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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DO CONTRIBUINTE DO NÚCLEO NITERÓI Rua Visconde de Sepetiba, 935/ sala 722 Centro Niterói RJ. Telefax.: 2718-9954 1 EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CÍVEL DA COMARCA DE NITERÓI RJ O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO , inscrito no CNPJ sob o nº. 28.305.936- 0001/40, pela PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DO CONTRIBUINTE DO NÚCLEO NITERÓI , com sede na Rua Visconde de Sepetiba, 935/ sala 722 Centro Niterói RJ, onde receberá intimações, vem, com fulcro no art. 129, incisos III e IX, da Constituição da República Federativa do Brasil, artigos 1º, inc. II, e 5º, inc. I, da Lei nº. 7.347/85, artigos 81, 82 e 84, da Lei nº. 8.078/90, art. 34, inc. VI, “a”, da Lei Complementar Estadual nº. 106/03, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com pedido de tutela antecipatória dos efeitos da sentença

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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA

COLETIVA DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DO CONTRIBUINTE DO NÚCLEO NITERÓI

Rua Visconde de Sepetiba, 935/ sala 722 – Centro – Niterói – RJ.

Telefax.: 2718-9954

1

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CÍVEL

DA COMARCA DE NITERÓI – RJ

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO

DE JANEIRO, inscrito no CNPJ sob o nº. 28.305.936-

0001/40, pela PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA

COLETIVA DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DO

CONTRIBUINTE DO NÚCLEO NITERÓI , com sede na Rua

Visconde de Sepetiba, 935/ sala 722 – Centro – Niterói –

RJ, onde receberá intimações, vem, com fulcro no art. 129,

incisos III e IX, da Constituição da República Federativa do

Brasil, artigos 1º, inc. II, e 5º, inc. I, da Lei nº. 7.347/85,

artigos 81, 82 e 84, da Lei nº. 8.078/90, art. 34, inc. VI,

“a”, da Lei Complementar Estadual nº. 106/03, propor a

presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Com pedido de tutela antecipatória dos efeitos da sentença

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em face de:

CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA., inscrito

no CNPJ sob o nº. 45.543.915/0216-93, situado à Rua 1, nº 2,

Jardim Fluminense, Centro, Niterói/RJ, a ser citado nesse endereço,

pelos fatos e fundamentos jurídicos que adiante expõe:

I – PRIMEIRAMENTE

Primeiramente, o Ministério Público

informa que acompanha a presente ação cópia integral do

Inquérito Civil nº. 178/2009, solicitando-se que seja a

este dada numeração sequencial à da petição inicial, não

devendo ser colocado em apenso, tendo em vista sua

fundamental relevância instrutória para a presente ação.

II – DOS FATOS:

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro,

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por intermédio desta Promotoria de Justiça, instaurou, em 18 de

fevereiro de 2009, o Inquérito Civil nº. 178/2009, cujos autos

instruem a presente ação, com o objetivo de apurar diversas

irregularidades supostamente praticadas pela empresa ré.

Originado de uma representação anônima à Ouvidoria

desta Promotoria, o Inquérito Civil nº 178/2009 tem por objeto a

investigação das seguintes supostas irregularidades, apontadas na

representação: a- exposição à venda de produtos sem preço; b-

máquinas insuficientes de verificação de preço; c- venda de produtos

(como salsicha) sem prazo de validade; d- má conservação de

produtos perecíveis, havendo possível desligamento dos

refrigeradores à noite; e- substituição dos produtos em promoção, ao

acabar o estoque, por produtos da marca Carrefour.

Foi, então, solicitada fiscalização a três órgãos: ao

PROCON, ao CODECON e à Vigilância Sanitária e Controle de

Zoonoses de Niterói.

Na fiscalização realizada pela Vigilância Sanitária em

20/10/2009, que originou o Auto de Infração nº 02487 (vide

documento de fls. 24 do Inquérito Civil nº 178/2009), foi atestada

falta de higiene no setor de manipulação da padaria,

caracterizada pela presença de baratas. Verificou-se, então, o

descaso do Réu para com a saúde de seus consumidores, tendo em

vista a provável contaminação dos pães fabricados pelo Réu.

As fiscalizações realizadas pelo PROCON e CODECON

atestaram a regularidade e o número adequado das máquinas de

preço. Ademais, não se pôde comprovar a alegação de substituição

dos produtos em promoção. No entanto, no tocante à saúde do

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consumidor, novas graves infrações foram atestadas pela Vigilância

Sanitária municipal.

Solicitada a realizar nova fiscalização ao estabelecimento

do Réu, a Vigilância Sanitária compareceu ao Carrefour no dia

8/11/2010. Nessa ocasião, foram lavrados o Auto de Apreensão de

Inutilização nº 0467 e o Auto de Infração nº 06352 (a fls. 45 e 46 do

Inquérito Civil nº 178/2009, respectivamente), em função de se

terem encontrado 15 kg de linguiça mista e 598 gramas de

linguiça com validade expirada, além de 1,5 kg de jerked beef

da Marca “Sertão” sem indicação na embalagem de datas de

fabricação e validade.

Em ofício da Vigilância Sanitária e Controle de Zoonoses

de Niterói a esta Promotoria, datado de 18 de novembro de 2010

(documento de fls. 49 do Inquérito Civil nº 178/09), foi remetida uma

série de Autos de Multa lavrados pela Vigilância Sanitária municipal.

Faz-se importante destacar que cada Auto de Multa se refere a uma

infração em que é “reincidente” o Réu, à reiteração de uma conduta

já atestada por meio de Auto de Infração. E, ademais, deve frisar-se

que cada Auto de Multa traz em seu corpo uma ou mais infrações

cometidas pelo Réu.

O conjunto remetido pela Vigilância Sanitária totaliza 35

Autos de Multa, lavrados de junho de 2003 a março de 2010,

relacionados a infrações ocorridas em sua maioria na filial do Centro

de Niterói (posta com Réu desta ação), e também em outras duas

extintas filiais situadas no Município de Niterói.

Demonstra-se, pelo volume de infrações, apuradas em

diferentes filiais da empresa, não se tratarem de casos isolados, ou

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de problemas de uma filial específica. Transparece ser parte da

política de gestão da empresa, em suas diferentes filiais situadas no

Município de Niterói, o descaso para com a saúde dos consumidores.

O conjunto de infrações atestadas pela Vigilância

Sanitária compreende diversas categorias de ilegalidades,

demonstrando-se a violação, pelo Réu, de uma série de direitos

consumeristas, destacando-se a reiterada exposição a risco da saúde

dos consumidores.

Apresentam-se, a seguir, de modo sintético, as

irregularidades apontadas nos dez Autos de Multa lavrados nos

anos de 2006, 2009 e 2010, em ordem cronológica (todos

referentes à filial Centro, exceto dois Autos de Multa do ano de 2006,

de números 0424 e 0425):

O Auto de Multa nº 0424, de 22/02/2006, do

Departamento de Vigilância Sanitária e Controle de Zoonoses

de Niterói, a fls. 80 do Inquérito Civil nº 178/2009, verificou a

presença de carne bovina previamente moída,

contrariando a legislação então vigente. Cabe observar referir-

se esta infração à extinta filial de Icaraí.

O Auto de Multa nº 0425, de 22/02/2006, do

Departamento de Vigilância Sanitária e Controle de Zoonoses

de Niterói, a fls. 81 do Inquérito Civil nº 178/2009, constatou,

na área de manipulação, a presença de salsicha e linguiça

sem registro, licença ou autorização dos órgãos sanitários

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competentes. Cabe observar referir-se esta infração à extinta

filial de Icaraí.

O Auto de Multa nº 0255, de 23/02/2006, do

Departamento de Vigilância Sanitária e Controle de Zoonoses

de Niterói, a fls. 76 do Inquérito Civil nº 178/2009, constatou

a exposição à venda de queijo minas frescal fora de

refrigeração.

O Auto de Multa nº 1744, de 20/05/2009, do

Departamento de Vigilância Sanitária e Controle de Zoonoses

de Niterói, a fls. 83 do Inquérito Civil nº 178/2009, constatou

a exposição à venda de mortadela fracionada à

temperatura ambiente.

O Auto de Multa nº 1772, de 20/05/2009, do

Departamento de Vigilância Sanitária e Controle de Zoonoses

de Niterói, a fls. 84 do Inquérito Civil nº 178/2009, apontou a

exposição à venda de 55kg de produtos (asas de frango e

salsicha), em temperatura inadequada e apresentando

alteração das características sensoriais, ambos os

produtos com data de validade expirada.

O Auto de Multa nº 1783, de 17/06/2009, do

Departamento de Vigilância Sanitária e Controle de Zoonoses

de Niterói, a fls. 73 do Inquérito Civil nº 178/2009, atestou

novo etiquetamento, com nova data de validade, de

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embalagens de frios que tinham já expiradas suas datas

de validade.

O Auto de Infração nº 1108, de 20/10/2009, do

Departamento de Vigilância Sanitária e Controle de Zoonoses

de Niterói, a fls. 50 do Inquérito Civil nº 178/2009, constatou

a presença de 80 kg de lagarto redondo exposto à venda

sem a refrigeração adequada, permitindo temperatura

de 16 graus.

O Auto de Multa nº 1499, de 1º/12/2009, do

Departamento de Vigilância Sanitária e Controle de Zoonoses

de Niterói, a fls. 72 do Inquérito Civil nº 178/2009,

constatou novamente a presença de baratas no setor de

manipulação da padaria, infração primeiramente

apontada no supracitado Auto de Infração nº 02487,

demonstrando-se o descumprimento, pelo Réu, das

determinações exaradas pelo órgão sanitário municipal.

O Auto de Multa nº 1313, de 18/03/2010, do

Departamento de Vigilância Sanitária e Controle de Zoonoses

de Niterói, a fls. 71 do Inquérito Civil nº 178/2009, atestou a

presença de produtos (de três tipos distintos) com

datas de validade e/ou fabricação ilegíveis.

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Há, ainda, vinte e seis Autos de Multa referentes aos

anos de 2003 a 2005, de números: 0110 (de 22/09/04), 0111 (de

mesma data), 0112 (de mesma data), 0115 (de 13/10/04), 0116 (de

mesma data), 0117 (de 26/10/04), 0140 (de 10/06/03), 0141 (de

mesma data), 0173 (de 31/07/03), 0174 (de mesma data), 0176 (de

26/06/03), 0318 (de 27/04/05), 0319 (de 31/05/05), 0321 (de

mesma data), 0322 (de mesma data), 0323 (de mesma data), 0324

(de 1º/06/05), 0338 (de 17/06/05), 0348 (de 8/07/05), 0350 (de

mesma data), 2028 (de mesma data), 2036 (de 2/08/05), 0404 (de

5/12/05), 0405 (de mesma data), 0406 (de mesma data) e 0493 (de

15/03/05); cujas cópias encontram-se, respectivamente, a fls. 51 a

70, 74, 75, 77, 78, 79 e 82 do Inquérito Civil nº 178/09.

Dentre estes, destaca-se o Auto de Multa nº 0493

(referente à filial Centro), que aponta uma gravíssima infração à

saúde dos consumidores:

O Auto de Multa nº 0493, de 15/03/2005, do

Departamento de Vigilância Sanitária e Controle de Zoonoses

de Niterói, a fls. 82 do Inquérito Civil nº 178/2009, constatou

a exposição à venda de carne suína salgada e charque

impróprios para consumo, com sinais indicativos da

contaminação por bactérias, com algumas peças

rançosas e com presença de várias moscas sobre os

produtos.

Tendo em vista as ilegalidades apontadas nos Autos de

Multa e nos Autos de Infração, constata-se a reiteração, pelo réu

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Carrefour, na prática de ilicitudes graves, pondo em risco à saúde

dos consumidores, denegando seu direito à adequada

informação e violando-se a boa fé nas relações de consumo.

Em síntese, as ilegalidades cometidas pelo

Carrefour são: a- comercialização de produtos com prazo de

validade expirado; b- má conservação (principalmente

insuficiente refrigeração) de produtos perecíveis, gerando

deterioração e/ou nocividade à saúde; c- presença de

produtos sem licença ou registro perante órgãos sanitários; d-

adulteração de datas de validade de produtos já vencidos; e-

venda de carne bovina previamente moída; f- falta de

manutenção de condições mínimas de higiene na manipulação

de alimentos; g- exposição à venda de produtos com data de

validade ou fabricação ilegíveis.

Portanto, uma vez que as ilegalidades apontadas

envolvem lesão a interesses metaindividuais, sendo postos em

risco os direitos fundamentais à saúde e integridade física dos

consumidores, dentre outros direitos, faz-se necessária a propositura

da presente Ação Civil Pública pelo Parquet.

III – DO DIREITO:

1- Da Legitimidade ativa

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O Ministério Público é instituição permanente, essencial à

função jurisdicional do Estado, incumbida da defesa da ordem

jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis, segundo preceitua o art. 127 da Constituição da

República Federativa do Brasil.

Na esteira da missão constitucional conferida ao

Ministério Público, o ordenamento infraconstitucional determinou uma

série de prerrogativas ao Parquet. Dentre estas, importa à presente

ação a legitimação conferida ao Ministério Público para a

propositura de Ação Civil Pública, pela Lei nº 7.347/85:

“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei,

sem prejuízo da ação popular, as ações de

responsabilidade por danos morais e patrimoniais

causados:

(...)

ll - ao consumidor;

(...)

Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação

principal e a ação cautelar:

I - o Ministério Público; (...)”

Ratificando a função do Ministério Público de tutela aos

interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos

consumidores, o Código de Defesa do Consumidor dispõe:

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“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos

consumidores e das vítimas poderá ser exercida

em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida

quando se tratar de:

I- interesses ou direitos difusos, assim

entendidos, para efeitos deste código, os

transindividuais, de natureza indivisível, de que

sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas

por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim

entendidos, para efeitos deste código, os

transindividuais, de natureza indivisível de que

seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas

ligadas entre si ou com a parte contrária por uma

relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais

homogêneos, assim entendidos os decorrentes de

origem comum.

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único,

são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público,”

Embora haja certa divergência doutrinária acerca da

extensão da legitimidade do Ministério Público na defesa de

interesses individuais homogêneos, a presente ação versa sobre lesão

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a direito indisponível (destacando-se o direito à integridade

física/saúde), analisado coletivamente, além de tratar-se de matéria

de relevante repercussão social. Assentadas essas premissas, não

restam dúvidas sobre a legitimidade ativa do Parquet na tutela de

tais interesses.

Ademais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,

Egrégio Tribunal ao qual compete a delimitação das competências

constitucionais, manifestou-se no sentido da legitimidade ativa do

Ministério Público para a tutela de interesses individuais quando

coletivamente considerados. O caso paradigma foi o Recurso

Extraordinário nº 163231/SP, cujo objeto era aumento abusivo de

mensalidades escolares:

“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO

MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO

CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES

DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS.

MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE

POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI-LAS

EM JUÍZO. 1. A Constituição Federal confere

relevo ao Ministério Público como instituição

permanente, essencial à função jurisdicional do

Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem

jurídica, do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).

2. Por isso mesmo detém o Ministério Público

capacidade postulatória, não só para a abertura

do inquérito civil, da ação penal pública e da ação

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civil pública para a proteção do patrimônio público

e social, do meio ambiente, mas também de

outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129,

I e III). (...) 4. Direitos ou interesses homogêneos

são os que têm a mesma origem comum (art. 81,

III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990),

constituindo-se em subespécie de direitos

coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos

ou particularmente interesses homogêneos,

stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma

base jurídica, sendo coletivos, explicitamente

dizendo, porque são relativos a grupos, categorias

ou classes de pessoas, que conquanto digam

respeito às pessoasisoladamente, não se

classificam como direitos individuais para o fim de

ser vedada a sua defesa em ação civil pública,

porque sua concepção finalística destina-se à

proteção desses grupos, categorias ou classe de

pessoas. 5. As chamadas mensalidades escolares,

quando abusivas ou ilegais, podem ser

impugnadas por via de ação civil pública, a

requerimento do Órgão do Ministério Público, pois

ainda que sejam interesses homogêneos de

origem comum, são subespécies de interesses

coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio

processual como dispõe o artigo 129, inciso III,

da Constituição Federal. (...) Recurso

extraordinário conhecido e provido para, afastada

a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com

vistas à defesa dos interesses de uma

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coletividade, determinar a remessa dos autos ao

Tribunal de origem, para prosseguir no

julgamento da ação.”1

Portanto, possui o Ministério Público legitimidade

ativa para propor a presente ação, que versa sobre lesão a direitos

individuais homogêneos, indisponíveis e de grande relevância social,

de uma coletividade de consumidores.

2- Da violação à norma constitucional – integridade

física/saúde

Faz-se importante aduzir que as ilegalidades cometidas

pela empresa ré, apontadas nos Autos de Multa e nos Autos de

Infração supramencionados, compreendem violações ao direito

fundamental à saúde e integridade física.

Embora não seja objeto de texto constitucional expresso

(exceto no tocante aos presos, no artigo 5º, inciso XLIX), está

inegavelmente erigido ao caráter de direito fundamental o direito à

integridade física (que inclui a proteção à saúde, em sua vertente

fisiológica, e a proteção à anatomia e à estética humanas). Tal direito

apresenta-se como corolário da dignidade da pessoa humana e do

direito à vida, fundando-se nos artigos 1º, inciso III, e 5º, caput, do

texto constitucional:

1 STF, Recurso Extraordinário nº 163.231/SP, Relator: Min. Maurício Corrêa, DJ

29/06/01.

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“Art. 1º A República Federativa do Brasil,

formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se

em Estado Democrático de Direito e tem como

fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

(...)

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem

distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:”

No caso exposto, a venda de produtos impróprios para

consumo (o qual constitui inclusive prática delituosa), presumindo-se,

por força de lei, impróprios para consumo os produtos de prazo de

validade expirado, é irrefutavelmente danosa à integridade física dos

consumidores. O consumo de tais produtos pode gerar diversos

danos à saúde, em decorrência da contaminação dos gêneros

alimentícios por micro-organismos, gerando risco, inclusive, à vida.

Portanto, destaca-se haver matéria constitucional no

caso em tela, caracterizando-se pela violação dos artigos 1º,

inciso III, e art. 5º, caput.

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3- Da comercialização de produtos impróprios para

consumo

O Réu, consoante exposto em diversos Autos de Multa da

Vigilância Sanitária municipal, realizou a conduta de exposição à

venda de produtos impróprios para consumo. Tal conduta,

tipificada como crime contra as relações de consumo (no art. 7º,

inciso IX da Lei nº 8.173/90), civilmente acarreta a responsabilidade

objetiva e solidária dos fornecedores, consoante previsto no art. 18

da Lei nº 8.078/90:

“Art. 18. Os fornecedores de produtos de

consumo duráveis ou não duráveis respondem

solidariamente pelos vícios de qualidade ou

quantidade que os tornem impróprios ou

inadequados ao consumo a que se destinam ou

lhes diminuam o valor, assim como por aqueles

decorrentes da disparidade, com a indicações

constantes do recipiente, da embalagem,

rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas

as variações decorrentes de sua natureza,

podendo o consumidor exigir a substituição das

partes viciadas.”

Os danos aos consumidores (e a outras pessoas

envolvidas na relação de consumo), em decorrência da utilização dos

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produtos impróprios para consumo comercializados pela empresa ré,

são de responsabilidade objetiva e solidária da cadeia de

fornecedores, incluindo-se o Réu, comerciante, nos termos dos

artigos 12 e 13 da Lei nº 8.078/90:

“Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor,

nacional ou estrangeiro, e o importador

respondem, independentemente da existência de

culpa, pela reparação dos danos causados aos

consumidores por defeitos decorrentes de projeto,

fabricação, construção, montagem, fórmulas,

manipulação, apresentação ou acondicionamento

de seus produtos, bem como por informações

insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização

e riscos.

§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a

segurança que dele legitimamente se espera,

levando-se em consideração as circunstâncias

relevantes, entre as quais:

I - sua apresentação;

II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se

esperam;

III - a época em que foi colocado em circulação.

(...)

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18

Art. 13. O comerciante é igualmente responsável,

nos termos do artigo anterior, quando:

(...)

III - não conservar adequadamente os produtos

perecíveis.

Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento

ao prejudicado poderá exercer o direito de

regresso contra os demais responsáveis, segundo

sua participação na causação do evento danoso.”

A conduta de exposição à venda de produtos impróprios

para consumo tem, inclusive, relevância penal, sendo

especificamente tipificada no art. 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90,

tendo modalidades dolosa e culposa:

“Art. 7° Constitui crime contra as relações de

consumo:

(...)

IX - vender, ter em depósito para vender ou

expor à venda ou, de qualquer forma, entregar

matéria-prima ou mercadoria, em condições

impróprias ao consumo;

Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou

multa.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II, III e

IX pune-se a modalidade culposa, reduzindo-se a

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19

pena e a detenção de 1/3 (um terço) ou a de

multa à quinta parte.”

Ferem-se, ainda, outros dispositivos do Código de Defesa

do Consumidor, citando-se os artigos 8º, caput, e 10, caput, que

versam sobre os direitos à saúde e à segurança nas relações de

consumo:

Art. 8° Os produtos e serviços colocados no

mercado de consumo não acarretarão riscos à

saúde ou segurança dos consumidores, exceto os

considerados normais e previsíveis em

decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-

se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar

as informações necessárias e adequadas a seu

respeito.

(...)

Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no

mercado de consumo produto ou serviço que sabe

ou deveria saber apresentar alto grau de

nocividade ou periculosidade à saúde ou

segurança.

O direito à saúde e integridade física, violado pelas

condutas da empresa ré, encontra proteção, além da dispensada pelo

Diploma consumerista, no Código Civil, como direito da

personalidade, e na Constituição Federal, como Direito Fundamental,

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20

o que fundamenta o alto grau de lesividade das práticas do Réu, que

atingiram uma coletividade de consumidores.

O Réu incorreu reiteradamente na conduta de exposição à

venda de produtos impróprios para consumo, consubstanciada em

variadas práticas da empresa ré, conforme atestado ao longo das

diversas fiscalizações realizadas pela Vigilância Sanitária.

4- Da comercialização de produtos com prazo de

validade expirado

Uma prática verificada em mais de uma fiscalização,

inclusive no recente Auto de Infração nº 06352, de 8/11/2010, é a

exposição à venda de produtos com prazo de validade

expirado.

Por força do art. 18, §6º, inciso I, da Lei nº 8.078/90, são

impróprios para uso e consumo “os produtos cujos prazos cujos

prazos de validade estejam vencidos”. Tal presunção, estabelecida

expressamente pelo dispositivo, seria, consoante posição

jurisprudencial dominante, absoluta, refutando-se prova em

contrário.

O recente Acórdão do Superior Tribunal de Justiça, no

Habeas Corpus nº 115650/SP, afasta a necessidade de laudo pericial

para verificar a lesividade do produto cujo prazo de validade esteja

expirado, tendo em vista que a simples constatação da expiração do

prazo já acarreta a incursão do produto no conceito jurídico de

“impróprio para consumo”:

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“HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. CRIME CONTRA

AS RELAÇÕES DE CONSUMO. ART. 7.º, INCISO

IX, DA LEI N.º 8.137/90. BEM EXPOSTO AO

COMÉRCIO IMPRÓPRIO PARA CONSUMO.

PRODUTO AGROTÓXICO VENCIDO. LAUDO

PERICIAL DISPENSÁVEL, NO CASO. ORDEM

DENEGADA.

1. A antiga jurisprudência desta Egrégia Corte era

no sentido de que o delito tipificado no art. 7.º,

inciso IX, da Lei n.º 8.137/90, é crime formal e de

perigo abstrato, ou seja, que não exige lesão ou

dano, contentando-se com a mera potencialidade

lesiva.

2. Não se descura, entretanto, que no dia

06/10/2009, quando do julgamento do REsp

1112685/SC, Rel. Min. FELIX FISCHER, esta

Turma modificou seu anterior entendimento, ‘para

estabelecer que nos crimes previstos no art. 7º,

inciso IX, da Lei nº 8.137/90 é indispensável a

realização de perícia, quando possível sua

realização, a fim de se atestar se o produto é ou

não impróprio para o consumo’ (DJe 29/03/2010).

3. Tal alteração se deu após o julgamento do HC

90.779-2/PR, Rel. Min. CARLOS BRITTO (DJ de

24/10/2008) pela Primeira Turma do Pretório

Excelso. No referido writ, os Pacientes foram

denunciados em razão da produção de

desinfetantes para uso geral, desodorante

sanitário e sabão em pedra em desconformidade

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22

com as normas e regulamentos de fabricação e

distribuição, situação fática que exigiu perícia para

comprovar a lesividade ao consumidor.

4. No presente caso, o Paciente, representante de

empresa, expôs à venda 08 litros do produto

denominado ‘Score’ (embalagem de 01litro), e 04

galões do produto chamado ‘Contain’ (embalagem

de 05 litros), todos com as respectivas datas de

validade vencidas. A hipótese dos autos, portanto,

é diversa da que se exigiu perícia para aferição da

lesividade do produto. Na espécie trata-se de

comercialização de agrotóxico, que por si só, sem

maiores discussões, é produto perigoso ao

manuseio humano. Não só isso, repita-se, os

produtos tinham prazo de validade vencido.

5. À luz do art. 18, § 6.º, do Código de Defesa do

Consumidor, ‘São impróprios ao uso e consumo: I

- os produtos cujo prazo de validade estejam

vencidos’.

6. Despicienda, portanto, nesta hipótese, a

perícia, pois absolutamente ‘desnecessária a

comprovação da materialidade delitiva por meio

de laudo pericial’ (REsp 1060917/RS, Rel. Min.

ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª Turma, DJe

13/04/2009).

7. Habeas corpus denegado.”2

2 STJ, HC nº 115650/SP, Relator: Ministra Laurita Vaz, Dje: 22/11/2010.

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23

Tendo em vista o posicionamento manifestado no

Acórdão, afasta-se a incidência, ao caso em tela, da orientação

firmada no Habeas Corpus nº 90.779-2/PR. Em se tratando de

exposição à venda de produtos com prazo de validade vencidos, não

é necessária prova de impropriedade fática ao consumo (de

lesividade à saúde). Se tal orientação é firmada em matéria penal,

em que a exigência de prova é bastante mais elevada, certamente se

aplica ao juízo cível, o que significa o enquadramento da prática da

empresa ré na conduta em questão, acarretando sua

responsabilidade objetiva para com os danos decorrentes de tal

vício.

5- Da inadequada conservação de produtos

perecíveis

Uma segunda prática do Réu que consubstancia

exposição à venda de produtos impróprios para consumo é a

recorrente inadequada conservação dos produtos perecíveis

(má refrigeração e/ou acondicionamento impróprio).

Em autos de multa dos anos de 2005 a 2009, há diversas

ocorrências relacionadas ao tema. Citam-se a exposição à venda de

mortadela fracionada em temperatura ambiente (verificada no Auto

de Multa nº 1744, de 20/05/2009) e de 55 kg de produtos

(compreendendo asas de frango e salsichas) sem refrigeração

adequada (atestada no Auto de Multa nº 1772, de 20/05/2009).

Nesse segundo caso, ademais, os produtos tinham expirados os

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prazos de validade e alteradas suas características sensoriais. Cita-se

também a exposição à venda de 80 kg de lagarto redondo com

inadequada refrigeração (aferida no Auto de Multa nº 1108, de

20/10/2009), permitindo temperaturas de 16ºC.

A exposição à venda de produtos sem a adequada

conservação também caracteriza a venda de produtos impróprios

para consumo, incorrendo na responsabilização civil e penal do

comerciante.

A ausência ou insuficiência da refrigeração acelera,

necessariamente, a deterioração do produto perecível, reduzindo seu

prazo de validade efetivo. Na prática, põe-se em risco a saúde do

consumidor, que tem a data indicada na embalagem como critério de

salubridade no consumo. Portanto, tendo em vista a deterioração

imediata ou mais acelerada dos produtos, pondo em risco a saúde

dos consumidores, enquadram-se os produtos mal conservados pelo

Réu como produtos impróprios para uso e consumo, nos termos do

art. 18, §6º, inciso II, da Lei nº 8.078/90:

“§ 6° São impróprios ao uso e consumo:

(...)

II - os produtos deteriorados, alterados,

adulterados, avariados, falsificados, corrompidos,

fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos

ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas

regulamentares de fabricação, distribuição ou

apresentação;”

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25

Corrobora com o presente entendimento a decisão do

Ministro Nilson Naves, do Superior Tribunal de Justiça, no Agravo de

Instrumento nº 1.068.669/MG. Na citada decisão, enquadrou-se no

delito de venda de produtos impróprios para consumo a estocagem

de carne em condições inadequadas e a exposição à venda de carne

sem refrigeração, tomando-se como base o laudo de fiscalização

realizada pela Vigilância Sanitária local, sendo dispensada a perícia

dos produtos:

“DECISÃO:

Contra acórdão em apelação proferido pela 4ª

Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas

Gerais, foi interposto recurso especial. Eis a

ementa do julgado:

‘Apelação Criminal - Crime contra as relações de

consumo - Açougue - Art. 7º, inciso IX, da Lei nº

8.137/90 - Bem essencial à vida e à saúde -

Majorante do art. 12, III - Prova pericial de

laboratório - Desnecessidade. Garantindo os

médicos veterinários da Vigilância Sanitária e do

Ministério da Agricultura que o agente expunha à

venda e mantinha estocados mais de 55

quilogramas de carne bovina e suína em

condições impróprias ao consumo, deve ser

mantida a sua majorante do seu art. 12, III,

independentemente de perícia laboratorial, visto

tratar-se de conduta formal, de perigo abstrato e

presumido, que se aperfeiçoa com a mera

transgressão da norma incriminadora.’

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26

Nas razões do recurso, alegou-se violação dos

arts. 7º, IX, e 12, III, da Lei nº 8.137/90.

Inadmitido o especial, sobreveio o presente

agravo de instrumento.

Parecer ministerial (Subprocurador-Geral Vieira

Bracks) pelo não conhecimento do agravo.

Decido.

Inviável se me apresenta o inconformismo

manifestado no especial.

Ao julgar o recurso de apelação, o Tribunal de

Justiça de Minas Gerais analisou os elementos de

prova contidos nos autos. A propósito, vejam-se

os seguintes trechos:

‘Os médicos veterinários Drs. Sheyna e Pedro

Lúcio, ela Coordenadora da Vigilância Sanitária da

Prefeitura Municipal de Carmo de Minas, ele fiscal

federal do Ministério da Agricultura, garantiram

que parte da carne bovina exposta à venda sobre

o balcão, 'sem refrigeração', e outra parte da

carne bovina e suína encontrava-se dentro do

balcão frigorífico, mas, 'apresentando odor

característico de início de putrefação, coloração

esverdeada', ou seja, 'impróprio para consumo

humano' (f. 6). No total, eram mais de 55 Kg de

carne.

....................................................................

Ora, se tanta carne estava sendo preparada para

ser inutilizada, é sinal evidente de que estava

imprestável para consumo; do contrário, só uma

loucura comercial justificaria tal atitude.

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27

...................................................................

Independentemente da não-apresentação de nota

fiscal, questão meramente fiscal, sem dúvida

alguma o material probatório é firme e seguro,

conduzindo à indispensável certeza probatória

para fins condenatórios, não podendo prosperar a

tese absolutória. A exemplo dos ii. Juiz e

representantes do Ministério Público, estou

convencido de que o apelante realmente praticou

a infração criminosa aqui debatida, devendo ser

mantida a r. sentença condenatória.

....................................................................

Ao comercializar e estocar produto essencial à

vida e à saúde do povo, o apelante não faz jus ao

afastamento da majorante do art. 12, III, da Lei

8.137/90, tratando-se de crime de perigo abstrato

ou presumido, cujo bem jurídico tutelado é a

incolumidade pública, valendo destacar o seguinte

precedente:...’

Decidir de forma diversa da que decidiu o Tribunal

de origem implicaria, necessariamente, o

revolvimento do material fático-probatório contido

nos autos, o que não pode nem será aqui feito, a

teor da Súmula 7.

Tais as circunstâncias, mantenho a decisão

agravada e nego provimento ao agravo.”3

3 STJ, Agravo de Instrumento nº 1.068.669/MG, Relator: Min. Nilson Naves,

Publicado em: 02/10/2009.

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28

Por conseguinte, tomando por base a decisão citada, cujo

objeto muito se assemelha ao caso em tela, pode-se concluir pela

violação, pelo Réu, dos artigos 8º e 10 da Lei nº 8.078, que tutelam a

saúde e a segurança do consumidor. Além de na esfera criminal, é o

Réu civilmente responsável, nos termos dos já citados artigos 12 e 18

(caput e §6º) da Lei nº 8.078/90, pelos vícios dos produtos e pelos

danos decorrentes destes (o chamado “fato do produto”).

Acerca da responsabilidade pelo fato do produto, o art. 13

expressamente afirma a responsabilidade do comerciante nessa

hipótese, não restando dúvidas acerca da responsabilidade objetiva

do Réu pelos danos em decorrência da comercialização de produtos

sem a adequada conservação:

“Art. 13. O comerciante é igualmente responsável,

nos termos do artigo anterior, quando:

(...)

III - não conservar adequadamente os produtos

perecíveis.“

6- Da utilização e comercialização de produtos sem

registro ou licença de órgão sanitário

Embora não se tenha verificado a conduta em Auto de

Multa recente, dentre os enviados pela Vigilância Sanitária, o Réu foi

autuado, por diversas vezes, pela comercialização ou utilização

de produtos sem registro, licença ou autorização do órgão

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sanitário competente, sendo provável a reiteração de tal

prática até os dias atuais.

O Auto de Multa nº 0425, de 22/02/2006 (a fls. 81 do

Inquérito Civil nº 178/09), referente à extinta filial de Icaraí, atestou

a presença de salsicha e linguiça sem registro ou licença, no setor de

manipulação do mercado, em que se realiza o preparo de produtos a

serem posteriormente comercializados pelo Réu. Também há similar

registro de infração ocorrida na extinta filial do Fonseca (v. Auto de

Multa nº 0404, de 2005, a fls. 77 do Inquérito Civil).

Referentes à filial ré (Centro), os autos de multa de

números 0141 (de 10/06/2003), 0173 (de 31/07/2003), 0319 (de

31/05/2005), 0348 (de 08/07/2005) e 0350 (de mesma data)

atestaram a presença de uma série de produtos de origem animal

(salsicha, linguiça, mexilhão, camarão e siri) ou sem registro ou

licença.

Quanto a estes alimentos, por serem de origem animal, é

obrigatório o registro do estabelecimento fabricante perante órgão do

Ministério da Agricultura ou das Secretarias de Agricultura estaduais

ou municipais, devendo haver a indicação, na rotulagem do alimento,

de sua procedência e registro.

Nesse sentido, determinam os artigos 1º e 7º da Lei nº

1.283/1950:

“Art 1º É estabelecida a obrigatoriedade da prévia

fiscalização, sob o ponto de vista industrial e

sanitário, de todos dos produtos de origem animal,

comestíveis e não comestíveis, sejam ou não

adicionados de produtos vegetais, preparados,

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transformados, manipulados, recebidos,

acondicionados, depositados e em trânsito.

(...)

Art 7º Nenhum estabelecimento industrial ou

entreposto de produtos de origem animal poderá

funcionar no país, sem que esteja previamente

registrado, na forma da regulamentação e demais

atos complementares, que venham a ser baixados

pelos Poderes Executivos da União, dos Estados,

dos Territórios e do Distrito Federal:

a) no órgão competente do Ministério da

Agricultura, se a produção fôr objeto de comércio

interestadual ou internacional, no todo ou em

parte;

b) nos órgãos competentes das Secretarias ou

Departamentos de Agricultura dos Estados, dos

Territórios e do Distrito Federal, se a produção for

objeto apenas de comércio municipal ou

intermunicipal. (...)”

Há, ainda, ampla regulamentação a respeito dessa

matéria, destacando-se o art. 7º do Regimento Interno do

Departamento Interno Nacional de Inspeção de Produtos de Origem

Animal (DIPOA):

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“Art. 7º - Às Divisões de Inspeção de Carnes e

Derivados (DICAR), DE Inspeção de Leite e

derivados (DILEI) E DE Inspeção de Pescado e

derivados (DIPES) compete, ainda,

especificadamente;

I – Promover, supervisionar e controlar e registro

de estabelecimento que recebam, preparem,

beneficiem, transformem, manipulem,

acondicionam ou armazenem produtos e

subprodutos de origem animal e seu derivados, na

forma de legislação pertinente;

II – Promover, supervisionar e controlar e registro

de produtos e subprodutos de origem animal e

seus derivados, destinados ou não à alimentação

humana, inclusive, os adicionados de produtos

vegetais;”

Em sede de norma estadual, firma-se a vedação de

comercialização de derivados de carne sem registro de sua

procedência no art. 115 do Decreto 6.538/83:

“Art. 115 – Somente será permitido expor à venda

e ao consumo as carnes e derivados provenientes

de estabelecimentos devidamente registrados no

órgão competente”

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Houve, por conseguinte, utilização, pelo Réu, de produto

em descumprimento das normas acerca de sua fabricação. Tais

produtos são, por força do art. 18, §6º, inciso II, da Lei nº 8.078/904,

impróprios para consumo.

Isto posto, incorreu o Réu novamente na conduta de

comercialização de produtos impróprios para consumo. Tal

enquadramento tem amplo respaldo jurisprudencial, citando-se o

Acórdão no Recurso Especial nº 472.038/PR5:

“EMENTA: CRIMINAL. RESP. FABRICAÇÃO E

MANUTENÇÃO EM DEPÓSITO DE PRODUTOS

FABRICADOS PARA CONSUMO EM DESACORDO

COM AS NORMAS REGULAMENTARES E SEM

REGISTRO NO MINISTÉRIO DA SAÚDE. CRIME

CONTRA A RELAÇÃO DE CONSUMO.

DESNECESSIDADE DE LAUDO PERICIAL PARA A

CONSTATAÇÃO DA IMPROPRIEDADE DA

MERCADORIA. DELITO DE PERIGO ABSTRATO.

RECURSO PROVIDO.

I . O tipo do inciso IX do art. 7.º, da Lei n.º

8.137/80 trata de crime formal, bastando, para

sua concretização, que se coloque em risco a

saúde de eventual consumidor da mercadoria.

4 O referido dispositivo legal dispõe o seguinte: “§ 6° São impróprios ao uso e

consumo: (...) II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados,

falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou,

ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação,

distribuição ou apresentação;” 5 STJ, Recurso Especial nº 472.038/PR, Relator: Ministro Gilson Dipp, DJ

25/02/2004, p. 210.

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33

I I . Cuidando-se de crime de perigo abstrato,

desnecessária se faz a constatação, via laudo

pericial, da impropriedade do produto para

consumo. Precedentes.

I I I .Recurso provido para restabelecer a sentença

de primeiro grau, quanto à condenação pelo crime

contra as relações de consumo.”

Nessa hipótese, de forma análoga à de comercialização

de produtos com prazo de validade expirado, não é sequer necessário

o laudo pericial dos produtos. A ausência de registro dos produtos,

por si só acarreta fabricação em desconformidade com as normas,

incorrendo-se no enquadramento na hipótese do inciso II do art. 18,

§6º, no qual se define o conceito jurídico de produtos impróprios para

consumo.

Tendo em vista o enquadramento da conduta do Réu na

de comercialização de produtos impróprios para consumo, todas as

consequências já expostas no item anterior aqui se aplicam. Houve,

então, a violação dos artigos 8º e 10 do Código de Defesa do

Consumidor (que remetem ao direito fundamental à

saúde/integridade física, corolário dos direitos à vida e à dignidade da

pessoa humana), restando possível a responsabilização civil e penal

do Réu.

7- Da adulteração de datas de validade de produtos

já vencidos

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34

Outra grave conduta realizada pelo Réu, em pelo menos

duas hipóteses (em 2007, data do Auto de Infração original, e, em

2009, data do Auto de Multa), atestada no Auto de Multa nº 1783 (de

17/06/2009), é a adulteração de data de validade de produto já

vencido. Na ocasião exposta no Auto de Multa, foi verificado, no

salão de atendimento aos consumidores, o re-etiquetamento de

embalagens de mortadela fracionada já vencidas, colocando-

se novos prazos de validade.

A conduta em tela representa, novamente, a

comercialização de produtos impróprios para consumo, em

função da futura exposição à venda dos produtos re-etiquetados, que

tinham seus prazos de validade expirados. Incorre o Réu, por

conseguinte, nas mesmas violações e responsabilidades expostas nos

itens acima.

Ademais, tal prática fraudatória da empresa ré viola

outros direitos consumeristas: a boa-fé nas relações de consumo

e o direito à informação do consumidor.

A boa-fé é um dos princípios basilares do Direito do

Consumidor e do ordenamento jurídico pátrio de modo geral, tendo

previsão expressa no art. 4º, inciso III, do Código de Defesa do

Consumidor:

“Art. 4º A Política Nacional das Relações de

Consumo tem por objetivo o atendimento das

necessidades dos consumidores, o respeito à sua

dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus

interesses econômicos, a melhoria da sua

qualidade de vida, bem como a transparência e

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35

harmonia das relações de consumo, atendidos os

seguintes princípios:

(...)

III - harmonização dos interesses dos

participantes das relações de consumo e

compatibilização da proteção do consumidor com a

necessidade de desenvolvimento econômico e

tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos

quais se funda a ordem econômica (art. 170, da

Constituição Federal), sempre com base na boa-fé

e equilíbrio nas relações entre consumidores e

fornecedores;”

O direito à adequada informação do consumidor

fundamenta-se, dentre outros dispositivos, nos artigos 6º, inciso III,

e 31 da Lei nº 8.078/90:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

III - a informação adequada e clara sobre os

diferentes produtos e serviços, com especificação

correta de quantidade, características,

composição, qualidade e preço, bem como sobre

os riscos que apresentem;”

“Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou

serviços devem assegurar informações corretas,

claras, precisas, ostensivas e em língua

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portuguesa sobre suas características, qualidades,

quantidade, composição, preço, garantia, prazos

de validade e origem, entre outros dados, bem

como sobre os riscos que apresentam à saúde e

segurança dos consumidores.

Parágrafo único. As informações de que trata este

artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao

consumidor, serão gravadas de forma indelével.”

O Réu, na conduta em tela, agiu claramente de má-fé,

adulterando a informação da embalagem (contrapondo informação

inverídica) com vistas a comercializar produto impróprio para

consumo, potencialmente danoso à saúde do consumidor.

Lesionaram-se, em uma mesma conduta, os direitos à

informação e à saúde do consumidor, incorrendo-se nos tipos penais

previstos no art. 66 da Lei nº 8.078/90 e no art. 7º, incisos VII e IX,

da Lei nº 8.173/90:

“Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou

omitir informação relevante sobre a natureza,

característica, qualidade, quantidade, segurança,

desempenho, durabilidade, preço ou garantia de

produtos ou serviços:

Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.

(...)”

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“Art. 7° Constitui crime contra as relações de

consumo:

(...)

VII - induzir o consumidor ou usuário a erro, por

via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa

sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço,

utilizando-se de qualquer meio, inclusive a

veiculação ou divulgação publicitária;

(...)

IX - vender, ter em depósito para vender ou expor

à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-

prima ou mercadoria, em condições impróprias ao

consumo;

Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou

multa.”

Houve, portanto, violação, dentre outros dispositivos

legais, dos artigos 4º, inciso III, 6º, inciso III, 8º, 10 e 31 da Lei nº

8.078, sendo o Réu penal e civilmente responsabilizável, nos termos

dos artigos 12, caput6, 18, caput e §6º, e 66, da Lei nº 8.078/90, e

do artigo 7º, incisos VII e IX, da Lei nº 8.137/90.

6 No artigo 12, caput, da Lei nº 8.078, afirma-se categoricamente a

responsabilidade do fornecedor pelo fato do serviço em caso de danos gerados por

prestação de informação inadequada: “O fabricante, o produtor, o construtor,

nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da

existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por

defeitos decorrentes de (...) apresentação ou acondicionamento de seus produtos,

bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e

riscos.”

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8- Da venda de carne bovina previamente moída

Outra infração cometida pelo Réu, atestada no Auto de

Multa nº 0424 (de 22/02/2006) e em auto datado de 2004, foi a

venda de carne bovina previamente moída, ocorrida, ambas as

vezes, na extinta filial de Icaraí.

Essa prática contraria o disposto no Decreto Estadual nº

6.538/83, em seu artigo 117:

“Art. 117 – Nos estabelecimentos que

comercializam carnes, será facultada a venda de

carne fresca moída, sendo feita esta operação,

obrigatoriamente, em presença do comprador,

ficando, porém, proibida mantê-la estocada, nesse

estado.”

O fundamento fático para tal norma é o alto risco de

contaminação da carne pré-moída pela bactéria Escherichia coli,

dentre outros micro-organismos, encontrados especialmente no

intestino bovino. Tal proibição volta-se, então, à tutela da saúde dos

consumidores, direito firmado nos já citados artigos 8º e 10 da Lei nº

8.078/90.

Ademais, enquadra-se a venda de carne previamente

moída na conduta de comercialização de produtos impróprios para

uso e consumo, uma vez sendo o produto comercializado em

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desacordo com as normas regulamentares7. Incorreria, em tese, o

Réu nas mesmas consequências expostas anteriormente, sendo este

civil e penalmente responsável, nos termos dos artigos 12 e 18, da

Lei nº 8.078/90, e do artigo 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90.

9- Da falta de manutenção de condições mínimas de

higiene na manipulação de alimentos

No Auto de Infração nº 02487 (de 20/11/2009), no Auto

de Multa nº 1499 (de 1º/12/2009) e em outros autos de multa

remetidos pela Vigilância Sanitária municipal, atestaram-se más

condições de higiene em diversos setores da empresa ré. Os autos

destacados, do ano de 2009, referem-se a más condições de

higiene no setor de manipulação da padaria, verificando-se a

presença de baratas.

Mostra-se patente a possibilidade de contaminação dos

produtos a serem comercializados pela empresa Ré, pondo-se em

risco a saúde do consumidor. Novamente, uma vez que a

insalubridade do ambiente gera a contaminação dos pães e similares

produzidos, realiza o Réu a conduta de comercialização de

produtos impróprios para consumo, nos termos do artigo 18,

7 O art. 18, §6º, inciso II, da Lei nº 8.078, neste sentido afirma: “§ 6° São

impróprios ao uso e consumo: (...) II - os produtos (...) nocivos à vida ou à saúde,

perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de

fabricação, distribuição ou apresentação”.

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§6º, inciso II, da Lei nº 8.078/908, incorrendo na responsabilização

civil e penal já exposta nos itens anteriores.

10- Da exposição à venda de produtos com data de

validade ou fabricação ilegíveis

O Auto de Multa nº 1313 da Vigilância Sanitária, de

18/03/2010, a fls. 71 do Inquérito Civil nº 178/2009, atestou a

presença de produtos (bacalhau, cogumelos e tomate seco),

com datas de validade e/ou fabricação ilegíveis.

A ausência de tais elementos lesiona o direito do

consumidor à adequada prestação de informações, violando-se o art.

6º, inciso III, e o art. 31 da Lei nº 8.078/90, abaixo citado:

“Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou

serviços devem assegurar informações corretas,

claras, precisas, ostensivas e em língua

portuguesa sobre suas características, qualidades,

quantidade, composição, preço, garantia, prazos

de validade e origem, entre outros dados, bem

como sobre os riscos que apresentam à saúde e

segurança dos consumidores.

8 O dispositivo do art. 18, §6º, inciso II, da Lei nº 8.078/90 afirma como impróprios

para consumo os produtos nocivos à saúde do consumidor, no que se enquadra a

conduta do Réu. “§ 6° São impróprios ao uso e consumo: (...) II - os produtos

deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos,

fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo

com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;”

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Parágrafo único. As informações de que trata este

artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao

consumidor, serão gravadas de forma indelével.”

Põe-se, ainda, em risco a saúde do consumidor (previsto

no art. 8º da Lei nº 8.078/90), que não tem o conhecimento acerca

do prazo em que é seguro o consumo dos produtos.

Estabelece-se, deste modo, a responsabilidade objetiva e

solidária dos fornecedores pelo vício do produto9 e pelo fato do

produto, consoante os já abordados artigos 12 e 18 do Código de

Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).

O art. 12 estabelece a responsabilidade por fato do

produto em caso de “informações insuficientes ou inadequadas sobre

sua utilização e riscos”, hipótese em que se enquadra a ausência de

prazo de fabricação e/ou validade. O art. 18, por sua vez, estabelece

a responsabilidade por vício do produto em casos de produtos

9 Embora o art. 18 da Lei nº 8.078/90 não traga expressamente, como o faz o art.

12, a expressão “objetiva” como qualificadora da responsabilidade do fornecedor, a

doutrina e a jurisprudência apontam tratar-se de responsabilidade objetiva a

referente a vício do produto ou do serviço. Nesse sentido, versa, dentre incontáveis

acórdãos, o Recurso Especial nº 760262/DF (Relator: Sidnei Beneti, DJe

15/04/2008):

“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO. VÍCIO DE

QUALIDADE DO PRODUTO. ARTIGO 18, § 1º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR. DANOS MATERIAIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO

FORNECEDOR. CÁLCULO DOS JUROS DE MORA.

(...)

II - Não havendo nos autos prova de que o defeito foi ocasionado por culpa do

consumidor, subsume-se o caso vertente na regra contida no caput do artigo 18 da

Lei n. 8.078/90, o qual consagra a responsabilidade objetiva dos fornecedores de

bens de consumo duráveis pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ou

inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, impondo-se

o ressarcimento integral dos prejuízos sofridos. (...)”

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42

impróprios para consumo, conceito jurídico em que se incluem as

mercadorias “em desacordo com as normas regulamentares de

fabricação, distribuição ou apresentação”.

Tomando-se em consideração que o art. 31 do mesmo

diploma determina que a apresentação do produto deve conter

informações sobre seu prazo de validade, seriam os produtos objeto

da fiscalização impróprios para consumo, acarretando-se, além das

responsabilidades civis já citadas, as consequências penais abordadas

em itens anteriores.

11- Do dano moral coletivo

O Réu, inquestionavelmente, enquadra-se na figura

jurídica de fornecedor, nas relações de consumo que estabelece para

com os consumidores dos produtos comercializados nos mercados da

rede Carrefour, sendo incontroversa a aplicação do Código de Defesa

do Consumidor ao caso.

Tal enquadramento acarreta uma série de

responsabilidades específicas deste microcosmo do Direito: o direito

consumerista. Além da responsabilidade penal, em cujo âmbito não

se irá adentrar nesta ação, há algumas espécies de responsabilidades

civis determinadas pela Lei nº 8.078/90.

Há, em primeiro lugar, a responsabilidade pelo vício do

produto, que obriga o fornecedor do produto a reparar (quando

possível) o vício, substituir o produto, restituir o preço ou conceder

abatimento de preço. Tal responsabilidade resta, para a parte autora,

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difícil de mensurar, tendo em vista estarem de posse do Réu os

registros de venda dos produtos viciados, vendidos antes da

fiscalização e apreensão pela Vigilância Sanitária.

Em segundo lugar, há, de fundamental relevância, a

responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores pelos danos

decorrentes do consumo (ou de outra forma de exposição ao

produto): a responsabilidade pelo fato do produto.

O Réu, consoante os fundamentos fáticos e jurídicos

expostos, violou uma série de direitos consumeristas (direito à

informação, à saúde e à boa-fé nas relações de consumo), além do

direito fundamental à integridade física/saúde. Praticou-se, em

reiteradas ocasiões e por diversas modalidades, a conduta de

comercialização de produtos impróprios para consumo, havendo lesão

a direitos individuais homogêneos de uma coletividade de

consumidores.

Enquanto, no caso em comento, os danos materiais,

causados pela conduta do Réu a cada consumidor, necessitam de

provas individuais específicas, é plenamente possível e admitida,

doutrinária e jurisprudencialmente, a condenação do Réu ao

pagamento de danos morais coletivos, independentemente da

comprovação individual e casuística dos danos causados

especificamente a cada consumidor. Devem-se provar apenas os

fatos que deram causa aos danos, já devidamente comprovados pelos

autos de multa e de infração, estimando-se o dano causado (em

função dos fatores a serem adiante abordados).

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44

O cabimento jurídico dos danos morais repousa no art.

5º, inciso X, da Constituição Federal, e no art. 6º, inciso VI e VII, da

Lei nº 8.078/90, estes últimos expressamente tratando dos danos

morais coletivos:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos

patrimoniais e morais, individuais, coletivos e

difusos;

VII - o acesso aos órgãos judiciários e

administrativos, com vistas à prevenção ou

reparação de danos patrimoniais e morais,

individuais, coletivos e difusos;”

A Lei nº 7.347/1985, que disciplina a Ação Civil Pública,

também afirma a tutela jurídica dos danos materiais e morais aos

consumidores, em seus artigos 1º, inciso II, 2º e 5º:

“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei,

sem prejuízo da ação popular, as ações de

responsabilidade por danos morais e patrimoniais

causados:

(...)

ll - ao consumidor;

(...)

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45

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão

propostas no foro do local onde ocorrer o dano,

cujo juízo terá competência funcional para

processar e julgar a causa.

(...)

Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação

principal e a ação cautelar:

I - o Ministério Público;”

Pelo texto legal, resta comprovada a legitimidade ativa do

Parquet para a reparação e prevenção de danos morais aos

consumidores, considerados em caráter coletivo. Resta também

firmado como foro competente a Comarca de Niterói, já que se

situam no Município as filiais arroladas da empresa ré, onde

ocorreram os eventos danosos.

Já abordado o fundamento legal da responsabilidade por

danos morais coletivos, cabe tratar, então, da composição de tal

indenização.

O dano moral coletivo não se restringe ao caráter

compensatório dos danos individuais homogêneos causados

pelo Réu, devendo ser um instrumento de garantia da

adequada tutela jurisdicional aos interesses metaindividuais.

Entende o Parquet, em sua missão constitucional de coibir e prevenir

danos à coletividade, que o dano moral coletivo, além de apresentar

um caráter compensatório, deve ter uma aplicação punitiva da

conduta da empresa, tendo o condão de desestimular novas

lesões. Sobreleva-se a importância da função preventiva dos danos

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morais coletivos, acerca da qual se destaca o seguinte entendimento

doutrinário, de André Gustavo Corrêa de Andrade:

"No dano moral coletivo não se cogita de

compensação ou satisfação de alguma dor ou de

algum sofrimento de um sujeito individualizado,

como resultado de ofensa a algum direito

subjetivo extrapatrimonial. Como observa André

de Carvalho Ramos: ‘O ponto-chave para a

aceitação do chamado dano moral coletivo está na

ampliação de seu conceito, deixando de ser o dano

moral um equivalente da dor psíquica, que seria

exclusividade de pessoas físicas’. Sobressai a

finalidade dissuasória ou exemplar do montante

indenizatório, que atua como fator de desestímulo

de comportamentos lesivos semelhantes por parte

do réu ou de terceiros”10

Da mesma obra, cita-se, ainda, o seguinte trecho:

"A indenização punitiva surge, no sistema jurídico

vigente, não apenas como reação legítima e eficaz

contra a lesão e a ameaça de lesão a princípios

constitucionais da mais alta linhagem, mas como

medida necessária para a efetiva proteção desses

princípios. Com efeito, não é possível, em certos

casos, conferir efetiva proteção à dignidade

10

ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano Moral e indenização Punitiva. Rio de

Janeiro. Forense, 2006. p. 66.

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humana e aos direitos da personalidade senão

através da imposição de uma sanção que constitua

fator de desestímulo ou dissuasão de condutas

semelhantes do ofensor, ou de terceiros que

pudessem se comportar de forma igualmente

reprovável. Não é possível contar apenas com a lei

penal e com penas públicas para prevenir a prática

de atentados aos direitos da personalidade. A lei

tipicamente penal não tem como prever, em tipos

delituosos fechados, todos os fatos que podem

gerar danos injustos, razão pela qual muitas

ofensas à dignidade humana e a direitos da

personalidade constituem indiferentes penais e,

por conseguinte, escapam do alcance da justiça

criminal. Além disso, por razões diversas, nem

sempre a sanção propriamente penal, oriunda de

uma sentença penal condenatória, se mostra

suficiente como forma de prevenção de ilícitos.

Nesse contexto, a indenização punitiva constitui

instrumento indispensável para a prevenção de

danos aos direitos personalíssimos."11

Do artigo “Responsabilidade por dano não-patrimonial a

interesse difuso (dano moral coletivo)”, de Luis Gustavo Grandinetti

Castanho de Carvalho, extrai-se relevante contribuição acerca do

caráter transindividual do dano moral coletivo:

11

ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano Moral e indenização Punitiva. Rio de

Janeiro. Forense, 2006. p. 169.

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48

“Ora, quando se protege o interesse difuso – o

que é um interesse de um número indeterminável

de pessoas, que é de todos e de cada um ao

mesmo tempo, mas que não pode ser apropriado

por ninguém – o que se está protegendo, em

última instância, é o interesse público. Não se

trata de soma de interesses privados,

particularizados, fracionados, pois cada pessoa é

titular de todo o bem, sem que possa se opor ao

gozo por parte dos demais titulares do mesmo

direito. Inegavelmente, portanto, trata-se de um

interesse público, não titularizado pelo ente

público.

(...)

De tudo resulta que os requisitos para fazer surgir

a reação do direito à lesão de interesse difuso, os

princípios que norteiam o critério de

responsabilidade, bem como a própria função da

imposição de responsabilidade devem ganhar

certa flexibilidade, permitindo-se, com isso,

agilidade e praticidade no combate e na reparação

de atos violadores de interesses difusos.

Com essa conformação e preocupação, surge o

recém denominado dano moral coletivo. O dano

moral, portanto, deixa a concepção individualista

caracterizadora da responsabilidade civil para

assumir uma outra mais socializada, preocupada

com valores de uma determinada comunidade e

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não apenas com o valor da pessoa

individualizada”.12

Converge com as doutrinas expostas o entendimento

jurisprudencial mais arrojado, sendo o cabimento de danos morais

coletivos, e seu caráter punitivo e preventivo, admitido em diversos

Tribunais de Justiça, dentre os quais se inclui o Tribunal de Justiça do

Rio de Janeiro.

Cita-se, nesse sentido, a ementa do Acórdão na Apelação

Cível nº 2009.001.05452:

“Ementa: Apelações cíveis. Ação coletiva de

consumo movida pelo Ministério Público.

Publicidade enganosa em empréstimo pessoal

consignado para aposentados e pensionistas do

INSS. Omissão de informe sobre a taxa de juros

praticada e outros encargos. Garantia de acesso

ao Judiciário. Direito do consumidor, considerado

vulnerável, de amplo acesso à Justiça

representado pelo MP (inteligência dos arts. 4º I

c.c 6º VII e 82 I CDC). Violação dos princípios da

informação, da transparência, e dos deveres

anexos à boa-fé objetiva. Publicidade enganosa

por omissão. Mídia televisiva, impressa e

radiofônica. Percentual da taxa de juros e demais

encargos, valor total do empréstimo e

12 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade por dano

não-patrimonial a interesse difuso (dano moral coletivo). Revista da EMERJ, v. 03,

n. 09. 2000. p 21-42.

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50

periodicidade do pagamento que deveriam constar

na publicidade de forma clara, objetiva e em igual

destaque às demais informações relativas ao

contrato de empréstimo. Inteligência do art. 31,

dos parágrafos 1º e 3º do art. 37 e dos

parágrafos 3º e 4º do art. 54 CDC. Sentença que

determinou que a informação sobre a taxa de

juros venha em destaque da mesma forma que as

demais informações concernentes ao contrato de

empréstimo consignado. Correção. Indenização

por danos materiais e morais individuais e danos

morais coletivos. Pedido regular e legalmente feito

na vestibular. Possibilidade à inteligência do art.

3º da Lei 7347/85 e dos arts. 6º VI e VII da Lei

8078/90, na forma dos arts. 95 e 97 desta última.

Dano material individual a ser apurado em

liquidação ocasião em que o consumidor deverá

comprová-lo. Dano moral individual que, na

mesma senda, é devido em função da angústia e

sofrimento impostos aos aposentados pela

enganosidade, ludíbrio e abusividade gerados pela

publicidade enganosa. Dano moral coletivo, a ser

revertido para o Fundo de Reconstituição de Bens

Lesados, que, de caráter preventivo-pedagógico,

visa a banir da sociedade mal formada e mal

informada, comportamentos antiéticos.

Inteligência do Dec. 92302/86, Dec. 1306/94 e

Lei 9008/95. Responsabilização do fornecedor

pelos danos material e moral individuais.

Condenação em valor certo pelo dano moral

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51

coletivo. Desprovimento do primeiro apelo.

Provimento do recurso do MP”13

Tem a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

também renovado seu entendimento, admitindo o cabimento de

danos morais coletivos. No caso a seguir citado, apesar de não se ter

condenado a empresa ré ao pagamento de danos morais coletivos

(em razão da pequena gravidade da lesão), admitiu-se o cabimento

do instituto:

“EMENTA: ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE -

IDOSOS - DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E

DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO -

ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO

IDOSO – LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.

1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela

presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das

individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base.

2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo

psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.

13 TJRJ, Apelação Cível nº 2009.001.05452, Rel. Des. Cristina Tereza Gaulia,

publicado em: 28/09/2009.

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52

3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a

submissão dos idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe

livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º exige apenas a apresentação de documento

de identidade.

4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo.

5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstancias fáticas e probatória e

restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão.

6. Recurso especial parcialmente provido.”14

Do voto da Relatora, Ministra Eliana Calmon, extrai-se

brilhante fundamentação acerca da evolução da tutela aos interesses

metaindividuais:

“Na doutrina, já há vários pronunciamentos pela

pertinência e necessidade de reparação do dano

moral coletivo. José Antônio Remédio, José

Fernando Seifarth e José Júlio Lozano Júnior

informam a evolução doutrinária:

‘Diversos são os doutrinadores que sufragam a

essência da existência e reparabilidade do dano

moral coletivo: Limongi França sustenta que é

possível afirmar a existência de dano moral ‘à

coletividade, como sucederia na hipótese de se

destruir algum elemento do seu patrimônio

14 STJ, REsp 1.057.274-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 1º/12/2009

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histórico ou cultural, sem que se deva excluir, de

outra parte, o referente ao seu patrimônio

ecológico’.

Carlos Augusto de Assis também corrobora a

posição de que é possível a existência de dano

moral em relação à tutela de interesses difusos,

indicando hipótese em que se poderia cogitar de

pessoa jurídica pleiteando indenização por dano

moral, como no caso de ser atingida toda uma

categoria profissional, coletivamente falando, sem

que fosse possível individualizar os lesados, caso

em que se ria conferida legitimidade ativa para a

entidade representativa de classe pleitear

indenização por dano moral.

(...)

Carlos Alterto Bittar Filho leciona: ‘quando se fala

em dano moral coletivo, está-se fazendo menção

ao fato de que o patrimônio valorativo de uma

certa comunidade (maior ou menor), idealmente

considerado, foi agredido de maneira

absolutamente injustificável do ponto de vista

jurídico’.

Assim, tanto o dano moral coletivo indivisível

(gerado por ofensa aos interesses difusos e

coletivos de uma comunidade) como o divisível

(gerado por ofensa aos interesses individuais

homogêneos) ensejam reparação.

Doutrinariamente, citam-se como exemplos de

dano moral coletivo aqueles lesivos a interesses

difusos ou coletivos: ‘dano ambiental (que

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consiste na lesão ao equilíbrio ecológico, à

qualidade de vida e à saúde da coletividade), a

violação da honra de determinada comunidade (a

negra, a judaica etc.) através de publicidade

abusiva e o desrespeito à bandeira do País (o qual

corporifica a bandeira nacional).’ (in Dano moral.

Doutrina, jurisprudência e legislação . São Paulo:

Saraiva, 2000, pp. 34-5).

E não poderia ser diferente, porque as relações

jurídicas caminham para uma massificação e a

lesão aos interesses de massa não podem ficar

sem reparação, sob pena de criar-se litigiosidade

contida que levará ao fracasso do Direito como

forma de prevenir e reparar os conflitos sociais. A

reparação civil segue em seu processo de

evolução iniciado com a negação do direito à

reparação do dano moral puro para a previsão de

reparação de dano a interesses difusos, coletivos

e individuais homogêneos, ao lado do já

consagrado direito à reparação pelo dano moral

sofrido pelo indivíduo e pela pessoa jurídica (cf.

Súmula 227/STJ).”

Portanto, uma vez se tendo evidenciado a lesão

praticada pelo Réu, por reiteradas condutas, aos direitos à

saúde, à informação e à boa fé nas relações de consumo,

causando danos a uma indeterminada coletividade de

consumidores, faz-se fundamental a condenação do Carrefour

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ao pagamento de danos morais coletivos. Tal cominação, além

do condão ressarcitório dos danos causados aos direitos

individuais homogêneos dos consumidores, tem o intuito

punitivo-pedagógico, prevenindo a prática de novas lesões

pela empresa ré.

12- Da obrigação de fazer

O Réu, de modo corriqueiro, perpetrou violações a uma

série de direitos consumeristas, já abordados. Tendo em vista as

lesões habituais, praticadas pelo Réu, aos direitos individuais

homogêneos de uma coletividade de consumidores, faz-se

fundamental um meio de coibir a prática de novas infrações

pelo Carrefour.

Além da condenação ao pagamento de danos morais

coletivos, constitui um importante instrumento de tutela dos

interesses metaindividuais a condenação a cumprimento obrigação de

fazer. O fundamento jurídico para a hipótese repousa, além de nos já

citados art. 6º, incisos VI e VII, da Lei nº 8.078/90, e artigos 1º e 5º

da Lei nº 7.347/85, no art. 3º desta:

“Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a

condenação em dinheiro ou o cumprimento de

obrigação de fazer ou não fazer”.

A respeito desse dispositivo, assinale-se a interpretação

conferida pelo Superior Tribunal de Justiça, que admite a cumulação

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entre pedido condenatório ao pagamento de dinheiro e pedido

voltado ao cumprimento de obrigação de fazer:

“Em ação civil pública é possível cumular pedido

condenatório ao pagamento de dinheiro com outro

voltado ao cumprimento de obrigação de fazer ou

não fazer: “a conjugação ‘ou’ deve ser

considerada com o sentido de adição (permitindo

a cumulação dos pedidos, a tutela integral do

meio ambiente), e não o de alternativa excludente

(o que tornaria a ação civil pública instrumento

inadequado a seus fins). É conclusão imposta,

outrossim, por interpretação sistemática do art.

21 da mesma lei, combinado com o art. 83

CDC”.15

No caso em questão, a condenação do Réu ao

cumprimento de obrigação de fazer representa importante

meio de obtenção da adequada tutela jurisdicional aos direitos

da coletividade de consumidores dos produtos do Supermercado.

Havendo a cominação de uma multa por evento de descumprimento,

garante-se que, continuamente, o Réu terá a obrigação de atuar

conforme os mandamentos legais.

Uma vez tendo a empresa violado diversos direitos

consumeristas, seria fundamental sua condenação ao cumprimento

das seguintes obrigações de fazer, tomando-se por base as principais

infrações cometidas pelo Réu: a- comercializar somente produtos

15 STJ, REsp 605.323, Min. Teori Albino Zavascki, DJU 17/10/2005.

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dentro do prazo de validade, sendo esta definida (para os produtos

re-embalados) consoante as normas a respeito; b- conservar

adequadamente os produtos perecíveis; c- utilizar e comercializar

somente produtos com licença, autorização ou registro perante o

órgão competente, nos casos em que isto for obrigatório; d-

comercializar somente produtos com a data de validade visível nas

embalagens, retirando de circulação aqueles em que porventura não

haja tal inscrição; e- manter o estabelecimento em adequadas

condições de higiene.

Tal fórmula tem sido adotada com sucesso por esta

Promotoria, nos inúmeros Termos de Ajustamento de Conduta

celebrados. A cominação de multa, por evento de descumprimento da

obrigação de fazer prevista, tem o condão de dissuadir a empresa da

prática de novas ilicitudes, garantindo-se sua atuação em

conformidade com o ordenamento jurídico.

Portanto, tendo em vista a relevância do instituto

na prevenção de novas lesões, o Parquet pleiteia a

condenação do Réu ao cumprimento de obrigação de fazer,

cominando-se multa por cada nova ilicitude, devidamente

comprovada, perpetrada pelo Réu.

13- Do pré-questionamento de questão

constitucional

Cabe aduzir que restará provado, ao término desta ação,

que a conduta do Réu viola os artigos 1º, inciso III, e 5º,

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caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, além

de diversos dispositivos infraconstitucionais, dentre os quais se

destacam os artigos 4º, inciso III, 6º, inciso III, 8º, 10 e 31 da Lei nº

8.078/90, além do artigo 7º, incisos VII e IX, da Lei nº 8.137/90.

Portanto, desde já vem, o Parquet, questionar para efeito

de recurso Constitucional.

14- Da inversão do ônus da prova – da distribuição

dinâmica do onus probandi

Embora a presente ação esteja instruída pelos Autos de

Multa e pelos Autos de Infração supramencionados, determinadas

provas (como a quantidade de produtos impróprios para consumo

comercializada antes da apreensão pela Vigilância Sanitária)

encontram-se em poder do Réu, acarretando uma condição de

hipossuficiência probatória do Parquet.

O pedido de inversão do ônus da prova tem fundamento

legal no art. 6º, VIII da Lei nº 8.078/90:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos,

inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu

favor, no processo civil, quando, a critério do juiz,

for verossímil a alegação ou quando for ele

hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de

experiências;”

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Além dessa hipótese expressamente prevista na Lei, é

doutrinária e jurisprudencialmente defendida a possibilidade de

distribuição dinâmica do onus probandi pelo Juiz, como extensão de

seus poderes instrutórios, cuja relevância se agiganta especialmente

em sede de tutela de interesses metaindividuais.

Nesse sentido, cita-se o entendimento de Roland Arazi,

renomado jurista argentino:

“Ante la falta de prueba, es importante que el

juez valore las circunstacias particulares de cada

caso, apreciando quien se encontraba en mejores

condiciones para acreditar el hecho controvertido,

así como las razones por las cuales quien tenía la

carga de la prueba no la produjo, a fin de dar

primacía a la verdad jurídica objetiva, de modo

que su esclarecimiento no se vea preturbado por

um excesivo rigor formal, en palabras de la Corte

Suprema de Justicia de la Nación (v. CSJN,

20/08/96, E.D. 171-361).”16

Da jurisprudência, dente inúmeros acórdãos, cita-se:

“Ementa:

RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. CLÍNICA.

CULPA. PROVA.

16 ARAZI, Roland. La carga probatoria. Disponível em:

http://www.profprocesalpenal.com.ar/. Acesso em: 07/02/2011.

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1. Não viola regra sobre a prova o acórdão que,

além de aceitar implicitamente o princípio da

carga dinâmica da prova, examina o conjunto

probatório e conclui pela comprovação da culpa

dos réus.

2. Legitimidade passiva da clínica, inicialmente

procurada pelo paciente.

3. Juntada de textos científicos determinada de

ofício pelo juiz. Regularidade.

4. Responsabilização da clínica e do médico que

atendeu o paciente submetido a uma operação

cirúrgica da qual resultou a secção da medula.

5. Inexistência de ofensa à lei e divergência não

demonstrada.

Recurso Especial não conhecido.”17

No caso em tela, há, irrefutavelmente, verossimilhança

nas alegações, uma vez que extenso corpo probatório inclui-se nos

autos. É a verossimilhança um dos requisitos exigidos, em caráter

alternativo, pelo art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90.

O outro requisito, da hipossuficiência, também se faz

presente em sua vertente objetiva, quanto a determinadas

provas (como os produtos vendidos pelo Réu antes da apreensão

pela Vigilância Sanitária e como a realização periódica de

desinsetização pela empresa ré). Pois, além da noção subjetiva de

hipossuficiência, que analisa a situação da pessoa do autor, há a

17 STJ, REsp 69309/SC, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 26/08/1996.

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noção objetiva de hipossuficiência probatória, que analisa o acesso do

Autor a determinadas provas, que por vezes estão de posse do Réu.

Portanto, tendo em vista os fundamentos aduzidos,

sendo manifesta a verossimilhança nas alegações, faz-se

possível a distribuição dinâmica da prova, nos termos do art.

6º, inciso VIII, da Lei nº 8.078/90.

15- Do prazo prescricional

Embora o art. 206, §3º, inciso V, da Lei nº 10.406/2002

determine o prazo prescricional de três anos para a pretensão

relativa à reparação civil, este se aplica às ações individuais, não se

estendendo aos interesses coletivos tutelados por via de Ação Civil

Pública.

Para a tutela de interesses coletivos, difusos e individuais

homogêneos, o ordenamento jurídico dispensa disciplina especial.

Não se aplica o prazo determinado para as ações individuais, tendo

em vista a diferente natureza dos interesses envolvidos (sendo o

dano à coletividade, usualmente, de percepção mais lenta pelas

autoridades competentes que o dano individual).

Todavia, uma vez que lacunosa a Lei nº 7.347/85, acerca

do prazo para a propositura de Ação Civil Pública, defende o Superior

Tribunal de Justiça a aplicação analógica do prazo definido para

a Ação Popular, de cinco anos:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRIÇÃO.

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In casu, o Ministério Público estadual ajuizou ação

civil pública para anular o ato que prorrogou, por

mais 20 anos, contrato de concessão de

exploração de estação rodoviária municipal,

porquanto não precedido de licitação. O Tribunal a

quo manteve a sentença em reexame necessário,

mas, quanto à prescrição para propositura da

ação, considerou que, sendo relação de trato

sucessivo, não havia prescrição nem decadência

do direito enquanto não findo o contrato. Explica

o Min. Relator ser cediço que a Lei n. 7.347/1985

é silente quanto à prescrição para a propositura

da ação civil pública e, em razão dessa lacuna,

aplica-se por analogia a prescrição quinquenal

prevista na Lei da Ação Popular. Citou, ainda, que

a MP n. 2.180-35/20001, que introduziu o art. 1º-

C na Lei n. 9.494/1997 (que alterou a Lei n.

7.347/1985), estabeleceu prazo prescricional de

cinco anos para ações de indenização por danos

causados por agentes de pessoas jurídicas de

direito público e privado prestadores de serviços

públicos. Com essas considerações, a Turma deu

provimento ao recurso para acolher a prescrição

quinquenal para propositura da ação civil pública,

ficando prejudicada a apreciação dos demais

questionamentos.”18

18 STJ, REsp 1.089.206/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 23/6/2009.

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Portanto, tendo em vista ser o prazo quinquenal,

não haveria prescrição quanto às infrações apontadas nos

Autos de Multa a partir de 2006. Os autos referentes a anos

anteriores, eventualmente citados na presente ação, voltam-

se a ilustrar a política da empresa ré de contínua perpetração

das diversas ilicitudes expostas. Ademais, ainda que atingidas

pela prescrição civil, as condutas pretéritas mantêm sua

importância como um parâmetro a se considerar na

quantificação dos danos morais coletivos, tendo em vista seu

caráter punitivo/dissuasório.

16- Da antecipação de tutela

A antecipação de tutela tem previsão no artigo 273 do

Código de Processo Civil, além de previsão específica no art. 84 do

Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 84 – Na ação que tenha por objeto o

cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer,

o juiz concederá a tutela específica da obrigação

ou determinará providências que assegurem o

resultado prático equivalente ao do

adimplemento.

(...)

§3º - Sendo relevante o fundamento da demanda

e havendo justificado receio de ineficácia do

provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela

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liminarmente ou após justificação prévia, citado o

réu.

§4º - O juiz poderá, na hipótese do §3º ou na

sentença, impor multa diária ao réu,

independentemente de pedido do autor, se for

suficiente ou compatível com a obrigação, fixando

prazo razoável para o cumprimento do preceito.”

O art. 273 do Código de Processo Civil elenca os

seguintes requisitos para a concessão de antecipação de tutela: a

verossimilhança nas alegações e o estado de periclitação do direito.

Já estando assentada a verossimilhança nas alegações, consoante a

fundamentação acima exposta, cabe firmar a existência de fundado

receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

As lesões cometidas pelo Réu, de forma continuada,

põem em risco o direito fundamental à integridade física/saúde de

uma coletividade de consumidores. Nesse cenário de sucessivas

violações a direito fundamental, há o fundado receio de maiores

danos à saúde dos consumidores da empresa ré, que representam

um enorme contingente populacional.

Como pedido liminar, com vistas a coibir a causação

de novos danos aos consumidores pela empresa Ré, seria

fundamental sua condenação ao cumprimento das seguintes

obrigações de fazer, determinando-se multa diária pelo

descumprimento: a- comercializar somente produtos dentro do prazo

de validade, sendo esta definida (para os produtos re-embalados)

consoante as normas a respeito; b- conservar adequadamente os

produtos perecíveis; c- utilizar e comercializar somente produtos com

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licença, autorização ou registro perante o órgão competente, nos

casos em que isto for obrigatório; d- comercializar somente produtos

com a data de validade visível nas embalagens, retirando de

circulação aqueles em que porventura não haja tal inscrição; e-

manter o estabelecimento em adequadas condições de higiene.

Nesse contexto, a antecipação de tutela surge como

um importante meio de coibir, de forma mais célere possível, a

reiteração das infrações peça empresa ré. Tutela-se, desse

modo, a saúde da coletividade de consumidores, que têm sua

integridade física posta em risco pela ingestão de produtos

impróprios para consumo, habitualmente comercializados pelo

Réu.

IV- DO PEDIDO

Tendo em vista a fundamentação exposta, requer o

Ministério Público:

I- A citação do Réu, para que, em querendo, conteste a

presente ação, sob pena de confissão e revelia.

II- LIMINARMENTE, em caráter de urgência, inaudita

altera parte, a condenação do Réu ao cumprimento das

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seguintes obrigações de fazer, sob pena de pagamento de multa a

ser estabelecida por V. Exa.:

a- comercializar somente produtos dentro do prazo

de validade, sendo esta definida (para os produtos re-embalados

pelo mercado) consoante as normas a respeito;

b- conservar adequadamente os produtos perecíveis;

c- utilizar e comercializar somente produtos com

licença, autorização ou registro perante o órgão competente, nos

casos em que isto for obrigatório;

d- comercializar somente produtos com a data de

validade visível nas embalagens, retirando de circulação aqueles

em que porventura não haja tal inscrição;

e- manter o estabelecimento em adequadas

condições de higiene.

III- A condenação do Réu ao pagamento de danos

morais coletivos, no valor mínimo de R$ 100.000,00 (cem mil

reais), tomando-se por base as lesões causadas aos consumidores

coletivamente considerados.

IV- A condenação do Réu, em caráter definitivo, ao

cumprimento das seguintes obrigações de fazer (já requeridas

em sede de antecipação de tutela), sob pena de incorrer em multa

por cada evento comprovado de descumprimento, no valor de

R$ 1.000,00 (mil reais), ou no valor que V. Exa. julgue adequado:

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a- comercializar somente produtos dentro do prazo

de validade, sendo esta definida (para os produtos re-embalados

pelo mercado) consoante as normas a respeito;

b- conservar adequadamente os produtos perecíveis;

c- utilizar e comercializar somente produtos com

licença, autorização ou registro perante o órgão competente, nos

casos em que isto for obrigatório;

d- comercializar somente produtos com a data de

validade visível nas embalagens, retirando de circulação aqueles

em que porventura não haja tal inscrição;

e- manter o estabelecimento em adequadas

condições de higiene.

V- A condenação do Demandado ao pagamento dos

honorários sucumbenciais, a serem revertidos ao Fundo Estadual do

Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, nos termos da Lei nº.

2.819/1997 e da Resolução GPGJ nº. 801/1998.

VI- A publicação de edital, para ciência dos interessados,

nos termos do art. 94, da Lei nº. 8.078/90.

VII- A inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º,

VIII da Lei nº. 8.078/90.

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Dá-se a causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil

reais)

Nestes Termos,

Pede Deferimento.

Niterói, 16 de fevereiro de 2011.

AUGUSTO VIANNA LOPES Promotor de Justiça