psicologia moderna

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SEGUNDA PARTE O COMPORTAMENTO E AS FORCAS QUE ATUAM SOBRE ELE Ê exatamente a busca de objetivos que faz do comportamento um ato integrado. O organismo como um todo se dirige para um objetivo quando sente que o valor deste é superior ao gasto para alcançá-lo. (David Birch)

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SEGUNDA PARTE

O COMPORTAMENTO E AS FORCAS QUE ATUAM

SOBRE ELE

Ê exatamente a busca de objetivos que faz do

comportamento um ato integrado. O organismo

como um todo só se dirige para um objetivo

quando sente que o valor deste é superior ao

gasto para alcançá-lo. (David Birch)

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Comportamento humano, objeto da Psicologia

Uma das maneiras de encarar o comporta­mento é considerá-lo produzido por forças que atuam dentro do indivíduo e forças exteriores ao indivíduo. (L. Lindgren)

O que acontece quando o indivíduo "age" — quando se move ou executa uma seqüência de ações?

Às vezes, o indivíduo é literalmente empurrado para agir de deter­minada maneira. Outras, existe nele um sentimento que o leva à execução do ato, mas, o mais provável é que seu modo de agir seja o resultado da interação de várias forças, tanto internas como externas. Por forças "internas" designamos nossas necessidades, desejos, ansie­dades, interesses, sentimentos de culpa etc. Por forças "externas" com­preendemos as exigências da sociedade, recompensas, perigos, ameaças e as expectativas de outras pessoas. Muitas vezes é difícil dizer onde termina a pressão interna e onde começa a externa, e a distinção entre forças internas e externas não é muito clara ou precisa. Todas as forças são, até certo ponto, tanto externas como internas.

Por exemplo, dona Alice pede à pequena Marilene que preste atenção à aula, advertindo-a de que as crianças não devem conversar quando a professora está falando. Marilene pára de falar e presta atenção à professora. Em parte, ela o faz devido à atuação de forças externas: o pedido da professora, o fato de a professora esperar que

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ela obedeça, a circunstância de que todos os alunos da classe estão olhando em sua direção, a atmosfera da sala de aula etc. Mas a con­duta de Marilene também depende de forças internas: o respeito que ela sente pela autoridade, seu desejo de agradar à professora, de ser uma criança bem comportada, e também sua aversão a ser o foco de atenção de toda a classe.

Embora a tentativa de distinguir forças internas e externas pareça introduzir uma nota artificial na nossa análise do comportamento hu­mano, ela nos auxilia no sentido de obtermos uma melhor compreensão do mesmo.

QUE VEM A SER COMPORTAMENTO?

Comportamento é uma ação empreendida por um organismo em resposta a um objetivo do meio interno ou externo. Se alguém está sentado e de repente lhe vem à cabeça: "Preciso falar urgentemente com o Dr. Silva" e levanta-se e sai, realiza, assim, um comportamento.

Podemos, também, definir comportamento como uma reação global ou um conjunto de reações do organismo que podem ser observadas objetivamente.

Diz-se "observadas objetivamente" por se tratar de um objeto de pesquisa ao alcance do método científico, empregado pela Psicologia. Por "reação global", queremos significar aquela em que entra o orga­nismo como um todo. Se for aplicada uma ligeira alfinetada numa pessoa que está dormindo ou distraída, ela poderá recolher o pé, sem perceber que o está fazendo. Essa reação reflexa não atinge o orga­nismo como um todo, é mais um fragmento de comportamento ou uma resposta reflexa. »

Um comportamento, normalmente, implica uma seqüência de ativi­dades orientadas para um objetivo. Todo comportamento ou atividade tem uma causa atual que o produz. Uma pessoa está caminhando de forma vagarosa. A causa pode ser um estado de depressão, uma per­turbação de natureza física ou psíquica, como pode ser simplesmente seu modo habitual de andar. Quando se observa alguém mudar seu padrão de ação, pode-se levantar a hipótese de que houve alguma causa responsável por tal mudança, pois todo comportamento possui causa.

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PARA COMPREENDER O COMPORTAMENTO

Há dois tipos básicos de comportamento: o consumatório e o ins­trumental.

Comportamento consumatório é aquele em que a ação se realiza na execução e na consumação do próprio objetivo. O ato de jantar e de tomar banho, por exemplo, se constitui numa série de atividades que se sucedem para a consecução desses objetivos.

Comportamento instrumental é uma série de atividades em prol do objetivo que deverá ser conseguido.

Jogar na loteria esportiva, isto é, preparar o jogo, ir à loja, marcar o cartão, pagar, receber o troco é um comportamento instrumental ou consumatório?

Ganhar o "bolão", acertar os treze pontos ou, mais precisamente, receber o dinheiro e começar a gastá-lo, é um comportamento consu­matório ou instrumental?

Para a primeira interrogação a resposta é instrumental e para a segunda, consumatório.

Os comportamentos instrumental e consumatório são interdepen­dentes. Depois da atividade instrumental, segue normalmente a consu-matória.

A atividade instrumental é dirigida para o objetivo e a consuma-tória é a execução e a consumação do objetivo visado pela primeira.

A intensidade da atividade instrumental aumenta à medida que esta se aproxima do objetivo. Imagine a intensidade da busca de água (o objetivo) por alguém com muita sede. Avistando o bar ou o bebe­douro, não se contenta em caminhar, corre. Na atividade consumatória dá-se o contrário, a intensidade decai à medida que ocorre o consumo. Na consumação de um chocolate desejado, por exemplo, a intensidade sobe até um ponto máximo e depois começa a cair à medida que ocorre a saciedade ou a redução da necessidade. Há um efeito enfra-quecedor na atividade consumatória. Sua curva aproxima-se da forma de um U virado ( D ) representando a ascensão rápida das energias, o ponto culminante e o declínio. Talvez esta característica do'compor­tamento consumatório explique a fugacidade da moda. A princípio, o consumo da novidade é intenso, atinge um máximo. Se é música, passa a ser tocada com grande freqüência, e com a saciedade ou anu­lação do estímulo vem a fase descendente do comportamento consuma­tório, chegando a ponto morto.

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O COMPORTAMENTO INSTRUMENTAL

O comportamento instrumental apresenta vários elementos. Cronbach, psicólogo contemporâneo, apresenta sete elementos fun­

damentais: Objetivo. Nível de amadurecimento. Situação. Interpretação.

Resposta. Conseqüência. Reação ao obstáculo.

Expliquemos cada um destes elementos:

Objetivo. Qual seria o objetivo do comportamento daquela jovem que, de repente, levanta-se e diz: "Preciso falar urgentemente com o Dr. Silva"? Todo comportamento dirige-se para um objetivo, um alvo, uma finalidade qualquer. A função do objetivo, no comportamento, é dirigir a ação.

Qual o objetivo deste comportamento que se chama "estudar"? Ou desta série de comportamentos que se chama "fazer o curso secun­dário, fazer o curso superior"? Haveria neles um só objetivo, ou vários?

Nível de amadurecimento. Qualquer comportamento tem uma condição sine qua non: o amadurecimento para fazê-lo. Sônia, a moça que procura o Dr. Silva, é capaz de se dirigir ao consultório de um médico porque já tem 23 anos. Aos quatro, seis, oito anos não ia, sozinha, ao centro da cidade consultar um médico.

Montar a cavalo, dirigir automóvel, escrever à máquina, cada uma dessas atividades exige amadurecimento. O nível de amadurecimento consiste, pois, na soma total de padrões de respostas e habilidades que possui o indivíduo em determinada fase do seu desenvolvimento.

Situação. Consiste no conjunto de elementos, tais como coisas, pessoas, símbolos, qualidades, tudo, enfim, que possibilite a consecução do objetivo. Para Sônia alcançar o Dr. Silva, tinha necessidade de um conjunto de elementos, sem os quais seria difícil chegar até lá: um sistema de transportes, dinheiro, certos preparativos indispensáveis etc. Outro exemplo: os romanos e os gregos desenvolveram pouco a Aritmética, por não possuírem símbolos apropriados. Tente fazer uma pequena conta de divisão com algarismos romanos.

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O comportamento é uma estrutura, isto é, uma totalidade resul­tante da união dos elementos que chamamos de situação. A polícia encontra um decorador morto com sete tiros, num. ponto turístico da cidade. O assassinato foi um comportamento. Houve, portanto, um conjunto de elementos, relacionados entre si, formando um todo, uma estrutura, da qual resultou a ação. Por exemplo, o decorador era pes­soa de vida irregular, queria agora desquitar-se de uma senhora velha e rica com quem se casara, por interesse. Os parentes não aceitavam esta situação. Ora, tais elementos se estruturaram de tal modo que o assassinato resultou, de modo fácil, da situação.

Interpretação. É a análise dos elementos da situação feita pela pessoa. Nem sempre os elementos a escolher (os meios) para alcançar o objetivo são tão simples. Quantas vezes não ficamos perplexos entre este e aquele caminho a seguir! O ato interpretativo é fundamental­mente um ato de inteligência. Os que têm inteligência intuitiva, rápida, num insight (vide glossário) percebem os elementos adequados para o objetivo. Nos de inteligência mais analítica, a interpretação se faz de maneira mais lenta, examinando cada elemento da situação de modo mais detalhado. Os que têm pouca inteligência topam logo com um obstáculo pela frente.

Resposta. Quando Sônia, no nosso caso, se levantou e partiu para o consultório do Dr. Silva, tinha um objetivo, evidentemente. Inter­pretou os elementos da situação. Tinha amadurecimento mental e físico e no ato de partir estava apenas desencadeando a ação — dando a resposta. Esta significa tanto a própria ação como a transformação interior que determina a ação. Resposta é a execução de acordo com a interpretação da situação. Quando alguém duvida da sua interpre­tação, dá à sua resposta um caráter de primeira tentativa. Esta passa a ser uma resposta provisória. Qualquer que seja a resposta, há sempre uma descarga da tensão acumulada anteriormente.

Conseqüência. Tanto no campo da Física como no da Psicologia, a toda ação corresponde uma reação. Toda resposta ou ação do com­portamento tem uma conseqüência que pode ser boa ou má, isto é, favorável ou não. Se a interpretação for bem feita, a pessoa alcançará o objetivo, advindo daí satisfação. Se houver alguma falha, não se obterá o alvo desejado, ocorrendo, então, em maior ou menor grau, a decepção. Quando não se alcança o objetivo é porque houve um obstáculo.

Reação ao obstáculo. As reações subjetivas, ante o fato consu­mado de não se haver alcançado o objetivo, podem ser várias, de acordo com as diferenças individuais ou grau de maturidade ou de

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normalidade psíquica de cada um. O essencial, no caso, é procurar descobrir qual a dificuldade que impediu a realização da meta. A seguir, tentar uma nova interpretação. Há quem, achando o objetivo alto demais, tente um mais modesto, como há quem desista, simples­mente. Algumas pessoas apelam para seus mecanismos internos de ajustamento, procurando saídas mentalmente normais como a sublima-ção, a compensação, a racionalização etc. Sublimação é o ato de subs­tituir a frustração por atividades mais elevadas de ordem artística ou religiosa. Uma boa música, um ato religioso, uma atividade artística vivida intensamente, aliviam a consciência traumatizada.

Há, finalmente, quem recalque as frustrações, extremando-se em comportamentos desajustados, como choro convulsivo, agressividade etc.

COMPORTAMENTO E HÁBITO

Todo comportamento pode se transformar, com a repetição, em um hábito. Assim, caminhamos, jogamos, escrevemos, comemos, leva­dos por uma série de comportamentos habituais ou simplesmente há­bitos.

Alguns hábitos se organizam em padrões de comportamento, isto é, em formas prévias de comportamento ou de respostas utilizadas para várias situações diferentes. Os padrões de comportamento são, por­tanto, certas formas estabelecidas de agir e reagir, em casos parecidos. Uma adolescente aprende uma maneira geral de se comportar diante de rapazes. Um rapaz aprende uma forma geral (padrão) de galantear as moças etc.

Por padrão de comportamento deve-se entender aquele modo geral, mais ou menos uniforme e estereotipado, de comportar-se, que se aplica sempre em certas ocasiões ou como resposta a certos estímulos. Se um indivíduo estiver numa festa, onde não conheça ninguém e onde os participantes forem pessoas de nível social muito diferente do seu, poderá ficar intimidado e sem saber como agir. É sinal de que não tem um padrão de comportamento aprendido para estas circunstâncias. Em semelhantes ocasiões há três saídas: descobrir, pela observação e por experiências passadas, um tipo especial de comportamento; per­guntar a alguém como se deve agir, ou, então, por timidez, deixar o local. No primeiro caso, elabora um padrão de comportamento; no segundo, prepara-se para assimilar um padrão já aceito e, no último, tem medo de enfrentar novos meios. É tímido.

A timidez pode ser medo (reflexo condicionado) de não se ajustar bem a circunstâncias novas e inesperadas. Esse reflexo forma-se nos

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primeiros anos de vida. Se, ao sair do círculo de suas interações pri­márias e ao ter seus primeiros contatos com o meio externo, a criança não for bem sucedida (recebendo em troca frustrações e medo), po­derá criar um padrão de cautela temerosa com respeito a situações novas.

Esses insucessos nos primeiros contatos sociais criam nos indi­víduos um padrão de comportamento de timidez e insegurança. Um indivíduo extremamente bem vestido, sem um fio de cabelo fora do lugar, cauteloso, moderado nas palavras, de gestos comedidos, do tipo que poderia ser considerado pedante ou afetado, pode ser, no íntimo, um tímido. Todo este aparato é para evitar, a todo custo, algo de novo ou de inesperado ao qual se veja forçado a se ajustar.

Há, também, outras causas e outras determinantes da timidez, mas como fogem ao nosso assunto, não podem ser tratadas aqui.

i EXERCÍCIOS r

1. "Se todo comportamento tem uma causa atual que o produz", será verdadeira a afirmação de que o crime faz parte da história presente do criminoso?

2. Uma maneira especial de praticar um crime, como uma série de atos ou respostas estruturadas por certos criminosos, pode-se chamar de padrão de comportamento? Por quê?

3. Há uma lei do comportamento que afirma: "Depois do comporta­mento instrumental, que garante a posse do objetivo, segue-se o con-sumatório". O que você entende por isto?

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Motivo, força que impulsiona os comportamentos

Cada causa é um agente produtor. Todo efeito é um ser produzido. Uma vez surgido, o efeito também pode se converter em causa que dará seqüência a novos efeitos. Estabelecem-se as­sim longas séries de causas e efeitos que se transformam em causa. Mas. . . é preciso olhos muito lúcidos para ver os elos desta cadeia. (Arthur Koestler)

Em 1982, um jornal do Rio noticiou que um menino de dez anos foi assassinado por um amigo com dois tiros de espingarda. O menino estava jantando quando seu amigo o chamou e atirou nele. Não havia, comentou a família, nenhum motivo para o crime.

Você acredita mesmo que não havia nenhum motivo? Todo comportamento tem uma causa. Por isso, podemos afirmar:

deve ter havido um ou vários motivos que determinaram tal compor­tamento.

Toda ação possui determinantes, que são seus antecedentes causa­dores. Estes podem ser históricos ou atuais. No caso do menino, os determinantes podem pertencer a seu passado, isto é, às forças ambien­tais terrivelmente destruidoras que atuaram em sua formação. Mas além dos determinantes históricos ou do passado, deveria haver causas ou motivos atuais bem significativos para a execução do ato criminoso, do ponto de vista da pessoa criminosa, é claro.

A cada momento, cada um de nós poderá estar na iminência de fazer ou realizar a atividade A, B ou C. Qual a que será empreendida?

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A atividade realizada será aquela que corresponde ao motivo mais forte, isto é, ao impulso mais forte, no sentido do vetor de ação mais atuante. Se, no momento, para determinado estudante, o motivo mais forte for a fome ou terminar o dever antes do jantar, ou ainda, esca­par de casa para se encontrar com a namorada, antes de o pai chegar, só ele saberá. Contudo, podemos afirmar que o estudante executará a ação que corresponder ao seu impulso mais forte. O organismo é determinado por esse motivo mais forte, que está competindo com outros num dado momento.

Uma mesma ação pode ser determinada por motivos diferentes, como também ações diferentes podem ser determinadas por um mesmo motivo. Temos o caso de três estudantes universitários. Possuem o mesmo grau de inteligência e aptidão. Contudo, um deles é o primeiro aluno, o segundo tem notas médias e o terceiro fracassa nos estudos. É um caso típico de motivação. Vejamos:

O primeiro rapaz é filho de imigrantes pobres e seus pais esperam muito dele. Está altamente motivado.

O segundo é filho de família rica. Tem lugar assegurado no ne­gócio do pai. Só está interessado em não tirar notas muito baixas. Acha-se pouco motivado para o estudo. O terceiro é mais difícil de explicar, porque sua motivação está perturbada por um conflito. "O pai era de família pobre e subira na vida com grande esforço. Era, então, advogado próspero e auto-suficiente. Esperava que o filho fizesse o mesmo. O rapaz, temperamento tímido, assustava-se, pois se convencera de que nunca chegaria a fazer carreira igual à do pai. Assim, ia para os exames sob tensão. O coração pulava descompassa-damente e as mãos transpiravam. Seu conflito interferia em sua moti­vação e isto levava-o ao mau resultado e ao fracasso." 1

Nem sempre conhecemos os motivos que nos impelem.

Se você fuma, poderemos fazer esta pergunta: qual o motivo que o leva a fumar? Provavelmente não saberá responder. Nem sempre conhecemos tão claramente os motivos de nossas ações. Sabemos que numericamente os maiores fumantes de 21 a 39 anos se encontram nas classes sociais ditas inferiores. São pessoas ansiosas, tensas, preocupa­das com a maneira de vencer na vida. De outro lado, para os homens de 35 a 49 anos, o cigarro, charuto ou cachimbo pode representar uma espécie de cortina de fumaça que se eleva por cima de seu sucesso pessoal. Assim temos: quando jovem, fuma porque está ansioso e, quando envelhece, porque já deixou de estar ansioso. Temos, pois, dois motivos diferentes para um mesmo comportamento.

1 MURRAY, E. I. Motivação e emoção. São Paulo, Zahar, 1967.

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MOTIVO E NECESSIDADES

As tentativas para entender o comportamento humano determina­ram o aparecimento de várias teorias da motivação. Vamos apresentar aqui a teoria de Abraham Maslow, que faz derivar os motivos das necessidades.

Necessidade. Significa carência, falta de algo. Se falta água em seu organismo, você afirma que necessita bebê-la.

Claude Bernard, fisiologista francês, descobriu em 1895 que cada ser vivo tem um meio interno que deve ser mantido em equilíbrio. Nos mamíferos, certas propriedades físico-químicas só podem variar dentro de determinados limites, além dos quais quebra-se o equilíbrio ideal. Walter Cannon (1929) restabeleceu este conceito fisiológico e o transpôs para o campo da Psicologia. Todo organismo precisa manter-se num optimum de equilíbrio interno e, em se tratando do homem, num optimum de equilíbrio fisiológico, social e humano. É o que ele designou pelo nome de homoestasia (do grego homo, "igual", estasia, "estado"). Nesse fato alicerça-se o fenômeno e o mecanismo das necessidades. Quando se rompe o equilíbrio orgânico, cria-se uma necessidade. O organismo em desequilíbrio cria tensões. Estas o im­pelem na direção do objetivo que, quando atingido, traz satisfação, res-taurando-se o equilíbrio.

Ciclo das necessidades e dos motivos

1. A necessidade é uma falta de algo.

2. Esta determina um desequilíbrio. 3. Este provoca tensões que impelem à ação.

Estas tensões chamam-se motivos. 4. Estes motivos determinam a ação ou o comportamento na direção

do objetivo. 5. Ao terminar a necessidade, surge a satisfação.

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Há um provérbio árabe que diz: "Pode-se levar o cavalo à fonte, mas não se pode fazê-lo beber". Podemos mostrar-lhe a água, estimulá--lo a bebê-la, mas só o fará se algo interno o levar a isso. Esse algo interno é a necessidade que vai gerar o impulso, o motivo gerador da ação de beber.

Vejamos isso graficamente:

necessidade tensão comportamento incentivo

(aumenta o motivo)

objetivo tensão necessidade tensão

orientado

incentivo (aumenta o motivo) atingido reduzida

Exemplificando:

tensão impulso sensação falta de água energias e de água satisfação falta de água

acumuladas motivo sede

Incentivo. Corresponde à situação, à apresentação com que se mostra o objetivo. É tudo aquilo que serve para aumentar ou diminuir o impulso interno (motivo), sendo assim positivo ou negativo.

Reação às barreiras

Muitas vezes, motivados fortemente para algo, somos impedidos de alcançá-lo por um ou vários obstáculos. Essas barreiras podem ser internas ou externas.

Barreiras internas. São as falhas internas que nos impedem de alcançar o objetivo. Falta de conhecimento e de habilidades específicas é, por exemplo, uma barreira interna.

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Barreiras externas. Situações ou elementos externos à pessoa e que não lhe permitem atingir o objetivo desejado. Falta de dinheiro, proibições sociais, propriedade alheia e tc , constituem alguns exemplos de barreiras externas.

Sempre que o indivíduo se defronta com uma barreira, adota um comportamento de reação contra ela. Essas reações se revestem dos aspectos mais variados, conforme a personalidade do indivíduo. Assim, podemos ter como exemplos de reações:

Comportamento agressivo. Diante de uma situação adversa, alguns tentam vencê-la pela força.

Regressão. Outros reagem de maneira diversa, seja porque temem adotar o comportamento agressivo, seja porque a ele não se dispõem. Tratam então de adotar atitudes menos maduras, agindo como "crianças".

Sublimação. Dedicam-se em troca a outras atividades de natureza artística ou religiosa.

Resignação. Outros ainda desistem do objetivo, reprimindo a necessidade ou procurando esquecê-la.

TIPOS DE NECESSIDADES

As necessidades humanas estão organizadas em vários níveis.

Necessidades fisiológicas. Estão no nível mais baixo, mas não sem importância. Perguntava um professor aos alunos:

— Qual a primeira condição para ser um herói, um santo, um grande pioneiro?

— Comer pão — responderam — porque, sem isso, em breve esta­ríamos diante do cadáver de um ex-grande herói ou pioneiro.

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As necessidades fisiológicas, além de alimento, água, ar, incluem descanso, exercícios físicos, abrigo, proteção contra as intempéries e também satisfação sexual. Uma necessidade satisfeita não é mais ele­mento de motivação. Esse é um fato que se deve levar em conta nas relações humanas.

Quando as necessidades fisiológicas estão razoavelmente satisfeitas, são as necessidades de nível imediatamente superior que passam a mo­tivar: necessidade de segurança, de proteção contra o perigo, de segu­rança futura, de preparar-se para a vida etc.

Necessidades sociais. Tornam-se importantes no comportamento quando as necessidades do primeiro nível já estão satisfeitas. As neces­sidades sociais são aquelas de participação, de associação, de aceitação pelas pessoas, de dar e receber amizade e amor.

Quando estas necessidades são frustradas, as pessoas se mostram resistentes, tímidas e não-cooperativas. Este comportamento é uma conseqüência, não uma causa.

Quando um indivíduo de classe média compra um carro de luxo, na realidade não é impelido, apenas, pelas necessidades de um meio de transporte próprio. Se fosse apenas isso, compraria um carro médio, mais barato e mais econômico. É a necessidade de prestígio, de auto--afirmação social, que o leva a investir mais alguns milhares de cru­zados numa marca de luxo.

Há bastante diferença entre um motivo de ordem orgânica e outro de origem social, mas, na realidade, quase todo comportamento é in­fluenciado por aspectos motivacionais de um e de outro tipo. O compor­tamento de se alimentar não é só fisiológico. A maneira de o fazer, aquilo com que cada grupo humano se alimenta, a oração antes das refeições etc. atendem a necessidades orgânicas e sociais. Algumas tribos consideravam um dever penoso, mas sagrado, comer o coração, ainda palpitante, de seus contendores mortos em batalha. Eles o faziam por necessidade "social" ou cultural.

Necessidades do ego. Surgem depois ou ao mesmo tempo que as necessidades sociais.

São de dois tipos: 1. Necessidades que se relacionam com a auto--estima: necessidade de auto-respeito e autoconfiança, de autonomia, de competência, de conhecimento. 2. Necessidades que se relacionam com a reputação: necessidades de status, de reconhecimento, de apre­ciação.

Ao contrário das anteriores, as necessidades do ego são rara­mente satisfeitas. O homem procura indefinidamente mais satisfação de tais necessidades, uma vez que elas lhe são excessivamente impor-

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tantes. Entretanto, não aparecem de maneira significante até que as necessidades sociais, fisiológicas e de segurança estejam razoavelmente satisfeitas.

Necessidades de auto-realização. Finalmente, no topo da hierar­quia, existem as necessidades de auto-realização. Estas são as necessi­dades de compreender as próprias potencialidades, de um contínuo auto-desenvolvimento, de ser criativo no mais amplo sentido. Como é bem difícil a satisfação plena das necessidades anteriores, e como não se empreende a realização de uma categoria superior sem que as inferiores estejam satisfeitas, conclui-se que são poucas as pessoas que se dedicam à auto-realização. Agora, voltemos aos motivos.

QUE VEM A SER MOTIVO?

O motivo é, originalmente, um impulso, "drive", em inglês, isto é, "um impulso orientado p a r a . . . " A fonte básica das energias moti­vacionais são: as necessidades ou o excesso de energias acumuladas sob várias formas de tensões.

A necessidade de vencer na vida leva os estudantes para as salas de aula. A sede leva o motorista a parar o carro e procurar água ou refrigerante num bar. O interesse por conhecer os motores leva o ado­lescente a comprar revistas de Mecânica. Para resguardar suas rique­zas, o rico proprietário vota nos candidatos conservadores. Motivo é tudo aquilo que leva alguém a fazer alguma coisa. Poderíamos defini-lo como tudo que inicia, sustenta e dirige uma atividade.

Podemos identificá-lo com aquela quantidade de energia psíquica capaz de determinar um comportamento individual ou social. Numa definição, um pouco mais aceita, motivo vem a ser tudo aquilo capaz de determinar um comportamento individual ou social. Há, pois, mo­tivos individuais e motivos sociais. Os primeiros movem os indivíduos e os segundos, os grupos.

Tipos de motivo

Se motivo é tudo aquilo que leva alguém a fazer alguma coisa, podemos supor que há bilhões deles, pois as pessoas são impelidas para as mais diferentes ações possíveis: desde procurar um alfinete no chão até preparar astronautas para vôos espaciais. A melhor maneira de

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estudar tão numerosos motivos é agrupá-los. No fundo, toda atividade humana, ou melhor, os motivos que orientam toda atividade humana se. concentram em quatro pólos:

1. Sobrevivência ) } conservar a vida

2. Segurança j

3. Realização ) ) expandir a vida

4. Crescimento ) Continuar vivo, conservar-se protegido (autoprotegido), procurar

satisfações e experimentar novos estímulos constituem os pólos para os quais confluem todos os motivos.

O estudo mais profundo dos motivos e de sua atuação na cons­ciência (motivação) levou os psicólogos atuais a identificarem duas fontes produtoras de motivos: as necessidades e as forças de cresci­mento.

Por exemplo, a sede pode ser encarada como a falta de água no organismo. Essa falta provoca tensões. Um aluno sedento pode inter­romper a aula a fim de pedir ao professor para beber água. Se, por acaso, o professor não atender seu pedido, a tensão poderá aumentar a um estado tal, que levará o aluno, a todo custo, a procurar o líquido desejado. Quanto maior a necessidade, maior a tensão determinadora de ação. Igualmente, um aluno saudável, cheio de energias, não é capaz de ficar quieto por longo tempo. O acúmulo de energia também pode levar a atividades de crescimento físico ou psíquico.

PESQUISAS EXPERIMENTAIS

A Psicologia, como ciência, procura como ideal a quantificação dos seus fenômenos. Assim, inúmeras experiências foram feitas para medir o impulso, que é a parte principal dos motivos.

Um dos aparelhos mais simples para esta mensuração é a "caixa de obstáculos". Esta consta essencialmente de três compartimentos. No primeiro, fica o animal; no segundo há um obstáculo e um registro para medir o esforço despendido pelo animal: uma grade elétrica, por exemplo. O terceiro contém o incentivo.

F. A. Moss foi aumentando e registrando a quantidade elétrica do choque a que se submetiam os ratos para alcançar vários objetivos. Concluiu seu trabalho formando uma lista dos motivos mais fortes para esses animais. Os motivos mais fortes, medidos pela resistência a choques elétricos, foram: "motivo maternal" (isto é, a busca da

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ninhada pela mãe) , a sede, a fome, o sexo e os motivos exploratório!, isto é, que levam os seres a conhecer os meios onde se encontram.

A atividade de um animal está intimamente ligada à motivação. Há um pequeno aparelho (uma caixa ligada a um tambor rotativo) que serve para registrar qualquer atividade do animal, pois esta faz girar um tambor rotativo, cujas voltas são registradas por um regis-trador.

A experiência original foi feita com ratas. Sua atividade era nota­velmente acrescida de quatro em quatro dias. Este acréscimo corres­pondia ao aparecimento regular do estro (cio), que nas ratas ocorre a cada quatro ou cinco dias. O motivo determinava um acréscimo de atividade do organismo. Com a extirpação dos ovários, a atividade específica destes dias se reduziu, de imediato, de 60 para 95 por cento, até o desaparecimento total.

Nesse modelo estão os elementos da motivação: necessidade, com-portanto instrumental e extinção da necessidade.

NECESSIDADES NO HOMEM

O homem não vive num simples plano homoestático fisiológico. Suas necessidades se realizam também num plano psicológico superior.

Uma pessoa pode ter relacionado comer, fumar, beber etc. como meio de reduzir suas tensões emocionais, suas ansiedades. A fome dessa pessoa, porém, nada tem a ver com a fome como carência ou falta homoestática. Igualmente, sua obesidade não será homoestática. Conhece-se o caso de uma pessoa que adormecia sempre que começava a ficar com raiva. Na psicoterapia, descobriu-se que, quando criança, toda vez que começava a se irritar, seus pais interpretavam a causa como fadiga e a mandavam para a cama. Seu sono, em tal ocasião, não era homoestático. Era um condicionamento.

O homem não vive somente num meio orgânico, mas igualmente num meio social. O meio social, isto é, o convívio com os outros, determina novos planos de carências, de déficits, de necessidades.

Um objeto, uma situação qualquer que se introduz no contexto, para valorizar e determinar a ação, denomina-se incentivo.

Uma galinha, depois de saciada, se é colocada no meio de outras famintas, passa novamente a comer e pode comer até 607o a mais, além do padrão de saciedade. Neste caso, a presença de animais fa­mintos devorando avidamente grãos apresenta-se como um incentivo.

Por exemplo, um prêmio em dinheiro, a presença de uma iguaria, as notas escolares, os elogios, os distintivos, os títulos honoríficos, tudo

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isso constitui incentivos positivos, pois apresentam-se como algo agra­dável que resulta de determinada ação.

Os incentivos podem ser positivos ou negativos. Incentivos nega­tivos são aqueles que determinam um comportamento de afastamento. Uma grade elétrica colocada entre o rato e o alimento é um incentivo negativo, assim como os castigos, as notas baixas, as reprovações etc. Incentivos positivos são aqueles que determinam um comportamento de aproximação. Uma torta de sementes de girassol é um incentivo positivo para ratos, assim como os elogios, prêmios, tudo o que implica aprovação e aceitação social, o são para as pessoas.

O incentivo pode aumentar a força do motivo. Por exemplo, um prato de comida esteticamente arrumado mobiliza mais a vontade de comer. Assim, o impulso para a refeição passa a ser feito de duas partes, uma da necessidade (a fome) e outra do incentivo, isto é, da bela disposição do alimento no prato.

i EXERCÍCIOS r

1. Quais seriam os motivos de vida? Em outras palavras, para que os indivíduos vivem? Se observarmos as atividades das pessoas ou as metas a que dirigem suas ações, veremos o seguinte:

a. A atividade de alguns está voltada totalmente para o trabalho e, assim, poderíamos dizer que vivem para o trabalho.

b. Outros se voltam para a beleza, para gozar a vida, para as ativi­dades de divertimentos. Diríamos que estes têm nas "artes" seu motivo de vida.

c. Em terceiro lugar, aparecem aqueles poucos que elegeram fins ideológicos, religiosos, humanitários como fim de suas vidas.

d. Finalmente, os que perdem ou não conseguem formular um mo­tivo de vida, e se neurotizam.

Na realidade, o trabalho, as "artes", os fins ideológicos e religiosos são simples maneiras de se viver ou a própria finalidade última de vida?

2. Será que a sociedade moderna fracassa em satisfazer às necessidades mais profundas do homem?

3. Quais serão estas necessidades mais insatisfeitas?

4. Em que categoria você colocaria os que vivem e pensam apenas em ganhar dinheiro?

5. Qual a diferença entre motivo e incentivo?

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Propaganda, uma aplicação da motivação

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A pressão contínua é a de criar anúncios cada vez mais à imagem dos motivos e desejos do público. (Marshall McLuhan)

A propaganda, em última análise, é uma técnica psicológica a ser­viço da produção e do consumo.

A intenção do anunciante é mobilizar uma ação, um comporta­mento. Portanto, vai atuar, despertar, criar necessidades, gerar im­pulsos para a ação.

Na elaboração do anúncio, há uma busca de motivos claros "ou ocultos, conscientes ou inconscientes que despertem o indivíduo para a ação (a compra). Um anúncio de seguro de vida, por exemplo, pre­tende levar o adulto a fazer um seguro para a família. A agência pode apelar para vários motivos. Nunca poderá mostrar direta ou indireta­mente a alegria dos beneficiários com a morte do segurado. Um motivo oculto, de grande efeito, no caso, é "vender" e dar certa ilusão de imor­talidade e de superioridade para a pessoa que faz o seguro, pois con­tinua protegendo e amparando a família, mesmo depois de desapare­cido.

O anúncio, tal como o entendemos, texto e fotografia, ou texto e cena quando televisionado, é uma mensagem comprimida e totalizada, com alta carga de impacto, para impressionar a consciência, levando-a à ação. O anúncio está mais próximo dos desejos e das necessidades da pessoa do que do próprio produto anunciado. Há, muitas vezes, um choque entre a imagem que você faz do produto através da pro­paganda e o produto em si.

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As firmas nunca aconselham a emissão de um só anúncio, porque não surtiria efeito. Trata-se de fazer uma campanha, isto é, uma série de anúncios. A propaganda segue o princípio da bolinha de neve. Começa tímida e, com a repetição, se transforma em uma avalancha psíquica.

PRODUÇÃO E PROPAGANDA: SER E PARECER

Não basta produzir bens e serviços, se não se tiver condições de levá-los ao conhecimento de seus possíveis consumidores. No plano pessoal é como se disséssemos: "não basta apenas 'ser', é preciso tam­bém 'parecer' aos outros". É por isso que a grande produção industrial moderna precisa tanto da propaganda.

A propaganda se preocupa e trabalha no sentido de criar uma imagem do produto para seus consumidores. O produto nem sempre é igual à imagem que dele chega às consciências. Há um esforço de idealizar o produto e de fazê-lo como que milagroso e fantástico. Esta tendência pode chegar até a níveis de.mistificação e falsidade. Há um código de ética e regras que regulam a publicidade. Analise este anún­cio que uma construtora publicou num jornal do Rio de Janeiro:

Era uma vez um homem que vivia à beira de uma estrada e que vendia sanduíches. Lentamente ele foi aumentando as vendas e tam­bém cada vez mais aumentava a compra de carne e pão. Logo com­prou um fogão maior para melhor atender os fregueses e o negócio prosperava. Conseguiu dar boa escola ao filho.

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Um dia o filho, já formado, falou para o pai: "Pai, você não ouve rádio? Você não lê jornais? Há uma grande crise no mundo. A situa­ção é terrível. E aqui no país está ainda pior".

O pai pensou: "Meu filho estudou, lê jornais, ouve rádio e só pode estar com a razão."

A partir daí, foi diminuindo as compras, reduzindo os molhos e temperos, economizando cartazes de propaganda. Já não mais forçava as vendas em voz alta, nem conversava animado com os clientes, aba­tido pelas notícias de crises.

E as vendas foram caindo.

Algum tempo depois, derrotado pelo seu próprio desânimo, nada mais restou ao pai do que constatar a incômoda realidade:

"Você estava certo, meu filho. Nós realmente estamos no meio de uma grande crise".

Não podemos mais fazer como o homem dos sanduíches. É preciso confiar e manter acesa a chama do otimismo e da esperança.

VENDENDO SENSAÇÃO DE PODER

A fascinação exercida sobre as pessoas por qualquer produto que pareça oferecer-lhes um aumento pessoal de poder proporcionou aos anunciantes um bom campo para ser explorado. As fábricas de auto­móveis esforçaram-se por produzir carros com potência cada vez maior. Depois de uma pesquisa psicológica, uma agência de publicidade ameri­cana toncluiu que a principal atração para a compra, de dois em dois anos, de um novo e mais potente automóvel estava em que o carro dava ao comprador uma renovada sensação de poder, reafirmando-o em sua própria masculinidade. Necessidade emocional que seu velho carro não conseguia satisfazer naquele contexto social de vida ou, em outros termos, naquela cultura.

Havia, porém, um sentimento inconsciente de culpa nesta atração exercida por uma nova e potente máquina, conforme verificou o Insti­tuto de Pesquisa de Motivação. O comprador sentia-se culpado por dar a si próprio a satisfação de um poder que poderia ser considerado supérfluo. Precisava, assim, de uma garantia racional para entregar-se

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I satisfação de seus desejos. Uma boa solução, segundo decidiu a pesquisa, foi oferecer a atração do poder, mas acentuar que toda aquela maravilhosa potência proporcionaria "a margem extra de segurança em uma emergência". "Isso", explica o diretor da pesquisa, "oferece a ilusão de racionalidade de que o comprador necessita".

Para obter os objetivos, o anúncio serve-se do princípio da repe­tição, das associações inconscientes, bem de acordo, aliás, com os pro­cessos de lavagem cerebral.

A propaganda tende a homogeneizar os desejos, as necessidades e as satisfações dos desejos e a criar as mesmas aspirações. Assim, as pessoas condicionadas pela propaganda passam a ter os mesmos dese­jos, a ter as mesmas aspirações de posse. A propaganda procura minar o consumidor de todos os modos. Uma das formas é recorrer a mo­tivos inconscientes. O inconsciente é o grande destinatário da propa­ganda. É por isso que qualquer anúncio lido e comentado, racional­mente, torna-se ridículo. Mas, deslocado para um novo cenário, se torna, no mínimo, engraçado, comenta McLuhan.

Vejamos este anúncio de televisão: Imagem: O marido chega perguntando: "Onde está ele?" A mu­

lher, perplexa, confusa, interroga: "Ele, quem?" O marido insiste: "Eu sei que ele está aí". Vai direto a um armário, abre violentamente a porta, encontrando apenas várias latas de presuntada Wilson, um nome de homem que "viria a perturbar as relações do casal".

Apresentado, assim, parece ridículo, mas, no contexto publicitário, foi um bom anúncio. A melhor prova disso é que está sendo citado agora.

Qualquer anúncio é cômico quando apreciado conscientemente. Grande parte deles não é endereçada ao consumo consciente. São men­sagens subliminares para o subconsciente, devendo exercer um efeito meio hipnótico e legalmente subliminar.

Nos Estados Unidos gastam-se, em propaganda, tantos dólares quantos com a verba oficial destinada à educação (mais de doze bi­lhões de dólares).

O anúncio é geralmente dispendioso, pois representa a arte de muita gente e os meios de comunicação por onde é veiculado são muito caros.

COMUNICAÇÃO E PROPAGANDA

O homem não pode viver limitado dentro da própria pele. Daí a necessidade de criar ampliações das próprias faculdades interiores e pessoais para se estender, para se comunicar com outros. Para tanto, precisa de códigos e de canais competentes de comunicação. A infor-

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mação a ser comunicada deve ter uma fonte e um destinatário, isto é, um emissor e um receptor. Esta comunicação se faz através de um código. Assim, o emissor tem que fazer uma codificação de sua infor­mação. O receptor ou destinatário tem que realizar a operação inversa: decodificar. Podemos exemplificar isso no caso do telégrafo.

Alguém pensa no conteúdo do telegrama e redige, entregando-o ao telegrafista. Este o codifica em sinais "morse" (sistema antigo) e o envia através de um veículo elétrico (o fio) a outro telegrafista que o decodifica e o faz chegar ao receptor, à pessoa a quem o telegrama é dirigido. Assim teríamos:

fonte codificação veículo decodificação receptor fonte codificação veículo decodificação receptor

No campo da publicidade, teríamos:

produtor codificação mensagem

anúncio decodificação consumidor

A primeira lei básica da comunicação é a da entropia: perda ou degradação do conteúdo primitivo da informação. Entre a fonte e o destinatário há uma considerável perda. Para compensar essa lei temos uma regra ou lei básica corretiva: a informação ou a mensagem tem de ser redundante.

Em anúncio, não podemos ser prolixos; por isso, ele deve ser o mais elaborado possível: 1. Pode e deve ser repetitivo. 2. Deve ser rico de associações. 3. Deve dirigir-se ao consciente e ao inconsciente, porque tanto um

corrro outro governam as pessoas. Os homens, assim como os animais, só absorvem a informação

de que sentem necessidade ou que lhes seja inteligível. Não é o tamanho de um anúncio e sim sua qualidade e freqüência

que engatilham a ação. O anúncio "mural", impresso ou televisionado, por suas associações e segundas intenções, é, em boa parte, uma inves­tida contra o inconsciente.

Muitos comportamentos passaram a se modificar em função dos meios de comunicação e da publicidade. Os anúncios de absorventes, por exemplo, amplamente difundidos pelos meios de comunicação, con­tribuíram para que a menstruação fosse encarada com mais naturalidade pelas pessoas.

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i E X E R C Í C I O S r

1. Selecionar de três a cinco anúncios.

2. Submetê-los a um teste de associação. As associações podem come­çar completando estas frases: "Quando vejo este anúncio, esta figura, esta palavra, penso em (apresentar a palavra), vêm-me à mente . . . . (tais idéias)".

3. Anotar as associações favoráveis e as desfavoráveis: ver a pro­porção.

4. Pesquisar os motivos a que o anúncio apela. Para tanto é bom repassar o capítulo sobre motivação.

5. Analisar o anúncio de um ponto de vista crítico. Ver sua racionali­dade, sua persuasão de venda, seu maior ou menor impacto emo­cional.

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Evolução do comportamento

Os mais diversos tipos de comportamento ser­vem para ajudar os homens e os animais a competirem uns com os outros e a sobrevive­rem no seu meio. (Desmond Morris)

O tipo mais simples de comportamento denomina-se reflexo. Sua simbolização é: E (estímulo) — R (resposta). O reflexo simples está presente em todos os seres vivos.

Se num recipiente contendo água e algas verdes acendermos uma vela, haverá uma migração das algas para o foco de luz. Na encosta de uma montanha verificava-se, em altitudes diferentes, a existência de determinada variedade de insetos. A divisão entre os grupos de in­setos era tão rígida que não havia misturas entre eles. Por quê? Qual o motivo de sua ação se limitar a determinada altitude, nem mais para baixo nem mais para cima?

A solução era simples. Sua ação ou comportamento (R) estava determinada pelo teor de oxigênio (E) existente em quantidade dife­rente em cada altitude. O comportamento reflexo é estruturalmente simples em seu esquema básico. Nos capítulos seguintes voltaremos a falar sobre este tipo de comportamento.

O COMPORTAMENTO INSTINTIVO

O comportamento instintivo é um padrão de comportamento com­plexo, inato e invariável no tempo. A vespa caçadora imobiliza uma lagarta, injetando um líquido paralisante em seus gânglios nervosos.

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A seguir, põe seus ovos no animal vivo e paralisado, garantindo calor e alimento à larva. Este comportamento inalterável não foi aprendido. A vespa nasce com ele.

Os psicólogos do fim do século passado e começo deste exagera­vam a importância do instinto.

L. L. Bernard, em 1924, relacionou 1 046 atividades humanas até então classificadas como "instinto" ou "tendências instintivas", quer por algum cientista, quer pela tradição. Demonstrou que a maioria era constituída de comportamentos aprendidos. Primeiro, não havia duas autoridades que concordassem com uma lista de instintos e, se­gundo, o conceito de instinto era uma capa para encobrir a ignorância dos fenômenos.

O gráfido abaixo mostra os diferentes tipos de comportamento entre as diferentes classes de seres vivos. Vemos a origem do comporta­mento, seu ponto máximo e a curva de ascensão ou declínio. Como exemplo, podemos ver o comportamento instintivo, que se inicia nos vermes, tem sua expansão máxima nos insetos, decaindo e extinguindo--se até certo ponto no homem, que tem apenas restos instintivos.

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O salmão sobe o rio para desovar e depois morrer. Alguns pás­saros, algumas vezes, migram sozinhos, sem a companhia dos mais velhos. Realmente, o primeiro comportamento não é tão instintivo como se pensava. Provas experimentais indicam que o salmão aban­dona as partes dos rios onde normalmente vive, porque na época da desova perde pigmentação da pele e não agüenta os raios do sol, na água rasa, passando a procurar um abrigo nas águas mais fundas. Com isso, sua migração passa a ser mais um comportamento reflexo. A migração das aves se deve à diminuição das horas do dia que influi no equilíbrio endócrino do pássaro.

Há uma experiência de Z. K. Kno, a respeito de instinto e apren­dizagem. Kno criou gatos juntamente com ratos. Quando cresceram, somente um pequeno número deles atacava seus tradicionais inimigos. Todos os gatinhos criados com suas mães que, de quatro em quatro dias, matavam um rato, se tornaram bons caçadores de ratos. Deste modo, matar ratos, nos gatos, é um comportamento aprendido, até certo ponto, pois o gato pode aprender a conviver pacificamente com suas "possíveis" vítimas.

Com quem os gatinhos aprendem a matar ratos? Com as próprias mães e com os restantes membros do grupo.

O instinto apresenta-se como um tipo standard de ação que se re­pete ininterruptamente e sem alteração nas mesmas condições. O gran­de poeta romano Virgílio fez, há quase dois mil anos, uma detalhada descrição das colmeias no seu livro De Apibus ("As Abelhas") e atual­mente elas se comportam do mesmo modo, sem nenhuma alteração visível. Desde o descobrimento do Brasil até hoje, os pássaros conhe­cidos como joão-de-barro fazem sua casa-ninho do mesmo modo. As respostas instintivas são:

1. Instrumentais. 2. Invariáveis no tempo. 3. Profundas.

Por profundidade, entendemos o alcance excepcional de alguns comportamentos instintivos. Andorinhas e patos de clima frio, chegado o inverno, viajam através de milhares de quilômetros para regiões quentes ou temperadas, voltando depois, no começo da primavera.

O comportamento instintivo apresenta certa curiosidade. O Brasil é o centro de várias migrações de aves. O mais interessante é que quando elas chegam, fazem um percurso sinuoso e longo, mas ac vol­tarem vão em vôo direto e rápido. Ao chegarem em suas regiões frias de origem, nidificam, põem ovos, criam os filhos e, na próxima che­gada do inverno, voltam ao nosso clima tropical. Algumas viajam de noite e dormem de dia. Na viagem de retorno, sobretudo, algumas

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espécies chegam a voar mais de mil quilômetros por dia. Alguns anuns fazem ninhos coletivos onde todas as fêmeas colocam seus ovos, mas o curioso é que não aceitam, no ninho, mais do que certo número de ovos. Qualquer ovo excedente é jogado fora.

INSTINTO E COMPORTAMENTO HUMANO

Provavelmente, nenhum comportamento humano normal pode ser descrito totalmente como instintivo. Como o comportamento é uma reação do organismo como um todo, é claro que, sendo o homem um organismo consciente e racional, seus padrões de resposta só podem ser racionais e conscientes. Podem ocorrer e ocorrem, efetivamente, esboços, fragmentos de comportamento instintivo, mas não expressões do instinto pleno como nos animais.

Na linguagem comum, empregamos a palavra "instinto" como sinônimo de ação espontânea e irrefletida ou mesmo para designar certos impulsos irrefreáveis, como também certos reflexos condicio­nados.

Empregamos, muitas vezes, a palavra "instinto" para significar: uma ação involuntária, certos atos emocionalmente intensos, conduta irrefletida ou impulsos irrefreáveis. Realmente, os seres humanos têm comportamentos com bases em estruturas hereditárias ou orgânico--fisiológicas inatas, que se parecem com os instintos.

O comportamento sexual do homem, por exemplo, é um deles. Contudo, não se manifesta em complexos padrões inaprendidos de conduta sexual e, por isso, não pode ser considerado instintivo em seu sentido exato. O comportamento humano é muito dominado pela aprendizagem, o que não ocorre na área do instinto, como podemos ver no seguinte exemplo:

Há duas variedades de cegonhas européias; uma migra para a África do Norte e a outra para a África Central. Se pegarmos um ovo da primeira espécie e o colocarmos para ser chocado por uma ave da segunda variedade, quando iniciar a migração o descendente da primeira espécie se desgarrará do grupo e seguirá o roteiro de sua espécie.

Nem todos os comportamentos animais são instintivos. Há muitos aprendidos e já foi constatado comportamento inteligente nos mamí­feros superiores. Contudo, só são capazes de estruturar os elementos do meio imediatamente presentes. Não possuem inteligência abstrata.

Um macaco numa jaula, depois de muitas tentativas infrutíferas de apanhar bananas presas no teto, encostou-se a um canto e, visuali-

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zando umas varas, um caixote e o cacho de bananas, não teve mais dúvida; levantou-se, encaixou um bastão no outro, subiu no caixote e derrubou as primeiras bananas. Foi um ato inteligente.

Assim como os mamíferos superiores são capazes, às vezes, de comportamentos inteligentes, também nós temos, em comum com eles, não instintos, mas restos de comportamentos instintivos. Somos, junta­mente com eles, seres territoriais e hierárquicos. Isto é, assim como os animais, lutamos, seja para estabelecer domínio numa hierarquia social, seja para estabelecer os respectivos direitos territoriais em deter­minado campo.

Algumas espécies são apenas hierárquicas, isto é, cada um se preocupa em manter posições definidas de superior a inferior dentro do grupo. Outras são territoriais, sem problemas hierárquicos. Final­mente, algumas têm os dois instintos. O homem filia-se, em suas ori­gens, a este grupo.

A hierarquia, no reino animal, é muito conhecida na chamada "ordem das bicadas", em que os gaios e as galinhas estabelecem suas posições (seus status) por meio de bicadas, criando uma hierarquia mais ou menos rígida. Os primatas são mais hierárquicos, estabele­cendo graduações de posições (status) dentro de seus grupos "terri­toriais".

Provavelmente os antepassados homínidas, ao se transformarem em carnívoros, acentuaram o instinto do "território". Quando um bem-te-vi, no topo de uma árvore, canta o mais alto possível, está deli­mitando o seu território.

A vantagem humana. A natureza cooperativa da caça levou o homem primitivo a intensificar sua vida social. E foi graças a esta cooperação que ele pôde sobreviver, pois não teria condições de viver isoladamente. Como animal social, possui impulsos para a defesa de um território comum. Ele traz ainda impulsos básicos para a defesa patrimonial da unidade familiar que existe dentro do território grupai. Mas a origem mais importante de sua agressividade é a luta pela manu­tenção e conservação individual, vindo, em plano subseqüente, a luta pela hierarquia dentro do grupo: a busca de prestígio, de uma posição elevada, de status.

A defesa territorial da unidade familiar faz com que se divida um edifício em unidades repetitivas: uma mesma unidade culinária para cada apartamento. As casas são infalivelmente separadas por muros.

Nos conjuntos residenciais de casas iguais, cada família põe a marca de sua individualidade em tudo que pode: pintura externa, decoração, jardim (quando há) etc. Na verdade, diz Morris, trata-se

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dum equivalente rigoroso do que fazem outras espécies territoriais, quando põem seus cheiros pessoais nas proximidades ou nos principais pontos de seu território. Com isto, alertam aos outros membros da espécie que estão entrando em território alheio. É com esta finalidade que os cães urinam nos postes da vizinhança, marcando-os.

"Quando uma pessoa põe um nome na porta — diz Morris — ou pendura um quadro na parede, faz exatamente o mesmo que o cão ou o lobo quando, por exemplo, alçam a perna e deixam sua marca no território em que moram."

A competição hierárquica na espécie humana

Esta luta por posições mais elevadas é feita, geralmente, com muita cautela, pois não se podem quebrar as forças de coesão social, levando o grupo à extinção. Essas forças, de forma velada, estão presentes em toda parte.

Um automóvel ou uma determinada marca de automóvel, um apartamento em certa parte da cidade, até diferenças de acento vocal, de postura, o nome nas colunas sociais, assumem um significado social decisivo, pois indicam a posição social do indivíduo. É expressão da luta pela subida hierárquica (a ordem de bicadas das galinhas).

Nosso comportamento foi estruturado para agirmos em pequenos grupos tribais, com menos de cem habitantes. Aí, a hierarquia se estabelecia facilmente. Todos se conheciam. Mas o que acontece no meio de uma multidão de desconhecidos? O homem se sente menos solidário e menos responsável, passando a reagir de modo mais agres­sivo, sobretudo quando a tônica grupai é a competição.

A agressão está à flor da pele. Se, de leve, tocamos em outro, apressamo-nos a pedir desculpas. Na intimidade, contudo, continuamos tribais.

A neotenia, isto é, o longo estado da infância do ser humano, determinou modificações no comportamento do homem primitivo. A monogamia era a melhor garantia para a proteção dessa infância. Qual­quer espécie animal depois de seis meses é capaz de manter sua vida independentemente dos pais. Só na espécie humana o cuidado com os filhos se prolonga por anos.

NOSSO CÉREBRO

É por ele que subimos, na escala zoológica, ao status de Homo sapiens. A complexidade do seu funcionamento é responsável pela existência do mundo maravilhoso da consciência e pela capacidade de

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reflexão. Por esta última, o homem pode se debruçar sobre si mesmo e conhecer-se, do mesmo modo que pode conhecer o mundo, de um ângulo e uma perspectiva únicos no nosso planeta.

Para Pavlov, contudo, duas operações fisiológicas chamavam a atenção. Dentro do organismo, o sistema nervoso funciona ora exci­tando certos músculos, glândulas ou órgãos, ora inibindo-os. É por isto que a ação de pequenas doses de álcool provoca exaltação em algumas pessoas, pelo enfraquecimento dos processos inibitórios. A cafeína, porém, fortalece os processos inibitórios. No sono se dá uma inibição ou desligamento de conexões nervosas. Por isso, o café serve para afugentar, um pouco, o sono. Um cão, a que se ensinou que um tapa nas patas significa alimento e outro no dorso não tem nenhum significado, depois de uma injeção de cafeína, apresentava uma con­fusão nos seus processos inibidores, de tal modo que o animal passava a salivar em resposta a qualquer tapa, seja no dorso ou nas patas. Em geral, se qualquer parte do córtex cerebral estiver sendo excitada, sua atividade tende a inibir a atividade das outras partes.

O cérebro, ao contrário do que se poderia pensar, nunca repousa. Nele ocorrem continuamente pulsações, verificáveis sob a forma de atividades elétricas. É curioso que as pulsações são maiores quando se está em repouso, diminuindo quando se faz um esforço de pensa mento.

Atividade do cérebro. Utilizamos apenas um percentual baixo da nossa atividade mental, responsável pelas atividades convencionais, as­sim como pelas não-convencionais: telepatia, pré-cognição (conheci­mento do futuro), conhecimento de fatos ocorridos a grande dis­tância etc.

Fisiologicamente, nossa atividade mental pode ser dividida em duas partes:- a atividade do estado de vigília e a do estado de sono. Assim, o cérebro nunca repousa totalmente. O estado de vigília (acordado) inibe as atividades normais do estado de sono; estas atividades do estado de sono são importantíssimas. Constituem-se em:

1. Elaboração da fantasia.

2. Interiorização (uma espécie de digestão) de tudo o que se passou durante o período de vigília. O sonho é exatamente a expressão desta realidade interna. É, em suma, através da atividade cerebral durante o sono que organizamos nossa realidade interior, que dige­rimos toda a massa de informações recebidas do meio exterior no estado de vigília.

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Sem esta atividade não poderíamos criar, em nosso mundo interior, o quadro imaginário e estético que embeleza as atividades prosaicas da vigília, do dia-a-dia.

Esta dualidade de atividade do cérebro pode explicar certos com­portamentos, como a hipnose, transe, catalepsia etc. Estes estados po­dem ser explicados pelo fato de partes do cérebro ficarem totalmente inibidas e partes totalmente ativadas.

Se tomarmos uma lagosta e a acariciarmos com firmeza nas costas da carapaça, desde a extremidade posterior até a face, ela cairá em estado cataléptico. Ficará imóvel e dura como uma pedra, podendo ser colocada nas mais variadas posições. Os encantadores de serpentes sabem que, ao se agarrar de repente uma cobra por detrás da cabeça, comprimindo«a no momento em que o animal se acha encolerizado, este cai em estado cataléptico e fica imóvel como um bastão, devido à força da ação inibidora do sistema nervoso.

i EXERCÍCIOS r

1. Afirmamos que o casamento monogâmico foi biologicamente uma conseqüência da neotenia. Que é neotenia?

2. O que é comportamento instintivo e como ele se apresenta no ser humano?

3. Existe comportamento inteligente entre os animais? Dê exemplos.

4. Aponte alguns sinais dos nossos impulsos territoriais e hierárquicos observados em nosso cotidiano.

5. Por que a competição hierárquica é atenuada na espécie humana?

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Comportamento reflexo e comportamento condicionado

Ê coerente supor que toda matéria viva pos­sui a propriedade de agir por reflexo. (K . P la tonov)

Se mantivermos um paramécio (micróbio formado de uma única célula) durante certo tempo numa cuba triangular e outro numa qua­drada, eles aprenderão a percorrer seus espaços em percurso triangular e em forma de quadrado, conforme o recipiente onde estão. Mudados para um vaso redondo e um pouco maior, o primeiro continuará a fazer seu caminho de forma triangular e o segundo, seu percurso qua-drangular. Ambos ficaram condicionados a caminhar naquelas direções.

INTRODUÇÃO AO ASSUNTO

Davld Riesman dedicou uma parte do seu livro The Lonely Crowd à análise de um antigo best-seller infantil: Toodle, a locomotiva. Esta estória ilustra bem o que seja condicionamento, que é o resultado final dos reflexos condicionados.

"Toodle é uma pequena locomotiva que vai a uma escola. Suas principais lições consistiam em aprender que se deve parar sempre diante de uma bandeira vermelha e nunca sair dos trilhos. Diziam-lhe que, executando estes dois ensinamentos, poderia crescer e tornar-se uma grande locomotiva de linhas aerodinâmicas. Toodle, inicialmente, comportou-se de acordo com o aprendido, mas, depois, foi descobrindo o prazer de sair um pouquinho dos trilhos, de colher, por exemplo, umas flores pelo caminho. Estas fraudes foram logo descobertas pelo

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o l h o pcrscrutador do limpa-trilhos. A desobediência de Toodle cria uma crise na Cidade das Locomotivas: os professores e autoridades se reúnem para discutir meios de forçar algo eficaz. Quando Toodle abandonou os trilhos, deu então de frente com uma bandeira vermelha. Habituada a deter-se diante de uma bandeira vermelha, parou e voltou--se para outra direção. Mas eis que encontrou outra bandeira ver­melha. Havia bandeiras vermelhas espalhadas por todo o campo. Toodle foi e voltou de um lado para outro, mas não conseguiu en­contrar lugar onde brincar. Finalmente olhou em direção aos trilhos: lá estava a bandeira verde e branca que lhe acenava com o sinal de siga. Voltou para os trilhos e prometeu ficar neles para sempre e ser uma boa locomotiva. Este sacrifício custou menos por causa dos aplausos de todos os habitantes da Engineville (Cidade das Locomo­tivas)."

Antes de vermos o que é um reflexo condicionado, leiamos o que seja um reflexo simples.

QUE É REFLEXO SIMPLES?

É uma resposta imediata e involuntária do organismo a um estí­mulo qualquer. Envolve um nervo que leva a irritação ou estímulo para o centro (nervo motor) e outro responsável pela resposta fisioló­gica do organismo (nervo sensitivo). Vejamos a seguir vários exemplos.

Muitos de nossos reflexos têm uma função protetora. Um dedo íoca a chapa quente de um fogão. Dezenas de receptadores de calor na pele fazem soar o alarma. Enviam estas mensagens de irritação pelo nervo motor aos centros nervosos. Como não se pode perder tempo, em muitos casos, estas mensagens se convertem em ordem antes mesmo de chegar ao cérebro. A massa nervosa da coluna vertebral assume o controle e por seus nervos sensitivos envia a ordem quase instantânea que determina o afastamento automático da mão.

O conhecido safanão do joelho que os médicos produzem com um martelo de borracha não passa de uma prova para verificar a presteza e a saúde das vias nervosas. A tosse é um simples ato reflexo, mas não é tão fácil assim explicá-lo. Quando existem alguns elementos irritando alguma parte das vias respiratórias, sobe o aviso para o cérebro (pelo nervo sensitivo). Como resposta, na primeira operação, o ar é aspirado para os pulmões e contido, sob pressão, pela glote. A glote é uma válvula que impede à comida de descer pela traquéia para o pulmão. Ao mesmo tempo que a glote se fecha, o véu palatino se levanta para vedar as passagens nasais. Quando todas as passagens

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ie ar estão vedadas, os músculos do peito se contraem. Simuliaiici mente abre-se a glote, e um pequeno furacão se desencadeia de dentro para fora, varrendo os elementos irritantes que estejam no me io .

O espirro, como a tosse, é reflexo simples, cuja finalidade 6 a limpeza da respectiva área. No espirro, o elemento irritante está numa passagem nasal. O cérebro manda ordens para expulsá-lo. Começa, então, uma série de acontecimentos, muito semelhantes aos da tosse: inspiração de ar, compressão súbita dos músculos do peito e do ab­dômen. Quando a explosão está prestes a ocorrer, o cérebro envia novas ordens: fecha os olhos, abre bem o véu palatino e, quando do ato explosivo, o indivíduo se inclina para baixo para produzir melhor efeito de expulsão do elemento estranho. Na tosse, o véu palatino se fecha para obstruir as passagens nasais, ao passo que no espirro, este fica inteiramente aberto para que o ar se precipite para fora tanto pela boca como pelo nariz. A criancinha espirra com muita freqüência. É a maneira que ela tem de assoar o nariz. Há uma particularidade no reflexo do espirro: só as irritações ligeiras o provocam. As lesões profundas como as cirúrgicas não o desencadeiam.

O bocejo, por sua vez, é também um reflexo simples. Apresenta--se, às vezes, como algo de mais agradável na vida, e em certas ocasiões como algo excessivamente constrangedor. Uma explicação comum do bocejo é que ele está relacionado com a falta de oxigênio no cérebro. Quando ficamos sonolentos (por qualquer motivo), a circulação san­güínea do cérebro se torna mais lenta e por isto diminui o suprimento de oxigênio. Se quisermos ou se tivermos de ficar despertos, o oxigênio precisa ser aumentado. No bocejo (mesmo nos traindo), a golfada de ar que o acompanha é a solução.

COMO SE REALIZA O CONDICIONAMENTO

Esta parte está escrita em redação especial — "instrução progra­mada": você lê cada quadro e escreve a resposta num papel à parte. A seguir, confirme sua resposta na p. 225.

t .

1. Num cachorro, podemos verificar o seguinte reflexo simples: co­mida na boca elicia 1 salivação. Qual é o estímulo (E)? Qual é a resposta (R)?

1 "Elicia" significa, em reflexologia, "determina", "produz".

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2. Luz nos olhos elicia contração pupilar. Quais são as letras-símbolo do reflexo correspondentes a "luz nos olhos" e "contração pu­pilar"?

3. Choque elétrico na mão elicia batidas cardíacas. O que é E? O que é R?

4. Associe:

Estímulos Respostas

a. alimento ( ) contração pupilar

b. luz ( ) aumento das c. choque batidas cardíacas

elétrico ( ) salivação

5. Alguns estímulos eliciam respostas sem aprendizagem alguma, de forma inata. Este comportamento é chamado de reflexo simples ou reflexo condicionado?

6. Um estímulo que elicia uma resposta sem treino prévio é chamado incondicionado (EI ) . Qual é o estímulo incondicionado para a resposta "salivação"? a) alimento na boca;

b) um menu.

7. Outros estímulos adquirem capacidade de eliciar respostas somente por meio de treino ou aprendizagem. São chamados estímulos condi­cionados (EC) . Na experiência de Pavlov, onde se tocava a cam­painha e se colocava pó de carne na boca do cão, qual o estímulo condicionado (EC) para a salivação?

a) a campainha; b) o pó de carne na boca.

8. A luz no olho é estímulo ( ) para a contração da pupila.

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9. John Watson, psicólogo americano, aplicou os princípios do con­dicionamento pavloviano a seres humanos. Em um de seus estudos, condicionou uma criança de onze meses a ter medo de um rato branco, apresentando-lhe o animal ao mesmo tempo que fazia produzir um som extremamente forte. Neste exemplo, qual foi o EI para a resposta "medo"?

10. Antes da experiência, a criança nunca tinha visto um rato (consi­derado um estímulo neutro quanto ao medo). Ela não manifestou medo quando viu o rato. Nestas condições, o rato foi um estí­mulo para a resposta "medo".

11. Somente após ser associado com o EI (ruído forte) fqi que o rato se tornou um ( )

12. Quando um estímulo neutro é associado a outro estímulo já rela­cionado com uma resposta particular, de modo que a apresentação do estímulo neutro provoque a mesma resposta que o EI , aquele pode ser chamado estímulo ( )

13. Como são chamados os estímulos que adquirem a capacidade de eliciar respostas somente por meio de treino ou aprendizagem?

a) reflexos simples; b) estímulos incondicionados; c) estímulos condicionados.

14. O Sr. X vai ao enterro do amigo que faleceu do coração. No dia seguinte, ao suspender um peso, contorce um músculo lombar e logo diz: "Estou doente do coração". A dor da contorção do mús­culo com referência à resposta "medo de enfarte" é um:

a) reflexo simples; b) estímulo incondicionado;

c) estímulo condicionado.

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15. Se você gritar para uma rã, ela não reage. O som de uma suave castanheta (estalido produzido pela ponta do dedo médio ao roçar o polegar) obriga-a a fugir. Este som lembra o ruído de rãs caindo na água precipitadamente. O ruído da castanheta é um

( ) para as rãs.

16. O marginal empalidecia toda vez que via um policial. Pode-se caracterizar, em termos científicos, esta reação "empalidecer" como:

a) reflexo condicionado; b) reflexo simples; c) resposta condicionada.

17. Quais os três elementos básicos contidos no condicionamento clássico?

18. Quando um estímulo previamente neutro provoca a mesma res­posta que um estímulo incondicionado, dizemos que houve aquisi­ção. O som da campainha para o cão de Pavlov demonstra . . . . . .

de resposta originariamente eliciada pela vista do alimento.

19. O condicionamento respondente é principalmente relacionado com a substituição dos estímulos. Assim, ambos os estímulos provocam aproximadamente a mesma ( ).

20. O condicionamento respondente implica a associação de um estí­mulo incondicionado (El ) a um ( ) para obter com este a mesma resposta que com aquele.

21. O som do motor do dentista pode ser um estímulo para o medo e a ansiedade.

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22. Se dirijo um jato de luz para os olhos de um cão, suas pupilas se contrairão; isto é um O fato de que o cão se empenha em várias atividades para cuidar de seus filhotes já não é considerado um

23. Uma lesma sobe, quando deve subir, sempre numa inclinação de 15 graus. Que tipo de ação é esta?

24. Que tipo de estímulo é o menu para a resposta "salivação"?

EXERCÍCIOS

1. Qual a diferença entre um reflexo simples e um condicionado? 2. Você vai dirigindo um carro; de repente surge uma pessoa na frente

e este fato determina uma freada violenta. Estamos diante de um reflexo simples ou condicionado?

3. Qual o mecanismo psicológico utilizado, de modo exaustivo, na fá­bula da "Locomotiva"?

4. Isto tem alguma semelhança com o que a sociedade faz conosco? (Comente um pouco sua resposta.)

I

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Tipos de condicionamento

Condicionar é uma forma de aprendizagem na qual a capacidade de eliciar uma resposta é transferida de um estímulo para outro. (Fred S. Keller)

Existem dois tipos de condicionamento: o clássico ou respondente, sobre o qual já fizemos um estudo no capítulo anterior, e o operante ou instrumental.

O condicionamento clássico foi descoberto, estudado e detalhada­mente pesquisado por Ivã Pavlov (1849-1936), fisiologista russo. O condicionamento operante foi apresentado por Burrhus Frederic Skinner (1904), psicólogo americano que desenvolveu intensa atividade no es­tudo da psicologia da aprendizagem.

CONDICIONAMENTO CLÁSSICO

Já vimos os elementos que constituem o condicionamento clássico: reflexo simples, cujo esquema é E—R, e que é uma resposta (R) a um estímulo (E) ; reflexo condicionado, que é, basicamente, a associação de dois reflexos simples funcionando dentro do esquema abaixo:

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Os dois reflexos simples, ou melhor, os dois estímulos dos dois reflexos determinam, aproximadamente, a mesma resposta; por isso. associam-se.

CONDICIONAMENTO OPERANTE

Para entendermos este tipo de condicionamento precisamos do conceito de reforço.

Reforço é qualquer coisa que serve para fortalecer ou extinguir a conexão E—R. O reforço positivo fortalece a conexão E—R. No nega­tivo dá-se o contrário: a conexão debilita-se até sua extinção. Assim, a aplicação de reforço negativo é uma forma de descondicionamento.

Descondicionar é separar um estímulo de uma resposta ou um re­flexo de outro. Assim como se associa, também se pode separar (des­condicionar). Vejamos um exemplo onde se emprega o reforço nega­tivo para descondicionar uma resposta de ira.

Uma criancinha de um ano e nove meses aterrorizava sua família com iras persistentes na hora de dormir. O condicionamento recebido: durante os primeiros dezoito meses de vida estivera doente e inspirara cuidados constantes. Ao deitar-se ela era acompanhada por alguém da família até dormir. Depois que ficou boa, perdeu alguns dos cuida­dos durante o dia, mas se apegou à presença de um familiar até dormir. Os pais e uma tia se revezavam na tarefa de colocá-la na cama. Se o escalado deixava o quarto, a criança gritava e agitava-se até que o adulto retornasse. Se o pai começava a ler, enquanto estava no quarto, chorava até que a atenção fosse voltada para ela. Os pais descobriram que ela gostava do domínio que exercia sobre eles e por isso demorava o mais que podia a dormir. Em resumo: um dos pais ou a tia estava gastando de meia até duas horas todas as noites, o que representava um consumo elevado e desnecessário de tempo.

Como resolver o problema? Era preciso descondicionar: separar hora de dormir (E) das respostas de excessivas atenções ( R ) . Separar este estímulo desta resposta. Como?

Foi montado o seguinte esquema: 1. Um dos pais ou a tia colocava o garoto na cama, de maneira

calma e amiga. 2. Depois de alguns carinhos, próprios da ocasião, des­pedia-se e fechava calmamente a porta. 3. Teria que deixar o garoto chorar o tempo que agüentasse.

Evidentemente, no primeiro dia ele chorou e gritou. Esse com­portamento durou 45 minutos.

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No sétimo dia, estava extinta a resposta de exigir mimos e aten­ções na hora de dormir. Colocado na cama, ficou só e não chorou, isso não trouxe nenhuma conseqüência. Aos três anos e nove meses, o garoto era uma criança amável, expressiva e sociável.

O que ocorreu:

1. O reforço positivo dos mimos e agrados na hora de dormir foi su­primido.

2. Em seu lugar instalou-se um reforço negativo de choro, gritos etc.

Como ocorre o condicionamento operante

Vejamos um exemplo: Uma criança e sua mãe estão num final de feira, já um tanto

cansadas e irritadas pelo calor. De repente, a criança vê a banca de algodão-doce e pede-o à mãe. Esta diz que não. A criança, já cansada, e agora frustrada, pede de novo, mas desta vez chorando. A mãe diz que não vai dar, de jeito nenhum. A criança chora alto. Ela pede à criança que pare. A criança continua pedindo e chorando. Ela dá um beliscão no garoto. Então a criança grita, joga-se no chão, dá pontapés — um quadro completo de ira. A mãe, embaraçada, compra o algodão-doce. Ao fazê-lo, reforçou este tipo de comportamento "es­candaloso" e enfraqueceu as outras respostas mais adequadas. Vejamos isto, graficamente:

Ri (pede simplesmente)

Houve reforço deste tipo de resposta ( R 4 ) .

As três primeiras respostas não foram reforçadas e tendem a se extinguir. Na próxima vez, a criança será levada a repetir a mesma resposta reforçada. Se conseguir, irá, cada vez mais, incorporando este tipo de resposta, chegando ao ponto de. se transformar num traço de sua personalidade e num tipo de caráter. Será o "estourado", o "vio­lento". Poderia ser exatamente o contrário, se tivesse sido condicio­nado em outra direção.

A diferença entre este tipo de condicionamento (o operante) e o condicionamento clássico está em que o primeiro ocorre espontanea­mente. Há várias respostas e a que for gratificada é a que tenderá a se refletir e depois se consolidar.

Os pais, por exemplo, podem ou não exagerar a "oralidade", isto é, o hábito de obter prazer pela boca, através da comida, bebida, fumo etc. Se em criança, a qualquer sinal de desconforto, a única resposta recebida for uma recompensa ou reforço oral agradável, como o seio, mamadeira, chupeta e t c , poderá, mais tarde, continuar exigindo, para qualquer ansiedade, uma recompensa oral em forma de comida, bebida, cigarro ou qualquer outra coisa que lhe dê prazer oral.

Muitos comportamentos que parecem complexos são, na realidade, reflexos de estrutura simples. O caminhar exige apenas dois reflexos simples: a força da gravidade exige uma resposta de equilíbrio de vá­rios músculos, mantendo o corpo em pé (o esquema, como vemos é E — R ) ; a locomoção se faz pela pressão na planta de um pé ( E ) , que determina a resposta de levantar e avançar o outro pé ( R ) .

Outros condicionamentos são mais complexos. Certa pessoa vai deitar-se com dor nas costas e liga a dor nas costas a seu velho medo do câncer. Sonha que está sofrendo de câncer. A dor nas costas foi o estímulo (E) que determinou a resposta (R) sonho de estar com câncer. Tirar a máscara do câncer e ver o simples medo, sem seu correspondente real da moléstia, é um trabalho de descondicionamento.

Descondicionar não é só entender as fantasias e desmascará-las, mas sentir-se livre delas. Não basta saber que bicho-papão não existe: é preciso sentir que ele não existe, mesmo quando se está num quarto escuro, sem nenhuma companhia. Por isso, interpretar as fantasias desconhecidas não basta. É preciso sentir o que se interpretou.

CONDICIONAMENTO DO MEDO

Numa criança de pouca idade, o medo nem sempre se concentra no objeto amedrontador. Freqüentemente "transborda" de tal maneira que os pais encontram dificuldade para acompanhar.

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R 3 (pede, chorando alto)

PM (grita, esperneia) —' consegue (reforço)

R 2 (pede, choramingando)

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A criança pequena que foi derrubada por um cachorro grande aprende naturalmente a temer o cachorro. Mas seu medo transborda, passando a incluir todos os cachorros e, às vezes, todos os animais de quatro patas. É compreensível que os pais se espantem ao vê-la ficar com medo do retrato de uma vaca. Isso ainda é resposta do primeiro título.

Coragem imposta. A sociedade moderna dá ênfase à falta de medo. "Seja um garoto corajoso." Isso leva freqüentemente as crian­ças a disfarçar e esconder seus temores.

Vencer o medo. Os psicólogos concordam que três métodos muito utilizados para combater o medo causam mais mal do que bem. Eles são: ignorá-lo sistematicamente, ridicularizar ou punir a criança por ter medo e forçar a criança na situação temida.

Outras maneiras devem ser experimentadas. Por exemplo: expli­que a situação, tentando convencer a criança de que não há nada a temer; dê você mesmo um exemplo de falta de medo; experimente um "recondicionamento positivo": apresente o objeto temido junto com um objeto de prazer, ou incorpore a coisa assustadora a um con­texto maior reassegurador. O temido cachorro grande será gradual­mente aceito se fizer parte de um jogo divertido com a participação de várias outras crianças.

Finalmente, ajude a criança a ganhar confiança em si, mostrando--lhe como lidar ativamente com a situação temida. Se ela tiver medo do quarto escuro, examine com ela o quarto à luz do dia e mostre como poderá achar o interruptor elétrico.

Ajudando a criança a lidar ativamente com um de seus temores, você poderá dar-lhe uma concepção mudada de suas próprias habili­dades. Se ela for confiantemente a um lugar que antes temia, tornou--se, nesta exata medida, uma pessoa mais madura.

i EXERCÍCIOS r

Pai e filho eram excessivamente gordos e tinham a mesma maneira tensa de trabalhar. O pai acabou morrendo de enfarte. Isso causou profunda impressão no filho que, imaginando ter o mesmo destino do pai, resolveu emagrecer. Um dia, ao entrar num restaurante, viu uma suculenta travessa com fritas e de repente veio-lhe à cabeça a

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imagem do pai morto. Então, lembrando-se da família que devia sustentar, das férias que queria gozar e tc , passou a comer uma salada com peixe cozido.

1. Que tipo de condicionamento foi empregado no exemplo acima?

2. A lembrança da família e das férias serviu como reforço, estímulo condicionado ou estímulo incondicionado?

3. O medo de enfarte que o filho passou a ter, após a morte do pai, funcionou como estímulo incondicionado ou condicionado?

4. A morte de um cachorro de estimação causa profundo abalo em seu dono, um professor com cerca de trinta anos. Seu sofrimento poderia ter sido causado por algum condicionamento? Vejamos: "Em criança eu projetei toda a minha necessidade de amor, porque não o recebi dos meus pais, num cachorro que ganhei de presente. Mais tarde, já um adulto neurótico, voltei a ter um cachorro, e quando ele morreu, recentemente, senti todas as dores que haviam se acumulado na minha infância. Isto é, não sofri com o que de fato ocorreu, mas em virtude da sensação de abandono que eu sen­tira em criança, por ocasião da morte do meu primeiro cachorro."

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Nossos comportamentos aprendidos

A Educação é a maior e mais ampla agência criadora de comportamento e modeladora da pessoa. Está interessada em fazer nossas ca­beças e orientar nossa ação presente e futura. ( D e u m a aluna da terceira série do segundo grau)

Como seria um adulto que tivesse contado apenas com seu equipa­mento inato em todo seu desenvolvimento? Em outras palavras, como seria um adulto que não contasse com nenhum comportamento apren­dido? Em primeiro lugar, em vez de falar (que é algo que se aprende) teria gritos e grunhidos desarticulados. Não saberia andar nas ruas, alimentar-se à nossa maneira etc.

Temos que aprender inúmeras coisas. Quase todos os nossos com­portamentos são aprendidos.

Todas as vezes que nossas reações inatas ou adquiridas se revelam insuficientes ou inadequadas para enfrentarmos situações novas, temos que aprender algumas coisas até alcançar a resposta ou reação que convenha à situação. Aprendemos então novas respostas ou novas maneiras de agir, que incorporamos à nossa conduta como formas progressivamente adaptadoras de comportamento. Chegamos, pois, à conclusão de que aprender é, em última análise, reagir de uma maneira favorável a uma situação estimuladora, à qual não podemos fazer face com nossos equipamentos hereditários.

Há sempre uma situação estimuladora que nos leva à sala de aula para aprender alguma coisa que nos habilite a reagir favoravel-

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mente. Quanto mais ligarmos o ato de aprender à resolução de nni.i situação qualquer: "passar no vestibular deste ano", "ser um.i lio;i professora primária" e tc , tanto mais eficientemente aprenderemos. Isto serve de orientação para a motivação dos alunos.

O que ocorre numa sala de aula? Numa sala de aula existe ensino, que é algo diferente de aprendizagem. Ensino é a transmissão ou apresentação de certas orientações por parte de alguém, no caso, um professor, que facilita a aprendizagem por parte do aluno. Muita gente aprende sem precisar de ensino. São os autodidatas. O ensino, con­tudo, ajuda a aprender.

Numa experiência de tiro ao alvo na água, comprovou-se a van­tagem do ensino. Dividiram-se os candidatos em dois grupos: a um, em sala de aula, ensinou-se a lei de refração (aquela que faz com que um pau dentro da água pareça quebrado) e outros cálculos. É claro que este ensino, só, era insuficiente, pois um ensino normalmente não se constitui em aprendizagem. Ao outro grupo, nada se ensinou, dando apenas as armas. Os que foram ensinados a atingir o alvo, precisaram de menos tentativas do que os outros, aprendendo muito mais depressa.

Portanto, há uma relação entre aprender, ensinar e treinar.

QUE VEM A SER APRENDIZAGEM?

Aprender um assunto envolve três processos quase simultâneos:

• aquisição de nova informação;

• incorporação desta na experiência da pessoa;

• avaliação ou emprego desta informação na vida prática.

Num ato de aprendizagem, a informação nova que pretendemos assimilar, ou substitui o que já se sabia ou é inteiramente nova. Numa aula de ciências, o professor afirma que os golfinhos são mamíferos, quando todos os alunos pensavam que eram peixes. Às vezes, porém, a informação se reduz a um aprimoramento, como no caso de uma aula sobre circulação do sangue, em que os alunos sabem, até certo ponto, que o sangue circula no corpo.

O item incorporação ou transformação do conhecimento novo em nossa experiência implica sempre uma tendência para seu emprego ou uso com vistas a irmos mais além, enfim, a utilizá-lo. Neste sentido, o segundo item está intimamente ligado ao terceiro: verificar se o modo pelo qual manipulamos a informação é adequado à tarefa.

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Um episódio de aprendizagem pode ser breve ou longo, conter muitas ou poucas idéias. A duração de um ato de aprendizagem depende da motivação e das condições em que se encontra o aluno para sustentá-lo. A principal destas condições é a maturidade.

Em termos práticos, aprendizagem é a modificação da conduta interna ou externa mediante a experiência ou prática.

As modificações no nosso comportamento, mediante a aprendi­zagem, não devem ser confundidas com aquelas que são determinadas pela maturação. Há aprendizagem quando as transformações não são e não podem ser explicadas pelo desenvolvimento natural do orga­nismo. A aprendizagem é a organização feita pelo indivíduo de um comportamento novo mediante a experiência. Quando você soube o que é aprendizagem, fez uma descoberta e uma incorporação para o futuro de uma nova maneira de comportar-se em relação a esta palavra, que representa uma situação a que se submete a pessoa. A aquisição de significado ê uma mudança na conduta interna.

MODOS DE APRENDER

Segundo a Psicologia atual, há três modos de aprendizagem: con­dicionamento clássico, ensaio e erro, e discernimento (insight).

Codicionamento. Faz--se através do mecanismo dos reflexos condicionados (ver capítulo a respeito). Por exemplo, é pelo meca­nismo dos reflexos condicio­nados que a criança aprende a falar. A criança vê a bola — primeiro circuito; en­quanto vê a bola, ouve: isto se chama bola. Mais tarde, basta o ruído sonoro (palavra) para evocar a rea­lidade vista (bola).

118

Ensaio e erro. Consiste na eliminação sucessiva das respostas infrutíferas. Quando se vai aprender a andar de bicicleta ou nadar, através de tentativas e erros se consegue eliminar os gestos errados e inúteis até a obtenção da pureza ou retidão dos movimentos certos.

Discernimento. Em geral, toda situação de aprendizagem cons­titui uma situação ou configuração (Gestalt, forma, campo). Toda configuração se compõe de várias partes constituindo um todo. Num ato de inteligência é possível perceber, num relance, todas as partes, formando a solução do problema. Com isto aprendeu-se a resolvê-lo.

O relacionamento inteligente entre as partes de um todo, com vista a uma solução, chama-se insight.

Transferência de aprendizagem. É um fato indiscutível a transfe­rência de aprendizagem. Esta se dá quando a pessoa reconhece a nova situação como semelhante à outra para a qual tem comportamento aprendido. Alguns assuntos não podem ser estudados, diretamente, nas condições reais, tais como: cirurgia, pára-quedismo, pilotagem, astronáutica etc. Nestes casos, aproveitam-se os benefícios da transfe­rência de aprendizagem. Esta, contudo, pode ser positiva ou negativa.

Na transferência positiva, há o deslocamento de habilidades e ten­dências positivas de uma aprendizagem para a outra. A facilitação nervosa, adquirida na primeira, serve para encurtar e melhorar a apren­dizagem seguinte.

A transferência negativa, por sua vez, desloca para uma atividade de aprendizagem similar atitudes negativas e bloqueios adquiridos ante­riormente.

Um segundo modo, pelo qual a aprendizagem anterior torna mais eficiente uma posterior, mesmo de natureza um tanto diferente, é por meio do que se chama transferência de princípios e atitudes. Consiste em se aprender uma idéia geral, uma lei, a estrutura toda do fenô­meno, de tal modo que passamos a reconhecer, com mais facilidade, os problemas subseqüentes que forem casos especiais do conhecimento adquirido. Por exemplo, a boa compreensão da lei de Newton, a da gravitação universal, facilita a compreensão de inúmeros fenômenos posteriores, como casos especiais dessa lei geral.

O fenômeno que ocorre na memorização se resume na aquisição de certas associações numa seqüência fixa e predeterminada. A moti­vação, o reforço e o exercício são fundamentais na atividade da me­mória. Nesta atividade, encontramos os seguintes fenômenos: fixação, retenção, evocação e reconhecimento.

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Fixação é o esforço para imprimir na mente a matéria desejada. Retenção é a manutenção do fixado na mente. Evocação é o retorno do fixado à mente consciente. O reconhecimento consiste não em evo­car mas em identificar dados presentes na situação anterior à memo­rização. Quando vemos alguém caminhando numa rua temos certeza de que o conhecemos (evocação), mas não sabemos quem é (reconhe­cimento).

MEMÓRIA E ESQUECIMENTO

A causa principal do esquecimento é a aprendizagem inadequada ou ineficiente. Há contudo outras causas. Podemos citar em primeiro lugar o enfraquecimento progressivo dos elementos guardados no cé­rebro. Assim se explica o esquecimento devido a certas doenças e por excessiva velhice. Muitos esquecimentos nascem da interferência de matérias novas em dados antigos, da confusão de umas com outras ou ainda da inibição de dados antigos provocada por matérias novas. É opinião geral que tudo que foi aprendido nunca é esquecido total­mente, embora sua evocação seja muito difícil.

Todos os seres vivos são capazes de aprender, desde que se utili­zem recursos de ensino adequados. Para ilustrar isto, vanjos apresentar uma experiência feita com a planaria, verme primitivo e achatado que vive em rochas escuras de águas estagnadas e poluídas. É tão primi­tivo que tem a propriedade surpreendente de, partido ao meio, rege­nerar cada metade num novo verme. Um pesquisador ensinou uma planaria a reagir à luz, através do condicionamento.

1. O pesquisador acendia uma luz por cima da cabeça da planaria e, ao mesmo tempo, transmitia-lhe um choque elétrico por meio da água.

2. Depois de 250 tentativas de condicionamento, o vermezinho apren­deu que a luz significava choque, e assim, quando se acendia a luz, passou a se contrair.

3. Depois de ensinado, foi partido em dois. Quando as duas partes se regeneraram, transformando-se em dois vermes adultos, foram submetidas à mesmo experiência. Qual teria sido o resultado?

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4. Os dois novos vermes ainda guardavam, de memória, o aprendizado. A memória exige elementos materiais de natureza química e íisio lógica para fixar seus conhecimentos. Esses elementos são identi­ficados com substâncias especiais do núcleo das células.

A diferença principal entre a memorização e a aprendizagem é a mesma que se encontra entre a memória mecânica e a solução de pro­blemas pelas tentativas. Na memória mecânica existe pouco ou ne­nhum uso de tentativas entre as várias alternativas. O problema da memorização consiste principalmente em adquirir certas associações numa seqüência fixa e predeterminada. A motivação, o reforço e o exercício são necessários, quer se esteja aprendendo Matemática, quer se tente decorar um poema ou uma série de fórmulas.

INTERESSE E APRENDIZAGEM

Onde há interesse, são possíveis façanhas extraordinárias. Arturo Toscanini, o maestro, sabia de cor partituras de centenas de sinfonias e óperas. Em contraste, podia subir num ônibus e esquecer seu número quase imediatamente. Estava interessado numa coisa e não na outra.

Um interesse genuíno pelas pessoas fará com que seus nomes sejam conservados na memória. Quando Henry Clay, o estadista ame­ricano que foi um dos fundadores do Partido Republicano, estava progredindo na política, pensava tanto nos que o estavam ajudando, que chegou a saber de cor os nomes de 20 000 de seus partidários. Também Napoleão Bonaparte e George Washington estavam tão inte­ressados em seus soldados, que podiam chamar qualquer um sob seu comando pelo nome. Saio Finkelstein, matemático, certa vez espantou uma platéia memorizando o número 02470684596183261841 em qua­tro segundos e três quartos; um dos presentes observou: "Eu não poderia nem ter lido isso no mesmo tempo", ao que Finkelstein re­plicou: "Talvez não, mas então o senhor não se interessa, realmente, pelos números, não é?"

No interesse, podemos descobrir dois aspectos básicos: aptidão e gosto ou habilidade e afetividade.

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Este gráfico de Albert Eiss 1 ilustra bem o papel do interesse pes­soal e da motivação na aprendizagem.

2. sensório

Esclareçamos seus termos:

1. Subconsciente. Antes da aprendizagem, nossa consciência esta, em relação àquilo que se vai aprender, num estado de baixa consciência ou de não conhecimento.

2. Sensório. O que vamos aprender é alguma coisa ligada a nosso interesse, direta ou indiretamente. Por isto, de alguma maneira, vai afetar nossa dimensão afetiva, ou melhor, vai entrar pelo lado afetivo e do interesse.

3. Afetivo. Tudo o que nos parece bom e nos agrada, assim como o que percebemos como ruim e nos desagrada, atinge nossa área afetiva (veja Primeira Parte, Capítulo 6). Se alguma coisa estiver absolutamente fora do nosso interesse e da nossa motivação, não terá entrada no nosso processo de aprendizagem.

1 Eiss, Albert. Instrucüonal Systems. Michigan, Experimental Edition, 1968, p. 25.

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4. Cognitivo. O processo de aprendizagem leva um fato ou aconie-cimento desconhecido para a área do conhecimento. Cria conhe­cimento. Se não se chega a um esclarecimento na área cognitiva, não ocorre aprendizagem.

5. Psicomotor. O resultado final da aprendizagem abrange muito mais do que a parte cognitiva, atinge o indivíduo como um todo. Daí. referir-se o autor a esta área como psicomotora. Depois que se aprende, há uma modificação na pessoa, por mínima que seja, pois a pessoa é uma estrutura psicomotora.

6. Consciente. O processo da aprendizagem transforma algo desco­nhecido em conhecido. Dessa maneira há uma passagem do sub­consciente (desconhecido) para o consciente (conhecido).

7. Comportamento aberto ou aprendido. Depois que se completa o processo e a partir desse momento, a reação psíquica e motora da pessoa ocorre de modos diferentes. Vamos dar um exemplo simples. Antes, alguém achava que o golfinho era um peixe, agora aprendeu que é um mamífero. Com isto, incorporou uma resposta, dentro de si, que é ao mesmo tempo psíquica (consciente, clara) e mo­tora. Por isso pode traduzir essa resposta em comportamento aberto ou manifesto. Este comportamento vai possibilitar a aquisição de novos comportamentos ou de novas entradas.

EXERCÍCIOS

1. Que é transferência da aprendizagem?

2. Comente: "Motivação para aprender. Poderíamos até chamar esta motivação de decisão de aprender. Se o aluno ou o aprendiz não está moti­vado ou, em outros termos, não está decidido a aprender, o esforço do professor será muito grande e o resultado, certamente, mínimo."

3. Dê uma definição para "decisão de aprender".

4. Agora, voltemos à questão fundamental: o que é mesmo "apren­der"? Se tiver alguma dificuldade em responder ou definir o que é aprendizagem, passe para o capítulo seguinte.

123

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O processo da aprendizagem

A criança, como qualquer um de nós, é uma espécie de máquina de digerir novidades, assi­milando mudanças do seu meio e partindo para novas experiências se o ambiente for pro­pício. (Jerome Kagan)

A aprendizagem é um processo, isto é, uma atividade interior que tem um início, um desenvolvimento e um fim. Nesse sentido, a apren­dizagem é algo muito pessoal, mas que pode ser influenciado, com êxito, por pessoas habilitadas e através de estímulos e técnicas.

A aprendizagem é a modificação que ocorre na conduta mediante a experiência ou a prática. Ê um processo dinâmico, vivo, global, con­tínuo e individual. Exige como condição básica o amadurecimento do indivíduo para a referida modificação.

A criança é uma máquina pronta a desencadear este processo, a qualquer momento.

No Centro de Estudos Infantis da Universidade de Yale cons­tatou-se que uma criança normal de três meses aprendeu que deter­minadas luzes se acendiam em certa ordem. Depois de ensinada, seus olhos se antecipavam às luzes que deviam acender.

Nossos métodos tradicionais de ensino só exploram uma parte mínima das aptidões e da capacidade de aprender do ser humano. As últimas pesquisas em Psicologia da Aprendizagem Infantil demonstra­ram que uma criança de quatro anos já podia escrever, ler e ser introduzida na Álgebra. É claro que esse ensino dependeria de formas

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de aprendizagem científicas e apropriadas. Não seria com nossos me todos anacrônicos que iríamos obter tais resultados. Um meio a l i . i

mente estimulador é fundamental na aprendizagem.

CAUSAS PERTURBADORAS DO PROCESSO

Há muitas causas que perturbam a realização desse processo. Ve­jamos as principais:

1. Tensão, conflito, angústia e ansiedade são os fatores emocionais apontados como causadores de queda no rendimento escolar da criança, provocando distúrbios intelectuais e até mesmo físicos.

2. A carência afetiva, como conseqüência do abandono dos pais e da falta de amor, é uma das principais causas de baixo rendimento escolar. Pode fazer com que a criança apresente na escola uma ati­tude ambivalente. A necessidade de afeto faz com que solicite muito seus colegas e professores, na tentativa de obter uma compensação, mas também provoca atitudes hostis e agressivas em relação às mes­mas pessoas. A criança, com medo de ser rejeitada, passa a ter comportamentos sociais pouco ajustados.

3. Podemos citar ainda causas religiosas, emocionais e culturais. Por exemplo: as crianças muçulmanas, cuja religião proíbe que se repro-duzam figuras, têm sua aprendizagem dificultada, pois a criança pre­cisa de imagens e ilustrações concretas para aprender mais facil­mente.

4. O meio familiar é outra causa a ser apontada. A diferença entre bebês da classe média e dos lares pobres já é nítida na idade de um ano e meio. Até então, os testes-padrão revelam que todas as crianças normais se comportam de maneira muito semelhante. Inicialmente, no desenvolvimento motor, os bebês da classe pobre levam ligeira vanta­gem. Lá pelos dezoito meses, porém, os engatinhadores da classe mé­dia tomam a dianteira, investigando o excitante mundo dos brinque­dos, da fala, dos jogos sob a orientação dos adultos interessados. Os filhos dos pobres, em seus lares superpovoados e desorganizados, aprendem que o melhor meio de não terem aborrecimentos é ficarem quietos. Atendidos que sejam por alguma irmã mais velha, uma vizinha indiferente ou pelos próprios pais exaustos e oprimidos, a lei é a mesma: o prêmio da curiosidade é geralmente pancada. Coinci­dentemente começa a baixar o Q.I. Meios culturais pobres desenvol­vem pouco a personalidade e a inteligência.

125

Page 29: psicologia moderna

Na sala de aula, o mais dramático é o seguinte: o aluno desas-sistido, rejeitado, sofrendo uma das várias formas de abandono, chega à escola e esta quase sempre não o ajuda. Omite-se, expulsa da sala de aula o aluno mal-comportado. Põe-no de castigo. Tudo isto é muito cômodo.

Em 1972, num colégio do Rio, um inspetor de alunos, por ordem do diretor, não deixou um aluno entrar no prédio porque es­tava com sapatos diferentes do uniforme. O aluno, que sabia estar ameaçado por marginais, insiste. Não foi atendido. Ficou vagando em torno do colégio e acabou sendo assassinado pelos marginais que temia.

5. Problemas de motivação e de comunicação também podem perturbar o processo de aprendizagem. Em primeiro lugar, a percepção de uma situação está ligada ao modo como se apresentam os dados do problema. Muitas vezes, estes dados são apresentados de modo a não favorecerem a aprendizagem.

Vejamos um exemplo: trace três fileiras de três pontos cada uma, una estes nove pontos com quatro linhas retas, sem levantar o lápis do papel. Uma linha retraçada considera-se como nova. Tente ,a experiência antes de fazer esta leitura. Apenas com estas informa­ções, seremos levados forçosamente a fazer um quadrado, unindo os oito pontos das extremidades. Mas devemos unir os nove com apenas quatro linhas. A seguir poderemos descobrir que seria fácil uni-los com cinco linhas.

É necessário fazer novas associações e ver o problema de outro ângulo. Por exemplo, as linhas podem estender-se além dos limites dos pontos e aí está uma informação importante que não foi dada. Comece, agora, a resolver, passando com as linhas além dos pontos.

A solução certa depende de uma reestruturação dos dados, de modo que os componentes efetivamente necessários ao resultado pos­sam ser clara e adequadamente captados.

6. Há casos em que o perceber mal corre por conta de fatores pessoais ligados a experiências passadas do indivíduo, ou seja, por falta de conhecimentos anteriores.

As pessoas trazem em si atitudes e expectativas que as ajudam a guiar e ordenar o modo pelo qual os estímulos serão percebidos. Muitas vezes, nossas "viseiras" (atitudes) e uma certa rigidez men­tal nos impedem de resolver os problemas, vendo-os de outro modo.

Um professor de Física, do colegial, contava aos colegas, indig­nado, que seus alunos foram incapazes de resolver o seguinte pro­blema que constava de uma prova parcial:

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"Um automóvel anda à razão de 60 km por hora. Que dis­tância percorre em uma hora e 20 minutos?"

Facílimo, não? No entanto, vinte alunos de uma turma de 33 não atinaram com a resposta. Por quê? O professor de Física, per­plexo, argumenta: "E olhe que estes alunos acertaram problemas mais difíceis!"

Interrogando os alunos, descobriu-se que muitos deles eram perfeitamente capazes de resolver problema análogo que lhes foi dado depois da prova. Que acontecera? Simples choque emotivo? Nervosismo devido à situação de exame? Mas, por que motivo erraram justamente o problema mais fácil? A explicação pode nova­mente ser dada em termos de má percepção. Tendo-se defrontado com um certo número de problemas difíceis, os alunos "esperavam" outros problemas de igual, ou maior dificuldade. Nada os fazia supor que iriam encontrar justamente um problema fácil. Quando este apareceu, "perceberam-no" como difícil ou insolúvel.

A questão fácil ficou envolvida por uma espécie- de atmosfera que fez com que fosse vista como difícil. A solução certa foi, inclu­sive, rejeitada por desconfiança. Na realidade, os alunos não acre­ditaram que depois de uma série de perguntas difíceis ocorresse uma efetivamente fácil.

Entre os fatores pessoais que interferem, prejudicando a ade­quada compreensão do problema e conduzindo a soluções falsas, incluem-se os próprios sets ou estruturas mentais. Embora derivadas de situações objetivas precedentes, acabam por se converter em condicionamentos subjetivos ou interiores.

APRENDIZAGEM E INTELIGÊNCIA

Há uma correlação direta entre aprendizagem e inteligência: quan­to mais inteligente a pessoa, melhor ela aprende.

Além da má percepção dos elementos do problema, a falta de inte­ligência dificulta a aprendizagem. É imprescindível a inteligência para associar os vários elementos numa interpretação pessoal e única, pela qual penetramos na realidade do problema.

Conta-se que Gauss, o famoso matemático, foi uma criança pre­coce. Freqüentava ainda a escola primária, quando seu professor, dando um exercício de aritmética, propôs à turma o seguinte problema:

"Qual de vocês é capaz de achar, o mais depressa possível, a soma de 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10?" Subitamente, enquanto seus colegas ainda faziam contas a todo vapor, Gauss levanta a mão, anunciando

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O resultado: 55. Estupefato, o professor o interroga: "Como pôde che­gar tão depressa à solução?". O menino responde que tinha achado cômodo agrupar os pares 1 + 1 0 = 11; 2 + 9 = 1 1 , . . . etc. A soma era igual a 5 pares de 11, ou seja 55.

Gauss descobrira, assim, um importante teorema: o valor da soma dos termos de uma progressão aritmética.

Que acontecera? Na linguagem dos gestaltistas, diríamos que houve uma reestruturação do campo perceptivo. Em outras palavras, o me­nino passou a ver o problema de uma outra perspectiva.

Neste discernimento, mais ou menos súbito, nesta nova maneira de apreensão dos elementos, é que reside a principal característica do comportamento criador. Inventar é resolver um problema pela apreen­são dos aspectos ou relações que se apresentam, inicialmente, dispersos.

CRIATIVIDADE E PERCEPÇÃO ORIGINAL

O aspecto criador da inteligência tem preocupado seriamente os psicólogos. Em seus estudos sobre crianças excepcionalmente bem do­tadas, verificaram que o talento criador nem sempre é sinônimo de ele­vado quociente intelectual (ou vice-versa). A capacidade inventiva mani­festa-se, geralmente, pela percepção original. Um menino, por exemplo, a quem se pedira uma autobiografia, escreveu: "Nasci em 1953 e desde então tenho vivido sem interrupção. . .". Outro descreve assim sua vinda ao mundo: "Fui transferido de outro mundo — chocado por assim dizer. Meu irmão gêmeo Miguel acompanhou-me nesta j o rnada . . . O meu primeiro endereço: Casa de Saúde São. . . " . Os meninos a que aludimos tinham oito anos de idade. Uma moça, inteligentíssima, ao ser submetida a um teste projetivo, interpretou um borrão de tinta como "dois germes atacando um tubo de dentifrício Eucalol".

O denominador comum de todas estas respostas é a abordagem pouco convencional. Estes alunos possuem, todos, o dom de ver as coisas comuns de ângulo diferente. É este "ver as coisas sob outro ponto de vista" que está na raiz de todos os nossos esforços para resolver uma situação-problema.

A presença de um problema determina em cada um de nós um modo de percepção de sua realidade. Se o percebermos bem, isto é, de acordo com o que deve ser percebido, e se formos suficientemente inteligentes, estará resolvido. Se percebermos mal, conseqüentemente não acertaremos. Nestes casos, há outros modos de aprender, como através do ensaio e erro.

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APRENDIZAGEM DE CONCEITOS E APRENDIZAGEM APRECIATIVA

Como é que aprendemos o que é aprender? Para aprender muitos conceitos abstratos como este, é fundamental a clara percepção da situação que o conceito envolve. Depois de bem percebida, é neces­sário, para a aprendizagem, sentir a situação como um todo. A seguir temos que interpretá-la. Por interpretação entende-se uma elaboração interna da nossa experiência com respeito àqueles conceitos. Se não houver esta elaboração interna de nossa experiência pessoal, no má­ximo decoramos a definição do termo.

Tudo se aprende e em todas as partes. Enquanto o professor leciona, desenvolve-se, lateralmente à parte técnica ou didática, toda uma aprendizagem apreciativa. Os alunos aprendem os gostos do mestre, sua maneira de ver as coisas, sua ideologia, seus valores, muita coisa, enfim. Isto recebe o nome de aprendizagem apreciativa, que consiste na aquisição de atitudes e ideais, tendo por base a afetivi-dade, a imitação.

n EXERCÍCIOS r

1. "O ruído da carrocinha de sorvete que se aproxima representa para a criança um sinal. Há um número muito grande de respostas que ela poderá exibir. Observando um grupo de crianças, veremos que algumas pedem ao homem da carrocinha que pare, outras correm para dentro de casa em busca de dinheiro, outras ainda continuam com sua brincadeira sem se perturbar. Se observarmos a mesma criança em vários dias sucessivos, veremos que ela nem sempre apresenta as mesmas respostas; provavelmente porque em certos dias ela já tomou um sorvete anteriormente, ou porque sabe que a mãe não está de bom humor e não lhe dará dinheiro para comprar sorvete." Que tipo de aprendizagem é este?

2. "A aprendizagem ocorre quando certas respostas se apresentam com freqüência cada vez maior em situações repetidas." Comente.

3. O que é "aprender"?

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Page 31: psicologia moderna

Objetivos e avaliação da aprendizagem

Não se pode falar em aprendizagem sem en­fatizar objetivos e avaliação. (Wilson Choeri)

Objetivo não é uma descrição, não é o que você vai dizer, não é a "noção sobre". É a modificação que você quer produzir no aprendiz. É o produto final, não o processo nem o método, a ma­neira de explicar. O objetivo é a modificação no comportamento, na mente, nas atitudes da pessoa: antes da sua aula, ela era, pensava e agia de determinada maneira; agora, depois da aula, ela pensa e age de outro modo. Modificou-se.

Ao formular um objetivo, você faz o relato (descrição) da modi^ ficação que espera produzir no aluno. Antes de começar uma aula com o assunto deste capítulo, por exemplo, você deve ter em mente: vou modificar a noção que eles têm ou vou criar a "noção de objetivo na aprendizagem". O critério para saber se eles se modificaram a esse respeito é o de responder às perguntas do questionário do final do capítulo, de forma correta. Se errarem é sinal de que não entenderam e então deve-se tentar alcançar o objetivo de outra maneira, com novo método, novas explicações etc. Como você pode ver, a pergunta inicial era o assunto da aula.

Exemplos. Numa classe de Estudos Sociais, qual destas duas for­mulações especifica melhor um objetivo de aula?

1. Vamos ensinar os Estados e as capitais brasileiras.

2. O aluno deve ser capaz de identificar, num mapa, sem legenda, os Estados e as capitais brasileiras.

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A resposta certa é a de número dois. A vantagem desta sobre a primeira está em que especifica o critério de como avaliar a mu­dança de comportamento. Observar o comportamento do aluno "diante de um mapa-mudo". O critério está claro, concreto. Ele possibilita ao professor fazer a avaliação certa. Para uma avaliação correta tem que haver um critério objetivo.

NOÇÃO DE CRITÉRIO

Critério é o padrão que se estabelece para ver se o objetivo foi ou não alcançado.

Algumas vezes, o critério implica a escolha de métodos adequados de ensino. Através do critério, você seleciona o melhor método para ensinar determinado assunto. Formulando o objetivo, é preciso esta­belecer o modo concreto de como ele vai ser alcançado. Tradicional­mente, os exames parciais e finais funcionam como avaliação. Contudo, toda avaliação deve ser precedida de um critério que determine como você vai avaliar. O uso de dissertação, prova objetiva e observação do desempenho são considerados critérios de avaliação.

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Page 32: psicologia moderna

Nem sempre se pode usar o melhor critério possível. Por exem­plo: numa aula de Zoologia, o professor quer ensinar aos alunos que 0 golfinho é um mamífero; o melhor método para se ensinar, bem como o melhor critério para se verificar a aprendizagem, seria mostrar vários animais aquáticos (entre peixes e mamíferos), todos do mesmo porte, para que os alunos identificassem entre eles o golfinho. Critério foi a maneira, o método, que o professor escolheu para atingir o objetivo, ou melhor, foi o método escolhido para avaliar se o objetivo foi al­cançado.

R E L A Ç Ã O E N T R E C R I T É R I O E A V A L I A Ç Ã O

Quanto mais bem formulado o critério, tanto melhor e mais facil­mente se consegue avaliar. Um exemplo: um supervisor (encarregado de uma turma de empregados) era excessivamente rigoroso para com seu pessoal, tratando-os como se fossem números de uma folha de pagamento, em vez de seres humanos. A chefia estabeleceu como obje­tivo alterar as atitudes desse supervisor, fazendo-o conhecer as condições de vida de seus subordinados. Assim, encarregou-o do levantamento daquelas condições, obrigando-o a visitar as famílias dos empregados. A decisão adotada pela chefia deve ser considerada como um método "criativo" de ensino ou como um "critério"? Trata-se mais de um método do que de um critério. Critério são as normas práticas de como avaliar o objetivo proposto.

O critério para ajudar a avaliação deve: 1. Determinar as condições sob as quais o comportamento do aluno

será observado.

2. Estabelecer um padrão determinado de respostas. Avaliação é o modo empregado para verificar se o objetivo foi al­

cançado. Medir é comparar uma coisa, um resultado qualquer, com um padrão externo objetivo, por exemplo, um metro. Quando se trata de provas objetivas, chamamos este padrão de "gabarito".

O B J E T I V O S E V A L O R E S

Assim como em cada aula deve haver algo valioso (objetivo) para ser incorporado no universo das ações da pessoa, também os cursos e os currículos perseguem objetivos gerais que classificamos como va­lores educacionais. Cada reforma brasileira de ensino se apoiou em valores ou objetivos gerais a atingir. A atual está alicerçada na prepa­ração e habilitação dos jovens para o mundo do trabalho, dentro da realidade de um país que está em ritmo crescente de desenvolvimento.

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Há valores fundamentais que se devem incutir na escola. Dentre esses valores, destacamos: formação do caráter, preparação para a vida no lar e na comunidade, preparação para o trabalho etc. Apresentamos a seguir um perfil de valores educacionais, organizado pela Prof.a Riva Bauser, do magistério estadual e da Fundação Getúlio Vargas.

O aluno poderá registrar em cada coluna (enchendo-a com lápis de cor) quantos pontos confere a cada valor educacional. Cada um deles está representado por uma letra, na base do quadriculado.

Não se pode ultrapassar a soma total de 40 (quarenta) pontes. Depois de distribuídos os 40 pontos pelos 10 valores, fica bem de­monstrado quais os objetivos ou valores educacionais que cada um considera mais importante.

Isto poderá servir de tema de debate em sala de aula.

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A B C D E F G H I

A. Cultura científica.

B. Educação física e da saúde.

C. Educação cívica.

D. Educação religiosa.

E. Formação do caráter.

F. Educação formal e pre­paração para os exames.

G. Educação artística.

H. Preparação para o tra­balho.

I. Cultura humanística.

J. Preparação para a vida no lar e na comunidade.

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Page 33: psicologia moderna

UMA PARÁBOLA

A histórinha que segue explica a origem da escola e faz-nos meditar sobre o valor dos currículos escolares. Vejamos:

Conta-se que os bichos determinaram criar uma escola, porque o meio em que estavam vivendo começava a se tornar cada vez mais complexo, e já não podiam viver socialmente bem com seus equipa­mentos inatos. Aqui temos a necessidade que deu origem à escola. Já não podiam, com seus instintos, enfrentar o meio que se havia complicado demais. Precisavam de uma escola para habilitá-los e prepará-los convenientemente para as novas estruturas do ambiente.

Foi escolhido um corpo docente ótimo: todo ele com grandes títulos universitários e boa experiência. De modo que isto envaideceu a todos.

Para esta escola, sem muita pesquisa do meio ambiente, escolheram o seguinte currículo: nadar, correr, voar, galgar morros e superar obstá­culos.

Os primeiros alunos foram: o cisne, o pato, o coelho, o gato e o cachorro. Começado o curso, cada mestre, preocupado apenas com sua disciplina, dava matéria a torto e a direito. Era assim que julga­vam que estava certo e que faziam jus a seus títulos acadêmicos. Os alunos, contudo, ao contrário, iam se desencantando com a tão alme­jada escola. Vejamos o caso particular de cada aluno.

O cisne, nas aulas de correr, de voar, de subir morro, apesar de todo esforço, era mau aluno. Tirava notas péssimas. E mostrava os pés ensangüentados nas corridas e as asas com calos adquiridos na ânsia de voar alto e veloz. O pior era que com o esforço nessas disci­plinas começara até a nadar pior do que antes, coisa em que era exímio.

O coelho, por sua vez, padecia nas matérias de nadar e voar. Como poderia voar se não tinha asas? Em se tratando de nadar, a cbisa era igualmente difícil, se bem que um pouco menos que a anterior. O que o salvava eram as duas matérias restantes: correr e galgar obstáculos, pois suas notas em nadar e voar eram de reprovação. Mas ninguém era dispensado de nenhuma matéria.

O gato tinha o mesmo problema do-coelho em se tratando de nadar e voar. Com respeito a voar, ele insistia que se fosse o caso de voar de cima para baixo, ele poderia ter relativo êxito. O professor, contudo, não podia aceitar esta condição, porque não estava de acordo com o programa oficial que devia ser cumprido, rigorosamente.

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O pato, finalmente, era um aluno medíocre em tudo; voava um pouco, corria mais ou menos, nadava até bem, muito menos que o cisne, é claro; subia, até com certo desembaraço. Sua média geral era a melhor. Não tinha reprovação como o coelho e o gato. Por isso, sua mediocridade em todas as matérias o fazia sumamente brilhante na estatística final. Foi, assim, escolhido como orador da turma, apesar da reclamação geral. O coelho se queixava de correr e galgar morros muito melhor do que ele. O cisne, de ser melhor nadador. Cada um tinha sua queixa justificada a fazer. Um único fato deixou a todos calados: ninguém tinha média superior à dele e, por isso, estatistica­mente era superior a todos.

i EXERCÍCIOS r

1. Esta fábula lembra, de alguma maneira, nosso ensino?

2. Uma escola assim preenche o valor real que deveria ter ou parece antes feita para conferir diplomas?

3. Se o professor dissesse: "O objetivo da aula de hoje é dar uma noção do que seja objetivo de ensino", seria isso objetivo ou o as­sunto da aula? Qual é a sua opinião?

4. Comente: "O que melhor e mais eficientemente distingue uma aula de qual­

quer tipo de comunicação é o objetivo bem definido e elaborado."

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Page 34: psicologia moderna

Comportamento social

Viver é conviver. (Car los D r u m m o n d de A n ­d r a d e )

Em nenhum texto de Psicologia podem faltar noções básicas de Psicologia Social. Vejamos um exemplo: num colégio, um professor encontrou numa turma de adolescentes um aluno que perturbava seria­mente as aulas com suas gracinhas. O professor o chamou, amistosa­mente, fez-se seu amigo e o garoto prometeu melhorar. Mas, na aula seguinte, a um sinal do líder, esqueceu sua promessa. No final da aula, o professor chamou-o novamente e ele lhe confessou: "Era meu maior desejo colaborar com o senhor, mas não posso. Se fico sério, eles vêm me perguntar se estou doente, se me transformei, o que houve".

As expectativas do grupo sobre ele eram fortes. Aliás, em todo grupo, os indivíduos executam papéis que o grupo lhes confere. O professor, neste caso, estava diante de um grupo bem estruturado. Vol­tar-se para um membro de um grupo e querer que atue individualmente não surte efeito. Muitas vezes, o comportamento é uma função grupai. A solução consiste em: ou pôr o problema para o grupo resolver e debater, ou procurar tratar com o líder ou cabeça natural deste grupo informal. O professor estava, pois, diante de um grupo, e não de uma reação individual.

Aparentemente, só temos diante de nós indivíduos, mas algumas vezes estamos lidando é com grupos.

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O objeto da Psicologia Social é o comportamento humano no grupo. Temos que considerar dois tipos de grupos: os formais e os informais.

Por grupos informais, entendemos aqueles que se formam espon­taneamente, pelo relacionamento natural entre as pessoas. Grupo formal é aquele organizado por determinada exigência social, administrativa, funcional etc.

Uma classe é um grupo formal, organizado por exigência adminis­trativa e funcional. Nela formam-se vários grupos informais: são aqueles grupinhos de amigos.

OS PEQUENOS GRUPOS OU GRUPOS INFORMAIS

1. Do alto de um edifício você vê cinco homens que se dirigem para um ponto de ônibus. Não há ninguém além deles. Você dirá que é um grupo. Na realidade, são totalmente desconhecidos. O que é preciso para que eles formem um grupo?

R.: Que eles se integrem, se congreguem psiquicamente, que haja inte­ração e integração. Para que isso aconteça, é necessário haver mais força de atração do que repulsão entre eles. Além disso, é preciso que exis­tam funções diferentes para cada pessoa no grupo e que ele tenha uma certa duração.

2. Você pretende estudar um grupo de cinco pessoas. Indicaria cinco pesquisadores para estudar, individualmente, cada um dos membros?

R.: Não. O grupo é uma entidade diferente de suas partes constituintes. Deve ser estudado como um todo. Conhecendo as partes não se chega a conhecer o todo. Mesmo conhecendo individualmente cada um dos alunos de uma turma (podem ser todos uns anjinhos), não posso dizer qual a natureza do grupo que eles formam na sala de aula. Aliás, cada totalidade tem propriedades diferentes das partes que a compõem. Nos brinquedos de armar, as peças são todas assimétricas e o todo (o boneco) é simétrico. O grupo é uma entidade diferente da soma de suas partes.

3. João é um empregado recém-admitido. Depois do período de adap­tação, continua tendo algumas dificuldades. Não querendo perguntar ao supervisor, para não parecer pouco inteligente, procura Pedro, colega mais experiente. Pedro explica-lhe as dúvidas e João agradece. Qual a norma que, até certo ponto, obriga Pedro a dar explicações a João?

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R.: A sociedade se apoia num sistema de trocas. Quando João foi per­guntar a Pedro, com esta deferência já prestou uma homenagem a ele. As normas sociais exercem controle para que as trocas sociais perma­neçam válidas. A pressão neste sentido obrigou Pedro a responder. O grupo o olharia de maneira crítica se não desse as explicações pedi­das. Não vá João explorá-lo. Isto já é outra realidade.

4. Um indivíduo executa melhor uma tarefa sozinho ou tendo audiência (na presença de outros)?

R.: A presença de outras pessoas melhora as respostas dominantes. Exemplo: uma dona-de-casa vai fazer compras, seu comportamento dominante é gastar só determinada quantia — o balconista reforça esta resposta dominante e ela compra só o planejado. Este fato não se repete num auto-serviço, onde a compradora se acha sozinha, sem ter seu com­portamento perturbado pela presença do balconista. Acrescente-se, no caso, o sugestionamento que as embalagens e os produtos, nas prate­leiras, exercem sobre a pessoa.

5. Por que em todos os grupos existe um membro que recebe maior quantidade de escolha, de atenções, sendo o preferido?

R.: Em razão da lei das trocas: "Quem dá mais recebe mais". Geral­mente, em todos os grupos, há sempre um que está disposto a ajudar, comunica-se mais, é mais simpático, enfim, dá mais e- conseqüentemente recebe mais.

6. Aqueles cinco homens sentam-se num ônibus. O veículo demora a sair. Cada um se acha em atitude de defesa em relação aos outros: jornais abertos, olhar distante janela afora. De repente, José fecha o jornal e diz: "Parece que vai chover forte". Silva, que está ao lado, sente-se na obrigação de corresponder, falando qualquer coisa. Aquela observação, 'dentro do clima reinante, funcionou como um pequeno choque. Todos começaram a sair de suas defesas e come­çaram a interagir. Formou-se então um grupo?

R.: Só pela comunicação não. Para haver um grupo, veja a resposta à l . a questão. Seria necessário que os cinco se empenhassem numa tarefa comum. Se se unissem para acabar com os atrasos constantes do ônibus por exemplo. O proponente desta operação, provavelmente seria o líder; alguns se encarregariam de telefonar, de agir em determinado setor em função do objetivo comum (seria o desempenho de papéis diferentes). O grupo duraria enquanto houvesse mais forças de coesão do que de repulsão.

INDIVÍDUO E SOCIEDADE

SEU COMPORTAMENTO

INDIVÍDUO

Para melhor entendermos este assunto vamos nos valer das coor­denadas cartesianas, já que temos duas forças atuando inversamente uma sobre a outra: a sociedade e o indivíduo.

Comecemos com duas questões. Primeira: podemos considerar a sociedade e o indivíduo, cada um como um tipo de força diferente? Segunda: que tipo de força é a sociedade e que tipo de força é o indivíduo?

Caracterizemos, pois, estas duas forças. A sociedade se apresenta como uma força que pressiona o indivíduo. A sociedade tende a en­quadrar os indivíduos por força dessa pressão. Suas normas, suas leis, sua estrutura e seus objetivos exercem pressão. Por isto, não possibilita a que o indivíduo viva em estado de espontaneidade ou de liberdade absoluta. Por exemplo, o proprietário de um grande banco nacional, se for seu presidente, não poderá exercer sua liberdade ou espontanei­dade de modo total. Terá obrigações do cargo e, portanto, sofre algu­ma pressão de sua própria sociedade. Não é uma pressão igual à de um simples escriturário de uma de suas agências, mas não deixa de ser uma pressão. Haverá ocasiões em que, gostando ou não, terá que presidir reuniões e tomar decisões.

E o indivíduo? Vamos considerá-lo como uma força que busca espontaneidade e liberdade, isto é, como uma força que se orienta para fazer aquilo que quer e gosta de fazer. Como vimos, indivíduos e sociedade são forças aparentemente antagônicas.

S O C I E D A D E

138 139

Page 36: psicologia moderna

Na sociedade, podemos antecipar, como possíveis, alguns choques entre as forças da espontaneidade do indivíduo e a pressão de sua orga­nização. Estes choques, de natureza sobretudo psicológica, exprimem-se em graus diferentes de intensidade.

Ninguém pode negar que o indivíduo, no seu íntimo, gostaria de ser uma pura e total espontaneidade, fazendo aquilo que seus impulsos lhe sugerem. Ora, isto é impossível em qualquer vida organizada. Por isso, dentro das organizações vai ter que se adaptar, criando um tipo de comportamento que é uma resultante das forças: pressão da socie­dade e espontaneidade pessoal.

É este comportamento social ou adaptado que a pessoa põe em ação por força e pressão da sociedade dentro da qual está ou vive.

É evidente que os comportamentos das pessoas se modificam e se conformam de acordo com o meio. Num salão de recepção, numa quadra de tênis, num estádio de futebol em final de campeonato, na empresa ou na igreja, nossa conduta se altera em função destes meios sociais diferentes. Cada tipo de organização pressiona e exige determi­nados padrões de comportamento. Quais as pressões que recairiam sobre uma pessoa que apresentasse, na igreja, um comportamento de torcedor num estádio de futebol?

Para entendermos os mecanismos de pressão da sociedade agindo sobre as forças da espontaneidade do indivíduo, partimos das pre­missas:

1. Toda organização, toda hierarquia é, até certo ponto, uma forma de dominação sobre o indivíduo. Assim, a vida social, quer dentro, quer fora do lar, apresenta-se como certa forma de dominação.

2. Ninguém pode negar que o indivíduo, no seu íntimo, gostaria de ser uma pura e total espontaneidade, fazendo aquilo que seus im­pulsos lhe sugerissem. Ora, isto é impossível na vida social. Logo, ele deve adaptar-se, adotando uma forma de comportamento que se situe como uma resultante entre estas duas forças: dominação e livre espontaneidade. Enfim, a adaptação é um requisito funda­mental à sobrevivência.

Uma boa e autêntica comunicação entre os membros do grupo é indispensável para a duração e o dinamismo grupai que facilita a adaptação.

Os indivíduos só se comunicam autenticamente a partir do mo­mento em que as necessidades grupais são satisfeitas. Tais necessi­dades são: sentir-se aceito pelos membros do grupo, sentir no grupo seu lugar seguro e estável. Sentir-se valorizado e valorizar os membros do grupo.

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O tipo de comunicação mais comum nos grupos é a filtrada, ou seja, aquela em que as pessoas não comunicam tudo entre si: transmitem uma parte e escondem outras; ou então apresentam a mensagem dis­torcida. Diz-se que há bloqueio na comunicação quando as pessoas deixam de se comunicar, não se falando, por exemplo. Estes tipos dc comunicação se opõem à comunicação autêntica, que é aquela na qual o comunicador exprime tudo, sem omissão nem apresentações distor­cidas. Exprime a coisa, os fatos, a mensagem tal qual, visando apenas à transmissão verdadeira do que realmente sente.

i EXERCÍCIOS r

1. Quando, num grupo, os indivíduos se sentem reciprocamente aceitos, seguros, valorizados, a comunicação mais natural pode tender a ser:

a. Bloqueada.

b. Filtrada. c. Autêntica.

2. Qual a diferença entre a comunicação bloqueada e a comunicação filtrada?

3. Uma pessoa se comporta do mesmo modo quando está sozinha e quando está em companhia de outras pessoas?

4. A família é uma organização que exerce alguma pressão sobre seus membros? O pai e a mãe também são pressionados pela estrutura da organização familiar, ou apenas os filhos?

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Page 37: psicologia moderna

Televisão e sociedade

A face do mundo foi transformada, nestes úl­timos 25 anos, pelos modernos meios de co­municação de massa. (Marshall McLuhan)

A televisão pode desempenhar importante papel na vida da criança, transmitindo-lhe informações, sugerindo-lhe idéias e proporcionando-lhe entretenimento. Pode até se transformar no centro da vida doméstica, eliminando conversas sobre problemas familiares e suprimindo costu­mes e passatempos tradicionais. Mas, não consegue substituir a escola.

Os meios de comunicação, especialmente o rádio e a televisão, com o poder multiplicador de suas mensagens, se apresentaram como a solução para as carências educacionais dos países pobres, no início dos anos 60. A educação eletrônica, à distância, por ser abrangente, seria o substituto da escola. Hoje, infelizmente, sabemos que isto não é a expressão da verdade. Para o fracasso desta expectativa inicial con­correram muitas causas: políticas, administrativas, econômicas, e ideo­lógicas.

Contudo, o emprego do rádio e da televisão, na solução dos pro­blemas educacionais, não se mostrou tão fácil devido sobretudo às defi­ciências do próprio meio, quando utilizado no processo educativo. Sua dificuldade básica é que o cinema, o rádio e a televisão são meios de grande impacto, de ilimitado poder de multiplicação da mensagem mas sem nenhuma interação com o ouvinte. A comunicação, enquanto processo, fica truncada porque se transforma numa via unilateral, im­possibilitando a ação do receptor da mensagem. Em se tratando de educação, este receptor (que no caso se chama aluno, aprendiz) é a peça principal.

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O PODER DA TELEVISÃO

A participação ativa e crítica do aluno é a própria razão de ser de um sistema que pretende ser educacional e, neste ponto, a televisão falha. Mas, mesmo assim, educa e ensina. De qualquer maneira, é uma realidade cada vez mais presente dentro de nossas casas, desem­penhando um papel de grande importância no desenvolvimento e na socialização da criança — papel equiparável ao da família, da escola ou da igreja. Há quem acredite que, muitas vezes, se ataca injusta­mente a televisão, tornando-a o bode expiatório de todos os males de um mundo cada vez mais complexo.

A televisão é uma força e, às vezes, uma força muito poderosa, que tem de ser levada em conta. É uma força entre muitas outras que interagem de modo complexo no desenvolvimento infantil. As crianças podem identificar-se com modelos propostos pela televisão, podem imitar o que vêem na tela e podem, obviamente, aprender pela tele­visão, de modo direto ou indireto, assim, como aprendem de outras fontes.

Por exemplo, o quadro de violência mostrado pela televisão não é, muitas vezes, visto como fonte de imitação ou como estímulo à agres­são, mas como um elemento fomentador de medo, apreensão e insegu­rança, sentimentos que podem traduzir-se num apoio decidido e talvez até excessivo às forças da lei e da ordem, e que podem também levar as pessoas à submissão e à subserviência ao Estado. No final, o bandido não sai vitorioso. Quem vence sempre é a justiça, a lei, a ordem, o bem. E com isto, está reafirmando e consolidando as regras do poder estabelecido, está sendo conservadora. A televisão pode ser encarada como o braço cultural da sociedade, que difunde símbolos culturais na consciência do público e produz uma homogeneidade cultural muito mais ampla do que são capazes de detectar os pesquisadores.

O QUE A TELEVISÃO ENSINA?

Na maioria dos países ocidentais, a televisão tem uma mensagem clara e poderosa, principalmente quando se associa à publicidade para promover a "obsolescência acelerada de produtos", a "insatisfação com o modo de vida" e a "exibição ostentatória". A mensagem da televisão é a

.seguinte: o que importa é a prosperidade. Sem dúvida, a prosperidade é o valor predominante na sociedade ocidental, promovido, dia após dia, pelos meios de comunicaçtão. Mas esta promoção, se dedica imenso cuidado a esse objetivo, pouco ou nada diz acerca dos meios legítimos de alcançá-lo.

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Os comerciais de TV exercem excepcional atração sobre as crian­ças. Os anúncios trazem sempre "boas notícias", além de serem insis­tentes e repetitivos. Enfatizam as virtudes do produto sem qualquer menção a seus pontos fracos. A publicidade leva às crianças a ilusão de que existe uma infinidade de produtos e serviços de que podem dispor: mas não encoraja absolutamente as crianças a controlarem seus desejos de comprar. Desta forma, ensina-as a se tornarem consu­midores indiscriminados, excitando seus desejos de posse e aquisição. Os anúncios veiculam meias verdades e inutilizam muitas lições de quí­mica e biologia que as crianças aprendem na escola.

O PAPEL PASSIVO E O MUNDO DA FANTASIA

Para assistir a um programa basta sentar-nos diante do televisor e não fazer mais nada a não ser olhar. A televisão exclui qualquer forma de atividade. No caso de pessoas adultas, ainda se pode alegar que a televisão é uma forma de repouso após o trabalho, mas no caso de crianças, pode significar a perda de um tempo precioso que poderia estar sendo usado para a aquisição direta de várias experiências. Na prática, poucas vezes o meio pode oferecer tais experiências. Como con­seqüência, as crianças vivem hoje num mundo artificial criado pelos meios de comunicação de massa, mundo que se vem somar ao da natureza e ao dos seres humanos.

Outro fato importante a considerar: as crianças vêem muito mais programas para adultos do que programas infantis. Uma das conse­qüências disto é a eliminação dos limites entre o mundo cultural dos adultos e o das crianças. Demasiado cedo, no momento em que são mais vulneráveis, as crianças entram em contato com o mundo e a cultura das pessoas adultas. Se os adultos da família não agirem ade­quadamente como mediadores, as crianças absorverão a imagem da sociedade e dos comportamentos adultos tal como apresentadas pela televisão. E isto se dará em detrimento da imagem espontânea e natural que poderiam formar a partir de suas próprias experiências vividas.

O cinema e a televisão criam um mundo de ficção e fantasia que diverte as crianças. Mas a transmissão muito freqüente de filmes de ficção não poderá levá-las a confundir o real com o ilusório e até fazer com que o mundo simulado da imaginação lhes pareça mais verdadeiro que a própria vida?

Não temos resposta conclusiva para esta pergunta. Uma coisa é certa: a televisão nos traz um volume sem precedentes de informações,

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capaz de modificar atitudes, decisões e comportamentos, e isto signi fica educar.

1. "Na maioria dos países ocidentais, as crianças passam muito tempo diante do aparelho de televisão." Extraia duas conclusões deste fato.

2. Há dois tipos de educação: o formal, que se realiza nas salas de aula, e o informal, que existe em toda parte. Dentro desta duali­dade, como podemos encarar a televisão?

3. Qual a maior mensagem da televisão?

4. Faça um estudo e uma análise das mensagens transmitidas pelos principais programas da nossa televisão.

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EXERCÍCIOS

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TERCEIRA PARTE

AS PORTAS DO CONHECIMENTO

Se pudéssemos limpar as portas da percepção, tudo se revelaria ao homem tal qual é: infi­nito. (William Blake)

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Percepção, a ótica individual

Sentir é, de imediato, uma comunicação vital com o mundo. Pensamento é tudo quanto fazemos para sair da dúvida em que caímos e retornar à certeza. (Ortega y Gasset )

Se não fosse a percepção, seríamos como uma pedra, que está ligada ao meio apenas fisicamente. A cada momento, estamos agindo sobre o meio exterior, em interação com tudo que nos rodeia, através da percepção.

Os sentidos, que são nossas antenas para a captação do mundo exterior, colhem os estímulos não só do meio, mas também do nosso íntimo.

COMO OCORRE A P E R C E P Ç Ã O

Perceber é organizar interiormente os elementos levados pelos sen­tidos. Perceber é conhecer, através dos sentidos, objetos e situações.

Há brincadeiras e jogos baseados nas falhas e na estrutura de nossa percepção. Por exemplo:

Um professor pergunta aos alunos qual seria a diferença entre as duas palavras que acabara de escrever no quadro-negro:

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Os alunos, de imediato, responderam que era o acento gráfico que não figurava na segunda palavra.

É preciso desmanchar este primeiro set (estrutura) perceptivo para se poder chegar ao conteúdo ideativo ou significação de cada palavra: "amássemos", do verbo amar, e "amassemos", do verbo amassar.

Cada homem vive mais em função de seu mundo interior, do que em função da realidade objetiva. Muitas vezes o que uma pessoa sente, pensa e imagina, depende mais de sua experiência interior do que dos fatos e acontecimentos objetivos. Daí a expressão: "Cada cabeça, uma sentença".

A PERCEPÇÃO E SEUS SENTIDOS *

1. Perceber é conhecer, através dos sentidos, objetos e situações. O ato implica, como condição necessária, a proximidade do objeto no espaço e no tempo, bem como a possibilidade de se lhe ter acesso direto ou imediato através de algum dos

2. Perceber não é reproduzir fielmente o objeto presente. Se assim fosse, não haveria tantos enganos. Não existiria, por exemplo, o mundo das ilusões e das mágicas, onde um lenço em movimento determina a percepção de um coelho. Perceber é organizar interior­mente os que os sentidos nos trazem. Perceber não é reproduzir os objetos tais quais são, mas mentalmente os dados ou os elementos levados pelos

3. Os sentidos são antenas que captam estímulos do e os transmitem ao cérebro, onde se organiza a percepção.

4. Esta sala de aula é uma fonte, ou melhor, um turbilhão de estímulos perceptivos. Para uns, esses estímulos são interessantes e por isso eles acham a aula boa. Outros consideram tais estímulos Para estes, a aula não é

* Esta parte está escrita de uma forma especial denominada "instrução programada". Você lê cada item e escreve a resposta em um papel à parte. A seguir, confirme sua resposta na p. 226.

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Perceber é organizar os dados que os sentidos fazem chegar até o cérebro. Aí estes dados são e se transformam em percepção. 1

LIMITAÇÃO PERCEPTIVA

6. Como a percepção é uma organização, não é necessário que os ele­mentos vindos através dos sentidos sejam completos. Em outros termos, não são necessários todos os elementos para se

ou ter uma percepção, bastam

7. Por limitação perceptiva queremos dizer que bastam . . . para se organizar a percepção do todo. É um efeito

da lei da totalidade ou Gestalt.

Conte quantos traços fo­ram necessários para você organizar a percepção de um cachorro.

Em qualquer percepção, a primeira imagem salta à vista como um todo e os pormenores vão-se destacan­do depois, devido à lei da totalidade ou Gestalt. As li­nhas e pontos separados unem-se e organizam-se na mente formando a percep­ção do objeto.

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8. Apenas alguns elementos são suficientes porque a mente, ao or­ganizar a percepção, supre os elementos que Aí está a explicação da lei da totalidade ou da Gestalt.

9. A mente humana, ou melhor, a razão humana, procura significa­dos Assim, ao elaborar os dados transmitidos pelos sentidos, ela completa-os para ter um significado do objeto ou da situação. Mais uma vez, entrou em ação a lei da totalidade ou da Gestalt.

10. Talvez por esse mesmo motivo, nunca há percepção de um objeto ou de um elemento isolado: percebemos um campo, num todo, isto é, o objeto e o que está ao seu redor. O objeto e o que está ao seu redor.chamam-se um perceptivo.

11. Um campo perceptivo se constitui de duas partes essenciais: figura e fundo. Figura é a parte central da percepção. Fundo é a pers­pectiva, a moldura ou contorno do campo. O elemento mais im­portante do campo é ; o de menor importân­cia é

12. Nunca percebemos estímulos isolados; percebemos sempre totalida-des, estruturas organizadas e com significação. Perceber é conceber um campo total constituído de e , em outros termos, de tema e campo temático.

13. Alguém que passa por uma sala de aula vê professor e alunos. Tomando a classe como campo perceptivo, o que é figura? O que é perspectiva ou fundo?

1 Vide, do mesmo autor e editora, Introdução ao Estudo da Filosofia. Primeira parle, cap. 13: "O Problema do Conhecimento Humano".

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Os objetos não são perce­bidos isoladamente, mas sim om relação a outros. A pró­pria percepção de um objeto depende, em parte, do fato de vermos algumas relações entre as partes que formam o todo. Assim, a estrutura percebida é a maneira pela qual as partes se combinam para formar o todo.

Veja a figura ao lado. O que você vê? Estrutura am­bígua (reversível) que pode ser apreendida sob duas pers­pectivas diferentes. Qual o te­ma? Qual o fundo ou pers­pectiva?

14. Uma situação caótica e confusa nem sempre pode ser percebida. Para que isto ocorra é necessário perceber seu significado de con­fusão ou ameaça. Contudo, numa confusão ou tumulto cada um percebe e descreve o ocorrido a Essas percep­ções ligeiramente diferentes se originam, como vimos, do fato de a organização perceptiva ser marcada pelo subjetivismo de cada um.

15. Vejamos um exemplo: Um avião de passageiros decolou de um país A rumo a um país C. Para chegar até este deveria sobrevoar o país B. Durante a viagem, espatifou-se justamente na fronteira dos países B e C. O problema jurídico que se originou foi o de onde sepultar os sobre­viventes. Deveriam ser sepultados no país A, de onde provinham, ou em C, para onde iam? Ou deveriam, talvez, ser sepultados no país B, por onde acabavam justamente de passar? Todos os pas­sageiros eram naturais de um quarto país, D. Resolveram? Difícil ou fácil? Houve alguma lacuna na organização perceptiva?

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INTERFERÊNCIA NO CAMPO PERCEPTIVO

16. Se se examinam simultaneamente um círculo branco sobre um fundo negro e um círculo negro (de mesmo diâmetro) sobre um fundo branco, este nos parecerá menor. Assim, as pessoas parecem mais magras vestidas de negro ou de claro?

17. Enquanto você olha para a Lua, passa uma nuvem sobre ela. Você a vê fugindo. É um movimento aparente. Nesta percepção, a Lua era a do campo perceptivo. A nuvem era fundo ou perspectiva. Como a figura é o elemento principal do campo perceptivo, percebe-se o movimento do fundo como sendo da É esta a explicação desta ilusão perceptiva.

18. Há outras sutilezas e analogias subjetivas presentes na elaboração perceptiva.

Qual destas duas figuras se chama taketel E malumal

FUNÇÕES DA PERCEPÇÃO

19. Função informativa. Perceber é uma forma de manter contato com o meio para sobreviver. A partir desse contato o ser vivo organiza seu comportamento, de acordo com o que é percebido. A minhoca não tem olhos porque não precisa da visão para no meio subterrâneo onde vive. As percepções tácteis são muito mais

.-.. do que as

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20. Função defensiva. Pela percepção, o indivíduo se defende dos perigos. Assim, se um indivíduo se percebe agredido, agride (mes­mo que a outra pessoa não tenha nenhuma intenção de ofendê-lo). Se A chega para você e lhe diz que foi ofendido ou agredido por B, desta ou daquela forma, você deve levantar duas hipóteses básicas: a) B agrediu porque foi primeiro agredido por A. Nesse caso, o problema central está em A ou em BI b) Na realidade, pode acontecer que A realmente nada fez que ofendesse a f i e mesmo assim B continua em sua campanha agres­siva. Então teremos a segunda hipótese:- B agride a A porque se percebe agredido. Nesse caso, o problema em quem está?

21. Se B percebe A como um agressor é porque na personalidade de B há elementos que deformam tudo o que emana, de A. No caso de A não ser, em nenhuma hipótese, agressor, o enunciado é certo ou errado?

22. As pessoas percebem de acordo com sua ótica individual, isto é, percebem de acordo com sua personalidade. Se você sabe como alguém é, poderá prever como irá as coisas, pessoas e as situações da vida, assim como irá com respeito a estas coisas, pessoas e situações.

23. Deformamos nossas percepções segundo nossos estados internos. Se A acha que B está querendo prejudicá-lo, distorcerá todas as suas ações, mesmo aquelas bem intencionadas: se A fâz um gesto de delicadeza, B pode perceber como hipocrisia; se A preocupado não lhe dá toda atenção, B pode perceber aquilo como para com ele.

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NECESSIDADES E PERCEPÇÃO

24. Muitas percepções são determinadas por nossas necessidades. Quan­do precisamos de agulhas, percebemos a existência de bazares muito mais do que se não tivéssemos essa necessidade.

25. Rapazes falam muito mais em moças e moças falam muito mais em rapazes por força de suas necessidades internas. Deformamos a realidade em função das tensões interiores que as geram em cada um de nós.

26. Meninos de família pobre, quando pintam um bolo, desenham-no enorme. Quando pedimos para um empregado falar das pessoas com quem trabalha, fala muito mais dos chefes do que dos colegas ou subordinados. Os chefes são mais importantes sob o ângulo de suas

VOCÊ E OS OUTROS NA PERCEPÇÃO

A percepção reflete sempre a natureza do perceptor, isto é, daquele que percebe. Reflete seus anseios, suas experiências, seus desejos.

27. Você se percebe de uma maneira. Não vá pensar que seu pai, sua mãe, seus irmãos, vizinhos, colegas o percebem da que

28. A relação de dependência, como a de superiorIsubordinado, paiIfi­lho, professorIaluno, pode gerar hostilidade. Muitas vezes, o chefe quer se mostrar amigo, mas o empregado estruturado diferente­mente pela hostilidade latente não o percebe como Pode haver em cada um enfoques Muitas vezes não nos apercebemos disto, com conseqüências desagradáveis para . . . .

i s s

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29. Definir percepção como impressão mecânica na conciência de coisas do mundo exterior é boa definição? Sim/Não

30. Perceber é antes organizar, reproduzir tal qual, imprimir na cons­ciência, reter o objeto, concluir sobre o objeto. Escolha o termo adequado.

31. Um revisor, lendo num texto sobre eletricidade a palavra "cheque", poderá ler "choque", e num texto de moda poderá ler "chique".

a) É possível? b) Não é possível?

32. A expectativa de algo aguça a percepção naquele sentido. Assim, as necessidades, uma motivação em determinado sentido, o inte­resse, tudo isso altera ou distorce a

33. Pessoas com fome viram mais imagens de comida em borrões de tinta do que outras depois de saciadas. Qual a interferência sofrida nessa percepção?

A percepção é um fenômeno mental dinâmico. Ao percebermos uma coisa, não a percebemos estaticamente, mas dentro de um processo dinâ­mico de mudanças ou de novas reestruturações.

Vide figura.

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34. Dinamismo perceptivo é a capacidade de reestruturar um campo perceptivo, percebendo-o sob novas

35. A rigidez perceptiva é o fenômeno oposto ao dinamismo. As perso­nalidades autoritárias, fanáticas, sofrem de certa rigidez perceptiva. São incapazes de perceber novos nas situações.

36. A percepção é determinada muito mais pela relação que se esta­belece entre seus elementos contíguos, próximos ou constitutivos, do que pela existência e presença de seus elementos. Não basta a presença, mas sim a relação que se estabelece entre os elementos. Um limão é mais azedo se for provado depois de um pedaço de doce. Uma rosa num campo é percebida de maneira diferente do que num jarro, dependendo dos que vão formar, com ela, um campo perceptivo.

CONCEPÇÃO ESQUEMÁTICA DA PERCEPÇÃO

MEIO EXTERIOR PERCEPÇÃO

HS: história do estímulo. S: estímulo. ANP: atividade neural periférica. DNC: depósito neural central. ANC: atividade neural central. F.: experiência fenomenológica (percepção interna). R.: resposta — percepção: resposta perceptiva

Exemplifiquemos. Um rapaz, que nunca havia saído do próprio bairro, foi, um dia, visitar uma fazenda de um colega. Lá, ele se depa­rou com um "monstruoso" touro zebu que nunca havia visto. Diante daquele estímulo (S) desconhecido, procurou na sua história passada dos animais (HS) algo igual àquilo e não encontrou. Recorreu ao depó­sito neural central (DNC), à sua memória, e encontrou animais seme­lhantes: camelos, cavalos e t c , mas igual, não. Diante disso, teve de

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tomar uma decisão na atividade neural primária (ANP) , decidindo per­ceber aquilo como um touro; aprofundou mais seu ato perceptivo na atividade neural central (ANC) e confirmou a percepção como de um touro. Assim, firmaram-se dentro da consciência dois fenômenos (F ) : um de um touro provisório, isto é, podendo ser outro bicho, e outro de um touro definitivo. Finalmente, a resposta (R) é a projeção de (F) como se estivesse fora, ocupando um espaço idêntico ao do animal real. Esta descrição é puramente didática: essas fases se completam com tremenda rapidez.

Muitas vezes, quando esperamos alguém numa esquina movimen­tada, por exemplo, temos a ilusão de ver a pessoa aparecer ao longe (ANP) , mas levando esta imagem a um exame (ANC) , vemos que houve engano. Em muitos atos perceptivos há um processo decisório: temos que decidir se tal coisa percebida é realmente tal coisa ou pessoa real.

EXERCÍCIOS

1. Eis uma prova de como as pessoas organizam diferentemente os dados dos sentidos. Você tem diante de si um único desenho. Você pode perceber nele mais de uma figura?

2. Quais ou qual a figura que você percebe e que seus colegas, ao lado, percebem?

3. Este exemplo demonstra que a realidade vista por um pode não ser a mesma realidade experimentada por outro. Explique melhor este fato.

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Que é inteligência?

Todos concordam que, de todas as qualidades humanas, a inteligência é uma das mais dese­jáveis. Mas nem todos se referem à mesma coisa quando falam dela. Platão afirmava que, ao sabermos em que consiste a inteligência, de certa maneira ficaríamos mais inteligentes. (William Stern)

Até o final do capítulo veremos se Platão tinha ou não motivo para sua afirmação. Vamos começar discutindo o seguinte caso "L era, realmente, inteligente?" 1

"L" tinha onze anos. Era sadio e aparentemente sem perturbações neurológicas. Tinha uma estranha variedade de capacidades mentais. Era capaz de dizer o dia da semana de qualquer data entre 1880 a 1950. Dava o total correto de dez a doze parcelas de duas casas assim que acabava de ouvi-las. Soletrava muitas palavras de trás para diante e de diante para trás. Tocava de ouvido composições musicais tais como o "Largo" de Dvorak. Cantava do começo ao fim a ária "Credo" e o dueto "Si pel ciei" da ópera Otelo. Em suma, era formidável.

Mas ia mal na escola. Em conhecimentos gerais, estava muito abaixo de seus colegas. Conhecia o sentido de pouquíssimas palavras, apesar de soletrá-las até de trás para frente. Era quase incapaz de raciocínio lógico e se perdia em qualquer problema abstrato.

Era inteligente?

1 Caso examinado e debatido em 1937.

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Depois do debate ou da reflexão sobre esse caso, poderemos nos aproximar da conceituação de inteligência.

Um professor diz que um aluno é inteligente quando compreende prontamente sua explicação. Um chefe de oficina diz que o operário é inteligente quando descobre rapidamente os defeitos mecânicos e os conserta com propriedade. O gerente de loja acha inteligente o ven­dedor que faz o freguês comprar.

O que há de comum nestas três situações que justifique inteligên­cia? Tente resolver antes de prosseguir. Seria:

a) O ato de agir em função de um objetivo?

b) A capacidade de pensar racionalmente?

c) A capacidade de lidar eficazmente com seu meio em forma de hábitos adquiridos?

d) A capacidade de resolver adequadamente situações novas e difíceis?

Qual a melhor das quatro opiniões?

Talvez a explicação do professor fosse difícil, o defeito mecânico sério e o freguês da loja um comprador dificílimo. Diante disto, tería­mos em cada situação um problema, e o comportamento inteligente teria sido resolvê-lo adequada e rapidamente. Assim, a melhor resposta é a "d".

Devemos encarar a inteligência como uma capacidade de resolver, de maneira criativamente nova e original, os problemas da situação, isto é, do meio em que vive.

Nem todos os nossos comportamentos exigem uma atividade inteli­gente. Nossos hábitos são estruturas mecânicas de comportamento que acionamos para a consecução de muitos objetivos, sem precisar mobili­zar a inteligência.

Quando surge um problema, uma situação difícil que não pode ser resolvida por meio de nosso equipamento aprendido, por reações e hábitos automáticos, então apelamos para as forças superiores da inte­ligência.

E S T R U T U R A DA INTELIGÊNCIA

O que mais caracteriza o ato inteligente é o fato de utilizar vários elementos da situação de maneira original ou criadoramente nova. No fundo, em todo ato inteligente há uma pequena descoberta.

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Vemos, no gráfico a seguir, a estrutura da inteligência. O primeiro ponto a considerar na figura é que a inteligência se liga à capacidade de realizar operações mentais com eficácia. Ela é uma atividade, isto é, a mobilização de um conjunto de operações mentais. Conforme mostra a figura, essas operações mentais são as seguintes: cognição, memória, produção convergente, produção divergente e avaliação.

produto final saída

Esclareçamos os itens:

Cognição. Na solução de um problema ou situação difícil, é pre­ciso, em primeiro lugar, reconhecer os elementos disponíveis e consti­tutivos da situação. Essa operação é a cognição (do latim cognoscere = conhecer).

Memória. Além de levantar os dados do problema é preciso retê--los na memória ou evocar outros elementos para o processamento da solução. Reter e evocar são funções da memória.

Produção convergente. É uma forma de atividade intelectual que processa os elementos mentais de conformidade com os padrões con­vencionais.

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Produção divergente. É uma forma de atividade intelectual que processa os elementos mentais de modo não-convencional.

As descobertas e invenções são produtos divergentes, não-conven-cionais da mente. Por exemplo, o ar condicionado apareceu quando o inventor, não satisfeito com o ventilador, lembrou-se da geladeira e associou os dois princípios: o do resfriamento e o da ventilação.

Avaliação. É uma forma de atividade mental em que a mente elabora pesos e valores diferentes, julgando a respeito da correção, ade­quação, desejabilidade, melhor conveniência. Quando um administrador pensa sobre os empregados para saber qual o que merece promoção, está avaliando mentalmente. Está processando elementos mentais que são valores, pesos, reações comportamentais adequadas etc. Em todo processo decisório, cada informação tem uma relevância e um peso próprios. Nem todos os elementos se apresentam com o mesmo valor. É um ato típico de avaliação.

As atividades de mente só existem sobre determinados conteúdos. Ninguém pensa a respeito de nada. O pensamento consiste em elaborar, processar mentalmente algum conteúdo. É claro que podemos racio­cinar sobre inúmeras coisas. Há um número infinito de assuntos sobre os quais podemos pensar; contudo, Guilford, psicólogo norte-americano, reduziu-os a quatro categorias:

• conteúdos figurativos;

• conteúdos simbólicos;

• conteúdos semânticos; • conteúdos comportamentais.

Conteúdos figurativos são elementos concretos num espaço limita­do. Um jogador de futebol, um arquiteto, um urbanista ou um grande pintor estão elaborando elementos concretos num espaço limitado, reali­zando maravilhas, muitas vezes. Alguns tipos de inteligência têm maior facilidade de processar elementos figurativos. É o tipo de inteligência concreta, espacial, mecânica.

Conteúdos simbólicos são sinais sem significação por si mesmos: números, letras, notas musicais ou qualquer outro elemento de código. Há tipos de inteligência que são estruturados para processar melhor e mais facilmente esses elementos. É tipo de inteligência simbólica a dos matemáticos, dos lógicos e talvez dos musicistas. (A nota e a notação musical já são elementos simbólicos.)

Conteúdos semânticos são essencialmente as palavras e seus signi-cados. A inteligência com maior aptidão para processar esses conteúdos chama-se inteligência verbal. Os grandes oradores, escritores, filósofos devem possuir esse tipo de inteligência.

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Conteúdos comportamentais são reações, atitudes, formas de pró ceder, ação, padrão de ações das pessoas. A mente que processa de forma altamente criativa esses elementos comportamentais possui o que se chama de inteligência social. Tem a capacidade de tratar com reações humanas e com as pessoas como tais, tirando efeitos novos e surpreen­dentes.

O produto final é a solução do problema. Muitas vezes, a solu­ção está em incluir o elemento numa classe, em encontrar suas relações, em descobrir o sistema ou qual a sua parte ou função no sistema.

A solução também pode estar na transformação ou numa nova arrumação da estrutura problemática. Algumas vezes, a solução não sai por falha na capacidade de concluir corretamente a partir dos ele­mentos existentes na questão.

COMO USAR BEM A INTELIGÊNCIA

Há uma velha história bastante ilustrativa a respeito de um cami­nhão que ficou entalado sob um viaduto. Os espectadores sugeriram vários meios para soltá-lo, mas todos envolviam grandes alterações, seja no caminhão, seja no viaduto. Então um garotinho deu uma solução simples: "Por que não esvaziam um pouco os pneus?" Por que não chegaram todos a esta solução tão simples?

1. É preciso, no ato inteligente, fazer uso de todas as informações existentes.

2. Não faça um julgamento precipitado, pois se o primeiro for falso ficará mais difícil achar posteriormente a solução.

3. Encare o problema de um ângulo totalmente diferente. 4. Não fique tentando uma solução em vão. Faça uma pausa e tente

expor oralmente o problema. Ao fazê-lo, pode começar a ver as­pectos que antes não eram vistos.

5. Repasse os elementos do problema rapidamente, várias vezes, até se formar um quadro que os abranja a todos.

QUE É PENSAR?

Pensar é processar elementos mentais ou do meio ambiente para a obtenção de determinados objetivos ou para nossa própria recreação.

Se alguém lhe pede para resolver algumas tarefas, tais como: • Procurar todos os sinônimos de: "casa", "vida", "jogo", "mar",

"espaço", "ave".

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• Procurar, num teste de lacuna, as palavras que completam o signifi­cado da frase.

• Escrever o maior número possível de palavras com a letra r, num período de dez minutos.

• Dizer esta sentença numa frase bem mais simples: "O rato foi co­mido pelo gato que foi morto pelo cão".

Evidentemente, na solução destas questões, você terá de processar elementos mentais da sua experiência, isto é, terá de pensar.

Podemos distinguir, no homem, dois tipos de pensamento: o opera­tivo e o simbólico. O primeiro é dirigido para objetivos a alcançar, visa ao êxito e é controlado pela coerência. O segundo, não tem estas limitações. É mais solto e livre. É até "onipotente" porque trabalha com elementos da fantasia.

O pensamento operativo usa raciocínio lógico-dedutivo e hipotético--dedutivo. Está preso aos fatos e à Lógica, exigindo mais coerência e rigor.

Se uma pessoa ocupar seus processos mentais unicamente com o pensamento operativo pode chegar à neurose ou quem sabe à psicose ou loucura. Para a saúde mental é importante alternar formas de pen­samento simbólico com formas de pensamento operativo. O pensamento simbólico proporciona uma pausa na pesada busca de objetivos e, assim, libera um pouco a pessoa de suas frustrações e limitações.

Daí a importância das distrações. Jogos e divertimentos são ativi­dades afins do pensamento simbólico. A criança dispõe apenas do pen­samento simbólico. Só através da maturação e por exigência das neces­sidades é que ela chega ao pensamento operativo.

Através do pensamento simbólico, o homem chegou às artes, criou festas, rituais mágicos e religiosos. Com o pensamento operativo criou formas de caça, instrumentos de trabalho, máquinas e novas formas de produção.

Os problemas da sobrevivência mobilizam de tal maneira o pensa­mento operativo, que pode chegar a inibir o simbólico, subvertendo a velha sabedoria que diz: "o trabalho faz bem a todos, mas um pouco de sonho e fantasia não faz mal a ninguém". Este fato tanto é verdade individual como coletiva. "Daí existirem — comenta o professor Lauro de Oliveira Lima — 'civilizações prometéicas' (dominadas pela com­pulsão do trabalho) e 'civilizações dionisíacas' (levadas pelo sopro da festa e da alegria)."

O animal adulto absorve grande parte de seu tempo de vigília na busca do alimento, e o homem, no trabalho. Por isso não se percebem neles atividades lúdicas. De um modo geral, só brincam enquanto pe-

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quenos e, nessa fase, são sustentados pelos pais. O grau de ludilttO (jogos) do ser humano depende da abundância ou escassez de recursos em que vive. Se o ambiente é pobre, a maior parte de seu tempo 6 gasta na busca de meios de manutenção. Foram a agricultura e a cria­ção de animais que, permitindo a acumulação de bens excedentes, abriu espaço para as festas e os jogos. A apropriação, contudo, destes exce­dentes da riqueza dividiu a humanidade em ociosos e trabalhadores. Segundo alguns teóricos, a história tem sido a luta entre estes dois tipos de homens, isto é, tem sido a luta pela "ociosidade". Esta "ociosidade" permitiu a expressão do pensamento simbólico, das artes, das ciências e a criação de uma vida econômica e administrativa desenvolvida.

Algumas pessoas estranham que famílias mais pobres se privem de bens essenciais para comprar um aparelho de televisão. É bom, contudo, não esquecer que a televisão, até certo ponto, realiza uma aspiração do ser humano: "viver de suas fantasias."

Por que, afinal, se trabalha? Uma das finalidades de tal esforço é ter oportunidade de divertir-se, fantasiar, festejar. A televisão antecipa, pois, este objetivo.

EXERCÍCIOS '

1. Estivemos estudando a inteligência. Um professor diz que um aluno é inteligente quando compreende facilmente sua explicação. Um chefe de oficina diz que o operário é inteligente quando descobre facilmente os defeitos e os conserta. O gerente de loja acha inte­ligente o vendedor que faz o freguês comprar. O que há de comum nestas três situações que justifique inteligência?

2. A inteligência de algumas pessoas processa certos elementos mentais com mais facilidade do que a de outros. Que tipo de elemento sim­bólico um jogador de futebol, no limitado espaço de um campo, é mais mobilizado a processar?

3. Como você define inteligência?

4. O que é pensar? Você certamente está pensando enquanto tenta re­solver estes exercícios. Em que consiste essa atividade mental?

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O desenvolvimento da inteligência

A maioria das pessoas acreditava que a in­teligência da criança era fixada ao nascer, herdada geneticamente. Hoje a ciência nega esta crença. Um meio altamente estimulante e rico de experiências pode aumentar a inteli­gência das crianças nos decisivos primeiros anos, quando ela é mais maleável.

O que uma criança vê, ouve e aprende antes da idade de quatro anos afeta, em grande parte, sua inteligência mais tarde.

Numa escola maternal de Nova York, um grupo de crianças de três e quatro anos de idade recebia aulas individuais de linguagem, quinze minutos por dia. Um segundo grupo da mesma classe recebia quinze minutos de atenção individual, mas sem ensino. Passados qua­tro meses, as crianças que haviam sido ensinadas tinham obtido mais de catorze pontos de Q.I., enquanto o grupo não ensinado ganhava apenas um ou dois pontos.

A nova pesquisa descobriu três linhas principais de atividades que podem ajudar a inteligência de uma criança a expandir-se: estímulo na infância, exercícios de linguagem desde cedo e preparação precoce para a leitura.

Benjamin S. Bloom, em seu livro Stability and Change in Human Characteristics (Estabilidade e Alterações das Características Humanas), descobriu que cada traço humano possui uma curva de crescimento característico. Com respeito à inteligência, no final do quarto ano de vida, esta curva (a inteligência) já alcançou a metade do seu desen­volvimento.

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A inteligência cresce tanto durante os quatro primeiros anos de vida como durante os quinze anos seguintes, quando termina pratica­mente seu desenvolvimento. A seguir começa a declinar lentamente, mas em compensação o adulto enriquece em experiências.

Ao entrar para a escola, com seis anos, a criança já alcançou dois terços da inteligência que terá aos quinze. O desenvolvimento entre os quatro e os treze anos é, em grande parte, determinado pelo desenvol­vimento anterior à idade de quatro anos.

Piaget é o grande responsável por esses novos estudos. Observando sua filha aos três meses, notou quando ela descobriu que, ao espernear no bercinho, as bonecas de pano nele penduradas começavam a dançar. No momento em que compreendeu que ela as tinha feito mexer só com o movimento das pernas, sorriu. Depois, tentou outras vezes. Foi esse o seu primeiro sinal de "intenção": fazer, propositadamente, com que alguma coisa emocionante acontecesse de novo. Essa é uma operação mental importante: a intenção de prolongar ou de repetir certas cenas, ou determinados sons. Piaget diz que quanto mais coisas novas uma criança vir e ouvir, mais quererá ver e ouvir.

O problema básico no enriquecimento do meio para desenvolver a inteligência da criança é o "problema da adequação", isto é, de como encontrar as circunstâncias mais estimulantes para cada criança, 1 em cada ponto do seu desenvolvimento. Se lhe derem qualquer coisa inade­quada, a criança a desprezará. Se lhe derem algo muito conhecido, ela não ficará motivada e, portanto, não desenvolverá seu pensamento. A questão é encontrar situações um pouco além do que a criança já acumnlou em seu cérebro. Se lhe oferecerem isso, ensina a Psicologia atual, as crianças aprenderão só por aprender. Essa aprendizagem se tornará um esporte, tão absorvente como o tênis ou o futebol, e não será necessário obrigá-las a estudar.

Eis uma lição de Piaget: ensinar a criança a aprender brincando. O chocalho é colocado sob um cobertor enquanto o bebê está olhando. Em seguida, os pais verificam se ele consegue encontrar o chocalho escondido. O psicólogo acredita que as brincadeiras de esconder têm enorme valor para o desenvolvimento mental da criança, na primeira infância.

É claro que o meio infantil altamente enriquecido não garante a genialidade, mas que eleva, de muito, o Q.I. de uma criança, não resta dúvida.

Os gêmeos, que dividem o tempo de seus pais, atingem em média menos cinco pontos de Q.I. do que os filhos únicos, segundo revela

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uma pesquisa escocesa. Irmãos nascidos com menos de um ano de intervalo alcançam uma cifra igualmente baixa. Quanto maior é o tempo decorrido entre o nascimento dos filhos, mais tempo a mãe terá para o seu bebê e mais alto será seu Q.I. médio. Isso explica por que as crianças intelectualmente privilegiadas são quase sempre primogênitas.

O AMBIENTE VERBAL

Alguns psicólogos acham que o ambiente verbal da criança é ainda mais importante do que o seu meio físico. A linguagem que um bebê ouve pode fazer progredir ou deixar estacionaria sua capacidade básica de pensar. Há vantagem em ler estórias para crianças, desde cedo, mesmo antes de elas completarem um ano ou aprenderem a falar. Numa experiência recente, algumas mães residentes em bairros de baixo nível econômico receberam dinheiro para ler, em voz alta, para seus bebês, durante quinze a vinte minutos por dia. Com a idade de um ano e meio, as crianças dessa experiência apresentavam progressos expressivos no desenvolvimento da linguagem em comparação com ou­tras crianças do bairro.

Segundo pesquisas recentes de psicólogos soviéticos, as crianças aprendem muito mais depressa quando podem dar um nome às coisas, ou conversar sobre os problemas no momento em que eles surgem. A experiência soviética parece provar que quando as crianças não têm nomes para dar às coisas, elas não as percebem adequadamente.

Estes pesquisadores mostraram a algumas crianças coleções de borboletas, pedindo-lhes que encontrassem uma cujas asas fossem iguais às de uma borboleta que haviam recebido antes. A princípio, as crian­ças só conseguiram combinar as borboletas pela cor. Não prestavam atenção aos desenhos das asas. Mas, quando ensinaram a um grupo nomes para as "manchas" ou "listras", até mesmo as menores passaram a combinar as borboletas por esta semelhança. As crianças do outro grupo não foram além da cor na sua classificação.

Mais significativas ainda do que os nomes e as classificações são as regras de linguagem. Aqui também o papel dos pais é da maior importância. Eles costumam falar com as crianças em frases comple­tas, ou limitam-se a frases curtas e gestos? Os pesquisadores desco­briram que a criança aprende com maior rapidez quando a linguagem ao redor dela é mais rica.

Um ambiente cultural e verbalmente rico é muito importante para a inteligência das crianças, pois as ajuda a compreender adequada­mente seu mundo.

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APRENDIZAGEM PRECOCE

As crianças alfabetizadas antes dos seis anos geralmente conservam o seu lugar de destaque na escola e às vezes apresentam resultados excelentes. Um estudo revelou que muitas crianças alfabetizadas cedo tiveram interesse pela leitura já na idade de quatro ou cinco anos, sem terem sido forçadas a isso por pais ou professores.

A inteligência superior

Acima de Q.I. 1 2 0 temos: muito inteligente, talento, gênio. Veja­mos agora, os feitos de uma criança cujo quociente de inteligência chegava a 1 8 7 .

Aos oito anos, Eduardo estava acima da média em altura e peso. Enquanto as crianças normais de sua idade cursavam a segunda série, Eduardo já fazia a quinta série. Aos doze anos entrou para o segundo grau. Sua classificação no exame vestibular foi o segundo lugar entre 4 8 3 rapazes que, em média, eram seis anos mais velhos do que ele. Formou-se em quatro anos, tendo sido eleito para membro da frater­nidade honorária PHI BETA KAPPA (Sociedade que congrega os ta­lentos universitários nos Estados Unidos). Possuía um conhecimento razoável de doze línguas. Concluiu depois o curso da Faculdade de Filosofia aos vinte e poucos anos, abraçando a carreira de ministro protestante.

O professor americano Lewis M. Terman fez uma exaustiva pes­quisa entre-escolares americanos e chegou a identificar mais de dois mil de Q.I. igual ou superior a 140 . Eles constituíam 17o do grupo estudado. Dezesseis anos depois, quando estes participantes deviam ter entre 25 e 30 anos, voltou a entrevistá-los. Quase 9 0 % dos rapazes e 8 0 7 o das moças tinham cursado a Universidade com notas elevadas e com dois anos de dianteira sobre os outros. Cerca de 5 0 7 o dos rapazes optaram pelas carreiras liberais, principalmente de advogado, engenhei­ro, médico, professor universitário, pesquisador científico, sacerdote, nesta ordem de preferência. Alguns deles, já nesta ocasião, apresenta­vam sucessos comprovados. Trinta destes portentos não concluíram o curso universitário e cerca de 1 / 5 estava trabalhando em escritórios, em empregos comuns no comércio ou em outros serviços. Entre estes, havia um marítimo, um músico de "jazz", um policial e um motorneiro de bonde. Nestes casos, os problemas domésticos, os defeitos da perso­nalidade ou do caráter, os fatores desfavoráveis do meio ambiente fo­ram de grande importância, se não de importância crucial, na falta de sucesso. Pelos dados colhidos, o pesquisador chegou à' conclusão de

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que além do nível intelectual são necessários para o sucesso outros fato­res, tais como ajustamento social, estabilidade emocional e impulso para as realizações'.

O estudo da inteligência, hoje. Como vimos, poder-se medir a inte­ligência e há muitas vantagens nisto. Durante a Segunda Grande Guerra Mundial, a Força Aérea Americana testou 160 000 jovens em treina­mento de vôo. Dos que haviam obtido a maior nota, apenas quatro em cem fracassaram, ao passo que entre os classificados em último lugar a proporção chegava a ser de 75 em cem que não conseguiram terminar o treinamento ou caíram com os aviões. Os testes eram de três tipos: de inteligência geral, de aptidões intelectuais específicas e de aproveita­mento, que sonda o que foi aprendido.

Demos, anteriormente, uma definição de inteligência. Vamos, agora, compará-la com estas outras definições:

"A inteligência é uma capacidade geral do indivíduo para ajustar conscientemente seu pensamento a novas exigências; é a adaptabilidade geral da mente a novas situações e problemas" (William Stern).

"A inteligência é a capacidade conjunta ou global do indivíduo de agir em função de um objetivo, de pensar racionalmente e de lidar eficazmente com seu meio" (David Wechsler).

"Inteligência é a capacidade de julgar" (Alfred Binet). Associadas à inteligência, que se apresenta como capacidade de

realizar operações mentais com eficiência, temos algumas atividades psíquicas importantes, tais como a memória, a capacidade de raciocinar, a criatividade e outras. Não se deve tomar nenhuma delas isoladamente para caracterizar a inteligência. Que dizer das pessoas com boa memória mas que são estúpidas em tudo o mais?

INTELIGÊNCIA E CRIATIVIDADE

Getzels e Jackson procuraram estabelecer certas relações entre Q.I. elevado e criatividade. Não era obrigatória a presença de um Q.I. ele­vado junto a uma grande criatividade. Num teste de criatividade, o que se conta são as inovações, a variedade das respostas e a originali­dade das mesmas. Mostrou-se a foto de um homem reclinado conforta-velmente numa poltrona de um avião e pediu-se que inventassem uma história sobre ele. O candidato de Q.I. bem elevado escreveu o seguinte:

"O Sr. Smith está voltando para casa, de uma viagem em que fez bons negócios. Está muito contente, pensa em sua maravilhosa família e em como ficará feliz por revê-la. Pode antever que daqui a uma hora

1 GARRET, Henry. Psicologia. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1 9 5 9 , p. 3 0 8 .

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o avião estará aterrissando no aeroporto — sua esposa e seus três filhos, todos lá estarão, saudando-o pela volta ao lar".

Um testado do grupo criativo expressou-se da seguinte maneira: "Este homem está voltando da cidade de Reno, onde acaba de

conseguir divórcio da mulher. Não podia mais viver com ela — disse ao juiz — porque ela, antes de dormir, passava tanto creme no rosto que sua cabeça escorregava do travesseiro e batia na cabeça dele. Agora pensa em inventar um novo creme facial que não seja escorregadio".

Ser criativo é deixar que a intuição ajude a inteligência a resolver problemas.

Há no ato criativo o máximo de pensamento divergente. Não é de acordo com o convencional que se vai inovar ou descobrir algo.

O problema é deslocar um caixote de lugar: o menos inteligente iria agarrá-lo com as mãos; o inteligente usaria alavanca e deslocaria o caixote sobre dois paus roliços; o criativo tentaria descobrir um novo processo.

Um velho exemplo de espírito criativo. Arquimedes, físico grego, tentava certa vez resolver um problema sério: descobrir se a coroa do rei era ou não de ouro. Sua majestade suspeitava que o ourives o havia enganado, substituindo parte do ouro por um metal mais barato.

A inteligência do sábio já se debatera em vão, muitas horas, até que, durante o banho, encontrou o começo da solução, descobrindo que todo corpo imerso sofre um impulso de baixo para cima. Depois notou que o volume do líquido deslocado é igual ao volume do corpo. Assim, se mergulhar um pequeno seixo de rio de 2 cm 3, vai deslocar 2 cm 3 de água. Lembrou-se também que dois corpos do mesmo peso, mas de matéria diferente, terão necessariamente volumes diversos.

Um quilo de algodão e um quilo de chumbo têm volumes bem diferentes.

Arquimedes pôde descobrir se a coroa era mesmo de ouro da se­guinte maneira: tomou um recipiente com abertura para recolher o excesso de água. Encheu-o de água até a borda da abertura lateral. Introduziu cuidadosamente a coroa. Recolheu, num vidro, a água der­ramada. Voltou a encher o recipiente, nas condições anteriores. Repetiu a operação com um pedaço de ouro puro, do mesmo peso da coroa.

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água coroa do rei

volume de água extravasado = volume

da coroa

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Viu que OS volumes de água extravasados eram iguais. Estava confir­mado. A coroa era de ouro.

Parece razoável supor que esta não era a primeira vez que o físico Arquimedes tomava banho e observava que a água subia quando nela se submergia um corpo sólido. Mas era a primeira vez que pensava a respeito de um problema como este e que ambas as coisas ocorriam ao mesmo tempo. Uma mente preparada, predisposta, é capaz de boas descobertas. Arquimedes associou o volume de água deslocada ao peso específico do corpo. Assim sendo, o ouro deslocará mais ou menos água do que madeira ou latão. A capacidade para perceber conexões remotas é tarefa específica da inteligência.

Os empecilhos à criatividade Todos têm capacidade de criar, sobretudo as crianças, que são

espontaneamente originais em suas formas de percepção e experiências de vida. O aumento do potencial criador dependerá das oportunidades que a criança tiver de utilizar as soluções não "oficiais".

Cada indivíduo possui mil impulsos para criar, para se libertar. E se resolvesse liberá-los estaria se esquecendo do princípio da realida­de, que reprime o comportamento das pessoas, colocando-as dentro de um "determinado" esquema. Daí a repressão "oficial" contra o criativo.

O ato de criar surge a partir do momento em que a pessoa trans­cende os padrões vigentes.

Condições para o indivíduo criar: • ter segurança — quem é inseguro tem muita dificuldade para criar; • não ser rígido — ser sensível às mudanças; • ser autêntico — pensar pela própria cabeça; • ser flexível — não ver as soluções de uma mesma maneira.

EXERCÍCIOS

1. Comente: "A criatividade depende muito da coragem do indivíduo de dizer ou fazer coisas não convencionais até acertar. É a possi­bilidade de o sujeito se jogar todo em qualquer experiência sem se 'moldar' ou sem temer o costumeiro, o convencional".

2. Como se chama a capacidade conjunta ou global do indivíduo de agir em função de um objetivo, de pensar racionalmente e de lidar eficazmente com o meio e com os problemas?

3. Qual a diferença entre inteligência e criatividade? 4. O meio exerce alguma influência no desenvolvimento da inteligência?

Explique.

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QUARTA PARTE

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O QUE SOMOS: A CONSTRUÇÃO

DA PERSONALIDADE

Maravilhas são muitas e nenhuma é mais ma­ravilhosa do que o homem. (Sófocles)

Page 53: psicologia moderna

A pessoa humana, sua origem: hereditariedade e meio

Hereditariedade significa aquelas tendências herdadas para desenvolver-se em certas dire­ções: tornar-se branco ou preto, alto ou baixo, vivaz ou pacato.

Hereditariedade e meio são os dois elementos básicos formadores da pessoa. Para explicar o sucesso ou fracasso de uma pessoa, incons­cientemente descemos a essas fontes. Ante o insucesso escolar de uma criança poderão dizer: "É inteligente, mas não teve um bom curso pri­mário" ou "freqüentou ótimo curso, mas não é inteligente". Nessas duas opiniões, sobressaem: hereditariedade, capacidade inata — a inteligên­cia que se herda através de determinados mecanismos genéticos —, e meio — bom ou mau curso primário.

De há muito tempo, se discute o problema da hereditariedade e do meio como fatores determinantes na formação da pessoa. Será nossa carga genética que decide se seremos ricos ou pobres ou serão as opor­tunidades do meio a razão do êxito ou do fracasso econômico? As opiniões foram sempre muito discordantes. Thomas A. Edison, o in­ventor da lâmpada elétrica, afirmava que a genialidade era uma questão mais de transpiração que de inspiração. É certo, contudo, que se não fora sua capacidade mental extraordinária, suas vigílias até altas horas, estudando, Edison não teria chegado até onde chegou.

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O MECANISMO DA HERANÇA

A vida das pessoas ou dos seres vivos superiores começa no momento em que uma célula germinal ou reprodutora masculina K une a uma outra feminina, formando uma célula-ovo ou zigoto. Esta nova célula traz em si todas as qualidades fundamentais do indivíduo: cor dos olhos, tipo de sangue, constituição física, sexo, inteligência etc, do mesmo modo que um grão de milho ou feijão contém em si todos os elementos que irão surgir mais tarde na planta adulta. Isso acontece porque o núcleo de cada célula germinal traz no seu íntimo certos filamentos em forma de rosário — os cromossomos —, contendo nos seus nós o que se chama de genes. Estes genes é que determinam todas as características essenciais do indivíduo. A célula germinal só possui a metade dos cromossomos da espécie. A célula comum ou somática do homem contém 46 cromossomos, 23 recebidos do pai e 23 recebidos da mãe.

Uma campeã de lançamento de peso não teve permissão para participar dos Jogos Olímpicos de 1972 porque um fio do seu cabelo, ao ser examinado ao microscópio, revelou a existência de células que continham cromossomos masculinos. Na realidade era fisicamente femi­nina, ou seja, uma mulher; sendo assim, esse exame tem sentido?

Todas as atletas inscritas nas Olimpíadas foram submetidas a esse teste de cromossomos. Todas as células do organismo apresentam a mesma formação característica de cromossomos que se desenvolvem da matéria nuclear de cada célula. Os cromossomos contêm os genes que determinam as características hereditárias da pessoa.

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Normalmente, a célula, não importa de que parte do organismo, contém 44 cromossomos regulares mais dois cromossomos sexuais. Os homens têm cromossomos sexuais X e Y, mas as mulheres têm dois cromossomos X. Quando as células de uma mulher apresentam os cro­mossomos Y, ela é considerada como portadora de características mas­culinas suficientes para desclassificá-la de jogos competitivos com outras mulheres.

Todas as células reprodutoras têm 22 cromossomos regulares e um sexual. No óvulo, esse cromossomo é sempre X, ao passo que no espermatozóide, pode ser X ou Y. Assim, se o óvulo for fecundado por um espermatozóide Y, a célula-ovo vai ser XY, ou seja, do sexo masculino; se o espermatozóide for X, o resultado da fecundação será uma célula-ovo XX, isto é, do sexo feminino.

Vez por outra a natureza mostra-se caprichosa dando a bebês a aparência externa de mulheres quando internamente lhes falta ovário ou útero. Ao crescerem adquirem um forte físico masculino e mesmo o rosto se assemelha muitas vezes ao de homem. É em pessoas assim que é encontrado o padrão de cromossomos masculinos e que são, por isso, desclassificadas nos Jogos Olímpicos.

Também pode ocorrer a presença de um cromossomo feminino extra no ordenamento genético dos homens. Esse fato é até mais fre­qüente do que supunha a ciência — chega a 0 , 4 5 7 o dos nascimentos. As conseqüências, em geral, são relativamente benignas. O homem tem nível de inteligência normal, ou quase normal, assume todas as respon­sabilidades masculinas, inclusive o serviço militar. É sexualmente ativo, embora estéril.

O MEIO E A HERANÇA

Os cientistas vêm se dedicando a estudos experimentais da heredi-tariedade e do meio ambiente desde o começo deste século. O campo mais fértil quando se parte do ponto hereditariedade constante versus meio ambiente variado é feito com os gêmeos. Há dois tipos de gê­meos: os fraternos e os univitelinos. Os primeiros resultam da fecun­dação de duas células germinais femininas. São como dois irmãos quaisquer. Podem, em 5 0 7 o dos casos, ser de sexos opostos. Apenas participam da simultaneidade de vida, de gestação, de nascimento etc. Os gêmeos que interessam aos pesquisadores são os univitelinos. Estes se desenvolvem de um mesmo ovo que, na sua primeira divisão em células, em vez de continuarem unidas, separam-se, dando origem cada uma a um indivíduo. Cada um deles tem assim a mesma carga gené-

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tica, são sempre do mesmo sexo e muito parecidos. As diferenças que posteriormente ocorrem neles são devidas ao meio.

Estudos feitos em gêmeos univitelinos, criados num mesmo am­biente e em ambientes diferentes, revelaram o seguinte: os cinqüenta gêmeos criados no mesmo ambiente apresentavam uma diferença média de 2 , 5 cm em altura e de 1,8 kg em peso; apresentavam também o mes­mo quociente de inteligência, aproximadamente; por sua vez, o estudo em dezenove pares de gêmeos univitelinos criados em separado, apre­sentou maiores discrepâncias em altura, peso e, o que é mais interessante, em inteligência. Há uma diferença de três pontos médios entre os indi­víduos da mesma herança e de meio diferente. De acordo com esta alteração, chegou-se à conclusão de que 2 0 7 o das diferenças de inteli­gência entre as crianças deve-se atribuir ao meio ambiente. Os 8 0 7 o

restantes são devidos à hereditariedade. A maior diferença ocorreu no caso de duas gêmeas, uma das quais havia sido criada numa casa de gente rica, cursava a Universidade e tornara-se professora, enquanto a outra se criara no interior e recebera apenas dois anos de instrução primária. O quociente intelectual da primeira era de 1 1 6 , enquanto o da segunda era de 92 apenas.

Houve igualmente muitas experiências, partindo do ponto de vista oposto: meio ambiente constante e hereditariedade variada. Se o meio é o mesmo, temos que atribuir as variações à hereditariedade. Contudo, é dificílimo manter o meio ambiente igual. Todas as influências ex­teriores, como ataques dos vírus, infecções, doenças etc. que podem atingir a um e não a outro, alteram o meio para cada um, mesmo que vivam num mesmo teto. Para as crianças que vivem na mesma cidade, freqüentam a mesma escola, assistem aos mesmos filmes, divertem-se com as mesmas coisas, o meio parece apresentar-se homogêneo e cons­tante, mas não o é realmente. A infecção que um pode receber e outro não, um órgão que, por isto, fica mais fraco em um que em outro, determinam diferenças.

Os principais traços da personalidade e o caráter são quase total­mente produtos do meio.

O homem mais do que nenhum outro animal sofre as influências do seu meio. Estudos experimentais a respeito disso são freqüente­mente feitos em animais, onde é possível manter um meio experimental homogêneo.

O meio ambiente, no seu sentido lato, compreende todas as influên­cias que afetam o ser em crescimento, bem como o adulto já maduro.

Neste sentido, uma experiência interessante foi feita com ratos, onde se variou o mais que se pôde a hereditariedade, deixando-se contu­do sempre constante o meio. Utilizaram os pesquisadores inicialmente

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142 ratos. O principal teste era aprender a andar num labirinto. Os ratos demonstraram grandes diferenças na capacidade de resolver o problema. Enquanto uns cometeram sete erros, outros chegaram a so­mar 214. Selecionaram-se sucessivamente os mais espertos e os mais estúpidos, fazendo-se cruzamentos exclusivamente entre eles, durante 22 gerações. A diferença entre a capacidade dos descendentes dos espertos e dos estúpidos era muito grande. Alguns dos primeiros, depois de sete erros acertavam o problema, enquanto muitos dos do segundo grupo cometiam até 214 tentativas falhas.

Procedeu-se, depois, ao cruzamento de descendentes dos mais espertos com os mais estúpidos. Estes, ao fazerem a experiência, obti­veram o mesmo resultado que seus 142 antepassados que iniciaram a pesquisa.

Havia poucos ratos espertos e poucos ratos estúpidos e uma grande maioria de ratos de capacidade mediana. Qualquer população se com­porta desse modo — como se fosse gerada do cruzamento de "esper­tos" com "estúpidos".

EXERCÍCIOS

1. Qual a opinião de T. A. Edison a respeito da influência do meio e da hereditariedade na formação dos grandes talentos?

2. Quais das afirmativas abaixo são verdadeiras e quais são falsas?

a) A carga hereditária de um indivíduo é 50% paterna e 50% ma­terna.

b) A hereditariedade está ligada ao sangue.

c) A Genética é a ciência que estuda a hereditariedade. d) Devido à gestação, herdamos mais fatores hereditários da mãe

do que do pai.

3. Nossa personalidade sofre mais influência do meio ou da heredita­riedade?

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Desenvolvimento humano

Quando você esperava seu filho, certamente tinha planos para ele. Nesses sonhos, cons­cientemente ou não, fazia de seu filho um prolongamento de si mesma, projetando tudo aquilo que gostaria de ter sido. Mas quem nasceu de você é um outro indivíduo, cuja realidade nada tem a ver com a sua, embora tenha se alimentado de seu sangue e tenha sido gerado de suas células. Ele terá caracte­rísticas próprias, outros anseios, outro tempe­ramento. Não é justo que você transfira para ele suas frustrações. Deixe que ele se desen­volva. (Karen Horney)

O desenvolvimento se origina de duas fontes: das energias do próprio organismo, isto é, de suas potencialidades, e dos recursos do meio em que o organismo está imerso. O organismo, como um pro­cesso dinâmico, vai se ajustando ao meio externo, para sobreviver, prosperar e realizar-se.

Cada fase de desenvolvimento possui marcas e características dife­rentes das outras. A maneira de pensar, por exemplo, é diferente e tem características próprias em cada fase do desenvolvimento. Uma criança não pensa do mesmo modo que um adulto.

CARACTERÍSTICAS

No desenvolvimento há duas características principais: crescimento e modificação de estrutura e de função. Tanto o crescimento como as modificações de estrutura acarretam transformações de comportamento.

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É impossível fazer com que uma criança de dois anos e meio de idade deixe de pôr as coisas na boca ou de mexer em tudo que vê. Isso porque, de acordo com seu desenvolvimento, ela se encontra em fase de descoberta de um mundo novo, horizontal. Acabou de adquirir a posição ereta e o seu melhor sentido é o paladar. Daí a necessidade de testar as coisas pela boca. O desenvolvimento, que é um processo dinâmico do organismo, vai se completando em diferentes níveis de amadurecimento. Os comportamentos de um jovem, de um adulto e de uma criança apresentam padrões bem diferentes porque resultam de um nível de amadurecimento diferente. A parte da Psicologia que estuda a gênese e a estrutura dessas fases chama-se Psicologia Evolutiva.

AS VÁRIAS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO

1. Da fecundação à segunda semana, o desenvolvimento é vege-tativo. Há uma divisão apressada de células formando um conglome­rado (mórula) que tem o aspecto de amora, daí a designação de mó-rula. Ao se implantar no útero, este conglomerado de células, ligeira­mente alongado, vai transformar-se, já na oitava semana, em embrião. Nesta primeira fase, podem-se distinguir três camadas de células: ecto-derma, mesoderma e endoderma, respectivamente camadas externa, do meio e interna. Estas vão formar, por sua vez, todas as partes do futuro ser.

2. O embrião, que ainda não tem forma humana definida, conti­nua a crescer aceleradamente. O coração começa a bater na terceira semana. As diversas partes do corpo se definem no fim da oitava semana. Neste período já pode ser reconhecido como humano, por seu aspecto externo. Passa a ser, então, um feto.

3. O feto já tem comportamento de massa, isto é, move-se como um todo, sem ser capaz de movimentar uma parte de si, como perna ou braço separadamente. Somente dois meses antes do nascimento é que principia a realizar movimentos parciais, como o da cabeça, tronco, membros, mímica facial etc. A partir do sétimo mês já está apto a sobreviver no meio exterior. É o prematuro.

Nos nove meses de vida intra-uterina, o indivíduo teve um desen­volvimento prodigioso. Realizou 7 0 7 o do seu desenvolvimento total. Se continuasse, depois do nascimento, neste ritmo, atingiria, na idade adulta, o tamanho médio de quinhentos metros de estatura.

4. O nascimento é a passagem do meio intra-uterino para o meio exterior. Para alguns psicólogos, isso representa uma experiência funda­mental, sendo o trauma do nascimento a causa básica de angústias futu­ras e do medo da morte.

1 8 0

5. Durante as quatro primeiras semanas depois do parto a criança recebe a denominação de recém-nascido. Este tempo é o suficiente pa ia

ela se recuperar do trauma do nascimento. Seu comportamento funda­mental é o de semi-sono. Dorme dezoito horas por dia. Possui alguns comportamentos reflexos e algumas sensações vagas. Durante estas se­manas predominam reações como choros, gritos, agitação.

Neste período, a criança está quase que exclusivamente em órbita materna. Dessas suas relações iniciais com a mãe, vai depender o tipo de pessoa humana que ela será.

A primeira pessoa que a criança conhece é a mãe. Se esta for excessivamente autoritária, a criança pode crescer medrosa, tímida e introspectiva. Se a mãe for excessivamente negligente, o filho poderá ficar indiferente, triste e desconsolado. Mas se, ao contrário, a mãe for segura, dócil e compreensiva, poderá ter um filho com personali­dade saudável. O que acabamos de dizer serve apenas para mostrar a importância do amor, da aceitação e do respeito que pais e adultos devem ter para com as crianças.

Do ponto de vista da Psicologia do Inconsciente (Psicanálise), ao contrário do que se pensa, as relações de família (que se passam entre mãe-pai-filhos-irmãos) são as mais densas e as mais tensas da condi­ção humana. Nelas imperam noções e impulsos inconscientes de in­cesto, posse, rejeição, agressão, inveja, amor e ódio, sempre muito mar­cados por aspectos traumáticos.

CARACTERÍSTICAS DA INFÂNCIA

Durante a infância, em geral dominam os comportamentos de ex­ploração do meio, do mundo e do próprio corpo. É uma fase egocên­trica em que os interesses giram em torno do pequeno mundo da criança.

O contato com o mundo verbal. Um bebê já percebe todos os sons que a voz humana pode produzir e, durante quatro ou cinco meses, aprende a organizá-los no balbuciar. As primeiras palavras surgem mais ou menos aos doze meses. Com um ano e meio a maioria das crianças usa cerca de trinta palavras. Nos 1 8 0 dias que se seguem, du-zentas ou trezentas, sendo que nas meninas o processo é mais rápido que nos meninos.

Durante este último estágio, a criança começa a fazer ligações entre duas ou três palavras. A maioria, descobrindo a regra geral de que cada coisa tem um nome, começa a falar e rapidamente aumenta seu vocabulário. Com três anos sabe mais de mil palavras e com quatro e meio cerca de duas mil.

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Do ponto de vista infantil, a parte mais difícil da linguagem é a pronúncia correta dos sons. Um adulto encontrará dificuldade pare­cida ao aprender uma língua estrangeira.

James J. Thompson, autor do livro Educating your Baby, afirma: "Pai e mãe podem ajudar seu filho, repetindo consoantes e vogais

devagar e apenas uma de cada vez. Devem deixar a criança observar os movimentos labiais. Ensinar sons de todas as vogais e consoantes apressa a maturidade para a fala". .

Desenvolvimento da criança

Sabe-se que, mesmo antes de falar, a criança já percebe o que seus pais dizem. Assim, se a mãe tocar parte do seu corpo e disser o nome, ela pode sentir e compreender o significado. Se isso começar bem cedo, com um ano ela já poderá apontar várias partes no seu corpo quando lhe for perguntado. Não vai demorar muito e ela identificará membros do corpo das pessoas e os objetos à sua volta.

A mãe que conversa com o filho está mostrando a ele que todas as ações podem ser traduzidas em palavras. A mudança de tom e sentido mostra que falar não é apenas um ruído, e a criança passa a olhar a fala como uma coisa importante. E isto traz grandes benefícios a sua inteligência. O estômago foi feito para digerir, assim como o cérebro para relacionar-se, exercitar-se, desde que de forma espontânea e não forçada nestes primeiros meses e anos.

Com dezoito meses, o bebê já repete os nomes dos objetos familia­res, com alguma insegurança. Um cavalo poderá ser confundido com um cachorro. Os pais deverão ensinar simplesmente o certo.

É vital não forçar quando a criança não está interessada. O ensino deve ter características de um divertimento e sempre que citar algo de novo, relacionar com alguma coisa já conhecida. Pouco adianta abrir diretamente um livro de animais e dizer:

"Este é um leão". A palavra "leão" pouco significa para um bebê. Deve-se começar mostrando características particulares, como a juba; orelhas grandes e tromba, no caso do elefante; pescoço comprido, no caso da girafa, mostrando simplesmente. Isto é muito proveitoso para o desenvolvimento mental da criança.

As famílias de pouca cultura usam um vocabulário pobre com os filhos e isto desenvolve menos suas inteligências.

Qualquer criança normal quebra vários tabus sociais durante o dia: caça o gato, bate no menino do vizinho, puxa o rabo do cachorro, faz o irmão chorar. Se para cada delito deve receber uma reprovação sem maiores explicações, ela acumulará noções vagas do que não deve fazer.

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Se, ao contrário, cada uma das ações for explicada, terá oportunidade de aprender princípios de comportamento moral. Aprenderá que Seu direito termina onde começa o do vizinho, que as pessoas humanas devem ser respeitadas, que ninguém faz aos outros o que não quer que se faça a si etc. Tudo depende de se aproveitar a ocasião e falar apropriadamente.

O psicólogo americano Courtney Cazden fez a seguinte experiência: escolheu um grupo de meninos e meninas de três anos de uma creche e gastou uma média de quarenta minutos diários conversando com eles, usando o que convencionou chamar de expansão sistemática. Este mé­todo consiste em expandir a frase de uma criança, num sentido correto. Assim, quando uma criança dizia "mama tá papando", Courtney desen­volvia a frase replicando: "Sim, mamãe está comendo".

Como controle, o psicólogo selecionou mais dois grupos com as mesmas características do anterior. Ao primeiro, não foi aplicada nenhuma experimentação e o segundo foi submetido a experiência pa­recida. Chamou-se este segundo grupo de figurativo. O psicólogo com­pletava e ampliava o pensamento da criança, em vez de repetir correta­mente como fazia no primeiro grupo.

Assim, quando o menino comentava que "o cachorro late", o adulto replicava: "Sim, ele está zangado com o gato".

Courtney esperava que o grupo de expansão reagisse melhor, mas ficou surpreendido com os resultados mais positivos do grupo figurativo. Procurou saber a razão e encontrou a resposta ao observar que quando um adulto usava apenas o sistema de expansão, a conversa terminava rapidamente. O mesmo não acontecia com o sistema figurativo, onde o adulto contribuía com idéias complementares introduzindo na mente da criança recursos gramaticais próprios da idade, mas abordando as­suntos novos. É bom lembrar que linguagem é mais do que um código de pensamentos: é o próprio pensamento.

Neste plano, a simples aquisição do vocabulário básico ativa novas áreas da mente. E quanto mais cedo se adquire um vocabulário, maior será o desenvolvimento intelectual.

O momento de aprender e a maturidade

Os pais deviam espreitar este momento nas crianças e aproveitá-lo para ensiná-las. Por exemplo: a hiperatividade de uma criança de dois a três anos é de fato o resultado de uma ilimitada sede de conheci­mentos. Se lhe é dada uma oportunidade de saciar esta sede, pelo menos por certo tempo, ela ficará menos agitada.

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idade adulta. Esta caracteriza-se pela estabilidade e pelo ritmo de pro­dução. Deve devolver à sociedade pelo menos o que dela recebeu. Deve ser um período de dinamismo construtivo. Deve apoiar-se nestes funda­mentos: ação, expansão, estabilização, conservação.

Perto dos sessenta anos começam a ocorrer os primeiros sinais de velhice. Tem início, então, um declínio nas atividades orgânicas e mentais. É a volta ou a regressão biológica. O homem se torna con­servador, saudosista e, por acordo com as circunstâncias, um tanto rea­cionário, pela falta de participação e certo temor pelo destino que toma a dinâmica social.

A morte é um complemento natural da vida. Quando a vida foi vivida com sabedoria e bom-senso, esta contingência natural se asseme­lha a um sono simples e suave sem um amanhecer no tempo.

Em todas as fases e aspectos da pessoa humana podemos verificar estágios sucessivos de desenvolvimento que vão de um mínimo até um máximo. Existe uma lei da evolução que afirma: "A ontogênese (desen­volvimento do indivíduo) repete a filogênese (desenvolvimento do grupo zoológico)".

O estudo e a análise do gráfico da página 187 e do quadro das páginas 188/189 completarão, a seu modo, o assunto deste capítulo.

E X E R C Í C I O S

1. Desenvolva estes temas: "As crianças de um ano; terríveis aos dois e três anos; ativas aos quatro e cinco; sociáveis aos seis; barulhentas aos nove. Os jovens de hoje".

2. Leia este caso relatado por Arthur Ramos no seu livro A criança problema: "Menino de doze anos. Pai falecido. Quando vivo castigava muito o filho com pancadas. Mãe cozinheira. Tem quatro irmãos. Moram com a avó paterna que não gosta do menino, castigando-o muito. Moram por favor e vivem de esmolas de associações de caridade. O menino acusa subalimentação. É pálido e magro. Curso do desenvolvimento: aparecimento de gagueira; rói unhas. Comportamento na escola: brinca com os companheiros; tendência a dominar; atormenta os colegas, é fanfarrão, mente, furta. É agitado, agressivo, barulhento, com comportamentos alternados de bondade e perversidade. Atenção deficiente, boa memória, imaginativo. Tem

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o prazer de apel idar os colegas. Aproveita-se dos mais fracos. At i rou ao chão a t ampa do linteiro que se quebrou . Vendo-se observado pela professora, diz: 'Fiz com consciência ' . E acrescenta: 'Não faz mal . eu pago, posso pagar , eu ganho dinheiro ' . Explica en tão que apanha bolas de tênis nos jogos e ganha assim algum dinheiro. T e m sido surpreendido a t i rando pedras nas casas e nos colegas". Qual a idéia que você faz deste menino?

3 . Observe uma criança du ran te uma semana , num horár io determi­nado ou sob de te rminado aspecto do seu desenvolvimento. Ano te suas observações para debate em classe.

Curva do desenvolvimento humano (segundo Charlotte Bühler)

187

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PLAN1FICAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO, DE

ACORDO COM CHARLOTTE BÜHLER

PERÍODOS E ESTÁGIOS DURAÇÃO CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS

/ — Antes do nascimento

1. Ovo-embrião

2. Feto

Concepção: 280 dias

0 — 8 semanas

40 semanas

Predominância de processos acelerados de crescimento e amadurecimento em todos os siste­mas e órgãos.

// — Nascimento Labor do parto Trauma do nascimento.

III — Após o nascimento Berço — sepultura Predominam os processos de aprendizagem.

DEPOIS DO NASCIMENTO

1 — Crescimento e amadurecimento

Nascimento —

14 anos É rápido o desenvolvimento físico, mental,

emocional e social.

l . a infância Recém-nascido — 18 meses

Contato com o mundo através da figura ma­terna. Domina a subjetividade. Termina quando a criança aprende a falar e a andar.

2. a infância ou pré-escolar 18 meses — 6 anos Curiosidade objetiva crescente. Ligação afe­tiva familiar. Exploração do ambiente social. Ego­centrismo. Pensamento mágico-simbólico. Algum controle emocional.

3.a infância ou escolar 7 anos — 12 anos Conhecimento dos fatos. Interesses intelectuais construtivos. Operações lógicas concretas. Parti­cipação na dinâmica do grupo escolar e do bando infantil.

Pré-adolescência 12 anos — 14 anos Início da crise da adolescência.

// — Adolescência

Penetração nos quadros da vida social

1 5 anos — 20 anos O indivíduo descobre-se a si mesmo (desco­berta do eu), explorando, ao mesmo tempo, o mundo revelado pelo trabalho, pela associação com pessoas do sexo oposto etc. O término depende da solução dos problemas fundamentais: escolha de um lugar social pelo trabalho, formação de uma família etc, assumindo, enfim, a personalidade adulta.

III — Idade adulta ou maturidade Estabilização na vida

21 anos — 40 a 45 anos

O indivíduo assume um papel na comunidade e ocupa um lugar na vida profissional, passando a concretizar as idéias e objetivos escolhidos. 0 término está mais ou menos ligado ao declínio sexual (climatério).

IV — Meia-idade Conservação

45 anos — 65 anos As realizações decrescem em número e a ati­vidade se mantém dentro das conquistas já rea­lizadas. Surge forte tendência para a rotina. O indivíduo não se interessa tanto por novas ami­zades, repousando sobre os "louros colhidos".

V — Velhice

Regressão ou declínio

65 anos — morte Considerável estreitamente no campo dos inte­resses, acompanhado de redução da força física, vivacidade mental etc, como conseqüência do des­gaste orgânico.

Quando a vida foi toda vivida com sabedoria, a morte se avizinha como algo natural e simples.

oo

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A personalidade

O homem é capaz de transcender as limitações de todas as suas definições. (Paul Tillich)

É comum ouvirmos estas expressões: "Ele é uma personalidade", "fulano tem pouca personalidade". A personalidade será uma espécie de fluido que as pessoas possuem em maior ou menor quantidade?

Estas e outras expressões a respeito da personalidade não têm valor científico. Queremos, com elas, significar auto-afirmação, força de von­tade, decisão, liderança etc.

O termo "personalidade" deriva do latim persona, que designava as máscaras usadas no teatro. Essa palavra latina também significava "aparência", "aquilo que parecemos ser aos outros". Realmente, algumas pessoas entendem dessa forma a personalidade, confundindo os "pa­péis" sociais que representamos em público com nosso "eu" verdadeiro.

Personalidade tampouco é a imagem que fazemos de nós mes­mos com base na nossa vaidade, ou aquele "eu" idealizado que julga­mos ser. Ela se apresenta mais como a identidade de um "eu" que é a integração das partes que nos compõem. Conhecer a possoa é o obje­tivo final da Psicologia.

O ponto básico da pesquisa científica da personalidade parte de certos padrões habituais de comportamento, isto é, das várias dimen­sões de nosso .ser passíveis de serem observadas com objetividade. O resultado vai dar aquilo que realmente somos, isto é, nossa persona­lidade, em termos científicos.

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Personalidade e' uma organização dinâmica de partes interligadas, que vão evoluindo do recém-nascido biológico até o adulto bios-social, em um ambiente de outros indivíduos e produtos culturais.

A seguir, veremos melhor a explicação desta definição.

Impressão de pessoa. Ao sermos apresentados a alguém, formamos, de imediato, o que se chama, em Psicologia, uma im­pressão de pessoa, seis ou sete características, às vezes menos, da pessoa apresentada e, com elas, formamos uma imagem ou um conceito subjetivo em nós. Muitas vezes, basta um traço mais berrante para, com ele, or­ganizarmos a impressão de pes­soa.

A formação desta imagem é de natureza essencialmente sub­jetiva. Se alguém tem predileção por morenas e se a jovem apre­sentada é morena, isto já contri­bui bastante para a organização de uma impressão de pessoa fa­vorável.

Para se formar uma impres­são de pessoa não é preciso ter contato com ela. Se alguém lhe dissesse:

"Aqui estão, em poucas palavras, alguns termos que definem certa pessoa: altivo, otimista, bom conversador, frio, irônico, convincente".

Qual a impressão que esta pessoa lhe causaria?

Você a quereria ter como amiga ou como sócia?

"João tem um amigo cuja descrição é a seguinte: altivo, otimista, bom conversador, afetuoso, irônico, convincente".

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Qual dos dois é o mais simpático? A primeira impressão, depois de confirmada no trato direto, tende

a durar. A personalidade como algo extremamente complexo não pode, é claro, ser reduzida a uma simples impressão de pessoa.

COMO ENTENDER A PERSONALIDADE?

Antes de mais nada devemos estabelecer alguns pressupostos: 1. Nascemos um organismo biológico. A personalidade é uma cons­

trução que se vai fazendo ao longo do tempo, y 2. Existe uma força dentro de nós que é capaz de organizar nossa ex-

r periência e desta maneira construir nossa identidade, ou nosso "eu" Essa organização se faz em dois sentidos: tem de ser viável para si mesma e adaptada a uma sociedade. Em outros termos, a persona-

l lidade se constrói, de certo modo, comprometida não apenas com um projeto individual, mas também com a sociedade.

3. Em condições normais, a personalidade seria construída no sentido de uma auto-realização. Esta tendência, segundo Carl Rogers, é ine­rente à própria natureza humana.

4. A tendência à auto-realização pode ser descrita como impulso do organismo para:

• prover e providenciar as condições para satisfação de suas necessida­des;

• tornar-se suficientemente independente do seu meio ambiente; • aperfeiçoar suas habilidades; • ser criativo; • chegar a níveis mais altos de eficiência.

Você conhece alguém que é essencialmente dependente dos outros? Que não se preocupa em prover seu futuro? Que põe todo o esforço de sua personalidade só em vencer, em ficar rico por exemplo? Que abdicou do esforço de progredir? De acordo com o item 4, estas pessoas estão progredindo no sentido de sua auto-realização ou em outras direções diferentes?

É claro que a resposta é: dirigiram seu autodesenvolvimento em outras direções. Por quê?

Desde que nasce, a criança é submetida a pressões externas e inter­nas excessivamente fortes para ela. Isto pode afastá-la do seu autocres-cimento para dirigir seu desenvolvimento em outras direções.

As fortes pressões do meio podem criar sérios bloqueios ao cresci­mento da personalidade. O problema fundamental é que o "eu" infan-

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til se sente rejeitado. O ato de nascer já pode se apresentar como uma rejeição básica e inicial. Diante disto, a personalidade vai procurar uma saída que supere a rejeição e sua angústia básica. Karen Horney apresenta três saídas que geralmente as pessoas criam, em suas fanta­sias, para compensar a imagem do "eu-rejeitado":

1." Eu-orgulhoso. A pessoa desenvolve suas energias de cresci­mento no sentido de "mostrar ao mundo do que é capaz". (Este "mun­do" é, sobretudo, os pais.)

2.iL Eu-resignado. Nasce da aceitação da pressão que cria um "eu" idealizado, onipotente, uma espécie de deus (deusa) de bondade.

3. a Eu-indiferente. Nasce da fuga para o interior, a fim de se de­fender das pressões do meio externo. Em vez de se revoltar ou de se submeter, a pessoa foge para dentro de si mesma onde encontra um "eu" idealizado, onipotente, que não precisa de nada. Acha que encontra tudo em seu interior. Trabalha e procura realizar apenas para ganhar estritamente o necessário, o suficiente para manter a si mesma e a família. Não ambiciona realização pessoal. Para que fazer ou realizar grandes coisas se ele é tudo? É esta a sua lógica.

Se uma criança percebeu que mostrar-se afetuosa com o irmão-zinho lhe granjeia a aceitação materna, pode ocorrer que ela jamais permita que um restinho de ciúme aflore no nível da consciência. Passa a ser incompatível com a condição necessária de seu eu-bonzinho. Neste caso, ela estaria coibindo sua capacidade de elaborar convenientemente uma experiência natural, por causa de sua auto-imagem e, na defesa desta, passa a reprimir aquilo que seria espontâneo. Vai inibir como mal algo natural. Carl Rogers admite que para uma criança se desen­volver normalmente é preciso que ela se sinta aceita incondicionalmente. Com isto, é claro, não se vai permitir que ela faça tudo. A criança deve sentir-se como uma pessoa aceita, independentemente da falta e da ação a corrigir. Isto quer dizer que ela deve ser castigada e corrigida, sempre que necessário, bem comi) deve ser dirigida para a socialização, mas sempre aceita e respeitada como pessoa.

É claro que este "eu" idealizado, de natureza fantástica e onipo­tente, é uma criação da fantasia infantil, que, percebendo-se como rejeitado, sente-se compensado com esta criação onipotente e todo-po-derosa. Tudo se passa dentro de uma lógica: "Se meu 'eu' não for fantástico, diyino, onipotente, será algo rejeitável, desprezível, sem valor".

Uma garota de dez anos preferia ficar cega a não ser a primeira aluna de sua classe. Este era o único lugar possível para seu "eu" idealizado.

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Uuanto mais sensível é a pessoa, mais sente esta realidade e mais exagera esta compensação. Pode exagerar a ponto de se julgar um ser excepcional e se desajustar no meio social porque as outras pessoas não a consideram como tal. Tratam-na como se fosse uma pessoa nor­mal e ela, em seu íntimo, está se julgando, está crendo que é um ser fantástico, fora de série.

Se, com a idade, for se aproximando do seu "eu" real, estará caminhando na direção da saúde mental. Se se afastar demasiadamente deste "eu" real e verdadeiro e perder contato com a realidade circun-dante, estará se aproximando da psicose ou loucura.

Esta realidade descrita existe em nível inconsciente ou num estado de consciência diretamente inacessível à pessoa. Só suas manifestações ou conseqüências aparecem na vida prática.

OS CAMINHOS DO DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE

Não precisamos e realmente não podemos ensinar a semente a se transformar em árvore. Se existirem condições favoráveis, suas poten­cialidades intrínsecas desenvolver-se-ão naturalmente. O mesmo deveria acontecer com os seres humanos.

Em circunstâncias normais, o desenvolvimento se faz no sentido deste "eu" verdadeiro, real, ao passo que a compensação onipotente da personalidade, ou seu "eu" idealizado, não tem apoio na realidade.

Quando está formada a personalidade?

Os principais elementos da personalidade se formam bem cedo e, normalmente, perduram por toda a vida.

Podemos observar um menino de dez anos e achá-lo desajustado, irrequieto, habituado a resolver seus problemas por meio de certas formas compulsivas e estereotipadas. Aos trinta anos, vamos encon­trá-lo apenas aparentemente diferente: adquiriu novas atitudes sociais, teve muitas experiências corretivas que o ensinaram a dominar as situa­ções e a parecer bastante diferente da criança "amuada" e insegura que era. Contudo, uma observação mais profunda poderá mostrar que mantém os mesmos elementos primitivos: trabalha com regularidade e métodos compulsivos, sofre periódicos aumentos do nível de inquie­tação e ansiedade, mas emprega essas energias nas suas atividades pro­fissionais. Somente nas férias, que não sabe como usar, é que volta às formas primitivas de muita insatisfação, ansiedade e insegurança.

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Para o psicólogo Carl Rogers, o crescimento humano exige reorien-tação. A psicoterapia consiste, então, para ele, em criar condições que possibilitem esta reorganização da estrutura da personalidade.

A personalidade devia ser um sistema ordenado, cujas estruturas centrais dirigissem sua atividade por rumos coerentes e consistentes. As forças ou necessidades de crescimento são responsáveis pela integra­ção da personalidade.

Os elementos da estrutura da pessoa devem estar intimamente ligados. O que o indivíduo faz numa esfera não devia estar em con­tradição com o que faz em outra. Isto ajudaria a integração, que é sintoma de normalidade. Elementos destoantes impedem a integração e desorganizam a personalidade, tornando-a doente.

A personalidade se apresenta como a integração dinâmica de vá­rios sistemas, que recebem a designação de dimensões ou áreas da perso­nalidade. As principais são:

Dimensão física. É a constituição individual resultante da herança genética e das forças do meio.

Dimensão do temperamento ou emocional. Compreende as carac­terísticas emotivas resultantes do complexo fisiológico e da construção somática de cada um. É, em suma, o temperamento que faz as pessoas serem apáticas, emotivas, agitadas, ativas, vagarosas, instáveis etc.

Dimensão subjetiva. Compreende os interesses, os ideais, os desejos e aspirações, bem como a inteligência, as aptidões gerais e específicas. Inclui o mundo subjetivo e íntimo de cada um. É. uma área de vivên­cias e aprendizagens passadas, bem como do autoconceito de cada um.

Dimensão do caráter. Corresponde ao conjunto de qualidades que se fazem necessárias para o indivíduo adaptar-se ao meio em que vive. Os traços de caráter tais como a honradez, a honestidade, a sinceridade etc. resultam do meio em que vive o indivíduo e da cultura dentro da qual formou sua personalidade. Apesar disso, porém, é uma das di­mensões mais estáveis em cada pessoa.

Por caráter, em Psicologia, entende-se principalmente um certo tipo de conduta que possa ser tida como certa ou errada por se enquadrar ou deixar de ser enquadrada nos padrões de comportamento social­mente aceitos. O caráter se compõe de vários traços. Basta recordar os adjetivos da língua portuguesa para vermos que uma boa parte deles revela traços de caráter: bondoso, perverso, amigo, afável, caridoso, honesto etc. O caráter representa o conjunto desses traços, que pode ser designado como certo ou errado de um ponto de vista social. Assim:

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honesto, desonesto, afável, indelicado, correto, perseverante, inconstante c trabalhador revelam traços de caráter porque são socialmente aceitos ou repudiados e são tidos como certos ou errados.

Como é formado o caráter?

O caráter se forma a partir de modos exclusivos que cada um tem de se adaptar ao meio físico, social, familiar e humano. O meio humano, podemos dizer, é diferente para dois irmãos que vivem na mesma casa. O filho mais velho tem como parte do seu meio um irmão mais novo, ao passo que o segundo tem como companheiro um irmão mais velho. Basta isso, para alterar a maneira de cada um adaptar-se ao meio. Tais tipos de adaptação, que são incorporados na personalidade, formam padrões gerais de comportamento a que chamamos caráter.

Nessa adaptação social, da qual resulta o caráter, há dois fatores preponderantes: a inteligência e a plasticidade. Por plasticidade se en­tende a capacidade real de adquirir novos tipos de reações e novos hábitos. É uma ausência de rigidez. Por isso, nem sempre um meio mau produz um mau caráter. A plasticidade e a inteligência do indi­víduo influenciam o tipo de reação comportamental que, no fim, se cristalizará em elemento do caráter. Em todo caso, o meio social e o clima humano que rodeiam o indivíduo desde o berço, se não deter­minam, pelo menos marcam fortemente o caráter das pessoas. O caráter é o produto da inteligência e da plasticidade do indivíduo ao se adaptar a um meio. Esta adaptação cristaliza-se em padrões de conduta socialmente bons ou maus.

Alguns incorporam a subserviência, outros a arrogância, uns a vaidade, outros a humanidade e t c , de acordo com a saída que cada um conseguir para encontrar um lugar ao sol na comunidade em que vive.

Ninguém, pois, nasce com um caráter já formado. É no contato com o meio, por força da necessidade de superar os problemas de sobreviver, que as pessoas têm de modelar suas formas ou padrões habituais de conduta.

ESTILO E TRAÇOS DE PERSONALIDADE

Se observarmos uma pessoa numa variedade de situações, verifi­caremos que há um modo de agir constante que nos chama a atenção. De um modo geral, a pessoa age de acordo com um padrão de ação duradouro e permanente.

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Introversão — extroversão. Segundo Jung, a extroversão consiste na tendência em focalizar interesse no mundo exterior, em estar mais centrado fora do que dentro do "eu". A introversão, por outro lado, consiste em concentrar interesse e atribuir valores primordialmente aos pensamentos, sentimentos e idéias da própria pessoa. O extrovertido viveria mais no presente, dando mais valor às pessoas e ao êxito social, enquanto o introvertido visualizaria mais o futuro. O extrovertido, mais prático; o introvertido, mais imaginoso e intuitivo.

É como se o centro da personalidade do introvertido (locus of control) estivesse dentro da pessoa. O locus of control é o local ima­ginário a partir do qual se produz a orientação de vida e de ação da pessoa. No neurótico, e muito mais no psicótico, este locus é inferno, isto é, subjetivo. Nas pessoas extrovertidas, e de certa maneira nas pessoas normais, este locus tem uma tônica externa. A consciência se apoia na realidade que está fora. O extrovertido o faz de um modo e a consciência normal de outro. O real externo, para o extrovertido, pode não ser um real objetivo.

Traço. É uma característica duradoura do indivíduo e que se manifesta na maneira consistente de comportar-se numa ampla varie­dade de situações. Por exemplo, ser calmo, ponderado e seguro, ou agressivo e instável. Allport e Odbert, analisando um dicionário da língua inglesa, notaram que 7 953 adjetivos servem para descrever for­mas diferentes e pessoais de comportamento das pessoas. Desses ter­mos, 4 500 designam claramente, segundo suas pesquisas, modos con­sistentes e estáveis de ajustamento de uma pessoa a seu meio, isto é, indicam traços de personalidade. Pela eliminação de sinônimos, redu­ziram este último número a apenas 171 termos que, por sua vez, foram posteriormente reduzidos a 35 grupos de traços. Contudo, fez-se neces­sária uma nova redução, pois notaram que uma característica como a timidez tende a ser seguida de outras características, tais como certa inclinação para ser introspectivo, facilmente susceptível e tc , podendo ser incluída num agrupamento mais amplo: o da introversão. Final­mente, Cattell notou que aqueles 35 grupos de traços decorrem de apenas 16 fatores, que são medidos no teste 16 P. F. de Raymond B. Cattell e Herbert Weber.

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EXERCÍCIOS

1. Compare estas duas definições de personalidade, ressaltando os pontos comuns e as diferenças entre elas: "Personalidade é a organização dinâmica daqueles sistemas psico-fisiológicos que determinam a maneira única pela qual o indivíduo se ajusta ao ambiente" (G. W. Allport). "Personalidade é a organização mais ou menos estável e contínua do caráter, do temperamento, do intelecto e do físico de uma pessoa que determina seu ajustamento único ao ambiente" (Eisenck).

2. Teste sua personalidade Avaliação de características de sua própria pessoa. Dê uma nota

de 1 a 10 em cada coluna.

Na primeira coluna ( 1 ) devem figurar as notas que você atribui a você mesmo.

Na segunda coluna (2) devem figurar as notas que as outras pes­soas atribuiriam às suas qualidades.

'Es te não é um teste psicológico, no seu sentido pleno, mas um simples teste didático de assunto psicológico; porém é interessante fazê-lo. A avaliação e o resultado uestc teste encontram-se na p. 227.

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A construção da personalidade. Uma

leitura complementar

Nenhum pai acorda pela manhã planejando tornar infeliz a vida de seu filho. Nenhuma mãe diz a si mesma: "Hoje vou repreender, chatear e brigar com meu filho tanto quanto possível". Ao contrário, pela manhã todos pensam: "Hoje teremos um dia tranqüilo". No entanto, a despeito dessas boas intenções, a guerra, que ninguém deseja, explode de novo. E então uma vez mais nos encontramos di­zendo coisas que não queremos, num tom do qual não gostamos. (Haim Ginott)

Os pais vão moldando a personalidade dos filhos por meio de instrumentos de natureza psicológica, os mais variados e simples. Um deles é o diálogo. Como você fala com seu filho?

Em primeiro lugar, renuncie às suas demonstrações de autoridade. Utilize novas táticas para permitir que ele assuma suas responsabili­dades, através do uso de sua própria liberdade. Assim pode crescer como uma semente, desabrochando espontaneamente, e não puxada de fora, como suas ordens e gritos sugerem. Exemplifiquemos.

Você quer que seu filho de quatro anos lave as mãos. Olhe para suas próprias mãos e para as dele e diga: "Puxa, como estamos com as mãos sujas! É melhor lavar. Você quer ir antes de mim ou eu vou na frente?". Em outro caso, ao constatar que o garoto não escovou os dentes: "Puxa, nem me lembrei de que precisava escovar os dentes. Você também esqueceu? Que cabeça a nossa, hem? Então vamos agora. Um, dois e já: eu vou chegar primeiro". A criança deverá correr para alcançar a escova antes que você chegue. Nesta brincadeira de "quem chega primeiro" você pode conseguir muita coisa.

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NAO PERTURBAR O CRESCIMENTO NO SENTIDO DA AUTO-REALIZAÇÃO

Os itens que vamos abordar, extraídos sobretudo do livro Pais e filhos de Haim Ginott, pretendem mostrar pontos relevantes e simples que ajudam a construir e solidificar a grande malha em que consiste a personalidade. De certa maneira, são algumas "dicas" de como se tece esse crochê.

1. É preciso referir-se à situação e não ofender a pessoa.

Se, quando a criança derramasse leite, o pai ou a mãe dissessem simplesmente: "O leite derramou, precisamos de um pano. Para que o copo de leite não caia, é preciso que ele fique de frente e não de lado. De lado, você não consegue ver e, ao bater, cai". Geralmente o que acontece é o seguinte: A mãe começa: "Que é que há com você? Quantas vezes já lhe disse para ser mais cuidadoso?" E o pai: "Esse menino é um desastrado. Não tem jeito. Ele nasceu assim. É deslei­xado demais. Da próxima vez será castigado".

Tais críticas atingem o cerne da personalidade da ctiança: a auto--estima. A criança pode acreditar nos seus pais e passa a aceitar o conceito que eles lhe indicam: um "desastrado".

2. Certifique-se de que suas palavras, suas repreensões transmitem interesse, e não rejeição.

A comunicação dos adultos com as crianças é de enlouquecê-las. Estão sempre censurando-as, envergonhando-as, pregando sermões, mo­ralizando, acusando e transmitindo sentimento de culpa, ridicularizando e menosprezando, ameaçando e subornando, avaliando e denunciando. Devem-se eliminar os comentários críticos que ofendem as crianças e bloqueiam a comunicação. Coisas do tipo: "Quantas vezes já lhe disse q u e . . Quando é que você vai aprender . . . Mas pelo amor de Deus. .. Que diabo há com você, afinal de contas? Você não está ouvindo o que eu lhe digo? Será que é surdo? Já lhe disse mil e uma vezes q u e . . . Não me venha dizer que você . . ."

3. Certos comentários atingem a saúde e a harmonia da personalidade.

Um garoto, na rua, pede ao pai um sorvete duplo. Reação típica do pai:

— Eu compro esse sorvete imenso e você logo deixa cair. Será que você não vê que não tem jeito para segurar isso?

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O que acontece nesses casos é que a criança, mesmo tendo todas as condições para segurar o sorvete, vai deixá-lo cair. Ela entra num conflito. Se não deixar cair, o pai se torna um mentiroso. E para ela é muito cruel admitir que o pai é mentiroso. Não seria muito melhor o pai comprar um sorvete menor e ter confiança em que a criança não o deixará cair? O importante é não acusar ninguém, mas procurar as soluções.

4. As crianças podem sentir a rejeição dos pais no tom de voz ou no olhar.

"As crianças são, muitas vezes, maltratadas. Os pais exageram a relação de dependência. Depois disso tratam a criança como se ela fosse amiga. Assim, elas ficam nossas inimigas: tornam-se dependentes, e dependência gera hostilidade. Nós realmente queremos ser seus ami­gos, mas elas não compreendem", diz o Dr. Haim Ginott.

Partindo desta nova posição, os pais poderiam se entender melhor com os filhos. Há reais equívocos na comunicação quando se trata alguém que está do "outro lado" como se estivesse do nosso lado. Ginott enuncia então um princípio básico que se tem confirmado em sua prática clínica:

— Se você tornar a criança independente, ela terá menos hostili­dade.

O psicólogo conta a sua experiência clínica: resolveu deixar que as crianças fizessem suas escolhas. Quando alguém escolhe está exercendo uma autonomia. No íntimo não se sente mais dependente. Quando exercem o direito de escolha, libertam-se. É preciso, segundo o psicó­logo, dar-lhes oportunidade de escolha, dentro de determinados limites de segurança, "e desde que não compliquem a nossa vida e a delas".

A uma criança de dois anos, você pode perguntar se quer a gema do ovo um pouco mais dura ou mais mole. Ou apenas deixar que ela escolha uma entre três pílulas de remédio rigorosamente iguais. A um garoto de três anos pode-se perguntar se quer meio copo ou um copo inteiro de leite. Não custa saber de um menino de quatro anos se quer suco de laranja ou limonada.

Isto expressa um respeito à individualidade da criança. Ela passa a ter um sentimento de poder. As oportunidades e o caráter da escolha devem variar de acordo com a idade. Até a um bebê de onze meses pode-se deixar a opção entre tomar uma laranjada no copo ou na ma-madeira. Às vezes ele preferirá um, às vezes outra. Não custa a um garoto de um ano e meio optar entre ir dormir "agora ou daqui a cinco minutos".

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5. Como demonstrar amor às crianças.

Pequenos incidentes criam ótimas oportunidades para demonstra­ções afetivas. Por exemplo: num restaurante, Sérgio deixa cair seu sanduíche. "Eu sou um bobo!" — diz ele. Seu pai replica: "Sérgio, não permito que ninguém insulte um filho meu. Nem mesmo você! Numa hora dessas, não se põe a culpa em ninguém. O que se faz é buscar uma solução. E esta é chamar o garçom e pedir outro san­duíche. É o que vou fazer". Sérgio experimenta ao mesmo tempo gra­tidão e amor pelo pai. Nada provoca maior afetividade do que palavras de compreensão num momento de dificuldade. O mesmo acontece em se tratando de perdas materiais. Míriam, de dez anos, perdeu uma das pedras de seu anel e começou a chorar, temendo a reação dos pais. Mas o pai disse: "Pedras a gente encontra nas lojas. Só os filhos é que não se podem perder, porque a gente não encontra outros nas lojas". Suas palavras tiveram grahde valor para Míriam, por serem palavras de amor. Quando Vanda, de sete para oito anos, não pôde ir a uma festa de aniversário, por estar doente, ficou desolada. Sua mãe lhe disse: "Eu gostaria de organizar uma festa especial para você agora. Iríamos estourar uma centena de balões, convidaríamos todas as crianças do segundo ano da escola, eu diria que cada uma delas poderia fazer três pedidos e traria para a mesa um bolo de oito andares, com oito velas em cima. . ." Vanda sorriu. A festa imaginária de sua mãe era uma expansão de amor.

Para transmitir amor, os pais necessitam de uma linguagem de aceitação: palavras que tenham o valor de sentimentos, reações que mudem atitudes e respostas que suscitem boa vontade, respeito e con­fiança. O mundo fala às nossas mentes. Mas os pais falam de forma ainda mais íntima, porque falam ao nosso coração.

6. Realidade e fantasia.

Deve-se dar à criança em fantasia o que não se pode dar na realidade.

O caso acima de Vanda explica o enunciado. Vejamos outro. O errado é tentar explicar à criança por que não se pode dar

alguma coisa que ela deseja "já que ela não está interessada em expli­cações. O que lhe interessa apenas é um desejo momentâneo", diz Ginott.

Uma vez, no consultório, uma criança não quis nenhum dos 75 lápis de cor que coloquei à sua disposição. Só lhe interessava um azul especial. Eu podia dizer a ela que quem tem 75 lápis à sua disposição

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não precisa exigir um azul especial, ou que muitas crianças não diipu nham nem de um lápis, ou que a gente deve-se contentar com aquilo que tem. Mas nada disso adianta.

Em vez de procurar justificativas, o psicólogo começou a escrever, à vista do garoto de quatro anos, "um pedido especial para alguém trazer o azul especial". E lhe disse, para estimular, que realmente paia o desenho a que se propunha era preciso o azul especial. Essa técnica, evidentemente, funciona melhor com as crianças menores que vivem, naturalmente, num mundo infantil de fantasias.

No dia seguinte, quando o garoto voltou, mostrei o lápis azul diferente. E, ao insistir, veio a resposta esperada: "Não quero mais".

7. Entender o mundo de fantasia da criança.

Quando uma criança manifesta o desejo de sair de um hospital, não adianta tentar convencê-la de que, se ela voltar já para casa, vai ficar doente outra vez, que ficar num leito de hospital vai apressar a sua cura e coisas assim. É preciso ficar do lado dela. Dizer que real­mente é bom voltar para casa, que hospital é chato, um lugar onde não se pode ficar à vontade. É melhor do que qualquer explicação científica.

Quando o professor Ginot soprou uma gaita numa escola do Alasca, há pouco tempo, um aluno quis logo uma igual. O psicólogo disse que gostaria de arranjar mais uma. Depois, os outros foram pedindo, sucessivamente, duas, três, até mil gaitas. E o professor sempre dizendo que gostaria de arranjar todas.

Os garotos agiram como se já tivessem a gaita. Foi muito melhor do que tentar explicar que seria impossível obter dezenas de gaitas.

8. Como proteger as crianças contra a violência na TV.

Certamente não é usando violência. Tudo quando podemos é tentar obter a cooperação delas.

Um pai não pode estar sempre vigiando o que elas vêem. Crianças mais velhas muitas vezes assistem a programas que apavoram crianças menores. Uma senhora tentou resolver tal problema dizendo a seu filho Carlos, de quinze anos: "Eu preciso que você me ajude. Temos apenas um aparelho de TV. E eu preferia que Flávio, que só tem oito anos. não visse o programa de filmes de terror desta noite. Será que você não podia ir vê-lo na casa de um amigo?" A Flávio, que insistiu em ver tal programa, disse a mãe: "Gostaria que esse programa fosse menos violento e assustador, porque então eu não teria receio de que

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você assistisse". Flávio: "Quer dizer que eu não posso assistir?" Mãe: "É violento demais". Flávio: "Como é que o Carlos pode?" Mãe: "Que é que você acha?" Flávio: "Eu não sei". Mãe: Acho que você pode imaginar". Flávio: "É por que ele é mais velho?" Mãe: "Acer­tou". Flávio: "Mas eu também quero ver". Mãe: "Eu sei que vai ficar desapontado e que gostaria de ser mais velho." Flávio: "Acertou". E quanto mais ele se queixava, mais a mãe dizia: "Eu compreendo".

9. Como demonstrar zanga com as crianças.

Quando zangado, descreva o que vê, o que sente, o que espera. Mas nada diga à criança sobre ela própria. Aprenda a externar sua zanga sem prejudicá-la. Mesmo quando provocado, não insulte nem humilhe seus filhos. Não ataque o caráter de uma criança, não ofenda a sua personalidade ou fira a sua dignidade. Proteja-a contra isso, usando de preferência a palavra "eu" em suas mensagens: "Eu estou aborrecido", "Eu estou desanimado", "Eu estou zangado", "Eu estou furioso". Isso é mais aconselhável do que dizer: "Você é 'um idiota. Veja o que você fez! Que diabo é que há com você?" Quando esta­mos zangados, as crianças ficam atentas. E nos ouvem.

10. Como disciplinar os filhos.

Disciplina não é uma questão de ajustar a punição ao delito cometido. O que conta não é a justa graduação daquela a este, mas a nossa generosidade. Quando punida, uma criança nunca pensa: "Que Deus proteja este adulto que me puniu. Para lhe ser agradável, vou ser bonzinho e fazer as coisas exatamente como ele deseja". Em vez disso, ela decide ser mais cautelosa ou dissimulada em suas trans­gressões, em lugar de evitá-las.

Em matéria de disciplina, 100 gramas de prevenção valem mais que um quilo de punição. Durante o jantar, Jorge, de dez anos, estava comendo ruidosamente, com a boca aberta. Seu pai gritou-lhe: "Deixe a mesa. Você come como um porco. Você sabe o que é um porco?" Jorge gritou-lhe: "Sei, sim. É o filho de um suíno!"

Essa batalha poderia ter sido evitada, se o pai de Jorge tivesse dito, sem insultá-lo: "Jorge, esse barulho que você está fazendo é muito desagradável para mim e para as pessoas em geral".

No capítulo disciplinar, os adultos podem usar meios civilizados para enfrentar sentimentos hostis. Um pai prestes a perder o controle

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e a bater em seu filho, disse: "É isso. Vejo que as palavras não adian­tam. Vou ter que bater em você. Portanto, trate de fugir, se não quiser apanhar!" O garoto desapareceu. Quinze minutos depois, perguntou: "Papai, posso voltar sem apanhar?" A resposta foi: "Pode. Minha raiva já passou. Agora, vamos discutir o que se passou e vamos chegar a algumas conclusões".

11. Como ajudar as crianças a vencer o medo.

O melhor antídoto para o medo é ensinar a seu filho que ele é livre para sentir, pensar e sonhar, sem perder seu amor e seu res­peito. As crianças precisam aprender que seus sentimentos são legíti­mos: os positivos, os negativos e os ambivalentes. Podemos poupar a nossos filhos muitos sentimentos de culpa e ansiedade simplesmente encarando tudo isso como coisas normais. Não é fácil para nós esta atitude. Fomos educados na convicção de que os sentimentos negativos são maus e que devemos nos envergonhar deles. Mas somente a con­duta pode ser "boa" ou "má". Os sentimentos e as fantasias, não.

Nunca diga a uma criança atemorizada que não há nada de que ela deva ter medo. Isso aumentará seu temor. Além do medo original, ela terá também medo de ter medo. O medo não desaparece quando a sua existência não é reconhecida. O melhor é admitir abertamente o medo da criança, reconhecendo a sua existência. Quando Rosa, de dez anos, revelou invencível medo dos exames que teria de enfrentar, seu pai não recorreu a negativa, ou a expressões tranqüilizadoras como esta: "Ora, que há nisso para lhe meter medo? Você estudou as ma­térias e não tem razão para se preocupar". Em vez disso, ele respon­deu: "Exames sempre metem medo à gente, principalmente quando são exames finais".

O maior medo que uma criança experimenta é o de não ser mais amada e ser abandonada. Nem brincando, nem no auge de uma zanga, ameace abandonar uma criança. Algumas delas se assustam muito até mesmo quando voltam das aulas e não encontram os pais em casa. É conveniente deixar um recado, dizendo aonde foram. Isso faz com que as crianças fiquem aliviadas, temporariamente, de sua ansiedade.

12. Como evitar rebeldia na hora de dormir.

A hora de dormir para as crianças que estão estudando deve ser generosamente flexível. A mãe pode dizer: "A hora de dormir é entre 8 e 10 horas. Vocês decidirão, quando acharem que estão com

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tono". As crianças aprenderão a corresponder às suas necessidades de sono, que variam de dia para dia. A decisão sobre o momento preciso de ir para a cama deve ser responsabilidade da criança, um ato autô­nomo, não para dar prazer ou desafiar os pais.

As crianças podem ficar acordadas até tarde, apenas porque os pais querem que elas vão para a cama cedo. Quando se dá às crianças o direito de escolha, muitas vezes elas vão para a cama mais depressa, porque são elas próprias que assim o desejam. Se os pais têm o hábito de conversar com as crianças, quando elas vão para a cama, elas terão mais uma razão para fazê-lo. Isso lhes dá a oportunidade de partilhar com os pais seus temores, esperanças e desejos.

E se a criança fica chamando o pai ou a mãe para que voltem ao seu quarto? Eis a resposta de uma das mães: "Eu bem que gostaria de ficar mais um pouquinho com você, mas agora já está na minha hora de ir ficar com seu pai".

13. O que dizer aos filhos quando um casal se separa.

Quanto menos se falar nisso, melhor. O que uma criança necessita não é uma explicação detalhada sobre os conflitos entre seus pais, mas uma curta declaração que a alivie do seu sentimento de culpa e da sua ansiedade. Como a que um pai fez à sua filha: "As crianças às vezes se sentem responsáveis pelos atos de seus pais. Mas os pais não se desquitam dos filhos. Eu quero que você saiba que eu e sua mãe só escolhemos a separação porque ambos estamos querendo viver melhor. É um problema só nosso, meu e dela".

14. Como ensinar crianças a realizar trabalhos escolares em casa.

Realizar trabalhos escolares em casa é uma responsabilidade que pertence à criança e a seus professores. Quando os pais resolvem aju­dar, entram numa armadilha. A ajuda pode se tornar um instrumento da criança para punir, explorar ou aborrecer seus pais. Podemos dizer claramente: "Seus trabalhos escolares, feitos em casa, são a mesma coisa que o trabalho para nós — uma responsabilidade pessoal". Essa tarefa dá à criança a oportunidade de estudar por si mesma. Um pai que fica lembrando ou interferindo cancela o principal benefício do trabalho escolar feito em casa. A melhor ajuda que os pais podem dar é a indireta: uma mesa adequada, boa iluminação, livros para referência e nada de interrupções. Ocasionalmente, os pais podem esclarecer um ponto ou ouvir alguma coisa memorizada. Mas, se a crian-

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ça estiver realmente em apuros e pedir ajuda, os pais devem dá-la. E sem exagerar, porque o excesso de ajuda significa: "Você, sozinho, não sairia dessa".

Quando uma criança se queixa do trabalho escolar feito em casa, deve ser ouvida atentamente e o papel dos pais é demonstrar com­preensão. Luís, de dez anos, tinha uma porção de trabalho escolar para fazer em casa. E gritou: "Odeio a minha professora! Não vou fazer trabalho nenhum aqui!" A mãe concordou: "Realmente, você traz muito trabalho para preparar". E não disse mais nada. Bastou, porém, essa frase, que importava no reconhecimento do seu problema, para a raiva de Luís diminuir. E duas horas depois, ele tinha dado conta do seu trabalho.

Um carta chegou da escola, queixando-se de que Arnaldo, de dez anos, estava se atrasando em seus estudos. O primeiro impulso do pai foi o de lhe dizer: "Olhe aqui, menino, de agora em diante você vai ter que dar duro nos estudos todos os dias, inclusive nos domingos e feriados. E acabou-se o cinema e a televisão!" Esse discurso já tinha sido feito várias vezes. E sempre numa atmosfera de zanga. Dessa vez, porém, o pai apelou para o brio do filho. Numa conversa só entre os dois, mostrou a carta recebida e disse: "Meu filho, nós estávamos esperando que você ganhasse uma bolsa de estudos. O mundo precisa de pessoas capazes. Há muitos problemas que estão esperando solu­ção". Arnaldo ficou impressionado com as sérias preocupações de seu pai. E passou a ser melhor estudante.

15. Como anunciar a chegada de um novo filho.

Sem fanfarras ou alarde. Dizendo simplesmente: "Nós vamos ter um nenê novo na família". Evitar longos discursos, no estilo de: "Nós amamos você tanto e achamos tão maravilhoso que decidimos ter outro filho igualzinho a você". Devem ser evitadas também as falsas expectativas, neste estilo: "Você vai adorar seu irmãozinho e sentir muito orgulho dele. E vai ter sempre alguém com quem possa brincar".

A chegada de uma nova criança é uma ameaça à segurança de seu filho. Ele poderá pensar: "Se meus pais realmente me amassem tanto, não desejariam outro filho. Eu é que não sirvo para eles e por isso querem me trocar por outro". Seja qual for a reação imediata de seu filho, ele terá preocupações que não exprime. A criança pode reagir com alegria e achar que tudo vai ser um mar de rosas, quando chegar o novo irmãozinho ou irmãzinha. Esse ponto de vista também não deve ser encorajado. Seu filho inclina-se naturalmente a considerar o recém-chegado um intruso. Você pode encorajá-lo a expressar seus sen­timentos, dizendo: "Algumas vezes o novo nenê vai ser uma gracinha.

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Mas outras vezes, vai dar muito o que fazer. Vai abrir um berreiro daqueles, vai sujar as fraldas a toda hora. E você também vai ter que ajudar a cuidar dele. Algumas vezes você pode achar que está sei ido desprezado e ficar com ciúmes. Quando isso acontecer, venha e fale comigo. Aí você vai ganhar tantos beijos e abraços que não terá mais com que se preocupar. E ficará sabendo quanto nós o amamos".

São estas algumas maneiras de tratar os filhos e de diminuir a pressão no lar a ponto tal que não sufoque a auto-realização das suas personalidades.

EXERCÍCIOS

1. A criança derrama um pouco de leite na mesa. A mãe reage: "Quan­tas vezes já lhe disse para ter cuidado". O pai acrescenta: "Esse menino é um desastrado". Com esse tipo de reação, o que pode sobrar para o desenvolvimento da personalidade?

2. Um garoto de quatro anos pede ao pai, na rua, um sorvete duplo. O pai responde: "Eu compro este sorvete imenso e você logo deixa cair. Será que você não vê que não tem jeito para segurar isso?". Qual uma possível repercussão desta resposta na sua personalidade?

3. Sérgio, de seis anos, deixa cair seu sanduíche, no restaurante, e co­menta: "Eu sou um desajeitado, mesmo!". Como o pai pode usar este fato e seu comentário para demonstrar afeto a seu filho?

4. O que dizer aos filhos quando um casal se separa?

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Mecanismos de ajustamento

Dificilmente transcorre um dia sem que ocor­ram conflitos e frustrações, alguns graves, ou­tros triviais. Aprendemos a lutar contra eles de várias maneiras, porém, mais freqüente­mente, desenvolvendo algum tipo de reação defensiva. Nesta luta, pode-se formar, na per­sonalidade, núcleos neuróticos e até psicóticos que podem perturbar a pessoa durante toda a vida. (Robert William Lundin)

A personalidade é uma organização mais ou menos estável. Esta organização, contudo, não é uma fortaleza inexpugnável, inacessível aos ataques. Sofre contínuos reveses e algumas vezes desorganiza-se, como no caso das psicopatias graves ou loucuras.

Todo fracasso, toda frustração, todo conflito é, no fundo, uma ameaça à integridade da nossa personalidade. Por esse motivo, criamos mecanismos para protegê-la. São os mecanismos de ajustamento.

Estes mecanismos não são, entretanto, panacéias universais. Quan­do são excessivamente empregados podem deixar traços neuróticos. São salutares quando usados normalmente.

A vida seria bem diferente se cada desejo e cada estímulo fossem satisfeitos. Entre, porém, o desejo e seu alvo, entre o estímulo e o objetivo que o satisfaz, muitas vezes se antepõe um obstáculo. Os desejos sexuais, aquisitivos e agressivos, são quase sempre frustrados. A frustração ocorre quando alguma pessoa, objeto ou situação bloqueia o caminho que leva o indivíduo ao objetivo desejado. A um empregado pode ser recusada uma promoção merecida, em seu trabalho, por um superior que o persegue. A adolescente pode perder o seu programa

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favorito lie televisão porque o aparelho enguiçou. As suas férias podem ter arruinadas por causa do mau tempo. Todos esses são exemplos de frustrações oriundas do ambiente.

Outras fontes de frustrações podem ser encontradas dentro do próprio indivíduo.

As limitações pessoais podem impedir uma pessoa de alcançar determinados objetivos. O desejo de reduzir a sua desvantagem no jogo pode ser frustrado por sua falta de habilidade. O desejo de ser bem-sucedido no emprego pode ser frustrado por lhe faltarem conheci­mentos suficientes ou inteligência, ou ainda porque não pode trabalhar tanto quanto desejava.

Que acontece em nós quando surge um obstáculo? Há inúmeras espécies de obstáculos e nem sempre nosso esforço é

capaz de vencê-los. Podemos dividir esses obstáculos em dois tipos: frustradores e conflituosos.

Em Psicologia, frustração significa a reação de natureza emocio­nal ante um obstáculo qualquer. Uma pessoa feliz e tranqüila reage a um obstáculo de modo diferente de outra já perturbada e insegura. A reação emocional frustrativa varia de indivíduo a indivíduo, de acordo com sua constelação interna. As frustrações podem ser simples e passageiras ou, então, sérias e prolongadas, no caso de um motivo intenso e persistente não poder ser satisfeito apesar dos melhores es­forços. Os obstáculos frustrantes são variados. Tudo aquilo que se antepõe à plena realização dos desejos ou objetivos é obstáculo.

Ante o obstáculo, ocorre, de imediato, um aumento de tensão. Esta tensão pode desencadear novas tentativas na procura de outros caminhos para uma saída. Quando, porém, o obstáculo se torna inven­cível, resulta em frustração. A primeira manifestação da frustração tende a ser a agressividade. Esta pode ser definida como uma reação de propósitos destrutivos. Muitas vezes, porém, a agressividade tem que ser reprimida, dando lugar a outros mecanismos que estudaremos a seguir.

A frustração, quando ocorre em quantidade e intensidade normais, resulta numa experiência necessária ao bom desenvolvimento individual.

A ausência de obstáculos obrigaria o indivíduo a se manter me­díocre, tolo e destituído de imaginação. Por sua vez, como comenta J. F. Brown, no seu livro Psychology and Social Order, excesso de situações frustrativas pode determinar efeitos profundamente desfavo­ráveis. De fato, diz ele, as frustrações representam a condição básica para a neurose. E se isso acontecer, na primeira infância, as conse­qüências serão mais graves ainda, ocasionando a formação de núcleos psicóticos.

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FRUSTRAÇÃO E AGRESSÃO

A primeira tentativa de reação ante um obstáculo é destruí-lo. Quantas vezes chutamos um objeto inanimado que estava no nosso caminho ou rtos causava aborrecimento? A agressão é preferente-mente praticada por crianças. Elas agridem seus brinquedos, seus pais, irmãos ou irmãs, ou o que quer que percebam estar contrariando-as. A agressão pode ser desviada contra outras pessoas ou objetos, como se estes fossem a causa da dificuldade. A saúde e o ajusta­mento mental são, em grande parte, uma questão do tipo de conduta seguida pelo indivíduo para expressar os seus sentimentos agressivos. O jardineiro que, levado pela frustração, "investe" contra as ervas da­ninhas do jardim, está agindo de forma construtiva e aceita pela socie­dade. Se, em vez disto, espancar os filhos, poderá ser até preso. Não deve descarregar sua agressão desta maneira. Em toda frustração há energias psíquicas recalcadas que devem ser liberadas, de um modo ou de outro.

Os impulsos e desejos recalcados e reprimidos continuam buscando satisfação. Estas energias recalcadas podem ser liberadas e utilizadas na realização de outros comportamentos sociais. As energias emocio­nais de origem erótica, como as agressivas e as dos nossos desejos aquisitivos recalcados, podem determinar o que em ciências sociais são chamados motivos sociais derivados. É por força destes que podemos explicar feitos e realizações sociais que se apresentam como excepcio­nais. Por que um jovem abastado dedica toda sua vida a uma causa ideológica, humanitária e t c? Para descobrir os motivos disto, seria necessário descer ao inconsciente. Lá encontraríamos as energias deri­vadas de frustrações que impulsionam e motivam tal comportamento.

A diferença fundamental entre a consciência normal e a neurótica está em que a normal encontra derivativos para os recalques, ao passo que a consciência neurótica não encontra saída para os mesmos, acumu­lando uma quantidade tal de energias conflituosas que leva a persona­lidade à pane total ou parcial.

CONFLITOS INTERNOS

O indivíduo deixa de satisfazer uma necessidade porque não é capaz de escolher entre duas ou mais alternativas que lhe são oferecidas. Há muitas ocasiões de conflito na nossa vida.

Quando se tem de escolher entre economizar dinheiro e o desejo igualmente forte de comprar novas roupas, está-se diante de um pequeno

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OOnflitO. Se esses desejos são da mesma intensidade e se a realização de um implica o abandono do outro, passam a perturbar pela dificul­dade de escolha.

Como você classifica o conflito em que se encontra esta moça?

"Meu namoro é uma prisão. Sinto que não tenho muita escolha: ou perco meu namorado ou desisto de minha realização intelectual. Estou entrando numa faculdade, mas sei que não vou encontrar tudo nela. E se eu perder as oportunidades de me realizar sob o aspecto profissional por causa de uma vida afetiva e esta não der certo? Não posso negar que tenho medo, e muito, de não me realizar afetivamente com meu namorado."

Ocorrem conflitos quando lutam na consciência motivos em choque. Assim, há três tipos de conflitos:

1. Conflitos entre motivos positivos. Uma normalista deseja terminar seu curso e ser professora, mas ao mesmo tempo deseja casar-se com um rapaz que não lhe dá oportunidade de terminar o curso.

Temos aí dois motivos positivos em choque, incompatíveis.

2. Conflito entre motivos negativos. Um menino tem medo de subir numa árvore e ao mesmo tempo tem medo de ser chamado de covarde pelos amigos. Desta forma, à medida que sobe, mais forte fica o medo de cair. No entanto, à medida que recua, aumenta o medo de ser chamado de covarde. O segundo medo aumenta à me­dida que o primeiro diminui. Depois de algumas vacilações, pode subir um pouco e fixar-se numa altura baixa.

3. Conflito entre um motivo positivo e um negativo. Ao pensarmos em nos candidatar a um novo emprego, podemos ser atraídos pelas melhores oportunidades que o empregador em perspectiva oferece e, ao mesmo tempo, ser repelidos pela ameaça de sermos testados e entrevistados para sermos afinal recusados.

Um indivíduo pode querer voltar para casa e temer enfrentar a ira da mulher por não ter pedido aumento. Não pediu o aumento porque estava entre o motivo positivo do aumento e o motivo negativo de ser desconsiderado, perder prestígio etc.

Quando enfrentamos um desses problemas e não conseguimos resolvê-los com sucesso, criamos dentro de nós um sentimento de perturbação e desconforto. Numa tentativa de aliviar a tensão podemos nos comportar de várias maneiras diferentes. Uma delas é o que se chami de deslocamento. Deslocamento é a capacidade do organismo de orientar respostas e impulsos para um novo objeto, já que o objeto origimil lhe foi vedado.

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Um conflito de determinada duração pode deixar a pessoa num estado de neurose, capaz de perturbar toda a estrutura da personalidade.

Os conflitos atuais

Há muito mais conflito na consciência do homem moderno do que existia na do homem primitivo. Nas sociedades primitivas, a po­breza de bens e sua homogeneidade de distribuição favoreciam o equi­líbrio psicológico.

A sociedade ocidental, dado seu sistema de produção altamente competitivo, leva as consciências a muitas situações conflituosas. A psicanalista americana Karen Horney, no seu livro A personalidade neurótica do nosso tempo, indica-nos algumas dessas contradições. Apre­senta inicialmente possíveis conflitos entre as exigências de competi­ção e de lutas impostas pelo sistema capitalista de um lado, e o apelo à fraternidade e ao amor ao próximo que nos vem do ideal cristão. A seguir enumera a crescente e poderosa estimulação que a propa­ganda lança de todos os lados na consciência e as limitações impostas pelos nossos recursos individuais. Não deixa de lado, também, o con­flito decorrente das afirmações sobre nossa liberdade e as reais limi­tações que nos são impostas.

Como vivemos numa era conflituosa, o homem moderno conhece perfeitamente o fenômeno da angústia e da ansiedade.

A ansidedade e seu termo mais elevado e obsessivo, a angústia, podem ser definidas como uma desordem emocional produzida pela perspectiva de uma frustração.

A experiência ansiosa ou de angústia, até certo ponto, é análoga à do medo. Este é uma resposta imediata a uma situação presente de perigo. A angústia se apresenta como uma experiência de antecipação, no sentido de que a situação de perigo em face da qual surge é futura. O medo é uma reação emocional a um objeto determinado. Na ansie­dade, este objeto é sempre vago e difuso.

Neurose da incerteza

Segundo os cardiologistas, um agente de tensão capaz de provocar enfartes denomina-se neurose da incerteza: Os meios de comunicação, particularmente a televisão e os jornais, são os transmissores dessa "doença", que é produzida pelo insistente focus (noticiários, filmes etc.) a respeito de dramas humanos de qualquer espécie, mormente aqueles relacionados com a iminência da morte.

Agrava-se no público a imagem da sombra em lugar da luz.

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Aliviar a tensão humana, ao invés de exacerbá-la, deveria ser tam­bém função social dos meios de comunicação.

CONFLITOS NEURÓTICOS

Todo conflito cria determinada perturbação no indivíduo. Se o conflito permanece em regiões superficiais da consciência, pode robus-tecer a personalidade. Torna-se, contudo, mais grave quando atinge a estrutura da personalidade.

O fenômeno através do qual alguns conflitos, ou muito fortes ou muito persistentes, convertem uma grande parte da angústia em com­portamento ou ação física é chamado de reação de conversão. Por exemplo: um soldado, relutando em entrar em batalha corporal, pode ter um ataque de paralisia ou cegueira. Não é fingimento. Fica cego ou paralítico, até que a tensão causadora do fenômeno desapareça ou diminua. Quando apenas uma função é alterada chama-se somatização. A tensão conflituosa pode atingir"várias regiões do organismo, criando perturbações fisiológicas ou disfunções. Antes de atingir determinado órgão, afeta primeiro uma área do sistema nervoso. Se a parte atingida é a região límbica do cérebro, a vida psíquica pode ser dominada por emoções de medo, de insegurança, de angústia e de depressão.

Se a tensão conflituosa se volta para a zona hipotalâmico-hipofisária, que rege o funcionamento das glândulas internas, surgirão distúrbios funcionais da tireóide, perturbações das supra-renais — afetando a pressão arterial e a distribuição dos líquidos do corpo — e alterações do pâncreas — modificando a taxa de açúcar no sangue, para mais ou para menos.

Se esses projetores se voltam para a zona do diencéfalo, então os centros vegetativos serão incomodados com perturbações da circulação, palpitações, hiperacidez, falta de ar e sufocação, eólicas hepáticas etc.

Se os projetores se voltam para os centros sexuais, heverá uma inibição desse campo.

A Reflexologia, em 1945, formulou o princípio da dominância cerebral. Como uma força poderosa, muitas vezes ditatorial, o conflito se constitui num foco de excitação, criando em torno de si raios de inibição. Esses raios de inibição, dirigidos em vários sentidos, controlam de modo todo-poderoso as áreas atingidas. Essas' áreas já foram vistas anteriormente. Onde caem as projeções ocorre uma escra-vização ao foco dominante. A terapia visa a criar uma nova domi­nância cerebral que se exprima em comportamentos ajustados.

Os medos irracionais, as manias obsessivas, os tiques nervosos, os surtos de agressividade ou de timidez sem razão aparente, os lapsos

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inexplicáveis da linguagem, os esquecimentos, à primeira vista sem importância, podem caber numa só categoria, a do equilíbrio emocional precário, perturbado por um conflito sério que cabe à pessoa pesquisar e enfrentar para poder dele se livrar e começar a viver.

O ajustamento da personalidade Os conflitos, as frustrações, as inferioridades etc. apresenlam-se

como uma ameaça à integridade da pessoa. Para se manter ajustada, a pessoa busca modos e formas de ocultar, compensar, minimizar e fugir dos conflitos. São os mecanismos de ajustamento.

O ajustamento da pessoa, muitas vezes, se faz através de mecanis­mos internos que se desenvolvem no sentido de protegê-la de suas deficiências reais ou imaginárias.

Se a pessoa ficasse fixada em suas deficiências e inferioridades, perderia sua própria estima e terminaria desintegrando sua personali­dade. Esses mecanismos são uma forma de a pessoa compensar infe­rioridades e fraquezas e recriar-se perante si mesma.

O conflito ou o problema que mais mobiliza as defesas da pessoa é o complexo de inferioridade. Eis alguns sintomas que revelam a presença ainda muito forte deste complexo e dos mecanismos de defesa para superá-los:

1. Sentimentos acentuados de incapacidade e de inferioridade. 2. Super-sensibilidade à crítica. 3. Isolamento ou falta de sociabilidade. 4. Excessiva valorização da bajulação. 5. Atitudes supereríticas com relação aos outros.

Vejamos, agora, os principais mecanismos que usamos para com­pensar nossa "inferioridade" real ou imaginária.

Compensação. Com ele pretende-se sempre superar uma desvan­tagem física ou mental. É interessante notar que esta pode ser simples­mente imaginária. Constatada a inferioridade em determinado setor, mobilizam-se esforços para sua superação em outro. Por exemplo, um rapaz franzino sente aumentar sua auto-estima adotando atitudes de boxeador. A moça pouco atraente que se veste e caminha de modo provocante faz isto numa tentativa de superar esse problema.

Racionalização. Caracteriza-se pela criação "convincente" de ex­plicações vantajosas para os fracassos decorrentes da nossa inferioridade. O objetivo visado é a defesa do nosso "eu" perante nós mesmos e pe­rante a crítica social.

O Sr. Peçanha diz que precisa comprar um carro maior, para dar mais conforto à família. Será que ele está, realmente, querendo dar

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. j

este conforto à família, nos seus" passeios de fins de semana, ou está procurando melhorar de status, obter mais prestígio? O motivo, no caso, seria uma racionalização.

Projeção. É, de certa maneira, uma racionalização. Consiste em localizar em terceiros e em atribuir a estes os sentimentos que são nossos. Lyriss, uma garotinha de três anos que não teve boas experiências nos seus primeiros banhos de mar, comentava com seu pai: "A Chiquita (uma bruxa de pano) não gosta da praia. Ela tem medo do mar. Ela não gosta de tomar banho de mar. Ela chora".

Há realmente projeção em casos como este: "Não sou tão mau assim. Não tenho ódio de ninguém, mas tenho plena convicção de que me odeiam". Na realidade esta pessoa poderá estar projetando seus sentimentos nos outros.

Nesses casos, ocorrem dois mecanismos psicológicos : a) descarre­gar seus sentimentos negativos nos outros; b) possibilitar a tomada de atitudes agressivas, sem sentimento de culpa, já que ele é o "perse­guido" ou o "odiado".

Identificação. Ocorre quando o indivíduo que se sente inferiorizado assume mentalmente a identidade de uma pessoa forte e vitoriosa. Nas crianças é muito comum a identificação com heróis de televisão. O mecanismo de identificação, quando bem dosado, é salutar para a formação da personalidade.

Milhões de pessoas, obrigadas a levar uma vida medíocre, reali­zam-se na identificação com os heróis fornecidos pela cultura do nosso tempo, tais como personagens de histórias da televisão e do cinema bem como dos esportes.

Regressão. Etimologicamente vem do latim: regressione — "ato ou efeito de caminhar para trás". Consiste em adotar formas de comporta­mento características de pessoas muito mais jovens, geralmente de crian­ças. É assim uma volta a níveis infantis de reação, produzida por situa­ções de fracassos intensos e repetidos. Kurt Lewin e Tamaro Dembo, em seus trabalhos sobre nível de aspiração, chegaram à conclusão de que a regressão ocorre depois de severas e seguidas frustrações, determi­nando, geralmente, um abaixamento nos níveis de aspiração e de expec-tação da pessoa. Crianças de dez e mais anos, que tenham sofrido frustrações muito sérias, chupam o dedo, falam como se fossem bebês ou criancinhas. Num estudo experimental sobre frustrações, verificou--se que crianças postas a brincar com seus brinquedos comuns, habituais, ao mesmo tempo que viam, através de uma grade, uma coleção de

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brinquedos novos e atraentes, regrediam a formas mais infantis de comportamento. As frustrações internas ou seguidas costumam baixar o nível de aspiração das pessoas.

Fixação. À semelhança da regressão, muitas pessoas que sofreram, excessivamente, sérias frustrações podem:

1. Criar um comportamento estereotipado, rígido e excêntrico, que não leva em consideração os padrões comuns, habituais de vida.

2. Parar seu desenvolvimento, fixando-se em determinada fase. É o caso da moça ou do rapaz que mantém a mesma dependência afetiva e comportamental para com a mãe, como se ainda fossem crianças.

Idealização. A energia emocional recalcada é utilizada para a criação e elaboração de um mundo mais justo, mais gratificador, "mais ou menos utópico". Eleva e sustenta o comportamento individual em prol de sua criação concreta.

Simbolização. Neste mecanismo, as energias emocionais de origem erótica são utilizadas num processo de elevação e quase adoração de personalidades que se sobressaem no meio social. Exemplo: criação dos ídolos do cinema, da televisão etc.

Podemos, ainda, citar outros mecanismos importantes no ajusta­mento das pessoas.

Repressão. Consiste em rechaçar para o inconsciente os estados emocionais de frustrações que se apresentam incômodos e dolorosos. Quando a lembrança do malogro surge, atormenta a consciência; esta cuida de reprimi-la e de afogar sua memória. Contudo, o conflito repri­mido pode continuar atuando, mesmo de maneira inconsciente, no com­portamento do indivíduo. Muitos atos falhos ou esquecimentos súbitos e inexplicáveis podem nascer do bloqueio inconsciente que estas frustra­ções reprimidas determinam na consciência plena ou no comportamento consciente do indivíduo.

Sublimação. Freud reserva este nome para as atividades geralmente artísticas que se criam ou se realizam como compensação dos impulsos sexuais reprimidos. A sublimação se caracteriza pela utilização da energia sexual recalcada em atividades artísticas ou religiosas.

Fantasia ou devaneio. Muitas vezes, a fantasia ou devaneio serve para encobrir uma situação frustradora, ou melhor, para fugir mentalmente à lembrança desta ou à própria realidade da situação frustradora. Com este mecanismo vivemos, pelo menos em -imaginação, aquelas situações e naquela espécie de mundo em que gostaríamos de viver. Algumas pessoas, em vez de se entregarem à própria imagina-

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ção, para encontrar esta fuga, preferem um bom filme que lhes possi­bilite identificar-se com o herói que enfrenta mil perigos, luta arroja­damente e consegue finalmente chegar ao triunfo desejado. Quando as tensões frustradoras são totalmente descarregadas, diz-se que houve uma catarse, termo que em grego significa "banho", "limpeza". A catarse é o ato de descarregar tensões através de diferentes atividades.

O devaneio e a fantasia fazem parte do mecanismo de ajusta­mento. É uma fuga de uma situação incômoda.

Os mecanismos, quando empregados com medida, são não só nor­mais, como também necessários para se manter o equilíbrio emocional.

Para ficar com uma visão global de todos esses mecanismos de ajustamento, leia o quadro da página 219.

•> EXERCÍCIOS r

1. Há problemas ou situações conflituosas que rompem o equilíbrio psíquico. Nesse momento, entram em ação as forças adaptadoras e assimiladoras da pessoa. Se estas forças vencerem os problemas, a situação estará resolvida e o organismo voltará ao equilíbrio. Quando isto, porém, não ocorre, de que modo a personalidade entra em campo ou em defesa de sua integridade?

2. Muitas doenças nascem na mente, havendo mesmo os que defendem a tese de que quase todas as doenças têm suas origens em conflitos emocionais. Talvez não se possa chegar a este exagero, pois há doenças em que é patente a causa física, mas não resta dúvida de que é uma boa profilaxia evitar conflitos emocionais. Na sua opi­nião, pode-se evitar um conflito emocional?

3. Comente, concordando ou discordando:

"Depois de criado um problema, com danos psicológicos para as pessoas, não é fácil voltar à situação pré-problema. Com.boa von­tade, consegue-se apenas o retorno a uma situação semelhante à anterior. As experiências traumáticas não permitem a volta ao mes­mo ponto".

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Personalidade perturbada e desagregada

A loucura pode estar embutida em cada um de nós. (Jacques Lacan)

Um jovem de dezoito anos, de uma família de classe média, mata, ^m São Paulo, toda a família: a mãe, o pai, um irmão, a irmã e mais o irmão caçula, de oito anos.

Ao chegar em casa, à 1 h 30 min do domingo, vindo da casa da namorada, o rapaz ainda encontra a mãe acordada, pois assistia a um filme na televisão. O pai e os irmãos já tinham ido dormir. A mãe, vendo-o entrar, desliga o televisor e fala para ele:

— São horas de chegar em casa? Você é um vagabundo que não faz nada.

O jovem assassino confessou depois, à polícia, que esta repreensão "tocou fundo", mas nada respondeu à mãe.

Esta sobe para o quarto e deita-se ao lado do marido.

O rapaz tira os sapatos, troca de roupa e deita-se no sofá da sala, ligando o rádio num volume muito alto.

A mãe desce apressadamente as escadas do andar superior, desliga o rádio e novamente o censura:

— Você está incomodando! Você só incomoda.

A seguir, ela retorna ao seu quarto.

Ele permanece deitado no escuro, por alguns momentos. Depois sobe, descalço, sem fazer barulho, entra no quarto dos pais, silencio­samente, e começa a procurar o revólver. Encontra-o, sai do quarto,

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entra no banheiro, onde examina a arma, volta depois ao corredor. Vê a porta do quarto dos pais entreaberta, e dá o primeiro tiro. A bala se encrava na porta.

A mãe, assustada, levanta-se da cama. Neste momento, o rapaz aponta-lhe o revólver e atira em sua cabeça. Nisto, o pai acorda e, ao se erguer, ê alvejado. A seguir, recua um pouco e esconde-se atrás da porta. A irmã, com o barulho dos estampidos, vem para o quarto dos pais e é alvejada com um tiro na cabeça, caindo perto do corpo da mãe. Depois de algum tempo, dirige-se ao quarto dos dois irmãos e dispara o revólver na cabeça de cada um. Põe os cinco corpos no carro do pai, cobre-os com um cobertor, leva o veículo até uma rua mais distante, estaciona e abandona o carro. Voha para casa e começa a lavar o sangue. Nesta tarefa é preso pela polícia.

PERTURBAÇÕES DA PERSONALIDADE

Neste exemplo, vemos graves perturbações da personalidade. Po­demos classificar esses distúrbios em cinco tipos básicos: oligofrenias, demências, psicoses, psicopatias e neuroses.

Oligofrenia. Nesse tipo de distúrbio, a personalidade não atinge determinado nível de desenvolvimento. O crescimento pára em deter­minado estágio da maturação. Por exemplo, a inteligência atinge so­mente o estágio de cinco ou seis anos. Espera-se em toda cultura que um adulto chegue a certo nível de desenvolvimento. Este nível passa a ser socialmente o padrão ou a medida da normalidade. Se não obtém tal desenvolvimento, se o que falta é pouco relevante, diz-se que é imaturo; se, contudo, a distância for grande, é considerado oligo-frênico.

A oligofrenia é também conhecida como deficiência mental, ou subnormalidade mental. "Mental" refere-se à inteligência, contudo, a deficiência é de toda a personalidade. O oligofrênico sofre de deficiên­cia na área da afetividade, maturidade, inteligência e conação. En­tenda-se por conação a deficiência na área de vontade, desejo, objetivo e motivação.

Uma criança que, nos seus primeiros anos de vida, não foi suficientemente alimentada de proteínas (carne, ovos, leite etc.) pode deixar de desenvolver normalmente seu cérebro, transformando-se assim num oligofrênico.

Demência. É um declínio patológico da personalidade. Há o declínio normal, cujos sinais começam por volta dos sessenta anos, de forma lenta e suave. Se, contudo, esses sinais se acentuarem e se

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avolumarem rapidamente, é sintoma de demência, que é distúrbio da . personalidade. Os sintomas demenciais podem ser qualitativa ou quan­titativamente diferentes.

Vejamos alguns exemplos: Sintomas quantitativamente diferentes: a pessoa idosa é normal­

mente um pouco teimosa, apegada a seus hábitos, um tanto descon­fiada e egocêntrica. Transformar, porém, esta pequena dose de descon­fiança em idéia de perseguição e de ameaças é sintoma de doença. Achar que querem que morra, que vão envenená-la, que querem aban­doná-la e t c , é um sentimento que se afasta da faixa da normalidade. A pessoa idosa é apegada a seus objetos, mas entre este apego e o hábito de colecionar ou guardar tudo o que pega há uma diferença quantitativa que indica perda da normalidade.

Sintomas qualitativamente diferentes: são aqueles que não têm analogia ou semelhança com as características da idade, como ter alu-cinações, ouvir vozes, sentir-se alvo de perseguição, atacar parentes, crianças etc. Transformar-se em agressivo, impertinente, quando antes era exatamente o contrário, calmo, ponderado, é sinal de perturbação da personalidade.

Psicose ou loucura. Durante o seu desenvolvimento, a personali­dade chega a determinada estrutura que a torna única e diferente de todas as outras pessoas. Isto determina a maneira de cada um se ajustar e proceder com relação à realidade exterior. Enquanto a perso­nalidade permanecer estruturada e reagir adequadamente ao meio, é normal. A psicose é a perda dessa estruturação, deixando de ser a personalidade um todo harmônico. Seus componentes deixam de se articular adequadamente. O psicótico pode encontrar-se ora em estado de depressão, ora em estado de extrema euforia e agitação. Em dado momento age de um modo e em outro se comporta de maneira total­mente diferente. Houve uma desestruturação da sua personalidade. O dado clínico fundamental para se aferir a psicose é a alteração dos juízos de realidade. O psicótico passa a perceber a realidade de ma­neira diferente. Por isso, faz afirmações e tem percepções não apoiadas nem justificadas pelos dados e situações reais.

Nas psicoses ou loucuras, além da alteração do comportamento e do pensamento, são comuns as alucinações (ouvir vozes, ter visões e delírios).

O psicótico pode ser possuído por intensas fantasias de grandeza ou perseguição. Pode igualmente sentir-se vítima de uma conspiração internacional ou familiar assim como julgar-se um milionário, um ser divino, um salvador da humanidade etc.

Psicopatia. É a falta de estruturação de determinadas dimensões da personalidade. Há núcleos psicóticos que podem perdurar por pouco

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ou muito tempo, sem contudo levar à loucura típica. O que se verifica é uma espécie de falha na construção da personalidade. As principais deficiências da personalidade psicopática são:

• Não tem consciência moral ou a apresenta em grau muito reduzido. O certo e o errado, o permitido e o proibido não fazem sentido para ela. Desta maneira, simular, dissimular, enganar, roubar, assaltar, matar não causa sentimentos de repulsa ou remorso em sua cons­ciência.

• Busca estimulações fortes.

• É incapaz de adiar satisfação. Não tolera um esforço rotineiro e não sabe lutar por um objetivo distante.

• Não aprende com os próprios erros, pelo fato de não reconhecer estes erros.

• Em geral, tem bom nível de inteligência e baixa capacidade afetiva. Parece incapaz de se envolver emocionalmente.

• Não entende o que é ser socialmente produtivo.

Neurose. Determina uma modificação, mas não uma desestrutura­ção da personalidade e muito menos perda dos juízos de realidade. A existência de tensão excessiva e prolongada, de conflito persistente ou de uma necessidade longamente frustrada, é sinal de que na pessoa se instalou um estado neurótico.

Suponhamos que a figura ao lado represente a personalidade. As partes P,, P 2 , P 3 , P 4 e Y b Y 2

são partes da estrutura normal ou sadia da personalidade; P 5 e Y3 são áreas sob tensão e con­flito. É claro que a existência dessas áreas deixa toda a estru­tura da personalidade sob pres­são, mas não há, conseqüente­mente, nenhuma desestruturação da personalidade, que continua integrada. Se fosse removida a área de tensão, a normalidade estaria restabelecida. Numa neu­rose fóbico-obsessiva, por exemplo, o paciente apresenta alteração de comportamento: lava as mãos cinqüenta vezes por dia. Com esta ação, está descarregando suas tensões acumuladas. A cada aumento de tensão, corresponde a ação de lavar as mãos. São muito variados os comportamentos provocados por tensões neuróticas.

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i EXERCÍCIOS r

1. A personalidade do jovem citado no início do capítulo é efetiva­mente doente. Alguém comentou que sua destrutividade é tão grande e tão sem controle que provavelmente tentará o suicídio, "tão logo se esgote a impulsão heterodestrutiva". No suicídio, voltará esta destrutividade contra si mesmo, e agora, com o reforço de uma auto-punição, este fato poderá se tornar mais provável. Que comentário você pode fazer sobre isto?

2. "O mecanismo de destrutividade tomou conta daquele ser, há muito tempo. A destrutividade é característica quase exclusiva do homem, pois este é o único animal que tortura, mutila e mata outra criatura da mesma espécie, sem nenhuma razão relacionada com a sobre­vivência." Comente.

3. Você vê no comportamento criminoso do exemplo sinais de psico-patia?

4. Que é psicose?

Nota: Nesta parte final, valemo-nos de alguns itens do capítulo "Personalidade per­turbada e sob tensão", do nosso livro Psicologia Organizacional (mesma editora, 1981), onde o assunto é mais extensamente desenvolvido. Recomendamos aos nossos leitores.

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RESPOSTAS

Respostas da p. 21

a) Figura 4. (Todas as demais figuras têm pontas.) b) Figura 5. (Todas as demais figuras podem ser divididas em duas

partes por uma linha vertical, menos a n.° 5.)

Respostas da p. 105. Como se realiza o condicionamento

1. E: comida na boca R: salivação

2. luz nos olhos: E contração pupilar: R

3. E: choque elétrico R: batidas cardíacas

4. (b) contração pupilar (c) aumento das batidas cardíacas (a) salivação

5. Reflexo simples 6. a) 7. a) 8. incondicionado (EI) 9. EI: som extremamente forte

10. neutro 11. estímulo condicionado (EC) 12. condicionado (EC) 13. c) 14. c) 15. estímulo condicionado (EC) 16. c) 17. estímulo incondicionado (EI)

estímulo condicionado (EC) resposta condicionada (RC)

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18. aquisição 19. resposta (R) 20. estímulo condicionado (EC) 21. condicionado 22. reflexo

reflexo 23. Reflexa, isto é, uma resposta a um estímulo. 24. Estímulo condicionado (EC)

Respostas da p. 149

1. sentidos 2. elementos; organizar; sentidos 3. meio exterior 4. desinteressantes; boa (agradável) 5. elaborados 6. organizar; alguns 7. alguns elementos 8. faltam 9. completo

10. campo 11. figura; fundo 12. figura; fundo 13. Depende do foco da atenção: se o primeiro a ser observado for

o professor, será ele a figura. 14. seu modo 15. O leitor é induzido a um erro (não se sepultam sobreviventes),

pois todos os demais fatos estão corretamente organizados, forman­do um todo coerente.

16. de negro 17. figura; figura 18. A arredondada, por analogia, recebe mais comumente a designação

de maluma. 19. sobreviver; necessárias; visuais 20. a) em A

b) em B 21. certo 22. perceber; agir 23. indelicadeza 24. facilmente 25. necessidades 26. necessidades 27. mesma maneira; você 28. amigo; diferentes; as pessoas

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29. não 30. organizar 31. a) 32. percepção 33. "fome" (necessidade) 34. formas 35. ângulos 36. objetos

Respostas ao teste de personalidade

Trata-se do teste de auto-heteroavaliação de André Rey. Deve-se tirar a média da primeira coluna (1) e da segunda (2) e depois tirar a média das duas colunas. 1. Média abaixo de 5 significa subestimação da própria pessoa. 2. Médias próximas ou acima de 8 indicam infantilidade, imaturidade. 3. No indivíduo normal, as notas da primeira coluna são um pouco

melhores do que as da segunda. A média das duas colunas deve ser mais ou menos 6.

4. Quando as notas da primeira coluna são bem diferentes (superiores) das da segunda, podem indicar problemas de adaptação, ajustamento.

5. A pessoa que se dá nota 5 da primeira até a última característica • revela o que se pode chamar de "personalidade mascarada".

Estas normas foram determinadas para a Suíça. Não possuímos, ainda, normas para o Brasil. A isto se deve atribuir qualquer queixa contra os resultados.

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GLOSSÁRIO

Agressividade: qualidade do tempera­mento ou mecanismo de defesa do eu, que se caracteriza pelo modo destrutivo de reação. Há íntima liga­ção entre agressão e frustração. As energias da agressão são as mesmas que se mobilizam para a obtenção de um objetivo, havendo, contudo, uma barreira [humana ou física, den­tro ou fora do indivíduo) que o torna inalcançável. Desta maneira, as ener­gias se voltam contra a barreira. A agressividade não deve ser confun­dida com a destrutividade.

Ansiedade: estado emocional decor­rente de apreensões , incertezas e medo diante de um perigo real ou imaginário. Assemelha-se ao estado emocional do medo. Neste, a fonte ameaçadora está presente . Na ansie­dade, porém, a fonte ameaçadora é algo difuso, ausente, contra o que não é possível uma reação concreta de ataque ou fuga. A pessoa fica num estado de tensão depressiva e angustiante. Na ansiedade, alguns es­tímulos ameaçadores são tipicamente imaginários, irreais, sem nenhuma existência concreta.

Atitudes: tendências para responder po­sitiva ou negativamente a cer tos obje­tivos, pessoas e si tuações. São predis­posições de natureza emocional diante de coisas, pessoas ou idéias. Alqumas vezes, alguém pode ser impelido a realizar certo comportamento contrário às suas atitudes e opiniões, mediante alguma recompensa ou a fim de man­

ter-se profissionalmente. Este tipo de comportamento chama-se aquiescência forçada.

Bloqueio emocional: estado em que o indivíduo não consegue, por forte trau­ma, manifestar certas ações ou pen­samentos. Às vezes, os movimentos ficam total ou parcialmente tolhidos. Uma parte do cérebro e da atividade psíquica fica inibida pelo trauma.

Complexo: conjunto de idéias carrega­das de afetividade que foram reprimi­das pela censura para o inconsciente, acarretando, às vezes comportamentos neuróticos ou desvios psíquicos. Os complexos manifestam-se através de vários mecanismos e atos falhos.

Crise: mudança brusca ou perturbação séria na marcha de determinado pro­cesso .

Depressão: estado emocional de baixa atividade psicomotora. Ocorre nor, en­fados de perda ou de declínio de po­der. Acompanham-na o abatimento, a tristeza e uma sombria perspectiva de futuro. Neste estado, a vida se ex­prime dentro de um contexto restrito e limitado.

Destrutividade: é uma força que se ins­tala no indivíduo como resultado de tensões internas. Essa força se volta contra o próprio indivíduo, servindo como agente de auto-destruição, de modo lento e indireto ou, algumas vezes, como no suicídio, de maneira frontal e fulminante. A destrutividade

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recebeu de Freud a denominação de tanatos (palavra grega que significa "morte"). O homem é o único ser vivo portador de destrutividade, que não deve ser confundida com agressi­vidade. A destrutividade tende a mi­nar e a acabar com eros. isto é, a vida, a alegria, o prazer, a realização, a auto-realização.

Dimensão subjetiva: conjunto de atribu­tos referentes ao pensamento: inteli­gência, raciocínio, imaginação, crítica, abstração, conceituação etc. Corres­ponde ao quadro imaginário e ao mundo interior da pessoa.

Dislexia: do grego dis = difícil, e lexia = leitura. É a dificuldade que algu­mas crianças sentem em ler e apren­der a ler, embora sejam normais e algumas vezes mais inteligentes do que a média. Não conseguem per­ceber o significado das palavras. Às vezes, escrevem ao contrário, em es­pelho, da direita para a esquerda. Precisam de técnicas especiais para superar e s s e defeito.

Ego: é a consciência em atuação. É a parte correspondente ao conhecimen­to atual, do momento presente . É a resposta às perguntas: Quem sou? O que estou fazendo? Suas funções prin­cipais são : resolver problemas, pen­sar, planejar e proteger a si mesmo.

Ego-ideal. Eu-idealizado. (Ideal de Ego): é aquele eu que a pessoa quer atingir um dia. Em algumas pessoas , esta formação subjetiva substitui o eu-ver-dadeiro É um "eu" formado na in­fância para compensar e substituir o "eu" real, que a criança fantasia co­mo algo rejeitável, inferior e despre­zível.

Elação: estado de excitação emocional que se caracteriza por uma euforia e animação decorrente do aumento de poder no indivíduo. São correlatos des te estado a alegria e o prazer.

Empatia: estado emocional no qual al­guém sente a mesma coisa que ou-trem, havendo certa comunhão de or­dem mental e emocional. É uma ca­pacidade de sentir o que outra pessoa está sentindo ou pensar o que outm está pensando. Para a Psicanálise, significa projeção objetiva de uma si­tuação emocional em algo externo. (V.

Simpatia.)

Extroversão: qualidade da personalidade voltada para fora. O termo extrover­tido foi usado por Jung para designar um padrão de comportamento caracte­rizado por um grau extremo de socla-bilidade, de aversão à meditação e In-teriorização. Caracteriza-se também pela inconsistência dos afetos e do comportamento. Em Psicanálise, o termo designa a direção externa, para fora, que toma a libido recalcada.

Filosofia de vida: conjunto de princípios, visão do mundo e das coisas que cada um adota para seu uso pessoal.

Fobia: medo doentio. Freud divide as fobias em duas c lasses : 1) as que são uma exacerbação de

medos comuns (fobias referentes a fatalidades à solidão, a serpentes , à morte, t desas t res e t c ) ;

2) as que sã:> explicáveis apenas co­mo fixação* de outros medos neu­róticos da pessoa. Vejamos algu­mas: mesofobia: medo de contagiar-se; nictofobia: medo de escuridão; claustrofobia: medo de lugares fe­

chados; acrofobia: medo das alturas; climacofobia: medo de cair de es­

cadas; agorafobia: medo de lugares aber­tos (praças).

Gabarito: é o padrão de respostas ob­jetivas que serve para medir e atri­buir o grau ou nota das provas. Con­tém os itens certos e o valor de cada um.

Gagueira: é um fenômeno de base emo­cional provocado pelo fato de a região da garganta e áreas adjacentes fica­rem tensas . Costuma começar por volta dos t rês ou quatro anos, quando a criança inicia a enunciação de fra­ses mais longas.

Inibição: ocorre quando uma força psí­quica ou emocional maior freia outra ou evita seus modos de expressão. É a interrupção parcial ou completa de uma atividade mental ou psíquica por interferência de outra.

Insight (discernimento): percepção rá­pida de relações diversas, que per­mitem descobrir a solução para um problema. É uma atividade tipicamen­te inteligente.

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Instabilidade emocional: refere-se a mu­dança de es tados emocionais com grande freqüência. O indivíduo passa do estado de excitação para o de ini-bição, do estado de elação para o de depressão, dificultando, assim, as ex­pectativas das outras pessoas a seu respeito.

Introversão: qualidade da personalidade voltada para dentro de si. Opõe-se à extroversão. O termo introvertido é usado para designar aquelas pessoas que vivem dentro do seu subjetivismo e que dão, no tes te de Rorschach, um número excessivo de respostas em termos de movimentos, ante os bor-rões padronizados. A palavra deriva do latim intro = pa­ra dentro e vertere = voltar-se. Há muitas classificações tipológicas da personalidade baseadas nesta dico-tomia. Freud constatou certa relação entre tendências esquizóides e intro­versão. O grau de introversão varia muito nas pessoas . Freud usa o ter­mo para designar o estado da cons­ciência que, já não podendo tirar sa­tisfação imediata da realidade obje­tiva, gratifica-se com a elaboração de outro tipo de subjetividade.

Maturação: designa a série de transfor­mações morfológicas, funcionais e de comportamento que vão chegando à sua plenitude em cada fase. A matu­ridade pode ser antecipada ou retar­dada. Tudo depende da preparação an­terior.

Modelo: é a estrutura cognitiva (na área do conhecimento) formada por pontos ou elementos que vão sendo tirados do real e colocados no plano teórico, até chegar-se a uma teoria consistente.

Motivação: é um processo de ativação de um organismo, iniciado por uma necessidade e que tem por alvo um objetivo que vem satisfazê-la.

Motivo: é tudo aquilo que leva o indi­víduo à ação.

Neurose: desordem parcial, de natureza psíquica, que perturba a organização da personalidade sem desintegrá-la. (V. Psicose).

Onlcofagia (hábito de roer unhas): é a forma de exprimir t ensões contidas ou recalcadas, manifestando-se de pre­ferência quando a atenção se acha

concentrada em outra coisa. É unia forma de regressão ou retorno à fase oral.

Operações lógico-concretas: atividade mental orientada de acordo com a lógica, mas operando melhor com da­dos e elementos concretos da vida e da realidade externa. É uma espécie de ensaio e erro no qual as manipu­lações mentais substituem as ações e os comportamentos externos.

Pensamento mágico-simbólico: é o pro­cesso mental dominado por fantasias mas que, apesar disso, se referem a realidades externas. Simbólico signi­fica esta referência a pessoas e ob­jetos externos; mágico é a natureza fantástica des te pensamento que cons­trói o imaginário infantil ou psicótico.

Personalidade: é uma organização mais ou menos estável das várias dimen­sões de que se compõe a pessoa: dimensão física, temperamento, cará­ter, dimensão subjetiva, inteligência etc. A organização destas dimensões, numa pessoa, não forma uma estru­tura inexpugnável. Muito pelo con­trário, sofre contínuos a taques e, por isso, para se defender, a consciência se arma de mecanismos de ajusta­mento.

Psicodélico (em inglês, psychodelic): trata-se de um neologismo formado do grego psyqué = alma, mente e delein = destruir, abalar. Significa um estado mental caracterizado por per­cepções sensíveis de intensa vibra­ção e variedade, levando a consciên­cia a profundos momentos de prazer, a t ranses estét icos e impulso criativo. Tenta-se chegar a e s t e es tado por meio de efeitos externos de fortís­simo jogo de elementos perceptivos e sensit ivos especiais, como através de drogas que levam a consciência a es te estado especial de t ranse ou "viagem" como o chamam. Por meio des te estado, pretende-se uma fuga do quotidiano quando ele se apre­senta banal e contraditório.

Psicose: insanidade mental, permanente ou periódica, que age como desinte-gradora da personalidade. Revela-se tanto pela desorganização do pensa­mento como pelo comportamento to­talmente desajustado às circunstân­cias. Por isso, o psicótico não pode viver com as pessoas normais.

Q.I. (quociente de inteligência): é um índice numérico usado para quanti­ficar a inteligência. Para medir a in­teligência divide-se a idade mental da criança, apurada segundo os t e s t e s , por sua idade cronológica e multipli­ca-se e s s e quociente por 100 para eliminar os decimais. Se uma criança de quatro anos de idade tiver uma idade mental de cinco, o seu Q.I. será 125 e poderá prever-se que sua idade mental continuará cerca de um quarto acima de sua idade real.

Simpatia: deriva-se do grego sym = com e pathein = sofrer. É sentir com al­guém o que ele sente . É a capacidade de exteriorizar afeto e valor para com as pessoas . O contrário da simpatia, a antipatia, surge do fato de a pessoa exteriorizar para com outra sentimen­tos negativos, de pouco valor. Jennings mostrou que as crianças consideradas simpáticas eram aquelas capazes de mostrar que gostavam das outras pes­soas.

Temperamento: conjunto de qualidades individuais de natureza afetiva que abrangem: reação, estímulos mais ou menos rápidos, emocionalidade, flu­tuações de humor, predisposição à ação etc. Desde Hipócrates (400 a.C.) até hoje se fizeram as mais variadas classifi­cações do temperamento. Hipócrates classifica-o em: colérico, «melancólico, fleumático e sangüíneo. Segundo René Le Senne, existem três características fundamentais do psiquismo que de­terminam os vários temperamentos . Estes elementos fundamentais são: emotividade, atividade, ressonância, isto é, prontidão com que os diversos acontecimentos repercutem na cons­ciência. Em algumas pessoas , a res­sonância é imediata e rápida, enquan­to em outras a reação se faz em segundo plano. De acordo com es tes t rês elementos fundamentais, René Le Senne esta­belece os seguintes temperamentos:

Composição Fórmula Nomes

Emotivos, não-ativos, primários EnAP Nervosos

Emotivos, não-ativos, secundários EnAS Sentimentais Emotivos, ativos, primários EAP Coléricos Emotivos, ativos, secundários EAS Apaixonados Não-emotivos, ativos, primários nEAP Sangüíneos Não-emotivos, ativos, secundários nEAS Fleumáticos Não-emotivos, não-ativos, primários nEnAP Amorfos Não-emotivos, não-ativos, secundários nEnAS Apáticos

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