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SOCIEDADE GOIANA DE PSICODRAMA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GÓIAS JANIA ALVES DOS SANTOS PSICODRAMA: UMA INTERVENÇÃO NA ELABORAÇÃO DO LUTO Goiânia 2008

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SOCIEDADE GOIANA DE PSICODRAMA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GÓIAS

JANIA ALVES DOS SANTOS

PSICODRAMA: UMA INTERVENÇÃO NA ELABORAÇÃO DO LUTO

Goiânia 2008

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JANIA ALVES DOS SANTOS

PSICODRAMA: UMA INTERVENÇÃO NA ELABORAÇÃO DO LUTO

Monografia apresentada à Sociedade Goiana de Psicodrama como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Psicodrama Terapêutico, sob a orientação da Professora Dra. Célia Maria Ferreira da Silva Teixeira.

Goiânia 2008

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JANIA ALVES DOS SANTOS

PSICODRAMA: UMA INTERVENÇÃO NA ELABORAÇÃO DO LUTO

Monografia defendida e aprovada em ______ de ___________________ de 2008, pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

Prof. Dra. Célia Maria Ferreira da Silva Teixeira Orientadora – SOGEP

______________________________________________________________________

Prof. Dr. Manoel Dias Reis Psicoterapeuta de aluno e professor supervisor da SOGEP

Psicóloga Especialista Valeria Barbosa Vilela Garcia Psicodramatista convidada

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Dedico este trabalho aos meus pais, Jaci e Isabel, por terem me propiciado uma matriz de identidade saudável. Ao meu esposo Luiz Antônio e aos meus filhos Luiz Felipe e Isabela, pelo carinho e compreensão durante esta árdua jornada. A todos que acreditaram na minha capacidade de realizar esse trabalho, em especial à Ana Maria Evangelista, que sempre me deu provas disso.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pelo Dom da vida e pela capacidade de realizar

este trabalho monográfico.

À Lara, minha paciente, razão de ser de todo esse trabalho, pela receptividade,

colaboração e confiança, meu sincero agradecimento.

À professora Dra. Célia Maria Ferreira da Silva Teixeira, que com suas

orientações e competência profissional muito contribuiu para a realização deste trabalho. À

ela meu muito obrigado.

Ao professor Dr. Manoel Dias Reis e Valeria Barbosa Vilela Garcia por aceitarem

participar da avaliação desta monografia.

A todos os professores, funcionários e colegas de turma da Sogep – Sociedade

Goiana de Psicodrama, em especial à pessoa do seu presidente Silvamir Alves, que me

apresentou o psicodrama e por quem tenho profunda admiração.

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O que é, o que é? Gonzaguinha

Eu fico com a pureza das respostas das crianças:

É a vida! É bonita e é bonita!

Viver e não ter a vergonha de ser feliz,

Cantar, e cantar, e cantar,

A beleza de ser um eterno aprendiz.

Ah, meu Deus! Eu sei

Que a vida devia ser bem melhor e será,

Mas isso não impede que eu repita:

É bonita, é bonita e é bonita!

E a vida? E a vida o que é, diga lá, meu irmão?

Ela é a batida de um coração?

Ela é uma doce ilusão?

Mas e a vida? Ela é maravilha ou é sofrimento?

Ela é alegria ou lamento?

O que é? O que é, meu irmão?

Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo,

É uma gota, é um tempo

Que nem dá um segundo,

Há quem fale que é um divino mistério profundo,

É o sopro do criador numa atitude repleta de amor.

Você diz que é luta e prazer,

Ele diz que a vida é viver,

Ela diz que melhor é morrer

Pois amada não é, e o verbo é sofrer.

Eu só sei que confio na moça

E na moça eu ponho a força da fé,

Somos nós que fazemos a vida

Como der, ou puder, ou quiser,

Sempre desejada por mais que esteja errada,

Ninguém quer a morte, só saúde e sorte,

E a pergunta roda, e a cabeça agita.

Fico com a pureza das respostas das crianças:

É a vida! É bonita e é bonita!

É a vida! É bonita e é bonita!

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RESUMO

A morte é um fenômeno considerado cheio de mistérios e temido pelo homem; diante dela fica evidente toda a fragilidade do ser humano. O indivíduo apresenta uma grande dificuldade de falar e aceitar a morte como algo natural, pois ela traz consigo a quebra de um vínculo, algo foi arrancado, deixando no lugar um vazio, uma solidão e, também, um sentimento de perda que, em alguns casos, torna o processo de luto muito doloroso. Este trabalho monográfico tem por objetivo aprofundar o conhecimento e a compreensão da teoria psicodramática na elaboração do luto. Para tal compreensão se faz necessário trazer algum conhecimento específico sobre os temas morte, perda e luto. O desenvolvimento desta monografia se dá com a utilização do referencial teórico-metodológico do psicodrama e do relato de um caso clínico de uma paciente com dificuldade de elaboração do luto. Palavras-chave: psicodrama, terapia do luto, morte.

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SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................................................ 05 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 07 CAPÍTULO 1 – BASES TEÓRICAS ........................................................................... 11 1.1 PSICODRAMA: FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ................... 11 1.2 MORTE E ELABORAÇÃO DO LUTO ................................................................... 17 1.2.1 Morte na família ...................................................................................................... 21 1.2.2 A morte para a criança ............................................................................................ 24 CAPÍTULO 2 – BUSCANDO POSSIBILIDADE DE AJUDA .................................. 26 2.1 ACONSELHAMENTO E TERAPIA DO LUTO ..................................................... 27 2.2 A INTERVENÇÃO NA ELABORAÇÃO DO LUTO .............................................. 29 CAPÍTULO 3 – TRABALHANDO O LUTO: UMA EXPERIÊNCIA COM O PSICODRAMA ..............................................................................................................

31

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 41 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 43

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INTRODUÇÃO

A única certeza da vida é a morte. Na morte, manifesta-

se o problema do desaparecimento do corpo físico do indivíduo e também de sua própria vida social. É o ser

humano confrontando-se com a sua finitude. (Barsa, 1999)

O homem vive sem de fato imaginar a própria morte. É como se acreditasse em

sua imortalidade. Todo homem sabe que um dia morrerá, porém não se preocupa realmente

com isso. Ele está tão envolvido com a vida que não pensa a respeito da própria finitude. A

morte sempre é vista como algo que acontece com o outro. Por isso, o indivíduo apresenta

uma grande dificuldade de falar e aceitar a morte como algo natural. Deve ser por isso que a

literatura sobre o assunto é escassa, principalmente dentro do Psicodrama, base fundamental

deste trabalho monográfico, que pretende desmistificar um pouco o que é a morte e mostrar

como a teoria que valoriza tanto a vida quanto os relacionamentos humanos pode ser utilizada

para trabalhar com temas como morte, perda e luto.

A morte é a companheira inseparável do homem. Desde que nasce ele já começa a

morrer. Morre e renasce um pouco a cada dia. Apesar de esse ciclo ser um processo natural,

sempre foi algo temido e, por mais que a ciência avance, o medo e a negação da morte

permanecem.

Aceitar e compreender essa situação não são tarefas fáceis. A morte traz consigo

um ponto final à vida, é o fim de um ciclo muito dolorido, com ela vem a certeza de que

aquela pessoa que se foi não voltará mais. É o resultado de toda uma vida, finalizando um

longo ou um curto caminho percorrido, causando na maioria das vezes muito sofrimento em

quem fica. A morte de alguém não é apenas uma perda, também é a aproximação da própria

morte, um processo que faz parte da estrutura da vida.

Perazzo (1986, p. 14), escrevendo sobre a dificuldade que o ser humano tem em

aceitar a existência da morte, afirma que “as próprias bases da razão, que a raiz da lógica

Aristotélica, tem por objeto negar a existência da morte, aprisioná-la, vencê-la. Fica então

muito difícil tentar sua profunda compreensão a partir de um sistema montado para negá-la”.

Segundo o autor, o ser humano tem dificuldade em aceitar e compreender o fenômeno da

morte; há uma incapacidade para sua aceitação.

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De acordo com Bowlby (1985) perder uma pessoa que se ama é uma das

experiências mais dolorosas que o indivíduo pode sofrer. É complicado não só para quem a

experimenta, mas também para quem a observa, principalmente pelo fato de o ser humano ser

tão impotente diante de algo tão temido. A perda é algo inerente à condição humana. Através

dela os indivíduos precisam enfrentar seus limites, o que simboliza sua própria morte. As

perdas podem ser concretas ou simbólicas, resultando em privações e mudanças, trazem a

sensação de estar sem controle e abalam o sentimento de segurança (KOVÁCS, 2002).

Segundo Bromberg (2000), a morte de uma pessoa querida provoca um

sofrimento ainda maior quando agravada por circunstâncias como a surpresa, a violência ou a

idade precoce. Não há, obviamente, respostas fáceis e aceitáveis, mas, com certeza, ignorá-la,

sufocar as lágrimas e abafar o luto são as piores maneiras de lidar com esse evento.

Do ponto de vista físico, a morte ocorre quando cessa a vida de um indivíduo, seja

por causas naturais (senilidade), seja por motivos acidentais ou causas externas (doenças). É

um fato considerado cheio de mistérios, e é daí que vem o estímulo para estudá-la, para

refletir como as pessoas a vêem e a aceitam. Segundo Scott (1993), à medida que as pessoas

procuram entender o mistério da sua morte descobrem o significado da sua vida.

Ao estudar sobre morte é importante que se entenda como ocorrem os sentimentos

e sensações no vivenciar do luto. Enlutar-se é um processo de mudança de comportamento

que provavelmente todos experimentarão em algum momento. Um acontecimento estressante

como o luto envolve sempre uma perda. O medo e a dor fazem com que o indivíduo se sinta

desamparado. Esse medo, o desamparo e outros sentimentos podem ocorrer como

preocupação transitória, após a perda, durante o luto. Normalmente, esse fato é considerado

como resolvido quando o sujeito retoma uma sensação de segurança.

Outro sentimento comum é o sentimento de culpa. Neste, começam a pensar em

tudo aquilo que podiam ter feito ou dito e que já não podem ou mesmo naquilo que podiam

ter feito para impedir essa morte. Em alguns casos, quando ela é vista como solução para

alguém que está sofrendo muito, pode surgir esse sentimento e um arrependimento por não ter

podido evitar tal sofrimento; a pessoa se sente incapaz diante da situação real da perda. A

culpa também pode surgir depois de se sentir alívio pela morte de alguém que era muito

querido, mas que estava sofrendo muito. Esse sentimento é normal, compreensível e muito

comum.

O estado de agitação é geralmente mais forte nas duas semanas seguintes à morte

do ente querido, mas é rapidamente substituído por períodos de grande tristeza, depressão e

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silêncio. Essa mudança súbita de emoções pode deixar amigos e familiares confusos, mas faz

parte do processo natural de luto.

Os indivíduos apresentam grande dificuldade de elaborar essas perdas, que pode ir

além da morte da pessoa em si. Ela traz consigo várias outras perdas, como a situação

financeira, mudanças de comportamento, dentre outras. Parkes (1998) considera que a

extensão do luto pela morte de uma pessoa se assemelha às reações a outros tipos de perdas,

como o divórcio, o desemprego, a migração forçada, a morte de um animal de estimação, a

esterilidade/infertilidade e as perdas envolvidas na recuperação de um câncer.

Todos esses sintomas e sensações fazem com que o indivíduo deixe de

desempenhar seus papéis de forma satisfatória. De acordo com a teoria moreniana, quanto

maior for o número de papéis desempenhados pelo indivíduo, mais saudável este se apresenta.

Conforme Gonçalvez, Wolff e Almeida (1988, p. 67), “O papel é a forma de funcionamento

que o indivíduo assume no momento específico em que reage a uma situação específica, na

qual outras pessoas ou objetos estão envolvidos”.

A experiência de viver o luto pode se transformar em uma situação traumática,

construída por uma rede de silêncio em torno da morte e do morrer, necessitando de auxílio

externo por meio da busca de apoio profissional. Partindo do interesse de se entender o

vivenciar do luto surgiu a necessidade de aprofundar o conhecimento, verificar como o

psicodrama contribui na elaboração do luto.

De acordo com Moreno (2003), o nascer é o primeiro ato espontâneo do bebê,

resultante de um longo período de aquecimento, a gestação. Com base nessa idéia, Perazzo

(1986) questiona-se se viver pode ser um processo de aquecimento para o que seria o último

ato espontâneo, a morte.

Moreno (2003) refere-se à espontaneidade como a capacidade do homem agir de

forma adequada e criativa. Deve-se perceber, nessa adequação, um sentimento reforçador da

liberdade inata, onde o homem vai buscar a espontaneidade adequada em si mesmo,

permitindo a manifestação de seu potencial criativo, possibilitando respostas adequadas a

situações novas ou antigas, tornando-se agente de seu próprio destino.

Acredita-se que o indivíduo encontra-se em constante desenvolvimento e

transformação e a terapia psicodramática pretende prepará-lo para desenvolver seu potencial

espontâneo e criativo mesmo em situações difíceis, como no caso da perda e do luto. Fox

(2002) esclarece que, para Moreno, o objetivo do psicodrama, desde seu princípio, era o de

construir um espaço terapêutico que utilizasse a vida como modelo e integrar nele todas suas

modalidades, começando pelas universais, como tempo, espaço e realidade.

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Conforme Perazzo (1986) escreve em seu livro Descansem em paz os nossos

mortos dentro de mim, existe uma economia de referências à morte na literatura

psicodramática. O autor (idem, p. 20) esclarece que é quase uma ausência e que, por isso, teve

que buscar sobre o assunto em outras fontes: “Salvo pequenas alusões em Bouquet, Pavlovsky

e Naffah Neto e uma breve leitura lacaniana, mais que psicodramática, de Lemoine, mais

voltada para aspectos do complexo de Édipo, nada encontrei sobre o tema entre os

psicodramatistas”.

O mesmo autor (idem, p. 21), partindo de suas experiências pessoais, resolveu

escrever um livro com algumas considerações que apresenta fragmentos de sessões de

psicodrama, desejando chamar a atenção para um assunto que é cotidiano na vida do ser

humano e que “torna inexplicável a sua lacuna no psicodrama”.

Na busca de literatura psicodramática sobre o tema morte, perda e luto encontrou-

se um livro do sócio-psicodramatista José Paulo da Fonseca que, interessado pelo tema,

resolveu escrever em seu livro Luto Antecipatório como é difícil a preparação para uma perda

anunciada. O autor (2004, p. 97) esclarece que o luto antecipatório “trata-se de uma fase onde

se fica no fio da navalha pois, por um lado, temos que nos preparar para a morte que se

avizinha e, por outro, precisamos dedicar todo o nosso amor, atenção e carinho ao paciente

em fase terminal”.

O objetivo deste trabalho é conhecer como a psicoterapia pode contribuir para que

o indivíduo possa elaborar suas perdas e como a aplicação da teoria e das técnicas

psicodramáticas contribuem para trabalhar a elaboração do luto. Para tal compreensão, esta

monografia está dividida em introdução, fundamentação teórica-metodológica

psicodramática, morte e elaboração do luto, busca de ajuda na elaboração do luto e

apresentação do caso clínico. Em seguida, a conclusão e as referências bibliográficas.

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CAPÍTULO 1

BASES TEÓRICAS

1.1 Psicodrama: fundamentos teórico-metodológicos

O Psicodrama pode ser definido como uma ciência que busca a verdade por meio

de métodos dramáticos e usa a ação como uma forma de investigar a alma humana

(MORENO, 1999). É um método de pesquisa e intervenção das relações interpessoais nos

grupos, entre grupos ou em terapia bipessoal. Mobiliza o indivíduo para vivenciar a realidade

a partir do reconhecimento das diferenças e dos conflitos. Facilita a busca de alternativas para

a resolução do que é revelado, expandindo os recursos disponíveis. Através da metodologia

psicodramática, é possível ir além da fala, o que possibilita ao sujeito a visualização de seus

conflitos e dificuldades, colocando-o em contato consigo mesmo.

De acordo com Moreno (2003, p. 47), “o psicodrama procura, com a colaboração

do paciente, transferir a mente “para fora” do indivíduo e objetivá-la dentro de um universo

tangível e controlável”. O autor esclarece que é um método de diagnóstico, bem como de

tratamento. Uma de suas características é incluir a representação de papéis, que pode ser

aplicada a qualquer tipo de problema, pessoal ou de grupo, crianças ou adultos.

O homem moreniano é um ser social. Desde que nasce, diante de sua fragilidade

biológica, precisa pertencer a um grupo para suprir suas necessidades básicas; precisa do

outro para nascer, crescer e se reproduzir, ou seja, necessita de ajuda externa para se adaptar

ao seu novo mundo. A sobrevivência do bebê está ligada diretamente ao fator e, a

espontaneidade, que é o que lhe garante plasticidade e mobilidade. Moreno (2003, p. 101)

propõe que “deve existir um fator com que a natureza generosamente dotou o recém-chegado,

de modo que possa desembarcar com segurança e radicar-se, pelo menos provisoriamente,

num universo inexplorado”.

A concepção moreniana entende que o existir humano é um viver em coletividade,

onde o indivíduo se realiza pelo desempenho de papéis na sociedade. É assim que o ambiente

afetivo-emocional estabelecido entre a criança e o mundo, através da família, pode agir

positivamente, ou, ao contrário, dificultar seu desenvolvimento.

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Assim, o conceito de papel é extensivo a todas as dimensões da vida. É

empregado para abordar a situação do nascimento, perpassando toda a existência no que se

refere à experiência individual e também à participação do indivíduo na sociedade. A teoria

dos papéis situa-se no conjunto da teoria moreniana, que sempre se refere ao homem em

situação, imerso no social, buscando transformá-lo através da ação.

O desenvolvimento do psicodrama se deu através de um processo gradual de

descoberta e de exploração de possibilidades variadas. Moreno acreditava que, no teatro,

existiam possibilidades ilimitadas para resgatar a espontaneidade. O autor via a possibilidade

do ser humano experimentar uma verdadeira vida, uma vida recriada a cada ato, a cada

momento.

A teoria psicodramática está pautada em três pilares básicos: teoria de papéis,

teoria da espontaneidade/criatividade e matriz de identidade.

A matriz de identidade é, para seu criador, a placenta social do indivíduo, o lócus

onde a criança se insere, proporcionando-lhe segurança, orientação e guiando-a rumo ao

desenvolvimento de uma autonomia. Ao nascer, a criança entra em um mundo denominado

primeiro universo, que está dividido em dois tempos com características próprias:

1. Tempo do primeiro universo ou período da identidade total: a criança não diferencia

pessoas de objetos, nem fantasia de realidade; só há um tempo, o presente;

2. Tempo do primeiro universo ou período da identidade total diferenciado ou realidade

total: começa a diferenciar objetos de pessoas, surgem certos registros, possibilitando os

sonhos.

Moreno descreve cinco etapas dessa formação da matriz, que depois resume em

três fases:

1. Fase do duplo: fase da indiferenciacão, onde a criança precisa sempre de alguém que faça

por ela aquilo que não consegue fazer por si própria, necessitando, portanto, de um ego-

auxiliar;

2. Fase do espelho: reconhecimento do eu, onde existem dois movimentos que se mesclam:

o de concentrar a atenção em si mesma, esquecendo-se do outro, e o de concentrar a

atenção no outro, ignorando a si mesma. Exemplo disso pode ser o de quando a criança

olha a sua própria imagem no espelho e não se identifica como ela mesma, apenas diz:

olha o nenê;

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3. Fase da inversão: existe a tomada de papel do outro para depois haver a inversão de

papéis.

O psicodrama é uma técnica psicoterápica que tem como foco principal a

dramatização. É através das dramatizações que o indivíduo entra em contato consigo mesmo,

com suas estruturas e inter-relações, conseguindo, assim, resgatar todas suas potencialidades

perdidas durante o processo de luto.

É um método psicoterapêutico de ação, que procura resgatar no indivíduo um

estado mais espontâneo e criativo, possibilitando o encontro consigo e com o outro, no aqui e

agora. Moreno (1992, p. 149) afirma que “a espontaneidade opera no presente, agora e aqui,

propele o indivíduo em direção a resposta adequada à nova situação ou a resposta nova a

situação já conhecida”.

Fundamentado na teoria do momento (eu na ação) e no princípio da

espontaneidade de Moreno, o psicodrama promove a liberdade e estimula a criatividade na

produção dramática. Segundo o autor (2003, p. 155), para que o momento seja experimentado

como sui generis, são necessárias: a) “ocorrer uma mudança na situação; b) a mudança deve

ser suficiente para que o indivíduo perceba a experiência de novidades; c) essa percepção

implica atividade por parte do indivíduo, um ato de aquecimento preparatório de um estado

espontâneo”.

Fox (2002) escreve que o fator espontaneidade que aquece o sujeito para

determinadas situações não é um sentimento, um pensamento ou um ato, em si, que se

acrescenta a uma cadeia de improvisações, à medida que ocorre o processo de aquecimento. É

uma prontidão do sujeito para responder, de acordo com o que for necessário. “É uma

condição (um condicionamento) que deixa o sujeito preparado para agir com liberdade, o que

não se alcança por um ato de vontade, mas desenvolve-se gradativamente” (idem, p. 85).

Parece certo que a espontaneidade torna o sujeito relativamente mais livre das conservas, o

que demonstra que a espontaneidade é um valor tanto biológico quanto social.

Segundo Moreno (2003), a espontaneidade e a criatividade são recursos inatos,

fundamentais para o desenvolvimento saudável do homem. O autor explica que a

espontaneidade habilita o indivíduo a superar situações como se carregasse o organismo,

estimulando e excitando seus órgãos para modificar suas estruturas, a fim de que possam

enfrentar suas novas responsabilidades.

Conforme Naffah Neto (1997), a espontaneidade engendra o indivíduo e a

situação como dois pólos de uma mesma unidade: como esforço de auto-superação em função

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do confronto com a situação presente, ela é, ao mesmo tempo, ação que se lança na própria

situação para transformá-la tornando-se então espontaneidade – criativa.

No psicodrama, a espontaneidade opera não só na dimensão das palavras, mas em

todas as outras dimensões de expressão, como, por exemplo, a atuação, a interação, a fala e o

desenho. A vinculação da espontaneidade à criatividade foi um importante avanço, a mais

elevada forma de inteligência de que se tem conhecimento. O papel dinâmico que a

espontaneidade desempenha não deve implicar que o desenvolvimento e a presença da

espontaneidade constituam a cura do indivíduo.

Só quando se treina a espontaneidade é que o sujeito fica livre das conservas

culturais, comportando-se de forma mais autêntica e satisfatória, o que pode caracterizar a

espontaneidade como possuidora de características biológicas e sociais (FOX, 2002). Por isso,

pode-se afirmar que a falta de espontaneidade pode deixar o indivíduo ansioso e com

dificuldades para enfrentar conflitos e a perda de algo importante.

Gonçalvez, Wolff e Almeida (1988) consideram que mesmo o homem nascendo

espontâneo, deixa de sê-lo quando entra em contato com os padrões sociais, as coerções

morais e as exigências determinadas pela sociedade. Esses valores, impostos como regras que

fazem com que o indivíduo perca a espontaneidade e se cristalize, são chamados por Moreno

de conserva cultural, cristalização de um processo de criação.

Explicam, também, que quando o indivíduo recupera ou luta por sua liberdade,

reafirma sua essência, ou seja, a espontaneidade. De acordo com esses autores, resgatar a

espontaneidade-criatividade é o principal objetivo do psicodrama. É esse resgate que irá

permitir que o indivíduo haja adequadamente frente às novas situações que a vida possa lhe

apresentar.

Para Martin (1996), é preciso que aconteça a união do novo com o adequado para

que ocorra a manifestação da espontaneidade, ou seja, lutar contra as conservas culturais leva

ao falso pensamento de que é necessária uma total originalidade a todo momento, sendo que

esta estaria alheia às manifestações culturais. Segundo o mesmo autor, viver preso às

conservas é tão inadequado quanto o desprendimento total das mesmas.

Assim, Gonçalvez, Wolff e Almeida (1998) esclarecem que a revolução criadora é

a proposta de recuperação da espontaneidade e da criatividade, através da ruptura com os

padrões de comportamento estereotipados e do rompimento com os automatismos que o ser

humano adquire no contato com os padrões sociais.

Quando a ansiedade diante da dor pela perda de algo ou alguém toma maiores

proporções, tornando-se prolongada e profunda, um estado quase constante de preocupação,

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medo e tensão pode surgir, prejudicando o desempenho espontâneo criativo e trazendo grande

sofrimento. Além de angústia e ansiedade, pode produzir também problemas físicos tais como

dores de cabeça, náuseas, dores no corpo e até problemas de estômago.

Essa ansiedade aparece devido à falta de respostas adequadas às situações

cotidianas da vida de um indivíduo e diminui à medida que este consegue resgatar sua

espontaneidade-criatividade. Esse resgate possibilita ao indivíduo o melhor desempenho dos

seus papéis.

Moreno (2003) definiu papel como uma forma de funcionamento que o indivíduo

assume no momento específico em que reage a uma situação dada, na qual outras pessoas ou

objetos estão envolvidos. O conceito de papel estende-se a todas as dimensões da vida: pode

estar ligado desde o nascimento ao desenvolvimento da pessoa enquanto experiência

individual e enquanto modo de participação na sociedade.

Os vários papéis que os indivíduos podem desempenhar não existem isolados uns

dos outros, apresentam semelhanças em suas estruturas e tendem a se aglutinar, formando um

conglomerado ou cachos de papéis, os quais mantêm uma relação funcional entre si. Assim,

se um papel de autoridade como a relação professor-aluno adquire uma maior dose de

espontaneidade, outros papéis do mesmo cacho como patrão-empregado, pai-filho, podem

receber uma transferência de espontaneidade e também se transformarem (GONÇALVEZ,

WOLFF E ALMEIDA, 1988)

Nesse sentido, todos os papéis são complementares. Os indivíduos agem a partir

de uma série de papéis adquiridos em sua cultura e que o ajudam a desempenhar seu próprio

papel. Seu modo de ser e sua identidade decorrem dos papéis que complementa ao longo de

sua vivência e de suas experiências, com respostas obtidas na interação social, por papéis que

complementam os seus.

Entre algumas de suas definições, Moreno (2003, p. 25-26) conceitua:

Os papéis são os embriões, os precursores do eu, e esforçam-se por se agrupar e unificar. Distinguem-se os papéis fisiológicos ou psicossomáticos como os do indivíduo que come, dorme e exerce atividade sexual; os papéis psicológicos ou psicodramáticos, como os de fantasmas, fadas e papéis alucinados, e, finalmente, os papéis sociais, como os de pai, policial, médico etc. [...] Os papéis psicossomáticos, no decurso de suas transações, ajudam a criança pequena a experimentar aquilo a que chamamos o ‘corpo’; que os papéis psicodramáticos a ajudam a experimentar o que designamos por ‘psique’; e que os papéis sociais contribuem para se produzir o que denominamos ‘sociedade’. Corpo, psique e sociedade são, portanto, as partes intermediárias do eu total.

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Segundo Fonseca Filho (1980), é no espaço psicodramático que o paciente pode

colocar para fora, exteriorizar suas experiências internas, pois quando o paciente dramatiza

uma situação por ele vivida ou imaginada vem à tona todas as experiências mais

significativas, constituindo, assim, a verdadeira ação psicodramática.

A transformação se dá pela mobilização de afetos e emoções, mediante a

compreensão do intelectivo emocional da cena. Através do jogo de papéis, estabelece-se a

relação télica, propiciando ao paciente a adequada avaliação da realidade externa e interna.

Outro conceito importante na teoria moreniana é o da tele, pois esta consiste na

capacidade de perceber, de forma objetiva, o que está ocorrendo nas situações e o que se

passa entre as pessoas, influenciando decisivamente na comunicação, que só ocorre a partir

daquilo que se é capaz de perceber.

A tele habilita os indivíduos a se relacionarem de maneira que possam apreender

as circunstâncias de uma situação, tal qual elas se apresentam no momento imediato. É a

capacidade de perceber, sem contaminações apriorísticas, o real, e responder a ele, em virtude

do livre fluxo de espontaneidade-criatividade. A transferência ocorre quando o indivíduo, em

virtude de seus conteúdos de conserva, seja cultural ou psicológica, não possui condições de

vivenciar uma relação télica.

Fox (2002, p. 33) considera que “o encontro é um fenômeno télico. O processo

fundamental de tele é a reciprocidade: reciprocidade de atração, reciprocidade de rejeição,

reciprocidade de excitação, reciprocidade de inibição, reciprocidade de indiferença,

reciprocidade de distorção”.

Dentro do trabalho psicoterápico psicodramático há várias fases a serem seguidas,

dentre elas a dramatização, que pode ser considerada uma das mais importantes da sessão.

Sua função é reconstruir a realidade vivida, colocando em ação os papéis aí implicados.

Através das dramatizações das vivências, o indivíduo percebe que alguns dos seus medos são

irracionais. Por via da ação, é possível que ele identifique seus conflitos e desenvolva novas

formas de atuação em sua vida, o que pode colaborar para que consiga perceber que é possível

atuar na vida de forma mais adequada, mesmo tendo passado por um processo de perda

traumática.

De acordo com Garcia (2005), a dramatização e a utilização das técnicas

psicodramáticas são de fundamental importância. A técnica do duplo propicia ao

psicoterapeuta assumir o lugar do paciente, mostrando-lhe sua percepção; na técnica do

espelho, o psicoterapeuta possibilita que o paciente se veja e perceba como reage diante da

situação; nas técnicas da tomada de papéis e da inversão incompleta de papéis o indivíduo

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toma o papel do morto e depois faz a troca de papel com ele, podendo, assim, compreender

melhor como ocorre esse processo e liberar suas emoções, represadas pelo luto não concluído.

No espaço do “como se”, o indivíduo pode vivenciar a maneira como responderia

ao contato, realizando um treinamento antes de atuar na realidade, o que pode deixá-lo mais

espontâneo e adequado em suas relações. Ao entrar em contato com sua subjetividade através

da ação dramática, desenvolve seu papel e inverte papéis, ampliando suas possibilidades.

Para Zerka Moreno (2001), os psicodramatistas tornam-se artistas quando

trabalham as relações humanas. Segundo essa autora, o objetivo do psicodrama é estabelecer a

tele entre as pessoas. Uma das técnicas para alcançar esse objetivo é a inversão de papéis: “A

inversão de papéis significa olhar para si mesmo pelo olhar de outra pessoa, ou a partir da

perspectiva de outra pessoa” (idem, p. 41). É uma técnica de absoluto envolvimento, da

capacidade de ver a trama do outro ponto de vista, qualquer que seja ele.

Entretanto, sabe-se que não é possível assumir o papel de outra pessoa. Não se

pode fazer uma troca entre corpos, mas, psicodramaticamente, é possível se aproximar

(perceber) dos sentimentos do outro. A percepção que se tem da outra pessoa muda quando

você põe de lado o seu próprio eu.

1.2 Morte e elaboração do luto

É importante que as vivências relativas à morte sejam elaboradas e permitam ao

sujeito processos de re-significação do sentido da vida e, conseqüentemente, rearticulação de

seus projetos; o indivíduo precisa perceber que a vida continua, precisa sobreviver, mas, para

que isso aconteça, é necessário se permitir viver a dor e a tristeza da perda. Cada um vai

processar a experiência à sua maneira, entretanto, é preciso dar vazão aos sentimentos que o

sufocam.

A morte como perda refere-se ao rompimento irreversível de um vínculo,

sobretudo se a perda é algo real, evocando sentimentos fortes. Quem fica sente que um pedaço

de si se foi. Segundo Bolwby (1985), quando essa perda ocorre de forma inesperada pode

provocar uma desordem, uma paralisação que causa uma sensação de impotência, tornando-se

fundamental expressar os sentimentos nesses momentos para que se desenvolva o trabalho de

elaboração do luto.

O luto pode acarretar manifestações patológicas no enlutado. Pode-se observar

uma série de reações somáticas e psíquicas que tem uma proposta adaptativa de restabelecer o

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equilíbrio alterado. Quando se consegue isso sem deformar demasiadamente a realidade, fala-

se em luto normal. Caso contrário, quando há alterações no processo de juízo da realidade, o

luto é patológico.

De acordo com Parkes (1998), o tratamento das reações patológicas do luto segue

os mesmos princípios presentes nas indicações para o apoio às pessoas enlutadas em geral.

Assim, o tratamento adequado para o luto adiado ou inibido pode tomar a forma de

psicoterapia, na qual o paciente é encorajado a expressar seu pesar e a superar as fixações ou

bloqueios para que possa perceber o que acontece e, então, ressignificar seu mundo.

As pessoas que passaram por uma perda importante podem estar bem mais

qualificadas para ajudar outras pessoas enlutadas, pois conseguem entender melhor aquilo que

elas estão vivendo e sabem que o luto não é o fim da vida.

Kaplan e Sadock (1985, citados por Freitas, 2000) esclarecem que os termos

perdas, pesar e luto são, muitas vezes, empregados de forma confusa. Uma das razões para

esse acontecimento é que a maioria das pessoas tem dificuldade para comparar respostas

emocionais diante da morte. O pesar, por exemplo, é uma manifestação que surge depois da

perda, sendo tal termo empregado com mais freqüência do que o luto. É mais crônico e custa

mais a passar. O luto termina, mas o pesar continua. Esse termo designa apenas a seqüência

de estados subjetivos que se seguem à perda e acompanham o luto (PARKES, 1998).

De acordo com os autores citados acima, durante o processo mais agudo do luto

pode surgir um sofrimento ainda maior, acompanhado por insônia, anorexia, ansiedade, raiva

e inquietação motora.

Para Bromberg (2000), é importante considerar o luto como um processo dividido

em fases; essa compreensão é relevante na detecção de uma possível patologia e de grande

importância para a avaliação do luto familiar. Dentre os estudos feitos sobre luto, Bowlby

(1985) apresenta quatro fases durante a elaboração do mesmo:

• Fase de entorpecimento: nesta fase, a pessoa entra em choque, não consegue acreditar na

morte do ente querido, podendo negar o ocorrido e tentar continuar a viver como se nada

estivesse acontecido. Dura algumas horas ou semanas e pode vir acompanhada de

manifestações de desespero e de raiva; o sujeito pode parecer desligado, embora

manifeste um nível alto de tensão;

• Fase de anseio e protesto: existe a expressão do desejo da presença e busca da pessoa

perdida. A raiva pode estar presente quando há percepção de que houve realmente uma

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perda. Fase de bastante inquietação onde mais acontecem os sonhos com a pessoa

perdida;

• Fase da desorganização e desespero: ocorre em decorrência do enlutado não poder reviver

o morto. Fase de apatia e depressão;

• Fase de recuperação e restituição: nesta, o enlutado começa a aceitar gradualmente a

perda, pensando na reconstrução da própria vida. A depressão se mistura aos sentimentos

bons, a pessoa se adapta melhor às mudanças ocorridas em sua vida.

De acordo com Kovács (2002), durante o processo de luto podem ocorrer

identificações com o morto, o enlutado pode começar a fazer coisas que o outro gostava.

Podem ocorrer conflitos e mal-estares quando a pessoa se percebe fazendo coisas que nunca

fazia, talvez nem gostasse. A identificação pode ocorrer também quando o enlutado passa a

manifestar os mesmos sintomas do falecido. Esses comportamentos podem ser indicativos de

que o indivíduo está fora da realidade.

Raimbalt (1979) esclarece que, para que se realize o processo de luto, é

necessário:

• Uma desidentificação e um desligamento dos sentimentos em relação ao morto;

• A aceitação da inevitabilidade da morte;

• Quando for possível, encontrar um substituto para a libido desinvestida.

Se não ocorrer o desligamento do ente perdido, é possível que em cada nova

relação o indivíduo possa buscar coisas que o façam lembrar o passado e passe a viver uma

realidade que não condiz com a sua, pois pode começar a viver como a pessoa que morreu ou

tentar buscá-la incessantemente.

Neste sentido, Parkes (1998) ressalta a importância da pesquisa, a fim de

compreender melhor os meios pelos quais o luto pode levar a distúrbios psiquiátricos e para

iniciar programas de prevenção e tratamento. O autor apresenta um estudo sobre a dimensão

do processo de luto, descreve as dores, o choro, a procura, as imagens do morto e as

distorções na percepção do enlutado. Apresenta a discussão do aparecimento dos sonhos de

enlutamento, do entorpecimento, dos mecanismos de evitação da perda, do esquecimento

seletivo e o surgimento dos movimentos de aproximação e afastamento. Aborda também os

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sentimentos que envolvem raiva e culpa, as manifestações de protesto, amargura e de auto-

acusação.

Essa parte é finalizada com a discussão sobre a recuperação do processo de luto,

apresentando a obtenção de uma nova identidade do enlutado. Discute as transições

psicossociais por que este passa, as mudanças de concepções, a reorganização e a mudança

nos papéis familiares.

Ao tentar banir a morte do cenário da vida, ela opera um processo de medo e

angústia. Kubler-Ross (2002) aborda, em seus estudos sobre pacientes terminais, os cinco

estágios que as pessoas moribundas atravessam com relação à morte. Os pacientes ou seus

familiares normalmente passam pelos mesmos estágios quando recebem uma má notícia.

Esses estágios foram classificados pela Dra. Kubler-Ross para pacientes que estavam

morrendo. Inúmeras outras situações presentes na prática dos profissionais de saúde, como a

comunicação de diagnósticos de doenças genéticas, por exemplo, podem fazer com que as

pessoas passem por estágios semelhantes:

• Negação e isolamento: quando o enfermo nega sua morte e ignora o diagnóstico;

• Raiva: vem quando percebe que não há mais como negar sua condição;

• Barganha: revolta e outros sentimentos como a inveja, tendo a expectativa de que possa

reverter o seu quadro, fazendo até promessas a Deus em troca da cura;

• Depressão: quando começa a ver realmente sua condição e que não há mais o que fazer,

caindo, assim, em depressão, o que agrava seu estado de saúde. Apresenta remorso do que

deixou de fazer, sentindo-se derrotado e impotente;

• Aceitação: fisicamente o paciente sente-se mais debilitado, quer ficar só e dormir, mas

emocionalmente está melhor. Ocorre quando o doente absorve a idéia de que irá morrer.

Os familiares e amigos atravessam exatamente os mesmos estágios, precisamente na

mesma ordem.

O luto é uma reação à privação e à perda de alguém que muito se ama. A

dificuldade de envolvimento e integração com as pessoas, no decurso do luto, pode

representar um obstáculo ao seu desenvolvimento saudável. Então se percebe alguma

tendência para o isolamento da pessoa enlutada. Esta admite que ninguém consegue

compreender o que se passa consigo, que seu problema é único e irresolúvel. O estado de

espírito assinalado ocorre em qualquer que seja o tipo de luto vivido.

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É importante citar que elaborar o luto não se faz necessário somente quando há

perdas em situações de morte, mas também em outros tipos de perdas. De acordo com Zerka

Moreno (2001), as pessoas precisam passar por um processo de luto quando sofrem uma

perda significativa. Elas podem acusar Deus pela privação. Trata-se também de uma acusação

dirigida à vida, por assim dizer. Em seu livro Realidade Suplementar e a Arte de Curar a

autora escreve que teve de fazer um luto pela perda do braço direito que teve de ser amputado

em decorrência de um câncer e que passar por essa fase fez parte de seu processo de cura.

1.2.1 A morte na família

A morte é uma parte integrante e funcional da vida, é um evento que todas as

famílias enfrentam em momentos e circunstâncias diferentes, um acontecimento universal e

irrecusável por excelência. De fato, é o único acontecimento de que verdadeiramente se tem

certeza, mesmo que não se saiba o dia e hora em que ocorrerá.

Para a compreensão dessa experiência de trabalhar com a morte e o morrer alguns

fatores são muito relevantes, como a dinâmica familiar, as histórias construídas pela família

ao longo das gerações, a forma da morte e o momento da morte na família, a posição no grupo

da pessoa que está morrendo, qual sua colocação na prole e sua rede social. Por isso, é um

equívoco tratar todas as mortes como iguais.

Bowen (1991, citado por WERLANG E OLIVEIRA, 2006) esclarece que a

dinâmica familiar estabelece regras mutuamente negociadas e compartilhadas sobre o que se

espera no momento de uma crise familiar. Algumas famílias são capazes de permitir a

manifestação de sentimentos e fantasias de seus membros de forma mais aberta, facilitando a

circulação dos pensamentos impregnados de emoção. Nestas, o silêncio em torno da

proximidade da morte pode ser interrompido e as reações de sofrimento podem ser acolhidas.

De acordo com os mesmos autores, algumas famílias desenvolvem, em sua

história, formas de reação diferentes, um sistema de comunicação que inibe expressões

emocionais para proteger seus membros do enfrentamento da ansiedade gerada pela crise.

Com essas características, as pessoas não podem comunicar seus pensamentos sem

transformar a família, especialmente diante de temas tabus como a morte. Assim, a dinâmica

familiar estabelece como o processo de luto será vivido, gerando crenças sobre a capacidade

ou impossibilidade de uma família elaborar suas perdas.

Para diversos autores (Kovács, 2002; Parkes, 1998; Freitas, 2000) as mortes ou

doenças graves cujas vítimas estão na plenitude da vida são as que provocam maior ruptura na

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família, pois deixam uma lacuna no funcionamento desta, difícil ou impossível de preencher,

como, por exemplo, a morte de um pai com filhos ainda pequenos. Em contrapartida, as

mortes que causam mais estresse nas famílias são, sem dúvida, aquelas em que o paciente

sofre de uma doença prolongada, pois elas jamais estão seguras, nunca sabem o curso em

relação à doença. Momentos de esperança são desfeitos com o medo, a todo instante, da

morte.

Ver um membro da família morrer de dor esgota totalmente os demais, mesmo

aqueles que se esquivam de participar do processo como, por exemplo, filhos que se mantém

à distância justamente para não sofrerem. O apego à esperança e à fé é muito grande nesse

período. Conforme Scott (1993), ao reconhecer e encarar a importância da morte as pessoas

que se tornam religiosas podem de fato se tornarem as mais corajosas, pois acreditam na

imortalidade da alma, no fato de o espírito ir para um lugar melhor. Segundo estudos, ter fé

diminui a dor. O apego a algum tipo de sobrevivência espiritual é consideravelmente elevado

entre os moribundos.

Cada indivíduo percebe a morte, sua e do outro, de acordo com suas próprias

experiências de vida, suas preocupações éticas, intelectuais, religiosas, profissionais,

ideológicas e as experiências vividas no grupo familiar. A morte é difícil em qualquer

situação, porém quando ocorre dentro do seio familiar é algo que se torna mais sofrido, mais

amargo, como se fosse um pouco do indivíduo que está indo embora.

Werlang e Oliveira (2006) esclarecem que a vivência da perda na família mobiliza

interações reforçadoras das quais todos os indivíduos participam. Os processos colocados em

ação para o enfrentamento dessa crise têm impactos imediatos. A crise desencadeada pela dor

da perda pode constituir-se em um catalisador de criatividade e realizações. Quando as

famílias conseguem se unir e compartilhar a experiência (o sofrimento) há a possibilidade de

poder buscar ajuda para amenizar seu sofrimento.

Para Fonseca (2004), diante da perda a família pode ser levada a tomar uma série

de atitudes e, dependendo de seus valores e crenças, estas variam de apatia à passividade, até

mesmo uma exagerada preocupação em busca dos mais variados recursos para superação da

dor.

Rando (2000, citado por FONSECA, 2004) refere-se a seis pontos importantes

que precisam se completar para que a perda ocorra de modo saudável.

• Reconhecer a perda: admitir e entendê-la;

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• Reagir à separação: experimentar a dor e o sofrimento, aceitar e dar alguma forma de

expressão a todas as reações psicológicas com relação à perda;

• Recordar e reexperimentar a pessoa que se foi e o relacionamento: rever e lembrar

realisticamente, reviver os sentimentos;

• Abandonar os velhos apegos: em relação à pessoa perdida;

• Adaptar-se ao novo mundo: adotar novos modos de ser no mundo;

• Reinvestir: procurar se adaptar ao mundo sem a pessoa perdida.

Os pontos descritos acima podem ser identificados na abordagem moreniana de

reorganização do átomo social do indivíduo. Moreno (citado por GONÇALVEZ, WOLFF E

ALMEIDA, 1998) propõe que o átomo social é a configuração das relações interpessoais que

se desenvolve a partir do nascimento. Quando ocorre a perda de uma pessoa que faz parte

desse átomo social, ocorre uma transformação nas relações. Ao compreender isso fica mais

fácil entender o sofrimento pela perda ocorrida.

Para o psicólogo que busca avaliar a condição de luto na família, o conhecimento

das fases do luto descritas por Bowlby (1985) fornece bases para lidar produtivamente com os

recursos disponíveis, respeitando as defesas necessárias de cada um, principalmente se

levarmos em conta que elas têm sua sucessão natural e situam-se dentro de parâmetros

temporais. Tornam-se um elemento a mais na avaliação da condição do enlutado

(BROMBERG, 2000).

Para a mesma autora, a morte envolve a relação entre as pessoas. Quando ocorre

de maneira brusca, pode causar desorganização, paralisação e impotência. Algumas famílias

podem enfrentar o processo de luto de forma menos sofrida, mesmo necessitando de ajuda,

mas algumas sofrerão conseqüências mais traumáticas com maiores dificuldades para

diminuir o impacto da perda.

Segundo Bromberg (2000), os objetivos da terapia da família em processo de luto

são os seguintes:

• Reconhecer e compartilhar a realidade da morte;

• Compartilhar a vivência da perda e o contexto em que ela ocorreu;

• Reestruturar o sistema familiar;

• Investir em novas relações e metas de vida.

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À medida que o tempo passa, a angústia intensa resultante do luto começa a

desaparecer. A depressão atenua-se e será possível finalmente começar a pensar noutros

assuntos e, até, em projetos para o futuro. No entanto, o sentimento de perda nunca

desaparecerá por completo. Depois de algum tempo, deve ser possível sentir-se de novo

"completo", apesar de faltar sempre uma parte de si que nunca será substituída.

1.2.2 A morte para a criança

Enfrentar a morte de alguém que se ama é um processo difícil em qualquer idade.

No caso de crianças, quanto mais jovem esta for, maiores serão os efeitos negativos que essa

morte acarretará (RAIMBAULT, 1979). Além do mais, os adultos costumam omitir-se frente

aos questionamentos próprios da curiosidade infantil, ocultando a verdade, o que dificulta

muito a elaboração da perda pela criança. Se o adulto reforça a atitude de negação da morte,

ela não consegue progredir para as demais fases do luto e alcançar a aceitação. Torna-se,

então, perturbada e frustrada ao perceber que os fatos não têm coerência com o que está sendo

informado (KOVÁCS, 2002).

Esconder a verdade perturba o processo de luto da criança e sua relação com o

adulto. A criança também quer negar a morte e, quando os fatos são contraditórios, se sente

perturbada e frustrada. Para Kovács (2002), em seu livro Morte e desenvolvimento humano, a

primeira reação diante da perda da pessoa amada é a negação e, se essa atitude é reforçada,

ficará ainda mais difícil passar para as outras fases do luto.

Teixeira (2003) propõe, no artigo “A criança diante da morte”, uma reflexão sobre

o quanto é difícil entender e aceitar a morte. A autora questiona como a criança, com suas

fantasias e seus medos, pode conviver com algo tão misterioso: “como aceitar que uma

criança se defronte com a morte do outro, se o adulto não consegue lidar com este tipo de

perda e tem profunda dificuldade em deparar-se com um fato real, que busca negá-lo, na

maior parte dos momentos de seu dia?”. Para ela, é importante que haja um questionamento

sobre a existência de um momento e uma forma adequada para se falar de morte com a

criança.

Evitar falar da dor não significa que o indivíduo não a esteja sentindo. No caso

das crianças, muitas vezes elas podem estar sofrendo e não lidando com a perda de modo

saudável. Para que isso não ocorra é necessário que ela vivencie os sentimentos do luto,

devendo ser encorajada a falar sobre o que estão sentindo para conseguir elaborar essa perda e

impedir que o luto permaneça por tempo indefinido. Tais perdas vão ajudando-a a elaborar

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uma representação da morte que vai evoluindo gradualmente, em concomitância com seu

desenvolvimento cognitivo. Sendo assim, deve-se comunicar à criança o falecimento de um

ente querido, fazendo-se necessário conhecer a concepção que ela tem sobre a morte.

A criança, segundo Kovács (2002), não conseguirá expressar a sua dor se não

souber que uma morte aconteceu. Entretanto, ela percebe que algo acorreu, pois todos estão

agindo de uma forma diferente. A morte da mãe, do pai ou de um irmão provoca uma dor

imensa, e falar dela não significa criar ou aumentar a dor, pelo contrário, pode aliviar a dor da

criança e facilitar a elaboração do luto.

Nesse sentido, a autora destaca que a conduta mais valiosa ao se comunicar a

morte de um ente querido à criança seria a da escuta, ou seja, estar atenta às perguntas que a

criança fizer e detectar seus sentimentos, compartilhando e trabalhando, dessa forma, a dor

pela perda.

A infância é o período em que ocorre o maior número de experiências espontâneas

e criativas. As necessidades primárias como comer, andar, falar, dentre outras, impulsionam a

criança rumo a um processo de aprendizagem sem antecedentes na vida adulta. Para Moreno

(2003, p. 139), “a proximidade da criança em relação ao status nascendi da experiência

mantém-na em uma atmosfera de espontaneidade e criatividade que raramente é

experimentada em períodos posteriores da vida”.

Partindo da idéia de que a criança é espontânea e criativa e que estes são recursos

inatos, pode-se pensar na idéia de uma necessidade de se fazer uma educação para a morte,

como coloca Kovács (2002). Provavelmente ela, dotada de todo seu potencial espontâneo,

conseguiria perceber a morte como algo menos traumático.

De acordo com Martin (1996, p. 84), “o estágio da vida em que melhor se

cumprem estas condições é a infância, quando a criança, ainda não saturada de experiências e

normas, acha novo tudo o que acontece diante dela”.

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CAPÍTULO 2

BUSCANDO POSSIBILIDADE DE AJUDA

Quando o sofrimento causado pela perda de alguém importante toma maiores

proporções, tornando-se demasiadamente prolongado e profundo, um estado constante de

preocupação, medo e tensão podem ocorrer, prejudicando o desempenho saudável do

indivíduo e trazendo grande sofrimento.

Algumas pessoas podem se isolar por acharem que mais ninguém consegue

compreender a dor que estão passando e que o seu problema é único e impossível de

ultrapassar. É importante ajudá-la no sentido de continuar a se integrar com os familiares,

amigos ou colegas e permitir que esta partilhe o que sente para vencer o isolamento.

Isso nem sempre é possível porque a pessoa que está em luto tem geralmente

muita necessidade de falar sobre o ente perdido, podendo gerar reações negativas nas pessoas

que estão a sua volta.

O apoio psicológico torna-se muito importante para permitir à pessoa expressar

todas as emoções sem ter o receio de se tornar incomodativa ou de ter de oprimir o que sente e

pensa para não magoar às demais que também estão passando pelo processo de luto. Ademais,

é importante para recuperar uma maior estabilidade emocional, pois o fato de falar sobre seus

sentimentos e de receber compreensão e aconselhamento permite uma maior organização

afetiva, aprendizagem e aceitação das fases pelas quais tem de passar para resolver

internamente seu luto.

Kovács (2002) elucida que, no período de elaboração do luto, podem ocorrer

distúrbios na alimentação e no sono. Um grande número de enlutados pode apresentar

quadros somáticos e doenças graves depois do luto, podendo configurar uma depressão

reativa ou até um quadro mais grave. A morte de uma pessoa querida é muito estressante para

os seres humanos. Sabe-se que os acontecimentos estressantes ficam na memória, podendo

recorrer como imagens mentais muito vividas. Em casos de pacientes que apresentam quadros

depressivos, encontra-se, em sua história, situações de perdas importantes, antigas ou

recentes, como desencadeantes da depressão (FREITAS, 2000).

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De acordo com a mesma autora, o tempo que o indivíduo leva para elaborar o luto

pode variar ou até durar anos. Pode-se dizer que, em alguns casos, ele nunca acaba, pois surge

uma tristeza profunda, um desespero e um desânimo muito grande quando o indivíduo

recorda-se do morto, sendo uma de suas características mais relevantes o sentimento de

solidão.

De acordo com Werlang e Oliveira (2006), a experiência do luto pode se

transformar em uma situação traumática quando a família faz silêncio sobre essa dificuldade,

em torno da morte e do morrer, o que configura uma necessidade de um auxílio externo que

pode ser através da ajuda de um profissional.

A partilha das emoções do luto permite às pessoas vencerem seu isolamento.

Através do relato daqueles que já vivenciaram a situação de luto é provável que o indivíduo

consiga, mais facilmente, tomar consciência que os comportamentos e sensações que vive no

momento fazem parte de um processo natural e, até, saudável, de cicatrização da ferida

deixada pela perda de alguém que lhe era muito querido. Desse modo, sentem-se apoiadas

para percorrerem o caminho sempre muito tortuoso do luto, encontrando na família e na

sociedade respostas para seus conflitos internos.

Aconselhamento e Terapia do luto

De acordo com Worden (1998), o aconselhamento do luto é importante, pois

ajuda o paciente à por um fim nos assuntos pendentes com a pessoa perdida, fazendo, assim,

uma despedida. Para o autor, para que se realize o aconselhamento se faz necessário seguir

alguns princípios, que serão listados a seguir:

• Ajudar quem ficou a se dar conta da perda;

• Auxiliá-la a expressar seus sentimentos;

• Ajudá-la a viver sem a pessoa que morreu;

• Facilitar o reposicionamento do falecido;

• Fornecer tempo adequado para o luto;

• Interpretar o comportamento normal;

• Privilegiar as diferenças individuais;

• Oferecer apoio contínuo;

• Examinar defesas e o modo de lidar com o problema;

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• Identificar a patologia e encaminhar.

Embora não se encontre, dentro da teoria psicodramática, o aconselhamento do

luto ou a terapia do luto, pode-se fazer uma comparação de alguns princípios do primeiro,

descrito por Worden (1998), com as fases da matriz de identidade criadas por Moreno.

Quando o indivíduo apresenta uma dificuldade de aceitar que aconteceu uma perda é como se

estivesse na fase da indiferenciação, onde a mãe, a criança e o mundo são uma coisa só. No

momento em que é auxiliado a expressar seus sentimentos, o sujeito precisa fazer o

reconhecimento do Eu, tem de estar atento a ele mesmo. Quando percebe que é preciso viver

sem a pessoa que morreu, passa para a fase do reconhecimento do Tu, na qual concentra sua

atenção no outro. Quando Worden (1998) se refere ao reposicionamento do falecido, poder-

se-ia pensar se o indivíduo estaria na brecha entre a fantasia e realidade.

Quando consegue encontrar defesas e modos de lidar com a perda, um dos

princípios do aconselhamento do luto, ele está dando uma resposta nova e adequada,

constituindo, para Moreno (2003), o ajustamento do homem a si mesmo.

Segundo Worden (1998), o objetivo da terapia do luto é identificar e solucionar os

conflitos de separação que impossibilitam sua finalização naqueles em que está ausente. Para

isso, o paciente deve vivenciar sentimentos e pensamentos que evitara anteriormente.

O mesmo autor apresenta, ainda, uma lista de procedimentos que podem ajudar

durante a psicoterapia do luto:

• Listar doenças físicas;

• Fazer o contato e estabelecer a aliança terapêutica;

• Reviver lembranças da pessoa que faleceu;

• Investigar qual, dentre as fases do luto, não foi cumprida;

• Explorar e reduzir a tensão entre os objetos de ligação;

• Reconhecer o caráter irrevogável da perda;

• Lidar com a fantasia de terminar o luto;

• Propiciar ao paciente a capacidade de dizer um adeus final.

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A intervenção na elaboração do luto

A contribuição do psicodrama se evidencia pela postura do terapeuta e pelo

arsenal da metodologia psicodramática, que possibilita ao paciente resgatar a espontaneidade

perdida nas situações conflituosas, faz com que o indivíduo compreenda as dificuldades e

experimente novas possibilidades de atuação, conseguindo ressignificar, ou seja, dar uma

nova resposta para uma situação que deixou marcas.

As técnicas psicodramáticas utilizadas levam o indivíduo a reviver as situações de

luto. Reviver dramaticamente uma cena põe a pessoa em contato com ela mesma. Ao se

utilizar dessas técnicas, a intervenção também confere ao paciente a função de aprendizagem,

uma vez que, ao levantar possibilidades, lhe propicia uma nova maneira de lidar com a

situação conflituosa.

A intervenção psicodramática procura conectar a pessoa com sua emoção, para

que esta deixe emergir emoções que estavam cristalizadas e não resolvidas, para que o

indivíduo consiga reviver com uma nova consciência e possa rematrizar o que já não lhe é

adequado, porque agora pode exercer novas escolhas. Ao convidar para a reflexão da ação e

impulsionar para a mesma, mostra onde falta espontaneidade e os papéis que estão sendo

desempenhados inadequadamente. À medida que vão sendo trabalhadas as cenas conflituosas,

vai se ampliando, entre outros ganhos, a consciência de atitudes e comportamentos antes não

entendidos.

O processo psicoterápico psicodramático, através do resgate da espontaneidade-

criatividade e do treino de papéis, traz o auto-conhecimento necessário ao enlutado para que

este possa entender (aceitar) como ocorre esse processo. É possível que o indivíduo, em um

contexto psicoterapêutico, perceba que, por mais difícil que pareça a perda, a vida continua, é

preciso continuar vivendo.

Seja qual for o motivo para a busca de uma psicoterapia, é fundamental entender o

impacto da perda na vida de cada paciente. Devem-se levar em conta as respostas individuais

ao acontecimento estressante. Esses pacientes devem ser cuidadosamente avaliados. É muito

importante que o psicoterapeuta que se dedica ao tratamento de pacientes enlutados, além de

possuir a capacitação teórico-técnica, saiba conviver bem com suas perdas pessoais.

Para Perazzo (1984), é importante que se façam alguns rituais envolvendo a morte

e o morrer, para que estes possam ser facilitadores no processo da elaboração do luto.

Ademais, podem ser entendidos como uma importante etapa no enfrentamento e

concretização de uma perda. Bromberg (2000) esclarece que os rituais possibilitam às pessoas

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o sentirem-se acolhidas pela cultura em que estão inseridas, pois cada cultura tem seus

próprios rituais, que simbolizam a partida e podem amenizar ou clarificar, para quem fica, o

não-retorno da pessoa que morreu.

Kovács (2004) considera importante que se abra espaço para a compreensão da

função dos rituais, que abrem possibilidades de se exercitar coletivamente, favorecendo o

compartilhar dos sentimentos de quem fica. Os funerais elucidam a realidade, pois a crença na

vida após a morte pode trazer certa ambivalência: talvez a morte não tenha ocorrido e

reencontros são possíveis. O funeral pode ajudar a compreender a separação do corpo,

comunica o fim, esclarece que após o término a vida de quem fica não será a mesma, sendo

esta uma tarefa imprescindível no processo de luto.

A necessidade de o enlutado vivenciar seu sentimento de perda é importante para

que ele possa externalizar a sua dor, o que proporciona as condições necessárias para uma boa

elaboração do luto e possibilita a retomada de sua vida, ao lado das recordações da pessoa

perdida (CASSORLA, 1998).

De acordo com Parkes(1998), as técnicas utilizadas em psicoterapia oferecem uma

interação livre de julgamentos entre paciente e terapeuta, de maneira a permitir àquele

exprimir os sentimentos que inibiu. O psicoterapeuta, por aceitar o paciente sem criticismo,

raiva, angústia, desespero ou ansiedade pelo que o paciente expressa, implicitamente lhe

reassegura de que esses sentimentos, apesar de dolorosos, não vão destruir a relação

terapeuta-paciente. Após descobrir que há segurança em expressar sentimentos, o paciente

fica, então, livre para desenvolver o trabalho de elaboração do luto.

Segundo Fonseca Filho (1980), é no espaço psicodramático que o paciente pode

exteriorizar suas experiências internas, pois quando dramatiza uma situação por ele vivida ou

imaginada vem à tona todas as experiências mais significativas, constituindo, assim, a

verdadeira ação psicodramática.

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CAPÍTULO 3

TRABALHANDO O LUTO: UMA EXPERIÊNCIA COM O

PSICODRAMA

Neste capítulo será apresentado o estudo de um caso clínico, que se encontra em

andamento, com a descrição de algumas sessões.

Apresentação do caso

Caso clínico:

Nome: Lara1

Estado Civil: solteira

Religião: Espírita

Escolaridade: Superior completo

Residência: Goiânia

Queixa: ansiedade que dificulta seus relacionamentos com a família e com os amigos;

insegurança e necessidade de resolver todos os problemas relacionados ao trabalho.

Histórico do caso e recortes de algumas sessões:

1º sessão:

Motivo da entrevista: queixa e a história da paciente.

A paciente chegou muito ansiosa, com grande necessidade de falar. Trouxe como

queixa o fato de precisar se auto-conhecer. Disse que mora com a avó e com o irmão mais

novo, usuário de drogas.

1 Nome fictício utilizado para preservar o anonimato da paciente.

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Relatou um relacionamento conflituoso de 8 anos, no qual tinha a função de

cuidadora, até economicamente, do namorado. Diz-se muito carente e que só por isso levou

esse namoro tanto tempo.

O pai faleceu há 3 anos e a mãe morreu quando ela tinha apenas 6 anos, de

eclampse, quando estava grávida de 6 meses do seu terceiro filho. Com a morte da mãe, o pai

perdeu o sentido de viver e, com isso, também todos seus bens materiais. A família teve que

se mudar para o interior, pois ele pediu para ser transferido, não agüentava mais viver no

mesmo local onde havia vivido com a esposa. Mesmo tendo se mudado, não conseguiu se

recuperar da perda da mulher. A paciente relatou que ela e o irmão foram criados pela avó,

porque ele se entregou ao alcoolismo.

Lara explicou, também, que tinha que cuidar dela, do irmão e do pai, pois sua avó

já era uma pessoa idosa e não mais conseguia cuidar de todos. Disse que se sente até hoje na

obrigação de cuidar do irmão, pois sua mãe, no leito de morte, fez com que ela, com apenas

seis anos de idade, prometesse que seria forte e que cuidaria dele: “Minha mãe me disse que

estava indo embora, mas que confiava em mim para cuidar do meu irmão”.

Nessa sessão, a paciente falou o que a estava incomodando naquele momento,

mas saiu do consultório dizendo que ainda não havia falado nem a metade de seus problemas

e dificuldades.

Compreensão terapêutica

A paciente apresenta dificuldade de entender a morte como algo inevitável. Ao se

estudar sobre esse assunto, se faz necessário que se entenda como ocorrem as questões das

perdas e da elaboração do luto.

A morte como perda refere-se ao rompimento irreversível de um vínculo. Se a

perda é algo concreto, que evoca sentimentos fortes, quem fica sente que um pedaço de si se

foi. Segundo Bolwby (1985), quando essa perda ocorre de forma inesperada pode provocar

uma desordem, uma paralisação, causando uma sensação de impotência. Assim, torna-se

fundamental expressar os sentimentos nesses momentos para que se desenvolva o trabalho de

elaboração do luto.

De acordo com Perazzo (1986), a conceitualização e simbolização da morte pela

criança está fatalmente ligada ao desaparecimento de uma pessoa de seu campo visual. Os

sentimentos que predominam nesses casos são tristeza, medo e solidão. É muito difícil perder

alguém na infância, momento de desenvolvimento de estruturação da matriz de identidade

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que, para Moreno (2003), é a placenta social do indivíduo, o locus nascendi (o lugar do

nascimento), pois a placenta estabelece a comunicação entre a criança e o sistema social da

mãe, incluindo aos poucos os que dele são mais próximos.

A matriz de identidade proporciona segurança e orientação para que a criança

consiga desenvolver sua autonomia. No caso de Lara, o desenvolvimento da personalidade foi

prejudicado, houve a quebra de um vínculo. Além da morte da mãe aos seis anos de idade,

também há a ausência do pai, que se entregou ao alcoolismo depois da perda da esposa,

dificultando o desenvolver de uma matriz de identidade saudável.

Fragmentos da 10º sessão:

Essa sessão foi escolhida por ser um marco na psicoterapia e na decisão da

paciente em perceber que aquele era o momento de entrar em contato com sua dor.

[1] Lara - [entrou no consultório e disse] Hoje eu decidi que vou te contar tudo, não agüento mais viver, com tudo isso dentro de mim, me sufocando. T - Fale o que está te sufocando. Lara - Quando eu era criança aconteceram coisas que eu não gosto de lembrar, mas que ultimamente estão me atormentando. T - Que coisas são essas ? Lara - Você sabe que a minha mãe morreu eu só tinha 6 anos. T - Sim, eu sei. Lara - Mas o que você não sabe como é que minha vida virou um inferno depois dessa morte. É muito difícil para uma criança de apenas seis anos ouvir e ver a mãe (suja de sangue) como eu vi. Minha mãe me fez prometer que eu iria ser forte e que cuidaria do meu irmão para ela. T - E você tem conseguido? Lara - É isso, eu vivo para cuidar de todo mundo. Tenho que cuidar do meu irmão, da minha avó. E até no meu trabalho, tenho que resolver tudo sozinha. Mas eu sei que sou forte, consigo. T - Como é ser forte o tempo todo? Lara – [choro] Na verdade, eu finjo que sou forte, se fosse mesmo não estaria aqui assim, do jeito que eu estou. Hoje, eu vejo que não entendia direito o que era um velório. Lembro de como eu brincava, passando embaixo do caixão da minha mãe. Eu achava que ela estava dormindo, que poderia se levantar a qualquer hora. Eu brincava com o meu irmão. Tinha que cuidar dele, minha mãe me fez prometer. Mas eu não quero mais cuidar dele. Não estou conseguindo cuidar nem de mim. Tem tanta coisa que eu gostaria de falar para a minha mãe.

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Nesse momento a terapeuta, através da técnica da cadeira vazia2, “traz” a mãe da

paciente para sessão:

[2] T - Lara, aqui está sua mãe, ela veio para te ouvir, conversa com ela agora. Lara - Mãe, eu não consigo viver sem você, não consigo ser forte como você. Tento mas não consigo cumprir tão bem o que você me pediu. T - É, mãe, parece que seu pedido foi pesado demais para Lara, ela só tinha 6 anos. Lara [tomando o papel da mãe] - Mas eu só podia contar com ela, eu estava para morrer, e sabia que meu marido não teria suporte para cuidar de duas crianças. Eu precisava que a Lara cuidasse do irmão para mim. T – [fala para Lara no papel da mãe] Mãe, percebe que a Lara está querendo ser absolvida da promessa que fez? Lara - Eu não quero mais cuidar de ninguém, eu quero cuidar um pouco de mim. T - Percebe que você não está querendo mais cumprir o que prometeu para sua mãe? Lara - Sim, e estou espantada com isso. T - Como está se sentindo ? Lara - Bem. T - Podemos ficar por aqui, então. Lara - Sim, até semana que vem.

Compreensão Terapêutica

Nessa sessão, a terapeuta, através da técnica da cadeira vazia, propiciou à paciente

o entrar em contato com suas emoções e, simbolicamente, falar com sua mãe, externalizar sua

dor, suas dificuldades. Lara pode perceber o quanto se cobra em relação à promessa que fez à

mãe. Através da tomada de papel3, percebeu que não quer mais cuidar de todo mundo, esse

comportamento de cuidadora faz com que ela apresente uma pobreza em relação ao

desempenho de papéis.

A terapeuta, através do jogo de papel (Lara assumindo o papel da mãe), quis que

ela percebesse como estava fechada para a idéia de que precisava ser cuidada. Moreno (2003)

propõe que estimular a vivência de diferentes papéis pode evitar que o indivíduo fique

cristalizado pela obra acabada ou continue com repetições estereotipadas, ou seja, quanto

mais o paciente dramatizar os papéis que são desempenhados e introjetados por ele, maiores

são as chances de ele dar respostas adequadas.

Para Lara, o papel de filha ficou comprometido no que se refere ao

desenvolvimento afetivo emocional, deixando marcas profundas no decorrer de sua vida.

2 Técnica da cadeira vazia: propicia ao paciente a possibilidade de confrontar partes opostas de conflitos internos ou pessoas com quem se tem algo a acertar (CUKIER, 1992). 3 Tomada de papel: técnica em que o paciente ocupa o lugar de outro personagem ou outro papel, expressando o mais parecido com ele.

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Quando criança foi lhe delegado, pela mãe, o papel de cuidadora, deixando de vivenciar,

naquele momento, sua fase criança. A psicoterapia psicodramática veio para romper com toda

essa rigidez e proporcionar-lhe a chance de vivenciar outros papéis.

Ao final da sessão, Lara percebeu que vivendo para cuidar dos outros e não

conseguia cuidar de si própria, deixando de ser espontânea e criativa. Moreno (2003) afirma

que a espontaneidade-criatividade são recursos inatos, fundamentais para o desenvolvimento

saudável do homem. Nesse sentido, ela se permite ressignificar seu potencial espontâneo-

criativo.

Relato da 26 º sessão

Nessa sessão, Lara chegou muito ansiosa e irritada, falando de uma briga que

havia tido com sua patroa. Esta havia gritado com ela e ela não havia conseguido se defender,

como se fosse obrigada a aceitar tudo calada. É nesse momento que a terapeuta convida Lara

para que montem essa cena.

A terapeuta se levanta e convida Lara: “Vamos”. Ambas levantam-se e começam

a caminhar pela sala. Percebendo que Lara já estava muito aquecida para a cena, solicitou-lhe

que montasse a cena que havia descrito.

Lara montou a cena com as almofadas4 (de tamanhos e cores variadas) que

estavam dispostas sobre o tapete. Colocou primeiro a patroa, depois ela e duas outras

funcionárias do local.

[3] T - A cena é essa mesmo? Lara - Sim. T - Como está se sentindo olhando, agora para essa cena? Lara - Pequena, como algo insignificante. T - Toma aqui o seu papel, entre no seu lugar e me diga como se sente? Lara - Me sinto estranha, não gosto que as pessoas fiquem me olhando. T - Quem está te olhando? Lara - Elas [aponta para as duas almofadas à sua frente]. Elas estão vendo a minha patroa brigar comigo. E isso eu não admito, porque eu não fiz nada de errado. Eu só queria ajudar. T - O que você fez? Lara - A Mariana5 queria que eu descontasse o dia de serviço de uma funcionária que chegou atrasada e eu não quis, foi um atraso tolerável. T - Tolerável para quem? Lara - Para mim! Uai! A Mariana é muito má.

4 São objetos utilizados em psicoterapia individual, para demarcar posições de objetos ou pessoas presentes, simbolicamente. 5 Nome fictício utilizado para preservar o anonimato da patroa da paciente.

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T - [Pede para que Lara tome o papel de Mariana]. Lara [no papel de Mariana] - Eu não entendo você. Você foi contratada para administrar o local e não para passar a mão na cabeça de ninguém. T - Mariana o que você acha que está acontecendo com a Lara? Lara [no papel de Mariana]. Ela quer fazer tudo sozinha e, na verdade, não consegue fazer nada! Eu quero que a Lara tenha pulso, seja forte! Se não, ela nunca vai conseguir administrar os funcionários. T - Lara, ouviu o que a Mariana disse? Lara - Ouvi [choro]. T - Que lágrimas são essas? Lara - É que eu sempre quero resolver tudo sozinha. T - É possível resolver tudo sozinha. Lara - [Suspira e fica pensativa] T - O que aconteceu Lara? Lara - Não sei! [fica um pouco pensativa] Parece que eu já passei por isso. T - Esta cena te lembra algo? Lara - Não! Ou melhor, os meus pais. Principalmente a minha mãe, ela sempre me disse que eu tinha que ser forte. Ela morreu dizendo que eu tinha que ser forte. [choro] T – [Espera um pouco e solicita a Lara que traga sua mãe para a sessão]

A paciente pega uma almofada bem grande, a maior da sala e coloca numa

posição de destaque em relação a ela.

[4] T - Como está se sentindo em relação a sua mãe? Lara - Cobrada T - Cobrada como? Lara - Minha mãe era uma mulher bonita, vaidosa, trabalhadora e acima de tudo forte, minha mãe era uma mulher muito decidida. T - E você, como é? Lara - Eu tento ser como minha mãe, mas nem sempre eu consigo. T - O que você consegue Lara? Lara - Não sei, só sei que não chego aos pés, da minha mãe. T - [Nesse momento, realiza o duplo6 da paciente] Eu tento ser forte como a minha mãe, o tempo todo preciso ser forte mas eu não consigo ser como ela, eu não preciso ser como ela. Lara - É isso mesmo sempre quero ser melhor. Ser forte! T - Será o que sua mãe acha disso?

A terapeuta solicita-lhe que tome o papel da mãe e pergunta a ela o que acha da filha:

[5] Lara - [no papel de mãe] Acho minha filha muito sofrida, ela vive para os outros, não foi isso que eu sonhei para ela. T - O que você sonhou para sua filha? Lara [no papel de mãe] - Que ela fosse uma mulher bonita forte e decidida, para que ninguém pudesse duvidar da sua capacidade. T - Você conseguiu o que queria?

6 Duplo: possibilita ao paciente entrar em contato com sua emoção não-verbalizada e, às vezes, até mesmo não consciente, para que este possa expressá-la.

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Lara - [no papel de mãe] Não, infelizmente fiquei doente e fui embora muito cedo, deixando a Lara desprotegida e cheia de responsabilidades. Queria ter ensinado mais a minha filha.

Nesse momento, a terapeuta solicita à mãe que diga algo que Lara gostaria de

ouvir naquele momento tão difícil:

[6] Lara [no papel de mãe] - Minha filha, tudo o que eu quero é que você seja feliz, ser forte é uma conseqüência dos seus atos, eu quero que você seja feliz, seja feliz. [A terapeuta, nesse momento, pega Lara pela mão e pergunta como ela está se sentindo] Lara - Aliviada, leve, parece que saiu um bloco de concreto das minhas costas. T - Como foi ouvir sua mãe? Lara - É como se a minha mãe ainda estivesse entre a gente. T - É essa a sensação que você tem? Lara - Eu já te falei, embora já tenham se passado mais de 20 anos, eu ainda não consegui me desligar da presença física da minha mãe, eu era criança quando ela morreu e, mesmo assim, ainda sinto o cheiro do perfume dela. T - Então podemos encerrar essa cena? Lara - Sim. T - Ok! Então até a semana que vem.

Compreensão Terapêutica

Nessa sessão foi possível perceber que Lara apresenta muita dificuldade de se

impor, o que vem prejudicando-a. Falar o que pensa e sente causa sofrimento, como tudo em

sua vida, porém, refere-se a si própria como uma pessoa forte, que não vai se deixar abater.

A terapeuta utiliza, nessa sessão, da técnica do duplo para que a paciente entre em

contato com sua emoção não-verbalizada, expressando seus sentimentos de dor, tristeza e

raiva diante da perda da mãe. De acordo com Kovács (2002), a morte como perda fala de um

vínculo que se rompe de uma forma irreversível, sobretudo quando ocorre a perda real e

concreta. Na questão da morte estão envolvidas duas pessoas: uma que é perdida e a outra que

lamenta e sofre com essa perda, pois um pedaço seu que foi perdido.

De acordo com a teoria moreniana, a criança necessita de um ego auxiliar7 para

que consiga sobreviver: “Assim como algumas crianças precisam de ajuda para nascer,

também necessitam de auxiliares para comer, dormir ou deslocar-se no espaço a sua volta”

7 Ego auxiliar: “o ego-auxilar tem duas funções – a de retratar papéis e a de guia. A primeira função é a de retratar o papel de uma pessoa requerida pelo sujeito; a segunda função é a de guiar o sujeito, mediante o aquecimento preparatório, para suas ansiedades, deficiências e necessidades, com o objetivo de orientá-lo no sentido da melhor solução de seus problemas” (MORENO, 2003, p. 109).

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(MORENO, 2003, p. 109). Embora Lara tenha perdido sua mãe (primeiro ego-auxiliar) cedo

demais, ela internalizou a idéia de que precisava ser forte como a progenitora.

No decorrer dessa sessão, percebeu que, embora sinta muita falta da mãe, não tem

a obrigação de cumprir o que foi pedido. A tomada de papel propiciou à paciente se imaginar

no lugar de sua mãe, refazendo um contrato interno e libertando-a da obrigação de cuidar de

tudo e do irmão. Para Lara foi gratificante passar por esse momento, pois percebeu que não

tem a obrigação de ser forte, de cuidar de tudo e que pode sim ser feliz.

Lara parece ter passado toda sua vida tentando provar para ela e para o mundo que

conseguiria ser forte, porém sempre se viu em um contexto onde não lhe era permitido

manifestar sua espontaneidade, dificultando, assim, o desempenho de seus papéis. Agora,

durante o processo de psicoterapia, está se permitindo mais, treinando sua espontaneidade-

criatividade.

Fragmentos da 30º sessão

Lara chegou para a sessão dizendo que se sentia bem, que estava conseguindo se

colocar mais em relação às pessoas, porém que estava tendo insônia, estava com dificuldade

para dormir e havia ficado pensativa sobre a sessão anterior, na qual foram trabalhadas as

possibilidades para superação da sua dor.

Segue o diálogo:

[7] T - O que precisamente te deixou pensativa? Lara - O fato de saber que existe a possibilidade de eu conseguir superar minhas dificuldades. T - Como assim? Lara - Estou cansada de tudo, principalmente dessa solidão que sinto, dessa falta de carinho, queria tanto ser “ninada” um pouco. Preciso de carinho. T - Que tipo de carinho? Lara - Da minha família, queria tanto ter uma família normal, pai, mãe e irmãos. Estou cansada dessa vida que levo. T - Que vida é essa? Me mostra.

Nesse momento, a terapeuta convida Lara para caminhar pela sala com o intuito

de aquecê-la para a ação dramática. Percebendo que a paciente já estava aquecida, a terapeuta

lhe pede para montar a cena:

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[8] Lara - Vou trazer meu pai e minha mãe [pega três almofadas, uma grande para representar a mãe, uma pequena para o pai e uma de tamanho mediano para representá-la]. T - Escolha um dos papéis para você tomar. Lara [toma o papel da mãe e diz] - Estou aqui minha filha. T - Lara, sua mãe está aqui disponível, o que você quer falar para ela? Lara - Sinto muito a sua falta mãe, do pai também, mas sua sinto mais, sinto falta do carinho de mãe, alguém para acariciar meus cabelos [enquanto diz, acaricia o próprio cabelo]. Eu sei que se a senhora estivesse aqui estaria cuidando de mim. [A terapeuta faz, nesse momento, um duplo da mãe] - Minha filha você precisa aceitar que eu não estou mais aqui junto de vocês. Lara [toma o papel da mãe] - Me perdoa filha, por ter deixado você. Lara - Mãe, eu que tenho que te pedir perdão, por não te deixar descansar em paz [choro]. T - Lara, você quer dizer mais alguma coisa para sua mãe? Lara - Não, acho que já disse tudo! T - Como é que você está agora? Lara - Bem, tranqüila. “O que eu queria mesmo era ter uma mãe”.

Compreensão terapêutica

É relevante esclarecer que o processo de elaboração de luto não é ordenado, não

tem seqüência fixa, pois cada indivíduo passa pelas fases do luto de forma diferente e, às

vezes, ocorre de a pessoa retomar uma fase anterior à que se encontra no momento. Worden

(1998) elucida que o processo do luto é demorado e que não eles retornarão a ser como antes

do luto.

De acordo com as fases do luto, percebe-se que Lara se encontra na de

recuperação e restituição, segundo Bowlby (1985), onde a depressão e a desesperança passam

a se alternar. A pessoa em luto começa a aceitar e a lidar melhor com as modificações, em si

mesma, na situação. Reordena-se a identidade, o que a leva a desistir de ter quem morreu de

volta; o indivíduo torna-se mais independente.

Nessa sessão, Lara percebeu que se sente muito sozinha e acha que isso ocorre

pelo fato de sua mãe ter morrido cedo e a deixado tão sozinha. Através da tomada de papel, a

paciente pôde se imaginar no lugar da mãe, ou seja, vivenciar o papel e, ao mesmo tempo,

perceber que ela não tem culpa de ter morrido, não foi por escolha dela que isso aconteceu.

A técnica utilizada possibilitou à paciente imaginar quais seriam os sentimentos e

pensamentos da sua mãe e ver a si mesma com os olhos dela (mãe), o que possibilitou à

paciente um momento catártico. Ela pode ir embora se sentindo mais tranqüila. Ao

desempenhar o papel da mãe, Lara apresenta uma adequação e espontaneidade para jogar o

papel. Segundo Moreno (2003) a inversão de papéis (tomada de papel), nesse caso, ajuda a

desenvolver, treinar e/ou modificar certo papel, pois ajuda o indivíduo a perceber o outro a

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partir de outra ótica, retornando, logo em seguida, à sua própria. Com isso, acaba produzindo

alterações sutis de consciência, provocando bem estar.

Lara começou a tomar consciência que não poderá mais esperar pelos carinhos de

sua mãe, que precisará lançar mão de toda espontaneidade possível no momento para que

possa começar a dar respostas adequadas quando solicitada. Moreno (2003) propõe a

existência de um homem espontâneo ao deixar de lado os padrões estereotipados e

automatizados de viver. Com isto, seria possível agir com mais conveniência nas situações

novas, encontrando respostas que atendam tanto às solicitações da vida, como também às suas

próprias necessidades.

Recortes da 32º sessão

A paciente chegou à sessão sorrindo, bem cuidada e muito falante. Relatou que

estava muito feliz, pois havia conseguido dizer para o irmão que não iria mais ficar cuidando

dele, que ele era adulto e que se quisesse se cuidar procurasse sozinho o tratamento adequado.

Compartilhou com a terapeuta que estava muito feliz porque essa foi a primeira

vez que havia conseguido falar o que sentia para o irmão sem se sentir culpada depois. Nessa

sessão foram trabalhados os motivos que Lara tinha para deixar de se sentir culpada. A sessão

foi encerrada com a paciente agradecendo por estar descobrindo que pode sim ser uma nova

mulher.

Compreensão Terapêutica

Nessa sessão, a paciente foi estimulada para o desenvolvimento das novas

habilidades e para os possíveis papéis que pode desempenhar. Foi encorajada a continuar

falando o que pensa e sente, sempre atentando para a adequação do momento.

A essência da proposta moreniana é a adequação do homem a si mesmo. De

acordo com Moreno (2003), ser espontâneo significa estar presente às situações configuradas

pelas relações afetivas e sociais, transformando seus aspectos mais insatisfatórios.

Lara fez questão de mostrar o quanto está mudada, mais alegre, falante e bem

humorada. Até sua aparência física mudou, segundo ela, pois agora dedica um tempo para

cuidar da sua aparência e fazer unhas, cabelo e tudo o que lhe for permitido para que se sinta

bonita e mais atraente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a trajetória desse trabalho monográfico sempre esteve presente a

motivação, por parte da terapeuta, pela busca mais detalhada, por saber o quão é importante

desenvolver um trabalho em que pudesse fazer o casamento entre a teoria psicodramática e a

dificuldade de aceitar a morte, comprometendo o processo de elaboração do luto.

Partindo da compreensão do que Moreno propôs, ajudar os pacientes a

encontrarem uma forma saudável de ser, lançando mão da sua espontaneidade-criatividade, a

autora desta monografia quis ajudar a paciente em questão a encontrar uma forma mais

adequada de agir frente às situações novas ou desconhecidas para ela.

Através do aprofundamento teórico, tornou-se possível uma melhor compreensão

do processo que a paciente estava vivendo. Pôde-se entender a necessidade de reorganização e

adaptação de Lara ao momento que estava passando. Foram várias perdas materiais e

emocionais que a levaram a desenvolver uma rigidez em seus comportamentos.

A metodologia psicodramática foi extremamente importante no processo

psicoterapêutico por tornar possível o uso de técnicas que possibilitariam à paciente entrar em

contato com ela mesma, propiciando-lhe a utilização do seu potencial espontâneo-criativo

para que pudesse ressignificar sua realidade.

Nesse sentido, as técnicas utilizadas foram de grande relevância para o

crescimento psicológico da paciente, que iniciou a psicoterapia por causa de um transtorno de

ansiedade desencadeado por um processo de luto mal acabado.

Bromberg (2000) propõe que é muito importante, ao se atender o cliente que

busca ajuda para suas reações individuais a uma perda significativa, ao lado dos

procedimentos de avaliação, iniciar com esse cliente um trabalho de caráter quase didático, o

que viabilizou a paciente participar de forma comprometida do processo de psicoterapia.

A psicoterapia psicodramática está funcionando de forma adequada, auxiliando

Lara na elaboração do luto, bem como na adaptação de sua nova realidade, proporcionando-

lhe o prazer de viver a vida com mais qualidade, como ela mesma afirma: “Hoje sei que sou

uma nova mulher e que posso, sim, ser feliz”.

Quando a paciente chegou para o início do processo, não acreditava que seria

possível falar sobre suas perdas, mas, com o estabelecimento do vinculo terapêutico, foi

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percebendo que não só seria possível como também necessário. Através desse trabalho

poderia começar a dar um novo significado à sua vida.

Assim, considerando o já dito, apresento, a seguir, uma parábola budista, Grão de

Mostarda, citada por Perazzo (1986, p. 58):

Conta que uma mulher, tendo aos braços o filho morto, acorre a Buda e suplica que o faça reviver. Buda lhe diz que consiga em qualquer casa alguns grãos de mostarda, que devolverão a vida à criança. No entanto esses grãos terão que ser obtidos numa casa onde nunca ninguém morreu. Esta casa não é encontrada pela mãe e ela compreende uma das lições fundamentais do budismo: a de ter que contar sempre com a morte.

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