Psicologia Jaraguá 2007

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O nosso propósito neste encontro é transformar aquilo que a gente supõe saber em perguntas e nossas perguntas se concentram numa pergunta a respeito da alma. E a partir disso tentar ver numa psicologia antiga, medieval (do Mestre Eckhart), como isso aparece, como o tema sentir e pensar é abordado, é posto.

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PSICO-TER-A-PIA, Jaragu-Paulista, 2007

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PSICO-TER-A-PIA, Jaragu-Paulista, 2007Tema: A ALMA EM Mestre ECKHARTParte I

Marcos: O nosso propsito neste encontro transformar aquilo que a gente supe saber em perguntas e nossas perguntas se concentram numa pergunta a respeito da alma. E a partir disso tentar ver numa psicologia antiga, medieval (do Mestre Eckhart), como isso aparece, como o tema sentir e pensar abordado, posto. Comearemos de uma indicao: falar da alma a partir da prpria alma. A alma no um objeto sobre o qual podemos falar. Ela o prprio fundo de ns mesmos, da nossa vida, da nossa existncia. Ento, falar da alma s possvel medida que fazemos essa viagem para esse fundo de ns mesmos, a partir do momento em que aprendemos a conhecer a ns mesmos. Esse conhecer a ns mesmos no tanto uma introspeco subjetiva nem uma problematizao objetiva. Conhecer a si mesmo co-nascer com o prprio mundo no qual ns somos. Ento ns partimos da fala de Aristteles de que a alma , de certo modo, tudo, todas as coisas. Estamos tentando entender esse dito que est na base de toda a psicologia medieval, seja de Eckhart, seja dos outros pensadores do medievo cristo. A alma , de certa forma, todas as coisas. Ento, no texto que HH escreveu, para este encontro, havia uma frase que achei muito importante para a gente puxar a interpretao desse dito de Aristteles:

Trata-se, antes, do ponto nevrlgico da estruturao do ser do homem como batente da passagem da possibilidade de ser; como a toada da percusso do toque do ser como repercusso syntnica constitutiva do mundo.Para tentar entender isso que est sendo dito: A alma , de certa forma, todas as coisas nos recorremos a trs exerccios, primeiro: aquela parbola da carta cifrada. Algum desconhecido escreve uma carta e esta carta toda em cifras. Pessoas recebem aquela carta e so desafiadas a decifrar a carta, a achar um cdigo, segundo o qual aquela carta se torna inteligvel, recebe um sentido. Uma pessoa encontra um cdigo. De repente, outra pessoa encontra outro cdigo. E ao encontrar outro cdigo esta mesma carta pode ser lida com outra inteligibilidade, com outro sentido. E assim vrios sentidos ou vrias inteligibilidades se tornam possveis.

A gente procurava acenar para o fato de que ns somos sempre em o mundo, no mundo e o mundo sempre uma tessitura, sempre um texto. Texto significa algo que tecido. O mundo um texto e o sentido desse texto cada um precisa aprender a decifrar, encontrando o seu cdigo, com o qual ele d sentido a sua prpria vida, a sua prpria existncia.Esse ato de interpretar o texto do mundo, de compreender o sentido do real, o sentido do ser do que , de tudo quanto , isto o primeiro aceno que ns tivemos de que a alma de certa maneira todas as coisas. Esta compreenso do ser de tudo quanto , e nesta compreenso do ser que ns sempre somos, sempre existimos. Estamos sempre procurando encontrar um sentido e dar um sentido a tudo quanto constitui o nosso mundo, a nossa vida, a nossa existncia. Ou se quisermos, somos sempre cada vez em o mundo, somos sempre cada vez num determinado contexto de sentido, de significaes.Ontem, vimos que a palavra mundo em grego kosmos e kosmos no incio no significava propriamente universo, no sentido como hoje entendemos universo, isto , como espao-tempo simplesmente, fisicamente compreendido. Mas Kosmos significava uma ordenao de sentido. A palavra kosmos significava, no incio, algo assim como boas maneiras, no, porm, como etiqueta, esttica do comportamento social, mas boas maneiras entendido como modo adequado de estar dentro de uma estruturao da vida, quer dizer, para quem vai a um estdio de futebol, boas maneiras num estdio de futebol bem diferente de boas maneiras numa celebrao religiosa, por exemplo, quer dizer, uma celebrao religiosa uma estruturao de sentido, uma estruturao da vida, ali o comportamento do homem bem diferenciado do comportamento dessa outra estruturao de sentido chamada futebol, esporte, jogo... Assim, ns sempre somos e estamos cada vez em determinados contextos, em determinadas estruturaes de sentido de vida, somos e estamos cada vez em um mundo. Mundo aqui no significa ento simplesmente mundo fsico, mas mundo aqui essa tessitura da vida na qual a gente est vivendo sempre de novo. Essa tecitura que estamos tecendo sempre de novo. O texto da tessitura da vida estamos tecendo sempre de novo atravs das nossas compreensesD. Mamede: a gente pode co-nascer com tudo justamente porque a alma de uma certa maneira tudo. Se a alma no fosse de certa maneira tudo ....no teria como co-nascer. O que seria esta vida se a alma no fosse tudo?!?Marcos: esta imagem do tecer, tecelagem tem muito a ver com pensar, porque, em latim, pensum fio que a fiadeira estende a partir do qual ela vai entrelaando os fios de um tecido. Ento pensar, em latim, o gesto de estender este fio, e em torno desse fio ir tecendo o destino, um gesto que exige sensibilidade e habilidade ao mesmo tempo. Tanto que, em portugus, a palavra pensar pode ser usada tambm no sentido de pensar uma ferida. Pensar uma ferida, tratar da ferida, cur-la, fazer o curativo na ferida. Este pensar a ferida significa cuidar de tal modo que o tecido da carne possa se reconstituir. Ento pensar , inicialmente, cuidar para que o tecido da vida, ele mesmo se reconstitua sempre de novo.No mito grego, esta figura do tecer aparece na personagem Penlope, a esposa de Ulisses. Ulisses est fora da sua ptria, por anos e anos a fio, ele foi guerrear na Tria, e de l ele no consegue mais encontrar o caminho de retorno para cs. Ela, Penlope, no entanto guarda a casa, espera a volta de Ulisses, ela a cada dia vai tecendo um manto para Ulisses. Mas so muitos os pretendentes na sua casa, pedindo sua mo. Ela adia a deciso de aceitar a mo dos pretendentes porque ainda espera o retorno de Ulisses. E os anos vo se passando, Ulisses no retorna, e ela sempre de novo, adiando a deciso de aceitar a mo de seus pretendentes, tecendo, tecendo, tecendo de dia o manto, de noite desfazendo o que ela de dia teceu. Neste tecer e destecer est a imagem do sentir e pensar porque o pensar o sentimento, o mais delicado e rduo. Pois o pensar esta recepo do sentido das coisas no qual ns vamos tecendo o significado da nossa existncia.Geraldo: Eu achei interessante este texto do cdigo, dado que o cdigo pode ser interpretado de maneiras diferenciadas. Voc gera seu prprio cdigo, mas a coisa em si no tem relativismo. Vamos supor que eu escreva algo e escreva em alemo, para isso que a gente aqui chama de abbora. Eu chamei de abbora, outro de abacaxi. As coisas em si mesmas que eu no decifrei no cdigo original diferenciadas do uma informao. No cdigo original eu estabeleo as mesmas relaes que qualquer outra pessoa faria com outro cdigo que eu chamei de abacaxi, outro chamou de laranja, ou outra coisa, mas na hora compara entre si. o relativismo, ou seja, o cdigo criado, eu volto ao texto original e o cdigo volta ao texto original. As coisas se mantm relativas a si mesmas interpretadas erradas, erradas em relao ao original.Marcos: Digamos que nos momentos desse todo so sempre relativos, mas cada vez momentos de um todo que subsiste em si mesmo, quer dizer, que absoluto, que solto em si mesmoHH: No caso do cdigo, abacaxi, etc. no entendi muito do que Geraldo falou antes. E isto, no porque Geraldo hermtico e difcil de ser interpretado, mas porque eu entendo ainda a relao como se fosse um ponto ligado a outro ponto e assim por diante. Agora, no pensar a ferida, por exemplo, na sia o tratamento teraputico se chama tocar com a mo, mas tocar colocando a mo bem suavemente a modo de encobrir, proteger. Como quando uma criana bateu uma parte do corpo e vem chorando, a me pe a mo sobre a parte onde di. Esse pr a mo, no fundo, dar espao de calor e liberdade para a rea machucada comear a se expandir. Ento pensar significa acolher os ductos que vo expandindo, fazer com que eles comecem a seguir a si mesmos, a suas medidas adequadas. Ento, pensar esse tocar. Nesse toque, quem toca tem que estar todo inteiro colado, mas no para ficar colado a, mas para receber, isto , nem se quer receber, mas deixar ser. Isto o que est atrs ou na palavra pensar. No livro que na sia serve de orientao para crescer na sabedoria se chama Tao The Khin; esse khin livro. O ideograma chins khin significa tecido. Ento, quando cdigo, posso usar qualquer palavra, mas no uso do cdigo palavra, escrita e vocalizada, est reduzida composio de sinais, seja grficos ou vocais. Entender o conjunto como composio ou como tessitura, acho que j diferente. E quando a tessitura do nvel de uma pintura, como no caso do ideograma, usar qualquer palavra para qualquer significado como uma cifra e acolher uma palavra como tecido, d bem diferentes fenmenos. No caso da palavra tecido a prpria palavra j estrutura de tessitura. Por isso, bem diferente a me de xhw, coca-cola ou Dona Maria, oi voc a. Eu no posso, na filosofia, usar a palavra Coca-cola para o ser. Coca-cola do gnero da sigla. Ser, Deus, Tu etc., no. Voltar significao original da palavra significa deixar o uso da palavra como indicao, como sigla para retom-la como nome da coisa ela mesma, ou at, como a casa da coisa ela mesma. Eu posso fazer combinar com outros o uso padronizado de uma palavra como sigla em funo apenas de indicao, mas nesse uso, a palavra deixa de ser palavra como casa da coisa ela mesma. H numa anedota que conta: Um caboclo apareceu na sacristia e pediu ao proco para batizar a criana recm-nascida. Queria que ela se chamasse Caf Aspirina. O caboclo dizia que Caf Aspirina soa to bem. O proco aconselhou-o a dar criana outro nome mais vivel, p. ex. o nome de Maria. Exclamou o caboclo indignado: Para minha filha, nome de bolacha no! Esse caboclo ainda no tinha perdido a noo da significao da palavra. Por isso no d para explicar com dicionrio uma poesia de Guimares Rosa. Para ler uma palavra da poesia necessrio acolher a palavra e tomar a postura, i. , ajustar todo o seu ser corpo e alma, e isso, corpo a corpo, de quem com cuidado pensa a ferida.Marcos: Joo Cabral de Melo Neto tem um poema chamado O Discurso-rio. Porque dis-curso significa algo que um curso que se desdobra. Curso de correr. Discurso um discorrer. O rio discorre. Ento ele diz: O rio um discurso. Esses rios que secam no Nordeste so discursos que se calam e ficam as poas. As poas dos rios so palavras-dicionrias. Porque palavra no uma poa, no uma coisa que significa isto ou aquilo em si mesmo. A palavra s tem vida no discurso, na fluncia da fala e na fluncia da fala que a palavra toma, a cada vez, o seu sentido de modo que as palavras tm muitos sentidos porque eles podem se dar em muitos discursos diferentes.Geraldo: mesmo no cdigo errado Coca-cola, a gente vai no dicionrio primeiro, existe a coisa l, mas na hora do fluir do elo das coisas vai acabar descobrindo que esta coca-cola neste contexto tem um sentido diferente, mesmo que chame algo erroneamente, ou seja, voc vai a vrias poas, d nome s poas, mas quando o rio flui, ao juntar todas essas coisas, elas necessariamente... mesmo de maneira errada... no fluir das coisas voc arremessado...HH: S que hoje, quando a gente fala da linguagem, a interpretao da linguagem como meio de comunicao j est pressuposta, ao fazer o dicionrio, ento na compreenso do que sejam as palavras no h distino entre a Palavra e palavras. Assim, interpretamos todas as palavras como se fossem sinais, sinais que indicam, apontam a coisa. Ento, combina-se usar tais sinais para indicar tais coisas e assim surge a possibilidade de usar a linguagem do cdigo. S quem conhece essa conveno que intui. Mas existem Palavras que no so meios de comunicao. So como que as prprias coisas, elas mesmas, se desdobrando. Essas so palavras fundamentais e quando a gente interpreta estas palavras fundamentais como se fossem sinais de coisa ela mesma, a gente no consegue penetrar o todo.Marcos: Talvez o essencial da linguagem no apontar para isso ou para aquilo. Perguntaram, uma vez, para Adlia Prado: O que a senhora quis dizer com esta poesia? Ela disse: Uma poesia no quer dizer nada. Quer dizer, poesia o prprio brotar da palavra como abertura do mundo. Ento, a poesia no um meio de comunicao que o poeta se utiliza dele para expressar seus sentimentos, expor suas idias. Quando ns lemos uma poesia desse jeito, a gente est entendendo poesia como meio de comunicao, como se fosse dicionrio.Ento o que chamamos de linguagem tambm essa abertura da alma, sintonia do mundo. A linguagem no que existe o mundo e depois ns damos nome s coisas do mundo. que o mundo s surge como mundo atravs da nossa palavra.HH: por isso, Palavra de Deus, essa Palavra de Deus tem outro som, se voc se coloca nesse modo de ver.Marcos: Por isso, quando Deus diz o mundo se faz. Deus diz: Faa-se! e o mundo se faz. A palavra geradora do Mundo, criadora do mundo.Fbia: Ao. Palavra ao!Marcos: Quando a gente fala ao ali, a gente j entende ativo e passivo, no ? Talvez seja anterior a ativo e passivo.Corniatti: que a gente entende ao como executar algo. A, aparecem o ativo e o passivo. A no d no ? Quer dizer... deixar ser... todo seu trabalho como que um empenho para que a vida acontea, deixar ser...Geraldo: assim? Aristteles diz: estou querendo agora falar da alma. Ento imagina que olha para poesia, um cdigo juno de palavras. A alma da poesia seria o que ela me traz.

Marcos: A alma da poesia a prpria linguagem. A Poesia ritmo, mas o ritmo do fluir da linguagem como rio que corre. HH: Uma pergunta para os psiclogos: quando psiclogos interpretam smbolos nos sonhos, como que entendem? a mesma coisa como com sinais-palavras?

Dbora: Acho que como a alma que interpreta como no caso da poesia, linguagem da psicologia... voc vai fazer uma projeo do seu contedo, ou seja, da sua alma, este contedo, essa alma da coisa vai fazer um sentido para mim, vai fazer um sentido para ele, para ela, para outros, mas vai fazer um sentido diferente para mim porque aquilo vai ressoar com que eu projetei naquela poesia, aquilo que ela fala pra mim. Por isso que subjetiva a poesia. Alma aqui significa, pois, o mago de mim mesmo que projetado p.ex. na poesia.Marcos: Mas, quando, por exemplo, eu sonho: no sonho aparecem muitos, muitas figuras da linguagem do sonho, naturalmente, porque os sonhos falam, no ? Ento, estas figuras da linguagem dos sonhos, se eu as tomo como, por exemplo, leo significa isso, castelo significa aquilo?!Dbora: se voc falou que para voc significa isso, vou perguntar o que significa leo para voc? Voc pode responder: Meu cachorro de estimao. HH: Nesse caso, leo no tem como contedo, como a alma da palavra, aquele bicho grandioso e terrvel que usualmente denominamos de leo, o rei das selvas, mas o cachorro fofinho da famlia de Dbora.Marcos: Se algum pega dicionrio, interpreta a modo do dicionrio Isso significa aquilo, isso segundo o modo da palavra-dicionrio. Isto quer dizer: o discurso da palavra-dicionrio no o discurso do sonho, no ? Porque cada palavra do sonho vai ter sentido dentro do discurso do sonho.O sonho fala at o que voc no quer escutar ... Ento, no voc que d sentido ao sonho, mas o sonho que d o sentido a voc. HH: Mas como que o psiclogo faz? Por exemplo, a gente tem sonhos... vem aquelas figuras, no ? Ento, como que pega o sonho falando?Dbora: Investigando a pessoa que est contando o sonho e saber para ela o sentido que tem. Ela pode no ver o sentido...Marcos: Pois , essa pergunta: que sentido o sonho tem para ela?, no deixa a fala do sonho ser a fala do sonho, no?Corniatti: Dr. Leon Bonaventure dizia: Ningum sonha dos outros nem para os outros. A pessoa sonha de si para si mesma. Ento, diante de todas as imagens que vm tona nos sonhos, voc tem que silenciar e deixar-se envolver por elas. Ento, as prprias imagens vo te dizendo aos poucos...HH: Mas ento, Corniatti, me explique o que voc entende nessa situao por silenciar. Portanto, Dr. Leon que lhe disse aquela frase, e voc ao ouvi-lo, o que que voc e ele fazem com esse ter dito e ouvido? O que ajuda ao outro aqui silenciar? Ficam quietos, mudos, sem fazer nada? No conversam?

Dbora: Como o padre faz eu acho. Por que era isso? O que A pessoa tem que refletir sobre o sonho e refletindo, se perguntar O que o leo para mim? Acho que algum que me perseguia? O psiclogo pergunta, por que algum te perseguia?, mas essa pergunta no fundo a pessoa clinicada que pergunta a si mesma e responde ela mesma e assim ela vai contando e vai falando e a vai se encontrando a fala dela mesma.HH: Mas, aqui, nessa sua explicao de como o psiclogo faz consigo mesmo diante do clinicado, para que ele mesmo se encontre a fala dele mesmo etc. Pelo que pude compreender, o psiclogo vai silenciando cada vez mais a si mesmo para que o clinicado oua a voz dele mesmo e ele mesmo possa falar e ouvir essa prpria fala dele mesmo. Esse silenciar algo como no saber mais nada o que fazer, o que pensar, estar na completa perplexidade, diante de mim, diante da minha profisso de psiclogo, de no saber mais nada do que aprendi anos a fio com grande esforo e empenho, esquecer o meu passado, minha famlia, minha raa, meu sexo, minha religio, silenciar tudo, principalmente a minha psicologia? Silencio-me totalmente, para de modo algum influenciar com minhas medidas, meu saber, minha mundividncia, minha ideologia o meu cliente.

Por exemplo, ontem algum perguntou: e o inconsciente coletivo, e todas as mensagens do inconsciente coletivo, o que isso? Algum respondeu: se se trata de inconsciente coletivo para valer, se do arqutipo em si, e no enquanto a ns, ns no as percebemos. O inconsciente coletivo to fundo, to fundo que no pode aparecer consciente. Na medida em que aparece j uma espcie de consciente. Com tal princpio como a gente faz terapia?Dbora: Aqui podemos recorrer simbologia; ... mesmo sendo arqutipos que so palavras-chaves bsicas, algumas simbologias so bsicas para nos ajudar a esclarecer e levar a terapia adiante. Quando algum, por exemplo, tem simbologia e a descobre na palavra como p. ex. Pai. O smbolo Pai est carregado, prenhe de acenos e significaes. Por exemplo, pode ser Deus, algo bondoso, algo autoritrio, mas no fechado em si mesmo; sendo arqutipo, vai depender do sentimento da pessoa.HH: Tudo isso no nos est a dizer que os arqutipos e simbologias no so sinais visveis que apontam para uma realidade inacessvel e invisvel, mas que so como que anncios, acenos de pr-jacncia vital imensa, profunda, insondvel e inesgotvel da vida, que cintilam ora terrveis, suveis, ora com rigor, ora com inominvel ternura, irrigando, alimentando o nimo de fundo da conscincia na sua grandeza e profundidade.

Dbora: Arqutipo pessoal. Mesmo ele tendo a simbologia em si mesmo, assim mesmo ele pessoal.Marcos: Acho que a interpretao da gente melhor, porque no texto que a gente produz, um texto que voc escreve, ele no diz s aquilo que voc quis dizer. Ele diz muito mais do que aquilo que voc quis dizer, se o texto for bom. Se for bom mesmo, vai dizer at o contrrio daquilo que voc quis dizer. Apesar do que a gente diz, o texto bom! Alis, dogma em ambientes, de que a linguagem expresso e comunicao do sujeito de si para si. E a voc coloca o sonho como linguagem. Esse dogma da opinio pblica precisa ser mais examinado.HH: Por exemplo, ao inconsciente coletivo, no se pode ter acesso. Ele pode ter acesso a ns. Mas no dizemos continuamente que ele no faz esse papel?Dbora: Realmente, ela no faz esse papel.HH: Quem sabe? No sei se o exemplo aqui negat paritatem (nega a validade da referncia), como diziam os romanos, quando um exemplo ou um argumento no tinha nada a ver com o que estava sendo discutido, por estar muito mal colocado. Mas talvez seja vivel. No sei mais o seu nome, mas um episdio, acontecido com o junguiano que introduziu a psicologia de Jung no Japo. Ele declarou numa entrevista, a uma revista catlica japonesa, que depois de quase 50 anos de ensino, prxis e terapia da psicologia analtica de Jung, no sabia mais nada, sentia-se to sem poder e saber que ao fazer terapia tinha m conscincia e vergonha de receber a gratificao por seu trabalho, que alis era elogiado e considerado excelente, a ponto de ele ter fama de curar pacientes de casos incurveis. Quando ele voltou de Zurique, diplomado, doutorado, apesar da insegurana de quem estava iniciando, possua segurana de conhecimento, de tal sorte que quando recebia pacientes, conforme sintoma e reao do paciente, ele sabia sempre de certo modo como encaminhar a terapia. E assim trabalhou por muito tempo, crescendo cada vez mais na experincia e no saber. Mas, agora, depois de ter formado a maioria dos terapeutas junguianos do Japo, depois de ter tratado tantas pessoas, de ter escrito livros, feito conferncias e ensinado nas universidades, comeou a entender que, no fundo, o terapeuta no faz nada a no ser silenciar diante do paciente e o ouvir. No comeo da carreira, quando entrava no seu consultrio, um jovem angustiado e deprimido que ameaava a se suicidar, ele ao escut-lo, de alguma forma lanava sobre o paciente projetos de tratamento, buscava ao mesmo tempo em que o escutava tentativas de soluo. Mas, agora, se acontecer que algum invade o seu consultrio e ameaa se suicidar, ele fica todo temeroso, atrapalhado. E se ele no fala, no reage logo, isto no ttica para se acalmar, mas assim que realmente no sabe o que fazer, o que pensar. Assim, o seu silenciar no mais artificial, conscientemente planejado, simplesmente e imediatamente perplexidade. Esse modo de ser do silenciar-se atnito o acompanha, mesmo depois que ele comea a falar e tomar algumas providncias como mdico e faz alguma coisa. Esse mdico faz milagre de curar certos doentes tidos como incurveis. Esse silenciar perplexo e nada fazer, no afundar para dentro do apriori ali pr-jacente da vida que na realidade tudo faz?

Marcos: Ali a terapia no mais tcnica, ela co-nascimento. Ela pensamento. O deixar ser. Ontem, vocs confirmaram que, na terapia, acontece esse co-nascer. A minha pergunta : se terapeuta co-nasce, na terapia, em outras palavras: Se o pensar acontece, se o terapeuta pensa. Pensa significa, se ele co-nasce com a situao da vida, nesse no saber, nesse vazio do no saber.HH: Algum de vocs ficou sabendo ou se lembra, que h muitos anos, um diretor do Instituto Jung de Zurique, um americano, escreveu um livro sobre o suicdio, onde defendia uma tese teraputica que foi muito criticada pelos terapeutas, educadores e sacerdotes de diferentes igrejas confessionais. Ele defendia que um terapeuta deveria ou poderia comparticipar de tal modo do sofrimento e da tendncia de suicidar-se do paciente em questo que o acompanha at o ponto crucial de se matar, mas no ltimo instante o puxa para a vida. Pois no desejo de suicidar-se h um momento de transformao da alma que morre para renascer, mas essa transformao da alma, o paciente doente interpreta mal e a confunde com a morte do corpo. Ele assim defendeu a tcnica entre aspas de ir com o paciente at o momento de quase suicidar-se, mas no ltimo momento, dar um pulo, para mostrar que no suicdio do corpo, o paciente est enganado no endereo. Ele est dando grande passo para uma transformao da alma nele, como se fosse uma morte de tudo o que tinha. S que ele interpreta errado, pega o corpo e faz dele uma vtima. A a terapia, ainda uma espcie de poder, mas se aproxima um pouco disso.Dbora: Eu acho que ele arriscou, no ? O paciente poderia no recuar.HH: Terapeutas, psiclogos so pessoas de grandes capacidades, que estudam, no ? Que mentalidade tem a dentro em referencia a seu saber? D. Mamede: No ltimo encontro, algum perguntou assim: a educao de criana, a instituio chamada escola, os movimentos sociais, aes e empreendimentos de grupos ideolgicos, religiosos, polticos etc., etc., fazem isso ou aquilo, o fazem bem ou mal, so honestos, corruptos, medocres, excelentes, por um tempo, mas depois decaem etc., etc., tem boa vontade, carecem de boa vontade etc., etc. Se, porm, olharmos mais a fundo e perguntamos o que realmente fazem, e o que resolveram de problemas, constatamos que muito pouco, quase nada o que foi feito, diante dos problemas que se multiplicam quase em propores geomtricas. O que de segurana e soluo provisrio a criana tem, corpo a corpo, real imediato estar colada me. Essa situao de uma fora finita, que para ns como impotncia, fraqueza, no a mesma do caso do junguiano japons acima mencionada?Marcos: Porque a tcnica uma forma de poder. Mesmo quando a gente diz que abre mo do poder como dominao do outro, mas ainda forma de poder. No que por ter poder fosse ruim, mas o problema se esse poder no se deixa conduzir para no poder, algo como uma fora diferente, na fraqueza?HH: Alguns ou muitos alunos de teologia pastoral, padres e freiras, freis, agentes pastorais, quando estudam e usam psicologia, os psiclogos, pedagogos, os filsofos principalmente de cunho humanista, religioso dizem que a tcnica poder, no ? E a gente tambm est dizendo isso, e com razo. Mas ento, como que ns nos atracamos com o problema do relacionamento com o poder e a tcnica, de no usar poder? Porque h uma fala e tendncia entre ns, pessoas de bem, que fala e toma posio contra o poder e assim, porque tcnica e saber poder, no estuda, nem usa tcnica. Entre nossos estudantes tm muito disso. Assim, tendo-se toda possibilidade de fazer curso bom, porque poder no se faz. Essa maneira de reagir diante do poder inteligente? Para onde ser que leva esse tipo de pensamento?Fbia: Leva libertinagem, no liberdade!HH: Talvez possamos detalhar mais essa questo? H entre os que estudam, em diferentes nveis de graduao escolar, acadmica, os que estudam na desobriga, outros que estudam para realmente aprender e crescer no saber e no poder das cincias que estudam, os que consideram os estudos uma necessidade, outros que os consideram como hobby, outros que os odeiam, outros que estudam por amor, buscando excelncia profissional e vocacional, outros que em tudo isso, atravs do saber buscam sabedoria e verdade, etc., etc. E ali podemos distinguir pessoas aplicadas, assduas, trabalhadeiras e responsveis no aprender e assimilar o saber, outras que so preguiosas, avoadas, irresponsveis. H pessoas que consideram o saber um bem, valor que a humanidade deve apreciar e buscar, outras que procuram o saber como meio instrumental para autopromoo, meio para ter um status social maior, para ter salrio melhor etc.

Quando aqui, entre ns que somos estudados e estudiosos, muitos de ns profissionais no mundo do saber, discutimos, num encontro de 3 ou mais dias, vindo de longe, e discutimos entre outras coisas a questo hoje cada vez mais angustiante do saber como poder, tcnica como poder, discutimos esses temas que nos tocam, porque na concepo do que o saber e o estudo, e na praxe exercitada longa e assiduamente sabemos que saber e tcnica aquisio da humanidade, hoje. Isto significa que ns somos, embora no os grados, no os maiorais do poder chamado saber e tcnica, os participantes, os consumidores, os usufruidores, os usurios do saber e da tcnica, do seu poder.

Dorvalino: Porque o saber poder e por isso no estuda? No entendi.Dbora: como se as pessoas imaginassem o espiritual como ajuda do Esprito Santo. Eu sou uma psicloga, como psicloga devo saber determinadas coisas para poder me responsabilizar por minha profisso e meu servio aos outros. Se achar que Esprito Santo vai tomar conta de mim e eu vou atuar em favor dele, no sou responsvel pelo meu trabalho.

HH ... e pelo seus pacientes, no sentido da cura entendida por Dbora psicloga como valor humano, em favor da sade corporal, anmica e espiritual. Pois, usar o meu saber psicolgico e a minha piedade que acho que vem da F, como um instrumento da cura, na realidade considerar o saber, e o crer como poder mgico. Magia quando considero o fsico material como supremo valor de consumo, para o qual devem estar em funo todas outras dimenses do ser humano. Fabia: Mas isso no est acontecendo s com o psiclogo e o religioso. Est acontecendo com a sociedade em geral. Se voc falar para a criana: voc tem que fazer isso!, como meu pai falava, esse voc tem j impositivo. A voc manera e diz: olha, meu filho, minha filha, aquilo seria bom para voc. Se algum mais crescido: Diante das tuas caractersticas, aquilo seria mais interessante, pensa... Porque se voc falar: olha isso aqui melhor para voc dentro da sociedade de hoje, as crianas no fazem. Voc tem que orient-las com muito tato para entrar na sociedade. Eu sinto isso, que mudou. A gente era mais respeitada. Eles acham que os pais no tm mais o domnio do melhor computador que j sabem mexer. A experincia de vida com o tempo no tem mais valor para elas.HH: Tenho comigo mesmo dificuldade, quando estou diante de um problema como esse da Fbia. Talvez porque no tenho experincia de lidar com crianas. Vou arriscar expor o que penso, aqui nesses assuntos. Fbia diz: se, voc falar para criana Voc tem que fazer isso!, como meu pai falava... Gostaria de perguntar aqui: voc no fala como seu pai falava, porque a sua filha ou seu filho no a ouve? Se agora, eu adulto, pai ou me de vrios filhos, tivesse um pai vivo que fala comigo assim voc tem que fazer isso! eu me sentiria feliz com isso? E se quem assim lhe comanda for estranho, pessoa antiptica, um mendigo. Aqui s um exemplo, e no caso da Fbia, ela poderia estar to acostumada com o seu pai que at goste desse tom. Mas esse tom dela, do pai dela, particular. No posso achar que isso ali deva ser geral, comum a todos. E sabemos disso. E na sociedade em que circulamos, no assim que tomamos um cuidado danado para no ofender o padro de vida, a qualificao do status social, do ttulo, do encargo, da famlia etc. etc.? Agora, cada um de ns tem sua formao acadmica, profissional... um psiclogo, outro pensador, outro professor, outro padre. E sabemos o que seja terapeuta, seja filsofo, psiclogo, sacerdote... todo mundo est cozinhando com gua, lidando com o corpo a corpo de problemas. E aqui surge uma pergunta: Como que eu me responsabilizo pelo que estudo? No assim que considero cincia, sua especializao, o ensino e aprendizagem nas cincias e tcnicas como uma coisa ali j feita, colocada pela sociedade, de tal sorte que estudar, ter empenho e bom desempenho no saber funcionar bem conforme o padro ali estabelecido e que a tarefa de pensar mais a fundo a matria que sei e o domino, eu a terceirizo, deixo ao encargo dos especialistas etc.,? Ns todos que estudamos e somos diplomados em respectivo saber acadmico e sua tcnica, pelo fato de entrarmos nesse sistema de ensino e aprendizagem acadmico-tcnico, estamos entrando dentro dessa grande busca da humanidade de hoje, e nos responsabilizando pela verdade e sentido dessa busca.

Cludio: Acho que o homem precisa de valores. Por exemplo: se ns estivermos conversando na hora do almoo, eu vou olhar para voc de uma forma, na hora que voc coloca toda aquela vestimenta de sacerdote, est l no altar eu vou olhar para vc. diferente. Por que o juiz usa toga? Tem toda uma simbologia em volta. Ento quando um paciente entra num consultrio tem todo um contexto de valores...Fbia: Mas o problema que os mais novos no respeitam os mais velhos.Cludio: At pouco tempo atrs a referncia eram os pais, porque ns vivamos em famlia, no havia televiso, noite, nossos pais contavam os seus causos... eles eram nossas referncias. Hoje, a criana tem internet, tem televiso, tem vizinho, ou seja, tem mltiplas referncias, o que no sabe... que essas referncias so conflitantes entre si

Fbia: Est-se perguntando, ns como profissionais, como resolvemos a situao. Na minha casa resolvi assim: eu estudei muito, eu acho que assim a melhor maneira de fazer. Vc vai olhar para mim: eu vou fazer assim. Ento se vc olha e se achar bom vc faz, se vc no achar bom, vc vai ver outra maneira. Eu passo o que eu fao, no o que eu falo, porque falar, orientar no adianta. Ento que ser na vida, na experincia: eu vou fazer assim, assim... Vc est vendo que estou bem, estou calma, tranqila? Vc vai querer tambm entrar nessa. Se vc est vendo que este estilo de vida no est bom. Est havendo uma brigaiada dentro de casa, que ns no estamos nos entendendo, vc no vai querer participar. Ento ns vamos num paralelo: eu sou um ser vivente e vc um ser vivente que viveu menos. assim que eu fao, eu no oriento pela vivncia e eles ficam analisando como que estou.HH: s que minha pergunta a seguinte: Cludio respondeu como ele fez, vc. est dizendo como faz em casa, no ? Mas no estou pedindo para dizer o que voc faz. A pergunta no questiona o que e como voc faz isso e aquilo. Pois, em dizendo o que voc faz e como faz, voc est transmitindo como voc resolve o seu problema. Quando perguntamos como nos responsabilizamos pelo que estudamos, no se est perguntando como voc resolve um problema, dentro do que voc estuda.A pergunta : se e o que pensa da questo. Definamos o problema como sendo: Problema dificuldade que encontramos dentro de um campo temtico aberto, cujas coordenadas esto fixadas como posies bsicas para uma construo sistemtica.

Problemas ns os encontramos, nos afazeres da vida cotidiana, como tambm nas cincias. Nos problemas cientficos o modo de ser da dificuldade acima mencionada aparece com maior nitidez, ao passo que nos problemas dos afazeres da vida cotidiana o modo de ser da dificuldade parece ser mais difuso, opaco e ao mesmo tempo indeterminado, ou mais concreto, corpo a corpo e imediato, sem exibir uma estrutura interna prpria. Mas tanto num caso como no outro, as dificuldades querem ser resolvidas, e isso acontece dentro de um determinado mbito de colocao j pressuposto. Nos problemas o nosso interesse de buscar a soluo, e eliminar ou amenizar a dificuldade. Denominamos tal trend da nossa vida de necessidade vital. Nosso compreender e querer aqui esto movidos pelo sentido do ser livre de.

Convenhamos chamar de questo, distinguindo-a do problema, a ao de uma busca, na qual o interesse no tanto de resolver dificuldades dentro de uma determinada colocao j posta, mas de colocar-se para dentro de uma busca que renovadamente sempre de novo lana para dentro da questo as pressuposies postas ali como posies bsicas de um saber positivo, e isso no tanto para saber mais e mais dentro do horizonte a partir donde e onde as colocaes esto j pressupostas, mas numa trabalhosa e trabalhadora disposio livre, sim paixo em clarear de que se trata. E isto cada vez mais, anelando estar na proximidade, junto da coisa ela mesma, a partir dela e nela mesma. Nas questes, o nosso interesse o de nos colocarmos sempre de novo e cada vez mais na busca, tornando densa a inquietao da saudade de estar em casa em toda a parte na evidncia do descobrimento de todas as coisas. Denominamos a tal intencionalidade presente na nossa vida de necessidade livre. Aqui o nosso compreender e querer esto movidos pelo sentido do ser livre para. Fbia: Acho que no preciso ser psiclogo formador para compartilhar... quando vc vai orientar um novo tcnico, um novo engenheiro... Vc s pode saber isso fazendo, demonstrando, entendeu?

HH: Isto no s fazer. Ele estudou engenharia todo o tempo. E assim sabe fazer, sabe resolver problemas e sabe ensinar, sabe ensinar ao outro resolver problemas da sua profisso. Mas ele coloca a questo e se coloca nela, i. , na busca do sentido humano do ser engenheiro? Do ser mdico? Do ser sacerdote? Do ser lixeiro? Do ser chins? Branco, negro, homem, mulher, criana, adulto, velho, doente, moribundo, ser me? Tudo isso somente um problema para voc ou uma questo? Claudio: Fui chefe durante minha vida toda e aprendi muito com meus subordinados. Talvez mais do que eles tenham aprendido comigo, mas o que dentro das reas especializadas, das tcnicas, todo profissional precisa ser motivado para e ns precisamos estar motivados para. Ento eu acho que o papel do terapeuta, do administrador, do educador, ele precisa sim, estudar para saber... uma dona de casa s pode orientar uma empregada se ela souber fazer bem aquilo que a empregada vai fazer e melhor. Caso contrrio, ela nunca vai ser uma dona de casa orientadora da sua empregada. E na vida profissional ... tambm sou especialista numa rea ... cargo de chefia e trabalhava com outros especialistas. Eu no dominava a especialidade de cada um deles, mas eu precisava fazer uso disso, e se estas pessoas no tivessem um desafio comum, se no for colocado com clareza para onde o grupo tem que ir, nada se resolve... precisa dominar sua rea para poder orientar, eu acho que o sacerdote, tudo isso que a gente est, mesma coisa se vc. ...HH: No estou discutindo isso. Estou discutindo: uma vez que a pessoa faz isso, qual a responsabilidade tem para a tarefa de buscar o sentido do seu fazer, e no somente resolver o problema que acontece dentro dos padres que se tm j fixados dentro da profisso.Cludio: Eu acho que nossa responsabilidade, independentemente do que a gente possa pensar dessa relao ela , por exemplo...HH: Ser pai?!!...Cludio: No, no. o comportamento. o que vc sabe. Como vc age no seu dia-a-dia, ser coerente...HH: Coerente com o que? Quando um junguiano diz arqutipo, inconciente coletivo; um fsico, quanta; economista diz valor; sacerdote, vontade de Deus, o que est pensando? Marcos: Poder mais. Todos ns somos desafiados a poder mais. O pai a poder mais como pai, a me como me, o terapeuta como terapeuta, educador com educador, o sacerdote como quem tem poder e autoridade do sacerdcio. Esse poder mais no vai na direo simplesmente do dominar, do oprimir... o que causa ojeriza... E esse mais no simplesmente continuao e escalao do que est fixo como medida ali dada. Quando Jesus em lavando os ps dos apstolos, disse que o discpulo no maior do que o mestre, ele estava mostrando o que esse mais no poder, de tal modo que ele definiu para ns em que consiste a onipotncia divina: servir como escravo.Dom Mamede: como dizer: quem quiser ser santo abra o Evangelho e faa o que est escrito l ...Marcos: Esse poder mais ser mais na disposio da capacidade de exercer aquela possibilidade.Dbora: Mas esse poder mais vai cair na mesma, no vai? Qual a diferena do mais?HH: Essa diferena mais ou menos quando eu sei e por isso digo que Dbpra uma grande me, meu primo que s alfaiate e s pensa em ser alfaiate para lucrar, pergunta: quantos metros ela tem? No est se preocupando, no est se responsabilizando pelo que est entendendo por grande. Ele j sabe. No essa a mesma situao de um estudante frade que diz amar a pobreza e por isso no quer o estudo, porque saber poder? Num sermo de Eckhart, ele diz: no estou falando para pecadores. Estou falando para cristos bons que se sacrificam por Deus. Cludio: ...essa relao de poder... Ento, chega uma pessoa aqui, vc est todo vestido de padre de bispo ... l no altar etc., etc. ... Esta relao do poder... consciente ou no, . HH. O que o senhor nessa pressuposio faz para resolver o problema? O que est entendendo a por poder?Claudio: Todo o poder que o outro, que a pessoa imagina dele... ele no precisa exercer.

HH: nessa colocao, o que significa poder, no fundo, no lhe preocupa, j sabe.Cludio: Ento, no estou conseguindo chegar l.HH: ... no estamos discutindo viso de cada um. Estamos discutindo qual a inteno do nosso encontro.Cludio: Exercer a relao com responsabilidade no sentido de que tem que haver uma soluo.... Se vc no tiver um esprito cristo por trs de todas as suas aes, mesmo vc estando no consultrio..., Vc s vai empregar tcnica e a a relao de poder fica perigosa.Dbora: Jung fala que se vc no tiver um relacionamento com o seu paciente de consciente para consciente, de inconsciente para inconsciente, de pessoa para pessoa, no adianta nada a terapia, porque a ela vai cair na tcnica. A, vc est fazendo um bate papo. A gente pode falar at de alma pra alma... Talvez seja isso o poder mais, o chegar mais no fundo... no ?Marcos: Porque algum pode ser bom administrador, e nesse caso do bom administrador o que poder mais como administrador? Porque o administrador est a servio da administrao.Se ele chega como autoridade que manda e desmanda, ele no pode muito como administrador.Eu sou um grande paizo, aqui democracia, todo mundo decide fazer o que bem entender... tambm no vai conseguir administrar. Ento administrao tem um rigor prprio, administrador, para poder mais como administrador, vai ter que pensar mais essa administrao.Claudio: Algum me disse, um dia: o exemplo uma pregao muda. Se isto verdade, todos ns estamos sendo observados, todos ns somos exemplos para algum, consciente ou inconscientemente. Como vc. est vivendo, com ele est vivendo...HH: Um mdico protestante que depois se tornou sacerdote catlico, l pelos sc. 17, apelidado Angelus Silesius, ao falar desse modo cristo da pregao muda disse: A rosa sem porqu, floresce por florescer. No atende se algum a v.

Corniatti: Vamos falar do poder mais como sacerdote? que sou padre...HH: Mas antes fiquemos um pouco mais com o exemplo do administrador?Corniatti: Falando a Claudio, administrador, no se poderia dizer que o empenho que vc faz usando todos os recursos que vc tem para cada vez mais se dispor para ser pego pela verdade do administrar o mais poder como administrador?Marcos: Zen. Isso passa como zen o que poder mais ... Talvez uma estria zen: Disse o mestre ao discpulo novio: Limpa o jardim. O novio varreu cuidadosamente o jardim. Disse o mestre: No basta! Espanou folha por folha todas as plantas do jardim. Disse o mestre: No basta!! Lavou e enxugou uma por uma as folhas do jardim. Disse o mestre: No basta!!! Disse o discpulo novio ao mestre: Mestre tudo que sabia, tudo que podia, tudo que devia fazer para limpar o jardim executei. O que resta ainda mais a saber, mais a poder, mais a dever, mais a fazer, para que o jardim seja limpo? O mestre se abraou a um alto arbusto cheio de folhas outonais e o sacudiu: suavemente caram as folhas e se espalharam sobre o jardim. Disse o mestre: limpar deixar ser.

D para perceber que todo o empenho e desempenho de resolver os problemas da limpeza do jardim eram empenho e desempenho de uma aprendizagem para adentrar uma questo, i., uma busca toda prpria do deixar ser o jardim a partir dele e nele mesmo? Como algum que pensa uma ferida?

Leila: Fui trabalhar como psicloga, para pensar a ferida de um supermercado, para levantar e o nvel de produo. Para isso devia ser algo como terapeuta da administrao do supermercado. No supermercado tinha 10 chefes para um remador. Todo mundo queria que um remador produziasse mais, melhor. E, no entanto, faltava tudo, no nimo, na organizao, na administrao, na compreenso do que seja um empreendimento comercial, tudo.... Eu falava... falava..., falava...mas pouco adiantava. E realmente era assim, porque ali eu no sabia nada. Tive que aprender e reaprender tudo. Aprender a ser lder, ser pessoa, a ser empregada, a comandar, a obedecer, a ser mercadoria, a ser usurio do mercado etc. Porque ali, era o caos. Eu no sabia o que fazer. Tive que fazer fazendo, corpo a corpo, de corpo e alma.Marcos: ... e assim, pensar, quer dizer, esse poder mais vai se abrindo para um poder maior que a prpria dinmica da vida das pessoas.HH: ... esse pensar no calculo.Dorvalino: Aquele exemplo do Velho e o Mar ... pescou peixe grande... Ele voltava para casa ... grande objetivo dele era ser considerado o maior pescador da aldeia. De repente, os tubares comearam a comer a pesca dele. Ento pega o remo e comea a espantar os tubares. O remo quebra e com o resto do remo ele persiste na luta, mas o peixe vai sendo comido at no fim sobrar s o esqueleto. O velho pega aquele esqueleto e desfila pela vila como que mostrando at o fim a pesca dele. S que ele perdeu tudo, em termos de pesca lucrativa... do fruto da pesca no sobrou nada, mas ele saiu... no poder da pesca, s com o esqueleto? No, com mais do que a pesca!

Marcos: Em que sentido essa luta corpo a corpo pensar? Por que dominar a tcnica importante tcnica, nesse sentido de poder mais, no o ? A tcnica um saber e um saber que poder, mas ao mesmo tempo, s a tcnica ainda no poder suficiente, quer dizer, esse corpo a corpo torna o poder aberto a esta grandeza da vida que a gente embate com outras possibilidades como a mxima possibilidade. Muitas vezes nesse embate com o que no podemos e ali que surge outro tipo de poder que a gente chama de graa.

Cludio: Agora, consegui pegar o esprito da coisa... Quando eu estudava vivi vrias situaes dessas. Alis, a vida toda, no ? Precisa-se resolver isso at amanh s 8 da manh. A, vc expe o problema com clareza, perguntando: o que vc pensa, vc chega concluso, fica com pepino na mo, fica numa solido e vc vai pra casa: o que que fao? ... Ento, essa hora, digo-lhes: terrvel... a vc pede ajuda... no s ajuda, vc vai estudar. Pois vc sabe que tomar uma deciso, a mais correta possvel. A sabedoria que passa pelo seu corao e de repente se vc tem sorte ou se vc tem merecimento, vc descobre uma varivel fundamental. E, ento vc chega no dia seguinte, rene a equipe, e diz: acho que ns nos esquecemos desse ponto da varivel A, que fundamental. Ento ns vamos para o A... isso?HH: Mais ou menos! Ento digamos que o senhor vai l e faz a sua colocao: sabedoria, digamos, que nosso Deus. Teve-se uma iluminao e eu coloco a proposta de uma soluo que aprovada pela equipe. Mas, depois de um ms se viu que aquela idia no era boa, e que o resultado foi pssimo. De quem foi a culpa? Cludio: A, vc tem que assumir! Completamente!HH: O que significa assumir? Em geral, entendemos assumir o erro. Isso de responsabilizar-se pelo erro cada um tem, mas um cristo olha para o Senhor e pede-lhe para ajud-lo, no pediu ajuda para ser iluminado? Mas, o Senhor no me ajudou! Mas Ele diz: Sim, eu te ajudei, ajudei a cair fora dessa maneira de entender ajuda. Ento, a prxima vez que vc entrar nessa situao, antes de vc pedir ajuda, no pea ajuda para isso, aquilo...; eu no estou a para esse tipo de ajuda; vocs se lembram daquela passagem do Evangelho, em que algum vem a Jesus para resolver problema sobre herana? Ele diz: no vim pra resolver esse tipo de problema... Ento digo com meus botes: Ah! Agora sim, estou comeando a entender: eu sou filho de Deus; e ser filho de Deus o tesouro do meu corao. Para consegui-lo vendo tudo, pois aqui se trata da minha plena realizao. E ser filho de Deus no ser filhotinho, mas ser adulto, adulto como Ele. Ento, da prxima vez, vou pensar mais... de repente percebo que no passado, eu pedia muito a Deus, tratando-o como deus ex machina ... Ento, voc intui e diz: Puxa! Meu cristianismo no era bom, pois, como diz Mestre Eckhart num de seus sermes alemes, eu enxergava Deus como se Ele fosse uma vaca, porque cada vez que vejo uma vaca penso no leite dela.Claudio: Vc est colocando as coisas no extremo. Mas posso dizer que, estatisticamente, todos esses momentos que vivi eu acertei 90 por cento. Isto significa o que? Que eu no transferi o problema... Ento, no estou entendendo...Dom Mamede: ... que voc tem que garantir o leite...Corniatti: Na colocao do Mestre Eckhart, virar pura exposio graa.Fbia: Isto que co-nascer?

Marcos: Plato tinha dito que pensar aprender alguma coisa, uma aprendizagem... ser que isso que estamos chamando de embate da vida a gente faz sempre o que pode, mas nesse fazer o que pode, embater-se no que no pode, a gente sempre de novo se abre para a imensido do fundo de todas as possibilidades e impossibilidades, e, nesse abismo, a gente se dispe... se torna lmpida acepo da vida, como ela acontece ...como fatos da vida vo acontecendo... isso ter alma, no ? Ser que a gente pode colocar assim?Dorvalino: Ser que no a ltima palavra de nosso Senhor na cruz que diz assim: Pai nas tuas mos entrego o meu Esprito. Em geral, ns entendemos: Bom, morreu! Acabou! Mas, talvez, o salto da verdadeira existncia... que a vida agora comea...Marcos: Esprito ali esta disposio de estar exposto.Dorvalino: Ali que ele comea como Redentor do Mundo.

HH: Existe uma figura, se no me engano da Idade Mdia, de Cristo crucificado, na qual no rosto do Crucificado de modo subtil apenas como que insinuando, as sobrancelhas so asas abertas da pomba, rugas da testa de Cristo, a cauda do pssaro, o nariz de Cristo o corpo, cabea e bico da pomba, como a descer; a ponta do nariz de Cristo que sugere a cabea e bico da pomba, toca por assim dizer, na boca de Cristo que com bochecha cheia de ar, lbios fechados e apertados, como que prestes a soprar o ar, portanto o Esprito Santo. So Francisco no fazia coincidir a morte Crucificada com Ressureio como nessa figura medieval?

Marcos: S. Joo no diz que: At ento no havia o Esprito!HH: ....Evangelho, a Boa-nova...No assim que Jesus Cristo nos adquiriu o ser Filhos de Deus, de tal sorte que no precisamos conquist-lo, mas receb-lo em Jesus Cristo?

Dorvalino: O Reino de Deus j est no meio de vs.Cludio: Ele est! Mas eu vejo? Ela v? Talvez ele veja. Mas quantos de ns vemos? Se algum sai na rua afirmando que esse mundo maravilhoso taxado de louco... Estou dizendo que quem atinge este estado difcil de comunic-lo...HH: ... mas este estado maravilhoso de Cludio j tem uma construo... Quando diz maravilhoso, entende maravilhoso na nossa construo..., mas acho que no isso. Esse mundo como est, com toda mixrdia que tem, como Deus quer. Quando voc pergunta: Como que Ele pode querer uma coisa dessas?, voc no sabe o que o querer dele. Ento se eu disser assim: Eu no sei, mas me entrego, Ele dir: Eu no quero um aluno assim, que diga: Ah! Vc professor, voc sabe: eu me entrego. Eu quero um aluno que queira ser como eu. Eu quero ensinar. A comeo a me adentrar nessa paisagem ali pr-jacente e, no fim, digo: Uai! No tinha visto isto. Ento, outro pode dizer: Voc est sofrendo que nem um co, e eu digo: isso mesmo. Mas, eu sou filho de Deus... e se me perguntam: Mas vc no sofre? Sim eu sofro uma experincia que me deu como o grande tesouro da vida, a saber: eu sou igual a Ele. No seria este o Evangelho, a boa nova?Marcos: No relato da Paixo no tem drama. um relato sbrio. No tem o dramtico da subjetividade, de um homem que fracassa ou de um heri ou de um mrtir que testemunha a verdade. Jesus no aparece como mrtir, como heri... aparece s ele nu, exposto...HH: Na Paixo! Como Filho Amado do Pai.

Marcos: Ento isso alma, no ? Essa abertura, essa exposio, essa liberdade que a alma.

Dorvalino: Podemos dizer que sentir e pensar padecer?

Marcos: ... nessa linha que nosso texto vai. Sentir e pensar padecer. Mas o que padecer? A, ns j vamos ter o pensar e sentir.

Parte II

... alguma fora nele trabalhava para aumentar-lhe a alma. O que esse aumento da alma? Ento, vai mostrando a histria, a vida no cotidiano opaca. Mas, houve um dia que ia ser diferente. O menino ia fazer um passeio de avio. Ia para um lugar deserto onde estava no meio do ermo, da mata, ... ento aquele dia para o menino era um dia que raiava numa verdade extraordinria. Era um dia luminoso, radiante, feliz. Era uma viagem inventada no feliz... naquele dia ele ia descobrir um mundo, uma paisagem encantadora, maravilhosa, admirvel...

Naquele dia o menino vai de avio, levam-no... agradam o menino, satisfao..., mas naquele dia, ento,... feliz, contente. Essa alegria aparece como certa leveza. Acoro des-animado, isto , sem alma... estou sem nimo, sem alma... Naquele dia ele estava tremendo de nimo e ele todo leve, confortavelzinho ... como a gente costuma dizer: est rindo para as paredes. Ento ali diz A vida... o que esta verdade extraordinria? Des-velamento da vida. que no opaco do dia-a-dia a gente no v o brilho. Tudo parece ser ordinrio e opaco. Ento, ele via a vida como uma manh de domingo, de uma maneira diferente... Ele chega a um stio, uma paisagem.... mal... a manh ... margem... monotonia... deserto. O menino tomado pela curiosidade. Curiosidade... desejo de descobrir, de desvelar tudo. Ele tomado por essa curiosidade, no meio da alegria ... olhos as coisas ... se tornam smbolos para os nossos olhos...V tudo nesse brilho... de repente, viu um peru no quintal da casa e ao ver o peru fica tomado de admirao. ...O olhar admirado do menino diante do peru. Tinha qualquer coisa de calor. O menino riu com todo o corao. O peru, ali, a prpria beleza... mal olhou..., mas ele guardou a viso daquele peru... todas as coisas... no opaco..., ento aquele mundo familiar, de todos os dias, opaco, estranho... desconhecido agora esse mundo brilhava... parecia sonho, parecia que no estava na realidade cotidiana. Ele queria, no entanto, rever o peru... quando volta do passeio, o menino chega em casa e s v as penas do peru. Tinham feito o peru para o almoo. Ento aqui o mundo do menino se transforma inteiramente noutra toada, encontra toada no ser .... tudo se transforma rapidamente... ento histria leva a uma guinada...

Tudo perdia a eternidade e a certeza; num lufo, num timo, da gente as mais belas coisas se roubavam. Como podiam? Por que to de repente? Soubesse que ia acontecer assim, ao menos teria olhado mais o peru aquele. O peru o seu desaparecer no espao. S no gro nulo de um minuto, o menino recebia em si um miligrama de morte. Ento, essa virada, do mundo, no de repente, essa virada a transformao da alma. E a essa transformao da alma, da alegria para a tristeza, ele chama de morte, um miligrama de morte que cai na alma do menino. Como que passa a ser agora o mundo do menino, a alma e o mundo do menino, seu sentir e pensar? ele vai dando algumas falas: cerrava-se grave, num cansao e numa renncia curiosidade, para no passear com o pensamento. A leveza cede lugar ao grave, gravidade. Tem uma pensadora judia, chamada Simone Weil, que escreveu uma obra chamada: A graa e a gravidade. Ela diz que a alma tem peso. Assim como a alma aumenta, ... Santo Agostinho escreveu uma obra: Da quantidade da Alma. A alma no tem s quantidade. Tem tambm peso. Como o peso da alma? Ora a leveza da alegria, ora a gravidade da tristeza. Gravidade aquilo que leva para baixo, aquilo que puxa para baixo aquilo que de-prime.Ento, o menino no fica mais curioso, aquele desejo de ver tudo, de descobrir tudo cessa. Ela no quer passear com o pensamento ... ele chamou de passear com o pensamento quela mobilidade de querer descobrir cada coisa, dar nome para cada coisa. E como que o mundo dele agora aparece? A palavra circuntristeza, um mundo que se retrai, encolhe... e em volta desse mundo a tristeza envolvendo todas as coisas. Ento, mostra o menino no lugar onde a cidade est sendo construda: trator derrubando rvores, as flores do campo cheias de poeira por causa do trator, as rvores isoladas, sozinhas no descampado produzido pelo homem. Ento, tudo para ele cinzento. Se, antes, era brilhante, agora cinzento. O mundo parece mau, hostil. O espao hostil para ele. Ento esta frase-chave que o Mamede repetiu: entre o contentamento e a desiluso, na balana infidelssima, quase nada medeia. E neste momento, ele v uma rvore sendo derrubada pelo trator. A coisa ps-se em movimento. Reta, at que devagar. A rvore, de poucos galhos no alto, fresca, de casca clara... e foi s o chofre: ruh... sobre o instante ela para l se caiu, toda, toda. Trapreara to bela. Sem nem se poder apanhar com os olhos o acertamento o inaudito choque o pulso da pancada. O interessante que a beleza no est s no peru, quando a vida estava ainda brilhante, mas a beleza est tambm nessa tristeza. Ele fala de um encantamento do cinzento daquele lugar... e mesmo o cair da rvore, um cair belo... mesmo na tristeza tem sua beleza. E ele olha para o cu atnito de azul. Ele tremia. A rvore, que morrera tanto. A limpa esguiez do tronco e o marulho imediato e final de seus ramos da parte de nada. Guardou dentro da pedra.

Numa outra passagem de outra obra, Guimares Rosa diz que, quando ns dormimos, ns viramos tudo: viramos pedra, viramos planta, viramos bicho... Ele volta para o terreirinho, volta para casa l era uma saudade abandonada, um certo remorso. Nem ele sabia bem. Seu pensamentozinho estava ainda na fase hieroglfica. O que esse pensamento na fase hieroglfica? Ontem falamos do hierglifo, do cifrado... Estava decifrando o enigma do mundo, por assim dizer. Tudo novidade para ele. Tudo se amaciava na tristeza. At o dia; isto era: j o vir da noite. Ento, agora, a fala traz luz o cair da noite. S que ele diz: o subir da noitinha sempre e sofrido assim, em toda parte... No s naquele lugar. Mas em todo lugar o subir da noite cair da noite ele fala subir da noitinha sempre sofrido assim. O silncio saa de seus guardados. O ngelus o momento em que o silencio sai de seus guardados.O menino, timorato, aquietava-se com o prprio quebranto. Quebranto estar, assim, como que tomado por uma magia, um feitio, a magia da vida o imobiliza de alguma maneira. Alguma fora, nele, trabalhava por arraigar razes, aumentar-lhe alma. E, de repente, a escurido: noite. a mata, as mais negras rvores, eram um monto demais: o mundo. O mundo na sua escurido, na sua obscuridade, o enigma do mundo como mistrio insondvel, onde o nada, num determinado momento, parece tomar tudo. E trevava. Um pouco como no Evangelho que diz que, quando Cristo morreu, o mundo obscureceu, trevava. Mas do meio da escurido do mundo apareceu o inesperado, no o peru, mas o vaga-lume: voava, porm, a luzinha verde, vindo mesmo da mata, o primeiro vaga-lume. Sim, o vaga-lume, sim era lindo! to pequenino no ar, um instante s, alto, distante, indo-se. Era, outra vez em quando, a alegria.Ento o vaga-lume como irromper de uma luz de esperana no meio da escurido do mundo.

Bom, descolando um pouco da linguagem do Guimares, o que isso tem a ver com alma, enquanto batente da passagem da possibilidade de ser? Como passagem ou como estruturao do mundo? O que vocs acharam disso tudo?

Claudio: Por que ele escolheu criana? Talvez porque criana mais espontnea. Eu vivi um momento muito parecido com este que me fica na memria como uma coisa fantstica. Estava num stio com uns amigos e havia uma menininha que viu um vaga-lume. Ela entrou na sala para anunciar que tinha visto um vaga-lume. Eu perguntei a ela onde estava o vaga-lume. Ela pegou na minha mo e me levou at onde ela o tinha visto. S que ele j no estava mais l, obviamente. Ento, comecei a perguntar garotinha sobre o vaga-lume. E, ento, a alma dela se revelou, se expandiu naquele sonho maravilhoso e comeou a colocar historinhas sobre o vaga-lume. Ela contou que o vaga-lume tinha sado da casinha dele, tinha passado ali para procurar o filho dele. E eu fui embarcando em toda aquela e fiquei mais ou menos ... horas falando sobre o vaga-lume. Fiquei encantado com aquela cena e talvez muito prximo disso... entre ns adultos que queremos nos proteger desse mundo cruel.Dom Mamede: Acho que isto aqui histria de uma alma...Marcos: ... h historias do Guimares tambm sobre jagunos. Por exemplo: Veredas ali tambm so histrias de uma alma, na travessia da vida. Toda esta vicissitude da luz e da escurido da vida vai aparecendo assim...HH: ... interessante esta passagem. Como ser que ns experimentamos esta passagem do todo? Porque h um todo ali, no ?

Marcos: Cada sentir uma estruturao do todo e receber esta passagem pensar. A alegria estruturao do todo. Tristeza estruturao do todo. Esta passagem... passa ... tempo. O tempo esta passagem da alma. O tempo como aumento da alma, como expanso da alma... no assim que, de repente, vc est fazendo alguma coisa e chega uma notcia que muda inteiramente o seu dia? Ou pode ser tambm a monotonia do tempo que sempre igual, no passa... falamos, ento, de um mundo opaco... no tempo no dia-a-dia o mundo nos aparece opaco, montono. S tem um tom, no ? S uma tonalidade. Geraldo: E ns no gostamos, no ? Isso no nos faz bem.

Marcos: Nos sentimos entediados, no ? Ento, dentro do opaco, se a gente enxergar bem, h mil e mil tons...

Cludio: Vou levantar uma questo em que tenho pensado muito ... fazendo um esforo incrvel para expandir nossa alma, melhorar nosso esprito e essas decepes, opostos, alegria e tristeza e etc., ... no se d s no plano das emoes, mas, de vez em quando estou envolvido ... elevar meu esprito... meu corpo me atrai para a terra, porque ele tem uma linguagem prpria, um falar prprio que, de alguma forma, chega a ser um obstculo para minha vontade de transcendncia. E a eu caio na realidade de que eu sou um corpo e uma alma. E isso uma questo que est presente em mim. Embora estejamos falando em alma, em estar envolvidos em todo sentimento. Mas, no dia-a-dia, no s essas decepes, digamos emocionais, mas prprio fsico que se manifesta, s vezes, em momentos inesperados... quer uma doena, uma dor seja l o que for. Ento a questo : como estabelecer esta relao e como conviver com a relao entre o espiritual e o fsico, com suas linguagens conflitantes, com desejo ou vontades que todos ns vivemos?HH: ... no sei se no grande bobagem, mas, ontem eu estava pensando: ser que a coisa aqui no est virada? Eu sempre pensava que o espiritual claro, o espiritual brilhante. O espiritual no opaco. O corporal opaco, deixa a gente cego. Ser que no o contrrio? O claro, ntido, palpvel, distinguvel o corpo. Quanto mais deixa de ser corpo e aproxima da alma fica escuro. Porque os medievais quando chegam ao mximo de esprito, eles chamam isso de calgine, escurido que nem pinche. Ser que a gente no transfere coisas do corpo pro esprito e de interpretao em interpretao faz o contrrio? Pode ser uma bobagem, mas quer ver?; por exemplo, eu estou acordado e digo: daqui a pouco vem o almoo, e estou com uma fome danada, ento a imagem do almoo cheia daquelas coisas, ntida, no ? Mas quando o corpo est ruim, estou doente e no tem mais vontade de comer etc., etc. ... ento, estou meio dormindo, no acha? tudo comea a ficar escuro, eu no sinto mais nada... estou morrendo, ser que quando comeo a ficar escuro, essa nitidez do desvelamento comea a escurecer, ser que no est aparecendo o velado ... ento morrer no seria propriamente acabar, mas adentrar o que estava p. ex. em Cristo escondido. E, ento, isso pode ser o centro de tenso.Deusdete: Essa escurido de que o senhor est falando passa a ter um sentido novo, como clareza na vida, no ? Eu no sei se se trata da questo da filosofia com a cincia. Quando a gente comea a estudar filosofia, uma das primeiras questes que nos apresentada o mito da caverna. A caverna escura, mas de l do fundo da escurido da caverna que surge o conhecimento das coisas, a clareza das idias.Geraldo: o que significa a palavra syntnica?

HH: ... quando falamos de passagem, porque essa passagem de uma totalidade a outra e o todo no parte, no pode haver soma de todo(s). Esse modo de ser do todo, aparece bem no tom, na msica. Na msica tomemos a musicalidade como tonncia. Por exemplo escutando msica na escala menor e ali nessa escuta a msica passa da menor maior, a tonncia de todos os tons muda da escala menor para maior. Tanto os tons da escala menor como os tons da escala maior so impregnados pela tonncia e dentro dessa tonncia, como toda, surge a tonncia menor e maior impregnando todos os tons. Aqui no se passa de um tom para outro, aqui a passagem se faz cada vez do todo para dentro de cada um dos tons. E sempre se guarda simultaneamente o tom concreto cada vez seu na sua tonncia prpria como que impregnado de tonalidade onipresente e onipregnante em todos os tons. Esse fenmeno designado pelo termo syntnica, a modo do termo sinfnica. Claudio: Na criana, essa passagem muito marcante. Na medida em que a gente vai passando por vrias situaes, a gente vai racionalmente procurando um equilbrio. Eu no sei o que esse equilbrio. uma busca racional ou uma obsesso? Por isso que, s vezes, me pergunto: o que primordial? Porque o meu amadurecimento em funo dessa motivao se deve a isso ou a alguma coisa maior do que isso?HH: ... corpo e alma..., os junguianos falam de individuao. Como ser a vivencia disso? Ento a gente comea de longe a suspeitar...: algo que no se deixa encaixar a dentro do que se sabe, por ser no seu todo inteiramente novo, de sorte que poder ser terrvel, poder ser maravilhoso nada dizem. Mas em toda essa fala terrvel, maravilhoso, mesmo dizendo que tudo isso nada diz, por ser totalmente nada do que sei por ser um todo inteiramente novo eu ainda estou aqum, desse lado, pois, ainda no sou a tonncia do inteiramente novo. Mas, ento como que percebo isso? Ser que isso no aparece na escurido... como calgene? to radicalmente outro, que toda e qualquer referncia perdida, mas nesse perdida, por um instante, eu vislumbro que deve ser uma coisa inteiramente nova... mas o sofrimento que experimento a partir do lance em que estou, sempre como morte, escurido etc.: Ento esse radicalmente outro alma! E a mesma coisa, mas virada para l, e para c o corpo. Ento, corpo aparece como claro, como ntido, eu sei, eu posso, eu tenho, eu sou. Mas, ao mesmo tempo, o assim chamado no limite, que no como que plenitude do corpo comea a insinuar longinquamente como... inteiramente novo, mas que aparece como escurido, morte.Marcos: ... tudo o que ns vemos sempre graas luz e escurido. Se s luz, no vemos nada. E se s escurido, tambm no vemos nada. Ento ns s vemos na luz e na escurido.HH: S que na luz como (alma|corpo) pode ser que a luz que nasce da escurido. Escurido como abismo insondvel de possibilidade de ser: o nada.Marcos:... como vaga-lume.Marcos: O corpo eu posso.HH: Eu posso, eu quero, eu sei.Marcos: O corpo eu posso, eu quero, eu sei. Isto o corpo que nos coloca no desvelar do mundo.HH: ... Ento, alma este batente da passagem...Marcos: Quando o limite do eu posso, eu quero, eu sei desafiado, est aumentando a alma.HH: Alma como batente da passagem quer indicar que passagem no deve ser entendida como um espao esttico, algo como fenda, janela, buraco, por onde passa algo num movimento retilneo, flecha. Batente aqui quer indicar aquela porta que abre para dentro e para fora, num movimento simultneo tal que ao abrir fecha e ao fechar abre, transmutando o sentido de dentro e fora a cada momento, numa implicncia de participao simultnea diferenciada de dois momentos do mesmo.

Alma, assim, como que passagem do corpo e esprito e vice-versa numa dinmica de concreo Encarnao, toda prpria que caracteriza o ser do homem como finitude agraciada. nesse sentido que o trao de unio e de diferenciao (-) da palavra a-ltheia expressa a essncia do humano como finitude in-finita e in-finidade finita: Jesus Cristo, Deus humanado, a quem seguimos. Marcos: ... num in-stante, Augenblick em alemo, a saber, um piscar de olho da ad-mirao do encontro, l onde (no Da do Da-sein = ex-sistncia) cai um miligrama de morte... esta passagem e cada nova passagem, se estrutura qual um novo mundo, uma outra tonalidade da synphnica uni-versal.HH: ... porque batente porta de retorno salvao, sade originria, alma phsica de um outro incio, antes de toda e qualquer meta-fsica.Dbora: ...escurido... ento rapidinho vc comea a ver as coisas no escuro, no isso que acontece com a gente?HH: Na mosca, isso mesmo! Geraldo: L, em Cocalzinho, a escurido escurido. Parece que ela entra pelos seus olhos e toma conta de todo o seu corpo. Aquilo me assustava e eu preferia ficar de olhos fechados.Regina: A primeira vez, l, em Cocalzinho eu senti at falta de ar, sem contar as pererecas...

Marcos: Mas, na passagem da tristeza para a alegria, tambm no h morte? Regina: Sempre morte, no ?

Marcos: Nesta passagem da tristeza para a alegria, o que morte ali?

Dbora: Transformao! isso!, no ?

Cludio: No sei se morte a palavra mais adequada para isso. uma transio. H um momento em que vc. apaga o passado e se abre para o futuro. Por que chamar isso de morte?

Marcos: Morte, ento, como toque do nada...Geraldo: escurido...Marcos: Morte no no sentido de acabar, falecer, mas um toque do nada. E nesse toque do nada tudo se estrutura de outra maneira, novaboa, como boa-nova.

Regina: No , pois, esticar a canela!Marcos: Ser porque temos tanto medo de falar da morte?HH: H gente que fala muito destemidamente da morte, assim neutro, indiferente. Essa indiferena da morte no podia ser rigidez da morte: est-se duro de medo.Cludio: No medo. porque morte significa morrer. Mas ali no. uma transformao. Voc cresce.HH: Essa fala da transformao, do crescimento... no para anestesiar o medo?Marcos: O que significa morrer?

Fbia: Extino!

Cludio: No estou falando isso. Esta passagem especial, uma passagem de crescimento... Marcos: No se trata de uma passagem de transio. Trata-se de um salto.Cludio: De um salto qualitativo. Tem que ser uma expresso otimista, ou seja, vc cresceu...

Dom Mamede: O senhor no est entendendo transformao como processo gradual...? ... e no !

Deusdete: Fui missa com meu filho de 8 anos. L o padre perguntou quem queria morrer e ir pro cu. Eu levantei a mo. Chegando em casa, me filho contou me: na missa, o padre perguntou quem quer morrer e o pai levantou a mo. Fui para o trabalho me colocando o problema: o que a morte, o que a ressurreio, o que a vida?

HH: ... uma espcie de presena, independentemente se a palavra boa ou no. Os budistas entendem esta presena como algo que se pode ver. Eles contam uma histria que parece gozao. Mas no gozao. Havia um mestre Zen, iluminado e que gostava de tomar cachaa. E ele ficou muito doente. Ento, chamaram um mdico famoso. O mdico viu tudo o que ele comia etc., etc. e tirou a cachaa. Disse-lhe: O senhor no pode mais tomar cachaa. O senhor tem que tomar esse remdio, aquele remdio, esse outro remdio.... Por quanto tempo? perguntou o mestre zen. At o fim da vida, respondeu o mdico. Ento, o mestre piscou para o mdico e perguntou: O senhor toma cachaa? e ele respondeu: Eu no! Jamais! Sou abstmio. O mestre piscou de novo para o mdico e exclamou voltado a si, para com seus botes: Ento, ele, nunca viveu!

Marcos:... mesmo!... ele j est morto.

Cludio: Li algo uma vez, que achei interessantssimo porque real , que diz o seguinte: S h vida, quando h morte. A manuteno da vida depende da morte, ou seja, para ns nos mantermos vivos, teremos que almoar, ou seja, vamos ter que comer verduras... coisas vivas e depender da morte delas para nos manter na vida. Ento esse conceito de morte, esta relao pode ser estendida para outras situaes que no... ou seja, esta evoluo pode se dar por etapas, mas na passagem de uma etapa para outra, acho que morte no seria a palavra mais correta.HH: L em Paranagu, h algum tempo, num acidente, um carro rolou se arrebentou todo l embaixo. S que a pessoa que estava l dentro no morreu, teve arranhes, e saiu-se arrastando do carro e subiu a rampa, para a estrada. Uma vez no asfalto, comeou a gritar: Viva! T vivo! Graas a Deus! Digamos que ele fosse ateu. Cherteston disse uma vez que para um ateu deve ser terrvel, no dia de tamanha felicidade no ter a quem agradecer. Que presena essa to humilde e discreta que sempre se retrai, a ponto de acharmos que tudo natural, bvio, sabendo tudo? D para ligar essa histria com a estria acima zen?

Marcos: E essa presena total a cada vez. Ela no tem mediao, evoluo, transio... sempre a cada instante toda.HH: Na expresso: Eu estava morrendo, morrendo... e... estou vivo!. Esse estou vivo no tem mediao. J est do outro lado, aqum da vida e da morte, i., na Vida. Portanto, o outro lado no o alm mundo...! presena abissal.Marcos: A Cada instante ns estamos nessa presena: cada instante o primeiro e o ltimo, no !?

Corniatti: No entendi o que esse toque do nada. Que isso?Marcos: ... se cada instante nico, o primeiro e o ltimo instante da vida e quase nada medeia a passagem de um instante para outro, isso o toque do nada.Claudio: vc tem medo da morte? Pergunta que no faz sentido. Porque se j morri, estou morto e se ainda no morri, estou vivo e tenho que dar graas a Deus. Na verdade, a gente tem medo do morrendo e no da morte.Dom Mamede: Por isso que os psiclogos nunca podem dizer: isso um caso disso, um caso daquilo E quando o dizem, o encontro j virou h muito tempo na psicologia caso.Regina: Estava demorando pro senhor Bispo pegar no nosso p.

Dorvalino: Nos atos ato de S. Francisco tem um lugar, onde se relata que So Francisco curou o leproso, cuja vida durou s 15 dias, mas tido como grande milagre. O texto diz que o leproso no agentava a lepra dele... blasfemava contra Deus, Nossa Senhora. Ento S. Francisco destacou dois frades para cuidar dele. S que os frades no agentaram o leproso e foram falar com SF e SF foi e comeou a cuidar dele. E na medida em que o ia lavando, o leproso comeou a se converter, comeou a ficar limpo por dentro e por fora. Ento ficou curado, s que morreu logo.HH: Com Lzaro foi a mesma coisa. Com ele, a quem Cristo chamou do tmulo, mas depois morreu.Marcos: ... h um modo de estar doente na sade e de estar sadio na doena. Portanto, sade est ligada questo da qualidade da relao com a sade ou com a doena.Parte IIIMarcos: A respeito da arte. A arte no visvel, mas torna visvel. Em geral a gente pensa que a arte uma imitao, uma reproduo do que a gente v, como se ela tomasse o que a gente v no dia-a-dia de maneira opaca e o representasse de maneira mais viva, mais bela. Com relao a isso, h uma anedota de um pintor francs que algum diante de uma de suas pinturas lhe teria dito: um brao desta mulher est mais longo. E o pintor retrucou: Isto no uma mulher. uma pintura. Ns costumamos pensar a arte assim, no ? Como se fosse uma reproduo do visvel. Mas a arte no uma reproduo do que a gente v, mas um fazer ver.E neste fazer visvel ela sobretudo a arte moderna vai mais deformar o que a gente v do que propriamente reproduzir o que a gente v. Quando voc v um quadro de um pintor moderno, quer seja um quadro abstrato, quer seja outro estilo moderno, a gente se depara mais com uma deformao. Por exemplo, o jeito como Picasso pinta o rosto de uma mulher: com trs narizes... diversas faces ao mesmo tempo, coisas desse tipo... tudo na forma geomtrica... Mas qual o sentido dessa deformao que a arte moderna atua?

Paul Klee entende assim: Normalmente quando a gente olha para a realidade a gente v tudo constitudo, tudo formado e pensa que isto o real. Ento ele diz que isto que a gente v quando a gente olha ao nosso redor para o mundo para as coisas... isto apenas uma forma terminal, uma forma final de um processo. Ele chama este processo de processo criador. Neste ato criador esto atuando continuamente formas. Estas formas eles chamam de foras formadoras. Em geral, entendemos mal a palavra forma. Ns identificamos forma com uma coisa dessas. Ao passo que, na arte, formas so foras criadoras, configuradoras, estruturadoras do real, aquelas foras que atuam na gnese do processo de alguma coisa.

Ento, este o processo criador ou gnese. Na arte o que est em questo este processo criador. Mas, tambm na natureza. A arte assim como a natureza gnese, criao. A gnese o movimento que causa o devir, est continuamente transformando possibilidades em realidade. Est continuamente possibilitando que formas se tornem visveis. Por exemplo: uma rvore no somente o que estou vendo ali, diante de mim. A rvore uma gnese, uma ponta final de um processo criador, de modo que a forma da rvore no o aspecto que ela tem a meus olhos, a forma da rvore so possibilidades de vir a ser, de se estruturar que ns chamamos de rvore. Assim as rvores nascem, crescem, morrem, desaparecem... mas esta possibilidade chamada rvore sempre uma possibilidade que subjaz na natureza.

A esta possibilidade de tornar-se, de vir a ser o grego chamou de idia. Idia ou eidos esta forma criadora ou geradora do real. Pode ser chamada tambm de arqutipo, a idia, estas formas geradoras.

Podemos dizer que, para Eckhart, a alma aquilo que contm todos os arqutipos nela mesma. A alma imagem de Deus, portanto do arqutipo primeiro, Deus. A alma arqutipo deste arqutipo, arqutipo de todos os outros arqutipos. No fundo, est sempre o ato e a idia. O ato como a dinmica, potncia de fazer vir a ser.

Aristteles falou de trs momentos desta potncia: dynamis, enrgeia e entelcheia. Dynamis que traduzimos por potncia a pujana da possibilidade de criar. Energia de onde vem a palavra energia significa aquilo que est em obra. Depois, temos a entelcheia que estar no tlos, na consumao.

Ento uma obra, quando est sendo criada tem momento em que ela possibilidade, que ela est vindo a se realizar, vai tomando formas justamente, e o momento em ela entra numa consumao.

Qual a funo do artista? ser aquele que organiza a passagem dos momentos. Ele diz: o artista organiza a passagem fugidia dos fenmenos desta experincia. Ele capta as possibilidades de vir a ser, ele segue os ductos que conduzem das possibilidades para a realidade as obras. algo assim como o escultor v uma pedra e na pedra v o arqutipo da Madonna, da Piet, por exemplo, e nele deixa passar aquele arqutipo da Piet na pedra, da pedra para a pedra.

Se fosse para comparar a arte com uma rvore, o artista no a raiz da obra de arte, no propriamente o autor da obra de arte. Por isso que antigamente, os artistas nem assinavam suas obras de arte. O artista apenas uma passagem. A raiz essa potencia criadora, essa gnese da realidade. O artista a passagem desta potncia que transforma possibilidades em realidade. De modo que ele diz que o artista haure as possibilidades de ser e as transforma, as plasma por meios que lhe so prprios: pintura, escultura, msica... Aquilo que so possibilidades num estado de sonhos, fantasias... ganham luz claramente num estado de realidade.Portanto, para a arte o mais importante no o que , mas o que pode ser. No o real, mas o possvel. A arte um saber que domina por assim dizer, que media este processo de aparecimento, de transformao do possvel no real.O artista como tronco que haure as seivas das profundezas do mistrio da vida da pedra e transforma estas seivas em frutos e flores das obras de arte que ele produz.

Ento, tudo o que colocamos aqui para tentar entender o que batente da passagem da possibilidade de ser, l na pgina 6: Trata-se, antes, do ponto nevrlgico da estruturao do ser do homem como batente da passagem da possibilidade de ser; como a toada da percusso do toque do ser como repercusso syntnica constitutiva do mundo.

Poderamos conversar um pouquinho sobre isso...Cludio: Ronaldinho Gacho no final daquelas partidas brilhantes que ele costuma fazer, um reporte lhe perguntou: Como voc domina esta tcnica? ele respondeu: Eu no sei o que tcnica. O Ronaldinho vislumbra jogadas e as transforma em arte, diferentemente daqueles garotos que vo nas escolinhas de futebol e aprendem um monto de tcnicas, no tm esse vislumbre que o Ronaldinho Gacho tem. Seria por a?

Marcos: Na linguagem do futebol, tcnica significa justamente arte. Muitas vezes os jornalistas analisam o time sob o aspecto ttico e tcnico. s vezes dizem: Este time joga certinho, mas no tem tcnica. No tem este vislumbre, no tem arte. A palavra arte traduo do grego techn. a mesma palavra. No futebol a palavra tcnica guarda o sentido original grego. Por exemplo, a Marta, jogadora da seleo feminina de futebol, fez aquela jogada genial na partida contra os Estados Unidos. Ali ela captou a possibilidade possvel e a transformou em realidade. Ela teve a inteligncia da arte. Ali ela intelecto. A Marta intelecto naquela jogada.Debora: Ela intelecto ou a paixo?

Marcos: O intelecto a paixo consumada e a raiz de toda paixo.

Dbora: Intelecto a raiz da paixo?

Marcos: O que paixo? Paixo recepo. Paixo vem de passio, que significa receber ou sofrer. Intelecto uma paixo to pura, originria, que ela recebe haure... intelecto esta paixo criadora originria.HH: Intelecto significa ler entre linhas. E no alemo, a razo Vernunft que vem do verbo vernehmen que conota o sentido de receber. Talvez o ttulo do famoso livro de Kant A Crtica da Razo Pura, poderia, quem sabe, ser entendido como O discernimento feito pela pura recepo.Marcos: O ttico s l as linhas: a defesa est assim, o meio de campo daquele outro jeito, h a possibilidade de ir desse ou daquele modo, por esse ou aquele lado ... O tcnico v entre linhas, vislumbra possibilidades que no esto evidentes, v de antemo uma possibilidade que ningum viu. Na linguagem de Eckhart isto intelecto.

HH: O pior que ele diz que intelecto a Segunda Pessoa da Santssima Trindade.

Marcos: Pior que isso que ele diz que Filho de Deus.Cludio: Por que intelecto o Filho de Deus?

Marcos: Por que a criao vem do intelecto de Deus. Todas as coisas passam a ser na medida em que elas so pensadas por Deus. Deus intelecto criador, enquanto intelecto criador as coisas so na medida em que Ele pensa, mas este pensar , por assim dizer, amar, querer a criao. Ento, o Filho o pensamento de Deus, o Verbo, a Palavra Criadora de Deus. no Filho que tudo passa da pura possibilidade para a realidade. Ento, o filho o medium, o meio da Trindade. E o Filho no faz outra coisa seno receber. Ele pura recepo da Vida Criadora de Deus. Ele comunica esta Vida. Ento, no homem a alma a imagem do Filho. O intelecto de Deus o arqutipo da Alma. Dessa maneira, que na alma esto todas as possibilidades do mundo.Regina: Jesus diz: Quem me v, v o Pai, v Deus.

Marcos: Cristo possibilidade que tem homem. Cristo est espalhado no mundo todo ... no homem isso se chama arte ...O Medieval, quando falava arte no entendia somente as artes belas, mas ... homem produzir dimenses novas para esclarecimento das coisas. Arte todo trabalho artesanal. Todas as cincias eram artes. Eram artes liberais. Eckhart tem um texto que fala de artes adulterinas e artes liberais.

Adulterinas so as artes mecnicas, ele diz, em que o homem perde sua capacidade de saber, de entender e criar em funo de alguma coisa que no o prprio criar. Ento, quando fazemos as coisas em vista de um fim, que no seja aquilo que est fazendo, ele diz: isto no livre, ainda est adulterino.Quando faz pura teoria, quando entender est em funo do prprio entender, sem nenhuma finalidade de aplicar aqui ou ali, ento livre- ele diz. Essa teoria onde o intelecto mais se realiza.

Claudio: Todos os grandes msicos compunham sob encomenda, como meio de sobrevivncia, todos tinham um patrono seja Mozart, Beethoven, Bach... Ento a arte deles era uma arte adulterina?

Marcos: Mas, por que eles no iam ser carpinteiros ou trabalhar em Bancos etc...?

Corniatti: Entendi assim: no era possvel ao artista ser outra coisa se no artista.

Marcos: Se artista fizesse sua arte para agradar a si ou agradar o outro, no estaria a servio da arte.Dbora:... Para agradar o outro seria uma tecnologia, com o fim de uma produo?!?

Marcos: A cincia arte livre quando ela pura teoria. O problema que hoje as cincias esto sendo tecnolgicas at raiz.

Dbora: Pura o qu? A teoria? A utilidade? A Prtica? D uma idia, por favor!

Marcos: Teoria contemplao. Contemplao a atitude de pura recepo diante do desvelamento. Agora, para ser terico, voc tem que ter um engajamento terrvel. Para ser receptivo, voc tem que se empenhar muito mais do que para ser prtico.HH: Receber passivo, no no sentido contrrio ao ativo. Recepo ao muito mais intensa, uma ao toda prpria.

Dbora:... voltando ao que se estava falando, tecnologia pode-se chamar arte!?!

Marcos: A raiz da palavra tecnologia arte. Quando algum inventou a lmpada eltrica, no inventou somente uma coisa nova, mas inventou uma dimenso nova de aparecimento para novas coisas. Tudo o que eltrico, por exemplo. Ele descobriu um arqutipo. A lmpada, neste caso, um arqutipo.

Geraldo: E, neste ponto, o inventor o meio disso.

Marcos: Sim, ele a passagem, o orculo disso, o mdium dessa passagem. A porta batente do saloon. Por isso, em tudo h arte. Arte no s a criao ou a produo esttica.Claudio: Arte adulterina no est clara. O que adulterino? Lembra adultrio!

Marcos: Eckhart, fala de arte adulterina comentando o Livro da Sabedoria. L o Sbio diz que escolheu a Sabedoria por esposa. Eckhart faz uma etimologia, que os fillogos hodiernos no aceitam, segundo a qual mecnica viria de outro verbo que significa adulterar.

HH: Mquina, maquinar...

Marcos:... mesmo a produo em srie tem que manter o nvel daquela possibilidade que foi descoberta por ele. Agora, qual a relao da tecnologia moderna e a arte, uma questo. Em Goinia h um designer chins que fica observando o cerrado para dele tirar novas formas, para relgios e outros utenslios.

HH: ... ele v uma rvore e entra nela, sobe na fora criadora que fez com que aquela rvore fosse forma terminal e entra dentro dela ... e faz outra paisagem. Ele cria outra paisagem, lendo na paisagem que existe, mas entrando para dentro.Marcos: Ele diz: o mundo que vemos uma das possibilidades de infinitas possibilidades de criao. Ento seria possvel irmos do modelo ao arqutipo do que ns vemos diante de ns... a foras geradoras, ... dinmicas da criao. Assim podemos dizer que o mundo poderia ser de mil e mil formas diferentes, poderia ter muitas outras configuraes. Intelecto a capacidade de ver e deixar aparecer a gnese do mundo.

Geraldo: E que perdura eternamente, a partir de ento.

HH: E que perdura enquanto perdura. Porque falando eternamente muda o sentido. Fica como que imutvel.

D. Mamede: Tem princpio que infinito.

Marcos: Ponto de salto: Ansatz, em alemo.

D. Mamede: ... quem aprendeu a ler, mesmo que no pratique mais o ler, no pode mais viver como quem no sabe ler.

HH: Por que essa preocupao que dure sempre?

Geraldo: Princpio da relatividade, por exemplo, aquilo que a partir do momento que foi criado existe.HH: Mas esta idia de princpio no contra....

Geraldo: na cincia, nada final. um princpio que perdura, uma lei...

HH: Mas isso no principio, no. Pode ser primeiro momento de um tipo de princpio. Princpio no est relacionado com durar ou no durar. Princpio tem que ser lance do todo, que, conforme o todo, pode durar ou no durar.

Corniatti: Pode acabar o Franciscanismo e daqui a 200 anos renascer.Marcos: Poder-se-ia perguntar: A relatividade antes de ser descoberta existia ou no existia?

Murmrios coletivos dos participantes: Existia, existia....

Geraldo: Fala-se que j existia na natureza. Mas so interpretaes pessoais.HH: No se contrabandeou a dentro uma compreenso de durao e do existir que de outro tipo? Algum poderia dizer: Deus existe eternamente? Existe. Ento igual a pedra? No. diferente de pedra. Quando dizemos eternamente, estamos falando de qu? Durao a modo de pedra, que no acaba mais? E a mira dos olhos no in-stante do encontro, dura a modo de pedra eternamente?Corniatti: ... ento, franciscanos existem desde antes de S. Francisco!

HH: ...Uma quantidade eterna que no muda mais, isto seria Deus existente? Introduziu-se a compreenso de algo a dentro. Deus existe? Sim. Pedra existe? Sim. Pulga existe, cachorro existe? Sim. Mas...: Ento a existncia de Deus igual existncia de pedra cachorro e pulga? Voc diz: no! No pode ser no sentido de existir da pedra nem da pulga, muito menos de Deus existe, que costumo usar essa palavra existe, quando afirmo Deus existe.... Se eu ento me torno mais atento a esse tipo de atesmo virtual existente em ns cristos, estou desdogmatizando a minha f ideologizada conforme o tipo de compreenso do ser e do ente, a modelo de algo, coisa, isto e aquilo, e me coloco de alma e corpo na busca de Deus.Dbora: Mas Deus existe na pedra e na pulga?

HH: No no sentido de existir que damos, sem pensar, no nosso uso cotidiano. Alias, nem a pulga existe no modo de ser da pedra. Se pulga existisse que nem pedra no acabaria mais, seria uma pulga rob com a resistncia de ao cromado. o mesmo tipo de compreenso do ser quando ao falar da grandeza da maternidade de Nossa Senhora, eu a exalto dizendo que a sua maternidade media 13.000 metros, maior do que a grandeza do monte Everest. Hoje, pode existir ateu muito mais sensvel e prximo do prprio da divindade, do que essa maneira superficial e opaca nossa de falar sem mais sem menos de Deus, usando-o para a nossa utilidade, seja material, emocional, afetiva, anmica ou espiritual e mstica.Deusdete: Ainda sobre o modo de existir de Deus? Como isso? Existe outra concepo de existir?

HH: ... Sim. H muitas! Deus existe, a palavra existe, aplica-se a Deus. Pulga existe. Aplica-se pulga... Ento, a palavra existir no uma palavra que diga: isso! Na filosofia dizemos que a compreenso da palavra como existir, existncia, ser, ente, , no , ambgua, distinguindo-a da unvoca e equvoca. Em vez de ambgua pode-se tambm dizer, na filosofia, anloga, ou analgica. D. Mamede: No modo de ser, no sentido do ser, Deus no tem nada a ver com pedra. No h nada de pedra em Deus. Deus Existe, pedra existe... Ento ou a palavra existe no significa simplesmente e univocamente isso que eu entendo quando digo existe, , ser, ou ela assume cada vez analogicamente, ambiguamente sentido do ser correspondente ao ser de cada ente correspondente do qual se est falando.

Deusdete: Deus no existe. Deus !

HH: S que quando dizemos que Deus , estamos tomando esse por um tipo de existir. Nos manuais de filosofia esses pontos no so explicados suficientemente. Ento, a compreenso de Deus que vem tona muito coisal.

Claudio: Vou lhe fazer uma pergunta: o que voc entende por Deus?

HH: Olha, essa pergunta no d para responder assim como o senhor perguntou. Pois no modo da sua pergunta o qu eliminou a possibilidade de falar do Deus de Jesus Cristo, do Pai... H ali nesse o que um atesmo implcito ao percebido.Cludio: Ento, fale sobre Deus!

HH: O que foi dito acima de o que na sua boca, pode se dizer do mesmo modo desse falar sobre Deus. Deus no coisa, no objeto sobre o qual possamos falar. Quando