Projetos urbanos

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Transcript of Projetos urbanos

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páginas introdutórias

FRATURAS URBANAS E A POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO DE NOVAS

TERRITORIALIDADES METROPOLITANAS: A ORLA FERROVIÁRIA

PAULISTANA

Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de

São Paulo para obtenção do grau de Doutor em Estruturas Ambientais Urbanas

autor:

Carlos Leite de Souza

orientador:

Prof. Dr. Gian Carlo Gasperini

São Paulo, março 2002

2

páginas introdutórias

SUMÁRIO>

01 INTRODUÇÃO 0801.1 A organização da tese 10

01.2 Considerações iniciais 14

01.3 Notas 24

02 O CONTEXTO GLOBAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DEMETROPOLIZAÇÃO 2702.1 São Paulo nasce metropolitana 28

02.2 A cidade moderna 33

02.3 A metrópole contemporânea 41

02.4 Notas 49

03 A ORLA FERROVIÁRIA: LEITURA DO TERRITÓRIO 5203.1 A leitura aérea 53

03.2 O contexto local 63

03.3 Notas 74

04 O PROJETO-TESE: O PROCESSO 7604.1 Mapeamento urbano 77

04.2 Análises 94

05 O PROJETO-TESE: A ESTRATÉGIA 10105.1 Fragmentação e retalhamento da metrópole 102

05.2 Intervenções urbanas contemporâneas 118

05.3 As estruturas urbanas e a construção de uma nova territorialidade metropolitana 154

05.4 Notas 179

06 O PROJETO-TESE: AS MATRIZES URBANAS 18506.1 Diagramas urbanos 187

06.2 Modelo 195

07 CONCLUSÕES 210

08 BIBLIOGRAFIA 216

3

páginas introdutórias

DEDICATÓRIA>

Ao futuro da querida

Isabel Pie de Lima e Souza.

Com enorme gratidão pelo apoio no momento mais difícil e, muito amor, a

Mônica Sodré Brooke.

4

páginas introdutórias

AGRADECIMENTOS>

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS>Maria José Leite de SouzaRegina Meyer

AGRADECIMENTOS>Alexandre DelijaicovAlunos e colegas da FAU-Mackenzie e Belas-ArtesÁlvaro PuntoniAna Karina Di GiácomoAngélica Tanus Benatti AlvimCristiane MunizDanielle SpadottoÉrika BaracatFernando de Mello FrancoFrank van GurpGian Carlo GasperiniJaap BekkersLair ReisLuciana Leite de SouzaMarcel van DijkMário BiselliNelson Brissac PeixotoNelson KonPaula QuattrochiPaulo GiaquintoRenata Leite de Souza Vargas do AmaralRenato AnelliSílvia Pie de Lima e SouzaVicente del Rio

5

páginas introdutórias

RESUMO>O trabalho aborda a questão da complexidade do território metropolitano

contemporâneo. As novas dimensões presentes neste território - fragmentação,

retalhamento, desarticulação, terrenos vagos, fluídez e rede de fluxos - são

discutidas à luz de um objeto de estudo paradigmático desta problemática: a

orla ferroviária paulistana.

As áreas residuais metropolitanas devem suportar os novos projetos ur-

banos e articular as novas territorialidades. O �terreno vago� como instrumen-

to potencial para a construção do novo espaço público. As descontinuidades

metropolitanas - fraturas urbanas - oferecem uma nova possibilidade de proje-

to.

Após as abordagens iniciais que analisam os problemas presentes na orla

ferroviária frente o contexto global da transformação da metrópole pós-

industrial e da leitura específica deste território, apresenta-se para o mesmo um

�projeto-tese�.

Um ensaio projetual que procura espacializar a tese da construção de

uma nova territorialidade metropolitana a partir do território desarticulado e

disponível da orla ferroviária paulistana. Defende-se para tanto a necessidade

de ujm urbanismo dinâmico, adequado às demandas das transformações

presentes na metrópole contemporânea.

6

páginas introdutórias

ABSTRACT>This work brings up to mind the question about the contemporary

complexity of the metropolitan territory. The new dimensions that lies in this

territory - the fragmentation, the retails, the desarticulation (the un-articulated

territory), the �terrain vague�, the fluidity and the flows´ network - are

discussed upon an object of a paradigmatic study: the railway line of the city of

São Paulo.

The metropolitan residual areas should contain the new urban projects

and should articulate the new territory spaces. The void spaces as a potential

instrument for the construction of the public space. The metropolitan

discontinued spaces - urban fractures - offer a new possibility of project.

After the initials approaching, that analyse the existent questions at the

railway line, facing the new global context of the pos-industrial metropolis, a

�thesis-project� is presented.

A projectual rehearse that intends to bring into a spatial form, the thesis

of the construction of a new metropolitan territory, coming form the un-

articulated and available land of the railway edges (wastelands).

For that, is defended a dynamic urbanism, suitable with the demands of the

transformations that are real now in the contemporary metropolis.

7

páginas introdutórias

NOTAS>

01 As referências bibliográficas e demais notas estão numeradas por capítulo e

aparecem no final dos mesmos.

02 As figuras também estão numeradas por capítulo. As imagens com a fonte

[1] são de origem de arquivo pessoal do autor; aquelas sem fonte são de

autoria de Nelson Kon em trabalho conjunto com o autor, conforme nota

explicativa constante do capítulo 3.

8

[1] introdução

01 INTRODUÇÃO>

01.1 A organização da tese 10

01.2 Considerações iniciais 14

01.3 Notas 24

9

[1] introdução

�O projeto como um lugar, um mirante, de onde se pode ver a realidade,

antes de tudo como uma projeção futura. A visão de uma desejada cidade para

todos.�

Paulo Mendes da Rocha1

10

[1] introdução

Figs. 1.1/1.2. O trabalho �Panorama Contemporâneo: Leitura da Metrópole Retalhada�, exposto na Bienal50 Anos em 2001, foi nossa primeira oportunidade de mapear os pontos de ruptura da metrópole contem-porânea. A Orla Ferroviária: a cidade pós-industrial em transformação e a potencialidade do vazio urbano(Figs. 1.1 à 1.10).

01.1 A organização da teseA tese organiza-se a partir do tema do projeto urbano enquanto instru-

mento de reparação do tecido metropolitano rompido, fragmentado. Está

imbutida a idéia da intervenção na cidade existente, sem negá-la. Um urbanis-

mo reparador: a partir das estruturas urbanas existentes.

As fraturas urbanas e a possibilidade de construção de novas

territorialidades metropolitanas. A orla ferroviária paulistana como objeto de

estudo e proposição. O padrão de desenvolvimento urbano e o retalhamento

da cidade contemporânea. As áreas residuais decorrentes - os terrenos vagos -

como instrumento potencial para a construção do território.

A orla ferroviária como objeto de trabalho

O trabalho propõe desenvolver um projeto-tese. Um ensaio projetual

para uma área metropolitana em transformação, constituída por fragmentos

urbanos e áreas residuais. Trata-se da possibilidade de construção de uma nova

territorialidade metropolitana - nova escala e novas funções para o mesmo

território - hoje desarticulado.

A orla ferroviária paulistana é território em franca transformação metro-

politana e serve como objeto para potencial intervenção linear na metrópole. O

ensaio recai sobre a área da antiga linha férrea Santos-Jundiaí, no trecho do

Moinho Central (Barra Funda) à Estação Moóca.

Definiu-se esta área para a intervenção projetual por conter as tipologias

fig

11

[1] introdução

Figs. 1.3/1.4. O Largo da Concórdia, Brás. Os fluxos contemporâneos; a �arquitetura dainformalidade� se sobrepõe à cidade histórica.

problemáticas típicas da orla ferroviária:

1. O patrimônio existente latente: Moinho Central e adjacências;

2. O patrimônio existente em transformação (novos usos): Pátio Júlio

Prestes e Estação da Luz;

3. A orla ferroviária de banda curta com bordas edificadas consolida-

das: trecho Luz - Pátio do Pari;

4. O grande vazio urbano: Pátio do Pari;

5. O nó urbano de grande complexidade: trecho Largo da Concórdia-

Estação Brás;

6. A orla ferroviária expandida/o uso industrial em transformação: tre-

cho Brás-Moóca.

A orla ferroviária corresponde ao território onde a ferrovia se instalou e

mais as áreas contíguas à linha férrea. Está presente no desenho da cidade de

forma inexorável. O desenvolvimento da ferrovia, desde a virada do século

passado e o seu auge, enquanto instrumento viabilizador da economia

industrial paulistana no meio do século, determinou definitivamente a

estruturação metropolitana.

A geografia urbana paulistana foi determinante num primeiro momento

para a ocupação do território alto, a colina central. A cidade nasceu na colina

sobre o rio Tamanduateí. A ocupação portuguesa deu-se na cidade alta e

fortificada e não junto ao rio. De certo modo, São Paulo também renegou a sua

12

[1] introdução

Figs. 1.5/1.6. Ainda o Largo da Concórdia. O nó urbano histórico, ponto de encontro de imigran-tes italianos e migrantes nordestinos sofre mutação abrupta: se transforma em fluxo epassagem.

orla ferroviária à mesma condição. O avesso da cidade. Suas partes menos

nobres. Ali se implantaram a indústria e os grandes armazéns. Os grandes

territórios renegados eram baratos e podiam ser utilizados para as funções

menos nobres. Aquelas com as quais a cidade urbanizada não queria conviver.

Assim, ao longo da orla ferroviária da antiga estrada de ferro Santos-

Jundiaí, implementaram-se os galpões, armazéns e a indústria. Quando essa

orla une-se à várzea do rio Tamanduateí, a partir da Moóca estendendo-se até

Santo André, fica consolidado o território ideal para o desenvolvimento da

grande indústria que fez a riqueza da metrópole, na segunda metade do

século. Território de várzea, limitado por duas bordas claras: o rio e a ferrovia.

As mudanças recentes geradas pela passagem da cidade industrial para

a metrópole pós-industrial, de serviços, produziram um retrato cruel naquele

território. Com o esvaziamento da ocupação industrial, a ferrovia perde muito

de sua função. A falta de incentivo claro à malha ferroviária paulistana,

enquanto sistema de transporte público eficiente e integrado ao sistema do

metrô, corroborou decisivamente para esse esvaziamento de importância. Sua

decadência nas últimas décadas representa também a desqualificação espacial

de suas bordas.

Tem-se então um território fragmentado e descaracterizado. As estruturas

que definiram a sua ocupação e consolidação hoje representam a sua

obsolescência: os terrenos vagos.2

13

[1] introdução

É este o território do ensaio projetual. Aplicar novas possibilidades de

reorganização territorial. Definir novas estratégias de ocupação. Qual o

potencial dos vazios urbanos presentes na orla ferroviária de São Paulo? Como

trabalhar novas funções e programas contemporâneos a partir das infra-

estruturas latentes da urbe? É possível construir um território público

metropolitano - a desejável �cidade para todos� - a partir desse território

fragmentado?

As hipóteses de trabalho

A cidade contemporânea terá de ser pensada a partir das suas estruturas

existentes.

O desafio da arquitetura contemporânea é trabalhar sobre a cidade exis-

tente, sem negá-la, a partir de seus condicionantes.

As infra-estruturas urbanas definem a construção dos novos territórios

metropolitanos.

As áreas residuais metropolitanas devem suportar os novos projetos ur-

banos e articular as novas territorialidades. O terreno vago como instrumento

potencial para a construção do novo espaço público.

As descontinuidades metropolitanas - fraturas urbanas - oferecem uma

nova possibilidade de projeto.

A organização do trabalho

O trabalho está organizado em oito capítulos. O primeiro deles apresenta

Figs. 1.7/1.8. Serra da Cantareira: a cidade �ilegal/real� e a expansão periférica sobre as áreas deproteção ambiental. Os territórios são ocupados informalmente. Tornam-se rapidamente mancha urbanaconsolidada. O planejamento urbano permanece à reboque dos acontecimentos metropolitanos.

14

[1] introdução

Figs. 1.9/1.10. Morumbi (Zona Oeste) e Jardim Anália Franco (Zona Leste): a �anti-cidade� dosricos condomínios fechados, enclaves urbanos em meio à cidade informal, pobre e ilegal.Pontos de ruptura numa metrópole sem urbanismo.

uma abordagem inicial e geral sobre os problemas da metrópole

contemporânea. Os capítulos seguintes - (2) e (3) - tratam, respectivamente,

do processo de metropolização de São Paulo, o contexto geral, e de uma leitura

do território específico da Orla Ferroviária, o contexto local. Os capítulos (4), (5)

e (6) apresentam o �projeto-tese�: o desenvolvimento da tese da construção

de uma nova territorialidade metropolitana a partir dos fragmentos urbanos e

descontínuos da Orla Ferroviária. No quarto capítulo apresenta-se um

mapeamento urbano desse território. O capítulo (5) pode ser considerado o

�coração� do trabalho. Ali estão desenvolvidas as idéias acerca do território

descontínuo, do retalhamento da metrópole, dos terrenos vagos; discutem-se

alguns estudos de caso e defende-se a tese através da apresentação de uma

estratégia urbana. O capítulo (6) apresenta o ensaio projetual através de

diagramas urbanos e imagens do modelo realizado. O capítulo (7) mostra as

conclusões do trabalho e o capítulo (8) apresenta a bibliografia utilizada.

01.2 Considerações iniciais A cidade contemporânea tem sido objeto de especulações as mais

variadas, fruto natural do espírito da época. Na verdade, época de crise cultural

e econômica e de grandes transformações na urbe. Alguns chegam mesmo a,

precipitadamente, anunciar o fim do urbanismo e do desenho urbano.3

15

[1] introdução

Parece-nos oportuno, então, rediscutir o papel do urbanismo

contemporâneo no Brasil. Reposicioná-lo acadêmica e profissionalmente.

Fortalecê-lo conceitualmente e dotá-lo de instrumental suficiente para o

enfrentamento da problemática da metrópole contemporânea, sua dinâmica

inusitada e seus novos desafios.

Surgem novas abordagens acerca de leituras urbanas, derivadas da

complexidade do mundo globalizado, da sociedade e da ciência

contemporâneas. A economia e a cultura globalizadas e os espaços

transnacionais, o pós-estruturalismo filosófico, a física complexa e a lógica fuzzy,

etc., são parâmetros para uma nova e mais dinâmica interpretação do espaço

físico. Uma nova estruturação do território metropolitano se apresenta ao

arquiteto contemporâneo.

Nesse sentido, poderíamos dizer que nunca o urbanismo foi tão

necessário.

Constata-se a presença crescente de uma certa �arquitetura urbana�, em

várias cidades do planeta, sob uma abordagem pragmática frente às diversas

demandas urbanas atuais. Arquitetos contemporâneos têm realizado projetos

urbanos em várias metrópoles: de Renzo Piano e Jean Nouvel à Rem Koolhaas

e Daniel Libeskind. Urbanistas, como Nuno Portas, Jordi Borja ou Joan Busquets,

têm apresentado suas idéias de como pensar e intervir nas cidades globais.

Inúmeras cidades têm recebido intervenções urbanísticas de porte, da

16

[1] introdução

reurbanização da orla marítima de Barcelona à de Roterdã ou Puerto Madero,

passando pelos vários projetos urbanos presentes na reconstrução da �Nova

Berlim�.

O processo de reurbanização de Barcelona é, indubitavelmente, o caso

de maior sucesso em termos de projetos urbanos contemporâneos. Sucesso que

vai do uso popular ao retorno financeiro, passando pela recuperação imagética

da cidade. As intervenções de grande porte que surgem na Nova Berli,

unificada, como paradigma das demandas da metrópole do novo milênio, com

áreas urbanas históricas sendo inteiramente reconstruídas pelas grandes

corporações privadas. A histórica Potsdamer Platz é dividida entre as

transnacionais empresas Dainler-Benz e Sony e o antigo espaço público, agora

privatizado, está sob um programa urbano multi-funcional onde predomina o

entretenimento eletrônico e uma arquitetura de ponta, high-tech.4

Não se pode deixar de comentar, mesmo que rapidamente, o

surgimento avassalador nos EUA do chamado �neo-urbanismo�. Pregando uma

alternativa à vida urbana nas grandes metrópoles, com postulados teóricos

conservadores e desenho urbano pré-moderno, o neo-urbanismo encontra um

surpreendente sucesso popular junto à classe média americana. Sem dúvida,

impulsionado pela pujança da maior economia do século XX, em franco

crescimento desde o início da década de 90, ele surge como alternativa ao

desenho urbano dos novos subúrbios americanos. Retrato fiel dessa nova face

Fig. 1.11. Potsdamer Plat z, Berlim, 2000. No antigo centro histórico da Europa pré-guerra,surge a �Nova Berlim�: o espaço urbano é privatizado pelas empresas transnacionais Sony eDainler-Benz (Fonte: [1]).

17

[1] introdução

do urbanismo americano, talvez cruel, frente a mediocrização espacial

promovida, seja aquele revelado no filme �O Show de Truman�, de Peter

Weir.5

Por outro lado, tem surgido, nas décadas de 80 e principalmente 90,

bibliografia bastante heterogênea em relaçaõ às necessárias conceituações

teóricas sobre os diferentes vieses do urbanismo contemporâneo. Estas obras,

desenvolvidas por teóricos - Borja e Castells, Busquets, Solà-Morales, Portas e

Gandelsonas, por exemplo - e por alguns dos próprios arquitetos praticantes -

Koolhaas, Tschumi e Libeskind, particularmente - têm-nos mostrado uma

fundamentação teórica bastante interessante que, na verdade, só vem atestar

a vivacidade do urbanismo contemporâneo. Polêmico e múltiplo, porém vivo.

Juan Busquets, um dos urbanistas que mais tem participado de

consultorias aos projetos de intervenção em áreas urbanas degradadas, desde a

sua participação pioneira na experiência de Barcelona, junto à Oriol Bohigas,

até a recente consultoria em Santo André, projeto do Eixo Tamanduathey,

comenta acerca do novo papel do urbanismo contemporâneo:

�O processo urbanístico já não segue o padrão teórico dos planos gerais,

plano versus projeto arquitetônico, mas se articula a partir de �ações´ e/ou

´projetos´ que tenham a capacidade executiva, e que em seu conjunto sejam

capazes de por em movimento a cidade ou um grande setor urbano; portanto

que tenham força própria, mas também uma grande capacidade indutora. A

Figs. 1.12a/b/c. O neo-urbanismo ganha força nos EUA, especialmente após o surgimento deSeaside Paradise, Flórida, de Andres Duany e Elizabeth Plater Zybeck. Enorme sucesso junto àclasse média americana nestas propostas de negação da vida metropolitana e desenho urbanopré-moderno. (Fonte: www.newurbannews.com/images).

18

[1] introdução

idéia de ações e projetos-força tem tradição na história urbanística, porém

haviam sido trocadas por formas mais burocráticas que identificavam o

urbanismo com a gestão administrativa da cidade, que mesmo sendo

importante não pode ser exclusiva. É conveniente que estas ações estejam

referidas a uma estratégia geral � que pode ser um programa ou o conteúdo de

um autêntico plano urbanístico - mas não devem se condicionar de um modo

restritivo. De outro modo se bloqueiam e se anulam. O planejamento e a

gestão urbanísticas tradicionais deverão caminhar a partir destas experiências.

Sua agilidade e seu compromisso com a ação são imprescindíveis.6

As novas especulações urbanas contemporâneas , as �neo-vanguardas�,

segundo Josep-Maria Montaner, já se fazem sentir não apenas no campo

teórico das idéias especulativas, mas também em amplo debate que chega ao

universo acadêmico das escolas de arquitetura e urbanismo e tomam forma

construída em algumas metrópoles européias.7

Algumas escolas, como a Architectural Association de Londres (AA),

retomam no último final de milênio, a sua postura de vanguarda que

encontrou o seu auge na década de 70, quando estiveram por lá profissionais

como Koolhaas, Zaha Hadid, Libeskind, Tschumi, Peter Cook, Aldo Rossi, Alvin

Boiarski e Beyner Banham. A Columbia University,

há uma década dirigida por Tschumi, e as escolas holandesas, particularmente o

Berlage Institute of Architecture, sob a coordenação de Herman Hertzberger e

Fig. 1.13 �urban diagrams�, muito em voga nas escolas britânicas e holandesas de desenhourbano. No exemplo, diagrama de exterioridade urbana - �grafting and folding� - de PeterEisenman para o projeto urbano Frankfurt rebstockpark. (Fonte: Eisenman, 2000, p.173).

19

[1] introdução

Wiel Arets, colocam tais abordagens, menos ortodoxas, dentro das salas de

aula e apontam novos caminhos para as intervenções urbanas no tecido da

cidade existente. Principalmente nos novos processos de leitura e mapeamento

urbano dinâmicos.8

O projeto de Euralille, realizado em Lille sob coordenação urbana de

Koolhaas, surge como um turning-point nos projetos urbanos contemporâneos.

São 700 mil m2 de obra construída, constituindo, pela primeira vez, a �cidade

dentro da metrópole�, a metrópole européia virtual fruto das novas relações

tempo-espaço de hoje e da nova geografia temporal, a �bigness

arquitetônica� e as �sobreposições programáticas e ligações infra-estruturais�

pregadas por Koolhaas.9

Bernard Tschumi tem sido uma das vozes mais eloqüentes acerca das

novas possibilidades contemporâneas que a arquitetura deve observar:

�A arquitetura não versa sobre as condições do desenho, mas sobre o

desenho das condições. Hoje em dia, a estratégia é um elemento fundamental

na arquitetura. Basta de planos gerais, sente-se necessidade de uma nova

heterotopia. Este deve ser o objetivo de nossas cidades e os arquitetos devem

contribuir para isto intensificando a rica colisão entre acontecimentos e

espaços.� 10

Estamos presenciando a realização teórica e prática da �arquitetura

metropolitana�. Em um momento onde as informações são fragmentadas e

Fig. 1.14. Euralille, Lille, França, 1989. Surge o primeiro projeto urbano contemporâneo baseadona sopbreposição programática a partir das infra-estruturas urbanas existentes (Fonte: A+U,2000, p.224).

20

[1] introdução

efêmeras, parece-nos urgente fazer a discussão dessas abordagens e fazer a

análise reflexiva desses estudos de caso, sob o risco de vermo-nos, no Brasil,

novamente, à margem da arquitetura global.

Há que se retomar no Brasil, urgentemente, o importante papel do

projeto urbano nas nossas cidades. A �arquitetura com ideal de cidade�, tão

bem desenvolvida pelos nossos arquitetos modernos, precisa voltar a ter

presença decisiva no desenvolvimento e recuperação de nossas metrópoles - a

arquitetura urbana realizada, por exemplo, no centro novo de São Paulo nas

décadas de 50 e 60 ou aquela desenvolvida no projeto do Aterro do Flamengo

por Reidy e Burle Marx.

Nesse sentido, a universidade não deve ausentar-se de um amplo deba-

te. Qual urbanismo se discute nas nossas salas de aula? Reflete-se o debate

global, suas abordagens polêmicas, seus atores? Em que medida tem-se

colocado uma verdadeira prática reflexiva no urbanismo conceituado no Brasil

atualmente, que atenda à complexidade da metrópole contemporânea? Por

que a arquitetura contemporânea realizada nas nossas grandes cidades

ausenta-se completamente de uma idéia de cidade (na verdade, a arquitetura

�de mercado� tem promovido, na maior parte das vezes, a anti-cidade dos

condomínios fechados)?

Infelizmente, a nossa atuação concreta tem sido pequena no campo da

recuperação dos espaços urbanos. Nossas metrópoles, os vários agentes

Fig. 1.15. Urbanização do Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, 1964. Equipe liderada por AffonsoReidy (urbanismo) e Burle Marx (paisagismo) implementa, em escala urbana, a arquiteturamoderna brasileira que supreenderia o mundo. (Fonte: Reidy, 2000, p.130).

21

[1] introdução

presentes no seu desenvolvimento, o poder público e a iniciativa privada

parecem ainda não terem se colocado frente à essas demandas, com a

grandeza exigida. O poder público está quase falido e, precariamente

gerenciado, ausenta-se do planejamento, manutenção e recuperação dos

espaços públicos � salvo honrosas exceções � e a iniciativa privada ainda não se

apercebeu dessas necessidades que já ocorrem nos países mais desenvolvidos.

Os projetos de recuperação urbana no Brasil encontram alguns bons

exemplos, basicamente em Curitiba e no Rio de Janeiro, onde, apesar de todos

os problemas, existe uma continuidade de intervenções urbanísticas. No Rio, os

projetos Rio-Cidade e Favela-Bairro mostram ao Brasil algumas possibilidades

de um maior cuidado do poder público para com a cidade nos seus espaços

coletivos.

Porém, se nos detivermos com maior atenção à necessidade das

intervenções de maior porte, veremos que cidades como São Paulo precisam

urgentemente delas para a recuperação de suas enormes áreas degradada: a

orla ferroviária é exemplo dramático. Verificamos, infelizmente, que pouco tem

sido realizado neste campo. O Projeto Tamanduathey, gerenciado pela

prefeitura de Santo André em 1999 é, por hora, nosso único exemplo de

projeto urbano que surgiu para suprir essas graves demandas urbanas.

Existe um razoável número de concursos de arquitetura e urbanismo

realizados que apontariam possibilidades potencialmente interessantes de

Fig. 1.16 (a/b/c/d). A arquitetura moderna paulista construiu o centro novo de São Paulo com uma claraidéia de urbanidade - uma �arquitetura urbana� - nos anos 50/60: (a) Conjunto Metropolitano; (b) EdifícioO Estado de São Paulo; (c) Copan; (d) Sede od IAB-SP. (Fonte: Xavier et. al., 1963).

22

[1] introdução

intervenção nessas fraturas urbanas, mas, nem o poder público tem sabido

conduzir e nem a iniciativa privada tem se interessado em participar. Apenas

em São Paulo, tivemos, nos últimos anos, os concursos de Revitalização do

Centro, de Desenho Urbano de 20 áreas pontuais (�São Paulo Eu te Amo�), de

Reurbanização das Marginais e de Reurbanização do Carandiru. Poderiam ter se

transformado em bom início de uma prática de intervenção urbanística

contemporânea. Projetos urbanos de grande porte. Nenhum deles teve qual-

quer tipo de continuidade. Não resultaram nem em prática realizada, nem em

discussões potencialmente enriquecedoras.11

Alguns nomes consagrados no cenário da arquitetura paulista têm

produzido idéias consistentes acerca das possibilidades de intervenção na

metrópole paulistana. Cândido Malta Campos Filho produziu tese pioneira

acerca dos Corredores Metropolitanos, como possibilidade de configuração de

novos territórios metropolitanos em 1973. Desde então, desenvolve tal tese

com grande empenho. Paulo Mendes da Rocha, laureado recentemente com o

importante Prêmio Mies van der Rohe de arquitetura latino-americana, tem

produzido, com coerência ímpar, idéias (mesmo que não concretizadas) para a

construção de um território novo, cuja arquitetura constrói o lugar, sempre com

bases culturais nacionais modernas. Regina Meyer tem realizado estudos e

propostas urbanísticas, particularmente para a recuperação da área central,

junto à Associação Viva o Centro, que automaticamente tornam-se referências

Fig. 1.18. Proposta de intervenção urbana de Paulo Mendes da Rocha para a Cidade Fluvial , SP:rara visâo abrangente do potencial do território metropolitano (Fonte: Rocha, 2000, p.19).

Fig. 1.17. O projeto Favela-Bairro que vêm sendo realizadocom rara continuidade há alguns anos no Rio de Janeiro -levando um pouco de urbanismo às favelas dos morroscariocas - tem sido objeto de reconhecimentointernacional. Conta com o apoio financeiro contínuo doBID e é objeto de estudos acadêmicos no departamento deHousing & Urbanism da Architectural Association (AA,Londres), dirigido por Jorge Fiori. (Fonte:www.aaschool.ac.uk/hu/website/assets/f_events/imagessubnav_f/news3.gif).

23

[1] introdução

obrigatórias. Novamente, poucas dessas propostas têm tido oportunidade de

efetiva realização.

O trabalho que vem sendo conduzido pelo grupo Arte/cidade, na sua

versão mais recente, o mapeamento urbano na Zona Leste, pode ser outro

bom parâmetro especulativo sobre os rumos do urbanismo contemporâneo em

São Paulo. Numa realidade conceitual ainda bastante precária, onde falta

massa crítica e reflexiva mais consistente sobre a metrópole contemporânea,

este trabalho poderá constituir-se em contribuição preciosa.12

Parece-nos evidente a necessidade do debate aberto e plural no meio

acadêmico acerca das novas possibilidades urbanísticas, demandas

contemporâneas presentes, requeridas por essa metrópole complexa, ao

mesmo tempo cidade global e depositária de enormes injustiças sociais.

Obviamente, as pesquisas exploratórias e a especulação conceitual não

surgem gratuitamente. Devem ter, como pano de fundo, a possibilidade de

fazer o necessário enriquecimento da práxis urbanística. Interessa-nos aqui, o

debate teórico e experimental como fomentador de novas abordagens para as

intervenções na cidade existente e como melhor realizar os projetos urbanos

frente às demandas da metrópole contemporânea.

Assim, o ensaio projetual aparece como oportunidade de defesa das

idéias: um projeto-tese.

Fig. 1.19. Le Corbusier: as bases pioneiras do pensamento moderno ainda são as referênciasbásicas do urbanismo contemporâneo; revisadas na sua dimensão mais radical, voltam a estarpresentes no ideário das intervenções urbanas realizadas pelos arquitetos contemporâneos.(Fonte: Le Corbusier, 1959, p.30).

24

[1] introdução

01.3 Notas1 ROCHA, Paulo M. (Org.: Rosa Artigas). Paulo Mendes da Rocha. São Paulo:

Cosac & Naify. 2000, p.177.

2 SOLÀ-MORALES RUBIÓ. Terrain Vague In: Anyplace, 118-123: Cambridge: MIT/

Any. 1995.3 ARANTES, Otília. Urbanismo em Fim de Linha. São Paulo: Edusp. 1998.

4 Alguns projetos urbanos, como a �Nova Berlim�, são objeto de estudo de

caso neste trabalho e estão apresentados no Capítulo 5.5 A trama passa-se em uma cidade imaginária, cujo cenário real é o novo

subúrbio de Seaside Paradise na Flórida, projetado pelos urban designers

precursores do neo-urbanismo americano Andres Duany e Elizabeth Plater-

Zybeck. Interessante debate ocorreu na Universidade de Harvard, entre

Koolhaas e Duany, sobre os rumos do urbanismo contemporâneo, quando,

dentre outras coisas, Koolhaas colocou o neo-urbanismo como mero

conservadorismo a serviço do mercado imobiliário americano que atende, sem

qualquer pretensão maior, às demandas consumista e individualista da classe

média americana. Duany acusou Koolhaas de produzir muitas idéias e livros de

grande sucesso no meio acadêmico e na mídia especializada mundial, mas que

jamais se transformarão em realidade na América (espaço urbano construído).

Sobre o neo-urbanismo americano, veja-se: CALTHORPE, Peter. The Next

American Metropolis: Ecology, Community and the American Dream. Nova

25

[1] introdução

Iorque: Princeton Architectural Press. 1993.6 BUSQUETS, Juan. The New Urban Phenomena and New Type of Urbanistic

Project. In: Catalogo de de la Exposición del XIX Congreso de la Unión

Intenacional de Arquitectos, 280-287. Barcelona: Actar. 1996, p.281.7 MONTANER, Josep M. Después del Movimiento Moderno: Arquitectura de la

Segunda Mitad del Siglo XX. Barcelona: G.Gilli. 1993.8 A este respeito já há bibliografia ampla. Veja-se, por exemplo: ALLEN, Stan.

Points and Lines: Diagrams and Projects for the City. Nova Iorque: Princeton

Architectural Press. 1999; ARCHITECTURAL DESIGN. Architecture After Geometry.

Architectural Design Profile no. 127. Londres: Academy. 1997; ARCHITECTURAL

DESIGN. Folding in Architecture. Architectural Design Profile no. 102. Londres:

Academy. 1993; ARCHITECTURAL DESIGN. Theory and Experimentation.

Architectural Ideas for Today and Tomorrow. Architectural Design Profile no. 127.

Londres: Academy. 1992.9 KOOLHAAS, R.; MAU, Bruce. S, M, L, XL. Nova Iorque: The Monacelli Press.

1998 (1995). Euralille é um de nossos estudos de caso descritos no Capítulo 5.10

TSCHUMI, Bernard. Architecture & Disjunction. Cambridge: MIT Press. 1995.11

Na nossa prática profissional temos participado com alguma regularidade dos

concursos, principalmente daqueles que abrem interessantes e mais

abrangentes possibilidades de intervenção na cidade. Assim, acompanhamos

este problema de perto. No concurso de reubanização das Marginais, no qual

26

[1] introdução

nosso trabalho - coordenado por Francisco Spadoni e Carlos Leite - recebeu a 2a.

colocação, participamos de várias discussões junto aos promotores do concurso

e demais colegas premiados. Porém, o resultado final é frustrante, pois

anulam-se as questões e idéias apresentadas no concurso rapidamente.12

Veja-se a pesquisa �Transurbanas� em andamento no site do Arte/cidade:

www.artecidade.org.br\artecidade-transurbanas.htm e também ARTE/CIDADE:

GRUPO DE INTERVENÇÕES URBANAS. Brasmitte: Parte 1: Brás. Intervenções

Urbanas: São Paulo, Berlim. SP: Adresse. 1997.

27

[02] o contexto global: o processo de metropolização

02 O CONTEXTO GLOBAL: CONSIDERAÇÕESSOBRE O PROCESSO DEMETROPOLIZAÇÃO>

02.1 São Paulo nasce metropolitana 28

02.2 A cidade moderna 33

02.3 A metrópole contemporânea 41

02.4 Notas 49

28

[02] o contexto global: o processo de metropolização

02.1 São Paulo nasce metropolitanaA área metropolitana de São Paulo pertence à Bacia do Alto Tietê, cujos

afluentes são os rios: Tamanduateí (sudeste), Pinheiros (sul), Cotia (sudoeste) e

Juqueri (norte), além dos rios Embu-Mirim e Embu-Guaçu, que deságuam na

Represa de Guarapiranga.

Do ponto de vista geomorfológico, o território metropolitano é

subdividido em dois compartimentos principais: a Zona Cristalina do Norte ou

Serraria de São Roque e o Planalto Paulistano. A Zona Cristalina do Norte é

uma extensa área montanhosa com vales encaixados, que favorecem a

implantação de eixos viários, mas inadequados para o assentamento urbano.

Abrange a menor porção do território, principalmente ao norte, onde se situa a

Serra da Cantareira e os municípios de Santana do Parnaíba, Pirapora, Cajamar,

Francisco Morato e Franco da Rocha. O Planalto Paulistano abrange

praticamente todo o Alto Tietê. Corresponde à bacia sedimentar de São Paulo,

recortada por extensas planícies aluviais (onde se desenvolveu a ocupação

urbana), hoje quase desprovidas de matas, à exceção de alguns parques

(Parque do Estado) e áreas de várzeas situadas à leste, onde se desenvolvem

atividades hortifrutigranjeiras.1

A estrutura da cidade foi fortemente influenciada pelo relevo - em gran-

de parte acidentado - com exceção das várzeas dos rios. As grandes várzeas

Fig. 2.1 Detalhe da �nova� planta da cidade deSão Paulo de U. Bonvicini e V. Dubugras, 1981.(Fonte: Toledo, 1996, p.32.)

29

[02] o contexto global: o processo de metropolização

formadas pelos três principais rios ofereciam terrenos planos (inexistentes em

outras regiões da cidade) e baratos, sendo que foram aproveitadas para a

implantação das estradas de ferro, possibilitando, em uma primeira fase da

industrialização, a instalação de grandes unidades produtivas e de armazena-

gem.

Em geral, desde o início de sua ocupação, a cidade tratou mal seu sítio

natural, especialmente os recursos hídricos. �Várias obras de saneamento foram

implementadas com o intuito de favorecer as áreas de elite, sendo os esgotos

lançados nos cursos d�água. As terras das várzeas conviviam com as áreas in-

dustriais, as vilas operárias e os despejos da cidade. Além disso, até a década

de 70, o lixo urbano foi utilizado como material de aterro das várzeas�.2

A cidade de São Paulo, diferentemente da maioria das cidades do Estado

que se originaram da economia baseada na cultura cafeeira, forma-se em um

processo de expansão geográfica, onde os bandeirantes exerceram papel de

grande importância, graças a sua estrutura feudal-militar que conquistou e

abriu caminho para diversas conquistas de território.

Esse período de crescimento territorial estende-se até o séc. XVIII,

quando o ciclo das Bandeiras começa a se enfraquecer, provocando um

�abandono da base material, despovoando o seu território e dissolvendo-se

seu poder político...�. 3

O período seguinte, de grande desenvolvimento urbano, deve-se ao ciclo

Fig. 2.2 Os estruturadores urbanos de São Paulo em 1800 ( Fonte: Saia, 1995, p.236 )

30

[02] o contexto global: o processo de metropolização

do café que se estende do início do séc. XVIII até a crise de 1929 e tem como

principal agente a população. Nota-se que em 1934, o ano do Ato Adicional, a

população regional era de 330.000 habitantes e já nessa época a monocultura

cafeeira caminhava do Vale do Paraíba em direção a São Paulo.

A economia colonial e a monocultura do café fizeram de São Paulo uma

cidade próspera. A ocupação das faixas de terra nos espigões, a localização

ferroviária com a indústria e o comércio bruto ao longo do trem, bem como a

superposição de reticulados de glebas localizadas entre os espigões e os rios,

assim como na área rural, e ainda a legislação em função do transporte e de

áreas aproveitáveis lindeiras aos rios beneficiaram a sua urbanização. A

valorização do eixo ferroviário São Paulo-Santos identificou o centro e a chave

do seu desenvolvimento. O respaldo da burguesia paulista do século XIX foi

fundamental, no período, ao instalar o monopólio da passagem do café por

São Paulo e Santos, através do controle do sistema ferroviário, freando todas as

tentativas de construção de novas rotas ferroviárias que alcançassem a Serra do

Mar.

Com um crescimento demográfico acelerado, por volta de 1810 a popu-

lação de São Paulo era de 20.000 habitantes, espalhados num raio de 50

quilômetros a partir do Triângulo Histórico. Em 1880, com a instalação da

ferrovia - o transporte urbano de 1872, até então, era feito principalmente por

bonde à tração animal; a primeira linha ligava o Centro ao bairro da Luz - o

Fig. 2.3 Estruturação urbana de São Paulo em 1900 (Fonte: Saia, 1995, p. 240. )

31

[02] o contexto global: o processo de metropolização

volume demográfico atingiu cerca de 40.000 habitantes para uma área de

aproximadamente 2 Km2 que crescia, principalmente, nas direções Oeste e

Noroeste. Essas características elevaram a cidade à condição de metrópole e,

com a economia do tipo colonial, se colocara num ponto estratégico de

passagem para a produção, que partia tanto do interior para Santos, como no

sentido contrário.

Assim, vemos que São Paulo, na verdade, nasce como uma metrópole.4

A organização interna da metrópole dá-se com explosões sucessivas de

estágios urbanos precedentes, onde o ciclo exige a contínua atualização,

eficiência e capacidade de exercer sua função de centralidade.

Na década de 1890 a 1900, a cidade foi marcada pela implantação de

várias indústrias, principalmente nos bairros novos em formação: Bom Retiro e

Brás, com as tecelagens e Água Branca e Moóca com as cervejarias. Vale

ressaltar que essas indústrias eram igualmente servidas por um desvio

ferroviário e já, nessa época, a cidade sofria com a especulação imobiliária.

Em 1900, para acolher uma população de 239.820 habitantes, sua área

duplicou. Com a abolição da escravatura e a proclamação da República, a

metrópole passa a exercer papel de centro da economia regional. Houve uma

urbanização reticulada e desencontrada devido ao encontro de diversas malhas

de glebas que foram sucessivamente incorporadas ao núcleo primitivo e que

caminhavam em direção ao espigão da Avenida Paulista e a ocupação

Fig. 2.4 Mapeamento urbano das indústrias em São Paulo, 1914, mostrando a sua implntação aolongo das �terras baratas�: várzea dos rios e ao longo da ferrovia. (Fonte: Azevedo,1998)

32

[02] o contexto global: o processo de metropolização

alinhada ao longo da linha férrea. A cidade, nesse período (1900-1915), tem

um crescimento horizontal acentuado, o que denota uma continuidade do

tecido urbano de baixa densidade. Isso se explica, mais uma vez, através da

especulação imobiliária.

Enquanto a cidade se alastrava e a escassez de infra-estrutura urbana se

acentuava, o centro de São Paulo, entre 1905 e 1911, sofreu várias

transformações, desde o �aformosamento�do Largo do Paissandu e do Largo

do Arouche, até a construção do Teatro Municipal no núcleo histórico da cidade

e ainda a remodelação do Vale do Anhangabaú e do Largo da Sé, além de

obras de saneamento na Várzea do Tamanduateí.

Outro impulso para o rápido crescimento da metrópole foi a instalação do

primeiro bonde elétrico em 1900. Já, em 1905, toda a frota de bonde à tração

animal fora substituída, atingindo os bairros de Santana, Penha de França,

Ipiranga, Vila Prudente, Bosque da Saúde, Pinheiros e o da Lapa, em 1914.

No início do século XX, houve uma tendência de compartimentação da

cidade, da pequena densidade de ocupação dos espaços urbanos arruados e da

acelerada industrialização ao longo do eixo ferroviário, principalmente da linha

Santos-Jundiaí, no trecho Moóca-Barra Funda e junto à nova estação

Sorocabana.5

Fig. 2.5 Mapa do bairro da Bela Vista reflete a estruturação fundiária típica dos primeirosloteamentos residenciais. (Fonte: Toledo, 1996, p.107)

33

[02] o contexto global: o processo de metropolização

02.2 A cidade modernaÉ nesse contexto que a vida metropolitana da cidade industrial pode ser

considerada essencialmente moderna, pois era uma sociedade ávida por

desenvolvimento territorial voltado para a instalação industrial, para a organi-

zação do mercado consumidor e da classe trabalhadora. Mas, sobretudo, um

modernismo voltado para o impulso renovador, fruto do capitalismo industrial.

Entre 1915-1940, surgem os bairros residenciais nas várzeas, os bairros

provenientes do desenvolvimento do transporte urbano que são denominados

�subúrbio-estação� (ferrovia) e �subúrbio-loteamento� (ônibus), assim como

os �bairros-jardim� (o modelo inglês advindo da concepção de Hebenezer

Howard), que configuram parte do crescimento urbano de São Paulo.

Os primeiros cresceram sem nenhuma diretriz e sem nenhuma

regulamentação urbanística, como, por exemplo, a Vila Guilherme na várzea do

Tietê. Os denominados �subúrbio-estação� surgem à medida que o

desenvolvimento urbano ao longo da ferrovia se acentua e caracteriza-se

principalmente por um zoneamento muito simples onde, junto à estação,

concentram-se o comércio e a prestação de serviços e, ao seu redor, a área

residencial.

No caso dos subúrbios industrializados emerge uma �zona industrial�

com a construção de vilas operárias próximas às indústrias, como em São

Miguel, São Caetano, Utinga e Santo André.Fig. 2.6 Mapa topográfico do município de São Paulo em 1930 mostrando sua rápida expansãoterritorial no início do século XX. (Fonte: Levantamento Sara Brasil, 1930).

34

[02] o contexto global: o processo de metropolização

Já os �subúrbios-loteamento�, não tão polarizados quanto estes últimos,

possuem os equipamentos comerciais e de serviços ao longo de uma via e o

�ponto-final� constitui-se como o pólo em potencial, como Piqueri, Butantã,

Vila Formosa e Imirim, entre outros.

Diferentemente dos exemplos anteriores, os �bairros-jardim�, destinados

às classes de nível econômico mais elevado, foram loteados e receberam

regulamentação prévia, dentre eles Jardim Europa, Jardim América, Pacaembu,

Alto da Lapa e Alto de Pinheiros, que foram loteados pela companhia

imobiliária inglesa City.

A rodovia também exerceu papel importante para o desenvolvimento

metropolitano, servindo de meio de transporte supletivo e complementar,

auxiliando o desenvolvimento suburbano processado nas faixas da ferrovia. É

nesse período que foram criadas linhas de ônibus que tinham como principal

função complementar o trajeto feito pela ferrovia. Posteriormente, por volta de

1930, o trajeto, que antes era feito apenas pela ferrovia, passou a ser atendido

também pelo ônibus. Irrigando e reforçando, dessa forma, a crescente periferia

que caminhava ao longo da linha férrea, formaram-se os subcentros dos bairros

periféricos mais expressivos.

A alta do valor imobiliário na região central, a formação de uma faixa

industrial ao longo da linha férrea, a infra-estrutura de transporte oferecida e o

preço mais acessível de terrenos e imóveis em áreas mais afastadas atraem os

Fig. 2.8 O Jardim Europa e o modelo inglês da cidade-jardim burguesa. (Fonte: Toledo, 1996, p.113)

Fig. 2.7 Estruturação urbana de São Paulo em 1930 : surge a cidade moderna. (Fonte: Saia, 1995,p. 242. )

35

[02] o contexto global: o processo de metropolização

operários a se estabelecerem na periferia.

Nesse contexto e de acordo com a localização, podemos definir

diferentes formas de ocupação dessas periferias. Uma delas, Santo Amaro, foi

definida por loteamentos residenciais que se desenvolveram graças a uma

única linha de bonde - �Tramway de Santo Amaro� - que partia do centro em

direção à zona suburbana. Devido a eficiência do transporte, essa área foi

rapidamente se vinculando a São Paulo. Com a construção do aeroporto de

Congonhas esses laços ficaram ainda mais estreitos.

Outro exemplo são os loteamentos residenciais que se desenvolveram

nos domínios da ferrovia. Estes se devem principalmente à facilidade de

acesso, à industrialização na orla ferroviária, tanto urbana como suburbana e

aos equipamentos de serviços já existentes. Por fim, surgem os loteamentos

residenciais mais próximos da cidade, mas que mantêm-se vinculados a algum

bairro periférico. Nesse caso, a ocupação residencial é relativamente mais

escassa e esparsa. Pode-se citar os �subúrbios-loteamento� que se

desenvolviam em função do ônibus, como mencionado anteriormente.

À época da crise de 1929 e da revolução de 1930 a população chega a

um total de 900.000 habitantes ocupando uma superfície de cerca de 130 Km2

. A partir desse momento, o desenvolvimento da metrópole começa a tomar

outra forma. O estágio de dependência é superado e São Paulo entra numa

fase de metropolização mais acentuada, com a incorporação de núcleos

Fig. 2.9 Panorama da Avenida Paulista em 1920: logo a cidade dos barões do café seria substituída pelaarquitetura da cidade moderna em mais um processo de palimpsesto. (Fonte: Pitu 2020).

36

[02] o contexto global: o processo de metropolização

vizinhos  (Santo Amaro, ABC, São Miguel, Guarulhos e Osasco) e a migração da

população proveniente do interior que, com suas terras esgotadas, caminhava

ora para o centro urbano, ora para outras áreas em busca de terras produtivas.

Dessa forma, a sua ocupação territorial estendia-se até as barreiras naturais

como a Serra da Cantareira e a várzea do rio Tietê.6

Logo após esse período, mais precisamente em 1938, enquanto a cidade

se expandia, o centro urbano passa por uma reestruturação com a implantação

do Plano Avenidas na prefeitura de Prestes Maia.

Vale a pena ressaltar que os estudos para a implantação de avenidas de

irradiação, no centro de São Paulo datam, de 1910, quando Ulhôa Cintra

projeta a primeira versão para o Plano de Avenidas, no qual propunha um anel

que abarcasse o Parque Dom Pedro II e a Praça da República baseado nos

�rings�de Paris, Moscou e Berlim. Já na segunda configuração para o plano, as

idéias praticamente mantêm-se iguais, salvo a adição de rotatórias. Por fim, o

plano implantado por Prestes Maia viria a ser uma síntese das versões

anteriores, com avenidas radiais e diametrais no sentido Norte-Sul, que mais

tarde seria conhecido como Sistema �Y�.

Na verdade, o Plano de Avenidas de Prestes Maia mostra a atuação do

Estado quanto ao incentivo à intervenções (neste caso, maciçamente no siste-

ma viário) que favorecem a estratégia de acumulação do setor imobiliário.7

Nesse sentido, o urbanismo paulistano corre à margem dos planejadores

Fig. 2.10 Esquemas Teóricos de São Paulo, segundo João Florence de Ulhôa Cintra e os esquemasteóricos de Moscou, Paris e Berlim, segundo Eugène Hérnard. (Fonte:Toledo,1996, p.122).

Fig. 2.11 Sistemaradioconcêntrico do Plano deAvenidas proposto por PrestesMaia. (Fonte: Pitu 2020).

37

[02] o contexto global: o processo de metropolização

modernistas mais puros que buscavam utilizar-se do espaço urbano para propó-

sitos sociais. Um projeto urbano global de âmbito social é quase o oposto do

Plano de Prestes Maia, exemplo de enfoque prioritariamente rodoviarista e da

exclusão social no espaço urbano valorizado: o centro.

A partir de 1940, a cidade de São Paulo tem um crescimento acelerado,

englobando subúrbios próximos e desenvolvendo os mais afastados. Nesse

período de metropolização, a cidade expande o seu domínio urbano, que é

dado principalmente pela compactação da área edificada, área central e

arredores, pela expansão dessa área em direção aos subúrbios com menor

desenvolvimento e também daqueles significativamente desenvolvidos como o

é o caso do Parque da Moóca e do Planato Paulista.

Logo após a II Guerra Mundial, no auge da industrialização paulistana, o

território urbano ocupado pela cidade de São Paulo atinge mais de 400 Km2.

Entretanto, esse desenvolvimento deu-se por um crescimento sem

diretrizes urbanas claras, sem um traçado de base, fruto de pura especulação

imobiliária e onde a ferrovia criou eixos radiais para o desenvolvimento

suburbano e a rodovia que antes exercia papel secundário, com a implantação

das indústrias, passa a funcionar como um instrumento do processo de

urbanização, relacionando-se diretamente com a estrutura interna dos subúrbi-

os.

Por volta de 1950, a cidade possui altos índices de compactação com a

Fig. 2.12 O �boom� automobilístico na década de 50 reflete-se no espaço público. (Fonte: Pitu 2020).

38

[02] o contexto global: o processo de metropolização

verticalização do centro e dos bairros próximos. Também a expansão da cidade

sobre os núcleos suburbanos mais próximos, absorve-os em sua área edificada

e faz desaparecer a descontinuidade existente. Assim, a metrópole conhece um

crescimento extraordinário com uma diversificação funcional e,

conseqüentemente, uma maior auto-suficiência.

Entretanto, esta nova escala urbana da metrópole era tratada de modo

ingênuo. A construção de obras de infra-estrutura viária, em 1963, explicita o

problema claramente. Primeiro, por acarretar um problema político

administrativo uma vez que se tratava da conexão de vários municípios e

diferentes áreas administrativas, e depois, pela ausência de profissionais mais

qualificados para o desenvolvimento de tal empreendimento.

Assim, o urbanismo da cidade de São Paulo pode ser considerado como

�modernizador� � e não �modernista� - , constituindo-se de �leis coercitivas�

de competição do mercado, que provocam a busca de medidas organizacionais

e tecnológicas, visando apenas a melhoria da lucratividade dos capitalistas.

Como indaga Nádia Somekh: �...por que numa cidade tão desigual como São

Paulo em que a pobreza atinge limites crescentes e em que a falta de moradia

é uma questão central, os urbanistas restringem sua ação a parcelas da cidade

sem centrar esforços nas questões sociais? Por que a verticalização no Brasil e

em São Paulo, não se constituiu numa solução para produção em massa de

habitação popular? Afinal, o ideário modernista do período entre guerras tinha

Fig. 2.13 Estruturação urbana de São Paulo em 1963: a transformação da cidade moderna.(Fonte: Saia, 1995, p. 246. ).

39

[02] o contexto global: o processo de metropolização

como foco central a questão social e a produção em massa de moradias, fato

que não encontrou eco significativo em São Paulo.� 8

Atrelada a essa discussão, Raquel Rolnik coloca a questão da densidade

urbana definida à época: �... com a verticalização, a possibilidade de reproduzir

o solo ...aparecia como a oportunidade de manter uma alta densidade - um

alto rendimento econômico do solo - sem gerar superlotação.� 9

Um limite para o crescimento vertical a partir do grande �boom� imobili-

ário do pós-guerra e o controle da densidade das áreas já verticalizadas dividiu

os dois principais nomes do urbanismo paulistano: Prestes Maia e Anhaia Mello.

Na era Prestes Maia, vigorou um urbanismo marcado por grandes proje-

tos viários e por uma verticalização densa, propondo edifícios mais altos e

apartamentos menores.

Já Anhaia Mello, defendia a idéia de um plano abarcador da totalidade

dos aspectos que compõem uma cidade, inclusive aqueles que extrapolam o

seu âmbito territorial, a idéia de plano como limite para o crescimento vertical

e a expansão horizontal, e, ainda, a idéia de comunidade (unidade de vizi-

nhança) como célula básica da cidade.

Rolnik conclui: �...o esquema Anhaia lançou as bases no Brasil para toda

a experiência de planejamento urbano, que ocorreu nas décadas seguintes,

constituindo em conjunto, com o pragmatismo das grandes obras de Prestes

Maia, a dualidade em torno da qual tem gravitado a política urbanística até

Fig. 2.14 O antigo VIaduto do Chá em 1956 antes de sua substituição e absorção pela�modernidade�. (Fonte: Toledo, 1996, p.224).

40

[02] o contexto global: o processo de metropolização

nossos dias.� 10

Nos anos 60 inicia-se a crise do pensamento modernista e da utopia

urbana: �...o gigantismo metropolitano, torna-se um dado básico para as

análises das questões urbanas. ... a congestão e a dispersão urbana tornam-se

rapidamente o centro dos problemas urbanos.� 11

Um estudo dos governos municipais e estaduais sucessores a este perío-

do, mostra-nos os governos de Jânio Quadros (1986-89) e Paulo Maluf (1992-

96), de estilos diferentes, porém, do ponto de vista da política urbanística, se-

melhantes: grandes obras no vetor sudoeste, cortes nos gastos sociais,

cooptação de lideranças de bairro e pulverização de microinvestimentos na peri-

feria, mediados por vereadores e outros políticos.

A gestão Erundina lançou princípios que procuravam diminuir a distância

entre �pobres/periferia�-�ricos/sudoeste�, juntamente com a premissa de

�bairros-emprego� e �bairros-dormitório�. Tal governo tentou buscar, ainda,

parcerias entre investimentos públicos e privados, na tentativa de recuperação

dos espaços públicos, vinculando a responsabilidade do cidadão à gestão da

cidade. Conforme Rolnik, �Estes princípios e os instrumentos necessários para

sua implementação foram lançados. O quanto serão incorporados na ordem

jurídico-urbanística que rege a cidade só a história dirá.� 12

Fig. 2.15 Precariedade e subdimensionamento do sistema de transporte público de São Paulo.(Fonte: Pitu 2020).

41

[02] o contexto global: o processo de metropolização

02.3 A metrópole contemporâneaNo Brasil, o Estado de São Paulo tem mantido, há décadas, privilegiada

posição econômica e demográfica em relação aos demais estados do país.

Segundos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 1996 São

Paulo concentrava cerca de 38% do Produto Interno Bruto (PIB) do País e

22% da população brasileira.

A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), a maior metrópole nacional,

é composta por 39 municípios que, juntos, abrigam 16,6 milhões de habitantes,

cerca de 48,6 % da população estadual e 10,5% da população nacional. Seus

municípios estão distribuídos em 7 sub-regiões com níveis de desenvolvimento

e vocações distintas: norte, leste, oeste, sudoeste, nordeste, sudeste e centro.

É, ainda, líder econômica dentro de um Estado considerado o mais

desenvolvido do País. Entretanto, vem perdendo ano a ano a sua posição para

o Interior do Estado e outras regiões do País que crescem rapidamente,

atraindo diversos empreendedores, além de uma significativa parcela da

população que está a procura de cidades com maior qualidade de vida,

�cidades sustentáveis�.

A redução do ritmo de crescimento demográfico no município de São

Paulo, o maior da RMSP, é acompanhada por importantes mudanças na sua

estrutura produtiva e no mercado de trabalho. A partir dos anos 80, o setor

terciário torna-se o principal responsável pela geração de novos empregos,

Fig. 2.16 Proposta para sistema viário e de transporte público presentes nos planos diretoresapresentados para a cidade (1997). A cidade tem direcionado sua evolução e crescimento emdetrimento dos planos e lógica urbanística. (Fonte PMSP/SEMPLA).

42

[02] o contexto global: o processo de metropolização

mudando a tendência dos anos 70, fase em que o setor secundário exercia esse

papel. Ou seja, evidencia-se, nessa ocasião, a desconcentração industrial da

metrópole, a qual passa a ser entendida em função de uma tendência de

desaparecimento da indústria como unidade principal de produção, substituída

pelo setor terciário. Este, por sua vez, está ligado principalmente às novas

tendências mundiais de informatização das empresas e terciarização das

relações de trabalho.

Aliados às transformações produtivas e espaciais, ocorridas na metrópole

paulista - principalmente nas áreas onde predominaram os usos relativos ao

setor secundário - destacam-se, também, sérios problemas urbanos decorrentes

da falta de infra-estrutura relativa à transporte, saneamento básico, habitação,

segurança, saúde, educação, áreas livres, entre outros, os quais refletem direta-

mente no declínio da qualidade de vida do habitante metropolitano.

Atualmente é conhecido o fato de todas as metrópoles estarem

enfrentando os efeitos perversos da globalização que atuam principalmente na

sua reestruturação produtiva, implicando em desconcentração industrial, aliada

ao crescimento do setor terciário. Na RMSP, como já mencionado, esse

fenômeno tem se acentuado desde os anos 80. Como causas internas da

desconcentração industrial da RMSP, podem ser apontados: a ausência de

terrenos baratos, restrições legais, elevado custo salarial e a pressão dos

sindicatos. As externas estão relacionadas à mundialização da economia à

Fig. 2.17 Imagem de satélite mostra a impressionante expansão da mancha urbana da GrandeSão Paulo, que chega hoje a mais de 2.000 km2 de área. São Paulo torna-se a terceira maiormetrópole do planeta com uma população de mais de 17 milhões de habitantes. (Fonte: Pitu2020).

43

[02] o contexto global: o processo de metropolização

expansão do mercado nacional, à melhoria de infra-estrutura em outras

regiões, além das vantagens fiscais oferecidas por outros estados e municípios.

Segundo dados da Fundação Seade, de 1985 para 1995 a percentagem

de pessoal ocupado no setor secundário da RMSP reduziu-se de 32,8% para

21,1%, enquanto que no setor de serviços o aumento verificado foi de 40,7%

para 50,2% e, no comércio, de 14,1% para 16,9%. A Pesquisa OD/ 97 tam-

bém constatou, por amostragem, a redistribuição dos empregos na metrópole,

por setor de atividade (ver Gráficos 2.1 e 2.2).13

Nesse território que hoje ultrapassa 2.000 km2,

há uma população de

mais de 17 milhões de habitantes. A grande maioria vivendo em condições

desfavoráveis, em meio aos caos urbano, cujas faces mais visíveis são as já

limítrofes situações de violência urbana e congestionamento viário. Fala-se em

um déficit habitacional de mais de 1 milhão de habitantes. A periferia continua

a crecer sem infra-estrutura e a área central - detentora da mais rica

infraestrtura urbana e esvaziada em população residente - luta contra o proces-

so de deterioração, iniciado na década de 70. As forças do mercado imobiliário

imediatista têm determinado a evolução da construção arquitetônica sobre o

território sem maior controle governamental ou planejamento urbano mínimo.

Territórios inteiros são repentinamente �desvalorizados� com o fluxo do capital

imobilário descontrolado. O centro novo substituiu o centro velho na cidade mo-

Gráfico 2.2RMSP -Empregos por Setor de Atividade - 1987/1997

0102030405060

Agrícola Construção Civil Indústria Comércio ServiçosFonte: Cia do Metrô de São Paulo. Pesquisa OD/97 - Síntese de Informações

%1987

1997

Gráfico 2.1RMSP - Pessoal Ocupado por Setor de Atividade

0

10

20

30

40

50

60

Indústria Comércio ServiçosFonte: Fundação Seade/ SMA - Perfil Ambiental - 1998

%

1985

1995

44

[02] o contexto global: o processo de metropolização

derna, assim como a corrida para a valorização excessiva e excludente do vetor

sudeste na metrópole contemporânea determinou a desvalorização da Avenida

Paulista.

A metrópole apresenta, assim, concomitantemente, a sua �face de cida-

de mundial� - com todos os seus ícones arquitetônicos típicos - na Av. Berrini e

Marginal Pinheiros e a cidade ilegal/real das favelas construídas seguidamente

nas periferias. Ao lado dos condomínios fechados - a anti-cidade da burguesia

atual - ocorre a cidade informal e pobre da massa.

A metrópole presencia, portanto, a necessidade de evolução da escala

técnica para a tecnológica e este processo denota a transição da metrópole mo-

derna para a metrópole contemporânea, com seus lugares de concentração e

multiplicidade de atividades localmente complementares. Essa multiplicidade

traduz a concentração financeira, econômica, cultural e informacional, mudan-

ças que têm determinado fortes alterações nas suas funções urbanas, modifica-

ções internas da cidade.

São Paulo extravasa seus limites para se tornar ponto de interesse e

convergência de atividades de caráter financeiro, de produção científica e

cultural , de desenvolvimento de comunicação, mas também lugar da pobreza,

onde os espaços da �deseconomia� são redefinidos continuamente para

viabilizar os novos processos produtivos, e onde o processo de urbanização

corporativista se mascara com intervenções urbanas de representação peculiar

45

[02] o contexto global: o processo de metropolização

da história do território, da modernização e da concentração de bens e serviços

que favorecem a economia hegemônica e a separação entre as partes que a

compõem.14

Mais uma vez, essa transição, fruto de sucessivas adaptações, se

sobrepõe à antiga metrópole do capitalismo industrial. As atividades terciárias e

de serviços ascendem e a indústria continua crescendo, embora numa

velocidade bem menor que anteriormente. A cidade abandona o passado,

substitui a produção de produtos para a de serviços e um novo padrão urbano

começa a ser instituído, fruto de um modelo tecnológico informacional que

introduz o conceito contemporâneo de �espaço dos fluxos� e que é traduzido

em uma maior complexidade territorial.15

Diferentemente da metrópole moderna, na qual a conurbação surge da

unificação das diversas malhas urbanas sem nenhum critério, criando um

organismo expandido e setorizado, onde o traçado viário reforçava essa disper-

são, a metrópole contemporânea poderiam buscar uma continuidade do tecido

urbano, através de grandes projetos de infra-estruturas que visariam sobretudo

o desenvolvimento, a agregação de valores, tornando-se grandes pólos de

convergência com papéis funcionais dentro da cidade, buscando promover

transformações no meio urbano regional no qual se insere. Desse modo, essas

infra-estruturas e projetos urbanos seriam uma possibilidade de lidar com

problemas tão antigos como a fragmentação territorial e a dispersão

46

[02] o contexto global: o processo de metropolização

funcional. Essa nova ordem estabelecida possui uma dinâmica que dilui a

forma urbana para substituí-la �por um conjunto de espaços e objetos

construídos que não revelam as conexões espaciais e funcionais a que estão

subordinados.� 16

Por outro lado, as metrópoles contemporâneas são tidas por muitos

como verdadeiros organismos intratáveis e até mesmo ameaçadoras da

integridade social e individual, transpassando uma impressão de

empobrecimento da vida cotidiana coletiva, ao invés de melhorá-la.

A realidade da globalização internacional e seus rebatimentos diretos

sobre o território metropolitano tem consequências complexas. A metrópole

paulistana passa a conviver com espaços ambíguos.

Para o entendimento da problemática urbana deve-se buscar um esque-

ma interpretativo abrangente que envolva questões estruturais, como observa

Milton Santos:

�...o papel do Estado, seja em sua ação contingente, seja no de

formulador de um modelo econômico que perdura; a distribuição de renda e os

contrastes agudos entre a riqueza e a pobreza; o papel do crescimento econô-

mico e da crise econômica e sua influência sobre os diversos aspectos da vida

social; o tamanho da cidade e sua repercussão sobre a sociedade e a econo-

mia; papel da especulação e o dos vazios urbanos; a questão da metrópole

corporativa, da relativa imobilidade dos mais pobres dentro da cidade e da

Fig. 2.18 A articulação da rede de espaços públicos surge como uma das propostas de recupera-ção da área central desenvolvida no âmbito de uma organização não governamental, a Associa-ção Viva o Centro, em tentativa de se fazer a necessária retomada do processo de planejamentoda cidade, perdida pelo poder público. (Fonte: Meyer, 1997, p.38.).

47

[02] o contexto global: o processo de metropolização

fragmentação da metrópole; o problema do gasto público e sua seletividade

social e espacial, assim como as tendências que podem ser inferidas na análise

da realidade atual.� 17

Estes tópicos estruturadores formam um organismo urbano, os quais pos-

suem cada qual sua autonomia, interagindo e estabelecendo um conjunto, evi-

tando, assim, que um fator isolado possa ser tido como dado absoluto.

As transformações urbanas devem ser vistas não apenas como resultan-

tes das pressões do desenvolvimento econômico, mas também da influência

de modelos ideológicos internacionais.

A história da legislação urbana de São Paulo, como meio introdutor da

história da cidade, explicitando seu papel político e cultural ao longo da evolu-

ção urbana paulistana tem mostrado claramente a importância do entendimen-

to da legislação urbanística da cidade como força motriz do seu desenho urba-

no. É outro dos parâmetros que nos ajudam no entendimento da complexidade

da metrópole.

A cidade regulada e a cidade �sem lei�. A cidade com desenho urbano

claro e a cidade caótica, sem desenho, plano ou diretriz. Rolnik enfatiza:

�... a lei organiza, classifica e coleciona os territórios urbanos, conferindo

significados e gerando noções de civilidade e cidadania diretamente correspon-

dentes ao modo de vida e à micropolítica familiar dos grupos que estiveram

mais envolvidos em sua formulação. Funciona portanto, como referente cultural

Fig. 2.19 O centro de São paulo visto de cima: a verticalização do centro novo contrasta com aarquitetura histórica do velho, separados pelo vale do Anhangabaú reurbanizado. O processo depalimpsesto ainda ocorre substituindo arquiteturas e funções urbanas. (Fonte: Base, 1999).

48

[02] o contexto global: o processo de metropolização

fortíssimo na cidade, mesmo quando não é capaz de determinar sua forma

final.� 18

Há, portanto, uma imagem clara da organização espacial da cidade, que,

segundo Rolnik, é a contraposição entre dois espaços: um circunscrito pela mol-

dura da legislação urbanística e o outro, com o triplo do tamanho do primeiro,

fixado, eternamente, em uma zona mediadora entre o legal e o ilegal.19

A São Paulo contemporânea é, assim, nitidamente resultante de um

processo de organização estrutural que determina o seu desenho urbano não

por diretirzes urbanísticas claras ou postura urbanística minimante democrática.

As políticas determinadas pelo capital, inicialmente público e, posteriomente,

privado, determinaram o desenho da cidade. Otília Arantes destaca a substitui-

ção do capital estatal (que denomina sistema incômodo de contrapesos) pelo

capital empresarial na requalificação do espaço público: �... a estratégia em-

presarial vai determinando com lógica própria os parâmetros de sua interven-

ção, relocando populações e equipamentos segundo as grandes flutuações do

mercado.� 20

Chega-se ao novo milênio com uma imagem de cidade fragmentada,

fruto de uma evolução urbana caótica, como vimos. Uma metrópole que gerou

espaços esgarçados, novas fronteiras dentro do tecido urbano central, periferias

rarefeitas e distantes, fraturas urbanas. Conforme Nelson Brissac:

�Quando a fragmentação e o caos parecem avassaladores, defrontar-se

Fig. 2.20 O Centro Novo de São Paulo reflete as contradições da metrópole contemporânea:cidade global e cidade ilegal/real. Infraestrutura sub-utilizada no centro pouco habitado eexpansão periférica descontrolada sobre áreas de proteção ambiental sem infra-estrutura;ícones do mundo globalizado e terrenos vagos no território fragmentado. (Fonte: cartãopostal).

49

[02] o contexto global: o processo de metropolização

com o desmedido das metrópoles como uma nova experiência das escalas, da

distância e do tempo. Através dessas paisagens, redescobrir a cidade...Uma

cidade, vista do alto, parecendo uma intrincada trama de prédios em

escombros. Uma mancha urbana quase indistinta que, espalhando-se a partir

do centro inferior da tela, torna-se crescentemente obscura na direção dos

cantos superiores devido às camadas de material aplicado. O olhar mergulha

vertiginosamente pelos esqueletos retorcidos até o subsolo, de onde parecem

brotar. Áreas chamuscadas, produzindo uma superfície empastada e cheia de

sulcos. Em contrapartida, um emaranhado de fios de cobre e outros entulhos

projeta-se para fora, como que arrancados de suas entranhas. Visão

desconcertante que parece confundir superfície e profundidade, presente e

passado. Difícil identificar, à primeira vista, esse skyline desprovido de signos

ou pontos reconhecíveis. Algo porém � talvez a particular textura formada pelo

aglomerado caótico, pela massa de concreto erguido, uma paisagem saturada

e opaca � nos dá a inequívoca sensação de que olhamos São Paulo.� 21

02.4 Notas1 ALVIM, A. T. B. et. al. Eixo Moóca-Santo André: Projeto Megacidades.

(Trabalho acadêmico não publicado). São Caetano do Sul: UniABC. 2000.

2 SEADE/ SMA, 1998 apud. ALVIM, A. T. B. et. al., 2000, op. cit., p.2.

3 SAIA, Luís. Morada Paulista. São Paulo: Perspectiva. 1995, p.231.

50

[02] o contexto global: o processo de metropolização

4 Cf. MEYER, Regina M.P. Atributos da Metrópole Moderna. São Paulo em Pers-

pectiva, 14/4, São Paulo: Fundação Seade. 2001.

5 LANGENBUCH, Juergen R. A Estruturação da Grande São Paulo � Estudo de Ge-

ografia Urbana. Rio de Janeiro: Fundação IBGE. 1971, p.87.

6 Segundo Langenbuch, os núcleos coloniais surgiram de uma iniciativa oficial,

visando o povoamento e o incremento a produção agrícola dos arredores de

São Paulo. Não possuíam uma localização específica, alguns deles localizavam-

se próximos à zona de expansão central, como o núcleo da Glória, enquanto

outros, como Santana, São Caetano e São Bernardo estavam mais distantes.

Este último, o mais populoso, possuía a maior extensão e distância do centro da

capital. Conseqüentemente, foi o último a ser  fagocitado pela metrópole. Os

núcleos coloniais representam a relação da metrópole paulistana com o seu

entorno, e a organização deste em sua função (LANGENBUCH, 1971, op. cit.).

7 Cf. SOMEKH, Nádia. A Cidade Vertical e o Urbanismo Verticalizador. São Paulo:

Nobel. 1999.

8 Ibid., p.161.

9 ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei: Legislação, Política Urbana e Territórios na

Cidade de São Paulo. São Paulo: Nobel/Fapesp. 1997, p.190.

10 Ibid., p.195.

11 MEYER, 2001, op. cit.

12 ROLNIK, 1997, op. cit., p.210.

51

[02] o contexto global: o processo de metropolização

13 ALVIM et. al., 2000, op. cit.

14 Cf. MEYER, 2001, op. cit.

15 Ibid., p.6. O conceito é originariamente desenvolvido pelo sociólogo Manuel

Castells e será discutido em maior profundidade no Capítulo 5. Ver: BORJA, J.;

CASTELLS, M. The Local & the Global : Management of Cities in the Information

Age. Londres: Earthscan. 1998.

16 Ibid., p.7.

17 SANTOS, Milton. Metrópole Corporativa Fragmentada: O Caso de São Paulo.

São Paulo: Nobel. 1990, p.10.

18 ROLNIK, 1999, op. cit., p.131.

19 Ibid.

20 ARANTES, 1988, op. cit., p.139.

21 PEIXOTO, Nelson B. Paisagens Urbanas. São Paulo: Senac/Marca D�Água.

1998, p.227.

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52

[03] a orla ferroviária: leitura do território

03 A ORLA FERROVIÁRIA: LEITURA DOTERRITÓRIO>

03.1 A leitura aérea 53

03.2 O contexto local 63

03.3 Notas 74

53

[03] a orla ferroviária: leitura do território

03.1 A leitura aéreaEnsaio fotográfico concebido por Carlos Leite e registrado por Nelson Kon.

Vôo de helicóptero sobre a orla ferroviária paulistana, trecho Moinho Central-

Moóca, realizado pelos autores em maio de 2001.

Trata-se aqui de um registro artístico, visão privilegiada e rara da orla

ferroviária paulistana (antiga linha Santos-Jundiaí) de cima. A intenção é a

exposição de um registro geral. O registro técnico, com a situação exata de

cada local e dos trechos objeto de estudo estão presentes no Capítulo 4.

Como a orla ferroviária determina o desenho da cidade. A sua presença

na �fábrica urbana�. Elemento estruturador da paisagem urbana, assim como

os rios, determinou a expansão da cidade no final do século, definiu os bairros-

estação e os subúrbios. Foi fundamental no desenvolvimento da economia

paulista, inicialmente com o ciclo do café, posteriormente com o surgimento da

indústria. Percebe-se aqui claramente a presença maçiça da indústria ao longo

deste trecho da orla ferroviária, seja nas poucas que ainda permanecem em

plena atividade, seja nos galpões e moinhos desativados. Imensas áreas

desativadas - terrenos vagos - são paradigmas da metrópole pós-industrial. As

cicatrizes deixadas pela passagem da ferrovia no tecido urbano central. Os

vazios. A escala imensurável. As fraturas urbanas.

Ao mesmo tempo, a expectativa do novo. O potencial do vazio. A orla

ferroviária como a possibilidade da construção de uma nova territorialidade

metropolitana.

54

[03] a orla ferroviária: leitura do território

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[03] a orla ferroviária: leitura do território

03.2 O contexto localA ocupação urbana da metrópole paulista desenvolveu-se em três fases

ao longo dos principais vetores de acesso regional:

· 1ª fase de expansão (até os anos 40): foi estruturada pela rede ferrovi-

ária e pelos assentamentos industriais em direção aos vetores leste, oeste,

sudoeste e parte do sudeste;

· 2ª fase (a partir dos anos 50): implantação do sistema rodoviário regio-

nal, induzindo a ocupação dos vetores nordeste (Via Dutra) e sudeste (Via

Anchieta);

· 3ª fase (concomitante à 2ª fase - reforçada a partir dos anos 60): a

expansão dos serviços de ônibus permitiu um maior espraiamento da ocupação

da metrópole em direção a todos os vetores, por meio de assentamentos

residenciais esparsos e de baixa densidade.1

O desenho das estradas de ferro na Região Sudeste é predominantemen-

te concêntrico e conflui para os portos principais, no caso de São Paulo para o

porto de Santos . Inicialmente, o sistema ferroviário era utilizado principalmente

para o transporte da produção agrícola e mineral e a partir de 1970 os trens

urbanos eletrificados tornaram-se os grandes responsáveis pelo transporte da

mão-de-obra, indispensável ao processo de industrialização que vinha sofrendo

a metrópole paulistana. Essas ferrovias abertas pelo Estado, com o apoio dos

grandes produtores agrícolas, capazes de incorporar o maquinismo moderno,

Figs. 3.1 e 3.2. As transformações na rede ferroviária no estado de São Paulo evidenciam a suarápida evolução no estado. Determinaram o desenvolvimento econômico do estado e dametrópole. (Fonte:Kühl, 1998, p.136)

64

[03] a orla ferroviária: leitura do território

serviram como grande atrativo para indústrias, imigrantes e para o desenvolvi-

mento urbano regional . Foi através da ferrovia que São Paulo inseriu-se na

rota cafeeira e conectou-se com o planalto, vindo a prosperar como cidade,

ampliando o seu território e a sua importância como metrópole brasileira.

A ferrovia serviu de instrumento de reorganização urbana. Seu traçado

desviou de rotas que até então eram o único elo de ligação com o restante da

cidade, provocando, dessa forma, o colapso no sistema de transporte vigente e

das atividades a ele relacionadas. Outro fator de suma importância foi a

conformação suburbana gerada ao longo da linha férrea, os �subúrbios-

estações�, que se desenvolveram com a implantação de indústrias e pequenos

povoados operários.2

Datadas de março e setembro de 1855, duas leis sancionadas viriam

criar condições para a implantação da primeira estrada de ferro que ligaria

Santos a Jundiaí. Em 1864, foi inaugurado o primeiro trecho correspondente à

travessia da Serra do Mar, efetivando-se toda a construção dos seus 139 Km,

apenas três anos mais tarde.3

Podemos definir duas categorias diferentes de ferrovias, de acordo com o

tipo de ligação estabelecida: as ferrovias de âmbito local, que ligavam os

arredores paulistanos à cidade de São Paulo e as ferrovias extra-regionais,

destinadas a ligar o interior à cidade e ao seu porto. Assim, temos a Central do

Brasil, a Sorocabana e, por último, a estrada de ferro Santos-Jundiaí, inaugura-

Fig. 3.3. Estação Brás em 1865: as estações eram vistas como símbolos do progresso e a chegadada ferrovia sinônimo da ligação do lugar à rede de crescimento e desenvolvimento urbano.(Fonte: Kühl, 1998, p.125)

65

[03] a orla ferroviária: leitura do território

da em 1867, fruto de estudo mais detalhado no decorrer deste trabalho.

Diferentemente dos caminhos de tropas que procuravam se instalar

longe das várzeas, devido à dificuldade de travessia e à necessidade de

aterros, as ferrovias buscavam os terrenos planos onde pudessem desenvolver

um traçado mais adequado às suas restrições.

Assim sendo, do ponto de vista topográfico, as várzeas e os terraços

fluviais da bacia sedimentar de São Paulo tornaram-se ideais à sua instalação.

As condições favoráveis apresentadas por São Paulo para a implantação

da ferrovia fizeram com que a década de 1870 fosse marcada pela consolida-

ção e expansão da malha ferroviária paulista. Em 1880, a rede apresentou um

crescimento exponencial, dobrando o seu tamanho e, conseqüentemente,

aumentando a zona de produção cafeeira, levando a migração para o oeste

da província. Na última década do século XIX, verificou-se o prolongamento das

linhas férreas assim como o aumento da imigração populacional.4

Apesar do traçado das estradas de ferro valorizar os vales da cidade, o

seu trajeto, às vezes, era desviado para atingir a zona cafeeira, propiciadora de

grandes fretes, enquanto que, os aglomerados situados nas suas proximidades

foram deixados à margem de seus benefícios, excetuam-se Santo Amaro, que

foi atingido por uma ferrovia local, Penha, que foi atingida por um ramal da

Central do Brasil; e Jundiaí e Mogi das Cruzes, que foram, de fato, servidas

pelas ferrovias extra-regionais. Esse distanciamento provocou uma valorização e

Fig. 3.4. A extensão da rede ferroviária no Estado de São Paulo já em 1901 anuncia a passagemda cidade interiorana e sem presença nacional de São Paulo para uma metrópole rica epropulsora do desenvolvimento econômico do país. (Fonte: Kühl, 1998, p. 137)

66

[03] a orla ferroviária: leitura do território

um desenvolvimento linear ao longo da ferrovia e, consequentemente, a

marginalidade dos aglomerados que não pertenciam àquele circuito. Propiciou

o surgimento de pequenos e inúmeros vilarejos, tolhendo no entanto, a possibi-

lidade de desenvolvimento de determinados aglomerados.

A influência da ferrovia sobre o meio urbano proporcionou o surgimento

de pequenos aglomerados de produtos e pessoas que eram atraídas das áreas

vizinhas. A partir daí pequenos núcleos começaram a se formar e a assumir

função regional. Certamente o comércio local foi a primeira forma de atração e

desenvolvimento desses povoados. Alguns deles também possuíam pequenas

indústrias de beneficiamento e transformação de matéria prima produzida nos

arredores.5

Como a ocupação da faixa lindeira à linha férrea dentro da cidade estava

cada vez mais acentuada, seus terrenos tornaram-se mais escassos e caros. A

expansão urbana foi restringindo, dessa forma, a possibilidade de implantação

das indústrias dentro da cidade. Não encontrando local mais vantajoso, as

indústrias começaram a migrar para a periferia externa, que também era

servida pela ferrovia.

No período que se estende de 1915 a 1940, a rede ferroviária já contava

com 3.373 Km de extensão. O desenvolvimeto suburbano crescia acelerada-

mente no sentido noroeste, graças principalmente à implantação de indústrias

ao longo da linha férrea. Vale salientar que a suburbanização industrial, embo-

Fig. 3.5. A presença do bonde na Praça do Patriarca em 1940. (Fonte: Pitu 2020).

67

[03] a orla ferroviária: leitura do território

ra seja mais restrita que a ocupação residencial, está intimamente ligada a

esta, sendo sua antecessora. Dessa forma, era espectadora da formação de

grandes bairros operários em seu entorno e o que se notava, é que, quanto

mais pessoas migravam para os subúrbios, mais linhas de trem eram criadas.

Outro aspecto interessante de se notar é que, já àquela época; por

volta de 1940, os passageiros que embarcavam nas estações suburbanas

dirigiam-se, em sua maioria, para as estações urbanas ou do centro da cidade,

denotando a total falta de complementariedade funcional entre os vários

subúrbios.

Considerando as zonas suburbanas residenciais, temos os chamados

�subúrbios-estação� que, como o próprio nome diz, desenvolviam-se em torno

de um núcleo comercial e de serviços que crescia junto às estações. Nesses

bairros, o zoneamento tendia para a organização funcional mais simples, com a

indústria muitas vezes presente, localizada ao lado da ferrovia e com residênci-

as voltadas principalmente para a classe operária e para comerciantes e profis-

sionais liberais locais. Esse desenvolvimento suburbano de ocupação do territó-

rio lindeiro à ferrovia provocou um desdobramento urbano em forma de

�colar�, pois, no caso das indústrias, a ferrovia chegava até seu pátio com um

ramal para o escoamento das mercadorias e no caso da população isso não era

possível. Sendo assim, os passageiros procuravam o melhor local para se

instalarem, que não era o território entre estações.6

Fig. 3.6. Mapa funcional da cidade de São Paulo em 1955, evidenciando a ferrovia e os rios como oselementos estruturadores da paisagem urbana. Percebe-se a concentração da indústria ao longo da ferroviaSantos-Jundiaí. (Fonte: Azevedo,1958).

68

[03] a orla ferroviária: leitura do território

De qualquer forma, a ferrovia estruturou o desenvolvimento suburbano,

que mais tarde viria a se repercutir no desenho da metropolização.

Com a crescente onda do �automobilismo� nas primeiras décadas do

século XX, estradas regionais e extra-regionais foram construídas e o transporte

rodoviário passou a exercer um papel secundário e complementar ao transporte

ferroviário, que ainda continuava a ser o transporte de carga e de passageiros

mais interessante, devido a seu custo e a sua rapidez . Apesar de todo o

incremento ao transporte rodoviário, a instalação de indústria ao longo da linha

férrea continuou a crescer e junto com ela os �subúrbios-estação�, os quais por

volta de 1935, passaram a ser servidos também por linhas de ônibus, uma vez

que o contingente de passageiros havia se multiplicado.

A urbanização, gerada ao longo das ferrovias radiais, destaca-se pelo seu

desenvolvimento avançado. Notadamente a estrada de ferro Santos-Jundiaí,

que já em 1940 era considerada o eixo suburbano mais populoso, cerca de

34,8% da população dos arredores paulistanos. Há uma intensificação no

parque industrial ao longo desta ferrovia, especificamente no trecho que vai de

São Caetano à Santo André, ao contrário do trecho que se estende da estação

Lapa à Jundiaí, onde praticamente não houve a implantação de novas indústri-

as. É interessante notar que, nos trechos mais suburbanizados, onde a presença

da indústria é mais antiga, há uma maior atração de novas indústrias. Isso se

deve ao relacionamento entre elas e ao trinômio: ferrovia, áreas planas

69

[03] a orla ferroviária: leitura do território

extensas e água fluvial.7

No tocante à suburbanização residencial, a atuação da ferrovia se deu de

duas formas. Na primeira delas, há uma influência direta em função do trans-

porte oferecido pelos trens. A segunda, indireta, deu-se através do mercado de

mão-de-obra criado em função das novas indústrias e equipamentos comerciais

e de serviços.8

O crescimento ascendente dos subúrbios no eixo Santos-Jundiaí provocou

a conurbação de três núcleos: São Caetano, Utinga e Santo André. São Caetano

do Sul, agora, funde-se com São Paulo através da instalação de indústrias ao

longo da ferrovia e áreas residenciais. Dessa forma, houve a necessidade de

ampliação dos serviços de trens de subúrbios.

Porém, a ferrovia não conseguiu acompanhar o ritmo do desenvolvimen-

to suburbano por ela gerado, e ao invés de se adotarem linhas triplas ou

quádruplas para suprir a demanda, ( no caso da Santos-Jundiaí, por exemplo),

a linha dupla entre Mauá e Campo Grande foi desativada. Conseqüentemente,

houve uma procura por transportes alternativos. A crescente presença do ônibus

afeta o desenvolvimento, tanto dos subúrbios do domínio geográfico das

ferrovias, quanto dos municípios vizinhos a São Paulo apartados por ela.9

As estradas de ferro tiveram, como objetivo inicial, ligar áreas com

atividades exportadoras aos portos e foram as responsáveis pela integração do

território paulista. Desempenharam papel fundamental no surto econômico que

70

[03] a orla ferroviária: leitura do território

tornou o estado de São Paulo o principal centro produtor e exportador de café.

As estações ferroviárias eram o símbolo do progresso nas várias cidades do

estado. A chegada da ferrovia era a ligação da cidade ao desenvolvimento

econômico. Posteriormente, são determinantes também nos processos de

desenvolvimento da indústria, no processo migratório, no trabalho assalariado

e na fixação da população no território.

Ou seja, a ferrovia, assim como os rios, foram os elementos

estruturadores da paisagem urbana de São Paulo. São os elementos básicos

que desenham o território da cidade e, posteriormente, da metrópole. São

Paulo passa de uma cidade menor, sem importância no cenário nacional - até

fins do século XIX - para a metrópole rica, poderosa e populosa, apenas algu-

mas décadas depois, graças à presença marcante da ferrovia. Não seria exage-

ro considerar, portanto, a ferrovia como o principal elemento de infraestrutura

urbana, que determina o desenvolvimento da metrópole.

No entanto, a partir da década de 40, com políticas crescentes de

incentivo ao transporte rodoviário, a ferrovia começa a ser superada como

elemento de infraestrutura urbana e principal meio de transporte público. O

poderio da indústria automobilística desde a sua chegada no país - via econo-

mia fordista e política externa extremamente vinculada aos interesses norte-

americanos - determina, rapidamente, um proposital esvaziamento da presença

ferroviária na metrópole, seja no nível do transporte de cargas, quanto no de

71

[03] a orla ferroviária: leitura do território

passageiros.

A crise da produção cafeeira e a não modernização das estradas de ferro

- muitas tornam-se rapidamente obsoletas - são vistas como entraves no

desenvolvimento de regiões, que até então só haviam crescido através da

chegada da ferrovia.

Apesar do estímulo federal para o transporte rodoviário, havia a necessi-

dade de manter o serviço ferroviário minimamente funcionando. Por volta das

décadas de 40 e 50, o estado retoma o poder sobre esse sistema, já em franca

decadência.

Deve-se ressaltar, entretanto, a absoluta falta de clareza e determinação

no processo de planejamento urbano metropolitano ao longo do século XX. Há

uma clara opção pelo favorecimento do sistema de transporte público sobre

pneus, em detrimento da modernização da malha ferroviária existente, sempre

vista como sistema decadente. O sistema do metrô, absolutamente necessário

na metrópole, está presente em todos os planos urbanos desenvolvidos, desde

o PUB, em 1969, até o novo Plano Integrado de Transportes Urbanos (PITU

2020). Porém, não encontraram respaldo por parte das diversas gestões

governamentais na priorização de seu desenvolvimento que, via de regra,

continuaram a priorizar o sistema rodoviário.

Atualmente, o transporte de passageiros ferroviário é operado pela

Companhia Paulista de Trens Metropolitanos - CPTM. Os acessos às estações dão-

Fig. 3.7. Região Metropolitana de São Paulo: estrutura atual de transportes públicos. (Fonte:Pitu 2020).

72

[03] a orla ferroviária: leitura do território

se de forma precária. O serviço ofertado está aquém do desejado: falta

segurança, conforto, confiabilidade no horário, etc.

O número de viagens no sistema vem diminuindo ano a ano. Em 1987,

esse modo de transporte representava 4,38% do total de viagens motorizadas

da metrópole, contra 7,68% de metrô, 42,83% de ônibus e 42,50% de autos.

Em 1997, o trem reduziu sua pequena participação para 3,15%, contra 8,23%

do metrô, 38,44% do ônibus e 47,24% de autos. (ver Gráfico 3.1).

Segundo a Pesquisa Origem Destino 1997- OD/97- , realizada pela Com-

panhia do Metrô de São Paulo a cada 10 anos, o índice de mobilidade do habi-

tante metropolitano vem diminuindo desde 1977: de 1,53 em 1977 para 1,21

em 1997. Ou seja, a população vem se deslocando cada vez menos, em função

dos diversos congestionamentos distribuídos ao longo do dia e da péssima

qualidade e ineficiência do transporte coletivo (ver Gráfico 3.2).

A divisão modal das viagens vem revelando, desde 1977, uma participa-

ção crescente do modo individual em detrimento ao modo coletivo. Em 1977

apenas 39% das viagens da RMSP eram realizadas por transporte individual

contra 61% por transporte coletivo. Em 1997, a percentagem de viagens pelo

modo individual quase que se equipara com as do modo coletivo: 49% no indi-

vidual contra 51% no coletivo (ver Gráfico 3.3).

O futuro Rodoanel, obra do Estado que contornará a RMSP, evitando a

passagem de veículos que não se direcionam ao tráfego intra-urbano metropo-

Gráfico 3.1Evolução das Viagens Motorizadas por Modo Principal

0

10

20

30

40

50

60

Trem Metrô Ônibus Auto (*) Lotação Outros

Fonte: Cia do Metrô de São Paulo. Pesquisa OD/97 - Síntese de Informações

%

1977

1987

1997

Gráfico 3.2RMSP - Evolução do Índice de Mobilidade

0

0,5

1

1,5

2

1967 1977 1987 1997Fonte: Cia do Metrô de São Paulo. Pesquisa OD/97 - Síntese de Informações

Indice de Mobilidade

73

[03] a orla ferroviária: leitura do território

litano, deverá aliviar cerca de 10% do tráfego interno, principalmente de car-

ga.10

Há, finalmente, com o desenvolvimento do PITU 2020 por parte das

duas últimas gestões do governo do estado (governo Mário Covas) e a anuncia-

da intenção de parceria deste com a nova gestão municipal (governo Marta

Suplicy), uma clara possibilidade de valorização do transporte público em São

Paulo, da integração das várias modalidades dos transportes (metrô, ferrovia e

sobre pneus) e da modernização da malha ferroviária.

O PITU 2020 prevê a ampliação de infra-estrutura de transportes da

RMSP, com propostas de redes de alta, média e baixa capacidade, integrando

os diversos modos de transportes: sistemas sobre trilhos e sobre pneus. Segun-

do esse estudo, a futura rede de transportes metropolitanos prevista terá, no

ano 2020, cerca de 446Km de extensão, contra 79 km existentes atualmente.

Para a linha sudeste de trem metropolitano está prevista a sua modernização e

transformação em metrô de superfície.

O transporte de cargas é operado pela iniciativa privada desde 1998. A

MRS Logística, apresenta planos de interesse de modernização do sistema. Além

disso, está previsto, para o próximo milênio, a implantação do Ferroanel - Anel

Ferroviário Metropolitano - que deverá tangenciar a metrópole e otimizar o

transporte de cargas. Há que se atentar, entretanto, para os riscos

proveninentes da privatização rápida e pouco discutida das ferrovias federais.

Fig. 3.8. Congestionamento na Radial Leste: contraste entre o transporte público e privado naSão Paulo contemporânea. (Fonte: Pitu 2020).

Gráfico 3.3RMSP-Evolução da Divisão Modal das Viagens

0

20

40

60

80

1977 1987 1997

Fonte: Cia do Metrô de São Paulo. Pesquisa OD/97 - Síntese de Informações

%coletivo

individual

74

[03] a orla ferroviária: leitura do território

�Em 1971 seria a vez do Governo do Estado de São Paulo criar a Ferro-

via Paulista S.A. (FEPASA) incorporando as cinco companhias então operantes

no Estado - a Estrada de Ferro Sorocabana, a Companhia Paulista de Estradas

de Ferro (que pertencia ao Governo do estado desde 1961 ), a Companhia

Mogiana, a estrada de Ferro Araraquara e a Estrada de Ferro São Paulo e

Minas. O objetivo era unificar a rede de transporte ferroviário dentro do Estado

e modernizar sua estrutura. A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos

(CPTM ) assumiu parte da rede da RFFSA dentro da região metropolitana de

São Paulo. Em 20 de setembro de 1996, o Governo vendeu a concessão da

malha sudeste da RFFSA para a empresa MRS Logística e a reestruturação da

FEPASA está em andamento.� 10

03. 3 Notas1 ALVIM et. al., 2000, op. cit.

2 Cf. LANGENBUCH, 1971, op. cit.

3 Cf. SAIA, 1995, op. cit..

4 Ibid.

5 Cf. LANGENBUCH, 1971, op. cit.

6 Ibid.

7 Cf. TOLEDO, Benedito L. Prestes Maia e as Origens do Urbanismo Moderno em

São Paulo. São Paulo: Espaço das Artes, 1996.

Fig. 3.9. Rede ferroviária de transportes metropolitanos e o mapa da densidade urbana projetado para2020. (Fonte: Pitu 2020).Fig. 3.10. Região Metropolitana de São Paulo: Sistema estrutural sobre trilhos projetado para o cenário de2020. (Fonte: Pitu 2020).

75

[03] a orla ferroviária: leitura do território

8 Cf. LANGENBUCH, 1971, op. cit.

9 Cf. KÜHL, 1998, p. 136.

10 ALVIM et. al., 2000, op. cit., p.2.

76

[04] o projeto-tese: o processo

04 O PROJETO-TESE: O PROCESSO>

04.1 Mapeamento urbano 77

04.2 Análises 94

77

[04] o projeto-tese: o processo

77

78

[04] o projeto-tese: o processo

78

79

[04] o projeto-tese: o processo

79

80

[04] o projeto-tese: o processo

80

81

[04] o projeto-tese: o processo

82

[04] o projeto-tese: o processo

83

[04] o projeto-tese: o processo

eixo moinho central-moóca>levantamento: tabela geral dos lotes

LEVANTAMENTO 1> INTERNO À ORLA

número gabarito uso conservação uso identif icação

h 2/3 ind rg n abandono

i 5 ind p n abandono

j 1 cptm b s

l 2 cptm b n

m 4 cptm b n

n 2 ins b s manobra /manut.

o 2 cptm rg n

p 2/3 cptm b n

q 3 b tombado

r 2/3 cptm b s

s 2 cptm rg n abandono

t 2 rm n abandono

LEGENDA

USO: CONSERVAÇÃO USO?h: habitação o: ótimo s: simc: comércio b: bom n: nãoind: industrial rg: regulars: serviços rm: ruim [vedação comprometida]ins: institucional parques

LEVANTAMENTO 2> BORDAS DA ORLA

121 2 c/h b s

122 2 c rm s estacionamento

123 2 ind o s

124 3 s o s correio

125 ins b s parque municipal

126 2 ins b s escola estadual

127 3 ind rg s confecções

128 3 ins b s igreja

129 c rg s garagem ônibus

130 não existe mais

131 2 ind b s

132 1 ind b s

133 3 ind b s

134 1 h rm s

número gabarito uso conservação uso identif icação

84

[04] o projeto-tese: o processo

135 2 c/h rg s

136 2 c rg s

137 2 ins rg s

138 3 ind o s chaves gold

139 3 ins o s senac

140 2 c rg s

141 15 h (em construção)

142 3 h b s vários

143 2 ind o s

144 2 c/h b s

145 2 c/ind rg s galpões ind

146 2 ins rg s eletropaulo

147 1 c rg n ferro velho

148 2 ind rg s galpões demolição

149 4 ind o s telesp

150 16 h o s

151 10 h o s

152 7 c/h o s

153 2 c/h rg s

154 4 c/s b s

155 2 h rg s

156 2 h rg s

157 2 h rg s

158 2 c/h rg s

159 3 ind rg s

160 4 ind b s

161 2 ind rg parcial galpões industriais

162 5 ind b s

163 2 ind b s

164 2 c rg s

165 1 h rg s

166 1 c rg s

167 2 c/h rg s

168 2 s b s

169 10 h b s

número gabarito uso conservação uso identif icação número gabarito uso conservação uso identif icação

85

[04] o projeto-tese: o processo

170 1 h b s

171 3 c/s o n alugando

172 2 c b s

173 5 c/h b s

174 2 c b s

175 2 c/h b s

176 2 c/s b s

177 1 3 c b s

178 1 3 c rg s

179 2 h b s

180 1 c rg s

181 2 c/h b s

182 2 c/h rg s

183 2 c rg s

184 2 c/s rg s

185 5 ins o s sagrado coração

186 3 ins b s polícia civil

187 3 c rm s

188 2 ind o s pancostura

189 1 ins b s instituto dom.

190 2 ins rg s posto de saúde

191 3 ind b s confecções

192 1 3 c/s b s

193 ins o s pça. Julio prestes

194 5 ins o s sala são paulo

195 2 s o s estacionamento

sala são paulo

196 4 ins b s dops (esm)

197 pátio de manobras

198 3 c/s rg s

199 3 c/s rg s

200 3 c/h rg s

201 b s saída metrô

202 b s pq. Da luz

número gabarito uso conservação uso identif icaçãonúmero gabarito uso conservação uso identif icação

86

[04] o projeto-tese: o processo

203 o pinacoteca204 b igreja luz

205 b batalhão t.aguiar

206 b igreja são cristóvão

207 12 c/h rg s

208 2 c/h b s

209 4 c o s

210 n vazio

211 1 s rg s estacionamento

212 1 s rg s

213 15 c/h b s comércio a alugar

214 2 c/h b s vários (6)

215 1 h/s o s vila dos ingleses

216 6 c/h b s

217 1 s rg s

218 3 ins o s eletropaulo

219 3 ins o s igreja

220 2 c/h rg s

221 3 ins b s sabesp

222 3 ins o s

223 3 s o s

224 6 c/h b s

225 3 o alugando

226 2 s rg s estacionamento

227 3 c rg s

228 3 c/h rg s

229 1 h b s vila

230 3 s b s

231 b mercado municipal

232 pq. dom pedro

233 2 ins b s eletropaulo

234 1 c b s posto gasolina

235 2 c/h rg s

236 7 c/h b s

237 2 c/h rg s

número gabarito uso conservação uso identif icação número gabarito uso conservação uso identif icação

87

[04] o projeto-tese: o processo

238 1 c b s

239 pátio do pari

240 1 c rg s

241 1 c b s galpão comercial

242 2 c rg s

243 3 c/h b s

244 3 c rg s

245 3 ins b s centro educação

246 3 c/s o s

247 3 ind rg s

248 2 ind rg s

249 6 c b s moinho matarazzo

250 2 c rg s

251 2 h rm s cortiço

252 3 ind b s

253 7 ind b s

254 2 h rm s cortiço

255 3 ind b s

256 3 c/s b s

257 lgo. concórdia

258 7 c/h rg s

259 3 ins b s igreja

260 5 h rg s

261 1 c rg s

262 pça agente cícero

263 1 c rg s

264 1 2 h b s

265 1 2 c rg s

266 e acesso do metrô

267 estação metrô brás

268 2 ins b s amafesp

269 1 h rg s

270 3 ind b s leite

271 2 rm n galpões/sem terra

número gabarito uso conservação uso identif icação número gabarito uso conservação uso identif icação

88

[04] o projeto-tese: o processo

272 4 ins b s promoção social

273 4 ins b s febem

274 2 ind rg s galpões da cptm

275 2 h b s

276 3 rg n edifício vazio

277 1 ind rg s areia/pedra

278 2 ind o s molas

279 2 c/h rg s

280 3 ins b s museu imigração

281 2 ind o s

282 2 ind rg s hidromanfer

283 2 ind b s indústria conf.

284 2 ind rg s hidromanfer

285 7 ins o s universidadeah.m.

286 2 ind rg s

287 2 c/s rg s

288 3 ind rm n galpão abandono

289 5 ind rm n em abandono

290 3 ind rm s galpão abandono

291 2 ins rg s der

292 4 c o s frigorífico

293 2 rm n galpões à venda

294 6 ind o n antárctica

295 1 s rm s estacionamento

296 2 ind b s

297 2 p n galpão cptm

número gabarito uso conservação uso identif icação número gabarito uso conservação uso identif icação

89

[04] o projeto-tese: o processo

trecho 1> moinho central(Fonte: Base Aerofotogrametria, 2001)

90

[04] o projeto-tese: o processo

trecho 2> pátio júlio prestes(Fonte: Base Aerofotogrametria, 1999)

(Fonte: Base Aerofotogrametria, 2001)

(Fon

te: P

ólo

Luz,

199

9, p

.6)

91

[04] o projeto-tese: o processo

trecho 3> pátio do pari(Fonte: Base Aerofotogrametria, 2001)

92

[04] o projeto-tese: o processo

trecho 4> lgo. concórdia-brás(Fonte: Base Aerofotogrametria, 2001)

93

[04] o projeto-tese: o processo

trecho 5> moóca

(Fon

te:

Base

Aer

ofot

ogra

met

ria,

2001

)

94

[04] o projeto-tese: o processo

04.2 AnálisesA área de estudo, historicamente ocupada pela indústria, como visto no

capítulo anterior, nas últimas décadas vem sofrendo enormes transformações

causadas pela passagem da cidade industrial para a metrópole pós-industrial,

de serviços. É um típico território em mutação urbana.

Observa-se um esvaziamento industrial. Vários estabelecimentos estão

sendo desativados e transferidos para outras localizações que oferecem melho-

res vantagens fiscais, terra e mão-de-obra mais barata, além de não sofrerem

a pressão dos sindicatos. Outras empresas estão simplesmente reduzindo sua

capacidade produtiva e seu pessoal, como forma de superar a crise. Outras ain-

da passaram a operar com uma planta industrial reduzida, devido aos processos

de automação e modernização industrial, gerando inúmeros espaços ociosos em

suas unidades.

Alguns exemplos paradigmáticos desse processo podem ser observados

na área de estudo. A Cia. Antárctica localizada historicamente na Moóca está

hoje toda praticamente desativada e desocupada, causando um enorme vazio

funcional, não apenas na área industrial - os seus galpões - mas em todo o

entorno que, durante várias décadas, teve sua vida urbana vinculada à da fá-

brica. Quando uma indústria desse porte abandona o seu sítio original, o �es-

trago� causado na área é gigantesco. Ultrapassa, em muito, o já grande vazio

deixado no seu território industrial desativado. O Moinho Central, no Trecho [1],

95

[04] o projeto-tese: o processo

é outro exemplo dramático. Esvaziado funcionalmente, continua como marco -

verdadeira referência urbana na paisagem - na orla ferroviária. Completamente

ociosa, a edificação de mais de 15.000 m2 e o seu entorno, estão hoje precaria-

mente ocupados por uma população de �sem-teto. Mostra, a um só tempo, a

urgente demanda por habitação de interesse social paulistana - que poderia ser

alocada neste território central, em vez de se promover a ocupação periférica e

sem infraestrura da metrópole - e a absoluta falta de planejamento na ocupa-

ção contemporânea da área.

O levantamento realizado, através de um mapemanto urbano feito na

orla ferroviária (OF) em 2001, no seu perímetro interno e nas suas bordas,

mostra-nos alguns pontos relevantes:

1 A situação interna à OF possui uma especificidade muito grande e difere

das bordas. Basicamente é um território ocupado pela estrutura ferroviária:

linhas, pátios, galpões e oficinas ferroviárias atualmente sob administração

da CPTM, além das estações existentes. Edificações de porte são poucas: a

estrutura edificada dos Moinhos Central e Matarazzo (uso privado); o Museu

do Imigrante no Brás; as estações Júlio Prestes, Luz, Brás, Roosevelt e

Moóca; oficinas ferroviárias parcialmente utilizadas no Pátio Júlio Prestes e

no Pátio do Pari; a Sala São Paulo e o antigo prédio do DOPS (em transfor-

mação para futuro uso cultural); os edifícios da Cia. Antárctica, na Moóca, já

desativados. Os pátios ferroviários propriamente ditos, com suas imensas

96

[04] o projeto-tese: o processo

áreas de manobras e manutenção ferroviária estão atualmente apenas

parcialmente em uso, servindo muito mais como imensos vazios urbanos e

área de estoque de ferro velho.

2 As bordas da OF apresentam alguns aspectos gerais comuns aos 5 trechos

de estudo:

2.1 Baixo gabarito: em média, edificações que não ultrapassam 3 pavimentos;

alguns poucos - 10 na área toda - edifícios altos (mais de 10 pavimentos);

2.2 Uso variado: predominam os usos atuais de comércio varejista de pequeno

porte (37% dos 176 lotes levantados), habitação (26% do total, sendo que

parte está sobre térreo comercial) e industrial (22%).

2.3 As edificações de uso industrial, apesar de responderem por 22% do

número de lotes pesquisados, ocupam a maior parte do território, pois

possuem área consideravelmente maior. Interessante notar que, a despeito

de haver grandes áreas industriais sem uso, em números absolutos apurou-

se que 82% delas estão em pleno ou parcial funcionamento. Ou seja, há na

verdade, um processo de reconversão industrial e não, propriamente,

desativação industrial. O trecho da Moóca é o mais prejudicado: 90% dos

lotes industriais estão inativos, lembrando-se novamente que, a maior parte

do território está sem uso definido, pois a desativação de um parque indus-

trial do porte da Cia. Antárctica representa por sí só um esvaziamento desse

território.

97

[04] o projeto-tese: o processo

É interessante notar que as indústrias, localizadas dentro do limite do municí-

pio de São Paulo, encontram-se com nível superior de atividades quando

comparadas às empresas situadas nos municípios do ABC. Provavelmente,

esse fato deve-se à diversificação de atividades industriais existentes nesse

trecho, diferentemente das atividades das empresas do ABC, ligadas em

geral ao setor automobilístico.

Outra tendência que se observa ao longo da OF, no trecho imediatamente

posterior à Moóca, em direção ao ABC, é o processo de substituição das

unidades industriais por grandes estruturas comerciais, tais como

hipermercados, concessionárias de automóveis, shopping-centers, etc.; que

estão longe de se configurarem em um novo padrão urbano consolidado.

Essa situação de substituição funcional provisória é também vista ao longo

da Marginal do Rio Tietê.

2.4 Vazios urbanos. Os espaços residuais, atualmente sem qualquer uso, sejam

terrenos vagos ou edificações e galpões abandonados, respondem por

apenas 10% do total de lotes pesquisados. Ocorre aqui situação semelhante

à anterior: apesar de representarem apenas 10% do total de lotes, esses

espaços respondem, na verdade, por enormes áreas no território. O Pátio do

Pari, por exemplo, é exemplo claro: representa apenas um ítem sem uso no

nosso levantamento, porém trata-se de área residual de mais de 150 ha

que, ladeada pela Zona Cerealista já em franca decadência, transforma-se

98

[04] o projeto-tese: o processo

no maior vazio urbano na área central de São Paulo.

2.5 Há poucas transposições da OF em toda a extensão estudada. A orla

ferroviária determina um claro seccionamento do tecido urbano. A sua

passagem foi uma cicatriz urbana que separou os lados da cidade. Isso vale

para a passagem tanto de pedestres, quanto de ônibus e carros.

2.6 As estações encontram-se em estágio de deterioramento e esvaziamento

funcional e simbólico. Poucas - talvez apenas a Estação da Luz - possuem

clara inserção urbana. A implantação da Estação da Luz foi muito feliz ao

permitir, através de si mesma, uma transposição fácil da OF por parte dos

pedestres. O rebaixamento da linha, que aqui passa em cota pouco menor

do que as bordas da cidade, possibilita sua implantação como passagem

urbana, ligando a Praça da Luz ao eixo da avenida Cásper Líbero. Ocorre no

momento a discussão sobre a modernização e ampliação da Estação. Por um

lado, em consonância com as diretrizes do PITU 2020, há a necessidade de

sua ampliação para se transformar na estação central de trens de São Paulo

e melhor atender a futura demanda dos trens metropolitanos e do possível

metrô de superfície. Por outro lado, vê-se, supreendentemente, nos jornais,

as notícias da sua transformação em equipamento cultural sob patrocínio

privado e sob os auspícios do Projeto Monumenta, com fomento do Banco

Interamericano do Desenvolvimento (BID).

2.7 A conversão da antiga Estação Sorocabana na atual Sala São Paulo por

99

[04] o projeto-tese: o processo

parte do Governo do Estado, há alguns anos atrás, a despeito de ter dado

uso contemporâneo a um equipamento urbano obsoleto, em consonância

com as diretrizes culturais para a área da Luz, representou, infelizmente,

mais uma intervenção urbanística pouco eficaz para o contexto local. O

projeto poderia ser mais abrangente, ao tratar da reurbanização do Pátio

Júlio Prestes, fazendo a desejável ligação da cidade alta (Campos Elíseos)

com a cidade baixa (Bom Retiro), colocando a Sala São Paulo em meio à

cidade. Acabou se convertendo num projeto que dá as costas para a cidade.

Poderia ter ocorrido o também desejável projeto urbano de requalificação,

principalmente através de moradia coletiva de interesse social, de toda a

área da �Cracolândia�, para que este não fosse mais uma rica obra isolada

em trecho pobre da cidade, mais uma ilha de exceção em meio ao espaço

urbano esquecido pelo poder público. Difícil não se lembrar que a Associa-

ção Viva o Centro possuía plano urbano abrangente para a área, que não foi

levado em consideração, incluindo-se a reurbanização da Praça Júlio Prestes,

de autoria dos arquitetos Regina Meyer e UNA.

2.8 Há poucas áreas verdes e públicas, de uso público, ao longo do território. O

Parque da Luz é o único pulmão verde conectado à OF. Infelizmente cercado

e não ligado à orla. A Praça Júlio Prestes e o Largo da Concórdia represen-

tam dois espaços de intenso uso público. O Largo da Concórdia - sítio histórico

da população migrante e imigrante; verdadeiro nó urbano e ponto de

100

[04] o projeto-tese: o processo

convivência comunitária no Brás - está hoje loteado por uma avalanche de

camelôs. As imagens são dramáticas vistas de helicóptero. O comércio

informal tomou conta do espaço público. O sítio histórico foi tomado pela

cidade informal.

2.9 A área que vai do Largo da Concórdia ao Museu do Imigrante, no Brás,

representa provavelmente a situação de maior complexidade urbana de

toda a OF paulistana. Ali, justapõem-se vários elementos urbanos comple-

xos, sem qualquer integração: praças, duas estações de trem, uma estação

elevada de metrô, museu e espaços públicos. A ferrovia e os viadutos

representam barreiras urbanas intransponíveis ao pedestre. Em sítio urbano

central - dali desfruta-se da vista da colina histórica - a absoluta falta de

planejamento urbano fez da área um caos urbano.

2.10 A área que vai da Estação da Luz ao Pátio Júlio Prestes representa o que

se poderia denominar OF de banda curta: trecho onde a cidade, em ambos

os lados, encosta na orla com seu tecido urbano usual (moradias e comér-

cio). Poderia converter-se em situação bastante favorável de ocupação

lindeira à ferrovia se houvesse maior integração entre os dois lados da

cidade.

CCCCCarlos Leitarlos Leitarlos Leitarlos Leitarlos Leite de Souze de Souze de Souze de Souze de Souzaaaaa

FRFRFRFRFRAAAAATURTURTURTURTURAS URBAS URBAS URBAS URBAS URBANAS E A POSSIBILIDANAS E A POSSIBILIDANAS E A POSSIBILIDANAS E A POSSIBILIDANAS E A POSSIBILIDADE DEADE DEADE DEADE DEADE DE

CCCCCONSONSONSONSONSTRUÇÃO DE NOTRUÇÃO DE NOTRUÇÃO DE NOTRUÇÃO DE NOTRUÇÃO DE NOVVVVVAS TERRITAS TERRITAS TERRITAS TERRITAS TERRITORIALIDORIALIDORIALIDORIALIDORIALIDADESADESADESADESADES

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FFFFFaculdade de Arquitaculdade de Arquitaculdade de Arquitaculdade de Arquitaculdade de Arquiteeeeeturturturturtura e Urbanismo da Univa e Urbanismo da Univa e Urbanismo da Univa e Urbanismo da Univa e Urbanismo da Universidade de São Persidade de São Persidade de São Persidade de São Persidade de São Pauloauloauloauloaulo

Orientador: PrOrientador: PrOrientador: PrOrientador: PrOrientador: Prooooofffff. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Gian C. Gian C. Gian C. Gian C. Gian Carlo Gasperiniarlo Gasperiniarlo Gasperiniarlo Gasperiniarlo Gasperini

São PSão PSão PSão PSão Pauloauloauloauloaulo, mar, mar, mar, mar, marççççço 2002o 2002o 2002o 2002o 2002

101

[5] o projeto-tese: a estratégia

0505050505 O PROJEO PROJEO PROJEO PROJEO PROJETTTTTOOOOO-----TESETESETESETESETESE: A ES: A ES: A ES: A ES: A ESTRTRTRTRTRAAAAATÉTÉTÉTÉTÉGIA>GIA>GIA>GIA>GIA>

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05.1.1 Desarticulação do território 102

05.1.2 Fluidez e redes de fluxos 106

05.1.3 Terreno vago 110

05.2 Int05.2 Int05.2 Int05.2 Int05.2 Interververververvenções urbanas cenções urbanas cenções urbanas cenções urbanas cenções urbanas contontontontontemporâneemporâneemporâneemporâneemporâneas 118as 118as 118as 118as 118

05.2.1 Intervir na cidade: dilemas e contradições 118

05.2.2 Projetos urbanos contemporâneos 132

05.3 As estrutur5.3 As estrutur5.3 As estrutur5.3 As estrutur5.3 As estruturas urbanas e a cas urbanas e a cas urbanas e a cas urbanas e a cas urbanas e a construção de uma noonstrução de uma noonstrução de uma noonstrução de uma noonstrução de uma novvvvva ta ta ta ta territerriterriterriterritorialidadeorialidadeorialidadeorialidadeorialidade

mememememetrtrtrtrtropolitana 154opolitana 154opolitana 154opolitana 154opolitana 154

05.3.1 Urbanismo dinâmico 154

05.3.2 A orla ferroviária como nova territorialidade metropolitana 162

05.4 No05.4 No05.4 No05.4 No05.4 Notas 179tas 179tas 179tas 179tas 179

102

[5] o projeto-tese: a estratégia

05.1 Fragmentação e retalhamento dametrópole

05.1.1 Desarticulação do t05.1.1 Desarticulação do t05.1.1 Desarticulação do t05.1.1 Desarticulação do t05.1.1 Desarticulação do territerriterriterriterritórioórioórioórioório

A noção de território tem variado ao longo do tempo. O conceito de

território foi-nos passado pela modernidade e assim tem vindo até o presente,

quando, claramente, já não satisfaz à dinâmica da vida contemporânea, à

fragmentação espacial das metrópoles e à realidade do mundo globalizado.

Milton Santos debruçou-se longamente sobre o tema e colocou com

propriedade:

“...caminhamos, ao longo dos séculos, da antiga comunhão individual dos

lugares com o Universo à comunhão hoje global: a interdependência universal

dos lugares é a nova realidade do território.” 1

As novas tecnologias e a globalização econômica têm alterado, segundo

Saskia Sassen, os significados das nossas noções de geografia e distância. Após

estudos exaustivos das alterações urbanas provocadas pelo processo de

globalização, Sassen conclui que há, na verdade, uma geografia da centralização

e não da dispersão ou descontinuidade, que não respeita fronteiras urbanas ou

nacionalidades.2

No final do século XX, a globalização impôs ao território uma dinâmica

103

[5] o projeto-tese: a estratégia

até então inesperada. Deve-se ter em mente, porém, que mesmo nos lugares

onde os vetores da globalização estão mais presentes, o território habitado e com

vida local mantém características próprias. Cria novas sinergias que se contra-

põem à globalização. Vive-se, portanto, uma realidade de crise. Um conflito

cultural da sociedade que se apresenta na escala do território. Conforme Milton

Santos:

“Há um conflito que se agrava entre um espaço local, espaço vivido por

todos os vizinhos, e um espaço global, habitado por um processo racionalizador e

um conteúdo ideológico de origem distante e que chegam a cada lugar com os

objetos e as normas estabelecidos para servi-los. Daí o interesse de retornar a

noção de espaço banal [sic], isto é, o território de todos, freqüentemente contido

nos limites do trabalho de todos; e de contrapor essa noção à noção de redes,

isto é, o território daquelas formas e normas ao serviço de alguns....Por isso

mesmo, as grandes contradições do nosso tempo passam pelo uso do território.”

3 (grifo nosso)

Estes processos simultâneos – globalização e fragmentação – geram

territórios contraditórios. Desconexões e intervalos na mancha urbana.

“Geografias da desigualdade”.4

Na verdade, deixamos para trás a cidade moderna do século XX e nos

deparamos, sem prévio aviso, com as metrópoles mutantes da

contemporaneidade.

104

[5] o projeto-tese: a estratégia

A metrópole contemporânea apresenta imensas áreas desarticuladas e

dispersas pelo território. São áreas dotadas de fluxos variados, em trânsito

permanente, com fraturas que esgarçam o tecido urbano, estabelecendo aparente

semelhança entre partes dispersas. Conforme Brissac: “No espaço fragmentado e

indeterminado da metrópole contemporânea não se tem pontos ou posições...As

vias ferroviárias e as autopistas, sistemas tradicionalmete estruturadores da

mancha urbana, não organizam mais o espaço.” 5

Essa desarticulação do território pode ser vista nos arquipélagos de bairros

que se margeiam, fragmentos de todas as escalas, alguns inteiros e quase

homogêneos, saídos de uma superposição de diferentes épocas históricas e

estruturas urbanas que se cruzam sem definir espaços homogêneos. Sem limites

claros. A fragmentação territorial compreende uma rede desconexa de vazios

urbanos, terrenos vagos e enclaves territoriais. Misturam-se a cidade formal e a

cidade informal, ilegal, de modo aleatório e disperso. Coexistem zonas

abandonadas e áreas de ocupação intensa e desordenada. A arquitetura reflete

essa instabilidade, ainda segundo Brissac:

“...formas fragmentadas e perdidas em reflexos espelhados, espaços

simulando transparência, estruturas variáveis ou móveis que provocam

inquietação e estranhamento. Construções que refletem as mudanças contínuas e

os deslocamentos abruptos da urbe contemporânea.” 6

A cidade perde seus limites, eixos, simetria; a arquitetura perde seus

105

[5] o projeto-tese: a estratégia

símbolos, seus monumentos. No seu lugar surge a fragmentação do território. Um

dos maiores problemas para a compreensão dessas novas formas que o território

adquire é, justamente, a imensidão de sua escala. Uma escala que não mais

permite aos moradores da cidade percebê-la com um mínimo de clareza. Não há

mais possibilidade de se formar um mapa mental da cidade contemporânea aos

moldes daqueles conceituados por Kevin Lynch. A percepção ambiental da

metrópole atual exige novos parâmetros para sua análise e definição.

Para Borja e Castells, por exemplo, o espaço metropolitano é entendido,

hoje, como espaço urbano-regional, descontínuo, funcional e objeto das futuras

atuações, “espaço estratégico por excelência”. Esse espaço estratégico, sob seu

enfoque, é também espaço econômico. O âmbito urbano regional é, atualmente,

o marco natural da atividade econômica. Esse mesmo espaço é também um novo

espaço de integração sociocultural.7

Mas a escala da desintegração física, da aparente imensurabilidade, torna-

se, ao mesmo tempo, a escala da possibilidade da integração, desde que

devidamente compreendida. O território metropolitano ganha novas escalas de

entendimento. Uma escala impensável até o fim do século XX. O processo de

metropolização ganha uma nova dimensão. Novas potencialidades. Ao contrário

de um cenário, à primeira vista caótico, surgem imensas possibilidades de

construção territorial justamente a partir desses espaços vazios, dos fragmentos

territoriais dispersos e desconexos. O que se aparenta como fraturas de um tecido

106

[5] o projeto-tese: a estratégia

metropolitano “retalhado”, pode sustentar projetos urbanos até então inéditos

na reconstrução da metrópole.

05.1.2 Fluide05.1.2 Fluide05.1.2 Fluide05.1.2 Fluide05.1.2 Fluidez e rz e rz e rz e rz e redes de fedes de fedes de fedes de fedes de fluxluxluxluxluxososososos

A internacionalização da produção capitalista, dentre outros fatores intra-

urbanos, vem determinando, nas últimas décadas, novos padrões de organização

territorial metropolitana. A nova dinâmica do território, mais complexa,

determina a sua descontinuidade, gera os espaços residuais – o terreno vago - e

faz emergir uma organização, até então inédita, da fluidez e rede de fluxos nesse

território.

Os fluxos, e não apenas as empresas físicas, passam a constituir unidades

de trabalho e decisão na metrópole contemporânea. A localização dos agentes

econômicos e sociais é, agora, determinada por uma rede de fluxos. De

informações e capital. A rede de fluxos estabelece conexões e mutações

contínuas no território. Os fluxos substituem as localidades fixas. Surge uma

inexorável descontinuidade territorial. A informação, sobretudo, ganha proporção

determinante na nova lógica territorial, conforme nos descreve Milton Santos:

“Antigamente, sobretudo antes da existência humana, o que reunia as

diferentes porções de um território era a energia, oriunda dos próprios processos

naturais. Ao longo da história é a informação que vai ganhando essa função, para

ser hoje o verdadeiro instrumento de união entre as diversas partes de um

107

[5] o projeto-tese: a estratégia

território.” 8

Assim, a forma típica da mobilidade contemporânea são os fluxos. O

movimento na cidade moderna – tão valorizado pelo modelo dos Congressos

Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM´s) - é substituído pelos fluxos na

cidade contemporânea. As cidades e a sua arquitetura atuam como os pontos

nodais dos fluxos internacionais, onde se refletem as interconexões globais.

Há uma concentração de atividades em pontos urbanos dispersos. Surge,

assim, o abandono de grandes áreas urbanas e o aumento da necessidade de

locomoção entre esses nós urbanos produtivos. O território passa a ser constituído

de “vastos enclaves urbanos, praticamente autônomos, ligados diretamente aos

sistemas de fluxos informacionais corporativos...”9

Esses nós, presentes no espaço da rede de fluxos, cada vez mais se

assemelham programaticamente. Ali, ocorrem funções e programas semelhantes,

que podem se reproduzir e se conectar por diversos territórios distintos do globo.

Koolhas, por exemplo, descreve os aeroportos de hoje como os paradigmas desse

novo território global: cidades começam a se parecer com aeroportos e estes

tornam-se “uma concentração de ambos, o hiper-global e o hiper-local” onde se

pode desfrutar e adquirir coisas que pertencem a quaisquer lugares do mundo -

as cidades genéricas globalizadas - e, ao mesmo tempo, conseguir coisas que são

da cultura local. São típicos nós da rede de fluxos global, ao mesmo tempo que

pontos na rede do território metropolitano disperso.10

108

[5] o projeto-tese: a estratégia

O crítico holandês Hans Ibelings chega a descrever os aeroportos dos anos

90 como representando o mesmo papel dos museus dos anos 80. Esses espaços

nodais de programa gigantesco seriam os paradigmas da demanda

contemporânea: mobilidade, acessibilidade e infra-estrutura são seus elementos

essenciais. Segundo ele, estes seriam exemplos de um “supermodernismo”, já

que não mais atendem aos interesses contextuais e históricos da cidade, como o

viés pós-moderno, mas estão, arquitetonicamente, suscetíveis a novas categorias

como: neutralidade, indistinção e implicidade.11

Por outro lado, na espacialização dessa rede de fluxos não há escala

precisa. Pode ser local, global ou urbano-regional. A rede de fluxos espalha-se

por um território dinâmico, de desenho líquido, mutante. Conforme Borja e

Castells: “Esta nova cidade metropolitana deve ser entendida como uma rede, ou

um sistema, de geometria variável, articulada por nós, pontos fortes de

centralidade, definidos por sua acessibilidade.”12

Uma abordagem pouco menos cética pode determinar um olhar para essa

realidade metropolitana como possuidora de inusitados potenciais.

Obviamente, se o sistema é dinâmico e fluído, determinado por uma rede

de nós, a qualidade dessa nova realidade territorial dependerá da intensidade

das relações entre esses nós, da multifuncionalidade dos centros nodais e da

capacidade de integração à população e ao território, mediante um adequado

sistema de mobilidade intra-urbano e externo ao território físico, inerente à rede

109

[5] o projeto-tese: a estratégia

de nós urbanos.

Outro olhar possível pode nos levar ao questionamento da inexorabilidade

dessas redes. Pode-se, perfeitamente pensar num sistema híbrido, onde a

metrópole abarca, ao mesmo tempo, um território que possui duas lógicas

distintas e complementares. Uma, determinada pelo sistema de redes de fluxos e

outra, de caráter local, do espaço da convivência dos cidadãos, das relações

humanas que sempre existiram nas cidades. O espaço local, “banal”, como diria

Milton Santos:

“O território, hoje, pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em

rede...Mas além das redes, antes das redes, apesar das redes, depois das redes,

com as redes, há o espaço banal [sic], o espaço de todos, todo o espaço, porque

as redes constituem apenas uma parte do espaço e o espaço de alguns...De um

lado, temos uma fluidez virtual, oferecida por objetos criados para facilitar essa

fluidez e que são, cada vez mais, objetos técnicos. Mas os objetos não nos dão

senão uma fluidez virtual, porque a real vem das ações humanas, que são cada

vez mais ações informadas, ações normativas.”13

Resta ao urbanismo contemporâneo compreender essas dinâmicas

complementares e complexas para agir no âmbito do território. Lançar estratégias

de intervenção que abarquem, ao mesmo tempo, a demanda das redes de fluxos

e da maior fluidez territorial e do espaço local, das relações humanas que

continuam a se dar nesse âmbito. O espaço público, nesse sentido, sempre foi e

110

[5] o projeto-tese: a estratégia

continuará sendo o amálgama da cidade. A razão de ser da existência urbana.

Onde a cidade ganha sua maior dimensão humana.

05.1.3 T05.1.3 T05.1.3 T05.1.3 T05.1.3 Terrerrerrerrerreno veno veno veno veno vagoagoagoagoago

A definição de terreno vago na sua origem francesa, “terrain vague”,

surge com precisão em um texto, hoje clássico, do arquiteto e crítico catalão

Ignasi de Solà-Morales, publicado na série “Any” de debates conceituais. Nesse

texto, ele coloca a dificuldade da tradução precisa para outras línguas do termo.

Por um lado, a palavra francesa “terrain” conota uma qualidade urbana

generosa, maior do que um simples “terreno”, como normalmente se

empregaria o seu uso em português. Maior e menos precisa porção de área

urbana. Por outro lado, a palavra francesa “vague” traz, pelas suas origens

latinas, dois significados complementares. O primeiro refere-se à vácuo, vazio,

não ocupado, mas também à livre, disponível. Sem uso, porém com liberdade de

expectativas. O segundo significado advém do latim “vagus”: indeterminado,

impreciso, sem limites claros, incerto, vago. Pode-se ainda buscar referência de

significado em “terreno baldio”: o terreno a ser utilizado.14

Assim, a relação entre todos os significados dá uma conotação abrangente

ao termo terreno vago na sua dimensão urbana. À conotação negativa impõe-se

a esperança do potencial presente. Área sem limites claros, sem uso atual, vaga,

de difícil apreensão na percepção coletiva dos cidadãos, normalmente

Fig. 5.1. As várias expressões do terreno vago 1: Miyamoto Kowloon Walled City, 1987. (Fonte:Miyamoto, 1999, [sp-1]).

111

[5] o projeto-tese: a estratégia

constituindo uma ruptura no tecido urbano. Fratura urbana. Mas também área

disponível, cheia de expectativas, com forte memória urbana, a memória de seu

uso anterior parece maior que a presença atual, potencialmente única, o espaço

do possível, do futuro. A possibilidade do novo território metropolitano.

Tais espaços residuais surgem, normalmente, do processo de mudança do

modo de produção capitalista e de seus reflexos no território metropolitano. São

consequência direta das mutações urbanas. O terreno vago é, usualmente,

resultante do processo de desindustrialização metropolitana do final do século

XX. As grandes transformações que os territórios metropolitanos vêm sofrendo ao

passar de cidade industrial para pós-industrial, de serviços, abandonando imensas

áreas de atividades secundárias, explicam, em grande parte, o surgimento dos

terrenos vagos.

Terrenos baldios e galpões desocupados junto aos antigos eixos

industriais. Antigas áreas produtivas, hoje inoperantes. Massas arquitetônicas do

passado industrial, atualmente vazias, em processo de deterioração física (os

moinhos presentes na orla ferroviária paulistana). Mas também surgem das mal

planejadas intervenções rodoviaristas, como as áreas residuais presentes no

tecido urbano tradicional cortado por gigantescos sistemas de vias expressas (a

Zona Leste paulistana, por exemplo, é toda constituída por tais situações).

Cicatrizes urbanas. Terras de ninguém.

Pode-se colocar o terreno vago como resultante também de um processo

Fig. 5.2. As várias expressões do terreno vago 2: Miyamoto Kowloon Walled City, 1987. (Fonte:Miyamoto, 1999, [sp-2]).

112

[5] o projeto-tese: a estratégia

metropolitano de “palimpsesto”. As mutações urbanas recorrentes, que se

sobrepõem umas às outras, sem lógica histórica, geram, no território

“consolidado” camadas urbanas de novos usos e programas e, nos seus

interstícios territoriais - spaces in between -, terrenos vagos.15

A metrópole atual, permeada por terrenos vagos, determina uma rede

desconexa de espaços residuais, vazios urbanos. Um território permeado por

fraturas urbanas. Os cidadãos perdem, então, o senso da totalidade, da

abrangência da urbe. Do seu território.

Passamos a ser, então, nas nossas cidades,“estrangeiros na sua própria

terra”16

O terreno vago é, assim, símbolo dessa vida metropolitana atual. Seu

paradigma.

Wim Wenders, dentre vários artistas, tem-se utilizado desse paradigma

metropolitano para retratar a complexidade e ambigüidade da vida

contemporânea em seus filmes. Na série berlinense – “Asas do Desejo” e “Tão

Longe, Tão Perto” – sua lente paira sobre Potsdamer Platz e Alexanderplatz,

destruídas na guerra, para refletir a força simbólica desses espaços. Em “O Hotel

de um Milhão de Dólares”, ele se utiliza de um velho hotel deteriorado em meio

a uma terra de ninguém, espaço residual na trama urbana de Los Angeles, para

encerrar a discussão da ansiedade da vida contemporânea nas metrópoles de

escala imensurável.

Fig. 5.3. As várias expressões do terreno vago 3: Berlim, 1990. (Fonte: Basilico, 1999, p104 ).

113

[5] o projeto-tese: a estratégia

A poA poA poA poA potttttencialidade do vencialidade do vencialidade do vencialidade do vencialidade do vazio urbanoazio urbanoazio urbanoazio urbanoazio urbano

Mas, concomitantemente, está presente no vazio urbano a expectativa do

novo.

As áreas residuais são também a presença viva de um potencial imenso.

Da reconstrução, renovação, revitalização, mudança. A construção do novo

território. Da nova vida coletiva. Da nova metrópole que está à espreita. A crise

traz a angústia da ausência clara do uso atual, mas também a esperança de algo

novo, indeterminado e promissor. Espaços, portanto, privilegiados, como coloca

Solà-Morales:

“as áreas de `terrain vague’ são para alguns os sítios privilegiados de

identidade, de encontro entre presente e passado, ao mesmo tempo em que se

oferecem como o último reduto não contaminado para o exercício da liberdade

individual de pequenos grupos.”17

Os vazios urbanos têm sido objeto da análise de alguns urbanistas europeus

recentemente. Entretanto, as abordagens - sempre instigantes - são

complementares. Um grupo de estudiosos têm procurado lançar um olhar

prospectivo, analítico, descritivo para a questão. Nesse grupo estão os urbanistas

italianos Bernardo Secchi e Stefano Boeri. Procuram incorporar a presença dos

terrenos vagos à leitura da paisagem metropolitana. Outro grupo, liderado pelos

holandeses, especialmente Koolhaas, William Neutelings, MVRDV e Adrian Geuse

(West 8), além de Daniel Libeskind, tem sido especialmente sensível à poesia

Fig. 5.4. As várias expressões do terreno vago 4: Beirute, 1991. (Fonte: Basilico, 1999, p54 ).

114

[5] o projeto-tese: a estratégia

presente nesses espaços: a beleza e o potencial do vazio.

No entanto, exceto esses poucos pensadores de vanguarda, até o

momento, os arquitetos e urbanistas têm abordado o problema com o habitual

afã de construir sobre o vazio. Tem-se, normalmente, visto a questão do terreno

vago de modo tradicional, quando a abordagem deveria ser não-ortodoxa.

Coloca-se a intervenção em termos de formas construídas, ao invés de processos

fluídos, fluxos e forças.

Se nos remetermos aos projetos iniciais que enfrentaram este problema

territorial, veremos essa abordagem tradicional. O projeto de reurbanização da

antiga área industrial da Pirelli em Bicocca, Milão, foi um dos primeiros casos de

enfrentamento do esvaziamento industrial por parte da comunidade

arquitetônica e o projeto vencedor do concurso internacional, de autoria de

Vittorio Gregotti, apresenta solução típica.18

Novamente Solà-Morales descreve com precisão a questão:

“Nesta situação o papel do arquiteto é inevitavelmente problemático. O

destino da arquitetura tem sido o de colonização, da imposição de limites,

ordem, forma, da introdução de elementos de identidade no espaço estranho

para torná-lo reconhecível, idêntico, universal...Quando a arquitetura e o desenho

urbano projetam seus desejos para um espaço residual, `terrain vague’, eles

parecem incapazes de fazer outra coisa senão introduzir transformações

violentas...Como a arquitetura pode agir na `terrain vague’ sem se tornar um

Fig. 5.5. As várias expressões do terrenovago 5: o projeto Arte/cidade expôs àvisitação pública várias situações deterreno vago na cidade de São Paulo.Aqui vêem-se as antigas IndústriasMatarazzo na Barra Funda. (Fonte: Arte/cidade,1997).

115

[5] o projeto-tese: a estratégia

instrumento de poder e reação abstrata?” 19

A complexidade e heterogeneidade dos espaços residuais enriquecem o

escopo da arquitetura urbana. É preciso definir novas metodologias profissionais

e acadêmicas para o seu correto entendimento e abordagem.

Na opinião de Koolhaas, por exemplo, há duas razões que fazem dos

vazios urbanos uma das principais linhas de combate, se não a única, para os

arquitetos da cidade: (1) é mais fácil controlar espaços vazios do que trabalhar

em intervenções urbanas com altos volumes e formas arquitetônicas aglomeradas

que se têm tornado incontroláveis e (2) as cidades precisam dos seus espaços

vazios. Fala-se, portanto, da potencialidade do vazio.20

Estes espaços residuais devem ser colocados sob uma ótica nova, que

admita flexibilidade frente à rede de fluxos. Uma nova abordagem que permita à

metrópole respirar. Não preencher seus espaços vazios com uma arquitetura

tradicional, de massas, opressiva.

Poderia-se pensar, por vezes, inclusive na possibilidade da permanência

do terreno vago no tecido metropolitano que se transforma, como um foco de

resistência, aliada “...à sua história, memória e identidade. Se essa resistência é

tão forte, o que significa, em outras palavras, que a idéia de transformação é tão

frágil, eu acho que se deve simplesmente deixá-lo para a criatividade das

gerações futuras.”21

De qualquer modo, o território metropolitano conforma-se por uma rede

Fig. 5.6. As várias expressões doterreno vago 6: Arte/cidade em sua3a. versão: as antigas IndústriasMatarazzo na Barra Funda. (Fonte:Brissac,1998, p.333).

116

[5] o projeto-tese: a estratégia

desses espaços residuais e uma rede de fluxos que se complementam. Apesar do

avanço vertiginoso do processo de globalização e de suas conexões nodais, no

âmbito do espaço territorial, a metrópole ainda detém os chamados espaços

banais. Presencia-se ainda um processo de crise, de mutações constantes, onde,

por hora, verifica-se o surgimento da metrópole fragmentada, constituída por

fraturas urbanas.

São PSão PSão PSão PSão Paulo praulo praulo praulo praulo precisa do silêncio arquitecisa do silêncio arquitecisa do silêncio arquitecisa do silêncio arquitecisa do silêncio arquiteeeeetttttônicônicônicônicônicooooo

No caso de São Paulo, além das características descritas, acrescente-se o

processo de “urbanificação” da metrópole: um urbanismo de caráter meramente

técnico, implementado sem o desenvolvimento concomintante de sua outra

dimensão, a urbanidade. Uma metrópole retalhada, sem espaços adequadamente

planejados pelo território para a convivência coletiva. Vazios urbanos que tenham

significado, no contraponto da cidade massivamente construída, cinza.

Aqui ,os terrenos vagos são facilmente explicáveis pela renegação do

mercado imobiliário e do poder público. São espaços que têm sido ignorados

pelos urbanistas, tido quase nehuma atenção por parte da municipalidade.

Representam os espaços que sobram entre as ilhas de desenvolvimento

imobiliário da cidade. Os clusters valorizados comercialmente e culturalmente

são o contraponto dos terrrenos vagos.

Os condomínios fechados buscados pela classe média representam esses

clusters. A atenção política e comercial desvia-se desses espaços residuais que,

Fig. 5.7. As várias expressões do terreno vago 7: Arte/cidade em sua 3a. versão: intervançãoartística no Moinho Central. (Fonte: Arte/cidade,1997).

117

[5] o projeto-tese: a estratégia

em metrópoles como São Paulo, representam áreas gigantescas,

propositadamente para se alocarem nas ilhas de investimento.

São ilhas de anti-urbanidade fincadas em meio a imensos espaços residuais.

Espaços que se querem constituir miniaturas de cidades. Oferecem serviços que

deveriam estar ocorrendo espontânea e dispersamente na urbe; em seus espaços

fechados e exclusivos dos condomínios. Ilhas de exclusão social e vida urbana.

Condomínios residenciais fechados e murados, grandes edifícios comerciais de

linguagem arquitetônica e programa globalizados. Podem estar na Marginal

Pinheiros ou em Manhattan, tanto faz, pois são semelhantes em tudo. Ou os

shopping centers que abundam pela cidade sem parar, tal qual uma praga que

deteriora o território em fragmentos dispersos. São sempre espaços de exclusão,

nos quais seus usuários se auto-excluem da vida urbana. “Os edifícios pós-

modernos não mais querem ser parte da cidade, mas antes seu equivalente, seu

substituto”, conforme Jameson.22

Ligado ao mesmo processo, há uma brutal transformação dos espaços pú-

blicos. Nesse território descontínuo, constituído por ilhas de vida urbana autôno-

mas, entremeado por espaços residuais, os espaços públicos se fragmentam

também em novas tipologias.

Os tradicionais espaços públicos locais, de bairro, vão se extinguindo,

enquanto surgem mega-espaços de lazer semi-público. Ocorre uma privatização

do espaço público e uma mediocrização de sua arquitetura: os cenários urbanos

118

[5] o projeto-tese: a estratégia

fake que tentam recriar simulacros de vida coletiva urbana (parques “temáticos”,

por exemplo).

Esses têm sido os contrapontos dos terrenos vagos na cidade de São Paulo.

Na verdade, deveria-se pensar que o próprio vazio urbano poderia, dentro de

uma adequada estratégia de ocupação territorial, compor uma rede de espaços

públicos que fornecesse à cidade os seus momentos de “silêncio arquitetônico”.

05.2 Intervenções urbanas contemporâneas05.2.1 Int05.2.1 Int05.2.1 Int05.2.1 Int05.2.1 Intervir na cidade: dilemas e cervir na cidade: dilemas e cervir na cidade: dilemas e cervir na cidade: dilemas e cervir na cidade: dilemas e controntrontrontrontradiçõesadiçõesadiçõesadiçõesadições

A cidade sempre foi desenhada e construída ao longo dos tempos como

expressão das inflexões sócio-econômicas da lógica histórica da sociedade. Não

há desenho urbano aleatório, sem desprendimento histórico. A ideologia das

intervenções urbanísticas está presente no seu desenho. E, de alguma maneira,

esse pensamento encontra respaldo na lógica de desenvolvimento histórico

daquela sociedade.

As intervenções urbanas devem ser compreendidas dentro da lógica e

dinâmica territorial de sua época. Refletem as suas contradições.

De modo geral, podemos dizer que as intervenções na cidade moderna – a

partir, portanto, do início do século XX – sempre oscilaram entre abordagens

globais e locais. De maior envergadura, criando novos trechos de cidade, as

expansões urbanas e as “cidades novas” e, atuando no âmbito da cidade exis-

Figs. 5.8/5.9. Projeto de expansão urbana em Amsterdã-Sul de Berlage em 1915/1920: primeirasexperiências de cidades modernas. Como sequência da expansão de Berlage, surgem os projetosmodernos de habitação coletiva: conjunto habitacional The Ship, de Michel de Klerk, Amsterdã,1913/1917. (Fonte: [1]).

119

[5] o projeto-tese: a estratégia

tente, os processos de recuperação de trechos centrais, intra-urbe.

Pode-se, inclusive, falar em gerações de intervenções urbanas.

A primeirprimeirprimeirprimeirprimeira gera gera gera gera geração de pração de pração de pração de pração de projeojeojeojeojetttttos urbanosos urbanosos urbanosos urbanosos urbanos, utilizada para conotar projetos de

grande dimensões e complexidade, pretendia configurar, de forma exemplar,

além dos seus limites físicos, o que deveria ser a cidade moderna. A intervenção

moderna clássica. A construção do novo em substituição à cidade existente, cujas

qualidades eram negadas. Desde a expansão de Amsterdã Sul por Berlage em

1914, visando proporcionar habitação coletiva moderna aos novos habitantes de

uma cidade que se expandia pela industrialização até a construção de cidades

novas inteiras.

Obviamente, essa abordagem ganha maior expressão com o advento dos

ideais corbusianos presentes na Carta de Atenas, em 1933. Tendo encontrado

pouco espaço para a sua efetiva realização em condições ideais, inclusive por

parte de Le Corbusier, que se vê frustrado por muito tempo por não conseguir a

concretização de suas idéias – vai encontrar demanda para a efetivação parcial de

seus preceitos na Europa do pós-guerra.

As cidades novas inglesas e os grandes conjuntos habitacionais, realizados

em muitas cidades européias, vão servir de laboratório para aqueles ideais

modernistas. Infelizmente, muitos destes casos serão objeto de críticas

avassaladoras por seu caráter excessivamente homogeinizador, falta de

diversidade tipológica e dinâmica urbana.

Fig. 5.10. A idéia da substituição total da cidade existente pela utopia do novo: Corbusier e o PlanoVoisin para Paris, 1925. (Fonte: Le Corbusier, 1959, p.101).

120

[5] o projeto-tese: a estratégia

Brasília acaba se tornando o maior exemplo construído da “escola

corbusiana” de viver modernamente, com variantes brilhantemente criadas por

Lúcio Costa e Oscar Niemayer, à lus dos ideais de Corbusier.23

Já a segunda gersegunda gersegunda gersegunda gersegunda geração de pração de pração de pração de pração de projeojeojeojeojetttttos urbanosos urbanosos urbanosos urbanosos urbanos, em menor escala, surge a partir

da crise dos CIAM´s, particularmente do 10º CIAM. Ganha maior força a partir da

década de 70, na Europa, quando se propõe à reconstrução crítica da cidade

existente, à intervenção pontual, ao restauro e revitalização da cidade

degradada. É contextual, não nega a cidade existente. Procura atuar por

somatório e encaixe no tecido existente. Defendida, nessa época, por arquitetos

como Aldo Rossi ou os irmãos Krier, destinou-se às intervenções pontuais,

fragmentos que conservam a marca arquitetônica local, mesmo que incorporada

aos tecidos pré-existentes.

Surgem, nessa época, os processos “re-...”. Reconstrução, revitalização,

recuperação urbanas. Intervenções pontuais para reinserir vida em tecidos

urbanos deteriorados. A maior crítica presente nesse tipo de intervenção é a sua

tendência em criar “cenários urbanos”: áreas revitalizadas com caráter

historicista, reprodução de sítios deteriorados com a inserção de elementos

anteriormente existentes ou a importação de símbolos externos que se

“contextualizem” àquele existente.

Nos EUA, chegou-se muitas vezes à reprodução de sítios históricos clássicos

em áreas urbanas revitalizadas. Foram criados parques temáticos e cenografias

Figs. 5.11/5.12. A utopia da cidade moderna e o ideal da habitação para todos chega ao Brasil sobinfluência direta de Corbusier. Ácima, o Conjunto do Pedregulho, RJ, Reidy, 1946. Abaixo: o sonhocorbusiano da Carta de Atenas é realizado no planalto central pelos seus discípulos Lúcio Costa eNiemayer em 1960. (Fonte: Reidy, 2000, p.89/ www.augustoareal, 1997).

121

[5] o projeto-tese: a estratégia

urbanas fake. Segundo alguns, a disneylandização dos espaços revitalizados.

Serviu também para atender à crescente concorrência entre os pólos geradores de

turismo local, dos mega-cenários urbanos de lazer. Surge o city-marketing.

Normalmente, tais intervenções acabam determinando uma “roupagem

nova” no território existente, com a inexorável expulsão da população local. Uma

abordagem pós-moderna que encontrou e ainda encontra grande espaço em

cidades norte-americanas (vide a revitalização de seus waterfronts) , mas que

hoje já se encontra superada em grande parte da Europa.24

São heranças urbanísticas as quais nos submetemos ao enfrentar a atua-

ção na cidade existente: metrópoles constituídas por intervenções originárias das

diferentes abordagens. O próprio planejamento modernista, pressupondo todas

as extensões urbanas asseguradas de condições de habitabilidade e conforto

urbano, a tradição orgânica, que entendeu a cidade constituída por uma série de

partes diferenciadas e devidamente interrelacionadas, constituintes de um

organismo unitário, a escola tipológica, que tratou de construir regras científicas

para o conhecimento da cidade edificada, permitindo explorar as suas conclusões

como hipóteses de plano.25

O termo “desenho urbano” surge na década de 60 como identificador de

um campo disciplinar, na escola anglo-saxã, a partir de uma visão crítica das

intervenções modernistas. Com a proposição de metodologias alternativas às

modernas, autorais e também àquelas propostas generalistas do chamado plane-

Fig. 5.14. A revitalização urbana dos waterfronts nos anos 80. Battery Park City, Nova Iorque, emimagem tomada do recém destruído conjunto das Twin Towers. (Fonte: [1]).

Fig. 5.13. A cidade pós-moderna é realizada nareconstrução da Europa. Nocentro de Haia, Holanda,sob desenho urbano deLeo Krier, surgem peçasarquitetônicas de AldoRossi e César Pellirefazendo o contextourbano existente com assuas característicashistóricas. (Fonte: [1]).

122

[5] o projeto-tese: a estratégia

jamento urbano globalizante, buscava-se inserir o urbanismo, com o respaldo de

pesquisas, junto às aspirações das populações locais. Autores como Kevin Lynch,

Gordon Cullen, Jane Jacobs ou Christopher Alexander desenvolveram diversas

metodologias para tentar aproximar o projeto do usuário na escala urbana e, as-

sim, tentar dotá-lo daquela dimensão urbana perdida nas grandes intervenções

modernistas.26

Infelizmente, após um período inicial de busca metodológica extremamen-

te produtiva, principalmente o extenso trabalho de Lynch, em seu laboratório de

desenho urbano no Massachussets Institute of Tecnology (MIT), nos seus projetos

de revitalização urbana em Boston e nos seus oito livros publicados, o termo

acabou, na década de 90, sendo erroneamente associado à postura anti-autoral

dos anos 60 e, posteriormente, à pós-modernista das décadas de 70 e 80.27

Quando aparecem as intervenções urbanísticas de maior porte para as

metrópoles contemporâneas, a partir dos anos 80 e, principalmente, na década

de 90, de partido conceitual inovador, de construção de novas territorialidades,

houve um desprendimento do antigo termo “desenho urbano” e a sua substitui-

ção por outro que refletisse esta nova lógica, de maior complexidade. Surge aí o

emprego corrente do termo “projeto urbano”.

É dentro desse quadro – resumido – que se pode colocar a aaaaatual gertual gertual gertual gertual geração deação deação deação deação de

prprprprprojeojeojeojeojetttttos urbanosos urbanosos urbanosos urbanosos urbanos.

Esta, não se distingue das demais pela dimensão, nem pela composição

Figs. 5.15/5.16. A revitalização dos “waterfronts”. Acima, a intervenção urbanística em Barcelona iniciada em1980 com a redemocratização da cidade e culminada com o advento das Olimpíadas em 1992 torna-se o projetourbano europeu de maior envergadura e sucesso. Sobre a antiga orla portuária deteriorada surge uma frentemarítima com parque linear e quadras urbanas novas. A cidade ganha suas praias. (Fonte: Barcelona, 1980-92).Abaixo: Puerto Madero, Buenos Aires. (Fonte: [1]).

123

[5] o projeto-tese: a estratégia

funcional das intervenções. Diverge, sobretudo, pela complexidade da dinâmica

do território metropolitano contemporâneo, como temos visto.

O processo urbanístico não mais segue os padrões teóricos do plano urba-

no geral, mas é agora expresso através de projetos urbanos que possuam a

capacidade executiva e, sobretudo, de colocar trechos da cidade em movimento.

O plano geral é substituído pelo processo estratégico, ao qual se vinculam os

projetos urbanos.

Os planos estratégico tornaram-se, portanto, uma via intermediária. Esta

nova vertente segue três princípios: a definição dos objetivos urbanos a partir das

dinâmicas em curso, a dialética permanente entre objetivos-projetos-impactos, a

concentração dos atores públicos e privados em todas as fases do processo de

elaboração e execução. Ocorrem, assim, três variações de processos urbanos: o

primeiro de abordagem integrada ao entorno imediato e também aos efeitos de

contaminação transformadora , “metástase urbana”; o segundo, o equilíbrio

entre o câmbio de atividades, usos e populações dos tecidos sociais próprios da

zona de atuação e, por fim, o efeito dinamizador sobre uma parte (ou a totalida-

de) da cidade, tanto físico, quanto econômico e culturalmente.28

Joan Busquets fala em categorias estratégicas para a intervenção urbana,

as “unidades complexas”. A grande escala de intervenção deve atender aos

objetivos econômicos, sociais e culturais, possuir coerência com outras dinâmicas

em andamento em diferentes partes do território, deflagrar o efeito de

Fig. 5.17. Estudo de análise visual da cidade realizado por Lynch: captar a percepção dos usuáriosna tentaiva de produzir projetos urbanos participativos. (Fonte: Lynch, 1991, p.302)

124

[5] o projeto-tese: a estratégia

metástase sobre seu entorno, além de gerar iniciativas que reforcem o potencial

articulador. Por sua vez, a escala intermediária corresponde às intervenções de

renovação de centros e promoção de novos pólos ou o desenvolvimento de novas

centralidades. Deve possuir a coesão entre a intervenção proposta e as paralelas,

ou complementares, que condicionam aspectos importantes de sua visibilidade

(acessibilidade, decisões públicas, medidas de ordenação da circulação ou

ambientais); a qualidade da execução dos projetos; e a capacidade de

mobilização de iniciativas e recursos públicos e privados, além de gerar usos

sociais propostos. Por fim, a escala menor destina-se às atuações pontuais, mas

ainda mantendo, apesar de sua redução em escala, um vínculo com o

desenvolvimento urbano. Independentemente do porte da intervenção, porém,

seu valor estratégico será determinado pelo efeito que causará na dinâmica

metropolitana.29

Pode-se estabelecer uma diferenciação clara entre as intervenções

resultantes de um plano geral, regulador e aquelas geradas no processo de

planejamento estratégico. Na primeira, tipos de usos e peças arquitetônicas são

previamente definidos através do zoneamento e, freqüentemente, não existe

coincidência entre a oportunidade e a ação pública. No segundo, há maior

interação. A prioridade é a montagem das condições de viabilidade, à procura dos

parceiros ou consensos e à avaliação dos impactos, sendo a sua localização exata,

passível de mudanças durante o processo.

125

[5] o projeto-tese: a estratégia

Não se deve confundir, entretanto, o processo estratégico, gerador das

condições de implementação, com a inexistência, desde o início, do processo de

intervenção direta dos projetos urbanos.

Lembrando-se que estes vêm ganhando nova força nas duas últimas déca-

das e aliado com a forma urbana, são novamente prioritários no processo de

planejamento estratégico das metrópoles. A integração das diversas funções,

infraestrutura e edificações, supera o antigo dualismo fatal do movimento

moderno. A ênfase é colocada no novo papel do espaço público, áreas de valor

coletivo e na dimensão cultural dos espaços abertos. 30

A relação entre os setores público e privado também mudou radicalmente.

As parcerias são agora fundamentais. Atualmente, o déficit das intervenções

públicas, por escassez de investimentos, torna-as mais seletivas e estratégicas,

além de mais participativas, em parcerias público-privado, ou sociedades mistas,

buscando efeitos mais qualitativos e coletivos.31

Esse tipo de projeto urbano difere-se das demais gerações de intervenção

urbana, ainda segundo Portas, pela importância da programação, pelo

aproveitamento das oportunidades que se oferecem ou que as próprias cidades

provocam, pelos processos ou mecanismos montados para envolver os diferentes

parceiros de que depende a implementação urbanística e pela relação biunívoca,

e não apenas hierarquicamente dependente, que o projeto urbano tende a

estabelecer com o plano estratégico.32

126

[5] o projeto-tese: a estratégia

As infra-estruturas urbanas, novas ou a modernização da existente, atuam

como suporte básico de vários dos projetos urbanos contemporâneos. Viabilizam

a regeneração dos tecidos existentes, valorizando o “capital fixo urbano”, além

de estabelecer uma ligação vital entre a zona de intervenção e seu exterior: “...

por isso uma família de projetos urbanos se reduz , por estratégia calculada ou

por tática à (re) construção da infra estrutura e do espaço público que cruze áreas

de desenvolvimento ou regeneração e ligue entre si áreas deficitárias.” 33

Vários projetos urbanos recentes implementaram-se a partir do

pressuposto das infraestruturas existentes. Euralille é, certamente, o caso mais

estrondoso.

Todos os grandes projetos urbanos são suscetíveis a gerar novas

centralidades como resultado de um conjunto de ações múltiplas e não de um

único projeto. Tais centralidades caracterizam-se por serem um conjunto de

atuações concentradas e em áreas definidas como prioritárias, quase sempre

situadas em zonas fronteiriças às áreas centrais e periféricas.

O processo de recuperação urbana implementado em Barcelona, desde a

redemocratização espanhola, no início da década de 80 até o advento indutor das

Olimpíadas em 92, serve como o grande exemplo da implementação, com

sucesso, de um plano estratégico claro, onde os diversos projetos urbanos

atuaram como pólos indutores de renovação do tecido urbano local. A “metástase

urbana”, referenciada anteriormente por Borjas, Castells e Portas, mas de fato

127

[5] o projeto-tese: a estratégia

criada por Oriol Bohigas, o diretor de urbanismo de Barcelona naquele período.

Seja qual for o caso estudado, está claro que hoje buscam-se alternativas

ao urbanismo moderno e ao viés pós-modernista. Um ponto de inflexão no

pensamento urbanístico que determina novas buscas frente à complexidade da

metrópole contemporânea. O desafio de enfrentar a cidade existente, sem negá-

la: refazê-la. O urbanismo atual debruça-se então sobre a questão nova da cidade

sobre a cidade.

Não há mais modelos rígidos ou fixos. Trata-se sempre de verificar quais

as estratégias dominantes na reconfiguração das cidades existentes para

entendê-las e tomar-se um posicionamento crítico. Como já se disse, as

intervenções urbanas acabam atendendo à demandas maiores presentes na

dinâmica de forças da sociedade.

Há sempre presente uma luta pelo território entre os atores urbanos que

se colocam na sociedade. Trata-se, então, de visualizar que cidade se quer e para

quem , antes do lançamento de intervenções que o reconfigurem.

128

[5] o projeto-tese: a estratégia

BERLIM HANSABERLIM HANSABERLIM HANSABERLIM HANSABERLIM HANSAVIERVIERVIERVIERVIERTEL [INTERBTEL [INTERBTEL [INTERBTEL [INTERBTEL [INTERBAAAAAU´57]: UU´57]: UU´57]: UU´57]: UU´57]: UM CM CM CM CM CASO PASO PASO PASO PASO PARARARARARADIGMÁTICADIGMÁTICADIGMÁTICADIGMÁTICADIGMÁTICOOOOO

Berlim tem se convertido em campo experimental para as intervenções

urbanísticas internacionais. A cidade foi sede de quatro experimentações de intervenções

urbanas de porte desde o início do século XX até o momento. O primeiro exercício

moderno de desenhar um trecho da cidade, através da habitação coletiva, ocorreu em

1927, através do projeto “Werkbundausstellung – Die Wohnung”. O modelo moderno da

cidade-jardim, uma pequena Carta de Atenas inserida em Hansaviertel, esteve presente

na Interbau, 1957. O IBA aconteceu em 1983, fazendo a reconstrução crítica da cidade

existente com todos os viéses pós-modernistas. A “Nova Berlim” - das Neue Berlin - está

apresentando a reconstrução da cidade contemporânea destruída pela guerra, desde a

queda do muro e a reunificação alemã, em 1989. Em todos os casos a cidade abriu-se às

teorias urbanas internacionais do momento e chamou arquitetos , quase sempre através

de concursos,- estrangeiros para participarem das intervenções.

Interessa-nos comentar, com maior profundidade, o modelo da intervenção

moderna presente em Hansaviertel, pois este traz o exemplo da construção de um

território moderno em trecho destruído na guerra - um terreno vago, portanto - contíguo

à Tiergarten, o grande parque urbano de Berlim, em 1957. Pode-se, então, configurar-se

em caso pioneiro de construção de novo território sobre área urbana residual. Além disso,

apresenta aspectos que nos são de grande interesse neste trabalho, já que se configura

em exercício pioneiro também na implantação de uma cidade-jardim, o exercício moder-

no da habitação coletiva em meio a um grande parque em área central da metrópole,

ligado às suas estruturas urbanas (transporte público com o sistema de metrô de

superfície e equipamentos públicos).

Figs. 18/19. Acima: Karl-Marx Alee, o projeto monumental stalinista de modernização de BerlimOriental. Lâminas habitacionais fazem a fachada urbana do grande eixo urbano que emerge deAlexanderplatz. Abaixo: maquete de Hansaviertel, Interbau´57: a cidade moderna corbusiana saídada Carta de Atenas é realizada em pequena escala em Tiergarten, o parque central de Berlim.(Fonte: Hasegawa, 2000/[1]).

129

[5] o projeto-tese: a estratégia

Hansaviertel surgiu como uma reação à construção do “Stalinallee” em Berlim

Oriental: a construção da Karl Max-Allee e seu envoltório monumental com lâminas

habitacionais, em 1961. Berlim ocidental, desejosa de construir uma nova sociedade livre

e democrática, se apropriaria dos princípios da arquitetura moderna para espelhar essa

nova era. Esse conjunto deveria simbolizar o edifício livre, moderno e democrático, um

exemplo contra a grandiosidade e a ordem exaltadas no “Stalinallee”.

Com os bombardeios, em novembro de 1943, Hansaviertel foi destruída em 75%

de sua área. Na época, apenas 70 casas estavam intocadas. As estatísticas mostravam

que, na Berlim de 1945, de 245.000 construções, 11.3% estavam totalmente destruídas,

8.2% bastante e 9.3% parcialmente destruídas.

Hans Scharoun, na posição de conselheiro do governo, dava garantia ao

“Magistrat” berlinense de que a reconstrução da cidade ocorreria a partir de um novo

começo, no qual os projetos da capital nacional-socialista megalômana, ou das

Mietskasernen do séc. XIX, seriam esquecidos. Memória, cultura e história arquitetônica:

nenhuma linha de tradição teria ligação com o projeto moderno, formulado nos anos 20.

Depois de Scharoun deixar o projeto, foi escolhido o plano de Gerhard Jobst e

Willy Kreuer para ser desenvolvido. A escolha dos arquitetos, que trabalharam

pontualmente dentro deste plano geral, estava parcelada: um terço deveria ser de

Berlim, outro da Alemanha Ocidental e o terço final, do exterior. As intenções eram expor

a capacidade dos arquitetos berlinenses, a ligação entre Berlim e a república da

Alemanha, e a abertura de Berlim para o mundo. Apenas arquitetos modernistas foram

escolhidos sob o aval do presidente Theodor Henss.

Fig. 5.20. Esquemas mostrando a evolução deHansaviertel antes da guerra: vê-se a morfologiaurbana berlinense típica pré-moderna; adestruição da área no pós-guerra; a novasituação territorial após a intervenção modernade 57.

Fig. 5.21. A lâmina de Niemayer e a elegantesolução da caixa de circulação vertical isoladadando acesso ao andar de uso comunitário e àcobertura. Os aptos. são duplex e possuemacesso por escadas internas. (Fonte: Hasegawa,2000/ [1]).

130

[5] o projeto-tese: a estratégia

Fig. 5.22. Vista aérea de Hansaviertel tomada do alto da Coluna da Vitória, mostrando a moradia noparque, a cidade-jardim. Logo ao fundo do eixo central se vê o Portão de Brandemburgo, símboloda cidade, mostrando a centralidade deste território. (Fonte: [1]).

Fig. 5.23. A lâmina de Niemayer: no verão esta fachada transforma-se numa alegre “praiavertical”, tomada por guarda-sóis coloridos. (Fonte: Hasegawa, 2000).

Em 1946, foi feito o plano urbano geral tendo os ideiais corbusianos da cidade-

jardim e da Carta de Atenas como referências para uma linha de ordenação abstrata, que

sugeria natureza e modernismo integrados. Hansaviertel situou-se entre parque e rio,

dois elementos da natureza, onde o limite entre esta e a construção se desfariam. As

construções restantes seriam retiradas, para que nada se impusesse como obstáculo da

sua implantação.

Hansaviertel surge como concepção de divulgação do ideal de total rompimento

com a estrutura da cidade do séc. XIX. Como objetivo dessa reconstrução estava a

redução da inaceitável alta densidade populacional nas edificações, mudanças na rede

viária, demolição dos blocos antigos, bolsões de estacionamento, eliminação do uso

misto dentro de um mesmo bloco, muitas áreas verdes, nova ocupação do solo e desenho

de lotes.

Sob o tema “vivendo na cidade do amanhã”, foram convidados vários arquitetos

de renome internacional para projetar conjuntos residenciais: Alvar Aalto, Walter Gropius,

Arne Jacobsen e Oscar Niemeyer, entre outros, com soluções marcadamente modernas:

edifícios isolados uns dos outros, dispostos livremente em amplos espaços verdes, com

pouca conexão com o tecido urbano existente ou com a história local. Outros projetos

foram executados em diferentes pontos da cidade, como o de Le Corbusier, que construiu

uma de suas Unité d’Habitation, em Charlotemburg.

Assim, Berlim exibe um trecho de cidade moderna utópica, a cidade-jardim, a

moradia no meio do parque Tiergarten, em sua área central. São, hoje, lâminas

habitacionais de classe média muito bem cuidadas e perfeitamente integradas ao

contexto urbano berlinense.34

131

[5] o projeto-tese: a estratégia

05.2.2 Pr05.2.2 Pr05.2.2 Pr05.2.2 Pr05.2.2 Projeojeojeojeojetttttos urbanos cos urbanos cos urbanos cos urbanos cos urbanos contontontontontemporâneosemporâneosemporâneosemporâneosemporâneos

Mesmo presenciando-se atualmente uma crise conceitual, na qual pairam

sempre dúvidas sobre quaisquer tentativas classificatórias e de rotulação de

movimentos estéticos, parecem haver duas tendências relativamente distintas na

abordagem contemporânea dos projetos urbanos.

A primeira, pode ser exemplificada pelos projetos de reurbanização de

Barcelona e Potsdamer Platz. Independentemente de suas qualidades projetuais,

de grande rigor técnico, e de seu sucesso de público, ela representa uma postura

conservadora em termos de desenho urbano. Não há preocupação em busca do

novo ao se refazer a cidade existente e seus espaços residuais. Ao se criar novos

territórios, busca-se a continuidade da dinâmica da estrutura urbana existente.

Remetem-se a um desenho urbano preexistente na história dessas cidades. Na

verdade, pré-modernos. Pautam-se, antes de tudo, pelo rigor técnico na

implementação projetual, especialmente no desenvolvimento das peças

arquitetônicas. Definímo-la como o elogio da técnica.

A segunda, é claramente de vanguarda. Busca atingir novos padrões

estéticos. Procura dinâmicas urbanas que reflitam a complexidade da metrópole

contemporânea. Busca alternativas de intervenções que respondam às demandas

geradas pela nova lógica territorial, pela rede de fluxos, pela rede de terrenos

vagos. São exemplificadas aqui pelas obras executadas do Parque La ViIlette

(Tschumi) e de Euralille (OMA/Koolhaas) e, sobretudo, pelo projeto desenvolvido

132

[5] o projeto-tese: a estratégia

por Daniel Libeskind para Alexanderplatz. Podem ser chamadas de especulações

urbanas contemporâneas.

Obviamente, há experiências nacionais recentes na escala urbana. Os

trabalhos de recuperação dos espaços urbanos não edificados, do resgate da

dimensão pública que têm sido realizados nos últimos anos em algumas cidades –

Rio e Curitiba, principalmente – são exemplos pioneiros. Algumas cidades

iniciaram um processo de revitalização de áreas centrais deterioradas. Porém,

como já foi dito anteriormente, a prática é ainda incipiente. No que se refere aos

projetos urbanos de maior envergadura, como nos casos internacionais que temos

comentado, eles simplesmente nunca foram executados no Brasil, por enquanto.

Ou seja, impossível não se buscar o referencial internacional como base

analítica tanto no nível das idéias, quanto no estudo de casos. Obviamente, esse

referencial deve ser lido – idéias e projetos – de modo sempre crítico.

Algumas vezes, nossa realidade é tão própria que não admite

transposições imediatas. Mas, em muitas situações, o problema é,

essencialmente, o mesmo das outras grandes metrópoles. Nesses casos, deve-se

buscar subsídio através da experiência prévia.

Quando se pensa na cidade genérica de Koolhaas, não como uma negação

da problemática local inerente à cada cidade, mas como a repetição essencial de

certas dinâmicas urbanas contemporâneas, muitas de suas idéias são válidas para

São Paulo.

Fig. 5.25. Plano UrbanísticoBásico para o Eixo Tamanduateyde Cândido Malta: corredormetropolitno implantado sobrea orla ferroviária no trecho deSanto André. (Fonte: EixoTamanduathey, 2000).

Fig. 5.24. A tese pioneirados Corredores Metropoli-tanos de Cândido Maltaposteriormente retomadanos eu trabalho para oEixo Tamanduathey: umadas raras oportunidadesde exercício de interven-ções urbanas de maiorporte em São Paulo.(Fonte: Campos Fo., 1972).

133

[5] o projeto-tese: a estratégia

Quando Libeskind propõe um retorno à essência histórica do locus objeto

de análise, ele é essencial a quaisquer cidades. Libeskind propõe intervenções

urbanas que se pautam pelo resgate da convivência coletiva, da não-privatização

dos espaços urbanos. Do desenho urbano através de dinâmicas que propiciem a

riqueza e a complexidade da vida urbana coletiva do mundo contemporâneo.

Fala-se da essência de metodologia de projetos urbanos. Fala-se de idéias que

são generalizáveis.

Tschumi propõe, em última instância, a substituição da importância do

design de peças edificadas por estratégias urbanas. Programa e eventos ao invés

de formas e funções. Estratégias que dinamizem novos programas para antigas

áreas deterioradas da metrópole em substituição à revitalização historicista de

edifícios. São, novamente, teses transportáveis para as áreas residuais de

metrópoles como São Paulo.

Mais ainda: são teses já testadas. Podem ser analisadas em estudos de

caso.

Apresentamos, a seguir, seis quadros de análise crítica de projetos urbanos

sobre a problemática comum que foi debatida ao longo deste capítulo: as áreas

residuais presentes na metrópole contemporânea. Faz-se uma análise das

diversas propostas apresentadas pelos seus autores para o enfrentamento do

desafio da intervenção na cidade existente, sem negá-la. Faz-se a crítica das

obras realizadas à luz das visitas “in loco” que foram realizadas nos últimos anos

Figs. 5.26/5.27. Projetos urbanos para o Eixo Tamanduatey, Santo André, 1999-00: reconversãourbanística da área entre a ferrovia e o rio historicamente ocupada pela indústria.

Acima: o projeto de Joan Busquets com a idéia pertinente do “tapete verde” sobre os terrenosvagos.

Abaixo: o projeto de Eduardo Leira com a cidade Pirelli como motor de reconversão da área. (Fonte:Eixo Tamanduathey, 2000).

134

[5] o projeto-tese: a estratégia

nas viagens de estudo. O projeto de Alexanderplatz, não realizado, traz

contribuição conceitual fundamental e é analisado também à luz das visitas feitas

àquele território. O último quadro aponta para dois concursos de nossa autoria,

realizados nos últimos anos, tendo como base muitos dos conceitos aqui

debatidos. Os projetos analisados são:

1. Euralille, Lille, OMA/Rem Koolhaas, 1982-89;

2. Parque La Villette, Paris, Bernard Tschumi, 1982-89;

3. Sena Rive-Gauche, Paris, vários arquitetos, 1983-;

4. Potsdamer Platz, Berlim, Renzo Piano (setor Dainler-Benz) e Helmut Jahn

(setor Sony Forum), 1993-2000;

5. Alexanderplatz, Berlim, Daniel Libeskind, 1993;

6. Concursos para a Reurbanização das Marginais (Francisco Spadoni e Carlos

Leite; 1999) e Monumento aos Imigrantes (Carlos Leite e equipe; 2000), São

Paulo.

135

[5] o projeto-tese: a estratégia

A expansão do sistema europeu de trens de alta velocidade (TAV), no início dos

anos 80, possibilitou à cidade de Lille, então decadente economicamente, fazer um

grande projeto urbano em área residual existente na cidade. O prefeito promoveu um

seminário internacional de idéias com a participação de oito arquitetos, sendo quatro

franceses.

Após dois meses de estudos, cada um apresentou à comunidade de Lille a sua

concepção de intervenção urbana. O OMA (Office for Metropolitan Architecture), escritório

do então jovem e ainda pouco conhecido Rem Koolhaas, venceu o concurso/seminário

com um partido revolucionário. O projeto urbano tornou-se rapidamente um turning-point

, no urbanismo contemporâneo.

Koolhaas propôs para o terreno vago uma “Euralille” (Lille européia), onde

defendia a idéia de resistência às construções de alta densidade, sem a limitação da

função específica, favorecendo a flexibilidade programática. Além disso, Euralille

configuraria-se como uma metrópole européia a partir de suas infraestruturas, não

necessariamente pelo seu contexto imediato: as novas relações de tempo-espaço

propiciadas pelo TAV, o trem regional francês e sua estação de Lille, o metrô de Lille e a

rodovia regional (Paris-Bruxelas).

O TAV seria a mola propulsora da estruturação urbana da nova Lille, a Euralille. Os

ingleses, por exemplo, gastariam menos tempo indo de Lille até o centro de Londres, do

que ir à sua própria periferia. Euralille estaria a 59 minutos de Paris, 39 minutos de

Londres e 27 minutos de Bruxelas. Essa infraestrutura poderia criar uma metrópole

européia virtual.

Koolhaas propôs a construção de um mega-empreendimento de 700.000 m2 numa

escala urbana e tipologias arquitetônicas estranhas à Europa. A cidade dentro da

EUREUREUREUREURALILLEALILLEALILLEALILLEALILLE, LILLE, LILLE, LILLE, LILLE, LILLE, FR, FR, FR, FR, FRANÇAANÇAANÇAANÇAANÇA, O, O, O, O, OMA/KOOLHAMA/KOOLHAMA/KOOLHAMA/KOOLHAMA/KOOLHAASASASASAS, 1982, 1982, 1982, 1982, 1982-89-89-89-89-89

Fig. 5.28. Esquema geral do projeto de Euralille: projeto urbano que se converteu em “turning-point” do urbanismo contemporâneo. (Fonte: Koolhaas, 1995).

136

[5] o projeto-tese: a estratégia

metrópole, a “bigness arquitetônica”, as “sobreposições programáticas” e as “plugagens

infraestruturais” são as idéias básicas defendidas teoricamente por Koolhaas há algum

tempo e agora presentes numa intervenção real no coração da Europa.

Nos sete níveis, encontram-se as duas rodovias ampliadas, a estação do metrô,

um enorme estacionamento com 8.000 vagas, a estação do trem regional e a estação do

TAV. No espaço de ligação entre todas essas infraestruturas surge um grande centro de

infra-estrutura metropolitano com comércio, habitação, hotéis, escritórios e muito lazer: o

Euralille Center e as lâminas habitacionais e de serviços (projetados por Jean Nouvel); a

torre do Credit Lionais Français (projetado por Christian de Portzamparc); o World Trade

Center europeu (projetado por Ives Lyon); o Congrexpo(Lille Grand Pallais, com projeto do

OMA). Todas as peças programáticas estão interligadas nos mais diversos níveis. Existe

ainda um parque e uma ponte que liga o empreendimento à antiga estação de trens de

Lille (ambos levam o nome “Le Corbisier” e são de autoria do OMA).

Nas nossas três visitas ao local, nos últimos anos, pudemos avaliar de perto esse

projeto urbano. Alguns aspectos merecem atenção crítica:

- O sistema de transportes é, de fato, a alavanca de sustentação urbana do

empreendimento. A intermodalidade é total e o sistema funciona bem, atendendo ao

pressuposto inicial de conexão de uma Europa metropolitana. Configura-se num grande

pólo metropolitano. É sua maior virtude urbanística.

- Houve um claro salto de recuperação urbana, econômica e cultural de Lille após

o advento do empreendimento. A cidade, passando então por período de estagnação,

tornou-se cosmopolita. Passou a ter uma imagem de metrópole européia.

- A viabilidade do empreendimento está ainda a provar-se. A maior crítica que se

fazia ao empreendimento era o de ser megalômano, com programa gigantesco e

inevitavelmente inviável economicamente. O que se verifica hoje é (a) uma intervenção

Figs. 5.29/5.30. O Euralille Center, acima (Nouvel), as estações de TAV (SNCF), o Credit Lionais Français(Portzamparc), o World Trade Center (Yves Lion), o viaduto Le Corbusier (OMA) e a lâmina de habitação ehotel Le Corbusier (Nouvel). (Fonte: Koolhaas, 1995).

137

[5] o projeto-tese: a estratégia

consideravelmente menor do que a incialmente prevista (apenas 3 das quatro torres

comerciais foram realizadas, em ves das 10 inicialmente projetadas); (b) uma ocupação

dos espaços alocáveis de serviços da ordem de 60%, em expansão lenta e contínua desde

a inauguração em 1989.

- Há uma falha grotesca de concepção projetual ao se deixar o Congrexpo

totalmente isolado do restante do conjunto (só é alcançado de automóvel), quando as

interconexões programáticas eram um dos pressupostos projetuais claros. O problema foi

parcialmente corrigido em 2001, com algumas obras de acesso ao pedestre.

- A arquitetura genérica de Koolhaas - o que importa são os programas e as

ligações infraestruturais urbanas e não a estética da arquitetura - de fato ocorre e, por

vezes, assusta. O OMA, além da estratégia urbanística, projetou apenas duas peças

arquitetônicas: a ponte Le Corbusier e o Congrexpo. A ponte configura-se em projeto

arquitetônico elegante, com estrutura mista constituída de laje de concreto e apoios em

arcos de aço, pousados em imenso espelho d´água. Já o Congrexpo (a “bigness”

arquitetônica de Koolhaas) com programa tripartite de área de exposições, congressos e

sala de espetáculos com 5.000 lugares, configura-se em obra sem qualquer requinte de

detalhamento construtivo e estética duvidosa, dada à sua enorme escala e escolha de

materiais bastante rústicos (concreto aparente sem qualquer tratamento de formas,

telhas de policarbonato verde e peças metálicas pouco detalhadas).

- Fica evidente a necessidade de um olhar histórico para um empreendimento

deste porte numa cidade de porte médio (350.000 habitantes). Deve-se lembrar que o

“gigantismo programático” visa atender uma demanda européia e não local e que o

passar dos anos pode ou não determinar um maior sucesso de viabilidade econômica e

sucesso de publico, já que o empreendimeno está inexoravelmente ligado ao sistema do

TAV e este ainda se encontra em fase de expansão pelo território europeu.

Figs. 5.31 a/b/c. Vistas aérea de Euralille, do 1o. estudo à construção final. (Fonte: A+U, 2000, p.225).

138

[5] o projeto-tese: a estratégia

O projeto do Parque La Villette é um dos mais importantes projetos urba-

nos contemporâneos. Apresenta abordagem conceitual absolutamente inovadora

como concepção de parque programático e, sobretudo, como resgate de antiga

área deteriorada periférica em Paris. Novamente, intervenção em terreno vago. O

concurso, de 1982, contou com a presença de Burle Marx no júri e apresentou a

emergência de dois arquitetos com trabalhos fortemente inovadores, referências

obrigatórias para esse tema: Tschumi e Koolhaas (ficou em 2o. lugar).

Em área de 125 ha, no nordeste de Paris, onde se situava o antigo mata-

douro público de Paris, Tschumi implementa uma nova articulação territorial. Sem

qualquer abordagem contextualista, cria nova territorialidade na antiga área

residual, mantendo-a muito mais como respiro da cidade do que como novo

território construído. Articula-o, no entanto, às bordas com extremo zelo e

integra-o à paisagem parisiense pelo contraste e uso de massa (mais ou menos

como Pompidou fez no centro de Paris, duas décadas atrás).

O conceito central do trabalho é o cruzamento de três níveis estratégicos

(layers conceituais) que se sobrepõem: superfícies (água e vegetação); linhas

(percursos); pontos (o grid urbano com pontos de pequeno programa, as

“folies”).

A idéia da cidade-evento, a definição da arquitetura como espaço simultâ-

neo de sobreposições de programas e eventos, a mediação abstrata e a estraté-

gia na implementação de projetos urbanos, a desprogramação, justaposição e

P P P P PARQUE LA VILLEARQUE LA VILLEARQUE LA VILLEARQUE LA VILLEARQUE LA VILLETTTTTTETETETETE, PARIS, PARIS, PARIS, PARIS, PARIS, FR, FR, FR, FR, FRANÇAANÇAANÇAANÇAANÇA, BERNARD TSCHU, BERNARD TSCHU, BERNARD TSCHU, BERNARD TSCHU, BERNARD TSCHUMI, 1982MI, 1982MI, 1982MI, 1982MI, 1982-89-89-89-89-89

Figs. 5.32/5.33.A estratégia de ocupação do território(antigo terreno vago na periferia deParis): níveis de desenho que sesobrepõem:a) superfícies (água e verde);b) pontos (“folies” programáticas);c) linhas (percursos).(Fonte: GA Document Extra 10).

139

[5] o projeto-tese: a estratégia

transprogramação arquitetônica dos grandes equipamentos da cidade são pontos

conceituais com os quais Tschumi já vinha trabalhando em seus artigos e agora

estão presentes nesta intervenção urbana.

Tschumi procura por um intermediário entre a intervenção por

palimpsesto (a colagem historicista), o preenchimento dos vazios urbanos, a

composição arquitetônica complexa e a desconstrução do existente através da

análise crítica de “layers históricos”. Desenvolve um sistema abstrato para se

mediar entre o sítio e outros conceitos, para além da cidade e do programa (uma

mediação).

Tschumi considerou que os elementos do programa seriam intermutáveis e

que as prioridades poderiam ser alteradas. Uma parte poderia substituir a outra,

ou um programa poderia ser revisto. Dessa maneira, a identidade do parque

poderia ser mantida, enquanto as lógicas circunstanciais e a política institucional

poderiam ter seus cenários independentes. As circunstâncias gerais do projeto

foram as de determinar uma estrutura organizadora que iria existir independente

do uso; uma estrutura sem centro ou hierarquia, uma estrutura que iria negar

uma relação casual entre o programa e a arquitetura resultante. Assim nasce a

rede de pontos (“folies”) que define a estratégia básica de ocupação do

território novo.

Conforme Tschumi:

“Nós tínhamos que projetar um parque: a rede de pontos era antinatural.

Nós tínhamos que preencher um certo número de funções: a rede de pontos era

Figs. 5.34/5.35. As imagens revelam o parque construído: superfícies de águas e verdes, percursos(marquises e passarelas) e as folies (pequenos programas). Considerand0-se o intenso uso público doespaço, nçao deixa de ser impressionante a força da sua concepção. (Fonte: www.la-villette.com/plan/plan4.htm/ [1]).

140

[5] o projeto-tese: a estratégia

antifuncional. Nós tínhamos que ser realistas: a rede de pontos era abstrata. Nós

tínhamos que respeitar o conceito local: a rede de pontos era anticontextual. Nós

tínhamos que ser sensíveis aos limites do local: a rede de pontos era infinita.

Nós tínhamos que ter conhecimentos prévios de paisagismo: a rede de pontos

não tinha origem, se abria em uma infinita recessão dentro de imagens e sinais.”35

Nas “folies” está todo o programa de uso “fechado” e pontos de apoio do

parque: informações, sanitários, pontos de observação e mirantes, postos

policiais, lanchonetes e cafés, play-grounds infantís, etc.

As superfícies determinam os usos abertos. Os caminhos fazem as ligações

entre as diversas partes, inclusive as peças arquitetônicas de porte: a estrutura

metálica do antigo matadouro, única referência do antigo uso, virou área de

exposições e foi criado um grande centro cultural. Na entrada principal situam-se

a Cidade da Música e o Conservatório Nacional de Míusica, ambos projetados por

Christian de Portzamparc.

Nossas visitas ao local nos últimos três anos revelaram, acima de tudo,

que sendo o território basicamente uma grande área de recreação programática

de massa, não deixa de ser impressionante a força de sua concepção após dez

anos de intenso uso público.

Figs. 5.36 a/b. Imagens de todo o território ocupado pelos “4 grids” de Tschumi. Fonte: [1]).

141

[5] o projeto-tese: a estratégia

Trata-se de típica área residual, terreno vago, à leste do rio Sena em Paris, onde

historicamente os terrenos foram ocupados por usinas, galpões e armazéns, além de

imenso pátio ferroviário (XII e XIII arrondissements).

Desde 1977 a prefeitura de Paris vinha elaborando idéias para a reurbanização

dessa área, Sena Rive Gauche, que, pela sua escala (130 ha) transfomaria-se no maior

projeto urbano de Paris. Deve-se lembrar ainda que toda a área pertence ao sítio

tombado como Patrimônio Mundial da Unesco.

Após a realização dos Grandes Projetos da era Miterrand, na década de 80, a

prefeitura criou o Semapa, grupo especial para o desenvolvimento desse projeto,

constituído pela parceria de três setores distintos: o poder local, a SNCF (Sociedade

Nacional de Estradas de Ferro) e investidores privados.

Através de carta-convite, alguns arquitetos apresentaram seus ante projetos para

a renovação da área deteriorada. Após vários debates, definiu-se a separação da área em

três setores homogêneos, que constituíram uma “ZAC” (zone d’amanagement concertée).

Austerlitz: ao redor da estação de trem de Austerlitz, junto ao centro histórico. Tolbiac:

nas imediações da área hoje dominada pela nova Biblioteca Nacional (obra de Dominique

Perrault), oposta ao novo Parc Bercy (de Bernard Huet), na margem oposta do rio Sena.

Masséna: um grande quadrilátero de 15 ha ocupados por galpões industriais.

Em 1993, foram chamados a apresentar propostas para a renovação da área de

Austerlitz dez arquitetos, sendo cinco franceses: Kenzo Tange; Renzo Piano; Norman

Foster; Dusapin & Leclercq; Chaix & Morel; Bertrand Warnier; Bornell, Gil & Lucan; Rudolph

Luscher; Valode & Pistre e Jean Nouvel.

SENA RIVE-SENA RIVE-SENA RIVE-SENA RIVE-SENA RIVE-GAGAGAGAGAUCHE (ZUCHE (ZUCHE (ZUCHE (ZUCHE (ZAAAAAC AUSC AUSC AUSC AUSC AUSTERLITTERLITTERLITTERLITTERLITZZZZZ-----TOLBIATOLBIATOLBIATOLBIATOLBIACCCCC-MASSÉNA); PARIS; 1990-MASSÉNA); PARIS; 1990-MASSÉNA); PARIS; 1990-MASSÉNA); PARIS; 1990-MASSÉNA); PARIS; 1990

Figs. 5.37/5.38. Acima: vista aérea da área de Sena Rive-Gauche antes da itervenção: antiga áreaindustrial e pátio ferroviário. Abaixo: maquete de Paris mostrando as intervenções mais recentessempre presente no Pavillon de L’Arsenal para discusão pública. Vê-se em destaque a área de SenaRive Gauche. (Fonte: Techniques & Architecture, 1993. p.4/[1]).

142

[5] o projeto-tese: a estratégia

Norman Foster apresentou um desenho urbano homogêneo e tradicional (quadras

abertas), porém diverso da tipologia do contexto urbano imediato; programa baseado nos

serviços e maçiço investimento privado; uma nova centralidade através de grande

esplanada sobre o eixo ferroviário enterrado.

Renzo Piano assume a existência do eixo ferroviário e, negando-se a escondê-lo,

desenvolve uma grande cobertura de vidro sobre ele. Trata-se de um “prolongamento

transparente e luminoso da Gare D’austerlitz”. Essa imensa praça de vidro articula o

restante do tecido urbano proposto – habitação e escritórios em escala e tipologia não

destoantes do contexto local.

Kenzo Tange propõe mais um grande eixo monumental para a cidade de Paris,

com 70 metros de largura. A partir daí, surge uma malha urbana retangular com edifícios

de escritórios, construindo a fachada urbana do eixo monumental. Na faixa interna,

dando continuidade à cidade existente, propõe habitação de baixa densidade.

Jean Nouvel apresenta a única proposta que coloca um olhar especulativo para a

área, apresentando a idéia de alteração radical de uso e imagem. Nouvel nega-se a fazer

um plano baseado nos ideais dos especuladores e não edifica o território. Sua idéia é da

criação de um grande coração verde. Um parque de 40 ha. Uma floresta urbana que

articula os poucos edifícios existentes e engloba a nova Biblioteca de Perrault. Nas

bordas, surgem habitações em estrutura de grande densidade (lâminas). A ferrovia é

enterrada e surgem novas vias expressas, também subterrâneas.

Passados vários anos de intenso debate, o grupo estatal de projeto adotou seu

próprio projeto urbano, mesclando várias das idéias propostas - exceto as de Jean Nouvel

Fig. 5.39. Implantação esquemática da área de Sena Rive-Gauche, mostarndo as 3 áreas quecompõem a ZAC Austerlitz-Tolbiac-Massena e as ligações de metrô e RER com o entorno imediato.(Fonte: Techniques & Architecture, 1993. p.40).

Fig. 5.40. Estudo de possível omplantação urbanística criando-se nova área verde na áreaconectando-a ao Parc Bercy, à outra margem do Sena. No centro, o grande equipamento: aBiblioteca de Paris de Dominique Perrault. (Fonte: Techniques & Architecture, 1993. p.40).

143

[5] o projeto-tese: a estratégia

- e atualmente desenvolve-se, no local, a construção de habitações, comércio e serviços

ao lado da Biblioteca Nacional. As tipologias são próximas àquelas típicas do que vem

sendo projetado para outras áreas de Paris. Na área do antigo pátio ferroviário executa-

se, no momento, grandes obras viárias e de infraestrutura.

Ou seja, após muito debate e especulação, adotou-se o partido conservador de

construir no terreno vago. Preencher o vazio com novas construções, próximas ao

contexto local.

O projeto desenvolvido por Nouvel , presente nas imagens ao lado, surge como

possibilidade concreta de um novo olhar para a problemática do terreno vago. Deixá-lo

como um respiro urbano. Um oásis verde de grande intensidade que englobaria os

equipamentos de grande porte - Biblioteca e estação ferroviária - criando um novo

território na paisagem parisiense. As bordas seriam definidas pelo programa requerido -

habitação, comércio e serviços - com nova tipologia arquitetônica. Uma abordagem

contemporânea para um problema contemporâneo.36

Figs. 5.40/5.41/5.42. Jean Nouvel polemiza no debate em Paris para a intervenção no vaziourbano: ao invés do seu preenchimento com peças arquitetônicas, surge a presença da florestaurbana. A maquete apresenta a floresta urbana ocupando a área residual, emglobando osequipamentos urbanos (Biblioteca de Paris, à direita, e as estações) e criando bordasarquitetônicas com lâminas habitacionais de média densidade. (Fonte: Techniques & Architecture,1993. p.40)/ [1]).

144

[5] o projeto-tese: a estratégia

Berlim é a cidade do momento: a cidade do século XXI, como lá se diz. O maior

canteiro de obras do mundo converte-se automaticamente em laboratório urbano ímpar.

Incontáveis concursos internacionais são realizados continuamente para reconstruir áreas

urbanas destruídas na guerra. Áreas residuais e terrenos vagos abundam pela cidade e,

desde a reunificação alemã, são frutos de propostas de intervenções urbanas. À cada

urban design master plan correspondem vários novos concursos para o desenvolvimento

dos respectivos elementos arquitetônicos. A “Nova Berlim” (das neue Berlin): cidade

internacional multifacetada tentando (ainda) dirimir os destroços da guerra.

A reconstrução das grandes feridas urbanas pós-guerra e pós queda do muro de

Berlim, iniciou-se pelo ponto nevrálgico da vida urbana berlinense: a tradicional

Potsdamer Platz, praticamente toda transformada em terreno vago após a guerra.

Após concurso internacional para seleção do masterplan, o projeto conservador

dos alemães Hilmer e Sattler foi escolhido vencedor. O projeto propõe a reconstrução da

cidade original, com mix de usos e baixa densidade. O desenho urbano procura

reproduzir a forma urbana anteriormente existente, criando como novidade apenas um

novo portal urbano junto à Leipziger Platz, com torres de grande altura.

Sob grande polêmica internacional, na qual as vozes dissonantes mais severas

foram as de Koolhaas (“projeto pequeno-burguês e provincial”), Oswald Mattias Ungers

(autor do projeto que ficou em segundo lugar; chamou o plano vencedor de retrógrado e

conservador) e Libeskind (autor da proposta mais ousada, totalmente avessa ao

POPOPOPOPOTSDTSDTSDTSDTSDAMER PLAAMER PLAAMER PLAAMER PLAAMER PLATTTTTZZZZZ, BERLIM; 1991; HILMER & SA, BERLIM; 1991; HILMER & SA, BERLIM; 1991; HILMER & SA, BERLIM; 1991; HILMER & SA, BERLIM; 1991; HILMER & SATTTTTTLER (PLANO URBTLER (PLANO URBTLER (PLANO URBTLER (PLANO URBTLER (PLANO URBANO GERANO GERANO GERANO GERANO GERAL); RENZAL); RENZAL); RENZAL); RENZAL); RENZOOOOOPIANO E CHRISPIANO E CHRISPIANO E CHRISPIANO E CHRISPIANO E CHRISTHOPH KOHLBETHOPH KOHLBETHOPH KOHLBETHOPH KOHLBETHOPH KOHLBECKER (SECKER (SECKER (SECKER (SECKER (SETTTTTOR DAIMLEROR DAIMLEROR DAIMLEROR DAIMLEROR DAIMLER-BENZ); HELMUT JAHN (SE-BENZ); HELMUT JAHN (SE-BENZ); HELMUT JAHN (SE-BENZ); HELMUT JAHN (SE-BENZ); HELMUT JAHN (SETTTTTOR SONYOR SONYOR SONYOR SONYOR SONYFORUFORUFORUFORUFORUM)M)M)M)M)

Fig. 5.43. A implanta-ção do plano urbanogeral da novaPostadmer Platz:recuperação dodesenho urbanotradicional comprograma contemporâ-neo. (Fonte: [1]).

Fig. 5.45. O novo portal urbano de PotsdamerPlatz. Cartão de visitas da Nova Berlim,marcado pela torre de vidro da Dainler-Benz,desenhada por Piano em referência à originalde Mies (1927). (Fonte: [1]).

Figs. 5.44. A multi-funcionalidade programáticaproposta abrange habitação, comércio, serviços emuito lazer (hotel, cassino, teatro, cinemas, Imax,etc. (Fonte: Piano, 2000).

145

[5] o projeto-tese: a estratégia

historicismo do vencedor), a área acabou sendo privatizada pelo governo alemão. Um

trecho foi comprado pelo grupo alemão Daimler-Benz e o outro pela multinacional

japonesa Sony. Os investidores chamaram então Richard Rogers para retrabalhar o

masterplan. Este apresentou uma idéia de “renovação urbana cuidadosa” que, no

entanto, também não vingou nas incansáveis discussões no parlamento alemão. Em um

terceiro momento, os investidores resolveram se separar e seguir caminhos próprios.

Foram então estabelecidos projetos urbanos separados para os dois setores, Dainler-Benz

e Sony Forum.

Comentamos os respectivos projetos urbanos à luz de nossas visitas nos útimos

três anos à Berlim, o que nos possibilitou acompanhar a inauguração pomposa da área

renovada em julho de 1999 até as obras finais das infraestruturas em julho de 2001.

O seO seO seO seO setttttor Dor Dor Dor Dor Daimleraimleraimleraimleraimler-Benz-Benz-Benz-Benz-Benz: R: R: R: R: Renzenzenzenzenzo Pianoo Pianoo Pianoo Pianoo Piano

A Daimler-Benz realizou um concurso fechado e o projeto urbano vencedor foi

desenvolvido por Renzo Piano e Christopher Kolbech. Conta com a participação de Hans

Kollhoff, Rafael Moneo, Richard Rogers e Arata Isozaki, além dele mesmo no,

desenvolvimento das diversas peças arquitetônicas.

Trata-se de um desenho urbano clássico, mesmo porque remete-se ao masterplan

de Hilmer e Sattler. Resgatam-se todos os referenciais urbanos originais da área, inclusive

citando passagens históricas e simbólicas de Potsdamer Platz. O edifício que marca a

entrada da área, uma torre de escritórios e pele de vidro, é uma referência ao edifício de

vidro de Mies van der Rohe para a mesma área, projetado em 1927 e nunca executado.

A proposta resgata o desenho urbano tradicional de Berlim, com edifícios-quadra

Figs. 5.46/5.47 Postadmer Platz, trecho Dainler-Benz: projeto urbano de Renzo Piano que resgata amorfologia urbana tradicional berlinense com a inserção de peças arquitetônicas cuidadosamenteprojetadas por vários arquitetos como Richard Rogers em lâminas de serviço e habitação(abaixo). Acima,o grande espelho d´água que atua no “eco-friendly design” (Fonte: [1]).

146

[5] o projeto-tese: a estratégia

em volta de uma rua comercial coberta (o arkaden mall), com fachadas internas. É um

complexo de 550.000 m2 de área construída, com um mix total de usos e programas para

a sociedade contemporânea: habitação, serviços, cinemas (todos os tipos: 3D, IMAX, etc.),

comércio, teatro, cassino e todo tipo de lazer urbano.

O projeto urbano apresenta parâmetros relacionados ao desenvolvimento urbano

sustentável e alta tecnologia, como o sistema de abastecimento e tratamento das águas

que, dos grandes espelhos d’água aos reservatórios dos edifícios, trabalham de forma

integrada e otimizada. Eco-friendly design.

Piano realiza, como sempre faz, um trabalho acima de tudo pautado pela

sobriedade estética e refinamento técnico, execução cuidadosa e requinte tecnológico.

Trata-se, claramente, de uma arquitetura de alto nível, tecnicamente brilhante e muito

bem executada, não apenas nos edifícios de Piano, como nos demais, sempre estrelas

internacionais da arquitetura em parceria com escritórios locais.

As críticas que surgiram desde o anúncio do projeto até a sua

inauguração pomposa em dezembro de 1999, referem-se, basicamente,

à privatização do tecido urbano. O antigo nó urbano de Berlim, ponto

de encontro coletivo, converteu-se em domínio de duas grande

empresas transnacionais. O território urbano foi comprado, privatizado.

O programa realizado é típico do mundo globalizado do final do século

XX, o lazer urbano abundante e totalmente privado e de acesso

controlado.

Não se pode deixar de constatar também a preocupação de

Figs. 5.48/5.49. Vistas aéreas - maquete e obra - de Potsdamer Platz. (Fonte: Piano, 2000).

147

[5] o projeto-tese: a estratégia

Piano em criar espaços de convivência coletiva – diz-se que a Daimler-Benz escolheu o

seu projeto por apresentar “clara preocupação humanística”.

O seO seO seO seO setttttor Sonor Sonor Sonor Sonor Sony Fy Fy Fy Fy Forum: Helmut Jahnorum: Helmut Jahnorum: Helmut Jahnorum: Helmut Jahnorum: Helmut Jahn

O outro trecho de Potsdamer Platz foi comprado pela multinacinal japonesa Sony,

que ali instalou sua sede européia e realizou um centro contemporâneo de

entretenimento privado, sutilmente denominado Sony Forum.

Para realizar todo o trabalho – desenho urbano e peças arquitetônicas – foi

chamado o arquiteto alemão radicado em Chicago, Helmut Jahn, sócio de uma grande

corporação típica norte-americana, a Murphy/Jahn. Ele teve liberdade para produzir um

desenho urbano homogêneo (já que não precisou demandar trechos da área para outros

profissionais, como Piano) e de maior liberdade formal.

Articulado em torno de uma grande praça coberta (estrutura de aço tensionada) -

o “forum”- os edifícios possuem uso mixto, porém, com enorme ênfase no lazer e

entretenimento voltado para as mídias de vídeo e cinema.

As fachadas em pele de vidro sobre edifícios em estrutura de aço são típicas da

transparência dos anos 90 e o desenho urbano procura fazer uma reinterpretação não

radical da quadra urbana berlinense, apresentando edifícios no seu perímetro com

fachadas internas diferentes das fachadas externas (mais urbanas). O pátio interno

converte-se em fórum central coberto, semi-público e converge toda a gama de

entretenimento da sociedade contemporânea.

Arquitetura bem executada de “padrão norte-americano”, converteu-se, desde a

sua inauguração em janeiro deste ano, num dos maiores pontos de encontro dos

berlinenses; de noite e de dia.

Figs. 5.50/5.51. O setor da Sony Forum, de Helmut Jahn: desenho urbano mais homogêneo - umúnico arquiteto desenhou toda a área - com reinterpretação da quadra urbana berlinense earquitetura “americanizada”. (Fonte: [1]).

148

[5] o projeto-tese: a estratégia

O concurso para a reurbanização da tradicional Alexanderplatz, o maior de

Berlim, foi provavelmente o mais polêmico concurso contemporâneo. Imensos

debates se seguiram à divulgação do resultado, tanto no parlamento alemão,

quanto no meio urbanístico e a mídia especializada.

O projeto vencedor, de Hans Kolhoff, trata de aniquilar a cidade existente,

praticamente faz tábula rasa do tecido urbano, preservando alguns poucos

edifícios históricos e redesenhá-la com princípios que vão de um resgate

arquitetônico historicista a um desenho urbano pós-moderno e conservador.

Imprime um ar nova-iorquino ao coração de Berlim. É o projeto do mercado

imobilário mais avassalador. Símbolo da privatização dos espaços públicos de

Berlim.

Num concurso que contou com mais de 800 trabalhos inscritos, o projeto

de Daniel Libeskind ficou em segundo lugar por apenas um voto. Como disse

Libeskind, “nunca um voto representou tanta diferença conceitual...” 37

ALEX ALEX ALEX ALEX ALEXANDERPLAANDERPLAANDERPLAANDERPLAANDERPLATTTTTZZZZZ, BERLIM, BERLIM, BERLIM, BERLIM, BERLIM: [HANZ KOLHOFF: [HANZ KOLHOFF: [HANZ KOLHOFF: [HANZ KOLHOFF: [HANZ KOLHOFF, 1993]; DANIEL LIBESKIND, 1993]; DANIEL LIBESKIND, 1993]; DANIEL LIBESKIND, 1993]; DANIEL LIBESKIND, 1993]; DANIEL LIBESKIND

Interessa-nos aqui comentar a proposta inovadora de

Libeskind, já que esta, diferentemente da proposta vencedora,

trata do problema da intervenção na cidade existente de modo

contemporâneo. Restaura a cidade existente, sem negá-la. Faz

Fig. 5.53. A proposta vencedora, de Hans Kolhoff: nega-se a cidade existente, imprimindo umatabula rasa modernista e gerando um padrão “nova-iorquino” à tradicional Alexanderplatz. Limpa-se o passado que se quer negar (a ocupação alemã oriental e o seu desenho urbano monumentalstalinista, gerando outro padrão externo à história alemã.(Fonte: AU 65).

Fig. 5.52. Vista aérea de Alexanderplatz no pós-guerra: o principal nó urbano de Berlim temrecebido intervenções arquitetônicas continuamente: de Shinkel à Scharoun, do eixo satalinista deKarl-Marx Alee à americanização da área proposta por Kolhoff. (Fonte: Hasegawa, 2000).

149

[5] o projeto-tese: a estratégia

isto em área extremamente complexa - nó urbano de maior importância em

Berlim - de modo delicado e rico, procurando criar uma nova ambiência urbana

através do somatório dos diversos momentos históricos que constituíram aquele

trecho da cidade. O novo programa vem somar-se à cidade existente,

subvertendo a ordem presente e gerando uma rica morfologia urbana através de

fragmentos que se ligam à fábrica urbana pré-existente.

O trabalho de Libeskind é, assim, radicalmente moderno. Cria uma nova

dinâmica urbana gerada a partir da cidade existente, do seu desenho e de sua

história. Sem linguagens historicistas, resgata-se a verdadeira história do lugar:

“delinear o invisível nas bases do visível”, conforme Libeskind.38

Libeskind parte da geração “desarticulada” de novos espaços públicos que

se “plugam”, ou são gerados a partir de estruturas edificadas existentes.

Subverte usos e símbolos do establishment e desestabiliza os padrões

urbanísticos vigentes.

Na tentativa de sempre incorporar o novo ao existente, criam-se novos

elementos de transição. Espaços não pré-programados.

Sobre o eixo central da Karl-Marx Allee, lança-se uma barra horizontal

cultural/de lazer, o Alexandrium. No meio da Alexanderplatz, surge um novo

marco urbano, o Euroforum. Um eixo verde transpassa as quadras existentes,

prolongando a intervenção contemporânea para além da área central (um

Figs. 5.54/5.55. A propostaque ficou em 2o. lugar nomaior concurso de Berlim, deLibeskind: gera nova dinâmicaurbana a partir da cidadesexistente, sem negar nehumde seus momentos históricos.Soma-se, ao invés desubstrair. A complexidade danova ambiência urbana écondizente com o programacontemporâneo. (Fonte:Libeskind, 1996).

150

[5] o projeto-tese: a estratégia

elemento mediador). Os antigos complexos habitacionais da ex-Alemanha

Oriental são revitalizados (não negados, como fez Kolhoff)..

A explosão de fragmentos edificados, gerando uma aparente desordem

urbana, é, na verdade, fruto de cruzamento de várias matrizes simbólicas e

históricas que geram esta nova escritura no território. O reagrupamento de peças

é consequência e causa da nova dinâmica programática da metrópole

contemporânea.

Os espaços vazios são ocupados de modo inusitado. A dinâmica urbana

ultrapassa as cotas tradicionais. Ocupa-se o espaço aéreo com uso privado e o

espaço privado com uso público. A forma urbana final,- cujos desenhos que a

representam são, muitas vezes, de difícil compreensão à primeira vista, é

propositadamente complexa: reflete a complexidade presente na cidade

contemporânea.

Trata-se sempre de um processo, de uma estratégia de ocupação urbana e

não mais de um plano urbano rigoroso. Conforme o autor:

“Numa sociedade democrática, deve-se saber reconhecer que a

arquitetura reflita as diversas, e, por vezes, contraditórias visões do mundo. Esta

é uma alternativa à tradicional idéia do planejamento que implica continuidade

baseada na projeção. Este é um enfoque que trata a cidade como uma estrutura

poética e envolvente.” 39

Fig. 5.56. Vista do nó central de Alexandreplatz, com seus marcos que ocupam o imaginário deBerlim: a torre de TV e a Alexanderplatz Banhoff. Libeskind cria nova dinâmica urbana sem retirarnenhuma peça arquitetônica pré-existente - “o tempo atual já pertence à história” e a hstória dolugar não se nega, incorpora-se ao desenho contemporâneo. (Fonte: Libeskind, 1996)

151

[5] o projeto-tese: a estratégia

CCCCConcurso paroncurso paroncurso paroncurso paroncurso para a ra a ra a ra a ra a reurbanizeurbanizeurbanizeurbanizeurbanização das maração das maração das maração das maração das marginais (Fginais (Fginais (Fginais (Fginais (F. Spadoni e C. Spadoni e C. Spadoni e C. Spadoni e C. Spadoni e C. Leit. Leit. Leit. Leit. Leite)e)e)e)e)

O conceito básico da intervenção foi o de refazer a cidade a partir de suas

estruturas. Anular os resíduos urbanos, reconstituindo-os como uma totalidade para

a cidade através da paisagem urbana.

Tratava-se de lançar um olhar abrangente, metropolitano, para a reestruturação

urbana e paisagística das marginais. Ambicionou-se a constituição de um eixo verde com

42 km de extensão, que respondesse à degradação ambiental da várzea e a qualificaria,

com sua extensa rede de eventos, como o grande espaço público metropolitano.

As estruturas resultantes do processo de urbanização de São Paulo deveriam ser a

matéria-prima para a transformação da cidade. São a sua atual geografia e foram consti-

tuídas a um custo histórico e social impossível de ser desconsiderado por qualquer pro-

cesso que implique em sua alteração.

A geografia dos vales dos rios Pinheiros e Tietê, atualizada por suas vias expres-

sas, compõe uma imagem periférica dentro do tecido da cidade: grandes distâncias,

velocidade, delimitação de fronteiras. Esta composição mostra um problema em três

segmentos. O rio, as vias expressas e os territórios desconexos: os públicos , margens e

canteiros, e os privados: a faixa de urbanização lindeira.

Consideramos essa intervenção como o enfrentamento de cada um destes seg-

mentos em seus valores e escalas intrínsecos, que, no conjunto, pudessem compor o

cenário da requalificação urbana. A constituição de densa área verde envolvendo o rio e

as marginais - não destinada ao uso local, mas à constituição de uma paisagem de

fruição metropolitana. A recuperação dos rios. A otimização dos fluxos. A ocupação

CCCCCONCURSOS DE REURBONCURSOS DE REURBONCURSOS DE REURBONCURSOS DE REURBONCURSOS DE REURBANIZANIZANIZANIZANIZAAAAAÇÃO DÇÃO DÇÃO DÇÃO DÇÃO DAS MARGINAISAS MARGINAISAS MARGINAISAS MARGINAISAS MARGINAIS, SÃO P, SÃO P, SÃO P, SÃO P, SÃO PAAAAAULULULULULOOOOO, 1999, 1999, 1999, 1999, 1999, E DO M, E DO M, E DO M, E DO M, E DO MONUONUONUONUONUMENTMENTMENTMENTMENTO AO AO AO AO AOSOSOSOSOSIMIGRIMIGRIMIGRIMIGRIMIGRANTESANTESANTESANTESANTES, SÃO P, SÃO P, SÃO P, SÃO P, SÃO PAAAAAULULULULULOOOOO, 2000, 2000, 2000, 2000, 2000, C, C, C, C, CARLARLARLARLARLOS LEITEOS LEITEOS LEITEOS LEITEOS LEITE

Figs. 5.56/5.57/5.58. A proposta, 2a. colocada no concursonacional, apresentou o conceito de um urbanismo dinâmico,gerada aprtir de 4 matrizes urbanas superpostas. Propôs umanova territorialidade metropolitana no eixo dos rios quedesenharam a cidade. Um eixo verde de grande porte - afloresta urbana - seria a principal matriz definidora desteterritório. (Fonte: [1]).

152

[5] o projeto-tese: a estratégia

organizada das franjas urbanas.

A proposta de intervenção propôs um processo de urbanismo dinâmico através da

organização de quatro matrizes urbanas complementares que se sobrepõem e abrem a

possibilidade de desenhos múltiplos dentro de suas várias combinações. Uma nova dinâ-

mica urbana, mais flexível às demandas e aos programas múltiplos da metrópole con-

temporânea. As matrizes priorizaram a idéia da recuperação ambiental da várzea, através

da implantação de um projeto florestal que se completou por propostas para os sistemas

de fluxo; infra-estrutura e de novos usos e ocupação para as áreas lindeiras.40

CCCCConcurso paroncurso paroncurso paroncurso paroncurso para o monumenta o monumenta o monumenta o monumenta o monumento aos imigro aos imigro aos imigro aos imigro aos imigrantantantantantes (Ces (Ces (Ces (Ces (C. Leit. Leit. Leit. Leit. Leite e equipe)e e equipe)e e equipe)e e equipe)e e equipe)

Em um território ainda não urbanizado, sem referências geográficas ou

construídas, exceto a Rodovia dos Imigrantes, procurou-se criar uma territorialidade

com forte significado.

Nossa resposta ao edital, que requeria um monumento, foi a de criar uma

estratégia para um “território-memorial”.

A sucessão de seis peças-monumento e uma estratégia clara para a ocupação de

todo o território determinaram um memorial ao imigrante, a ser percorrido e

vivenciado pelos visitantes. Um projeto que se constituiu a partir de uma narrativa.

Cada peça teria seu significado específico: a caixa de entrada e o ritual de

passagem; o jardim de aço e o percurso do descobrimento; o museu aberto e a

possibilidade de novas conexões; a barra de transição e a percepção da mudança; a

floresta-cafezal e a construção do progresso; a coluna-farol e o símbolo da

integração e vitória.

A força da nova territorialidade gerada a partir de uma “terra de ninguém”,

insólita paisagem, estava na inscrição de uma nova escritura no território, na

consolidação de uma nova paisagem.

Fig. 5.61. A proposta do Monumento aos Imigrantes de São Paulo, 2a. colocada no concursonacional, propôs a criação de um território dotado de forte significado simbólico em uma terra deninguém, paisagem insólita que gnharia uma nova inscrição territorial (Fonte: [1]).

Fig. 5.60. Simulação eletrônica da floresta urbana implantada na Merginal Tietê. (Fonte: [1])

153

[5] o projeto-tese: a estratégia

05.3 As estruturas urbanas e a construção deuma nova territorialidade metropolitana05.3.1 Urbanismo dinâmic05.3.1 Urbanismo dinâmic05.3.1 Urbanismo dinâmic05.3.1 Urbanismo dinâmic05.3.1 Urbanismo dinâmicooooo

A arquitetura e a cidade contemporâneas devem ter a plasticidade que as

permitam acomodação às articulações da rede de fluxos, aos terrenos vagos, à

nova dinâmica presente no território desarticulado. Plasticidade formal e

flexibilidade programática são imperiosos no urbanismo contemporâneo.

Há uma liquefação do espaço urbano que exige uma nova abordagem

frente tal complexidade. Tschumi descreve a situação:

“A velocidade expande o tempo contraindo o espaço, nega a noção da

dimensão física. É claro que o ambiente físico ainda existe. Mas a aparência da

permanência (prédios sólidos, feitos de concreto e vidro) são lentamente

desafiados por representações de sistemas abstratos. Desde a televisão aos

aparatos eletrônicos, etc. A arquitetura está completamente sujeita a

reinterpretações. De jeito nenhum a arquitetura pode ter hoje um significado

permanente. Igrejas viram cinemas, bancos viram restaurantes, fábricas viram

estúdios, túneis do metrô viram casas noturnas e ,algumas vezes, casas noturnas

viram igrejas. A suposta relação de causa e efeito entre forma e função ficou para

sempre condenada no dia em que função tornou -se tão transitória, quanto as

lojas e imagens da mídia para as quais a arquitetura aparece agora como um

objeto tão em moda.” 41

154

[5] o projeto-tese: a estratégia

Não há como trabalhar com métodos tradicionais. Não há modelo urbano

ortodoxo que resista às demandas deste território dinâmico, complexo, mutante.

Trata-se de situação, portanto, muito diversa da firmitas vitruviana ou do rígido

funcionalismo modernista. Exigem-se novas metodologias.

Apesar das decisões de projeto serem largamente baseadas em modelos

urbanísticos, nas teorias normativas e modelos teóricos que estão presentes em

cada momento histórico, como vimos anteriormente, Lynch lembra com precisão

em artigo paradigmaticamente entitulado City Models and City Design:

“nenhuma discussão da forma da cidade pode ignorar o papel do projeto...”

Desde a década de 80 - e o urbanismo dinâmico que se vislumbra para as

intervenções contemporâneas não foge à regra - o projeto urbano deve se

preocupar com a reconfiguração do território de modo flexível: “’City design” é a

arte de criar possibilidades de uso, arranjo e forma do território...Trabalha com as

qualidades, conexões complexas e ambigüidades.” 42

Um urbanismo dinâmico: volátil, mutante. Estratégico ao invés de formal;

flexível, ao invés de rígido. Um urbanismo de estratégias que gere projetos

urbanos com mecanismos de auto-regulamentação, de interação e ajuste durante

o processo. Morfologias abertas e interativas. Que possua alguns critérios

mínimos como as leis que organizem o processo mutante, a estratégia. Que

possua limites permeáveis, relações internas flexíveis, hierarquias fluídas.

Neste âmbito, este modelo de urbanismo flexível deve comportar um

155

[5] o projeto-tese: a estratégia

processo participativo junto à comunidade local. Várias metodologias nesse

sentido já foram apresentadas e testadas desde a década de 60, quando surgiu o

desenho urbano enquanto campo disciplinar. Algumas delas nos parecem hoje

superadas, frente à complexidade da metrópole contemporânea e à escala dos

novos projetos urbanos. Dificil imaginar projetos urbanos do vulto da construção

de uma nova territorialidade, como se imagina por exemplo para a orla

ferroviária paulistana, ou qualquer dos projetos apresentados anteriormente,

absorvendo no seu desenvolvimento processos participativos do tipo de análises

perceptivas, tais como desenvolvidas por Alexander, Cullen ou Lynch. Porém, a

discussão democrática junto aos vários agentes atuantes no âmbito do território

objeto de intervenção, durante as várias fases do processo de desenvolvimento

do projeto, encontra-se em uso em vários momentos dos projetos urbanos

contemporâneos.

Vale lembrar da participação comunitária, através de vários tipos de

workshops, entrevistas com moradores e apresentação pública de projeto, em

fases intermediárias de desenvolvimento, realizados, por exemplo, em

intervenções urbanas tão diferentes quanto aquelas do Rio-Cidade ou do

Rotterdam Central Ontwerp Materplan, conduzido por Will Alsop na reorganização

urbana da área central de Roterdã em 1999-2000. Ali, foram formados diversos

grupos de trabalho integrados, incluindo habitantes “leigos”, durante 10 meses

de desenvolvimento do projeto urbano e apresentações públicas das diversas

156

[5] o projeto-tese: a estratégia

fases do projeto.43

Um urbanismo e arquitetura que tenham menos rigidez e mais

volatilidade, “em vez de uma arquitetura clássica, ligada aos sólidos ( fixa e

pesada), uma carta das passagens, capaz de compreender áreas em convulsão,

em transformação contínua.” conforme Brissac.44

Menos monumentos arquitetônicos isolados - ou proposição de peças

formais, esculturas urbanas - e mais conexões urbanas, infra-estruturais. Um

urbanismo capaz de perceber e receber as mudanças contínuas da cidade

contemporânea, de sua cultura dinâmica.

Na proposição de um urbanismo dinâmico, a revisão crítica das idéias

modernistas rígidas não pode confundir-se com a validade perene de muitos de

seus ideais, mesmo porque, ali, foram marcados os elementos essenciais de uma

arquitetura urbana, que desenha o território com sabedoria, estratégia e valores

humanos universais, extemporâneos. Conforme Paulo Mendes da Rocha:

“Arquitetura não deseja ser funcional, mas oportuna...A arquitetura

contemporânea é essencialmente o desenho da cidade e não sua decoração com

uma sucessão, até hedionda, de artefatos esdrúxulos...É preciso desatar o nó da

divisão esquizofrênica entre arquitetura e urbanismo...O que desenha a

imprevisibilidade da vida é uma construção, nítida e rigorosamente técnica, mas

que não determina fim, modo e meio, programa. Ampara a indeterminação...A

grande questão da arquitetura está na não finitude da ação.”45

157

[5] o projeto-tese: a estratégia

Os modelos urbanísticos alternativos devem ser entendidos como possui-

dores de um aparato dinâmico e flexível, diverso do modelo urbanístico tradicio-

nal, formal, rígido em suas regras, zoneamentos e programas. Porém, devem se

colocar também contra o “elogio do caos”, pregado por alguns atualmente.

Koolhaas, por exemplo, com sua postura sempre polêmica e de vanguarda, faz

uma proposição cética deste novo realismo urbano:

“Agora nos restou um mundo sem urbanismo, só arquitetura, até mesmo

mais arquitetura. A morte do urbanismo – nosso refúgio na segurança parasita da

arquitetura – cria um desastre iminente: mais e mais substância é apoiada em

raízes esfomeadas. Se for para existir um novo urbanismo, ele não vai ser

baseado nas fantasias de ordem e onipotência; ele vai ser o treino da incerteza;

ele não vai estar mais preocupado com o arranjo de objetos mais ou menos

permanentes; ele nunca vai ansiar por configurações estáveis, mas pela criação

de campos possibilitantes que acomodem processos, que recusem formas

definitivas, cristalizadas; não vai mais ser obcecado pela cidade, mas sim com a

manipulação da infra-estrutura para infindáveis intensificações e diversificações ,

a reinvenção do espaço psicológico. Já que é fora de controle, o urbano é sobre

tornar-se um vetor maior de imaginação.”46

Porém, não nos parece sensato apostar na defesa de um realismo caótico

da metrópole. Não se deve confundir a defesa de um urbanismo dinâmico, não-

ortodoxo, com a aceitação da condição de total falta de estratégia territorial. Não

158

[5] o projeto-tese: a estratégia

há porque passarmos da grande rigidez reguladora do modelo urbano tradicional,

claramente falido frente à demanda da complexidade da metrópole

contemporânea, para a aceitação e o elogio da cidade sem lógica, caótica. O

elogio do caos não deve se constituir na única forma de posicionamento

alternativo às limitações do urbanismo ortodoxo. Seria uma oposição total à

situação anterior. Tudo ou nada.

Na verdade, as cidades permanecem atraentes justamente por serem

detentoras de uma ordem complexa, que advém de sua transformação ao longo

do tempo. Tornaram-se, como já vimos, muito mais dinâmicas e complexas,

porém não “inexoravelmente caóticas”. O território das cidades, apesar das

transformações abruptas, permanece como detentor do espaço de convivência.

Conforme Milton Santos:

“... o que ele tem de permanente é ser nosso quadro de vida. Seu

entendimento é, pois, fundamental para afastar o risco de alienação, o risco da

perda do sentido da existência individual e coletiva, o risco de renúncia ao

futuro.”47

De qualquer modo, fica evidente que há muito conceito novo sendo

colocado no campo descritivo do território metropolitano e muito pouca análise e

metodologia que tragam a mesma riqueza conceitual inovadora. Menos ainda

experiências concretas de proposições de intervenção urbana. Há uma

descontinuidade muito visível entre o que se descreve como riqueza e

159

[5] o projeto-tese: a estratégia

abundância de conceitos novos e o que se propõe especulativamente, ainda

muito calcado no campo das experimentações, como coloca Solà-Morales:

“Produzir estes tipos de experiências de fluidez e transpô-las para análises,

experimentação e projeto é ainda hoje mais um desejo do que uma realidade

plausível, é um desafio fundamental para uma arquitetura que olhe para o

futuro”.48

Muitos autores têm proposto a noção de campo, ou combinações de

campo (field combinations), como uma alternativa mais flexível ao escopo desse

urbanismo dinâmico. Um mediador programático entre as abrangências urbana e

arquitetônica, que comporte um maior dinamismo na relação contemporânea de

tempo-espaço. Uma das técnicas pressupõe um olhar diferenciado para os sítios

da cidade. Identificar os territórios estratégicos, ao invés dos sítios tradicionais,

pontuais. Como explicita Stan Allen:

“Uma condição de campo poderia ser qualquer matriz formal ou espacial

capaz de unificar diversos elementos ao mesmo tempo que respeite a identidade

de cada um. Configurações de campo são agregações fragilmente delimitadas,

caracterizadas por porosidade e interconectividade. As regulamentações internas

de cada parte são decisivas ao mesmo tempo em que a forma geral e seus

limites sejam bastante fluídos....O que interessa aqui é uma forte atenção à

produção de diferenças na escala local, mesmo que mantendo uma relativa

indiferença na forma geral. Diferenças sociais autênticas e produtivas são

160

[5] o projeto-tese: a estratégia

sugeridas no nível local e não na forma das mensagens semióticas da grande

escala. Assim, o estudo dessas combinações de campo seria um estudo de

modelos que trabalhem na zona entre figura e abstração, modelos que

reconfigurem a oposição convencional entre figura e abstração, ou sistemas de

organização capazes de produzir vetores, picos e protuberâncias, além dos

elementos individuais que sejam, eles mesmos, regulares ou repetitivos.” 49

As condições de campo a serem trabalhadas pelo urbanismo dinâmico no

território contemporâneo devem procurar acomodar as diferentes demandas da

cidade: social, histórica, formal e programática. Trabalhar com as condições

proporcionadas pelo sítio e não negá-las, impondo nova ordem. Aprender a partir

destas condições territoriais dadas, da sua ordem complexa de auto-

regulamentação.

Muitas vezes, as condições de campo estão justamente em assumir o

inacabado, buscar a revisão dos projetos urbanos que não se vinculam mais a um

desenho geral, integrando e valorizando os espaços e suas diversas partes. A

cidade deve ser objeto de um olhar crítico que revele os seus vários momentos

históricos, seus fragmentos, sua dinâmica interna. A correta leitura do território

deve fornecer os insumos para o urbanismo contemporâneo.

O urbanismo contemporâneo deve absorver todos esses parâmetros e, a

partir da realidade existente, desenvolver possibilidades de intervenção. Ou seja,

a cidade existente, com os seus diversos fragmentos, como elemento potencial

161

[5] o projeto-tese: a estratégia

para a construção de um território articulador.

Como diria Lynch, sempre com uma leitura poética e visionária, mas

também otimista e propositiva do papel do urbanismo,

“Cidades precisam ser feitas de luz, estruturas temporárias, assim as

pessoas podem facilmente mudá-las, como as suas vidas mudam” 50

05.3.2 A orla f05.3.2 A orla f05.3.2 A orla f05.3.2 A orla f05.3.2 A orla ferrerrerrerrerroooooviária cviária cviária cviária cviária como noomo noomo noomo noomo novvvvva ta ta ta ta territerriterriterriterritorialidade meorialidade meorialidade meorialidade meorialidade metrtrtrtrtropolitanaopolitanaopolitanaopolitanaopolitana

05.3.2.1 As Pr05.3.2.1 As Pr05.3.2.1 As Pr05.3.2.1 As Pr05.3.2.1 As Premissasemissasemissasemissasemissas

“Trata-se de estabelecer territórios reconfigurados para que os altos

ideais humanos se efetivem. É uma resistência contra a miséria.”

Paulo Mendes da Rocha51

O exercício projetual sobre trecho específico da orla ferroviária (OF)

constitui um projeto-tese que procura concentrar e exprimir o embasamento

conceitual discutido. Informar o projeto com as idéias. A defesa das idéias pelo

projeto.

Está baseado nas hipóteses que colocamos:

§ A cidade contemporânea terá de ser pensada a partir das suas estruturas

existentes.

162

[5] o projeto-tese: a estratégia

O desafio da arquitetura contemporânea é trabalhar sobre a cidade existente,

sem negá-la, a partir de seus condicionantes, i.e., a reparação da cidade

existente.

As infra-estruturas urbanas devem definir a construção de novos territórios

metropolitanos.

As áreas residuais metropolitanas devem suportar os novos projetos urbanos e

articular as novas territorialidades.

Os projetos urbanos contemporâneos devem basear-se em um urbanismo

dinâmico: flexível, estratégico.

A tese central é:

As descontinuidades urbanas – as fraturas urbanas – oferecem uma nova

possibilidade de projeto urbano, i.e., a construção de uma nova territorialidade

metropolitana.

As premissas básicas para uma estratégia urbanística de intervenção ao

longo do eixo da OF são:

A OF é um dos elementos estruturadores da paisagem urbana, assim como os

rios. É determinante na geografia do território metropolitano. “São inscrições na

cartografia da metrópole, rugosidades do território. Protagonistas da metrópole.”

52

Os donos originais do território: os rios e as várzeas eram públicos; foram

“roubados”. A várzea foi ocupada pela especulação imobiliária. Atualmente o

163

[5] o projeto-tese: a estratégia

Governo Federal é seu proprietário e recentemente privatizou o uso ferroviário

através da RMF, enquanto o Governo Estadual legisla o seu uso. Tem sido

ignorado pelos urbanistas e deixado para a especulação imobiliária sem qualquer

controle. Deve portanto voltar a configurar-se em espaço predominantemente

público.

Trata-se, basicamente, de um imenso terreno plano, constituído em grande

parte de área de várzea. Atualmente está sujeito a inundações e enchentes. Deve

suportar a presença extensiva das águas como resgate de seu papel geográfico

de várzea, captação das águas fluviais, permeabilidade do solo. Poderia, em

muitos trechos configurar “praias urbanas”. Cabe aqui citar as cidades fluviais de

Paulo Mendes da Rocha, como referência urbanística. A cidade-parque, os portos

fluviais determinando uma “rede metropolitana do alto Tietê”.53

A OF não deve ser pensada como decadência e sim como reserva de futuro.

Representa o maior estoque de terras de São Paulo. É detentora de valioso

patrimônio existente: industrial, ferroviário, imobiliário. É território disponível

central: especial, rarefeito, de baixa densidade, promissor, estratégico.54

Deve,

portanto, suportar a reativação deste imenso patrimônio existente. A reutilização

de várias estruturas arquitetônicas existentes é requerida. A reativação do

patrimônio industrial existente é possível em várias situações, suportando um

novo tipo de ativididade industrial. Equipamentos com plantas industriais

menores, indústrias não poluentes e com menor demanda de fluxo de carga e

164

[5] o projeto-tese: a estratégia

descarga. Indústrias que possam funcionar no território interno da metrópole:

tecnopolos industriais e “clusters” industriais.

Faz parte do novo ciclo evolutivo metropolitano.

A cidade informal existe como contraponto da cidade dos serviços avançados.

Portanto elas coexistem no território metropolitano. Uma não deve excluir a

presença da outra.

Ao longo da OF coexistem lugares genéricos, o trecho do Moinho Central, p.ex,

que podem configurar intervenções típicas, “modelos urbanos” e lugares de

exceção, como o trecho do Largo da Concórdia-Brás, onde interessa revelar a

importância do lugar. Existem ainda lugares que necessitam de uma revisão

crítica de intervenções recentes: a Operação Urbana Barra Funda e a intervenção

no pátio/estação Júlio Prestes têm sido mal articuladas. Foram intervenções que

“deram as costas” à cidade, ao invés de possibilitar ligações entre diferentes

cotas da cidade.

A utilização dos programas existentes de intervenções urbanas para trechos

deste território deve ser analisada cuidadosamente: PITU; São Paulo Centro;

REVAF; Projeto Integração Centro da CPTM; Programa de Reabilitação do

Patrimônio Cultural da Luz (BID); a tese dos Corredores Metropolitanos defendida

por Cândido Malta Campos.54

As áreas vazias, residuais, poderiam receber a “densidade do vazio: espaços

onde a baixa densidade de volumes poderia estar ligada à alta densidade de

165

[5] o projeto-tese: a estratégia

funções; onde um mínimo de arquitetura pudesse provocar um máximo de

atividades”. Atuar no terreno vago das metrópoles contemporâneas, assim como

as cidades do século XIX souberam criar seus parques urbanos. Áreas de refúgio e

memória. Preservar os valores intrínsecos de vazio e abscência. Determinar uma

arquitetura do silêncio. Possibilitar a revelação do encontro do passado e do

presente. Tais territórios poderiam ser a “a condensação da cultura moderna”.55

É um território linear. Resgata a idéia da cidade-linear, pensada modernamente

por diversos arquitetos. A cidade linear, de Arturo Soria y Mata, implementada

em Madri em 1894, funcionando com sucesso até o regime de Franco. A

Broadacre City, de Frank Lloyd Wright é, fundamentalmente, uma organização

linear. A “Cidade Linear Industrial”, de Le Corbusier, 1925, com a idéia da

otimização do sistema coletivo de transportes e harmonização da habitação,

trabalho, áreas abertas de lazer e a conexão inter-núcleos urbanos vinculada à

cidade-jardim, com lâminas de habitação coletiva “alveolar”, parques no chão -

pulmão verde no centro da cidade moderna e jardins suspensos. O russo N. A.

Miliutin e sua proposta para a cidade nova soviética Sotsgorod e, posteriormente,

seu plano para Stalingrado. O modelo, com suas variações, é sempre baseado

num sistema linear de transporte público. O programa se distribui ao longo da

faixa territorial. Entretanto, “...o plano [da cidade linear] raramente tem sido

implementado, exceto em situações cuja topografia marca a forma da cidade,

como em Stalingrado...Também ocorre como uma ‘megaforma’ em alguns países,

166

[5] o projeto-tese: a estratégia

uma linha de conexão metropolitana...Esta forma tem utilidade específica em

determinadas escalas e para usos e situações particulares.”56

Um dos principais elementos de dinamização da OF é a modernização do

sistema de transporte ferroviário existente. A sua transformação em metrô de

superfície e integração com demais sistemas de transportes metropolitanos

conferirá à região a acessibilidade necessária para a sua dinamização. Apesar de

não estar manifestada explicitamente nas propostas do PITU 2020, é

perfeitamente condizente com aquelas diretrizes para a integração dos sistemas

de transportes públicos da Grande São Paulo, como já discutimos no capítulo

anterior. Deve-se creditar na tese pioneira de Cândido Malta que, já em 1973,

propunha corredores metropolitanos, com a utilização dos leitos da ferrovias

existentes para acomodar as novas linhas de metrô, gerando uma grande

economia de custos e o aproveitamento da rede ferroviária metropolitana -

estimada em 270 km lineares - para sua transformação em metrô de superfície.

Existem várias alternativas possíveis de modernização do sistema ferroviário e a

viabilização de um metrô de superfície sobre o seu leito atual. Uma das

possibilidades seria a instalação do metrô de superfície, correndo paralelamente

à linha de trem. O trem teria a demanda única do transporte de cargas. Outra,

talvez mais interessante a médio prazo, seria a substituição do trem pelo metrô,

desde que se possa contar com a utilização do transporte de cargas através do

ferroanel metropolitano. O metrô de superfície seria um sistema híbrido metrô-

167

[5] o projeto-tese: a estratégia

trem, como os que existem em algumas cidades européias - o mais famoso talvez

seja o “modelo Kalsrue” na Alemanha - onde o sistema comporta velocidades

diferentes. Funciona no “padrão metrõ” enquanto está em trajeto inter-urbano,

com maior velocidade, e no “padrão trem urbano” (como os trams holandeses)

quando corta trajetos urbanizados. O sistema versátil otimizaria toda a rede

existente de trens metropolitanos e funcionaria integrado aos demais modos de

transporte público, como proposto no PITU 2020. As estações devem se adaptar a

esta nova realidade: modernização das existentes e desenvolvimento de novas,

sempre atuando como pólos urbanos e elementos catalizadores metropolitanos.

A OF deve configurar um imenso eixo verde: um parque linear metropolitano.

Um pulmão verde para a metrópole. A idéia de agir nos terrenos vagos

metropolitanos, gerando a presença do verde, é também defendida por vários

arquitetos. Koolhaas fala em “arquipélago de espaços verdes”. Portas remete-se

aos projetos ambientais ou paisagísticos de escala metropolitana ou regional:

“...o tratamento orográfico e vegetal, os equipamentos em parques de lazer, os

filtros ou barreiras ambientais, englobando os eixos de circulação e os seus nós,

constituem um novo desafio em resposta às exigências crescentes de

sustentabilidade e de expansão das demandas de tempo livre, nem sempre

convergentes nas pressões sobre os territórios mais vulneráveis.”57 Joan Busquets

embasou a sua proposta de intervenção no Eixo Tamanduathey, em Santo André,

na idéia de um “tapete verde”, que se vai modelando ao longo da várzea entre

168

[5] o projeto-tese: a estratégia

o rio e a ferrovia e que articula todos os programas propostos. Mas novamente Le

Corbusier já preconizava a sua necessidade em sua Cidade Contemporânea: “De

todas as partes, ao redor das casas brotam árvores: agradável coabitação do fato

humano com o fato natureza.”58

“A cidade para todos”: o resgate dos espaços públicos, a possibilidade de

atuação contra a exclusão social metropolitana, de gerar moradia coletiva -

lembrando-se da luta já travada hoje nesse território por diversos agentes da

sociedade, dentre eles o Movimento dos Sem Teto - junto às infraestruturas

existentes e um moderno sistema de transportes: de constituir-se no maior eixo

público metropolitano de São Paulo.

05.3.2.2 A estr05.3.2.2 A estr05.3.2.2 A estr05.3.2.2 A estr05.3.2.2 A estraaaaatttttégia prégia prégia prégia prégia propostaopostaopostaopostaoposta

Lança-se, então, uma estratégia projetual de intervenção para um trecho

da OF paulistana: um eixo linear de 12,6 km de extensão - 115 ha - que vai do

Moinho Central, na Barra Funda, à Estação Moóca.

Propõe-se um urbanismo dinâmico baseado em matrizes urbanas

superpostas.

A estratégia organiza-se em quatro matrizes urbanas complementares, que

se sobrepõem e abrem a possibilidade de desenhos múltiplos dentro de suas

várias combinações. Uma nova dinâmica urbana, mais flexível às demandas e aos

programas múltiplos da metrópole contemporânea. A idéia das superposições

169

[5] o projeto-tese: a estratégia

atende à flexibilidade temporal, pois não impõe um desenho único. É variável no

tempo e no espaço. É dinâmica e comporta variações múltiplas na sua

composição para a construção de um território complexo.

Uma estratégia que poderia comportar, no seu desenvolvimento, diversas

formas participativas por parte da comunidade envolvida. Sendo flexível, poderia

agregar - efetivamente - o processo participativo de modo coerente.

Apresentações públicas da estratégia inicial junto aos diversos agentes locais,

públicos e da iniciativa privada; workshops com grupos mistos constituídos por

representantes dos diversos setores envolvidos; debates públicos, etc., seriam

absorvidos no desenvolvimento do projeto, sem prejuízo de sua concepção.

Afinal, trata-se do estabelecimento de uma estratégia de urbanismo que

prepare as condições para a construção do território. Que o prepare para receber,

coerentemente, os diversos programas urbanos e arquitetônicos, sem, entretanto,

definir formas arquitetônicas finais.

Dentro das atuais condições urbanas existentes em São Paulo, com a

chegada, finalmente, de um novo Plano Diretor, atualmente em debate promovi-

do pela atual gestão (Marta Suplicy), surgem, à princípio, 13 novas Operações

Urbanas na cidade, uma das quais para a OF.

Neste sentido, este trabalho viabilizaria-se através do instrumental de

uma Operação Urbana Orla Ferroviária. Essa estratégia definiria as novas normas

de utilização do solo urbano - em substituição ao zoneamento arcaico presente

170

[5] o projeto-tese: a estratégia

nas diversas partes desse território, atualmente desarticulado, inclusive, em

termos de legislação urbana -, as regras para a sua nova ocupação e as formas de

sua viabilização financeira.

Obviamente, dentro das atuais condições, é impensável não se criar instru-

mentos legais que possibilitem a participação da inciativa privada no processo.

Porém, parece-nos claro que está na hora de o poder público, numa cidade com a

magnitude e potencial econômico de São Paulo, fazer-se presente e assumir

determinados rumos que o território metropolitano deve tomar, visando os

interesses da coletividade, particularmente na construção de espaços públicos.

O poder público - gerenciador do território urbano - deve promover o

enfrentamento público de posições divergentes existentes na cidade que vão da

necessidade de retomada da construção de habitação de interesse social e para

classe média, financiada com recursos públicos e/ou diretamente pelas

incorporadoras, na área central, aí se incluindo a OF, até o anunciado surgimento

de uma Operação Urbana OF, onde pairam interesses imobiliários de grande

porte. É preocupante, p.ex., as notícias do leilão das áreas pertencentes à RFFSA,

promovido pelo Governo Federal, sem qualquer plano prévio de intervenção

neste território. Por outro lado, aparece incorporado ao discurso urbano da atual

gestão municipal a ocupação maçiça da OF com moradia de interesse social,

através do Plano Reconstruir o Centro, porém também sem plano urbanístico

abrangente. O Fórum Centro Vivo, ONG que congrega os movimentos urbanos de

171

[5] o projeto-tese: a estratégia

luta por moradia aos Sem-Teto também reinvindica este território disponível para

habitação coletiva.

Uma Operação Urbana Orla Ferroviária deveria tomar como princípio básico

para a sua viabilização a idéia da preservação dos terrenos disponíveis naquele

território para um grande parque público. A contrapartida financeira para tal

medida seria a transferência do potencial construtivo destes terrenos para a

construção de habitação verticalizada nas bordas da OF. Ou seja: o preço do

terreno - e a sua utilização - não é o real problema, mas sim o seu potencial

construtivo.

Parece-nos, inclusive, que dentre outros problemas - inclusive da boa

gestão pública dos enormes recursos advindos das transferências de potencial

construtivo - as Operações Urbanas em São Paulo até o momento não deram

muito certo por não haver, junto ao conjunto legal e complexo de normas urba-

nísticas, uma clara estratégia projetual para as áreas objeto de intervenção, um

desenho urbano flexível. Neste sentido, este ensaio procura constituir esta base

estratégica: preparar o território para a futura chegada das peças arquitetônicas.

As matrizes urbanas priorizam a idéia da construção de um território me-

tropolitano novo, que atue no terreno vago sem preenchê-lo, necessariamente,

com peças arquitetônicas. Procura estabelecer possibilidades de atuação no terri-

tório conforme as suas demandas mutantes, com programas flexíveis. Estabelece-

se uma dinâmica composta de 4 matrizes urbanas que se sobrepõem ao longo do

172

[5] o projeto-tese: a estratégia

tempo:

[m1] Infra-estruturas

[m2] Fluxos

[m3] O eixo verde

[m4] Bordas urbanas

[m1] Infr[m1] Infr[m1] Infr[m1] Infr[m1] Infra-a-a-a-a-estruturestruturestruturestruturestruturasasasasas

Configura-se pela reutilização das infra-estruturas e das estruturas urbanas

históricas presentes no território como condições de campo existentes, insumos

projetuais. São elas:

Modernização do sistema ferroviário e a sua transformação em metrô de

superfície. Propõe-se um sistema híbrido carga-passageiros, onde o transporte de

cargas possa ocorrer de madrugada - se necessário - e ligado ao futuro ferroanel

metropolitano.

173

[5] o projeto-tese: a estratégia

Modernização das estações existentes e criação de novas estações. Aliado ao

novo sistema de transporte e à recuperação das estações existentes deverão ser

implantadas novas estações a cada 800 metros em média (padrão Metrô), de

modo a facilitar o acesso de pedestres da área, além de proporcionar novos

elementos catalisadores de transformações do espaço urbano. Tais estações

deverão estar associadas a novos equipamentos urbanos, cujo programa deverá

irradiar impactos positivos para suas respectivas áreas de influência. Algumas

estações serão pólos intermodais.

§ Reativação do patrimônio existente 1: edifícios históricos, galpões e moinhos

permanecem como testemunhos da memória desse território e devem receber

usos e programas atuais.

Reativação do patrimônio existente 2: recapacitação da área industrial em

processo de reconversão por uma nova indústria de base tecnológica, um

“tecnopolo urbano”, que encontraria na região, todas as condições estruturais

para a sua implantação. Aliado à reconfiguração e à manutenção das indústrias

existentes, é necessário estimular a formação de novas unidades produtivas,

ligadas a uma indústria limpa e de ponta. O desenvolvimento de parcerias entre

as novas empresas e universidades é importante para a consolidação deste novo

segmento produtivo na metrópole. Alguns centros de pesquisa podem ser

implantados em conjunto com os tecnopolos. Existem interesses políticos e sócio-

econômicos em se manter as indústrias na RMSP. O desafio apresentado para a

174

[5] o projeto-tese: a estratégia

iniciativa privada é a transformação da sua capacitação gerencial interna à

parceria do poder público e do próprio setor privado na requalificação da área.

Aliado ao tecnopolo, podem surgir unidades produtivas do tipo dos “clusters

industriais”. 59

Destinou-se para este cluster industrial 20% da área desativada da

Cia. Antártictica, na Moóca (706.320 m2).

Recuperação do rio Tamanduateí e a sua utilização como meio de transporte de

curta distância para cargas e lixo. Um rio limpo e navegável é o que se pretende

para a futura área. A recuperação do rio Tamanduateí e de outros rios

metropolitanos é condição básica para a sustentabilidade da metrópole. Além de

serem nossos mananciais, eles contribuem para a qualificação do ar e da

paisagem urbana, como um elemento atenuante dos conflitos urbanos. O rio

deve ser recuperado em todos os seus aspectos e integrado a uma nova

paisagem.

O alargamento de seu leito e recuperação de seus percurso original, em trechos

possíveis, deverá amenizar as enchentes e conferir ao entorno uma paisagem

mais qualificada. A sua utilização, como meio de transporte, é outra proposta que

se pretende implementar. Inicialmente, será implantado o transporte de cargas

intra-urbanas e parte do lixo urbano da metrópole.

[m2] Flux[m2] Flux[m2] Flux[m2] Flux[m2] Fluxososososos

Combinação de projetos para o sistema de transportes: viário; de pedestres e

175

[5] o projeto-tese: a estratégia

coletivo, que resultem na otimização dos fluxos no eixo metropolitano.

Incentivo à intermodalidade entre os modos de transportes (rodo-metrô-

ferroviário).

Maior acessibilidade para o território: transposição transversal da ferrovia:

edifícios-ponte, passarelas, sobreposições aéreas e subterrâneas.

Continuidade do tecido urbano, permitindo a existência de uma rede de fluxos

contínua do novo território com as suas bordas existentes e pré-configuradas.

Criação de uma “linha inteligente” enterrada, fibras óticas e canais de fluxos

informacionais, junto à linha férrea, que possibilite o desenvolvimento dos novos

programas, principalmente da nova indústria metropolitana.

176

[5] o projeto-tese: a estratégia

[m3] O eix[m3] O eix[m3] O eix[m3] O eix[m3] O eixo vo vo vo vo verererererdedededede

Ao longo de todo o território, junto à ferrovia, surge um eixo verde, um

parque linear metropolitano, cuja imagem final constitua um gradiente verde que

varie de densidade do corpo florestal central, para a sua diluição nos territórios

urbanizados. Articulado ao parque linear, um conjunto de parques urbanos são

propostos em pontos que se apropriam dos vazios mais significativos e articulam-

se com os equipamentos já existentes na área lindeira. Sempre que possível,

deverá ocorrer a maçiça presença da água. Linhas, faixas e grandes espelhos

d´água para a captação das águas pluviais, contenção do fluxo de águas fluviáis e

alternativa aos atuais “piscinões” subterrâneos. O parque linear compôe-se de

dois elementos:

Corpo florestal central: define-se pela recuperação vegetal da área da antiga

várzea, através da implantação de um projeto florestal que conquiste todos os

vazios disponíveis ou rearranjados, ao longo da ferrovia e das vias expressas. Um

eixo central verde de alta densidade. Essa densidade vegetal visa confrontar o

tráfego do metrô de superfície, absorvendo o seu impacto junto às franjas

urbanas, além de compor para a cidade uma nova área verde contínua com

aproximadamente 73,5 ha.

Zona de influência verde: propõe-se a expansão do verde para o território

177

[5] o projeto-tese: a estratégia

urbanizado às margens, que se configure pela incorporação ao corpo central de

áreas com vocação pública (como os parques lindeiros ou clubes) e pela geração

de novos vazios qualificados nos territórios privados, por empreendimentos

incentivados.

[m4] Bor[m4] Bor[m4] Bor[m4] Bor[m4] Bordas urbanasdas urbanasdas urbanasdas urbanasdas urbanas

Procura possibilitar a consolidação do grande eixo público metropolitano -

a OF como integradora de atividades prioritariamente públicas - aos territórios

lindeiros, as bordas urbanas:

Reorganização espacial: conquista de novos territórios públicos verdes, através

de projetos incentivados ao modo das Operações Urbanas.

Novos usos 1: implementação de habitação coletiva de interesse social, a

“cidade para todos”, nas franjas urbanas e junto ao parque linear. As tipologias

habitacionais devem ser variadas e flexíveis. De modo geral, propõe-se o

desenvolvimento de lâminas habitacionais de densidade média e grande altura,

justificando a sua implantação junto ao parque linear:

- 1.298.500 m2 de área construída;

- 23.084 unidades (10% quitinetes; 20% 1 dormit.; 70% 2 dormits.);

- 67.810 moradores;

- densidade demográfica: 589 hab./ha

Novos usos 2: um mix de programas variados e não previamente fixos deve ser

178

[5] o projeto-tese: a estratégia

incentivado para dar suporte ao eixo metropolitano. Uma rede de eventos de

programa flexível.

179

[5] o projeto-tese: a estratégia

05.4 Notas1 SANTOS, [s/d], op. cit., p.15.

2 Sassen apud. GUST (Ghent Urban Studies Team). The Urban Condition: Space,

Community, and Self in the Contemporary Metropolis. Rotterdam: 010 Publishers.

1999.

3 SANTOS, [s/d], op.cit., p.16-17.

4 SOUZA, M. A. A. Geografias da desigualdade: globalização e fragmentação. São

Paulo: [s/r]. [s/d], p.21.

5 PEIXOTO, 2000, op. cit.

6 Ibid.

7 BORJA & CASTELLS, 1998, op. cit., p.175.

8 SANTOS, [s/d], op.cit., p.17.

9 PEIXOTO,2000, p.?

10 Rem Koolhaas apud. GUST, 1999, op;. cit., p.53.

11 Hans Ibelings apud. GUST, 1999, op. cit. p.53. Ibelings em sua crítica à

arquitetura contemporânea comenta que nos grandes projetos, a arquitetura de

nomes como Renzo Piano, Jean Nouvel, Normam Foster, OMA ou Toyo Ito, são

normalmente consideradas como “envelopes flexíveis”, assim como as

corporações operacionais globalizadas.

12 BORJA & CASTELLS, 1998, op. cit., p.178. Esta complexidade e volatilidade do

território poderia, inclusive, gerar, no seu limite, uma “dinâmica entrópica”,

180

[5] o projeto-tese: a estratégia

dado o estágio de degradação constante do sistema e seu estado de desordem

crescente, segundo alguns autores. Brissac, por exemplo, remetendo-se à

conceituação de Gilles Deleuze e Felix Guattari refere-se a esta nova lógica

territorial como sendo constituída de “elementos heterogêneos e díspares que

formam conjuntos fluídos.” (PEIXOTO, 2001, op. cit., p.2).

13 SANTOS,[s/d], op. cit., p.16.

14 SOLÁ-MORALES RUBIÓ, 1996, p.119-120.

15 O termo palimpsesto foi usado com muita propriedade acerca da evolução

urbana de São Paulo, ao descrevê-la como a cidade que se fez uma sobre a outra,

no mesmo território, por Benedito Lima de Toledo em: TOLEDO, 1996, op. cit.

16 SOLÁ-MORALES RUBIÓ, 1996, op. cit., p.121.

17 Id., 1995, op. cit., p.23.

18 Hoje já temos um número razoável de intervenções arquitetônicas sobre vazios

urbanos e reconversão de antigas áreas industriais: da transformação urbanística

da orla marítima de Barcelona, em 82, à área portuária de Kop Van Zuid, Roterdã,

nos anos 90, passando pelo projeto na orla ferroviária de La Segrera, Madrid, ou

os concursos também para reconversão de orlas ferroviárias de Roma Triburtina

(“Infrastrutture For Good Design: Ferrovia e Città”)e Molino De Cecco, em Pescara

(“Da Fabbrica a Città”) - ambos objeto de propostas apresentadas por arquitetos

renomados como Renzo Piano, Massimiliano Fuksas e Herman Hertzberger, no

primeiro caso, e Bohigas, Fuksas, Gregotti e Zaha Hadid, no segundo.

181

[5] o projeto-tese: a estratégia

19 SOLÁ-MORALES RUBIÓ, 1995, op. cit., p.23.

20 KOOLHAAS, 1998, op. cit.

21 Irena Fialová in SOLÀ-MORALES RUBIÓ, 1996, op. cit., p.273.

22 Jameson apud. GUST, 1999, op. cit., p.43

23 A construção de Brasília é vista por Corbusier com surpresa. Ele vê realizado em

terras brasileiras – como já havia acontecido por ocasião do MEC em 36 – uma

cidade moderna, na qual seus ideais e influência clara estariam presentes,

porém, sem a sua participação direta. Corbusier esperava realizá-la aqui desde os

planos iniciais de Planaltina, em 26. Seria a possibilidade concreta de

desenvolvimento da sua “Cidade Contemporânea de Três Milhões de Habitantes”,

a “Cidade Contemporânea”, apresentada por ele em Paris em 22. Ver SANTOS,

Cecília R. et. al. Le Corbusier e o Brasil. São Paulo: Tessela/Projeto. 1987.

24 Ver ARANTES, 1998, op. cit. e HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São

Paulo: Loyola. 1993.

25 BUSQUETS, 1996, op. cit.

26 Ver DEL RIO, Vicente. Revitalização de Centros Urbanos: O Novo Paradigma de

Desenvolvimento e seu Modelo urbanístico. Revista Pós,,,,, 04, 53-64. São Paulo:

FAU-USP. 1993 e LYNCH, Kevin. Good City Form. Cambridge: MIT Press. 1996

(1981).

27 As idéias e métodos desenvolvidos por Lynch foram exaustivamente tratados

em nosso trabalho de mestrado; ver SOUZA, Carlos L. Cognição ambiental &

182

[5] o projeto-tese: a estratégia

desenho urbano: APO de um espaço urbano com enfoque dos aspectos

perceptivos - O caso da Nova Av. Faria Lima. (Dissertação de Mestrado). São

Paulo: FAUUSP. 1997. Recomenda-se, para uma análise recente e bastante ampla

de sua produção, a leitura de seu último livro, publicado após seu falecimento:

LYNCH, Kevin. City Sense & City Design: Writings & Projects of Kevin Lynch. (Eds.:

Banerjee, T. & Southworth, M.). Cambridge: MIT Press. 1991.

28 BORJA & CASTELLS, 1998, op. cit.

29 BUSQUETS, 1996, op. cit.

30 PORTAS, Nuno. L’emergenza del progetto urbano. In: Revista Urbanistica, 110,

51-67. Roma. 1998.

31 Id.

32 Id.

33 Ibid., p.53.34

HASEGAWA, Juliana Y. Os Modelos Arquitetônicos na Reconstrução de Berlim.

(TGI, FAU-Mackenzie; Or.: Carlos Leite). São Paulo: FAU-Mackenzie. 2000.35

TSCHUMI, 1995, op. cit.36

SALGUEIRO, Francisco. Estudo e Análise dos “Grands Projects” em Paris: estudo

de caso Paris ZAC Austerlitz-Tolbiac-Massena. (TGI, FAU-Mackenzie; Or.: Carlos

Leite). São Paulo: FAU-Mackenzie. 2000; TECHNIQUES & ARCHITECTURE. Techniques

et architecture, Numéro spécial. Austerlitz 10 projects d´urbanisme. Paris: Altédia

Communication.1993.

183

[5] o projeto-tese: a estratégia

37 LIBESKIND, Daniel. Radix-Matrix: Architecture and Writings. Munique: Prestel.

1997, p.170.38

Ibid., p. 180.39

Ibid., p. 183.40

SPADONI, F.; LEITE, C. Concurso de Idéias para a Estruturação urbana e

Paisagística das Marginais dos Rios Pinheiros se Tietê: Projeto 2º Colocado: A

Floresta Urbana. In: Revista Se..., 3. São Paulo: FAU-Mackenzie. 2000. (no prelo).41

TSCHUMI, 1995, op. cit.

42 LYNCH, 1996, op. cit., pp.277/290.43

ALSOP ARCHITECTS. (Org.: William Alsop). Rotterdam Centraal Ontwerp

Masterplan. Londres: Alsop Architects. 2001.

44 PEIXOTO, 2001, op. cit.

45 MENDES DA ROCHA, 2000, op. cit., pp.70/171/173.

46 KOOLHAAS, 1998, op. cit., p.961.

47 SANTOS, [s/d.], op. cit., p.5.

48 SOLÀ-MORALES RUBIÓ, [s/d], op. cit.

49 ALLEN, 1999, op. cit.

50 LYNCH, 1996, op. cit., p.451.51

ROCHA, 2000, op. cit., p.16.

52 Comentários feitos por Fernando de Mello Franco em palestra proferida no

184

[5] o projeto-tese: a estratégia

evento “Workshop São Paulo-Eindhoven: Possibilidades de Construção do

Território” (FAUUSP, 20.05.01).

53 Tema desenvolvido por Alexandre Delijaicov junto a Paulo Mendes da Rocha e,

posteriormente, em seu mestrado junto à FAUUSP. Ver DELIJAICOV, Alexandre. A

Cidade e os Rios. São Paulo: FAUUSP. (Dissertação de Mestrado). 2000.

54 CAMPOS FILHO, 1973, op. cit.

55 Neutelings apud. GUST, 1999, op. cit., pp.37/43.

56 Cf. LYNCH, 1996, op. cit., pp.377/378.

57 KOOLHAAS, 1998, op. cit., p.967; PORTAS, 19, op. cit., p.56.

58 LE CORBUSIER. Urbanismo. São Paulo: Martins Fontes. 1992, p.72.59

IGLIORI, Danilo C. Economia dos Clusters Industriais e Desenvolvimento. São

Paulo: Iglu/Fapesp. 2001.

185

[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

06 O PROJE06 O PROJE06 O PROJE06 O PROJE06 O PROJETTTTTOOOOO-----TESETESETESETESETESE: MA: MA: MA: MA: MATRIZES URBTRIZES URBTRIZES URBTRIZES URBTRIZES URBANAS>ANAS>ANAS>ANAS>ANAS>

06.1 Diagr06.1 Diagr06.1 Diagr06.1 Diagr06.1 Diagramas urbanos 187amas urbanos 187amas urbanos 187amas urbanos 187amas urbanos 187

06.2 Modelo 19506.2 Modelo 19506.2 Modelo 19506.2 Modelo 19506.2 Modelo 195

186

[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

FICHA TÉCNICA>01. TERRIT01. TERRIT01. TERRIT01. TERRIT01. TERRITÓRIO TÓRIO TÓRIO TÓRIO TÓRIO TOOOOOTTTTTAL [MAL [MAL [MAL [MAL [MOINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTRALALALALAL-M-M-M-M-MOÓCOÓCOÓCOÓCOÓCA]A]A]A]A]

> Extensão: 12,6 km lineares

> Área potencial de intervenção [“limites”]: 1.150.000 m2

> Área disponível: 912.130 m2 [1]

> Área verde [parque linear]: 734.256 m2

> Habitação coletiva: 1.298.500 m2

> Comércio e serviços [base das lâminas habitacionais]: 129.850 m2

> Cluster industrial [Tecnopolo Moóca]: 706.320 m2

> C.A.: 2,34

> T.O.: 21 %

> População alocada [moradia]: 67.810 hab.

> Densidade demográfica [populacional]: 589,65 hab./ha

02. TRE02. TRE02. TRE02. TRE02. TRECHO [1] MCHO [1] MCHO [1] MCHO [1] MCHO [1] MOINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTRALALALALAL> Área potencial de intervenção: 143.500 m2

03. TRE03. TRE03. TRE03. TRE03. TRECHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESTESTESTESTESTES> Área potencial de intervenção: 167.760 m2

04. TRE04. TRE04. TRE04. TRE04. TRECHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PARIARIARIARIARI> Área potencial de intervenção: 153.700 m2

05. TRE05. TRE05. TRE05. TRE05. TRECHO [4] LCHO [4] LCHO [4] LCHO [4] LCHO [4] LGOGOGOGOGO. C. C. C. C. CONCONCONCONCONCÓRDIAÓRDIAÓRDIAÓRDIAÓRDIA-BRÁS-BRÁS-BRÁS-BRÁS-BRÁS> Área potencial de intervenção: 240.965 m2

06. TRE06. TRE06. TRE06. TRE06. TRECHO [5] MCHO [5] MCHO [5] MCHO [5] MCHO [5] MOÓCOÓCOÓCOÓCOÓCAAAAA> Área potencial de intervenção: 329.450 m2

[1]: excetuou-se da área limite potencial, os equipamentos já existentes [estações,moinhos] e uma faixa de 15 m de largura destinada ao metrô de superfície.

> Tipologias habitacionais:

tipo: área quant. área unidadespopulação

un. s/total constr. residente- quitinete 30 m2 10% 129.850 m2 4.328 un

4.328 hab- 1 dormit. 45 m2 20% 259.700 m2 5.771 un

11.542 hab- 2 dormits. 70 m2 70% 908.950 m2 12.985 un

51.940 habtotais: - 100% 1.298.500 m2 23.084 un

67.810 hab

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TRETRETRETRETRECHO [1] MCHO [1] MCHO [1] MCHO [1] MCHO [1] MOINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTRAL> AL> AL> AL> AL> o potencial do vazio [terreno vago típico]: expansão do parque linear com grande superfície de água [contenção], nova estação do metrô desuperfície [elemento catalizador], habitação nas bordas e reutilização do patrimônio arquitetônico existente [moinho central]

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TRETRETRETRETRECHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESTES>TES>TES>TES>TES> a ocupação típica dos vazios urbanos criando um novo território metropolitano público: parque linear se conectando às áreas públicas existentes[parque da luz] e habitação de interesse social verticalizada nas bordas [transferência do potencial construtivo do território público]

200

[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

TRETRETRETRETRECHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PARI>ARI>ARI>ARI>ARI> o potencial do vazio [terreno vago típico]: expansão do parque linear com grande superfície de água [contenção], nova estação do metrô desuperfície [elemento catalizador], habitação nas bordas e reutilização do patrimônio arquitetônico existente [moinho matarazzo]

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[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

TRETRETRETRETRECHO [4] LCHO [4] LCHO [4] LCHO [4] LCHO [4] LGOGOGOGOGO. C. C. C. C. CONCONCONCONCONCÓRDIAÓRDIAÓRDIAÓRDIAÓRDIA-BRÁS>-BRÁS>-BRÁS>-BRÁS>-BRÁS> contra o “caos urbano” surge o “silêncio arquitetônico”: parque linear, praça seca, rua aérea ligando os equipamentos urbanos [estações detrem e metrô, museu do migrante], habitação na borda e continuidade do tecido urbano com transposição em nível [neste trecho o metrô de superfície é tamponado]

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[6] o projeto-tese: matrizes urbanas

TRETRETRETRETRECHO [5] MCHO [5] MCHO [5] MCHO [5] MCHO [5] MOÓCOÓCOÓCOÓCOÓCA>A>A>A>A> reutilização do patrimônio industrial [cia. antárctica e congás] com “cluster industrial” [tecnopolo] e parque linear

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[7] conclusões

07 CONCLUSÕES>

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[7] conclusões

07 CONCLUSÕES>

�Hoje digo adeus aos meus amigos do Brasil. E, antes de mais nada, a seu país

� o Brasil � que conheço desde 1929. Existem, para o grande viajante que sou, su-

perfícies privilegiadas sobre o planisfério, entre as montanhas, nos planaltos e

planícies por onde correm os grandes rios que vão para o mar; o Brasil é um dos

lugares acolhedores e generosos e gostamos de poder chamá-lo de amigo.

Brasília está construída; eu vi a cidade nova. É magnífica de invenção. De cora-

gem , de otimismo; ela fala ao coração. É obra de meus dois grandes amigos e

(através dos anos) companheiros de luta, Lucio Costa e Oscar Niemayer. No mundo

moderno Brasília é única. No Rio há o Ministério de 1936-45 (Saúde Pública e Educa-

ção Nacional) há as obras de Reidy, o monumento aos mortos da guerra. Há muitos

outros testemunhos.

Minha voz é a de um viajante da terra e da vida. Permitam-me, amigos do Bra-

sil, dizer-lhes obrigado!�

Le Corbusier, Rio de Janeiro, 29.12.1962 1

O Brasil, como toda a América, é território novo. Permite fazer-se e experi-

mentar-se com vigor. Trata-se de configurar o seu território através da constru-

ção de uma arquitetura nova. Um urbanismo que construa o novo território.

Não é de hoje que estamos a buscar esta ousadia: a construção do território

através de uma arquitetura humanista. Um urbanismo idealista que deseja do-

tar o território de bases democráticas, plurais. Que o construa para o futuro de

uma sociedade desejada mais justa. Enfim, que proponha as bases de uma

212

[7] conclusões

�cidade para todos�.

O sonho maior, efetivado em 1960 em Brasília, vinha de muito antes, esta-

va já na Planaltina de 1927. Lucio Costa e Oscar Niemayer construíram o sonho.

Desenharam a cidade moderna de bases corbusianas sobre o território inóspito,

novo, sem referências.

Temos algumas outras imagens da busca da construção do território novo de

bases urbanísticas modernas, de arquitetura ousadamente viva na urbe.

Em São Paulo, Artigas experimentou a construção de um micro-território

deste tipo no seu Conjunto Zezinho Magalhães Prado, o CECAP de Guarulhos,

1967. A cidade para todos: a habitação de interesse social sobre as bases de

um pensamento urbanístico ideal, completo. Fez diversas outras propostas para

a reconstrução do território que, infelizmente, ficaram no papel � seu projeto

para a Reurbanização do Vale do Anhangabaú ou os planos para Jaú, p. ex.

Paulo Mendes da Rocha, como já dito anteriormente, desenvolveu a bonita

idéia da cidade fluvial.

Infelizmente, como vimos, a cidade tem direcionado a construção � e recons-

trução � de seu território por outros parâmetros que não estes de um urbanismo

plural, democrático, de uma cidade de vida coletiva: mesquinhos, ditados pelos

interesses de uma minoria, sem planejamento, com a gestão pública à reboque

dos interesses do capital especulativo.

Este foi o meu primeiro questionamento neste trabalho. Seria possível,

numa época de crise cultural mundial, pensar-se num novo urbanismo de base

local? O aparente caos metropolitano de uma cidade de 17 milhões de habitan-

tes condena inexoravelmente novas propostas urbanísticas? É o fim do urbanis-

213

[7] conclusões

mo humanista?

Quis resgatar o papel sólido e urgente de um novo urbanismo para São Pau-

lo. Ou melhor: reivindicar a presença do urbanismo reparador : pensado a partir

das estruturas urbanas existentes na cidade, sem negá-la. O desafio da arquite-

tura contemporânea deve ser pensá-la a partir da cidade existente.

Pareceu-me evidente que para a realização de projetos urbanos desta natu-

reza, precisava-se discutir novas formas de urbanismo.

Por um lado, há uma clara percepção de que muito do que se propõe em

termos de intervenção urbanística para a cidade está problematizado não em

�o que fazer� � como vimos, esta é uma questão basicamente ideológica �

mas sim �em como implementar�. Por outro lado, há um também evidente

esgotamento do urbanismo tradicional e uma urgente necessidade de se pro-

mover uma ampla e corajosa discussão acerca das novas metodologias urbanís-

ticas em nossas escolas e instituições. Reivindicou-se um urbanismo dinâmico,

menos rígido. Suscetível de transformações durante o processo de desenvolvi-

mento. Propôs-se para tal, o exercício das matrizes urbanas superpostas.

Neste sentido, as viagens realizadas nos últimos três anos para análise critica

dos estudos de caso apresentados ao longo do trabalho foram elucidativas. Os

grandes projetos urbanos realizados em Euralille, Berlim, Paris (Parque La

Villette e Sena Rive Gauche) mostram as reais possibilidades existentes na

transformação do território e seus problemas de desenvolvimento, inclusive dos

vários e divergentes interesses que se apresentam para �tomar conta do

território�. As potencialidades de construção de novas territorialidades

metropolitanas a partir de infra-estruturas existentes na cidade e seus benefícios

214

[7] conclusões

na revitalização urbana são evidentes em quase todos os casos, especialmente

em Euralille. Contra a criticada privatização do espaço público, percebida em

Potsdamer Platz, devemos nos remeter ao sucesso do processo contínuo de

resgate, valorização e construção dos espaços públicos em Barcelona.

Minha segunda indagação � aceitando firmemente a concretude deste novo

urbanismo � recaiu sobre o território desarticulado e fragmentado da Orla Ferro-

viária. Seria possível a construção de uma nova territorialidade a partir de seus

fragmentos, seus vazios urbanos? Os terrenos vagos não poderiam determinar

a construção do novo território? Uma nova perspectiva de projeto urbano para

São Paulo?

Procurou-se desenvolver um �outro olhar� para este território sem urbani-

dade. Talvez um olhar estrangeiro, de quem vê o potencial do vazio, a memó-

ria do lugar como projeção futura. Contra a inexorabilidade do caos, da metró-

pole fragmentada e �retalhada� por contínuos processos de urbanificação e

não urbanismo, lançou-se a tese da construção do território novo, articulador.

Talvez a última possibilidade de construção de um território metropolitano.

Público. De urbanismo coletivo. Da cidade para todos. Do grande parque linear

sobre a orla. Das habitações coletivas construindo as novas bordas urbanas,

enquanto se constrói o silêncio arquitetônico no eixo central. De se propor habi-

tar na área central, junto às infra-estruturas existentes na cidade. De se privile-

giar definitivamente o transporte público em detrimento do privado, automobi-

lístico. Portanto, da incorporação ao plano de integração dos transportes públi-

cos, da modernização da malha ferroviária e a sua possível transformação em

metrô de superfície. Do poder público voltar a tomar as rédeas do processo de

215

[7] conclusões

desenvolvimento metropolitano, de gerenciar a cidade com o permanente diá-

logo entre partes divergentes, porém com a firme determinação da defesa do

interesse público.

Resta ainda, como sempre, quando se propõe o enfrentamento de questões

tão contemporâneas, a humildade do questionamento.

O trabalho percorreu temas, problemas e conceitos contemporâneos. Os

estudos de caso são recentes; não possuem ainda o confortável olhar

distanciado pela história. O objeto de trabalho ganhou durante a fase final de

elaboração deste, presença surpreendentemente forte no meio acadêmico e

especializado. Nos últimos anos � diferentemente de quando iniciei este

trabalho em julho de 1987 � o tema �orla ferroviária� passou a estar na ordem

do dia dos debates: de bancas de TFG´s nas nossas escolas de arquitetura ao

debate político entre candidatos à Prefeitura de São Paulo, chegando agora à

anunciada presença da Operação Urbana Orla Ferroviária no novo Plano Diretor

para a cidade, em debate público neste mês de março de 2002.

Obviamente este foi um risco e desafio: a contemporaneidade do assunto

que, pela urgência do problema, incita ao seu enfrentamento e lançamento de

teses, ao mesmo tempo determina enormes questionamentos pendentes.

1 Transcrito em SANTOS et. al., 1987, op. cit., p.292.

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08 BIBLIOGRAFIA>

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