Psicopatia ou defesa legítima?

4
Psicopatia ou defesa legítima? O psicopata fascina e assombra. Suas características são a frieza, a conduta antissocial, a ausência de culpa e vergonha e o individualismo na busca de seus interesses 13/12/2015 - 17h16 Marco Antônio Brant Saldanha, O Globo, em http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2015/12/psicopat ia-ou-defesa-legitima.html As cenas que temos presenciado nos últimos dias no plenário da Câmara dos Deputados são situações- limite e, como tal, nos deixam perplexos. Os deputados, representantes do povo, eleitos pelo povo com a missão de defender seus interesses e aspirações, encenam algo quase inacreditável. Os atores se desvelam, expondo seu verdadeiro eu, onde emergem, sem pudor algum, facetas pessoais obscuras, distantes da figura pública apresentada até então.

description

Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2015/12/psicopatia-ou-defesa-legitima.html

Transcript of Psicopatia ou defesa legítima?

Psicopatia ou defesa legítima?O psicopata fascina e assombra. Suas características são a frieza, a conduta antissocial, a ausência de culpa e vergonha e o individualismo na busca de seus interesses

13/12/2015 - 17h16

Marco Antônio Brant Saldanha, O Globo, em

http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2015/12/psicopatia-ou-defesa-

legitima.html

As cenas que temos presenciado nos últimos dias no plenário da Câmara dos Deputados são situações-limite e, como tal, nos deixam perplexos. Os deputados, representantes do povo, eleitos pelo povo com a missão de defender seus interesses e aspirações, encenam algo quase inacreditável.

Os atores se desvelam, expondo seu verdadeiro eu, onde emergem, sem pudor algum, facetas pessoais obscuras, distantes da figura pública apresentada até então.

Atônitos, nos interrogamos: nos deparamos com quadros de psicopatia, de perversão ou os atos a que assistimos configuram atos de defesa legítimos?

Estes sujeitos nos representam?

Cabe aqui uma reflexão. Fundamentamos nosso pensamento tomando como diretriz a ideia de justiça e de bem social: se, no primeiro caso, tudo caminha para o caos e a desordem, na defesa legítima, visa-se à verdade e ao respeito à ordem instituída.

Tal questão nos conduz aos conceitos de psicopatia, no campo da psiquiatria e perversão, conceito pertinente à psicanálise.

O psicopata nos fascina e assombra. Suas características são a frieza, a conduta antissocial, a ausência de culpa e vergonha, a insistente capacidade de não ouvir o outro e persistir na busca individualista de seus interesses, a qualquer custo. Ele, como o perverso, é incapaz de renunciar ao seu gozo transgressivo e, quando o faz, é por achar que, em seguida, o retorno será ainda maior.

O perverso manipula, desvia a lei de seu intuito original e faz uso dela a seu exclusivo serviço. Muitas vezes o faz com violência implacável e impiedosa, causando temor e horror. A lei que ele apresenta mostra uma face paradoxal, pois não pode ser negada, já que é lei, mas não pode ser aceita por ser obscena em sua forma e propósito.

O sujeito social que não é perverso fica paralisado, perplexo, dividido e impotente, já que se sente em geral incapaz de denunciar o embuste do outro perverso que, enquanto isso, se refestela.

O perverso e/ou psicopata precisa ser barrado.

Quanto aos que exercem uma defesa legítima, podemos pressupor nestes a existência de valores éticos e morais, pois esta legitimidade repousa sobre a verdade e a justiça, valores que

buscam o estabelecimento e a preservação do laço social. Nestes, o sujeito social se reconhece e se identifica.

O sujeito que dessa forma faz, reconhece seus limites, suas bordas e as próprias transgressões. Ele se reconhece como alguém passível de erro, e se interroga sobre isso. Sua defesa é construída sobre seus princípios, direitos e deveres. Ele reconhece a ordem instituída — nesse caso, a Constituição — defende e se submete à lei, cioso de que é esta que fortalece os laços sociais e políticos, operando como alicerce de uma cultura.

Cabe a nós responder: o que temos no Congresso, psicopatia ou defesa legítima?

Marco Antônio Brant Saldanha é psiquiatra e psicanalista