PROVAS DE AVALIAÇÃO FINAL DO 4º ANO - spgl.pt DE AVALIACA… · Quando quase tudo falha...

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    SPGL . PROVAS DE AVALIAO FINAL DO 4 ANO .

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    SPGL . PROVAS DE AVALIAO FINAL DO 4 ANO .

    Breve Reflexo sobre os exames do 4 ano ................................................................................... 4Paulo Sucena

    Os Exames: uma escola empobrecida e centrada na competio individual ................................... 5Ana Benavente

    No aos Exames: queremos uma escola mais exigente e rigorosa ................................................. 6Ariana Cosme, Rui Trindade

    O que valem os exames do 4 ano? .............................................................................................. 7Manuela Esteves

    ?Rosa Soares Nunes .................................................................................................................... 8

    Contra o exame da 4 classe ...................................................................................................... 10Rita Gorgulho

    Que se lixe o exame, queremos a nossa escola ........................................................................... 10Mariana Avels

    Exames nacionais e o mito da escola de excelncia .................................................................... 11Maria Jos Viseu

    Para que a escola dos nossos filhos seja equitativa .................................................................... 12Isabel Gregrio

    Mrito ou Exame/Provas finais de ciclo? ..................................................................................... 13Pedro Santos

    E se nos concentrssemos nas aprendizagens dos alunos? ........................................................ 14Helena Maria Amaral

    INDICE

    Introduo

    Terminar com as provas de avaliao final/exames no 4 ano de escolaridade necessrio e urgente.................................................................................................................... 3

    pag.7

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    SPGL . PROVAS DE AVALIAO FINAL DO 4 ANO .

    Introduo

    pag.31

    pag.45

    Terminar com as provas de avaliao final/exames no 4 anode escolaridade necessrio e urgente

    Quando quase tudo falha impe-se a poltica do exame nomeado de prova final de ciclo. Examinar, avaliar, castigar so domnios de uma poltica de educao que no responde ao essencial. No entanto, este ministrio vive centrado em processos de avaliao quer tenham o nome de provas ou exames. Este o segundo ano de provas/exames para o 4 ano de escolaridade. Estas provas finais de ciclo so impostas pelo Despacho Normativo n. 24-A/2012. A vrias vozes: professores, mes, pais e acadmicos dizem, no conjunto de textos inditos publicados nesta edio, que estes exames no servem para este ciclo de ensino. Esta uma fase na vida das crianas em que a aprendizagem deve ser integral, uma formao exigente e ampla, uma formao que faa das crianas cidados e cidads por inteiro. Um exame, no 4 ano de escolaridade, serve para alterar o funcionamento das aprendizagens, reduzindo-as, no limite, a um treino mecanizado. A criao de exames tambm uma marca ideolgica que induz uma metodologia quase em exclusivo. Impe-se um exame/prova final de ciclo no 4 ano de escolaridade, quando falham apoios para as crianas, se aumenta o nmero de alunos por turma, se despedem professores, se aumenta a componente letiva e se valoriza a burocracia em detrimento de uma aprendizagem integral e globalizante. A par de tudo isto criado todo um aparato logstico que envolve a deslocao das crianas da sua prpria escola, tendo estas de fazer o exame/ prova final de ciclo numa outra escola que no a sua e com professores vigilantes que no conhecem. Estas crianas tm 9/10 anos de idade e j assinam declaraes por sua honra! Toda esta situao da realizao desta prova/exame envolta num formalismo absurdo, num vazio de sentido pro-porcional pseudo importncia de um ato que nada revela face verdadeira essncia da escola: formar na e para a diversidade da vida.Quando as crianas apresentam dificuldades devem ser acompanhadas at que estas sejam ultrapassadas, no devem ser punidas por falhas do sistema. Os recursos financeiros necessrios para todo este ato seriam melhor canalizados para a colocao de mais profes-sores nas escolas, para apoio s crianas, para a reduo do nmero de alunos por turma, para apoio na aquisio de material e dotao das escolas de centros de recursos bem equipados e bibliotecas bem dinamizadas, por exemplo. O conjunto de textos que aqui reunimos pretende demonstrar que quatro anos de escolaridade no podem ser reduzidos nem funcionar em prol de um exame / prova final de ciclo. Certamente que muitas mais vozes se podero juntar a estas no propsito, alargado, de contestar esta imposio que afunila a escola e a torna redutora. Este um primeiro passo de uma estratgia, que queremos alargada ao conjunto da sociedade, para o necessrio combate ideolgico a esta matriz educativa que leve ao fim destas provas finais de avaliao / exames no 4 ano de escolaridade.

    A Direo

    Nota: Foi respeitada a opo ortogrfica dos autores.

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    SPGL . PROVAS DE AVALIAO FINAL DO 4 ANO .

    Breve Reflexo sobre os Exames do 4 Ano Paulo Sucena

    Presidente do C. Geral do SPGL . Membro do CNE . Ex-Secretrio Geral da FENPROF

    Pede-me o SPGL que alinhe algumas consideraes sobre a realizao de exames no 4 ano de escolaridade. Assumo a precariedade deste olhar de relance sobre uma matria cuja discusso atravessa a sociedade portuguesa, principal-mente na poca estival que de h muito sacudida pelo arrudo dos exames, e proponho-me deixar alguns tpicos para debate.

    H dezenas de anos que me inclino para considerar os exames um absurdo, na esteira da larga e experienciada refle-xo de Henri Piron, tanto mais quanto estou convicto de que os exames no resolvem os problemas com que se debate o nosso sistema de ensino e nem com a sua existncia que se refora a qualidade das aprendizagens, se promove a equidade, se avalia com mais rigor ou se combate o facilitismo, essa torpe calnia lanada sobre o trabalho dos profes-sores por governantes reacionrios.

    Se tivermos em considerao que assistimos h pouco tempo ao prolongamento da escolaridade obrigatria, o que se poderia esperar era o retardamento do incio dos exames e no a sua antecipao, posio esta que de algum modo segue uma reflexo j muito antiga de Rui Grcio.

    Ento o que ter levado este governo a ter institudo, no passado ano lectivo, exames nacionais no 4 ano de escola-ridade? A meu ver razes de ordem vria. A primeira prende-se com o desejo poltico de tornar o sistema mais selectivo, promovendo uma hierarquizao que, apesar de contingente, circunstncia que no preocupa tica nem socialmente o governo, abre portas para uma antiga e muito pretendida segmentao precoce do sistema que permite a criao, a partir da infncia, de vias de ensino diferenciadas com o fito de o mais cedo possvel se poder encaminhar um contingente significativo de crianas para cursos de preparao para a vida activa.

    A segunda razo radica numa indisfarvel desconfiana do governo nos docentes a cuja profissionalidade d pouca importncia, preocupado que est em reforar a dependncia da classe docente do poder central e suas adjacncias, asfixiando os professores/as com uma intolervel burocracia administrativa, cerceando-lhes a autonomia, a criatividade e a inovao, almejando assim que o ofcio docente seja obscuro, sem prmio, sem glria.

    Situao que os governantes consideram que se refora com a existncia de exames, porque, como escreveu Salvado Sampaio, embora se saiba que os exames por mais bem concebidos e executados que sejam, so, ou deveriam ser, um aspecto secundrio da actividade escolar, na prtica, na generalidade, so uma entidade tirnica que tudo submetem.

    Assim sendo, a teologia dos exames, que absorve o pensamento das eminncias governamentais, ope-se radical-mente ideia de Rogrio Fernandes que via a escola como um territrio de construo do homem, sendo a sua funo mais da ordem do ser do que do saber, bem como a Rui Grcio quando afirma que os mestres so os que criam ou libertam a autonomia dos discpulos. Snteses breves mas luminosas do modo como a maioria dos docentes encara a escola e aspira a exercer a profisso.

    Se deixarmos a esfera ideolgica para nos determos no plano normativo e no aparato prtico com que o governo ps de p os exames do 4 ano, no ano lectivo de 2012/13, logo a nossa voz uma vez mais se junta ao protesto da FENPROF e s diferentes vozes que na sociedade portuguesa se ergueram no s contra os exames do 4 ano mas tambm contra o acervo de regras e imposies, de natureza quase demencial, a que crianas de 9 e 10 anos foram sujeitas.

    Incapaz de corrigir os seus erros, por ignorncia e incompetncia, este governo teima nos exames do 4 ano. Pela minha parte, aposto na continuao do debate sobre esta matria e para isso fecho estas notas cursivas valendo-me de uma citao de Rui Grcio de parte de um artigo publicado no Dirio da Manh, jornal afecto ao regime salazarista: Afir-mam muitos pedagogistas que o pior vcio do ensino ser dominado pela preocupao dos exames. Assim , de facto. Quando se toma o exame como uma finalidade, todo o ensino adquire um carcter artificial sem preocupaes formativas e espirituais, tornando-se mestres e alunos escravos de uma ideia fixa a da melhor preparao possvel para resolver os pontos das provas, preparao no obtida atravs de um desenvolvimento racional e progressivo mas mecnico e estereotipado. (F., Dirio da Manh, 27. Maro.56)

    No me parecendo curial que to controverso assunto fique encerrado nestas linhas e pretendendo incentivar o debate, maneira de Ccero, pergunto (todo o docente tem opinio):

    Quid tibi videtur?

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    Os Exames: uma escola empobrecida e centrada na competio individual

    Ana BenaventeProfessora Catedrtica - Lisboa . Coordenadora do Observatrio de Polticas de Educao e Desenvolvimento - CeiED/CES . Consultora em Educao

    O actual governo PSD/PP decidiu que, em todos os graus da escolaridade obrigatria (4ano, 6ano, 9ano), haveria exames finais com pompa e circunstncia. No 12 ano j havia exames que tm, simultaneamente, um papel de prova de acesso ao ensino superior. Nem esses exames me convencem da sua justia mas, enfim, num mundo to preso a representaes do passado e a formalismos que se confundem com rigor, aceitemos que os exames do 12 ano, final da escolaridade obrigatria, contem como uma parte da avaliao.

    Bem diferente o sentido da reposio de exames nos outros graus de ensino em tempos de desinvestimento na escola pblica. No uma medida menor nem bondosa, longe disso, e s posso lamentar que no tenha sido mais debatida e combatida por todos os que sabem que esse modo de avaliao pobre e ditado por razes que nada tm a ver com a qualidade da aprendizagem das crianas e dos jovens. Eis alguns argumentos, entre muitos que podem as cincias sociais e humanas avanar, contra estes exames.

    1 decidir os modos de avaliao dos alunos influencia brutalmente as pedagogias que as escolas e os pro-fessores podem desenvolver. Nas escolas vive-se em funo dos exames, preparando as crianas e os jovens para questes padronizadas e uniformes, deixando de lado actividades que, por no serem avaliadas, acabam por ter um papel menor. Refiro-me educao cvica, ambiental, para a sade, refiro-me orientao dos curricula em funo das realidades vividas em cada comunidade, da partindo para a universalizao dos conhecimentos. Esta situao ainda mais gravosa no 1 ciclo.

    2 o regresso destes exames traduz uma insuportvel desconfiana do governo em relao ao trabalho rea-lizado pelas escolas e pelos professores. Sem exames, no h aprendizagem, afirmava-se h mais de 50 anos. Nada de mais errado. As aprendizagens significativas para a vida de cada um de ns so as mais polivalentes, as que tm sentido e so, por isso, apropriadas por cada criana e por cada jovem. Tantos exames feitos com base em matrias para esquecer logo a seguir. Digam se no verdade.

    3 os exames so a modalidade mais pobre de avaliao. Deixam de lado as competncias pessoais e para a vida, limitam-se a obter respostas a testes, sob forma de perguntas fechadas (cruzinhas) ou abertas em que s uma resposta verdadeira. Os alunos mostram saber aquela matria. Mas ter a Escola s esse papel? No por acaso que foram sendo deixados para trs medida que outras modalidades de trabalhos individuais e de grupo, projectos e muitas outras eram capazes de avaliar os conhecimentos e os modos de os usar, a criatividade, a cooperao, o sentido prtico e muitas outras competncias decisivas para a formao dos mais novos.

    4 os exames antecipam a competio individual destruindo os laos de socializao. Num exame, cada um por si, tal como na vida querem que sejamos indiferentes aos outros e individualistas a 1.000%. esta a ideologia do actual governo e de quem quer a escola ao servio de alguns e no de todos que os exames concretizam. E comeam logo no 1 ciclo, para que impere desde cedo a sede de competio.

    5 Finalmente, os exames confrontam as escolas com uma espcie de campeonato nacional, em que os re-sultados obtidos lhe atribuem um lugar de melhor ou pior escola. Ignorando quem so os alunos e as comunidades em que vivem, calando as condies de trabalho, premeiam-se as que obtm resultados mais elevados, penalizam-se as que no os obtm. Quer-se assim formatar a escola como uma fbrica de exames e no como um espao educativo da maior importncia. Sabemos que nos primeiros anos que se decide o percurso escolar de cada um. Impor estes exames perverter o valor da Educao.

    EM SUMA, ESTE RETROCESSO EMPOBRECEDOR INSUPORTVEL NO SEC. XXI, NEGA A RIQUEZA DO CONHECIMENTO, IMPE ESCOLA E A TODOS OS QUE NELA VIVEM A IGNORNCIA DOS GOVERNANTES.

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    No aos Exames: queremos uma escola mais exigente e rigorosa Ariana Cosme Rui Trindade

    Docentes da FPCE da UP

    Num tempo em que as palavras deixaram de dizer o que julgvamos que elas pareciam dizer, chegou o momento de compreendermos que a reivindicao dos exames como instrumento de exigncia e de rigor pedaggico uma mistificao, tendo em conta que os exames so a expresso maior de um sistema educativo interessado em promover a seleo social e acadmica, contribuindo para que as escolas se afirmem como espaos culturalmente indigentes. Admite-se que em situaes de ensino massificadas, como no caso de alguns cursos do Ensino Superior, pode no haver alternativas aos exames, pelo menos enquanto se mantiverem as condies institucionais que condicionam a sua utilizao como provas de avaliao. Admite-se, tambm, que, no mbito do processo de seleo dos candidatos do Ensino Secundrio s universidades e aos institutos politcnicos, no fcil encontrarmos uma alternativa que garanta a equidade possvel num momento to decisivo da vida das e dos jovens. Fora as duas situaes identificadas, as quais mais tarde ou mais cedo tero que ser objeto de discusso pblica, necessrio perguntar para que queremos e para que servem os exames nos 4, 6 e 9 anos de escolaridade?

    Sabemos que as respostas podero ser to diversas que decidimos valorizar aquelas que, dado o seu impacto p-blico, merecem ser olhadas com mais cuidado e ateno. Deste modo, defrontamo-nos com o conjunto de posies atravs do qual se exprime a perspetiva que faz depender a respeitabilidade do processo de avaliao dos alunos da realizao dos exames e uma outra abordagem que, sendo mais recatada do ponto de vista da sua expresso social, identifica os exames como o instrumento de controlo mais eficaz que possumos sobre o trabalho dos professores e das escolas. No sendo leituras mutuamente exclusivas acerca da importncia dos exames e do seu impacto so, apesar de tudo, leituras que merecem ser objeto de um processo de anlise distinto para que se possa compreender o conjunto de inverdades e equvocos pedaggicos que as mesmas pressupem.

    A tese da respeitabilidade assenta mais num misto de iluses, crenas e lugares comuns, sem sustentao emprica, do que propriamente em dados solidamente coletados e analisados. Em primeiro lugar, os exames, dado os condiciona-lismos relacionados com o tempo da sua realizao e o modo como so realizados, esto na origem de duas situaes, igualmente, indesejveis. Uma tem a ver com o modo como os exames favorecem um tipo de avaliao excessivamente circunscrita, particularmente se tivermos em conta tanto a amplitude dos desafios e das atividades como a complexida-de das situaes acadmicas vividas pelos estudantes quotidianamente nas salas de aula. Outra, de sinal contrrio, tem a ver com a subordinao daqueles desafios, atividades e situaes realizao dos exames, os quais, pelo menos a partir de determinado momento do percurso escolar dos alunos, passam a ser o objeto nico das iniciativas que tm lu-gar nas salas de aula. Iniciativas estas que, ao contriburem para valorizar o treino e os exerccios estereotipados como atitude pedaggica padro1, contribuem, afinal, para que o ato de estudar e de aprender sejam entendidos como atos intelectualmente menores que, mais do que o investimento na construo de significados acerca dos objetos de saber de forma a conferir-lhes visibilidade, se afirmam como oportunidades perdidas, do ponto de vista da configurao das escolas como espaos autnticos e exigentes de socializao cultural dos seus alunos. Em suma, em nome da crena de que os exames contribuem para que a avaliao seja um ato respeitvel aceita-se, como inevitvel, o empobreci-mento dos projetos de formao que nas escolas se propem.

    O controlo sobre o trabalho dos professores e das escolas a outra das teses que mobiliza um nmero significativo de adeptos, esquecendo estes, os paladinos de uma escola dita de excelncia e de rigor, que uma tal tese , pelo contrrio, a expresso acabada do laxismo e do comodismo pedaggicos. De facto, muito mais simples apelar aos exames como instrumento de controlo do que investir na construo de um sistema de monitorizao do trabalho e dos resultados de professores, alunos e escolas que, como se adivinha, um projeto mais complexo, mais honesto e mais exigente. Um projeto do qual necessitamos como de po para a boca, tendo em conta que, sem um tal sistema, as escolas no podero aspirar a afirmarem-se como instituies mais autnomas e responsveis pelo trabalho que promovem e pelos resultados que alcanam. Um projeto que, no entanto, incompatvel com a agenda do atual ministro e daqueles que o acompanham, na medida em que, para estes, os exames, mais do que promoverem uma educao escolar marcada pela exigncia intelectual e cultural, so, acima de tudo, instrumentos de seleo social por via da seleo acadmica.

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    Um objetivo ao qual tudo se sacrifica, sobretudo, porque politicamente continua a dar frutos identificar a exigncia e o rigor com a capacidade de algum evocar rios, serras e estaes de caminhos de ferro ou com a possibilidade de se resolverem os picos problemas do tempo que se leva a encher tanques imaginrios a partir dos fluxos de gua dife-renciados que duas torneiras vo debitando. Problemas que alguns de ns aprenderam a resolver sem fazer a mnima ideia porque o faziam, o que, afinal, parece estar de acordo com a cartilha em vigor, a partir da qual se defende que a primeira condio da compreenso a memorizao da informao ou dos procedimentos que, numa fase inicial, po-dero continuar a ser objetos estranhos, do ponto de vista cognitivo e cultural, para aqueles que os memorizam (Crato, 2003). Uma ideia cuja estranheza diretamente proporcional dificuldade em compreendermos que, como ministro da Educao, temos, afinal, um personagem que se carateriza como o chefe de fila de uma cruzada radical, dogmtica e violenta, equivalente a todas as cruzadas que, em nome da salvao do mundo e daqueles que o habitam, acabaram, sempre, por abdicar da inteligncia como condio fundamental da nossa afirmao como seres humanos.

    Nota: 1 - Filomena Mnica, uma pessoa que est longe de poder ser acusada de nutrir qualquer tipo de simpatia pelas Cincias da Educao que, na ltima obra que escreveu (Mnica, 2014), confere expresso a esta crtica quando d a voz a uma das alunas, no trabalho de indagao que promoveu, que critica os exames nos seguintes termos Para ajudar, os mol-des dos exames no so os mais adequados: tudo demasiado estereotipado (p. 136). Uma crtica que a Mnica corrobora quando afirma que Pelos vistos, at os alunos os consideram uma idiotia (ibidem).

    Bibliografia. Crato, Nuno (2003). O eduqus em discurso directo: Uma crtica da pedagogia romntica e construtivista. Lisboa: Gradiva.. Mnica, Maria Filomena (2014). A sala de aula. Lisboa: Fundao Manuel Francisco dos Santos.

    O que valem os exames do 4 ano? Manuela Esteves

    Docente da FPCE - UL

    Certamente todos nos devemos interrogar continuamente sobre a qualidade da educao e do ensino que proporcio-namos s crianas, aos jovens e aos adultos que frequentam as nossas escolas.

    Para responder a essa interrogao, o sistema educativo portugus dispe de um conjunto de meios avaliao das aprendizagens (incluindo as avaliaes internacionais), mas tambm avaliao das escolas, avaliao do desempenho docente e da formao dos professores. Trata-se, desejavelmente, de avaliar no apenas os resultados mas tambm os processos que a eles conduziram.

    Os resultados de aprendizagem dos alunos, luz da Constituio da Repblica Portuguesa, da Lei de Bases do Siste-ma Educativo e de numerosas recomendaes internacionais que Portugal subscreve, devem contemplar as dimenses do saber, do saber estar, do saber ser e do saber viver com os outros. Cabe s escolas e aos professores a tarefa com-plexa de equilibrar adequadamente o tempo e o esforo dedicados pelos alunos promoo das suas competncias nessas diferentes dimenses, mediante projectos que tenham em conta os contextos especficos que cada escola, cada turma e cada aluno representam.

    A poltica educativa do actual governo, protagonizada por Nuno Crato, ignora (a nosso ver, no ingenuamente) essa complexidade. Adopta uma viso estreita e empobrecedora do currculo escolar. Elimina os planos nacionais de aco da matemtica, da leitura, da aprendizagem experimental das cincias, com provas dadas na melhoria dos desempe-nhos escolares. No toma medidas de promoo do sucesso educativo e escolar. Mas descobre uma panaceia univer-sal: EXAMES. Usa-os como uma ameaa que impende sobre alunos e professores. Inculca, por essa via, a ideia de que, na aprendizagem, apenas conta, apenas vale, o domnio de conhecimentos. Tudo o resto desnecessrio, se no mesmo, prejudicial.

    A reintroduo de exames nacionais no 4 ano de escolaridade, rodeados de uma parafernlia de regras obscuras

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    e aterrorizadoras, foi a soluo de facilidade para agradar queles que se mostravam (mostram) saudosos da escola anterior ao 25 de Abril, qual por ignorncia, m-f ou cegueira, imputam qualidades que ela nunca teve.

    Pessoalmente, no somos contra a existncia de exames, ou seja, de provas de avaliao externa que, em conjun-to com a avaliao interna, permitam a cada aluno, aos pais, aos professores e ao sistema educativo ter uma noo contrastada do valor atribudo progresso realizada. O final da Educao Bsica poderia ser o momento adequado para tal. J para regular o sistema, a avaliao aferida ao longo desse nvel de educao que se articula em trs ciclos diferenciados, seria, a nosso ver, prefervel.

    No horizonte da introduo precoce de exames est um ideal de pessoa que at pode ser competente no plano do conhecimento mas a quem podem faltar competncias humanas, sociais, polticas e culturais. No fundo, um cidado imagem daquela que, muitos dos que hoje nos governam, diariamente nos mostram e que, acreditamos, j chumbaram na avaliao dos portugueses.

    Por que tero os professores primrios exigido logo em Maio de 74 o fim dos exames da 4 classe?

    Rosa Soares NunesProfessora Universitria

    Penso nisto, no como quem pensa, mas como quem respira.(Fernando Pessoa)1

    Por circunstncias que, neste momento no me deixam alternativa, a vai ao correr da pena.

    Pelo desapego; pela entrega; pela esperana, a batalha mais genuna da minha vida profissional situa-se no quadro do afrontamento, pela aco discreta do dia a dia - nem eu dava por isso - solidez incontornvel de uma prova: o exa-me da 4 classe, a todos os ttulos absolutamente inquestionvel. Nem outra coisa passaria pela cabea de ningum. Na minha boa f de estreante na arte de bem gerir o imprevisto ese encantar (tarefa de professor/a, de que acabaria por nunca desistir), teria a meu favor aquela conscincia, por certo mais ligada ao conhecimento tcito, de que contra factos h argumentos... fornecidos por eles mesmos.

    Portanto, primeiro ano como professora primria. Centro litoral do pas. Aldeia (que j tinha sido vila, no desistindo os seus habitantes de continuar a denomin-la como tal) do sop da serra. Em 1963/64. Cinquenta e tantas alunas das diferentes classes escolares, filhas de trabalhadores do campo, com trabalho quando o havia, a jornas de absoluta misria. E uma menina da classe mdia alta, para o contexto (referncia no despiciente pelos acontecimentos desen-cadeados que, na sua dureza, desafiam a coragem de quem os viveu para, algum dia, quem sabe?, os retomar). Pura ausncia de classe mdia (seja l isso o que for).

    Passe a banalidade (do hoje, que no do ontem) da afirmao, o exame da 4 classe era o elemento condicionador de todo um programa de aco, fomentador directo e indirecto de relaes violentas (no plano simblico e da aco fsica) que (a alto preo) denominei muitas vezes de criminosas.

    Numa luta muito penosa e muito sria (faz-se o que tem de ser feito ressoando a apoio da ascendncia, no exemplo e na palavra, e mesmo no silncio autonomizador. Um privilgio meu), a adaptao realidade no me distraa nem colidia com a intuio de que os nveis de maior complexidade do conhecimento s adquirem sentido na operao eficaz da permanente reelaborao do confronto intersubjectivo de que emergem as emoes, os sentimentos, as paixes que

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    do sentido vida. Mas no se fala de uma luta com um tal grau de comprometimento. Como se fosse da natureza das coisas. Um tal grau de intimidade. No consigo. Uma histria de um ano lectivo (que se prolongaria em mais quarenta e tantos), mas longa de acontecimentos, a exemplo: naquele tempo de consistentes separaes hierrquicas, a deslo-cao minha escola do Director do Distrito Escolar, impondo uma autoridade que parecia no estar a ser entendida. Uma histria de um s ano escolar, mas longa no peso da humilhao pblica, recriada na prpria situao do exame. O crime de recusa do uso da pesada rgua, gentilmente oferecida como herana promissora pela professora que eu ia substituir na aposentao; de jogar com as crianas na hora do recreio; fazer das aprendizagens escolares um lugar de vontade de descobrir e amar o que se vem descobrindo tambm no que os outros foram descobrindo e amando se s se ama o que se conhece - tinha que se pagar caro. Humilhao, que no vinda dos pais das crianas a quem, no retorno do campo, alfabetizava luz de um candeeiro de petrleo, num vo de escada; que no vinda das mes que, intuindo coisas, ditas de conhecimento ingnuo luz de certo conhecimento auto designado como o nico legtimo por verdadeiro, podem ir, em consequncias transformadoras, muito alm do produzido tantas vezes revelia de um real que, de to contabilizado se esqueceu de ser sentido. E sem a considerao do qual se enrodilham justificaes para a suposta ausncia de desejo (obliterando-se a ausncia das condies) de superao qualitativa, por direito, da condio ingnua condio crtica; que no vinda das crianas que, menos sujeitas violncia (a esta distncia, em retrospectiva, quanto pensamento estratgico era preciso mobilizar) de papaguear, sem pestanejar, rios, afluentes, montes, serras, linhas frreas, ramais de Portugal Continental e de todo o Imprio de Alm Mar, libertavam tempo e dis-posio para o despropsito (de todo inconveniente e duramente penalizante para exame) de adivinhar que, dos olhos redondos, enormes, da pobre vaca, institucionalmente reduzida ao leite, pele para sapatos, e aos chifres para pentes e botes (ai de quem dissesse cornos), corria um rio de ternura.

    Da que se imagina a pena que me d no ter guardado o documento que fui encarregue de elaborar pelos meus e as minhas colegas, enviado ao Ministrio logo em Maio de 1974, como primeira reivindicao dos professores e das professoras do distrito escolar, agora j mais a Sul, onde exercia. Na verdade do calor dos acontecimentos, antes mes-mo da poeira baixar, com fortssima argumentao (de que guardo alguma memria, no de forma, mas da substncia pedaggica, mesmo psicolgica e sociolgica, poltica), primeira reivindicao dos/as professores/as - fim dos exames da 4 classe.

    Nesse mesmo ano, no Julho que se aproximava, ainda houve exame. Porm, elaborado pelos/as professores/as das crianas. No conforto da sua escola, isto , da sua comunidade de pertena que a escola abria-se aragem fresca do ar l de fora. Sem o policiamento obrigatrio dos outros colegas.

    Mas era o tempo criador em que o tempo sai fora dos carris - que como Shakespeare definia Revoluo.Numa profisso, ento (e de novo) to mal tratada nas condies para o exerccio com dignidade do exigentssimo

    ofcio (no plano da qualidade humana e - ponho toda a nfase - cientfica), porqu o fim do exame da 4 classe, como primeira reivindicao dos professores primrios?

    Pense nisto, Senhor Ministro, e no tamanho e qualidade da regresso poltica a que, de medida em medida, vai sujei-tando uma populao, com retorno a caminhos que, na nossa ingenuidade, pensaramos sem volta.

    PS: Sem a dispensar, no chega circunscrever a luta ao pedido de suspenso do exame da 4 classe. No meu enten-der, ela ganha fora se inscrita na problematizao mais vasta da dimenso estrutural da avaliao escolar. De alunos e professores. No corao do Sistema, a sua interpelao funcionalidade actualizada da escola amplificao das desigualdades sociais, e do sofrimento que arrastam consigo, uma sria urgncia. Enquanto os professores no to-marem conscincia do papel que lhes vem cabendo na distribuio de conhecimento e de poder

    Nota: 1 - Subttulo da minha primeira publicao. Vo algumas dcadas.

    Nazar, 7 de Maio de 2014

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    SPGL . PROVAS DE AVALIAO FINAL DO 4 ANO .

    Contra o exame da 4 classe Rita Gorgulho

    Me e Encarregada de Educao

    Uma escola democrtica aquela que permite aprender e crescer em todos os sentidos, crtica, intercultural, inclusiva e com igualdade de oportunidades. para todos. Forma cidados, no mquinas. livre. No tem exames de 4 ano.

    Quando queremos transformar uma sociedade, por onde devemos comear? Pelo bvio, pelas crianas. Pelo futuro. Sabemo-lo ns e sabe quem governa e pretende alterar profundamente o nosso modelo de sociedade. Os nossos filhos, ao longo do seu percurso escolar, vo sendo moldados conforme as orientaes de quem dirige o Ministrio da Educa-o. Experimentam-se programas, h avanos, h recuos. Tem sido assim ao longo dos nossos 40 anos de democracia.

    No entanto, hoje em dia, assistimos a algo totalmente novo, assistimos a uma mudana de paradigma e a uma golpa-da no sistema de ensino que seria impensvel h uns anos. Um pas que fez progressos extraordinrios desde 1974, v-se a recuar dcadas em apenas 3 anos, porque h todo um programa governamental a ser implementado que vai muito mais alm do que a matria lecionada. Um programa que tem por objetivo criar alunos de primeira e de segunda. Escolas a duas velocidades. Os que nasceram com oportunidades e aqueles que nunca as tero.

    O Ministrio comeou por cortar no investimento da Escola Pblica e aumentar o financiamento aos colgios privados. Continuou, despedindo professores e auxiliares, reduzindo o nmero de turmas, aumentando o nmero de alunos por turma. De seguida, desmantelou o ensino especial e imps programas desajustados realidade das crianas e, por fim, rematou com exames. Muitos, muitos exames.

    Estes exames comeam logo no segundo ano do ensino bsico com um teste intermdio e de seguida, no 4 ano, um exame como no tempo do fascismo. No h outro pas na Unio Europeia que o faa. Justificam-no em nome de algo irrecusvel, do rigor. O rigor do medo, que isto de prazer na escola no faz parte da equao deste governo. Esse rigor feito de objetivos impraticveis, altera profundamente o trabalho construdo ao longo dos 4 anos do 1 ciclo, ignora a realidade dos alunos, dos pais, dos professores, da escola. Automatiza. Deseduca. Cria fossos entre alunos. Trabalha para as elites.

    Disse Nuno Crato: a utopia do igualitarismo, essa que muitos na educao defendem, s seria possvel num nico e no desejvel cenrio: aquele em que todos so medocres. Mas medocre este modelo de escola que querem impor. Uma escola democrtica aquela que permite aprender e crescer em todos os sentidos, crtica, intercultural, inclusiva e com igualdade de oportunidades. para todos. Forma cidados, no mquinas. livre. No tem exames de 4 ano.

    Que se lixe o exame, queremos a nossa escola Mariana Avels

    Me e Encarregada de Educao

    A Carolina tem nove anos. Mais ou menos por esta altura, daqui a um ano, vai fazer um exame.Ou no.A Carolina chama-se mesmo Carolina, e tem mesmo nove anos. minha filha, mas isso o que menos importa; a no

    ser para clarificar que nunca, em tempo algum, me ouviu, ou a algum que lhe seja prximo, a dar qualquer importncia a notas, exames ou testes. O que no a impediu de, h precisamente um ano, viver uma semana de pnico, porque, cito, no sabia se ia saber se sabia tudo ou no da a dois anos.

    Sejamos honestos: seja quando for, nenhuma Carolina vai, dia algum, saber tudo. Umas tantas Carolinas vo sem-pre achar que sabem tudo, mas isso so outros quinhentos. O que me interessa que a(s) Carolina(s) saiba(m) trs

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    coisas, para j: a primeira que ter m nota no exame no significa que ela saiba pouco, muito pouco ou nada, mas que h uma srie de coisas que vai ter de aprender; a segunda que ter uma nota boa no exame no significa que ela saiba muito, tudo ou quase tudo, mas que h uma srie de outras coisas que ela vai ter de aprender; a terceira que no h exame, teste, palestra, reunio, final, estreia ou qualquer outro momento singular na vida que valha as dores de barriga que ela teve tem e vai ter. No, eu no quero proteger a minha filha de dores de barriga, picos de adrenalina e ansiedades vs; quero apenas que ela perceba que elas no a tornam uma pessoa mais capaz, inteligente, respons-vel, feliz ou bem preparada. E no, no quero que ela se habitue a gerir momentos de stress performativo arbitrrio, porque no para aprender a adaptar-se a regras estpidas que ela anda na escola, mas para no perpetuar uma so-ciedade de regras estpidas e arbitrrias, que valoriza a adaptao acrtica e confunde obedincia com conhecimento.

    Na verdade, me indiferente que haja milhares e milhares de Carolinas sentadas numa manh de primavera a res-ponder a perguntas sobre coisas que tero aprendido durante quatro anos; o que me incomoda, e muito, que lhes seja dito que foi para isso que passaram quatro anos na escola e, mais ainda, que tenham mesmo passado esses quatro anos a preparar essa manh. Porque quando se passam quatro anos a preparar crianas para se sentarem a responder a perguntas numa manh de primavera no se passam quatro anos a preparar crianas para responder a perguntas em qualquer manh do ano. E parece-me deveras medocre, enquanto projecto educativo, reduzir a escola ao stio onde se preparam crianas para ter dores de barriga e debitar contedos inconsequentes a horas certas.

    Para que conste, sou uma me muito exigente. Ou seja, espero da escola que ensine a aprender com gosto, e sem-pre, e que ensine tanto a fazer perguntas como a dar respostas. O que muito, mas muito mais difcil do que empinar saberes a metro e despej-los numa folha de papel.

    Eu at percebo o medo que ministros medocres tm de crianas motivadas pela sede de saber sempre mais, e no pela competio e pela angstia. Essas crianas esto prontas para responder a perguntas a qualquer dia e hora, e a olhar para o que no sabem, mesmo quando sabem quase tudo o que suposto terem aprendido at ento, como aquilo que querem aprender. E por isso mesmo que tambm esto mais do que prontas para perguntar a qualquer ministro porque que insiste em impor-lhes um exame que nenhuma pedagogia recomenda. E quem no tem mais para dar- -lhes do que dores de barriga e uma manh perdida, porque elas so demasiado estpidas, mimadas e estragadas para aprender de outra maneira, faz mal em esperar que se sentem, mudas e gratas, a fazer exames do tempo da outra senhora, numa manh de primavera.

    O grande mrito da Carolina, senhor ministro, que, aos nove anos, j uma cidad consciente. No foi nenhum exame que a fez a mida esperta e exigente que ela , foi a experincia de uma aprendizagem que lhe valoriza a inte-ligncia e a faz sentir que deve a si mesma e aos outros ser insuportavelmente articulada, crtica e solidria, dentro e fora da escola. E nem eu nem ela estamos dispostas a abdicar disso.

    Por isso, senhor ministro, saiba que, provavelmente, a Carolina no vai fazer exame nenhum daqui a um ano. Porque ns as duas faremos questo de correr consigo at l.

    Exames nacionais e o mito da Escola de excelncia Maria Jos Viseu

    Membro do Conselho Consultivo da CNIPE

    Aproxima-se, pelo segundo ano, a data de realizao dos exames do 1 ciclo do ensino bsico e com ela se retomam as diversas opinies sobre os mesmos.

    Pessoalmente, sempre tive algumas reservas sobre o papel e a funo e o modelo dos exames nacionais, sobretudo porque, at ao momento, os exames tm tido essencialmente uma funo penalizadora: em primeiro lugar para os alunos, seguidamente para as suas famlias, depois para a escola e por ltimo para a prpria comunidade em que esta se encontra inserida.

    Portanto, ao assumirem essencialmente um carter avaliativo, os exames transformam-se num modelo cego, muito pouco equitativo que no leva em conta o ponto de partida inicial do aluno, o meio ambiente e as oportunidades geradas no seu seio mas, pelo contrrio considera todos no mesmo patamar.

    Poderamos considerar que existe justeza neste pressuposto ao julgarmos que todos esto no mesmo nvel de aqui-

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    sio de conhecimentos e utilizao das competncias apreendidas. No entanto, basta conhecer e trabalhar em dife-rentes escolas para rapidamente nos apercebermos de quo errada esta suposio: cada escola, cada comunidade educativa diferencia-se da sua vizinha pela sua populao e pelas dinmicas e interaes que gera.

    O prprio Ministrio da Educao amplia essa diferenciao, categorizando-as, diminuindo as suas verbas, retirando ou no colocando recursos humanos fundamentais ao sucesso educativo dos alunos, ajudando deste modo a cristalizar as baixas expectativas que muitas famlias tm em relao escola e ao seu papel.

    No , pois, atravs dos exames que se constri uma Escola de excelncia, de qualidade, de igualdade de oportuni-dades, centrada na construo do aluno enquanto ser humano integral, pois esta s se dar quando todas as escolas forem dotadas dos recursos financeiros e humanos que lhes permitam atingir o tal patamar de excelncia de que fala o senhor ministro de Educao, Professor Nuno Crato.

    Pelo seu carter meramente avaliativo e no formativo, os exames do 1 ciclo so mais uma oportunidade perdida visto que ao serem realizados antes do final do ano letivo, no se podero avaliar todos os objetivos e competncias de final de ciclo; ao obrigarem deslocao de alunos para a sua realizao, geram um clima de desconfiana; como tm um carter penalizador obrigam a que o professor trabalhe essencialmente as reas que iro ser avaliadas descurando, ou no abordando significativamente outras reas vitais como, por exemplo, a das expresses.

    Finalmente, poderia testemunhar referindo como muitos tm feito, de que tambm eu fiz exame da 4 classe, durante a poca do Estado Novo e, cheguei aqui porm, o custo foi muito alto, atrever-me-ia a dizer demasiado elevado por-que muitos ficaram pelo caminho, no concluram este ano de escolaridade, foram trabalhar ou emigraram.

    O atual modelo dos exames do 1 ciclo, fez-me lembrar esta Escola e, no esta a Escola que eu quero para o meu pas!

    Para o meu pas, e para isso lutei e, muitos outros antes de mim o fizeram tambm, eu quero uma Escola democrti-ca, equitativa, integradora, onde a diferena seja uma oportunidade e no um elemento estatstico penalizador, onde o exame, a prova, seja usado como mais um elemento que nos permita a todos alocar recursos, se necessrios, modificar estratgias para que no final cada aluno possa seguir e construir o seu caminho sem imposies e restries que o direcione para uma trajetria escolar impeditiva de atingir o seu sonho.

    Para que a escola dos nossos filhos seja equitativa Isabel Gregrio

    Presidente da Direo da CNIPE - Confederao Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educao

    A escola dos nossos filhos e educandos avalia os conhecimentos adquiridos sob o signo do fundamentalismo dos exames.

    O ministro da Educao um devoto por estas provas, basta ler com alguma profundidade o que tem dito e escrito. Em primeira anlise diz que os exames promovem a justia avaliativa, a fiabilidade, o rigor e a excelncia, e logo de

    seguida afirma que os mesmos exames tambm so duplamente proveitosos porque servem para avaliar professores!Os pais e encarregados de educao representados pela CNIPE bem sabem que no existem instrumentos de avalia-

    o perfeitos e por isto no reconhecem que este fundamentalismo do ministro seja a via para a qualidade e avaliao da educao dos nossos filhos e educandos.

    Os prximos dias 19 e 21 de Maio sero dias que provocaro grande ansiedade aos nossos filhos e ao mesmo tempo exi-gem que todas as outras famlias com filhos na escola tenham de assegurar meios para que estes possam no ir escola. A Escola deixa de funcionar para poder realizar os exames!

    Todos tambm sabemos que as provas de exame nacional so um instrumento de avaliao com limitaes e ainda podem provocar consequncias irreversveis para os nossos filhos e educandos.

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    Mrito ou Exame/Provas finais de ciclo? Pedro Santos

    Professor do 1 Ciclo do Ensino Bsico

    Os exames/provas finais de ciclo, como esto institudos, so um saudosismo de um tempo que pensava ter acabado com o 25 de Abril e a constituio de uma nova forma de ver a educao em Portugal.

    Quando temos (ainda, e bem) um sistema que valoriza o percurso do aluno, as suas idiossincrasias e as suas vivn-cias, examinar surge como a negao do prprio conceito de ensinar e aprender.

    A avaliao baseada no exame/prova final de ciclo serve to s para beneficiar quem valoriza a mecanizao, a redu-o do aluno a um mero exerccio de repeties, e resumir um ciclo de ensino a um momento de noventa minutos numa qualquer sala de uma qualquer escola de Portugal.

    A avaliao por exame/prova final de ciclo no contempla, nem nunca contemplar, as diferenas sociais, econmicas e culturais que existem entre escolas paredes meias umas das outras, mas antes as acentua, aumentando o abismo que a escola pblica tem vindo a procurar reduzir com a escola democrtica.

    O exame/prova final de ciclo e os rankings que ele produz estimula a competio entre as escolas, deturpando a fun-o social que as mesmas devem ter, isto , observar o ponto de partida de cada aluno e analisar o seu progresso at ao momento do final de ciclo. Se o aluno vem de um meio sociocultural deficitrio ou pobre, o seu ponto de partida ser sempre abaixo do que outros alunos de escolas bem. Comparar estes alunos pela avaliao contnua, que de si j ser injusta porque compara o que o aluno fez com o currculo nacional de final de ciclo, mas que mesmo assim o respeita, uma coisa; com o exame/prova final de ciclo, e como este se reflete sobre todas as metas curriculares e objetivos inerentes ao ciclo de ensino, o progresso individual escamoteado e o aluno depreciado, mesmo se comparativamente at tenha evoludo mais que outros alunos a quem a vida no foi madrasta ou que nasceram em melhores condies socioeconmico e culturais.

    O exame/prova final de ciclo surge assim como uma vontade de criar as condies para que se possa, de forma socialmente transigida, que se criem os cursos profissionalizantes que mantm o aluno afastado de uma vida futura diferente daquela que a sua condio de partida consigna. Se no quarto ano de escolaridade se fizer logo uma triagem, eliminando uns quantos para percursos alternativos; se afunilarmos os alunos no exame/prova final de ciclo do sexto ano de escolaridade; se ao nono ano apertarmos um pouco mais a malha aos que ainda sobram; chegam s ao final do ensino secundrio aqueles que o sistema pretende: os filhos dos empresrios que acabaro por ser os doutores das fbricas das quais j so donos.

    Com estes exames/provas finais de ciclo pretende-se que as velhas famlias portuguesas, e as novas famlias bur-guesas, se assumam como as poucas donas dos destinos econmicos portugueses, financiando os partidos polticos, influenciando as decises legislativas, e esmagando a possibilidade de aplicao da mxima pelo povo, do povo e para o povo para a nova velha mxima tudo pelo Estado, nada contra o Estado. Pessoas pobres e pobres de esprito aceitam a sua pobre condio, aceitando como riqueza a esmola de quem lhe tira o po que lhe acabou de vender.

    O exame/prova final de ciclo ainda um custo desnecessrio, se atendermos quantidade de papel gasto na sua preparao, desde circulares, normas, despachos e ofcios internos; um desperdcio de tempo dos professores que acabam dentro de um processo burocrtico de reunies e prelees a pais e encarregados de educao (como se de um leitor humano para pais com necessidades educativas especiais se tratasse); ao avolumar de tenso entre toda a comunidade escolar com a presso dos resultados, mesmo se estes no revelem, como todos j perceberam, a quali-dade do ensino pblico em Portugal (fao aqui clara separao de algumas escolas do ensino particular e cooperativo, que no viveram ao longo da sua existncia com as mesmas dificuldades da escola pblica); e por ltimo, ao pagamento a empresas externas para fazer o que podia ser feito internamente, como o caso dos exames/provas finais de ciclo obrigatrios de ingls fornecidos gratuitamente pelas instituies privadas que se conhecem, mas que carecem de uma taxa de aquisio do certificado de aprovao no valor de vinte e cinco euros.

    Ento, debrucemo-nos nas questes essenciais da avaliao: para qu e porqu?Avaliamos para verificar se o processo ensino-aprendizagem se est a processar de forma adequada, dando feedback

    claro sobre que aspetos h a melhorar, a todos os intervenientes no mesmo, ou seja, professor, escola, aluno e pais/

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    encarregados de educao. Este aspeto nunca deveria pressupor a atribuio de culpas, mas a aferio do que pre-ciso melhorar e alocar recursos humanos e estruturais ao dispor do processo. Mas nunca realocando recursos, porque a manta destapa num lado para cobrir outro; antes colocando novos recursos ao dispor de quem precisa.

    Assim, dever-se-ia avaliar para responsabilizar mas no para culpar, para perceber mas no para isolar, para identi-ficar mas no para estigmatizar; dever-se-ia avaliar para que, compreendendo as variveis endgenas de cada escola/comunidade escolar/aluno, se pudesse evoluir no seu trajeto acadmico. Mas o primeiro responsvel, e que o prprio Ministrio da Educao e Cincia, no quer isso, porque mais fcil culpar que agir, culpar do que perguntar o que que precisam de ns?.

    Depois, avalia-se porqu? Porque necessrio, em qualquer e a todo o momento (e no num s momento!), perceber e dar a perceber aos envolvidos no processo em que ponto se encontra o aluno no projeto da sua turma e do seu ano de escolaridade, da sua escola, do seu agrupamento, e em ltima anlise, do edifcio educativo.

    Mas o para qu e o porqu no interessam porque isso punha a nu que o rei no tem roupa, e que a competncia de quem decide sobre educao em Portugal deixa a desejar.

    O exame/prova final de ciclo tambm a arma de quem no sabe (?) ensinar, de quem s v tabelas e folhas de ex-cel cheias de valores atribudos a cada pergunta, ficando de fora a competncia oral, a argumentao, o envolvimento pessoal, a resposta que cria o sorriso na criana e que anima o professor, e o brilho no olhar do aluno que, quando acompanhado, tem sucesso. O exame/prova final de ciclo a tentativa conseguida de dobrar e rebaixar o aluno a quem, tendo progredido e que o professor aprovou, lhe mostra que no vale nada.

    O exame/prova final de ciclo a clara inteno de procurar criar a desacreditao da classe docente, dando-lhe o mesmo destino dos alunos, porque o professor se rev nestes; e mostra uma clara desconfiana no trabalho dos profis-sionais da educao, pois os decisores polticos acham que o exame/prova final de ciclo vai nivelar os exageros dos professores nas classificaes dos alunos.

    No entanto, o que se verifica (atendendo ao que j foi veiculado na imprensa) que so as escolas que tm melhores rankings nacionais que andam a inflacionar as classificaes e a preparar alunos, no para saberem mais, mas para refletirem ainda mais um ranking artificial e pernicioso.

    O que o exame/prova final de ciclo ento? Uma histria de Joo e Maria reinventada, em que os portugueses esto a ser conduzidos casa da Bruxa da Floresta, mas se esto a esquecer de deixar as migalhas para poderem voltar atrs.

    E se nos concentrssemos nas aprendizagens dos alunos? Helena Maria Amaral

    Professora do 1 CEB na EB1 Parque Silva Porto

    A avaliao externa, sob a forma de prova de final de ciclo, instituda no passado ano letivo para alunos do 4 ano de escolaridade pretende ter como finalidade certificar a aprendizagem realizada no final do 1 ciclo de escolaridade. Apresentada desta forma levanta questes quer no que concerne possibilidade de atingir a finalidade a que se prope, quer da legitimidade da sua realizao num sistema de ensino que se define como bsico, progressivo e articulado no sentido de permitir a todos uma formao bsica essencial.

    A legitimidade da realizao da prova radica na forma como se entende a finalidade do ensino/aprendizagem, dos ob-jetivos delineados para o sistema educativo. Se as opinies sobre a validade da realizao da prova so controversas, as divergncias, por vezes, tm origem na inexistncia de referentes comuns para analisar a questo.

    A escola, a educao, os sistemas educativos so artefactos culturais, absolutamente fantsticos em que os humanos garantem a formao de futuros humanos garantindo o seu acesso ao patrimnio cultural. Organizados em sociedades, a cada momento, os humanos encontram nos sistemas educativos a forma de transmitir s novas geraes o conheci-

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    mento e reflexo que foi sendo acumulado ao longo da histria.Espera-se que a escola seja um lugar e um espao em que os mais novos tm acesso a todo o patrimnio de saberes

    e conhecimentos e, neste sentido, a educao uma tarefa da sociedade toda. H que concordar com a tribo de ndios que afirmava que para educar uma criana era necessria toda a aldeia. A educao de todos uma mais valia para toda a sociedade e no apenas para cada sujeito tomado individualmente ou para os seus progenitores.

    Aceite este pressuposto, a reteno de alunos deveria assumir um carter excecional, por exemplo: quando o nmero de faltas de um aluno impede que este adquira as competncias necessrias, apesar das medidas implementadas pela escola; quando um encarregado de educao defende que prefervel a reteno transio; quando se trata de alunos cuja avaliao feita ao abrigo da educao especial [quando falham as medidas efetivas de apoio previstas].

    O importante "assegurar que todos os alunos aprendam mais e de um modo mais significativo" (Despacho n 9590/99, de 14 de Maio). Por outro lado, a reteno apenas em casos verdadeiramente excecionais, permitir que todo o sistema educativo se concentre no essencial, as aprendizagens dos alunos. Apesar do discurso de flexibilidade, autonomia, diferenciao e inovao, quase nada muda porque a reteno surge como um mal menor aceite por quase todos, to banalizado que nem realmente discutido pelas escolas, nem pelos pais ou pelos alunos que por vezes acreditam que a reteno os pode ajudar a ter mais sucesso.

    Partir da premissa de que o normal ser o aluno transitar passvel de ser argumentado com o fato de que pode levar o aluno a pensar que no preciso trabalhar nem se esforar, dando aos pais uma falsa ideia de progresso e sociedade uma imagem de falhano da escola. Este um falso argumento porque pressupe o no cumprimento da condio necessria passagem e necessria tambm para a credibilidade do sistema educativo - o sucesso do aluno. As dificuldades dos alunos no sero superadas sem uma anlise rigorosa e completa, consequente mobilizao de meios para responder ao desafio de as ultrapassar e ao compromisso da famlia e da comunidade local na implementa-o das medidas necessrias, o trabalho cooperativo entre todos.

    O ressurgimento de uma prova de final de ciclo (o exame de 4 classe havia sido extinto aps o 25 de Abril de 74), to empenhada (at pelo formalismos em que decorre) em validar a transio ou reteno dos alunos, a resposta mais banal que se pode dar aos problemas de aprendizagem dos alunos e s dificuldades do sistema educativo em dar uma formao consistente a todos. O mais grave que se banaliza e se aceita uma "resposta" do sistema educativo que no evita a imagem negativa que a sociedade tem da escola. A escola da seleo no est longe das memrias dos avs dos que hoje a frequentam, j que foram sujeitos da sua ao.

    A possibilidade de uma prova desta natureza avaliar as aprendizagens de crianas desta idade outro aspeto da questo que dificilmente poder ser abordado rapidamente, mas o desenvolvimento dos alunos entre os 6 e os 10 anos algo de absolutamente extraordinrio e resta-nos a questo: que aprendizagens poderia a prova certificar? O fato de serem obrigados a realiz-la d-nos a garantia de que pelo menos aprendero que correm o risco de falhar e tero de se adaptar a responder de forma correta para evitar o insucesso. Aprendero a ser dceis e a substituir o entusiasmo e a alegria da descoberta, o espanto perante a evoluo do conhecimento humano pelo comportamento adaptado que lhes evite ter desgostos.

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