbio: a ocupação do solo na Baixada FluminenseAs infraestruturas configuram a armadura que vai dar suporte a transformação do território, um processo de transição de uma paisagem rural à metrópole contempo-rânea.

A história da ocupação do solo da Baixada Fluminense foi marcada por ritmos di-versos, ciclos pendulares de desenvolvimento intensivo e abandono, expansão e retração. Os diferentes períodos produtivos, as oscilações da economia nacional e as transformações no seio do Rio de Janeiro terão manifestações no território flumi-nense.

Os primeiros assentamentos dos colonos se apoiam economicamente na produção de cana de açúcar e socialmente na religiosidade (Lamego, 1947). As conquistas da terra e da mão de obra índia estão aliadas à catequese, sendo as capelas as células embrionárias das aldeias e freguesias. O engenho imprime a sua lógica de uso do solo, procurando sempre se instalar nas proximidades dos rios, não apenas porque as terras de aluvião das margens são mais férteis, mas também pela facilidade do transporte fluvial. Os edifícios da casa grande se situavam a meia encosta ou nos sopés dos morros e as capelas, quando separadas da residência do senhor de enge-nho, localizavam-se no alto das colinas (Silva Mendes, 1950).

Segundo Silva Mendes, a partir de 1750 a cana de açúcar passa a dominar o terri-tório da Guanabara, relegando outras atividades econômicas como a pecuária e ge-rando uma paisagem bastante uniforme. Algumas olarias se instalam, aproveitando o solo argiloso, na beira do rio Iguaçu para produzir as formas de barro e os tijolos para as construções locais. Como já foi discutido, o espaço se organiza em função do sistema fluvial que articula, a partir dos rios e da baía de Guanabara, o território e as relações entre o interior e a capital.

O século XIX assistirá grandes transformações. O novo ciclo econômico brasileiro – do café- vai deslocar das planícies para a serra a produção, que se desenvolverá

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mais intensamente no vale do Paraíba e posteriormente no interior de São Paulo. “Uma ofensiva de machados assaltava os morros, devastava as encostas de monta-nhas numa contínua derrubada de florestas” (Lamego). Ao mesmo tempo, a implan-tação e rápida expansão dos engenhos a vapor determinou a decadência e o quase total aniquilamento dos antigos engenhos coloniais movidos à tração animal ou força hidráulica. Os campos já cansados e pouco férteis da Baixada foram aos poucos abandonados e a produção açucareira desviada para a planície Campista.

A chegada das ferrovias e o desmatamento promovido pela demanda de lenha para combustão agudizaram os problemas ambientais. Os rios sem manutenção e a obs-trução produzida pelas mesmas ferrovias contribuíram para o “retorno” de pântanos e brejos. A propagação da malária selará o abandono das áreas rurais5.

O quadro descrito por vários autores é de devastação e, geralmente, atribuído a uma “terra rebelde e insurgente contra as arremetidas civilizadoras”. Os dados demo-gráficos corroboram o despovoamento dos campos e um crescimento dos centros urbanos que começam a surgir em torno das estações ferroviárias. Segundo Silva, entre 1882 e 1920 o crescimento só se verificou nas sedes de Nova Iguaçu, Meriti e Nilópolis, enquanto os distritos essencialmente rurais como Queimados, Cava e Bon-fim tiveram a sua densidade demográfica reduzida. A sede municipal do distrito de Iguassu, localizada na vila e porto sobre o mesmo rio, foi transferida para a estação Maxambomba em 1891, renomeada posteriormente Nova Iguaçu, onde permanece até hoje. Esta transferência corrobora o papel indutor que tiveram as ferrovias no processo de urbanização da Baixada, a partir do fim de século XIX, em detrimento dos rios.

Para compreender as transformações que a Baixada Fluminense vai atravessar no século seguinte devemos entender as mudanças ocorridas no centro do Rio de Ja-neiro. A partir da República (1889) a cidade, que até então não crescera significa-tivamente, vai ser alvo de um processo de transformações drásticas que serão a semente da sua segregação espacial. Verifica-se um duplo processo, por um lado, as camadas mais pobres foram retiradas do centro em consequência das operações de renovação urbana, sendo forçadas a procurar nova moradia nos subúrbios. Por outro lado, um grupo cada vez mais importante de migrantes do interior se dirigiu à capital em busca de empregos na incipiente indústria local. Impossibilitados de afrontar os custos nas áreas centrais, eles também se localizaram em áreas distantes do centro, mas articuladas pelas conexões ferroviárias.

5_Por muito tempo os brejos foram culpados pela propagação da ma-lária em vez do mosquito. A erradi-cação efetiva só ocorreu através do combate por dedetização domiciliar ao inseto transmissor pelo Serviço de Malária da Baixada Fluminense.

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FV-14: Nova Iguaçu em 1940: “Capital da citricultura do Estado do Rio de Janeiro”. Fonte: Correio de Manhã, Arquivo Nacional

O século XX será o momento de crescimento exponencial da população urbana, de expansão da metrópole e de consolidação da sua segregação social e espacial. Assim, ao norte do Distrito Federal se concentrará a classe trabalhadora, junto às in-dústrias, e ao sul, às residências das classes média e alta. Nos primeiros 30 anos, a extensão efetiva do tecido urbano traspassará as fronteiras do Distrito Federal dando início à integração física da Baixada ao espaço carioca (Abreu, 1987).

A expansão se estrutura a partir dos núcleos das estações ferroviárias. Silva Men-des descreve a paisagem da Baixada nos anos 40 como composta de dois tipos de “povoamentos”:

...O primeiro é constituído pelas aglomerações suburbanas que

em virtude da expansão da cidade do Rio surgiram e cresceram à

margem das estradas de ferro numa disposição tipicamente linear,

os antigos nódulos de casarios, formados em torno das estações

e paradas, num raio de 50 km a partir do centro da metrópole,

praticamente se uniram formando como que uma única cidade,

estendendo-se sob a forma de tentáculos ou varetas abertas de

um leque (Silva, 1950:67).

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FV-15: Bases cartográficas. Nova Iguassu. Serviço Geográfico e Históri-co do Exército, 1:10.000, 1939. Fonte: Arquivo Nacional

O autor chama a atenção para os escassos va-zios entre os núcleos, que “em breve estarão inteiramente preenchidos”. O segundo tipo de povoamento é o rural que se dissemina pelas áreas intercaladas entre as vias férreas, em níti-do contraste com as aglomerações suburbanas. Um “último suspiro agrícola” vai ser vivido na Baixada no período entre guerras, especial-mente nos arredores de Nova Iguaçu. É o ciclo da laranja. A renda da terra proporcionada pela atividade agrícola superava então os lucros que poderiam advir da sua conversão em lotes ur-banos (Abreu, 1987), o que deteve –por alguns anos- o loteamento como já vinha ocorrendo em outros distritos. A divisão das fazendas em chácaras -pequenas propriedades de 40 hecta-res- imprimirá uma paisagem rural geométrica de pomares em linhas e cercas vivas (Silva, 1950). Ocupando primeiramente as ladeiras dos morros, os laranjais foram paulatinamente se expandindo também pelas planícies drenadas.

A queda do mercado de exportação, a partir da explosão da Segunda Guerra Mun-dial, marcará o fim da agricultura na Baixada Fluminense e seu destino como perife-ria urbana em função do Rio de Janeiro.

Abreu destaca quatro fatores determinantes da expansão metropolitana: as obras, na década de 30, pela Direção Nacional de Saneamento; a eletrificação da Central do Brasil, a partir de 1935; a instituição da tarifa ferroviária única em todo o grande Rio e a abertura da avenida Brasil, em 1946, que aumentou sobremaneira a acessibilidade dos municípios periféricos. Resultou daí uma febre imobiliária notável que se refletiu no retalhamento intenso dos terrenos para a criação de loteamentos, muitos dos quais foram abertos sem qualquer aprovação oficial (Abreu, 1987).

O mesmo autor afirma que, no final dos anos 40, a onda urbanizadora tinha pratica-mente atingido os seus limites atuais. Os anos seguintes iriam se caracterizar mais pelo adensamento dessa frente pioneira do que pelo seu avanço no espaço. O perío-do 30-50 se constitui na fase mais marcante de expansão física da metrópole (Abreu, 1987). Muitos dos municípios da Baixada mantiveram taxas médias de crescimento anual acima de 10% durante a década de 40-50, que permaneceram elevadas nas duas décadas seguintes. Nova Iguaçu e Duque de Caxias, por exemplo, de uma

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FV-16: Reconstituição da ocupação em 1940. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica do Serviço Geográfico e Histórico do Exército

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FV-17: Bases cartográficas. Nova Iguassu e Duque de Caxias. Fundrem, 1:10.000, 1975. Fonte: Fundação Cide

população de menos de 30 mil habitantes em 1940, pas-saram a 181 mil e 243 mil, respectivamente, em 1960 (Ver tabela anexa).

A mancha urbana que se mantivera concentrada nos núcleos em torno das esta-ções ferroviárias começa a preencher os espaços inter-médios. O baixo preço dos lotes e o mínimo de exigên-cias burocráticas, em contraposição ao progressivo controle exercido pelo Estado no Distrito Federal, consolidaram a formação de um tecido urbano carente de infraestru-tura e autoconstruído (Abreu, 1987, Fundrem, 1979).

Terminada a economia agrícola, os núcleos suburbanos se transformam em cidades dormitórios de uma população que se desloca diariamente para o trabalho na capital. O Estado terá, a partir dos anos 50, um papel ativo na promoção da indústria nacio-nal, com incentivos fiscais para a instalação de fábricas, especialmente ao longo das rodovias principais: a Dutra e a Washington Luiz. Duque de Caxias se transformará em núcleo secundário industrial, com a instalação de médias e grandes indústrias (1954, Fábrica Nacional de Motores; 1961, Complexo da Petrobras) atraídas pela acessibilidade, o baixo custo da terra, a mão-de-obra abundante e a disponibilidade de grandes terrenos (Fundrem, 1979). A Bayer se instalará às margens do rio Sara-puí, hoje município de Belford Roxo, em 1958. Nova Iguaçu, por sua parte, terá uma participação mais diversificada das funções. Por ter se originado como cidade-sede de um vasto município agrícola, apresentou desde cedo uma diversidade de usos - comerciais, de serviços e de indústrias de pequeno e médio porte.

Passado o momento da grande explosão demográfica, a partir dos anos 70 as pre-ocupações se concentraram nos problemas da qualidade urbana e, fundamental-mente, na provisão de infraestrutura com foco no saneamento. Seguindo a criação das regiões metropolitanas brasileiras e de seus órgãos administrativos foi instituída, para o Rio de Janeiro, a Fundrem, Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana. A Fundação conseguiu, pela primeira vez, coletar um importante con-junto de informações estruturais sobre a metrópole e desenvolveu planos diretores para os municípios que, nesse momento, não dispunham dos corpos técnicos neces-

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FV-18: Reconstituição da ocupação em 1975. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundrem

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FV-19: Bases cartográficas. Fun-dação Cide Ortofoto. 1:10.000. Programa de Despoluição da Baía da Guanabara. Data do voo 2003. Fonte: Fundação Cide

sários. Para os municípios da Baixada, as conclusões dos estudos coincidem em assinalar exclusivamente as carências: desarticulação do sistema rodoviário e falta de pavimentação de ruas, precário atendimento das re-des de água, saneamento e coleta domiciliar de lixo, alto índice de mortalidade infantil e de mortes causadas por in-fecções parasitárias, equipa-mentos de saúde e educação insuficientes e falta de alter-nativas de lazer para os moradores (Fundrem, 1979).

Mas as exigências por uma distribuição mais equitativa dos benefícios da cidade serão expressão também das organizações sociais que se articulam no território da Baixada e que, especialmente depois da redemocratização, terão uma voz política importante. Os contornos e as contradições das políticas públicas de saneamento estão fora do escopo desta tese, mas já foram bem estudadas por Britto e Porto (1998), entre outros.

O que nos interessa resgatar é o fato de que, a partir dos anos 80, os municípios da Baixada Fluminense começam aos poucos a receber investimentos para a melhoria da infraestrutura urbana. O perfil dos primeiros anos das cidades dormitórios vai também se tornando mais complexo, com o avanço de outras atividades de comércio e serviços, consolidando subcentros urbanos e multiplicando as relações que deixam de ser monodirecionais e exclusivas para o centro do Rio de Janeiro. O tecido urbano também se renova, com a substituição e o adensamento, como podemos verificar por exemplo no centro de Nova Iguaçu, onde a edificação em altura está configurando uma paisagem diversificada e contrastante com o manto horizontal e autoconstruído de baixa densidade que caracterizava a Baixada.

As transformações das periferias metropolitanas no começo do século XXI já foram analisadas no primeiro capítulo. Resta aqui corroborar algumas das tendências para a Baixada Fluminense. Se, por um lado, a Baixada ainda se distingue por apresentar o tradicional “padrão periférico”, algumas mudanças incipientes atestam novas dinâ-

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FV-20: Reconstituição da ocupação em 2003. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide

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FV-21: Paisagem metropolitana. Vista da Baixada Fluminense desde a serra de Madureira

micas na produção do espaço. Assim, podemos encontrar novos atores e novas for-mas de incorporação imobiliária em empreendimentos que reproduzem os padrões promovidos na capital, com formas condominiais de moradia. Também novos empre-endimentos comerciais privados têm instalado a lógica do shopping mall em vários dos municípios da Baixada.

Não obstante, a informalidade e a ilegalidade continuam se alastrando com a reto-mada do crescimento das favelas ou o adensamento das existentes (Ribeiro e Lago, 1992). E as carências em serviços e infraestrutura continuam sendo importantes. Um largo caminho ainda deve ser percorrido para que a Baixada Fluminense possa alcançar padrões urbanos de qualidade.

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167A síntese, paisagem matriz para urbanismo

06.A síntese, paisagem, matriz para urbanismo

Finalmente, as quatro categorias operacionais examinadas no capitulo 3 serão aqui utilizadas como filtros para explorar as possibilidades de uma abordagem paisagística na formulação de um projeto ur-bano para a periferia metropolitana. Um conjunto de amostras de tecido revelará situações específicas nas quais as mediações entre a matriz biofísica e o tecido construído adquirem formas particulares de expressão. O objetivo não é desenvolver um projeto, mesmo que a sua emergência fique muitas vezes na superfície quase tangível das descrições. O projeto fica latente como um conjunto de ideias que exprimem a potencialidade de um cenário diferente. As perguntas levantadas são um convite a repensar a construção do território sob uma racionalidade outra, que surge da lógica da paisagem.

Sem a pretensão de formular um método rígido, o trabalho explora as categorias propostas como guia para uma abordagem paisagística: camadas, espaços livres, fronteiras e processos são as portas de entrada para uma interpretação de situações territoriais. Formam um conjunto de temas, testemunhas de situações concretas que refletem a materialidade e os processos que caracterizam este recorte da periferia metropolitana carioca. Apresentadas as características do recorte expandido da Bai-xada, nos concentraremos agora em duas escalas: a janela de 20x25 quilômetros aproximadamente, abrangendo principalmente os municípios de Belford Roxo, Mes-quita, São João de Meriti e parte dos municípios de Caxias e de Nova Iguaçu. Os mapas se relacionam com outras janelas urbanas que permitem melhor visualizar o tecido e as relações entre cheios e vazios.

Infraestruturas “duras” versus infraestruturas “brandas”. CamadasA decomposição em camadas revela alguns aspectos particulares do recorte escolhi-do. A camada do relevo mostra um conjunto de morros baixos, agrupados, formando como que línguas entre os vales fluviais. A oeste, eleva-se a serra de Madureira, a leste, o grande plano sobre a baía da Guanabara. Ao superpor as camadas das con-dições geológicas e da hidrografia, esta leitura se reforça, a estrutura física fica ainda mais clara, mostrando os contrastes entre os leques fluviais e os grupos de morros.

As águas, que nascem no alto das serras e correm no sentido oeste-leste para de-saguar na baía, separam ritmos, intervalos: no limite com o Rio de Janeiro, os rios Pavuna- Meriti, aproximadamente cinco quilômetros ao norte, o rio Sarapuí, e, por último, o rio Botas que se junta com o rio Iguaçu, este com a nascente na serra de Tinguá.

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Ao norte, a capilaridade maior denota a ausência da ocupação urbana e a cercania da serra. A água reclama espaços de inundação. O mapa expõe as áreas inundadas na grande enchente de 19881 e sua relação com as áreas construídas. A ocupação sem controle das áreas baixas e de faixas marginais aos rios tem criado condições de alto risco para as famílias que moram na Baixada Fluminense.

A elevação do nível do mar, como consequência do aquecimento global, intensificará os problemas relativos às inundações. A crescente impermeabilização do solo resul-tante da expansão urbana aumenta a vulnerabilidade da região. A falta de esgoto e de coleta de lixo compromete seriamente a saúde ambiental dos rios e agrava as condições de escoamento, demandando custosos projetos de dragagem e limpeza.

Se, por muito tempo, a Baixada Fluminense lutou contra o pântano, hoje a revisão das técnicas de controle das enchentes aponta para a necessidade de um exame dos métodos utilizados. Isto implica uma mudança na relação que a cidade estabele-ceu com o pântano, em vez de anulá-lo devemos aprender a conviver com ele.

Esta é uma questão relevante que requer decisões em escala metropolitana, e é fundamentalmente um tema de reflexão para o urbanismo.

Já tínhamos detectado que o sistema de infraestruturas de mobilidade foi construído atravessando a Baixada de norte a sul, cruzando os rios perpendicularmente. Ao estudar a superposição das infraestruturas existentes e planejadas sobre a matriz biofísica, podemos desvelar e analisar as relações entre elas e explorar as potencia-lidades de uma articulação que outorgue legibilidade ao território.

Podemos visualizar, assim, um sistema de infraestruturas “duras” formado pelas ro-dovias e ferrovias que saindo do centro do Rio de Janeiro vão procurar subir a serra do Mar, atravessado transversalmente por um sistema de infraestruturas “brandas” formadas pelos rios.

Que projetos urbanísticos poderiam reforçar este sistema? Como conciliar a pressão de ocupação das áreas marginais dos rios com a consolidação de corredores verdes ao longo destes? Podemos pretender que os rios se transformem em qualificadores do entorno urbano em vez de simples “cloacas”?

Desafortunadamente, hoje os rios estão inutilizados para a navegação. Uma tal es-trutura de superposição de infraestruturas sugere se pensar na potencialidade de

1_Algumas obras realizadas pelos programas Reconstrução Rio, Baixada Viva e Nova Baixada têm melhorado o impacto das enchen-tes, reduzindo em alguns pontos a mancha de inundação que é mostrada por este mapa. Fonte: COPPE, Laboratório de Hidrologia, UFRJ

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Relevo

FVI-1: Relevo. O conjunto de mor-ros baixos agrupados formando lín-guas entre os vales fluviais. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide.

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Condições ambientais

FVI-2: Condições ambientais. Ao superpor as camadas das condi-ções geológicas e da hidrografia os contrastes entre os leques fluviais e os grupos de morros se reforçam. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide.

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Urbanização + espaços da água

FVI-3: As águas reclamam espaços de inundação. Áreas afetadas na grande enchente de 1988. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide e da COPPE, Laboratorio de Hidrologia UFRJ.

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sistemas complementares e intermodais de transporte. É possível imaginar uma re-vitalização dos rios como elementos ativos da vida urbana?

Se até hoje as conexões entre as infraestruturas “duras” (fundamentalmente entre a rodovia Presidente Dutra e a rodovia Washington Luiz) só se concretizam através de ruas locais, os planos para a construção de uma via expressa sobre o rio Sarapuí e do anel rodoviário metropolitano mudam radicalmente esta situação.

De que forma os projetos de infraestrutura planejados incorporam este entendimento da estrutura da paisagem? Como está sendo pensada a relação entre estas vias e o sistema fluvial?

Cada um dos projetos representa duas situações bem diferentes. A construção do anel rodoviário vai afetar uma zona relativamente pouco ocupada, mas de grande importância ambiental. As preocupações giram em torno da proteção das áreas de infiltração e de como evitar que o arco se transforme num acelerador da ocupação urbana em áreas que deveriam ser preservadas.

A via expressa do Sarapuí, pelo contrário, atravessará uma área de densidade média e baixa, cruzando o centro da Baixada Fluminense e atingindo diretamente os muni-cípios de Belford Roxo, São João de Meriti e Duque de Caxias.

Algumas lições podem ser tiradas das obras já realizadas. A construção da Linha Vermelha (Via Expressa Presidente João Goulart), por exemplo, bordejando os rios Pavuna e Meriti, no limite entre os municípios da Baixada e a capital, representa um clássico exemplo de formas de intervenção setoriais. Tanto o canal quanto a rodovia foram pensados sob estritos modelos funcionais, dando prioridade ao fluxo -dos car-ros e das águas. Juntos, eles formam uma estrutura de grande impacto que permite relações em grande escala, mas que provoca desarticulações na escala local (Braga, 2006).

Um tal modelo –sem a incorporação de critérios de desenho urbano- anula as pos-síveis sinergias entre o tecido urbano e o espaço fluvial, dificulta a integração de ambas as margens e inibe a criação de espaço público.

Que novas formas de integração das infraestruturas na paisagem podem criar efei-tos contrários? Como converter um projeto de infraestrutura em catalisador de uma transformação urbana positiva?

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3

2

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Infraestruturas “duras” e“brandas”

FVI-4: Um sistema integrado de infraestruturas duras (rodovias e ferrovias) e brandas (rios) forma a armadura de suporte do território. Como re-pensar a relação entre elas nos futuros planes de expansão do sistema rodoviário? 1. Via Expressa Presidente João Goulart, 2. Via Expressa planejada ao longo do rio Sarapuí, 3. Futuro Arco Rodo-viário. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide.

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Pode a solução integral do desenho da infraestrutura, incorporando questões viárias, hidráulicas, ambientais e urbanas transformar o projeto da via expressa do Sarapuí num grande projeto urbano para a Baixada?

No caso do arco rodoviário, as questões suscitadas pelo contexto são bem dife-rentes. A rodovia vai atravessar, neste trecho da Baixada, áreas hoje praticamente desocupadas. As consequências ambientais da expansão descontrolada sobre este território já foram estudadas por Carneiro (2006). Embora a criação de vetores de expansão urbana a partir do arco metropolitano seja um dos benefícios anunciados pelo governo do Estado2, neste caso, a expansão só intensificaria a degradação ambiental e a impermeabilização dos solos, com o consequente agravamento das inundações.

A pergunta aqui se inverte. Como desenhar infraestruturas que desinibam a ocupa-ção? Neste caso, como proteger? Que novos valores agregar ao solo para que ele possa resistir à pressão urbana? Até onde urbanizar? Como desenhar os limites? Quais as mediações espaciais possíveis entre a malha urbana, as áreas de proteção e as infraestruturas?

Ocupações e resistências. O desvanecimento das áreas livresUma leitura da Baixada a partir de suas áreas livres que novos entendimentos pode aportar? No recorte estudado, identificamos dois grandes vazios da natureza: a baía da Gua-nabara e a serra de Madureira, as duas grandes figuras negativas cujos contornos modelaram a expansão da Baixada. Ao norte, seguindo o vale do rio Iguaçu amplas áreas de pastagem, sujeitas a inundações frequentes, constituem a fronteira de ex-pansão urbana.

Tanto a serra como o entorno da baía são, por suas características próprias, limites físicos importantes, nem por isso deixam de sofrer degradação pela pressão da ocu-pação urbana. A serra desnuda mostra as consequências do desflorestamento após o declínio da produção laranjeira. Além da pressão urbana, com o lento ocupar das ladeiras, a serra também tem sofrido exploração mineral, expondo canteiras – algu-mas ainda em atividade. A degradação e a desaparição dos manguezais da baía da Guanabara assinalam a fragilidade dos ecossistemas ameaçados pela contamina-ção industrial e pela contaminação proveniente do grande lixão de Gramacho.

Outras áreas livres, que podemos chamar “da natureza”, são mais vulneráveis à ocu-pação. As várzeas e bordas de rios, apesar de protegidas legalmente (faixa marginal

2_Benefícios esperados com a implantação do Arco Rodoviário segundo anunciados pelo governo do Estado:- Atende ao tráfego de longa dis-tância oriundo das regiões Sul/Su-deste em direção às regiões Norte/Nordeste do país.- Conecta as rodovias federais BR-040, BR-116 (Norte e Sul), BR-465 e BR-101 (Norte e Sul).- Desvia o tráfego de veículos comerciais de longa distância, aliviando os principais corredores metropolitanos, tais como a ave-nida Brasil, a Ponte Rio-Niterói, a BR-101 (entre Manilha e a Ponte).- Amplia a acessibilidade aos por-tos de Itaguaí e Rio de Janeiro.- Viabiliza a implantação de ter-minais logísticos, com redução dos tempos de viagem e dos custos de transportes, bem como a distribuição destas cargas para os mercados consumidores.- Introduz novos vetores de expansão urbana para os municí-pios localizados em sua área de influência.

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FVI-5: Footprint vazios. Fonte: Autor

de proteção), são comumente ocupadas de forma irregular. Observando-se a super-posição entre os espaços livres e o sistema fluvial percebe-se a quase inexistência de áreas livres no entorno dos rios. Apenas o rio Iguaçu, afastado da área urbana, mantém junto com a foz do rio Botas áreas livres importantes na suas margens.

Os morros baixos, característicos da Baixada, permanecem como espaços livres de-pendendo da declividade e da intensidade da ocupação urbana. Assim, municípios como Mesquita possuem quase a totalidade do território ocupado, sem distinção nas variações topográficas. Belford Roxo, ao contrário, apresenta um tecido mais aberto, com ocupação mais intensa nas áreas planas e muitos morros ainda livres. É interessante verificar como as lógicas de ocupação em relação às condições do meio físico se inverteram com a ocupação urbana. Se a lógica rural se distinguia pela divisão entre morar a meia encosta do morro, deixando os vales livres para a produ-ção agrícola, os usos urbanos alteraram esta lógica dando prioridade à ocupação dos vales –pela facilidade de deitar as infraestruturas- para depois colonizar os morrotes de declividade suave.

O espaço público é o grande ausente na Baixada. A rápida expansão e a forma de produção do espaço, sem uma intervenção que visasse à qualidade do tecido urba-no, redundaram na ausência de espaços públicos.

Poderíamos caracterizar a história da Baixada como a da lenta desaparição do vazio. As áreas livres hoje existentes resultam mais do espaço residual -o que, por algu-ma circunstância, ainda resta sem ocupação- do que por determinação ou objetivo

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Espaços livres + Relevo

FVI-6: Espaços livres e relevo. Se a lógica rural se distinguia pela divisão entre morar a meia encosta do morro, deixando os vales livres para a produção agrícola, os usos urbanos alteraram esta lógica dando prioridade à ocupação dos vales –pela facilidade de deitar as infraestruturas- para depois colo-nizar os morrotes de declividade suave. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fun-dação Cide.

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Espaços livres + Água

FVI-7: Espaços livres e água. As várzeas e bordas de rios, a pesar de proteções legais, são vulnerá-veis à ocupação urbana. Fonte: Elaborado pelo autor sobre a base cartográfica da Fundação Cide.

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FVI-8: Ocupações e resistências. Tecido compacto, os vazios que restam. Campos de futebol (Mes-quita), pista de aeroporto (Nova Iguaçu). Tecido em processo de consolida-ção, os vazios expectantes: áreas inundáveis (Belford Roxo), morros baixos (Queimados). Fonte: Serla (Inea)

de desenho urbano. Elas permanecem livres porque oferecem alguma resistência à ocupação urbana. Esta resistência pode estar vinculada a condições físicas do terreno (condições do solo, declividade, vulnerabilidade às inundações, etc.), a normativas de proteção (APA, faixa marginal de proteção, faixa da light, etc), a condi-ções de atratividade urbana (infraestrutura, conexões, serviços), ou ao valor específico de uso (campos de futebol, aeroportos, clubes, áreas agrícolas, etc).

Sem uma intervenção voltada para a manutenção dos espaços livres, o cenário futuro da Baixada será de uma ocupação total. Quais projetos urbanos podem garantir a sobrevivência dos espaços livres? Quais operações podem criar novos vazios?

Visualizamos duas situações opostas. Por um lado, comprovamos, nos bairros mais antigos, a existência de tecidos urbanos compactos, onde o manto cons-truído cobre de forma indiferenciada margens de rios, vales e morros, com a quase inexistência de espaços abertos. Neste caso, as possibilidades de intervenção devem buscar a abertura de novos espaços, através de operações de extração e densificação. A remoção de

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FVI-9: Cheios e vazios. Amostras de tecido urbano. Fonte: Autor

moradias de áreas de risco, a reclamação de áreas inundáveis, etc. são oportunida-des de criação de um tecido urbano mais poroso. A partir da renovação e da substi-tuição tipológica – densidade x altura- podemos também imaginar situações urbanas pontuais onde uma nova relação entre cheios e vazios promova a emergência de espaços públicos.

Diversamente, existem outras áreas na Baixada Fluminense cujos tecidos urbanos estão em processo de consolidação e apresentam uma ocupação mais esparsa e descontínua. Aqui as operações devem buscar demarcar os espaços livres, espe-cialmente aqueles que têm potencial de se converter em espaços públicos. Como robustecê-los para garantir a sua permanência? A estratégia se baseia em identificá-los, valorá-los, reforçá-los, limitá-los e outorgar-lhes novo valor de uso para que re-sistam melhor à pressão de ocupação. O modo como eles podem modelar a forma urbana e criar sinergias com o entorno se coloca como estratégia fundamental para a Baixada Fluminense. Por último, mas não menos importante, resta a questão de como conectar os espa-ços livres para que eles possam constituir um sistema3. São operações que procuram articular e ligar os espaços livres entre si, de maneira a garantir a conectividade ecológica, mas também visual e urbana. Os rios são naturalmente corredores ecoló-gicos (Forman, 1996) que proveem conectividade ligando fragmentos de habitat. Mas

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FVI-10: Inundações Belford Roxo 2009. Fonte: Divulgação Governo do Estado.

as vias urbanas também, se tratadas paisagisticamente, podem facilitar a conexão ecológica ademais de criar acessibilidade (Tardim, 2008). Outras peças urbanas, par-ques, bordas, podem funcionar como espaços conectores.

Diques, barragens e pôlderes. Fronteiras da águaJá vimos como a paisagem fluvial foi modificada a partir das obras da Comissão de Saneamento da Baixada, no início do século XX. Os rios foram retificados nos seus cursos baixos, canalizados, diques e barragens foram construídas para controlar as inundações e tornar produtivas as áreas normalmente alagadiças.

Estas intervenções e o conjunto de dispositivos de controle hidráulico modelaram as relações da cidade com os rios. A forma meândrica foi substituída por geometrias que priorizaram a velocidade de escoamento e permitiram a fixação do seu curso, de outra forma sempre mutante. A secagem dos manguezais e o desmatamento das

encostas modificaram drasticamente o ambiente, com perda irreparável de biodiver-sidade.

Não é nossa posição, porém, pretender o resgate romântico de uma natureza per-dida, mas pensar melhor como dispor dessas infraestruturas hidráulicas que cons-tituem a interface entre a cidade e os rios, como incorporá-las à paisagem, de que forma elas podem dialogar com o urbano.

O rio Sarapuí, no coração da Baixada Fluminense, é um exemplo privilegiado das tensões entre os planos dos engenheiros, os processos de desenvolvimento urbano e as próprias dinâmicas das águas. Ele é um dos mais importantes na região, nasce

3_Para uma metodologia de orde-nação do território a partir do siste-ma de espaços livres ver o trabalho de Raquel Tardim, Espaços livres: sistema e projeto territorial. Ed. 7 letras, Rio de Janeiro, 2009.

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FVI-11: Pôlder do rio Outeiro, Bel-ford Roxo. Forma elaborada / forma recebida (matriz). Fonte: AutorSem uma demarcação das áreas de reservatório pulmão o futuro verá uma ocupação total. Fonte: Autor

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FVI-12: Comissão Federal de Saneamento da Baixada Fluminense.1a Seção Estudos. Ba-cia do Rio Sarapuhy. 1914. Fonte: Arquivo Nacional

em Bangu, no sopé do maciço da Pedra Branca no município do Rio de Janeiro e se estende por mais de 30 quilômetros por uma das áreas mais populosas da Baixada, conformando o limite entre os municípios de Mesquita e Nilópolis, entre Belford Roxo e São João de Meriti, e atravessando Duque de Caxias. O rio tem sofrido trans-formações formais importantes. Os cursos médios e baixos foram retificados e sua foz, originalmente na baía de Guanabara, foi modificada para desaguar junto ao rio Iguaçu. O Sarapuí tem uma largura que varia entre os dez metros, em Mesquita, até alcançar mais de 50 metros perto da foz.

O sistema hidráulico, desenhado para o controle das inundações na bacia do rio Sa-rapuí, inclui um conjunto de dispositivos: diques, barragens, pôlderes e reservatórios-pulmão. Os diques marginais permitem que o nível de água aumente sem afetar as

FVI-13: Ocupações informais nas margens do rio Sarapuí. Fonte: Serla (Inea)

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FVI-14: Rio Sarapuí, 2010. Trans-formações: Em vermelho, super-posto o trajeto segundo o levanta-mento de 1914. Fonte: Autor

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FVI-15: Rio Sarapuí, 2010. Oportu-nidades. Espaços livres remanes-centes nas margens do rio. Fonte: Autor

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FVI-16: Barragem de Gericinó, Nilópolis. Fonte: Panoramio

áreas adjacentes que se encontram em níveis mais baixos. Atualmente, um conjunto de comportas se fecham para evitar o refluxo das águas. Canais marginais coletam as águas que não conseguem entrar no rio quando as comportas estão fechadas.

Pôlderes são estruturas hidráulicas que complementam o sistema de diques. Pôlder, na verdade, se refere a uma área que fica numa cota de nível mais baixo que o nível de água contida no dique, mas que se considera segura para a ocupação. Dentro das áreas de pôlder existem superfícies denominadas reservatório-pulmão, que inundam no momento que as comportas estão fechadas e contêm as águas que não conse-guem entrar no dique. Essas áreas de reservatório-pulmão são inundadas tempora-riamente nos períodos de muita chuva. As barragens aliviam o sistema retardando o fluxo de água. São estruturas construídas num vale que o fecha transversalmente, proporcionando um represamento que visa reduzir o volume de água no período de grandes chuvas.

Este complexo sistema apresenta porém alguns problemas no contexto da Baixa-da Fluminense. Sem um desenho integral das infraestruturas hidráulicas que possa incorporá-las aos tecidos urbanos, sem manutenção e sem uma consciência da po-pulação sobre a relevância destes dispositivos, muitas destas estruturas acabaram inutilizadas ou destruídas.

O dique marginal só foi construído na margem direita, o que tem acelerado o proces-so de urbanização em São João de Meriti, enquanto a margem esquerda permanece ainda hoje sem intervenção, sendo mais propícia a inundações, o que se reconhece pela ocupação mais esparsa. Mas, ao mesmo tempo, por oferecer condições segu-

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FVI-17: Interfaces urbanas com os dispositivos hidráulicos. Barragem Gericinó. Forma construída / forma recebida (matriz)

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FVI-18: Mangue degradado na Baía de Guanabara. Fonte: Mos-catelli

FVI-19: Infraestruturas metropolita-nas: BR-040. Fonte: Kamps (2003)

ras, o dique na margem direita vem sendo ocupado informalmente com uma extensa “favela linear”. Esta situação anula novamente qualquer contato da cidade com o rio e contribui seriamente para a poluição das águas, com o lançamento direto do esgoto das moradias improvisadas nas margens.

Por outro lado, as áreas de reservatório-pulmão não demarcadas são propícias tam-bém à ocupação, comprometendo o saneamento e a habitabilidade de toda a Bai-xada. Ruas improvisadas já indicam o caminho das próximas ocupações dentro dos reservatórios, o que levará ao enfrentamento das enchentes, afetando as famílias diretamente, como também o resto da região.

Que projetos urbanos podem se instalar como barreiras à expansão? Podemos ima-ginar a criação de uma nova paisagem que incorpore novos usos, adaptáveis às variações hidrológicas? Tempo úmido, tempo seco. Trabalhar na fronteira das águas implica integrar os –poucos- espaços livres às margens dos rios e estabelecer novos, que se transformem em mediadores de relações sinérgicas com o tecido urbano ao mesmo tempo em que deem vazão à inundação que as águas exigem.

Outros serviços ambientais poderiam ser investigados, como a possibilidade de transformar os parques em dispositivos de filtragem. As águas retidas temporaria-mente nos reservatórios poderiam circular por um sistema de biofiltros incorporados à paisagem, que auxiliassem a limpeza das águas antes que elas fossem vertidas novamente ao curso principal.

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FVI-20: Interfaces urbanas com a Baía da Guanabara. Forma constru-ída / forma recebida (matriz)

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FVI-21: Saibreiras abandonadas, Belford Roxo. Fonte: Katia Mansur

Situações similares podem ser recriadas nas barragens. A existência do campo de Instrução Militar do Exército, no campo de Gericinó, permitiu por muito tempo que esta grande área, perto da nascente do rio Sarapuí, se mantivesse livre. Logo depois da grande enchente que atingiu a região em 1988, a construção de uma barragem, contendo as águas rio acima e inundando o campo de treinamento, aliviou considera-velmente os efeitos das inundações nos trechos mais baixos. A barragem consolidou um limite preciso entre o tecido compacto e denso de Nilópolis e a grande gleba do Exército. Depois de muitos anos de reclamos do município, as terras foram finalmen-te cedidas, no ano 2009, para a criação de um parque municipal. A situação única do lugar, localizado entre o sopé da serra e os municípios de Nilópolis e Rio de Janeiro, o transformam numa potencial peça articuladora de relações metropolitanas. Além das funções hidráulicas, a criação de um grande parque pode trazer enormes bene-fícios sociais, recreativos, urbanos e ecológicos.

Outro espaço de fronteira que merece uma reflexão projetual está formado pela in-terface entre a cidade e a baía da Guanabara, ecologicamente mediado pelos man-guezais, considerado um dos ecossistemas mais ricos e diversos, mas que sofreu e continua sofrendo importante depredação. Atravessado pela rodovia Washington Luiz, o espaço tem sido destinado maiormente à localização de indústrias e outros “artefatos” típicos das rodovias metropolitanas. A BR-040 conforma, por sua dispo-sição, uma barreira importante para a expansão dos tecidos residenciais sobre os manguezais. Ao mesmo tempo, as funções situadas na margem direita da rodovia estão normalmente voltadas para o fluxo dos automóveis, sendo o mangue e a baía da Guanabara espaços residuais.

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FVI-22: Extrações, saibreira em atividade em Nova Iguaçu, na margem do rio Botas. Forma ela-borada / forma recebida (matriz). Fonte: Autor

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FVI-23: Extrações. Canteira Nova Iguacu, areeiros Seropédica. Fonte: Google MapsQue projetos poderiam inverter esta situação? Como outorgar resistência aos man-

guezais? Como esses ecossistemas podem qualificar o espaço das infraestruturas? Que possíveis novas relações podem ser estabelecidas com a baía da Guanabara?

Extração e deposição, a geografia mutante da Baixada. ProcessosComo toda periferia urbana, o território da Baixada historicamente serviu como for-necedor de recursos (água, minerais, produtos agrícolas) para a capital e, ao mesmo tempo, como depósito dos despejos da cidade. Extração e deposição são dois pro-cessos que têm consequências importantes na paisagem da Baixada.

Tanto ao percorrer as ruas como numa visão aérea do território, um aspecto chama a atenção pelo contraste das cores. É o vermelho da terra exposta. A atividade extrativa é uma importante atividade econômica na Baixada, especialmente de saibro, argila, areia e, em menor grau, de rocha. Segundo o registro do Departamento de Recursos Minerais do Estado (DRM-RJ) se encontram ativas cinco empresas extrativas em Belford Roxo, 36 em Duque de Caxias e 14 em Nova Iguaçu. A estas devemos somar um número impreciso de atividades não registradas de empreendimentos informais que se desenvolvem em pequena escala e sem controle do Estado.

A extração de saibro e o loteamento urbano têm uma relação dependente. É prática comum, o lento desaparecimento dos morros, o aplanamento do terreno e a posterior ocupação urbana. Ao mesmo tempo, o material extraído é utilizado para aterrar áreas alagadiças para o desenvolvimento urbano. Esta manipulação da topografia acaba

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FVI-24 e 25: Lixão de Gramacho na foz do rio Sarapuí. Fonte: Mos-catelli / flirck

descaracterizando a paisagem e altera o equilíbrio dinâmico do entorno. As condi-ções ambientais e os problemas de enchentes se agravam com a perda de cobertura vegetal e a erosão.

Em outros casos, o abandono das canteiras gera grandes prejuízos nas áreas ad-jacentes. Os morros semidemolidos ficam expostos, se formando ravinamentos e voçorocamentos que geram situações de risco para a população, que convive com a possibilidade de desmoronamentos dos barrancos sobre as residências. Outros pro-blemas têm relação com a qualidade do ar e a qualidade ambiental geral, questões de assoreamento dos sistemas pluviais e de inundações (Mansur, 2000).

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193A síntese, paisagem matriz para urbanismo

Os areeiros, por sua parte, engendram uma paisagem particular, com graves con-sequências ambientais. Onde a extração foi praticada, como resultado das escava-ções, se formam profundas piscinas de água verdosa que alcançam o lençol freático e enchem as crateras. Geralmente saturadas de sedimentos minerais, as piscinas dificilmente são ambientes capazes de gerar alguma forma de vida. O município de Seropédica concentra a maior quantidade de estabelecimentos extrativos de areia, com um número crescente de canteiras formais e informais.

Como contraponto às extrações, a deposição do lixo no maior aterro sanitário da América Latina se localiza na Baixada Fluminense, no município de Duque de Ca-xias, sobre a foz do rio Iguaçu. Criado em 1976, com data marcada de fechamento para 2011, o aterro de Gramacho é responsável por muitos dos danos ambientais da região: contaminação do solo, do subssolo e do lençol freático, destruição do mangue, entre outros. Recebe 6.700 toneladas de lixo por dia proveniente do Rio de Janeiro e de alguns municípios da Baixada, ocupando uma superfície de 1,3 milhões de metros quadrados.

Reciclar as paisagens degradadas constitui um novo desafio projetual. Extrações e deposições são processos que também devem ser pensados sob perspectivas urbanas. Quais processos instigar para iniciar uma regeneração no longo prazo? De que maneira orientar as manipulações topográficas? Como reinserir as paisagens degradadas nos ambientes urbanos? Que novos usos/ valores podem adquirir?

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194Considerações finais

No percurso do trabalho buscamos produzir um corpo de reflexões sobre a metrópole e explorar formas alternativas de abordagem para o projeto urbano.

Constatamos os desafios da cidade contemporânea e as dificuldades tanto de pro-jetá-la como de representá-la. As inquietações geradas pelos câmbios tecnológicos, econômicos e sociais têm reflexos na forma como as cidades são (re)produzidas e pensadas. Processos de descentralização e recentralização estão modificando a geografia metropolitana de muitas cidades. Os modelos tradicionais de centro e periferia estão dando lugar a sistemas mais complexos, policêntricos e dispersos. Pudemos estabelecer diferenças nas transformações evidenciadas em diversos con-textos, com especial atenção às áreas metropolitanas da América Latina.

Centrando no urbanismo como prática, revisitamos projetos urbanos recentes em cidades do continente e comprovamos que a maioria das experiências tem se con-centrado na cidade central, havendo carência de pesquisas que deem respostas aos desafios colocados pelo espaço metropolitano. Algumas experimentações projetuais, porém, buscam alternativas em uma racionalidade diferente que identificamos como “abordagem paisagística”. Referimos-nos a uma aproximação ao projeto urbano na qual a lógica projetual deriva da imbricação complexa entre sistemas naturais e pro-cessos de urbanização.

A partir deste reconhecimento, e sobre a base de um corpo de literatura recente, uma tal abordagem foi investigada e definida. A paisagem vista como uma lente através da qual apreender a complexidade do território urbanizado e como um meio capaz de

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195Considerações finais

lidar com a escala e a fragmentação da cidade contemporânea. Quatro categorias/ conceitos foram propostos para operacionalizá-la: camadas, vazios, fronteiras e pro-cessos foram definidos conceitualmente e derivados a partir de projetos concretos.

O mapeamento foi defendido como forma de exploração e de descoberta, uma ferra-menta para decompor a complexidade do território e torná-lo inteligível. Concebemos a pesquisa cartográfica como uma forma de aproximação e de projeção que envolve um esforço descritivo e revelador antes que a imposição de um projeto desde o topo. A descrição foi colocada, assim, como negociação, como ponto de passagem entre o espaço-substrato e o espaço-projeto (Corboz, 2002).

Utilizando as quatro categorias propostas como filtros de entrada e os mapas como ferramenta de pesquisa, a abordagem paisagística foi testada na Baixada Fluminen-se, um recorte da área metropolitana do Rio de Janeiro. A partir da descrição e da representação, procuramos articular a investigação das condições materiais concre-tas junto com uma construção histórica do território no tempo. A pesquisa conseguiu articular visões e percepções “desde baixo” e “desde cima”, combinando visitas de campo com imagens panópticas através de fotografias aéreas e levantamentos aero-fotogramétricos, cartografias históricas e outras documentações visuais.

Uma sequência de hipóteses projetuais foi levantada, propondo cenários possíveis; não respostas, mas alternativas. Não foi nosso objetivo desenvolver um projeto para a Baixada Fluminense, mas desvelar a sua possibilidade. A série de cartografias apresentadas suscitou a emergência de um conjunto de temas de projeto relevantes para a área, como um caminho de desenvolvimento alternativo que destila oportuni-dades -tanto como assinala conflitos e pressões- das condições existentes. Assim, os desenhos demonstraram a pertinência de uma agenda urbana para a Baixada Fluminense, uma agenda que se coloca como mediação entre as demandas de de-senvolvimento, as oportunidades e a forma, identidade e dinâmica da paisagem.

Entre os temas que se revelaram e que podem conformar essa agenda urbana des-tacamos: a) dar espaço a água, uma questão de urgência para a Baixada que deve ser pensa-da também desde perspectivas urbanas; b) outorgar novo valor de uso aos vazios, o que implica um primeiro esforço para identificá-los, reconhecer seus valores intrínsecos e repensar seu potencial de uso, -o que nem sempre implica que devam ser ocupados; c) articular os espaços livres, de maneira que possam atender questões de conecti-vidade urbana e ecológica;

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196Considerações finais

d) qualificar as infraestruturas, para que possam se transformar em geradoras de urbanidade; e) remediar a paisagem, através de processos criativos de recomposição social, ur-bana e ecológica; f) densificar para conferir diversidade e contrapor à expansão horizontal da cidade, reforçando e diversificando as centralidades.

Visualizamos, assim, um sistema urbano integrado, entrelaçado e estruturado incor-porado aos sistemas naturais, outorgando qualidade e diversidade ao conjunto. As reflexões sobre o território sempre procuraram questionar as descrições exclusiva-mente a partir das carências em prol de uma visão da periferia metropolitana que possa se formular desde a sua potencialidade. A paisagem se apresentou, então, como uma ferramenta capaz de restaurar a estrutura urbana, qualificar o ambiente e reforçar identidades culturais.

Privilegiando a forma urbana, muitos aspectos da Baixada Fluminense não foram abordados. Mas não podemos ignorar os grandes desafios que este território, como outras áreas da região metropolitana do Rio de Janeiro devem enfrentar. Carên-cias sociais, violência, fragilidades políticas, precariedades, entre outras questões, fazem parte do universo cotidiano da Baixada Fluminense que não desconhecemos, mesmo que elas tenham ficado fora do escopo deste trabalho. Reafirmamos porém a capacidade de integração do projeto urbano em sua dimensão espacial a outras dimensões sociais, econômicas e culturais.

Novas pesquisas poderão avaliar o alcance da agenda proposta, através do desen-volvimento de projetos concretos ou de estudos voltados para o aprofundamento de alguns dos temas sugeridos. A agenda da carteira de projetos proposta para a Baixada Fluminense não pretende ser exaustiva. Métodos similares de investigação poderão ser testados em outras áreas metropolitanas, ou complementar o estudo para outras áreas da região metropolitana do Rio de Janeiro.

Enfim, o trabalho afirma a necessidade do projetar como forma de produzir conheci-mento sobre o urbano. Sem dúvida, o projetar é parte intrínseca de nosso fazer en-quanto arquitetos, é nossa ferramenta de trabalho, é nossa forma de pensar. Projetar é antes de tudo uma forma de investigar. Paola Vigano define o projeto como um dispositivo cognitivo e reconhece três processos pelos quais o projeto gera conheci-mento: primeiramente, através da descrição e da representação de uma seleção de temas e elementos físicos que pertencem à realidade, à contingência e à latência; segundo, através da conceitualização, no esforço pela abstração e generalização e,

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197Considerações finais

finalmente, através da sequência de hipóteses que investigam o futuro, avaliam-no, propondo cenários e possibilidades (Vigano, 2005).

Este trabalho se situa nessa perspectiva, a de produzir conhecimento sobre as peri-ferias metropolitanas e pensar a possibilidade de um projeto urbano outro, e finaliza com a expectativa de que as questões colocadas possam contribuir para a emergên-cia de outros olhares, outras representações e outras construções.

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