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83 Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO), doenças ne- gligenciadas podem ser entendidas com um conjunto de doenças as- sociadas à situação de pobreza, as precárias condições de vida e as iniquidades em saúde. Outra característica deste grupo é que, apesar de serem responsáveis por quase metade da carga de doença nos pa- íses em desenvolvimento, os investimentos em P&D, principalmen- te pelo setor privado, usualmente, não priorizaram essa área. Desta forma, esses países tem procurado dar alguma visibilidade à este conjunto de doenças, elencando os seus títulos de acordo com os cenários epidemiológicos locais. No Brasil, o Ministério da Saúde tomando em conta aspectos epidemiológicos, demográficos e de im- pacto, inclui nesse grupo a Hanseníase, a tuberculose, a doença de Chagas, geohelmintíases, leishmaniose, tracoma, esquistossomose, dengue e malária. Nesse contexto, cada vez mais a promoção de saúde encontra respaldo para a abordagem das doenças negligenciadas. Aliás, não só o conceito de Promoção com o de Prevenção assume relevância nas discussões das doenças negligenciadas. Certamente, há que se entender com clareza as diferenças intrínsecas entre esses dois con- ceitos, sem a perda de visão de suas confluências ao tema central das negligenciadas. A Promoção da Saúde é conceito mais amplo, abrangente e ex- trapola, ou melhor, antecede o conceito de doença. Ele inclui um entendimento relevante de que os determinantes das doenças estão fora do foco nosológico. Como refere Terris (1990), a promoção tem com estratégia enfatizar modificações nas condições de vida e de trabalho que estão subjacentes aos problemas de saúde dos indivídu- os, demandando um olhar intersetorial. A abrangência desse conceito pode ser vista dentro da expres- são da Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde em que indica a necessidade da garantia de condições de paz, abrigo, edu- cação, alimentação, recursos econômicos, ecossistema estável, re- cursos sustentáveis, justiça social e equidade para a efetiva melhoria PROMOÇÃO DA SAÚDE E DOENÇAS NEGLIGENCIADAS

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Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO), doenças ne-gligenciadas podem ser entendidas com um conjunto de doenças as-sociadas à situação de pobreza, as precárias condições de vida e as iniquidades em saúde. Outra característica deste grupo é que, apesar de serem responsáveis por quase metade da carga de doença nos pa-íses em desenvolvimento, os investimentos em P&D, principalmen-te pelo setor privado, usualmente, não priorizaram essa área. Desta forma, esses países tem procurado dar alguma visibilidade à este conjunto de doenças, elencando os seus títulos de acordo com os cenários epidemiológicos locais. No Brasil, o Ministério da Saúde tomando em conta aspectos epidemiológicos, demográficos e de im-pacto, inclui nesse grupo a Hanseníase, a tuberculose, a doença de Chagas, geohelmintíases, leishmaniose, tracoma, esquistossomose, dengue e malária.

Nesse contexto, cada vez mais a promoção de saúde encontra respaldo para a abordagem das doenças negligenciadas. Aliás, não só o conceito de Promoção com o de Prevenção assume relevância nas discussões das doenças negligenciadas. Certamente, há que se entender com clareza as diferenças intrínsecas entre esses dois con-ceitos, sem a perda de visão de suas confluências ao tema central das negligenciadas.

A Promoção da Saúde é conceito mais amplo, abrangente e ex-trapola, ou melhor, antecede o conceito de doença. Ele inclui um entendimento relevante de que os determinantes das doenças estão fora do foco nosológico. Como refere Terris (1990), a promoção tem com estratégia enfatizar modificações nas condições de vida e de trabalho que estão subjacentes aos problemas de saúde dos indivídu-os, demandando um olhar intersetorial.

A abrangência desse conceito pode ser vista dentro da expres-são da Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde em que indica a necessidade da garantia de condições de paz, abrigo, edu-cação, alimentação, recursos econômicos, ecossistema estável, re-cursos sustentáveis, justiça social e equidade para a efetiva melhoria

Promoção da saúdee doenças negligenciadas

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Editorialda saúde (BRASIL, 2002). Importa notar que a promoção da saúde pretende a equidade. Para tal, é necessário diminuir as desigualdades existentes nos níveis de saúde das populações e assegurar a igual-dade de oportunidades e recursos, com vista a capacitá-las para a completa realização do seu potencial de saúde.

Como se vê, a matriz filosófica do Sistema Único de Saúde está permeada por estas propostas. Da mesma forma, convém recordar que o resultado da Carta de Ottawa já podia ser antevisto na icônica Declaração de Alma Ata, na qual se acordou que a conquista do mais alto grau de saúde exige a intervenção de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor saúde (Brasil, 2002).

No que tange a prevenção, este é um conceito mais próximo da doença e do doente, mas tem limites amplos que tocam a área da promoção, por um lado, e aquela da assistência, por outro. A conhe-cida conceituação de Leavell e Clarck (1976) a entende como “ação antecipada, baseada no conhecimento da história natural a fim de tornar improvável o progresso posterior da doença”. Nela, se inclui as questões incipientes da promoção da saúde. Entretanto, o concei-to de promoção permite que suas ações sejam ampliadas e vistas pragmaticamente como um conjunto em separado da prevenção no sentido de sua implementação.

Se analisarmos o conjunto das doenças negligenciadas verifica-mos que há um denominador comum à elas que encontra abrigo na promoção da saúde. A condição social das populações, em seu aspec-to amplo, é este denominador. Dominar esta condição requer ações do indivíduo, da comunidade, mas, principalmente, dos governantes. Há que se definir políticas pública e, mais importante, implementá-las com prioridade política e orçamentária para que possam modificar os parâmetros da condição social. Estão aí envolvidos os três níveis de gestão pública. A tarefa é complexa e requer tempo. Resultados palpáveis requerem investimentos de grande monta em prazos longos de retorno - dois condicionantes extremamente indesejáveis para po-líticos imediatistas e de carreira. Aqui se encontram as grandes obras de saneamento básico, educação e estabilidade econômica, o que per-mite pleno emprego, renda adequada e atitude cidadã por parte da população. Entretanto, um outro contingente de ações se caracteriza por resultados mais imediatos e positivos, ainda que seu alcance e im-pacto possa estar relacionado ao investimento de recursos financeiros que lhe é emprestado. Trata-se da educação em saúde.

Em um primeiro momento, entende educação como saúde como o aprendizado das causas das doenças, seus efeitos e como evita-las. Entretanto, sabe-se que a educação em saúde pode ter conceito mais amplo e sobrepor-se à questão da promoção da saúde (SCHALL; STRUCHINER, 1999). Neste caso, os condicionantes sociais da saú-

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Editorial de e a forma como o grupo social pode intervir para conquistar um estado de saúde e bem estar. Não mais se fala do indivíduo que está sob o risco de adoecer, mas do conjunto social e suas relações para a vida cotidiana.

Há vários exemplos desse tipo de ação. A divulgação dos sinais e sintomas da hanseníase na comunidade, aumentado sua capacida-de de percepção sobre esta doença, é uma ação que pode auxiliar e muito a proteção dos indivíduos, seja do grupo familiar como da comunidade. Dentro do núcleo familiar de pessoas com hanseníase em tratamento, a educação para a saúde com vistas ao exame regu-lar de contatos é ação de alto relevo para promover a saúde de um grupo de risco.

No caso das geohelmintíases e diarreia infantil, a questão da pro-moção da saúde se torna evidente. A intervenção isola pretendendo o diagnóstico e tratamento das parasitoses mais comuns parece não apresentar resultados consistentes à longo prazo (BOTERO, 1981; MACEDO; MACHADO, 2004). Entretanto, o investimento em sane-amento básico, particularmente a melhora das condições de qualida-de de água e a educação em saúde visando promover as vantagens do aleitamento materno podem ser responsáveis por redução substancial nos índices diarreia infantil em comunidades (GROSS et al., 1989).

A Dengue é outra situação lapidar da dificuldade de abordagem, ainda que as ações de promoção da saúde e prevenção de epidemias para este agravo estejam bem definidas (BRASIL, 2009). As dificul-dades estruturais nos municípios são amplas e definidas (SANTOS, 2003) e as peculiaridades epidemiológicas da dengue, sua história natural fazem com que seu manejo se revista de características mui-to particulares. Entretanto, as medidas de promoção se apresentam como necessárias e, talvez, das menos complexas dentro dessa com-plicada equação. A disseminação de informações sobre a doença e a modificação do comportamento do indivíduo, com vistas à um rede crescente de aceitação de novos hábitos familiares e comunitários, devem contribuir sobremaneira para reduzir o tamanho do problema da dengue nas comunidades que essas medidas forem aplicadas con-sistentemente (DIAS, 1998). Entretanto, essa participação necessita estar elencada e priorizada pelos gestores em suas políticas, caso contrario, a comunidade dificilmente terá oportunidade de ser sensi-bilizada (FERREIRA; VERAS; SILVA, 2009).

Seria possível continuar essa discussão e trazê-la para dentro de outras doenças negligenciadas. A promoção da saúde será sempre uma necessidade de relevo para a equação de qualquer delas. Cada uma apresenta suas características próprias de agente causador e de determinantes, o que faz que suas abordagens sejam diferentes atra-vés dos níveis de prevenção com que a elas se olhem. Entretanto, as

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ações de promoção da saúde é um denominador comum a todas e devem ser vistas como medidas prioritárias.

Marcos da Cunha Lopes Virmond

reFerÊncias

BOTERO, D. Persistence of the endemic intestinal parasitosis in La-tin America. Bull. Pan. Am. Health Org., Washington, v. 15, p. 21-248, 1981.

BRASIL. Ministério da Saúde. As cartas da promoção da saúde.Brasília, 2002.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Diretrizes nacionais para prevenção e controle de epidemias de dengue. Brasília, 2009. 160 p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).

DIAS, J. C. P. Problemas e possibilidades de participação comunitá-ria no controle das grandes endemias no Brasil. Cad. Saúde Públi-ca, Rio de Janeiro, v. 14, supl. 2, p. 19-37, 1998.

FERREIRA, I. T. R. N.; VERAS, M. A. de S. M.; SILVA, R. A. Participação da população no controle da dengue: uma análise da sensibilidade dos planos de saúde de municípios do Estado de São Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 12, p. 2683-2694, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2009001200015>. Acesso em: 25 nov. 2012.

GROSS, R. et al. The impact of improvement of water supply and sanitation facilities on diarrhea and intestinal parasites: a brazilian experience with children in two low-income urban communities. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 23, n. 3, p. 214-220, 1989.

LEAVEL, H.; CLARK, E. G. Medicina preventiva. São Paulo: Mc-Graw-Hill do Brasil, 1976.

MACEDO, L. M. C.; MACHADO, F. H. S. Controle de geohelmin-tíases em creche municipal do Rio De Janeiro. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA BELO HORI-ZONTE, 2., 2004, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 2004.

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SANTOS, S. L. Avaliação das ações de controle da dengue: as-pectos críticos e percepção da população. 2003. 133 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Centro de Pesquisas Aggeu Maga-lhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife, 2003.

SCHALL, V. T.; STRUCHINER, M. Educação em saúde: novas perspectivas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, supl. 2, p.S4-S6, 1999.

TERRIS, M. Public hea1th policy for the 1990s. Ann. Review of Public Health, Palo Alto, v. 11, n. p.39-51, 1990.

WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION, “Neglected Tropical Diseases,”

Disponível em: <http://www.who.int/neglected_diseases/en/.