PROPOSTA DE ANÁLISE TEXTUAL A PARTIR DAS IDEIAS DE ... · Função Conativa ou Apelativa: É a...

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Anais do X Encontro do CELSUL Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 1 PROPOSTA DE ANÁLISE TEXTUAL A PARTIR DAS IDEIAS DE JAKOBSON E BAKHTIN: SUBSIDIOS AO TRABALHO DOCENTE DOS PROFESSORES DE LINGUA Ana Lucia Cheloti PROCHNOW 1 José Ferreira Jr MACHADO 2 Adriana Silveira BONUMÁ 3 RESUMO: O objetivo do presente trabalho é apresentar uma possibilidade de análise de texto baseada nos estudos de dois influentes autores no campo das ciências humanas do século XX, Roman Jakobson e Mikhail Bakhtin. Primeiramente, realizamos um levantamento de alguns pressupostos de cada um dos autores, os quais julgamos pertinentes para nossos propósitos. A seguir, procedemos à análise propriamente, em que discutimos a forma como um mesmo texto pode ser entendido sob a ótica de ambos os teóricos. Foram utilizados como embasamento teórico dessa pesquisa os estudos de Jakobson (1974) e Bakhtin (1997). Nas considerações finais, apontamos para o fato de que esses estudiosos deram valiosas contribuições para o progresso dos estudos em torno do texto, seja como abordagem dos enunciados, seja como um ato de comunicação funcional. Após a análise de textos com base nas duas teorias, a nossa proposta é de que o docente não aborde a questão das funções da linguagem propostas por Jakobson por si só. Sugerimos, ao contrário disso, desenvolver essas funções em um contexto onde haja um incremento do aprendizado da comunicação verbal através da noção de enunciado segundo Bakhtin, que pressupõe a existência de enunciados anteriores que servem de base para outros a serem produzidos, bem como da noção de que, ao produzir enunciados, o escritor já tem diante de si um público virtual, um leitor em potencial para quem ele escreve. PALAVRAS-CHAVE: Jakobson; Bakhtin; Análise de texto. ABSTRACT: The aim of this work is to present a possible text analysis based on the studies of two influent authors in the field of human sciences of the 20th century, Roman Jakobson and Mikhail Bakhtin. Firstly, we carried out a research on some relevant assumptions of each one. Then, we proceeded to the analysis itself in which we discussed the way how the same sample of text can be understood in the light of both authors. The studies of Jakobson (1974) and Bakhtin (1997) were the theoretical base for this paper. Finally, we pointed out to the fact that these theoreticians gave priceless contributions for the progress of the studies about the text, whether through as an enunciation approach, or as an act of functional communication. After the analysis of the texts based on both theories, our proposition is that the teacher should not approach the question of the language functions suggested by Jakobson alone. On the contrary, we suggest developing these functions in a context where there is an increment of the learning of verbal communication through the notion of 1 Doutoranda em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, email: [email protected]. 2 Mestrando em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Santa Maria ,UFSM, email: [email protected]. 3 Doutoranda em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Santa Maria ,UFSM, email: [email protected].

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PROPOSTA DE ANÁLISE TEXTUAL A PARTIR DAS IDEIAS DE JAKOBSON E

BAKHTIN: SUBSIDIOS AO TRABALHO DOCENTE DOS PROFESSORES DE

LINGUA

Ana Lucia Cheloti PROCHNOW1

José Ferreira Jr MACHADO2

Adriana Silveira BONUMÁ3

RESUMO: O objetivo do presente trabalho é apresentar uma possibilidade de análise de

texto baseada nos estudos de dois influentes autores no campo das ciências humanas do

século XX, Roman Jakobson e Mikhail Bakhtin. Primeiramente, realizamos um levantamento

de alguns pressupostos de cada um dos autores, os quais julgamos pertinentes para nossos

propósitos. A seguir, procedemos à análise propriamente, em que discutimos a forma como

um mesmo texto pode ser entendido sob a ótica de ambos os teóricos. Foram utilizados como

embasamento teórico dessa pesquisa os estudos de Jakobson (1974) e Bakhtin (1997). Nas

considerações finais, apontamos para o fato de que esses estudiosos deram valiosas

contribuições para o progresso dos estudos em torno do texto, seja como abordagem dos

enunciados, seja como um ato de comunicação funcional. Após a análise de textos com base

nas duas teorias, a nossa proposta é de que o docente não aborde a questão das funções da

linguagem propostas por Jakobson por si só. Sugerimos, ao contrário disso, desenvolver

essas funções em um contexto onde haja um incremento do aprendizado da comunicação

verbal através da noção de enunciado segundo Bakhtin, que pressupõe a existência de

enunciados anteriores que servem de base para outros a serem produzidos, bem como da

noção de que, ao produzir enunciados, o escritor já tem diante de si um público virtual, um

leitor em potencial para quem ele escreve.

PALAVRAS-CHAVE: Jakobson; Bakhtin; Análise de texto.

ABSTRACT: The aim of this work is to present a possible text analysis based on the studies of

two influent authors in the field of human sciences of the 20th century, Roman Jakobson and

Mikhail Bakhtin. Firstly, we carried out a research on some relevant assumptions of each

one. Then, we proceeded to the analysis itself in which we discussed the way how the same

sample of text can be understood in the light of both authors. The studies of Jakobson (1974)

and Bakhtin (1997) were the theoretical base for this paper. Finally, we pointed out to the

fact that these theoreticians gave priceless contributions for the progress of the studies about

the text, whether through as an enunciation approach, or as an act of functional

communication. After the analysis of the texts based on both theories, our proposition is that

the teacher should not approach the question of the language functions suggested by

Jakobson alone. On the contrary, we suggest developing these functions in a context where

there is an increment of the learning of verbal communication through the notion of

1 Doutoranda em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, email:

[email protected]. 2 Mestrando em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Santa Maria ,UFSM, email: [email protected]. 3 Doutoranda em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Santa Maria ,UFSM, email:

[email protected].

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enunciation by Bakhtin, which presupposes the existence of previous enunciations that serve

as basis for other to be produced, as well as the notion that, when enunciating, the writer has

before him/her a virtual audience, a potential reader for whom he/she writes.

KEYWORDS: Jakobson; Bakhtin; Text analysis.

1 Introdução

Realizar um estudo das ideias defendidas por Jakobson e Bakhtin reveste-se de

fundamental importância para os estudos linguísticos da atualidade, uma vez que é necessário

determinar com clareza suas especificidades. Quanto a Jakobson, uma das suas principais

características é o fato de ter transitado por diversas áreas do conhecimento, tais como:

Antropologia, Economia, Biologia, Psicologia, Literatura etc. No caso da Linguística, dentre

outras contribuições, destacou-se grandemente no que tange à compreensão das funções da

linguagem, em especial a função poética. Já Bakhtin foi fundamental no que diz respeito à

noção de enunciado, entendido como um elo numa cadeia muito complexa de outros

enunciados, como objeto de estudo para compreender o fenômeno da linguagem humana.

O embasamento teórico que norteará essa investigação compreende os estudos de

JAKOBSON (1974) e BAKHTIN (1995, 1997). Para tanto, este artigo está dividido em três

partes. Na primeira, fizemos uma descrição do modelo de comunicação e as respectivas

funções de linguagem, propostas por Jakobson. A seguir, pontuamos alguns aspectos

fundamentais à noção de linguagem propostos por Bakhtin. Na terceira parte, trabalhamos

paralelamente os dois teóricos da linguagem, discutindo que compreensão, classificação,

entendimento cada um deles dá a um mesmo exemplar de texto. Finalmente, tecemos

considerações a respeito de como esse estudo pode contribuir para o professor de língua ao

trabalhar com análise textual em sala de aula.

2 Os elementos da comunicação e as funções da linguagem segundo Jakobson

No intuito de discutir a Função Poética especificamente, Jakobson (1974) introduz o

capítulo Linguística e Poética definindo o seu lugar entre as demais funções da linguagem.

Para isso, necessitou fazer, primeiramente, um breve estudo dos fatores que constituem todo o

processo comunicativo, já que relaciona cada uma das funções da linguagem a um dos

elementos que compõem o ato de comunicação verbal. Segundo ele, em cada ato de fala,

dependendo de sua finalidade, destaca-se um dos elementos da comunicação, e, por

conseguinte, uma das funções da linguagem.

2.1 Os Elementos da Comunicação

Os elementos básicos que compõem uma situação de comunicação, segundo Jakobson,

são:

Emissor (remetente): É quem transmite uma mensagem durante a

comunicação (é a pessoa que fala no discurso – a 1ª pessoa – equivalente a

“eu” ou “nós”);

Receptor (destinatário): É para quem se transmite uma mensagem durante a

comunicação (é a pessoa para quem se fala no discurso – a 2ª pessoa –

equivalente a “tu”, “você” e “vós”);

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Mensagem: É cada conteúdo que os interlocutores compartilham. A mensagem

normalmente tem um tema central, um assunto predominante. Ela pode ser

sobre alguém, algo (real ou não, concreto ou abstrato), algum lugar, etc. Em

comunicação, o objeto ou tema central da mensagem chama-se referente.

Assim, o referente é sobre que ou sobre quem se fala na mensagem:

corresponde a 3a pessoa do discurso – “ele”(s), “ela”(s);

Contexto: É a própria situação ou realidade de comunicação em que ela se

realiza: o lugar, a época, o tipo a que pertencem as pessoas que se

comunicam, o seu grau de escolaridade, sua faixa etária e tudo aquilo que

pode modificar o sentido da mensagem que está sendo transmitida;

Código: É a própria língua ou conjunto de signos usados na elaboração e/ou na

transmissão da mensagem na comunicação;

Canal: É o contato, um canal físico e uma conexão psicológica entre o

remetente e o destinatário, que lhes possibilita entrar e permanecer em

comunicação. Serve fundamentalmente para prolongar ou interromper a

comunicação, para verificar se o canal funciona, para atrair a atenção do

interlocutor ou confirmar a sua atenção continuada.

2.2 As Funções da Linguagem

As funções da linguagem são determinadas pelos seis fatores citados no item anterior.

Porém, por mais que, em um enunciado, um dos elementos predomine sobre os demais, não

há como se constituir preenchendo uma única função.

Função Emotiva ou Expressiva: É a centrada no remetente. Trata-se de mensagens

em que um “eu” expressa seus desejos, suas emoções, seus conhecimentos, suas

experiências etc. Os elementos da mensagem que indicam que a linguagem nela usada

é a emotiva são: presença de verbos e pronomes em 1a pessoa (do singular e/ou do

plural), presença de interjeições, de pontos de exclamação e de interrogação. É a

mensagem subjetiva;

Função Referencial (denotativa e cognitiva): É a linguagem centrada no referente. É

a mensagem objetiva, muito comum nos textos científicos, por exemplo. O que indica

que a linguagem de uma mensagem é predominantemente referencial são os verbos

marcados pela 3a pessoa;

Função Metalinguística: É linguagem voltada ao código. Ocorre quando a linguagem

é usada para falar dela mesma. Um texto que fala sobre Língua Portuguesa, sobre

poesia, sobre cinema, sobre qualquer meio de comunicação de massas, é

predominantemente metalinguístico. Uma gramática normativa e um dicionário são

exemplos de obras predominantemente metalinguísticas;

Função Poética (conotativa): É a linguagem centrada na mensagem. Quando chama a

atenção para a seleção e a combinação especial dos signos que a compõem, a

linguagem é predominantemente poética. É a mensagem literária, poética, artística;

Função Conativa ou Apelativa: É a linguagem orientada ao destinatário. O índice

máximo da função conativa da linguagem é o uso do vocativo e dos verbos no modo

imperativo;

Função Fática: É a linguagem centrada no canal. A mensagem não tem conteúdo

informativo, emotivo, poético, metalinguístico ou apelativo, ela apenas é usada para

que a comunicação se mantenha estabelecida.

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Assim, segundo Jakobson, cada função exercida pela linguagem no discurso vai

destacar na mensagem um determinado elemento de comunicação. Ver figura 01.

Figura 01

3 Enunciação e enunciado na perspectiva de Bakhtin

3.1 Enunciação

Bakhtin/Volochinov afirma que a organização da atividade mental é determinada pela

expressão, que, por sua vez, está sujeita às condições reais de enunciação, isto é, à situação

social mais imediata. Prova, com isso, que não se pode separar o conteúdo interior da

expressão exterior.

A enunciação, segundo ele, é concebida como o processo de interação entre um

locutor e seu interlocutor, seja ele real ou não. A palavra sempre se dirige a um interlocutor e

sofrerá variações na medida em que esse interlocutor pertença ao mesmo grupo ou não, seja

familiar ou não, ou seja, variará ao sabor da relação social que se estabelece. Nesse sentido,

não há interlocutor abstrato, sempre pressupomos um horizonte social, do qual depende a

criação ideológica do grupo social e a época a que pertencemos.

Esse auditório social próprio e determinado, bem como a existência de um

interlocutor, orienta a palavra, que, segundo Bakhtin/Volochinov, apresenta duas faces, a de

ser determinada pelo fato de proceder de alguém, e pelo fato de dirigir-se a alguém. O

indivíduo define-se em relação ao outro e à coletividade por meio da palavra. Assim, “a

realização desse signo social na enunciação concreta é inteiramente determinada pelas

relações sociais [...] A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam

completamente e, por assim dizer, a partir de seu próprio interior, a estrutura da enunciação.”

(2009, p. 117).

Assim, fica claro que o foco central que organiza a enunciação, a expressão, reside no

exterior, não no interior, ou seja, é pertencente ao meio social em que se insere o indivíduo e

que a enunciação é produto da interação social.

À noção de diálogo é conferida grande importância no processo de interação verbal,

pois é tratado em um sentido mais amplo, uma vez que engloba tanto uma comunicação face a

face, quanto qualquer outro tipo de comunicação verbal. O livro impresso, por exemplo, não

deixa de ser um diálogo, pois a partir dele podem surgir resenhas e resumos, que respondem

algo, criticam ou complementam, inserindo-se, portanto, em uma discussão ideológica.

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Toda enunciação, por mais completa que se pretenda, é sempre uma parte da corrente

de comunicação verbal, que é ininterrupta e constitui um momento da evolução de um grupo

social. A comunicação verbal depende da situação concreta, não pode dela ser isolada.

A cadeia verbal tem como unidade real a enunciação, que só se concretiza no domínio

da comunicação verbal. É a situação de enunciação e o auditório social que determinam as

dimensões e formas da enunciação, assim como fazem com que o discurso interior se realize

em uma expressão exterior definida.

3.2 Enunciado

Bakhtin (1997) relaciona todas as esferas da atividade humana ao uso de enunciados

orais e escritos, concretos e únicos. Enunciados refletem as condições e as finalidades de cada

uma das esferas, através de seu conteúdo temático, de seu estilo verbal e, sobretudo, pela sua

construção composicional, três elementos que se fundem no todo do enunciado. Em cada

esfera de utilização da língua, há tipos relativamente estáveis de enunciados que se

denominam gêneros do discurso. À medida que cada esfera se desenvolve, os gêneros vão se

diferenciando e se ampliando, refletindo uma riqueza e variedade inesgotável.

Todo enunciado comporta um início absoluto e um fim absoluto. Antes de seu início,

há os enunciados dos outros. Depois de seu fim, há os enunciados-respostas dos outros. O

enunciado é delimitado pela alternância dos sujeitos. O diálogo é a forma clássica da

comunicação verbal, por sua clareza e simplicidade.

Para Bakhtin, uma resposta não sucede necessariamente o enunciado que a suscita, ela

pode se tornar uma compreensão responsiva muda, ou de ação retardada. Cedo ou tarde, o

que foi ouvido influenciará o comportamento do ouvinte. A compreensão responsiva é a fase

inicial e preparatória para uma resposta. O próprio locutor é em certa medida um respondente,

pois não é o primeiro locutor da humanidade e pressupõe a existência de enunciados

anteriores ao seu, aos quais o seu está vinculado em algum tipo de relação (fundamenta-se

neles, polemiza com eles). A partir disso, Bakhtin conceitua o enunciado como um elo da

cadeia muito complexa de outros enunciados.

Cada um dos gêneros do discurso, em cada uma das áreas da comunicação verbal, tem

sua concepção padrão do destinatário que o determina como gênero. No diálogo da vida

cotidiana, aquele a quem se responde vem a ser o destinatário de quem se espera uma

resposta. O enunciado daquele a quem se responde já está aqui, mas a sua resposta é de

porvir. Enquanto se elabora o enunciado, tende-se a determinar uma resposta de modo ativo,

presumi-la, o que já influencia agora o enunciado. Enquanto o sujeito enuncia, já leva em

conta o grau de informação que o destinatário tem da situação, suas convicções, simpatias,

pré-conceitos (do seu ponto de vista). Todos esses fatores determinam a escolha do gênero,

dos procedimentos composicionais e do estilo do enunciado. Bakhtin reforça a ideia de que o

estilo depende do modo que o locutor percebe e compreende seu destinatário e do modo que

ele presume uma compreensão responsiva ativa.

Bakhtin declara que o enunciado possui três particularidades: a primeira

particularidade do enunciado como unidade da comunicação verbal é a alternância de sujeitos

falantes. A segunda particularidade é o acabamento específico. Significa dizer que o locutor

disse tudo o que queria dizer em um dado momento. O primeiro critério do acabamento é a

possibilidade de responder, de adotar uma atitude responsiva. O acabamento, desta maneira, é

um indício de uma totalidade, que é determinada por três fatores: i) tratamento exaustivo do

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objeto de sentido, ii) o intuito (o querer-dizer) do locutor e iii) as formas típicas de

estruturação do gênero do acabamento.

Bakhtin explica o tratamento exaustivo sugerindo que este pode ser quase total em

algumas esferas (perguntas factuais, ordens, etc.), porém nas esferas criativas o tratamento

exaustivo será relativo. O segundo fator, o intuito discursivo, o querer-dizer, é o elemento

subjetivo do enunciado que se combina com o objeto do sentido – objetivo – para formar uma

unidade indissolúvel, que é sentida, captada pelos interlocutores, por serem conhecedores de

enunciados anteriores e da situação. Por fim, o terceiro fator considerado quanto à totalidade

do acabamento é o gênero do discurso. O intuito discursivo se adapta, se molda ao gênero, a

uma forma padrão e relativamente estável de estruturação de um todo. Gêneros nos são dados

quase como nos é dada a língua materna e dominamos com facilidade mesmo sem estudar a

gramática. Bakhtin afirma que as pessoas aprendem a moldar a fala às formas do gênero e, ao

ouvir o outro, preveem o gênero, adivinham o volume, uma dada estrutura composicional e o

fim do enunciado. E, a terceira particularidade constitutiva do enunciado é a relação do

enunciado com o próprio locutor e com os outros parceiros da comunicação verbal.

Outra consideração importante na teoria de Bakhtin é que ele trata de entonação

expressiva. Ela é um dos recursos para expressar a relação emotivo-valorativa do locutor com

o objeto de seu discurso. Segundo ele, não lidamos com a palavra isolada funcionando como

unidade da língua, nem com a significação dessa palavra, mas com o enunciado acabado e

com um sentido concreto: o conteúdo desse enunciado. A entonação expressiva não pertence

à palavra, mas ao enunciado. Ao escolher a palavra, parte-se das intenções que presidem o

todo do nosso enunciado e esse todo intencional, construído pelos sujeitos, é sempre

expressivo. Não a retiramos diretamente do sistema da língua, e sim, de outros enunciados,

segundo Bakhtin:

Repetimos: apenas o contato entre a significação linguística e a realidade

concreta, apenas o contato e a língua e a realidade – que se dá no enunciado – provoca o lampejo da expressividade. Esta não está no sistema da língua e

tampouco na realidade objetiva que existiria fora de nós. (BAKHTIN,1997,

p. 311)

A expressividade, portanto, trata da relação valorativa que o locutor estabelece com o

enunciado, reforçando que o ele é um elo na cadeia da comunicação verbal de uma dada

esfera e que deve ser considerado como uma resposta aos outros, refutando-os, confirmando-

os, completando-os, baseando-se neles.

Por mais monológico que seja um enunciado (uma obra científica, por exemplo),

segundo Bakhtin, ele não deixa de ser uma resposta ao que já foi dito, ainda que esse caráter

de resposta não receba uma expressão externa perceptível. Nosso próprio pensamento nasce e

forma-se em interação e em luta com o pensamento alheio.

Consideramos, ainda, a distinção entre forma composicional e forma arquitetônica,

importante para mostrar o seu papel na questão da autoria, bem como para explicitar a

diferenciação entre texto e discurso.

Segundo SOBRAL,

Quando se fala de “forma”, fala-se na verdade de duas formas; a primeira se

refere à materialidade do texto – é a forma composicional – e, a segunda se

refere à superfície discursiva, à organização do conteúdo, expresso por meio

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da matéria verbal, em termos das relações entre o autor, o tópico e o ouvinte

– esta é a forma arquitetônica. (SOBRAL, 2009, p.68)

Pensando nos diversos tipos de discurso, a forma composicional cria um dado texto e a

forma arquitetônica, uma determinada forma de interlocução, de relação entre os

interlocutores - autor x ouvinte, locutor x interlocutor. Em contrapartida, nos discursos de

valor estético, a forma composicional cria um objeto externo, e a forma arquitetônica, um

objeto estético.

A atividade do autor recai especialmente sobre a forma arquitetônica, ou seja, na

organização do discurso, a partir da forma composicional. Assim, enquanto a forma

composicional está vinculada com as formas da língua e com as estruturas textuais, a forma

arquitetônica tem relação com o projeto enunciativo do autor, com o tipo de relação com o

interlocutor que ele propõe.

4 Jakobson e Bakhtin: duas visadas sobre um mesmo objeto

Nesta parte do trabalho, apresentamos uma possibilidade de análise de discursos

veiculados na Internet a partir das duas perspectivas de abordagem que referenciam este

estudo, quais sejam, tanto pela ótica de Jakobson quanto de Bakhtin, respectivamente.

4.1 Função Emotiva ou Expressiva

Segundo Jakobson (1974), o exemplo 01 abaixo apresenta um excerto de texto que

reflete a função emotiva, pois está em primeira pessoa e seu conteúdo se refere ao emissor.

Está centrado no que pensa e sente o remetente. Nele, a autora do blog expressa seus desejos,

suas emoções e suas características pessoais. Prova disso é o uso de verbos e pronomes que

fazem referência à primeira pessoa do singular (eu) e que caracterizam o remetente: ciumenta,

apaixonada.

Ao considerarmos esta passagem de acordo com a teoria de gêneros discursivos de

Bakhtin (1995, 1997), apontamos para o fato de o exemplo vir de um blog pessoal, mais

especificamente da seção da apresentação do autor do blog: “Quem sou eu.” Trata-se, então,

de um tipo relativamente estável de enunciado, um gênero do discurso, segundo Bakhtin:

“...em cada esfera de utilização da língua, há tipos relativamente estáveis de enunciados que

se denominam gêneros do discurso”. Ou seja, considerando a Internet uma esfera da

utilização da língua, em um blog, pode-se encontrar uma apresentação pessoal, que é

caracterizada por apresentar enunciados em primeira pessoa e por trazer informações pessoais

acerca do autor do blog. Exemplo 01.4

4 Disponível em: <http://futurogelado.blogspot.com.br/2005/06/dilogo-luis-fernando-verssimo.html>. Acesso em

29 maio 2012.

Quem sou eu

Nome: Sandra Local: Rio Claro, SP, Brazil

Sou mulher, apaixonada, que sonha e realiza coisas, não tenho medo do que me aguarda o futuro, meu maior problema é a impaciência, tenho necessidade de fazer acontecer e odeio tudo aquilo que não depende de

mim pra se realizar em minha vida. Adoro fazer amigos, estar entre eles,

curtir meu marido ( sempre que posso ) e olhar para as melhores coisas que já criei na minha vida, meus filhos!

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4.2 Função Conativa

Segundo Jakobson (1974) a função conativa é aquela que é orientada para o

destinatário. Mensagens em que o emissor tenta influenciar o receptor apresentam

predominância dessa função, através do uso do imperativo e do vocativo. Essa influência é

representada por mensagens que buscam persuadir o leitor a tomar alguma atitude, como por

exemplo, discursos políticos, sermões, colunas de aconselhamento e anúncios publicitários.

No exemplo 02 abaixo, temos a frase “Entre nesse jogo!”, em que aparece o imperativo e,

portanto, o enfoque no destinatário, no sentido de persuadir o leitor a comprar o bem que está

sendo anunciado.

Uma oração deste tipo, ou seja, uma propaganda que contém um imperativo, de acordo

com a ótica de Bakhtin (1997), é tratada como um enunciado. Como tal, preparara um

enunciado em resposta chamado de “compreensão responsiva muda”, ou de “ação retardada”,

pois o que foi ouvido/lido busca influenciar o comportamento do ouvinte/leitor, cedo ou tarde.

Em uma propaganda, a resposta esperada não sucede o enunciado, pois não há contato direto

entre o destinador (o redator da propaganda) e o destinatário (o leitor e potencial consumidor).

Porém, seguindo a lógica da teoria de Bakhtin, que conceitua o enunciado como um “elo da

cadeia muito complexa de outros enunciados”, o enunciado da propaganda é composto como

prevendo um leitor potencial, no sentido de persuadi-lo a agir. A propaganda é um gênero que

tem a sua concepção padrão de destinatário. Segundo Bakhtin, enquanto se elabora um

enunciado, o destinador tende a determinar a resposta de modo ativo, ou seja, tende a

presumi-la. Essa resposta presumida já influencia o enunciado no momento da sua criação.

Exemplo 025

4.3 Função Referencial

A função referencial proposta por Jakobson (1974) é centrada no referente, realizada

pelos verbos na 3ª pessoa. Através dela, o emissor oferece informações sobre a realidade

5 Disponível em: < http://alinegsantos.blogspot.com.br/2010/06/propaganda-carro-ps.html>. Acesso em 29 maio

2012.

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exterior a ele próprio. No exemplo 03, que trata da biografia de Roman Jakobson, a função

referencial é predominante, pois traz informações a respeito de um dos autores analisados

neste trabalho. O foco do texto é o autor e o contexto de sua vida e obra.

Dentro da perspectiva dos enunciados proposta por Bakhtin (1997), o exemplo 03 é

considerado um enunciado completo, em que o autor expôs tudo o que queria dizer naquele

momento. Tal princípio configura-se uma das particularidades do enunciado como unidade da

comunicação verbal: o acabamento específico, que é indício de uma totalidade. Essa

totalidade é determinada por três fatores: a) o tratamento exaustivo do objeto de sentido, b) o

intuito (o querer-dizer) do locutor e c) as formas típicas de estruturação do gênero do

acabamento. Nesse caso, o gênero com suas formas típicas é o da biografia. Exemplo 03.6

Roman Jakobson

A juventude em Moscou. Nascido em Moscou a 11 de outubro de 1896, filho de engenheiro químico e proeminente industrial, Roman Osipovic Jakobson cresceu e conviveu com a intelectualidade russa

anterior à Revolução. Desde cedo revelou interesse pelos estudos comparativos. Quando contava dez

anos de idade seu professor de gramática exigia que seus alunos entendessem os significados das

flexões da língua russa. Para Jakobson a exigência do mestre estava longe de ser imposição; era um exercício que ele fazia com entusiasmo. Elaborava longas listas anotando as várias significações

como quem encontra os tesouros de sentido.

Em 1914, Jakobson inscreveu-se no Departamento de Eslavística da Universidade de Moscou onde linguística era disciplina básica. Os estudos de literatura abrangiam não só as manifestações da escrita

mas também a poesia oral e o folclore. Movido pela mesma paixão, tanto para o estudo da poesia oral

como para o conhecimento da poesia experimental da nova geração da poesia simbolista, Jakobson amadureceu a idéia dos estudos interdisciplinares entre lingüística e poética. Os sons da língua eram

um enigma a ser decifrado. É no caminho aberto pelos artistas de vanguarda que Jakobson começa a

formar suas idéias teóricas. Data desse mesmo ano, o primeiro ensaio de Jakobson: uma carta aberta

ao poeta V. Khliébnikov apreciando as ousadas experiências de jogos verbais e fonéticos de sua poesia. Dois anos mais tarde, Jakobson realiza uma experiência com a poesia zaum, explorando a

relação som e sentido na linguagem. O conceito de fonema que seria formulado mais tarde nasce no

bojo dessas investigações. [...]

4.4 Função Fática

Na canção “Sinal Fechado” (exemplo 04), encontramos elementos que caracterizam a

função fática proposta por Jakobson (1974), cujo tipo de linguagem é usualmente utilizado

para prolongar a comunicação. As frases apresentadas no texto e relacionadas a essa função

são curtas, elaboradas em ordem direta, o que garante ao texto a rapidez que exige o diálogo,

o qual tem como mediador um semáforo e a falta do que dizer no momento: “quanto

tempo...”, “pois é, quanto tempo...” “Oh, não tem de quê...”, etc. A redundância também

caracteriza esse tipo de linguagem, fixando no leitor a ideia da necessidade de os

interlocutores se falarem, de se encontrarem, mas da falta do que dizer, ao mesmo tempo,

criando um círculo vicioso.

Tomando a noção de entonação expressiva de Bakhtin (1997) como referência, que

declara que “...a entonação expressiva é um dos recursos para expressar a relação emotivo-

valorativa do locutor com o objeto de seu discurso”, podemos afirmar que os trechos

6 Disponível em: <http://www.pucsp.br/pos/cos/cultura/biojakob.htm>. Acesso em 29 maio 2012.

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considerados exemplos de função fática por Jakobson (1974) tratam-se de exemplares de

enunciados completos, pois, segundo Bakhtin, se uma palavra isolada é proferida com

entonação expressiva, já não é mais uma palavra e sim, um enunciado completo, realizado por

uma única palavra. Assim os trechos: “Quanto tempo, quanto tempo...”, “pois é...” poderiam

ser exemplos de enunciados completos com base em uma entonação expressiva. Exemplo 04. 7

Sinal Fechado

Paulinho da Viola Composição: Paulinho da Viola

Olá, como vai ?

Eu vou indo e você, tudo bem ? Tudo bem eu vou indo correndo

Pegar meu lugar no futuro, e você ?

Tudo bem, eu vou indo em busca

De um sono tranquilo, quem sabe ... Quanto tempo... pois é...

Quanto tempo...

Me perdoe a pressa É a alma dos nossos negócios

Oh! Não tem de quê

Eu também só ando a cem Quando é que você telefona ?

Precisamos nos ver por aí

Pra semana, prometo talvez nos vejamos

Quem sabe ? Quanto tempo... pois é... (pois é... quanto tempo...)

Tanta coisa que eu tinha a dizer

Mas eu sumi na poeira das ruas Eu também tenho algo a dizer

Mas me foge a lembrança

Por favor, telefone, eu preciso

Beber alguma coisa, rapidamente Pra semana

O sinal ...

Eu espero você Vai abrir...

Por favor, não esqueça,

Adeus..

4.5 Função Metalinguística

Para analisarmos a função metalinguística proposta por Jakobson (1974) abordaremos

o exemplo 05 abaixo. Um texto, para ser classificado como contendo essa função, deve exibir

linguagem voltada ao código, quando a linguagem serve para falar sobre ela mesma.

Exemplares tradicionais de obras com predominância metalinguística são os dicionários e as

gramáticas. O exemplo 05 foi extraído de um dicionário disponível na Internet chamado

7 Disponível em: <http://letras.terra.com.br/paulinho-da-viola/48064/>. Acesso em 29 maio 2012.

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Priberam, que traz a definição da palavra “paradigma”. As orações numeradas que definem o

termo em negrito são exemplos de linguagem sendo usada para explicar a própria linguagem,

o que Jakobson definiu como função metalinguística da linguagem.

Esse exemplo pode ser classificado por Bakhtin (1997) como um enunciado

monológico, pelo fato de que foi escrito por um dos editores do dicionário, que pode ter sido

revisado por outro profissional, que conferiu a definição dada e a alterou ou não. Porém, não

perde o status de enunciado “proferido” por uma única pessoa e, segundo Bakhtin, não deixa

de ser uma resposta ao que já foi dito anteriormente sobre o assunto, ainda que esse caráter de

resposta não receba uma expressão externa perceptível.

Ainda segundo o conceito de enunciado proposto por Bakhtin, poderíamos sugerir que

o exemplo 05 se trata de um “elo na cadeia da comunicação verbal”, pois, ao usar a linguagem

para definir o termo “paradigma,” o autor da definição contou com linguagem supostamente

já conhecida. O leitor, após apropriar-se da definição do termo, vai usar esse conceito

futuramente, criando novos enunciados com base nessa definição aprendida, ou seja, uma

cadeia de enunciados: linguagem para definir o termo – definição do termo – linguagem para

usar o termo, e assim por diante. Exemplo 05.8

4.6 Função Poética

O exemplo 06 a seguir apresenta predominantemente linguagem centrada na

mensagem, a função poética de Jakobson (1974). Enfoca a seleção e a combinação dos signos

e a forma como a mensagem é organizada. É um exemplar de mensagem literária, poética e

artística. Nesse gênero, o autor faz escolhas conscientes no sentido de contribuir para a

qualidade do poema em termos estéticos e quanto ao sentido.

Nesse mesmo texto, em outra perspectiva, podemos levar em conta a distinção que

Bakhtin (1997) faz entre forma composicional e forma arquitetônica. Relembremos que a

primeira se refere à materialidade do texto e a segunda, à superfície discursiva. Considerando

o discurso estético, a forma composicional cria um objeto externo, enquanto que a forma

arquitetônica, um objeto estético. O poema Amor é um fogo que arde sem se ver é um objeto

estético, que possui uma estrutura composicional específica, própria de uma obra que recebeu

valor estético. Em outras palavras, tudo o que diz respeito às formas da língua e às estruturas

textuais constituem a forma composicional do texto. Em contrapartida, o projeto enunciativo

do autor e o tipo de relação com o interlocutor que ele propõe se vinculam à forma

arquitetônica do enunciado.

8 Disponível em: <http://www.priberam.pt/DLPO/default.aspx?pal=paradigma>. Acesso em: 29 maio 2012.

paradigma (grego parádeigma, -atos) s. m. 1. Algo que serve de exemplo geral ou de modelo. = PADRÃO 2. [Gramática] Conjunto das formas que servem de modelo de derivação ou de flexão. =

PADRÃO 3. [Linguística] Conjunto dos termos ou elementos que podem ocorrer na mesma posição ou contexto de uma estrutura.

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Por exemplo, Camões, ao tratar do tópico (objeto externo) “amor”, comparou-o ao

fogo que arde sem se ver e a uma ferida que dói e não se sente – antíteses – que não seriam

recursos utilizados por um psicólogo, ou até mesmo por um linguista responsável pela edição

de um dicionário, para a definição do que é o “amor”. Por sua vez, ao apresentar antíteses, o

autor do poema busca uma interação com um potencial leitor do texto, dialogizando

axiologias. Exemplo 06.9

Amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói e não se sente;

É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;

É solitário andar por entre a gente; É nunca contentar-se de contente;

É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;

É servir a quem vence, o vencedor;

É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões

5 Considerações finais

O presente trabalho teve como objetivo apresentar uma proposta de análise textual

tomando como base os pressupostos teóricos de Jakobson e Bakhtin. Após a análise de

exemplares de textos veiculados online, que foram selecionados a partir das funções da

linguagem propostas por Jakobson e observados sob a ótica bakhtiniana, concluímos que

ambas as visões se complementam ao proporcionarem uma maior compreensão da

comunicação verbal.

Concluímos que as contribuições quanto às funções devem ser trabalhadas

acompanhadas das ideias de Bakhtin, já que este teórico ampliou o papel do receptor que não

havia sido considerado por Jakobson. Ambos preveem a presença de um ouvinte e de um

receptor na cadeia da comunicação como parceiros. Porém, para Bakhtin (1997), o ouvinte

que recebe e compreende a significação de um discurso adota para com esse discurso uma

atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda, completa, adapta, prepara-se para executar.

Esta atitude está em elaboração constante durante todo o processo de audição desde o início.

Nesse sentido, este estudo pode subsidiar o trabalho docente porque, de forma

acessível, amplia a leitura e o entendimento do texto. Acreditamos que é fundamental o

acesso a esses dois importantes teóricos da Linguística para o professor de língua de ensino

9 Disponível em: <http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v301.txt>. Acesso em: 29 maio 2012.

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básico. Provavelmente, esse profissional já teve contato com materiais didáticos, por exemplo,

de Língua Portuguesa, que reproduzem as mesmas ideias sobre as funções da linguagem de

Jakobson, porém sem ter o incremento quanto à questão do estudo do enunciado, proposto por

Bakhtin, que consideramos assaz produtivo para ampliar os estudos textuais.

Referências

ARNT, J.; CATTO, N. Entre funções e metafunções: estudo comparativo entre Jakobson e

Halliday. Revista Linguagem – Estudos e Pesquisas, Catalão, vol. 14, n. 2, p.95-109, 2010.

Disponível em <http://www.revistas.ufg.br/index.php/lep/article/view/14732>. Acesso em 16

maio 2012.

BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV, V.N.) Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo:

Hucitec, [1929] 1995.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martin Fontes, 1997. 2ª ed.

FERRAREZI Jr., C. Funções da linguagem. Uma reavaliação das ideias de Roman Jakobson.

Presença: Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente. Porto Velho, RO: Ano V, volume

II, n° 13, p.93-105, 1998 .

FLORES, V.; TEIXEIRA, M. O linguista da comunicação: Roman Jakobson. In: Introdução

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JAKOBSON, R. A linguística em suas relações com outras ciências. In: _____. Linguística,

poética, cinema. São Paulo: Perspectiva, 1970, p. 11-64.

_____. Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1974.

_____; POMORSKA, K. Diálogos. São Paulo: Cultrix, 1985.

RIBEIRO, L. F. O conceito de linguagem em Bakhtin. Revista Brasil de Literatura. Rio de

Janeiro, 2006. Disponível em <http://revistabrasil.org/revista/artigos/crise.htm>. Acesso em

16 maio 2012.

SOBRAL, A. Do dialogismo ao gênero: As bases do pensamento do círculo de Bakhtin.

Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009.