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JOSÉ REYNALDO PEIXOTO DE SOUZA PROMESSA DE DOAÇÃO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Civil, sob a orientação do Professor Doutor Rogério Donnini. PUC-SP São Paulo – 2010

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JOSÉ REYNALDO PEIXOTO DE SOUZA

PROMESSA DE DOAÇÃO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título de

Mestre em Direito Civil, sob a orientação do

Professor Doutor Rogério Donnini.

PUC-SP

São Paulo – 2010

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Banca Examinadora

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Agradeço ao Professor Doutor Rogério Donnini, meu orientador, pelas seguras

indicações, objetivas correções e sugestões para a elaboração desta dissertação,

especialmente suas palavras de encorajamento quando o ânimo esmorecia.

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SUMÁRIO SUMÁRIO .............................................................................................................................................................. 4 1 DOAÇÃO ...................................................................................................................................................... 8 2 EVOLUÇÃO DA DOAÇÃO ..................................................................................................................... 16

2.1 NO DIREITO ROMANO ......................................................................................................................... 16 2.2 NO DIREITO INTERMÉDIO E O RETORNO AOS PRINCÍPIOS DO DIREITO ROMANO .................................. 28

3 A DOAÇÃO NO VIGENTE DIREITO CIVIL ....................................................................................... 41 3.1 QUEM PODE DOAR E QUEM PODE RECEBER DOAÇÃO ........................................................................... 41 3.2 FORMA DA DOAÇÃO ............................................................................................................................ 45 3.3 O OBJETO DA DOAÇÃO ........................................................................................................................ 46 3.4 A ENTREGA DA COISA E A MORA DO DOADOR ...................................................................................... 48 3.5 CLASSIFICAÇÃO DAS DOAÇÕES ........................................................................................................... 49

3.5.1 Doações inter vivos e mortis causa ................................................................................. 49 3.5.2 Doações inter vivos e suas classificações ...................................................................... 53 3.5.3 Modalidades de doações ................................................................................................. 55

3.5.3.1 Doação Pura ......................................................................................................................................... 55 3.5.3.2 Doação modal ou com encargo ............................................................................................................ 56 3.5.3.3 Doação remuneratória .......................................................................................................................... 58 3.5.3.4 Doação feita em contemplação do merecimento de alguém ................................................................. 59 3.5.3.5 Doação conjuntiva ou em comum ........................................................................................................ 60 3.5.3.6 Doação a nascituro ............................................................................................................................... 63 3.5.3.7 Doação de ascendentes a descendentes e entre cônjuges ...................................................................... 65 3.5.3.8 Doação em forma de subvenção periódica ........................................................................................... 67 3.5.3.9 Doação feita em contemplação de casamento futuro ............................................................................ 70 3.5.3.10 Doação com cláusula de reversão ......................................................................................................... 72 3.5.3.11 Doações proibidas ................................................................................................................................ 75

3.5.3.11.1 Doação a cúmplice de cônjuge adúltero .......................................................................................... 75 3.5.3.11.2 Doação de todos os bens sem reserva para subsistência ................................................................. 78 3.5.3.11.3 Doação inoficiosa ........................................................................................................................... 81

3.6 REVOGAÇÃO DA DOAÇÃO ................................................................................................................... 85 3.6.1 Invalidação e suas causas .............................................................................................. 85 3.6.2 Ingratidão do donatário .................................................................................................... 87

3.6.2.1 Atentado contra a vida do doador ou homicídio doloso contra ele ....................................................... 88 3.6.2.2 Ofensa física contra o doador ............................................................................................................... 89 3.6.2.3 Recusa de alimentos ao doador ............................................................................................................ 92

3.6.3 Revogação por ingratidão só admissível nas doações puras ......................................... 93 3.6.3.1 Revogação por inexecução do encargo ................................................................................................ 94 3.6.3.2 A ação para revogação da doação ........................................................................................................ 95 3.6.3.3 A sentença da revogação ou extinção da doação e seus efeitos ............................................................ 98

3.7 FORMAÇÃO DO CONTRATO – A ACEITAÇÃO ....................................................................................... 101 4 PROMESSA DE DOAÇÃO – A CONTROVÉRSIA DOUTRINÁRIA .............................................. 105 5 O PRÉ-CONTRATO E A PROMESSA DE DOAÇÃO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL ..................... 114

5.1 A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS AO CÓDIGO CIVIL ................................................ 114 5.2 OS CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS E AS CLÁUSULAS GERAIS COMO ELEMENTOS PARA INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS ................................................................................................................... 123 5.3 O PRÉ-CONTRATO NO CÓDIGO CIVIL ................................................................................................. 130 5.4 CONTRATO PRELIMINAR E PROMESSA DE DOAÇÃO ............................................................................ 136

6 INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO PRELIMINAR DE PROMESSA DE DOAÇÃO ................ 140 7 A TUTELA JURISDICIONAL DA OBRIGAÇÃO RESULTANTE DO CONTRATO PRELIMINAR E SUA APLICAÇÃO À PROMESSA DE DOAÇÃO ......................................................... 147 8 CONCLUSÃO .......................................................................................................................................... 159 9 BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................................... 164

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RESUMO

O presente trabalho pretende estudar a promessa de doação e a sua

execução específica, de sorte a ser obtido pelo promissário donatário a entrega do

bem ou transferência de direito que lhe foi prometida em pré-contrato.

Para isto, inicialmente será enfocada a evolução da doação, desde o direito

romano, passando pelo direito intermédio e até a fase moderna das codificações em

que é aceita a natureza contratual do instituto, com mais detida análise do direito

luso-brasileiro, vale dizer, do regime das Ordenações ao dos Códigos Civis de 1916

e 2002.

Estabelecida a natureza contratual da doação, as modalidades desse

contrato, os requisitos e as formas para o seu aperfeiçoamento, a capacidade das

partes, a questão da aceitação e da revogação, apontar-se-á a controvérsia acerca

da possibilidade ou não da promessa de doação, especialmente à luz do vigente

Código Civil e dos princípios que o informam no trato dos contratos e pré-contratos.

Em seguida, será feito o exame da possibilidade jurídica da execução

específica da promessa, à luz do art. 466 B do Código de Processo Civil, ou seja, da

obtenção de uma sentença judicial que substitua a vontade sonegada daquele que

fez a promessa.

Palavras-chave: doação, promessa, exigibilidade e execução específica.

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ABSTRACT

This work proposes to study the donation commitment and its specific

performance, whereby the committed recipient can secure delivery of the asset or

transference of the right which was pre-contractually committed to him/her.

To that end, the first section examines the evolution of donations, from Roman

Law, through the intermediary period, up to the modern codification phase, in which

the donation’s contractual character is accepted, with a more extensive analysis of

Portuguese-Brazilian law, that is, from the ancient Portuguese civil law regime

(Código Afonsino or Afonsinas, Código Manuelino or Manuelinas and Código Filipino

or Philipinas) to the Brazilian Civil Codes of 1916 and 2002.

After establishing the donation’s contractual character, as well as the

categories of such contract, its prerequisites and forms of enhancement, capability of

the parties, and the issue of acceptance and revocation, the focus shifts to the

controversy surrounding the possibility of a donation commitment, particularly in light

of the Civil Code in force and of the principles that dictate its treatment of contracts

and pre-contracts.

The next section examines the legal feasibility of the donation commitment’s

specific performance, in light of Civil Procedure Code’s art. 466 B, i.e., securing a

court order that supersedes the unfulfilled will of the committed donor.

Key words: donation, commitment, enforceability and specific performance

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INTRODUÇÃO

A doação é considerada contrato de direito civil por excelência na medida em

que mesmo nas modalidades remuneratória ou com encargo não se faz presente o

intuito de lucro.

Seu traço marcante é a liberalidade.

Essa liberalidade, segundo a doutrina tradicional tem de estar presente no

momento em que é manifestada a vontade pelo doador o que torna incompatível

com a natureza do contrato a promessa de doação.

Sob essa ótica, até o momento em que se faz a doação será possível o

arrependimento e nenhuma medida coercitiva pode ser tomada porque ninguém

pode ser obrigado a praticar liberalidade.

Todavia, diante da moderna concepção do contrato é possível sustentar que

tal incompatibilidade não subsiste, como se tentará demonstrar.

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1 DOAÇÃO

Estabelece o vigente Código Civil que “considera-se doação o contrato em

que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens

para o de outra” (art. 538 do Código Civil).

Dessa definição legal conclui-se que, para o direito brasileiro, a doação é

contrato, o que é aceito pela unanimidade da doutrina, seja à luz do direito anterior,

seja do vigente1.

Tanto no Código passado2, quanto no atual, a doação é disciplinada como um

contrato, unilateral e gratuito, que envolve um ato de alienação, importando na

transferência de um bem ou direito, por espírito de liberalidade (animus donandi),

1 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos Lei n. 10.406, de 10.01.2002, 9ª edição, Forense, Rio, 2009. p. 439; VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, São Paulo, 3º volume, p. 95; DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, 5ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003, volume 2º, p. 44. TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, volume II, p. 214; FERREIRA DA ROCHA, Silvio Luis. Curso Avançado de Direito Civil, Contratos, RT, São Paulo, 2002, Volume 3, p. 169; SILVA PEREIRA, Cáio Mário, Instituições de Direito Civil, Contratos, 11ª edição de acordo com o Código Civil de 2002, Forense, Rio de Janeiro, 2004, volume III, p. 245; GOMES, Orlando. Contratos, 26ª edição, Coordenador Edvaldo Brito, Revista, Atualizada e Aumentada de acordo com o Código Civil de 2002, Forense, Rio de Janeiro, 2007, p. 254; NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Contratos, Forense, Rio de Janeiro, 2005, volume 3, p. 283; LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil, 3ª edição, RT, /são Paulo, 2005, volume 3, p. 369; BEVILACQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, 11ª edição, Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1958, volume IV, p. 266; ALVIM, Agostinho. Da Doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 7; ESPÍNOLA, Eduardo. Dos Contratos Nominados no Direito Civil Brasileiro, 2ª edição, Conquista, Rio e Janeiro, 1956, p. 154; SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1995, p. 142; WALD, Arnoldo, Curso de Direito Civil Brasileiro, Obrigações e Contratos, 11ª edição, RT, São Paulo, 1994, p. 273; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Borsoi, Rio de Janeiro, 1964, Tomo XLVI, p. 197, e anteriormente ao Código Civil de 1916, CARVALHO DE MENDONÇA, Manuel Inácio. Contratos no Direito Civil Brasileiro, 4ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1957, Tomo I, p. 32. 2 O artigo 538 do Código Civil de 1916 dispunha: “Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”.

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acarretando redução patrimonial para o doador, que assim empobrece com o

consequente enriquecimento do donatário3.

Para PONTES DE MIRANDA, é contrato unilateral, supõe a bilateralidade do

negócio jurídico, sem bilateralidade do contrato. Quem doa contrata e o donatário,

aceitando, apenas aceita o contrato que é unilateral4. Tal bilateralidade, no entanto,

segundo RIZZARDO, restringe-se à formação do ato jurídico, não alcançando as

obrigações derivadas da convenção. Neste aspecto classifica-se como contrato

unilateral, posto criar obrigações para apenas uma das partes, que é o doador5.

A doação é, pois, negócio jurídico que precisa reunir as seguintes condições:

1º) que se verifique entre vivos; 2º) que uma das partes se enriqueça na medida em

que a outra empobrece, que esta queira enriquecer a outra às suas expensas. Os

dois últimos requisitos são, respectivamente, os elementos subjetivo e objetivo da

doação6.

A doação é contrato benéfico por excelência, como afirmava AGOSTINHO

ALVIM. Ressalva o autor que há benefícios que não empobrecem o benfeitor, como

por exemplo, um serviço gratuito. Na doação há diminuição do patrimônio, como

está dito no art. 538 do Código Civil: transfere de seu patrimônio bens ou vantagens

para o de outra. Como contrato benéfico, a doação não permite interpretação

extensiva, pois, consoante o disposto no art. 114 do Código Civil, os negócios 3 CAPANEMA DE SOUZA, Sylvio. Comentários ao Código Civil, Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, Volume VIII, p. 85. 4 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Borsoi, Rio de Janeiro, 1964, Tomo XLVI, p. 197. 5 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos Lei n. 10.406, de 10.01.2002, 9ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2009, p. 440. 6 GOMES, Orlando. Contratos, 26ª edição, Coordenador Edvaldo Brito, Revista, Atualizada e Aumentada de acordo com o Código Civil de 2002, Forense, Rio de Janeiro, 2007, p. 255.

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jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. Na dúvida, não se

interpreta como doação e no que toca à extensão do seu objeto, admite-se o menos,

e não o mais, sendo indispensável para chegar a uma conclusão firme, sujeitar o

título de doação às regras de interpretação dos contratos. Mas esta operação, da

qual emerge a prova intrínseca, não exclui as provas extrínsecas, inclusive a

circunstancial, a fim de obter um resultado seguro sobre a verdadeira intenção das

partes7.

Ensina ainda o grande civilista que não é exato afirmar que a liberalidade

esteja presente em todas as doações. Assim como excepcionalmente pode haver

doação sem liberalidade, pode, também, haver liberalidade aceita, sem que haja

doação. A liberalidade é a intenção de bem fazer, de proteger. 8.

7 ALVIM, Agostinho. Da Doação, 2ª edição, Saraiva, 1972, p. 8, com alteração da remissão legal ao novo Código Civil. 8 ALVIM, Agostinho. Da Doação, 2ª edição, Saraiva, 1972, p. 8 a 10. “Em regra, o doador, levado por sentimento de amor, ou de amizade, transfere algo de seu patrimônio para o de outra pessoa, que aceita o benefício, sem nenhuma vantagem patrimonial para o primeiro, que apenas deu expansão a um daqueles sentimentos ou a um sentimento de religião ou de ética. Mas o sentido exato de liberalidade supõe maior meditação porque muitas vezes ela é apenas um rótulo. Com efeito, devemos admitir que o animus donandi, a vontade de bem-fazer, possa não existir interiormente em certos casos; e poderá até mesmo ocorrer que nem mesmo na aparência haja esse ânimo. Assim, por exemplo, no caso de que algumas pessoas façam doação a um parente que está mal de vida. Um deles pode se aborrecer por ter que doar, não o escondendo mesmo aos estranhos. Não obstante, e como noblesse oblige, a pessoa, por não querer ser exceção, acaba contribuindo. Nessa hipótese, não há vontade de bem-fazer, mas a doação existirá, de onde dizerem alguns que a verdadeira característica da doação é a gratuidade e não a liberalidade. Em alguns casos, os motivos íntimos que levam a doar são o temor da reprovação, a vaidade, ou mesmo a esperança de vantagens indiretas; e nada disto desnatura a liberalidade, bastando o seu aspecto objetivo, que é a gratuidade (DE RUGGIERO, Istituizioni do Diritto Civile, vol. III, § 118; VENZI, Manuale do Diritto Civile Italiano, n. 478). O contrário seria valorizar o motivo, que o nosso direito não leva em consideração, como elemento do contrato, o que não se deve confundir com a causa, ou objeto. O objeto, em regra é diverso, para cada um dos contraentes; será a coisa, para o comprador, e o preço para o vendedor. Na doação, o donatário objetiva o aumento do seu patrimônio e o doador objetiva isso mesmo: o aumento do patrimônio do donatário, mediante ato de liberalidade. O motivo, porém que tiver levado o doador a doar, se é amor, amizade, vaidade, ou temor da censura alheia, isso não importa, porque não constitui elemento da doação, que se contenta com o rótulo da liberalidade, externado na gratuidade do ato. Pode-se dizer que o objeto é o fato teleológico de 1º grau: Por que doas? Porque quero enriquecer alguém à minha custa (causa final). O motivo íntimo que me impele a essa liberalidade será um fator teleológico de 2º grau. Não há confundir motivo com animus donandi. A doação não precisa ter por base a beneficência. O motivo não faz parte do negócio, tanto pode ser nobre, como traduzir baixas aspirações (ENNECERUS, Derecho de Obligaciones, vol. II, §§ 106 e 120; SAVIGNY, Traité de Droit Romain, vol. IV, § 153; PUIG PEÑA, Tratado de Derecho Civil

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Por esses motivos, não são considerados doação: a) os atos pelos quais se

efetua a entrega de uma coisa gratuitamente, porém não com o fim de adquirir o

domínio delas, como se dá no comodato, ou deixar de interromper uma prescrição;

b) a renúncia de uma herança ou legado; c) a renúncia de uma hipoteca ou de uma

fiança, ainda que o devedor se encontre insolvente; d) a omissão voluntária com o

objetivo de produzir a extinção de uma servidão predial; e) não há doação, ainda

que remuneratória, quando o serviço prestador pelo donatário seja de tal ordem que

autorize a ação civil para exigir o pagamento9. Ou ainda o cumprimento de uma

obrigação natural porque o que a cumpre não estava juridicamente obrigado a isto10.

Sem embargo, ainda que não seja possível ser considerada doação

propriamente dita, a doutrina concebe a figura da doação indireta. Às vezes, a

renúncia equivale à doação. E isto quando não tem caráter meramente abdicativo,

como, por exemplo, a de uma herança aberta em favor de um herdeiro determinado.

Nesse caso, sob a forma de uma renúncia translatícia, há doação indireta

porque o bem, que já entrara no patrimônio do renunciante desde a abertura da

sucessão, se transfere para o herdeiro favorecido11. Na chamada doação indireta,

Español, vol. IV, pág. 163), não entram em conta os motivi determinanti – acentua TITO PREDA (in Dizionario Pratico do Diritto Privato de SCIALOJA, vol. II, vocábulo donazione). Não será errôneo, porém, dizer que a doação supõe liberalidade; e isto porque geralmente se fala do que de ordinário sucede; e, normalmente, é isto que acontece. Segundo o testemunho de POTHIER, ob. e loc. cits., a jurisprudência francesa não considerava doação a que era feita por quem estava à morte, visto não haver liberalidade por quem doa aquilo “que la mort va lui enlever”. O mesmo com referência a quem ingresse na vida religiosa. Tais excessos não merecem amparo. “Liberalidade é gratuidade, dispensada a sondagem íntima” 8. 9 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, 1995, p. 346. 10 D’Abranches Ferrão, citado por Maria Helena Diniz e Agostinho Alvim, in, respectivamente Tratado Teórico e Prático dos Contratos, cit., p. 45 e Da Doação, cit., p. 12. 11 SILVA PEREIRA, Caio Mário, Instituições de Direito Civil, Contratos, 11ª edição de acordo com o Código Civil de 2002, volume III, p. 248.

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afirma SILVIO DE SALVO VENOSA, “o doador vale-se do conteúdo volitivo de

liberalidade para praticá-la. Esse fenômeno conceitua-se por exclusão. São

consideradas doações indiretas todos os atos de liberalidade que não podem ser

qualificados como doação direta, e em que se observa o empobrecimento de um

sujeito e o correspondente enriquecimento de outro. Na doação indireta, o doador

pratica a liberalidade recorrendo a diverso meio jurídico, para obter o reflexo de

gratuidade (Trabucchi, 1992:849). Exemplos típicos são a remissão de dívida, o

pagamento de débito alheio, o contrato em favor de terceiro, entre outros” 12.

Não há em doutrina conceito unitário de doação indireta, pois em sua

compreensão inserem-se várias formas de transmissão de direitos a título de

liberalidade. A fixação da natureza jurídica apresenta importância para o exame da

validade, eficácia e interpretação do negócio jurídico. Não se confunde, entretanto, a

doação indireta com a doação simulada. Nesta, o negócio jurídico é oneroso,

mascarado por uma doação13. Pode ser ainda dissimulada, quando sob a forma

aparente de contrato oneroso, oculta a liberalidade que efetivamente se realiza, mas

que se procura evitar aos olhos de terceiros. Subordinam-se às regras sobre a

simulação dos atos jurídicos14.

Merece menção, também, a possibilidade de divisar na doação um negócio

misto, ou seja, considerá-lo apenas em parte gratuito. Chama-se contrato de doação

mista o contrato segundo o qual a prestação do doador é até certo ponto

correspondida pela contraprestação do outorgado. A diferença gratuitamente

12 VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil – Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, 3º volume, p. 99. 13 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, 3º volume, p.99. 14 ESPÍNOLA, Eduardo. Dos Contratos Nominados no Direito Civil Brasileiro, 2ª edição, Conquista, 1956, p. 195.

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prestada é elemento essencial para se pensar em doação mista. Supõe-se que se

doe o excesso e os figurantes acordem na gratuidade. É o caso apontado em

doutrina, de uma compra e venda em que o bem vale 200 e o comprador paga 250.

Esses 50 reger-se-ão pela doação, e os 200 pela compra e venda15.

Para que exista doação é necessário o elemento subjetivo, o animus donandi,

que consiste na vontade do doador de despojar-se de um bem, o que o empobrece,

para transferi-lo, sem qualquer retribuição, para o patrimônio do donatário, que, ao

contrário, enriquece16.

Se o bem é indivisível não há pensar-se em pluralidade de contratos, o

contrato é um só e misto; se o bem é divisível, há dualidade, ou mesmo outra

pluralidade de contratos (exemplo: doação e compra e venda e doação e troca). O

contrato é negócio jurídico unitário e incidem as regras jurídicas concernentes à

doação e aquelas atinentes ao outro contrato, conforme o que se refere a eles e não

se choquem com o contrato unitário. Na doação mista, o direito à devolução só se

refere à quota do valor que corresponde à doação. No tocante aos vícios do objeto,

há a indenização dos danos segundo os princípios que regem os contratos

comutativos, mas apenas no que se liga à quota que corresponde à

contraprestação. No tocante à quota a título gratuito, as regras jurídicas da doação é

que incidem17.

15 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, 5ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003, volume 2º, p. 45, e nota 4 com citação da lição de Tullio Ascarelli, contrato misto, negócio indireto, “negotium mixtum cum donatione”, Lisboa, 1954, p. 23, que por seu turno se reporta a Trabucchi e a Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil, v. 3.p.305. 16 CAPANEMA DE SOUZA, Sylvio. Comentários ao Código Civil, Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, Volume VIII, p. 88. 17 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Borsoi, rio de Janeiro, 1964, Tomo XLVI, p. 207/208 anotando-se que, segundo esse autor, “chama-se essa explicação teoria da incidência respectiva, para que se distinga do que sustentam a teoria da

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Assim, a doação, na lição de CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, contrato que

é por definição legal e conceituação doutrinária, exibe desde logo seus caracteres

jurídicos:

A – Contrato gratuito, porque gera benefício ou vantagem apenas para o

donatário. Caracteriza-o especialmente, imprimindo-lhe sentido fundamental

diferenciador, o animus donandi, que repousa na liberalidade, e que sobrevive

mesmo quando tem o doador em vista contemplar o merecimento do donatário, ou

grava o benefício de um encargo imposto ao favorecido.

B – Contrato unilateral, porque cria obrigações para uma só das partes, o

doador, já que a existência de encargo eventualmente determinado constitui simples

modus, inconfundível com a obrigação. Se o encargo assume o caráter de

contraprestação, desfigura-se o contrato, que passará a constituir outra espécie,

sem embargo de usarem as partes, o nomen juris doação.

C – Contrato formal, porque tem de obedecer à forma prescrita em lei. É

comum encontrar-se, nos nossos melhores escritores (M. I. Carvalho de Mendonça,

Orlando Gomes) a sua classificação entre os contratos consensuais. À vista, porém,

do art. 541, que reproduziu o art. 1.168 do Código Civil de 1916, que estabelece a unidade, que põe sempre como básico o contrato de doação (Andreas Von Thur, Der Allgemeine Teil, III, 77) e a teoria da doação consumada (Fr. Leonhard, Besonderes Schuldrecht, 131; H. Siber, Schuldrecht, 186. Com mais forte razão tem-se de repelir a opinião, anterior a essa, que considerava distintos (Andreas Von Thur, Der Allgemeine Teil, III, 77) e a teoria pluralística da doação mista (Fr. Von Savigny, System des heutingen Römischen Rechts, IV, 99, 103; F. regelsberger, Pandekten, I, 671; W. Koeppen, Das negotium mixtum cum donatione, 26, s.; Weirauch, Die gemische Scenkung, Gruchots Beiträge, 48, 244 s,; contra isso, Wilhelm Müller, Die gemischte Schenkung, Jherings Jahrbücher, 48, 211 s.). Se se admitisse tal teoria, nula a doação, nulo seria todo o contrato; isto é a regra jurídica do art. 153 do Código Civil (atualmente 184) nunca seria invocável.”

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forma escrita, e por exceção a verbal, subordinada, entretanto, a dois requisitos

específicos (tratar-se de bens móveis de pequeno valor e se lhe siga incontinenti a

tradição – dons manuais, presentes que se fazem por ocasião das bodas ou de

aniversários, ou como prova de estima ou homenagem, e que na ausência de

critério estimativo, a fixação de seu valor decorrerá das circunstâncias ou das

posses do doador). 18 19

18 SILVA PEREIRA, Cáio Mário, Instituições de Direito Civil, Contratos, 11ª edição de acordo com o Código Civil de 2002, Forense, Rio de Janeiro, 2004, volume III, p. 246, 247 e 252 No mesmo sentido o entender de Silvio de Salvo Venosa, ao afirmar que da definição legal deflui que se trata de negócio gratuito, unilateral e formal, in Direito Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, São Paulo, 3º volume, p. 96. Idem Maria Helena Diniz, in Tratado Teórico e Prático dos Contratos, 5ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003, volume 2º, p. 44. 19 Anota-se a posição de Paulo Nader, para quem o contrato é unilateral, gratuito, consensual e formal, afirmando ser consensual porque basta o consentimento das partes para que se aperfeiçoe e o faz com fundamento na interpretação do artigo 538 do Código Civil, para opor a classificação a contrato real, tendo em vista a transferência do bem doado, in Curso de Direito Civil – Contratos, Forense, Rio de Janeiro, 2005, volume 3, p. 286.

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2 EVOLUÇÃO DA DOAÇÃO

2.1 No Direito Romano

A história da doação, como observado por BIONDO BIONDI, concebida não

como exposição inerte e erudita do ordenamento passado, verdadeira curiosidade

histórica, mas como representação ideal de uma estratificação secular de conceitos

e princípios, que superados porém não sem deixar traços significativos ou

deformações, desembocam nas codificações modernas, pode ser particularmente

vantajosa para o conhecimento do instituto moderno; ao menos poderá suscitar e

apurar das razões das dificuldades com que se debate a doutrina moderna e se

apresentam ao legislador toda a vez que se empreende uma revisão legislativa.

Mais que a dogmática abstrata, que prescinde de limite de tempo e espaço e

da comparação jurídica que pode orientar o legislador em face das exigências da

vida contemporânea, em tema de doação é útil a história, entendida do seguinte

modo: toda época traz sua contribuição de idéias e preceitos para não dizer também

de preconceitos e erros, recomendados por razões de oportunidade com o fim de

determinar um resultado, que se poderá conhecer melhor quando analisados na sua

gênese histórica e nos fatores que a determinaram. Neste processo de estratificação

preponderante se encontra o direito romano, onde o instituto moderno encontra as

raízes mais profundas. Dificilmente é possível apreender o valor e o significado de

tais princípios e ordenamentos modernos sem remontar às fontes romanas20.

20 BIONDI, Biondo. Donazione (Diritto Romano) in Novíssimo Digesto Italiano Diretto da Antonio Azara e Ernesto Eula, 3ª edição, UTET Unione Tipográfico-Editrice Torinese, Turim, 1957, p. 225.

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Observam ALEXANDRE CORREIA e GAETANO SCIACIA que as Institutas

de Gaio não tratam das doações; nem se pode dizer que tenha, este instituto

jurídico, definitiva configuração nos sistemas modernos. A doação pode ser

encarada quer como causa dos atos jurídicos (SAVIGNY), quer como liberalidade

entre vivos, e às vezes mortis causa, semelhante aos legados (sistema francês);

quer como contrato unilateral, isto é, ato jurídico bilateral com efeitos obrigatórios

para uma só das partes (sistema brasileiro). Na verdade, aduzem que o instituto faz

parte do setor dos direitos patrimoniais, pois importa no enriquecimento de um

sujeito (donatário) e no empobrecimento de outro (doador) e apontam a existência

de duas espécies de doações: doação entre vivos e a doação mortis causa,

deixando a doação entre cônjuges e entre noivos para o direito de família21.

Assim, o instituto da doação não tem recebido dos tratadistas o mesmo

tratamento. Os pandectistas, como DERNBURG e WINDSCHEID, no ver de

VANDICK LONDRES DA NÓBREGA, consideram a doação como um contrato ou

pacto, classificando-a entre os pactos legítimos, ao passo que, segundo outros,

VANGEROV e BRINZ, ela é colocada na parte geral. No entanto, romanistas mais

recentes como RABEL, SIBER, MITTEIS, SOHN tratam da doação na parte dos atos

jurídicos; KARLOWA, CZYHLARZ, KUNKEL preferem colocá-la entre as

obrigações22.

Os romanistas brasileiros MOREIRA ALVES, ALEXANDRE CORREIA,

EBERT CHAMOUN, SYLVIO MEIRA, tratam da matéria no direito das obrigações, 21 CORREIA, Alexandre e SCIACIA, Gaetano. Manual de Direito Romano, CD Liv, s.d., p. 219. 22 NOBREGA, Vandick Londres da. Compendio de Direito Romano II, 8ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1975, volume II, p. 336.

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destacando VANDICK LONDRES DA NÓBREGA que preferiu seguir a doutrina dos

pandectistas que consideram a doação como um pacto legítimo porque, em última

análise, trata-se de uma convenção, cujos efeitos mereceram a proteção do direito23.

MOREIRA ALVES, para justificar a sua posição, se questiona acerca da

colocação da donatio no sistema jurídico romano, bem como, sendo as doações

atos de liberalidade, mas abrangendo estes atos outros que não apenas as doações,

como distinguir-se a doação dos demais atos de liberalidade? Quanto à primeira

questão, anota ser grande a divergência entre os autores, tendo em vista,

principalmente, que as fontes não nos proporcionam orientação sistemática digna de

ser seguida e que alguns romanistas antigos – no que foram seguidos pelos

pandectistas alemães – a enquadravam entre os contratos. SAVIGNY, porém,

combateu essa colocação, salientando que a doação não era, no direito romano,

negócio jurídico típico, mas simplesmente causa de qualquer negócio jurídico

patrimonial. 24

Também no século atual não estão os romanistas de acordo a respeito do

enquadramento da doação na sistemática de suas obras; alguns a colocam no

capítulo referente aos atos jurídicos em geral, ou do negócio jurídico em particular;

outros a analisam no direito das obrigações; outros, ainda, a analisam no direito das

coisas; e há os que a examinam à parte. Prefere o ilustre jurista – tendo em vista

que, pelo menos no direito justinianeu, se encontra a doação obrigatória como pacto

23 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano II, 5ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1995, capítulo XLII; CORREIA, Alexandre e SCIACIA, Gaetano. Manual de Direito Romano, CD Liv, Capítulo III; CHAMOUN, Ebert, Instituições de Direito Romano, 6ª edição, Editora Rio, Rio de Janeiro, 1977, p.391; NOBREGA, Vandick Londres da. Compendio de Direito Romano II, 8ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1975, volume II, p. 336. 24 24 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano II, 5ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1995, p.236/237.

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legítimo – estudá-la no direito das obrigações, logo após a análise dos pactos. Com

referência ao segundo problema e invocando a lição de BIONDI, afirma que a

doação se restringe à esfera patrimonial (excluindo a manumissão de um escravo

que embora possa implicar liberalidade não é doação); a doação atribui ao donatário

um direito (esse é o motivo pelo qual a constituição do precarium a alguém não é

doação: pelo precário não se concede ao precarista qualquer direito e a doação é a

causa, que ocorre com relação a atos abstratos e não a atos típicos; por isso, o

comodato e o testamento, embora impliquem liberalidade, não são doação: são atos

típicos). 25

BIONDI divide a história da doação em três fases: a) das origens à Lex

Cincia; b) da Lex Cincia à lei de Constantino, vale dizer por toda a época clássica e:

c) da lei de Constantino até os nossos dias. Das origens e por toda a época

clássica, até Constantino, a doação é concebida não como negócio jurídico típico,

mas como causa de numerosos e variados atos jurídicos de caráter patrimonial, até

não negociais.

Tanto na jurisprudência clássica como nas leis imperiais e nos próprios atos

jurídicos se fala de agere, gerere, permittere, dare, mancipare, tradere, promittere,

acceptum ferrem iuberem remittere, excolere donationis causa. A hipótese mais

frequente e mais importante é a doação traslativa de propriedade, que ata mediante

o cumprimento dos modos em geral de transferência de domínio, como a

mancipatio, in iure cessio e traditio; mas Pompônio adverte que potest et citra

corporis donationem valere donatio (pode e sem figura de doação valer como

25 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano II, 5ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1995, p.236/237.

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doação). São documentados e conhecidos numerosos outros atos que se realizam

donationis causa e que se enumera apenas a título exemplificativo: stipulatio e

remissão de débito; pacto de não reclamar pagamento ante certum tempus;

pagamento do débito de terceiro; prestação de garantia real ou fiança por débito de

terceiro; novação de pagamento; reconhecimento de débito; concessão de direito de

habitação gratuita de uma casa; construção e plantação em solo alheio; cultura

gratuita em prédio alheio; venda ou locação viliore pretio; renúncia a um direito ou

abstenção de seu exercício para que se extinga ou um terceiro o adquira26.

Até o ano 204 AC as doações são submetidas ao direito comum,

especialmente do ponto de vista das suas condições de validade. Cuidando de

transferir diretamente pela doação da propriedade de coisas corpóreas se recorria à

mancipatio ou à in iure cessio para as res mancipi e à in iure cessio ou à tradictio

para as res nec manicipi. A doação de uma servidão se fazia pela mancipatio ou in

iure cessio no caso de servidões rurais; pela in iure cessio no caso de servidão

urbana ou pessoal. Para a doação de um crédito, cedia ao donatário as ações

relativas ao crédito; se a intenção era a de fazer uma novação, pedia o credor ao

seu devedor, pela delegatio, que se obrigasse perante o donatário. Se a doação

consistia numa remissão de dívida, liberava-se o donatário por uma acceptilatio ou

por uma simples convenção liberatória, ou ainda no caso em que o donatário fosse

devedor de terceiro ou pagava o débito ou o doador se obrigava perante esse

terceiro substituindo o donatário. Se o doador não quisesse se despojar da coisa

objeto da liberalidade, era utilizada a forma da stipulatio27.

26 BIONDI, Biondo. Donazione (Diritto Romano) in Novíssimo Digesto Italiano Diretto da Antonio Azara e Ernesto Eula, 3ª edição, UTET Unione Tipográfico-Editrice Torinese, Turim, 1957, p. 225. 27 VAN WETTER, P. Pandectes contenant L’Histoire Du Droit Romain et la Legislation de Justinien, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, Paris, 1910, Tomo Quatro, p. 46.

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Nessa mesma ordem de idéias e esclarecedora é a lição de BIONDO BIONDI

ao observar “que Gaio não menciona a doação por se tratar de instituto

antiquíssimo, porque não encontra onde colocá-la, e porque no sistema romano,

baseado nas actiones, não existe actio ex donatione. Sob este aspecto a doação se

coloca no mesmo plano da constituição de dote, para o qual não há ato típico e se

excluída a antiga doctis dictio tem aplicação limitada. Tudo isto foi intuído por

SAVIGNY, a quem se deve o erro não apenas de não distinguir as várias épocas,

como de apresentar uma formulação contraditória com a premissa da qual partia,

quando define a doação como “negócio jurídico quando reúna as seguintes

qualidades: ser um negócio inter vivos que deve enriquecer alguém enquanto

outrem perde alguma coisa“. A doação não é um negócio, mas a causa que está na

base de todo ato, mesmo não negocial, mas de caráter patrimonial. Em princípio, a

causa donationis não aflora no ordenamento jurídico, como não traz à tona alguma

outra causa. O ato é sempre o mesmo, sujeito ao mesmo regime, seja de forma,

seja de substância, e produz invariavelmente a mesma conseqüência jurídica

qualquer que seja a causa. Portanto, se tem regime unitário para todo o ato singular

qualquer que seja a causa, mas regime diverso segundo os diversos atos” 28.

A causa donationis passa a ser considerada e, em seguida, o instituto começa

a delinear-se como instituto autônomo quando a Lex Cincia de 204 A.C. proíbe dona

et munera excedente a uma determinada soma (modus), exceto aquelas em favor

de certos familiares expressamente indicados na lei (exceptae personae), ou que

não superasse uma determinada quantia que não é conhecida. Não se sabe com 28 BIONDI, Biondo. Donazione (Diritto Romano) in Novíssimo Digesto Italiano Diretto da Antonio Azara e Ernesto Eula, 3ª edição, UTET Unione Tipográfico-Editrice Torinese, Turim, 1957, p. 225.

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precisão a razão de tal proibição; talvez ligado ao espírito romano não predisposto à

liberalidade; Cícero lamenta que multi enim patrimonia effuderunt inconsulte

largiendo (por causa de liberadidades inpensadas muito patrimônio se desperdiçou)

(de off., 2, 15,54). Uma vez que a doação não era negócio jurídico, razão pela qual

era fácil declarar a nulidade, a jurisprudência foi induzida a determinar a causa

donationis para aplicar a proibição. Assim nasce a necessidade de declarar o que

seja doação. Pode-se dizer então que o ato de nascimento da doação foi de

desconhecimento e não de reconhecimento. E isto porque a lei se limitava a proibir a

doação sem declarar a nulidade do ato, e nem tecnicamente poderia fazê-lo porque

a doação não era ato típico, mas causa de variados atos e o pretor, guiado pela

sapiente jurisprudência, no intento de dar execução à proibição, terminou por

instaurar um regime, o quanto mais adequado, ainda que diferente daquele que

talvez fosse o pensamento da antiga lei. O pretor, como sempre, opera com os

meios normais inerentes à sua iurisdictio; formalmente, não se coloca em contraste

com os preceitos do ius civile, nem desconhece a pretensão que deste são

resultantes, mas, por meio do exercício de tais meios processuais, a bloqueia

tornando inativo o direito derivado do ato. É concedida ao doador uma exceptio

fundada na própria Lei Cincia, denominada por isso exceptio legis Cinciae pela qual

será compelido judicialmente para executar a doação. Portanto, se o doador fez

apenas mancipatio ou in iure cessio da coisa, sem transferir a sua posse, e o

donatário, que se tornou dominus com base no ato traslativo, reivindica a coisa que

se encontra em poder do doador.

Analogamente, se o doador fez, mediante uma stipulatio, promessa ao

donatário, este, tornando-se credor pode ingressar em juízo para buscar o

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cumprimento da promessa do doador, o qual, opondo a exceptio, em definitivo não

executa a promessa. A par da exceptio se esta não possa ter aplicação, o pretor

concede ao doador uma restitutio in integrum e uma condictio liberationis, conquanto

a aplicação desses dois remédios não pareça ser geral. São todos estes meios que

se amoldam ao espírito da Lei Cincia, mas determinam uma situação que vai além

do espírito da lei. Do dualismo entre eficácia iure civile do ato atributivo e

oponibilidade da exceptio legis Cinciae deriva o conceito de donatio perfecta, que

constitui o centro de toda a doutrina clássica da doação. É um conceito totalmente

particular, que não corresponde ao de anulabilidade. Nas fontes se fala mais em

revocare, e uma investigação dos fragmentos do vaticano traz à luz a rubrica quando

donator intellegatur revocasse voluntatem (o doador entendesse de revogar a

manifestação de vontade). Fala-se de revocare no sentido de possibilidade deferida

ao doador de não executar a doação ou de neutralizar-lhe os efeitos dentro dos

limites das medidas jurídicas concedidas pelo pretor ao doador. Donatio perfecta

significa não apenas a formalmente completa, mas também exaurida, definitiva,

independentemente da validade do ato. Em contraposição, donatio imperfecta é

aquela que resulta de um ato atributivo regularmente praticado e, pois, sob esse

aspecto, plenamente válido, mas contra a pretensão daí derivada o doador pode

opor a exceptio legis Cinciae e exercitar os meios judiciais revocatórios que o pretor

concede para cumprimento da Lei Cincia.

Concluindo, a doação imperfecta é revogável segundo o arbítrio do doador,

somente do doador, com a consequência de que a doação conserva toda sua

eficácia com a morte deste. Ainda que a preservação do patrimônio familiar tenha

sido o móvel e o fundamento da proibição da Lex Cincia, é impregnado de um

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significado todo particular, talvez estranho ao antigo legislador, de todo inoportuno,

uma vez que um instituto tão universal e difundido na vida não podia ser suprimido.

A antiga disposição na jurisprudência e na prática do pretor se entende como

garantia contra doações pródigas, de modo a evitar aquilo que lamenta Cícero, ou

seja, que pessoas dissipem o próprio patrimônio com prodigalidades irrefletidas29.

O nascimento da doação como negócio jurídico típico é assinalado pela

Constituição de Constantino de 316, segundo BIONDI30, ou de 323, segundo

MOREIRA ALVES31, motivada pelo declínio das formas clássicas de alienação

(mancipatio e in iure cessio) e o advento da traditio como modo geral de

transferência da propriedade. Com a abrogação da Lex Cincia cai o sistema de

limitações à doação, passando a exigir-se, para que ela se constitua, a observância

de formalidades que visam à publicidade, ou seja, a redação de ato escrito (com a

indicação do doador, do donatário e da coisa doada) na presença de testemunhas; a

tradição da coisa (corporalis traditio) realizada, em relação à coisa imóvel, ante os

vizinhos) e: a insinuatio apud acta, isto é a transcrição do ato escrito da doação em

arquivo público, pela autoridade – que tenha o ius acta conficiendi – do lugar do

domicílio do doador.

É certo, porém, como leciona MOREIRA ALVES, que os textos pós-clássicos

continuam a referir-se a expressões utilizadas com relação à lei Cíncia de donis et

muneribus: donatio perfecta, exceptio, exceptae personae. Mas o que, em verdade,

29 BIONDI, Biondo. Donazione (Diritto Romano) in Novíssimo Digesto Italiano Diretto da Antonio Azara e Ernesto Eula, 3ª edição, UTET Unione Tipográfico-Editrice Torinese, Turim, 1957, p. 226. 30 BIONDI, Biondo. Donazione (Diritto Romano) in Novíssimo Digesto Italiano Diretto da Antonio Azara e Ernesto Eula, 3ª edição, UTET Unione Tipográfico-Editrice Torinese, Turim, 1957, p. 229. 31 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano II, 5ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1995, p.240.

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ocorre é que os jurisconsultos pós-clássicos, com termos advindos do direito

clássico, exprimem idéias diversas. Com efeito, abolido o sistema de restrições

sobre o qual se construíra o conceito clássico de doação, as exigências se

concentram na forma; daí, por exemplo, ao passo que no direito clássico, donatio

perfecta é a doação de que o doador não pode se eximir de executar, ou se

executada, desfazer, no direito pós-clássico donatio perfecta é aquela feita com a

observância das formalidades legais. Com Justiniano, quando a doação não excede

o valor de 500 sólidos, não se exigem as formalidades requeridas por Constantino; e

mesmo nas que são superiores a esse valor (com exceção de alguns casos como,

por exemplo, as doações feitas pelo imperador ou pela imperatriz e as destinadas a

finalidades pias, em que se dispensam as formalidades), só há necessidade de se

observarem os requisitos da redação do ato escrito e da insinuatio, para que a

doação não seja nula no que exceder a 500 sólidos. Por outro lado, estabelece

ainda Justiniano que: a) o doador pode revogar a doação perfecta (no sentido que

esta expressão adquire no direito pós-clássico: a doação realizada com a

observância das formalidades legais), se ocorrer a ingratidão do donatário (seja

liberto ou ingênuo) para com o doador; e, b) a simples convenção entre o doador e o

donatário é pacto legítimo, e, portanto, obrigatório para o doador32.

A partir do século V da era cristã afirma VAN WETER que uma reação se

opera contra o sistema. Os imperadores Teodósio II e Valentiniano III suprimem o

requisito da redação por escrito para a validade das doações; Zenon suprime a da

presença dos vizinhos e de outras testemunhas quando da tradição da coisa doada

e, Justiniano, o da tradição real. Restava a insinuação da doação; Justiniano a

32 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano II, 5ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1995, p.240/241.

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restringe às doações excedentes a 500 sólidos. O mesmo imperador decide que,

salvo a formalidade da insinuação, a doação é perfeita pelo simples consentimento

das partes, sem que seja necessário empregar a forma da stipulatio. Desta maneira,

a doação assume seu lugar dentre os pactos legítimos33.

Quanto às modalidades de doação, estas poderiam ser inter vivos e mortis

causa sendo esta última subordinada à condição de o doador morrer antes do

donatário. O instituto tinha aplicação prática no caso de o doador dever enfrentar um

perigo (guerra, longa viagem etc.), pois a doação mortis causa fica sujeita à

condição resolutória da volta do doador. Mas há outros casos de aplicação.

A doação mortis causa difere da inter vivos porque caducará no caso de o

doador morrer depois do donatário e poderá ser revogada pelo doador ad nutum, ou

seja, quando este quiser. Substancialmente é como um legado, o que não escapou

aos jurisconsultos e à legislação imperial, tanto que, com o decurso do tempo, veio a

ser submetida ao mesmo regime dos legados, no tocante à capacidade de receber

do sujeito e quanto às reduções legais34.

Dentre as doações inter vivos, além daquelas puras, merece menção a

doação universal – que tem por objeto todo o patrimônio do doador ou parte dele. No

direito clássico, para que a doação fosse eficaz, era necessário que se transferisse

do doador para o donatário a propriedade de coisa por coisa, bem como se

cedessem regularmente os créditos e as ações. No direito justinianeu admite-se que

a doação universal possa realizar-se por ato único. Por essa doação não ocorria 33 VAN WETTER, P. Pandectes contenant L’Histoire Du Droit Romain et la Legislation de Justinien, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, Paris, 1910, Tomo Quatro, p. 56. 34 CORREIA, Alexandre e SCIACIA, Gaetano. Manual de Direito Romano, CD Liv, s.d., p. 222.

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sucessão universal, e, assim, o donatário não respondia perante terceiros pelos

débitos do doador; se, porém, se obrigasse com este a responder por seus débitos,

a menos que houvesse delegatio – quando a responsabilidade seria direta do

donatário para com o terceiro – os credores se iam contra o doador e este, por sua

vez se voltava contra o donatário. Note-se ainda que se o doador não cumprisse a

obrigação, e, por isso, fosse acionado pelo donatário, seria condenado a entregar

apenas o ativo de seu patrimônio (sendo, portanto, deduzidos os débitos – aere

alieno deducta).

A doação remuneratória é aquela que o doador realiza para recompensar

alguém que o tenha beneficiado, não se confundindo com o negócio bilateral

oneroso porque não encerra uma contraprestação, tendo em vista que se trata de

compensação a um benefício não avaliável em dinheiro, ou de remuneração que,

socialmente, não se reputa como contraprestação. Como exemplo, é apontada a

feita pelo doador a quem lhe salvou a vida, e que, no direito justinianeu, é

irrevogável.

A doação modal, ou sub modo, é aquela em que o doador, em seu favor ou no

de terceiro, impõe ao donatário um ônus (modo ou encargo). Para a realização da

doação sub modo, utiliza-se em geral – caso contrário o doador não dispunha de um

modo eficaz para compelir o donatário a cumprir o encargo –, de um pactum fiduciae

inserto na mancipatio, ou de uma stipulatio em separado, pelos quais o donatário

prometia, para a hipótese de não cumprimento do ônus, restituir a coisa doada, ou

pagar uma pena. No direito justinianeu, a doação sub modo, quando efetuada pelo

doador a prestação, se enquadrava na categoria dos contratos inominados,

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dispondo o doador, portanto, das ações que sancionavam as obrigações deles

decorrentes. Por outro lado, quando o encargo é estabelecido em favor de terceiro,

este, para obter sua execução contra o donatário, tem uma actio utilis, sendo

discutível se isso já ocorria no direito clássico ou no justinianeu35.

No que respeita à promessa de doação, Justiniano pretende (de modo

semelhante à compra e venda) uma fusão das soluções clássica e pós-clássica e vê

de novo na doação uma causa de aquisição e separa-a da transmissão. Como

simples promessa torna-se de novo vinculativa e desligada da forma, agora escrita

da stipulatio; cfr. C. 8, 53, 35, 5 b/c; Ins, 2, 7, 2. Assim, a promessa de doação torna-

se um contractus fundado no consenso e obrigatório por si só (pactum legitimum).

Além disso, Justiniano adota a obrigação do registro introduzido por Constantino e

estende-a à promessa de doação36.

2.2 No Direito Intermédio e o retorno aos princípios do Direito Romano

Nos primeiros anos do século V, a invasão dos bárbaros, quando o Império

Romano já estava dividido em duas partes, do Ocidente e do Oriente, traz consigo

as instituições de seu direito costumeiro que vai ser amoldado paulatinamente pelo

Direito Romano.

35 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano II, 5ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1995, p.244/244 e nota 1434 apontando que para Biondi essa actio utilis surgiu no direito clássico e para Bonfante, no direito justinianeu. 36 KASER, Max. Direito Privado Romano, trad. Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1999, p. 269.

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Não foi o Direito Romano clássico, e sim o Direito Romano justinianeu, contido

no Corpus Juris Civilis, com as anotações e comentários dos glosadores e pós-

glosadores.

A recepção do Direito Romano foi rápida e profunda em alguns Estados e

mais demorada em outros, e não foi simultânea. Na Itália, Portugal, Espanha e sul

da França, regiões mais romanizadas, nas quais havia vigorado por longo tempo as

denominadas leis “bárbaras” (Lex Romana Visigothorum, Burgindionum e Édito de

Teodorico), a recepção do Direito Romano se deu de forma incontestada e rápida,

suprindo facilmente as lacunas do direito local vigente. Mesmo com as alterações

ocorridas com a Idade Média, a influência não havia desaparecido de todo na região.

Nos países que integravam o Sacro Império Romano-Germânico, a recepção

do Direito Romano também não encontrou obstáculos devido à obra de Irnério, que

havia descoberto um volume do Digesto na Biblioteca de Pisa e que fundara a

Escola dos Glosadores; era consultor do imperador do Sacro Império e, com a

autoridade de seu cargo, lançou a idéia de que os imperadores do Sacro Império

eram os sucessores dos imperadores romanos. Assim sendo, o Direito Romano

deveria, também, ser o direito a reger os destinos desse Império, sucessor das

glórias do primeiro.

Em contraposição, esse também foi o motivo do repúdio inicial do Direito

Romano no norte da França, norte da Alemanha e na Inglaterra, países que eram

opositores políticos do Sacro Império Romano-Germânico. Se eles recepcionassem

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o direito dos romanos como direito comum, implicitamente estariam também

reconhecendo a soberania de seus inimigos políticos.

Esse foi o motivo pelo qual Felipe Augusto, rei de França, proibiu, em 1200, o

ensino do Direito Romano na Universidade de Paris. Felipe III, seu sucessor, em

1278, proibiu os advogados franceses de se referirem às normas do Direito Romano

em casos em que o direito consuetudinário francês estivesse em vigor.

Na Alemanha, a assimilação do Direito Romano ocorreu nos séculos XVI e

XVII e se deu mais lentamente que nos demais países europeus. O direito que vigia

em todo o seu território era o direito nacional alemão, consuetudinário e não escrito,

que resistiu um pouco mais para receber influência do “direito comum” romano. Em

1495, o Tribunal Imperial Alemão aceitou a aplicação do Corpus Juris Civilis

somente quando ele não chocasse com as leis locais. Nos países eslavos a

infiltração do Direito romano como direito supletivo foi mais lenta e difícil37.

LUIZ ANTONIO ROLIM, com apoio em GLISSEN, afirma que a Inglaterra

resistiu e não aderiu à influência do Direito romano. O direito anglo-saxão é um

direito eminentemente consuetudinário, fruto de decisões judiciais reiteradas, de

precedentes judiciais, e não de um direito escrito. “O common Law é um judge-made

Law, um direito jurisprudencial, elaborado pelos juízes reais e mantido graças à

autoridade reconhecida dos precedentes judiciários”. Salvo na época de sua

formação, a lei não desempenha qualquer papel em sua evolução. Este é um dos

37 ROLIM, Luiz Antonio. Instituições de Direito Romano, 2ª edição, RT, São Paulo, 2003, p. 120/121.

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motivos pelo qual o Direito Romano – um direito escrito – pouca influência exerceu

sobre o direito inglês, mesmo supletivamente38.

No que toca ao Direito da Península Ibérica, o domínio da monarquia

visigótica na Espanha, por mais de um século (584-711), não podia deixar de influir

no destino histórico de seus povos.

É sabido, ensina REYNALDO PORCHAT, em lição cuja reprodução é

imprescindível para que se tenha uma perfeita visão da evolução do direito luso-

brasileiro “que os bárbaros tinham o salutar costume de deixar que os povos

vencidos se regessem por suas próprias leis. Por isso, durante o domínio dos

visigodos, enquanto eles governavam pelo direito germânico, que os acompanhava

onde quer que estivessem, conservando sua organização militar e seus costumes

tradicionais, o povo encontrado na península continuou a reger-se pelos antigos

usos romanos, e pelas leis romanas que lhe foram oferecidas em um código

organizado pelos próprios vencedores. Este Código era uma compilação, feita em

506, por ordem de Alarico II e referendada por Aniano, tendo recebido o nome de

Lex romana visigothorum ou Corpus Legum, sendo também conhecido pela

denominação de Breviario de Alarico, ou de Aniano (Breviarium Alaricianum ou

Aniani). A matéria que o compõe é toda coligida do direito romano: um resumo de

grande número de constituições imperais do código de Teodósio e de novelas desse

imperador, de Valentiniano II, de Marciano, de Majoriano e de Severo; fragmentos

dos códigos Gregoriano e Hermogiano, e de partes de obras de alguns

jurisconsultos que foram consagrados pela lei das citações, isto é, das Institutas de

38 ROLIM, Luiz Antonio. Instituições de Direito Romano, 2ª edição, RT, São Paulo, 2003, p. 121/122.

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Gaio, das Sentenças de Paulo e de um trecho das respostas de Papiniano. Para

evitar a dualidade de direitos contemporaneamente vigentes no mesmo território –

porque enquanto os vencidos se regiam pelo Código de Alarico, os visigodos se

governavam por suas próprias leis germânicas – Leovigildo e Reccaredo

organizaram uma nova compilação, que foi depois, por Chindaswintho, consolidada

em um código (642), confirmado e aumentado por seu filho Receswintho. No 16º

Concílio de Toledo, reunido em 623, sob o reinado de Aegica, depois de revisto e

dividido em 12 livros, foi esse Código Visigótico promulgado com o nome de Codex

Legum ou Lex Visigothorum e imposto como lei obrigatória geral a todos os súditos

do império visigótico. Esse código, que parece ter sido calcado no de Teodósio, é

quase todo copiado da legislação romana, no que diz respeito às matérias de direito

privado. E embora se encontrem aí alguns preceitos divergentes produzidos pelos

costumes germânicos, como os referentes ao dote, à comunhão de bens no

casamento e à liberdade de dispor da terça, pode dizer-se acertadamente, com

Martins Junior, que nesse código se fez uma “notável fusão dos direitos romano e

bárbaro. Traduzido em espanhol com o nome de Fuero Juzgo ou Libro de los

Jueces, e conhecido também com a denominação de Forum Judicum, foi esse o

primeiro código de Espanha, destinado a regê-la por alguns séculos e formando,

segundo Maynz, a base do direito nacional da península ibérica” 39.

No princípio do século VIII, os árabes, vindos da África, desalojaram os godos

e o império visigótico cai em 711. O espírito de tolerâncias dos árabes fê-los

benignos para todos que não lhes opuseram resistência, resultando daí, fato

interessante para a história jurídica da Ibéria, de continuarem os vencidos a reger-se

39 PORCHAT, Reynaldo, Curso Elementar de Direito Romano, Duprat & Cia., São Paulo, 1907, volume I (1ª parte), p.30/33.

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por seus usos e costumes, mantendo as suas instituições e as suas leis. Graças a

isso, pode dizer-se como uma verdade, que a invasão sarracena não produziu

modificações no direito civil que os visigodos deixaram na península40.

Com a recuperação do reino de Oviedo ou de Leão, pelos ibéricos no século

VIII, e deste fazendo parte a Lusitânia, os reis vencedores conservaram, juntamente

com o sangue dos godos, os mesmos princípios de governo, as mesmas leis e os

mesmos costumes com pequenas variações, ou seja, o mesmo direito dos

visigodos, o direito de origem romana corporizado no Fuero Juzgo, que, a despeito

do domínio dos mouros, vigorava ainda quando se fez independente o reino de

Leão.

E esse era o direito dominante quando se constituiu, no século XII, a

monarquia portuguesa quando da aclamação do infante Afonso Henriques, primeiro

rei de Portugal, neto de Afonso VI.

A par da legislação dos forais vigoraram leis gerais promulgadas pelos reis da

primeira dinastia como as de D. Diniz, nos fins do século XIII, D. Afonso IV, D. Pedro

I, e D. Fernando.

40 PORCHAT, Reynaldo, Curso Elementar de Direito Romano, Duprat & Cia. São Paulo, 1907, volume I (1ª parte), p.34/35, merecendo transcrição a citação que faz de Candido de Oliveira: “São quase nulos os vestígios arábicos no organismo hispano-godo. O fundo desse organismo, o direito romano, era muitas vezes secular. Nada oferece maior resistência às mutações do que a lei privada de um povo. Esboroam-se as instituições políticas, transforma-se a sociedade; o direito antigo, no entanto, perpetua-se pela tradição, e a energia vai ao ponto de eliminar, pelo desuso, a própria lei nova. E se refletirdes quês os conquistadores vindos d’Africa deixaram de pé o direito dos vencidos, não estranhareis essa perseverança do elemento romano, entranhado nas codificações bárbaras, modificado pelas normas germânicas, que ainda hoje forma parte principal das leis luso-espanholas.

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Na segunda dinastia, embora iniciada a organização de um código único por

D. João I, Mestre de Aviz, em 1446, quando reinava D. Afonso V, foram

promulgadas as Ordenações Afonsinas, consideradas como o mais antigo código da

Europa moderna. O seu conteúdo é descrito por Coelho da Rocha, como

subdividido em cinco livros: “Para sua confecção, aproveitaram os compiladores: as

leis promulgadas desde D. Afonso II, as determinações e resoluções das Cortes

celebradas desde D. Afonso IV, assim como as concordatas de D. Diniz, D. Pedro e

D. João, cujo teor pela maior parte se transcrevem. A principal fonte, porém, foi o

Direito Romano e o Direito Canônico, dos quais os compiladores extraíram títulos

inteiros, além das muitas referências a um e a outro, que a cada passo se

encontram por todo o corpo dessa obra, Finalmente, algumas disposições se acham

ali tiradas das leis das Partidas de Castela, dos antigos costumes nacionais e dos

estilos particulares das cidades ou vilas, os quais por esta forma foram convertidos

em leis gerais” 41.

Estas ordenações vigoraram por setenta e cinco anos, até serem revogadas

por D. Manuel I, o Venturoso, que ascendeu ao trono em 1495, sucedendo a D. João

II.

Apesar de não ter havido movimento de reformas jurídicas no país, talvez

para marcar sua atividade de grande legislador, no meio das glórias com que se

deslumbrava o seu reinado, D. Manuel expediu carta régia em 1506, em virtude da

qual foram revistas as Ordenações por uma junta presidida por Ruy Botto e, revistas,

foram publicadas em duas edições sucessivas de 1513 e 1514.

41 COELHO DA ROCHA, in PORCHAT, Curso cit, p. 41.

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Como apresentassem muitas falhas em razão da precipitação com que foi

realizada a revisão, o texto foi submetido a um novo exame por uma comissão de

desembargadores, e o resultado do trabalho, aprovado pelo rei, foi publicado como

lei permanente com o nome de Ordenações Manuelinas.

Nestas, o direito romano é mantido na mesma posição de subsidiário, mantido

o espírito e os princípios gerais da legislação, com alterações decorrentes de novas

providências, ou alterações ocorridas no intervalo entre a publicação das

ordenações, donde ter sido considerada como uma edição correta e aumentada da

compilação de 1446. Com a extinção da casa de Aviz (1580), Portugal cai sob o

domínio da Espanha, assumindo o trono o rei Felipe II de Espanha, com o nome de

Felipe I, a quem coube a iniciativa do movimento legislativo para a promulgação de

um novo código.

Motivos de ordem política e de reafirmação do poder real levaram o novo rei a

editar novas Ordenações que regeriam a vida do reino por mais de dois séculos e

seriam a base do direito civil brasileiro42.

42 PORCHAT, Reynaldo. Curso Elementar de Direito Romano, Duprat & Cia., São Paulo, 1907, volume I (1ª parte), p. 44. “O desejo de firmar a sua autoridade real, reforçando o direito civil, que, nos reinados de D. Sebastião e do Cardeal D. Henrique tinha sofrido em seu prestígio pela influência exagerada do direito canônico sustentado pelo Concílio de Trento, ou, talvez, a preocupação de agradar o povo português com a promulgação de um código nacional, foi o que levou o rei estrangeiro a ordenar, por alvará de 5 de junho de 1595, que fosse revista, reformada e codificada toda a legislação portuguesa. Em quase oito anos de trabalho, em que tomaram parte os conspícuos jurisconsultos Pedro Barbosa, Paulo Afonso, Damião de Aguiar, e principalmente Jorge de Cabêdo, estava preparada a nova codificação, que foi decretada e publicada no dia 11 de janeiro de 1603, já no reinado de Felipe II, para todo o reino de Portugal, onde ficou vigorando com o nome de Ordenações Filipinas. “É esse” diz Martins Junior, “o código destinado a reger mais de dois séculos a nação portuguesa, e a ser ainda a pedra angular do direito civil brasileiro.”

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Estas Ordenações conservam ainda as bases das duas primeiras e o direito

romano, tomado como fonte e mantido expressamente, no Livro 3, Título. 64, como

direito subsidiário.

Ainda na lição de PORCHAT: “O fundo dessa legislação, observa Coelho

Sampaio, “pelo que pertence ao direito particular, é todo de equidade; nela se acha

o que o direito romano, entendido segundo a Glosa, tem de melhor.” Coelho da

Rocha, confrontando as Ordenações Filipinas com as Manuelinas, chega a dizer,

com visível exagero, que “a falta de método e economia da compilação, as máximas

e espírito das leis e as matérias são as mesmas que se achavam nas Ordenações

Manuelinas; as quais os novos redatores pela maior parte copiaram, inserindo-lhes

aqui e ali as leis posteriores, principalmente as conteúdas na coleção de Duarte

Nunes de Leão; e isto com tanta incúria, que em muitas partes deixaram

obscuridade ou palpáveis contradições”. Parece-nos mais aceitável o juízo de

Candido Mendes dizendo que a compilação de D. Filipe “não obstante os seus

defeitos e descuidos, é trabalho de merecimento superior ao Código de D. Manuel,

cujos compiladores não tinham, nem podiam dispor de tantos recursos como os do

Código Filipino”.

Ensina ainda o eminente romanista que “esse interessante movimento de

codificação do direito português, que produziu as três referidas Ordenações, corria

paralelo com o desenvolvimento da jurisprudência, em que muitos jurisconsultos se

fizeram notáveis por importantes trabalhos. E quer na esfera legislativa, quer no

campo da doutrina, onde se destacaram juristas abalizados como Valasco, Caldas,

Reynoso, Pegas, Guerreiro e outros, o direito romano se impunha sempre com o seu

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vigoroso influxo: ali recebido, e assimilado nas leis promulgadas, aqui dominando os

espíritos, e imprimindo-lhes orientação romanista pela ação empolgante das obras

de Accursio, de Bartolo e de Cujacio. A despeito da intenção das Cortes, com a

Restauração, em 1640, D. João IV, primeiro rei da casa de Bragança, não podia

aceder aos desejos populares de revogação ou a reforma das Ordenações sem por

em risco o trono, e, para isso era necessária a manutenção da obra de Felipe, que

se fundava no direito imperial” 43.

E a lei de 29 de janeiro de 1643, proclamando mais uma vez o poder absoluto

do rei, revalidou, confirmou e promulgou as Ordenações Filipinas, determinando que

fossem cumpridas e respeitadas. Em virtude desse decreto definitivo do monarca

português, as Ordenações Filipinas regeram por mais de dois séculos a nação

portuguesa e, no Brasil, durante o Império e o início da Republica Velha, o nosso

direito civil, até a entrada em vigor do Código Civil de 1916.

As Ordenações Filipinas, como ensina PORCHAT, “além de inspiradas no

direito romano, cujas instituições foram fartamente adotadas, ainda determinaram,

por expressa disposição contida no liv. 3º, tit. 64 que esse direito fosse invocado

como subsidiário, recorrendo-se na falta dele, às opiniões dos célebres romanistas

Accursio e Bartolo” 44.

43 PORCHAT, Reynaldo, Curso Elementar de Direito Romano, Duprat & Cia., São Paulo, 1907, volume I (1ª parte), p 46/47. 44 PORCHAT, Reynaldo, Curso Elementar de Direito Romano, Duprat & Cia., São Paulo, 1907, volume I (1ª parte), p. 48 – valendo transcrever o texto que é o seguinte: “Quando algum caso for trazido em prática, que seja determinado per alguma Lei de nossos Reinos ou Stilo de nossa Corte, ou costume em os ditos Reinos, ou em cada alguma parte deles longamente usado, e tal, que per direito se deva guardar, seja per eles julgados, sem embargo do que as Leis Imperiais acerca do dito caso de outra maneira dispõem; porque onde a Lei, Stilo ou costume de nossos Reinos dispõem, cessem todas as outras Leis e Direitos. E quando o caso, de que se trata, não for determinado por lei, Stilo ou costume de nossos Reinos, mandamos que seja julgado, segundo matéria que traga pecado, peer os Sagrados Cânones. E sendo matéria que não traga pecado, seja julgado pelas Leis Imperiais,

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Em razão dessa disposição legal, estavam abertas as oportunidades para a

aplicação, ainda que de maneira afoita, os preceitos do direito romano segundo a

opinião desses jurisconsultos.

Tão grande importância foi dada a esse direito e à autoridade de Accursio e

Bartolo, cujas opiniões eram respeitadas como se fossem leis, com menosprezo do

direito nacional, que uma reação se fez sentir quando o Ministro de D. José I, Conde

de Oeyras, depois Marquês de Pombal, tomou a si a direção do governo da nação

portuguesa.

Relegando o direito romano a uma fonte subsidiária de interpretação e

restringindo a aplicação das glosas, foi editada, em 1769, a Lei da Boa Razão, com

a finalidade de compatibilizar os princípios do direito romano com as regras do

direito das gentes. 45

posto que os Sagrados Cânones determinem o contrário. As quaes Leis Imperiais mandamos guardar pela voa razão em que são fundadas. I – E se o caso, de que se trata em pratica não for determinado per Lei de nossos reinos, Stilo , ou costume acima dito, ou Leis Imperiais, ou pelos Sagrados Cânones, então mandamos que se guardem as glosas de Accursio, incorporadas nas ditas leis quando per commum opinião dos doutores não forem reprovadas: e quando pelas ditas Glosas o caso não for determinado, se guarde a opinião de Bartolo, porque sua opinião communmente He mais conforme à razão, sem embargo de alguns Doutores, tivessem o contrario; salvo se a commum opinião dos Doutores, que depois delle screveram, for contraria.” 45 PORCHAT, Reynaldo, Curso Elementar de Direito Romano, Duprat & Cia., São Paulo, 1907, volume I (1ª parte), p. 50. “Foi então promulgada , em 18 de agosto de 1769, a Lei da Boa Razão que, entre outras providências decretadas, restringiu, ou melhor, definiu o preceito das Ordenações, estabelecendo no § 9º: a) que não poderiam ser mais invocadas, por serem metafísicas e destituídas de conhecimentos científicos, as opiniões de Acursio e Bartolo; que o direito romano fosse considerado como subsidiário, não por autoridade própria, mas somente naquilo que fosse fundado na boa razão, isto é, que estivessem de acordo com os princípios primitivos, que contêm as verdades essenciais, intrínsecas e inalteráveis, que a ética dos romanos estabelecera e aos direitos divino e natural formalizaram para servir de regras morais e civis no cristianismo, ou com as regras que, por universal consentimento, estabeleceu o direito das gentes para o governo das nações civilizadas, ou com as que se encontram nas leis políticas, econômicas, mercantis ou marítimas, promulgadas pelas nações cristãs, devendo estas últimas, quanto às matérias indicadas, ter preferência sobre o direito romano. Dissemos que foi uma reação salutar, e assim o pensamos, porque, limitando-se a autoridade do direito romano àquilo que fosse fundado na boa razão, e abolindo-se as interpretações casuísticas, eivadas de artifício, de Accursio e Bartolo, evitaram-se os abusos e extravagâncias com

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Conclui o eminente romanista: “É uma verdade incontestável o que diz o

conselheiro Ribas: “o conhecimento profundo e completo do direito pátrio é

impossível sem que se firme nas largas bases do direito romano”. E o conselheiro

Candido de Oliveira, que é um ornamento da jurisprudência, e cuja palavra se

reveste sempre de respeitável autoridade, faz a este ponto criteriosa observação

que aqui merece integralmente transcrita como remate a este capítulo: “Nem

envelhece o conselho de um dos redatores do Código (francês) recomendando ao

aspirante dos cargos de magistratura a profunda meditação sobre o imortal

monumento de sabedoria e equidade” 46.

Exemplo marcante do acerto das afirmações de PORCHAT é encontrado em

M. I. CARVALHO DE MENDONÇA que, na sua clássica obra Contratos no Direito

Civil Brasileiro, escrito antes do Código de 1916, se reporta aos textos das

Ordenações, dos Códigos modernos já vigentes, aos textos do direito romano, bem

como à Glosa e à opinião dos Doutos. Para exemplificar, basta a leitura dos trechos

relativos à aceitação da doação feita ao ausente; a crítica sobre o sistema da

insinuação, que passa, por obra do direito intermédio, de simples registro, para

verdadeira pesquisa da vontade do doador e, finalmente, a sua inutilidade ante a

adoção da transcrição para transferência da propriedade e publicidade perante

que eram invocados antigos textos já obsoletos, que a evolução da sociedade não mais admitia, e ficou mantido o elemento puro e universal do direito romano, esse que, atravessando os séculos, e adaptando-se às circunstâncias várias, foi recebido e proclamado por quase todos os códigos dos países cultos.” 46 PORCHAT, Reynaldo, Curso Elementar de Direito Romano, Duprat & Cia. São Paulo, 1907, volume I (1ª parte), p. 52.

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terceiros; nas doações de pai para filho; na crítica à afirmação da necessidade de

reserva de usufruto, no caso de doação universal etc. 47.

Enfim, pondera PAULO NADER, que do Direito Romano aos tempos atuais o

instituto da doação passou por amplas discussões, especialmente quanto à sua

natureza jurídica e na avaliação da sua conveniência social. Sob esse aspecto,

incompreensões levaram juristas a olharem a doação com desconfiança e até

mesmo discriminação, como chama atenção CARVALHO DE MENDONÇA:

“Ninguém ignora a espécie de antipatia que, decorrendo da legislação romana,

atingiu todas as legislações modernas, amparadas pelos mais eminentes civilistas,

contra as doações, como um meio de transferir a propriedade” 48.

Sem embargo, é inegável o reconhecimento, na disciplina da doação no

direito civil brasileiro, daqueles traços do direito romano, mantidos no direito

intermédio, e que chegam até os dias atuais, em sua essência.

47 CARVALHO DE MENDONÇA, Manuel Inácio. Contratos no Direito Civil Brasileiro, 4ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1957, Tomo I, p. 40, 45, 54/60, 51. 48 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Contratos, Forense, Rio de Janeiro, 2005, volume 3, p. 283.

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3 A DOAÇÃO NO VIGENTE DIREITO CIVIL

3.1 Quem pode doar e quem pode receber doação

Quanto à capacidade do doador tem-se que, no caso da doação, além

daqueles requisitos exigidos para os atos da vida civil em geral, o nosso sistema

jurídico impõe restrições especiais.

Deste modo, os menores de 16 anos não podem doar sob pena de nulidade

absoluta, uma vez que ele não age, mas é representado pelos pais, tutor ou curador

e os pais, no exercício do poder familiar, apenas tem poderes de administração e as

liberalidades nunca se consideram como feitas no interesse do representado.

Ademais, a doação requer um animus donandi, que supõe algum amadurecimento e

sanidade mental de que carecem os absolutamente incapazes49. Os menores de 18

e maiores de 16 anos podem fazê-lo desde que regularmente assistidos por seus

representantes legais, uma vez que possuem capacidade para testar (art. 1.860 do

Código Civil). 50 O menor já autorizado a casar pode doar, em pacto antenupcial, ao

outro nubente, ficando a eficácia do pacto antenupcial condicionada à aprovação de

seu representante legal (art. 1.654 do Código Civil). 51 Também o pródigo pode

49 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p.24. 50 VENOSA, Silvio de Salvo. Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, São Paulo, 2008, 3º volume, p. 100; No mesmo sentido SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1995, p. 352 – contra essa posição ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p.25/26, ao argumento de que quem testa nada perde, ao passo que o que doa empobrece. Invoca ainda a doutrina e a lei italiana que somente permite doar àquele que tenha a plena capacidade de dispor de seus bens, o que não se dá com o relativamente incapaz. 51 SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil, Contratos, 11ª edição de acordo com o Código Civil de 2002, Forense, Rio de Janeiro, 2004, volume III, p.249.

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fazer doação, desde que obtida autorização judicial52. Também se encontram nessa

situação, os excepcionais sem desenvolvimento mental completo e os ébrios

habituais, os viciados em tóxicos e os que por deficiência mental tenham o

discernimento reduzido (art. 4º, II e III do Código Civil), aos quais, do mesmo modo,

será possível a prática da doação tanto que autorizado pelo juiz. Já o cego e o

surdo-mudo poderão doar, o primeiro por instrumento público, uma vez que por este

meio pode testar (art. 1.867 do Código Civil) e o surdo-mudo que puder manifestar a

sua vontade, visto que somente é considerado incapaz aquele que, mesmo por

causa transitória, não puder manifestar plenamente a sua vontade (art. 3º, III do

Código Civil). 53

O marido e a mulher podem doar com outorga recíproca, nos mesmos casos

e condições de outras alienações de bens. Há situações legais, contudo, que tolhem

a legitimação para doar. É o que sucede com o marido, bem como com a mulher,

que estão proibidos de fazer doações individualmente com os bens e rendimentos

comuns, exceto os remuneratórios e de pequeno valor, ou as doações ou dotes

efetuados às filhas e doações feitas aos filhos para seu respectivo casamento, ou

quando estabelecem economia autônoma (art. 1.647 do Código Civil). O suprimento

judicial nesta e em outras situações de doação não pode ser dado, porque o animus

52 VENOSA, Silvio de Salvo. Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, 2008, 3º volume, p. 100; ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p.24, justificando que o pródigo não é um privado de discernimento, nem está sujeito, só por isso, a afetos sem explicação. Pode ocorrer que ele seja rico e queira beneficiar pessoas afeiçoadas, pode querer fazer doação antenupcial, pois o casamento não lhe é impedido. Nesses casos cabe ao curador verificar se a doação é razoável ou se traduz um desejo mórbido; e dará ou não o seu assentimento, conforme o caso. Acrescente-se a isso que a proteção ao pródigo em nosso direito inexiste; não tememos fazer esta afirmação. O que há é proteção a sua família. 53 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade, Código Civil Comentado, 5ª edição, RT, São Paulo, 2007, p. 188, em comentário ao art. 3º anotam que a lei autoriza, excepcionalmente, que o incapaz que sucedeu empresário capaz ou que se tornou incapaz após exercer a empresa possa ser assistido ou representado por curador nomeado (CC. 974 e 975).

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donandi, por sua natureza é insuprível. Ninguém pode ser forçado a fazer

liberalidade, pois a contradição é lógica e decorre de seus próprios termos54.

A doação pode ser feita por procurador, desde que o instrumento determine

claramente o bem a ser doado, ou ainda que o doador nomeie o donatário ou dê ao

procurador a liberdade de escolha de um entre os que designar55.

As pessoas jurídicas podem doar, lembrando-se que as de direito público

sofrem restrições de ordem administrativa e as privadas sofrerão restrições impostas

por sua índole (sociedades e fundações) ou por seus estatutos e atos constitutivos.

O tutor e o curador não podem doar bens do pupilo ou do curatelado, nem dar

a autorização, porque a lei lhes confia a administração dos bens, porém, nega-lhes a

sua disposição (arts. 1.749, II e 1.781 do Código Civil). Também não pode doar o

falido porque não tem a livre administração de seus bens (L. 11.101/2005, art. 99,

VI), e, pelo mesmo motivo, os administradores de instituições financeiras em regime

de liquidação extrajudicial (L.6024/74, art. 36).

Do mesmo modo, no que toca à capacidade passiva.

54 VENOSA, Silvio de Salvo. Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, São Paulo, 008, 3º volume, p. 100/101; ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p.25, argumentando, no mesmo sentido, de que contra a imprescindibilidade do animus donandi não há argumentar com o suprimento do consentimento da mulher ou do marido para que se possa fazer doação de bens comuns. O juiz supre o consentimento se a recusa não for justa, e para não querer doar, basta a razão de não o querer, pois ninguém pode ser obrigado a empobrecer, par aumentar o patrimônio de outrem, por quem não nutre afeto ou simpatia – sentimentos insondáveis. 55 VENOSA, Silvio de Salvo. Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, São Paulo, 2008,3º volume, p. 101 e SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil, Contratos, 11ª edição de acordo com o Código Civil de 2002, Forense, Riuo de Janeiro, 2004, volume III, p.249, com apoio em Espínola e M.I. Carvalho de Mendonça. SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1995, p. 354, indicando que a faculdade de escolha dentre as pessoas indicadas pelo mandante corresponde a orientação do art. 733 do Código Civil italiano.

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Como é obvio, estão aptas a receber doações todas as pessoas capazes de

praticar os atos da vida civil.

Também as pessoas jurídicas, respeitadas as restrições acima apontadas

relativamente à sua capacidade para doar, especialmente as de direito público, que

podem depender até de lei especial para tal.

Já foi apontada acima a capacidade do nascituro para receber doação, sendo

aceita por seu representante legal (art. 542 do Código Civil) e que caducará se o

gratificado nascer sem vida.

Também podem receber doações os incapazes, no caso de doações puras,

como se infere do art. 543 do Código Civil.

As pessoas indeterminadas, como os filhos que advierem do casamento em

contemplação do qual é feita a doação (art. 546 do Código Civil), ou ainda a pessoa

jurídica que ainda não se constituiu, caso em que estará subordinada a doação a

condição suspensiva, ficando sem validade se esta não se constituir regularmente

em dois anos (art. 554 do Código Civil).

Os tutores e curadores não podem aceitar doações quanto aos bens das

pessoas que se encontram submetidas à sua administração56.

56 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, 9ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2009, p. 448. apontando como sede da proibição o art. 1749, II e afirmando que esta se estende aos bens do curatelado a teor do art. 1174.

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3.2 Forma da doação

O art. 541 do Código Civil estabelece que a doação far-se-á por escritura

pública ou por instrumento particular, e, na forma do parágrafo único, que a doação

verbal será valida, se versando sobre bens móveis e de pequeno valor se lhe seguir

incontinenti a tradição.

Portanto, a forma escrita é obrigatória, sendo excepcional a verbal, que, além

de ter objeto especificado, constitui contrato real porquanto a tradição da coisa deve

ser feita concomitantemente (incontinenti). 57

A exigência da solenidade encontra explicação na antiga antipatia ou

desconfiança para com a doação, quando, como apontado quando do exame do

direito romano, foi ela vedada pela Lei Cíncia, ou ainda, quando não se achava

natural o despojamento de bens, para entrega a terceiros sem qualquer

contraprestação. Temia-se que a doação resultasse de uma paixão momentânea, ou

de impulso generoso, ou da pressão do beneficiário, ou, o que é pior, da captação

da vontade, ou até mesmo de ameaças58. Observa Agostinho Alvim que, por ir de

encontro ao instinto de egoísmo, uma vez que a doação acarreta empobrecimento

sem qualquer compensação de ordem econômica, o doador está mais sujeito à

coação e às seduções de diversas ordens, ou ainda a vergonha de negar o oprime,

57 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p 64; TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, vol.ume II, p. 221. 58 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 127; ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p.55.

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donde a imposição da forma que o obriga a refletir59. Daí a necessidade da escritura

pública nos casos de doação de imóveis ou direitos reais sobre imóveis de valor

acima da taxa legal, atualmente trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País

(art. 108 do Código Civil), ou o instrumento particular nos casos em que este é o

meio hábil, restrita a doação verbal apenas nos casos dos pequenos “dons”.

Relativamente a estas se põe a questão de precisar o que venha a ser coisa móvel

de pequeno valor. Trata-se de um conceito jurídico indeterminado, devendo ser

fixado de acordo com as circunstâncias da parte, mais especificamente as condições

econômicas do doador. Se o doador é rico ou abastado, mesmo coisas de valor

elevado podem ser doadas por simples doação manual60. Enfim, somente será

possível avaliar se a coisa permite a doação manual diante do caso concreto.

3.3 O objeto da doação

Para ter validade, a doação deve ter por objeto coisas que estejam no

comércio: imóveis, bens móveis, corpóreos ou incorpóreos, direitos reais, vantagens

patrimoniais, como direito de crédito, ou ainda, partes que podem ser separadas do

corpo, sem prejuízo para a integridade física, para a saúde ou para a dignidade

humana, que apesar de serem bens fora do comércio entram no comércio no

59 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva,São Paulo, 1972, p 56/62, referindo o autor ainda a sistemas jurídicos em que a doação somente se faz por escritura pública ou ainda exige a confirmação judicial por meio da insinuação que entre nós foi obrigatória na vigência das Ordenações, com a finalidade de defender o doados, para livrá-lo da irreflexão, da leviandade. 60 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, vol.ume II, p.222, com invocação das lições de San Thiago Dantas, Washington de Barros Monteiro e julgado do Superior Tribunal de Justiça; no mesmo sentido CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p.131/133, destacando que o que importa é avaliar se a doação foi feita sem o menor sacrifício para o patrimônio do doador, mas recomendando prudência ao julgador que apreciará a questão caso a caso.

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sentido de poderem ser objeto de disponibilidade pelo doador, como o leite materno,

os cabelos, o material placentário, o sêmen, o sangue (Lei 4.701/65, Decreto de

5.9.1991 e 95.721/88 que regulamenta a Lei 7.649/88). 61

Esses bens podem ser presentes ou futuros. Quanto aos primeiros não há

dificuldade porque se encontram na disponibilidade imediata do doador, já integram

o seu patrimônio. Por vezes já integram o patrimônio, são suscetíveis de

disponibilidade, mas não se encontram ainda na posse do doador, como os frutos

pendentes, a colheita, os lucros que serão distribuídos por uma sociedade, ou ainda

o proveitos de eventuais direitos como os direitos autorais etc.62 Já no tocante aos

bens futuros, o antigo direito romano os excluía como objeto de doação, porém, a

partir do direito justinianeu, quando se considera válida a doação com o simples

consentimento, passou-se a entender possível, noticiando Serpa Lopes que no

direito intermédio e em varias legislação há a vedação de doação de bens futuros,

buscando, com isso evitar a doação da universalidade ou de quota-parte da

universalidade dos bens, que o doador viesse a deixar no dia de sua morte. No

nosso direito, a partir das lições de M. I. Carvalho de Mendonça e Espínola,

entende-se impossível a doação de bens futuros na acepção dada por Carvalho de

Mendonça, “aqueles que nem real, nem parcialmente pertencem ao doador, isto é os

que não estão no seu patrimônio nem podem vir a estar por ato independente de

61 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, 5ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003, volume 2º, p. 52/53; ALVIM, Agostinho. Da Doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 22, aceitando a doação de sangue, mas negando ao direito real de usufruto o caráter de doação porque a coisa não se transfere definitivamente 62 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1995, p.355.

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sua vontade” 63. Todavia, nada obsta que o evento morte seja utilizado como termo

na doação, como adiante apontado quando do exame da doação causa mortis.

3.4 A entrega da coisa e a mora do doador

Sendo a doação contrato consensual, o doador obriga-se a entregar o objeto

do contrato, a coisa doada, ao donatário. Todavia, dado o caráter de liberalidade do

contrato, o doador não é obrigado a pagar os juros da mora, do mesmo modo não

fica sujeito às consequências da evicção e tampouco responde pelos vícios

redibitórios (art. 552 do Código Civil). Porém, isto nas doações puras64. Em se

tratando de doações onerosas, como na hipótese de doação remuneratória, onde a

liberalidade está restrita ao excesso do valor do serviço prestado pelo donatário a

responsabilidade pela evicção é de rigor, embora, pela letra da lei pareça que estaria

restrita à doação propter nupcias feita por terceiro65.

Relativamente à responsabilidade pelos vícios redibitórios, o art. 441 do

Código Civil, em seu parágrafo único, estabelece que “é aplicável à disposição deste

art. as doações onerosas”, que são as oneradas com encargo e as remuneratórias,

justificando-se a exceção porque o negócio realizado não traduz pura liberalidade66.

63 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1995, p.356/357. 64 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Contratos, Forense, Rio de Janeiro, 2005, Volume 3, p. 298, destacando, em nota de rodapé, que nos contratos benéficos em geral, na forma do art. 392 do Código Civil, o benfeitor responde apelas pro dolo, enquanto que o beneficiário por simples culpa. 65 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, vol.ume II, p.236, invocando os autores a lição de Clóvis Bevilacqua – se a doação é remuneratória, gravada com encaro, feita por causa de casamento, a garantia da evicção se impõe. 66 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p.229.

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Também não se deve deixar de considerar o dolo do doador, especialmente o dolo

omissivo, porquanto transfere ao donatário coisa que sabe viciada, seja no que toca

ao título aquisitivo a ensejar responsabilidade pela evicção, seja no respeitante a

sua substância ou funcionalidade causador do vício redibitório, donde a solução,

nesses casos, é a de manter a responsabilidade pela evicção e pelos vícios

redibitórios com fundamento na cláusula geral de responsabilidade contratual

prevista no art. 392 do Código Civil67.

3.5 Classificação das doações

Várias são as propostas de classificação das doações, sendo a primeira

aquela que as distingue entre inter vivos e mortis causa ou causa mortis.

3.5.1 Doações inter vivos e mortis causa

Inter vivos são as doações feitas pelo doador por ato inter vivos e para um

efeito imediato, de caráter irrevogável; a doação causa mortis, pelo contrário, é um

instituto originário do direito romano, fundada numa liberalidade nullo iure cogente in

accipientis facta (feita sem efeito cogente para o donatário), sendo o seu traço

dominante a plena revogabilidade, ad nutum do doador. Tal forma de doação, na

opinião dos nossos mais autorizados juristas não foi aceita pelo Código Civil. O que

a caracteriza não é o simples fato de a respectiva escritura declarar que se trata de

67 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, vol.ume II, p.236.

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uma doação mortis causa, ou que determinado bem doado só será transmitido ao

donatário após a morte do doador, senão o consignar-se a sua revogabilidade ao

puro arbítrio do doador, com reversão dos bens ao doador, se sobreviver ao

donatário. Tal circunstância, porém, não obsta que a morte figure na doação como

um termo, posto que incerto, em relação ao tempo, porém certo, quando ao fato68.

Em comentário ao art. 1.165 do Código de 1916, CLOVIS BEVILACQUA

afirma que as legislações modernas não repeliram toda a espécie; algumas a

conservaram. O direito francês, o italiano e o espanhol não se ocuparam dela,

embora admitam a cláusula de reversão em benefício do doador. O novo Código

Civil mexicano, art. 2.339, remete a doação causa mortis para o disposto sobre o

testamento, admitindo-a, entretanto, entre cônjuges, de acordo com o que dispõe

nos arts. 232-234, isto é, torna definitivas essas doações somente depois da morte

do doador. O português, art. 1457, submete as doações que tenham de produzir

efeito por morte do doador ao testamento, abrindo exceção para as que se fizerem

em atenção ao casamento. O Código Civil Brasileiro também seguiu essa

orientação. Não conhece a doação causa mortis, só se for propter nupcias (art. 314

do Código Civil); porém permite que a coisa doada possa, mediante cláusula

expressa volver ao patrimônio do doador (art. 1.174 do Código Civil). A operação

eliminatória foi muito fácil porque a doação mortis causa existia entre nós,

simplesmente, como persistência do direito romano69.

68 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1995, p. 342. 69 BEVILACQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, 11ª edição, Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1958, volume IV, p.267.

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Incisiva é a lição de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO no sentido de

que a doação é ato inter vivos, e que o Código Civil de 1916, como também o de

2002 – conforme anotado pelos atualizadores de sua obra – desconhecem doações

mortis causa, admitidas pelo direito anterior, concordando com Clóvis e Espínola,

justificando a sua posição em virtude de faltar à doação causa mortis caráter de

irrevogabilidade; como se concretiza com a morte do doador, pode ser sempre

revogada, ad nutum de seu autor70.

Todavia, no vigente Código Civil não foram reproduzidos os arts. 312 a 314 do

Código Civil de 1916, eliminando-se, pois, e a doação propter nupcias, referida por

Clóvis, obedece ao disposto no art. 546: “A doação feita em contemplação de

casamento futuro com certa e determinada pessoa, pelos nubentes entre si, que por

terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro houvessem um do outro,

não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o

casamento não se realizar”. Não foi reproduzida a parte do art. 314 do Código de

1916 relativa ao aproveitamento da doação aos filhos do donatário se este falecesse

antes do doador. Os comentaristas do direito vigente sustentam que, a exemplo do

art. 542 do Código Civil, quando cuida da doação a nascituro, trata-se de doação

sob condição suspensiva (si nuptiae sequuntur), que, na dependência de fato futuro

e incerto, somente se aperfeiçoa com o evento. O casamento é a condição.

Implementada a condição, torna-se efetiva a doação, e, ao contrário, não realizado o

casamento, ficará sem validade71.

70 BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, 2ª parte, 34ª edição, Saraiva,São Paulo, 2003, p. 136. 71 FIGUEIREDO ALVES, Jones. Código Civil Comentado, coordenação de Regina Beatriz Tavares da Silva, 6ª edição, Saraiva, São Paulo, 2008, p. 496/497.

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A matéria merece reflexão a partir da ressalva de Serpa Lopes, bem como à

luz da lição de Agostinho Alvim, para quem, a par da disciplina da doação mortis

causa ressalvada no direito anterior, e na vigência dele, respondia afirmativamente

sobre a possibilidade de ser estipulada a doação sob termo inicial, valendo a morte

do doador como ponto de partida para os efeitos da doação. Argumentava que o

termo inicial suspensivo é por todos admitido, nada impedindo que a doação se faça

nessas condições, ou seja, para produzir efeito após a morte do doador. O doador

continuará com a coisa, que os seus herdeiros transferirão ao donatário. O que é

necessário é a aceitação pelo donatário, vale dizer, que o aperfeiçoamento da

doação tenha se dado em vida do doador. A objeção de que o doador poderá

arrepender-se e estará amarrado pela doação nenhum valor tem. O animus donandi

deve haver no momento da doação, e a tradição torna-se obrigatória para o doador,

ainda que arrependido esteja, em qualquer caso comum de doação. Finalmente, o

doador tem sempre a válvula de revogar a doação por ingratidão, se for o caso72.

A despeito da falta de previsão legal – ou, ainda, de vedação legal –, parece-

nos válida a classificação ante a possibilidade de ser pactuada uma doação para

produzir efeitos após a morte do doador, mediante invocação do princípio da

autonomia da vontade que informa a teoria geral dos contratos e a natureza

patrimonial da estipulação. Parece mais atual que nunca a afirmação feita em 1928

por Pontes de Miranda ao se referir à matéria em relação ao direito brasileiro: “Não

se regulou a doação mortis causa, mas alude-se a ela, no art. 314 do Código Civil, a

respeito das doações propter nupcias. Pelo fato de não se tratar delas, não se

presume que as proibiu”, chamando a doação a termo ou a condição de morte do

72 ALVIM, Agostinho. Da Doação, 2ª edição, Saraiva,São Paulo, 1972, p. 133/134.

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doador de doação por morte, nada obstando a sua validade. Trata-se de contrato

ordinário, a termo ou condicional73.

Desse modo é possível admitir a classificação ante a possibilidade de ser

pactuada a doação sob termo inicial suspensivo para produzir efeitos após a morte

do doador74.

3.5.2 Doações inter vivos e suas classificações

No que respeita à doação inter vivos, de acordo com os elementos

integrativos essenciais, bem como de elementos acidentais, as doações podem ser

classificadas ou discriminadas em vários tipos, segundo os autores, apontando-se,

exemplificativamente:

Pura, modal com encargo, remuneratória, feita em contemplação de

merecimento do donatário, sob condição, mista e doação indireta, negando a

73 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Borsoi, Rio de Janeiro, 1964, Tomo XLVI, p. 218/219. 74 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Borsoi, Rio de Janeiro, 1964, Tomo XLVI, p. 212 – As doações a causa de morte, doações mortis causa, são as doações cuja eficácia depende da sobrevivência do donatário.... (A expressão mortis causa, empregada no direito de hoje, já não se identifica com a donatio mortis causa do direito romano, porque é ato entre vivos e não de última vontade. Tem-se de admitir que o direito clássico já permitiu a donatio sem a transmissão adiada para a morte e a donatio com a transmissão adiada, cf. L.2, D., de mortis causa donationibus et capoinibus, 39, 6. Sobre isso, Fritz Schwartz, Die Grundlage der Conditio im klassischeb römischem Recht, 166, M. Amellotti, La “donatio mortis causa” in diritto romano, 1 s., que não convence ao não considerar que fora essa a espécie originária; cp. P. Simonius, Die Donatio mortis causa im kalssischen römischen Recht, c. VI). Sem razão, PEREIRA, Caio Mário, Instituições de Direito Civil, Contratos, 11ª edição de acordo com o Código Civil de 2002, volume III, p. 256, ao afirmar que: “Como reminiscência romana, alguns escritores ainda falam em doação inter vivos e doações mortis causa, como classificação que as divide nesses dois grupos, e ainda há sistemas que as consideram. O nosso, como regra, não. A doação é um contrato que opera seus efeitos em vida das partes. As liberalidades mortis causa fazem-se por testamento, que é o seu instrumento adequado.”

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qualidade de doação à simulada e refutando a classificação inter vivos e mortis

causa (SILVA PEREIRA). 75

Própria, pura, condicional, modal ou com encargo, feita em contemplação do

merecimento de alguém, remuneratória, mútuas, mistas, indiretas e dissimuladas,

conjuntiva, dos pais a filhos (SILVIO LUIZ FERREIRA DA ROCHA). 76

Pura, com encargo, remuneratória, com cláusula de reversão, de ascendente

a descendente (WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO). 77

Pura, remuneratória, com encargo, em contemplação de casamento, em

forma de subvenção periódica, com cláusula de retorno, de pais a filhos (SILVIO

RODRIGUES). 78

Pura, condicional, a termo, com encargos, remuneratória e com cláusula de

reversão (SERPA LOPES). 79

Pura, modal, remuneratória, por merecimento, conjuntiva, em contemplação

de casamento futuro (SILVIO DE SALVO VENOSA). 80

75 PEREIRA, Caio Mário, Instituições de Direito Civil, Contratos, 11ª edição de acordo com o Código Civil de 2002, Forense, Rio de Janeiro, 2004, volume III, p. 253/257. 76 FERREIRA DA ROCHA, Silvio Luís. Curso Avançado de Direito Civil – Coordenação de Everaldo Augusto Cambler - C, RT, São Paulo, 2002, vol. 3 Contratos, p. 175/180. 77 BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, 2ª parte, 34ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 140/143. 78 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, 24ª edição, Saraiva, São Paulo, 1997, vol. 3, p. 189/191. 79 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1995, p. 346/347. 80 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, São Paulo, 2008, 3º volume, p. 105/108.

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Pura, universal, condicional, a termo, modal ou com encargo, remuneratória,

em contemplação de merecimento do donatário, com cláusula de reversão, com

cláusula de usufruto, com cláusula de fideicomisso, conjuntiva, feita em

contemplação de casamento futuro, inoficiosa, de bens futuros, sob a forma de

subvenção periódica, mista (SILVIO CAPANEMA DE SOUZA). 81

3.5.3 Modalidades de doações

No direito positivo, além da doação pura, o legislador regulou a doação feita

em contemplação do merecimento do donatário, remuneratória e com encargo (art.

540 do Código Civil), a nascituro (art. 542 do Código Civil), de ascendente a

descendente e entre cônjuges (art. 544 do Código Civil), em forma de subvenção

periódica (art. 545 do Código Civil), em contemplação de casamento futuro (art. 546

do Código Civil), com cláusula de reversão (art. 547 do Código Civil).

3.5.3.1 Doação Pura

Doação pura é a celebrada sob inspiração do ânimo liberal, exclusivamente,

ou seja, envolve a atribuição do bem com o propósito de favorecer o donatário, sem

nenhuma contrapartida e sem subordinar-se a qualquer condição ou motivação

81 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 93/100.

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extraordinária82. Mas não a desnatura a imposição das cláusulas de inalienabilidade,

impenhorabilidade e incomunicabilidade e nada impede que esses gravames sejam

cancelados pelo próprio doador, com acordo dos interessados. È apontada como

subespécie dessa modalidade a doação contemplativa, aquela na qual o doador

declara o motivo da liberalidade (art. 540 do Código Civil), mas que a lei enfatiza a

permanência do caráter de liberalidade83.

3.5.3.2 Doação modal ou com encargo

Doação modal, onerosa ou com encargo é aquela na qual a liberalidade vem

acompanhada de incumbência atribuída ao donatário, em favor doador ou de

terceiro, ou no interesse geral (art. 553 do Código Civil). 84 O modus é um ônus

imposto àquele a quem se faz a liberalidade85. Há doação com encargo quando o

autor da liberalidade sujeita o donatário a pensionar um parente do doador, ou

quando oferecendo quantia de vulto a uma universidade determina que esta deverá

conceder anualmente um certo número de bolsas de estudos86. Doa-se terreno à

Prefeitura para construção de espaço esportivo ou de lazer, ou para a instalação de

uma escola com a determinação de que esta leve o nome do doador87. O modo ou

encargo, obrigação com traços definidos, deve ser distinguido do simples conselho

82 SILVA PEREIRA, Caio Mário, Instituições de Direito Civil, Contratos, 11ª edição de acordo com o Código Civil de 2002, Forense, Rio de Janeiro, 2004, volume III, p. 248; no mesmo sentido, RIZZARDO, Arnaldo. Contratos Lei n. 10.406, de 10.01.2002, 9ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2009. p. 453. 83 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, São Paulo, 2008, 3º volume, p. 105. No mesmo sentido RIZZARDO, Arnaldo, Contratos, 9ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2009, p. 454, citando em abono da possibilidade de cancelamento dos vínculos desde que não prejudique terceiros e haja acordo com os interessados – RT 201/195. 84 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, 3º volume, p. 105. 85 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, 1995, p. 346. 86 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, 24ª edição, Saraiva, 1997, vol. 3, p. 190. 87 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, 3º volume, p. 105.

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ou recomendação do declarante. O descumprimento do primeiro, acarreta

consequências jurídicas, entre as quais a mais radical é a de revogar o ato sub

modo. Já no caso da recomendação, a reprovação é apenas moral, cabendo ser

examinada a hipótese caso a caso.

Porém, sempre que a cláusula, ou a restrição se destine a acautelar o

interesse da própria pessoa a quem confere os respectivos direitos, pode afirmar-se

que se não se trata de modo, mas de simples recomendação88. Integram esta

modalidade de doação um contrato a título oneroso e um contrato a título gratuito,

segundo mostra SALVAT: “... Del primero, em la medida em que el valor de los

bienes donados corresponde a los cargos impuestos. Del segundo, em la medida

que excede este último.” 89 Constituindo o encargo uma restrição criada ao donatário

não poderá jamais assumir o aspecto de contrapartida da liberalidade, tanto que a lei

supõe que a doação supere o encargo (art. 540 do Código Civil), e nesse caso se

cuidará de outro negócio jurídico que não doação. De resto, ninguém é obrigado a

aceitar a doação se o encargo for excessivamente oneroso, mas, se o aceitar será

obrigado a cumprir por ser inadmissível o distrato por determinação unilateral90.

Em regra, o doador estabelece certo prazo razoável para o cumprimento do

encargo e, se não o estipular, será necessário constituir o donatário em mora antes

de proceder a sua revogação por inadimplemento (art. 562 do Código Civil), salvo se

88 ESPÍNOLA, Eduardo. Dos contratos nominados no Direito Civil Brasileiro, 2ª edição, Conquista, 1956, p.187, nota 4. 89 RIZZARDO, Arnaldo, Contratos, 9ª edição, Forense, 2009, p. 455, 90 ALVIM, Agostinho. Da Doação, 2ª edição, Saraiva, 1972, p. 243, afirma o autor, com apoio em D’Abranches Ferrão, à luz do direito português, que, resultando o encargo de um contrato, “o donatário não pode eximir-se ao encargo, renunciando a doação (Das Doações, vol. I, nº. 150).

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o encargo se deu em seu próprio benefício (art. 553 do Código Civil). 91 O doador, o

terceiro ou o Ministério Público, têm legitimidade para exigir o encargo. A

legitimidade do Ministério Público se dá quando, falecido o doador este não tiver

exigido o cumprimento (art. 553, parágrafo único do Código Civil). Os sucessores do

doador também são legitimados para exigir o cumprimento do encargo92. Uma vez

cumprido o encargo, a doação não será revogada por ingratidão (art. 564, II do

Código Civil).

3.5.3.3 Doação remuneratória

A doação remuneratória é a que se efetua com a finalidade de recompensar

serviços recebidos, pelos quais o donatário não se tornara credor de uma prestação

juridicamente exigível. Não se trata de pagamento nem de contraprestação. São

ditadas não pelo espírito de liberalidade, mas pela necessidade moral de compensar

serviços que foram prestados ao doador. É o caso, por exemplo, da doação de um

objeto a um médico ou a um advogado, que tratou do doador ou patrocinou

interesse deste sem cobrar nada. Evidentemente o serviço há de anteceder a

liberalidade e só será doação quanto à parte que exceder o valor do serviço (art.

540, 2ª parte do Código Civil) 93.

91 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, 5ª edição, Saraiva, 2003, 2º Volume, p. 59. 92 VENOSA, Silvio de Salvo. Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, 3º volume, p. 105. 93 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, 5ª edição, Saraiva, 2003, 2º Volume, p. 60; no mesmo sentido NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Contratos, Forense, 2005, volume 3, p. 290.

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Em contrapartida, não justificam a doação remuneratória os serviços

genéricos, não específicos, oferecidos a título de amizade ou benevolência ou

aqueles decorrentes de normas morais e sociais comuns, como no caso de

cooperação prestada pelo filho em relação ao pai94. De acordo com as

circunstâncias, há de se distinguir também entre a doação e a dação em pagamento,

esta supondo a existência de uma obrigação ajustada e cujo cumprimento se dá

pela entrega de coisa diversa95. Essas doações não são revogáveis por ingratidão

(art. 564, I do Código Civil). Questão polemica, mas atual, diz respeito à doação

remuneratória por serviços prestados por concubino, sendo afirmada a sua

possibilidade jurídica96.

3.5.3.4 Doação feita em contemplação do merecimento de alguém

Doação feita em contemplação do merecimento de alguém tem por objeto não

a recompensa de um serviço ou favor prestado, mas o apreço, a admiração nutrida

pela pessoa do doador ao donatário O doador nessa modalidade declara o motivo

da liberalidade, fá-lo porque o donatário é virtuoso, bom, dedicado aos estudos,

amigo da caridade97.

Essa intenção não desnatura a doação, que continua a ser mera liberalidade,

porque não obstante o doador declarar que a pratica em reconhecimento ou

consideração dos méritos do donatário, o doador não tem a obrigação jurídica de 94 RIZZARDO, Arnaldo, Contratos, 9ª edição, Forense, 2009, p. 456. 95 WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro – Obrigações e Contratos, 11ª edição, RT, p. 281. 96 RIZZARDO, Arnaldo, Contratos, 9ª edição, Forense, 2009, p. 456/459. 97 BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, 2ª parte, 34ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 142.

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satisfazer o seu impulso de gratidão ou de prestar homenagem ao merecimento do

donatário98.

A doação feita em contemplação do merecimento não se confunde com o

cumprimento da promessa de recompensa, porque a execução desta não é

liberalidade, e sim cumprimento de obrigação, ou seja, obrigação unilateral a teor do

art. 854 do Código Civil99.

3.5.3.5 Doação conjuntiva ou em comum

A chamada doação conjuntiva100ou em comum101 é disciplinada pelo art. 551

do Código Civil e parágrafo único, que, repetindo literalmente o direito anterior (art.

1.178 do Código Civil), estabelece que, “salvo declaração em contrário, a doação em

comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual”. O

parágrafo único: “Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá

na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.” A disposição é de índole

98 FERREIRA DA ROCHA, Silvio Luís. Curso Avançado de Direito Civil – Coordenação de Everaldo Augusto Cambler - C, RT, São Paulo, 2002, vol. 3 Contratos, p. 178. O autor cita como exemplo a atribuição do Premio Nobel. A importância em dinheiro se dá justamente em contemplação do merecimento intelectual, acadêmico do agraciado; RIZZARDO, Arnaldo, Contratos, 9ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2009, p. 459, entende que neste tipo classificam-se as pequenas gratificações ou recompensas feitas para corresponder à atenção que uma pessoa tem para com outra, como por exemplo, a doação beneficiando um antigo e fiel empregado, em compensação dos cuidados e da fidelidade que revelou no desempenho de suas funções, invocando a lição de Salvat: “las donaciones de esta clase no entran en la categoria de remuneratórias, aunque las parte las califiquen como tales, sino que constituyen donaciones comunes o gratuitas, sujetas a todas las reglas de fondo y forma prescritas para las mismas, por ejemplo: ausencia de garantia de evicción; reducion por exceder la cuantidad disponible del donante. 99 FERREIRA DA ROCHA, Silvio Luís. Curso Avançado de Direito Civil – Coordenação de Everaldo Augusto Cambler - C, RT, São Paulo, 2002, vol. 3 Contratos, p.178. 100 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, 2004, vol. VIII, p. 216, assim a denomina; no mesmo sentido NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Contratos, Forense, 2005, volume 3, p. 297. 101 BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, 2ª parte, 34ª edição, Saraiva, 2003, p. 146.

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obrigacional102, e, do que se depreende da letra da lei é permitido o estabelecimento

de desigualdade entre os donatários, porém isto dependerá de estipulação expressa

no título da doação – se o contrário não resultar do contrato – diz a lei, disto

resultando a possibilidade de o doador aquinhoar diferentemente os donatários em

comum103. Em se tratando de bens divisíveis, nenhuma dificuldade haverá na

transmissão da propriedade, todavia, em se tratando de coisa indivisível estabelece-

se o condomínio104. Neste último caso, é possível ao doador estabelecer a proibição

aos donatários de promover a extinção do condomínio, porém, tal restrição não

poderá exceder cinco anos (art. 1.320, § 2º do Código Civil) que pode ainda ser

elidida por decisão judicial, a requerimento de qualquer interessado e se graves

razões o aconselharem, caso em que o juiz pode determinar a divisão da coisa

comum antes do prazo de cinco anos ou menor imposto no título (art. 1.320, § 3º do

Código Civil). Sendo divisível a coisa doada a várias pessoas pode ser feita a

divisão105.

É possível, também, estipular o doador que, na falta de um dos donatários a

parte do que faltar acresça aos que venham ou ao que venha a sobreviver106.

Ausente estipulação no título da doação, os herdeiros do donatário sucedem na

parte deste na coisa doada. A regra do parágrafo único diz respeito às doações

feitas a marido e mulher. Consequentemente, não se aplica ao caso da doação

102 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, 2004, vol. VIII, p.215. 103 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, 1972, p. 210, ressalvando o autor, entretanto, a possibilidade de ser necessário o recurso a provas extrínsecas, no caso de doação manual, de pequeno valor em que a prova testemunhal e outras poderão ser utilmente produzidas para a demonstração da desigualdade querida pelo doador. 104 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Contratos, Forense, 2005, Volume 3, p. 297. 105 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, 2004, vol. VIII, p 217/218. 106 BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, 2ª parte, 34ª edição, Saraiva, 2003, p. 146, justificando que disposição análoga existe em relação ao direito real de usufruto.

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propter nupcias visto supor a lei que os donatários já estejam casados107. Aqui se dá

o inverso; no silêncio do título entende-se que há o direito de acrescer, porém não

se trata de preceito de ordem pública, podendo o doador excluir esse direito108. Na

omissão, a regra atua qualquer que seja o regime do casamento, pois nada impede

que, casados no regime de separação recebam doação comum, como podem

comprar algo em comum109.

Esse direito de acrescer se aproxima do fideicomisso, mas, como pondera

SILVIO CAPANEMA DE SOUZA, citando JULIO CESAR BRANDÃO, que, por seu

turno se reporta a AGOSTINHO ALVIM, seja direito de acrescer, ou que se

assemelhe a fideicomisso ou ainda que seja um direito sui generis, a verdade é que

a matéria é prevista em lei operando-se o acréscimo automaticamente, o que

dispensa a abertura do inventário110. Segundo a letra da norma, o bem de tal forma

recebido não será inventariado e permanecerá exclusivamente com o cônjuge

sobrevivente111.

107 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Contratos, Forense, 2005, Volume 3, p. 297 213, n. 4. 108 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Contratos, Forense, 2005, Volume 3, p. 298. 109 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, 1972, p. 213. 110 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, 2004, vol. VIII, p. 220, com citação de jurisprudência do TJSP apontando que basta, em termos registários, a averbação do falecimento do co-donatário. 111 RIZZARDO, Arnaldo, Contratos, 9ª edição, Forense, 2009, p.464; no mesmo sentido ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, 1972, p.211/212, lembrando que a regra tem sido esquecida na maioria dos inventários, sendo freqüente a declaração desse bem pelo cônjuge sobrevivente, para fim de ser partilhado, quando, na verdade o bem é de propriedade exclusiva do sobrevivente, e, portanto, não devendo ser inventariado.

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3.5.3.6 Doação a nascituro

A doação ao nascituro é prevista no art. 543 do Código Civil nos seguintes

termos: “A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante

legal”. Repetiu-se a disposição do direito anterior com a substituição da referência

aos pais pelo representante legal. A norma suscita algumas dúvidas, em razão de

não ser o nascituro dotado de personalidade a teor do art. 2º do Código Civil sendo

certo, entretanto que da segunda parte do mesmo art. são postos a salvo, desde a

concepção, os seus direitos.

Grande é a discussão em termos científicos acerca do momento da

concepção, valendo lembrar a recente disputa jurídica perante o Supremo Tribunal

Federal acerca da utilização das células tronco. O Código, entretanto, no art. 1597 e

incisos presume concebidos na constância do casamento os filhos: a) nascidos 180

dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; b) os nascidos nos

300 dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, separação

judicial, nulidade e anulação do casamento; c) os havidos por fecundação artificial

homóloga, mesmo que falecido o marido; d)havidos a qualquer tempo, quando se

tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homologa e; e)

havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do

marido112. Na verdade, o que se assegura são as expectativas de direito do

nascituro – que tem capacidade para herdar (arts. 1798 e 1799, I), criando-se,

112 TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Código Civil Comentado, coordenação de Regina Beatriz Tavares da Silva, 6ª edição, Saraiva, 2008, p. 1740/1742, critica a presunção constante do inciso II sustentando a sua falta de sentido, porque em=m regra a separação judicial e as ações de nulidade e anulação do casamento são em regra precedidas de separação de fato entre os cônjuges de modo que não podem os filhos havidos trezentos dias após as sentenças respectivas ser havidos presumivelmente como sendo do marido. No tocante aos casos que versam sobre reprodução assistida a autora aplaude as normas que reconhecem o atual estádio da ciência sobre a matéria.

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inclusive, a figura de do curador ao ventre, no caso do art. 1.179 do Código Civil

para velar por seus interesses113. Indispensável, entretanto, que já esteja concebido,

tanto que a aceitação da herança é feita por seus representantes legais. Esta a

solução do nosso direito que coincide com o direito francês e com o direito espanhol,

dela divergindo o direito português e o direito italiano, a exigir que esteja viva, ao

tempo da doação, a pessoa determinada, em favor de cujos filhos a doação é

feita114.

A reforçar a conclusão de que o nosso Código, seguindo o sistema francês e

espanhol só admitiu a doação aos já concebidos, ao seu tempo, invoca-se o

comentário de CLOVIS BEVILACQUA, ao art. 1.169 do Código Civil, que cuidava da

matéria: “Se, porém, a pessoa ainda não estiver concebida, não podem os pais

aceitar a doação não podem os pais aceitar doação, que se lhe faça, salvo sob a

forma de fideicomisso convencional”. A matéria, entretanto, deve suscitar grandes

debates na jurisprudência. A doação a nascituro é negócio jurídico subordinado a

condição suspensiva, que é o nascimento com vida, do donatário, fato que lhe

confere personalidade e aptidão para adquirir o direito resultante da doação. Não se

trata de nulidade ou anulabilidade, e sim de ineficácia em razão do não implemento

da condição. Para que um ente seja pessoa e adquira personalidade jurídica será

suficiente que tenha vivido por um segundo115. Se o donatário chegou a respirar,

113 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, 2004, vol. VIII, p. 140, vai além, sustentando que o curador ao ventre vela pelos interesses do nascituro, quando colidem com os interesses dos pais. 114 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo, Maria Helena, Código Civil Comentado, coordenação de Regina Beatriz Tavares da Silva, 6ª edição, do Teixeira, Forense, 2004, vol. VIII, p. 141/142. 115 DINIZ, Maria Helena, Tratado Teórico Prático dos Contratos, 5ª edição, Saraiva, 2003, 2º volume, p. 4; CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, 2004, vol. VIII, p. 146, observa que nem sempre é fácil, na prática, apurar se o nascituro chegou a respirar. Na dúvida, será indispensável que se recorra ao teste de Galeno, conhecido como “dosimácia hidrostática”, que permite atestar, com precisão, se houve

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ainda que uma só vez, tornou-se pessoa, e a doação passa a produzir todos os seus

efeitos, e caso venha a falecer, transmitirá a propriedade aos seus herdeiros, que

são seus pais, se ainda vivos ou os que se seguirem na ordem da vocação

hereditária. A doação, nesse caso, terá atingido, integralmente, o seu objetivo,

produzindo todos os seus efeitos, não retornando o bem ao patrimônio do doador,

salvo se dela constar a cláusula de reversão116.

3.5.3.7 Doação de ascendentes a descendentes e entre cônjuges

O art. 544 do Código Civil estabelece que “a doação de ascendentes a

descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe

por herança”. O dispositivo inova em relação ao art. 1.171 do Código de 1916 ao

incluir os cônjuges. Harmoniza-se com a regra do art. 1.829 do Código Civil, I, pela

qual é reconhecido ao cônjuge sobrevivente direito sucessório ou em concorrência

com os descendentes. Decorre lógica conclusão de que a doação versará sobre os

bens particulares de cada cônjuge, certo que, no regime da comunhão universal, o

acervo patrimonial é comum a ambos, o que seria ocioso doar; no de separação

obrigatória de bens, o cônjuge não concorre na sucessão, e no da comunhão

parcial, apenas concorre se o autor da herança não houver deixado bens

particulares117.

entrada de ar, nos alvéolos pulmonares do nascituro, o que demonstraria a existência de respiração. Se o nascituro não chegou a respirar, não adquiriu personalidade, não podendo ser considerado sujeito de direito, o que torna ineficaz a doação. 116 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, 2004, vol. VIII, p. 147. 117 FIGUEIREDO ALVES, Jones. Código Civil Comentado, coordenação de Regina Beatriz Tavares da Silva, 6ª edição, Saraiva, São Paulo, 2008, p. 495. No mesmo sentido CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de

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Já no tocante à doação de ascendentes a descendentes, não houve alteração

de substância. Os filhos são herdeiros necessários de seus pais (art. 1.845 do

Código Civil), a eles pertencendo, de pleno direito, a metade dos bens da herança,

constituindo a legítima (art. 1.846 do Código Civil), donde se entender que a doação

do ascendente ao descendente importa adiantamento de legítima, que é o que

constava da norma do direito anterior. Quando os pais vendem bens a seus filhos, a

alienação depende do consentimento dos demais e do cônjuge do alienante, este

dispensado se o regime de bens for o da separação obrigatória (art. 496 e parágrafo

único do Código Civil). Isto porque não se poderia, por ocasião do inventário, reparar

a injustiça que porventura tivesse havido, decorrente do baixo preço, uma vez que

os bens vendidos não vêm à colação.

O mesmo não ocorre no caso de doação porque, importando adiantamento da

herança (legítima), devem ser trazidos à colação pelo valor certo ou estimativo

constante do título ou, na omissão, que valiam ao tempo da liberalidade (art. 2.004,

§ 1º do Código Civil), e por metade, no inventário de cada um, se a doação for feita

por ambos os cônjuges (art. 2.012 do Código Civil). Se de um lado a doação exerce

relevante função social, traduzindo um gesto de altruísmo e liberalidade, ajudando a

solidificar relações de amizade e familiares, encerra riscos, até mesmo de gerar

turbulência no seio da família, o que levou o legislador a estabelecer um sistema

rígido de controle, quanto à sua forma, para que se torne claro o animus donandi e

quanto à sua extensão, para a proteção dos superiores interesses da família118.

Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 152; VENOSA, Silvio de Salvo. Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, São Paulo, 2008, 3º volume, p. 108. 118 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 153.

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Daí a vedação das doações que ultrapassem a parte disponível do doador,

prejudicando os herdeiros necessários e pondo em desigualdade os filhos. Se isto já

era assim no direito anterior, com maior razão agora que, por disposição

constitucional, se veda qualquer discriminação em razão do estado de filiação

(Constituição Federal, art. 227, § 6º). 119 Para que a doação beneficie um filho em

detrimento dos outros é mister que o doador a inclua em sua parte disponível, com

expressa menção de que o donatário fica dispensado da colação (art. 2.005 do

Código Civil).

3.5.3.8 Doação em forma de subvenção periódica

A doação em forma de subvenção periódica, prevista no art. 545, é doação

condicional resolutiva. Em relação ao direito anterior, a modificação foi a de limitar a

doação à vida do donatário120. No direito anterior, afirmava CLOVIS BEVILACQUA

que este artigo foi inspirado pelo Código Civil alemão, apesar de que, entre nós, era

conhecida e praticada essa forma de doação, que é uma constituição de renda a

título gratuito. Determina o Código que, na falta de disposição em contrário, se

119 Nesse sentido CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 152. 120 BEVILACQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, 11ª edição, Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1958, volume IV, p.272 Esse acréscimo seria ocioso ao ver deste autor, pois que a subvenção é benefício feito a pessoa designada. Somente por disposição expressa poderia a liberalidade passar aos herdeiros do beneficiado, que, neste caso seriam beneficiários sucessores.

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considera vitalícia, em relação ao doador, o que vale dizer que a obrigação não se

transfere aos herdeiros121.

A redação atual aproxima-se mais da do Código Civil Alemão que em seu art.

520 estabelece que “se o doador promete um auxílio consistente em prestações

repetidas, a obrigação se extingue com sua morte, desde que outra coisa não se

deduza da promessa”. A mesma limitação se encontra no direito português,

limitando o benefício à vida do donatário, sem a ressalva quanto à disposição em

contrário (art. 943). E o Código Italiano mais se aproxima do alemão e do nosso, ao

dispor, em seu art. 772, que “a doação que tem por objeto prestações periódicas se

extingue pela morte do doador, salvo se resulta do ato uma diversa vontade.”

No regime anterior, silente o texto, poderia o doador estipular, desde que

expressamente, que a liberalidade se transferiria aos herdeiros do donatário, que

passariam a receber as prestações, perdendo, assim, o seu caráter pessoal. Agora,

segundo norma cogente, não poderá ultrapassar a vida do donatário. Observa

SILVIO CAPANEMA DE SOUZA que o objetivo da alteração foi estancar, em

definitivo, as dúvidas geradas pela antiga redação e ressaltadas por CLOVIS. Como

se não bastasse, também se elimina a terrível confusão que se fazia com o direito

hereditário, para decidir se os herdeiros do beneficiário poderiam sucedê-lo,

subrogando-se na subvenção. Com a nova redação se veda, expressamente, a

121 BEVILACQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, 11ª edição, Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1958, volume IV, p.272; no mesmo sentido FIGUEIREDO ALVES, Jones. Código Civil Comentado, coordenação de Regina Beatriz Tavares da Silva, 6ª edição, Saraiva, São Paulo, 2008, p. 496.

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continuidade do benefício após a morte do donatário, o que também evita que se

perpetue a obrigação122.

Em regra, o objeto desta doação é constituído por uma determinada quantia,

mas nada obsta que se estipule outra modalidade, como a entrega de cesta básica

ou bolsa de estudos123 ou as despesas mensais do tratamento de um doente

internado num hospital particular124. É possível, também, limitar no tempo a doação,

por exemplo, até a formatura do estudante, ou pelo prazo de dez anos, ou qualquer

outro lapso temporal; mas a liberalidade não poderá ultrapassar a vida do donatário.

Bem como, caso não se tenha estipulado em contrário, cessará com a morte do

doador.

Conforme leciona AGOSTINHO ALVIM, a hipótese não é de pluralidade de

doações “e sim uma só doação, com execução prolongada”. Como consequência de

ser uma e não múltipla doação em forma de subvenção periódica, a alteração da

capacidade não influi, quer se trate de capacidade geral, como no caso do doador

que vem a sofrer interdição, quer se trate de capacidade contratual, específica para

cada contrato, como na hipótese em que o doador se case, fato esse que não

influirá no contrato de doação já firmado, a despeito da restrição que sofrem as

pessoas casadas no que respeita à capacidade ativa para doar125.

122 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 165/166. 123 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Contratos, Forense, Rio de Janeiro, 2005, Volume 3, p. 294. 124 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 166. 125 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 109/110.

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Não parece que o doador possa, quando bem lhe aprouver, interromper o

cumprimento do contrato, o que seria possível apenas no caso de uma série de

doações individuais126. Entretanto, tratando-se de prestações periódicas, o contrato

se equipara aos de trato sucessivo ou de execução continuada, a ele se aplicando a

regra do art. 478 que admite a resolução por onerosidade excessiva. A alteração de

fortuna do doador, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis,

poderá ensejar o pedido de resolução do contrato. Com o empobrecimento do

doador, sendo obrigado a manter o pagamento da subvenção doada, o ato perderia

o caráter de liberalidade. Também lhe seria possível reclamar a redução da

subvenção, melhor a adaptando à sua nova realidade econômica127.

3.5.3.9 Doação feita em contemplação de casamento futuro

A doação feita em contemplação de casamento ou propter nupcias está

prevista no art. 546 que repete o art. 1.172 do Código de 1916, sem qualquer

alteração: “A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e

determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a

ambos ou aos filhos que de futuro houverem um do outro, não pode ser impugnada

por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar.” Trata-

se de caso particular de doação condicional, em que a sua eficácia está sujeita à

celebração do casamento em contemplação do qual é realizada128.

126 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Contratos, Forense, Rio de Janeiro, 2005, Volume 3, p. 296. 127 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 167. 128 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p.24 235; no mesmo sentido, FIGUEIREDO ALVES, Jones. Código Civil Comentado, coordenação de Regina Beatriz Tavares da

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Como destaca AGOSTINHO ALVIM, é necessário que esta seja feita antes do

casamento e não basta que se tenha em vista um casamento possível ou provável.

A doação para casamento supõe que o donatário esteja para casar com pessoa

certa e determinada129. O doador pode ser um terceiro ou algum dos nubentes. No

caso de doação por terceiro a doação pode ser feita para ambos os nubentes ou

para um deles, comunicando-se os bens, a não ser que o beneficiário seja apenas

um deles130. Donatário poderá ser um dos cônjuges, ambos, ou os filhos que

advierem desse casamento131. Enquanto a núpcia não é celebrada, o donatário não

adquire o bem doado132. Realizado o casamento, e sendo donatários os filhos

futuros, os pais podem usar e gozar da coisa, ainda mesmo que seja fungível, como

dinheiro, obrigados, então, a devolverem o equivalente.

Nada obsta, porém, que o doador exija garantia para segurança da prole

eventual, como ocorre com o usufruto de coisa fungível133. A transferência do

domínio, nesse caso, dar-se-á no momento em que nascer com vida o primeiro filho

do casal, sujeito a transformar-se em condômino se sobrevierem outros filhos. Se Silva, 6ª edição, Saraiva, São Paulo, 2008, p. 496; NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Contratos, Forense, Rio de Janeiro, 2005, Volume 3, p. 295, fundado nas lições de Clóvis Bevilacqua, João Luiz Alves e Agostinho Alvim.; CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p.168. 129 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 117. 130 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 171. 131CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro., 2004, vol. VIII, p. 170, afirma que nesta peculiar modalidade de doação podem ser beneficiários pessoas de existência meramente possível, quais sejam os filhos ainda não concebidos dos nubentes, ficando, obviamente, suspensos os seus efeitos até o seu nascimento com vida. 132 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, 9ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2009, p. 465, com apoio em Caio Mário da Silva Pereira. 133 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 1123/124. Neste comentário, o autor sustenta a inexistência de fideicomisso, bem como da qualidade de fiduciário dos pais, afirmando tratar-se de figura sui generis, próxima do fideicomisso, inclusive no uso e gozo da coisa a que os pais tem direito e que guarda semelhança, porventura mais acentuada, com o usufruto. A exigência de garantia encontra apoio nos artigos 1392, § 1º e 1400 do Código vigente que correspondem aos artigos 726 e 729 do Código de 1916 a que se remete o autor.

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não sobrevier a prole, o negócio desfaz-se devendo os bens retornar ao doador ou

seus sucessores. Caso a núpcia não venha a se realizar, o negócio ficará sem

efeito. Particularidade desse tipo de doação é a dispensa de aceitação, que se

considera implícita no simples fato dos donatários se casarem134 e a sua

irrevogabilidade por ingratidão (art. 564, IV do Código Civil). Sendo feita pelos

nubentes deverá observar a forma determinada para os pactos antenupciais, ou

seja, deverá ser feita por instrumento público (art. 1.653 do Código Civil). 135

3.5.3.10 Doação com cláusula de reversão

Trata-se, na verdade, de cláusula acidental na doação que a subordina a uma

condição resolutiva, com a finalidade de obstar que o bem doado passe a outras

pessoas, além do donatário, caso sua morte preceda a do doador (art. 547 do

Código Civil). Esta cláusula deve constar do título da doação, seja instrumento

particular, seja escritura pública. O donatário, neste caso, goza de direito atual

podendo exercer desde o momento da doação o direito por ela estabelecido, uma

vez que a condição é resolutiva e não suspensiva. O donatário poderá dispor da

coisa, porém a sua propriedade é resolúvel, de sorte que, resolvida a doação

resolve-se a alienação ou o direito real sobre ela constituído, bem como o eventual

compromisso de compra e venda136.

134 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 169. 135 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, 9ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2009, p. 465. 136 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 135; GOMES, Orlando. Contratos, 26ª edição, Coordenador Edvaldo Brito, Revista, Atualizada e Aumentada de acordo com o Código Civil de 2002, Forense, Rio de Janeiro, 2007, p. 260, também considera resolúvel a propriedade do donatário neste caso.

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Resolvida a doação, extinguindo-se os efeitos da liberalidade, passa a ser

considerada como inexistente, desaparecem todos os seus efeitos e o doador

recebe a coisa livre e desembaraçada de quaisquer ônus137. Operada a reversão,

não estão os herdeiros do donatário ou os terceiro obrigados a restituir ao doador os

frutos percebidos enquanto pendia a doação, aplicando-se, por analogia, o disposto

no art. 1.214. Se isto é garantido ao possuidor, com maior razão àquele que é titular

de um domínio resolúvel.

Do mesmo modo, terão direito a indenização, inclusive com faculdade de

retenção, para haver o quanto gasto com a introdução de benfeitorias úteis ou

necessárias na coisa, sem o que ocorreria o enriquecimento sem causa do

doador138. Morrendo antes o doador, não se implementa a condição resolutiva,

passando o bem à plena e definitiva propriedade do donatário. Em relação ao direito

anterior, anota-se o acréscimo do parágrafo único a estabelecer que “não prevalece

cláusula de reversão em favor de terceiro.” O nosso Código só se refere à reversão

na hipótese do doador sobreviver ao donatário. Em outros sistemas a reversão só

opera em caso de precedência da morte do donatário e de seus descendentes139.

137 WALD, Arnoldo. de Direito Civil Brasileiro – Obrigações e Contratos, 11ª edição, RT, São Paulo, 1994, p. 284. 138 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p.134/135. 139 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 176. Aponta o autor o art. 951 do Código francês nesse sentido; o Código Português que no n. 2 do art. 960 estabelece que a reversão dá-se no caso de o doador sobreviver ao donatário, ou a este e a todos os seus descendentes; não havendo estipulação em contrário, entende-se que a reversão só se verifica nesse último caso”, enquanto que no item 3 determina que “a cláusula de reversão que respeite a coisas imóveis ou a coisas móveis sujeitas a registro, carece de ser registrada”. No Código italiano (artigo 791) se adota a mesma posição do direito luso, entendendo-se que à falta de previsão expressa a cláusula de reversão só produzirá seus efeitos se precederem a morte do donatário e de seus descendentes. No direito espanhol o alcance da clausula é mais amplo, dispondo o artigo 651 de seu Código que “poderá estabelecer-se validamente a reversão em favor do doador para qualquer caso e circunstâncias, mas não em favor de outras pessoas, senão nos mesmos casos s com as limitações que determina este Código para as substituições testamentárias. A reversão estipulada pelo doador contra o disposto neste artigo é nula, mas não produzirá a nulidade da doação.”

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Questão polêmica acerca da possibilidade de ser estabelecida por meio da

cláusula de reversão um verdadeiro fideicomisso acabou por ser solucionada pela

norma do parágrafo único do art. 547 ao vedar a cláusula de reversão em favor de

terceiro, antes admitida por simetria entre a doação e o direito sucessório140.

Todavia, a norma expressa não comporta interpretação outra senão a dada por

SILVIO CAPANEMA DE SOUZA: ”querendo o doador que o bem doado passe a

terceiro, se o donatário o preceder na morte, terá de se valer da figura do

fideicomisso e não da reversão. Ou seja, somente por testamento poderá dar a

pretendida destinação à coisa objeto da doação com cláusula de reversão. A

redação atual do art. 547 reforça o caráter pessoal da doação, sem qualquer

prejuízo para os herdeiros do donatário, já que nenhuma contraprestação ofereceu

ao doador pela aquisição da coisa doada, que se opera gratuitamente. Os herdeiros

do donatário, nesse caso, quando muito deixaram de ganhar, mas nada perderam.”

141

Nada impede, entretanto, que o doador por ato posterior, renuncie a reversão,

antes da morte do donatário, ou depois dela, dado o caráter patrimonial do direito

que dela resulta, o que o torna disponível . No caso de renúncia, a propriedade do

donatário deixa de ser resolúvel e se consolida, passando aos herdeiros se for ela

manifestada após a sua morte.

142

140 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 157/158. 141 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p.178/179. 142 VENOSA, Silvio de Salvo. Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, São Paulo, 2008, 3º volume, p. 109.

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3.5.3.11 Doações proibidas

Conquanto não seja tipo ou espécie de doação, são examinadas

destacadamente duas proibições impostas ao doador: a doação ao cúmplice do

cônjuge adúltero e a doação de todos os bens sem reserva para subsistência.

3.5.3.11.1 Doação a cúmplice de cônjuge adúltero

No primeiro caso, previsto no art. 550, a doação pode ser anulada pelo outro

cônjuge, tratando-se, portando de anulabilidade ou nulidade relativa. O que se

protege é o patrimônio familiar durante a constância do casamento143. E como causa

da anulabilidade, o suposto da lei é o adultério de um dos cônjuges144. A proibição,

portanto, não atinge o cônjuge separado ou divorciado145.

O Código refere-se a adultério e a ligação ao concubinato se explicava pela

remissão legal do direito anterior ao art. 248. IV do Código Civil, ao permitir que a

mulher casada livremente reivindicasse os bens comuns doados ou transferidos pelo

marido à concubina, e esta disposição legal se remetia ao art. 1.177 do Código Civil,

ou seja, exatamente à hipótese em exame. Atualmente, embora sem remissão legal,

o art. 1.642, V do Código Civil, permite ao marido ou à mulher, livremente, reivindicar

os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao

concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço 143 FIGUEIREDO ALVES, Jones. Código Civil Comentado, coordenação de Regina Beatriz Tavares da Silva, 6ª edição, Saraiva, São Paulo, 2008, p. 502. 144 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 192. 145 BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, 2ª parte, 34ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 146.

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comum destes, se o casal estiver separado de fato há mais de cinco anos.

Modificada em parte a possibilidade de reivindicação, a questão ainda se põe, ou

seja, se seria necessária a existência de concubinato ou bastaria o adultério.

Analisando a matéria, à luz do direito anterior, AGOSTINHO ALVIM,

comentando o art. 1.177 do Código Civil, adota a posição de CLOVIS BEVILACQUA

para quem, dada a divergência, deveríamos subordinar o art. 1.177 ao art. 248 V do

Código Civil, cuja redação se assemelha ao art. 1642, V do Código Civil, onde se

acha o pensamento capital do legislador sobre o assunto, e, portanto, deveria haver

concubinato. Lembra também a posição contrária de PONTES DE MIRANDA, para

quem a expressão concubina deve ser entendida como cúmplice de adultério146.

No direito vigente deve ser levada em conta a ressalva posta no art. 1.642, n.

V, ao possibilitar a reivindicação, desde que provado, que os bens não foram

adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais

de cinco anos, e no art. 1.801, n. III, que veda a nomeação de herdeiro ou legatário,

do concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de

fato do cônjuge há mais de cinco anos. Estas ressalvas indicam a necessidade de

ocorrer adultério, somente possível enquanto persistente o vínculo matrimonial, e

não concubinato.

Daí o acerto da afirmação de ARNALDO RIZZARDO ao sustentar que, em tais

condições, perdura o disposto no art. 550 do Código Civil (art. 1177 do Código

revogado) unicamente às doações de um dos cônjuges ao amásio ou amante, ou à

146 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 195/197.

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pessoa que se relaciona afetiva e sexualmente, mas mantém, nela convivendo, a

sociedade formada pelo casamento147. A norma visa a proteger o patrimônio do

casal em detrimento das relações concubinárias148.

A ação pode ser proposta pelo cônjuge ou por seus herdeiros necessários.

Pelo que se depreende do texto do art. 550 do Código Civil, legitimado é o cônjuge

traído. Se não o fizer e deixar escoar o prazo de decadência, não poderão ajuizar a

ação os herdeiros necessários. Daí se conclui que a legitimação é privativa,

enquanto viver o cônjuge inocente, só estando legitimados os herdeiros após a sua

morte. E o prazo decadencial passa a fluir a partir do momento da dissolução da

sociedade conjugal, seja para o legitimado originário, seja para os herdeiros

necessários149. Se o cônjuge inocente vier a falecer no curso da ação, poderão os

herdeiros necessários nela prosseguir. Entretanto, como observa SILVIO

CAPANEMA DE SOUZA, o novo Código, em seu art. 208, trouxe profunda

modificação ao regime jurídico da decadência, ao estabelecer que o prazo não

correrá contra os absolutamente incapazes, donde, morrendo o cônjuge inocente, e

sendo os herdeiros necessários absolutamente incapazes, em razão da idade, só

147 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, 9ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2009, p. 447. Mais adiante, na mesma página, cita em abono da tese a lição de Edgard de Moura Bittencourt a entender que a doação vedada pressupõe a prática do ato na vigência da sociedade conjugal. 148 VENOSA, Silvio de Salvo. Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, São Paulo, 2008, 3º volume, p. 109, citando o autor jurisprudência que não admitiu a anulação do ato, quando se trata de concubinato sólido, atualmente denominado de união estável, de companheirismo more uxório, dom o donatário ou donatária, na hipótese de o doador encontrar-se separado de fato de há muito do cônjuge. O novo direito da união estável reforça mais esse entendimento. 149 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, 24ª edição, Saraiva, São Paulo, 1997, vol. 3, p. 198, afirmando que “A lei defere não só ao cônjuge inocente, como também aos herdeiros necessários, o direito de promover a anulação das doações feitas pelo cônjuge adúltero a seu cúmplice. Este direito é privativo do cônjuge inocente, enquanto ele viver. Só após a sua morte é que os herdeiros necessários ganham legitimação para a propositura da reivindicação. Aliás, isto advém não só da circunstância de seus ascendentes e descendentes só adquirirem a condição de herdeiros necessários depois de aberta a sucessão, como também em respeito ao cônjuge inocente, que pode preferir guardar sigilo sobre o adultério de seu consorte, sentimento que deve ser respeitado e que não se compreende seja perturbado pela interferência daqueles seus parentes.

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voltará a fluir, pelo tempo que sobejar, quando eles se tornarem relativamente

incapazes150.

3.5.3.11.2 Doação de todos os bens sem reserva para subsistência

A outra figura é a da doação chamada universal sem a reserva de usufruto ou

renda suficiente para a subsistência do doador (art. 548 do Código Civil). A

proibição já estava prevista nas Ordenações (Liv. 4, Tit. 80, § 3º) e TEIXEIRA DE

FREITAS formulou a regra no art. 425 de sua Consolidação das Leis Civis dispondo:

“É nula a doação entre vivos de todos os bens sem reserva do usufruto ou do

necessário para subsistência do doador” 151.

O art. 548 do Código Civil reproduziu o art. 1.175 do Código de 1916, dispondo

que: “É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente

para a subsistência do doador”. O doador não pode reduzir-se à miséria ou sujeitar-

se a viver às expensas de outrem ou ainda da caridade pública em virtude da

disposição de todos os seus bens152.

A regra tem o propósito direto de proteger o doador não permitindo que, por

sua leviandade ou imprevidência, caia em penúria. E, ao mesmo tempo, o escopo

indireto de proteger a sociedade, evitando que o Estado seja compelido a prestar

150 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p 211. 151 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 162. 152 SILVA PEREIRA, Caio Mário, Instituições de Direito Civil, Contratos, 11ª edição de acordo com o Código Civil de 2002, Forense. Rio de Janeiro, 2004, volume III, p. 262; FERREIRA DA ROCHA, Silvio Luís. Curso Avançado de Direito Civil – Coordenação de Everaldo Augusto Cambler - C, RT, São Paulo, 2002, vol. 3 Contratos, p. 182 com apoio em Silvio Rodrigues que invoca jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

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assistência a mais um desgraçado153. A lei impõe, pois, limites ao impulso

generoso, até mesmo para coibir maquinações captatórias de donatários

inescrupulosos, que poderiam induzir alguém a lhes transferir todos os seus bens154.

AGOSTINHO ALVIM afirma que parece ser esta a razão que originou em

Roma a Lei Cíncia, embora, com apoio em ASCOLI, afirme que nunca se conseguiu

saber com certeza os motivos que deram origem a esta lei, e, no direito moderno, os

rigores da forma imposta a este contrato155. A doação será universal se o doador

dispõe de todos os seus bens, ou apenas de um, se tiver apenas esse bem156.

Saber se a reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador é

matéria de fato, sustentando a doutrina que seria o que baste para a manutenção do

doador e de sua família157, segundo a sua posição social, suas circunstâncias, e a

estimativa deve ser a contemporânea da doação. A proibição da lei consiste em

proibir o empobrecimento total atual158.

Pode ocorrer que sejam feitas doações sucessivas, em épocas diferentes.

Neste caso, as que não hajam determinado a penúria total do doador são

inatacáveis. Se as doações são simultâneas e houverem privado o doador dos

meios de subsistência, todas elas serão nulas159. Quanto à reserva, pode ser ela

consistente em parcela do patrimônio ou no usufruto da coisa ou coisas doadas, de

modo a garantir a subsistência do doador. Pode ocorrer, também, que o donatário se 153 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, 24ª edição, Saraiva, São Paulo, 1997, vol. 3, p. 192. 154 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 187. 155 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 192. 156 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Borsoi, Rio de Janeiro, 1964, Tomo XLVI, p.247. 157 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Borsoi, Rio de Janeiro, 1964, Tomo XLVI, p.246. 158 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 164/165. 159 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 165.

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comprometa a prestar assistência ao doador, mas isto, por si só não é suficiente

para afastar a incidência do art. 548 do Código Civil, bem como a renúncia por um

dos cônjuges, na meação de único bem ou de todos os bens constitui infração a

essa norma160.

Para a caracterização da nulidade há de ser levada em conta a situação no

momento da doação. Se, por motivos superveniente, o doador perde os bens que se

reservou e a renda destes era suficiente para a sua subsistência, a doação é válida.

Outra questão posta em doutrina é a do caso do doador que ocupe um cargo público

vitalício e lhe seja garantida pensão integral, porque, nesse caso conservaria meios

de subsistência. Quer parecer que nesse caso, sendo a doação de todos os bens,

incidiria a norma do art. 548 do Código Civil, porque o doador poderia perdê-la, por

exemplo, por ato de improbidade; ou ainda, se alterado o regime da aposentadoria,

como ocorreu em nosso País161.

Trata-se de nulidade de pleno direito, que pode ser conhecida de ofício se o

juiz a encontra suficientemente demonstrada. A nulidade há de ser declarada por

sentença em ação ajuizada, em primeiro lugar pelo doador, cujo interesse é

presumido. Também haverá legítimo interesse dos herdeiros e dos credores, quando

lesados. CLOVIS BEVILACQUA vai além quando afirma em comentário ao art.

1.175 do Código Civil que, mesmo existente reserva de renda suficiente para a

160 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Borsoi, Rio de Janeiro, 1964, Tomo XLVI, p.247. 161 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p.190/191; SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1995, p. 357/358, indica a corrente dos que sustentam haver sempre nulidade, como Dias Ferreira e Abranches Ferrão e os que sustentam a validade se o doador tem emprego vitalício e direito à reforma ou aposentadoria, como Cunha Gonçalves, ficando com a posição intermédia de Carvalho Santos, aceitando a validade da doação se o emprego for vitalício com aposentadoria garantida.

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subsistência do doador, deve entender-se respeitado o direito dos credores, sob

pena de poderem estes anularem o ato, por tornar o devedor insolvente, afirmação

que continua válida à luz do art. 158 do Código vigente162.

3.5.3.11.3 Doação inoficiosa

Também em matéria de invalidade da doação, porém, estabelecendo nulidade

parcial163, o legislador de 2002 repetiu o direito anterior ao reproduzir textualmente,

no art. 549 a regra do art. 1.176 do Código de 1916: “Nula também é a doação

quanto à parte que exceder a de que o doador, no momento da liberalidade, poderia

dispor em testamento”. Após apontar as soluções diversas e o desvio do que

estabeleceram as legislações estrangeiras, em lição que guarda atualidade, CLOVIS

BEVILACQUA afirma que o Código brasileiro adotou uma solução radical: a doação

inoficiosa é nula no excesso de legítima; mas esse excesso se verifica no momento

da doação, como se o doador falecesse nesse mesmo dia. O doador sabe que não

pode doar mais que a metade de seus bens se tiver herdeiros necessários, se tiver

descendentes ou ascendentes; sabe que a parte excedente é nula. O donatário

também não pode alegar surpresa, se lhe impugnam o excessivo da doação164.

162 BEVILACQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, 11ª edição, Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1958, volume IV, p.274. 163 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p 193, sustentando que a nulidade não se estende a todo o negócio jurídico, desconstituindo-o por inteiro, limitando-o à parte que excedeu o limite, permanecendo a doação, quanto ao restante. Trata-se assim, de ineficácia relativa, em que se aproveita a parte não contaminada do contrato, que continua integra na sua essência, inclusive quando ao “animus donandi”. No mesmo sentido ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 183, em comentário ao art. 1.176 do Código de 1916 afirmando que a doação é nula, na parte excessiva, com apoio em Matinho Garcez, Orlando Gomes e Washington de Barros Monteiro. 164 BEVILACQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, 11ª edição, Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1958, volume IV, p.276 observa o autor que outro sistema, que

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Razões de proteção ao próprio doador e aos herdeiros necessários fazendo-se uma

perfeita simetria, quanto ao limite da liberalidade, entre a doação e o testamento,

razão pela qual os dispositivos devem ser interpretados em conjunto165.

Estabelece o art. 1.845 do Código Civil que são herdeiros necessários os

descendentes, os ascendentes e o cônjuge, e o art. 1.846 do mesmo Código que

pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da

herança, constituindo a legítima. Assim, tendo o doador herdeiros

necessários, só poderá doar até o limite do que se chama de sua parte disponível,

considerando-se o patrimônio no momento da liberalidade. A outra parte, a legítima,

é que se preserva, não podendo ser atingida pela doação ou pelo legado. O que se

excede, constitui a doação inoficiosa166.

A redução obedece ao disposto no art. 2.007 do Código Civil que

imperativamente estabelece: ”São sujeitas à redução as doações em que se apurar

o excesso quando ao que o doador poderia dispor no momento da liberalidade”.

Esclarece o § 1º desse artigo que esse excesso será apurado com base no valor

que os bens doados tinham no momento da liberalidade, com o que se estabelece

critério igual ao utilizado para a colação do bem doado em adiantamento de legítima.

avalia a porção disponível no momento da abertura da sucessão peca por injusto. Realmente o doador poderia ser rico e dar moderadamente, e depois empobrecer, por qualquer razão estranha à sua liberalidade. E não é razoável que os herdeiros, que tiverem herança escassa, por um acidente da vida, enriqueçam à custa de donatário de muitos anos passados. Sistema intermédio é aquele que limita a redução das liberalidades feitas, por exemplo, nos últimos dez anos da vida do doador. 165 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p.192. 166 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 171, aponta o autor que outras doações excessivas existem, por isso condenadas pela lei, mas nem por isso se denominam inoficiosas, como no caso da doação de um nubente ao outro de mais de metade de seus bens, ou a doação da totalidade dos bens, e isto porque não contrariam o “ofício” do doador. Os pais que doar excessivamente a um dos filhos ou a um estranho, peca contra o estado de pai, o dever, o ofício de pai. Assim não se chama de inoficiosa a doação do cônjuge à concubina, embora contrarie o dever do marido.

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E § 3º reproduz a regra do parágrafo único do art. 1.790 que conceituava a doação

inoficiosa, ao estabelecer que “sujeita-se a redução, nos termos do parágrafo

antecedente, a parte da doação feita a herdeiros necessários que exceder a

legítima, mais a quota disponível”, e mais, estabelece o § 4º que, sendo várias as

doações a herdeiros necessários, feitas em diferentes datas, serão reduzidas a partir

da ultimam até a eliminação do excesso. O momento em que se apura o excesso é

o da prática da liberalidade, em que se celebrou a doação, e não, por exemplo, o da

transferência da propriedade, no caso de imóvel, que se dá com o registro

imobiliário167.

Observa-se que ao dispor inteiramente sobre como se opera esta redução,

ficou facilitada sua aplicação pelo juiz, eliminando dúvidas de interpretação dos

textos. Se a doação foi feita a herdeiro necessário, está sujeita a redução a parte

inoficiosa, ou seja, de acordo com o § 3º se o respectivo valor ultrapassar a metade

dos bens do doador, mais a legítima do donatário. Assim, se o pai tem bens no valor

de 300 e possui três filhos, a legítima de cada filho equivale a 50; todavia, o pai pode

dispor livremente de sua metade, correspondente a 150. E se doa a um dos filhos

bem de valor de 200, tal doação não está sujeita a redução, pois não ultrapassou a

metade dos bens do doador (150), mais a legítima do donatário (50) 168.

167 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p.196, citando, nesse sentido, acórdão do STJ, relatado pelo Min. Eduardo Ribeiro, publicado na RT 767/200. 168 FIGUEIREDO ALVES, Jones. Código Civil Comentado, coordenação de Regina Beatriz Tavares da Silva, 6ª edição, Saraiva, São Paulo, 2008, p. 2.182.

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Já a regra do § 4º acompanha a solução do direito comparado e a redução

começará pela última e assim sucessivamente até a eliminação do excesso169. Se

houver ocorrido várias doações, em um só ato, ou em atos distintos, na mesma data,

a redução será feita simultânea e proporcionalmente170. Legitimados para a ação

são os herdeiros necessários, portanto os descendentes, ascendentes e o

cônjuge171 e se indaga se há necessidade de aguardar a morte do doador para o

ajuizamento da ação. Orientação jurisprudencial mais antiga entendia que se deveria

aguardar esse momento, ao passo que a orientação mais recente entende possível

a propositura da ação mesmo em vida do doador, fundada, inclusive, no argumento

de que a matéria é de ordem obrigacional e não de sucessões172.

Parece-nos mais adequada essa posição para salvaguarda dos interesses do

herdeiro necessário, de molde a assegurar a utilidade da sentença que reconheça

essa nulidade, ante a possibilidade de perecimento do bem doado ou da insolvência

do donatário em virtude dos azares da vida. O prazo prescricional é o de dez anos,

169 FIGUEIREDO ALVES, Jones. Código Civil Comentado, coordenação de Regina Beatriz Tavares da Silva, 6ª edição, Saraiva, São Paulo, 2008, p. 2.182, apontando que o Código Civil francês, art. 923, diz, também, que a redução será feita, neste caso “en commençant par la dernière donation, et ainsi de suíte en remontant des dernières aux plus anciennes” (começando pela última doação, e assim sucessivamente, remontando-se das últimas às mais antigas), idem nos arts. 559 do Código Civil Italiano e 2.173 do Código Civil português. 170 FIGUEIREDO ALVES, Jones. Código Civil Comentado, coordenação de Regina Beatriz Tavares da Silva, 6ª edição, Saraiva, São Paulo, 2008, p. 2.182 é a interpretação e solução proposta com apoio na norma do art.2.173, 2 do Código Civil português. 171 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Borsoi, Rio de Janeiro, 1964, Tomo XLVI, p. 252, inclui também, dentre os legitimados os credores, se, somando-se ao que deixou o falecido o em que importaram as doações, há menos do que a soma das dívidas, porque no art. 1176 (reproduzido pelo art. 549) se concebeu a regra jurídica como de nulidade 9aliter, o direito alemão, Th. Kipp, Lehrbuch, II, 3, 17ª-21ª ed.464). 172 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p 195/196 se reportando a dois acórdãos do Supremo Tribunal Federal, relatados pelos Ministros Hahnemann Guimarães e Lins e Silva, portanto há mais de quarenta anos, e mais recentes do STJ e do TJRJ; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Borsoi, 1964, Tomo XLVI, p.2249/251, após escorço histórico fazendo remontar a ação à querella inofficiosae donationis, que provém de rescrito de Alexandre Severo, à luz do direito brasileiro, sustenta que nascendo a ação ao ser feita a doação, nasce antes de aberta a sucessão e a nulidade pode ser decretada antes da morte do doador. A pretensão não desaparece se algum dos herdeiros necessários repudia a herança, ou algum herdeiro testamentário.

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na falta de previsão específica do Código, a contar do ato de doação173.

Conquanto se cuide de ação de nulidade, e não de anulabilidade, como de

lege ferenda aponta a doutrina

osto175 176.

174, o importante é que, em se tratando de nulidade, a

sentença produz efeitos ex tunc, vale dizer desde o momento da doação inoficiosa, é

como se o ato nunca tivesse sido praticado, e não ex nunc, se se cuidasse de

anulabilidade, pois nesse caso o ato valeria até que desconstituído por sentença.

Parte-se da inoficiosidade como sup

3.6 Revogação da doação

3.6.1 Invalidação e suas causas

Dada a natureza contratual da doação, pode ela ser invalidada nos mesmos

casos dos contratos em geral, como no da incapacidade absoluta do doador, se o

seu objeto for ilícito ou impossível, ou ainda se não observada a forma prescrita em

173 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p 196. 174 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 183, ao argumento de que não é bom que alei exagere a proteção dispensada a certas instituições ou pessoas. ; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Borsoi, Rio de Janeiro, 1964, Tomo XLVI, p. 250, afirmando que no direito brasileiro, o Código Civil, art. 1.176, tem, pela explicitude da regra jurídica de invalidade, ação de nulidade (verbis “nula é a doação”). De iure condendo, poder-se-ia ter concebido a ação como de anulação, mas não foi isso o que se inseriu no art. 1776. Haveria, por certo, inconveniente em que se tivesse como de nulidade, por serem imprescritíveis tais ações, porém, sendo, como é, ação subsidiária, cessa com a prescrição a ação do herdeiro para haver a herança em mãos de outrem. 175 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 85. 176 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro,

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lei177. Ou também por vícios de vontade ou consentimento, como erro, coação, dolo,

estado de perigo, lesão e fraude de credores, tornando-se anulável (art. 171 do

Código Civil) 178 .

Pode ainda ser revogada amigavelmente pelo distrato ou mútuo dissenso

(arts. 472 e 473 do Código Civil), pela morte do donatário, quando estabelecida a

cláusula de reversão (art. 547 do Código Civil), pela morte do doador, no caso da

doação sob a forma de subvenção periódica (art.545 do Código Civil).

A declaração da nulidade pode dar-se, também, por infração a normas

específicas relativas ao contrato de doação, como no caso dos arts. 548 (doação

universal sem reserva de bens ou meios que garantam a subsistência do doador),

549 (doação inoficiosa) e 550 (doação ao cúmplice de adultério do doador), acima

examinados.

177 BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, 2ª parte, 34ª edição, Saraiva,São Pauio, p. 147. 178 BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, 2ª parte, 34ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 148.

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3.6.2 Ingratidão do donatário

Sustenta SERPA LOPES que, entretanto, a seu ver e na verdade só uma

causa de extinção da doação pode ser qualificada como revogação: a ingratidão do

donatário, única que se reveste do verdadeiro sentido técnico, tendo sido este o

critério do Código Civil alemão (§ 530). 179 AGOSTINHO ALVIM, após afirmar que os

contratos, em regra, não se revogam, e sim, anulam-se, rescindem-se, resolvem-se,

conforme o caso, lembra que o único caso de revogação, que lhe ocorre, é o do

mandato, mas, na doação, ao contrário do mandato, a revogação não se opera pela

simples vontade do doador180. E a lei estabelece que a doação se revoga por

ingratidão do donatário ou pelo inexecução do encargo, na doação onerosa (art. 555

do Código Civil).

Conquanto possa ser vislumbrado na ingratidão um conceito juridicamente

indeterminado, o certo é que, no direito positivo brasileiro, para o efeito de

revogação da doação, em enumeração taxativa do art. 557 do Código Civil estão

elencadas as hipóteses em que se caracteriza a ingratidão, donde a conclusão de

que em sentido técnico jurídico a ingratidão constitui dever negativo imposto ao

donatário. Deve abster-se da prática de certos atos que constituam desapreço e

prova de ingratidão181. Essas condutas demonstram ser o donatário desmerecedor

179 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1995, p. 385. 180 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p.259. 181 BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, 2ª parte, 34ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 148.

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do ato de liberalidade praticado pelo doador e a sanção ou pena é a revogação da

doação182.

O Código Civil de 2002 ampliou o sentido moral das possibilidades de

revogação com a inserção do art. 558, sem correspondência no direito anterior, para

estabelecer que “pode também ocorrer revogação quando o ofendido, nos casos do

artigo antecedente, for cônjuge, ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou

irmão do doador”.

3.6.2.1 Atentado contra a vida do doador ou homicídio doloso contra ele

A primeira das causas previstas no art. 557 do Código Civil é o atentado

contra a vida do doador ou o homicídio doloso contra ele. A norma vigente é de

melhor técnica porquanto no direito anterior a lei previa apenas o atentado, e, sendo

a ação de revogação personalíssima, no caso de homicídio consumado, entendia-se

que neste caso não seria possível a revogação, porque os herdeiros não estariam

legitimados a promovê-la183.

182 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, vol.ume II, p.239. 183 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 252, anotando que tratando-se de tentativa de homicídio fracassada o doador podia ajuizar a ação, admitindo-se apenas que os herdeiros prosseguissem na ação já aberta. Era quase um incentivo ao donatário para se certificar da morte imediata do doador para escapar da revogação. A nova redação que deu ao dispositivo legal corrigiu a falha anterior, incluindo a hipótese do homicídio doloso, e legitimando os herdeiros para o ajuizamento da ação revogatória.

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Entretanto, apenas o homicídio doloso autoriza a revogação, e isto se o

doador não perdoou o donatário, o que pode ocorrer se a morte não se dá de

imediato (art. 561 do Código Civil). Neste caso, explicitada a legitimação ativa dos

herdeiros pelo preceito introduzido no Código vigente (art. 561 do Código Civil),

estes poderão postular a revogação184. Não há necessidade da existência de

sentença criminal condenatória transitada em julgado para o ajuizamento da ação

revogatória, em razão da independência das esferas civil e penal.

3.6.2.2 Ofensa física contra o doador

O segundo caso é o do cometimento de ofensa física contra o doador (art.

557, II do Código Civil). No conceito de ofensa física se enquadram não apenas a

lesão corporal tipificada como crime no art. 129 do Código Penal, como também

qualquer comportamento que represente lesão ou ameaça à integridade física,

psíquica ou à saúde do doador (crime de perigo de vida, crime de contágio de

moléstia grave), inclusive as pouco duradouras e que não deixem sequelas185.

Também nesta hipótese, exige-se a conduta dolosa, afastando-se a lesão culposa,

184 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, vol.ume II, p. 245. 185TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, vol.ume II, p.241; CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p 254.

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que não tipifica ingratidão, mas enseja o dever de indenizar186. Do mesmo modo,

neste caso não se exige a sentença penal condenatória transitada em julgado e a

ofensa pode ser demonstrada na ação revogatória.

Injúria grave e calúnia são os casos previstos no inciso III do art. 557, e

consistem ofensas à moral, à honra do doador. Conquanto não esteja incluída a

difamação dentre os motivos para a revogação da doação, parte da doutrina, ante a

taxatividade dos motivos e em virtude de interpretação literal e restritiva da norma

entende de excluí-la. A doutrina moderna se inclina a admiti-la também como meio

de ofensa à honra do doador de molde a caracterizar a infração. O argumento no

sentido da admissão é o da frustração da completa tutela do bem jurídico que se

visa a proteger, ou seja, o bem jurídico honra, que é o fim da sanção em exame187.

Tendo presente que o conceito de injúria em direito civil tem conteúdo mais

amplo que aquele traçado pelo direito penal, parece ser aplicável à ação de

revogação da doação a violação dos deveres genericamente impostos no art. 3º e a

186 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 254/255. 187 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, vol.ume II, p.241; CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p 255 acentuando que a jurisprudência já supriu a lacuna, com sólido apoio na doutrina, não havendo a menor duvida quanto à possibilidade de se revogar a doação por ingratidão, quando o donatário difamou o doador; nesse sentido DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, 5ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003, volume 2º, p. 65, afirmando ser possível a revogação mesmo que o donatário não sofra condenação penal, causando ao doador humilhações que representam um atentado à sua integridade moral, tais como: fazer votos para que o doador faleça brevemente (RT, 182:248, 278:821); exigir do doador vantagens superiores à doação feita (RT, 189:403); falar mal dele, comentando seus defeitos, fingir que não o conhece quando o avista, excluindo-o de suas relações (RT, 532:191). Contudo, não incorrerá nessa penalidade se não teve intenção de caluniar ou injuriar, mas de defender seus direito, como no caso, p. ex. de ter chamado o doador para prestação de contas (RT, 211:246, 199:293.

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garantia do art. 4º do Estatuto do Idoso (L. 10.741/2003), ao priorizar o atendimento

do idoso por sua própria família, e estabelecer que “nenhum idoso será objeto de

qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo

atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei”.

Considerada a independência das jurisdições civil e penal, e sustentada a

possibilidade do ajuizamento da ação revogatória independentemente da existência

de sentença criminal condenatória transitada em julgado, a questão que se põe é a

da superveniência de sentença absolutória no crime. Entendendo que a sentença

absolutória afasta a consideração da ingratidão, se pronunciam CLOVIS

BEVILACQUA e CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA. Em sentido contrário,

CARVALHO SANTOS188. Se a sentença absolutória entende que o fato não é

típico, que não é o donatário o autor da ofensa, ou ainda reconhece causa

excludente de culpabilidade (art. 65 do Código de Processo Penal) e esta transita

em julgado, isto impede a sua discussão no cível. Todavia, se a sentença

absolutória não reconhece a inexistência material do fato (art. 66 do Código de

Processo Penal), ou o faz por falta de provas ou ainda em razão da prescrição da

pretensão punitiva, nada impede o prosseguimento da ação civil. É o que decorre do

art. 935 do Código Civil quando estabelece que “a responsabilidade civil é

independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do

fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas

no juízo criminal”.

188 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, volume II, p.241.

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3.6.2.3 Recusa de alimentos ao doador

O último dos casos do art.o 557 é a recusa de alimentos de que necessitava o

doador, podendo ministrá-los o donatário (IV). No caso, os alimentos são devidos

como consequência moral da gratidão que o donatário deve ter para com o doador.

Para que se caracterize esta hipótese é necessário que o doador necessite de

alimentos, que o donatário os possa prestar sem prejuízo de sua subsistência e de

seus familiares, não existam parentes próximos capazes de prestá-los, e que o

donatário se recuse a tal189.

Sustentam MARIA HELENA DINIZ que a recusa não precisará ser formulada

em juízo, sendo bastante a negativa verbal ou expressa provada por testemunhas,

ao que se depreende na própria ação revogatória e, em sentido contrário, SERPA

LOPES, exigindo sentença condenatória à prestação de alimentos190. Com a

primeira corrente fica WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, afirmando que a

recusa não precisa ser formulada em juízo, por exemplo, numa ação de alimentos,

será suficiente a negativa, por carta, ou num pedido verbal, podendo este ser

189 VENOSA, Silvio de Salvo. Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, São Paulo, 2008, 3º volume, p. 113; DINIZ, Maria Helena, Tratado Teórico Prático dos Contratos, 5ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003, 2º volume, p. 65, deixar de ministrar ao doador alimento para a sua sobrevivência, por estar ele na penúria e não ter parentes a quem reclamar pensão alimentícia (JTJ 167:82); TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, volume II, p. 242; SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil – Contratos, 11ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2004, volume III, p. 267, destacando que o primeiro dos requisitos é o de que o donatário possa ministrá-los, sem prejuízo da própria subsistência e de seus familiares. 190 DINIZ, Maria Helena, Tratado Teórico Prático dos Contratos, 5ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003, 2º volume, p. 65; SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1995, p. 387.

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provado por testemunhas, vendo nessa obrigação alimentar do donatário em relação

ao doador vestígios do beneficium competenciae do direito romano191.

3.6.3 Revogação por ingratidão só admissível nas doações puras

A revogação por ingratidão, entretanto, só é admissível quanto às doações

puras192, dispondo o art. 564 que “não se revogam por ingratidão: I – as doações

puramente remuneratórias; II – as oneradas com encargo já cumprido; III – as que

se fizerem em cumprimento de uma obrigação natural, e, IV – as feitas para

determinado casamento.”

Quanto às doações remuneratórias, em princípio o doador teria de pagar uma

remuneração em retribuição a favor ou serviço prestado pelo donatário, valendo-se

da doação para fazê-lo por meio indireto, donde não se exigir qualquer obrigação

negativa do donatário que configure a ingratidão193. No segundo caso, cumprido o

encargo estará o donatário quitado, não mais sendo possível a revogação. Na

hipótese de cumprimento de obrigação natural as razões são as mesmas para a

vedação relativamente às doações remuneratórias, acrescentando-se, ainda, a 191 BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, 2ª parte, 34ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 150. 192 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, volume II, p 248, invocando lição de Clovis Bevilacqua ao afirmar que as doações previstas no artigo 1.187 do Código de 1916 não são puras. São onerosas ou modificadas pelo fim, ou pelo encargo. Acentua-se, assim, a doutrina do Código: a revogação por motivo de ingratidão só é possível a respeito das liberalidades puras (Código Civil, p. 366). 193 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p.295.

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irrepetibilidade do que pago em cumprimento desse tipo de obrigação citando-se,

por exemplo, as dívidas de jogo ou ainda uma obrigação prescrita, sendo certo que

nesses casos o devedor paga impulsionado por um dever moral, e se utiliza da

doação como meio indireto para exonera-se, o que afasta a liberalidade pura194.

Quanto às doações para casamento, a intenção do doador não é propriamente

beneficiar o donatário e sim a família que se irá constituir e que seria a prejudicada

no caso de revogação e a penalidade não deve passar da pessoa a quem é

imputada a ingratidão195.

3.6.3.1 Revogação por inexecução do encargo

Também é causa de revogação da doação, de acordo com a segunda parte

do art. 555 do Código Civil, a inexecução do encargo, cuja operação é regrada pelo

art. do Código Civil 562 ao dispor que “a doação onerosa pode ser revogada por

inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora. Não havendo prazo para o

cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando prazo

razoável para que se cumpra a obrigação assumida.” A mora decorre do simples

descumprimento da obrigação com prazo (art. 397 do Código Civil), sendo

necessária a interpelação para a constituição em mora nas obrigações sem prazo

(art. 397, parágrafo único do Código Civil). A notificação a que alude o artigo poderá

194 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p.298. 195 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, volume II, p.248, interpretando lição de Carvalho Santos.

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ser judicial ou extrajudicial (art. 397, parágrafo único do Código Civil). Não havendo

prazo fixado para o cumprimento do encargo, não se poderá considerar em mora o

donatário somente pelo fato de já ter decorrido prazo mais que razoável para o

cumprimento do encargo.

Assim já entendia AGOSTINHO ALVIM, exemplificando com uma doação de

terreno com o encargo de nele o donatário construir uma capela, anotando ser

indispensável a assinação de prazo que não fica ao arbítrio do doador, mas que

deverá ser razoável, tendo em vista o tempo necessário para a execução do

encargo, sem entretanto levar em conta as dificuldades pessoais do donatário. O

critério há de ser objetivo196. A lei, agora é explicita.

3.6.3.2 A ação para revogação da doação

A ação para revogação da doação é personalíssima, tanto no que respeita à

ingratidão, ainda que a ofensa tenha sido dirigida a membros da família enumerados

no art. 558197, como no de inexecução de encargo, como se depreende da primeira

parte do art. 560, excetuada a hipótese do homicídio doloso do doador pelo

donatário, caso em que a lei confere legitimidade aos herdeiros (art. 561 do Código

Civil). O seu procedimento é o sumário, de acordo com o disposto na letra g do

196 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 260/261. 197 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Contratos, Forense, Rio de Janeiro, 2005, Volume 3, p.301.

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inciso II do art. 275 do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei n. 12.122, de

15 de dezembro de 2009. Após o ajuizamento da ação, a legitimidade passa aos

herdeiros, havendo sucessão processual. A presunção de perdão se ocorre a morte

do doador no curso do prazo decadencial de um ano para o ajuizamento da ação

revogatória tem merecido críticas da doutrina.

Entendem GUSTAVO TEPEDINO, MARIA HELENA BARBOZA e MARIA

CELINA BODIN DE MORAES que essa presunção não merece prosperar pelas

razões deduzidas por CARVALHO SANTOS, para quem, enquanto o prazo não

escoar inteiramente, salvo alguma manifestação tácita se conclua pelo perdão do

doador, destacando a afirmação deste: “Não se pode presumir nenhum perdão da

parte do doador que, se não iniciou a ação, foi tão somente por ignorar o próprio fato

ou quem fosse o seu autor. Pelo menos essa é a presunção que se deve admitir à

qual o Código não deu a menor importância, apegado que ficou ao caráter

personalíssimo da ação” 198. De lege ferenda, seria de ser admitida a possibilidade

de o herdeiro ajuizar a ação, no caso de falecimento do doador antes de escoado o

prazo decadencial199. Todavia, diante do direito posto há de ser interpretada

literalmente a disposição. No pólo passivo, falecido o donatário, tanto que ajuizada a

lide, vale dizer, tanto que distribuída ou despachada (art. 263 do Código de

198 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, volume II, p. 244; CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 272 lembra que “respeitável vertente doutrinária defende tese oposta à adotada pelo Código, sustentando que não se pode presumir perdão, nos casos apontados. A presunção deveria ser inversa, ou seja, o doador iria ajuizar a ação, se lhe tivesse sido possível. Seja como for, o nosso Código preferiu reforçar o caráter personalíssimo da ação, ao contrário do Código Civil francês, que, no seu artigo 957 admite que os herdeiros do doador ajuízem a ação em face do donatário, se aquele veio a falecer, sem intentar a demanda, antes de um ano do delito imputado ao donatário”. 199 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, volume II, p. 244.

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Processo Civil), esta prosseguirá contra os seus herdeiros. O prazo decadencial

para o ajuizamento da ação é de um ano contado de quando chegue ao

conhecimento do doador o fato que a autorizar e de ter sido o donatário o seu autor.

O termo autor, no caso, deve ser interpretado em sentido lato, compreendendo a

autoria e a participação200.

Observam TEPEDINO, BARBOZA e MORAES que, “de acordo com a nova

redação do dispositivo, que incorporou ao CC o trecho final do artigo “e de ter sido o

donatário o seu autor”, conclui-se que o início do fluxo do prazo depende de dupla

condição: o fato chegar ao conhecimento do doador e a ciência de o donatário ter

sido o seu autor. Se o doador já tem a notícia da ocorrência do fato, mas não sabe

ainda de quem foi a autoria, não se pode pretender iniciado o prazo para revogação.

Somente começará a correr o prazo quando do efetivo conhecimento da ingratidão,

o que depende naturalmente, da ligação, do nexo de causalidade entre o fato lesivo

a bem jurídico do autor e a pessoa do donatário. O prazo para o ajuizamento da

ação, como bem observa CARVALHO SANTOS (CC, art. 450), é decadencial, que

de ordinário não se suspende, nem se interrompe (CC, art. 207). O autor também

assinalava, com apoio em LAURENT, que “não corre o prazo quando os atos de

ingratidão são contínuos, como na hipótese de se tratar de cônjuges, quando as

sevícias e as injúrias se tornam habituais; o prazo começa a correr a partir do último

ato de ingratidão” (CC, art. 450).” 201

200 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de janeiro, 2006, volume II, p. 243. 201 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, volume II, p. 243.

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Outrossim, o direito de pleitear a revogação por ingratidão é irrenunciável, a

teor do art. 556 dispondo que “Não se pode renunciar antecipadamente o direito de

revogar a liberalidade por ingratidão do donatário”. Será nula a cláusula do contrato

que a estipular, o que não importa, entretanto, que o doador tenha a obrigação de

propor a ação, bem como não é proibida a concessão de perdão. O que se proíbe é

que o doador renuncie antecipadamente a esse direito de ação202.

3.6.3.3 A sentença da revogação ou extinção da doação e seus efeitos

A revogação ou a extinção da doação opera-se pela sentença judicial que

reconhece a existência da ingratidão ou não cumprimento do encargo. No caso

deste último, os efeitos da sentença são ex tunc, retroagindo ao momento da

doação; já no de ingratidão ex nunc, vale para o futuro, não havendo retroação203. O

efeito ex tunc no caso do descumprimento do encargo resulta do fato de decorrer do

implemento de uma condição resolutiva, aplicando-se a regra do art. 1.359 do

Código Civil que cuida da propriedade resolúvel, e, no caso da ingratidão, por

aplicação do art. 1.360 do mesmo Código, que trata das consequências da

resolução da propriedade por fato superveniente, essa resolução se dá por

aplicação de uma pena que não produz efeitos senão do dia em que pronunciada204.

202 GOMES, Orlando. Contratos, 26ª edição atualizada por Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino, Forense, Rio de Janeiro, 2007, p. 263. 203 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 287. 204 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 288, com apoio na lição de Clóvis Bevilacqua.

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Assim, o donatário não está obrigado a restituir os frutos percebidos, mas,

proposta a ação revogatória não mais terá direito de percebê-los desde a citação205.

Quanto a benfeitorias, aplica-se a regra geral do art. 1.219 do Código Civil quanto

àquelas necessárias ou úteis introduzidas até a data da citação válida, podendo

invocar o direito de retenção. Quanto às voluptuárias, se o doador não as quiser

pagar ou indenizar, poderá levantá-las, desde que isso não afete a substância da

coisa doada. Após a citação, somente será indenizado pelas necessárias, nada

podendo reclamar relativamente às úteis, que se incorporam à coisa.

Do mesmo modo, quanto às acessões, até a citação válida terá direito a

indenização pelas construções ou plantações, mas não terá qualquer direito àquelas

feitas após a citação, que passarão à propriedade plena do doador206.

Por fim, a coisa doada deverá ser restituída ao doador em espécie, devendo

ser feita no estado em que as coisas doadas foram recebidas, salvo as

deteriorações decorrentes do tempo ou de seu uso normal, respondendo, entretanto,

o donatário pelas deteriorações sofridas por sua culpa, enquanto a coisa esteve em

seu poder. Se a coisa pereceu ou se deteriorou por fato não imputável ao donatário,

ficará ele liberado de indenizar o doador, devendo indenizar, no caso inverso, pelo

meio termo de seu valor, ou seja, pela média entre o maior e o menor valor 205 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 289, argumentando que até a citação o donatário é possuidor de boa-fé. 206 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 291/292.

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alcançado no período de titularidade do donatário, levando-se em conta o valor real,

sem computar-se a desvalorização da moeda207.

Relativamente às consequências da revogação da doação por ingratidão,

estabelece o art. 563 do Código Civil que: “A revogação por ingratidão não prejudica

os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos

percebidos antes da citação válida; mas o sujeita a pagar os posteriores, e quando

não possa restituir em espécie as coisas doadas, a indenizá-lo pelo meio-termo do

seu valor.”

Até a revogação, o proprietário do bem é o donatário, sendo esta a razão de

salvaguardar o direito de terceiro que adquiriu o bem ou direitos sobre ele, como no

caso da instituição de uma servidão sobre o bem, ou ainda um usufruto em favor do

terceiro, antes da citação válida para a ação revogatória208. Nesse caso, restituída a

coisa, continuará gravada pelo direito real constituído validamente pelo donatário.

Poderá o doador, entretanto, exigir do donatário indenização se houve

desvalorização da coisa em razão do ônus que passou a gravá-la. Do mesmo modo,

se o donatário deu o bem em hipoteca, também prevalece esse direito real de

garantia, podendo o doador exigir do donatário garantia idônea para o caso desta vir

a ser excutida209.

207 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 293, com apoio em Clovis Bevilacqua e Silvio de Salvo Venosa, contrariando Carvalho Santos. 208 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, volume II, p.247. 209 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 294.

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3.7 Formação do contrato – a aceitação

Para a existência do contrato de doação, é necessário, de um lado, a

manifestação do doador de fazer a liberalidade mediante transferência gratuita de

um bem, sem contraprestação, ou seja, o animus donandi, e de outro, a aceitação

pelo donatário, com que se aperfeiçoa o contrato consensual210. A aceitação é

indispensável211 ou ainda pressuposta212.

A aceitação, segundo CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, pode ser expressa

na forma do art. 538 do Código, quando o donatário declara, por qualquer meio, que

aceita os bens ou vantagens oferecidas pelo doador; tácita, quando se pode deduzir

de uma conduta do donatário, como no caso da doação propter nupcias em que a

celebração do casamento é tida como aceitação tácita, não podendo ser impugnada

por falta de aceitação (art. 546 do Código Civil). 213 É presumida – a despeito da

opinião de CLOVIS BEVILACQUA em contrário214 – quando o doador fixar um prazo

para que o donatário declare se aceita ou não a liberalidade, presume-se a

210 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, 2004, vol. VIII, p. 92; DINIZ, Maria Helena, Tratado Teórico Prático dos Contratos, 5ª edição, Saraiva, 2003, 2º volume, p. 46; BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, 2ª parte, 34ª edição, Saraiva, 2003, p. 135; RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, 24ª edição, Saraiva, 1997, vol. 3, p. 186; ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, 1972, p.40. 211 VENOSA, Silvio de Salvo. Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, São Paulo, 2008, 3º volume, p. 99. 212 FERREIRA DA ROCHA, Silvio Luís. Curso Avançado de Direito Civil – Coordenação de Everaldo Augusto Cambler - C, RT, São Paulo, 2002, vol. 3 Contratos, p. 173. 213 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p.41, após admitir a manifestação de vontade tácita, definindo-o como consentimento indireto, que supõe ato ou procedimento incompatível com a não aceitação, aponta o caso de o donatário pagas a sisa, ou ainda a prática de qualquer ato que implique aceitação. 214 BEVILACQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, 11ª edição, Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1958, volume IV, p. 266, ao afirmar que “O Código desconhece a doação não aceita, ou cuja aceitação é presumida, ou em que o tabelião se substitui ao donatário, como admitia o direito anterior, quando a liberalidade era pura e simples”.

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aceitação se a doação for pura ou, ao contrário, se a doação for onerosa (art. 539 do

Código Civil); ficta, no caso da doação para incapaz porque o Código dispensa a

aceitação do absolutamente incapaz nas doações puras (art. 543 do Código Civil),

justifica-se a afirmação na impossibilidade de manifestação de vontade pelo

absolutamente incapaz e o caráter benéfico da doação, tornando possível a ficção,

de um consentimento efetivo que produz os mesmos efeitos da manifestação de

vontade emitida por um donatário capaz.

Em regra, a aceitação é imediata, todavia, o Código prevê a possibilidade de

ser fixado pelo doador prazo para que o donatário declare se aceita ou não a

liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a

declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo (art.

539 do Código Civil).

O doador se encontra em posição semelhante ao do proponente, na

policitação, sustentando AGOSTINHO ALVIM a ausência de identidade de situação

porque enquanto não aceita a proposta o doador pode retirá-la, porque, a seu ver, é

dogma fundamental em matéria de doação a persistência, a atualidade, do animus

donandi.

Dessa forma, o arrependimento ou a revogação do ato é sempre possível,

antes de consumada a doação pela aceitação do donatário. Argumenta, ainda, com

a regra do art. 1080 do Código de 1916, reproduzida no art. 427 do vigente Código,

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ao excepcionar a força vinculante da proposta em razão da natureza do negócio215.

Indaga-se ainda se o doador morrer no curso do prazo para aceitação, se a

obrigação de doar passa aos herdeiros.

Sustenta AGOSTINHO ALVIM, fundado na necessidade do animus donandi

atual, que a obrigação se extingue216. No mesmo sentido, CLOVIS BEVILACQUA,

citado por GUSTAVO TEPEDINO217. Em sentido contrário, e com apoio em JOÃO

LUIZ ALVES, entende CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA que a morte do doador,

depois de fixado prazo ao donatário, mas antes da aceitação deste, não impede a

formação do contrato, porque a declaração de vontade do doador já foi feita e o

vínculo obrigacional aguardava apenas a aceitação do donatário. Se a oferta não foi

retirada, sobrevive para o aperfeiçoamento do contrato. Ao contrário, se o donatário

morre antes de declarar sua aceitação, o ato não prevalece, porque a presunção de

acordo não existe senão depois de esgotado o prazo sem manifestação, mas não

antes de findo ele218.

No direito comparado, apontam TEPEDINO, BARBOZA e MORAES, a regra

do Código Civil português, a acatar a orientação de CLOVIS BEVILACQUA,

estabelecendo que “a proposta de doação caduca, se não for aceita em vida do

215 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p. 42/43. 216 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1972, p.44. 217 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, volume II, p. 219.; no mesmo sentido da caducidade da doação no caso da morte do doador antes da aceitação pelo donatário SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1995, p. 351. 218 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1995, p. 348.

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doador” (art. 945º, n. I). 219 Nesta posição se coloca SILVIO CAPANEMA DE

SOUZA, para quem, falecendo o doador, antes da aceitação, se entende resolvida a

oferta, que não guarda a força vinculante, em relação aos seus herdeiros, que não

podem ser compelidos a fazer liberalidade220. Nas doações com encargo, na

medida em que este representa um ônus para o donatário, cuja repercussão

econômica pode ser desinteressante ao donatário, não é de se admitir a presunção

de aceitação em virtude da ausência de resposta (art. 539 do Código Civil). Todavia,

essa exceção não se aplica aos casos de doação com reserva de usufruto, ou ainda

no caso de doação condicional ou a termo, onde é admitida a aceitação presumida

em virtude do silêncio do donatário, após decorrido o prazo fixado pelo doador221.

Após a conclusão do contrato, o doador não pode desfazer, a seu arbítrio, o

ato de liberalidade, afirmando ORLANDO GOMES que, “conquanto seja levado a

doar por impulso generoso, propondo-se a dar sem nada receber, contrai

indeclinável obrigação no momento em que o contrato se torna perfeito e acabado,

ficando adstrito a entregar o bem doado. É essa a obrigação fundamental que se

origina do contrato de doação: a efetiva entrega da coisa do donatário com o ânimo

de transferir-lhe a propriedade” 222.

219 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, volume II, p. 220. 220 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 121. 221 CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 121/122. 222 GOMES, Orlando. Contratos, 26ª edição atualizada por Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino, Forense, Rio de Janeiro, 2007, p. 261.

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4 PROMESSA DE DOAÇÃO – A CONTROVÉRSIA DOUTRINÁRIA

A partir da definição de doação posta no art. 538 do Código Civil, adverte

MARIA HELENA DINIZ que “é preciso lembrar que não se poderá falar em

promessa de doação, que é o compromisso de praticar liberalidade em benefício de

determinada pessoa (compromissário-donatário ou terceiro). Não pode ser admitida

porque o compromissário passaria a ter a possibilidade de reclamar sua execução,

hipótese em que se teria, então, uma doação coativa, que se converteria em perdas

e danos, o que seria incompatível com a natureza do instituto, que requer

espontaneidade. Logo essa promessa de doação seria nula; não se pode impor um

benefício, visto que ato e liberalidade não comportaria execução forçada. Só se

poderá fazer promessas de contratos onerosos (RT 602:269; RTJ 58:153, 68:499 e

103:327).

Todavia, em que pese tal opinião, há quem entenda que esta tese não poderá

prevalecer porque a espontaneidade se dará quando o compromitente comprador

fizer livremente a sua promessa de doar, sendo cabível ao compromissário-

donatário aquela indenização” 223.

223 DINIZ, Maria Helena, Tratado Teórico Prático dos Contratos, 5ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003, 2º volume, p. 43.

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Acompanha a ilustre jurista a posição de AGOSTINHO ALVIM para quem,

como apontado acima, ser dogma fundamental em matéria de doação, a

persistência do animus donandi, apontando ser a necessidade o animus donandi o

óbice à promessa de doação. “E isso porque entre a promessa e a sua efetivação

pode haver arrependimento. É possível coagir a entregar a coisa doada, não a doar”

224.

Já SERPA LOPES, sustenta que, por ser a doação um contrato gratuito, isto

torna inadmissível poder constituir-se em objeto de uma promessa de contrato.

Entende, com apoio em julgado do Tribunal de Justiça do antigo Distrito Federal, ser

impossível a execução coativa da obrigação a título gratuito ou uma indenização por

perdas e danos. Afirma ser impossível qualquer das duas soluções porque, nas

obrigações a título gratuito, só por dolo responde aquele a quem o contrato não

favoreça, citando o art. 1057 do Código Civil de 1916 que corresponde ao art. 392 224 ALVIM, Agostinho. Da doação, 2ª edição, Saraiva, 1972, p. 42 e nota 1 e 60, nota 1- lembra o autor que há casos ilusórios, mas que bem examinados, não amparam a tese da promessa de doação. “Assim, se alguém, para caçar em minhas terras, prometer doar-me uma parte do que caçar, não haverá aí doação, e sim pagamento. Onde o empobrecimento do pretenso doador, que sai enriquecido? Onde o ânimo de liberalidade? Se doador houvesse, seria o dono das terras. Outros casos há que denunciam complemento de ordenado, promessa de recompensa, impropriamente chamados de promessa de doação. O Código das Obrigações suíço, no art. 242, fala em promessa de doação, mas no sentido de doação promissória, que não se confunde com promessa de doação (Schneider et Fick). O nosso Código Civil, no art. 1.122, usa da expressão se obriga a transferir (futuramente), o que não significa que esse texto se ocupe da promessa de venda, senão, que a venda em nosso direito é promissória. Assim expõem os alemães o seu Código em matéria de venda e doação. Com sobra de motivo, quando a doação é causa mortis (BGB, § 2.301) porque essa espécie de doação sempre repugnou o enriquecimento atual do donatário (nosso Código, art. 314). A promessa de doação, no sentido de doação futura (e não de simples execução diferida), “é nula e do nium effeto” (Buttera, Códice Civile Italiano Commentato, Successioni, Donazioni, pág. 494). Ver ainda, comentário n. 12 ao art. 1.168.” E na pag. 60, nota 1, esclarece: “O Código suíço, nos lugares citados, fala em promessa de doar, mas não no sentido de doação que se promete fazer, futuramente, e sim no de doação promissória, ou obrigatória, em contraposição a doação real; por outras palavras: promessa de doação no sentido de doação, só que desacompanhada da tradição simultânea. Como entre nós as que se fazem por escrito, para depois entregar (Schneider et Fick). Também Clóvis empregou essa linguagem em seu projeto, onde fala da promessa de doação para significar a própria doação. Assim: promessa de doação quando feita por escrito (ar. 1308); doação, quando há tradição simultânea (parágrafo único desse artigo). No direito alemão, igualmente, a promessa de doação tem esse mesmo sentido de doação promissória, em contraposição à doação real”.

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do Código Civil, e se reporta à doutrina de DANTE CAPORALI que, considerando

ser a doação um ato espontâneo, isto torna incompatível qualquer medida

compulsória tendente a uma execução in natura.

Além disso, ainda que a promessa de doação se revestisse de todos os

requisitos formais de doação, ainda assim não poderia ter qualquer eficiência, por

faltar a atualidade do destaque da coisa do patrimônio do promitente-doador, o que,

entretanto, não impede que se possa assumir a obrigação de pagar um débito.

Invoca ainda a lição de GABBA para quem a doação é o único contrato unilateral

consensual insuscetível de constituir objeto de uma promessa bilateral de contratar,

enfatizando não existir qualquer contradição, nem mesmo no direito romano, pois

que a promissio dotis se apresenta naquele direito como uma verdadeira

constituição de dote do mesmo modo que a prestação da coisa prometida não passa

de uma execução da doação dotal já perfeita225.

A seguir, invoca também a lição de LUIZ EULÁLIO DE BUENO VIDIGAL que,

à luz do Código de Processo Civil de 1939, nega à promessa de doação a qualidade

de pacto preliminar pelo que não poderá o beneficiário da promessa pedir ao juiz um

pronunciamento que valha por instrumento de doação, em virtude do requisito da

espontaneidade, inseparável da idéia de doação226.

225 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1995, p. 347/348. 226 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1995, p. 348.

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Refuta a posição de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO que a admite

em face do direito alemão (BGB § 2.301), da possibilidade desse pacto em desquite

amigável e em beneficio dos filhos do casal, bem como dos casos específicos de

promessa de doação previstos na Lei n. 2.378/54 em que se dispôs que o Governo

faria doação de uma casa residencial à família do expedicionário falecido, e do art.

18 do Código de Caça (Decreto-lei n. 5.894, de 20/10/1943) determinando que as

sociedades de tiro possam abater pombos domésticos, em qualquer época do ano,

desde que se obriguem a doar a casas de caridade parte das aves abatidas.

No primeiro caso vê uma doação remuneratória em que o Governo se obriga

a dar a casa residencial à família do falecido com o objetivo de ministrar mais uma

vantagem, um correspectivo pelo esforço de guerra do soldado morto e no segundo

uma doação com encargo em benefício de terceiro – as casas de caridade.

Finalmente, com relação ao art. 2.301, com apoio em SALLEILLES e ENNECERUS,

aponta que o caso é de doação causa mortis, e essa promessa não é nem pode ser

um contrato preliminar, capaz de uma execução coativa pela aplicação do art. 1.006

do Código de Processo Civil (de 1939).

Finalmente, afirma: “Não somos, contudo, intransigentes. Desde que a

natureza jurídica do negócio realizado permita uma execução in natura, não temos

dúvidas em admitir a exequibilidade de uma promessa de doação. Tal somente pode

ocorrer, ao que nos parece, em relação aos herdeiros do promitente doador. Se este

falece sem ter dado execução à doação, esta pode ser exigida dos herdeiros,

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porque, em tal caso, já não se cogita de obrigar o promitente a doar, senão impor

aos seus herdeiros o cumprimento de uma obrigação assumida pelo de cujus” 227.

Do mesmo modo, e com apoio nas lições de CAPORALI, GABBA e SERPA

LOPES, CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA nega a possibilidade de ser exigido o

cumprimento da promessa de doação pura porque esta seria coativa, doação por

determinação da Justiça, liberalidade por imposição do juiz e ao arrepio da vontade

do doador. Em sendo impossível a prestação em espécie haveria a sua conversão

em perdas e danos e o beneficiário lograria reparação judicial, por não ter o benfeitor

querido efetivar o benefício. Isto não se coadunaria com a essência da doação, e,

por isso a doação pura não pode ser objeto de contrato preliminar. Reconhece que a

jurisprudência tem atribuído eficácia à promessa de doação efetivada por cônjuges

no acordo de separação judicial ou divórcio em favor dos filhos, casos em que tem

sido admitida a adjudicação compulsória dos bens objeto de promessa de doação

aos filhos, mesmo que o cônjuge proprietário dos bens se recuse a concretizá-la.

Ressalva, entretanto, a possibilidade de demanda do cumprimento da promessa no

caso de doação modal228.

Compartilhando do pensamento de AGOSTINHO ALVIM, SILVIO

RODRIGUES sustenta a impossibilidade da promessa de doação, quando pura, por

não ser ela vinculativa, uma vez que até a formalização é lícito o arrependimento do

227 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, 4ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1995, p. 348/350. 228 SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil – Contratos, 11ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2004, volume III, p. 257/258.

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doador. Após enumerar as opiniões de SERPA LOPES e CAIO MARIO DA SILVA

PEREIRA, registra apenas uma em sentido contrário, de PHILAPELPHO AZEVEDO,

e sustenta que no caso das promessas de doação feita pelos separandos nos

desquites amigáveis, o cônjuge não está prometendo doar, mas sim a efetuar um

pagamento, e a matéria se disciplina na forma das obrigações de doar coisa

certa229.

SILVIO LUIZ FERREIRA DA

ROCHA segue a doutrina de AGOSTINHO ALVIM230.

a essa promessa, à qual, aliás, alguns textos legais fazem

referência231.

Entre os autores atuais, e pelos mesmos motivos

Ainda na vigência do Código Civil anterior, se pronunciava pela possibilidade

da promessa de doação, ARNOLDO WALD, em virtude do princípio da liberdade das

formas dos contratos atípicos, entendendo não haver razão para não dar efeitos

obrigacionais

SILVIO DE SALVO VENOSA, após resumir a controvérsia e citar o

entendimento de CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA SERPA LOPES, com apoio em

PONTES DE MIRANDA, entende não ser suficientemente convincente o argumento

usado para negar eficácia à promessa de doação, ou seja, se o doador pretende

229 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, 24ª edição, Saraiva, São Paulo, 1997, volume 3, p. 198/199. 230 FERREIRA DA ROCHA, Silvio Luís. Curso Avançado de Direito Civil, Coordenação de Everaldo Augusto Cambler, RT, São Paulo, 2002, volume 3, p. 174. 231 WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro – Obrigações e Contratos, 11ª edição, RT, São Paulo, 1994, p. 286.

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fazer liberalidade, que o faça logo e não em momento posterior. Acrescenta que a

vida prática ensina que várias razões podem determinar o pré-contrato, como no

caso da separação conjugal em que os consortes prometem fazer doações entre si

ou para a prole. A manifestação da vontade já se torna cristalina no momento da

promessa unilateral. Inadmitir a exigibilidade dessa promessa é criar entrave

embaraçoso para os outorgados e para terceiros. Em suma, a promessa de

contratar doação, no seu entender, deve ser admitida quando emanar de vontade

límpida e sem vícios e seu desfecho não ofender qualquer princípio jurídico.

Ressalva, entretanto, corrente jurisprudencial que resiste a este entendimento sob o

argumento de que não há como coagir alguém a cumprir uma doação, sendo este

ato de pura liberalidade232.

ções expressas, admite o contrato preliminar

de doação, nos arts. 518, 523 e 2.031.

Para justificar a validade da promessa de doação, PAULO NADER argumenta

que a espontaneidade deve estar presente no pactum de contrahendo, qualquer que

seja a modalidade contratual por ser este o momento em que as partes se vinculam

jurídica e moralmente. O contrato definitivo é mera decorrência do ajuste anterior e

não importa se a declaração de vontade não coincide com a razão íntima das partes

no momento e seja uma consequência da pressão do contrato anterior. Aduz ainda

que o Código Civil alemão, por disposi

232 VENOSA, Silvio de Salvo. Civil Contratos em Espécie, 8ª edição, Atlas, São Paulo, 2008, 3º volume, p. 115/116.

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Com maior desenvolvimento e apoio em PONTES DE MIRANDA e CUNHA

GONÇALVES, afirma ROBERTO SENISE LISBOA a possibilidade da promessa de

doação se houver pacto de donando. Em razão do caráter consensual da doação,

nada impede que o ajuste de vontades entre doador e donatário se limite à

promessa de firmar contrato sem qualquer modalidade, no período ajustado. Anota

ainda a situação que ocorre quando a promessa de doação é feita em benefício de

terceiro, ou seja, em que ambos os promitentes concordam em dar o bem a terceiro.

Sustenta que a tese da coatividade da doação prometida há de ser afastada, porque

o contrato decorre da vontade das partes, manifestada por ocasião da celebração do

negócio jurídico consensual.

s

A alegação de coação sobre a vontade do promitente doador é inconsistente,

porque ele se torna devedor desde a celebração da avença, e, portanto, deve se

submeter à exigibilidade decorrente do vínculo jurídico. A adoção da tese da

coatividade, a seu ver, poderia levar a equívocos inadmissíveis, como o de se supor

que um devedor fosse injustamente coagido ao cumprimento normal da sua

obrigação, em qualquer negócio jurídico. Em seguida, destaca que “a promessa

bilateral de doação é cláusula inserida em um negócio jurídico de conteúdo mais

amplo pelo qual as partes deliberam que um terceiro será por elas beneficiado.

Admite-se a promessa de doação aos filhos, em caso de separação ou divórcio,

incumbindo a defesa dos interesses dos menores contemplados com o benefício

advindo do acordo de dissolução da sociedade conjugal não somente aos seus

genitores (que, na verdade, tornam-se genuínos devedores perante os filho

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contemplados), como também do Ministério Público (que atua na defesa dos

interesses individuais indisponíveis dos filhos incapazes) e do Poder Judiciário”. 233

Disso resulta que, a favor da validade da promessa de doação, como pré-

contrato, se colocam a autonomia da vontade e o princípio da liberdade das formas

os contratos atípicos, a suficiência da vontade manifestada no momento da

promessa e a possibilidade de sua execução específica.

No sentido da invalidade, o argumento central é o da possibilidade de

arrependimento entre a promessa e o contrato definitivo, inerente ao contrato que

exige a atualidade da intenção de doar no momento da celebração da doação, bem

omo a impossibilidade de ser exigida a execução coativa da promessa pela via

judicial.

d

c

3 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Contratos e Declarações Unilaterais: Teoria

Geral e Espécies, 3ª edição, RT, São Paulo, 2005, volume 3, p. 376. 23

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5 O PRÉ-CONTRATO E A PROMESSA DE DOAÇÃO À LDO CÓDIGO CIVIL

UZ

, partir

os anos sessenta, os cultores do direito privado incluem a Constituição entre as

fontes de direito privado, desprezando, por assim dizer, uma antiga divisão entre

“sociedade civil” e “sociedade política” e possibilitando o diálogo entre a terminologia

e os conceitos originários da Constituição e os institutos de direito privado" .

5.1 A aplicação dos princípios constitucionais ao Código Civil

Adverte ROSA MARIA ANDRADE NERY ser “... inevitável que, no início do

enfrentamento de qualquer tema relacionado com a introdução ao estudo do direito

e com a metodologia jurídica, se imponha uma pergunta sobre as fontes do direito e,

na sequência dessa investigação, se ponha o analista a indagar sobre o papel

dogmático da Constituição em face do direito privado. As constituições mais

recentes são sensíveis a aspectos específicos da vida humana, e por isso a

d

234

234 NERY, Rosa Maria Andrade. Introdução ao Pensamento Jurídico e à Teoria Geral do Direito Privado, RT, São Paulo, 2008, p. 58.

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Em nota, justifica com GHERSI, que, “por isso é que os princípios devem ser

observados com muita atenção, pois não podemos ser ingênuos: a estrutura da

ordem normológica interna de um sistema jurídico, frequentemente, cede a certos

grupos de poder (econômico, cultural, tecnológico) de origem distinta, que

ral não atende às

aspirações da sociedade atual porque não se pode mais admitir que uma relação

usência de boa-fé e com prestações

pressionam constantemente para que as leis tendenciosamente favoreçam seus

interesses” 235.

O liberalismo marcante até a metade do século XX, fez do contrato, como

observa DONNINI, o mais importante dos negócios jurídicos realizados entre

pessoas, vinculando as partes juridicamente, mas nem sempre de forma ética, e,

relativamente aos contratos entre particulares o modelo libe

contratual iníqua, celebrada com a

desproporcionais suportadas por uma das partes, seja considerada válida, sob o

argumento da autonomia privada e da liberdade de contratar236.

235 NERY, Rosa Maria Andrade. Introdução ao Pensamento Jurídico e à Teoria Geral do Direito Privado, RT, São Paulo, 2008, p. 58, nota 169. 236 DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 2001, p. 4/8: “Há quem sustente que o contrato ou o direito contratual é a parte do direito que menos sofreu alterações ao longo de séculos, estando distante de todas as mudanças sociais, o que, todavia, não corresponde à realidade, pois a sociedade mudou, e com isso as relações contratuais passaram a ter um enfoque diverso. É o que se verifica dos contratos de consumo, que serão aqui analisados. Independentemente da análise da evolução do contrato, pode-se afirmar que o modelo liberal, que continua a existir na relação entre particulares, não mais atende às aspirações da sociedade atual, visto que não se pode mais admitir que uma relação contratual iníqua, celebrada com ausência de boa-fé e com prestações desproporcionais suportadas por uma das partes seja considerada válida, sob o argumento de que existe a autonomia privada e as partes são livres para contratar. Aliás, há muito tempo que esse modelo liberal de contrato causa perplexidade àqueles que buscam justiça, pois situações absolutamente desiguais e desproporcionais, que causavam prejuízos a um dos contratantes, eram consideradas legais, embora evidentemente imorais. De fato, esse modelo de contrato “é inadequado aos atos negociais existente na atualidade, porque são distintos os fundamentos, constituindo obstáculo às mudanças sociais. O conteúdo concepctual e material e a função do contrato mudaram, inclusive para adequá-lo às exigências de realização da justiça social, que não é só dele mas de todo o direito”. Chegou-se mesmo a declarar a morte do contrato. Mas o que se vê é a sua transformação e constante evolução. No final do século XIX e início deste, autonomia privada passou a ser contida

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A doutrina se utiliza da expressão princípios constitucionais do direito privado

para se referir a determinados valores ou princípios que foram adotados pela

Constituição Federal e se referem especificamente a temas que são próprios do

direito privado, quer da tradicional prática disciplinar do direito privado (família,

sucessões, obrigações, contratos, coisas) quer dos temas relacionados com o

chamado direito da empresa, cujas regras fundamentais estão hoje inseridas no

Código Civil (CC 996 a 1195). Tratar desse tema é versar a principiologia do direito

constitucional na formação estrutural do direito privado237.

Em virtude da proliferação de microssistemas jurídicos como o dos direitos

autorais, do direito do consumidor, da criança e do adolescente, o Código Civil deixa

de ser o centro das relações de direito privado. Este centro se desloca para a

Constituição, base única dos princípios fundamentais do ordenamento, a partir da

pela interferência do Estado nas relações contratuais. Esse fato, em verdade, já se havia iniciado

tes, s Mu

redução da liberdade de contratar em benefício da ordem pública, que na atualidade ganha acendrado reforço, e tanto que Josserand chega mesmo a considera-lo a “publicação do contrato”.

com acentuada tônica sobre o princípio de ordem pública, que

an com a Revolução Industrial, mas se tornou mais evidente entre a Primeira e a Segunda Guerra ndiais, surgindo, assim, a expressão dirigismo contratual. Houve, assim, uma limitação à liberdade de contratar, para que fossem evitados abusos nas relações contratuais. Caio Mário da Silva Pereira ensina que “o jurista não pode desprender-se das idéias dominantes no seu tempo, é a

Não se recusa o direito de contratar, e não se nega a liberdade de faze-lo. O que se pode apontar como a nota predominante nesta quadra da evolução do contrato é o reforçamento de alguns conceitos, como a regulamentação legal do contrato, a fim de coibir abusos advindos da desigualdade econômica; o controle de certas atividades empresárias; a regulamentação dos meios de produção e de distribuição; e sobretudo a proclamação da efetiva preeminência dos interesses coletivos sobre os de ordem privada,sobreleva ao respeito pela intenção das partes, já que a vontade destas tem de submeter-se àquele.” 237 NERY, Rosa Maria Andrade. Introdução ao Pensamento Jurídico e à Teoria Geral do Direito Privado, RT, São Paulo, 2008, p. 59.

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consciência da unidade do sistema e do respeito à hierarquia das fontes

normativas238.

Aceita a unidade do

ordenamento como característica da estrutura e função

do sistema jurídico decorrente da existência pressuposta da norma fundamental

como fator determinante de toda a ordem jurídica, a relação entre a norma

tituição estão

presentes em todos os recantos do tecido normativo, donde ser inadmissível uma

contraposição rígida de direito público a direito privado. Cada vez mais se encontram

fundamental e a Constituição, quanto à questão do fundamento de validade do

ordenamento, possibilita que esta seja considerada como um conjunto de normas

objetivamente válidas e a coloca como a instância a que foi dada a legitimidade para

revalidar a ordem jurídica.

Dessa construção da unidade do ordenamento jurídico decorre a

consequência de sustentar que os valores propugnados pela Cons

pontos de confluência entre o público e o privado, não havendo mais uma

delimitação precisa, fundindo-se, ao contrário, o interesse público e o interesse

privado. Acrescente-se a isto o fenômeno do intervencionismo estatal, que se tornou

um dos principais instrumentos de realização de justiça distributiva239.

238 MORAES, Maria Celina Bodin. A Caminho de um Direito Civil Constitucional, in WWW.idcivil.com.br/pdf/biblioteca 4.pdf, artigo publicado na Revista Estado, Direito e Sociedade, vol. I, 1991, publicação do Departamento de Ciências Jurídicas da PUC - Rio. 239 MORAES, Maria Celina Bodin. A Caminho de um Direito Civil Constitucional, in WWW.idcivil.com.br/pdf/biblioteca 4.pdf, artigo publicado na Revista Estado, Direito e Sociedade, vol. I, 1991, publicação do Departamento de Ciências Jurídicas da PUC - Rio.

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Diante de tantas alterações, “direito privado e direito público tiveram

modificados seus significados originários: o direito privado deixou de ser o âmbito da

vontade individual e o direito público não mais se inspira na subordinação do

cidadão. A divisão do direito, então, não pode permanecer ancorada àqueles antigos

conceitos e, de substancial – isto é, expressão de duas realidades herméticas e

opostas traduzidas pelo binômio autoridade-liberdade – se transforma em distinção

meramente “quantitativa”: há institutos onde é prevalente o interesse dos indivíduos

estando presentes, contudo, o interesse da coletividade; e institutos em que

prevalece, em termos quantitativos, o interesse da sociedade, embora sempre

funcionalizado, em sua essência, à realização dos interesses individuais e

existenciais dos cidadãos. Mais: no Estado Democrático de Direito, delineado pela

Constituição de 1988, que tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa

humana e os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, o antagonismo público-

privado perdeu definitivamente o sentido. Os objetivos constitucionais de construção

de uma sociedade livre, justa e solidária e de erradicação da pobreza colocaram a

pessoa humana – isto é, os valores essenciais – no vértice do ordenamento jurídico

brasileiro, de modo que tal é o valor que conforma todos os ramos do direito” 240.

Justa é a observação de RENAN LOTUFO de que “o novo Código Civil veio

como instrumento de concretização de valores constitucionais, genéricos e

abstratos. É o veículo para que haja a operatividade do direito, que é um dos

princípios que nortearam o Prof. MIGUEL REALE na condução dos trabalhos da

comissão elaboradora do projeto do código. A maior proximidade do código com o

240 MORAES, Maria Celina Bodin. A Caminho de um Direito Civil Constitucional, in WWW.idcivil.com.br/pdf/biblioteca 4.pdf, artigo publicado na Revista Estado, Direito e Sociedade, vol. I, 1991, publicação do Departamento de Ciências Jurídicas da PUC - Rio.

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fato social precisa passar, todavia, por maior concreção ainda e atingir a

individualização do caso concreto, o que se dará com a atividade judicial. A

alteração dos princípios fundamentais, com a introdução da eticidade, da

socialidade, da operatividade, referidos pelo Prof. MIGUEL REALE, resulta nas

formulações legais relativas à boa-fé objetiva no âmbito dos negócios jurídicos,

como na função social do contrato e da propriedade, o que se concretizará na

e 1988 no domínio

das relações civis, a partir da colocação da dignidade da pessoa humana como um

dos fundamentos da República Federativa do Brasil e que, ao contrário dos juristas

medida em que o juiz, mediante a prévia atividade da parte suscitando o

pronunciamento judicial, ao valorar os fatos comprovados, venha a dar efetividade

às novas formulações. Ao dar conteúdo concreto aos valores ideais previstos, da

dignidade do ser humano, quanto da solidariedade social, a atividade judicial terá um

papel muito maior do que o que lhe fora conferido no sistema da mera exegese” 241.

Após demonstrar a participação eminente da Constituição d

alemães denominados pandectistas que pretendiam resolver todos os problemas

jurídicos somente diante de categorias jurídicas – tal como se dá com o Código Civil

alemão de 1900 (BGB) – o Prof. MIGUEL REALE acentua que os elaboradores do

vigente Código optaram pela compreensão do Direito em função de princípios

jurídicos e metajurídicos, como os da eticidade e da socialidade.

241 LOTUFO, Renan. A responsabilidade civil e o papel do juiz, in Responsabilidade Civil – Estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo de Camargo Viana, Coord. Rosa Maria Andrade Nery e Rogério Donnini, RT, São Paulo, 2009, p. 459.

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Da aplicação concreta desses princípios e mudança de perspectiva, e em

razão dessa complementaridade se explica a crescente convergência do Direito

Público e Privado, “não tendo razão de ser o primado de um ou de outro, pois ambos

compõem o processo dialético da positividade jurídica através da história,

E no domínio da liberdade de contratar, arremata: “Cumpre ainda observar um

ponto relevante que é a proclamação pela Constituição logo no Art. 1º da “livre

iniciativa” como um dos fundamentos da República, ao mesmo tempo que, no Art.

37, exige que o exercício do poder pela administração pública deve obedecer aos

rincípios de moralidade, legalidade e impessoalidade. Essa dupla exigência

obedecendo a diretrizes emergentes dos valores eminentes que caracterizam cada

civilização, e que formam o que denomino “invariantes axiológicas”. A principal delas

é a idéia da pessoa humana, em meus livros apresentada como “valor fonte” de

todos os valores. Nada de extraordinário que seja ela o valor básico de todo o

ordenamento jurídico, sobretudo do civil” 242.

p

repercute no Código Civil, cujo art. 421 consagra a “liberdade contratual”, mas

condicionada à “função social do contrato” e pela “boa-fé por parte dos contratantes.

Dessarte, a ambivalência da liberdade e dos seus limites ético-jurídicos está

na base da Constituição e do Código Civil, em uma sintonia que constitui apanágio

do ordenamento civil pátrio.

242 REALE, Miguel. A Constituição e o Código Civil, artigo publicado em 8.11.03 in. http://www/miguelreale.com.br/artigos/constcc.htm, cópia obtida em 28.11.2009.

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Como observa ROGÉRIO DONNINI, com apoio em MIGUEL REALE, a função

social do contrato é consectário das determinações constitucionais relativas à função

social da propriedade e o ideal de justiça deve estar presente na ordem econômica.

O princípio superior da Constituição Federal – a dignidade da pessoa humana, ou,

como preconiza esse jurista, a cláusula geral de dignidade da pessoa humana, nada

mais é que o respeito à dignidade de todas as pessoas e impõe um comportamento

a atitude compatível com a concepção social, seja no contrato

(art. 421 do Código Civil), seja na propriedade (art. 1.118, § 1º do Código Civil). O

princípio da igualdade deve ser visto como um princípio de justiça social e tem por

finalidade realizar a igual dignidade do ser humano para que seja efetivada a justiça

social estabelecida na cabeça do art. 170 da Constituição Federal. Os princípios de

correto, equânime, proporcional, ético, na realização de qualquer negócio jurídico.

Desse princípio resulta a cláusula geral de boa-fé objetiva constante do art. 422 do

Código Civil a ordenar um comportamento ético entre os contratantes, atos que não

transgridam a boa-fé, a probidade e função social do contrato. Agir de acordo com o

princípio da dignidade da pessoa humana, é, a seu ver, o mesmo que atuar baseado

na ética243.

Decorrem do princípio da dignidade da pessoa humana, segundo DONNINI,

os princípios da solidariedade e da igualdade que são verdadeiros instrumentos da

efetiva proteção da dignidade humana. A solidariedade, prevista no art. 3º, I da

Constituição Federal como um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro está

vinculada às cláusulas gerais, uma vez que buscam o comportamento solidário entre

as partes, ou seja, um

243 DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade pós-contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, Saraiva, São Paulo, 2004, p. 116.

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solidariedade e da igualdade tem por finalidade o desenvolvimento e o respeito à

pessoa humana. Portanto, não há justiça social com a ruptura, numa relação

jurídica, dos deveres impostos nas cláusulas gerais de boa-fé objetiva e função

social do contrato244.

Gradativamente, de acordo com a aguda observação de LUIZ TADEU

BARBOSA SILVA, “a sociedade moderna vem rompendo com certos dogmas,

nascendo uma concepção social do contrato, como tendência moderna, inclusive no

âmbito constitucional. É o direito como instrumento de conformação social, como

ilustra CANOTILHO. Para essa nova concepção, não só o momento da

manifestação da vontade (consenso) é o que importa; importam também os efeitos

do contrato na sociedade. Haverá um intervencionismo cada vez maior do Estado

nas relações contratuais, no intuito de relativiz

ar o antigo dogma da autonomia da

vontade com as novas preocupações de ordem social, com a imposição de um novo

paradigma, notadamente o princípio da boa-fé objetiva. Tem sido uma constante a

revisão dos contratos, tanto para coibir abusos quanto para adequá-lo à sua função

social. Lembra HELOISA CARPENA que ao indivíduo serão reconhecidos direitos,

poderes e faculdades na medida em que venham a contribuir com o bem estar da

coletividade, que sejam socialmente úteis” . 245

O novo Código Civil, segundo esse autor, “reflete um direito contratual

reestruturado. Celebra a primazia dos chamados valores plurais ou coletivos em

244 DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade pós-contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, Saraiva, São Paulo, 2004, p. 117. 245 SILVA, Luiz Tadeu Barbosa. Da Ação de Adjudicação Compulsória resultante do Contrato Preliminar de Compromisso de Compra e Venda, in Revista dos Tribunais, RT, São Paulo, 2006, vol. 845, p. 54.

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face dos equivalentes axiológicos do plano individual. Está concentrado na função

social do contrato (art. 421 do Código Civil) e na proteção do hipossuficiente na

relação contratual (art. 423 do Código Civil). Em sua nova concepção, diz MIGUEL

REALE ser o contrato um elo que, de um lado, põe o valor do indivíduo como aquele

que o cria, mas, de outro lado, estabelece a sociedade como o lugar onde o contrato

vai ser executado e onde vai receber uma razão de equilíbrio e medida. O poder da

ontade humana, criadora de obrigações, sempre se pautou no princípio da

aqueles que o

zeram”, mereceu de RIPERT a crítica de parecer extraordinariamente forte a

5.2 Os conceitos jurídicos indeterminados e as cláusulas gerais

indicassem, também de forma precisa, todas as suas conseqüências formando uma

espécie de sistema fechado. A técnica legislativa moderna se faz por meio de

v

autonomia da vontade. O Código Civil Francês de então, ao dispor em seu art. 1.134

que “as convenções legalmente formadas tem o valor de leis para

fi

fórmula preconizada por seu legislador” 246.

como elementos para interpretação dos contratos

Em apontamentos gerais sobre os contratos no Código Civil, e após

esclarecer que não mais se discute a necessidade da manutenção de um direito civil

codificado porque isto traz unidade e ordenação ao sistema jurídico do Direito Civil,

observa NELSON NERY JÚNIOR que, em pleno século XXI não seria mais

admissível legislar por normas que definissem precisamente certos pressupostos e

246 SILVA, Luiz Tadeu Barbosa. Da Ação de Adjudicação Compulsória resultante do Contrato Preliminar de Compromisso de Compra e Venda, in Revista dos Tribunais, RT, São Paulo, 2006, vol. 845, p. 54.

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conceitos legais indeterminados e cláusulas gerais que dão mobilidade ao sistema,

flexibilizando a rigidez dos institutos jurídicos e dos regramentos do direito positivo.

omo um Código Civil, pela sua magnitude, não pode fundar-se apenas em

áusu

las gerais para poder entender-se a dinâmica de funcionamento e

o regramento do Código Civil no encaminhamento e nas soluções dos problemas

C

cl las gerais, o método casuístico também foi bastante utilizado, notadamente no

direito das obrigações, de modo que podemos afirmar que o Código Civil seguiu

técnica legislativa mista, com base nos métodos da casuística, dos conceitos legais

indeterminados e das cláusulas gerais247.

O Código Civil está impregnado de cláusulas gerais, que se caracterizam

como fonte de direito e de obrigações. É necessário, portanto, conhecer-se o

sistema de cláusu

d

que o direito privado apresenta. Há verdadeira interação entre cláusulas gerais, os

princípios gerais de direito, os conceitos legais indeterminados e os conceitos

determinados pela função. A solução dos problemas reclama a atuação conjunta

desse arsenal248.

Conceitos legais indeterminados são definidos por NELSON NERY JUNIOR

como “palavras ou expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão altamente

vagos, imprecisos e genéricos, e por isso mesmo esse conceito é abstrato e

lacunoso. Sempre se relacionam com a hipótese de fato posta em causa. Cabe ao

juiz, no momento de fazer a subsunção do fato à norma, preencher os claros e dizer

247 NERY JUNIOR, Nelson. Contratos no Código Civil, Apontamentos Gerais – in O Novo Código Civil, Homenagem ao Professor Miguel Reale, Coordenadores Franciulli Netto, Domingos, Mendes, Gilmar Ferreira, Martins Filho, Ives Gandra da Silva, 2ª. Ed. LTR, São Paulo, 2006, p. 422/423. 248 NERY JUNIOR, Nelson, Contratos no Código Civil, Apontamentos Gerais, in O Novo Código Civil, Homenagem ao Professor Miguel Reale, Coordenadores Franciulli Netto, Domingos, Mendes, Gilmar Ferreira, Martins Filho, Ives Gandra da Silva, 2ª. Ed. LTR, São Paulo, 2006, p.425/426.

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se a norma atua ou não no caso concreto. Preenchido o conceito legal

indeterminado (unbestimmte Gesetzbegriffe), a solução já está preestabelecida na

própria norma legal, competindo ao juiz apenas aplicar a norma, sem exercer

nenhuma função criadora. Distinguem-se das cláusulas gerais pela finalidade e

eficácia. A lei enuncia o conceito indeterminado e dá as consequências advindas.

Como exemplos aponta o autor: ordem pública e bons costumes, para caracterizar a

ilicitude da condição que os ofenda (CC, 122); atividade de risco, para caracterizar

responsabilidade objetiva (CC, 251, parágrafo único); perigo iminente, como

exclusão de ilicitude do ato (CC, 188, II); divisão cômoda, como critério para

alienação de imóvel em condomínio que não a comportar (CC, 2.019); coisas

necessárias à economia doméstica, que dispensam a autorização conjugal para

erem compradas, ainda que a crédito (CC, 1643, I); necessidade imprevista e

de previsão, pois o juiz deverá dar concreção aos referidos conceitos, atendendo às

s

urgente, como causa autorizadora da suspensão, pelo comodante, do uso e gozo da

coisa emprestada (CC, 581). O preenchimento de sua indeterminação será feito pelo

juiz por meio de valores éticos, morais, sociais e jurídicos, o que transforma o

conceito legal indeterminado em conceito determinado pela função249.

Os conceitos legais indeterminados se transmudam em conceitos

determinados pela função que tem de exercer no caso concreto. Servem para

propiciar e garantir a aplicação concreta. Servem para propiciar e garantir a

aplicação correta, eqüitativa do preceito ao caso concreto. Nos conteúdos das idéias

de boa-fé (CC, 422), bons costumes (CC, 187), ilicitude (CC, 186), abuso do direito

(CC, 187) etc., está implícita a determinação funcional do conceito, como elemento

249 NERY JUNIOR, Nelson, Contratos no Código Civil, Apontamentos Gerais, in O Novo Código Civil, Homenagem ao Professor Miguel Reale, Coordenadores Franciulli Netto, Domingos, Mendes, Gilmar Ferreira, Martins Filho, Ives Gandra da Silva, 2ª. Ed. LTR, São Paulo, 2006, p. 427/428.

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peculiaridades do que significa boa-fé, bons costumes, ilicitude ou abuso de direito

no caso concreto. Vale dizer, o juiz torna concretos, vivos, determinando-os pela

nção, os denominados conceitos legais indeterminados. E conclui NELSON NERY

ao juiz vinculando-o ao mesmo tempo em que lhe dão

berdade para decidir. São formulações contidas na lei, de caráter significativamente

fu

JÚNIOR com apoio em LARENZ, que são, na verdade, o resultado da valoração dos

conceitos legais indeterminados, pela aplicação e utilização, pelo juiz, das cláusulas

gerais250.

Já as cláusulas gerais são normas orientadoras, sob forma de diretrizes,

dirigidas precipuamente

li

genérico e abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado para

assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral, que tem

natureza de diretriz251.

Para JUDITH MARTINS COSTA, as cláusulas gerais constituem o meio

legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico, de

princípios valorativos expressos ou ainda inexpressos legislativamente, de

standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, das

normativas constitucionais e de diretivas econômicas sociais e políticas, viabilizando

a sua sistematização no ordenamento positivo. Explicitando mais o conceito, aduz a

autora: “Estas normas (cláusulas gerais) buscam a formulação da hipótese legal

mediante o emprego de conceitos cujos termos tem significados intencionalmente

250NERY JUNIOR, Nelson, Contratos no Código Civil, Apontamentos Gerais, in O Novo Código Civil, Homenagem ao Professor Miguel Reale, Coordenadores Franciulli Netto, Domingos, Mendes, Gilmar Ferreira, Martins Filho, Ives Gandra da Silva, 2ª. Ed. LTR, São Paulo, 2006, p.428. 251 NERY JUNIOR, Nelson, Contratos no Código Civil, Apontamentos Gerais, in O Novo Código Civil, Homenagem ao Professor Miguel Reale, Coordenadores Franciulli Netto, Domingos, Mendes, Gilmar Ferreira, Martins Filho, Ives Gandra da Silva, 2ª. Ed. LTR, São Paulo, 2006, p.428.

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imprecisos e abertos, os chamados conceitos jurídicos indeterminados. Em outros

casos, verifica-se a ocorrência de normas cujo enunciado, ao invés de traçar

punctualmente a hipótese e as suas conseqüências, é intencionalmente desenhado

omo uma vaga moldura, permitindo, pela abrangência de sua formulação, a

stabelecer uma melhor precisão lógico analítica. E em nota de rodapé, afirma

ue, nesse sentido parece convergir o pensamento de GUSTAVO TEPEDINO

c

incorporação de valores, princípios, diretrizes e máximas de conduta originalmente

estrangeiros ao corpus codificado, bem como a constante formulação de novas

normas, são as chamadas cláusulas gerais” 252.

Observa ALBERTO GOSSON JORGE JUNIOR que para alguns juristas, a

aplicação dos princípios poderia ser feita independentemente da existência de uma

norma legal de caráter genérico, como as cláusulas gerais, consoante opinião de

CLOVIS DO COUTO E SILVA, no que diz respeito ao princípio da boa-fé objetiva.

Para outros não há que se confundir a norma que contém um princípio em seu bojo

(caso da boa-fé) com a identificação pura e simples da cláusula geral com as

normas de princípios ou simplesmente com os princípios. Tudo isto faz parecer,

todavia, que a assimilação recíproca entre cláusulas gerais e princípios, desde que

respeitada a hierarquia normativa, vem facilitar a tarefa do intérprete, já bastante

dificultada na identificação e dimensionamento dos valores da norma, não

parecendo aconselhável estabelecer distinções conceituais, ainda que a pretexto de

se e

q

quando denomina o princípio fundamental de dignidade da pessoa humana,

p. 40. 252 Apud JORGE JUNIOR, Alberto Gosson, Cláusulas Gerais no Novo Código Civil, Saraiva: São Paulo, 2004,

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insculpido no inciso III do art. 1º da Constituição Federal de 1988, “cláusula geral”

253.

Com apoio na doutrina alemã, NELSON NERY JUNIOR afirma que a função

das cláusulas gerais é de dotar o sistema interno do Código Civil de mobilidade,

mitigando as regras mais rígidas, além de atuar de forma a concretizar o que se

encontra previsto nos princípios gerais de direito e nos conceitos legais

indeterminados. Prestam-se, ainda, para abrandar as desvantagens do estilo

xcessivamente abstrato e genérico da lei. Para tanto, as cláusulas gerais passam

ex officio” pelo juiz. Com essa

plicação de ofício não se coloca o problema de decisão incongruente com o pedido

xtra,

e

necessariamente pelos conceitos determinados pela função. O juiz exerce papel de

suma importância no exercício dos poderes que derivam das cláusulas gerais,

porque ele instrumentaliza, preenchendo com valores, o que se encontra

abstratamente contido nas cláusulas gerais254.

E mais adiante destaca afirmando que “cláusula geral não é princípio,

tampouco regra de interpretação; é também norma jurídica, isto é, fonte criadora de

direitos e obrigações. Tem função instrumentalizadora. É norma de ordem pública

(v.g. CC, 2035, parágrafo único), deve ser aplicada “

a

(e ultra ou infra petita), pois o juiz, desde que haja processo em curso, não

depende de pedido da parte para aplicá-la a uma determinada situação. Cabe ao

253 JORGE JUNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas Gerais no novo Código Civil, Saraiva: São Paulo,

ndes, Gilmar rreira, Martins Filho, Ives Gandra da Silva, 2ª. Ed. LTR, São Paulo, 2006, p.429.

2004, p. 41. 254 NERY JUNIOR, Nelson, Contratos no Código Civil, Apontamentos Gerais, in O Novo Código Civil, Homenagem ao Professor Miguel Reale, Coordenadores Franciulli Netto, Domingos, MeFe

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129

juiz, no caso concreto, preencher o conteúdo da cláusula geral, dando-lhe a

conseqüência que a situação completa reclamar” 255.

De outra parte, vaticina ALBERTO GOSSON JORGE, parecer muito provável

que a doutrina e a jurisprudência venham a estender o conteúdo da regra do art. 422

do Código Civil para as fases pré-contratual e pós-contratual. Na esteira da

experiência alemã, positivada no § 242 do BGB, a disposição poderá ter a sua

incidência ampliada para todo o direito obrigacional e não ficar restrita apenas ao

campo dos contratos256.

Nesse sentido, a justificação de MENEZES CORDEIRO, ao ponderar que “a

enumeração dos factos-fonte dos deveres de actuar de boa-fé resulta dos estudos

efectuados: o início de negociações preliminares, a existência de um contrato, ou da

sua aparência, a conexão de terceiro com uma obrigação ou o desaparecimento de

um negócio. Todos eles tem em comum a verificação de um relacionar entre duas

ou mais pessoas, através duma dinâmica que pressupõe uma conjugação de

esforços que transcende o estrito âmbito individual. O Direito obriga, então, a que,

nessas circunstâncias, as pessoas não se desviem dos propósitos que, em

ponderação social, emerjam da situação em que se acham colocadas: não devem

assumir comportamentos que a contradigam – deveres de lealdade – nem calar ou

falsear a actividade intelectual externa que informa a convivência humana – deveres

de informação. Na constância de um contracto, o dever de informação poderá ser

255NERY JUNIOR, Nelson, Contratos no Código Civil, Apontamentos Gerais, in O Novo Código Civil, Homenagem ao Professor Miguel Reale, Coordenadores Franciulli Netto, Domingos, Mendes, Gilmar Ferreira, Martins Filho, Ives Gandra da Silva, 2ª. Ed. LTR, São Paulo, 2006, p.429. /430 256 JORGE JUNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas Gerais no ovo Código Civil, Saraiva, 2004, p. 85 e nota 217 em que noticia Projeto de Lei de autoria do Deputado Ricardo Fiúza, dando nova redação ao art. 422 para estender a cláusula geral de boa-fé às fases pré e pós contratual.

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mais intenso do que in contrahendo ou post factum finitum. Mas nesta base, não se

alcança a materialidade desta fenomenologia. O contrato é fonte efectiva dos

everes contratuais; no entanto, para os efeitos da aplicação da boa-fé – art. 762º, 2

cia de um contrato comum. Os critérios para a

eterminação material dos deveres de comportamento devem ser procurados

outras latitudes” 257.

A partir desse entendimento da cláusula geral de boa fé, torna-se inegável a

5.3 O pré-contrato no Código Civil

Conquanto já admitida a figura do pré-contrato no direito anterior,

d

– ele funciona como mero facto jurídico em sentido estrito. Daí que, por hipótese, em

negociações delicadas, os deveres de lealdade e informação possam ser bem mais

intensos do que na vigên

d

n

sua aplicação nas fases pré e pós contratual, para fazer valer a confiança que deve

existir entre os contratantes.

especialmente a partir do Dec. Lei n. 58, de 1937 que regulou a eficácia do contrato

de compromisso de compra e venda de imóvel loteado, e a doutrina dele se

ocupasse258, o certo é que, no direito positivo brasileiro o seu tratamento normativo

em caráter geral se dá com os arts. 462 a 466 do Código Civil, sob o título “Do

contrato preliminar”.

257 MENEZES CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e. Da Boa-Fé no Direito Civil, 3ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2007, p. 646/647. 258 AZEVEDO, José Osório de. Compromisso de Compra e Venda, 4ª edição, Malheiros, São Paulo, 1988; CREDIE, Ricardo Arcoverde. Adjudicação Compulsória, 9ª edição, Malheiros, São Paulo, 2004, exemplificativamente.

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Em estudo de direito comparado, ALFREDO CALDERALE, observa que “o

contrato preliminar já era disciplinado em algumas leis especiais relativas ao setor

imobiliário, e, tendo em conta essa experiência, o legislador, ao generalizar o

instituto, estabeleceu que esse, contendo os requisitos de substância e forma do

contrato definitivo (art. 462) se desprovido de cláusula de arrependimento (art. 463)

e se transcrito no registro competente (art. 463, parágrafo único) dá a qualquer das

partes o direito de exigir a outorga do definitivo (art. 463). Consequentemente, o juiz,

rovocado por um dos contraentes, com sua sentença “pode substituir a vontade da

mais adequado seria chamá-lo contrato-promessa ou contrato

romessa de negócio. Aponta, também, o entendimento de JOÃO CALVÃO DA

tais definições com o art. 410º do Código Civil português, ao estabelecer que o

p

parte da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar”,

salvo se isto não for possível pela natureza da obrigação (art. 464), um mecanismo

que respeitada a diversidade de formulação da norma confere substancialmente

coercibilidade ao contrato preliminar pela forma específica, como claramente emerge

do art. 292 do Código Civil italiano” 259.

Em recente trabalho, VALTER FARID ANTONIO JUNIOR pondera que para

distingui-lo das tratativas ou puntuazione a que se referia GABBA, com apoio em

ANA PRATA sugere que o contrato preliminar melhor seria denominado de

“promessa de contrato” enquanto tradução mais precisa da expressão pactum de

contrahendo, donde

p

SILVA, que na mesma direção do pensamento de ANTUNES VARELA, acrescentou

ao conceito a possibilidade de sua celebração na forma unilateral, coadunando-se

259 CALDERALE, Alfredo. Diritto Privato e Codificazione in Brasile,, Dott. Giuffrè Editore, Milão, 2005, p. 355/356, em tradução livre. Em nota de rodapé destaca que a primeira parte do art. 2932 do Código Civil italiano dispõe: “se aquele que se obrigou a concluir um contrato descumpre a obrigação, a outra parte, se isto for possível e não seja excluído do título, pode obter uma sentença que produza os efeitos do contrato não firmado.”.

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contrato-promessa corresponde à “convenção pela qual alguém se obriga a celebrar

certo contrato” 260 .

Mais adiante, cita ANTUNES VARELA, afirmando que “o contrato promessa

cria a obrigação de contratar, ou mais concretamente, a obrigação de emitir a

declaração de vontade correspondente ao contrato prometido. A obrigação

assumida por ambos os contratantes, ou por um deles se a promessa é unilateral,

tem assim por objeto uma prestação de fato positivo, um facere oportere. E o direito

correspondente atribuído à outra parte traduz-se numa verdadeira pretensão”. A

existência do contrato preliminar, a seu ver, tem por fundamento a autonomia

privada das partes contratantes. Sua tipicidade que se mostra presente, v.g., nos

Códigos Civis italiano, português, espanhol e brasileiro, não constitui óbice à sua

celebração. Desde que as partes observem as normas de ordem pública vigentes,

os requisitos gerais de validade do negócio jurídico, capacidade das partes, licitude

de seu objeto e forma prescrita em lei, quando exigida) e específicos do contrato

rojetado gozam de legitimidade par auto-regulamentar seus interesses, de acordo p

com as necessidades negociais, Baseadas na liberdade de contratar poderão

estabelecer pactos obrigatórios voltados à celebração de um futuro negócio jurídico

que, pelas mais variadas razões, não pode ser celebrado naquele dado momento”

261.

Desse entendimento não discrepa ARNALDO RIZZARDO, lembrando que,

embora introduzido no Código Civil de 2002, a sua previsão já constava do antigo

260 ANTONIO JUNIOR, Valter Farid. Compromisso de Compra e Venda, Atlas, São Paulo, 2009, p. 7. 261 ANTONIO JUNIOR, Valter Farid. Compromisso de Compra e Venda, Atlas, São Paulo, 2009. p. 8/9.

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anteprojeto do Código das Obrigações. No entanto, era admitido no direito,

considerado mais como uma declaração unilateral de vontade, tanto que os arts.

466- B e 466 – C do Código de Processo Civil, na redação da Lei n. 11.232, de

22.12.2005, se dirigem a qualquer promessa de vontade, ou de concluir uma relação

rídica de fundo patrimonial. Já o contrato preliminar relativamente à aquisição de

o pactum de contraendo, pelo qual se assume a obrigação de

ontratar em um certo momento e em determinadas condições, criando o contrato

preliminar uma ou várias obrigações de fazer, mesmo quando o contrato definitivo

originar obrigação de dar.” Todavia, não cria uma situação definitiva, porque outro

ju

imóveis está regulado pelo direito positivo, através de leis especiais e do Código

Civil, como o Decreto Lei n. 38, de 1937 (promessa de venda de imóveis não

loteados), a Lei n. 6.766, de 1979 (promessa de compra e venda de imóveis

loteados), e os arts. 1417 e 1418 do Código Civil (direito real do promitente

comprador). 262

Afirma ser comum essa forma de emitir a vontade para produzir efeito jurídico

e exemplifica com a promessa de contratar um seguro, de adquirir um bem, de

efetuar uma doação, de se alugar um imóvel, de se arrendar uma área de terras, de

se efetuar um empréstimo, de se prestar uma garantia, ou qualquer outro fato, enfim,

de concluir um negócio num prazo pré-estabelecido263.

A promessa é conceituada como o contrato no qual as partes se obrigam a

realizar posteriormente um contrato definitivo, sendo correta a definição de MARIA

HELENA DINIZ: “É

c

262 RIZZARDO, Arnaldo, Contratos – Lei n. 10.406, de 10.01.2002, 8ª edição, Forense, Rio de

o, Contratos – Lei n. 10.406, de 10.01.2002, 8ª edição, Forense, Rio de aneiro, 2008, p. 191.

Janeiro, 2008, p. 191. 263 RIZZARDO, ArnaldJ

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contrato surgirá, que consolidará as estipulações feitas nesse contrato preliminar,

feito mais no sentido de manifestação de intenções, vinculando as vontades a um

objeto comum264.

Dentro da ampla liberdade de estabelecer disciplina de seus interesses

comuns, afirma PAULO NADER que “as partes podem firmar uma promessa de

contrato, que é manifestação bilateral de vontade e que não se confunde com a

policitação, que é negócio jurídico unilateral. Pela promessa, duas ou mais partes se

obrigam à celebração de um contrato futuro, devendo constar do ato negocial os

dados essenciais que haverão de ser observados no negócio jurídico. Se as partes

prometem, reciprocamente, a prática de um contrato de compra e venda, mas sem a

indicação do objeto, tal promessa não produzirá qualquer efeito jurídico. Para a

alidade da promessa de contrato é essencial a indicação da natureza do negócio a

a obter o suprimento

dicial. Faz parte da liberdade contratual, entretanto, a adoção de cláusula de

v

ser realizado, bem como as suas condições básicas. Um dos requisitos de validade

dos negócios jurídicos em geral, segundo dispõe o art. 104 do Código Civil, é a

determinação ou determinabilidade do seu objeto.

Se, todavia, as partes se acham vinculadas e na obrigação de celebrarem, no

momento previsto, o contrato definitivo. Negando-se uma das partes a cumprir a

promessa, à outra caberá o ajuizamento de ação, visando

ju

arrependimento, mediante arras penitenciais (art. 420 do Código Civil). Embora a

264 RIZZARDO, Arnaldo, Contratos – Lei n. 10.406, de 10.01.2002, 8ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2008, p. 191.

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promessa de compra e venda seja a modalidade mais usual, outras poderão ser

praticadas, como as de comodato, permuta, locação etc.”265.

O contrato preliminar é, pois, um contrato em espécie, completo e perfeito,

No tocante aos requisitos ante o direito positivo, sem divergir da exposição de

ecessárias autorizações, se o caso, e ainda o seu objeto há de ser lícito, possível e

determinado ou determinável267.

tendo superado a fase das tratativas, o que cria uma relação obrigacional própria.

Nele se apresenta o fenômeno da unidade da vontade contratual a que se refere

RUGGIERO, para quem o fundamento da obrigatoriedade está na perda da

autonomia da vontade manifestada por cada uma das partes, porque fundindo-se

dão lugar a uma nova vontade unitária, ou seja, a vontade contratual 266.

CALDERALE acima transcrita, acrescenta que dispensa-se unicamente a forma

destinada para o contrato definitivo e esta há de ser observada quando da

celebração deste. As partes hão de ter capacidade, devem ser concedidas as

n

Relativamente à obrigatoriedade do registro prevista no art. 463 do Código

Civil, entende a doutrina que este não é requisito essencial do contrato preliminar,

ou promessa de contratar, sendo necessário apenas para valer contra terceiros268.

265 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Contratos, Forense, Rio de Janeiro, 2005, volume 3, p. 16. 266 RUGGIERO, Roberto, Instituições de Direito Civil, v. 3,.p. 303, apud SILVA, Luiz Tadeu Barbosa. Da Ação de Adjudicação Compulsória resultante do Contrato Preliminar de Compromisso de Compra e Venda, in Revista dos Tribunais, RT, São Paulo, 2006, vol. 845, p. 55. 267 RIZZARDO, Arnaldo, Contratos – Lei n. 10.406, de 10.01.2002, 8ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2008, p. 192/193. 268 BDINE JUNIOR, Hamid Charaf. Compromisso de Compra e Venda em face do Código Civil de 2002: Contrato Preliminar e Adjudicação Compulsória. in Revista dos Tribunais, RT, São Paulo, 2006, vol. 843, p. 68.

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136

5.4 Contrato preliminar e promessa de doação

Incisiva é a afirmação de EDUARDO ESPÍNOLA: “a promessa de doação é

admitida como nos contratos, em geral; mas em algumas legislações como a alemã

e a suíça, que a consideram especialmente, pode deixar de ser cumprida quando se

verifiquem determinadas circunstâncias” e em notas de rodapé explicita que o

Código alemão admite que o doador recuse a execução de uma promessa de

doação, quando, em consideração de suas obrigações, se vê impossibilitado de

cumpri-la, sem por em risco a sua manutenção, ou a execução das obrigações

alimentares que lhe incumbem legalmente (art. 519), o mesmo ocorrendo,

250 do Código suíço das Obrigações a

269

caráter real do contrato com base do art. 1.165 do Código de 1916270,

substancialmente com o disposto no art.

prever a revogação da promessa e a recusa de sua execução quando existam

motivos para exigir a restituição de bens no caso de doação manual; ou se depois

da promessa sua situação financeira se modifique de tal sorte que a doação torne-se

extraordinariamente onerosa para o doador; ou, se sobrevenham, depois da

promessa, novos deveres de família ou se tornem sensivelmente mais onerosos .

PONTES DE MIRANDA, ao cuidar da matéria, enfatizando a necessidade de

estabelecer precisões, afirma que promessa de doação é promessa de contrato de

doação e que promessa de doação é contrato consensual de doação, e defende o

269 ESPINOLA, Eduardo. Dos Contratos Nominados no Direito Civil Brasileiro, 2ª edição, Conquista, Rio de Janeiro, 1956, p. 170/171. 270 Código Civil de 1916 – Art. 1.165 – Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra, que os aceita. – Código

s ou vantagens para o de outra. Civil de 2002 – Art. 538 – Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, pó liberalidade, transfere do seu patrimônio ben

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substancialmente reproduzido no art. 538 do Código vigente271. E mais adiante, ao

cuidar da manifestação da vontade, volta a afirmar: “quem doa não promete doar:

á. Não há pretensão do outorgado por inadimplemento por parte do outorgante.

-se numa

oação coativa, se obrigado o promitente doador a dar cumprimento ao contrato

d

Quis dar, deu. Por isso mesmo, somente por dolo responderia em caso de vício do

direito ou do objeto. Se há promessa de doar, há pré-contrato. Tal solução do direito

brasileiro, que não afasta a doação consensual, mas promessa de doação, no direito

brasileiro, é promessa de contrato de doação272.

Após enumerar os argumentos e posições de autores contrários, acima

apontados, sustenta ARNALDO RIZZARDO que fortes razões surgem a favor da

admissibilidade da promessa de doação, mostrando ser falho o argumento de que

nesse caso a doação perderia a natureza de liberalidade, transformando

d

preliminar. Isto porque a liberalidade, como elemento essencial da doação, se

consuma justamente quando o proprietário promete doar livremente, sendo esse o

momento em que se forma o consenso quanto ao ânimo de liberalidade, ou ânimo

de doar pelo promitente doador e de aceitar, pelo promitente donatário273.

Esse autor, embora penda para a solução da indenização no caso do

descumprimento do pré-contrato, mas admitindo a execução específica nos casos

de promessa feita em acordos de separação de casal, destaca com KARL LARENZ,

que “este contrato, por criar uma obrigação de cumprir uma prestação, é um contrato

271 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Borsoi, Rio de Janeiro, 1964, Tomo XLVI, p. 201/202. 272 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Borsoi, Rio de Janeiro, 1964, Tomo XLVI, p. 229. 273 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos – Lei n. 10.406, de 10.01.2002, 8ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2008, p. 446.

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obrigacional, unilateralmente vinculante. A doação está, nesta hipótese, já na origem

do crédito, como atribuição de um direito; esta atribuição se faz com

omprometimento do patrimônio do promitente porque cria uma obrigação que

E, com apoio em HEDEMANN, acena que no direito alemão, pelo menos é

imento. E

e conformidade com a regra geral dos pré-contratos, terá o promitente-doador

assumido uma obrigação de fazer, ficando o promitente-donatário com o direito de

c

deverá ser cumprida com esse patrimônio. A prestação do objeto prometido não é

uma doação renovada, senão o cumprimento de uma obrigação; é, não obstante,

uma “atribuição gratuita” porque a relação de causa jurídica sobre a qual se baseia

sua validade jurídica (no sentido das normas sobre o enriquecimento injusto) é uma

doação” 274.

admissível a indenização pelo descumprimento do contrato. E conclui: “de modo que

se apresenta perfeitamente normal a promessa de doação de um bem, formando-se

um vínculo unilateral do promitente relativamente ao compromissário. Ao assumir a

avença, cria-se o liame da responsabilidade, que permite ao donatário impor o

cumprimento, ou, pelo menos, a indenização” 275.

Todavia, mais segura parece ser a posição de NATAL NADER, citado por

RIZZARDO: “Se o objeto de todo contrato preliminar é a celebração de um contrato

definitivo, nada impede que se faça um pactum de contrahendo, visando à

consecução de uma futura doação, eis que isto não ofende qualquer princípio de

ordem publica, nem existe qualquer preceito legal proibitivo de tal proced

d

274 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos – Lei n. 10.406, de 10.01.2002, 8ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2008, p. 446. 275 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos – Lei n. 10.406, de 10.01.2002, 8ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2008, p. 452/453.

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exigir o seu cumprimento, em caso de inadimplemento. Quanto à característica da

espontaneidade, indispensável à doação, não se poderá dizer ter ela deixado de

configurar-se, mas sim que a sua manifestação já se havia operado, quando o

promitente-doador, livremente, se obrigou através da promessa feita” 276.

No mesmo sentido, a lição de PAULO NADER, para quem a espontaneidade

eve estar presente no pactum de contrahendo, qualquer que seja a modalidade

Outro enfoque, à vista da promessa de doação feita em acordo de separação

Disto resulta que havendo perfeita individuação do objeto, as condições para

d

contratual. É aquele momento que as partes se vinculam jurídica e moralmente. O

contrato definitivo é simples decorrência do ajuste anterior e não importa se a

declaração de vontade não coincida com a razão íntima das partes no momento ou

seja uma consequência da pressão do contrato anterior277.

consensual, é dado por SÍLVIO RODRIGUES, que admite a sua validade ao

argumento de que não se está prometendo doar, mas sim a fazer um pagamento, e

a matéria se disciplina na forma das obrigações de dar coisa certa (arts. 233 e

seguintes do Código Civil). 278

a sua execução, a aceitação que torna perfeito o contrato preliminar, existe

ovo Código Civil, Saraiva, São Paulo, 2002, volume 3, p. 211.

276 NADER, Natal. Promessa de Doação – Doação inoficiosa, in AJURIS, n. 16, Revista da Associação dos Juízes do RGS, Porto Alegre, 19179, p. i26, cit in RIZZARDO, Arnaldo. ContratosLei n. 10.406, de 10.01.2002, 8ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2008, p. 453. 277 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Contratos, Forense, Rio de Janeiro, 2005, volume 3, p. 289. 278 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, 28ª edição atualizada de acordo com o n

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plenamente a obrigação de celebração do contrato definitivo de doação, ressaltando

6 INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO PRELIMINAR DE

seja, quando os seus

teresses não estiverem sendo levados em consideração ou quando o

que a forma não é solene e o registro não se faz necessário279.

PROMESSA DE DOAÇÃO

Nos comentários ao art. 538 do Código e se reportando a trabalho

monográfico, MARIA CECILIA BODIN DE MORAES sugere que, “ao se examinar a

doação, se abandone a concepção moral, quase poética, de “ato de favor”, de

benemerência ou generosidade e se passe a pensá-la em termos contratuais, ou

seja, em situações nas quais o doador tem interesses concretos a realizar” 280.

A partir de tal postura, propõe que a promessa de doação deve ser vista como

relação jurídica patrimonial, à luz dos princípios constitucionais que permeiam a

atividade econômica privada e o regime contratual, dos quais decorrem os princípios

da boa-fé objetiva e da função social do contrato. O doador tem interesses

relevantes na doação, tanto é verdade que só se pode revogá-la nos casos

expressos em lei, de inexecução do encargo ou ingratidão, ou

in

comportamento do donatário atingir os direitos fundamentais do doador ou de sua

família. Disto resulta que o descumprimento da promessa de doação associa-se não

279

Teixeira, Forense, Rio de Janeiro, 2004, vol. VIII, p. 105, anotando que de acordo com o Desembargador gaúcho Décio Antonio Erpen, a promessa de doação não pode ser registrada,

CAPANEMA DE SOUZA, Silvio. Comentários do Código Civil – Coordenação Sálvio de Figueiredo

porque inadmissível, na medida em que não encerra um direito real. E não amoldada ao elenco do inciso I do art. 167 da Lei 6.015/73. 280 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, volume II, p. 217.

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à vontade do doador, mas à vontade declarada no momento em que foi celebrada a

promessa vinculativa, suscitando a legítima confiança no donatário quanto ao seu

cumprimento e avocando a cláusula geral de boa-fé objetiva.

Admitir a possibilidade de descumprimento da promessa em virtude da

necessidade de permanência do animus donandi no momento em que se celebra o

ontrato prometido, e, consequentemente admitir a possibilidade de arrependimento,

c

parece a MARIA CECILIA BODIN DE MORAES, que “dar guarida a promessas

descumpridas, quando a configuração é toda ela contratual, não parece, na

atualidade, um comportamento eticamente adequado, ou moralmente aceitável” e

mais adiante conclui: “juridicamente, parecerá estranho afirmar que não há

manifestação de vontade de doar quando se manifestou essa mesma vontade no

momento da celebração do contrato preliminar. Não por isso a vontade deixou de

ser espontânea; ela o foi quando da declaração.” 281

Indaga ainda essa jurista, se seria necessário garantir ao promitente doador a

faculdade do arrependimento e se a liberalidade seria compatível com a coatividade

ínsita aos contratos preliminares, respondendo: “Não houve coatividade, pois

quando o promitente-doador expressou a sua vontade, o fez livremente e sem

nenhuma coação, nullo iure cogente, e de livre e espontânea vontade decidiu que o

promissário-donatário deveria receber, seja pelo motivo que for, mais tarde, em um

momento futuro, uma atribuição patrimonial sem contraprestação. Quis o doador,

então desistir: pensou melhor e não obstante tenha declarado, por escrito, sua livre

vontade de enriquecer o donatário, voltou atrás. Deve o ordenamento jurídico dar

281 In, TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, volume II, p. 218.

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garantia a este seu arrependimento? Se o contrato preliminar tiver previsto a

cláusula, tudo estará resolvido. Mas se não houver cláusula de arrependimento, é

porque as partes decidiram que ela não seria necessária, porque não haveria

arrependimentos. O doador é agente capaz, pessoa adulta. De outro lado, está o

onatário, confiante de que receberá bem que lhe foi prometido. Fez planos, já

icidade, em torno do qual devem gravitar todas as relações jurídicas

brigacionais, permitir a alguém que, conscientemente assumiu uma obrigação de

d

decidiu o que fará com a coisa, cumprirá o encargo estipulado no interesse do

doador, se for necessário. Estará ele recebendo algo “de graça”? dificilmente alguém

recebe uma doação “à toa”, sem que algo tenha sido feito em prol do doador. Os

motivo do doador podem ser os mais diversos, mas a causa da doação é sempre

única, como são as causas de cada um dos contratos: a obrigação de transferir um

bem, ou um direito, por liberalidade, isto é, sem uma contraprestação patrimonial”

282.

FÁBIO OLIVEIRA DE AZEVEDO, após traçar minudente estudo sobre a

corrente negativista da promessa de doação, poderá não parecer compatível com o

paradigma de et

o

realizar um futuro contrato de doação em proveito de alguém, venha a negar e

recusar o seu cumprimento, frustrando a legítima expectativa criada na pessoa que

acreditou que se tornaria donatária, o que atinge a sensibilidade ética e jurídica,

especialmente se considerado um cenário constitucional e civil pós-positivista. O

exercício dos direitos subjetivos encontra limites no ordenamento jurídico positivo,

282 MORAES, Maria Celina Bodin de, Notas sobre a Promessa de Doação, p. 21, in, TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Maria Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, volume II, p. 218.

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um dos quais o respeito ao princípio da boa-fé objetiva, previsto no art. 187 do

Código Civil283.

Para este autor, o abuso no exercício dos direitos subjetivos pode surgir de

três maneiras: por um desleal exercício de direitos, por um desleal não exercício dos

direitos e pela desleal constituição de direitos. A terceira forma de exercício abusivo,

ou seja, a desleal constituição de direitos justifica a impossibilidade daquele que

prometeu realizar uma doação recusar o cumprimento da promessa, em razão da

deslealdade que caracteriza a frustração da expectativa que criou para o outro

contratante. E conclui “consiste o tu quoque num importante corolário da boa-fé

objetiva (teoria dos atos próprios) onde quem viola uma determinada norma jurídica

ão pode exercer situação jurídica de vantagem que essa norma lhe atribuiu. Ele

as

obrigações e a decadência do voluntarismo jurídico fundado nas teorias da vontade

n

diferencia-se do venire contra factum proprium, pois neste não há qualquer

irregularidade nos dois comportamentos, ao menos se considerados isoladamente,

surgindo a irregularidade na ruptura da confiança despertada em terceiros e

frustrada pela contradição. No tu quoque a primeira conduta é irregular, ou seja,

alguém fere um comando legal, como prometer algo em tese inexequível para

posteriormente pretender exigir de outrem o seu acatamento, justificando o

descumprimento de sua promessa284.

Nos idos de 1967, discorrendo sobre as transformações do direito d

283 AZEVEDO, Fábio Oliveira de. Algumas questões de direito civil e de direito processual civil sobre o contrato preliminar, in Direito Contratual, temas atuais, Coord. De Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Flávio Tartuce, Editora Método, São Paulo, 2008, p. 409. 284 AZEVEDO, Fábio Oliveira de. Algumas questões de direito civil e de direito processual civil sobre o contrato preliminar, in Direito Contratual, temas atuais, Coord. De Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Flávio Tartuce, Editora Método, São Paulo, 2008, p. 409/410.

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e da declaração ORLANDO GOMES aponta como reação a ele a teoria da confiança

ponto de

e admitir a responsabilidade de quem, por seu comportamento, suscitou em outra

gumento

entral da corrente que nega a possibilidade da promessa de doação reside, pois, do

contrário. E isto é congruente com a

láusula geral de boa-fé que resguarda a segurança das relações jurídicas.

lidades de doação acima examinadas.

no pensamento de GRÓCIO, para quem a vontade que se exteriorizou

suficientemente mediante palavras constitui declaração que se tem como verdade

frente ao declarante e com apoio em LEHMANN, sustenta que o elemento social,

representado pela confiança, cobra significação cada vez mais extensa, a

s

pessoa a justificada expectativa no cumprimento de determinadas obrigações285.

A par desses fundamentos, o ponto fulcral para o abandono do ar

c

ponto de vista do direito positivo, na excepcional e necessariamente estabelecida no

contrato preliminar, cláusula de arrependimento (art. 463 do Código Civil).

Disto decorre ser, em regra, irrevogável a promessa de doação, porque, não

há norma de ordem pública que disponha em

c

E mais, não se vislumbra razão relevante para distinguir entre a promessa de

doação pura e as demais moda

5 GOMES, Orlando. Transformações Gerais do Direito das Obrigações, 2ª edição, RT, São Paulo, 1980, p. 15/16 “Encontram-se as origens da teoria da confiança no pensamento de Grotius, para quem a vontade que se exteriorizou suficientemente mediante palavras constitui declaração que se tem como verdade frente ao declarante. Funda-se, assim, a teoria do negócio jurídico sobre as condições de compreensão e confiança (treu und glauben) que intervêm entre os homens. Observa Wieacker que se baseia na Ética social aplicada em vez de se fundar numa dogmática ou em

28

causalidades psicológicas. O elemento social, representado pela confiança, cobra significação cada vez mais extensa, a ponto de se admitir a responsabilidade de quem, por seu comportamento, suscitou em outra pessoa a justificada expectativa no cumprimento de determinadas obrigações. A própria invalidade do negócio jurídico, anulado em razão de vício de consentimento, decorre da confiança de que a ordem das relações jurídicas representa uma medida sensata ou exata sob o ponto de vista de uma comunidade. Desloca-se, em suma, o eixo da teoria do negócio jurídico, reduzindo-se o valor da vontade. O que decide, em suma, para os partidários dessa teoria, é a confiança determinada pela declaração. Ela é, segundo Santoro Passarelli, a aplicação consequente da predominância do momento social na admissão da autonomia privada.”.

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Evidentemente, se, após a celebração da promessa de doação, restar caracterizada

alguma das hipóteses que levam à revogação ou à caducidade da doação, isto

impede a celebração do contrato prometido.

Do mesmo modo, em se tornando impossível a entrega do bem prometido em

virtude de sua perda ou perecimento, não há como exigir, por falta de objeto, o

umprimento da promessa de doação.

os e imprevisíveis que autorizam o devedor a pedir a resolução do

ontrato.

do Código Civil, deve ser interpretada não somente em relação ao fato

ue gere o desequilíbrio, mas também em relação às consequências que ele

c

E aqueles casos apontados no direito comparado, relativos à impossibilidade

por mudança de fortuna ou superveniência de um agravamento de obrigações

familiares, encontram solução, no direito vigente, na resolução por onerosidade

excessiva (art. 478 do Código Civil), na medida em que se cuida de fatos

extraordinári

c

De acordo com o Enunciado n. 175, aprovado na III Jornada de Direito Civil

promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em

dezembro de 2004, “a menção à imprevisibilidade e à extraordinariedade, insertas

no art. 478

q

produz” 286.

Alternativamente pode o devedor, nos termos do art. 317 do Código Civil,

quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor

286 ALVES, Jones Figueiredo. FIGUEIREDO ALVES, Jones. Código Civil Comentado, coordenação de Regina Beatriz Tavares da Silva, 6ª edição, Saraiva, São Paulo, 2008, p. 441.

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da prestação devida e do momento de sua execução, ser corrigido pelo juiz, a

pedido da parte, de modo que assegure, tanto quanto possível, o valor real da

prestação.

Na mesma ordem de idéias, o art. 437º, 2, do Código Civil português também

za: “Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando

ceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.” Permite dar

olução diversa ao problema da onerosidade excessiva, por iniciativa do réu,

ibindo a resolução do contrato. Serve de efetividade ao princípio de boa-fé que

eve acompanhar a execução dos contratos, em desproveito de enriquecimento sem

ausa pela parte que recepciona, supervenientemente, vantagem excessiva. A

odificação será feita segundo juízos de equidade” 287.

Essa redução pode ser feita, também voluntariamente, com amparo no art.

479 do Código Civil, evitando-se a resolução, pela oferta do réu de modificar

equitativamente as condições do contrato. Em comentário a esse artigo do Código,

JONES FIGUEIREDO ALVES, afirma que “o dispositivo repete a inteligência da

parte final do art. 1.467 do Código Civil italiano: “A parte contra a qual foi pedida a

resolução poderá evitá-la oferecendo modificações equitativas das condições do

contrato”.

re

a

s

in

d

c

m

287 ALVES, Jones Figueiredo. FIGUEIREDO ALVES, Jones. Código Civil Comentado, coordenação de Regina Beatriz Tavares da Silva, 6ª edição, Saraiva, São Paulo, 2008, p. 443, valendo lembrar o teor do Enunciado n. 176 das mesmas Jornadas: “Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002, deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.” (p. 442).

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147

RESULTANTE DO CONTRATO PRELIMINAR E SUA APLICAÇÃO À PROMESSA DE DOAÇÃO

7 A TUTELA JURISDICIONAL DA OBRIGAÇÃO

Já se apontou acima que a promessa de doação, como a doação, embora

aceita por ambas as partes é unilateral na medida em que apenas uma das partes, o

doador está obrigado a fazer alguma coisa e essa vinculação não pode ser

indefinida, razão pela qual o art. 466 do Código Civil estabelece que “Se a promessa

de contrato for unilateral, o credor, sob pena de ficar a mesma sem efeito, deverá

manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo este, no que for razoavelmente

assinado pelo devedor”. Não se trata, pois, de arrependimento ou revogação, e sim

de ineficácia, na ausência da tempestiva manifestação do credor.

Portanto, uma vez irrevogável o pactum de contrahendo em virtude da

aceitação, surge para o credor uma pretensão ao cumprimento da obrigação de

celebrar o contrato definitivo. E parece flagrante a possibilidade do Estado captar a

vontade originária do contratante inadimplente, no sentido de concluir o contrato, e

que se reduz, ao mais das vezes, à assinatura de uma escritura pública, pois tal

vontade foi livre e eficazmente emitida no pactum de contrahendo, para alcançar

ontrato definitivo, e emitir sentença que produza o mesmo efeito do novo estágio, o c

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contrato a ser firmado. Esse efeito é exclusivamente jurídico, com total respeito à

incolumidade física do executado288.

Em determinada época, prevaleceu a idéia de ser inadmissível a substituição

a vontade omitida por ato judicial, supostamente agressivo à liberdade do cidadão,

e está o dogma da intangibilidade da vontade humana, decorrente da

tra do art. 1.142 do Código Civil Francês, ao dispor que toda obrigação de fazer ou

caracteres), a tese ainda padecia de terrível enfermidade:

utorizava simplesmente o descumprimento contratual, privilegiando a parte mais

d

razão pela qual ao prejudicado restaria apenas uma pretensão de haver perdas e

danos.

Long

le

de não fazer se resolve em perdas e danos no caso de inexecução por parte do

devedor.

Como observa FREDIE DIDIER JUNIOR: “Imaginava-se, de um lado, que toda

espécie de obrigação poderia ser convertida em dinheiro, acaso descumprida. A par

do manifesto equívoco deste pensamento, que olvidava os hoje inquestionáveis

direitos não-patrimoniais, como os personalíssimos e trans-individuais (estes últimos

de avaliação pecuniária bastante difícil exatamente em razão do caráter difuso dos

seus elementos e

a

rica da relação, apta a arcar com as perdas e danos – se existentes, pois danos não

se presumem” 289.

288 ASSIS, Araken de. Manual de Execução, 9ª edição, RT, São Paulo, 2004, p. 502/503. 289 DIDIER JUNIOR, Fredie. Tutela Específica do Adimplemento Contratual. Revista dos Formandos em Direito da UFBA n. 2001.2, Salvador, s/ ed., 2001, p. 322, apud PAMPLONA FILHO, Rodolfo, A Disciplina do Contrato Preliminar no Novo Código Civil Brasileiro, in Questões Controvertidas do Novo Código Civil, Coord. Mario Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves, Editora Método, São Paulo, 2008 p. 362, nota 10.

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Esse entendimento já não podia ser acolhido na vigência do Código de

Processo Civil de 1939, cujo art. 1.006 dispunha: “Condenado o devedor a emitir

eclaração de vontade, será esta havida por enunciada logo que a sentença de d

condenação passe em julgado”. E o seu parágrafo segundo que “nas promessas de

contratar, o juiz assinará prazo ao devedor para executar a obrigação, desde que o

contrato preliminar preencha as condições de validade do definitivo”.

Tal dispositivo mereceu de JORGE AMERICANO objetivo comentário ao

ponderar que, “como via de regra, a propriedade imóvel não se transfere sem a

transcrição e a transcrição não podia fazer-se sem que o alienante outorgasse a

escritura de alienação de alienação, a simples recusa em assinar a escritura tornava

inexeqüível a obrigação, da natureza das que só pelo doador pode ser prestada.

Então, como a lei não podia forçar ninguém a assinar uma escritura, de vez que a

assinatura coacta não tem valor, e, quando se chegasse à coação, teríamos uma

declaração de vontade viciada e anulável, a solução até agora dada pelos tribunais

tinha sido sempre a de resolver a obrigação ou perdas e danos. Em uma tese para a

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, LUIZ EULÁLIO VIDIGAL

demonstrou que mesmo no direito anterior ao Código havia a possibilidade de suprir-

se a declaração de vontade. Seu raciocínio foi o seguinte: Se na execução por

perdas e danos nesse caso, pode penhorar-se o mesmo imóvel que seria objeto da

declaração de vontade recusada, e, levando-o à praça, pode arrematá-lo ou

adjudicá-lo o próprio credor da declaração da vontade denegada, e vale como se tal

vontade tivesse sido outorgada. Sendo assim, o próprio sistema anterior autorizava

a sentença a substituir-se à declaração recusada, tendo igual valor ao da escritura

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de alienação, para ser levada a registo. Daí a possibilidade de, ab initio, a sentença

substituir-se diretamente à vontade recusada, sem a necessidade de tão longos

aminhos. O Código fez exatamente isso. Recusada a declaração de vontade, a que

Em comentário a esse art. 1.006 do Código Civil, destacava J.M. CARVALHO

O Código de 1939, no dizer de HUMBERTO THEODORO JUNIOR, “em boa

c

o executado estivesse obrigado, a sentença supre-a. Ou o devedor a cumpre, ou,

passada em julgado, executa-se a própria sentença, levando-a a registo. É o que

resulta evidente do art. 1.006 e seu parágrafo 2º” 290.

SANTOS que o princípio que domina a matéria é o de que todas as obrigações

devem ser fielmente cumpridas e o texto abrange todas as promessas de

contratar291.

hora, rompeu com a injustificada tradição e esposou a tese contrária, isto é, no

sentido da fungibilidade dessas prestações, admitindo o suprimento da declaração

de vontade omitida por uma manifestação judicial equivalente (art. 1.006 e §§)” 292.

Escrevendo antes da edição do Código Civil, PEDRO HENRIQUE TÁVORA

NIESS, em erudito e completo estudo, e aludindo ao cerne da questão à luz do

revogado art. 639 do Código de Processo Civil que dispunha: “Se aquele que se

comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo

isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o

290 AMERICANO, Jorge. Comentários ao Código de Processo Civil do Brasil, Saraiva, São Paulo, 1943, volume 4º, p. 362. 291 CARVALHO SANTOS, J. M. Código de Processo Civil Interpretado, 6ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1964, volume X, p. 231/233. 292 THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de Execução, 14ª edição, LEUD, São Paulo, 1990, p. 226.

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mesmo efeito do contrato a ser firmado.”, lembra, em primeiro lugar, que a embora a

lei não esclareça não tem dúvida de que se cuida de pré-contrato. Em seguida aduz

que, ser possível deve referir-se a direitos disponíveis, a contrato válido (passível de

ser concluído) e a declaração de vontade (prestação juridicamente infungível). E,

citando LUIZ EULÁLIO DE BUENO VIDIGAL: “de um modo geral, toda e qualquer

declaração de vontade, obrigatória em virtude de um contrato preliminar, pode ser

substituída pela sentença. De um modo geral, dizemos, porque há casos de

contratos preliminares insuscetíveis de execução direta específica e considera-os:

compromisso de fazer doação, promessa de casamento, promessa de assumir

obrigação cambial, proibição legal, quando a pessoa obrigada for de direito público.”

E, além disso, a letra da lei exige que o pedido de sentença que produza o mesmo

efeito do contrato a ser firmado não seja excluído pelo título, vale dizer, não pode

onter cláusula de arrependimento, ou se tratar de obrigação em que a substituição

stentando a possibilidade de aplicação da regra do

rt. 639 ao pacto de donando se coloca PONTES DE MIRANDA, afirmando não

terem razão LOPES DA COSTA e BUENO VIDIGAL argumentando que o artigo se

c

estatal na vontade do devedor é impossível, como no caso de promessa de

casamento. No contrato preliminar deverão estar presentes, à exceção da forma, a

capacidade das partes e o objeto lícito293.

Em sentido contrário, su

a

aplica mesmo às promessas unilaterais e a esta por não estar excluída pela lei ou

pena finalidade do contrato294.

293 NIESS, Pedro Henrique Távora. Da Sentença substitutiva da declaração de vontade, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1982, p. 24/25. 294 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, Rio de Janeiro, 1976, Tomo X, p. 121 e mais adiante, comentando o art.641 do Código de Processo Civil afirmava que: “Uma das maiores precisões técnicas do Código é a desse ar. 641, que proveio do Código de 1939, art. 1006, e em que se rompe com o princípio a que, em momentos de

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Como observa CALMON DE PASSOS, “a execução específica deve ser

perseguida sempre, e somente afastada quando impossível. Não é a recusa

arbitrária do devedor, negando-se a prestar aquilo a que se obrigou, que leva a

excluir-se a execução específica, sim a impossibilidade prática de obter-se, por esse

odo a prestação” 295.

tem um direito,

do aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter” 296.

m

No mesmo sentido observa CÂNDIDO DINAMARCO, que “o direito moderno

vem progressivamente impondo a tutela específica a partir da idéia de que na

medida em que for possível na prática, o processo deve dar a quem

tu

As obrigações de fazer consistentes na emissão de declaração de vontade de

que é espécie a de concluir contrato são infungíveis, se considerada apenas do

ponto de vista da atividade do obrigado ou devedor. Nessas obrigações, há uma

particularidade anotada por TEORI ALBINO ZAVASCKI, que as assemelha às de

natureza fungível: “em ambas o interesse do credor situa-se exclusivamente no

resultado, nos efeitos decorrentes da prestação, pouco importando o modo como

foram produzidos ou a identidade de quem os produziu. “O que o credor quer

conseguir – e isso o satisfará por completo – é a formação de uma situação jurídica

ausência de regra jurídica, se chamava da infungibilidade jurídica da prestação consistente em declaração de vontade. Esse princípio predominava na maioria dos países, a despeito do esforço de

tal apriorismo, com a tradição do direito lusitano. Precisamos de uma vez por todas, evitar erros que alguns juristas para lhe atenuarem a rijeza e a vastidão. Não é verdade, porém, que fosse acorde, em

provêm de não se estudar o direito luso-brasileiro e o brasileiro e estar-se a importar dúvidas, discussões e defeitos de sistemas jurídicos estrangeiros, às vezes inferiores ao brasileiro. Lembre-se cada um de nós 295 PASSOS, J.J. Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, Rio de Janeiro, 1974, volume III, p. 163. 296 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, Malheiros, São Paulo, 2001, volume I, p. 153.

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igual à que surgiria se o devedor emitisse a declaração de vontade a que estava

obrigado”, como observou BARBOSA MOREIRA. Em se tratando de promessa de

contratar, o que interessa ao credor é o efeito jurídico decorrente do contrato

prometido, pouco lhe importando terem eles sido ou não produzidos mediante

participação voluntária do devedor. Conforme escreveu CHIOVENDA, “as partes não

estipulam contratos pelo prazer de permutar declarações de vontade, mas em vista

de certas finalidades, para cuja consecução estabelecem a relação entre si. Ora,

quando for possível alcançar a finalidade almejada, ainda que por via alternativa,

dependentemente do concurso da atividade do próprio devedor, a obrigação

Relativamente à natureza da sentença, há debate na doutrina, merecendo

in

assume contornos de fungibilidade. Estar-se-á, sob este aspecto, diante de um fazer

fungível, já que o resultado prático, ou seja, o efeito jurídico do querer, é conseguido

mediante uma atividade diversa da do obrigado” 297.

Com isso, a efetividade do processo fica plenamente atendida, porque o efeito

da sentença é o de proporcionar ao credor idêntica situação jurídica que ostentaria

se a declaração devida tivesse sido emitida pelo devedor298.

prevalecer a classificação proposta por ARAKEN DE ASSIS:

constitutivo/condenatória. Possui força executiva. Opera imediatamente a

subrogação e fornece um título que substituirá o contrato definitivo299.

297 ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª edição, RT, São Paulo, 2003, volume 8, p. 452/453. 298 YARSHELL, Flávio, L. Tutela específica nas obrigações de prestar declaração de vontade, tese de mestrado defendida junto ao Departamento de Direito Processual da universidade de São Paulo, p. 60, apud FERNANDES, Wanderley e OLIVEIRA, Jonathan Mendes, Contrato Preliminar: Segurança de Contratar, in Contratos Empresariais, Wanderley Fernandes Coordenador, Saraiva, São Paulo, 2007, p. 301. 299 ASSIS, Araken de. Manual de Execução, 9ª edição, RT, São Paulo, 2004, p 504/505 – “o título mencionado, porque desprovido de eficácia condenatória em caráter principal, escapa ao gabarito do

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A despeito da revogação dos arts. 639 e 641 do Código de Processo Civil pela

Lei 11.232, de 2005, o arts. 463 e 464 do Código Civil suprem a sua falta e

estabelecem:

“Art. 463 – Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no

artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento,

qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando

prazo á outra parte que o efetive. Parágrafo único – O contrato preliminar deverá ser

levado ao registro competente.”

“Art. 464 – Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a

vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar,

salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.”

art. 584, I, Em outras palavras, na sentença do art. 639 não há título executivo que dê início à execução do Livro II, no caso totalmente desnecessária. Na verdade, a fórmula do art. 639, referindo

CC italiano e 810 do CC português, superando o texto do § 894 do ZPO que recorre à ficção de se ter que a sentença produzirá “o mesmo efeito do contrato a ser firmado” acompanha os arts. 2.923 do

por emitida a vontade. A dificuldade dos que ignoram a classificação quinaria das sentenças, nesse passo, se revela no seu doloroso alcance. Por exemplo: Liebman, na monografia dedicada à execução, outorgou natureza condenatória ao provimento judicial em casos que tais, enquanto no seu torrão natal a classe das sentenças constitutivas com a ação contemplada no art. 2.923 do CC italiano, que ostenta a peculiaridade de ter sido transplantado, quase verbum ad verbum, no art. 639 do CPC pátrio. Adepto da tripartição – ações declaratória, constitutiva e condenatória – Theodoro Jr. rejeita o enquadramento da ação nas duas primeiras classe, e, sobrando apenas a última, aponta-a como condenatória, conquanto sui generis, pois dela não se origina a actio judicati; logo seria “auto executável”. Ora, se as ações se limitam àquelas três, antes catalogadas, e surge uma quarta, dita “auto executável” a classificação primitiva deveria, a rigor da lógica, ampliar-se para abranger a novel categoria. Recentemente, retomou o assunto Cândido Dinamarco, e aliando-se a Pedro Henrique Távora Niess, rejeito as posições de Vidigal e de Calamandrei, quanto à exclusão da ação de classe das constitutivas, e sustenta, ao revés, cuidar-se de uma sentença constitutiva, muito embora a lei a trate como se fora condenatória”. Essas fórmulas híbridas, e, no caso inversão da esposada por James Goldschmidt, tem a duvidosa virtude de condensarem defeitos, o que bastaria para por a tese de quarentena. Ademais, parece mais produtivo descobrir a verdadeira natureza do novo gênero “constitutivo/condenatório” do que se acomodar ao enigmático modelo atípico. Como quer que seja, o título obtido mediante a sentença baseada no art. 639 do CPC equivale ao contrato definitivo ou, genericamente, à declaração de vontade omitida.”

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E a cabeça do art. 461 do Código de Processo Civil estabelece que: “Na ação

que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer o juiz

oncederá a tutela específica da obrigação, ou, se procedente o pedido, determinará

ante da

plicação dos dispositivos revogados do Código de Processo Civil, ou seja, a

ódigo Civil e que reproduz,

ubstancialmente, a ressalva “sendo isto possível” que constava do art. 639 do

isto porque, como anotado acima, a faculdade de se arrepender ou ainda a negativa

c

providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”

300 301.

Portanto, estamos, substancialmente, diante da mesma situação result

a

possibilidade de obtenção de uma sentença que substitua a vontade sonegada e

produza os efeitos do contrato a que a parte devedora se obrigou a celebrar.

A questão que se coloca quanto à promessa de doação é a da adequação à

natureza do contrato posta no art. 464 do C

s

Código de Processo Civil, e isto porque, o arrependimento, como se vê do art. 463

do Código Civil, deve ser pactuado expressamente.

É neste passo que se deve invocar e aplicar a cláusula de boa-fé objetiva. E

300 O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul por acórdão relatado pela Des. Walda Maria Melo Pierro concluiu pela aplicabilidade desse dispositivo a caso de promessa de doação, como se vê da ementa: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEPARAÇÃO JUDICIAL CONSENSUAL. EXECUÇÃO DE ACORDO.”’ Promessa de doação, pelo varão, de sua meação em favor dos filhos do casal. Possibilidade. Execução de obrigação de fazer, nos termos do art. 461, do CPC. Apelo parcialmente provido. (Agravo de Instrumento 70009195439, Sétima Câmara Cível, j. 18.08.2004); 301 Embora por meio de ação cominatória, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais admitiu a execução específica em acórdão de sua 10ª Câmara Cível, como se vê da ementa: “AÇÃO DE EXECUÇÃO - ACORDO EM PROCESSO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL - PROMESSA DE DOAÇÃO - AÇÃO COMINATÓRIA – EXIGIBILIDADE. É exigível, por meio de ação cominatória, o acordo celebrado em processo de separação judicial, no qual há promessa de doação dos pais em favor dos filhos. Apelação provida e cassada a sentença”. (APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0625.06.062377-8/001, j. 01.07.2008).

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pura e simples da eficácia do contrato preliminar de doação frustra a expectativa

legítima daquele a quem foi prometida a liberalidade, não sendo suficiente a

ondenação em perdas e danos, que pode ser inócua se estes danos não forem

aquela reconhecidamente pode atuar para fazer valer declarações unilaterais de

os julgados mais recentes admitem a

alidade das doações celebradas entre cônjuges como condição da separação ou

divórcio contemplando os filhos do casal.

c

provados.

O ânimo de praticar a liberalidade foi afirmado na promessa, o doador o faz

espontaneamente, criando para si próprio a obrigação de emitir uma futura

declaração de vontade. Como acentuam WANDERLEY FERNANDES e

JONATHAN MENDES OLIVEIRA, com apoio em ALEXANDRE FREITAS CÂMARA,

“não gera tal contrato-promessa, porém, a obrigação de praticar uma liberalidade,

isto porque a liberalidade já terá sido praticada quando da celebração da promessa.”

Dessa forma, nada impediria que a vontade do promitente doador, que já praticou a

liberalidade quando da celebração da promessa, tivesse os seus efeitos substituídos

por uma sentença judicial. Nas palavras do Professor FLÁVIO LUIZ YARSHELL, “A

“coação” estatal existente em tais casos não poderia ser substancialmente diferente

d

promessa de recompensa, conforme previsão do art. 1.512 do Código Civil...” 302 303.

No Superior Tribunal de Justiça,

v

302 FERNANDES, Wanderley e OLIVEIRA, Jonathan Mendes, Contrato Preliminar: Segurança de Contratar, in Contratos Empresariais, Wanderley Fernandes Coordenador, Saraiva, São Paulo, 2007, p. 308. 303 O Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua Quinta Câmara de Direito Privado, em acórdão relatado pelo Des. Silveira Neto, por unanimidade, acatou a tese como se vê da ementa: DOAÇÃO - Promessa – Instrumento particular - Pedido, que em última análise, corresponde à outorga de escritura - Possibilidade - Inexigência de atualidade do animus donandi, considerada a data da escritura, mas sim aquela em que se efetivou o compromisso - Recurso provido. (Apelação Cível n. 185.954.4/9, j. 29.03.2001).

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Relativamente à eficácia do ato, uma vez doado o imóvel ao filho do casal por

ocasião do acordo realizado em autos de separação consensual, a sentença

homologatória tem a mesma eficácia de escritura pública, pouco importando que o

em esteja gravado por hipoteca304.

e ato de mera

beralidade pode ser exigida pelos filhos, beneficiários desse ato306.

jurídico perfeito e não mera promessa307. Ou, o acordo celebrado quando do

b

Nesse caso, vale e é eficaz se feita como condição de negócio jurídico e não

como mera liberalidade305, ou ainda, considerando não se tratar d

li

Sendo o ato devidamente homologado por sentença passada em julgado,

inclusive com recolhimento de sisa, é contrato perfeito e acabado configurando ato

304 DIREITO CIVIL – SEPARAÇÃO CONSENSUAL – PARTILHA DE BENS – DOAÇÃO PURA E

r ocasião do acordo realizado em autos de separação

cio jurídico, e não como mera liberalidade, vale e é eficaz.

por isso, pode ser exigida,

ARGOS DE TERCEIRO. NOR IMPÚBERE. FALTA

o se submete ao crivo especial.

SIMPLES DE BEM IMÓVEL AO FILHO – HOMOLOGAÇÃO – SENTENÇA COM EFICÁCIA DE ESCRITURA PÚBLICA – ADMISSIBILIDADE. Doado o imóvel ao filho do casal, poconsensual, a sentença homologatória tem a mesma eficácia da escritura pública, pouco importando que o bem esteja gravado por hipoteca. Recurso especial não conhecido, com ressalvas do relator quanto à terminologia. STJ REsp 32895/SP, 3ª Turma, rel. Min. Castro Filho, j. 23.4.2002, DJ 1.7.2002, p. 335. 305 PROCESSO CIVIL. INVENTÁRIO. SENTENÇA DE PARTILHA. A sentença de partilha é rescindível, mas para esse efeito o interessado deve propor a ação prevista no art. 1.030, III, do Código de Processo Civil. 2. CIVIL. PROMESSA DE DOAÇÃO. A promessa de doação, como obrigação de cumprir liberalidade que se não quer mais praticar, inexiste no direito brasileiro; se, todavia, é feita como condição de negóRecursos especiais não conhecidos. STJ REsp 853133/SP, 3ª Turma, rel. para o acórdão Min. Ari Pargendler, j.6.5.2008, DJe 20.11.2008. 306 CIVIL. PROMESSA DE DOAÇÃO VINCULADA À PARTILHA. ATO DE LIBERALIDADE NÃO CONFIGURADO. EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA. A promessa de doação feita aos filhos por seus genitores como condição para a obtenção de acordo quanto à partilha de bens havida com a separação ou divórcio não é ato de mera liberalidade e, inclusive pelos filhos, beneficiários desse ato. Precedentes. Recurso Especial provido. REsp. 742048/RS, 3ª Turma, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 14.4.2009, DJe 24.4.2009. 307 PROCESSUAL CIVIL RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. CIVIL. EMBBEM. DOAÇÃO. SEPARAÇÃO CONSENSUAL. DONATÁRIO. FILHA. MEDE REGISTRO DO ATO. IRRELEVÂNCIA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1 - Violação a dispositivo constitucional nã2 - Não decidida pelo tribunal de origem a matéria suscitada no recurso, a falta de prequestionamento é evidente (súmulas 282 e 356 do STF).

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desquite amigável, homologado por sentença, que contem promessa de doação de

bens do casal aos filhos é exigível em ação cominatória308.

Entendeu ainda o Superior Tribunal de Justiça, em caso de promessa de

doação dessa espécie, não ser possível impedir a execução de transação

devidamente homologada coberta pelo manto da coisa julgada e que não sofreu

qualquer ataque pela via judicial própria, 309 bem como ser inaceitável cláusula

constante de separação que submeta a doação aos filhos de imóveis de propriedade

do casal à condição de ser desfeita a qualquer tempo, pela vontade única dos

doadores310.

3 - A doação de imóvel à filha menor, por ocasião da separação consensual de seus pais, sendo o ato devidamente homologado por sentença passado em julgado, com, inclusive, recolhimento da sisa, configura ato jurídico perfeito e acabado e não mera promessa. A eventual falta do registro imobiliário não exclui o oferecimento dos embargos de terceiro. 4 - Recurso conhecido em parte e, nesta extensão, provido para, acolhendo os embargos, manter a recorrente na posse do bem. 5 - Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. STJ REsp 416340/SP, 4ª Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 4.3.2004, DJ 22.3.2004, p. 310 308 CIVIL. DESQUITE. PROMESSA DE QUE OS BENS DO CASAL SERIAM DOADOS AOS FILHOS. A promessa de doação obriga, se não foi feita por liberalidade, mas como condição do desquite. Recurso especial conhecido e provido. STJ EREsp 125859/RJ, Segunda Seção, Rel. Min. Rui Rosado de Aguiar, j.26.6.2002, DJ 24.3.2003, p. 136 309 Transação. Execução. Agravo contra despacho que determinou a execução. Promessa de doação. 1. Não é possível impedir a execução de transação devidamente homologada, coberta pelo manto da coisa julgada, e que não sofreu qualquer ataque pela via judicial própria. 2. Recurso conhecido e provido. STJ Resp 35928/rs, rel. Para o acórdão Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 13.5.1997, DJ 22.9.1997, p. 46440. 310 Separação. Doação. Revogação. É inaceitável a cláusula constante do acordo de separação, que submete a doação aos filhos, de imóveis de propriedade do casal, à condição de poder ser desfeita a qualquer tempo, pela vontade única dos doadores. Art. 115 do CCivil. Recurso não conhecido. STJ Resp 220608/SP, 4ª turma, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 4.12.2001, dj. 20.05.2002, p. 145.

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8 CONCLUSÃO

Com base nos elementos coligidos nesta dissertação é possível afirmar que a

doação é contrato bilateral benéfico que se distingue de outros atos gratuitos ou de

disposição patrimonial em favor de outrem. Também não pode ser confundido

com o cumprimento de obrigação natural.

Ainda que no sistema do direito romano a doação não tivesse sido

considerada um contrato e sim um meio de transferência da propriedade, parte dos

romanistas acabaram por incluí-la no rol dos pactos legítimos sendo admitida a

promessa de doação ou “pacto de donando”.

A visão do direito justinianeu contido no Corpus Juris Civilis com as anotações

e comentários dos glosadores e pós glosadores foi absorvida especialmente pelas

regiões mais romanizadas da Europa, suprindo as lacunas do direito local.

No direito luso-brasileiro, esta recepção se dá desde a fundação da

monarquia portuguesa consolidando-se nas Ordenações Afonsinas em 1446 que

teve como principais fontes o Direito Romano e o Direito Canônico. Os seus

fundamentos permaneceram nas Ordenações Manuelinas e Filipinas vindo a

informar o direito civil brasileiro do Império, mantidos nas Consolidações de Leis

Civis que precederam o Código Civil de 1916.

No vigente direito positivo, a disciplina do instituto, conquanto tenha

reproduzido parcela substancial das normas do direito anterior há de ser interpretada

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segundo os princípios de eticidade, socialidade e operacionalidade que informam o

Código Civil de 2002.

A liberdade de contratar ou liberdade contratual está condicionada atualmente

à função social do contrato e à boa-fé objetiva dos contratantes.

Há uma ambivalência da liberdade e dos limites ético-jurídicos que está na

base da Constituição Federal e do Código Civil como apontou Miguel Reale em lição

antes invocada.

Esses elementos devem ser levados em conta para determinar o alcance e as

consequências do negócio jurídico.

A cláusula geral de boa-fé objetiva não é apenas um princípio ou regra de

interpretação, mas, também, norma jurídica que cria direitos e obrigações. Daí a sua

função instrumentalizadora, e, sendo norma de ordem pública deve ser aplicada de

ofício pelo juiz.

Em negociações mais delicadas como as que envolvem a liberalidade, os

deveres de lealdade e informação são mais intensos que no trato dos contratos

comuns.

Há de ser lembrada ainda a regra do art. 112 do Código Civil a estabelecer

que nas declarações vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciadas

do que ao sentido literal da linguagem.

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E no que respeita aos contratos benéficos não pode a interpretação conferir

maiores vantagens que as pretendidas pelo beneficiador, todavia estas devem ser

atribuídas ao beneficiário sendo inequívoca a vontade do beneficiador.

A doação como contrato consensual admite a promessa ou pré-contrato que

deve conter todos os elementos do contrato a ser concluído (art. 462 do Código

Civil) se desprovido de cláusula de arrependimento (art. 463 do Código Civil),

dispensado o requisito do registro porque inexigível no caso.

Uma vez aceita a promessa pelo donatário este tem direito ao seu

aperfeiçoamento por meio do contrato definitivo.

A liberalidade está presente no momento da aceitação da promessa pelo

beneficiário.

A conclusão do contrato definitivo com a observância dos requisitos de forma

do ato jurídico prometido dizem respeito ao aperfeiçoamento do ato jurídico perfeito.

Para a obtenção dessa manifestação de vontade porventura negada pode o

donatário obter uma sentença que a substitua conferindo perfeição ao negócio

jurídico.

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A coação estatal nesse caso não é substancialmente diferente daquela

reconhecida como legítima para fazer valer declarações unilaterais de vontade de

promessa de recompensa.

Na medida do que for praticamente possível o processo deve propiciar a

quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem.

Este o sentido do processo civil de resultado, ou seja, a tutela jurisdicional há

de ser útil a quem tem razão.

Necessária, pois, a tutela da confiança, da correção, da firmeza da declaração

de vontade emitida. E isso se faz mediante a aplicação das cláusulas gerais da

função social do contrato e da boa-fé objetiva.

Releva notar que a possibilidade de retratação que se concebia possível até o

momento da efetivação da liberalidade – o que a aproximava do contrato real em

razão do momento da entrega real ou simbólica do bem ou vantagem transmitida,

atualmente, diante do disposto no art. 463 do Código Civil não pode mais ser

admitida em razão da regra geral da irretratabilidade da promessa ou contrato

preliminar válido. A possibilidade de arrependimento deve ser expressamente

pactuada, o que constitui ponto relevante para a afirmação da exigibilidade da

promessa de doação no regime do novo Código.

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163

Estes os motivos que, sob uma nova ótica, se sustenta a possibilidade jurídica

e a obrigatoriedade da promessa de doação mesmo quando se trate de doação pura

e não seja condição de outro negócio jurídico.

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