Provérbio popular: Um agenciamento na produção subjetiva

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1 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Provérbio popular: Um agenciamento na produção subjetiva Jordana Cristina de Lacerda Betim 2008

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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Provérbio popular: Um agenciamento na produção subjetiva

Jordana Cristina de Lacerda

Betim 2008

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Provérbio popular: Um agenciamento na produção subjetiva

RESUMO

Esse trabalho apresenta a influência que os provérbios populares exercem na

produção subjetiva dos indivíduos contemporâneos a partir da observação e do estudo

bibliográfico sobre sua utilização. Enfocam-se os provérbios como agenciamentos que

atravessam a rede-rizoma mundo provocando a desterritorialização e abrindo espaço

para linhas de fuga que possibilitam novos territórios existenciais. Os provérbios

influenciam diretamente na produção subjetiva, pois se trata de um ordenamento social.

Dessa forma a intervenção clinica por meio de provérbios poderá proporcionar ao

individuo novas possibilidades.

Palavras-chave: Provérbio popular, agenciamentos e produção subjetiva.

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Provérbio popular: Um agenciamento na produção subjetiva Autora: Jordana Cristina de Lacerda Orientador: Silvia Regina Eulálio de Souza – PUC - Minas Banca examinadora: Roberta C. Romagnoli - PUC- Minas Maria Luiza Marques Cardoso – PUC- Minas

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO..............................................................................06 2. A HISTÓRIA DOS PROVÉRBIOS POPULARES ...................09

3. A PRODUÇÃO SUBJETIVA ......................................................14

4. PROVÉRBIO POPULAR E PRODUÇÃO SUBJETIVA NA

CONTEMPORANEIDADE .........................................................21

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................26

REFERÊNCIAS ............................................................................28

APÊNDICE ....................................................................................30

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Na vida nos deparamos com vários obstáculos, mas

“Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, né! Dizem

que “Quem procura acha” e eu realmente achei. Esse trabalho

foi um verdadeiro achado que não esquecerei jamais. No início

deu um frio na barriga de tanto medo, mas depois me disseram

que “Querer é poder”, então segui em frente. Percebi que

“Falar é fácil, fazer é que é difícil”, mas mesmo assim não

desisti. Como eu sei que “Cão que ladra não morde”, “Sacudi a

poeira e dei a volta por cima”. Tive “Fé em Deus e coloquei o

pé na Tábua”. Demorei dias para escolher um tema, mas não

me preocupei, pois “O que é do homem o bicho não come”.

Bom! “Há males que vem para o bem” e “Quem não tem cão,

caça com gato”, mas a demora me deu a chance de falar sobre

a cultura popular que atravessa minha subjetividade. Depois

desse trabalhão não concordo com quem disse que “Pau que

nasce torto, morre torto”, pois o meu endireitou ao longo do

tempo e vi que “Ri melhor, quem ri por último”. Acredito que

realmente, “Quem planta, colhe” e que a “União faz a força”,

pois se não fosse pelo apoio dos meus colegas e da minha

orientadora, acho que não conseguiria chegar onde cheguei. É

de “Passinho a passinho que se faz um bom caminho” e o meu

caminho foi, simplesmente, esse. Difícil, agradável, angustiante

e recompensador, pois “O fim coroa a obra”.

Jordana C. Lacerda

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1.INTRODUÇÃO

Não quero te pedir Que me entendas, se não puderes Só não quero que me repreendas com intempéries Tente me olhar com olhar de surpresa Porque, com certeza Vai saber apreciar

(Luciane Fontes)

Ao observar as relações que as pessoas estabelecem no cotidiano percebe-se que

fazem uso dos provérbios populares para se comunicarem. Os provérbios são

empregados para expressarem crenças, pontuações, reafirmações, interpretações e como

estratégia de intervenção do indivíduo nas suas diferentes formas de inserção social.

Assim, pode-se pressupor que os provérbios populares são crenças, ideologias e

analisadores que as pessoas utilizam para criar relações com o mundo por meio da

linguagem.

A partir das observações realizadas em vários contextos do meu dia-a-dia e

diante de todo esse quadro me questiono o grau/força de influência que os provérbios

populares exercem na produção da subjetividade na contemporaneidade. Sabe-se que os

provérbios estão presentes nas interlocuções do cotidiano desde a antiguidade e

constituem voz coletiva que se apresentam como conselhos, advertências, observações

etc., sendo que o provérbio tem o objetivo de dizer as realidades percebidas por meio

dessa anônima sabedoria das nações. Eles são usados pelas massas e são tão velhos

quanto o mundo e ao mesmo tempo tão novos quanto os acontecimentos de nossos dias.

(BITTENCOURT, 2005).

Na antiguidade, o relacionamento entre as pessoas era marcado pelo contato

físico e presencial além de darem maior importância aos processos grupais. Na

contemporaneidade as pessoas se relacionam de formas diferentes e pelos vários meios

de comunicação, que vêem sendo modernizados de acordo com o nível tecnológico. A

comunicação entre as pessoas se torna cada vez mais virtual e a cultura se faz por meio

da imagem. A linguagem se caracteriza por ser midiática, ou seja, encontra-se na mídia

e altera decisivamente os modos de viver na atualidade. A cultura baseada na imagem

dispõe de meios de comunicação como a televisão, os computadores, a publicidade etc.,

suplantando a cultura literária anteriormente predominante. Considera-se que esse

quadro provoca a estetização da realidade. (FRIDMAN, 1999). A internet, um dos

meios de comunicação pós-moderno, permite que as pessoas se relacionem sem se

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conhecerem e a linguagem fica, por sua vez mais fragmentada, assim como o sujeito.

Ocorre uma ausência de historicidade que acompanha a revolução tecnológica e a

informatização. Com todo esse progresso o contato físico e os processos grupais se

tornam cada vez mais escassos.

É importante apontar que mesmo com essas mudanças os provérbios populares

continuam sendo utilizados nas relações sociais cotidianas em diversos contextos. A

partir do conhecimento e entendimento das formas com que os indivíduos se relacionam

na contemporaneidade e, conseqüentemente, as dificuldades e conflitos que os mesmos

encontram no decorrer de suas vidas, este estudo propiciará não só aos psicólogos, mas

também a todos os interessados a compreenderem razões e motivos que permeiam as

relações em que os provérbios são empregados. Os psicólogos poderão, a partir do

conhecimento deste estudo, em que foi proposto criar novos instrumentos e técnicas de

intervenção que os ajudem a pensar na utilização dos provérbios como dispositivos nas

trocas intersubjetivas. Ao considerar os indivíduos e a sociedade como possuidores de

uma potência, acredito que os provérbios ao incidirem sobre os indivíduos, produzem

subjetividade.

Acredita-se que o psicólogo no processo de escuta poderá entender melhor os

modos de subjetivação de cada individuo e a maneira como este se comporta. Tal

processo pode ser intensificado a partir de uma análise contextual de suas ações e dos

provérbios que direcionam o comportamento e a visão de mundo desses indivíduos.

Para possibilitar tais discussões foi necessário fazer um diálogo entre a

Psicologia e a Literatura Popular. O objetivo desse diálogo entre estas áreas é de

entender a possibilidade que os provérbios populares possuem de modificar e, até

mesmo, estruturar as relações subjetivas dos indivíduos na contemporaneidade. Buscou-

se também conhecer os sentimentos que os provérbios despertam nas pessoas assim

como a motivação pelo qual os mesmos continuam sendo usados em contextos

diferentes daqueles em que foram elaborados.

Para atingir tais objetivos foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre o tema

proposto em que se buscaram fontes da Psicologia, da Filosofia e da Literatura. Além

dessa pesquisa bibliográfica foi realizada uma observação simples. Essa observação

permite ao pesquisador observar de maneira espontânea os fatos ocorridos no ambiente

investigado, que é o mesmo em que ele está inserido. Assim, as informações foram

obtidas em minhas relações cotidianas, ou seja, no meu dia-a-dia onde coletou

expressões linguageiras que deverão conter o provérbio popular citado no contexto,

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forma e conteúdo em que foi falado. Nessa coleta de dados não é definido grau de

escolaridade, nível socioeconômico, gênero e idade. Nessa observação não será

delimitado um grupo focal, pois a mesma ocorreu a partir da minha experiência

cotidiana e dos vários lugares em que freqüento. Essa técnica é interessante, pois

proporcionou atingir dados públicos sendo aprovada cientificamente e considerada

apropriada para condutas manifestas na vida social das pessoas. (GIL, 1999). Portanto,

essa observação mantém a naturalidade do observador e dos observados, pois busca os

provérbios na vivência social dos indivíduos.

O instrumento utilizado para essa coleta de dados será um diário de campo, em

que foram anotados todos os provérbios expressados pelos indivíduos na fase de

elaboração da monografia. Esse método além da coletar dados possibilitou um processo

de análise e interpretação de acordo com os procedimentos científicos, além de um

diálogo entre as áreas do conhecimento envolvidas, ou seja, a interação entre a literatura

popular e os processos de subjetivação no contexto atual.

Esse trabalho foi dividido nos seguintes capítulos: o primeiro capítulo,

Introdução; o segundo capítulo, A história dos provérbios populares; o terceiro capítulo,

A produção subjetiva; o quarto capítulo, Provérbio popular e produção subjetiva na

contemporaneidade; e o ultimo capítulo é caracterizado pelas considerações finais.

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2. A HISTÓRIA DOS PROVÉRBIOS POPULARES.

Sou um animal sentimental Me apego facilmente ao que desperta meu desejo. (Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá).

De acordo com o dicionário Melhoramentos (1996), a palavra provérbio em

latim é proverbium e indica que uma expressão figurada é usada no lugar de algo que

precisa ser dito. Já no grego, de acordo com Menandro, Rölke, Bertollo (2005),

provérbio é designado por gnome, que significa também legendários homenzinhos que

habitavam o interior da terra e guardava seus tesouros, o que permite uma analogia

etimológica de que os provérbios encerram tesouros de sabedoria guardados de forma

condensada. O provérbio trata-se de uma sentença expressa por poucas palavras,

máxima, adágios e ditados, que se tornaram populares e expressam idéias ou

pensamentos de forma figurativa.

Os Provérbios, as adivinhações, as frases-feitas e outros são considerados como

literatura oral. A literatura oral brasileira reúne todas as manifestações da recreação

popular, mantidas pela tradição e se compõe pelos elementos trazidos pelas três raças

(indígena, portuguesa e africana) com o objetivo de ser memorizado e utilizado pelo

povo atual.

Os provérbios imperam desde a antiguidade nas interlocuções dos indivíduos.

Eles são considerados como uma produção cultural e fonte de informação, além de

serem amplamente utilizados e incorporarem atitudes populares. Foram registrados

desde o inicio do século XVI e são utilizados até os dias atuais. Menandro, Rölke,

Bertollo (2005) acreditam que o modo mais rápido de entender uma pessoa ou uma

cultura é aprender os provérbios. Eles são ditos que se tornam parte das tradições

culturais com conteúdos que soam como conselhos sábios e morais, além de funcionar

como regras de comportamentos e advertências a serem observadas.

Assim, provérbios, frases-feitas, adágios, rifões, ditados, anexins, aforismo,

máximas e outros constituem uma sabedoria popular e são usados como um conselho

dos antigos. A forma letrada dos adágios e provérbios tinha aplicação educacional,

indicações de higiene e medicina preventiva, cortesania, leis sociais, rituais domésticos

e outros.

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Nos provérbios, a sabedoria popular é transmitida, por meio de experiências de

vida e da conclusão retirada de numerosas e repetidas vivências no campo das relações

morais entre os sujeitos. Ocorre uma educação invisível na transmissão e uso dos

provérbios pelas pessoas. Os provérbios podem variar em termos de estrutura

lingüística, de conteúdo, de finalidade, de aplicabilidade pedagógica, e também de

propriedades. As propriedades podem variar: status, efeito argumentativo e contexto de

enunciação.

Alguns provérbios, no entanto, podem apresentar um conteúdo crítico com o

objetivo de opor-se ao quadro social, cultural e político vigente, assim como manifestar-

se contra as instituições que nos regem, denunciar os maus hábitos e costumes e até

mesmo revoltar-se contra os seres humanos. Os nanismos, provérbios de conteúdo

reduzido, apresentam conteúdos críticos e evidenciam poder no dia-a-dia das pessoas e

das instituições, como por exemplo: “Querer é poder” (informação oral) 1; “Bateu

levou”; “Dos males, o menor”; “Há males que vem para o bem”; “Faca de dois gumes”;

e “Quem Procura Acha”. Esse efeito ocorre devido a facilidade de memorização, os

poucos elementos estruturais e a obscuridade no sentido. Esses ditos populares

demandam um grande esforço interpretativo.

As unidades proverbiais apresentam variações a partir dos ingredientes que os

decorrem sendo, portanto, ricos em lingüísticas e podendo apresentar: ritmo; rima;

aliterações (são repetições das mesmas sílabas, no mesmo verso ou em versos

seguidos); paralelismo (correspondência entre duas coisas); musicalidade e outros

elementos como no seguinte provérbio: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que

fura”. “Os mais conhecidos são curtos e dão o recado rápido e incisivamente.

Metáfora, ritmo, aliteração, assonância, construções binárias: estes e outros recursos

criam, na forma do provérbio, um eco do sentido”. (MENANDRO, RÖLKE,

BERTOLLO, 2005, p. 4).

Segundo Menandro, Rölke, Bertollo (2005) as coletâneas de provérbios

abrangem três tipos de enunciados: 1) maneiras de falar figuradas e metafóricas: “Nunca

diga: desta água não beberei”; 2) enunciação de um fato ou verdade experimental que

explicita uma maneira de agir e pensar que seja comum a muitas pessoas: “Pau que

nasce torto, morre torto”; 3) ensinamentos morais ou conselhos práticos: “Quem casa

quer casa”. O fato de os provérbios se constituírem por varias características gramaticais

1 Todos os provérbios citados no decorrer do texto se encontram no diário de bordo presente no apêndice.

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e recursos tanto de escrita quanto recursos orais, emitem um eco tanto do sentido dos

provérbios quanto da utilização dos mesmos.

Mesmo com tanto tempo de criação e uso dos provérbios, eles continuam sendo

utilizados atualmente, na maioria das vezes, igual à forma original como se não fosse

possível modificá-los. Tal dado é essencial para entender o objetivo crucial do

provérbio, que é o de prover sabedoria anônima e atemporal de difícil contestação.

Assim, por mais diversas que sejam as épocas, as latitudes ou as tribos sempre será

encontrado nos provérbios críticas sobre o egoísmo, a avareza, a inveja e a pequenez,

além do louvor à generosidade, a sinceridade, a grandeza e a lealdade.

Várias interações e argumentações podem ser apresentadas pelos provérbios que

podem ser divididas entre as de cunho confirmatório e contestatório. Os ditos de cunho

confirmatório servem para explicar, exemplificar, esclarecer, comprovar ou reforçar um

determinado ponto de vista. Isso pode ser percebido no exemplo: “Quem nunca comeu

melado quando come se lambuza”. Este dito foi falado por uma personagem da novela

Sete pecados da emissora Globo. Tal personagem era desprovida de recursos financeiros

e se tornou rica. Ao ser questionado sobre os motivos pelo qual ela havia se bronzeado

excessivamente ela responde falando o provérbio citado acima, buscando explicar que o

fato de ser rica a levou cometer o excesso de bronzeamento, o qual nunca havia ocorrido

em sua situação anterior.

Já os provérbios de cunho contestatório têm o objetivo de criticar, questionar

e/ou denegar a credibilidade e a confiabilidade do conteúdo expresso pelo provérbio

como no exemplo: “Pau que nasce torto morre torto”. Esse provérbio foi falado por uma

professora universitária ao explicar que sua paciente de 60 anos gostaria de fazer

mudanças psíquicas em sua vida, então a professora fala o provérbio com o objetivo de

contestar a veracidade do mesmo dando um sentido contrário. Para detectar e analisar

esses aspectos nos provérbios é necessário que se conheça o propósito e o contexto o

qual está sendo ou foi usado.

De acordo com Menandro, Rölke, Bertollo (2005) a história dos provérbios na

Europa foi marcada por oscilações entre a extrema utilização difundida por vários

movimentos sociais e pelo período de colapso na utilização da razão e das mudanças na

cultura letrada. Apesar dessa trajetória, os provérbios representam uma rica fonte de

informação que existiu antes dos livros. Eles não são livros, mas sim velhos dizeres que

regulamentam a conduta do Homem antigo e atual.

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Bittencourt (2005) coloca que as sentenças proverbiais constituem uma espécie

de veículo midiático que se configuram como objeto de publicidade em tempos

modernos, por meios tecnológicos. Na contemporaneidade, a comunicação entre as

pessoas se torna cada vez mais virtual e ultrapassa os recursos tradicionais de

transmissão de ensinamentos orais de pai para filho. Os provérbios não só se constituem

como aparato argumentativo, como também se encontram nos discursos humorísticos,

nos quais buscam provocar risos. Assim, estes se tornam dispositivos da mídia atual que

têm intencionalidade humorística, como o filme Show de verão, a novela Eterna magia,

o programa A grande Família, que fazem parte da emissora Globo. Como o programa

Graffite que faz parte da emissora SBT. Todos foram citados em meu diário de bordo.

Em contrapartida, os provérbios não dizem tudo, pois alguns podem não ter sido

conhecidos devido à falta de registro e ao conteúdo que transmitiam, uma vez que

poderiam ter uma conotação política e/ou contra a moral vigente. Há também

provérbios que expressam significados opostos em uma mesma cultura. Mesmo diante

dessas restrições é importante o estudo e compreensão dos provérbios, pois fazem parte

do social contemporâneo.

Segundo Texeira (2005), os provérbios são duplamente estratégicos:

primeiramente por seus conteúdos, pois fornecem informações ou teorizam sobre as

pessoas, fatos e/ou temas importantes como, por exemplo: “Defunto ruim não merece

vela boa”; e posteriormente por ele mesmo como veículo, porque faz tudo isso sem

censuras, temas e idéias de interesse e/ou acatamento generalizado. Esta mesma

credibilidade é reconhecida por Francis Bacon citado por Texeira (2005, p. 200) quando

diz que: o espírito das nações está em suas máximas e provérbios.

Aponta-se que independente da origem e trajetória da real consolidação de cada

provérbio, eles são expressões coletivas de sentimentos e entendimentos comuns e

inerentes à vida sócio-cultural. O fato de a autoria ser inquestionável reforça este

entendimento e a credibilidade dos mesmos, uma vez que podem ser assimilados pela

própria ressonância que fazem e pela espontaneidade que o ouvinte tem para aceitá-lo

ou não.

Após a exposição realizada anteriormente sobre os provérbios populares é

necessária uma orientação teórica com princípios que iluminem a influência desses na

produção subjetiva. Para tanto, serão buscados conceitos advindos da esquizoanálise. A

esquizoanálise parte de uma nova concepção de mundo e de subjetividade e tem como

objetivo maior, a potenciação da vida no seu sentido mais amplo. É, contudo, uma

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proposta micropolítica, que passa pela capacidade de despertar o entusiasmo, a vontade

de viver, a vontade de criar assim como a importância de afetar e ser afetado, que deve

ser captada. Esses afetos vão produzindo a existência humana. A realidade é vista como

um processo produtivo – desejante e uma fonte inesgotável de criação, inovação e de

transformação.

Nessa concepção de mundo podemos encontrar elementos de várias áreas do

saber como das Ciências Formais, das Ciências Naturais, das Ciências Humanas, das

Artes, do Saber Popular e conceitos da Filosofia. Diversidade de elementos que se

convergem e se misturam na busca pela transformação e impulsionam a optar por essa

vertente, uma vez que a natureza dos provérbios necessita ser explicada por várias áreas

do conhecimento. Outro aspecto a ser ressaltado é que essa concepção de mundo

possibilita uma construção inovadora a respeito dos provérbios populares.

Em seguida, serão apresentadas algumas contribuições da esquizoanálise para o

entendimento dos provérbios, pois se acredita que eles propiciarão a contextualização da

realidade, facilitando o entendimento sobre a influência e a força que exercem na

produção subjetiva.

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3. PRODUÇÃO SUBJETIVA

“Na verdade, os meios de mudar a vida e de criar um novo estilo de atividade, de novos valores sociais, estão ao alcance das mãos. Falta apenas o desejo e a vontade política de assumir tais transformações”.

Félix Guattari.

Pode-se dizer que os provérbios são elementos que circulam nos contextos culturais

e transmitem um ordenamento social por meio da linguagem e da oralidade que estas

frases demonstram inserindo diretamente nas construções sociais dos sujeitos. O

provérbio insere diretamente na produção subjetiva por via do social. A natureza está

interpenetrada pelos aspectos sociais e subjetivos, seguindo cursos que são compostos

por eles. Da mesma maneira ocorre com os provérbios que são atravessados por

conteúdos extraídos a partir da relação do homem com a natureza e com a cultura.

A subjetividade é essencialmente social, não é uma coisa em si, imutável. É

produzida por componentes que circulam nos contextos sociohistóricos, ou seja, é tudo

que é produzido pelos homens, com os recursos e elementos de seu determinado

contexto e que compõem um ordenamento social. Faz parte da produção de

subjetividade qualquer ambiente natural que estiver também conectado às construções

sociais. Subjetividade é pura potência e possui uma lógica de intensidades não devendo

ser reduzida à consciência ou às representações, pois trata-se de um sistema complexo e

heterogêneo.

A partir das relações e atravessamentos encontrados na produção subjetiva ocorrem

as conexões em diversos níveis, produzindo uma rede aberta e variável conforme a

força, a velocidade, os fluxos e matérias. Essa rede que é a maneira como a produção

subjetiva se instaura e se conecta a multiplicidade de elementos que compõem o real,

funciona como rizoma, ou seja, são sistemas, são anti-sistemas do qual se pode entrar e

sair em qualquer ponto. O rizoma é um termo emprestado da botânica, utilizado por G.

Deleuze e F. Guattari (1995) e refere-se a tipos de plantas em que seu crescimento não

ocorre a partir de um centro, mas sim a partir de qualquer ponto de sua estrutura, por

apresentar múltiplas raízes.

O rizoma apresenta características como conexão, heterogeneidade, princípio de

multiplicidade e principio de ruptura a - significante. Pode-se dizer que há conexão

porque qualquer ponto pode se ligar a outro, num rizoma e conectar-se as cadeias

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semióticas de toda natureza. Nessa conexão não existe locutor-auditor ideal como

também não existe comunidade lingüística homogênea.

A língua é uma realidade essencialmente heterogênea, assim um método do tipo

rizoma deve analisar a linguagem efetuando um descentramento sobre outros registros.

A multiplicidade é quando o uno e o sujeito deixam de existir para darem espaço para a

multiplicidade. Não há unidade e sim determinações, grandezas e dimensões que não

podem crescer se não mudarem sua natureza. As multiplicidades se definem pelo fora,

pelas linhas abstratas, linhas de fuga, as quais mudam sua natureza ao se conectarem às

outras. (DELEUZE; GUATTARI, 1995).

Princípio de multiplicidade: é somente quando o múltiplo é efetivamente tratado como substantivo, multiplicidade, que ele não tem mais nenhuma relação com o uno como sujeito ou como objeto, como realidade natural ou espiritual, como imagem e mundo (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 14).

A ruptura a - significante diz de um corte que pode ser feito no rizoma, ou seja, o

rizoma poderá ser rompido em qualquer lugar, pois retorna as outras linhas. Há ruptura

no rizoma quando uma linha de segmentaridade, que se rompe e se transforma em uma

linha de fuga, às quais não param de se remeterem a outras linhas.

Em um agenciamento há linhas de segmentaridade que organizam a repetição do

mesmo e há ainda as linhas moleculares, que são mais flexíveis e que fazem desvios

processados no plano de consistência, possibilitando o afetamento da subjetividade,

criando os agenciamentos. Nas linhas de segmentaridade as coisas não se transformam e

o plano de organização corresponde ao plano das formas já constituídas. Já as linhas

moleculares, são mais flexíveis e possibilitam certa mobilidade para transformações

podendo gerar angústia, mas também serenidade. Algumas vezes, uma linha escapa e se

torna em uma linha de fuga que faz fugir em um novo sentido não previsível. Fazer

fugir implica em realizar uma viagem imóvel, ou seja, sair de um modo de existir

constituído, fugindo pelo mesmo modo de existir sem ir embora. As linhas de fuga

convergem em processos que se volta para o novo, para a demolição do velho. É uma

ruptura em que nada mudou, no entanto, tudo mudou.

Um agenciamento é um crescimento das dimensões numa multiplicidade e à

medida que aumentam as conexões, modifica-se também sua natureza. Os

agenciamentos trabalham com os fluxos semióticos, materiais e sociais sendo estes

caracterizados por um devir. Esse devir é dado como um entre coletivo que convida à

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conexão. Os agenciamentos são criados por territórios que são domínios do universo

existencial. Assim, os agenciamentos por meio da desterritorialização, ou seja, o

processo que se caracteriza por desfazer-se dos territórios originais, liberta o sujeito do

individual e o lança no coletivo. (CARDOSO, 2005).

Agenciamento ou dispositivos: é uma montagem ou artifício produtor de inovações que gera acontecimentos, atualiza virtualidades e inventa o Novo Radical [...] Os dispositivos, geradores da diferença absoluta, produzem realidades alternativas e revolucionárias que transformam o horizonte do considerado real. (BAREMBLITT, 1994, p.151).

O social se organiza na rede-rizoma do mundo e é também nessa que as

subjetividades se produzem e ambos se articulam com elementos dispersos que vibram,

correm, escapam, se acoplam e se cortam pela rede. Todas essas transformações

relacionadas às linhas que se movimentam na rede, são sustentadas pelo desejo. O

desejo, na esquizoanálise, funciona a favor da produção como potência e busca

desbancar a inércia provocada pela alienação e pela padronização. O desejo é produzido

pelos agenciamentos e podem ser definidos como uma força política transformadora e

produtiva que inseri o sujeito no campo social. Esse funciona em uma dimensão

inventiva, como um impulsor para a instalação de novos dispositivos buscando produzir

novos agenciamentos na subjetividade. O modo que os indivíduos vivem a

subjetividade pode variar entre dois extremos: de alienação e opressão, em que o

individuo se submete à subjetividade da forma como ele a recebe; ou uma relação de

expressão e criação, em que o sujeito se apropria de elementos da subjetividade recebida

e a transforma pelo processo de singularização de subjetividade. (GUATTARI;

ROLNIK, 2000).

A subjetividade é, então, produzida por agenciamentos de enunciação, que

implicam o funcionamento de máquinas de expressão podendo ser de natureza

extrapessoal, extra-individual, quanto de natureza intrapsíquica. Assim, o provérbio

popular é um agenciamento, pois por meio de elementos heterogêneos ele organiza e

insere o sujeito na rede-rizoma do mundo. É importante ressaltar que as pessoas se

apropriam de modos diversos dos provérbios populares. Alguns indivíduos fazem o uso

dos provérbios definindo sentido único e imutável para qualquer que seja a época ou

contexto que estão utilizando-os. Já outras pessoas conseguem fazer com que os

provérbios se tornem agenciamentos, ou seja, um conjunto multilinear composto por

linhas de naturezas diferentes com capacidade de transformação. Estes podem circular

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em diversos espaços sociais, inovando assim sua finalidade e sua pluralidade de

representações. Pontua-se que os provérbios são utilizados, na maioria das vezes, como

linhas de fuga, pois buscam expressar idéias, considerações e sentidos que surgem da

interpretação das frases proverbiais. Essa interpretação se encontra imersa na

subjetivação e por meio do provérbio como agenciamento pode gerar novas conexões.

O sujeito desterritoriliza por meio da linha de fuga e possibilita novos territórios com

uma multiplicidade de sentidos.

Os agenciamentos possuem como componentes: linhas de visibilidade, que é

feita por linhas de luz, as quais tornam visíveis e invisíveis objetos que sem ela não

existem; linhas de enunciação são regimes de enunciados definidos precisamente que

dão origem a variáveis; linhas de forças são produzidas em toda relação por passarem

atravessando pontos dos dispositivos; linhas de subjetivação; que são produções de

subjetividade num agenciamento, que escapam as forças estabelecidas como aos saberes

constituído; e as linhas de brecha, de fissura, de fratura, que se entrecruzam e suscitam

umas nas outras formando mutações nos agenciamentos. (DELEUZE, 1996).

As linhas, as marcas e os ritmos que conectam elementos heterogêneos são

reunidos para definirem o território existencial, o qual é sinônimo de apropriação, de

subjetivação fechada para si mesmo. “Ele é o conjunto dos projetos e das

representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de

comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais,

estéticos, cognitivos”. (GUATTARI, ROLNIK, 2000, p. 323). O território aqui perde o

valor geográfico e se torna existencial, demarcando para cada individuo o campo

familiar, as distâncias nas relações e protegendo-os do caos.

O território é constituído pela composição de diferentes meios e ritmos sendo

que um meio envolve a repetição vibratória de algum componente e um ritmo envolve

as diferenças que ligam os meios heterogêneos. Os componentes dos meios são

agenciados, ritmados para demarcar o dentro e o fora, o seguro e o caótico. A marca é

primeira e precisa ganhar consistência para intensificar o ritornelo. Esse é um termo

retirado da música que diz de algo que se repete sempre, variações num mesmo tema e

que constitui algo na subjetividade. Organiza as funções, mantém os componentes do

território juntos podendo configurá-los como territórios individuados, que operam como

terminal de consumo dos componentes de subjetivação existentes no momento

histórico. Assim, o sujeito poderá construir uma consistência identária, corpórea,

perceptiva, enunciativa ou maquínica. Essa consistência maquínica pode gerar modos de

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agenciar às maquinas do mundo para benefício da vida e invenções singulares, mas

pode também (re) produzir linhas, modelos, percepções endurecidas ou até mesmo

destruição. (CARDOSO, 2005).

Um território é composto também por desterritorialização, por linhas de fuga.

Desterritorializar é abrir-se para linhas de fuga e até sair do seu curso e se destruir. Os

territórios originais se desfazem com os sistemas maquínicos que o levam a atravessar a

estratificação material e mental. Deve-se observar que as linhas de fuga que

desterritorializam um modo de existir poderá ser bloqueada e tentar recompor um

território engajado num processo de desterritorialização, podendo aparecer de modo

mais resistente e endurecido. (CARDOSO, 2005).

O estado de desterritorialização dos agenciamentos é o que define as máquinas

abstratas. As dimensões da matéria são indissociáveis e como parte de agenciamentos

podem constituir a maior dimensão de potencial geradora do novo. As máquinas

abstratas mais conhecidas são: a Máquina de Guerra e a Máquina de Estado. A Máquina

de Guerra possui em sua estrutura uma posição mais desterritorializante. Só possui

guerra como objeto quando o Estado realiza a captura da Máquina de Guerra. Já a

Máquina de Estado possui um paradigma que gera equipamentos sedentários e

territorializados. (SOUZA, 2004).

As máquinas, segundo Guattari e Rolnik (2000) se engendram uma nas outras,

selecionam-se, eliminam-se, fazendo aparecer novas linhas de potencialidades. As

máquinas funcionam por agregação ou por agenciamento. A partir dessa perspectiva é

importante considerar dois tipos de máquinas: as máquinas sociais e as máquinas

desejantes. A máquina social traça uma linha abstrata, atravessa os elementos

heterogêneos e agencia-os para que funcionem juntos sendo diferente do conceito de

máquina da mecânica, que é fechada em si. Funciona por via das formas, estruturas e

formações já constituídas que permitem a reprodução da organização social, como por

exemplo, o capitalismo. Acoplada a esta máquina social do capitalismo operam outras

máquinas como as máquinas desejantes. Essas funcionam através das multiplicidades e

fluxos de objetos parciais e resíduos que lhe são próprios.

Em nosso momento contemporâneo, é preciso observar os componentes e arranjos subjetivos que se tornaram dominantes no capitalismo, com suas formas de percepção, de pensamento, de relação - com o mundo, com os outros, com o próprio corpo -, com seus processos de individualização e privatização, com sua busca identária, referenciável e identificável (CARDOSO, 2005, p.42-43).

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Ao abordar os provérbios populares como agenciamentos, pode-se afirmar que

quando ocorre o processo de territorialização existencial os provérbio irão atuar de

acordo com os processos de subjetivação referentes a cada indivíduo. Quando os

provérbios atuam como linhas de segmentaridade, ou seja, eles traçam um plano

estruturador em que ocorrem repetições, os mesmos perpassam contextos históricos

diferentes sem que ocorram mudanças em sua estrutura literária, interpretação ou

sentido. Como no provérbio “Quem casa quer casa” que foi utilizado durante uma

conversa informal para reafirmar a idéia que ao casar a pessoa quem falou quer ter sua

casa própria. Nesse caso, não há alteração nem no sentido e nem na forma.

Outra forma de se estruturar subjetivamente é fazer agenciamentos em que

atuam as linhas moleculares, que são mais flexíveis. Nesse caso, os provérbios se

flexionam de acordo com o contexto, o que possibilita mudanças na estrutura e

diferentes formas de abrangência além da casual. Como, por exemplo: “Deus escreve

torto por linhas certas”. Esse provérbio foi falado por um personagem do programa “A

Grande Família” (Programa de comédia emitido pela Rede Globo de Televisão) e o

objetivo era reforçar a idéia de que o acontecimento foi algo divino e não esperado.

Nesse exemplo, o personagem modificou a estrutura literária dando abertura para novas

interpretações, mas não deixou de utilizar o sentido original do provérbio, sendo este

um agenciamento caracterizado pela linha de fuga. Quando uma linha escapa e se torna

uma linha de fuga busca-se a desterritorialização, ou seja, deixar o território

constituindo mudanças e transformações. Nesta situação os provérbios funcionam como

linhas de fuga em que há uma alteração na forma e no conteúdo, mas continuam sendo

utilizados para expressarem algo de forma simples e eficiente.

O agenciamento pode proporcionar uma saída do modo de existir já constituído,

o que poderá ser exemplificado com o seguinte provérbio: “Cada macaco no seu galho,

mas a árvore é uma só”. Nesse caso houve uma alteração do sentido, forma e conteúdo,

mas a idéia inicial propiciou a modificação. Esse ditado foi falado por uma estudante

universitária quando explicava sobre a dinâmica do trabalho interdisciplinar, pois

acredita que no trabalho interdisciplinar cada pessoa deverá utilizar os ensinamentos da

sua área de atuação (“Cada macaco no seu galho”), mas focando sempre no resultado de

todas as ciências reunidas (a árvore seria o todo).

A subjetividade se faz e refaz a partir, dos afetamentos, do “fora” que traz forças estranhas que pedem uma decifração. Essas forças, quando entram

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em contato com a subjetividade aumentam a impressão de estranheza do mundo e conduzem a rupturas de sentido. [...] As rupturas de sentido nos obrigam a trilhar novos caminhos e a ocupar novos territórios existenciais. (ROMAGNOLI, 2006, p. 41).

A proposta da produção subjetiva é de uma relação entre sujeito e mundo que

propicie a criação e a inovação, (re) apropriando a subjetividade num espaço

heterogêneo. Portanto, busca-se a seguir estabelecer uma relação entre os conceitos

abordados neste capítulo referentes à esquizoanálise e a influência dos provérbios

populares na produção subjetiva e na cultura na contemporaneidade.

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4.PROVÉRBIO POPULAR E PRODUÇÃO SUBJETIVA NA CONTEMPORANEIDADE.

“Será que eu falei o que ninguém ouvia? Será que eu escutei o que ninguém dizia? Eu não vou me adaptar, me adaptar”.

(Arnaldo Antunes)

A globalização da economia e dos avanços tecnológicos aproxima universos

distintos e cria uma grande variabilidade de espécies. Pode-se destacar nesse contexto a

mídia eletrônica que une cada vez mais elementos distintos e de várias partes. Na

contemporaneidade, encontra-se uma subjetividade que tende a ser povoada por afetos

que surgem desta profusão cambiante de universos. Essas forças que estão presentes na

subjetividade provocam uma mestiçagem de forças que colocam em perigo os habituais

contornos da subjetividade (ROLNIK, 1996a).

Essa mesma globalização que intensifica as misturas e destrói as identidades,

produz também perfis - padrão que funcionam de acordo com o mercado para que sejam

consumidos pelas subjetividades. Essas identidades mudam de acordo com a

flexibilidade e com a mesma velocidade do mercado. Tal flexibilidade propõe uma

abertura para o novo: novos produtos, novos paradigmas, etc. essas transformações

esvaziam o sentido das figuras vigentes e assim lançam as subjetividades no estranho e

as forçam para que reconfigurem-se. A abertura não é, necessariamente, para a

inovação, para o estranho, nem para tolerar o desassossego que as subjetividades

encontram na atualidade.

Pode-se apontar que há, na atualidade, uma dicotomia sendo que de um lado há

uma desestabilização exacerbada, e de outro lado à referência identitária lidando com o

perigo de ser nada, quando não se consegue alcançar o perfil do mercado. Ao se

combinar esses dois fatores o vazio de sentido poderá ser insuportável, sendo vividos

como um esvaziamento da própria subjetividade. Essa ameaça constante de

esvaziamento provoca uma sensação de fracasso, constantemente, podendo levar até a

morte. Para se proteger dessas forças, busca-se anestesiar a vibratilidade do corpo ao

mundo, ou seja, perde a capacidade de afetar e ser afetado enquadrando-se aos modelos

oferecidos.

Em resposta a este processo o sujeito se agarra em alguma coisa oferecida pela

contemporaneidade, que atue como um sedativo e o organiza no rizoma – mundo,

evitando que os afetamentos convoquem a existência de outros territórios existenciais.

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Como exemplo desses sedativos, pode-se citar a anorexia, a literatura de auto-ajuda e as

drogas químicas. Segundo Rolnik (1996a), a TV é oferecida como uma droga, pois

oferece uma oferta de identidades glamurizadas que estão imunes aos movimentos

dessas forças, deste coletivo anônimo e que viciam o sujeito tanto quanto a droga

propriamente dita. Quando esta droga é consumida pelas pessoas como uma prótese de

identidade criando indivíduos clones, estes se tornam vulneráveis a qualquer

movimentação das forças. Os viciados vivem na esperança de assegurar seu

reconhecimento em alguma órbita do mercado e estão dispostos a mitificar e consumir

toda imagem oferecida. Assim, essa busca pelo modelo midiático impede a motilidade

da vida ao provocar uma ruptura de sentido.

Os provérbios podem ser ao analisá-los como componentes do processo citado

acima, agenciamentos utilizados pela mídia para propiciar ao sujeito conexões que se

atenham à lógica do mercado. Os provérbios seriam instrumentos universais, pois

devido ao fato de serem usados costumeiramente e cotidianamente, eles representam

muitas vezes, uma síntese da cultura e veiculam significações e denotações que escapam

aos axiomas próprios da linguagem que geram conexões de cadeias semióticas de toda

natureza.

Quando os provérbios são usados em programas de TVs, eles aproximam as

pessoas às imagens sedutoras midiáticas, que promove um reconhecimento na lógica do

mercado e fortalece as linhas de segmentaridade. Ao influenciar as linhas de

segmentaridade em que os provérbios se estruturam, repetem os territórios existentes e

reivindicam a singularidade contemporânea. Isso dá ao sujeito uma falsa sensação de

organização em torno de si, dada a priori, pois ele ignora as forças que o constitui e que

o leva a desterritorialização, ou seja, a transformação.

Assim todo dispositivo se define pelo que detém em novidade e criatividade, e que ao mesmo tempo marca a sua capacidade de se transformar, ou desde logo se fender em proveito de um dispositivo futuro, a menos que se dê um enfraquecimento de força nas linhas mais duras, mais rígidas, ou mais sólidas. E, na medida em que se livrem das dimensões do saber e do poder, as linhas de subjetivação parecem ser particularmente capazes de traçar caminhos de criação, que não cessam de fracassar, mas que também, na mesma medida, são retomados, modificados, até à ruptura do antigo dispositivo (DELEUZE, 1996, p.92).

Além de serem utilizados como linhas de segmentaridade no contexto midiático,

o provérbio pode também ser usado como agenciamento que se conecta ao rizoma pelas

linhas de fuga, as quais promovem a desterritorialização e levam aos novos sentidos

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existenciais. Assim, o provérbio organiza o social e se articula com outros elementos na

busca pela eliminação da inércia do corpo provocada pela alienação e pela padronização

da máquina social capitalismo. Produz, contudo subjetividades inovadoras que

possibilitem a instalação de novos agenciamentos.

Os provérbios são agenciamentos de uma literatura antiga, mas que predominam

até a atualidade por serem contextualizados. Quando se fala um provérbio, o mesmo é

entendido por todos, pois possuem estruturas pré – definidas, que não impedem o fluxo

de linhas de fuga que possibilitam novos territórios atuais. É necessário ressaltar nesse

momento que a novidade de um dispositivo em relação aos outros que o precede é

chamada de atualidade do dispositivo. O atual não é o que somos, mas sim aquilo que

vamos tornando aquilo que somos em devir, ou seja, o nosso devir – outro. O devir dos

provérbios são possibilitados de acordo com a abertura que cada sujeito apresenta para

saída do mesmo, que pode assim se lançar para novas possibilidades, como a cultura, a

arte, os provérbios, a clínica etc. Já a história é o desenho do que somos e deixamos de

ser. O atual é então o esboço daquilo que nos tornamos, ou seja, novas formas de estar

no mundo. (DELEUZE, 1996).

Os provérbios como agenciamentos, podem atuar em várias direções e fluxos,

além desses que foram apontados. Eles representam uma multiplicidade de linhas de

forças que se conectam umas as outras mudando suas naturezas e provocando novos

sentidos. Com isso a subjetividade vai sendo construída e influenciada pelos

agenciamentos que organizam e inserem o sujeito na rede-rizoma do mundo. As pessoas

se apropriam de formas diferentes dos provérbios, e com isso eles circulam na cultura e

na história com uma diversidade de representações e inovações em seu uso.

Mas enfatizemos imediatamente o paradoxo. Tudo circula: as músicas, os slogans publicitários, os turistas, os chips de informática, as filiais industriais e, ao mesmo tempo, tudo parece petrificar-se, permanecer no lugar, tanto as diferenças se esbatem entre as coisas, entre os homens e os estados de coisas. No seio de espaços padronizados, tudo se tornou intercambiável, equivalente. (GUATTARI, 1992, p. 169).

Durante uma divisão de trabalho na sala de aula, várias mulheres conversavam e

discutiam quem iria ficar com cada tema, até que uma delas finaliza a discussão

pontuando: “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é bobo ou não tem

arte”. Neste exemplo, o provérbio é utilizado em seu sentido e conteúdo originário e

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24

mesmo assim propiciou por meio deste agenciamento conexões e afetamentos diferentes

aos envolvidos na discussão.

Em um outro momento que o provérbio foi citado pode-se encontrar uma

distorção do conteúdo, mas o sentido geral que o provérbio representa continua sendo

direcionador para o contexto atual. Nesse caso há uma inversão de personagens, que

buscam a inovação e a desterritorialização por meio da confirmação e pontuação

representada pelo provérbio. Um aluno universitário busca reforçar a idéia de seu

paciente, o qual afirma que estava sendo seduzido por meninos e que a culpa deste

evento seria dos pais que não limitavam seus filhos, então afirma: “Segura seus bodes,

porque meus bodes estão soltos”.

Por meio destes dois exemplos retirados do diário de bordo construído a partir

das observações proposta pela metodologia deste trabalho, pode-se pontuar a força e

influência que os provérbios ainda exercem na subjetividade dessas pessoas que foram

observadas. É interessante ressaltar que não há uma diferenciação de nível sócio –

econômico e cultural no que diz respeito a utilização do provérbio. Percebe-se que o

provérbio é um agenciamento que busca criar uma conexão na rede-rizoma do mundo

produzindo subjetividade independente do contexto e da pessoa que o utiliza.

Atualmente as subjetividades devem-se combater as referências identitárias para

que essas dêem lugar aos processos de singularização, de criação existencial, movidos

pelos acontecimentos. Todas as estratégias que visam tanto à volta das identidades

locais, quanto as que sustentam identidades globais têm a meta de domesticar as forças,

vencendo assim a resistência ao contemporâneo. (ROLNIK, 1996a).

Diante desse quadro contemporâneo, Rolnik (1996a) coloca que a prática clínica

nos dias atuais deveria direcionar-se para encontrar meios de domesticar as forças do

fora, relançando a processualidade a qual substituiria a referência identitária. Assim, o

sujeito poderia criar condições para que o vazio de sentido possa ser vivido como

excesso e não como falta de modo que as subjetividades possam inventar possibilidades

de vida e de transformação.

Acredita-se que de acordo com os pressupostos desta clinica que Rolnik (1996a)

propõe, o provérbio popular poderia atuar enquanto um agenciamento que implica em

criar condições para que a desterritorialização possibilite as linhas de fuga criar novas

possibilidades. Entende-se que quando o provérbio é modificado para que faça sentido

no contexto em que foi expresso, é uma forma de substituir o que enquadra por algo que

abre para a processualidade.

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25

Destacar-se então de um falso nomadismo que na realidade nos deixa no mesmo lugar, no vazio de uma modernidade exangue, para acender às verdadeiras errâncias do desejo, às quais as desterritorializações técnico-científicas, urbanas, estéticas, maquínicas de todas as formas, nos incitam. (GUATTARI, 1992, P. 170).

A prática clínica busca trabalhar com os processos de subjetivação em sua

especificidade e em âmbitos da existência individual e coletiva, estando sempre

contextualizada. A esquizoanálise busca ajudar o sujeito a viabilizar a produção de uma

subjetividade heterogênea. (ROLNIK, 1996b).

A subjetividade não é algo dado, mas sim um trabalho de produção. O que se

tem são processos de individuação ou de subjetivação, que se fazem nas conexões do

desejo com fluxos heterogêneos que variam ao longo da existência, e que nos resultam

os indivíduos e seus contornos. Assim, a formação da subjetividade pressupõe

agenciamentos coletivos e impessoais. Os provérbios são agenciamentos que podem ser

utilizados na clinica como instrumento de intervenção, pois circulam em diversos

contextos e estão diretamente ligados às construções sociais, sem perder de vista o

sentido singular dado por cada sujeito.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS “Jamais poderemos compreender o que o outro espera de nós e o que nós esperamos do outro. Mas é preferível fazer o errado a nada fazer por medo de errar”.

(Martin Luther King)

Os provérbios populares são crenças, ideologias e analisadores que as pessoas

utilizam para se relacionarem com o mundo, Por meio da linguagem eles expressam

pensamentos de forma figurativa. A partir da percepção que obtive com relação aos

contextos sociais observados, questionei qual é a força/ influência que os provérbios

populares exercem na produção subjetiva atualmente. Para responder a essa questão

comecei meus estudos com um levantamento bibliográfico e depois com a realização de

um diário de bordo contendo anotações dos provérbios que foram citados durante esse

levantamento. Tais procedimentos me proporcionaram um entendimento mais amplo

sobre os provérbios e um conhecimento maior sobre a produção subjetiva e a

esquizoanálise.

As unidades proverbiais operam desde a antiguidade e expressam experiências

de vida além de incorporarem atitudes populares. Podem variar de acordo com a

estrutura, o conteúdo, a aplicabilidade e outros itens. Mesmo com tanto tempo de

criação e uso, os provérbios continuam sendo usados da maneira original, mas em

algumas situações há uma alteração do conteúdo e/ou sentido. Possuem uma autoria

inquestionável que reforça a credibilidade dos mesmos, uma vez que podem ser

assimilados pela própria ressonância e pela espontaneidade do ouvinte aceitá-lo ou não.

O provérbio insere diretamente na produção subjetiva por via do social. A

produção subjetiva, a partir do ponto de vista da esquizoanálise, é tudo que é produzido

pelos homens com recursos e elementos do seu próprio contexto que compõe um

ordenamento social. O social se organiza na rede – rizoma do mundo, na qual a

subjetividade se produz e ambos se articulam por meio dos agenciamentos. Os

agenciamentos trabalham com os fluxos caracterizados por um devir e são formados por

territórios existenciais que, por meio da desterritorialização, abrem passagem para as

linhas de fuga e a constituição de novos territórios.

É importante ressaltar que as pessoas se apropriam de modos diversos dos

provérbios populares. Assim, quando ocorre o processo de territorialização o provérbio

irá atuar de acordo com os processos de subjetivação referentes a cada indivíduo. A

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proposta da esquizoanálise é, contudo de uma produção subjetiva com novas conexões e

novos agenciamentos que buscam a ruptura de sentido e a inovação.

Na contemporaneidade, a globalização intensifica as misturas, destroem as

identidades e produzem modelos de acordo com o mercado. A ameaça constante de

esvaziamento da subjetividade faz com que as pessoas busquem anestesiar a

vibratilidade do corpo e com isso há uma perda da capacidade de afetar e ser afetado.

Assim, a TV surge como uma droga a ser consumida levando a uma identidade

identitária. O provérbio atua como um instrumento agenciador tanto para manipulação e

alienação, quanto para transformação e inovação. Desse modo, o devir dos provérbios

são possibilitados de acordo com a abertura que cada sujeito apresenta para lançar-se

em outras formas de ser.

Na clinica busca-se trabalhar com processos de subjetivação em vários âmbitos

da existência individual e coletiva, contextualizando-os sempre. Assim o provérbio

pode ser utilizado como intervenção no processo terapêutico, pois propicia ao individuo

estabelecer conexões no rizoma para que ele possa se inserir no campo social devido a

sua potencialidade. A subjetividade, portanto não é algo dado, mas sim um trabalho de

produção social podendo ser atravessado pelo provérbio.

Contudo, após a finalização desta monografia percebo que o provérbio

influência na produção subjetiva de quem o utiliza ou o escuta como agenciamento de

enunciação. Essa influência é clara devido ao fato de estarmos num contexto em que o

provérbio, mesmo modificado alguns de seus aspectos, ele se apresenta no social e,

conseqüentemente, atravessa a subjetividade. Dessa forma, se os provérbios são

agenciamentos, logo estão influenciando na produção subjetiva e nas possibilidades de

inovação e transformação dos sujeitos. É importante lembrar que a forma como o

provérbio afeta a produção subjetiva é singular de cada individuo.

Ressalto a importância dos provérbios não só como agenciamentos, mas também

como um rizoma que é atravessado por outros elementos e fluxos semióticos que

constroem novos territórios de inovação e criatividade desde a antiguidade.

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICE - Diário de bordo

Nesse diário de bordo estão transcritos todos os dados e provérbios coletados durante o

processo de observação. A observação foi realizada durante os meses Outubro e

Novembro de 2007. São apresentados nesse diário os provérbios falados, os contextos,

a idéia que eles buscam expressar e as modificações e observações notadas. Em alguns

provérbios encontra-se também a data em que foram falados e uma característica de

quem o utilizou.

• “Perco um amigo, mas não perco uma piada”.

Falado por uma estudante universitária ao fazer uma brincadeira com um colega de sala,

que o desprezava. Para disfarçar e amenizar a situação ela fala o provérbio para dar um

ar de graça e tentar minimizar tal situação. O provérbio alterado para se tornar ainda

mais engraçado. Confirmação, reafirmação e explicação. (10/10/07)

• “Nunca diga desta água não beberei”.

Falado por uma personagem do filme Show de verão (da emissora Globo). A

personagem fala o provérbio quando é demitida do seu emprego, pois devido à raiva

que sentia não queria mais voltar naquele lugar. Idéia de reafirmar e confirmar a idéia

original. (11/10/07)

• “Quem nunca comeu melado quando come se lambuza”.

Falado pela personagem da novela Eterna Magia (da emissora Globo) que reclamava,

pois seu neto quando mudou para cidade grande havia se transformado. A

transformação tinha sido ruim, pois o mesmo havia caído em perdições. Idéia de

confirmação e reforço do sentido original. (Sem data)

• “Deus escreve torto por linhas certas”.

Falado pelo personagem do programa “A grande Família” (emissora Globo). Para

expressar que a mulher que apareceu na vida do seu amigo foi Deus que mandou para

resolver seus problemas. O personagem atua no papel de um homem analfabeto,

utilizando o provérbio na ordem trocada. Idéia de reforço, confirmação e explicação,

mantendo o sentido original. (11/10/07)

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• “Até provar que focinho de porco não é tomada”.

Falado por uma jovem durante um churrasco para confirmar e reforçar a idéia que sua

amiga havia colocado. Queria confirmar que todas as mulheres que estavam ali eram

iguais. (12/10/07)

• “Quem gosta de osso é cachorro”

Falado por um personagem do filme Show de Verão (emissora Globo) quando uma

garota reclamava de seu próprio corpo. O personagem afirmava que homem não gosta

de mulheres muito magras. Idéia de reafirmação e confirmação. (11/10/07)

• “Defunto ruim não merece vela boa”

Falado pela vilã da novela Eterna Magia (emissora Globo), quando soube que um outro

personagem havia matado uma pessoa e não ficou no local para certificar que tal

personagem estava morto. Idéia de reafirmação, confirmação e exemplificação do

sentido original do provérbio. (11/10/07)

• “O cão chupando manga”.

Falado quando uma estudante universitária descreve uma outra pessoa expressando a

idéia de que ela é muito feia, então reforça a idéia falando o provérbio. (9/10/07)

• “Casa de ferreiro, espeto de pau”.

Falado por uma professora universitária do curso de psicologia, para reforçar e

confirmar o que havia dito. Ela afirmava que nos congressos em que a participava

cobrava caro por sua participação, mas que na sala de aula ninguém queria escutá-la

mesmo que gratuito.

• “Água mole pedra dura, tanto bate até que fura”.

Falado por uma professora universitária do curso de psicologia durante a supervisão de

estágio em que uma aluna contava como estava sendo seu atendimento. A professora,

então falou que agora ela deverá insistir ao ensinar o comportamento desejado e

finalizou sua fala com o provérbio para reforçar o que havia dito.

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• “Pau que nasce torto morre torto”.

Falada por uma professora universitária de psicologia quando explicava sobre a

disponibilidade de mudança que uma paciente de 60 anos apresentava durante o

processo terapêutico. Ele demonstrou surpresa em saber que uma pessoa idosa tem

vontade de mudar de vida, então usou o provérbio para contestá-lo e nega-lo.

• “Segura os bodes porque meus bodes estão soltos”.

Falado por um aluno universitário durante a supervisão de estágio que utilizou o

provérbio para reafirmar e reforçar a idéia que ele tinha a respeito de seu cliente. Há

uma inversão do provérbio, pois o caso refere-se a uma questão homossexual.

O paciente coloca a culpa da sedução que ocorre entre ele e os meninos mais novos nos

pais que não limitam seus filhos. Então o provérbio foi usado para reforçar essa idéia e

confirmar o sentido, mesmo que alterando a forma.

• “Se eu contar minha vida ruim para o carroceiro, o cavalo chora”.

Falado por uma aluna universitária durante a reunião de projeto. A pessoa começou a

falar dos seus problemas do dia-a-dia confirmando e finalizando a idéia com o

provérbio.

• “Assombração sabe pra quem aparece”.

Falado durante uma conversa entre estudantes universitários. Elas conversavam sobre a

relação entre duas pessoas em que uma delas abusa da generosidade de uma outra

pessoa, então elas usam o provérbio para confirmar e explicar aquilo que falavam.

• “Cada macaco no seu galho, mas a arvore é uma só”.

Falado por um estudante de enfermagem durante uma reunião de estagio para

exemplificar como deve ser a relação do trabalho interdisciplinar. Há mudança na forma

do ditado para completar a idéia, mas o conteúdo continua o mesmo.

• “As pessoas vêem as pingas que bebo, mas não vêem os tombos que levo”.

Ditado falado no programa Graffite da emissora SBT, ao introduzirem a história de vida

de uma dupla sertaneja. Um dos cantores para falar de suas dificuldades e reforçar o

vídeo que trazia sua história cita o ditado. (06/10/07)

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• “Quem casa quer casa”.

Falado durante a conversa entre duas mulheres num bar e foi usado para reafirmar a

idéia que quando uma delas se casar ela quer ter sua casa própria. Então usa o provérbio

para confirmação e reafirmação sua posição. (5/10/07)

• “Pra morrer basta estar vivo”.

Falado por algumas pessoas em um bar quando o assunto era sobre doenças graves que

começaram a afetar as pessoas mais intimas como parentes. Para confirmar e finalizar o

assunto uma pessoa disse esse provérbio. (5/10/07)

• “Não adiante rezar pra defunto que já está com a alma perdida”.

Ditado falado por uma coordenadora de projeto social a qual foi citada em uma aula de

psicopedagogia. No projeto em que ela trabalha foi pedido uma atitude da mesma diante

de um adolescente que não queria participar das atividades do projeto e que se encontra

em risco social. Então a coordenadora disse o ditado, expressando por ele toda sua

opinião, confirmando a exatidão do mesmo. (4/10/07)

• “Por traz de um grande homem tem sempre uma grande mulher”.

Falado por uma personagem da novela “Amigas e Rivais” da emissora SBT com o

intuito de negar a veracidade do mesmo. Segundo ela o provérbio não é verdadeiro

nesse caso, porque havia um homem em que sua mulher não o apoiava. (4/10/07)

• “Faca de dois gumes”.

Falado por uma professora de psicologia para dizer sobre as vantagens e desvantagens

que o tratamento terapêutico domiciliar apresenta. O provérbio reafirma e confirma suas

colocações. (5/10/07)

• “Há males que vem para o bem”

Falado por um professor universitário de Pedagogia. Utilizou esse ditado durante uma

reunião para dizer que não havia envido o projeto para aprovação, mas que isso não foi

de todo ruim porque havia surgido outra oportunidade de enviá-lo para uma instituição

melhor. Diante desse quadro, após explicar o processo ele encerra o assunto

confirmando o provérbio. (20/10/07)

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• “Quem procura acha”

Falado por um ator da novela Duas Caras da emissora Globo. O ditado foi utilizado para

expressar a idéia de que o ator estava procurando uma mulher para se casar, então se

falou o ditando confirmando e finalizando a idéia do provérbio. (06/11/07)

• “Ferro quente e água fria concertam qualquer porcaria”.

Falado por uma senhora aposentada em que explicava que o cabelo de uma moça era

alisado/ espichado, mas mesmo assim apresentava ser muito ruim. Então, a senhora para

reforçar e explicar essa idéia ela fala o provérbio. (26/10/07)

• “Quem não tem cão, caça com gato”.

Falado por um universitário do curso de psicologia quando pontuava que no 8º período

do curso não havia nenhum professor do sexo masculino. Então fala o provérbio para

explicar e confirmar sua idéia, ou seja, se não tem professor ele tem que aceitar as

professoras. (17/10/07)

• “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é bobo ou não tem

arte”.

Falado por uma universitária quando seu grupo discutia sobre a divisão de um trabalho

em que umas haviam ficado com partes maiores e outras com menores. Então, uma das

pessoas usa o ditado para explicar o fato da diferença na divisão do trabalho e para

finalizar a discussão.

• “Descobrir um santo para cobrir outro”

Falado por um aluno universitário quando explicava para professora o motivo pelo qual

ele não lia os textos que ela mandava. Ele afirmava que lia os textos que eram mais

importantes e os outros deixava de ler devido ao tempo. Então usou o ditado para

reforçar e reafirmar a idéia. (24/10/07)

• “Santo de casa, não faz milagre”.

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Falado por uma professora universitária do curso de psicologia para afirmar e confirmar

a idéia de que ela é boa professora, mas os alunos não percebem o quanto ela é ótima.

Então ela fala o ditado para reforçar essa idéia. (09/11/07).