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Metabolismo de ProtenasJulio Tirapegui Marcelo Macedo Rogero

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INTRODUOO estudo das protenas tem importncia fundamental na rea da nutrio, uma vez que constitui um nutriente relevante para a sntese de protenas funcionais e estruturais no organismo. As protenas corporais esto constante e simultaneamente sendo sintetizadas e degradadas, processo este denominado turnover protico. O constante turnover r de protenas fornece o pool de aminocidos plasmticos l que esto em constante equilbrio com o mecanismo de sntese protica. Alm disso, os aminocidos que so os constituintes das protenas podem, isoladamente, atuar como precursores de cidos nuclicos, hormnios e outras molculas de importncia fisiolgica. No entanto, necessrio salientar que a funo principal dos aminocidos diz respeito ao mecanismo de sntese protica. Os aminocidos liberados em excesso oriundos da protelise tecidual intensa so reutilizados e tm numerosos destinos. Alm da sntese protica j citada, que a prioridade do organismo, a cadeia carbnica pode ser utilizada como fonte de energia ou convertida em glicose (gliconeognese). Por outro lado, o grupo amino, que txico para o organismo, convertido em uria no fgado e, posteriormente, eliminado na urina. No organismo no existe reserva de aminocidos livres ou de protenas, sendo que uma ingesto protica superior s necessidades do organismo ser metabolizada. Por outro lado, na deficincia protica, em casos extremos de desnutrio protica ou em estados catablicos, o organismo recorre a mecanismos adaptativos, os quais so regulados pela presena de nutrientes ou de hormnios tanto anablicos quanto catablicos , com a finalidade

de preservar a massa protica. Quando esse processo muito intenso, ocorrem alteraes bioqumicas, fisiolgicas e morfolgicas, especialmente nos grupos populacionais denominados vulnerveis, como crianas pr-escolares, gestantes, nutrizes e idosos. As recomendaes de ingesto diria de protenas indicam uma quantidade especfica para a manuteno da sade em indivduos normais. Contudo, uma condio fundamental para se garantir as necessidades de protena de um organismo que estejam satisfeitas as suas necessidades energticas, uma vez que a deficincia calrica faz com que o organismo desvie as protenas de suas funes plsticas ou reparadoras normais para a produo de energia. A necessidade de ingesto de protenas e de aminocidos depende das condies fisiolgicas dos indivduos. Por exemplo, em relao ao exerccio fsico, h maior necessidade de ingesto protica na dieta, que influenciada por alguns fatores, dentre os quais destacam-se a intensidade, a durao e o tipo de exerccio; o contedo de glicognio; o balano energtico; o gnero; a idade; e o tempo de treinamento. Neste captulo sero abordados aspectos bsicos e fundamentais sobre o metabolismo protico e de aminocidos e seus respectivos mecanismos de controle. Tambm so enfocados aspectos metablicos em situaes fisiolgicas especiais, tais como jejum, estados catablicos, desnutrio protica e exerccio de fora. Todos esses aspectos so discutidos com a finalidade de contribuir com informaes atualizadas do papel relevante de protenas e de aminocidos no organismo, visando, desse modo, propiciar uma melhor compreenso da atuao desses nutrientes no estado nutricional do indivduo.

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AMINOCIDOSO primeiro aminocido a ser descoberto foi a asparagina, em 1806, e o ltimo aminocido foi a treonina, em 1938. Os aminocidos apresentam nomes triviais ou comuns, em alguns casos derivados da fonte a partir da qual foram inicialmente isolados. A asparagina foi primeiramente isolada do aspargo; o glutamato do glten de trigo; a tirosina do queijo (do grego tyros, que significa queijo); e a glicina, do grego glycos, que significa doce, devido ao seu sabor adocicado1. Aminocidos so formados por carbono, hidrognio, oxignio, nitrognio e, ocasionalmente, por enxofre; so as unidades estruturais bsicas de todas as protenas. Os aminocidos que so incorporados nas protenas de mamferos so -aminocidos, com exceo da prolina, que um -iminocido. Um -aminocido consiste de um grupo amino, um grupo carboxila, um tomo de hidrognio e um grupo R (cadeia lateral), sendo que todos esto ligados a um tomo de carbono, denominado carbono . Embora existam muitos aminocidos na natureza (> 300), apenas 20 esto presentes na composio das protenas, sendo que cada aminocido apresenta uma cadeia lateral diferente ligada ao tomo do carbono . Os mesmos 20 L--aminocidos ocorrem vrias vezes nas protenas, incluindo aquelas produzidas em bactrias, plantas e animais, sendo que para cada um desses aminocidos existe ao menos um cdon no cdigo gentico. Apesar da escolha desses 20 aminocidos ter ocorrido provavelmente ao acaso no curso da evoluo, a versatilidade qumica que os mesmos fornecem vital. Por exemplo, cinco dos 20 aminocidos possuem cadeias laterais que podem apresentar uma determinada carga, enquanto os demais no so carregados, porm so reativos de uma maneira especfica. Cabe ressaltar que as propriedades das cadeias laterais dos aminocidos, quando agregadas, determinam as propriedades das protenas

constitudas por esses aminocidos, e so a base de todas as funes diversas e complexas das protenas1,2. Aminocidos em solues com pH neutro so predominantemente ons dipolares; apenas ocasionalmente so molculas no ionizadas. Na forma dipolar de um aminocido, o grupo amino est protonado (NH3+) e o grupo carboxila est dissociado (COO). O estado de ionizao de um aminocido varia com o pH. Em soluo cida (por exemplo, pH = 1), o grupo carboxila est no ionizado (COOH) e o grupo amino est ionizado (NH3+). Em solues alcalinas (por exemplo, pH = 11), o grupo carboxila est ionizado (COO) e o grupo amino est no ionizado (NH2) (Fig. 6.1). Em protenas, quase todos estes grupos carboxila e amino combinam-se por ligao peptdica e no esto disponveis para reao qumica (exceto para a formao de pontes de hidrognio). Desse modo, a natureza das cadeias laterais que fundamentalmente determina o papel que um aminocido desempenha em uma protena3,4,5. Para representar seqncias de aminocidos em protenas, abreviaes de uma e de trs letras para aminocidos tm sido estabelecidas. Cabe ressaltar que as abreviaes de trs letras do cido asprtico (Asp) e do cido glutmico (Glu) no devem ser confundidas com aquelas referentes aos aminocidos asparagina (Asn) e glutamina (Gln), respectivamente. A determinao experimental de aminocidos presentes em uma protena por procedimentos qumicos no consegue facilmente diferenciar entre Asn e Asp, ou entre Gln e Glu, devido aos grupos amida presentes na Asn e na Gln serem hidrolisados e gerarem Asp e Glu, respectivamente. Os smbolos Asx para Asp ou Asn, e Glx para Glu ou Gln indicam esta ambigidade. Um similar esquema utilizado com abreviaes com uma letra para Asp ou Asn, e Glu ou Gln (Tabela 6.1)4.

NH3+ H C RForma predominante em pH = 1

NH3+ COOHH+

NH2 COOH+

H

C R

H

C R

COO

Forma predominante em pH = 7

Forma predominante em pH = 11

FIG. 6.1 Estados de ionizao de um aminocido de acordo com o pH.

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TABELA 6.1 Abreviaes de Aminocidos com Uma e Trs Letras. Adaptado de DEVLIN 4Abreviao Aminocido Alanina Arginina Asparagina Aspartato Asparagina ou Aspartato Cistena Glicina Glutamina Glutamato Glutamina ou Glutamato Histidina Isoleucina Leucina Lisina Metionina Fenilalanina Prolina Serina Treonina Triptofano Tirosina Valina Trs letras Ala Arg Asn Asp Asx Cys Gly Gln Glu Glx His Ile Leu Lys Met Phe Pro Ser Thr Trp Tyr Val Uma letra A R N D B C G Q E Z H I L K M F P S T W Y V

Os aminocidos cistena, tirosina e prolina so sintetizados no organismo a partir dos aminocidos metionina, fenilalanina e glutamato, respectivamente. O aminocido arginina designado como dispensvel em humanos. Evidncias sugerem que este aminocido sintetizado no organismo a partir do aminocido glutamato. O grupo carboxila terminal do glutamato inicialmente fosforilado e, em uma etapa subseqente, reduzido, o que gera glutamato -semialdedo e fosfato. Esta etapa seguida por uma reao de transaminao, acarretando a formao de ornitina, que convertida para arginina por meio das enzimas do ciclo da uria1,3,6. A enzima glutamina sintetase catalisa a sntese dependente de ATP do aminocido glutamina, a partir do glutamato e da amnia. Nessa reao, o ATP convertido em ADP mais fosfato inorgnico (Pi). A enzima asparagina sintetase catalisa a sntese dependente de ATP do aminocido asparagina a partir do aspartato, utilizando a glutamina como fonte de grupo amino. Sendo assim, ao doar o grupo amino, a glutamina convertida para glutamato. Nessa reao, o ATP convertido em AMP mais pirofosfato inorgnico (PPi)8-10.

Aminocidos: Funes e Classificao NutricionalAlm de participarem na sntese protica e no metabolismo energtico, quase todos os aminocidos apresentam funes especficas no organismo. O triptofano, por exemplo, um precursor da vitamina niacina e do neurotransmissor serotonina; a metionina o principal doador de grupos metlicos para a sntese de determinados compostos, tais como colina e carnitina. A metionina tambm um precursor de cistena e de outros compostos que contm enxofre. A fenilalanina precursora da tirosina, a qual responsvel pela formao de tiroxina e epinefrina. Arginina e citrulina esto envolvidas especificamente na sntese da uria no fgado. A glicina, o mais simples dos aminocidos, se combina com alguns tipos de compostos txicos, convertendo essas substncias em compostos no txicos, que so excretados pela urina. tambm usada na sntese do ncleo porfirnico da hemoglobina e constituinte de um dos cidos biliares. A histidina essencial para a sntese de histamina, composto que causa vasodilatao no sistema circulatrio. Arginina, glicina e metionina se unem a um grupo fosfato para formar o fosfato de creatina, um importante reservatrio de ligao fosfato de alta energia na clula. A glutamina o aminocido livre mais abundante no plasma e no tecido muscular, e utilizada em altas taxas por clulas de diviso rpida, incluindo leuccitos e entercitos, para fornecer energia e favorecer a biossntese de nucleotdeos. Alm disso, o cido

Biossntese de Aminocidos DispensveisOs aminocidos dispensveis podem ser sintetizados no organismo por vias que so compartilhadas, em parte, pelo catabolismo de aminocidos. Glutamato, aspartato e alanina so sintetizados por meio de reaes de transaminao. O aminocido serina sintetizado a partir de um intermedirio da via glicoltica, o 3-fosfoglicerato, que oxidado para 3-fosfoidroxipiruvato, por uma enzima que utiliza NAD. O 3-fosfoidroxipiruvato ento transaminado para gerar 3fosfoserina que, por meio de uma fosfatase, hidrolisado para produzir serina. A glicina sintetizada a partir da serina pela ao da enzima serina hidroximetiltransferase3,6-8.

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glutmico precursor do neurotransmissor denominado cido gama-amino butrico (Fig. 6.2)6,11,12. Aminocidos podem ser classificados nutricionalmente em dois grupos: indispensveis (essenciais) e dispensveis (no-essenciais). Os nove aminocidos indispensveis so aqueles cujos esqueletos de carbono no podem ser sintetizados pelo organismo, necessitando ser obtidos pela dieta. Contudo, os diversos dados reportados recentemente sobre o metabolismo intermedirio e as caractersticas nutricionais dos aminocidos dispensveis tm contribudo para uma discusso acerca da definio desses compostos13-17.

Segundo Laidlaw e Kopple18, os aminocidos dispensveis podem ser divididos em duas classes: verdadeiramente dispensveis e condicionalmente indispensveis (Tabela 6.2). Cinco aminocidos (alanina, cido asprtico, asparagina, cido glutmico e serina) so denominados dispensveis, uma vez que esses podem ser sintetizados no organismo a partir de outros aminocidos ou de outros metablitos de complexos nitrogenados. Alm disso, seis aminocidos (arginina, cistena, glutamina, glicina, prolina e tirosina) so considerados condicionalmente indispensveis, uma vez que so sintetizados a partir de outros aminocidos e/ou sua sntese limitada sob condies fisiopatolgicas especiais.

FIG. 6.2 Formao de compostos fisiologicamente importantes derivados de aminocidos.

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Portanto, a designao aminocido condicionalmente essencial caracteriza que em condies normais o organismo pode sintetizar estes aminocidos para alcanar a necessidade metablica. De outra parte, em condies fisiolgicas ou fisiopatolgicas especficas ocorre a necessidade de ingesto desses aminocidos, necessidade esta que ainda no foi determinada com exatido e que, presumivelmente, varie em grande extenso de acordo com a condio especfica. Alm disso, a designao condicionalmente indispensvel indica, em princpio, que esses aminocidos podem ser necessrios na dieta, a menos que quantidades suficientes de seus precursores estejam disponveis e/ou as atividades de enzimas envolvidas em vias metablicas relevantes sejam suficientes para promover a sntese desses aminocidos em uma taxa metablica significativa19-23.

peptdeo bradicinina representado da seguinte maneira: Arg-Pro-Pro-Gly-Phe-Ser-Pro-Phe-Arg. A extremidade lateral direita da cadeia representa o terminal carboxila enquanto a extremidade esquerda representa o grupo amino terminal. A seqncia de aminocidos de um determinado polipeptdeo ou protena pode apresentar variaes, as quais so controladas geneticamente1,3,24.

PROTENASNo ser humano, as informaes genticas esto contidas na estrutura do DNA, que determina o tipo e a quantidade de protenas sintetizadas em cada clula do organismo. Por sua vez, as protenas so responsveis pela sntese de todos os outros componentes celulares, enquanto o

TABELA 6.2 Aminocidos Indispensveis, Dispensveis e Condicionalmente Indispensveis na Dieta Humana. (Modificado de Laidlaw e Kopple18)Indispensveis Histidina Isoleucina Leucina Lisina Metionina Fenilalanina Treonina Triptofano ValinaaAminocidos condicionalmente indispensveis so definidos como aqueles que necessitam ser ingeridos por meio de uma fonte diettica quando a sntese endgena no alcana a necessidade metablica.

Dispensveis Alanina Acido asprtico Asparagina cido glutmico Serina

Condicionalmente Indispensveisa Arginina Cistena Glutamina Glicina Prolina Tirosina

Precursores de Condicionalmente Indispensveis Glutamina/glutamato, aspartato Metionina, serina cido glutmico, amnia Serina, colina Glutamato Fenilalanina

PEPTDEOSDois aminocidos unidos formam um dipeptdeo; a unio de trs aminocidos resulta na formao de um tripeptdeo e assim sucessivamente. Cada aminocido em uma cadeia polipeptdica denominado como um resduo de aminocido. Uma cadeia com at 100 aminocidos unidos denominada polipeptdeo, enquanto valores superiores caracterizam uma protena9,24. A seqncia de aminocidos de uma determinada protena representada por um arranjo seqencial de abreviaes de cada aminocido. Por exemplo, o poli-

material gentico apenas codifica as protenas com as suas respectivas seqncias de aminocidos. DNA e RNA so cadeias de nucleotdeos muito similares quimicamente. Em contraste, protenas so formadas por uma variedade de 20 aminocidos diferentes, cada um com uma caracterstica qumica prpria. Esta variedade permite enorme versatilidade nas propriedades qumicas de diferentes protenas, o que poderia explicar a escolha por protenas ao longo do processo evolutivo ao invs de molculas de RNA para catalisar a maioria das reaes celulares2,25. Protenas so as mais abundantes macromolculas biolgicas e representam o principal componente estrutural

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e funcional de todas as clulas do organismo, sendo que aproximadamente metade do peso seco de uma clula corresponde protena. Alm disso, no organismo humano, aproximadamente 18% da massa corporal est na forma de protena. Apesar da enorme diversidade de enzimas e de outras protenas no organismo, quase 50% do contedo protico total do ser humano est presente em apenas quatro protenas (miosina, actina, colgeno e hemoglobina). O colgeno, em particular, compreende aproximadamente 25% do total2,24.

Estrutura ProticaProtenas so molculas complexas que apresentam estruturas primria, secundria, terciria e quaternria. A estrutura primria diz respeito ao tipo e seqncia de aminocidos na molcula protica, que determinada geneticamente. A secundria formada por associao de regies prximas da cadeia polipeptdica e mantida custa das pontes de hidrognio. Na terciria, a molcula protica se arranja em estruturas globulares utilizando diversos tipos de ligaes, como co-valentes, hidrofbicas, inicas, eletrostticas e pontes de hidrognio. Essas ltimas so representadas pelas pontes de dissulfetos entre os resduos de cistena. Finalmente, a forma como diversas estruturas tercirias ou subunidades se associam a chamada estrutura quaternria26,27.

Intracelularmente, a correta conformao de muitas protenas obtida apenas com o auxlio de um grupo diverso de protenas, denominadas chaperonas, que no alteram o resultado final do processo de dobramento, mas previnem a agregao prvia de protenas recm-sintetizadas, antes que assumam sua forma ativa final. Exemplos bem conhecidos incluem as protenas de choque trmico, que so produzidas pelas clulas como resultado de um estresse trmico. Os exemplos clssicos so as protenas da classe hsp-70 (Heat Shock Protein), assim nomeadas em funo de uma protena de 70 kD que aparece no citossol de clulas de mamferos aps um choque trmico (Fig. 6.3). As chaperonas tambm esto envolvidas na insero de protenas em membranas e no transporte de protenas atravs de membranas. Alm disso, a hidrlise de ATP necessria durante o dobramento das protenas pelas chaperonas. Um subgrupo de chaperonas, conhecido como chaperoninas, tambm chamadas de hsp-60 por causa de seus pesos moleculares de 60 kD, so estruturas tubulares, com mltiplas subunidades, que participam do processo de dobramento de uma protena. As chaperoninas formam um envoltrio de subunidades de 60 kD em torno da protena nascente, para proteg-la durante o processo de dobramento1,3. Todas essas atividades podem auxiliar na funcionalidade de uma protena; contudo, a falha no dobramento correto de uma protena geralmente acarreta em rpida degradao da protena em questo, e o acmulo de protenas com

FIG. 6.3 Chaperonas (HSP 70 = protenas de choque trmico de 70 kD). (Fonte: Nelson e Cox1.)

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conformaes errneas pode resultar em agregao de protenas e em doenas graves28.

Desnaturao ProticaUmas das caractersticas especficas das protenas a resposta para calor, lcool e outros tratamentos que afetam as suas estruturas quaternrias, tercirias e secundrias. Esta resposta caracterstica denominada desnaturao. A desnaturao resulta do desdobramento de uma molcula protica, o que promove a clivagem das pontes de hidrognio e das associaes entre os grupos funcionais; como resultado, a estrutura tridimensional perdida. A desnaturao afeta diversas propriedades da molcula de protena, dentre as quais destacam-se: i. alterao da forma fsica; ii. diminuio da solubilidade em gua; iii. possvel perda da reatividade com outras protenas24. Quando desnaturadas, as protenas perdem a suas funes biolgicas, sendo que o calor promove a desnaturao da maioria das protenas. Grande parte das protenas presentes nos alimentos so desnaturadas a 60C. Um exemplo de desnaturao protica a coagulao da clara de ovo quando aquecida. A desnaturao, a menos que extrema, no afeta a composio de aminocidos de uma protena e, de fato, pode tornar esses aminocidos mais disponveis para o organismo, uma vez que o aquecimento provoca o desdobramento ou desnovelamento da protena, o que aumenta a exposio da cadeia polipeptdica para a ao das enzimas proteolticas digestivas. Por esse motivo, muitas protenas aquecidas apresentam maior valor biolgico em relao s mesmas protenas quando consumidas sem tratamento trmico prvio. O processo de desnaturao moderado pode ser revertido fenmeno denominado renaturao , ou seja, a protena renaturada adquire sua forma e sua atividade originais24.

protenas, que combinam a protena com polissacardeos complexos, tais como a mucina, encontrada nas secrees gstricas, e a albumina (clara do ovo); as lipoprotenas, encontradas no plasma, que se unem com lipdios, trigliacilgliceris, colesterol e fosfolipdios. Tm-se ainda como protenas conjugadas as fosfoprotenas, formadas pela ligao ster entre o cido fosfrico e as protenas (como, por exemplo, na casena do leite); e as metaloprotenas, tais como a ferritina e a hemosiderina, que apresentam metais unidos s suas estruturas6,26,27. As protenas tambm podem ser divididas em fibrosas e globulares. As fibrosas incluem a queratina, que a protena do cabelo e das unhas; a fibrina do sangue; a miosina do msculo; e o colgeno, principal componente do tecido conjuntivo. As protenas globulares so solveis e facilmente desnaturadas, sendo encontradas principalmente nos fluidos orgnicos e nos tecidos. As protenas globulares de interesse em nutrio so as casenas do leite, a albumina no ovo e as albuminas e globulinas no sangue, no plasma e na hemoglobina, bem como as globulinas de leguminosas, como as do feijo e da soja9,11,26,27. As protenas tambm podem ser classificadas de acordo com o seu valor nutricional. As protenas que contm aminocidos indispensveis nas propores necessrias ao organismo so denominadas protenas completas, as quais so principalmente as de origem animal (ovos, leite e derivados, carnes, pescados). Protenas que apresentam deficincia em um ou mais aminocidos indispensveis so denominadas protenas incompletas ou desbalanceadas. Essas protenas so geralmente de origem vegetal, apesar de algumas protenas animais serem tambm incompletas. A protena do tecido conectivo denominada colgeno, a partir da qual preparada a gelatina, tem deficincia do aminocido triptofano; zena, a protena do milho, baixa em lisina e triptofano. Quando a seleo de alimentos limitada e h uma escassez de alimentos ricos em protenas de alto valor biolgico, as protenas de origem vegetal incompletas podem ser combinadas de tal modo que todos os aminocidos indispensveis sejam fornecidos. Por exemplo, protenas de cereais (arroz) combinadas com aquelas presentes nas leguminosas (feijo) podem estar na mesma refeio para que todos os aminocidos indispensveis sejam ingeridos. Quando essas protenas so combinadas e consumidas em quantidades suficientes, as necessidades individuais de aminocidos so atendidas. Esta combinao de protenas incompletas deve ser consumida dentro de um perodo de tempo relativamente curto (< 4 horas) para a obteno das quantidades apropriadas e necessrias de aminocidos. O mximo benefcio alcanado quando a combinao de protenas consumida ao mesmo tempo24,27.

Classificao das ProtenasAs protenas, devido sua complexidade estrutural, so difceis de serem rigorosamente classificadas. Podem ser agrupadas em: simples, quando por hidrlise fornecem apenas aminocidos; e conjugadas, quando do origem a outros compostos alm dos aminocidos. As protenas conjugadas so combinaes de uma molcula no protica unida a uma molcula protica. Entre as primeiras pode-se citar como exemplo: albuminas, globulinas, glutelinas, prolaminas, entre outras. Em relao s conjugadas, tm-se as nucleoprotenas, encontradas nos cidos ribonuclico (RNA) e desoxirribonuclico (DNA); as mucoprotenas e as glico-

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Funes das ProtenasAlm do sistema de classificao de protenas descrito, as protenas podem ser classificadas bioquimicamente, de acordo com as suas funes. As protenas desempenham funes vitais em praticamente todos os processos biolgicos. A relevncia e o escopo das funcionalidades das protenas podem ser exemplificados como segue4,7,25,28: 1. Catlise enzimtica: praticamente todas as reaes qumicas em sistemas biolgicos so catalisadas por macromolculas denominadas enzimas. Algumas dessas reaes, como hidratao do dixido de carbono, so relativamente simples. Contudo, outras reaes, como a replicao de um cromossomo completo, so altamente complexas. Enzimas exibem um enorme poder cataltico. Geralmente aumentam as taxas de reaes ao menos em um milho de vezes. Alm disso, as reaes qumicas in vivo raramente ocorrem em taxas perceptveis na ausncia de enzimas. Cabe destacar que praticamente todas as enzimas conhecidas so protenas. Desse modo, as protenas so fundamentais na determinao do padro de transformaes qumicas em sistemas biolgicos. 2. Transporte e estoque: muitas pequenas molculas e ons so transportados por protenas especficas. Por exemplo, hemoglobina transporta oxignio em eritrcitos, enquanto a mioglobina transporta oxignio no tecido muscular. O ferro transportado no sangue pela protena transferrina e estocado no fgado na forma de um complexo com outra protena denominada ferritina. 3. Contrao muscular: as protenas so o principal componente do tecido muscular. A contrao muscular realizada por meio do movimento de deslizamento de dois tipos de filamentos de protenas (actina e miosina). 4. Proteo imunolgica: anticorpos so protenas altamente especficas que reconhecem e ligam-se com antgenos, como vrus e bactrias. 5. Gerao e transmisso do impulso nervoso: a resposta da clula nervosa para um estmulo especfico mediada por protenas denominadas receptores, que podem ser estimulados por molculas pequenas e especficas, como acetilcolina, que atua na transmisso do impulso nervoso nas sinapses. 6. Regulao hormonal: muitos hormnios so protenas ou peptdeos. Dentre os hormnios proticos incluemse a insulina, o hormnio do crescimento, a prolactina, o hormnio luteinizante, o hormnio folculo estimulante e a tireotropina. Muitos hormnios polipeptdicos apresentam baixo peso molecular (< 5.000) e so

designados como peptdeos. Importantes hormnios peptdicos incluem adrenocorticotrpico, antidiurtico, glucagon e calcitonina. 7. Expresso gnica: protenas controlam e regulam a transcrio e a traduo gnicas. Esse fato ocorre por meio de histonas que esto intimamente associadas ao DNA , ou por meio de fatores de represso ou de fatores que aumentam a transcrio gnica, ou tambm por protenas que formam parte das partculas de RNA heteronuclear e dos ribossomos. 8. Estrutural: dentre as protenas que participam da funo estrutural do organismo destacam-se o colgeno e a elastina, que formam a matriz de ossos e ligamentos, fornecendo fora e elasticidade estrutural para os rgos e o sistema vascular.

Qualidade da ProtenaA qualidade de uma protena refere-se sua capacidade de fornecer os aminocidos necessrios para o organismo. Alguns alimentos contm altos teores de protena, enquanto outros contm baixos teores. O fato de um alimento especfico ser uma fonte rica de protenas no implica que seja suficiente para sustentar o crescimento ou a manuteno do organismo. A gelatina, por exemplo, uma protena que pode ser obtida pura e na forma de p; contudo, a utilizao de gelatina como alimento e nica fonte de protena no fornece os aminocidos necessrios ao organismo. Conseqentemente, uma dieta baseada em gelatina como nica fonte de protena, excluindo outras fontes proticas, no permite a manuteno da vida devido gelatina ser uma protena de baixa qualidade, uma vez que deficiente no aminocido triptofano6,17,29-33. A qualidade de uma protena pode ser expressa de acordo com o escore qumico, a razo de eficincia protica (PER), o valor biolgico (VB) e o saldo de utilizao protica (NPU). Esses parmetros referem-se a diferentes testes utilizados para definir a qualidade de uma protena. O escore qumico refere-se somente a propriedade da protena em questo, enquanto a PER, o VB e o NPU referem-se a relao entre a protena da dieta e o consumidor. Os valores de PER, VB e NPU dependem das propriedades tanto da protena em questo quanto da necessidade do indivduo29,30,34,35. A determinao do valor do escore qumico dependente da comparao entre o contedo de aminocidos indispensveis presentes na ovalbumina (ovo), que utilizada como protena de referncia, e da protena do alimento em questo. A ovalbumina considerada ideal e nutricionalmente completa. O teste apresenta diversas etapas. As protenas devem ser purificadas e hidrolisadas em aminocidos, sendo

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estes submetidos anlise por meio de um analisador de aminocidos. Sendo assim, o contedo dos vrios aminocidos presentes nas duas protenas ento comparado. O aminocido na protena teste que est presente na menor concentrao, em uma base percentual, denominado aminocido limitante da protena. O valor da porcentagem o escore qumico. Por exemplo, a quantidade de lisina presente na protena da aveia 51% daquela presente na protena do ovo. Portanto, o escore qumico da protena da aveia de 516,31,36. As condies para a determinao da PER devem ser padronizadas. Estudos para a determinao da PER exigem animais em fase de crescimento. Os animais utilizados devem ser recm-desmamados; a protena utilizada em uma concentrao de 10% do peso seco da rao. A PER da protena teste deve ser sempre comparada com aquela da ovolbumina, a qual deve ser utilizada na rao dos animais do grupo controle. O ganho de peso e o consumo de rao so verificados durante o perodo de trs semanas. Por exemplo, a PER para a protena do ovo (3,92) aproximadamente duas vezes aquela da protena da soja (2,32). Cabe ressaltar que um dos problemas relativos determinao da PER a impossibilidade de distinguir entre o peso ganho como gordura e como massa magra 37-39. A PER definida pela frmula:PER = ganho de peso quantidade de protena consumida

NPU =

N retido N consumido

=

[N ingerido] [N fecal] [N urinrio] [N ingerido]

O VB representa a frao de aminocidos absorvidos pelo intestino que retida no organismo. O VB de uma protena determinado pela medida da quantidade de nitrognio consumido e aquele excretado. Inicialmente, as perdas obrigatrias de nitrognio pela urina e fezes devem ser determinadas, o que necessita de um ensaio biolgico envolvendo dietas isentas de nitrognio. Posteriormente, realizada a determinao da quantidade de nitrognio urinrio e fecal com o consumo da protena teste. As diferenas no nitrognio excretado entre as duas condies dietticas expressa como o [ nitrognio (N) fecal] e o [ N urinrio], sendo que a letra maiscula grega delta () convencionalmente significa variao35,40. A frmula do VB :N retido N absorvido [N ingerido] [N fecal] [N urinrio] [N ingerido] [N fecal]

aceito que o valor nutricional de protenas possa diferir substancialmente de acordo com a composio de aminocidos (indispensveis) e a digestibilidade. Por muitos anos ensaios biolgicos, principalmente com ratos, foram os mtodos de escolha para avaliar o valor nutricional de protenas. Este valor foi expresso como PER, VB e NPU. Em 1989, a FAO/OMS41 concluiu que a qualidade da protena poderia ser avaliada adequadamente por meio da avaliao do contedo do primeiro aminocido indispensvel limitante das protenas a serem testadas, que expresso como uma porcentagem do contedo do mesmo aminocido em um modelo de referncia de aminocidos indispensveis. Este modelo de referncia foi baseado nas necessidades de aminocidos indispensveis de crianas pr-escolares conforme publicado pela FAO/OMS (1985)42. Subseqentemente, esta porcentagem corrigida de acordo com a digestibilidade verdadeira da protena-teste, conforme avaliao realizada por ensaio biolgico realizado com ratos. Esse mtodo de escore, conhecido como digestibilidade protica corrigida pelo escore aminoacdico (do ingls, Protein DigestibilityCorrected Amino Acid Score [PDCAAS]) foi adotada como mtodo preferencial para a avaliao do valor protico na nutrio humana. Protenas com valores da PDCAAS que excedem 100% no contribuem com benefcios adicionais em humanos e, desse modo, os valores so truncados em 100%38-40,43,44. A frmula da PDCAAS demonstrada abaixo:

PDCAAS(%) =

mg do AA limitante em 1 g da protena teste digestibilidade verdadeira (%)

mg do mesmo AA em 1 g da protena de referncia AA = aminocidos

100

VB =

=

Em humanos, a digestibilidade aparente corresponde diferena entre o nitrognio ingerido (NI) e o nitrognio fecal (NF), enquanto a digestibilidade verdadeira corresponde a NI (NF Nitrognio Endgeno Metablico [NEM]), onde NEM corresponde a perda obrigatria, a qual da ordem de 20 mg de nitrognio/kg/dia30,35,40. A Tabela 6.3 apresenta os valores para PER, digestibilidade fecal real, escore de aminocidos e PDCAAS (no truncado) para algumas protenas, enquanto a Tabela 6.4 apresenta todas as etapas envolvidas no clculo da PDCAAS de uma protena alimentar43.

O NPU visa avaliar a reteno de nitrognio em relao quantidade de nitrognio consumida. Isto difere do BV, uma vez que verifica a quantidade de nitrognio retida em relao quela absorvida40. A frmula do NPU :

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TABELA 6.3 Razo de Eficincia Protica (PER), Digestibilidade Verdadeira, Escore Aminoacdico (AAS) e Digestibilidade Protica Corrigida pelo Escore Aminoacdico (PDCAAS)Protena Ovo Leite de vaca Carne de vaca Soja Trigo PER 3,8 3,1 2,7 2,1 1,5 Digestibilidade 98 95 98 95 91 AAS 121 127 94 96 47 PDCAAS 118 121 92 91 42

sejam encontrados nas fezes, o que equivale a cerca de 6 a 12 g de protena24,45-48. O objetivo da digesto de protenas liberar aminocidos, dipeptdeos e tripeptdeos a partir da protena consumida na dieta. Com exceo de um perodo relativamente curto aps o nascimento, o entercito no consegue absorver protenas intactas. Dentre as protenas que o neonato consegue absorver, destacam-se as imunoglobulinas (leite materno), que fornecem a imunizao passiva para o neonato. Posteriormente a esse perodo, apenas aminocidos, dipeptdeos e tripeptdeos so absorvidos pelos entercitos46-49. As enzimas responsveis pela digesto das protenas da dieta so denominadas peptidases e so classificadas em duas categorias: i. endopeptidases, que atuam sobre ligaes internas e liberam grandes fragmentos de peptdeos para a subseqente ao de outras enzimas; ii. exopeptidases, que atuam sobre as extremidades da cadeia peptdica e liberam um aminocido em cada reao. As exopeptidases so subdivididas de acordo com a posio que atuam, ou seja, aquelas que agem na extremidade carboxila (COOH) so denominadas carboxipeptidases, enquanto aquelas que atuam sobre a extremidade amino (NH2) so denominadas aminopeptidases. Inicialmente, as endopeptidases agem sobre a protena intacta ingerida, enquanto as exopeptidases atuam no processo final da digesto24,46-49. Diferentemente da digesto de lipdios e carboidratos que iniciada na boca pela lipase lingual e amilase salivar, respectivamente a digesto das protenas inicia-se no estmago, onde o alimento acidificado com o cido clordrico (HCl), o qual apresenta diversas funes, como morte de alguns organismos potencialmente patognicos e desnaturao de protenas, que permite que essas se tornem mais vulnerveis ao da pepsina (endopeptidase). A enzima pepsina liberada dentro da cavidade gstrica na forma de pepsinognio (enzima inativa). No momento em que o alimento entra no estmago ocorre a estimulao da liberao de HCl pelas clulas parietais, e a conseqente diminuio do pH intragstrico para cerca de 2, o que provoca a perda de 44 aminocidos da estrutura do pepsinognio. Uma vez que esses 44 aminocidos atuam como um fragmento inibidor da pepsina, por meio da sua ligao ao stio cataltico da enzima, a clivagem desse fragmento de 44 aminocidos, alm de propiciar a ativao da pepsina, tambm atua como um peptdeo sinalizador para a liberao de colecistocinina (CCK) no duodeno. A CCK estimula a liberao de enzimas digestivas tanto pelo pncreas excrino quanto pelas clulas da mucosa intestinal. A ativao da pepsina tambm pode

TABELA 6.4 Clculo para Obteno da Digestibilidade Protica Corrigida pelo Escore Aminoacdico (PDCAAS). (Adaptado de De Angelis40)1. Analisar o contedo de nitrognio (N) da amostra; 2. Calcular o contedo de protena (N 6,25 ou um fator de converso especfico da AOAC); 3. Analisar o perfil de aminocidos indispensveis (AI); 4. Determinar o escore aminocdico (EA) (no corrigido): EA = mg do AI em 1 g da protena teste mg de AI em 1 g da protena de referncia Referncia de perfil de AI de uma protena = FAO/OMS (1985) recomendao para crianas pr-escolares (2-5 anos de idade) 5. Analisar a digestibilidade (D) 6. Calcular o PDCAAS = menor EA no corrigido D

Digesto de ProtenasA protena ingerida diariamente somada protena proveniente do intestino na forma de enzimas digestivas, clulas descamadas e mucinas quase completamente digerida e absorvida. Esse processo muito eficiente e garante o contnuo fornecimento de aminocidos para o pool de aminocidos corporal. Menos de 10% da protena total que passa atravs do trato digestrio aparecem nas fezes. Sendo assim, se a alimentao contribuir com cerca de 70 a 100 g de protena e a protena endgena contribuir com aproximadamente 100 g (variao entre 35 a 200 g), ento esperado que aproximadamente de 1 a 2 g de nitrognio

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ocorrer por meio do processo denominado autocatlise, que ocorre quando a pepsina atua sobre o pepsinognio, ativando-o24,45-49. Uma das importantes caractersticas da digesto pela pepsina reside na sua capacidade de digerir o colgeno, um albuminide que pouco afetado por outras enzimas digestivas. O colgeno um importante constituinte do tecido conjuntivo intercelular das carnes. Para que as enzimas digestivas do trato digestrio penetrem nas carnes e possam digerir as protenas celulares necessrio que as fibras de colgeno sejam inicialmente digeridas. Por conseguinte, nas pessoas com deficincia de atividade pptica no estmago, as carnes ingeridas no sofrem tanto a ao das enzimas digestivas e, conseqentemente, podem ser mal digeridas. Contudo, cabe ressaltar que a ao da pepsina responsvel por cerca de 10% a 20% da digesto total das protenas. A atividade da pepsina termina quando o contedo gstrico se mistura com o suco pancretico alcalino no intestino delgado26,50. O quimo no intestino estimula a liberao de secretina e CCK, que acarretam na secreo de bicarbonato e de enzimas pelo pncreas, respectivamente. No suco pancretico verifica-se a presena de proteases pancreticas, que so secretadas dentro do duodeno como precursores inativos (zimognios). O tripsinognio, que no apresenta atividade proteoltica, ativado pela enteropeptidase, uma enzima localizada na membrana apical de entercitos da regio duodenal. A atividade da enteropeptidase estimulada pelo tripsinognio, enquanto a sua liberao da membrana apical dos entercitos provocada pelos sais biliares. A enteropeptidase ativa o tripsinognio por meio da liberao de um hexapeptdeo a partir do N-terminal dessa molcula. Posteriormente, a tripsina, alm de atuar sobre as protenas alimentares, tambm ativa outras pr-proteases liberadas pelo pncreas excrino, ou seja, a tripsina atua sobre o quimiotripsinognio, liberando a quimiotripsina; sobre a prelastase, liberando a elastase; e sobre a pr-carboxipeptidase, liberando a carboxipeptidase. Tripsina e quimiotripsina clivam as molculas de protenas em pequenos peptdeos; a seguir, a carboxipeptidase cliva os aminocidos das extremidades carboxila dos polipeptdeos. No obstante, posteriormente ativao das proteases pancreticas no intestino, estas sofrem rpida inativao devido ao processo de autodigesto, sendo a tripsina a enzima primariamente responsvel por essa inativao24,45,46,47,48,49. Os produtos finais da digesto de protenas da dieta no lmen intestinal no so exclusivamente aminocidos livres, mas uma mistura de aminocidos livres (40%) e pequenos peptdeos (60%), os quais consistem principalmente de 2 a 8 resduos de aminocidos. Esses peptdeos so, posteriormente, hidrolisados por enzimas (aminopeptidases, dipeptidil

aminopeptidase e dipeptidase) presentes na superfcie luminal, o que acarreta na liberao de aminocidos livres, dipeptdeos e tripeptdeos47,49.

Absoro Intestinal de Aminocidos, Dipeptdeos e TripeptdeosAt o incio da dcada de 1950, os produtos da digesto de protenas foram simplesmente aceitos como aminocidos livres, para os quais foram designados diversos mecanismos de transporte. Porm, a partir de estudos de digesto protica em intestino delgado de humanos, concluiu-se que os principais produtos da digesto de protenas no lmen intestinal no so aminocidos, mas dipeptdeos e tripeptdeos. Subseqentemente, estudos de absoro de aminocidos, de dipeptdeos e de tripeptdeos demonstraram que o transporte de pequenos peptdeos intactos ocorria no intestino delgado. Doses orais de glicina nas formas de glicina, glicil-glicina e glicil-glicil-glicina apresentaram mais rpida absoro nas formas de dipeptdeo e de tripeptdeo quando comparadas absoro do aminocido livre. Estudos de perfuso jejunal em humanos demonstraram que a competio entre aminocidos livres durante o processo de captao foi evitada ou reduzida quando os mesmos aminocidos estiveram na forma de dipeptdeos, sendo que em muitos estudos verificou-se aumento da absoro de aminocidos a partir de solues de dipeptdeos quando comparadas a solues contendo aminocidos livres de equivalente composio. A existncia de mecanismos distintos de transporte para aminocidos e dipeptdeos foi observada em patologias associadas a defeitos no transporte de aminocidos (cistinria e doena de Hartnup), devido aos aminocidos afetados serem pouco absorvidos quando estavam na forma livre, mas de absoro normal quando estavam presentes na forma de pequenos peptdeos. Desse modo, foi sugerida a existncia de um sistema de transporte exclusivo para a absoro de dipeptdeos e tripeptdeos. Esta hiptese foi validada em estudos realizados em animais experimentais e humanos, por meio da clonagem do transportador de oligopeptdeos intestinal51-58. Estudos moleculares e fisiolgicos tm demonstrado que o transportador de oligopeptdeos intestinal, o qual foi designado PepT-1, est presente na membrana apical (ou luminal) de entercitos, sendo ausente na membrana basolateral dessas clulas. Cabe ressaltar que o PepT-1 um transportador exclusivo de dipeptdeos e tripeptdeos, que so os principais produtos da digesto de protenas no lmen intestinal.51,52,59-67 Diferentemente de outros transportadores, o PepT-1 apresenta enorme extenso de substratos, que inclui 400

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dipeptdeos e 8.000 tripeptdeos, que podem ser produzidos a partir da digesto das protenas da dieta. Alm disso, o PepT-1 apresenta uma caracterstica singular, que se refere a sua dependncia pelo gradiente de prtons no momento da absoro dos oligopeptdeos pelo entercito, enquanto outros transportadores comumente dependem de um gradiente de sdio. De fato, o PepT-1 um co-transportador de peptdeos e de ons H+, pertencendo a uma famlia de transportadores de oligopeptdeos encontrada em todas as espcies, desde bactrias a humanos52,61,68-70. Os processos celulares envolvidos no transporte de dipeptdeos e tripeptdeos atravs das clulas epiteliais intestinais incluem as seguintes caractersticas (Fig. 6.4): i. ii. um trocador Na+/H+ localizado na membrana luminal, que mantm o pH intracelular alcalino; presena da enzima Na +/K + ATPase localizada na membrana basolateral, que mantm o potencial de membrana negativo no interior celular;

convertem a maioria dos dipeptdeos e tripeptdeos para aminocidos, que so utilizados pelos entercitos ou so liberados dentro da circulao portal por meio de transportadores de aminocidos presentes na membrana basolateral dessas clulas. Os dipeptdeos e tripeptdeos que escapam da hidrlise pelas peptidases citoplasmticas so transportados atravs da membrana basolateral para dentro da circulao portal por meio de um transportador de oligopeptdeos, o qual difere caracteristicamente do PepT-151,67. A utilizao de duas foras motrizes, gradiente de Na+ e gradiente de H+, para a absoro ativa de aminocidos e dipeptdeos, respectivamente, vantajosa para o organismo por manter uma nutrio protica adequada, devido ausncia de competio entre aminocidos e dipeptdeos pela origem de energia e por permitir que estes processos absortivos ocorram paralelamente54. Em relao absoro de aminocidos na membrana luminal, verifica-se que alguns aminocidos so absorvidos por meio de mecanismos mediados por carreadores em um

iii. diversas peptidases citoplasmticas, que previnem o acmulo dos peptdeos absorvidos. Estas enzimas

FIG. 6.4 Transportador de dipeptdeos e tripeptdeos intestinal (PepT-1). (Modificado de YANG et al.67.)

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processo sdio (Na+) dependente. A transferncia do Na+ para o compartimento extracelular caracteriza-se, dessa forma, como um transporte ativo secundrio. Outros aminocidos e alguns daqueles absorvidos por transporte ativo podem tambm ser absorvidos por difuso facilitada, que no necessita de Na+. Certos aminocidos competem entre si, durante a absoro, pelos transportadores presentes na membrana luminal54,71. Dentro do intestino delgado existem variaes regionais das capacidades absortivas de aminocidos, dipeptdeos e tripeptdeos. A capacidade absortiva de dipeptdeos e tripeptdeos maior no intestino delgado proximal em relao ao intestino delgado distal. Aliado a este fato observa-se que peptidases citoslicas, que atuam sobre dipeptdeos e tripeptdeos, apresentam mais alta atividade no segmento proximal do intestino delgado, local onde a capacidade absortiva desses peptdeos muita elevada. Por outro lado, a capacidade absortiva de aminocidos maior no intestino delgado distal do que no intestino delgado proximal51,54,56. Na membrana basolateral dos entercitos verifica-se a presena de sistemas de transportes de aminocidos, que so responsveis pela sada de aminocidos para a corrente sangnea. Ao menos cinco sistemas de transporte de aminocidos na membrana basolateral foram identificados, sendo dois dependentes de sdio (Na+) e trs independentes de Na+. Os mecanismos independentes de Na+ so responsveis pelo transporte de aminocidos da clula para a circulao sangnea, caracterizando a absoro transcelular de aminocidos a partir do lmen intestinal, enquanto que os sistemas dependentes de Na+ apresentam um papel relevante no fornecimento de aminocidos para as clulas intestinais47,54,71. Em sntese, dentre os mecanismos de absoro de aminocidos e de dipeptdeos e tripeptdeos provindos da dieta, destacam-se45,51,58,72,73: i. aminocidos livres liberados pela digesto no trato digestrio ou na membrana luminal so absorvidos via sistemas de transporte especficos para aminocidos livres; ii. hidrlise de oligopeptdeos na membrana luminal com subseqente liberao de aminocidos livres, que so transportados por diferentes sistemas especficos de transporte de aminocidos. Dipeptdeos e tripeptdeos que permanecem aps a digesto por peptidases luminais e ligados membrana luminal, ou seja, que no foram clivados em aminocidos livres por hidrolases de peptdeos presentes nesta membrana, podem ser absorvidos ntegros pelo intestino delgado, sendo clivados por peptidases intracitoplasmticas (dipeptidases e tripeptidases) de entercitos. Peptidases localizadas no

citosol de entercitos so capazes de hidrolisar somente dipeptdeos e tripeptdeos; iii. peptdeos com quatro ou mais aminocidos necessitam ser hidrolisados pela membrana luminal previamente ao processo de absoro de seus produtos hidrolisados. Cabe ressaltar que estudos em animais e humanos tm demonstrado que a oferta por via oral, a partir de uma mistura de aminocidos livres, difere em relao mistura de dipeptdeos de composio aminoacdica equivalente55,65,66,74-78. Algumas razes so apresentadas a seguir: a. absoro mais rpida de aminocidos quando fornecidos na forma de dipeptdeos do que na forma livre; b. maior aparecimento de aminocidos no sangue aps absoro de dipeptdeos do que a partir de aminocidos livres; c. ausncia de competio entre a absoro de aminocidos livres e de dipeptdeos; d. conservao de energia metablica no transporte de aminocidos na forma de dipeptdeos em relao forma monomrica; e. relativa manuteno do transporte de dipeptdeos comparado ao transporte de aminocidos em diversas situaes, tais como jejum, desnutrio protico-calrica, deficincia de vitaminas e doenas intestinais; f. vantagens fsico-qumicas pela substituio de aminocidos instveis e pouco solveis em soluo por dipeptdeos altamente estveis e solveis em soluo; g. dipeptdeos estimulam seu prprio transporte por meio da induo da expresso de PepT-1.

REGULAO HORMONAL DA CONCENTRAO DE AMINOCIDOS PLASMTICOSMuitos dos hormnios sintetizados no organismo regulam a concentrao de aminocidos no plasma. Alguns dos efeitos produzidos so sumarizados na Tabela 6.5. A discusso sobre as aes hormonais pode ser simplificada pela diviso dos mesmos em duas categorias: os hormnios anablicos e os hormnios catablicos. Os hormnios anablicos, como o hormnio do crescimento, tendem a promover a incorporao de aminocidos plasmticos na protena muscular. A insulina pode ser includa nesse grupo, embora sua ao parea ser mediada principalmente por meio da inibio da protelise muscular preferivelmente do que pela promoo do aumento da captao. De fato, um dos efeitos principais da glicose da dieta a liberao da insulina, a qual, por sua vez, inibe a degradao protica muscular79-82.

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Os hormnios catablicos, particularmente os hormnios esterides catablicos, como o cortisol, atuam antagonicamente em relao aos anablicos. A liberao desses hormnios causa a degradao da protena muscular, aumento da oxidao de aminocidos no tecido muscular e liberao de aminocidos para o plasma. O glucagon exerce um papel relevante por estimular a sntese das enzimas hepticas que atuam no catabolismo de aminocidos79,81. Portanto, a concentrao de aminocidos no plasma dependente em grande parte do balano preciso entre esses dois grupos de hormnios anablicos e catablicos e do controle da liberao dos mesmos.

quando essas so estimuladas a sintetizar novas protenas para uma determinada funo (Fig. 6.5)83,84. O conceito de turnover protico surgiu inicialmente a r partir dos trabalhos de SCHOENHEIMER, nos Estados Unidos da Amrica na dcada de 1940. Por meio da avaliao das taxas de incorporao de aminocidos marcados com istopos estveis (15N) em protenas e de perda de 15N a partir da protena, SCHOENHEIMER demonstrou que todas as protenas corporais estavam em constante estado de fluxo, sendo constantemente sintetizadas e degradadas. Esse pesquisador foi o primeiro a sugerir que existe um pool de aminocidos nas clulas, em equilbrio dinmico l com os aminocidos formados a partir da degradao da protena corporal e com aqueles obtidos a partir da dieta, e que as perdas a partir desse pool ocorriam quando nenhum l aminocido era ingerido79. O turnover protico elevado na infncia e diminui com r a idade (Tabela 6.6). Alm disso, o turnover difere entre os r tecidos: o msculo esqueltico, que responde por aproximadamente 50% do contedo de protena corporal, responsvel apenas por cerca de 25% do turnover, enquanto o fgado e o intestino, que respondem por menos de 10% do contedo protico do organismo, contribuem com 50% do turnover. O turnover protico tambm difere dentro dos r tecidos e igualmente dentro das clulas26,27.

METABOLISMO PROTICONo organismo no h reserva de protena ou de aminocidos livres, sendo que qualquer quantidade acima das necessidades para a sntese protica celular e para a de compostos no-proticos nitrogenados metabolizada. No entanto, na clula, existe um pool metablico de aminocidos em estado de equilbrio dinmico que pode ser utilizado quando for necessrio. O contnuo estado de sntese e degradao de protenas, fenmeno denominado turnover protico, necessrio para manter esse pool r metablico e a capacidade de satisfazer a demanda de aminocidos nas vrias clulas e tecidos do organismo,

TABELA 6.5 Regulao Hormonal da Concentrao de Aminocidos Plasmticos. (Adaptado de GILLHAM et al.79)Tecido Afetado Hormnio INSULINA Fgado Estimula a captao de aminocidos e a sntese protica Msculo Estimula a sntese protica, inibe a protelise e promove a captao de aminocidos no estado alimentado Outros 1. Facilita a transferncia de glutamato a partir dos eritrcitos para o msculo 2. Ativa a desidrogenase de -cetocidos de cadeia ramificada no tecido adiposo Estimula a oxidao de ACR no corao no estado ps-absortivo Estimula a oxidao de ACR no corao

GLUCAGON

Estimula a protelise e inibe a sntese protica

ADRENALINA

Diminui a sntese protica e a concentrao plasmtica de ACR. Aumenta a oxidao de ACR e a liberao de alanina e glutamina

CORTISOL

Promove a sntese de glutamina Promove a protelise e inibe a sntese no estado de jejum. Induz enzimas protica. Inibe a captao de relacionadas ao catabolismo de aminocidos, como tirosina aminotransferase aminocidos. Promove o euxo de glutamina

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FIG. 6.5 Troca entre os pools de protena corporal e de aminocidos livres (Modificado de Lemon85).

TABELA 6.6 Sntese Protica Corporal em Humanos em Diferentes Estgios de Vida. (Adaptado de NRC22)Estgio de vida Recm-nascido (pr-termo) Criana Adulto Idoso Sntese protica (g/kg/dia) 17,4 6,9 3,0 1,9

Grupo C: as protenas desse grupo apresentam uma taxa r de turnover muito lenta e uma meia-vida muito longa. O colgeno um exemplo de protena desse grupo. Aproximadamente 300 g de protena so sintetizados e degradados diariamente em um indivduos adulto, contudo, esta quantidade representa apenas um valor mdio, porquanto a meia-vida das protenas endgenas apresenta uma enorme variao. Esse valor aproximadamente 210 g maior do que o saldo de ingesto, 90 g, e esta diferena enfatiza a grande contribuio realizada pelo turnover protir co corporal para o pool de aminocidos livres. Os conceitos l de um pool de aminocidos e de um estado dinmico de l protenas corporais reforam o papel relevante que a sntese e a degradao proticas exercem, em diferentes tecidos, na regulao da natureza e da concentrao de vrios aminocidos no sangue. Os aminocidos ingeridos contribuem para esse pool e para o turnover protico, mas adicionam l r apenas uma proporo do total de aminocidos envolvidos no turnover protico corporal dirio10,26,27,80,85-90. r Dentre as principais variveis que afetam o turnover protico no organismo humano diariamente destacamse 80-82,85-88,91: a. alimentao e as subseqentes alteraes na disponibilidade de aminocidos na circulao sangnea (Tabela 6.7); b. concentrao de hormnios anablicos (especialmente a insulina) e de hormnios catablicos (especialmente glucagon e cortisol); c. exerccio fsico.

Geralmente, o padro do turnover protico pode ser estudado em trs diferentes grupos (Fig. 6.6)79: Grupo A: protenas que so rapidamente sintetizadas; apresentam um tempo de vida limitado e, posteriormente, so rapidamente degradadas. Exemplo dessas protenas a hemoglobina, que normalmente estvel durante os 120 dias de vida de um eritrcito humano; Grupo B: protenas que so rapidamente sintetizadas e degradadas. Exemplos dessas protenas so as enzimas, as quais regulam as vias metablicas. Tais enzimas so geralmente encontradas em baixa concentrao nas clulas; sua concentrao varia rapidamente em resposta tanto ao aumento quanto diminuio das taxas de sntese e de degradao proticas;

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FIG. 6.6 Diferentes padres do turnover protico. (Adaptado de GILLHAM et al.79) r TABELA 6.7 Taxas de Turnover de Protenas Corporais e o Efeito da Ingesto Protica sobre o Turnover Protico. r r (Adaptado de Gillham et al.79.)Meia-vida (dias) de Total de Protenas corporais Rato Humanos 17 158 Efeito da Dieta (ratos) Dieta Isenta de protena 25% de protena 65% de protena Meia-vida das protenas do plasma (dias) 17 5 2,9 Protenas sricas/plasmticas 6a7 10 a 20

Os tecidos mais ativos do organismo, responsveis pelo turnover protico, so: plasma, mucosa intestinal, pncrer as, fgado e rins. Por outro lado, o tecido muscular, pele e crebro so os menos ativos. A velocidade do turnover protico depende da funo da protena e do tipo do tecido

ou rgo. A taxa mdia diria do adulto, de protena renovada, da ordem de 3% do total protico do organismo. Na pele, perdem-se e renovam-se 5 g de protenas por dia; no sangue, 25 g; no trato intestinal, cerca de 70 g; e no tecido muscular, ao redor de 75 g/dia27.

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Metabolismo Protico no Tecido HepticoAs funes mais relevantes do fgado no metabolismo protico, de modo sucinto, so: i. formao das protenas plasmticas; ii. formao de uria para a remoo da amnia dos lquidos corporais; iii. desaminao dos aminocidos; iv. interconverses entre os diferentes aminocidos, bem como entre os aminocidos e outros compostos importantes para os processos metablicos do organismo2,4,6,11,22. Aps a absoro intestinal, os aminocidos so transportados diretamente ao fgado por meio do sistema porta.

Esse tecido exerce um papel importante como modulador da concentrao de aminocidos plasmticos e regulador do catabolismo de aminocidos indispensveis, com exceo dos aminocidos de cadeia ramificada, que so degradados principalmente pelo msculo esqueltico. No fgado, parte dos aminocidos usada na sntese de protenas que so secretadas (por exemplo, albumina e fibrina) e na sntese de protenas de vida mdia mais curta (como enzimas, necessrias ao catabolismo dos aminocidos que ficam na prpria clula heptica) (Fig. 6.7)9,10,26,50. Praticamente todas as protenas plasmticas, com exceo de parte das gamaglobulinas, so formadas pelas clulas hepticas. Essa sntese responsvel por cerca de 90% de todas as protenas plasmticas. As gamaglobulinas

FIG. 6.7 Participao do fgado no metabolismo protico.

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restantes so anticorpos formados principalmente por plasmcitos no tecido linftico do organismo. O fgado tem a capacidade de sintetizar as protenas plasmticas em uma velocidade de cerca de 30 g/dia9,10,26,50,79. O fgado apresenta uma taxa elevada de turnover de r enzimas que regulam a homeostasia de substratos energticos, permitindo que a regulao ocorra rapidamente em resposta alimentao e ao jejum de curta durao. Sendo assim, alteraes na quantidade dessas enzimas hepticas representam um fator relevante no controle de suas atividades e, por essa razo, uma taxa alta de turnover essencial quando o tecido deve ser responsivo s alteraes das necessidades metablicas4,7,26.

partir dos aminocidos excretada principalmente como uria e no reincorporada em protenas. O balano nitrogenado positivo ocorre em crianas em fase de crescimento, que esto aumentando sua massa corporal e incorporando mais aminocidos em protenas do que os degradando. Cistena e arginina so essenciais em crianas, todavia no so essenciais em adultos, uma vez que so sintetizados a partir da metionina e ornitina, respectivamente. Estes aminocidos esto prontamente disponveis em adultos, porm so limitados em crianas devido elevada utilizao de todos os aminocidos durante essa fase da vida. O balano nitrogenado positivo tambm ocorre na gravidez e durante a realimentao aps jejum10,16,22,26,41. Em adio a quantidade de protena da dieta, diversos outros fatores devem ser considerados, como a quantidade de aminocidos indispensveis presentes na dieta em relao ao balano nitrogenado. Uma vez que aminocidos indispensveis no podem ser sintetizados pelo organismo, se apenas um dos aminocidos indispensveis no ingerido ou a quantidade ingerida insuficiente, o organismo no pode sintetizar protenas novas para repor protenas perdidas decorrente do turnover protico normal e, conseqenr temente, verifica-se a ocorrncia de balano nitrogenado negativo, uma vez que protenas corporais so degradadas para fornecerem o aminocido indispensvel deficiente, ao mesmo tempo em que os demais aminocidos liberados so metabolizados. Outro fator que determina a necessidade protica a ingesto de lipdios e carboidratos. Se esses nutrientes esto presentes em quantidades insuficientes, uma parte da protena da dieta ser utilizada para a produo de energia e, desse modo, torna-se indisponvel para a sntese e reparao tecidual. Se, nesse caso, ocorre um aumento da ingesto de carboidratos e lipdios, verifica-se uma menor necessidade de protenas na dieta. Este fato referido como efeito poupador de protenas, sendo que os carboidratos so mais eficientes do que lipdios quanto a esse efeito, uma vez que carboidratos podem ser utilizados como fonte de energia por quase todos os tecidos do organismo, o que no ocorre com os lipdios6,13,41,92.

Balano NitrogenadoO balano nitrogenado representa a diferena entre a quantidade de nitrognio consumida por dia e a quantidade de nitrognio excretada por dia. Esta definio pode ser expressa pela frmula:(gramas de nitrognio ingerido gramas de nitrognio perdido)

Balano Nitrogenado =

A razo mdia protena:nitrognio, de acordo com o peso, de 6,25 para a protena ingerida habitualmente na dieta. Esse nmero utilizado como um fator de converso para expressar a quantidade de protena da dieta, ou seja, o consumo de 1 g de nitrognio na forma de protena equivale ao consumo de 6,25 g de protenas26. Cabe ressaltar que a avaliao do balano nitrogenado no pode ser determinada pela anlise da coleta de alimentos e de excrees durante 1 dia. Devido variabilidade biolgica intrnseca de experimentos envolvendo animais e humanos, amostras devem ser coletadas durante diversos dias. Um indivduo adulto ingerindo uma dieta adequada e balanceada est geralmente em balano nitrogenado, ou seja, um estado onde a quantidade de nitrognio ingerida diariamente est equilibrada com a quantidade excretada, o que resulta em um saldo zero em relao alterao da quantidade de nitrognio corporal. No estado alimentado, o nitrognio excretado proveniente principalmente do turnover normal ou do excesso de protena ingerida. Sob algumas r condies o organismo est ou em balano negativo ou em balano positivo de nitrognio. Na condio de balano nitrogenado negativo, mais nitrognio excretado do que ingerido. Este fato pode ser observado durante o jejum ou em determinadas doenas. Durante o jejum, as cadeias de carbono dos aminocidos derivados das protenas so necessrias para a gliconeognese; e a amnia liberada a

Sntese ProticaO processo por meio do qual as protenas so sintetizadas fornece a base para a compreenso das diferenas genticas. E tambm a base para a compreenso de como as propriedades prprias de cada tipo celular so mantidas, uma vez que as caractersticas que diferenciam as clulas so geralmente conferidas pelas protenas celulares2-4. A seqncia de aminocidos de uma protena em particular geneticamente controlada. Este controle exercido por meio de um polinucleotdeo, o cido desoxirribonuclico

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(DNA). O DNA composto de quatro bases nitrogenadas: adenina, guanina, timina e citosina, as quais so condensadas para formar a cadeia de DNA. A seqncia de bases no DNA nica para cada protena que sintetizada no organismo. Sendo assim, a seqncia de aminocidos de cada protena sintetizada no organismo determinada a partir de uma regio da molcula de DNA, denominada gene, que consiste de milhares de bases1-4. As molculas de cido ribonuclico (RNA) apresentam diferentes funes na transferncia da informao celular. A maioria do RNA celular ribossomal (rRNA). Ribossomos so grandes complexos de protenas e RNA, que podem realizar o processo de traduo. O RNA mensageiro (mRNA) serve como molde para a sntese de protenas e transmite a informao a partir do DNA para o ribossomo. O RNA de transferncia (tRNA) transporta aminocidos especficos, a partir do pool intracelular de aminocidos livres, para os l ribossomos. Cabe ressaltar que a sntese protica dependente da simultnea presena de todos os aminocidos necessrios para a sntese de uma determinada protena e do fornecimento de energia. Se h uma insuficincia em qualquer um desses fatores, as etapas da biossntese de protenas no ocorrem de maneira normal24,93.

se que 61 codificam aminocidos e os trs restantes so sinais de terminao1,2. Antes que um aminocido possa ser incorporado na cadeia protica nascente, o mesmo deve ser ativado. Uma ligao covalente formada entre o aminocido e o tRNA, o que forma um aminoacil-tRNA. A formao da cadeia polipeptdica ocorre em trs etapas: iniciao, alongamento e terminao. Na etapa de iniciao, o primeiro aminoacil-tRNA liga-se ao ribossomo e ao mRNA. O segundo aminoacil-tRNA forma um complexo com o ribossomo e com o mRNA. O stio de ligao do segundo aminoacil-tRNA prximo ao do primeiro aminoacil-tRNA e uma ligao peptdica forma-se entre os aminocidos (alongamento da cadeia). O processo de alongamento da cadeia envolve a translocao do ribossomo ao longo do mRNA at que a cadeia polipeptdica esteja completa. Finalmente ocorre a etapa de terminao da sntese protica, sendo os cdons UAA, UAG e UGA sinais de terminao. Esses cdons no so reconhecidos por nenhum tRNA, mas so reconhecidos por protenas denominadas fatores de liberao, que bloqueiam a ligao de um novo aminoacil-tRNA como tambm afetam a atividade da peptidiltransferase enzima que catalisa cada ligao peptdica , de modo que a ligao entre o terminal carboxlico do peptdeo e o tRNA seja hidrolisada4,7,25. No processo de traduo comum que vrios ribossomos estejam ligados ao mesmo mRNA, formando um complexo denominado polissomos. Cada ribossomo em um polissomo tem um polipeptdio em um estgio diferente da traduo, o qual depende da posio do ribossomo medida que esse se move ao longo do mRNA e traduz a mensagem gentica. Alm disso, quimicamente, a polimerizao dos aminocidos em protenas uma reao de desidratao entre dois aminocidos (Fig. 6.8)3,25,94. Aps a traduo, algumas protenas emergem a partir do ribossomo prontas para o seu funcionamento, enquanto outras sofrem uma variedade de modificaes ps-traducionais. Estas alteraes podem resultar em: i. converso para uma forma funcional; ii. direcionamento para um compartimento subcelular especfico; iii. secreo a partir da clula; iv. alterao na atividade ou estabilidade. A informao que determina o destino ps-traducional de uma protena reside na sua estrutura94. A partir do ponto de vista nutricional e metablico, relevante reconhecer que a sntese protica um processo contnuo realizado nas clulas do organismo. Em estado de equilbrio, ou seja, quando no h um saldo de aumento ou de diminuio de protena corporal, verifica-se que a sntese

TranscrioA sntese de mRNA a partir do DNA no ncleo celular denominada transcrio. O mRNA utilizado para carrear a informao a partir do DNA dos cromossomos para a superfcie dos ribossomos, que esto presentes no citosol. O RNA, particularmente o mRNA, uma molcula muito menor e significativamente menos estvel em comparao ao DNA, ou seja, o RNA apresenta uma meia-vida muito curta (minutos a horas) comparada quela do DNA nuclear (anos). Devido meia-vida curta do RNA, as bases que o compem devem ser continuamente ressintetizadas7,9.

TraduoO processo de traduo representa a sntese da protena, a qual ocorre no citosol e necessita de ribossomos, mRNA, tRNA e vrios fatores proticos. O ribossomo o local onde ocorre a sntese de protenas. O mRNA e o tRNA, que se ligam ao ribossomo durante o curso da sntese protica, so responsveis pela ordenao correta dos aminocidos na protena nascente3. Um cdon uma srie de trs bases adjacentes umas s outras na seqncia especifica um determinado aminocido, sendo que vrios cdons podem especificar o mesmo aminocido. Dentre os 64 cdons possveis, verifica-

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FIG. 6.8 Ligao peptdica com perda de uma molcula de gua.

protica balanceada por igual quantidade de degradao protica. A ingesto inadequada de protenas, tanto em dietas hipoproticas quanto em dietas com ausncia ou baixa concentrao de um ou mais aminocidos indispensveis (denominados nesta situao de aminocidos limitantes), tem como principal conseqncia a alterao do balano protico, uma vez que a taxa de sntese de algumas protenas corporais diminui enquanto a degradao protica continua, o que propicia o fornecimento desses aminocidos a partir de protena endgena95.

conseqentemente, a velocidade das reaes anablicas e catablicas das protenas. Em doses fisiolgicas, e com adequada ingesto energtica e de aminocidos, a tiroxina aumenta a sntese protica. No entanto, em situaes de deficincia energtica ou em grandes doses no fisiolgicas, a tiroxina tem um efeito contrrio, ou seja, catablico, no metabolismo protico27,96,97.

Catabolismo Protico Diferentes Vias de Catabolismo Protico

Regulao Hormonal da Sntese ProticaTanto a sntese quanto a degradao de protenas so controladas por hormnios. O hormnio de crescimento estimula a sntese protica, aumentando assim a concentrao de protena nos tecidos. No perodo de intenso crescimento em crianas, o hormnio de crescimento regulado pelo IGF-1, que sintetizado por vrios rgos, especialmente pelo fgado. A insulina tambm estimula a sntese protica, acelerando o transporte de aminocidos atravs da membrana celular, sendo que a ausncia de insulina diminui a sntese protica. A testosterona outro hormnio que estimula a sntese protica durante o perodo de crescimento. Os glucocorticides estimulam a degradao protica muscular fornecendo substrato para a gliconeognese e cetogneses. A tiroxina, indiretamente, afeta o metabolismo protico, aumentando a sua velocidade em todas as clulas e, assim,

Clulas morrem sob uma base regular e programada, denominada apoptose, e seus componentes moleculares so metabolizados. Protenas individuais tambm sofrem turnover regular sob condies normais. A meia-vida de r uma protena pode ser 1 hora, tais como ornitina descarboxilase, fosfoquinase C e insulina; ou ser de diversos meses, tais como hemoglobina e histonas, ou ser equivalente vida do organismo, como os cristalinos oculares. Contudo, a maioria das protenas sofre turnover a cada r 98. poucos dias A heterogeneidade no turnover de diferentes protenas, r igualmente na mesma clula, sugere que o processo seletivo. Protenas so degradadas intracelularmente por vrios sistemas, incluindo a via dependente de ubiquitina, macroautofagia e microautofagia. Quando uma protena sofre algum tipo de leso (alterao), essa marcada

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pela protena ubiquitina (76 aminocidos), em uma reao enzimtica dependente de ATP. A molcula de ubiquitina serve como um marcador que direciona a protena alterada para ser hidrolisada pelo proteossoma, que uma partcula em forma cilndrica presente no interior celular (Fig. 6.9). Em mamferos, o proteossoma consiste de 28 polipeptdios e apresenta um peso molecular de 2.000.000. As protenas dessa partcula constituem aproximadamente 1% do total das protenas celulares. O proteossoma utilizado na degradao de protenas, resultando na formao de pequenos peptdeos. Alm disso, essencial na degradao de protenas sinalizadoras, tais como fatores de transcrio, que, em algumas circunstncias, necessitam estar presentes na clula por perodos limitados de tempo6,98-100. Na superfcie citosslica do retculo endoplasmtico verifica-se a ocorrncia da ligao da molcula de ubiquitina a uma protena alterada. Posteriormente, a protena ligada a ubiquitina reconhecida e desdobrada por protenas especiais presentes na entrada (em ingls gate = porto)

do proteossomo. A protena desdobrada no interior do proteossomo sofre a ao de uma variedade de proteases, que catalisam a degradao da protena marcada para peptdeos de 7 a 10 aminocidos. Cinco tipos de proteases esto presentes no proteossomo de mamferos. Durante o jejum, a via dependente de ubiquitina ativada, estimulando a degradao de protenas e auxiliando no aumento da neoglicognese6,79. Contudo, a adio de ubiquitina para protenas de membrana (como aquelas presentes na membrana plasmtica) tambm marca essas protenas para a protelise. Porm, nessa situao, a molcula de ubiquitina serve para direcionar a protena para a via endolisossomal e a degradao ocorre nos lisossomos. Em relao degradao de protenas citoplasmticas, esta no realizada de maneira indiscriminada. Protenas cujos aminocidos localizados na posio NH2-terminal so metionina, serina, treonina, alanina, valina, cistina, prolina ou glicina, so resistentes protelise, enquanto protenas que apresentam outros aminocidos na posio NH2-terminal podem ser desesta-

FIG. 6.9 A molcula de ubiquitina serve como um marcador que direciona a protena alterada para ser hidrolisada pelo proteossoma. (Fonte: Nelson e Cox1.)

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bilizadas e marcadas com a molcula de ubiquitina. Outro sinal para a degradao de protenas a presena de seqncias PEST em protenas. Estas seqncias contm prolina (P), cido glutmico (E), serina (S) e treonina (T), sendo que protenas ricas nestas seqncias apresentam meias-vidas curtas98-100. Macroautofagia e microautofagia so processos que envolvem pequenas vesculas ou vacolos e ocorrem no citoplasma. Macroautofagia envolve a captura de partes do citoplasma por uma membrana, seguida da hidrlise das protenas capturadas dentro de uma vescula. Microautofagia envolve a captura de pores menores do citoplasma por vesculas de pequeno tamanho. Essas vesculas ofertam seus contedos para os lisossomos, que so organelas que contm uma grande variedade de enzimas hidrolticas. Alm desses sistemas intracelulares de degradao de protenas, verifica-se no tecido muscular a presena de proteases dependentes de clcio, as quais so utilizadas para a degradao de protenas contrteis6.

Estudos com animais demonstraram que o jejum de curta durao provoca uma diminuio substancial da protena heptica, mas no muscular. Mais especificamente, o retculo endoplasmtico rugoso heptico degradado neste perodo. No tecido muscular, as protenas no-contrteis so prontamente degradadas, porm durante o jejum prolongado tambm ocorre degradao das protenas contrteis6.

CATABOLISMO DE AMINOCIDOS TransaminaoA transaminao o primeiro passo no catabolismo da maioria dos aminocidos e consiste na transferncia do grupo -amino de um aminocido para o -cetoglutarato (Fig. 6.10). Os produtos resultantes dessa reao so um -cetocido (derivado do aminocido original) e glutamato. Desse modo, o -cetoglutarato desempenha um papel fundamental no metabolismo, por aceitar os grupos amino de outros aminocidos, tornando-se assim glutamato. Por sua vez, o glutamato que um produto comum s reaes de transaminao representa um reservatrio temporrio de grupos amino, provenientes de diferentes aminocidos. O glutamato produzido por transaminao pode ser oxidativamente desaminado ou pode ser utilizado como um doador de grupo amino na sntese de aminocidos dispensveis9,92,102-104. A transferncia de grupos amino de um esqueleto de carbono a outro catalisada por uma famlia de enzimas denominadas aminotransferases (ou transaminases). Todos os aminocidos, com exceo da lisina e da treonina, sofrem transaminao em algum ponto de seu catabolismo. Nas reaes catalisadas por aminotransferases que esto presentes no citosol e na mitocndria h a participao da piridoxal-fosfato como coenzima, que derivada da vitamina B6, a qual pode ser encontrada na natureza sob trs formas: piridoxina, piridoxal e piridoxamina. As aminotransferases so denominadas em relao aos seus doadores de grupos amino especficos, porque o aceptor do grupo amino quase sempre o -cetoglutarato. As duas mais importantes reaes de aminotransferase so catalisadas pelas enzimas alanina aminotransferase (ALT) e aspartato aminotransferase (AST)10,102,103. A enzima ALT, tambm denominada transaminase glutmicopirvica (TGP), est presente em muitos tecidos. A enzima catalisa a transferncia do grupo amino presente no aminocido alanina para o -cetoglutarato, resultando na formao de piruvato e glutamato, respectivamente. A reao facilmente reversvel; entretanto, durante o catabo-

Regulao do Catabolismo ProticoEstudos demonstram aumento da taxa de catabolismo de aminocidos quando a ingesto protica excede a necessidade do organismo, uma vez que no existe no organismo um mecanismo de armazenamento do excesso de protenas ingeridas. Assim, todo aminocido consumido acima da necessidade imediata oxidado e o nitrognio excretado. Esse procedimento um dos principais mecanismos regulatrios do metabolismo protico durante o consumo de dietas hiperproticas. Verifica-se o aumento da atividade das enzimas relacionadas ao catabolismo de aminocidos, o que corrobora a ao do mecanismo regulatrio. Estudos com animais submetidos a dietas com diferentes concentraes de protenas, durante 10 dias, demonstram que a atividade in vitro da enzima heptica serina desidratase aps esse perodo aumenta substancialmente e progressivamente proporo que a concentrao de protena aumenta na dieta6,101. A regulao do metabolismo de protenas tambm permite o catabolismo seletivo de protenas no vitais para o organismo durante o jejum, disponibilizando, desse modo, aminocidos para a gliconeognese. Os mecanismos de regulao atuam durante o jejum prolongado para permitir o saldo de degradao de protenas no vitais, enquanto ocorre a conservao daquelas que so mais relevantes para a sobrevivncia do indivduo, por exemplo, as protenas do sistema nervoso central. Dentre as protenas que podem ser consideradas menos vitais, inclui-se aproximadamente metade da massa muscular corporal4.

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lismo dos aminocidos, a enzima atua apenas na direo da sntese de glutamato, sendo este fato tambm observado na maioria das transaminases9,10,92.ALT B6

DeaminaoA remoo do nitrognio dos aminocidos tambm ocorre por reaes de deaminao, que resultam na formao de amnia livre. Um nmero determinado de aminocidos pode ser deaminado diretamente (histidina), por desidratao (serina, treonina), pelo ciclo da purina nucleotdeo (aspartato), e por deaminao oxidativa (glutamato). Estas reaes ocorrem principalmente no fgado e no rim e fornecem -cetocidos (os quais podem entrar na rota central do metabolismo energtico) e on amnio (NH4+; que uma fonte de nitrognio na sntese de uria)3,5,9. Em relao reao catalisada pela enzima glutamato desidrogenase (GDH), que apresenta a caracterstica singular de ser capaz de utilizar tanto NAD+ ou NADP+, o on amnio formado a partir do glutamato por deaminao oxidativa3,5:GDH

Alanina + -cetoglutarato

Piruvato + Glutamato

A enzima AST, tambm denominada transaminase glutmico-oxalactica (TGO), uma exceo regra de que as aminotransferases direcionam os grupos amino ao glutamato. Durante o catabolismo dos aminocidos, a AST transfere grupos amino do glutamato ao oxaloacetato, formando aspartato, que utilizado como uma das fontes de nitrognio no ciclo da uria1,2,25. Para a maioria das reaes de transaminao, a constante de equilbrio prxima de 1, permitindo reao funcionar tanto na degradao de aminocidos, por meio da remoo de grupos -amino (por exemplo, aps o consumo de uma refeio rica em protenas), quanto na biossntese, por meio da adio de grupos amino aos esqueletos de carbono de -cetocidos10,25.

Glutamato + NAD+ (ou NADP+) + H2O NADH (ou NADPH) + H+

-cetocido + NH4+ +

FIG. 6.10 Viso geral do metabolismo de aminocidos e o papel da transaminao. (Adaptado de MURRAY et al.7.)

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Os D-aminocidos so encontrados em plantas e nas paredes celulares de microrganismos, porm no so utilizados na sntese de protenas em mamferos. Entretanto, esto presentes na dieta e so eficientemente metabolizados no fgado. A enzima D-aminocido oxidase dependente de flavina adenina dinucleotdeo (FAD) catalisa a deaminao oxidativa dos D-aminocidos. Os -cetocidos resultantes podem entrar nas rotas gerais do metabolismo de aminocidos, ser transaminados para ismeros L ou catabolizados para obteno de energia24.

cido rico, creatinina e alguns aminocidos livres. Uria e amnia surgem a partir da oxidao parcial de aminocidos, enquanto o cido rico e a creatinina so indiretamente derivados de aminocidos10,27,91. De acordo com a Fig. 6.11, verifica-se que o nitrognio que entra no ciclo da uria a amnia, na forma do on amnio (NH4+). O precursor imediato o glutamato, porm o nitrognio da amnia provm de diversas fontes, como resultado de reaes de transaminao. Uma condensao entre o on amnio e o dixido de carbono produz o fosfato de carbamoila, em uma reao que requer duas molculas de ATP para cada molcula formada. Segue-se a reao do fosfato de carbamoila com a ornitina para formar a citrulina. At esse ponto, as reaes do ciclo acontecem na mitocndria. A citrulina , em seguida, transportada para o citosol. Um segundo nitrognio entra no ciclo da uria quando o aspartato reage com a citrulina para formar o argininossuccinato em mais uma reao que requer ATP (so produzidos AMP e PPi). O grupo amino do aspartato a fonte do segundo nitrognio da uria formada nessa srie de reaes. O argininossuccinato clivado para originar fumarato e arginina. Posteriormente, a arginina hidrolisada pela enzima arginase para formar uria e regenerar a ornitina, que transportada novamente para a mitocndria. A sntese de fumarato no ciclo da uria um elo entre este ciclo e o ciclo de Krebs. O fumarato um intermedirio do ciclo de Krebs e pode ser convertido em oxaloacetato. Uma reao de transaminao pode converter o oxaloacetato em aspartato, estabelecendo outra ligao entre os dois ciclos. Cabe ressaltar que quatro fosfatos de alta energia so consumidos na sntese de cada molcula de uria3. Em resumo, um nitrognio da molcula de uria fornecido pela amnia livre, enquanto o outro nitrognio provm do aspartato. O glutamato o precursor imediato da amnia por meio da deaminao oxidativa catalisada pela enzima glutamato desidrogenase e do nitrognio do aspartato por meio da transaminao do oxaloacetato catalisada pela enzima aspartato aminotransferase. O carbono e o oxignio da uria so derivados do CO2. A uria sintetizada pelo fgado , posteriormente, transportada pela circulao sangnea at os rins, onde filtrada e excretada na urina. Uma parte da uria sintetizada no fgado difunde-se do sangue ao intestino e clivada a CO2 e NH3 pela urease bacteriana. Esta amnia parcialmente perdida nas fezes, enquanto outra parte reabsorvida pelo sangue50.

AMINOCIDOS: METABOLISMO DOS ESQUELETOS DE CARBONOSO catabolismo dos 20 aminocidos encontrados nas protenas envolve a remoo dos grupos -amino, seguida pela degradao dos esqueletos de carbono resultantes. O catabolismo dos esqueletos de carbono converge para formar sete produtos: oxaloacetato, -cetoglutarato, piruvato, fumarato, acetil-CoA, acetoacetil-CoA e succinil-CoA. Estes produtos entram nas rotas do metabolismo intermedirio, resultando na sntese de glicose ou de lipdio ou na produo de energia, por meio de sua oxidao a CO2 e H2O pelo ciclo de Krebs9,22,105. Aminocidos que so degradados para acetil-CoA ou acetoacetil-CoA so denominados cetognicos (leucina e lisina), porque originam corpos cetnicos. Cabe ressaltar que em mamferos h ausncia de uma via metablica que sintetize glicose a partir de acetil-CoA ou de acetoacetilCoA. Diferentemente, aminocidos que so degradados para oxaloacetato, -cetoglutarato, piruvato, fumarato ou succinil-CoA so denominados glicognicos (alanina, asparagina, aspartato, cistena, glutamato, glutamina, glicina, prolina, serina, arginina, histidina, metionina, treonina e valina). A sntese de glicose a partir desses aminocidos possvel uma vez que os intermedirios do ciclo de Krebs e o piruvato podem ser convertidos em fosfoenolpiruvato e, posteriormente, em glicose. Alm disso, existem aminocidos que so glicognicos e cetognicos (tirosina, isoleucina, fenilalanina e triptofano)5,10,22,92,103.

CICLO DA URIAA uria a principal forma de eliminao dos grupos amino derivados dos aminocidos e responde por mais de 90% dos componentes nitrogenados presentes na urina. Diariamente, cerca de 11 a 15 g de nitrognio so excretados na urina de um indivduo adulto saudvel que consome de 70 a 100 g de protena por dia. Alm da uria, existem outras formas de excreo de nitrognio na urina, como amnia,

Regulao do Ciclo da Uria necessria uma regulao precisa para uma via que controla a concentrao plasmtica de um composto alta-

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FIG. 6.11 Ciclo da uria.

mente txico amnia e que altamente dependente de energia. O principal passo regulatrio do ciclo da uria a sntese inicial do carbamoil-fosfato. A enzima carbamoil-fosfato sintetase I necessita do ativador alostrico N-acetilglutamato. Este composto sintetizado a partir do glutamato e do acetil-CoA pela N-acetilglutamato sintetase, a qual ativada pelo aminocido arginina. Acetil-CoA, glutamato e arginina so necessrios para fornecer intermedirios ou energia para o ciclo da uria, e a presena do N-acetilglutamato indica que esses compostos esto disponveis 79,92,98. O ciclo tambm regulado pela induo das enzimas envolvidas. A induo (10 a 20 vezes) das enzimas do ciclo da uria ocorre quando h aumento da oferta de amnia ou de aminocidos para o fgado. A concentrao dos intermedirios do ciclo tambm exerce um papel na sua regulao por meio do efeito de ao de massas. Uma dieta hiperprotica (excesso de aminocidos) e o jejum (necessidade de metabolizar a protena corporal para obter carbonos para a produo de energia) resultam em induo das enzimas do ciclo da uria4,6,92.

Induo das Enzimas que Catabolizam AminocidosQuando as concentraes de aminocidos que alcanam o tecido heptico so relativamente baixas, a principal proporo desses aminocidos incorporada como protena. Alm disso, os valores de Km para aminocidos de muitas das enzimas envolvidas alto, permitindo que aminocidos estejam presentes em excesso antes que um catabolismo significativo possa ocorrer. Em contraste, as enzimas que geram aminoacil-tRNAs apresentam valores de K m muito menores para aminocidos. Contudo, medida que as concentraes aumentam, uma proporo dos aminocidos catabolizada. O excesso de aminocidos pode ser oxidado completamente para CO2, uria e gua, ou intermedirios gerados podem ser utilizados como substratos para lipognese. Aminocidos que escapam do fgado so utilizados para a sntese protica ou como substratos energticos em outros tecidos. Conforme ilustrado na Fig. 6.12, os valores relativos de K m dos dois sistemas enzimticos so de

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Fisiologia da Nutrio Humana. Aspectos Bsicos, Aplicados e Funcionais

extrema relevncia na regulao do destino dos aminocidos, o que representa claramente um mecanismo para prevenir o desperdcio de aminocidos indispensveis por meio do catabolismo 1,79,92,98. Quando animais so alimentados com uma dieta hiperprotica, muitas das enzimas que catabolizam aminocidos, como triptofano pirrolase, fenilalanina hidroxilase, 2-oxocido desidrogenase e serina desidratase, so rapidamente induzidas. Este efeito ocorre principalmente no fgado, sendo muito menos marcante em outros tecidos, como rins e corao79. O mecanismo de induo dessas enzimas ainda no est totalmente elucidado. Contudo, tem sido verificado o aumento da quantidade de mRNA de algumas enzimas, indicando que o controle exercido em nvel transcricional dos genes para a enzima estudada, sendo esse processo controlado por diversos hormnios. A glicose inibe fortemente a induo deste processo, talvez devido estimulao da liberao de insulina, enquanto o glucagon um potente estimulador da induo de diversas enzimas que catabolizam aminocidos106.

METABOLISMO DE AMINOCIDOS NO MSCULO ESQUELTICOA maioria da protena corporal e, conseqentemente, dos aminocidos, est contida no msculo esqueltico. No organismo de um humano com 70 kg, h cerca de 12 kg de protena e 200 a 230 g de aminocidos livres. O msculo esqueltico representa de 40% a 45% da massa corporal total, com cerca de 7 kg de protena, sendo aproximadamente 66% na forma de protenas contrteis e 34% na forma de protenas no contrteis. Cerca de 130 g de aminocidos livres esto no espao intramus