Prova HRI
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Universidade de BrasíliaInstituto de Relações InternacionaisHistória das Relações InternacionaisProf. Pio Penna FilhoAluno: Gabriel Moura Queiroz ± 09/95096Prova I
1
(1)
No Capítulo ³Propósitos e definições´, de A Evolução da Sociedade
Internacional , Adam Watson lança os conceitos que vão guiar sua análise das
sociedades de Estados, desde as antigas, passando pela europeia, até chegar à global. O
autor fez parte do Comitê Britânico para a Teoria da Política Internacional, instituição
financiada pela Fundação Rockefeller para o fomento de estudos na área, o que
demonstra sua participação ativa na formulação do aparato teórico-analítico que ficou
conhecido, no campo de estudos das Relações Internacionais, como a Escola Inglesa. Nesse sentido, Watson compartilha da conceituação acerca da ordem internacional, que
leva mais em conta os atributos históricos no desenvolvimento das relações
internacionais do que outros esforços teóricos do campo de estudo, como o realismo e o
liberalismo.
A ênfase no desenvolvimento histórico da sociedade internacional não faz com
que a Escola Inglesa ± e, especificamente, os escritos de Adam Watson ± torne-se um
estudo meramente intuitivo ou casuístico do cenário internacional. Pelo contrário, origor intelectual e a formulação clara e articulada de conceitos permeia a produção
acadêmica de seus integrantes. Nesse sentido, vê-se o compartilhamento de valores
como condição sinequa non para a formação da sociedade internacional. Mais que a
mera coexistência e o suficiente contato entre dois ou mais Estados ± conceituação
básica de sistema internacional ±, uma sociedade por eles formada pressupõe interesses
e valores comuns, o que os guia à formulação de regras e instituições que passam a
influenciar o grupo como um todo. Hedley Bull, outro prestigiado acadêmico da Escola
Inglesa das Relações Internacionais, define as instituições cruciais à sociedadeinternacional global como sendo o equilíbrio de poder, o direito internacional,
diplomacia, guerra e o papel das grandes potências. A importância dessas instituições
não seria sustentada se não fosse o interesse generalizado na sociedade de Estados pela
preservação da soberania estatal, da ordem internacional e pelo cumprimento dos
tratados.
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Deste modo, ³acreditando que o passado não é meramente um prólogo e que o
presente não tem o monopólio da verdade, recorremos à experiência histórica´.1 Os
estudiosos da Escola Inglesa e, especificamente, Adam Watson creem que a sociedade
internacional atual, que toma proporções globais, remete a experiências passadas das
relações internacionais. O aparato de análise histórica de Watson acaba por revelar umcontinuum que tem suas origens nos antigos sistemas internacionais. Logo, ficam claras
as implicações teóricas de se estudar a História das Relações Internacionais desde a
Antiguidade nos moldes do empenho watsoniano.
Watson delimita os conceitos com os quais trabalhará a categorização dos
sistemas de Estados. Nos extremos do eixo, o autor analisa a propensão à independência
ou ao império; na parte intermediária, a existência do domínio ou de hegemonia. Em um
dos extremos absolutos, o conceito de independência, ou autonomia, seria verificado se
fosse notada a capacidade de cada unidade do sistema (Estados) de tomar decisões tanto
externas quanto domésticas. Nesse sentido, formar-se-ia um sistema de independências
múltiplas propensas à consolidação de alianças. No outro extremo está o conceito de
império, aplicado quando houvesse uma administração central forte o suficiente para
subjugar as demais unidades. Nesse caso, não haveria poder ilimitado, apesar da grande
força radiada para toda a extensão territorial do sistema.Mesmo assim, as possibilidades
de ação imperial sãoao menos parcialmente diminuídas, dada a coexistência com outras
comunidades.
Independência e império seriam categorias absolutas que nunca seriam atingidas
totalmente na realidade. Logo, necessitam-se categorias intermediárias para melhor
conceituação. A situação de hegemonia, mais próxima do espectro de independência,
seria identificada quando uma autoridade, ou um conjunto de potências, fosse capaz de
ditar o modus operandi do sistema. Mais uma vez, o diálogo com as potências menores
também seria parte da existência de um hegemon, o que inviabilizaria ações unilaterais
e demasiadamente impositivas. Por sua vez, o domínio, mais próximo do império, seria
verificado quando uma autoridade determinasse a vida de comunidade subalternas, mas
com a continuidade da existência das mesmas como unidades separadas. As quatro
categorias inicialmente expostas por Watson guiam seu estudo por toda a história.
1 GILPIN, R. W ar and Change in W orld Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1981, p. 11.Citado em: WATSON, A. A Evolução da Sociedade Internacional . Brasília: Ed. UnB, 2004, p. 12.
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Watson identifica o surgimento de regras e normas de caráter regulatório, seja
dentro de comunidades ou num grupo delas, como um aspecto recorrente da história das
relações internacionais. Nesse sentido, o pertencimento a uma cultura distinta sempre
foi e continua sendo valorizado e facilmente identificável. Ou seja, pela análise
histórica, identifica-se a formação do ³eu´ e, ao mesmo tempo, do ³outro´.
Esse senso de alteridade é essencial para a formação de uma sociedade de
Estados. Mas mais que isso, um sistema que se torna uma sociedade deve constar de
valores compartilhados: um conjunto de formas de conduta legítimas, aceitas de forma
generalizada entre os membros da sociedade. A alteridade, então, é enfatizada pelo
elemento cultural . Logo, os membros pertencentes a uma sociedade mantêm mais que
relações estratégicas e comerciais ± atividades estas cruciais na análise watsoniana: eles
constroem uma cultura dominante e que amalgama uns aos outros, sendo este a
implicação teórica mais importante do aparato intelectual fomentado pelos acadêmicos
da chamada Escola Inglesa.
(2)
O Império Persa constitui importante foco de análise na história da sociedade
internacional traçada por Adam Watson. Estabelecido formalmente por Ciro, em 559
a.C., o império se expandiu por um vasto território, duas vezes maior que o Assírio, por
exemplo. Houve, nesse sentido, uma ampliação do sistema de Estados inédita até então.
A expansão territorial chegou ao seu auge com Dário, atingindo eventualmente terras de
três continentes: Ásia, África e Europa. Consequentemente, a administração pública
também foi forçada a novos desafios.
A relação com o extenso território e, consequentemente, com os vários povos
distintos que nele habitavam ± incluindo medos, lídios, assírios etc. ± foi o que
diferenciou a Pérsia dos demais sistemas de Estados antigos. Apesar de ser geralmentechamado de Império Persa, esta não é a posição em que tal sistema se situa no espectro
watsoniano. Para ser um império, a Pérsia precisaria comandar toda área pela qual se
expandia por meio de um centro imperial. A administração de fato existia, mas o
exercício do poder não se dava de forma demasiadamente impositiva. A relação com o
outro, isto é, com a periferia do sistema, condicionava um tipo de ação distinto por parte
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do governo persa. Estabelecia-se, na verdade, uma relação de hegemonia. O centro
hegemônico de poder ± que, aliás, foi transferido a 5 capitais diferentes durante a
história do Império Persa ± formatava um sistema menos centralizado, o qual respeitava
as identidades dos diversos povos e a eles concedia maior autonomia.
Também no governo de Dário foram estabelecidas as satrapias: o extenso
território persa foi dividido em vinte províncias diferentes. Cada satrapia era dotada de
certa autonomia, tendo as políticas locais governadas pelo sátrape. Ademais, a política
fiscal do governo central persa fazia que a maior parte da tributação ficasse na própria
região: somente um décimo do que era arrecadado era de fato revertido ao centro. O
sistema persa também era dotado de significante infraestrutura, exemplificada pela
extensa rede de comunicação, com a qual se tornava possível atravessar toda a extensão
do sistema eficientemente, dadas as condições da época e a existência de serviço postal.
A administração central, por sua vez, era burocratizada, estabelecia uma língua oficial ±
o aramaico ± e mantinha uma reserva militar constantemente reposta: os chamados
imortais.
Não só fatores organizacionais corroboravam para a continuidade da hegemonia
persa. O comércio também era beneficiado, dada a relativa facilidade de comunicação e
a inexistência de taxas sobre tal atividade. Vale a pena ressaltar também a importância
da utilização de uma moeda única, o que dotava a economia de maior liquidez e
capacidade de intercâmbios comerciais. Estas e outras características supracitadas
representavam um grande avanço na administração e foram incorporadas a impérios e
sistemas posteriores.
Em suma, a Pérsia apresentava características que permitem caracterizá-la como
uma espécie de império moderado. Especificamente, a hegemonia exercida pelo núcleo
duro do governo possibilitava a manutenção de identidades distintas por todo o
território. Nesse sentido, não houve claras manifestações de criação civilizacional, ou
seja, não se procedeu à subjugação dos povos conquistados e o enquadramento dosmesmos. Um exemplo de tal prática largamente citado é a libertação dos judeus do
cativeiro na Babilônia, apesar da difusão do Zoroastrismo como religião imperial. A
brandura na relação com o outro pressupunha, é claro, o consentimento para com o
governo imperial central.Em maior ou menor medida, a forma de lidar com as
vicissitudes das áreas incorporadas ao império influenciaram o Império Britânico. Este
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também prezou pela construção de governança que levasse em conta as elites políticas
locais, não o controle estrita e abertamente realizado pela autoridade central. Enfim, o
estudo sobre o (brando) Império Persa é revelador de elementos cruciais para o
entendimento de sociedades de Estados construídas pela força da hegemonia.
(3)
Civilização de grande importância à sociedade contemporânea, a Grécia Clássica
é talvez o sistema de Estados antigo mais conhecido. Muito além do reconhecimento
popular, a importância da Grécia também é notada no estudo sistemático acerca da
formação da sociedade internacional conduzido por Watson. O sistema focalizado, no
caso, é aquele formado pelas cidades-estados gregas dotadas de peculiar independência,
quando comparadas com os demais sistemas de Estados antigos.
Os gregos mantinham padrões de conduta e regras tanto para a guerra quanto
para a manutenção da paz, para mediação e comunicação. Assim sendo, aexperiência
grega pode ser caracterizada como a construção de uma genuína sociedade internacional
helênica. O compartilhamento de cultura era notado nas relações entre as diversas polis.
Estas claramente mantinham o que pode se chamar de ³micro-identidades´, refletindo
vicissitudes de seus membros. No entanto, a vinculação à Hélade era superior, na
medida em que as cidades-estados mantinham laços linguísticos, religiosos e artísticos;
eram ligadas por práticas como as Olimpíadas e demais competições que angariavam a
participação de diversas cidadanias, bem como pelas expressões artísticas (teatro,
arquitetura etc.) em grande parte similares. Além disso, havia a relação comercial, que
garantia certa interdependência entre as polis (com exceção daquelas de economia
essencialmente doméstica, como no caso de Esparta) e também o laço intelectual: a
filosofia grega, grande fonte de inspiração do pensamento Ocidental, era construída de
forma altamente articulada e auto-referenciada, ou seja, filósofos se citavam e debatiam
(na tradição clássica da dialética) frequentemente.
Os fortes laços culturais, os quais evidenciam o compartilhamento de valores e
interesses compartilhados, andavam paralelamente pelo notável apreço à independência
das unidades componentes da sociedade helênica. Cada cidade-estado zelava pela
manutenção do sistema de independências múltiplas, o que dá subsídios para a
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conceituação de tal sociedade como uma que caminha ao espectro watsoniano de
independência absoluta. Entretanto, havia sempre a possibilidade de ímpetos
hegemônicos, sejam aqueles perpetrados pelas próprias cidades-estados, sejam aqueles
vindos de elementos externos ao sistema.
Nesse sentido, identifica-se um traço especialmente considerado nas relações
entre as polis: o anti-hegemonismo. Quando uma cidade almejava a hegemonia, era
combatida por um grupo de outras, o qual formava uma coalização anti-hegemônica.
Tais alianças não eram de forma alguma fixas, alterando-se sempre que a propensão à
hegemonia se despontava. Dentro desta lógica, as cidades-estados se utilizavam de duas
práticas para a contestação anti-hegemônica: estasis, que consistia no emprego de armas
dentro de uma polis, para alterar a forma como esta era governada edike, maneira mais
sofisticada de resolução de disputas, parecida com uma mediação razoável de conflitos.
Vale à pena notar que, apesar de ser um método aceitável de relação entre cidades, a
guerra não era disseminada irrestritamente. Tal limitação à prática reflete, mais uma
vez, ao compartilhamento de valores e os constrangimentos por eles causados à ação
coletiva.
As cidades-estados eram unidades que podem ser caracterizadas como
corporações de cidadãos. Assim, havia forte identificação do cidadão à sua cidade. Não
se diria, por exemplo, que Atenas, entraram em guerra, mas sim os atenienses. Tal
identificação fortalecia a fragmentação política constatada na sociedade helênica,
primeiramente guiada pela geografia. Territorialmente, torna-se possível analisar a
Grécia por três regiões diferentes: as cidades mais ao oriente, constantemente
suscetíveis ao domínio imperial externo; as cidades mais ao centro, exemplificadas por
Atenas, sem laços de suserania com unidades estrangeiras, e a parte ocidental, a
chamada Grande Grécia, a qual englobava as colônias comerciais fruto da expansão
rumo ao oeste. Ademais, o sistema político doméstico era fator peculiar de cada cidade:
o compartilhamento de cultura não significava a imposição de certo modelo político ±
ao contrário da sociedade internacional global, que busca promover o sistema
democrático.
Em suma, a Grécia não só foi uma das primeiras civilizações a atingir territórios
mais ao ocidente, chegando ao que hoje é a Europa, como também viria a influenciar
esses sistemas de Estados posteriores. Nesse sentido, nota-se um estreito laço entre o
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sistema internacional helênico e o europeu. Primeiramente, nota-se uma semelhança
³natural´: ambos os sistemas promovem uma valorização das independências múltiplas.
Ademais, a elite política europeia ± e também americana, se se considera o sistema
europeu como berço do sistema internacional global ± recebia educação clássica que
sofre, em última instância, influência grega. O estudo da sociedade internacional globalcontemporânea ficaria incompleto caso não se procedesse aos seus antecedentes, sendo
a experiência grega um dos mais importantes.