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Letícia Vianna do Nascimento TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO II PUBLICIDADE E CONTOS DE FADAS: UMA ANÁLISE SOBRE AS RELAÇÕES DE INTERTEXTUALIDADE NOS AUDIOVISUAIS DA SKY TV Santa Maria, RS 2017/2

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Letícia Vianna do Nascimento

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO II

PUBLICIDADE E CONTOS DE FADAS: UMA ANÁLISE SOBRE AS RELAÇÕES

DE INTERTEXTUALIDADE NOS AUDIOVISUAIS DA SKY TV

Santa Maria, RS

2017/2

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Letícia Vianna do Nascimento

PUBLICIDADE E CONTOS DE FADAS: UMA ANÁLISE SOBRE AS RELAÇÕES

DE INTERTEXTUALIDADE NOS AUDIOVISUAIS DA SKY TV

Trabalho Final de Graduação II apresentado ao

Curso de Publicidade e Propaganda, Área de

Ciências Sociais, do Centro Universitário

Franciscano, como pré-requisito para obtenção

do grau de Bacharel em Publicidade e

Propaganda.

Orientador (a): Profª. Dra. Pauline Neutzling Fraga

Santa Maria, RS

2017/2

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Centro Universitário Franciscano

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Monografia.

PUBLICIDADE E CONTOS DE FADAS: UMA ANÁLISE SOBRE AS RELAÇÕES

DE INTERTEXTUALIDADE NOS AUDIOVISUAIS DA SKY TV

Elaborada por

Letícia Vianna do Nascimento

Como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda

________________________________________

Prof.ª Dra. Pauline Neutzling Fraga

Orientadora (Centro Universitário Franciscano)

_______________________________________

Prof.ª Dra. Graziela Frainer Knoll

1ª examinadora (Centro Universitário Franciscano)

________________________________________

Prof.ª Dra. Michele Kapp Trevisan

2ª examinadora (Centro Universitário Franciscano)

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AGRADECIMENTOS

Hoje, mais do que nunca, percebo que segui o caminho certo deixando este curso me

escolher. Por anos, tentei ingressar em um mundo matematicamente moldado para criar

estruturas rígidas e concretas. Quando a Publicidade se apresentou a mim, arrisquei decidindo

explorar este universo desconhecido. Descobri, em cada segundo dos últimos quatro anos, que

nasci para fazer isso: para me deixar seduzir pela vontade de transformar sentimentos em

palavras, conceitos e discursos.

Meu muito obrigada aos professores me que incentivaram a desbravar os caminhos

desta profissão tão empolgante e repleta de descobertas. Em especial à minha orientadora

Pauline Fraga, que despertou em mim a paixão pela redação, e à professora amiga Graziela

Knoll, a quem devo muitas conquistas dentro do curso e carinhosamente cito em minha

pesquisa, por compartilhar a paixão pelo encantamento a que se propõe a publicidade.

Obrigada Grazi, pelos conselhos, direcionamentos e pela amizade.

Agradeço à parceria dos colegas, que se transformaram em melhores amigos e, hoje,

compartilham a expectativa pelo dia de nossa colação: Lucas Baggio, Roberta Porto, Julie

Jarosczniski e Maurício Kemmerich, obrigado por nossas criações premiadas, cafés amargos

pela manhã, risadas que fizeram esquecer a pressão da universidade e por dividirem comigo

suas vidas e sonhos.

Além disso, agradeço àqueles que confiaram em meu talento e proporcionaram minha

primeira experiência profissional em publicidade, à Yellowbean, representada por duas

pessoas maravilhosas, Daniele e Rafael, que diariamente são uma inspiração para que eu me

torne uma profissional ainda mais dedicada e apaixonada. Também a todos os colegas e

amigos que fiz nesse ambiente - aqui não cito nomes, pois são muitos, e todos, sem exceção,

fazem parte de ótimas lembranças e conquistas em minha vida profissional.

Por fim, agradeço imensamente ao destino por ter me levado à minha paixão.

Agradeço aos familiares que me motivaram e vibraram com as minhas conquistas,

principalmente à minha mãe, Luciane, que me inspira a ser a melhor versão de mim mesma

por meio da sua força e dedicação, à minha avó, Alba, e à minha irmã, Ana Laiza. Também ao

meu namorado e melhor amigo, Alan, que não mediu esforços para que eu acreditasse no meu

potencial.

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Publicidade e contos de fadas: uma análise sobre as relações de intertextualidade nos

audiovisuais da SKY TV1

Letícia Vianna do NASCIMENTO2

Pauline Neutzling FRAGA3

Centro Universitário Franciscano, Santa Maria, RS

RESUMO

Em 2016, o anunciante SKY TV abordou a temática dos contos de fadas para comunicar seu

serviço de TV paga, criando produções audiovisuais publicitárias inspiradas em contos

populares infantis. Tendo como objeto a campanha “Contos de Fada”, este estudo investiga,

por meio da análise de discurso, a relação entre publicidade e contos de fadas, analisando a

apropriação desta temática pela referida empresa anunciante. O referencial teórico baseia-se

nos conceitos de intertextualidade, de Fiorin (2003), na psicanálise dos contos de fadas, de

Bettelheim (2007) e Corso (2006), e nos estudos sobre discurso publicitário, pela perspectiva

de Pinto (1997) e Carvalho (2000). O estudo concluiu que o apelo lúdico dos contos de fadas

é o principal fator de interesse da publicidade, que visa provocar sensações de familiaridade e

nostalgia para criar um vínculo afetivo entre marca e consumidor. Nas narrativas analisadas, a

moralidade dos contos foi adaptada para servir de argumento aos personagens que propõem

novos finais felizes com o protagonismo de SKY.

PALAVRAS-CHAVE: Discurso; Intertextualidade; Publicidade; Contos de Fadas.

ABSTRACT

In 2016, the advertiser SKY TV approached the fairy tale thematic to communicate your

service of cable TV, creating advertising audiovisuals productions inspired by popular

children's tales. Having as object the campaign "Fairy Tales", this study investigates, through

discourse analysis, the relation between advertising and fairy tales, analyzing the

appropriation of this thematic by the referred advertising company. The theoretical referential

is based on the concepts of intertextuality, from Fiorin (2003), in psychoanalysis of fairy

tales, from Bettelheim (2007) and Corso (2006), and on the studies about advertising speech,

by the perspective of Pinto (1997) and Carvalho (2000). The study concluded that the playful

appeal of the fairy tales is the main factor of advertising interest, which aims to provoke

sensations of familiarity and nostalgia to create an affective bound between brand and

consumer. In the analyzed narratives, the tales morality was adapted to serve as an argument

to the characters who propose new happy endings with the SKS's protagonism.

KEYWORDS: Discourse; Intertextuality; Advertising; Fairy tale.

1 Artigo resultante da disciplina Trabalho Final de Graduação II 2 Acadêmica do Curso de Publicidade e Propaganda – Centro Universitário Franciscano. E-mail:

[email protected] 3 Orientadora. Publicitária, Doutora em Comunicação Midiática pela UFSM – Universidade Federal de Santa

Maria. Professora do Curso de Publicidade e Propaganda do Centro Universitário Franciscano. E-mail:

[email protected]

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1 INTRODUÇÃO

Desde a Antiguidade o homem procura criar códigos de diferentes naturezas para

comunicar-se com seus semelhantes. Como afirmam Camilotto e Juchem (2012), esses

códigos criados pelo homem constituem sua linguagem, seja ela verbal ou não verbal. As

linguagens, por sua vez, encontram-se intimamente ligadas às referências culturais que variam

conforme os diferentes grupos sociais e períodos históricos. A linguagem da publicidade, por

exemplo, busca nos diferentes gêneros linguísticos elementos que possam ser utilizados como

estratégias de argumentação e desenvolvimento do discurso4, a fim de encantar e envolver o

público com a mensagem, explorando elementos que já são familiares a ele e que facilitam a

assimilação e a identificação com o conteúdo comunicado. Nesse contexto, a linguagem é

utilizada como instrumento que facilita e, por vezes, determina o sucesso da comunicação,

seja ela verbal ou não verbal.

Segundo Camilotto e Juchem (2012), a literatura é uma forma de linguagem constituída

a partir de experiências culturais e, portanto, está relacionada a determinados contextos

sociais e históricos, apresentando-se como uma ferramenta responsável por entreter,

emocionar e ensinar. Esse gênero é comumente resgatado pela publicidade, segundo Koch,

Bentes e Cavalcante (2007), em uma relação intertextual como objeto de inspiração e

referenciação, por meio da alusão, releitura ou oposição. Ou seja, a narrativa literária é

incorporada à criação publicitária, por meio de breve menção – explícita ou implícita – ao

texto original, ou apresentando-se por meio de uma nova interpretação desta narrativa ou

ainda em uma relação de negação ou sátira com o texto referente.

Além de um tipo de linguagem, a literatura infantil também é considerada, por Coelho

(2002, p. 27), processo artístico e “fenômeno de criatividade que representa o mundo, o

homem, a vida, através da palavra. Funde os sonhos e a vida prática, o imaginário e o real, os

ideais e sua possível/impossível realização”. Por esse motivo, é tão explorada em relações

intertextuais com outros gêneros da linguagem, visto que se apresenta como ferramenta

importante na construção de sentidos e, portanto, provoca familiaridade e reconhecimento. Os

elementos característicos da literatura infantil, ao serem resgatados pela publicidade,

funcionam como referência justamente por fazerem parte do imaginário cultural de um

determinado grupo de pessoas que já tiveram contato com as obras originais e, desta maneira,

se bem explorados, causam uma reação positiva neste público.

4 Neste estudo, o termo discurso é utilizado para referir-se ao processo de comunicação que diz respeito ao

contexto argumentativo.

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Segundo a perspectiva de Bettelheim (1980), os signos característicos das histórias

infantis são preservados no inconsciente das crianças e, quando resgatados – como no caso de

peças publicitárias tematizadas por essas narrativas5 – tendem a causar impactos positivos nos

consumidores adultos devido à familiaridade com os personagens, cenários e enredos,

relembrando aos consumidores os conteúdos absorvidos com as leituras na infância.

Assim, ao abordar como temática a relação de intertextualidade entre publicidade e

contos de fadas, o presente trabalho debruça-se sobre o conteúdo audiovisual produzido pelo

anunciante SKY TV na campanha “Contos de Fada”. A saber, a SKY TV é uma empresa de

telecomunicações que oferece serviço de televisão por assinatura e banda larga de internet,

fundada em 1996. A investigação, proposta por este estudo, parte do interesse em

compreender como a intertextualidade relaciona elementos de contos de fadas e o discurso

publicitário do anunciante SKY TV na campanha “Contos de Fada”.

O objetivo geral deste estudo é, portanto, identificar quais os tipos de intertextualidade

presentes no discurso publicitário de SKY TV na campanha “Contos de Fada”. Nesse sentido,

ficaram estabelecidos como objetivos específicos: a) averiguar quais contos de fadas serviram

de referência à campanha publicitária supracitada; b) verificar quais elementos narrativos

característicos desses contos foram incorporados à campanha, em termos de personagens,

cenários, enredos, etc.; c) investigar como esses elementos característicos dos contos de fadas

foram adaptados ao contexto contemporâneo; e d) compreender como essa abordagem

comunica o serviço do anunciante ao público adulto.

Com relação à intertextualidade e à utilização das histórias como argumento do discurso

publicitário, Pinto (1997, p. 142) afirma que a narrativa nos proporciona “uma experiência

que nos reporta à infância e que parcialmente abandonamos com a entrada no mundo adulto”

e que a retomada de histórias familiares ao público serve com estratégia argumentativa, visto

que conquista “um importante horizonte psicológico do público receptor”. Com base nisso, o

presente estudo discorre sobre as prováveis sensações provocadas pela utilização dos contos

de fadas na publicidade a fim de compreender a abordagem de suas simbologias para

comunicar o produto ao público adulto. E, por esse motivo, o estudo interessado na

compreensão dessa relação intertextual torna-se relevante tanto para o meio acadêmico quanto

para o contexto mercadológico da atuação publicitária.

Este estudo é embasado em proposições teóricas sob a forma de duas principais seções:

Relações Intertextuais na Publicidade e Publicidade e Contos de Fadas.

5 O termo narrativa é utilizado, neste estudo, para descrever um texto em que é relatada uma história, real ou

fictícia, que contém personagens representados em determinado tempo e espaço.

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Em Relações Intertextuais na Publicidade, é realizado aprofundamento teórico sobre a

convergência dos diferentes gêneros da linguagem por meio do resgate de intertextos, tendo

como norteadores os conceitos de Fiorin (2003), que discorre sobre os tipos existentes de

intertextualidade: citação, alusão e estilização. Ainda nessa seção, são apresentados conceitos

teóricos de Pinto (1997) a respeito da utilização da intertextualidade como estratégia criativa

para construção do discurso publicitário, justificando a referenciação como ferramenta para

explorar marcas culturas amplamente reconhecidas pelo público.

Já em Publicidade e Contos de Fadas, o estudo aprofunda a investigação teórica sobre a

relação específica entre esses dois tipos de linguagem. Nesse contexto, Bettelheim (1980),

esclarece que a literatura infantil é uma importante ferramenta utilizada no processo de

alfabetização e construção cognitiva, por tratar de forma lúdica temas relacionados a valores

éticos, morais ou relativos a convenções sociais de determinados contextos. Dessa forma, ao

apresentarem-se como facilitadores da absorção de informações relativas a padrões de

comportamento humano, os contos de fadas tomam-se instrumentos para o discurso

publicitário que busca na relação de intertextualidade a referência a signos representativos,

que permanecem no inconsciente dos potenciais consumidores aos quais se destinam as

mensagens. Aqui, também são retomados conceitos de Pinto (1997), que discorre sobre a

utilização de elementos característicos dos contos de fadas na narrativa publicitária,

apontando que essa estratégia tem como objetivo instigar a memória afetiva e despertar

sensação de familiaridade. Nesse contexto, a autora afirma (1997, p. 142) que “a atitude de

distensão própria da predisposição narrativa faz baixar importantes defesas psicológicas”.

Portanto, ao envolver o adulto através da nostalgia infantil, os temas ajudam a persuadir e

modificar comportamentos.

Nesses termos, o presente trabalho apresenta um breve histórico sobre a relação de

intertextualidade entre publicidade e literatura, tornando-se relevante para o cenário

acadêmico, pois oferece embasamento teórico importante sobre o contexto em que se inseriu a

narrativa literária na publicidade e as mudanças na utilização dessa estratégia na forma de

narrar, bem como, investiga e exemplifica o uso dessa estratégia persuasiva na construção do

discurso publicitário.

Vale ressaltar que a opção pelo tema de pesquisa originou-se de uma motivação pessoal

de interesse pelos contos de fadas, bem como pela experiência de já tê-los utilizado como

ferramentas de argumentação e construção de discurso em diversos trabalhos práticos

elaborados durante o curso de graduação em Publicidade e Propaganda no Centro

Universitário Franciscano.

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2 RELAÇÕES INTERTEXTUAIS NA PUBLICIDADE

A intertextualidade diz respeito ao uso de referências na elaboração de novos textos, que

surgem a partir de outros já existentes. Nesse sentido, Koch, Bentes e Cavalcante (2007)

teorizam a partir da perspectiva bakhtiniana6 afirmando que um texto não existe ou é

compreendido isoladamente, ele é uma construção heterogênea do diálogo entre outros textos

já existentes que lhe dão origem e aos quais ele retoma, alude ou se opõe. Nesse contexto,

Bakhtin (1986), citado pelas autoras, afirma que

O texto só ganha vida em contato com outro texto (com contexto). Somente neste

ponto de contato entre textos é que uma luz brilha, iluminando tanto o posterior

como o anterior, juntando dado texto a um diálogo. Enfatizamos que esse contato é

um contato dialógico entre textos... por trás desse contato está um contato de

personalidade e não de coisas (BAKHTIN, 1986, apud KOCH, BENTES,

CAVALCANTE, 2007, p. 9).

A intertextualidade é fruto da relação entre textos, e cada novo texto remete a

fragmentos de outros já produzidos, que fazem parte da memória social ou discursiva, de

acordo com o que postulam Koch, Bentes e Cavalcante (2007). Já Fiorin (2003, p. 30),

discorrendo sobre a obra de Bakhtin, afirma que existem “três processos de intertextualidade:

a citação, a alusão e a estilização”. Nesse contexto, o processo de citação se caracteriza pela

confirmação ou alteração de sentido do texto citado, não interessando aqui citações de textos

não artísticos, que são apresentadas como fonte. Já a alusão se refere ao processo em que não

são mantidos grandes períodos do texto original, mas, segundo Fiorin (2003, p. 31), são

“reproduzidas construções sintáticas em que certas figuras são substituídas por outras, sendo

que todas mantêm relações hiperonímicas7 com o mesmo hiperônimo ou são figurativizações

do mesmo tema”. Por fim, o conceito de estilização contempla a reprodução do conjunto de

procedimentos e estilo do texto original, do plano de expressão ao plano de conteúdo.

Koch, Bentes e Cavalcante (2007, p. 31) afirmam que fontes de intertexto como

“trechos de obras literárias, de músicas populares bem conhecidas ou textos de ampla

divulgação na mídia, bordões [...] provérbios, frases feitas, ditos populares etc. tais textos-

fonte fazem parte da memória coletiva (social) da comunidade” e são facilmente assimilados,

o que justifica sua utilização na construção do discurso publicitário. Nesse contexto, sobre a

intertextualidade e o dialogismo da publicidade, Knoll (2010) afirma que

6 Mikhail Bakhtin foi um intelectual russo, conhecido por sua ampla colaboração para os estudos de linguagem,

literatura, comunicação, antropologia, entre outros. 7 Relação hiperonímica refere-se ao todo composto por seus subconjuntos, por exemplo, frutas e seus tipos

(maçã, banana, etc.).

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O pressuposto é que a publicidade mantém relações dialógicas especialmente com

textos popularmente reconhecíveis, constituindo, assim, mais um elo na cadeia de

comunicação. Os profissionais encarregados da criação [...] empregam materiais

(incluem-se aqui quaisquer recursos semióticos) circulantes, constituintes de

determinada esfera cultural, fazendo da criação publicitária uma prática de

intertextualidade (KNOLL, 2010, p. 1).

Reforçando ainda a importância do reconhecimento do intertexto, que dá origem ao

discurso publicitário, para utilização da intertextualidade como ferramenta eficaz da criação

publicitária, por meio da referenciação, a autora complementa que

A inscrição, no texto publicitário, de outros textos circulantes no meio social e

reconhecíveis por parte de seus leitores-consumidores fornece aos estudos da

linguagem um amplo material para análise, tendo como categoria específica a

intertextualidade, contribuindo para a reflexão sobre uma propriedade fundamental

da linguagem: o dialogismo. Assim, a intertextualidade mostra-se como uma

importante ferramenta criativa, porque dotada da qualidade daquilo que é inventivo,

e criadora, porque constitui uma matriz de inspiração para a criação dos anúncios

(KNOLL, 2010, p. 6).

A utilização de marcas linguísticas tem por objetivo levar o receptor da mensagem

publicitária a resgatar o enunciado original, buscando argumentar a partir dele ou, segundo

Koch, Bentes e Cavalcante (2007, p. 45), “ironizá-lo, ridicularizá-lo, contraditá-lo, adaptá-lo a

novas situações, ou orientá-lo para um outro sentido, diferente do sentido original”. Além

disso, as autoras afirmam que os diferentes gêneros discursivos mantêm relações de

intertextualidade quanto à sua composição, tema ou estilo e permitem ao emissor construir um

modelo cognitivo de contexto por meio da familiaridade com o conteúdo do intertexto.

A relação intertextual na publicidade também é apontada como estratégica por Pinto

(1997, p. 124) ao afirmar que “ao recorrer a este fundo cultural, o emissor não só evidencia a

sua inscrição numa determinada comunidade, confirmando a partilha de segmentos

importantes da memória comum” como também passa a conferir credibilidade à própria

comunicação publicitária. Sobre esse ponto de vista, a autora postula que há muito a

publicidade deixou de comunicar apenas produtos e passou a posicioná-los construindo em

torno deles um universo de significados que atribuem valor a uma linguagem humana, na qual

o próprio público identifica valores intrínsecos ao seu posicionamento social.

Segundo Carvalho (2000, p. 9) “a linguagem publicitária usa recursos estilísticos e

argumentativos da linguagem cotidiana, ela própria voltada para informar e manipular”, ou

seja, ela utiliza determinados traços culturais para convencer o público. Portanto, o discurso

publicitário, ao direcionar a mensagem ao público de interesse, leva em consideração traços

característicos da cultura na qual este está inserido.

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O conceito de cultura é apresentado por Solomon (2002, p. 371) como “a acumulação

de significados, rituais, normas e tradições compartilhadas entre membros de uma

organização [...] é a lente através da qual as pessoas enxergam os produtos”. Por esse ponto de

vista, compreende-se que o resgate de elementos da memória coletiva facilita a argumentação

e o processo de convencimento do consumidor. Além disso, considera-se que

[...] há uma base informativa que, manipulada, serve aos objetivos do emissor. A

diferença está no grau de consciência quanto aos recursos utilizados para o

convencimento e, nesse sentido, a linguagem publicitária se caracteriza pela

utilização racional de tais instrumentos para mudar (ou conservar) a opinião do

público-alvo (CARVALHO, 2000, p. 9).

A publicidade encanta ao mostrar o extraordinário nos assuntos cotidianos e, desta

maneira, segundo Carvalho (2000), torna o produto familiar ao público ao banalizar e ao

mesmo tempo ressaltar o que há de diferencial para torná-lo desejável. Para Carvalho (2000,

p. 12), “publicidade é discurso, linguagem, e portanto, manipula símbolos para fazer

mediação entre objetos e pessoas [...] passando a adotar uma lógica e linguagem próprias, nas

quais a sedução e a persuasão substituem a objetividade informativa”.

Nesse contexto, abordando o fazer publicitário como estratégia de sedução e

encantamento, retoma-se o que é apresentado por Pinto (1997), quando esta considera que a

publicidade se obriga a envolver o consumidor em uma teia de significados simbólicos para se

implementar um produto em um mercado saturado de concorrentes. Sob a perspectiva de que

a linguagem é o objeto de consumo, Baudrillard, citado por Pinto (1997, p. 10), afirma que “a

partir do momento em que a linguagem, em vez de ser veículo de sentido, se carrega de

conotações de pertença e se transforma em léxico de grupo [...] transforma-se em objeto de

consumo e em feitiço”. É a mensagem, portanto, um código de posicionamento social que

comunica de forma afetiva e subliminar.

A partir dessa perspectiva, é possível deduzir que adquirir um bem não significa apenas

investir um valor monetário para usufruir de determinado desempenho de produto ou serviço

com o objetivo de satisfazer necessidades primárias. Mais do que isso, institui-se uma relação

de familiaridade e representatividade entre o emissor e o receptor, por meio da mensagem,

com o objetivo de comercializar não apenas a funcionalidade e os atributos do produto, mas

também os sentimentos e o status inerentes à marca e ao bem em questão.

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3 PUBLICIDADE E CONTOS DE FADAS

As narrativas clássicas europeias que deram origem aos contos de fadas

contemporâneos foram sofrendo adaptações no decorrer do século XIX e, segundo Corso

(2006, p. 16) a sobrevivência desses contos se deve ao “seu poder de simbolizar e ‘resolver’

os conflitos psíquicos inconscientes que ainda dizem respeito às crianças de hoje”. Essas

histórias, que envolvem o imaginário de forma fantasiosa e lúdica, fazem parte da memória

cultural e formam, ainda segundo Corso (2006, p. 16), um acervo comum “através do qual a

humanidade reconhece a si mesma”. Nesse sentido, o autor esclarece que

Frequentar as histórias imaginadas por outros, seja escutando, lendo ou assistindo

[...] ajuda a pensar a nossa existência sob pontos de vistas diferentes. Habitar essas

vidas de fantasia é uma forma de refletir sobre destinos possíveis e cortejá-los com o

nosso. Às vezes, uma história ilustra temores de que padecemos, outras, encarna

ideias e desejos que nutrimos, em certas ocasiões ilumina cantos obscuros do nosso

ser (CORSO, 2006, p. 21).

Sob a ótica da psicanálise, Bettelheim (1980) afirma que à medida que os contos de

fadas foram se tornando mais sofisticados e popularizados, passaram a transmitir significados

manifestos e ocultos, comunicando a todos os níveis da personalidade humana, de modo a

sensibilizar tanto a mente ingênua da criança quanto a do adulto maduro. De acordo com o

autor (1980, p. 14), “aplicando o modelo psicanalítico da personalidade humana, os contos de

fadas transmitem importantes mensagens à mente consciente, à pré-consciente, e à

inconsciente, em qualquer nível que esteja funcionando no momento”. Seria esta relação de

encantamento, portanto, o ponto de interesse da publicidade na intertextualidade e resgate dos

elementos presentes na literatura infantil.

De acordo com o autor, os contos de fadas têm como característica apresentar dilemas

existenciais. Bettelheim (2007, p.16) afirma que “o conto de fadas simplifica todas as

situações” e, portanto, torna a compreensão dos problemas e soluções mais fácil. Para ele, a

moralidade não surge da vitória do bem sobre o mal, mas da dualidade entre maldade e

virtude que é imposta a todos os homens e está presente nas ações dos personagens. Ou seja,

todos os homens têm o bem e o mal disponíveis/acessíveis a eles e a propensão de seguir

qualquer um desses impulsos. Nesse sentido, o autor afirma que “não é o fato de a virtude

vencer no final que promove a moralidade, mas sim o fato de o herói ser extremamente

atraente para a criança, que se identifica com ele em todas as suas lutas”.

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A relação de intertextualidade entre os gêneros – literatura e publicidade – se dá logo no

início da atuação profissional publicitária no Brasil, que teve intensa colaboração de poetas e

escritores literários na elaboração dos primeiros anúncios publicitários. Souza (2011) ressalta

que em meados de 1900 a 1913 os poetas incorporaram rimas à publicidade, buscando

facilitar a memorização do conteúdo dos anúncios publicitários.

Como exemplo da contribuição de escritores na elaboração do discurso publicitário no

início do século XX, Souza (2011) aponta a criação de Monteiro Lobato como um salto

evolutivo na argumentação com apelo lúdico na publicidade. Segundo ela, Lobato redigiu um

livreto intitulado “Jeca Tatuzinho”, como retribuição ao amigo dono do Laboratório Fontoura,

que lhe indicara seu Biotônico. O livreto contava a saga de um pobre caboclo doente que

utilizou o produto para curar-se da fraqueza crônica. Esse seria, portanto, uma das primeiras

peças publicitárias redigidas sob a forma de história de ficção literária. Souza (2011, p. 3)

afirma ainda que “a criação de personagens e histórias de apelo emocional junto ao público é

uma prática que podemos verificar desde as raízes da publicidade no Brasil, caracterizando,

assim, uma área de interface entre a publicidade e a literatura”.

Ao afirmar que “o conto de fadas convence pelo apelo que exerce sobre a nossa

imaginação e pela consumação atraente dos acontecimentos, que nos seduz”, Battelheim

(1980, p. 49), refere-se à capacidade que esses contos têm de influenciar e sensibilizar

crianças e adultos atuando na dimensão inconsciente, determinante do comportamento,

estimulando a imaginação. Para ele, quando o material inconsciente, provocado pela

familiaridade da mensagem, tem permissão de vir à tona, pode ser utilizado a serviço de

propósitos positivos. Assim sendo, o uso dos contos de fadas na publicidade atual se justifica

pela busca de reconhecimento que permite ao receptor absorver e identificar a mensagem.

Camilotto e Juchem (2012, p. 2) explicam que “utilizar histórias infantis é uma

estratégia que colabora no envolvimento do leitor, fazendo com que ele se sinta atraído por

algo familiar, podendo, desta forma, se aproximar dele e convencê-lo a mudar de atitude”. Os

autores apontam que a publicidade utiliza textos reconhecidos pelo público, como piadas,

poemas e clichês, com o objetivo de despertar “a atenção do leitor, uma vez que elas já fazem

parte do universo do mesmo, através do conhecimento de mundo compartilhado,

possibilitando a ele uma maior assimilação da mensagem”.

Sendo assim, as peças publicitárias utilizam o apelo lúdico das histórias infantis para

provocar sensações de familiaridade, pertencimento e nostalgia, instigando e encantando

também o público adulto. Sob essa perspectiva, Coelho (2013, p. 111) afirma que a criação

publicitária utiliza recursos imagéticos que fazem referência à fantasia preservada no

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inconsciente do consumidor como forma de atrair sua atenção e, para isso, “nada mais

fantástico e agradável do que aqueles contos maravilhosos de nossa infância, contados ao pé

da cama ou no colo de nossos ascendentes: os contos de fadas”.

Pinto (1997, p. 191) afirma que somos atraídos a partir da invocação lúdica e que “o

prazer é uma dimensão reactiva importantíssima, porque nos é inevitável gostarmos daquilo

que nos deleita”. A partir disso, é possível concluir que os contos de fadas adaptados à

publicidade são ferramentas que levam o receptor da mensagem a submergir em um mundo

fantasioso e encantado, que retoma sensações familiares e prazerosas da infância, levando-o a

se identificar com os valores da empresa ou produto para estimular a ação de compra.

4 METODOLOGIA

Este artigo resulta de uma pesquisa de natureza qualitativa que, de acordo com Michel

(2009), é aquela que discute, correlaciona e interpreta situações à luz do contexto, do tempo e

dos fatos. Sobre a pesquisa qualitativa, Michel (2009, p. 37) afirma que “a verdade não se

comprova numérica ou estatisticamente, mas convence na forma da experimentação empírica,

a partir da análise feita de forma detalhada, abrangente, consistente e coerente, assim como na

argumentação lógica das ideias”.

O método utilizado é o de análise crítica do discurso, cujo processo, segundo Caregnato

(2006, p. 681), “tem a pretensão de interrogar os sentidos estabelecidos em diversas formas de

produção, que podem ser verbais e não verbais, bastando que sua materialidade produza

sentidos para interpretação”. Assim, busca-se compreender, por meio da interpretação, a

construção de sentido não apenas no que está explícito no enunciado, mas também do que é

enunciável e simbólico.

Discorrendo sobre os conceitos-chave de Bakhtin, Brait (2006) afirma que, embora o

autor não tenha formalizado uma teoria de análise do discurso, sua obra tem expressiva

representatividade, colaborando para os estudos da linguagem. Nesse sentido, a autora aponta

também que, segundo a perspectiva de Bakhtin, a linguagem não pode ser analisada

dissociada da língua, linguagens, história e sujeitos com os quais se relaciona.

Bakhtin (2002), citado por Brait (2006, p. 10), afirma que o discurso é “a língua em sua

integridade concreta e viva e não a língua como objeto específico da linguística”. Ou seja, o

termo discurso é considerado pelo autor a linguagem em uso, portanto é preciso analisar o

discurso não se restringindo apenas à linguística, mas também em suas relações intertextuais e

dentro de contexto, avaliando enunciado, linguagem, entonação e relações semânticas.

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Brait (2006, p. 24) afirma que uma característica da análise dialógica do discurso é “não

aplicar conceitos a fim de compreender um discurso, mas deixar que os discursos revelem sua

forma de produzir sentido”. Portanto para compreender a produção de conhecimento é

necessário primeiro compreender o conhecimento que levou à produção. Neste estudo, o

anteposto se dá através da comparação entre texto e intertexto, buscando analisar a construção

de sentido em peças publicitárias audiovisuais que apresentam como referência narrativas dos

contos de fadas, veiculadas na campanha “Contos de Fada” do anunciante SKY TV.

O universo da pesquisa compreende três produções audiovisuais veiculadas pelo

anunciante SKY TV, no ano de 2016, na campanha “Contos de Fada”. A campanha aborda a

temática dos contos de fadas, fazendo uma releitura dessas histórias e inserindo o serviço -

TV paga – no contexto da narrativa audiovisual. O slogan da campanha é a frase “Do pós ao

pré-pago, uma escolha feliz” que faz referência aos finais felizes dos contos infantis.

Foram selecionados, como objeto empírico deste estudo, três audiovisuais da campanha,

que abordam as histórias mais populares. Os audiovisuais foram veiculados em canais de

televisão aberta e fechada e são intitulados “Bela Adormecida”, “A Bruxa” e “A Fada”, eles

relacionam-se, respectivamente, com os contos originais “A Bela Adormecida”, “Branca de

Neve” e “Chapeuzinho Vermelho”. Tendo em vista a necessidade de comparação entre os

esses contos e as narrativas adaptadas por SKY TV, fez-se necessária a apresentação dos

contos que serviram de tema aos audiovisuais que compreendem a análise deste estudo.

Segundo Corso (2006), as narrativas Chapeuzinho Vermelho e A Bela Adormecida

tiveram sua origem com o conto oral na Europa do século XVII. Posteriormente, o escritor

francês Charles Perrault compilou os contos do folclore da época em sua obra “Histórias ou

Contos do tempo passado, com moralidade”, esse registro tinha como objetivo inserir as

histórias em um novo contexto literário, onde eram utilizadas como ferramentas para educar

as crianças. Ambos os contos foram apresentados, dois séculos depois, em 1812, na obra dos

Irmãos Grimm, que, segundo Machado (2010), intitulava-se “Contos da infância e do lar”.

Na obra dos Grimm, os dois contos tiveram a narrativa adaptada e novos personagens

inseridos ao enredo, como, por exemplo, o Caçador em Chapeuzinho Vermelho. Nessa obra

também surgiu o conto Branca de Neve, que, segundo Corso (2006) se popularizou após a

adaptação cinematográfica dos Estúdios Disney, em 1937.

Para viabilizar a análise comparativa entre os contos originais e suas respectivas

adaptações audiovisuais por SKY TV, foi feita uma contextualização dessas histórias pela

perspectiva dos Irmãos Grimm. A opção por esses autores se justifica pela abrangência da

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obra, que compreende todos os contos objetos deste estudo, e também por seu

reconhecimento, visto que são as versões mais populares atualmente.

4.1 A BELA ADORMECIDA

O conto dos Grimm inicia com o dilema do casal real que desejava ter um filho, porém,

não conseguia. Um dia, a Rainha tem seu desejo concedido por uma rã. Tempos depois,

contente com o nascimento da filha, o rei preparou um banquete para comemorar e convidou,

além de toda a corte, feiticeiras para que concedessem dádivas à princesa. Ao final da

comemoração, as feiticeiras concederam dádivas mágicas à princesa, como virtude, beleza e

fortuna. Uma feiticeira, que não havia sido convidada, vai ao castelo em busca de vingança e

lança um feitiço dizendo que, ao completar quinze anos, a princesa espetaria o dedo em um

fuso – roca de fiar – e morreria. Outra feiticeira, que ainda não havia concedido sua dádiva,

embora não pudesse desfazer o feitiço, tentou abrandá-lo dizendo que ao invés de morrer a

princesa dormiria por cem anos. Com medo de que a maldição se concretizasse, o rei mandou

recolher e queimar todos os fusos do castelo.

No dia em que a princesa completou quinze anos, o rei e a rainha ausentaram-se do

castelo e ela pôs-se a vagar pelos cômodos até encontrar um quarto onde uma velha fiava

linho em seu fuso. A princesa então espetou o dedo e caiu em sono profundo e, junto dela,

todo o reino adormeceu, enquanto em volta do castelo uma cerca viva de urzes começou a

crescer. A lenda espalhou-se pelos reinos e a princesa adormecida ficou conhecida como Rosa

de Urze. Toda vez que alguém tentava se aproximar do castelo era envolto pela cerca e tinha

uma morte horrível. Quando a maldição completava cem anos, um príncipe viajou até o

castelo para resgatar a bela princesa. Quando a encontrou, aproximou-se e a beijou, a princesa

despertou, assim como o restante do reino, eles casaram e viveram felizes.

Com relação à sua moralidade, o conto da princesa adormecida, segundo Corso (2006),

simboliza a representação do mal necessário, que na época em que foi escrito referia-se ao

aflorar da sexualidade feminina com a menstruação, representada pelo sangue derramado no

contato com o fuso. Nesse sentido, a história trata do mal inevitável, que são as diferentes

fases da vida de uma pessoa, como necessário para renovar a vida e encontrar os propósitos da

existência. Pela perspectiva de Bettelheim (2007), o conto também trata da necessidade de

alertar o leitor sobre o perigo da curiosidade, ao apresentar que, embora os pais tenham feito

tudo para proteger a filha, ao ceder a um impulso curioso coisas ruins podem acontecer.

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4.2 BRANCA DE NEVE

Segundo Corso (2006), a narrativa conhecida hoje como A Branca de Neve e os Sete

Anões – adaptação cinematográfica produzida pelos Estúdios Disney – teve origem na obra

dos Irmãos Grimm, em 1812, com o conto Branca de Neve. A narrativa dos Grimm conta que,

enquanto costurava, a rainha espetou o dedo com a agulha, e gotas de sangue caíram sobre a

neve branca. Observando a beleza daquele momento, a rainha desejou ter um bebê branco

como a neve, vermelho como o sangue e com os cabelos negros como a moldura da janela.

Durante o parto, a rainha faleceu e a menina foi chamada de Branca de Neve.

Tempos depois da morte da rainha, o rei se casou com uma mulher belíssima, porém

muito vaidosa e arrogante. A madrasta de Branca de Neve tinha um espelho mágico e sempre

perguntava a ele se existia mulher mais bela. A resposta era sempre não, pois ela era a mais

bela de todas as mulheres. Com o passar dos anos, Branca de Neve foi ficando mais bonita e,

um dia, ao questionar o espelho, a rainha ouviu que Branca de Neve era a mais bela de todas.

A madrasta, com raiva, decidiu se vingar e ordenou a um caçador que levasse a menina

até a floresta e trouxesse provas de sua morte. O caçador ficou com pena de matá-la e ordenou

que fugisse para o mais longe possível. No lugar da menina, o caçador levou partes de um

animal. Branca de Neve correu por horas na floresta até deparar-se com uma pequena casinha,

nela entrou e encontrou comida em pratinhos sobre a mesa, comeu e adormeceu. Os donos da

casa eram sete anões. Quando Branca de neve acordou, contou-lhes o que havia acontecido e,

comovidos com sua bondade e pureza, decidiram que ela poderia ficar morando em sua casa.

A princesa viveu tranquilamente com os anões até que um dia, ao questionar o espelho,

a madrasta descobriu que Branca de Neve estava viva e decidiu ir pessoalmente dar um fim na

princesa. Por duas vezes, a rainha falhou em sua tentativa de matar Branca de Neve, pois os

anões chegaram a tempo de salvá-la. Na terceira tentativa, a madrasta fantasiou-se de

vendedora de maçãs e levou a ela uma maçã envenenada. Branca de Neve então aceitou a

maçã e, ao dar uma mordida, caiu morta no chão. Os anões encontraram Branca de Neve, mas

nada a fazia despertar. Eles a colocaram em um caixão de vidro no topo de uma montanha.

Um príncipe que passava pelo local viu a bela moça e ficou encantado e pediu que pudesse

levá-la ao seu reino, onde estaria protegida como sua amada. No caminho, os criados que

carregavam o caixão tropeçaram e o balanço fez com que o pedaço da maçã envenenada, que

estava trancado em sua garganta, fosse expelido.

Branca de Neve despertou de seu sono profundo e encantou-se pelo príncipe. Eles

deslocaram-se ao reino e planejaram o casamento, para o qual convidaram também a madrasta

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má. Ao chegar até a festa, a madrasta reconheceu Branca de Neve e ficou sem reação, porém

um castigo lhe aguardava. Ela teve de calçar sapatos de ferro em brasa e dançar até a morte.

A vingança de Branca de Neve não está presente na adaptação da Disney, e também o

despertar da princesa é romantizado; nesta adaptação, ela acorda com um beijo de amor dado

pelo príncipe. A história se assemelha em muitos aspectos com o conto A Bela Adormecida,

pois em ambos as princesas caem em sono profundo e, neste estado de passividade, seduzem

seus amados. Porém, na história de Branca de Neve, a moralidade encontra-se no ensinamento

de que se relacionar com estranhos pode trazer perigos.

Outra forma de compreender estes dilemas morais é apresentada por Bettelheim (2007)

ao apontar o narcisismo como causador dos problemas enfrentados pelas personagens, o autor

afirma (2006, p. 281) que “o narcisismo de Branca de Neve quase a destrói quando ela cede

por duas vezes às seduções da rainha camuflada para fazê-la parecer mais bela, enquanto que

a rainha é destruída por seu próprio narcisismo”.

É possível concluir que o ensinamento moral abrange o pressuposto de que a inveja é

um sentimento ruim, que apresenta consequências destrutivas, e a bondade e a ingenuidade

atraem simpatia, como representam os sete anões ao abrigarem e protegerem Branca de Neve.

4.3 CHAPEUZINHO VERMELHO

A primeira versão escrita ao conto, segundo Corso (2006), foi a de Perrault, em 1697, e

essa não termina com um final feliz. Quase dois séculos depois, os irmãos Grimm registraram

a sua versão do conto, inserindo novos personagens e modificando o desfecho da história. A

história começa falando sobre a personagem principal, uma menina adorável que morava em

uma aldeia, ela era conhecida como Chapeuzinho Vermelho, pois sempre usava um capuz

vermelho feito por sua avó. Um dia a avó de Chapeuzinho adoeceu e sua mãe pediu que ela

levasse uma cesta com comida e bebida, orientou também que não desviasse o caminho.

Chapeuzinho seguiu pela floresta em direção à casa de sua avó e, no caminho,

encontrou um lobo. O lobo perguntou a ela para onde estava indo e o que levava na cesta.

Ingênua, a menina respondeu que levava a cesta para a casa da avó que morava próximo dali,

debaixo de três carvalhos. O lobo, com más intenções, sugeriu que chapeuzinho levasse flores

do campo para a avó. Enquanto ela colhia as flores, o lobo correu para chegar até a casa de

avó antes de Chapeuzinho. Ao chegar ao local, o lobo bateu na porta e, afinando a voz, disse

que era Chapeuzinho. A senhora mandou-lhe entrar e no mesmo momento o lobo a devorou

inteira, depois vestiu-se com suas roupas e deitou na cama.

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Quando Chapeuzinho Vermelho chegou à casa da avó deparou-se com o lobo, mas não

o reconheceu. Ficou desconfiada da aparência da avó e questionou sobre suas grandes orelhas,

olhos e boca. O lobo devorou a menina e depois, saciado, resolveu dormir. Um caçador que

passava por perto ouviu seu ronco e resolveu ver se havia algum problema com a velha. Ao

ver que era o lobo que estava deitado, o qual já procurava há algum tempo, suspeitou que ele

pudesse ter comido a vovozinha e então com uma tesoura abriu sua barriga, salvando as duas.

Chapeuzinho colocou pedras na barriga do lobo, que tentou levantar, mas acabou morrendo.

Ao final da história a menina diz: “Nunca se desvie do caminho e nunca entre na mata quando

sua mãe proibir”. Esse final resume a moralidade da história, onde a lição de que é preciso

sempre obedecer seu responsável e não se deve falar com estranhos fica explícita.

4.4 CATEGORIAS DE ANÁLISE

A análise do discurso proposta por este estudo realizou uma comparação entre os contos

originais, descritos anteriormente, e as respectivas peças publicitárias audiovisuais,

produzidas pelo anunciante SKY TV na campanha “Contos de Fada”, aos quais serviram de

temática. A proposta foi avaliar quais elementos foram mantidos, adaptados ou serviram de

inspiração para a narrativa audiovisual que constrói seu discurso.

Para criar critérios de avaliação, buscou-se compreender, primeiramente, quais os

elementos são essenciais para a produção de um audiovisual em termos de roteiro. Roteiro é,

segundo Field (2001, p. 2), “como um substantivo – é sobre uma pessoa, ou pessoas, num

lugar, ou lugares, vivendo sua ‘coisa’. Todos os roteiros cumprem essa premissa básica. A

pessoa é o personagem, e viver sua coisa é a ação” (grifos do autor). Os elementos da estória e

recursos da narrativa audiovisual podem ser compreendidos, de acordo com Campos (2011,

p.97) como “os personagens e suas ações, os incidentes que eles geram ou vivenciam, as

situações que os reúnem, os lugares pelos quais transitam, os objetos, os sons emitidos [...] as

cenas em que tudo é mostrado, os fios de estória que isso tudo traça”.

O objetivo do estudo não foi analisar tecnicamente os audiovisuais, em termos de

produção, direção de arte, fotografia e montagem. O foco de interesse restringiu-se ao enredo,

para identificar quais elementos da narrativa de SKY TV resgatam o valor simbólico e a

memória afetiva dos contos de fadas. Portanto, foram analisados de acordo com as seguintes

categorias, apresentadas na obra de Campos (2011) como constituintes de roteiro para

produções de natureza audiovisual:

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a) personagem: pessoa ficcional que representa pessoas e conceitos, somam-se aqui

seu perfil físico, psicológico e sua função dentro da estória;

b) cenário: locais pelos quais transitam os personagens;

c) fio da história: percurso que um incidente, ou uma sucessão deles, provoca dentro

da história, aqui chamaremos de enredo;

d) problema dramático: incidente que motiva a ação principal;

e) ação: ações dos personagens para alcançar um objetivo que motivam uma reação;

f) situação-limite: momento em que a tensão atinge seu grau mais elevado,

chamaremos de clímax;

g) tempo e progressão: tempo que a estória leva para ser narrada e como ocorre seu

desenvolvimento e progressão;

h) final feliz: chamaremos de desfecho o que o autor considera como o fim que

termina bem para o herói.

Além das categorias estipuladas com base nos elementos de um roteiro para

audiovisual, propostos por Campos (2011), fez-se necessário acrescentar o item moralidade –

aqui compreendida como “moral da história”, ou seja, o ensinamento sugerido por cada conto

– visto que é um elemento constituinte da narrativa literária e está evidente nos três contos aos

quais as produções audiovisuais de SKY fazem referência.

Por fim, foram avaliados, com base nos resultados comparativos, quais os tipos de

intertextualidade estão presentes no discurso publicitário de SKY TV, que tem inspiração nos

contos de fadas, e como os elementos das narrativas originais foram adaptados ao contexto

atual para comunicar o serviço ao público adulto. Como apresentado na seção teórica 2, tais

classificações da intertextualidade, propostas por Fiorin (2003), com base em Bakhtin,

serviram como categorias teóricas, a saber: citação, alusão e estilização.

Foram, portanto, um total de 128 categorias analíticas às quais foram submetidos cada

um dos três audiovisuais, dessas, 8 elaboradas a partir do conceito de roteiro de Campos

(2011) e 3 elaboradas a partir da concepção teórica dos autores Bakhtin e Fiorin (2003) a

respeito do conceito de intertextualidade, além de uma categoria adicional proposta a partir da

observação referente à presença da moralidade como elemento comum a todos os contos

analisados. Para esclarecer o processo metodológico aplicado neste estudo, o Quadro 1

organiza e identifica as categorias comparativas que servem como base para a análise.

8 No decorrer do estudo, houve a necessidade de agrupar duas categorias no mesmo quadro descritivo –

Problema dramático e Ação -, também três delas foram desconsideradas no quadro comparativo, por se

mostrarem irrelevantes ao foco do trabalho, não apresentando quantidade significativa de elementos nas três

produções audiovisuais, são elas: Clímax, Tempo e progressão e Desfecho.

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Quadro 1 – Categorias de análise comparativa

Categoria Conto literário Adaptação por SKY TV

1. Personagens

2. Cenários

3. Enredo

4. Problema Dramático

5. Ação Agrupada à categoria 4.

6. Clímax Irrelevante para o estudo.

7. Tempo e Progressão Irrelevante para o estudo.

8. Desfecho Irrelevante para o estudo.

9. Moral

10. Citação

11. Alusão

12. Estilização

Fonte: a autora.

Com base nessas categorias analíticas, foi feita a análise comparativa entre os contos

originais dos Grimm “A Bela Adormecida”, “Branca de Neve” e “Chapeuzinho Vermelho” e

as respectivas produções audiovisuais inspiradas nessas narrativas, que compõem a campanha

“Contos de Fada” do anunciante SKY TV.

5 ANÁLISE

Optou-se por descrever e analisar os três audiovisuais em separado e, depois, construir

uma síntese analítica com os principais pontos comuns entre as três adaptações para melhor

organizar o conteúdo, como exposto a seguir.

5.1 A BELA ADORMECIDA

O audiovisual tem duração de 15 segundos e se passa em um cenário que aparenta ser a

torre de um castelo; uma grande sala com estética medieval, castiçais, janelas ornamentadas e,

fora de contexto, uma televisão. A narrativa de SKY começa com Bela Adormecida tentando

acordar o Príncipe, que repousa em uma “caixa” de madeira no centro da sala. Em seguida,

outra personagem aparece em cena; a mulher loira, usando vestido vermelho longo e joias,

interpretada por Gisele Bündchen, modelo brasileira reconhecida internacionalmente e garota

propaganda de SKY TV. Ela se aproxima com passos firmes e diz à Bela: “– Ué! A bela

adormecida não é você?”. Bela responde: “– Pois é! Ele assinou uma TV na promoção e

depois de três meses o preço subiu. Aí chegou a conta e ele óh!”. Ao final da fala, ela faz um

gesto indicando desmaio. Com uma expressão de pena, Gisele explana: “– Óh dó!”.

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O audiovisual encerra com uma cena ilustrada, em que aparecem os três porquinhos

fugindo de um dragão ao redor de uma bandeirola onde está a marca e os contatos da

empresa. A cena, no estilo animação, ambienta a locução em off de voz masculina: “SKY não

é promoção, é preço. Ligue 40041111. Do pós ao pré-pago, uma escolha feliz”.

Em sua narrativa, SKY abre mão de vários personagens do conto literário, resgatando

apenas o Príncipe e Bela Adormecida do conto dos Grimm. Aliado a isso, ainda insere uma

nova personagem em sua narrativa, vale ressaltar aqui que essa personagem está presente em

outras produções audiovisuais da mesma campanha, inclusive na que é analisada

posteriormente. Esta terceira personagem não tem relação alguma com a história dos Grimm

e, por isso, causa questionamento e estranhamento ao público. Mas de fato ela foi inserida ali

para questionar, afinal, é quem provoca o diálogo também à Bela, levando-a a explicar o

contexto da narrativa. Outros elementos causam estranheza e podem ter provocado a

curiosidade do público, como o Príncipe adormecido, a televisão em meio ao cenário

medieval tradicional dos contos de fadas e o papel que o príncipe desmaiado segura, elemento

que posteriormente compreendemos ter provocado seu estado desvanecido: um boleto.

O problema dramático na adaptação de SKY, fator que motiva a ação dos personagens,

é o fato de o príncipe ter contratado o serviço de TV fechada de uma empresa não confiável,

desencadeando uma sucessão de acontecimentos: seu desmaio, o estranhamento do público, o

diálogo entre as personagens e a argumentação que leva a narrativa a criar uma imagem

positiva e confiável do serviço de SKY.

Nesta produção, SKY se apropria do ensinamento moral dos Grimm, reescrevendo-o

com a finalidade de adaptá-lo ao seu contexto e colocar seu produto como solução dos

problemas enfrentados pelos personagens. Enquanto o conto literário é um alerta sobre o

perigo da curiosidade, ao apresentar que, embora os pais tenham feito de tudo para proteger a

filha, ao buscar pelo perigo no impulso curioso coisas ruins podem acontecer. A adaptação de

SKY alerta sobre o perigo de aderir a uma assinatura de TV com uma empresa não confiável

(na promoção), pois depois de um tempo o preço aumenta e é um choque para o consumidor;

mas SKY tem o preço baixo de verdade, não haverá “surpresa” na conta, e é a melhor escolha

independente do serviço contratado (pós ou pré-pago). A moral de SKY é uma evidente

adaptação do ensinamento da narrativa literária. Curiosos por curiosos, Bela e Príncipe caem

em sono profundo em consequência de sua ingenuidade, mas sempre existirá um beijo de

amor ou um serviço confiável e apaixonante para quebrar a maldição.

É possível identificar, nesta produção audiovisual, a existência dos três tipos de

intertextualidade: citação, alusão e estilização. Ocorre citação, tanto em elementos verbais

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quanto visuais, inclusive ao nomear a personagem como “Bela Adormecida”, pois retoma o

título do conto dos Irmãos Grimm. Neste caso, a citação também está evidente ao repetirem-

se elementos visuais em algumas cenas, como o personagem que está adormecido na torre,

enquanto outro personagem pertencente à realeza, nesse caso a princesa, tenta acordá-lo. SKY

faz alusão ao motivo de o personagem principal ter adormecido: no conto literário, a princesa

adormece quando cede ao impulso da curiosidade e espeta o dedo no fuso concretizando a

maldição da feiticeira, enquanto que, na narrativa de SKY, o príncipe adormece após receber

a conta de uma TV na promoção, que assinou por impulso, e ficar assustado com valor.

Com relação à estilização, a narrativa de SKY reproduz elementos característicos da

linguagem do gênero literário, em específico dos contos de fadas, apresentando referências

visuais à ambientação das histórias da época - torres de castelos, príncipes e princesas,

estética medieval, encerramento com moralidade -, e fazendo inclusive uma menção ao que

seria o “Final Feliz”, tradicional nos contos de fadas, através do slogan “Do pós ao pré-pago,

uma escolha feliz”.

5.2 A BRUXA

O audiovisual de 30 segundos, inspirado no conto “Branca de Neve”, é iniciado com a

contextualização do cenário do conto: mostra uma velha bruxa andando na floresta em direção

a uma casa com estética semelhante à de um castelo, com três andares e pequenas “torres”. A

bruxa vai até a janela da cozinha, onde está uma moça com características da realeza,

interpretada por Gisele Bündchen (aparentemente é o mesmo personagem que aparece no

audiovisual A Bela Adormecida, inclusive como mesmo figurino). A cozinha, ambiente onde

ocorre a maior parte da cena, possui mesas e cadeiras de madeira, copos, pratos e outros

utensílios, incluindo uma geladeira e batedeira.

A Bruxa se debruça na janela da cozinha e explana: “– Oi mocinha! Quer um combo

de TV por assinatura?”. A princesa larga um prato sobre a mesa, vira o rosto em direção à

janela e acena dizendo: “– Obrigada, eu tenho SKY”. A bruxa argumenta sobre o serviço. “–

Mas esse aqui tem internet”. Então a princesa contra-argumenta: “– Que é lenta e vive

caindo”. A bruxa insiste dizendo: “– E tem telefone fixo!”. A princesa volta a recusar. “– Que

é caro e ninguém usa. Obrigada”. Em seguida, fecha a janela com força, encerrando a

conversa. Do lado de fora da casa, a Bruxa se transforma em um homem que, irritado, tira seu

chapéu e esbraveja: “– Droga! Vou ter que voltar a vender maça”.

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Na assinatura, que assim como no audiovisual A Bela Adormecida apresenta uma

ilustração dos três porquinhos interagindo com um dragão, a locução em off encerra: “Fuja do

combo que você não usa. Ligue 40041111. Do pós ao pré-pago, uma escolha feliz”. Ao final,

a garota propaganda, Gisele Bündchen, descaracterizada reforça o slogan da marca: “– SKY,

você na frente sempre!”.

A narrativa de SKY, diferente do conto de fadas, apresenta apenas dois personagens,

sendo um deles (a Bruxa) inspirado na história dos Grimm e outro completamente diferente

do conto em que se propõe adaptar. A personagem principal da história, Branca de Neve, nem

é branca como a neve, nem tem os cabelos negros como a moldura da janela e nem os lábios

vermelhos como sangue, ao contrário, é loira e com a pele bronzeada. Também não é ingênua

como a princesa descrita pelos Grimm, ela é firme em seus passos, atitudes e argumentos

durante a toda a narrativa. SKY apresenta apenas um fragmento bastante específico do conto

literário, a sedução da Bruxa para convencer a princesa a aceitar seus produtos. Na narrativa

de SKY, o produto é um combo de TV por assinatura ao invés de pentes e maçãs

envenenados, porém ele ainda carrega uma “maldição”, neste caso, ser dispensável e sem

qualidade.

Na narrativa dos Grimm, o problema dramático é a revelação que o espelho faz à

Madrasta má, dizendo que Branca de Neve é a mais bela do reino; esse é o acontecimento que

motiva a ação dos personagens e a evolução da história. Na narrativa de SKY, seu fator

impulsionador de atitudes também é seu principal argumento de vendas. Nesse caso, o fato de

a Bruxa insistir na venda de um combo de TV por assinatura é o que motiva a contra-

argumentação da princesa, mostrando que, assim como a maçã da história dos Grimm, a

oferta é nociva/prejudicial a quem compra. Mas, nesse caso, a princesa é firme ao recusar e,

desta maneira, motiva a revelação da Bruxa em um ardiloso vendedor disfarçado.

Quanto à moralidade, o conto literário permite dois vieses de interpretação: primeiro

alerta sobre o perigo de se relacionar com estranhos, cedendo ao impulso da curiosidade e

aceitando ofertas maldosas mascaradas de generosidade; mas também traz à tona as

consequências de sentimentos demasiadamente individualistas, como o narcisismo, ao

mostrar que esse é, no conto dos Grimm, a maldição de praticamente todos os personagens,

desde a vilã até a mocinha. O ensinamento de SKY se relaciona com o primeiro viés de

moralidade dos Grimm, ele está claro na fala da princesa e na assinatura do audiovisual,

argumentando que aceitar propostas de combos de TV por assinatura, com serviços de má

qualidade ou que são dispensáveis ao dia a dia, é uma “armadilha” e devemos fugir destes

serviços que não usamos. Afinal, SKY oferece o serviço adequado à sua necessidade, em um

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plano individual, sem obrigá-lo a contratar produtos complementares e desnecessários, é a

melhor escolha para um “final feliz”.

Também ocorrem, nesta produção audiovisual, os três tipos de intertextualidade. A

citação é discreta e bastante pontual: quando transporta do conto literário o personagem

disfarçado de “velha vendedora” que oferece à “mocinha da história” serviços dispensáveis

com a finalidade de enganá-la, e, quando retoma o elemento da maçã, um dos principais

símbolos da história referenciada.

A alusão acontece primeiramente no trecho em que contextualiza o cenário, fazendo

referência à casa dos anões onde a princesa buscou refúgio no conto literário, fugindo da fúria

da madrasta. No entanto não há pequenez no ambiente, diferente do que conta a história dos

Grimm, pelo contrário, todos os elementos de cena têm um tamanho normal e não adequado à

estatura de anões (que supostamente deveriam habitar a casa). Os elementos “vilão

disfarçado”, a maçã e a própria escolha do disfarce de velha bruxa também aludem a

elementos importantes do conto dos Grimm. A moral também sofre releitura para servir de

argumento ao discurso de venda do anunciante, como citado anteriormente.

A estilização se faz presente ao resgatar elementos da linguagem literária, como a

moralidade e os personagens que comumente são reproduzidos nos contos infantis como os

principais: bruxa (retratada como vilã na maioria dos contos) e a bela princesa prendada e

encantadora (mocinha das histórias).

5.3 A FADA

A produção audiovisual inspirada no conto “Chapeuzinho Vermelho”, que tem duração

de 15 segundos, inicia com uma menina, vestida com capuz vermelho, assistindo à televisão

em uma sala aconchegante com móveis e piso de madeira; ao seu lado está uma cesta com o

que parecem ser um pote de biscoitos e uma fruta. Enquanto a menina assiste desenho

animado, de costas para a câmera, e manuseia o controle remoto, surge em cena uma fada. A

Fada voa em direção à câmera e posiciona-se em frente a ela, ficando a menina e o cenário

como planos de fundo desfocados. Em evidência, a Fada, apoiada pela entrada de um lettering

em uma bandeirola vermelha, argumenta sobre o serviço de SKY. A fada, dialogando

diretamente com o público, diz: “– Quer ver seus filhos calminhos assim? Compre SKY pré-

pago; por doze de trinta e cinco e noventa o equipamento é seu e já vem carregado com um

ano de canais SKY”.

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A fada voa para fora da sala e o audiovisual encerra com uma cena ilustrada, estilo

animação, de um cenário noturno, com um castelo no topo de uma montanha. Um lettering

aparece em tela com os contatos do anunciante, e o audiovisual finaliza com uma voz em off

dizendo: “Ligue 40041111. SKY, do pós ao pré-pago, uma escolha feliz”.

Existe um grande distanciamento da produção de SKY com o conto o que se propõe

adaptar, o que pode causar certa confusão por parte do espectador. Não se repetem cenários,

nem vilões, nem atitudes dos principais personagens do conto literário. Ainda se insere na

história uma personagem completamente estranha ao contexto original, sendo a única a se

comunicar com o espectador. Não fosse o capuz vermelho e a cesta de comidas, a proposta de

SKY poderia não ser compreendida pelos espectadores.

A floresta perigosa e o lobo assustador dão lugar a uma aconchegante casa de madeira,

onde a menina se distai, não com propostas maldosas, mas com desenhos animados

divertidos. Aí está o ponto de virada: SKY reescreveu a história desde o princípio, mudou o

destino da criança, não a expôs aos perigos desnecessários e a manteve segura, no conforto do

lar. Onde está o lobo pouco importa; Chapeuzinho seguirá os conselhos da mãe, pois dentro

de casa também é possível explorar o mundo.

Na narrativa literária, o fato de Chapeuzinho andar sozinha pela floresta e contar ao

lobo sobre o seu destino é o que desencadeia uma sucessão de ações deste personagem em

relação a ela e à avó. É o que motiva o lobo a distrair Chapeuzinho e correr para a casa da

avó, devorando-a e vestindo suas roupas para enganar a menina. Já no caso de SKY, de

acordo com o que percebemos do discurso da Fada, o fato de a “família” ter comprado SKY

foi o que resultou na permanência da menina em casa.

Quanto à moralidade, os Grimm dão voz a Chapeuzinho para que ela própria ensine o

que aprendeu: “nunca se desvie do caminho e nunca entre na mata quando sua mãe proibir”; o

ensinamento é sobre obedecer aos pais e nunca conversar com estranhos. Na adaptação de

SKY, a moral se resume em: se você, consumidor, deseja seus filhos calminhos e protegidos

em casa, compre SKY. A moral é uma argumentação sobre SKY ser a melhor opção de

entretenimento para as crianças, mantendo-as seguras em casa, longe dos perigos do mundo.

Afinal, quem não quer ver os “filhos calminhos assim”?

A intertextualidade do tipo citação acontece exclusivamente de forma visual, através da

incorporação de elementos, como a cesta de comidas e a menina de capuz vermelho. SKY

alude ao conto literário resgatando elementos citados anteriormente e remetendo ao contexto

da narrativa em que se inspira, porém, modificando a história. Enquanto no conto a menina

está exposta aos perigos da floresta e acaba caindo nas garras do lobo, na narrativa de SKY

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tudo acaba bem, pois SKY prende o interesse das crianças e faz com que fiquem em casa.

Mais uma vez, SKY empresta dos contos infantis seus personagens e seu característico

encerramento com moralidade. Estão presentes a fada, a floresta e o castelo em forma de

ilustração e um personagem popularmente reconhecido por seu figurino, Chapeuzinho

Vermelho.

5.4 SÍNTESE ANALÍTICA

Como se observou nas análises individuais dos contos, os títulos Bela Adormecida,

Branca de Neve e Chapeuzinho Vermelho emprestaram sua simpatia e moralidade para que

SKY criasse novos enredos e finais felizes a seus personagens. As três narrativas adaptadas

por SKY têm em comum o uso da curiosidade como chamariz para prender o interesse e a

atenção dos consumidores. Ao se deparar com o Belo Adormecido, a Bruxa que vende

combos de TV por assinatura e a Chapeuzinho Vermelho que assiste desenho animado ao

invés de encarar o lobo mau, o espectador busca explicações no discurso de SKY, que

apresenta novos enredos a partir de um produto planejado para entreter e divertir.

Embora tenha aberto mão de muitos elementos dos contos originais, SKY consegue

preservar elementos-chave que são popularmente conhecidos para endossar sua proposta,

como a menina do capuz vermelho, a bruxa que se revela vendedor de maçãs e o personagem

da realeza que cai em sono profundo devido a uma maldição. Com traços de humor e

encantamento, SKY faz mais do que resgatar personagens e figurinos, ela coloca, em cada

uma das histórias um protagonista que questiona ou argumenta a favor do seu serviço de TV a

cabo: Gisele entra em cena no momento de intimidade afetiva do casal adormecido e, em

outra narrativa, toma o lugar da princesa branca como a neve e de cabelos negros, mesmo

sendo loira e de pele bronzeada; a fada que invade a história de Chapeuzinho vermelho

também não é descuido. Os personagens curiosos, aparentemente fora de contexto,

representam SKY, são sua voz e argumentam sobre os benefícios do serviço, mudando

completamente o rumo das histórias, embora os finais dessas sejam preservados “felizes”.

SKY explora todos os tipos de intertextualidade, fundindo linguagem publicitária e

literária para construir discursos e sentidos. Cita, verbal e visualmente, personagens, objetos e

cenários. Alude, transformando protagonistas e modificando seu ensinamento moral. Estiliza

retomando estereótipos de vilões e mocinhos e mantendo a estrutura do “felizes para sempre”.

Nesse contexto, o encerramento ilustrado, que acompanha a locução de assinatura, não tem

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relação com a narrativa que é apresentada; ele serve na verdade para reforçar a temática e a

linguagem lúdica e fantasiosa dos contos de fadas, sendo considerado elemento de estilização.

Estas produções audiovisuais fazem adequado uso de elementos reconhecíveis dos

contos originais. Muito mais do que evocar personagens, SKY se apropria e reinventa os

principais fatores de existência dos contos de fadas: entreter e ensinar. A moralidade é o que

dá à SKY argumento para o protagonismo do serviço em sua narrativa. Os heróis não são os

príncipes e caçadores, são o serviço que o anunciante vende. As narrativas trazem

ensinamentos em seu discurso, que remetem à moral dos contos referidos: não seja impulsivo

ou curioso, TVs na promoção são uma armadilha; não compre combos caros, sem qualidade e

dispensáveis; contrate SKY para manter as crianças entretidas em casa, longe dos perigos da

“floresta”.

Em suma, SKY é participante ativa de suas histórias, provoca curiosidade ao reinventar

o universo dos contos infantis, traz uma abordagem bem-humorada e lúdica em sua narrativa

e insere personagens que a representam, defendem e ensinam que seu serviço é a solução para

um final feliz.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da contextualização teórica sobre o uso da intertextualidade na publicidade, em

específico com relação aos contos de fadas, e por meio da análise da campanha “Contos de

Fada” criada pelo anunciante SKY TV, pode-se identificar as diferentes formas de emprego

de intertextos para a criação do discurso publicitário.

Sendo o apelo criativo lúdico afetivamente sedutor e simbolicamente atemporal, é

justificável o interesse da publicidade em resgatar dos contos de fadas seus personagens e

enredos mais populares. Não se trata de transportar a história através do tempo, das gerações

humanas, simplesmente, mas adaptá-la ao contexto contemporâneo, seja por meio da emoção,

do humor ou da argumentação articulada, como fez o anunciante SKT TV. Na campanha

“Contos de Fada”, SKY buscou nos contos originais elementos que pudessem ser resgatados e

incorporados ao seu contexto mercadológico, com o objetivo de criar para os seus serviços

uma imagem positiva e, ainda que fantástica, coerente e, portanto, credível.

SKY resgatou diversos elementos, verbais e visuais, dos contos A Bela Adormecida,

Branca de Neve e Chapeuzinho Vermelho, explorando os três tipos de intertextualidade

propostos por Fiorin (2003): citação, alusão e estilização. Modificou a narrativa literária,

abrindo mão de alguns personagens e características peculiares para dar lugar a novos

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protagonistas, que não fazem parte dos contos referenciados, mas são colocados em cena, de

forma inusitada, para provocar questionamento e curiosidade, conduzindo a narrativa para um

desfecho onde SKY é a solução. Nas narrativas de SKY, a moralidade é o principal ponto de

argumentação; os ensinamentos que se originam da história são inspirados pela moral dos

contos originais, porém, são adaptados para alertar sobre questões a respeito de serviços de

TV por assinatura.

Assim, ao findar da investigação, conclui-se que o interesse da publicidade em

incorporar elementos característicos das histórias infantis se dá pelo fato desses apresentarem

forte apelo emocional para consumidores das mais variadas idades, tendo esses conservado o

prazer pelo universo lúdico e hiperfantástico desde a infância. Portanto, o resgate de

personagens, histórias, ensinamentos e contextos característicos dos contos infantis evoca

sensações que estão preservadas na memória coletiva social e também individual. E por

provocarem sentimentos de nostalgia e pertencimento, as relações de intertextualidade entre

publicidade e contos de fadas podem ser utilizadas como pontes entre a mensagem do

anunciante e o desejo do consumidor, buscando a empatia do público e a construção de uma

imagem familiar e positiva da marca.

Nesse contexto, este estudo pode servir de referência para futuras pesquisas sobre o

tema ou mesmo de reflexão aos estudantes e profissionais de criação publicitária, tendo

reunido reflexões a respeito de elementos essenciais para a produção de um roteiro

audiovisual, tipos de intertextualidade e a influência da temática criativa dos contos de fadas

na publicidade. Ou seja, por fim, o trabalho colabora para a compreensão de estratégias de

construção de discurso, investigando como intertextualidade pode ser utilizada como

ferramenta de criação publicitária.

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APÊNDICE A

Quadro 2 – Comparação entre o conto literário e a produção audiovisual de SKY: A Bela Adormecida (15”)

Categoria Conto Literário Adaptação por SKY TV

1. Personagens

Rei – Rainha – Rã – feiticeiras –

Feiticeira má – velha do fuso -

Princesa (bela adormecida/Rosa de

Urze) – Príncipe.

Não são citadas características físicas

dos personagens. A única menção à

sua aparência é referente à “beleza”

da princesa, mas nenhuma

especificação é feita, o que possibilita

cada leitor imaginar os personagens

de uma forma singular.

Na adaptação de SKY, existem apenas 3

personagens na narrativa, são eles: a Bela

Adormecida, o Príncipe e uma terceira

personagem que aparentemente não possui

nenhuma relação com o conto dos Grimm.

Bela é uma moça jovem, de pele clara e

cabelo ruivo. Usa um vestido xadrez em

tons de vermelho e preto, um laço

vermelho no cabelo com franja e uma

espécie de gargantilha. Ela tem postura

aparentemente ingênua e delicada.

O príncipe é um homem de cabelos

castanhos e roupa preta. Está “dormindo”

durante toda a narrativa então não

identificamos muitas características da sua

personalidade, somente através da fala dos

outros personagens.

A terceira personagem, interpretada por

Gisele Bündchen, modelo brasileira

reconhecida internacionalmente e garota

propaganda de SKY, usa um vestido

vermelho vibrante sem alças, cabelo loiro

longo solto e joias, como colar e bracelete.

Esta personagem tem presença marcante,

passos firmes e aparenta ser da realeza.

Vale ressaltar que ela também aparece em

outros audiovisuais que compõem a

campanha, inclusive com o mesmo

figurino.

2. Cenários

A história literária se passa toda no

castelo, onde os personagens

exploram diferentes cômodos, mas

não ficam evidentes muitos detalhes

sobre o cenário em si. É possível

identificar os seguintes ambientes:

Castelo, Banheiro e área externa do

castelo. Alguns objetos, situações e

características que são citados têm

relevância para a história: banquete

com pratos de ouro, fuso no qual a

princesa espeta o dedo, cerca viva de

urzes que cresce ao redor do castelo e

afasta os “salvadores” da princesa.

A narrativa de SKY se desenvolve em uma

única cena, em uma grande sala com pouca

iluminação e três enormes janelas

adornadas que dão a sensação de estar na

torre de um castelo. No centro da sala

existe uma espécie de “caixa” de madeira

com almofadas, sobre a qual repousa o

Príncipe. Na sala estão um biombo,

castiçais com velas acesas, uma mesa

redonda com cadeiras e uma mesa de apoio

onde está a televisão (objeto que destoa de

todo o restante do cenário no estilo

medieval). Um detalhe muito importante,

que à primeira vista não é percebido, é que

o príncipe adormecido segura o que parece

ser um papel (no decorrer na narrativa

podemos interpretar que provavelmente

seja um boleto/conta).

3. Enredo Descrito no item 4.1 deste trabalho.

Bela adormecida tenta acordar o Príncipe

que repousa em uma caixa de madeira no

centro da sala, a personagem de Gisele

entra em cena e questiona. – Ué! A bela

adormecida não é você? – Bela responde: –

Pois é! Ele assinou uma TV na promoção e

depois de três meses o preço subiu. Aí

chegou a conta e ele óh! – Ao final da fala

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ela faz um gesto indicando desmaio.

Com uma expressão de pena Gisele

explana. – Óh dó!

O audiovisual encerra com uma assinatura

ilustrada, em que aparecem os três

porquinhos fugindo de um dragão

interagindo ao redor de uma bandeirola

onde aparecem a marca e os contatos da

empresa (aparentemente esta cena dos três

porquinhos não tem relação com o restante

do audiovisual, mas sim com a

ambientação da campanha). A cena

ambienta a narração de voz masculina. –

SKY não é promoção, é preço. Ligue 4004

1111. Do pós ao pré-pago, uma escolha

feliz.

4. Problema

Dramático e

ações que

origina

Na narrativa literária, o problema

dramático que motiva a ação

principal é o feitiço que é lançado na

princesa, fruto da inveja da feiticeira

que não foi convidada para a

comemoração. Toda a narrativa se

desenrola em torno do feitiço que

provoca ação dos personagens, desde

a tentativa de impedir que se

concretize até a ação dos

“salvadores” que tentam quebrar a

maldição.

O problema dramático na adaptação de

SKY é o fato de o príncipe ter contratado

assinatura de TV a cabo de uma empresa

não confiável. A partir disso se desenrola

toda a ação, diálogo e argumentação dos

personagens.

5. Moral

O conto é um alerta sobre o perigo da

curiosidade, ao apresentar que,

embora os pais tenham feito de tudo

para proteger a filha, ao buscar pelo

perigo no impulso curioso coisas

ruins podem acontecer. Também trata

do mal necessário para que possamos

evoluir e compreender nossa

existência.

A narrativa de SKY alerta sobre o perigo

de aderir a uma assinatura de TV com uma

empresa não confiável (na promoção), pois

depois de um tempo o preço aumenta e é

um choque para o consumidor. Mas SKY

tem o preço baixo de verdade, não haverá

“surpresa” na conta e é a melhor escolha

independente do serviço contratado (pós ou

pré-pago).

6. Citação

A narrativa de SKY apresenta intertextualidade na forma de citação, tanto em

elementos verbais quanto visuais, inclusive ao nomear a personagem “Bela

Adormecida”, que retoma o título do conto literário. Neste caso, a citação também

ocorre ao repetirem-se elementos visuais em algumas cenas, como o personagem

que está adormecido na torre, enquanto outro personagem pertencente à realeza,

nesse caso a princesa, tenta acordá-lo.

7. Alusão

Durante toda a narrativa, SKY alude ao conto dos Grimm, mudando o contexto da

história e adaptando o discurso dos personagens para vender seu serviço (TV paga).

Faz alusão ao motivo de o personagem principal ter adormecido: no conto

referenciado a princesa adormece quando cede ao impulso da curiosidade e espeta o

dedo no fuso concretizando a maldição da feiticeira, enquanto que na narrativa de

SKY o príncipe adormece após assinar uma TV na promoção por impulso e ficar

em choque quando a conta chega.

8. Estilização

Em termos de estilização, ocorre na a narrativa de SKY a reprodução de elementos

característicos da linguagem do gênero literário, em específico dos contos de fadas.

SKY apresenta referências visuais à ambientação das histórias da época, como

torres de castelos, príncipes e princesas, estética “medieval”, encerramento com

moralidade (ensinamento que se tira da narrativa), fazendo, inclusive, uma menção

ao que seria o “Final Feliz” reforçado pelo slogan da campanha e tradicional nos

contos de fadas.

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APÊNDICE B

Quadro 3 – Comparação entre o conto literário e a produção audiovisual de SKY: Branca de Neve (30”)

Categoria Conto Literário Adaptação por SKY TV

1. Personagens

No conto, a narrativa apresenta

diversos personagens. Primeiro a

rainha que sonhava com o bebê

perfeito como o inverno, depois a

princesa desejada chamada Branca de

Neve, o Rei, a Madrasta, o espelho

mágico, o caçador, os sete anões, o

príncipe e seus criados. A única

personagem retratada em detalhes é

Branca de Neve, inclusive sua

idealização é o ponto inicial da

história e sua beleza é o que provoca

a ação dos personagens. A princesa

de pele branca como a neve, cabelos

negros como a moldura da janela e

boca vermelha como o sangue é

encantadora e seduz ingenuamente

todos à sua volta, o que causa revolta

à madrasta.

Na adaptação de SKY, existem apenas dois

personagens protagonistas da história, são

eles: A “princesa”, que neste caso não é

branca como a neve e nem possui cabelos

negros. A protagonista de SKY,

interpretada pela modelo e garota

propaganda da marca, Gisele Bündchen,

não apresenta nenhuma característica do

conto, pelo contrário, esta é loira e com a

pele bronzeada. Também não é ingênua

como a princesa descrita pelos Irmãos

Grimm, é firme em seus passos, atitudes e

argumentos durante a narrativa.

O outro personagem é a “bruxa” que tem o

cabelo grisalho, um nariz grande com uma

enorme verruga e usa vestido e capuz

pretos. Ela instiga a princesa com uma

oferta suspeita (combo de TV por

assinatura) e, assim como no conto

literário, tem o objetivo de enganar a

princesa. Por fim, a bruxa se revela um

vendedor disfarçado, com terno, chapéu,

pasta e postura irritada por não conseguir

convencer a princesa.

2. Cenários

A narrativa literária se desenrola em

diversos cenários, começando no

castelo, à beira da janela e com à

neve que cai durante o inverno, onde

a rainha costura e idealiza seu bebê.

Depois apresenta o castelo, a floresta

onde ocorre a fuga da princesa e a

casa dos sete anões, onde a princesa

se refugia com medo da madrasta.

Ainda cita a montanha onde o corpo

da princesa fica exposto no caixão de

vidro e o reino do príncipe encantado.

Na narrativa de SKY, são apresentados

apenas dois cenários:

Área externa da casa: exibe uma visão mais

ampla da casa, apresentando-a em meio à

floresta repleta de árvores e cogumelos. A

casa tem a estética semelhante à de um

castelo, com três andares e pequenas

“torres”.

Cozinha: ambiente onde ocorre a maior

parte da cena, possui mesas e cadeiras de

madeira, copos, pratos e outros utensílios

de cozinha, incluindo uma geladeira e

batedeira.

3. Enredo Descrito no item 4.2 deste trabalho.

A narrativa de SKY começa com a “bruxa”

se aproximando da casa, ela se debruça na

janela da cozinha e explana – Oi mocinha!

Quer um combo de TV por assinatura? – A

“princesa”, que preparava algo na cozinha,

larga um prato sobre a mesa, vira o rosto

em direção à janela e acena dizendo: –

Obrigada, eu tenho SKY. – A bruxa

argumenta sobre o serviço – Mas esse aqui

tem internet. – Então a princesa contra-

argumenta: – Que é lenta e vive caindo. –

A bruxa insiste: – E tem telefone fixo!

– Que é caro e ninguém usa. Obrigada. –

Responde novamente desinteressada. Em

seguida, fecha a janela com força,

encerrando a conversa.

Do lado de fora da casa, a Bruxa se

transforma em um homem, que irritado tira

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seu chapéu e esbraveja:

– Droga! Vou ter que voltar a vender maça.

Na assinatura, que assim como no

audiovisual A Bela Adormecida apresenta

uma ilustração dos três porquinhos

interagindo com um dragão, a locução em

off encerra: – Fuja do combo que você não

usa. Ligue 40041111. Do pós ao pré-pago,

uma escolha feliz.

Ao final a garota propaganda, Gisele

Bündchen, descaracterizada reforça o

slogan da marca. – Sky, você na frente

sempre!

4. Problema

Dramático e

ações que

origina

No conto, o problema que

desencadeia a ação dos personagens é

o fato de o espelho revelar à madrasta

que Branca de Neve é a mulher mais

bela do reino. A partir deste conflito,

a Rainha má persegue a princesa

tentando, de diversas formas, matá-la

para tornar-se novamente a mulher

mais bela do reino. Este também é o

fato que desencadeia a ação dos

demais personagens, como o caçador

e da própria Branca de Neve ao

provocar sua fuga para conhecer

novos personagens.

Na narrativa de SKY, o problema

dramático também é seu ponto de

argumento de vendas. Neste caso, o fato de

a Bruxa insistir na venda de um combo de

TV por assinatura é o que motiva a contra-

argumentação da princesa, mostrando que,

assim como a maçã da história dos Grimm,

a oferta é nociva/prejudicial a quem

compra. Mas, nesse caso, a princesa é

firme ao recusar e, desta maneira, motiva a

revelação da Bruxa em um ardiloso

vendedor disfarçado.

5. Moral

O conto literário permite dois vieses

de interpretação: primeiro alerta

sobre o perigo de se relacionar com

estranhos, cedendo ao impulso da

curiosidade e aceitando ofertas

maldosas mascaradas de

generosidade. Também traz à tona as

consequências de sentimentos

demasiadamente individualistas,

como o narcisismo, ao mostrar que

esse é, na história, a maldição de

praticamente todos os personagens,

desde a vilã até a mocinha.

Na narrativa de SKY, o ensinamento

encontra-se explícito na fala da princesa e

na assinatura do audiovisual, pois ambos

reforçam que aceitar propostas de combos

de TV por assinatura, com serviços de má

qualidade ou que são dispensáveis ao dia a

dia, é uma “armadilha” e devemos fugir

destes combos que não usamos. Afinal,

SKY oferece o serviço adequado à sua

necessidade, em um plano individual, sem

obrigá-lo a contratar serviços

complementares e desnecessários, é a

melhor escolha para um “final feliz”.

6. Citação

A intertextualidade do tipo citação está presente na narrativa de SKY, porém de

forma discreta e bastante pontual. Ela ocorre em um momento muito específico:

quando transporta do conto literário o personagem disfarçado de “velha vendedora”

que oferece à “mocinha” da história serviços dispensáveis com a finalidade de

enganá-la. Retoma, em seguida, a figura da maçã, um dos elementos principais da

história referenciada.

7. Alusão

A narrativa de SKY inicia com a contextualização do cenário, revelando uma casa

com estética medieval em meio a floresta com muitos pássaros cantando. Esse

trecho faz referência à casa dos anões onde a princesa buscou refúgio no conto de

fada, fugindo da fúria da madrasta. No entanto, não há pequenez no ambiente,

diferente do que conta a história dos Grimm, pelo contrário, todos os elementos de

cena têm um tamanho normal e não adequado à estatura dos anões, que

supostamente deveriam habitar a casa. Em outro momento, retoma a figura da

“velha vendedora” que, após uma tentativa frustrada de convencer a “mocinha” a

comprar um combo de TV por assinatura, se revela um vendedor de maçãs

disfarçado. Os elementos “vilão” disfarçado, maçã e a própria escolha do disfarce

de velha “bruxa” aludem a elementos importantes do conto literário.

A moral também é retomada, mas sofre releitura para servir de argumento ao

discurso de venda do anunciante. Enquanto no conto alerta sobre o perigo de aceitar

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propostas de estranhos, na narrativa de SKY utiliza a mesma base de ensinamento

com foco específico no serviço que está sendo vendido. Em ambas as histórias o

produto/serviço carrega a “maldição”, no conto a “morte”, em SKY a falta de

qualidade e utilidade.

8. Estilização

Na adaptação de SKY, a narrativa se apropria de elementos característicos do

gênero literário conto de fadas, como faz ao propor a moralidade (ensinamento que

se tira da história) e os personagens que comumente são reproduzidos nos contos

infantis como os principais: bruxa (retratada como vilã na maioria dos contos) e a

bela princesa prendada e encantadora (mocinha das histórias).

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APÊNDICE C

Quadro 4 – Comparação entre o conto literário e a produção audiovisual de SKY: Chapeuzinho Vermelho (15”)

Categoria Conto Literário Adaptação por SKY TV

1. Personagens

Chapeuzinho Vermelho, menina

adorável e ingênua que protagoniza a

história; Avó adoentada; Mãe

preocupada; Lobo de grandes orelhas,

olhos e boca, que engana e devora

Chapeuzinho e a avó; Caçador que

salva Chapeuzinho e a avó.

Na adaptação de SKY, existem apenas

dois personagens: Chapeuzinho, que

aparece como “plano de fundo” da

história, e a Fada, que argumenta a favor

de SKY.

Chapeuzinho aparentemente é uma

criança, mas não são reveladas

características físicas além do tradicional

capuz vermelho, pois ela aparece sentada

de costas durante toda a narrativa. Já a

Fada, personagem principal no

audiovisual de SKY, não faz parte do

conto literário. Ela é uma mulher loira de

vestido cor de rosa, interpretada pela

cantora Claudia Leite, que dialoga

diretamente com o consumidor e

argumenta sobre os atributos do serviço.

2. Cenários

Ao longo da narrativa dos Grimm, os

personagens interagem em dois

ambientes: a floresta, onde

Chapeuzinho conhece o lobo a

caminho da casa da avó, e a casa da

avó, que fica embaixo de três

carvalhos. Um terceiro lugar é

brevemente mencionado: a aldeia onde

vive chapeuzinho. Mas não existe

detalhamento de nenhum dos

ambientes. Em relação a objetos

importantes para a narrativa, é possível

identificar que o capuz vermelho, a

cesta com comidas, as flores e as

pedras são importantes para a

construção da narrativa.

A narrativa de SKY, acontece

inteiramente em uma sala de estar. O

cenário é uma casa de madeira, com uma

televisão na mesa em frente à lareira

acesa, poltronas e luminárias. Também

estão presentes o capuz vermelho, que

veste a criança que assiste televisão, e a

cesta com um pote e algo que parece ser

uma fruta dentro.

3. Enredo Descrito no item 4.3 deste trabalho.

A narrativa de SKY inicia com uma

menina, vestida com capuz vermelho,

assistindo à televisão em uma sala

aconchegante com móveis e piso de

madeira. Ao seu lado está uma cesta com

o que parecem ser um pote de biscoitos e

uma fruta. A menina, que assiste desenho

animado, de costas para a câmera,

manuseia o controle remoto quando surge

em cena uma fada. A fada voa em

direção à câmera e posiciona-se em frente

a ela, ficando a menina e o cenário como

planos de fundo comum leve desfoque.

Em evidência, a Fada, apoiada pela

entrada de um lettering em uma bandeira

vermelha, argumenta sobre o serviço de

SKY. A fada, dialogando com o público,

diz: - Quer ver seus filhos calminhos

assim? Compre SKY pré-pago; por doze

de trinta e cinco e noventa o equipamento

é seu e já vem carregado com um ano de

canais SKY.

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A fada voa para fora da sala e o

audiovisual encerra com uma assinatura

ilustrada de um cenário noturno, com um

castelo no topo de uma montanha, e a

fada passa voando neste encerramento.

Um lettering aparece em tela com os

contatos do anunciante, e o audiovisual

finaliza com uma voz em off dizendo: -

Ligue 40041111. SKY, do pós ao pré-

pago, uma escolha feliz.

4. Problema

Dramático e

ações que

origina

Na narrativa literária, o fato de

Chapeuzinho andar sozinha pela

floresta e contar ao lobo sobre o seu

destino, é o que desencadeia uma

sucessão de ações deste personagem

em relação a ela e à avó. É o que

motiva o lobo a distrair Chapeuzinho e

correr para a casa da avó, devorando-a

e vestindo suas roupas para enganar a

menina.

Na narrativa de SKY, de acordo com o

que percebemos do discurso da Fada, o

fato de a “família” ter assinado SKY foi o

que resultou na permanência da menina

em casa, longe dos perigos (fazendo uma

analogia com a história referenciada).

Chapeuzinho permaneceu em casa,

assistindo desenho, e nada de ruim

poderia acontecer. Esse é o principal

argumento utilizado no discurso de SKY,

“ter os filhos quietinhos em casa”.

5. Moral

No conto dos Grimm, a moral fica

evidente no encerramento da história,

quando Chapeuzinho afirma: “nunca se

desvie do caminho e nunca entre na

mata quando sua mãe proibir”. É um

ensinamento sobre obedecer aos pais e

nunca conversar com estranhos, pois

coisas ruins podem acontecer.

Na adaptação de SKY, a moral se resume

em: se você quer seus filhos protegidos e

quietinhos em casa, assine SKY. É uma

argumentação sobre SKY ser a melhor

opção de entretenimento para as crianças,

mantendo-as seguras em casa, longe dos

perigos do mundo.

6. Citação A intertextualidade do tipo citação acontece exclusivamente de forma visual,

através dos elementos como a cesta de comidas e a menina de capuz vermelho.

7. Alusão

SKY alude ao conto literário apresentando os elementos citados anteriormente e

remetendo ao contexto dessa narrativa, porém modificando a história. Enquanto no

conto de fadas a menina está exposta aos perigos da floresta e acaba caindo nas

garras do lobo, na narrativa de SKY tudo acaba bem, pois SKY prende o interesse

das crianças e faz com que fiquem em casa.

8. Estilização

Mais uma vez, SKY empresta dos contos infantis seus personagens e seu

característico encerramento com moralidade. Estão presentes a fada, a floresta e o

castelo ilustrados e um personagem popularmente reconhecido por seu figurino,

Chapeuzinho Vermelho.