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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Aline Martins de Almeida “Ver” pelo mundo do toque e “Ouvir” pelo silêncio da palavra: a educação de crianças cegas e surdas no Brasil (1854 1937) DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE SÃO PAULO 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Aline Martins de Almeida

“Ver” pelo mundo do toque e “Ouvir” pelo silêncio da

palavra: a educação de crianças cegas e surdas no Brasil

(1854 – 1937)

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

SÃO PAULO

2018

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Aline Martins de Almeida

“Ver” pelo mundo do toque e “Ouvir” pelo silêncio da

palavra: a educação de crianças cegas e surdas no Brasil

(1854 – 1937)

SÃO PAULO

2018

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de DOUTORA em

Educação: História, Política, Sociedade sob orientação do

Professor Doutor Kazumi Munakata.

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ERRATA

Uso do termo

O termo “linguagem” é utilizado neste trabalho por referir-se à capacidade natural que o

ser humano tem de se comunicar, seja por meio de palavras, gestos, imagens, sons , cores

ou expressões. No referido período de estudo, o termo língua não foi utilizado, devendo

ser substituído por linguagem.

Bibliografia sobre José Álvares de Azevedo (1834-1854)

Patrono da Educação dos cegos no Brasil nascido na cidade do Rio de Janeiro, então

capital do Império, um vulto tem projeção especial por ter sido um pioneiro, missionário

e idealista da Educação dos Cegos no Brasil. De uma família abastada, era filho de

Manuel Álvares de Azevedo, e tendo nascido cego teve especial dedicação por parte dos

seus pais, e desde cedo, despertou mostrou-se de grande vivacidade e inteligência

precoce. Um amigo da família, Dr. Maximiliano Antônio de Lemos, soube que existia,

na França, uma escola para atender a alunos cegos e onde o menino poderia estudar e

após muita relutância, seus pais acabaram aceitando a ideia de enviá-lo à Europa (1844)

para estudar no Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris. Depois de seis anos

ininterruptos, dedicando-se inteiramente aos estudos, e justamente durante um período

em que o invento de Louis Braille estava sendo experimentado, voltou ao Brasil como

um brilhante ex-aluno da escola de Paris (1850), com o propósito de difundir o Sistema

Braille e com o ideal de poder criar uma escola para cegos, semelhante ao Instituto Real

dos Jovens Cegos de Paris. Escreveu e publicou, na imprensa, artigos sobre as

possibilidades e condições de pessoas cegas poderem estudar, sendo ele próprio um

exemplo dessa realidade e tornou-se professor do Sistema Braille para pessoas cegas, no

Brasil, ensinando a ler e a escrever a outras pessoas, tirando-as do analfabetismo. Assim

começou a ensinar a uma moça cega, Adélia Sigaud, filha do Dr. Francisco Xavier

Sigaud, médico francês naturalizado da Corte Imperial, que o levou para uma entrevista

com o Imperador do Brasil, D. Pedro II. A demonstração de como uma pessoa cega podia

escrever e ler correntemente, pelo Sistema Braille, deixou o Imperador interessado e

sensibilizado e imediatamente concordou com a ideia e a proposta de se criar uma escola

para cegos, semelhante à escola de Paris, no Rio de Janeiro, e delegou plenos poderes ao

jovem professor e ao seu médico Dr. Sigaud, para desenvolverem o processo para a

criação dessa escola. Desse ideal resultou na fundação do Imperial Instituto dos Meninos

Cegos, depois Instituto Benjamin Constant (1891) em homenagem ao seu terceiro diretor,

cujo ato de inauguração ocorreu no dia 17 de setembro (1854). Porém para tristeza dos

presentes ao ato da inauguração, o seu idealizador não estava presente, pois morrera seis

meses antes, no dia 17 de março de 1854, vítima de tuberculose, com apenas vinte anos

de idade. No entanto o grande objetivo do jovem idealista tornava-se uma realidade e seu

nome eternizado na mente dos deficientes visuais do Brasil. O Doutor Xavier

Sigaud tornou-se o primeiro diretor do Instituto (1854-1856) e também morreu dois anos

depois. Fonte: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/JoseAAze.html Acesso em

25/02/2018

Referências Bibliográficas

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al_nov_2014/BConst_edEsp2014_final.pdf. Acesso em: Outubro, 2015.

BARROS (sem data), lê-se BARROS (2010).

COSTA (1996), lê-se COSTA (1999).

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Valdemarin, V. T. O legado educacional do século XIX. 2. ed. rev. e ampl. Campinas:

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Banca Examinadora

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Dedico este trabalho para a amiga, companheira e mãe,

Maria Dinalva Martins de Almeida

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AGRADECIMENTO

Agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo

financiamento desta pesquisa.

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AGRADECIMENTOS

Depois de quatro anos, eis que me deparo novamente com o item agradecimentos.

Foram tantas histórias, tantas pessoas importantes que trilharam direta ou indiretamente

este caminho junto a mim e que de uma maneira muito singela, gostaria de agradecer a

todos!

Ao meu orientador, Professor Doutor Kazumi Munakata, gratidão eterna, por toda

a paciência, dedicação, carinho e confiança;

Ao professor José Geraldo Silveira Bueno e Professora Heloisa Helena Rocha

pelos brilhantes apontamentos no exame de qualificação.

À toda a banca, um carinho muito especial: Professora Katya Braghini por inspirar

esta pesquisa; Professora Carla, pela amizade e pela honra de compartilhar desde a

graduação diversos conhecimentos; Professor Helder, pela troca constante de saberes e

ao Professor José Geraldo, que levou-me a refletir sobre as questões de inclusão/ exclusão

escolar numa nova perspectiva.

Aos professores do Programa de Educação: História, Política, Sociedade que

contribuíram para tantos aprendizados, incentivando a lutar pelos nossos ideais.

À Betinha, um ser iluminado em nossas vidas... que sua luz possa continuar a

encantar sempre a todos.

À equipe dos Instituto Nacional de Educação de Surdos e Instituto Benjamin

Constant, em especial, às professoras Solange Rocha, Débora Dpaioni e Maria da Glória

pelo acolhimento, carinho e disponibilidade no atendimento durante a pesquisa. A

presença de vocês deixaram os arquivos históricos com “vida”, fazendo-me encantar com

a educação dos cegos e dos surdos.

À equipe da Fundação Nossa Senhora da Esperança em Castelo de Vide (Portugal)

que disponibilizou todo o seu acervo.

Aos amigos que a vida me deu de presente: Filipa, pelo acolhimento em Portugal,

Aliny, Lais, Milene, Heloisa e Shirley por compartilharem das angústias da vida

acadêmica, à Sirleine, por “cuidar” de mim como uma irmã, aos amigos brasileiros que

conheci em Portugal, pelas viagens e reflexões acadêmicas e aos amigos que conheci nos

momentos mais divertidos: guardo-os no meu coração!

À irmãmiga que a vida me deu de presente, Michelle de Freitas.

À todas as pessoas maravilhosas que conheci no Programa de Estudos Pós

Graduados em Educação: História, Política, Sociedade e que tornaram meus dias da vida

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acadêmica mais prazerosos: Paulo, Wellington, Julia, Fernanda, Aly, Joana, Fernanda,

Paula, Luna, Kelly, Tainã, William, Camila, Andrezza, Neusely, Kris, Tatiana, David,

Izolda, Elis e Maurício.

À toda a minha família (composta por mais de oitenta pessoas), em especial minha

mãe, sinônimos de alicerce de força, amor, companheirismo e fé, que nos momentos mais

difíceis estão presentes, dando-me sustentação para que eu não caísse.

A todos, MUITO OBRIGADA!

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RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar os processos de implantação, apropriação e

adaptação do método intuitivo sobre a escolarização dos alunos cegos e surdos desde o

final da década de cinquenta do século XIX até meados do século XX, realizando uma

contextualização sócio, histórica e cultural da implantação do Instituto Nacional para a

Educação dos Surdos (INES), do Instituto Benjamin Constant (IBC) e dos intelectuais

que lideraram este movimento em âmbito nacional e internacional, localizando estas

instituições dentro de dois momentos e posições políticas: o regime imperial e o

movimento liberal republicano, iniciado no final do século XIX, que elegia a escola como

um local privilegiado para que fosse criado o ideal cidadão. A escola, que visava o

atendimento às normas de controle, vigilância e higiene vigentes na época, era destinada

a formar crianças normais ou anormais sob o signo da modernidade, tecnologia e saberes

médico-pedagógicos-disciplinadores a partir de novos métodos e materiais apresentados

em Congressos e Exposições Internacionais como mecanismo de “concerto das nações”

e instrumento de ciência, cooperação, especialização, ordem, racionalidade e eficiência,

promovendo o alicerce da moral e dos bons costumes dos povos. Destarte, a escolarização

da infância e, sobretudo, dos anormais sensoriais passaram a conceber distintas práticas

pedagógicas: para a educação dos cegos, a aprendizagem da leitura e da escrita por meio

do sistema braille e para os surdos, a aprendizagem da comunicação por meio da

linguagem de sinais ou da oralização. Com distintos sistemas de aquisição da leitura,

escrita e comunicação, o método intuitivo, as lições de coisas e a educação dos sentidos

permearam as práticas, discursos e metodologias de ensino no interior destes institutos, o

que promoveram o objeto e a questão central deste estudo: como educar os sentidos na

ausência de um deles? Para tal resposta, esta pesquisa teve como base a cultura material

escolar, buscando compreender o cotidiano destes institutos por meio de suas linguagens,

métodos e práticas por meio do intermédio de um corpus documental que envolveu

legislações do período, manuais de ensino, compêndios, relatórios de inspeção, atas de

congressos, jornais, livros de matrículas, diários de classe, artefatos de ensino e

fotografias. Com a introdução de novas técnicas, como o uso de laboratórios, o

reconhecimento da sensorialidade, a formação para o trabalho e para a cidadania em prol

de um “homem civilizado e educado”, geraram zonas de grande comunidade aprendente,

extensiva à infância anormal sensorial, proporcionando o primado da Escola por meio de

investimentos pedagógicos específicos – são alguns exemplos da circulação, apropriação,

transnacionalização e internacionalização de ideias presentes neste período.

Palavras – chave: educação dos cegos, educação dos surdos, método intuitivo, educação

dos sentidos.

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ABSTRACT

This study was aimed at analyzing the processes of implementation, appropriation and

adaptation of the intuitive method on the schooling of blind and deaf students from the

late 1850s to the mid-20th century by performing a social, historical and cultural

contextualization of the implementation of the National Institute for the Education of the

Deaf (INES), the Benjamin Constant Institute (IBC) and the intellectuals who led this

movement on a national and international level, locating these institutions within two

political moments and positions: the imperial regime and the liberal republican movement

- begun at the end of the nineteenth century - which elected the school as a privileged

place to create the ideal citizen. The school, intended to meet the current control,

vigilance and hygiene standards at the time, was designed to shape normal or abnormal

children under the sign of modernity, technology and medical-pedagogical-disciplinary

knowledge from new methods and materials presented at Congresses and International

Expositions as a mechanism of "concert of nations" and instrument of science,

cooperation, specialization, order, rationality and efficiency, promoting the foundation of

morality and the good customs of peoples. Thus, children – and above all the impaired -

schooling began to conceive different pedagogical practices: for the education of the

blind, the learning of reading and writing through the Braille system and for the deaf, the

learning of communication through sign language or oralization. With different systems

of reading, writing and communication acquisition, the intuitive method, the lessons of

things and the education of the senses permeated the practices, speeches and teaching

methodologies inside these institutes, which promoted the object and central question of

this study: how to educate the senses in the absence of one of them? For the answer, this

research was based on school material culture, seeking to understand the daily life of these

institutes through their languages, methods and practices collected from a documentary

corpus that involved legislation of the period, textbooks, compendia, inspection reports,

congress minutes, tuition books, class journals, teaching artifacts, and photographs. By

implementing new techniques, such as the use of laboratories, the recognition of

sensoriality, work and citizenship training in favor of a "civilized and educated man",

great learning community areas were generated, extensive to abnormal sensorial

childhood, providing the primacy of the School through specific pedagogical investments

– those are some examples of the circulation, appropriation, transnationalization and

internationalization of ideas present in this period.

Key words: education of the blind, education of the deaf, intuitive method, education of

the senses

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SUMÁRIO

Introdução.......................................................................................................... p.16

Capítulo 1. A Construção Histórica e Social da Infância no século XIX e

meados do século XX........................................................................................

p.34

1.1.Concepção de Infância e de Criança............................................................. p.36

1.2.Os novos papéis do mundo infantil: entre a normalidade e a anormalidade. p.46

1.2.1.A infância no campo da arquitetura e da tensão da sociedade de

classes............................................................................................................

p.48

1.2.2.A infância enquanto universalidade e singularidade............................. p.50

1.2.3.A infância como tempo social............................................................... p.52

1.2.4.A infância enquanto um complexo tutelar............................................ p.54

1.3. A escolarização da infância “anormal” e desvalida....................................... p.57

Capítulo 2. A criação de Institutos para educar cegos e surdos no Império

Brasileiro............................................................................................................

p.67

2.1.A educação no período Imperial.................................................................... p.69

2.2.Imperial Instituto dos Meninos Cegos........................................................... p.78

2.3.Imperial Instituto dos Surdos-Mudos de Ambos os sexos.............................. p.88

Capítulo 3.Internacionalização e Transnacionalização de Ideias para

educar cegos e surdos........................................................................................

p.101

3.1.Educar os sentidos por meio do método intuitivo........................................... p.101

3.2.O ideal médico-higienista de percepta........................................................... p.104

3..3.Exposições e Congressos: impulso para o “Concerto das

Nações”...............................................................................................................

p.108

3.3.1.Os impactos do Congresso de Milão para a educação dos surdos......... p.114

3.4.As práticas de ensino por meio das Lições de Coisas..................................... p.118

3.4.1.A aprendizagem da leitura por meio do toque....................................... p.119

3.4.2.A aprendizagem da palavra por meio do método intuitivo.................... p.120

3.4.3.A aprendizagem da aritmética para os surdos....................................... p.128

3.4.4.O museu escolar no interior do Imperial Instituto de Surdos-Mudos.... p.131

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Capítulo 4. A modernidade pedagógica Republicana e o Conhecimento

Científico............................................................................................................

p.134

4.1.Os Congressos e as Exposições invadem os cotidianos escolares.................. p.136

4.2. Classificar para educar.................................................................................. p.144

4.3.Consolidação de práticas por meio do método intuitivo................................. p.152

4.3.1.Instituto Nacional dos Meninos Cegos................................................. p.153

4.3.2.Instituto Nacional dos Surdos-Mudos.................................................. p.164

4.4.Brasil: modelo para a metrópole?.................................................................. p.170

4.4.1.Ensino da escrita e leitura em braile e escrita comum........................... p.174

4.4.2.Mapas em relevo................................................................................... p.174

4.4.3.Museu tiflológico para o ensino dos cegos............................................ p.175

4.4.4.Animais taxidermizados....................................................................... p.176

4.4.5.Biblioteca em braile.............................................................................. p.187

4.4.6.Jogos..................................................................................................... p.178

Capítulo 5. Novas figuras, novos pensamentos................................................ p.180

5.1.A Escola Nova............................................................................................... p.181

5.2.As reformas no Instituto Benjamin Constant................................................. p.185

5.3.A Pedagogia Emendativa no Instituto Nacional de Surdos-Mudos................ p.188

Considerações finais.......................................................................................... p.194

Referências Bibliográficas................................................................................ p.199

Anexos................................................................................................................ p.210

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABE Associação Brasileira de Educação

APADA-Niterói Associação de Pais e Amigos dos Deficientes da Audição em

Niterói

IBC Instituto Benjamin Constant

INES Instituto Nacional de Educação dos Surdos

PDSE-CAPES Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

SMRJ Sociedade Médica do Rio de Janeiro

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1.Prancha para escrita em braile.............................................................. p.82

Figura 2.Máquina de estereotipia........................................................................ p.83

Figura 3.Constituição do Império do Brasil em Braille (1865)............................ p.83

Figura 4.Constituição do Império do Brasil em Braille (1865)............................ p.83

Figura 5.Alunos do Imperial Instituto de Meninos Cegos................................... p.86

Figura 6.Mappa do pessoal ensinado no Instituto................................................ p.92

Figura 7.Iconographia dos Sinais – Adjetivos morais......................................... p.97

Figura 8.Imperial Instituto dos Meninos Surdos-Mudos de ambos os sexos....... p.98

Figura 9.Livro tábua dos sinais musicais............................................................ p.119

Figura 10.Alfabeto dactilológico......................................................................... p.121

Figura 11.Quadro preto para o ensino da arithmetica para surdos-mudos........... p.129

Figura 12.Árvore Pedagógica de Pizzoli............................................................. p.145

Figura 13.Gabinete Psicoscópico Pizzoli para a educação dos sentidos.............. p.147

Figura 14.Instituto Benjamin Constant............................................................... p.154

Figura 15.Máquina Remington........................................................................... p.155

Figura 16.Reglete de mesa e punção................................................................... p.156

Figura 17.Assinador........................................................................................... p.156

Figura 18.Globo em relevo.................................................................................. p.157

Figura 19.Réplica do mapa animado da América do Sul...................................... p.161

Figura 20.Mapoteca............................................................................................. p.162

Figura 21.Dimensão da Mapoteca....................................................................... p.162

Figura 22.Mapa do Estado do Rio Grande do Sul................................................ p.162

Figura 23.Mapa do Estado da Bahia.................................................................... p.163

Figura 24.Formas Geométricas........................................................................... p.163

Figura 25.Chapa metálica para uso do cubaritmo................................................ p.163

Figura 26.Diário de classe de 1913 da disciplina Linguagem Articulada e

Leitura sobre os lábios.........................................................................................

p.166

Figura 27.Carimbo do departamento de encadernação do Instituto dos Surdos-

Mudos..................................................................................................................

p.167

Figura 28.Aula da disciplina de Linguagem Articulada....................................... p.168

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Figura 29.Aula de datilografia do professor Geraldo Cavalcanti (Década de

30).......................................................................................................................

p.169

Figura 30.Placas de mesa..................................................................................... p.174

Figura 31.Reglete e punção................................................................................. p.174

Figura 32.Mapa em relevo de Portugal................................................................ p.175

Figura 33.Museu Tiflológico para o ensino dos cegos......................................... p.175

Figura 34.Coleções de Aves................................................................................ p.177

Figura 35.Peixe.................................................................................................... p.177

Figura 36.Biblioteca em braile............................................................................. p.178

Figura 37.Jogo: Lição de Coisas.......................................................................... p.179

Figura 38.Jogo: Alfabeto maiúsculo.................................................................... p.179

Figura 39. Jogo: Alfabeto minúsculo................................................................... p.179

Figura 40.Numerais............................................................................................. p.179

Figura 41.Máquina de tecla braile........................................................................ p.185

Figura 42.Vitrines do Museu Benjamin Constant................................................ p.186

Figura 43.Jornal A Noite ilustrada de 01 de setembro de 1936............................ p.191

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LISTA DE QUADROS

Quadro 3.Gestões de Tobias Rabello Leite (Imperial Instituto dos Surdos-

Mudos – 1868-1896) e Joaquim Menezes Vieira (Colégio Menezes Vieira –

1875-1887), no Rio de Janeiro............................................................................

p.113

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E quantas cousas aprendi nos livros que me supriram os sentidos que me faltam e me

ajudavam a franquear o estreito círculo em que parecia estar condenada a viver e me

permitiram participar do movimento e do ruído do mundo exterior”.

Helen Keller.

Vida de uma cega surda-muda in Jornal dos Cegos, 1905.

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Introdução

Mr. Guadet, autor desta obra, começa tratando uma questão,

muitas vezes discutida, mas nunca resolvida: quem foi mais mal

aquinhoado pela natureza? o cégo ou o surdo-mudo? A desgraça

é igual sem duvida, porque, (como me escrevia um surdo mudo,

fallando do cégo) se este me cortou a voz, roubou-te a vista.

(Trecho do Prefácio do Livro O Instituto dos Meninos Cegos de

Paris – Sua história, e seu methodo de ensino por J. GUADET,

1851, p.V)

O que Mr. Guadet questiona no prefácio de sua obra é: qual a pior deficiência que

um sujeito pode ter? Esta interrogação gerou como resposta, no decorrer dos tempos,

práticas ambíguas: ora de eliminação, abandono e segregação de muitos sujeitos, pois

estes não atendiam aos padrões de normalidade e de perfeição exigidos ao longo da

história; ora de filantropia, assistência e criação de institutos especializados para educar,

civilizar e profissionalizar anomalias específicas.

A mesma questão que norteou o pensamento de Guadet, também passou a ser uma

das premissas para as minhas inquietações: por que e para que educar cegos e surdos1 em

períodos históricos em que nem tínhamos escolas para os que não possuíam deficiências?

Como comunicar-se com tais sujeitos? Como ensiná-los se são diferentes deficiências

sensoriais?

De acordo com o periódico português, Jornal dos Cegos nº 07, de maio de 1896,

“O cego nunca deve estar proximo de um surdo-mudo. São dois entes perfeitamente

distinctos, que, pedagogicamente, não podem e nem devem conhecer-se” Essa distinção

passou a ser também uma outra inquietação: como educar as deficiências sensoriais em

ambientes diferentes?

Um século antes do Jornal dos Cegos, no final do século XVIII, com o advendo

da filologia, da pedagogia e da medicina, houve a criação e a institucionalização dos

primeiros espaços específicos para a educação deste público: em 1770 foi fundado pelo

abade Charles Michel L’Épée a primeira instituição especializada para a educação de

surdos-mudos na França. Já para o atendimento aos deficientes da visão, Valentin Haüy

1 Neste estudo, o termo “surdo” se referirá aos deficientes auditivos. O termo “surdo-mudo” será citado

conforme os documentos vigentes ao referido período de estudo. Já o termo “cego” se referirá aos

deficientes visuais.

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fundou o Institute Nationale des Jeunes Aveugles (Instituto Nacional dos Jovens Cegos)

em Paris, no ano de 1784.

Em tais institutos, foram criados diferentes mecanismos de escrita, leitura e

comunicação. Para os cegos, a aprendizagem da leitura e escrita fundamentou-se no

desenvolvimento da função tátil. Para os surdos, criou-se a comunicação por meio da

linguagem de sinais ou da oralização, tendo como fundamento a visão e o tato. Para a

aprendizagem dos demais conhecimentos, contou-se com a adoção de diferentes métodos

para educar os demais sentidos aptos para a aprendizagem. Estes métodos, experiências

e recursos foram criados e circularam por diversos países, inclusive o Brasil.

A despeito da diversidade desses métodos, um procedimento de ensino para

educar tais desafortunados foi eleito no século XIX: o método intuitivo ou lição de coisas,

que valorizava o desenvolvimento dos sentidos como etapa central do desenvolvimento

da aprendizagem dos indivíduos. Essa questão gerou o tema central deste estudo, objeto

desta pesquisa: Como se efetiva a educação dos sentidos na ausência de um deles?

Com tantas inquietações e curiosidades, as hipóteses vieram à tona e eis que nasce

a presente pesquisa. Mas como surgiram estas inquietações de estudo?

Antes de expor as linhas teóricas, fontes documentais e estudos bibliográficos da

pesquisa, vou me permitir discorrer um pouquinho sobre a trajetória desta pesquisadora

professora que vos narra este estudo, que antes era apenas uma professora de educação

infantil e de ensino fundamental das redes públicas de ensino dos municípios de Osasco

e Barueri.

Formada no antigo magistério, licenciada em pedagogia, durante meu exercício

docente, sempre discutíamos sobre os mais distintos assuntos: a melhor maneira de

ensinar, a adoção do melhor método de ensino, os motivos que levam o aluno ao fracasso

escolar, os motivos de não aprendizagem dos educandos, comportamento inadequado,

falta de interesse das crianças e das famílias pelo ambiente escolar, número elevado de

crianças por turma, os motivos que levam a escola a não mudar e a continuar a mesma há

tantos anos.... foram tantas as questões desafiadoras que levaram-me a buscar algumas

respostas no curso de pós graduação.

No início de 2011, dão-se os primeiros passos de uma pesquisadora: ingressei no

curso de mestrado de Educação: História, Política, Sociedade da PUC-SP, tendo em

mente estudar os ritos e rituais da escola de ensino fundamental, identificando e

comparando algumas práticas escolares como formação de filas, cantos, comemoração de

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datas festivas... foram constituindo-se e tornaram-se correntes em diversos tempos e

espaços.

Depois de um semestre de estudos e durante as aulas de anteprojeto fui percebendo

as dificuldades em comparar a escola do século passado com a escola atual, pois, até

então, tinha em mente o julgamento de qual seria a melhor. Com a definição dos

orientadores, adentrei no mundo da história da educação e no projeto de pesquisa “A

educação dos sentidos na escola contemporânea (século XIX – XX): projetos, práticas,

materialidades” sob coordenação e agora meu orientador, o professor Doutor Kazumi

Munakata. Durante as nossas conversas, fomos verificando a inexistência de estudos

históricos voltados ao cotidiano da educação infantil, principalmente, como surgiram as

práticas escolares e os métodos de ensino direcionados a esta fase de escolarização.

Neste período, fui aprendendo os desafios de ser uma pesquisadora na área da

história da educação, um campo até então desconhecido por mim, no qual fui aprendendo

a acessar arquivos e acervos históricos, a manipular documentos, prescrições, materiais...

e depois analisar cada item, principalmente os objetos, sob a perspectiva da cultura

material escolar.

Em 2013, nasce o primeiro “trabalho de pesquisa”, com a conclusão da minha

dissertação de mestrado “Ritos e rituais na escolarização da infância em São Paulo (1896

– 1912)”, na qual pudemos verificar como o método intuitivo ou lições de coisas, com

base na teoria fröebeliana, educou sentidos e sensibilidades no primeiro jardim de infância

público de São Paulo, seguindo modelos internacionais e como estes foram adaptados e

aplicados à realidade educacional brasileira.

A partir dos resultados da dissertação e em conversas com o grupo de pesquisa,

principalmente com o professor Kazumi Munakata e com a professora Katya Braghini,

fomos percebendo que o método intuitivo fez-se presente em diversas modalidades de

ensino em meados do século XIX e início do século XX. Surge aqui a ideia de um segundo

estudo: como se deu o processo de escolarização e as práticas educativas destinadas aos

sujeitos com deficiência visual e auditiva no Brasil, a partir dos princípios da educação

dos sentidos.

As Instituições eleitas para este estudo foram o Instituto Benjamin Constant (IBC)

o Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES). Com histórias centenárias,

localizados no Rio de Janeiro (antiga capital do Império e da República) e por serem os

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primeiros estabelecimentos de ensino direcionados ao público deficiente sensorial,

tornaram-se o objeto e a fonte para o desenvolvimento desta pesquisa.

Encontraram-se diversos documentos que foram dando vida a este estudo, abrindo

não apenas caminhos para compreender o cotidiano destas instituições centenárias, mas

propiciando também, conhecimentos sobre a apropriação e circulação de ideias durante o

referido período de estudo.

Diante do exposto e buscando também dados acerca da internacionalização e

transnacionalização das ideias pedagógicas, em 2016, no Congresso Luso Brasileiro de

História da Educação, realizado na cidade do Porto (Portugal), durante uma mesa de

debates acerca da infância anormal e desvalida, conheci o professor Doutor Helder

Henriques, o qual compartilhou materiais sobre a educação dos cegos em Portugal.

Com esses materiais em mãos e em conversa com meu orientador sobre o interesse

em estudarmos os mesmos públicos, em distintos países; aproveitamos a oportunidade de

complementação e enriquecimento da pesquisa pelo Programa de Doutorado Sanduíche

no Exterior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (PDSE-

CAPES), tendo como orientador externo o professor Helder. Assim, em 2017, na

Universidade de Coimbra, na Fundação Nossa Senhora da Esperança e na Biblioteca

Nacional de Portugal, pudemos localizar e encontrar dados que demonstraram não apenas

a internacionalização e a transnacionalização de ideias e práticas por meio dos Congressos

e Exposições, mas como o Brasil serviu de modelo para a educação dos invisuais em

Portugal.

“Ver” pelo mundo do toque e “ouvir” pelo silêncio da palavra: a educação de

crianças cegas e surdas no período de 1854 a 1937 são os motes pelos quais este trabalho

buscou analisar a organização e o funcionamento destes espaços e escolares que foram

construídos para integrar a malha da iniciativa pública/privada localizada tanto na Corte

Imperial quanto no período Republicano.

A despeito de figurar no processo educacional brasileiro desde meados do século

XIX até o início do século XXI, a educação especial tem sido, com grande frequência,

interpretada como um apêndice indesejável, visto muitas vezes não como uma

modalidade de educação, mas sim, como uma modalidade de serviço assistencial aos

deficientes (Mazzotta, 2005, p.5).

Segundo o Relatório Mundial sobre a Deficiência (2012, p. 4),

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A deficiência é complexa, dinâmica, multidimensional, e questionada.

Nas últimas décadas, o movimento das pessoas com deficiência,

juntamente com inúmeros pesquisadores das ciências sociais e da saúde

têm identificado o papel das barreiras físicas e sociais para a

deficiência. A transição de uma perspectiva individual e médica para

uma perspectiva estrutural e social foi descrita como a mudança de um

“modelo médico” para um “modelo social” no qual as pessoas são vistas

como deficientes pela sociedade e não devido a seus corpos.

Desta forma, a história e a memória da educação especial vem sendo um campo

apagado de estudos, via de regra alvo de abordagens tecnicistas reducionistas ao campo

da especialização que o definem apenas como simples opção de métodos, técnicas e

materiais didáticos diferentes dos usuais.

Segundo Rocha (2009, p.13 e 14)

Acompanhando a produção acadêmica, na área da surdez, dos anos

1990, pude observar o quanto seus conteúdos, relativos à memória

histórica, estavam distantes dessa memória que circula, ainda, pelos

atores institucionais e pelas fontes documentais. As narrativas sobre

esse período, encontradas nessa produção, ora são descritas somente

como o triunfo do oralismo e a proibição da língua de sinais, ora são

descritas como distanciadas dos sentidos da educação geral dos anos

cinquenta no Brasil. Nesse enfoque, a recorrente tensão do campo da

educação dos surdos – protagonizada pelo embate entre os defensores

do ensino através da linguagem oral e os defensores do ensino através

da língua de sinais - tem sido apresentada de modo antitético e

posicionada em defesa do ensino através da língua de sinais.

A rigor, a educação de cegos e surdos, nos últimos séculos, esteve inscrita no

campo da educação especializada, campo este circunscrito à escolarização e à

socialização de sujeitos que apresentam alguma diferença sensorial, física, mental e/ou

algumas dessas diferenças associadas.

Para Bueno (2011, p. 23), da mesma forma, a educação especial tem sido

confinada, praticamente, nessas peculiaridades da população por ela absorvida, reduzindo

sua ação de tal forma que o fundamental se restringiu à adaptação de procedimentos

pedagógicos às dificuldades geradas pela deficiência.

Com isso, a educação especial vem sendo tratada como uma modalidade de ensino

que se caracteriza por um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais

organizados para apoiar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços

educacionais comuns, de modo a garantir a educação formal dos educandos que

apresentem necessidades educacionais muito diferentes da maioria das crianças e jovens.

Tais educandos, também denominados de “excepcionais”, são justamente aqueles que

hoje têm sido chamados de “alunos com necessidades educacionais especiais” e “alunos

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com deficiência”. Entende-se que tais necessidades educacionais especiais decorrem da

defrontação das condições individuais do aluno com as condições gerais da educação

formal que lhe é oferecida.

Essa educação formal, no entanto, foi historicamente constituída:

No século XVIII e primeiro quartel de XIX, a incidência da

racionalidade pedagógica sobre a criança e, de forma muito

particular, sobre os surdos-mudos e os cegos, trouxe novas

oportunidades, em termos de alfabetização e de autonomização

da comunicação. Para uns e outros, foram desenvolvidos métodos

de ensino e linguagens adaptadas que lhes permitiam não só

comunicar entre si mas também com os outros, iniciando, de

forma irreversível, a atenção das comunidades sobre as pessoas

portadoras de deficiências sensoriais. Nesse sentido, muito

contribuiu a ideia de um curso elementar que assentava numa

série de lições sistematizadas, enquanto pilares de uma arte de

ensinar os surdos-mudos e os cegos. (ALVES, 2012, p. 21)

No século XVIII, estava em curso a “regeneração” destes “infelizes”. O

movimento das Luzes trazia o advento de uma modernidade, traduzida por uma

representação transformativa e identitária desta população e por uma busca pedagógica

adequada a estes desígnios.

O ensino dos cegos e dos surdos-mudos emerge sob a inspiração educativa de

famílias ilustres, cujos filhos eram portadores da surdez ou da cegueira e da atenção que

a eles dedicados, materializando-se na demanda de talentosos mestres religiosos que

desenvolviam trabalhos notáveis de investigação no campo educacional.

No decurso do século XIX, esses métodos foram gerando linguagens distintas,

numa combinação entre linguagem e método, fazendo emergir uma pedagogia especial,

levada a efeito em instituições adequadas. Com a introdução de novas técnicas, como o

uso de laboratórios, o reconhecimento da sensorialidade, a formação para o trabalho e

para a cidadania em prol de um “homem civilizado”, geraram zonas de grande

comunidade aprendente, extensiva aos cegos e aos surdos, proporcionando o primado da

Escola por meio de investimentos pedagógicos específicos.

Estes investimentos pedagógicos só foram possíveis de serem aplicados quando o

“clima social”2 apresentou as condições favoráveis e determinadas pessoas, homens ou

mulheres, leigos ou profissionais, portadores de deficiência ou não, despontaram como

2 Para Mazzotta, clima social pode ser entendido como o conjunto de crenças, valores, ideias,

conhecimentos, meios materiais e políticos de uma sociedade em um dado momento histórico.

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líderes na sociedade em que viviam, para sensibilizar, impulsionar, propor, organizar

medidas para o atendimento às pessoas deficientes. Esses líderes, como representantes

dos interesses e das necessidades das pessoas com deficiência, ou com elas identificados,

abriram espaços nas várias áreas da vida social para a construção de conhecimentos e de

alternativas de atuação com vistas à melhoria das condições de vida de tais pessoas.

(Mazzotta, 2005).

No Brasil, remonta a agosto de 1835 a primeira demonstração oficial de interesse

pela educação das pessoas portadoras de deficiências sensoriais, quando o Conselheiro

Cornélio Ferreira França, deputado pela Província da Bahia, apresentou à Assembleia

Geral Legislativa projeto para a criação de uma “Cadeira de Professores de Primeiras

Letras para o Ensino de Cegos e Surdos-Mudos, nas Escolas da Corte e das Capitais das

Províncias”, não aprovado, por ser fim de mandato e seu idealizador não ter sido reeleito

(Reis, 1992, p. 57).

Após 20 anos da tentativa do deputado Cornélio França, o cenário brasileiro

apresentava-se diferente, pois,

Já havia, então, certo crescimento econômico no país, estabilização do

poder imperial, crescente penetração de ideias trazidas principalmente

da França, pela elite que lá ia estudar, e a influência de vultos

considerados “notáveis”, como por exemplo, Luiz Pedreira do Couto

Ferraz (Barão do Bom Retiro), Eusébio de Queiroz, Visconde de

Itaboray (Joaquim José Rodrigues Torres) e outros, que facilitaram

certas conquistas no campo educacional, efetuadas no município do Rio

de Janeiro (JANNUZZI, 2012, p. 9-10)

Desta forma, o ensino para os cegos e para os surdos-mudos emerge sob a

inspiração educativa tanto de famílias ilustres quanto pela divulgação científica e

moderna nas Grandes Exposições Universais que aconteceram em vários países europeus,

como veremos adiante. Este progresso resultou em avanços nas áreas científicas,

comerciais, pedagógicas e artísticas, gerando não apenas novas instrumentalizações, mas

novas concepções sobre crianças e como estas deveriam ser educadas.

Também é histórica a constituição da infância como fase específica da vida.

Segundo Pinto (1997, p. 44),

[...] a infância constitui uma realidade que começa a ganhar contornos

a partir dos séculos XVI e XVII. [...] As mudanças de sensibilidade que

se começam a verificar a partir do Renascimento tendem a deferir a

integração no mundo adulto cada vez mais tarde e, a marcar, com

fronteiras bem definidas, o tempo da infância, progressivamente ligado

ao conceito da aprendizagem e de escolarização. Importa, no entanto,

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sublinhar que se tratou de um movimento extremamente lento,

inicialmente bastante circunscrito às classes mais abastadas.

Deste modo, desmistificar o processo de escolarização da infância deficiente é

uma tarefa que exige perceber o objeto em questão relacionado a uma configuração

histórica particular, a um fenômeno de âmbito mundial em que se produzia um lugar

social (físico) para a forma escolar moderna que se constituía num longo processo em que

se elaborava uma complexa maquinaria escolar diretamente vinculada a um projeto

político de produção, formação e consolidação do Estado Moderno.

Segundo Limeira e Souza (2008, p. 326)

Tal processo, que se afigura um modelo de intervenção na ordem

social, pode ser descrito como um dispositivo inovador, por: a)

separar a infância, agora transformada em aluno, daqueles que são

seus círculos sociais – como a família - , para recolhê-los em um

espaço que contribui para legitimar as novas relações de ensino-

aprendizagem; b) estabelecer um determinado número de horas e

dias do ano, instaurando uma nova medida e emprego do tempo

cotidiano a partir da temporalidade escolar; c) principiar uma

nova relação ordinária das programações a partir da autoridade de

um ou mais professores, que são os novos profissionais

autorizados a lidar com as questões educacionais e sob cuja

responsabilidade fica a seleção e disseminação de saberes

específicos, graduados numa regularidade em que se baseiam

procedimentos minimamente elaborados.

Neste sentido, somado a estes dispositivos operados para legitimar o espaço da

escola como intervenção na ordem social, a forma escolar moderna em composição exigia

estabelecer critérios de seleção – atestado de vacinação, idade, etnia (negro ou branco),

condição social e jurídica (livre ou escravo) – para configurar o público autorizado (e o

desautorizado) a integrar este novo espaço. E entre estes critérios a deficiência se

inscrevia como um atestado de “ineducabilidade”, incapacidade até então.

Partindo deste pressuposto, iniciou-se uma problematização acerca dos elementos

que subtraíam dos sujeitos com deficiência seu estatuto de sociabilidade e que a partir

desse momento, o século XIX, são ressignificados pela sociedade. Assim, encontra-se em

vários documentos do período a “figura da anormalidade” que deveria ser educada e

civilizada em prol da ordem social.

Com isso, espaços seriam criados e constituiriam os melhores corretivos, pois

dariam subsídios às escolas primárias, num curto espaço de tempo, não apenas ao

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tratamento destes infantes em seu desenvolvimento físico e intelectual, mas, na formação

higiênica, pedagógica e didática de crianças atentas e vivazes.

No caso específico das anormalidades sensoriais, por serem consideradas lesões

orgânicas evidentes, a surdez e a cegueira determinavam dificuldades específicas para

aquisição do conhecimento, porém, não foram consideradas impedimentos para a

integração social dentro dos padrões considerados normais (Bueno, 2004). Para tanto, o

processo de escolarização, a aprendizagem do exercício profissional, a constituição de

uma família e a participação no meio social passaram a ser os motes de trabalho nas

instituições especializadas direcionados a este público.

Como já citado, um dos métodos de ensino adotados nestes Institutos foi o

intuitivo, pois favorecia educar os sentidos, ou seja, segundo Gabel3 (1863, p. 3) “em

pedagogia, significa o conhecimento das cousas, pela vista, pelo tato e pelos outros

sentidos”. Portanto, o ensino desses escolares deveria inspirar-se em suas condições

individuais, pois as crianças cegas e surdas-mudas aprendiam do mesmo modo que as

crianças que ouviam e que viam.

Para o alunado surdo-mudo, este método deveria ter como subsídios os trabalhos

manuais, as lições práticas de escrita e leitura, os elementos da língua nacional

(gramática), as noções de religião e dos deveres sociais como o catecismo, geografia,

história do Brasil, História sagrada e profana, aritmética, desenho, escrituração mercantil,

lições de agricultura teórica e prática para os meninos, e trabalhos usuais de agulha para

as meninas, além de outras, como lições de pronúncia, de articulação e de leitura aos

indivíduos em que manifestassem aptidão para semelhantes exercícios.

Para o aluno cego, segundo Guadet4 (1851), traduzido por José Álvares de

Azevedo, as atividades deveriam estar baseadas no conhecimento do alfabeto e em cinco

tipos de leituras distintas que deveriam ocorrer de hora em hora: na primeira, a história

sagrada e de obras apropriadas às idades dos meninos, na segunda, história geral da

Antiguidade, na terceira, história romana, na quarta, história do Brasil e, na quinta,

Literatura; estas leituras deveriam possibilitar a experiência ao conhecimento, da moral,

3 J.J. VALLADE GABEL (1801-1879) foi professor do Instituto dos Jovens Surdos de Paris e publicou

diversas obras com o intuito de apresentar o método de ensino intuitivo aplicado à educação dos surdos-

mudos. Para esta pesquisa, utilizaremos o Compêndio para o ensino dos Surdos-Mudos (1871) e a obra

Método Intuitivo para a Educação de Surdos-Mudos (1875). 4 J. GUADET (1795-1880) foi professor e diretor do Instituto dos meninos cegos de Paris, publicando a

história do próprio Instituto - Sua História e seu Método de Ensino (1851).

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dos trabalhos manuais, da álgebra, da aritmética, da religião, das ciências naturais e da

música, além de prendas domésticas para as meninas.

A criação dos Institutos especializados e a adoção do método intuitivo no período

de 1854 a 1937 adestrou sentidos em prol de formar e conformar um novo homem.

Compreende-se que tal adestramento não é aleatório, o ver, ouvir, cheirar, sentir (tocar)

e degustar não eram vistos como uma educação casual, mas foram, sim, canalizados e

hierarquizados para a configuração das experiências e das sensibilidades requeridas para

a Nação.

Cabe, no entanto, perguntar: se esse método se baseava na intuição pelos sentidos,

ou seja, pelo contato direto com as coisas, sua percepção pela intuição, manipulação e

experimentação, para, então gradativamente, introduzir raciocínios, como seria essa

educação dos sentidos no método intuitivo? Como se dava o ensino do olhar, ouvir,

cheirar e degustar nas práticas pedagógicas? Ainda que as pesquisas afirmem que a escola

conforma o homem, pouco se fala como a educação dos sentidos colaborou para isso. E

menos ainda se fala como se deu a aplicação desse método nas escolas.

A bibliografia especificamente ligada à gênese da inclusão e a possibilidade de

sua relação com o estabelecimento do sistema de ensino institucional é, no entanto, ainda

escassa. No campo da história da surdez e da referida instituição de ensino sob os nossos

estudos, podemos citar os trabalhos de Maria Aparecida Leite Soares, com a defesa de

sua tese na Universidade Estadual de Campinas em 1996 intitulada O oralismo como

método pedagógico: Contribuição ao estudo da História da Educação; Solange Maria

da Rocha, com a defesa de sua tese na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

em 2009 intitulada Antíteses, díades, dicotomias no jogo entre memória e apagamento

presentes nas narrativas da história da educação de surdos um olhar para o Instituto

Nacional de Educação de Surdos; Pedro Henrique Witchs, com a defesa de sua

dissertação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos em 2014 intitulada A Educação

de Surdos no Estado Novo: práticas que constituem uma brasilidade surda; Radai

Cleria Felipe, com a defesa de sua dissertação na Universidade Estadual de Mato Grosso

do Sul em 2015 intitulada O silêncio eloquente: a gênese do Imperial Instituto de

surdosmudos no século XIX (1856- 1896) e; Maria Cristina Viana Laguna, com a defesa

de sua dissertação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2015 intitulada

Moralidade, Idoneidade e Convivência: discursos sobre as práticas dos repetidores

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de classe do INES no período de 1855 a 1910 que incidem na atuação profissional

dos tradutores – intérpretes de língua de sinais da atualidade.

Já no campo da história da cegueira e sobre o atual Instituto Benjamin Constant,

podemos citar os trabalhos de Sonia Maria Dutra de Araújo, com a defesa de sua

dissertação na Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 1993 intitulada Elementos

para se pensar a educação: os indivíduos cegos no Brasil – a história do Instituto

Benjamin Constant; Maria Teresa Penteado Cartolano, com a defesa de sua tese na

Universidade Estadual de Campinas em 1994 intitulada Benjamin Constant e a

instrução pública no início da República; Mauricio Zeni, com a defesa da dissertação

e da tese na Universidade Federal Fluminense, respectivamente em 1997 e 2005 com as

seguintes titulações: O assistencialismo em Benjamin Constant e Os cegos no Rio de

Janeiro: do segundo reinado e começo da República; e Debora de Almeida Rodrigues,

com a defesa da dissertação e da tese na Universidade Federal do Estado do Rio de

Janeiro, respectivamente em 2005 e 2015 com as seguintes titulações: Tocar, perceber,

conhecer: memória e identidade coletiva no Museu do Instituto Benjamin Constant

e O processo de institucionalização do Museu do Instituto Benjamin Constant.

A partir deste levantamento de dados, pode-se constatar que os estudos tiveram

como premissa o processo de constituição destes ambientes educativos levando em

consideração os documentos que formulavam o estabelecimento de tais institutos, as

mudanças de regimento, as reformas e os outros órgãos estatais que passaram a assumir

pastas no interior destes estabelecimentos.

No entanto, este trabalho busca uma abordagem diferente, trazendo à tona um

olhar histórico sobre os métodos de ensino e os processos educativos em prol do

desenvolvimento de estudantes anormais sensoriais. Para tanto, recorremos não apenas a

compêndios e a legislações, mas a outras fontes de estudo, como os objetos escolares e

os ícones fotográficos.

Sob este prisma, esta pesquisa se circunscreve no campo dos estudos

historiográficos relacionados a cultura material escolar, na qual analisaremos sob o olhar

dos compêndios e das orientações prescritivas de ensino as indumentárias, jogos,

brinquedos, livros, materiais visuais, sonoros e táteis para o ensino; mobília;

organização/escrituração da escola; ornamentos; prédios escolares; e utensílios da escrita.

Sendo assim, aproveitamos um subitem para apresentação das fontes utilizadas.

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A história das fontes e dos objetos como base da pesquisa

Quando iniciamos a busca por materiais e por fontes na área da história da

educação dos cegos e dos surdos nas Instituições de ensino já citadas, não imaginávamos

obter tamanha riqueza de dados e de fontes que pudessem fundamentar este trabalho.

Porém, “escarafunchar” estas fontes foi um processo que levou à procura de

diversos materiais e em diversos locais, pois estávamos à procura de dados que

revelassem os métodos de ensino empregados para a formação das crianças cegas e

surdas.

Mesmo sabendo que muitos objetos, livros e materiais encontravam-se em estado

de deterioração ou até mesmo de inutilidade, devido às condições de uso e de

armazenamento, os profissionais que acompanharam este trajeto de pesquisa auxiliaram

em tudo que estavam ao alcance, propiciando depoimentos sobre os recursos que não

mais se encontravam nos estabelecimentos, apresentando locais dantes não pesquisados

e até mesmo doação de fontes e envio de materiais em minha residência para a

composição deste trabalho.

Para analisar estes materiais, recorremos a uma mudança de olhar que se

direcionou não apenas ao reconhecimento e a aprendizagem da aquisição da leitura, da

escrita e da comunicação por sujeitos cegos e surdos, quase sempre tomados como

adultos. O primeiro deslocamento de olhar refere-se ao público que estamos interessados

em estudar: a infância cega e surda brasileira de meados do século XIX e início do século

XX, um caminho pouco trilhado.

Escarafunchar um caminho pouco trilhado foi o objetivo de confrontar prescrições

e práticas, a partir de diferentes fontes e abordagens, revelando por meio do intermédio

de um corpus documental que envolveu legislações do período, manuais de ensino,

compêndios, relatórios de inspeção, atas de congressos, jornais, livros de matrículas,

diários de classe, artefatos de ensino e fotografias, revelando práticas discursivas, modos

de organização pedagógica da escola, consolidação de métodos de ensino, constituição

de sujeitos e práticas, aspirações de modernização educacional e significados simbólicos

(Souza, 2007).

Confrontar as prescrições e práticas, a partir de diferentes fontes e abordagens de

pesquisa, como os dados obtidos em outros acervos como em Portugal, Argentina e

Espanha, revelaram formas e maneiras distintas de analisar os objetos e suas respectivas

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práticas discursivas e revelaram os percursos traçados na constituição de acervos e a

metodologia empregada para o exame dos objetos.

Tendo como base a cultura material escolar, empregamos como metodologia de

análise as prescrições oriundas de compêndios e de manuais de ensino, contextualizando

o método de ensino intuitivo e as propostas de ensino.

As primeiras fontes analisadas tiveram como foco, sobretudo, o método. Num

segundo momento, passamos a analisar os objetos que passaram a compor o cotidiano

dos institutos e os respectivos registros sobre o uso destes. Outro dado revelado foi o

tempo em que se detectou o uso de método intuitivo (prescrito ora em manuais apenas,

ora em legislações federais) e o tempo em que o método foi adotado em sala de aula e os

recursos para o desenvolvimento de tal.

As fontes revelaram não apenas a inovação educacional do Brasil, mas de outros

países que fizeram da transnacionalização e da internacionalização de ideias a civilização

material das nações. De acordo com Fernand Braudel (1952):

Vida material são homens e coisas, coisas e homens. Estudar as coisas

– os alimentos, as habitações, o vestuário, o luxo, os utensílios, os

instrumentos monetários, a definição de aldeia ou cidade - , em suma,

tudo aquilo de que o homem se serve, não é a única maneira de avaliar

a existência quotidiana... De qualquer maneira, proporciona-nos um

“excelente indicador” (apud FUNARI, 2005, p. 91)

Um segundo olhar direcionou-se a compreender a materialidade do mundo

moderno, ou seja, a cultura material, que deve ser entendida como tudo que é feito ou

utilizado pelo homem. (Funari, 2005, p. 85). Ou seja, este trabalho visa a

instrumentalização das atenções para a importância dos documentos e dos objetos

(Bacellar, 2005, p. 50), num esforço contínuo de compreender o cotidiano destas

instituições e não os julgamentos sobre os métodos.

Para não incorrermos aos riscos de “julgamentos”, mas sim, de construção de um

campo de estudo, elencamos as instituições pesquisadas e os artefatos obtidos e utilizados

em cada uma delas como objeto e fonte do nosso estudo:

Acervo do Instituto Benjamin Constant

• Obra: O Instituto dos meninos cegos de Paris: sua história, e seu método de ensino.

De autoria de Joseph Guadet, traduzido por José Álvares de Azevedo em 1851;

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• Notícia da Inauguração do Instituto dos Meninos Cegos publicada no Jornal do

Comércio em 18 de setembro de 1854;

• Primeiro livro de matrículas de 1854;

• Parecer de Feliciano Pinheiro de Bittencourt sobre a educação dos cegos no

Congresso de Instrução do Rio de Janeiro, 1884;

• Almanak Laemmert no período de 1844 – 1889;

• Obra Les Aveugles au Brésil de Brasil Silvado, 1902;

• Regimentos Institucionais do Instituto dos anos de 1859, 1868, 1874, 1890 e 1937;

• Relatório enviado ao Senhor Director Geral da Instrucção Publica, 1904;

• Conferência Internacional sobre a Educação dos cegos, 1905;

• Objetos tiflológicos: Equipamentos para a aprendizagem do braille (caixa para

aprendizagem de braille, reglete de madeira, reglete de alumínio, aparelho de

punção, máquinas brailler e alfabeto braille em uma lousa de madeira); materiais

para a aprendizagem da matemática (Chapa para cálculos matemáticos, cubaritmo

em madeira e em ferro, soroban adaptado, mapoteca contendo mapas geométricos

em relevo) materiais para a aprendizagem da geografia (mapoteca com mapas

geográficos dos estados brasileiros em relevo e globo terrestre em relevo.

• Em conversa com a diretora do Instituto Benjamin Constant, Dona Maria da

Gloria Almeida (Glorinha) em 2017, ela apontou que, muitos materiais, ao longo

da história do Instituto foram se perdendo, ou até mesmo deteriorando-se por

conta de mudanças, reformas, preservação e manipulação dos objetos. Exemplos

desta frase podem ser ilustrados com a presença de animais taxidermizados (um

animal marcante na coleção era o pinguim) que outrora faziam-se presentes no

interior do instituto.

Acervo do Instituto Nacional de Educação dos Surdos

• Relatório da Comissão Inspectora do Imperio, 1857;

• Compêndio para o ensino dos Surdos-Mudos de J.J. Vallade Gabel, traduzido por

Tobias Rabelo Leite e publicados nos anos de 1871, 1874 e 1881;

• Iconographia dos signaes dos Surdos-Mudos de Flausino José da Gama, 1875;

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• Biografia do Abade Sicard, primeiro diretor do Instituto Nacional de Surdos-

Mudos de Paris, escrita por Ferdinand Berthier, surdo, professor do mesmo

Instituto, 1873;

• Notícias do Instituto dos Surdos Mudos do diretor Tobias Rabelo Leite, 1877;

• Atas do Congresso de Milão de 1880, que proíbem a adoção do método de sinais

para educar surdos e passam a ser adotados como procedimentos de ensino o

método oral, tendo com subsídio prático o uso do método intuitivo;

• Parecer de Tobias Rabelo Leite e Menezes Vieira na 26ª Questão do Congresso

de Instrução do Rio de Janeiro, 1884;

• Relatório do diretor Tobias Rabelo Leite, 1869, 1870, 1871, 1873 e 1886;

• Almanak Laemmert no período de 1844 – 1889;

• Congresso Internacional para Estudo das Questões de Educação e de Assistência

de Surdos-Mudos, 1900

• Regimento Interno do Instituto Nacional de Surdos-Mudos, 1909;

• Nouveau Dictionnaire de Pédagogie, de Ferdinand Buisson, 1911;

• Regulamento do Instituto Nacional de Surdos, 1911;

• Regimentos Institucionais do Instituto dos anos de 1859, 1868, 1874, 1890 e 1937;

• Diários de Classe de Linguagem Articulada dos anos de 1912, 1913, 1915, 1917,

1920 e 1921;

• Tese de Arnaldo de Oliveira Bacellar sobre a surdo-mudez no Brasil, 1926;

• Manual de Pedagogia emendativa do surdo-mudo de 1934;

• Relatório de Atividades e documentos estatísticos do Instituto Nacional de

Surdos-Mudos de 1937.

Fundação Nossa Senhora da Esperança (Portugal)

• Objetos tiflológicos: Equipamentos para a aprendizagem do braille (caixa para

aprendizagem de braille, reglete de madeira, reglete de alumínio, aparelho de

punção e uma máquina brailler), materiais para a aprendizagem da matemática

(cubaritmo em madeira e em ferro), materiais para a aprendizagem da geografia

(mapas de madeira e prego em relevo ilustrando Portugal e mapas em plástico

ilustrando os continentes), materiais fröebelianos, animais taxidermizados,

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Biblioteca Nacional de Portugal

• O Jornal dos Cegos foi uma publicação mensal que divulgava os processos de

ensino intelectual, profissional e musical do público tiflológico de Portugal e dos

demais países que exerciam tal educação. Sob a direção de Branco Rodrigues, seu

idealizador, a revista traz diversos conteúdos que abordam métodos de ensino,

experiências educacionais, bibliografias, biografias estudos tiflológicos;

levantamentos estatísticos sobre o público invisual de Portugal e a quantidade de

estabelecimentos especializados na educação de cegos no período de 1895-1920.

Arquivo Nacional (Rio de Janeiro), Senado Federal e Biblioteca Nacional (Rio de

Janeiro)

Os documentos utilizados nesta pesquisa provenientes destas três instituições,

foram digitalizados e podem ser obtidos nos endereços eletrônicos disponibilizados no

fim deste trabalho. Os documentos utilizados foram:

• Manual Primeiras Lições de Coisas. Manual de ensino elementar para uso dos pais

e professores de Norman Alison Calkins e tradução de Rui Barbosa, 1886;

• Noticia Historica - Serviços, instituições e estabelecimentos pertencentes a esta

repartição por ordem do respectivo ministro Doutor Amaro Cavalcanti, 1898;

• Relatórios do Brasil nas Exposições Universais, 1862-1922;

Documentos oriundos da Espanha e Argentina5

• Anales de Primera Enseñanza de las escuelas y de los maestros publicado em

Madrid nos anos de 1858, 1860,1861, 1862, 1863, 1866;

• Revista de Educación publicada no Peru em 1931;

• Revista de Pedagogía, publicada em Madrid nos anos de 1926, 1928, 1931 e 1933;

• Enciclopedia de Educación (Publicación Trimestral destinada a los trabajos

extranjeros) publicado em Montevideu, Uruguay, 1934.

5 Estes materiais foram cedidos gentilmente pelo professor doutor Kazumi Munakata., Espanha.

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Com uma gama de documentos e de materiais pedagógicos, este trabalho tem por

finalidade buscar e analisar os processos de implantação, apropriação e adaptação do

método intuitivo sobre a escolarização dos alunos cegos e surdos-mudos desde o final de

década de cinquenta do século XIX até meados do século XX, buscando compreender o

dia-a-dia do trabalho educativo, da materialidade pedagógica e da cultura escolar

produzida nestes Institutos.

Esta pesquisa também realizará uma contextualização sócio-histórica e cultural da

implantação do Instituto Nacional para a Educação dos Surdos (INES), do Instituto

Benjamin Constant (IBC) e dos intelectuais que lideraram este movimento em âmbito

nacional e localizou estas instituições dentro de dois momentos e posições políticas: o

regime imperial e o movimento liberal republicano, iniciado no final do século XIX, que

elegia a escola como um local privilegiado para que fosse criado o ideal cidadão

republicano por meio de uma educação laica, universal e gratuita pregada por liberais e

positivistas, tendo um caráter civilizatório diante do caos que os republicanos atribuíram

ao Império.

Para tanto, esta tese estará dividida em cinco capítulos, nos quais buscaremos

“escarafunchar” a história da educação das crianças brasileiras cegas e surdas:

O primeiro capítulo tece a construção histórica e social da infância no século XIX

e XX, buscando não apenas conceptualizar a infância e a criança, mas demonstrar o

processo de escolarização deste público por meio de campos, de classes, e até mesmo de

públicos distintos, os quais frequentaram estabelecimentos de ensino específicos,

buscando “normalizar” e “equalizar” as diferenças e não as mesmas oportunidades para

todos os infantes.

O segundo capítulo analisa o processo educacional brasileiro no período imperial,

consagrando não apenas a mudança de regimentos, mas como esta mudança prescreveu

novos movimentos em prol da civilização de um país em construção, adepto à

modernidade e às mudanças, contando com os padrões médico-higiênico e pedagógicos

da construção e implementação de duas instituições especializadas de ensino: O Imperial

Instituto de Educação para os Meninos Cegos e o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos.

O terceiro capítulo contextualiza como as inovações pedagógicas, as práticas e os

métodos de ensino, os recursos didáticos fizeram-se presentes nos Congressos e

Exposições Internacionais não apenas impulsionando o “Concerto das Nações”, mas

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fazendo circular ideias para educar cegos e surdos, padronizando sistemas de ensino,

linguagens e Lições de Coisas.

O quarto capítulo veicula as ideias de modernidade pedagógica no período

republicano sob o viés do conhecimento científico, de sua aplicabilidade no cotidiano das

instituições e como a antiga colônia pode ter sido um modelo pedagógico para a

metrópole e as respectivas manifestações de práticas e consolidação do método intuitivo.

O quinto capítulo apresenta as novas ideias e os novos pensamentos que passam

a adentrar a década de 1920: a classificação para padronização de sujeitos, o impacto do

Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova na prática educativa e no uso dos métodos e dos

recursos didáticos, a pedagogia emendativa como nova forma de educar as

“despadronizações” e por último, as reformas educacionais e prediais.

Por fim, as considerações finais proporcionam reflexões que não se restringem

apenas aos dados analisados e apresentados, mas fornece pistas e indícios para novos

estudos, novas contradições, novas descobertas e novos estímulos à pesquisa. Eis o

mistério de toda investigação!

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Capítulo 1. A Construção Histórica e Social da Infância no século XIX

e meados do século XX

Eu fico

Com a pureza

Da resposta das crianças

É a vida, é bonita

E é bonita...

(O que é, o que é? – Gonzaguinha, 1982)

Infância... criança... educar... cuidar... currículo... proposta pedagógica... São

temas das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010), presentes

no desenvolvimento da “pureza da resposta das crianças”, que supomos prontas a

aprender.

De acordo com este documento (2010, p. 7), com o reconhecimento da Educação

Infantil como dever do Estado em relação à Educação, o atendimento em creches e pré-

escolas afirmou-se na Constituição de 1988 como direito social das crianças. O processo

que resultou nessa conquista teve ampla participação de movimentos inseridos na luta

pela redemocratização do país - como os comunitários, de mulheres e de trabalhadores,

além, evidentemente, dos esforços dos próprios profissionais da educação.

Assim como no restante do mundo, a história feita no Brasil sobre a criança vem

demonstrando que existe uma enorme distância entre o mundo infantil descrito pelas

organizações internacionais, pelas não governamentais e pelas autoridades, daquele no

qual a criança se encontra cotidianamente imersa (Del Priore, 2013). De um lado, temos

a ideia sobre a “pureza da resposta das crianças” como apontado na música de

Gonzaguinha, que universaliza e padroniza a ideia de criança e de infância num mesmo

patamar (condições econômicas, sociais e estruturais), considerando todas iguais. De

outro lado, temos a orientação proposta pela legislação, de que se deve formar crianças

aptas para o trabalho, para o ensino, para o adestramento físico, moral e das normas,

deixando pouco tempo para a imagem que normalmente lhe é associada: rir e brincar.

No primeiro, habita a imagem ideal da criança feliz, carregando todos

os artefatos possíveis de identificá-la numa sociedade de consumo:

brinquedos eletrônicos e passagem para a Disneylândia. No segundo, o

real, vemos acumularem-se informações sobre a barbárie

constantemente perpetrada contra a criança. Barbárie esta materializada

nos números sobre o trabalho infantil, sobre a exploração sexual de

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crianças de ambos os sexos, no uso imundo que o tráfico de drogas faz

dos menores carentes, entre outros. Privilégio do Brasil? Não! Na

Colômbia, os pequenos trabalham em minas de carvão; na Índia, são

vendidos aos cinco ou seis anos para a indústria de tecelagem. Na

Tailândia, cerca de duzentos mil são roubados anualmente das suas

famílias e servem à clientela doentia dos pedófilos. Na Inglaterra, os

subúrbios miseráveis de Liverpool produzem os “baby Killers”,

crianças que matam crianças. Na África, 40% das crianças, entre sete e

quatorze anos trabalham. Esses mundos opostos se contrapõem em

imagens radicais de saciedade versus exploração. Como se não

bastasse, as mudanças pelas quais passa o mundo real fazem delas

também suas tenras vítimas: a crescente fragilização dos laços

conjugais, a explosão urbana com todos os problemas decorrentes de

viver em grandes cidades, a globalização cultural, a crise do ensino ante

os avanços cibernéticos, tudo isso tem modificado, de forma radical, as

relações entre pais e filhos e entre crianças e adultos (DEL PRIORE,

2013, p.7 e 8).

Pensar acerca de tais questões me leva a refletir sobre como surgiram as

concepções de criança e de infância. Para tanto, recorro à obra clássica de Philippe Ariès,

História Social da criança e da família (1960)6, demonstrando que o surgimento da ideia

de infância foi relativamente tardio nas sociedades ocidentais, pois acreditava-se na ideia

da criança como sendo um adulto em miniatura.

Para além dos critérios biológicos, a dissociação entre crianças e adultos

consolidou a emergência de um saber simultaneamente psicológico, fisiológico, histórico,

social e cultural, esboçado na puericultura do século XVIII e consolidado no século XIX.

Nesse período, denominado por Ariès o “século da infância”, criaram-se espaços

especializados para o cuidado da infância: escolas primárias, jardins de infância, asilos,

colégios e, mais tarde, as creches e pré-escolas (Vainfas, 2008).

A partir da criação destes espaços especializados e com a popularização das

“idades da vida” indicadas pela iconografia e outras fontes consultadas por Ariès (1960),

passaram a ser associadas não apenas às etapas biológicas, mas também às funções

sociais. Novos papéis passaram a ser atribuídos para a educação da infância, na tentativa

de evitar o seu processo de “anormalização”. (Henriques e Vilhena, 2005, p. 62).

6 A edição brasileira de História Social da Criança e da Família foi traduzida da edição L’Enfant et la

familiale sous l’Ancien Régime das Editions du Seuil, Collection Points, Série Histoire, 1973. Esta edição

francesa é uma versão abreviada do texto original de Philippe Ariès, publicado em 1960 pelas Editions

Plons, e reeditado integralmente pelas Editions du Seuil na coleção “Univers historique” em 1973,

acrescido de um prefácio em que o autor examinava a historiografia de seu tema. A versão utilizada para

este trabalho é a segunda edição brasileira, publicada em 2014 pela editora LTC do Rio de Janeiro.

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Diante deste processo de “normalização”, surgiu a educação das “anomalias” ou

dos “anormais” que, por apresentarem ora uma patologia ou uma deficiência, ora um

desvio de conduta ou de caráter, passaram a frequentar instituições especializadas para o

atendimento de cada caso específico.

Neste capítulo, buscaremos compreender como as concepções e os novos papéis

que a infância passou a assumir implicou o processo de institucionalização de crianças

“anormais” categorizadas por termos que depreciavam a sua própria diferença: infelizes,

imbecis, idiotas, débeis, retardadas, abandonadas, mendigas, desajustadas, infortunadas,

desvalidas, marginais algumas vezes sendo chamadas até mesmo de detritos humanos

encontrados nas ruas.

1.1.Concepção de Criança e de Infância

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação infantil

(2010, p. 12), a criança é concebida como

Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas

cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva,

brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra,

questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo

cultura (MEC, 2010, p. 12).

Do período medieval, considerada um “adulto em miniatura”, a criança partilhava

dos jogos e dos trabalhos do mundo adulto, praticando apenas determinadas técnicas e

saberes tradicionais da comunidade, nas concepções atuais passou a ser entendida como

um sujeito histórico e de direitos, que cria e recria histórias, traduzindo a concepção da

natureza humana, de seu desdobramento e de sua cultura (Charlot, 1972).

Mas a pergunta a ser feita é: como e quando a infância passou a ser objeto de

estudo e como a criança passou a ser vista como sujeito? De acordo com Ariès (2014), do

mundo das fórmulas românicas, não existiam crianças caracterizadas por uma expressão

particular, mas sim, pessoas de tamanho reduzido.

A transmissão dos valores e dos conhecimentos e, de modo mais geral, a

socialização destas pessoas de tamanho reduzido não eram nem asseguradas e nem

controladas pela família. Estas “miniaturas” se afastavam logo de seus pais, e pode-se

dizer que durante séculos a educação foi garantida pela aprendizagem, graças à

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convivência com seus pares - tanto da mesma idade quanto de idades mais avançadas. A

criança aprendia as coisas que devia saber ajudando os outros a fazê-las. (Ariès, 2014).

Foi no fim do século XIII e início do século XIV que houve a descoberta da

infância e do sentimento a ela atribuído. Por meio da iconografia religiosa, sobretudo de

origem europeia, percebeu-se um realismo sentimental em prol deste pequeno ser por

meio de três alegorias: o anjo (de caráter místico, idealizando a pureza do infante); o

menino Jesus (de caráter da vida cotidiana, representando a bondade) e a gótica

(idealização da criança nua, representante da alma e da morte).

A partir da atribuição destas alegorias, e seguindo os pressupostos de Ariès (2014),

o sentimento de infância que acabava de nascer não significa o mesmo que afeição pelas

crianças, mas sim, corresponde à consciência da particularidade infantil, que distingue

essencialmente a criança do adulto.

Esta particularidade infantil consiste nos atributos espirituais que a criança passou

a receber, ora por ser um ser inocente, doce, casto e humilde, ora por possuir um espírito

de sobrevivência e de caridade. Vamos abordar melhor estes motes.

No quesito de inocência, a criança foi vista como detentora de uma alma imortal,

podendo ser representada por meio de retratos nas quais poderia estar nua ou vestida nas

suas mais distintas alusões: deitada em seu berço, no momento da amamentação, próxima

a outras crianças, aos jovens, aos adultos ou aos senis.

Detentora da pureza, nesta fase a infância foi marcada pelo nascimento da

dentição, tendo como duração o período dos zero aos sete anos, considerada como a

primeira idade, por assumir como característica central a enfant (criança), que quer dizer

não falante, pois nessa idade o sujeito não poderia comunicar-se bem, pois não teria seus

dentes firmes e ordenados para formar perfeitamente as palavras.

E assim foram surgindo as “idades da vida”. Elas ocupam um lugar importante

nos tratados pseudocientíficos da Idade Média. Seus autores empregam uma terminologia

que nos parece puramente verbal: infância e puerilidade, juventude e adolescência,

velhice e senilidade – cada uma dessas palavras designando um período diferente da vida

(Ariès, 2014).

Já no quesito sobrevivência e caridade, até o século XVI, a sociedade, marcada

pelas más condições sanitárias, via a mortalidade infantil como um motivo para não se

“apegar” aos pequenos e inocentes seres, pois a qualquer momento eles poderiam deixar

de existir. De acordo com Ariès (2014), muitos não conseguiam ultrapassar a primeira

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idade. Porém, o índice de natalidade era muito alto, o que ocasionava uma espécie de

substituição das crianças mortas. A perda era vista como algo natural e que não merecia

ser lamentada por muito tempo, como pode ser constatado na obra de Ariès (2014, p. 22):

“... as pessoas não podiam se apegar muito a algo que era considerado uma perda

eventual...”

Mas as mudanças em torno da infância e da criança são marcadas sobretudo no

século XVII. As reformas religiosas católicas e protestantes, as descobertas da primeira

infância (o corpo, os hábitos, os jogos, as vestimentas, a fala dos miúdos), a afetividade

no seio familiar, o trabalho com fins educativos - substituído pela escola e a invenção da

máquina de impressão - passaram a ser responsáveis pelo processo de formação dos

infantes.

Sobretudo, com a reforma religiosa, católicos e protestantes preocuparam-se com

a formação da criança. A Igreja Católica se encarregou de direcionar a aprendizagem,

visando corrigir os desvios oriundos do fruto do “pecado”, ou seja, educar as crianças

sobre os princípios religiosos e morais, guiando-as para o caminho do bem e da castidade.

Sob este prisma, as noções de criança e de infância passam a ser ambíguos: de um

lado, é vista como um ser inocente, puro e doce, que precisa de cuidados, e do outro,

como um ser fruto do pecado.

Nesse momento, o sentimento de infância corresponde a duas atitudes

contraditórias: uma considera a criança ingênua, inocente e graciosa e

é traduzida pela paparicação dos adultos, e a outra surge

simultaneamente à primeira, mas se contrapõe à ela, tornando a criança

um ser imperfeito e incompleto, que necessita da “moralização” e da

educação feita pelo adulto. (KRAMER, 2003, p. 18).

No século XVII, também se pensou na infância a partir da perspectiva das

descobertas da primeira infância - com a temporização da idade infantil, a

disciplinarização dos corpos, a normatização dos hábitos, dos jogos, das vestimentas e da

fala - pois a duração da puerícia não era bem definida e o termo “infância” era empregado

indiscriminadamente, podendo se referir tanto a idade dos bebês quanto aos jovens com

dezoito anos ou mais (Ariès, 2014).

Dessa forma, como já citado, a infância assumia as atividades e a cultura de um

“adulto em miniatura”. Essa situação começou a mudar quando, a partir do século XVII,

passou a haver preocupação com o desenvolvimento da infância.

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Estas modificações podiam ser vistas a partir da demarcação das vestimentas, que

passaram a diferir das dos adultos, separando-as inclusive a partir das relações de gênero

– roupas para meninos e para meninas):

Essa análise nos permitiu descobrir alguns hábitos de vestuários

próprios da infância que eram adotados comumente no final do século

XVI e que foram conservados até o fim do século XVIII. Esses hábitos,

que distinguiam o traje das crianças do traje dos adultos, revelam uma

nova preocupação, desconhecida da Idade Média, de isolar as crianças,

de separá-las através de uma espécie de uniforme (ARIÈS, 2014, p. 33).

Este uniforme não revelava apenas a distinção de diferentes tipos de vestimentas

e de idades, mas também mostrava outros componentes: a origem da criança – se era ou

não de boa família (nobre, burguesa ou plebeia), a questão dos meios de subsistência e

sua respectiva produção, a separação dos infantes em suas relações de gênero e de marca

da sexualidade - por meio dos próprios jogos e brinquedos.

Por meio dos jogos e dos brinquedos visualizamos como foi acontecendo este

processo. Primeiro, a idade dos brinquedos, em que as crianças brincavam com um cavalo

de pau, uma boneca, um pequeno moinho ou pássaros amarrados. Depois, a idade da

escola, quando os meninos aprendiam a ler ou seguravam um livro ou um estojo e as

meninas aprendiam a fiar. Em seguida, as idades do amor ou dos esportes da corte e da

cavalaria, por meio da manifestação e participação em festas, passeios de rapazes e de

moças, corte de amor, as bodas ou as caçadas do mês de maio dos calendários. (Áries,

2014).

Estas novas manifestações, presentes neste período, revelam a nova postura da

sociedade e da família em relação à criança, que começou a ser percebida como um

investimento futuro, que precisava ser preservado, e portanto, deveria ser afastado dos

males físicos e morais. Não é a família que é nova, mas, sim o sentimento de família que

surgia nos séculos XVI e XVII, inseparável do sentimento de infância (Kramer, 2003, p.

18).

De acordo com Soares (2013), a vida familiar vai ganhando um caráter mais

privado, e aos poucos assume o papel que antes era destinado à comunidade. É importante

salientar que esse sentimento de infância e de família representa um padrão burguês, que

se transformou em universal.

…a ideia de infância (…) aparece com a sociedade capitalista, urbano-

industrial, na medida em que mudam a sua inserção e o papel social da

criança na comunidade. Se, na sociedade feudal, a criança exercia um

papel produtivo direto (“de adulto”) assim que ultrapassava o período

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de alta mortalidade, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que

precisa de ser cuidada, escolarizada e preparada para uma função futura.

Este conceito de infância é, pois, determinado historicamente pela

modificação das formas de organização da sociedade (KRAMER, 2003,

p. 19).

Nesta nova forma de organização econômica e social que passa a se constituir no

final do século XVII, com os ideais do Iluminismo e a diminuição dos índices de

mortalidade até então existentes, a família passou a se interessar em “manter” e “lutar”

pelas almas das crianças por meio da religião, da escolarização, da higiene e da saúde,

com o objetivo de gerar pessoas capazes de se adequarem às novas instituições políticas

e sociais. Até os finais deste século as crianças eram consideradas repositórios do espírito

do mal, contaminadas pelo pecado original, sendo necessário desenvolver esforços físicos

e emocionais para as extorquir das mãos do diabo as benevolências da inocência por meio

do batismo (Paoletti & Kregloh, 1989). A partir de 1692, com a publicação da obra

Thoughts Concerning Education, da autoria de Locke7, a criança passou a ser vista como

uma tábula rasa na qual os pais e professores podiam inscrever valores, comportamentos

e conhecimentos. A construção da criança incluía a crença religiosa no “acompanhamento

precoce das crianças” (Thomas S. Popkewitz e Marianne Bloch, 2003).

No século XVIII, a figura de destaque na reconstrução da infância foi Jean-

Jacques Rousseau (Heywood, 2004). Foi ele quem se opôs mais intensamente à tradição

cristã do pecado original, com o culto da inocência original das crianças. Com a sua obra

7 John Locke (1632-1704) é considerado um dos mais importantes precursores do Iluminismo europeu e

fundador do empirismo inglês. Seu pensamento é considerado um clássico da tradição filosófica. Sua

educação realista objetivava investigar os fenômenos naturais e a proposição de ideias que, futuramente,

influenciariam o pensamento de outros teóricos, por exemplo, Rousseau. Locke protagoniza a educação

disciplinar e suas teorias educacionais apresentam três importantes vertentes educacionais: o físico, a moral

e o intelectual. O físico era uma de suas maiores preocupações; o cuidado com ele se justificava pela

máxima de Juvenal: corpo são, mente sã. Para o desenvolvimento desse corpo ele propôs uma série de

recomendações a serem constantemente adotadas pelos pais que desejassem aumentar a resistência física

do futuro cavalheiro, seus cuidados se estendiam desde banho, alimentação, sono, vestimentas, até os

comportamentos do pequeno homem. Ao longo de sua obra Alguns pensamentos acerca da educação,

Locke propôs uma educação moralista. Em sua perspectiva, o respeito à moral e aos costumes deveriam

superar a importância de um ensino voltado para o conteúdo disciplinar. Sua maior preocupação a respeito

da educação era ensinar ao aluno os conteúdos para além da escola, ou seja, os conhecimentos para a vida.

Foi um pensador que revolucionou o pensamento de Aristóteles e Descartes sobre a teoria das ideias inatas

- conhecimentos que segundo esses teóricos, o ser humano já traria consigo ao nascer - após analisar todo

o processo de formulação do pensamento humano, John Locke propôs a teoria empírica, segundo a qual

todos os conhecimentos humanos são aprendidos ao longo da existência, portanto, não há ideias inatas. A

proposição de que o ser humano vem ao mundo sem qualquer tipo de conhecimento é a base da teoria da

tabula rasa, um conceito lockeano que compara a criança ao papel em branco, ambos sem experiências

anteriores, portanto, vazios no que se refere ao pensamento. Mas, ao mesmo tempo, ambos estão aptos a

aprender, a serem preenchidos por saberes que serão as mais importantes impressões de toda sua vida

(TERUYA, GOMES, LUZ & CARVALHO, 2010, p.4-5).

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Emílio, ou da Educação (1762), defendeu a ideia de que seria preciso educar a criança de

acordo com a natureza, sendo a criança livre para desenvolver seus sentidos e sua razão,

rompendo com a que antes poderia ser “sufocada” no interior das instituições.

Nesta mesma obra, Rousseau apresentou três etapas de desenvolvimento do

infante que podem ser assim classificadas: uma Idade do Instinto (durante os três

primeiros anos de vida); uma Idade das Sensações (entre os quatro e os 12 anos); a idade

das ideias (após os 12 anos, a puberdade). Sua teoria rompeu com os pressupostos de

Locke:

Ele desprezou um conselho de Locke para que se argumentasse com as

crianças, pois esta faculdade não estaria desenvolvida integralmente até

a adolescência. Seu contra-argumento era de que a natureza deseja que

as crianças sejam crianças antes de ser adultos. A infância “tem formas

próprias de ver, pensar, sentir”, e, particularmente, sua própria forma

de raciocínio “sensível”, “pueril”, diferentemente da razão “intelectual”

ou “humana” do adulto. Os muito jovens não deveriam ter o encargo da

distinção entre Bem e Mal. Como inocentes, poderia-se deixar que

respondessem à natureza, e nada fariam que não fosse bom, podendo

fazer mal, mas não com a intenção de prejudicar. Então poderiam

aprender lições a partir das coisas, e não a partir dos homens, pois tais

lições estariam relacionadas aos móveis ou às janelas que houvessem

quebrado, por exemplo. “Respeitai a infância”, exortava ele, e “deixai

a natureza agir bastante tempo antes de resolver agir em seu lugar”

(HEYWOOD, 2004, p. 38).

A concepção romântica de infância, que surgiu no final do século XVIII e início

do século XIX, trouxe uma mudança sutil na noção rousseauniana de inocência para o

desenvolvimento infantil. Enquanto Rousseau apregoava uma educação que protegeria os

meninos as crianças dos vícios, os românticos, ao contrário, apresentavam as crianças

como detentoras de conhecimento. Esta nova visão proporcionou uma redefinição do

relacionamento entre adultos e crianças: a criança seria quem poderia educar o educador

(Heywood, 2004).

Estas mudanças beneficiaram as crianças da burguesia, pois as crianças do povo

continuaram a não ter acesso aos ganhos representados pela nova concepção de infância,

como o direito à educação e a cuidados mais específicos, sendo direcionadas para o

trabalho (Soares, 2013). Com isso,

A visão romântica da infância estava longe de ser predominante. Em

primeiro lugar, a tradição mais antiga de manchar as crianças com o

pecado original custou a desaparecer, recebendo até mesmo um

estímulo na Inglaterra a partir do final do século XVIII, com o

surgimento do movimento Evangélico. A senhora Sherwood,

profundamente moralista, escreveu, em um tom conhecido, que “todas

as crianças são más por natureza e, enquanto elas nada têm para guiá-

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las, senão o princípio do Mal, os pais devotos e prudentes devem conter-

lhes as paixões perversas por quaisquer meios de que disponham”.

Além disso, a ênfase na inocência da infância tinha pouca relevância

para as vidas da maioria dos jovens, que ainda estavam sendo inseridos

no mundo dos adultos muito cedo. As novas ideias tinham mais

ressonância nos círculos da classe média, onde o interesse na

domesticidade e na educação era particularmente desenvolvido. Elas

também serviram como antídoto poderoso contra as agruras e o estresse

das revoluções Francesa e Industrial. Como Coveney sugeriu, na era

das máquinas a criança poderia prontamente simbolizar imaginação e

sensibilidade. (HEYWOOD, 2004, p. 42)

A máquina de impressão proporcionou a promoção e a disseminação da cultura

letrada (Faria, 2017). A partir do advento da imprensa e o aprimoramento nas tecnologias

de impressão e reprodução de livros, folhetos e imagens diversas são apontados como um

dos principais fatores para a mudança de concepção de criança e de infância, a qual passou

a assumir um lugar central na forma de não apenas perceber o mundo, mas de educar os

miúdos para o caminho do bem.

Para completar este panorama, a partir da imprensa, da circulação de livros e da

alfabetização, Comenius introduz um recurso que se torna fundamental para esse projeto

normalizador: o livro.

Do ponto de vista de sua estruturação interna, o livro didático

enquadrado na pedagogia moderna oferece uma transformação

revolucionária enraizada na utilização da imagem. A imagem como

referência, mas também como motivação. Ao trazer para a escola um

mundo tal e como deve ser percebido, a imagem não só complementa o

texto como protagoniza a imagem escrita. O livro didático representa o

mundo em imagens, porém – logicamente – em imagens escolarizadas.

Uma operação necessária de pedagogização da configuração destes

textos foi se realizando, o que possibilita a distinção destes textos de

qualquer outro tipo de livro. (NARODOWSKI, 1994, p. 90 e 91):

A partir do século XIX houve uma transformação na forma como são dirigidas as

populações, visível na emergência de novas formas de governar os indivíduos, assentes

na modelação cognitiva de comportamentos (Foucault, 2006). Nesse contexto emergiram

diferentes formas de governança cujas principais finalidades eram, para além da

manutenção da ordem social, a preservação e a melhoria da saúde física e psicológica das

populações “anormais”. (Foucault, 2006; Rose, 1999, Henriques e Vilhena, 2005).

No fim do século XVIII e no século XIX disseminou-se o princípio da

educabilidade, por meio de dois vieses. O primeiro, no qual a pedagogia desenha uma

infância discriminada enquanto tal, pela constatação de uma carência ou conjunto de

carências: não possui a autonomia, nem o bom entendimento, nem a habilidade próprios

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aos adultos. São corpos débeis, ingênuos, manipuláveis, em formação. Por outro lado, as

crianças são objeto de estudo e de análise e por sua vez, são impelidas a emigrar do seio

da família para instituições cujo objetivo é compreendê-las em sua inaptidão e formá-las

para que, justamente, possam abandonar ou superar a carência que lhes é constitutiva. À

discriminação etária segue-se uma delimitação institucional. (Narodowski, 1994 p. 114).

Além da limitação institucional, outro dado que podemos perceber ao longo da

construção histórico-social da infância é que surgiram instituições específicas para

crianças específicas: para as crianças de elite, para as crianças desfavorecidas, para as

crianças abandonadas e para as crianças anormais - sejam elas deficitárias dos sentidos

(como audição e visão, dos membros físicos ou até mesmo do psíquico) - sendo possível

reconhecer a presença de um traço comum. Trata-se

[...] de conceber “a infância não como um intervalo cronológico natural,

e sim como um período da existência humana constituída por um

sistema normativo, que lhe atribui características, formas, competências

e funções, precisas ou fluidas, ancoradas em sistema de ordenações, que

cada grupo social relaciona ao seu sistema valorativo” (GONDRA,

2010, p. 196).

É no corpus discursivo que Gondra (2004) aborda a “utopia de uma educação

integral”. Ou seja: por meio da disciplinarização dos corpos e das almas infantis em suas

respectivas etapas de crescimento e desenvolvimento, a higiene poderia se fazer presente

no interior das instituições, compondo uma “ciência integral” que é, ao mesmo tempo,

“ciência da infância” e “ciência da escola”. Nela, rotinas escolares são prescritas e

normatizadas, o tempo das atividades de aula é organizado e o espaço escolar da educação

é instituído. Ativada como disciplinarização do corpo, da inteligência e da vontade, essa

“educação integral” desdobra-se em múltiplos dispositivos de constituição das práticas

educativas. E é nesses dispositivos que uma pedagogia se constitui como “educação do

corpo”, “ginástica da vontade” e “disciplina da inteligência”.

Deste modo, as concepções de infância e de criança constituirão o mundo

educacional, no qual

O objecto da educação é o desenvolvimento das faculdades do homem

para o maior bem individual e social. As faculdades a desenvolver

segundo a sua natureza se dividem em physicas, intellectuaes, moraes

e sociaes. As primeiras consistem nas funcções de nossos órgãos para

conservar o corpo e executar as ordens da vontade; as segundas formão

o domínio do espirito e tornão-se a fonte de nossos conhecimentos; as

terceiras pertencem ao coração e produzem nossas afecções e nossas

paixões; as ultimas emfim não são mais que applicações das faculdades

intellectuaes e moraes á arte de viver com os homens e de os fazer

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concorrer para nosso bem, concorrendo nós ao seu. São os meios de

desenvolver as duas primeiras sortes de faculdades, que vão fazer o

objecto de nosso estudo (1854, grifos meus). (Dr Cunha apud

GONDRA, 2004, p. 232 e 233)

Educando as faculdades físicas, intelectuais, morais e sociais dos infantes, as

anomalias8 passam a repercutir como “monstruosidades humanas”, que precisam ser

“corrigidas” tanto no ambiente familiar quanto nas instituições assistenciais, filantrópicas

e educacionais. Tornar a criança “uniforme” era uma forma de combater as exceções (os

anormais) e de educar os indivíduos (Foucault [1975], 2010).

Para Foucault (2010), o poder disciplinar produz o controle dos corpos, tornando-

os dóceis, adestrando-os para rentabilizá-los ao extremo, proporcionando uma vigilância

hierárquica nos palcos familiares e educacionais, empregando sanções normalizadoras e

submetendo os sujeitos a obedecerem a uma lógica dotada de quatro individualidades:

celular (pelo jogo da repartição espacial), orgânica (pela codificação das atividades),

genética (pela acumulação do tempo) e combinatória (pela composição das forças). Para

tanto, utiliza quatro grandes técnicas: constrói quadros, prescreve manobras, impõe

exercícios - enfim, organiza “táticas” para realizar a combinação das forças.

Ora, tudo parece indicar que nos séculos XIX e XX estas táticas foram

organizadas: as instituições, os saberes, os sujeitos, os materiais e os métodos voltados

para a educação da infância - quer em destinos individuais ou coletivos - estavam muito

próximos da perspectiva disciplinar (inclusive na catequização dos cinco sentidos) e na

busca por normas e governos, inclusive no surgimento dos contrapoderes que podem

demandar novos arranjos disciplinares, nos termos concebidos por Michel Foucault. Agir

sobre “as fibras moles do cérebro”, sobre um corpo que não se movimenta, que não julga

e não tem vontade, tem por objetivo intensificar a utilidade dos corpos (Gondra, 2010, p.

208).

A partir da utilidade dos corpos, saberes como a medicina, a psicologia e a

ontogenia assumiram-se como ciências centrais no processo em que são tomados como

matrizes para a construção de uma pedagogia moderna ao longo dos séculos XIX e XX,

voltada para a produção de uma escola centrada na educação da infância.

Em articulação com o Estado, a pedagogia moderna também possibilitou a

construção de um novo “lugar” para a infância: a criança da Nação. Nesse contexto, a

8 De acordo com Foucault, em sua aula de 22 de janeiro de 1975, as três figuras que constituem o domínio

da anomalia são: o monstro humano, o indivíduo a ser corrigido e a criança masturbadora.

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infância assumiu uma posição de educabilidade de política dos Estados e de

internacionalização da inovação num mundo moderno em constituição, tornando-se

objeto de investimento e governança com vistas ao progresso nacional e transnacional

(Henriques e Vilhena, 2005, p. 65).

A educabilidade passou a compor os mais diversos campos: a psicogênese no

século XIX; a psicologia evolutiva ao atribuir importância à infância; os trabalhos

estatísticos sociais de Quetelet; o higienismo; a antropometria; a psicogenia, seu objeto

experimental por excelência: a observação da infância, sendo que

Um dos aspectos definidores do ideário do progresso no século XIX é

sua articulação com o conceito de civilização, em que ambas as noções

estão plasmadas na configuração de um modelo etapista de

desenvolvimento histórico. Construiu-se um modelo linear e universal

de evolução das diferentes sociedades humanas, cujo ápice seria o nível

alcançado pelas sociedades ocidentais européias, que se tornaram

sinônimos de civilização. Na medida em que o homem, na teoria

evolucionista, era compreendido como parte de uma totalidade maior,

definida pelas mesmas leis da evolução, tornava-se mais clara a ideia

de uma lei geral do progresso (ou da evolução, ambição maior de

Spencer), a governar as espécies, as sociedades, as raças e os

indivíduos. Essa concepção iria sustentar, no campo da Antropologia, o

evolucionismo de Tylor, na Sociologia o modelo spenceriano e o

positivista de Comte e na Psicologia, a psicogenia (GOUVÊA, 2008, p.

541).

De acordo com Kuhlmann Junior e Fernandes (2012), uma questão central que

sobressai da reflexão crítica sobre a infância e a sua história refere-se às desigualdades e

diferenças entre grupos diversos de crianças, o que invalida o sentimento unitário e

uniforme atribuído ao conceito. Considerou-se que

[...] fatos relativos à evolução da infância, na pluralidade das suas

configurações, inscrevem-se em contextos cujas variáveis delimitam

perfis diferenciados. A infância é um discurso histórico cuja

significação está consignada ao seu contexto e às variáveis de contexto

que o definem. Semelhantes contextos são de natureza econômica,

social, política, cultural, demográfica, pedagógica, etc. É indispensável

discernir quais dessas variáveis são de fato atuantes em cada conjuntura

e são, consequentemente, pertinentes na delimitação do território em

causa. [...]

A modernidade faz da denominação infância um guarda-chuva a

abrigar um conjunto de distribuições sociais, relacionadas a diferentes

condições: as classes sociais, os grupos etários, os grupos culturais, a

raça, o gênero; bem como a diferentes situações: a deficiência, o

abandono, a vida no lar, na escola (a criança e o aluno) e na rua (como

espaço de sobrevivência/ brincadeira). É nessa distribuição que as

concepções de infância se amoldam às condições específicas que

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resultam na inclusão e na exclusão de sentimentos, valores e direitos

(KUHLMANN JUNIOR; FERNANDES, 2012, p.31 )

Por isso é preciso salientar que a ideia de infância não existiu sempre e da mesma

maneira em todos os lugares, como também não se pode falar em uma única infância, mas

sim, infâncias no plural:

[...] não existe, a bem dizer, uma infância. Existem várias experiências

humanas que modelam a criança dentro de limites cronológicos

determinados. A esses períodos que desenham a pessoa da criança ou a

criança como pessoa, sobrepõe-se as alteridades dos tempos sociais que

delimitam o território onde cada um se faz. Portanto, a alteridade social

da infância é determinada historicamente pela modificação nas formas

de organização da sociedade. Na sociedade capitalista, na medida em

que mudam a inserção e o papel social da criança na comunidade, a

sociedade burguesa trata de administrar também o seu tempo da vida,

portanto, sua infância (SIQUEIRA, 2011, p. 23).

Schimidt (1997) e Marafon (2009) descrevem que os séculos XVII e XVIII foram

da descoberta da infância, e o século XIX o momento de consolidação da produção de

saberes na tentativa de explicá-la, mas foi realmente no século XX que ocorreu um

intenso movimento internacional em favor da criança, do seu estudo e da sua educação,

sendo, portanto, denominado o século da criança.

Pensar a infância como tempo social da vida requer situá-la noutra perspectiva,

em que o tempo se faz histórico, social e cultural. A existência, noção, negação,

ocultamento ou exacerbação da infância ao longo da história mostram sua relação com

um tempo que foi construído nas mediações daquilo que expressa o poder e a soberania

da adultícia com relação ao tempo e o espaço da infância, mas mostra, acima de tudo, que

a infância é um tempo social que reflete uma determinada classe social e de uma

determinada localidade. No plano lógico-histórico, a infância é, portanto, a infância de

uma determinada classe social (Siqueira, 2011).

Deste modo, a concepção adotada para este estudo é de considerar a criança e a

infância como categorias históricas e sociais, na qual a criança revela o indivíduo e a

infância revela o tempo em que esse indivíduo se constitui e constrói a sua história.

(Siqueira, 2011, p. 23).

1.2.Os novos papéis do mundo infantil: entre a normalidade e a anormalidade

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No mundo ocidental, entre os séculos XV e XVIII surgiram novas formas de

produção, formaram as classes sociais e o impulso de ‘civilizar as nações’, e

simultaneamente também foi se configurando uma concepção de sujeito racional,

articulada a uma noção de consciência de si e dos outros, até então inédita. (Foucault,

1981; Chartier, 1991, Elias, 1994; Smolka, 2002; Heywood, 2004; Ariès, 2014).

Intrinsecamente relacionada às condições de vida e às relações de

produção, aos sistemas de trocas e à comercialização crescente, ao

desenvolvimento das sociedades urbanas e à formação dos Estados, ao

estabelecimento e explicitação de normas de conduta e ao surgimento e

reorganização de classes e posições sociais, ao cada vez maior domínio

dos fenômenos da natureza; a concepção do Eu humano, que começava

a se esboçar nos séculos XIV e XV, encontrava-se também vinculada a

um movimento de secularização do pensamento em relação à imposição

da autoridade eclesiástica, e à possibilidade do homem de colocar-se

conscientemente como objeto de seu pensar. A noção de “sujeito”, nas

suas mais variadas facetas – como ser pensante, agente, falante,

sensível, bom, livre, transcendental... – ia ganhando contornos

diferenciados, e novos delineamentos conceituais e teóricos iam

surgindo. (SMOLKA, 2002, p. 101).

Um destes delineamentos foram os novos papéis que passaram a permear o mundo

infantil. Como vimos no item anterior, os românticos idealizavam a criança como uma

criatura abençoada por Deus, e a infância como uma fonte de inspiração. No século XVII

abriu-se o caminho para que cientistas educadores estudassem a infância em grande escala

(Heywood, 2004).

Neste período os sujeitos foram cuidados, educados e formados no seio das suas

famílias. Cada história, cada cultura foi revelando traços característicos e marcantes para

a concepção de infância e de criança. Mas o que prende a atenção neste item é como as

instituições assumiram diversas funções para atendimento da infância nas mais diversas

camadas: a escola (apta para transmitir conhecimentos, sobretudo a cultura letrada), os

hospitais ou as igrejas (por conta do abandono, surgiram as “rodas”, como veículo

promotor dos cuidados em prol da sobrevivência dos miúdos), os orfanatos (atendimento

às crianças abandonadas), as creches (proporcionavam assistência às mães trabalhadoras)

e os asilos ou institutos especializados (amparo aos deficientes ou aos anormais).

Estas instituições tomaram fôlego principalmente na Europa, com a Revolução

Industrial. A sociedade agrário-mercantil transformou-se em urbano-manufatureira, num

cenário de conflitos, onde as crianças eram vítimas de pobreza, abandono e maus-tratos,

com grande índice de mortalidade. Para minimizar tamanhos conflitos, o atendimento às

crianças tornou-se mais formal, e pouco a pouco foi se desenvolvendo... foram surgindo

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instituições para o atendimento de crianças desfavorecidas ou crianças cujos pais

trabalhavam nas fábricas (Oliveira, 2002).

A Revolução Francesa, a partir de 1789, também propiciou novos ideários à

educação da infância, modificando a função do Estado e, com isso, a responsabilidade

pela criança e o interesse por ela. Segundo Levin (1997), os governos começaram a se

preocupar com o bem-estar e com a educação das crianças.

Assim, ao longo da história a criança foi vista como deficiente em relação à

formação dos adultos, pois era preciso encontrar formas de transformar a criança imatura,

irracional, incompetente, associal e acultural em um adulto maduro, racional, competente,

social e autônomo. A partir desta premissa, abordada nos estudos de Heywood (2004),

enfocaremos a infância sob quatro perspectivas:

1. A infância entendida no campo da arquitetura e da tensão da sociedade de classes;

2. A infância pensada naquilo que a constitui enquanto universalidade e

singularidade;

3. A infância como tempo social da vida a ser analisado não na cronologia de um

tempo etário/ biológico, mas como tempo histórico que se refaz ao longo da

existência;

4. A infância enquanto complexo tutelar, que precisa ser educada para atendimento

da normatização de comportamentos e, em sua impossibilidade, aplicar as normas

de assistência e de patologização.

1.2.1. A infância no campo da arquitetura e da tensão da sociedade de classes

A escolarização no século XIX foi marcada pela expansão da rede de atendimento,

a absorção de crianças problemáticas antes não incorporadas por ela, diversificação dos

serviços oferecidos e organização no plano nacional como subsistema educacional

(Bueno, 2004), tendo como base a extensão do autocontrole ao conjunto das relações

sociais, ou seja, um controle sobre as crianças, interferindo no âmbito privado das famílias

em geral. O modelo de civilização produzido previa a reprodução das formas de

comportamento presentes no interior de uma configuração social aristocrático-burguesa,

para toda a população, de forma que transformasse as coerções externas em coerções

interiorizadas (Veiga, 2002).

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Neste contexto, por meio da monopolização dos saberes elementares pelo Estado,

observa- se, portanto, a produção de um dispositivo de inclusão de todos na civilização;

neste sentido, a identidade de escolarizado/não-escolarizado produziu novas relações de

interdependência entre os grupos sociais, indicando outra configuração social. Como na

monopolização da força física, a monopolização dos saberes pelo Estado diluiu as

relações de saber na sociedade, particularmente entre as populações pobres, fazendo

desencadear todo um movimento de contenção dos seus saberes e, com isso, tornando

possível a delegação da educação dos seus filhos ao Estado (Veiga, 2002).

Neste movimento de contenção dos saberes, espaços foram sendo criados para a

educação de públicos específicos. A escola da elite não se parecia com a escola dos menos

favorecidos. Assim,

É evidente que a universalização da instrução elementar e a extensão

social das formas de comportamento civilizado constituíram um

aprofundamento do controle das normas de conduta, e isto esteve

relacionado à produção de novas formas de sociabilidade e de distinção

social, engendradas pela escolarização. Podemos afirmar, portanto, que

a difusão da escolarização como categoria de atividade social foi

fundamental para os processos de alteração da sociabilidade em curso,

ao longo do século XIX e no início do século XX, bem como para as

mudanças dos mecanismos de produção das distinções sociais que

significaram alterações expressivas nas relações de gênero, geração,

etnia e classe social. (VEIGA, 2002, p. 99)

A diferenciação entre os períodos anteriores e o século XIX se deu nessa inversão,

buscando-se a predominância não das formas escolares da retórica e da “falsa civilidade”

nos processos de socialização, mas das configurações sociais nos processos de

escolarização como caminho para produção da previsibilidade. Tais formações sociais

referem-se às relações de gênero, geração, etnia e classes sociais, na maneira como

estavam sendo constituídas na sociedade. Portanto, a perspectiva do Estado - de incluir

os pobres na escolarização para completar o processo civilizatório - pressupôs a

homogeneização das relações sociais que, ao mesmo tempo, somente se estabeleceram

como homogênicas por presumirem uma diferenciação. Concretamente, nesse sentido a

escola se estrutura como prática social com base no dispositivo escolarização; é produtora

e reprodutora de formas sociais, da socialização, expressa na difusão da cultura escrita,

do saber científico, e da individualização (Veiga, 2002).

Sob esta perspectiva, a criança passa a ser uma variável da análise social, a ser

considerada em conjunto com outras, como a famosa tríade classe, gênero e etnicidade.

Em outras palavras, uma categoria relacionada à idade, como a infância, não pode ser

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investigada sem que se faça referência a outras formas de diferenciação social que a

intersectam. Uma infância de classe média não pode ser investigada sem que se faça

referência a outras formas de diferenciação social que a confrontam. Uma infância de

classe média será diferente daquela vivida no seio da classe trabalhadora, os meninos

provavelmente não serão criados da mesma forma que as meninas, as experiências de um

jovem em família católica da Irlanda serão distintas das daquele que cresceu em uma

família protestante alemã, e assim por diante. (Heywood, 2004, p. 12)

1.2.2.A infância enquanto universalidade e singularidade

As concepções de criança e de infância passam a compor os inúmeros quadros da

modernidade. Pensar sobre elas com novos investimentos, novas reflexões, novas

propostas passou a ser o signo de uma nova era. Uma era marcada pela civilização, que

de acordo com Elias (1994, p. 23), expressaria a consciência que o Ocidente tem de si

mesmo, constituindo um diferencial em torno de sua tecnologia, da natureza de suas

maneiras, do desenvolvimento de sua cultura científica e de sua visão de mundo.

A civilização da infância, marcada pela escolarização transformou esta etapa

singular por meio da monopolização dos saberes pelo Estado. Este deu conta de realizar

a difícil tarefa enfrentada pelas elites políticas e intelectuais ao longo do século XIX, ou

seja, a de estender a todos alguns padrões de comportamento, sem contudo se desfazerem

das práticas de diferenciações que tanto marcaram a sociedade do século XIX. A questão

era como se desfazer da pedagogização, presente do século XVI ao século XVIII, por

meio da escolarização (Veiga, 2002, p. 99).

Para o uso de tais práticas era preciso uma revolução. Foi exatamente o que o

século XIX proporcionou: a substituição da pedagogização das relações sociais pela

escolarização. Mais que tornar gestos e ações previsíveis, foi preciso indicar o caminho

da produção da previsibilidade, não mais para um grupo restrito, cuja aprendizagem

parecia estar concluída, mas para toda a sociedade (Veiga, 2002).

A criação de saberes, a consciência da civilização, a padronização de

comportamentos, a corporificação na ciência, na tecnologia ou na arte passaram a ser

componentes de referência ao outro, do não civilizado e o que deveria ser civilizado

(Elias, 1994). Com isso

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A monopolização dos saberes pelo Estado e a sua efetiva consolidação,

no final do século XIX, criou condições para a produção de saberes que

ultrapassaram a “falsa pedagogização”, revelada nas práticas de

adestramento e castigos físicos, de memorização e de dor, por uma

pedagogia que fizesse da civilização a própria natureza humana,

homogeneizada para toda a sociedade. Como bem nos indicou

Foucault, antes de mais nada essas mudanças engendraram técnicas de

poder que realizaram um controle detalhado e minucioso do corpo:

gestos, atitudes, comportamentos, hábitos, discursos. Para Elias, são

ainda técnicas de controle das emoções, pelas quais, com base em

determinado contexto histórico, a manifestação de determinadas

emoções foi considerada inoportuna, sinônimo de periculosidade e

perturbação. (VEIGA, 2002, p. 100).

Outra medida adotada para universalizar a escolarização da infância foram as

noções de higienização das práticas escolares. Classificando as crianças por meio da

idade, criou-se uma “uniformização” das classes, nos quais os alunos viam-se impedidos

de ter contatos com os diferentes. Distintas modalidades de ensino passam a ser criadas

como mecanismo de capacitar os sujeitos conforme suas condições, categorizando-os.

Essa separação em classes supõe observar uma tripla construção em prol da moralização:

a de classe escolar, a de classe de idade e a da classe por sexo. (Gondra, 2004).

O surgimento destas classes serviram como medida para eliminar a promiscuidade

das idades muito diferentes entre si, traço que prevaleceu até o século XVIII. Para Gondra

(2004) e Ariès (2014), a regularização do ciclo anual das promoções, o hábito de impor

aos alunos a série completa das classes, em lugar de apenas algumas e, a necessidade de

uma pedagogia nova, adaptada a classes menos numerosas e mais homogêneas,

resultaram, no início do século XIX, na fixação de uma correspondência cada vez mais

rigorosa entre idade e classe. Os mestres, segundo ele, habituaram-se então a compor suas

classes em função da idade dos alunos e permitiram impor regras, normas e a classificar

segundo padrões por meio da (a) normalidade.

Em suma, a arte de punir, no regime do poder disciplinar, não visa nem

à expiação, nem mesmo exatamente à repressão. Põe em funcionamento

cinco operações bem distintas: relacionar os atos, os desempenhos, os

comportamentos singulares a um conjunto, que é ao mesmo tempo

campo de comparação, espaço de diferenciação e princípio de uma

regra a seguir. Diferenciar os indivíduos em relação uns aos outros e em

função dessa regra de conjunto [...]. Medir em termos quantitativos e

hierarquizar em termos de valor as capacidades, o nível, a “natureza”

dos indivíduos. Fazer funcionar, através dessa medida “valorizadora”,

a coação de uma conformidade a realizar. Enfim, traçar o limite que

definirá a fronteira externa do anormal [...]. A penalidade perpétua que

atravessa todos os pontos, e contra todos os instantes das instituições

disciplinares, diferencia, hierarquiza, homogeneiza, exclui. Em uma

palavra, ela normaliza (FOUCAULT, 1991, p. 163).

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Normalizar, padronizar, disciplinar foram mecanismos criados para educar os

“desajustados”, ou seja, todos que não estavam inseridos no processo civilizatório de

modernidade deveriam compor essa tríade. Atribuir um novo papel à infância a partir de

sua categorização foi uma forma de responder a uma determinada forma de

desenvolvimento social e à função que a instituição escola assume na sociedade de

classes, na qual não podemos negar que existem indivíduos que possuem anormalidades

orgânicas (Bueno, 2004). Universalizar a infância propiciou sua (s) singularidade (s),

dentre estas a infância anormal e desvalida.

1.2.3.A infância como tempo social

Entendida como fruto de um tempo histórico que se refaz ao longo de sua

existência, a infância também comporta o crescimento biológico e cognitivo do próprio

organismo, podendo ser utilizada para classificar as “idades da vida”.

As idades da vida diante do processo de escolarização vivenciaram não apenas

práticas de conhecimento, mas de civilidade, nas quais foram gerando uma nova

centralidade social: a de incapacidade plena (social e, mais tarde, jurídica) e objeto de

proteção-repressão nos lares, nas igrejas e nas escolas. Estas são suas características mais

significativas. (Nascimento, Brancher e Oliveira, 2008, p. 6).

Consideremos estas duas características e a teoria de Descartes (2005), que deu

origem a um novo tipo de pensamento e revolucionou a história da infância: com

existências separadas, passam a ser analisadas uma fisiologia para o corpo e uma teoria

de paixões para a alma. É a alma que dá ordem ao corpo e comanda seus movimentos.

Com Descartes, então, ocorreu a supervalorização de dualismos, de conceber o mundo e

o próprio ser humano. (Levin, 1997).

Em meio a este dualismo, as noções de proteção, amparo e dependência em

relação aos infantes de menor idade caracterizaram-se como expressões particulares de

normalização do corpo pela normatização de discursos sociais, biológicos ou

pedagógicos. Ou seja, vistas apenas como seres biológicos, as crianças necessitavam de

grandes cuidados e também de uma rígida disciplina, a fim de transformá-las em adultos

socialmente aceitos. (Levin, 1997).

Com isso, podemos considerar que

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A infância, como uma fase da vida humana, tem sido discutida sob

vários enfoques. Muito além de ser apenas um período definido

biologicamente como parte do início da vida, a infância é uma

construção cultural, social e histórica, definida em cada período por

diferentes representações. Nesse sentido, podemos apontar que, desde

Platão, que via na infância um período de ausência de racionalidade e

considerava a criança, de todos os animais o mais intratável, na medida

em que seu pensamento, ao mesmo tempo cheio de potencialidades e

sem nenhuma orientação reta ainda, o tornava o mais ardiloso, o mais

hábil e o mais atrevido de todos os bichos. (PLATÃO apud

GAGNEBIN, 1997, p. 85), passando por Santo Agostinho, que via a

infância como um .mal necessário., até chegarmos aos períodos em que

ela passa a fazer parte das preocupações da sociedade adulta, temos um

longo caminho (SARAT, 2007, p. 02).

No início do século XX a investigação científica acerca da infância desenvolveu

técnicas sofisticadas para analisar o desenvolvimento biológico/fisiológico/físico e

psíquico/psicológico das crianças.

No campo biológico, seu desenvolvimento passou a ser considerado universal,

porém a individualidade dos infantes passou a ser um recorte continuum, obedecendo às

diferenças do ritmo fisiológico, variando de indivíduo para indivíduo de acordo com o

sexo (Santos, 1996).

No campo psicológico, nas décadas de 1920 e 1930 vários autores defenderam a

tese desenvolvimentista de infância, levando em conta as ideias de respeito face à

individualidade do ser. Neste período destacaram-se as teorias de Vygotsky9, Wallon10 e

Piaget11, que direcionaram seu trabalho de forma a corresponder às características do

pensamento infantil.

9 Os estudos de Lev Semyonovich Vygostsky (1896-1934) centralizaram-se na perspectiva

sóciointeracionista, ou seja, a partir da relação com o outro é que podemos construir conhecimentos numa

relação dialética entre linguagem e pensamento. Seus estudos concentraram-se em quatro pilares: 1) As

funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtos da atividade cerebral. O cérebro é um

sistema aberto, pois é mutável. Suas estruturas são moldadas ao longo da história do ser humano e de seu

desenvolvimento individual; 2) O funcionamento psicológico tem base nas relações sociais, dentro de um

contexto histórico; 3) A cultura é parte essencial do processo de construção da natureza humana; 4) A

relação pessoa-homem-mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos. Entre o homem e o mundo

existem elementos mediadores – ferramentas auxiliares da atividade humana (STADLER et al., 1999). 10 Henri Paul Hyacinthe Wallon (1879-1962) dedicou-se a compreender a afetividade como fator

determinante para o processo de aprendizagem, podendo manifestar-se de três maneiras: pela emoção

(ativação orgânica), pelo sentimento (caráter cognitivo) e pela paixão (autocontrole em prol de um

objetivo), perfazendo toda a trajetória dos indivíduos. 11 Os estudos de Jean William Fritz Piaget (1896-1980) focaram o processo de aprendizagem das crianças,

o que gerou a Teoria Epistemológica Genética ou Teoria do Conhecimento. Sua base teórica considera que

a aprendizagem é um processo que só tem sentido diante de situações de mudança. Adaptação, assimilação,

acomodação são os processos dinâmicos que reorganizam novas aprendizagens (reestruturas cognitivas),

permeadas por estágios de desenvolvimento.

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Além destes campos, outras noções também foram se modificando. A idealização

acerca dos conceitos de pais, mães, professores e crianças foram sendo fabricados à

medida que as técnicas de observação e de avaliação se associaram ao desenvolvimento

da racionalidade estatística e do cálculo das probabilidades.

Mas esta fabricação não era uma ficção, já que as normas de

aprendizagem, de desenvolvimento e de sucesso instilavam noções de

estabilidade no “carácter” do indivíduo. Assim, estimulavam-se as

comparações entre crianças da mesma faixa etária de forma a conferir

sentido à noção de normalidade. A teoria psicanalítica de Freud atribuiu

enorme importância às primeiras experiências da criança e aos

processos de identificação com progenitores do mesmo sexo. As

famílias, em especial as mães, foram inundadas com informação e

conselhos sobre os cuidados a ter com a formação dos filhos, desde o

período pré-natal, passando pela adolescência, até à fase adulta. Em

qualquer dos casos estas mensagens eram portadoras de conhecimentos

científicos especializados que definiam o que era “normal” e desejável

na infância e quais os cuidados que as famílias deveriam proporcionar

à sua prole. (POPKEWITZ e BLOCH, 2003, p. 46).

O tempo histórico e social se fizeram presentes, atribuindo um novo pensar às

concepções de criança, de infância, de família e de escola, atribuindo não apenas valores

multiculturalistas, mas dando espaço a outras ciências e tecnologias, que passaram a

constituir a formação, a civilização e a normatização de tempos, de etapas de

desenvolvimento, de categorias, de cuidados e sobretudo, do surgimento não apenas de

uma única, mas sim, de várias infâncias.

1.2.4.A infância enquanto um complexo tutelar

Enquanto complexo tutelar, a infância envolveu uma alquimia muito especial!

Desde a padronização de currículos até os desvios com relação às normas marcaram as

trajetórias de desenvolvimento da criança. Os conceitos que apelavam para determinadas

normas de coesão social e de progresso associados ao desenvolvimento da criança – isto

é “comunidade”, “família”, “casa” – estavam inscritos na nova escola moderna. Esta

procurou, simultaneamente, tornar cada ser individual num ser social, absorvendo a

criança no pensamento e na consciência universalizada de tempo (Popkewitz e Bloch,

2003).

Incluir as crianças no novo molde social da modernidade representou repensar o

“cuidar”. Mas quais cuidados seriam almejados para a infância? Estes “novos” motes

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passaram a circular no seio social e representaram distintos repensares sobre a formação

deste público: era preciso civilizar, normatizar e naturalizar “excepcionalidades”, dar

assistência aos que necessitassem, amparar as patologias e até mesmo as marginalidades.

Sob o manto da excepcionalidade, são incluídos os sujeitos com as características

mais variadas e diversas, cujo alvo determinante é “o desvio da norma, não a norma

abstrata, que determina a essência a-histórica da espécie humana, mas a norma

construída pelos homens nas suas relações sociais” (BUENO, 2004, p. 64).

Por meio das relações sociais, o princípio da educabilidade tomou fôlego,

fomentando a tutela a todos os infantes. Exemplo disso é o caso do menino selvagem ou

do menino-natureza, no qual são demonstradas as possibilidades de naturalizar a infância,

estendendo ao campo educacional os códigos gerais da civilidade e da normalidade em

prol de experiências culturais na definição das habilidades sensitivas, físicas, morais,

intelectuais, afetivas e sexuais dos indivíduos.

Uma pequena digressão neste caso, pois ele é ilustrativo do debate sobre

o mito construído a respeito da natureza da vida e da naturalização da

infância. Digressão que também parece ser interessante, dada a

facilidade de acesso aos relatórios do Dr. Itard e ao belo filme que trata

desse caso, dirigido por François Truffaut, intitulado A criança

selvagem, de 1969. O que se passa nesse caso? Como ele pode ajudar a

pensar a emergência da infância como fração da vida e a sua

naturalização? O menino conhecido como “selvagem de Aveyron” foi

encontrado, pela primeira vez, no final do século XVIII, por volta de

1798, e estima-se que tinha entre 11 ou 12 anos. Ele se alimentava de

grãos e raízes, trotava ou galopava, não falava, muito menos lia ou

escrevia. O médico Jean Itard, divergindo do diagnóstico de seu mestre,

que classificara o menino como idiota, não suscetível de espécie alguma

de sociabilidade e instrução, termina por obter apoio do governo francês

para desenvolver uma experiência educativa, na tentativa de inseri-lo

no mundo dos homens, no mundo civilizado. “Adotado pela pátria”, o

menino é entregue aos cuidados do Dr. Itard durante cerca de 10 anos,

período no qual é submetido a inúmeras experiências no que se refere a

alimentação, locomoção, educação de alguns sentidos, sobretudo tato,

olfato, visão, paladar e audição (GONDRA, 2010, p. 199).

Entendida como um complexo tutelar, a educação assumiu um programa de

formação que apoiou e reforçou o caráter estratificado da escola e da vida, ao mesmo

tempo em que definiu um tempo de competência sobre a vida, que seria de

responsabilidade da casa e outro, da escola - diga-se, do Estado, cada vez mais interessado

em disciplinar os corpos e as populações, como forma de se legitimar e de se reproduzir

(Gondra, 2010). Nesse sentido, a escola parece ser uma agência talhada para agir nessas

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duas pontas: especializou-se para atender as estratégias do Estado e da dinâmica de

governo e por ele praticada.

No caso do campo pedagógico, o que se evidencia é sua colonização

pelo saber médico-higiênico e por suas derivações mais recentes, que,

cada vez mais especializadas, segmentam não apenas as idades da vida,

mas cada uma das manifestações dos sujeitos, invadindo o saber

pedagógico de um vocabulário e de uma dependência que enfraquecem,

despotencializam cada vez mais a ação dos professores e das famílias,

sobretudo as mais pobres e as mais afastadas do capital cultural que

procura englobá-las, dominá-las, enfim, normalizá-las (GONDRA,

2010, p. 204).

Por outro lado, teorias de inspiração freudiana esperavam ensinar os professores

e os pais a criar crianças e adultos “aprendentes”, um fato que contribuiria para anular o

primitivismo dos desvios à norma. O movimento que começou a estudar o

desenvolvimento infantil transformou-se, de modo sistemático, numa forma de aferição

científica: as crianças tornadas objetos de conhecimento, eram observadas através de

tecnologias behavioristas, monitorizadas em escolas-laboratório, testadas e mensuradas...

e tudo isso implicava a aceitação de etapas e normas de desenvolvimento (Rose, 1999).

Dando continuidade às ideias desenvolvidas por seus colegas de Chicago, para

Dewey a ciência não consistia na mensuração das capacidades ou do crescimento. A

ciência tinha como objeto estudar as inclinações do cidadão no que respeitava à sua forma

de relação com a comunidade, uma ideia profundamente ligada ao conceito do “grupo

primário”. Também o corpo, as subjetividades e a sexualidade passaram a ser objeto de

atenção de práticas curriculares, que pretendiam atingir todas as crianças sujeitas ao

desenvolvimento de normas emocionais e sociais consideradas universalmente desejáveis

(Bloch, 1951). Os modos e a moral de conduta das crianças e dos professores deveriam

retirá-los das culturas “étnicas” e reinseri-los no contexto doméstico e nas comunidades

locais. Assim, a Pedagogia não consistia no ensino de disciplinas escolares mas antes

numa luta que procurava reconstituir a criança “normal”.

Para crianças de elite era preciso fornecer conhecimento; ofertar casas para as

marginalizadas e sem família; oferecer assistência para crianças de famílias pobres;

prover cuidados para crianças doentes, e para as anormais físicas, sensoriais e mentais,

providenciar espaços especializados.

Sob este aspecto, os espaços institucionais para segregação dos “degenerados” que

no Brasil surgiram no século XIX e no caso específico dos cegos e dos surdos-mudos,

segundo Lobo (2015), estariam mais ligadas às práticas pedagógicas do que propriamente

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com as preocupações higienistas. Porém, o que vemos é que no século XIX, surgiu um

movimento de “suprir” as “carências” da infância, transformando-as em objeto de estudo,

de cuidados e de amparo para normatização e normalização segundo as premissas da

modernidade.

1.3.A escolarização da infância anormal e desvalida

E porque os exemplos mostram que o homem sem instrução não se

torna mais do que um bruto … Têm necessidade de ensino: os estúpidos

e os inteligentes … Todos, portanto, sem nenhuma exceção … Que

devem ser enviados às escolas não apenas os filhos dos ricos ou dos

cidadãos principais, mas todos por igual, nobres, plebeus, ricos e

pobres, rapazes e raparigas, em todas as cidades, aldeias e casais

isolados … Alguns sobretudo (os estúpidos e os débeis por natureza)

devem ser muito ajudados ... para que, quanto possível, se liberte da sua

debilidade e da sua estupidez brutal …. Porque é que, então, no jardim

das letras, apenas queremos tolerar as inteligências de uma só espécie,

ou seja, as precoces e ágeis? Ninguém, por conseguinte, seja excluído,

a não ser a quem Deus negou a sensibilidade e a inteligência. (Comênio,

p. 105-109, 127-130 apud ALVES, 2012, p. 22)

Iniciamos este item perguntando: por que e para que educar a infância deficiente,

excepcional, anormal ou desvalida? Seguindo os preceitos de Jan Amos Comenius (1592-

1670), todos têm necessidade de ensino, porque a educação serve para desenvolver o

espírito, a virtude, a religiosidade e a aquisição de conhecimentos.

Desta maneira, a pedagogia de Comenius pode ser compreendida como:

[...] uma conjunção de ideias religiosas e ideias realistas. Continua, de

certo modo, a corrente religiosa da Reforma e a empirista da

Renascença. A parte religiosa se refere mais aos fins da educação e a

realista, aos meios. O fim da educação é, para Comenius, a salvação, a

felicidade eterna. Mas essa educação não está enquadrada em

determinada confissão religiosa, antes é religiosidade

extraconfessional, íntima. Em verdade, os fins da vida e, portanto, da

educação, para Comenius, são três: o saber, que compreende o

conhecimento de todas as coisas, artes e línguas; a virtude, ou os bons

costumes, que inclui não só as boas maneiras como o domínio das

paixões; e a piedade ou religião, isto é, a veneração interna pela qual a

alma do homem se une ao Ser supremo. (LUZURIAGA, 2001, p. 139)

De um ser sem importância, quase imperceptível, num processo secular a criança

passou a desempenhar um papel de destaque na sociedade, por meio da escolarização,

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iniciada na Europa do século XVI e levada a cabo por educadores, sacerdotes católicos e

protestantes, provocando tanto uma metamorfose na formação moral e espiritual do

infante quanto na vida privada da família.

Destarte, a educação do século XVII foi marcada pelos ideais de Comenius, pelas

correntes filosóficas empíricas (representada principalmente por Bacon), racionalista

(fundada por Descartes), e também pelo movimento científico, naturalista e crítico que

partiu da Renascença, notadamente com Galileu e Kepler.

Mas como era trabalhada até então a educação das crianças cegas e surdas, objeto

deste estudo?

Buscando na história informações significativas sobre o atendimento educacional

dos sujeitos com deficiência, pode-se constatar que, até o século XVIII, as noções a

respeito da deficiência eram basicamente ligadas ao misticismo e ocultismo, não havendo

base científica para o desenvolvimento de noções realísticas. O conceito de diferenças

individuais não era compreendido ou avaliado. “As noções de democracia e igualdade

eram ainda meras centelhas na imaginação de alguns indivíduos criadores”.

(MAZZOTTA, 2005, p.16)

Mas foi no século XVIII - conhecido também como o século das Luzes - que a

educação tomou fôlego. Mudanças em todos os aspectos passaram a vigorar em todos os

campos: na filosofia, a supremacia da razão; na política, o “despotismo esclarecido” ;

pedagogicamente, como o século da instrução sensorialista e racionalista, do naturalismo

e do idealismo na educação, assim como da educação individual e educação nacional em

prol da formação das crianças, fossem elas normais ou anormais.

Deste modo, a educação do século XVIII pode ser caracterizada a partir dos

seguintes movimentos:

1º) Desenvolvimento da educação estatal, da educação do Estado, com

maior participação das autoridades oficiais no ensino;

2º) Começo da educação nacional, da educação do povo pelo povo ou

por seus representantes políticos;

3º) Princípio da educação universal, gratuita e obrigatória, no grau da

escola primária, que fica estabelecida em linhas gerais;

4º) Iniciação do laicismo no ensino, com a substituição do ensino da

religião pela instrução moral e cívica;

5º) Organização da instrução pública em unidade orgânica, da escola

primária à universidade;

6º) Acentuação do espírito cosmopolita, universalista, que une

pensadores e educadores de todos os países;

7º) Sobretudo, a primazia da razão, a crença no poder racional na vida

dos indivíduos e dos povos;

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8º) Ao mesmo tempo, reconhecimento da natureza e da intuição na

educação. (LUZURIAGA, 2001, p. 150 e 151).

A partir destas ideias, surgiram os primeiros movimentos que introduziram a

política de caridade, assistência e proteção à infância anormal e desvalida. Assim, a

infância que precisava ser assistida era designada de “órfã” e “exposta”. A primeira dizia

respeito também à criança que tinha perdido um dos pais, e a segunda, chamada também

de “enjeitada” ou “desvalida”, correspondia à criança que alguém não quis cuidar ou

receber. Para o final do século, o termo “desvalido” passou a ser mais utilizado,

significando a criança miserável (RIZZINI, 2009).

As crianças anormais eram crianças que “em virtude da sua constituição física e

intelectual se tornaram incapazes de aproveitar dos métodos comuns de instrução e de

educação em vigor nas escolas públicas” (BINET e SIMON, 1904, p. 6-7).

Assim foram se constituindo os espaços e estudos específicos para as crianças ora

anormais, ora desvalidas. Os primeiros institutos destinados à formação deste público12

foram: o Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris (1770); o Instituto Nacional dos

Jovens Cegos em Paris (1784); a educação do deficiente mental iniciada com Itard, em

1880, que tentara educar o selvagem de Averyon, Victor, baseado na metodologia

sensualista de Condillac13; Edouard Séguin, a partir de 1840; com os deficientes mentais

do Hospício dos Incuráveis de Bicêtre, e por Montessori no início do século XX

(Jannuzzi, 2012).

Outro autor afirmou que estes espaços e cursos visavam principalmente a

formação humana:

O homem, em seu estado natural, deve ser educado. Mudar a natureza

é tarefa civilizadora. Educar pode ser desnaturalizar. Mas pode ser

também tornar eficaz a experiência individual. De qualquer forma, o

povo ignorante, a criança, o selvagem, e mesmo o doente e o louco, que

escapam à normalidade, que desafiam e questionam as próprias leis que

a razão lhes impõe (Certeau, 1982), devem ser objetos de uma tarefa

educativa, de uma missão civilizatória, de uma atividade socialmente

significativa, que acaba por lhes atribuir o estatuto de homem. A

12 Antes do século XVIII, no campo da surdez, houve personagens como o médico Girolamo Cardano

(1501-1576) que reconheceu a habilidade do surdo para a razão, utilizando a língua de sinais e escrita com

os surdos. Na Espanha o monge beneditino Pedro Ponce de Leon (1510-1584) num mosteiro de Valladolid

ensinava latim, grego e italiano, conceitos de física e astronomia a dois irmãos surdos, Francisco e Pedro

Velasco, membros de uma importante família da nobreza espanhola e posteriormente dedicou grande parte

de sua vida a ensinar os filhos surdos de aristocratas. No campo da educação de cegos, o Hospício de

Quinze-Vingts, na França, foi fundado por volta de 1260 por Louis IX para amparar 300 cavaleiros. 13 De acordo com os estudos de Jannuzzi (2012, p. 18), o sensualismo de Étienne Bonnot de Condillac

(1715-1780), segundo Lourenço Filho (1930, p. 24), seria uma teoria mecanicista pela qual a vida mental

funciona a partir das sensações, da percepção, e depende, in totum, das operações dos sentidos.

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criança, e no caso de Victor, a criança selvagem, objeto de observação,

de registro, de estudo, de ciência, é também objeto das práticas

educativas, que vão, cada vez mais, se normatizando e se inscrevendo

nos modos de pensar e de atuar da época. (SMOLKE, 2002, p. 109).

Estes institutos e seus respectivos estudos não funcionavam apenas como espaços

educativos e pedagógicos, mas também como espaços de prevenção e prescrição de

parâmetros mínimos de educar para a normalidade, entendidos aqui como taxonomia (Ó,

2004, p. 521), possibilitando a estes sujeitos medidas de acesso ao meio social.

Desta forma o deficiente deveria atender aos princípios da taxonomia, ciência que

classifica os seres vivos e estabelece critérios - e, neste caso, qualificar seres humanos de

acordo com características fisiológicas, evolutivas, anatômicas e comportamentais - em

prol da civilização.

No caso da deficiência sensorial, e a partir desta classificação, podemos adotar a

distinção entre anomalia (entendida como irregularidade ou ausência de um órgão

objetivo do corpo, sua estrutura e formação) e anormalidade (que implicaria referência a

um valor como desvio ou falta de um componente físico em relação ao meio).

Por isso, julgamos que a anormalidade - que vem sendo questionada nos diferentes

momentos e em diferentes lógicas ou domínios - seja apenas um campo onde o jogo

metafórico se constrói em diversos vetores que se lhe associam, gerando formas de

conflito que se legitimam nas assimetrias humanas nos domínios anatômico, fisiológico,

biológico e genético, na comunicação, na interação social e nos saberes. Por essa ótica,

Calvez (1991) adotou o conceito de estigma para definir a situação dos sujeitos

considerados inaptos, não só física ou mentalmente, mas também por condutas

desviantes, e por isso não sendo plenamente aceitos numa sociedade que os empurrou

para as franjas da marginalidade, geradora de universos fechados e isolados, relegados

para instituições de guarda, não lhes possibilitando o pleno acesso à cidadania.

Ervin Goffman (1995) desenvolveu o conceito sociológico dos seres humanos

“estigmatizados”, já então fundamentado pela Psicologia social. Segundo o autor, o

conceito de “estigma” reporta à longa duração, enquanto um “sinal corporal visível” nos

sujeitos, tendo como consequência sua “desqualificação moral e atos discriminatórios”

que, na Grécia antiga, se exerciam sobre todos “os homens que traziam essas marcas,

geralmente escravos, criminosos ou traidores, devendo estes serem evitados no espaço

público”. Este autor afirma sermos “nós (os normais) que construímos as teorias sobre o

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estigma, elaboramos uma ideologia que justifica a inferioridade do outro, baseada na ideia

de que representam perigo para a sociedade” (Goffman, 1995, p. 1).

A partir das ideias de taxonomia de Ó (2004), de estigma de Calvez (1991) e de

estigmatizado de Goffman (1995), podemos compreender a necessidade de diversos

países instituírem, por meio de um acoplado sistema educacional, estruturas espaciais

exclusivas para educar estigmas e anormalidades específicas em prol de uma formação

cidadã e moral.

Estas estruturas continuaram a se desenvolver 50 anos depois de fundada a

primeira escola para crianças cegas, na França, e foram instalados os primeiros internatos

para deficientes sensoriais em outros países. O primeiro internato para cegos nos Estados

Unidos remonta a 1829, e após este movimento, vários países tanto do Oriente quanto do

Ocidente foram criando Instituições especializadas, como símbolo de inovação e

modernidade.

O período de 1817 a 1850 foi de grande atividade em benefício das crianças

deficientes, como lembra Cruickshank (1974, p. 12). Nesta época apareceram escolas

para cegos, surdos e retardados mentais. Programas para crianças com defeitos físicos

surgiram em décadas posteriores.

Com o desenvolvimento destas escolas foi possível continuar aprimorando

estudos em prol de uma pedagogia científica, associando conhecimentos de diversas áreas

como a Filologia, a Medicina e a Psicologia, que assinalaram sua relevância na ênfase

especial concedida aos estudos voltados à infância e a estrutura do trabalho que orientasse

os mestres na educação, inclusive a dos cegos e dos surdos.

Uma destas estruturas, a mais ampla, é constituída pelos elementos

filológico, médico, pedagógico. A estrutura operativa é constituída pela

noção de criança-educando (surdo-mudo, cego), pela reabilitação

através da instrução/trabalho, pela instituição educativa (internato-

empresa). (ALVES, 2012, p. 24).

A normalidade não é algo naturalmente dado, mas atende às contingências e

expectativas de determinado momento social. Compreende-se aqui que a patologia existe,

mas precisa ser reconhecida como tal para que o comportamento desviante possa ser

normatizado.

Para que se efetivassem os princípios da normalização e da normatização escolar,

concebeu-se um novo modelo organizativo, denominado de “cascata de serviços”

especializados (Alves, 2012), que apoiariam a criança portadora de deficiência,

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proporcionando-lhe acesso e maior sucesso relativo à aquisição dos saberes escolares e

sociais, num “meio menos restritivo possível”. Para isso, criaram-se equipes

multiprofissionais que teriam como função proceder à identificação das necessidades de

cada criança/jovem, de serviços multidisciplinares para sua avaliação e para o

aconselhamento dos pais.

Contudo, além de os sujeitos serem caraterizados por seus estigmas tidos como

anômalos, uma nova perspectiva de ensino deveria “civilizar” o indivíduo diferente: a

“educagenia”, que não subestimava o respeito pela diferença “de sujeitos biológicos e

socialmente diferentes” (Afonso, 1997, p. 26).

No caso dos cegos e dos surdos, mesmo recebendo um atestado de “sujeitos

biologicamente anormais sensoriais”, eles não receberam um atestado de incapacidade.

Muito pelo contrário, estavam aptos a receber instrução e as capacidades passaram a ser

vistas, entendidas e transformadas em “expectativas normativas, em exigências”.

(Goffman, 1995, p.12).

Nos séculos XIX e XX, estas exigências eram de educar por meio da moral, do

intelecto e da capacidade profissional. No caso específico dos anormais sensoriais, era

tirar estes “infelizes” que estavam à margem da sociedade e incluí-los, possibilitando-

lhes comunicação pela leitura e escrita, de se deslocar com autonomia, de exercer uma

função social ativa. Somente pela pedagogia adaptada e pela ciência eram legitimados

cognitivamente e poderiam ser objetos de integração.

A padronização destes indivíduos não se limitava apenas a nomenclatura do ser

“diferente”, “anormal” ou “estigmatizado”, mas sim de vislumbrar na diferença a situação

de inabilitação para uma aceitação social plena. Podemos verificar que a normalidade

insere-se numa redoma social em que se estabelecem múltiplas relações, enquanto os

anormais vão passando a suas margens, numa fronteira mal definida e dinâmica.

Goffman (1995) trata de estigma físico enquanto marca diferenciadora, no corpo

e no comportamento. Categorizar como normal ou não normal é um processo social de

identificação, uma técnica de utilização do conhecimento do outro, mais que de si, de

colocação de seres na periferia e, como tal, no campo do manipulável: “A sociedade

estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como

comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias.” (Goffman, 1995, p.

11).

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Por sua vez, e sendo este um dos conceitos-chave a tratar, também consideramos

a visão de Georges Canguilhem de que:

Não há normalidade, mas normalidade em relação ao expectável. Às

obrigações perante um outro ou outros. Muito se poderia extrapolar em

termos de ideologias nascentes deste encarar do outro não igual à

norma. (CANGUILHEM, 1966, p. 4).

Deste modo e em todos os sistemas que envolviam a institucionalização de cegos,

o objetivo era o ensino de trabalhos mecânicos, ou associados às características físicas

desenvolvidas como compensação à ausência do sentido da visão e se destinavam apenas

a apoiar a sustentabilidade dessas entidades e, eventualmente, a divulgação dos

progressos grupais adquiridos pela inclusão em sistemas de controle, fora de um contexto

de mendicidade incômoda. Cegos faziam trabalhos manuais e aprendiam música, para

sempre integrados nos sistemas que geriam seus horários e comportamentos, mas sua

entrada era definitiva e seu trabalho nunca remunerado a ponto de possibilitar sua

autonomia. (Amado, 2007, p. 44).

Contudo, há elementos de fato agravantes que distinguem a problemática da

educação do anormal daquela da educação em geral. A própria escola, que incorpora

expectativas sociais servindo-se de critérios científicos, por meio do exercício de sua

função de transmissora do modelo oficial, encarrega-se de selecionar os “anormais”,

usando como critério um fluido e indefinido modelo de “normalidade”. Por meio deste e

de outros procedimentos acontece a estigmatização de certas pessoas como

“excepcionais”, “retardados”, “atrasados” etc., não com base em razões patológicas,

genéticas ou neurológicas, mas fundada no comportamento diferente em relação àquele

esperado e considerado normal no conjunto de normas e valores que a sociedade

estabelece em determinado momento histórico. Neste sentido, a definição de

“anormalidade” está profundamente condicionada pelas conveniências da “normalidade”.

Trata-se de um processo ativo, mais ou menos consciente, de segregação de uma parcela

da população, portadora de comportamentos dissonantes das expectativas dominantes da

sociedade. (Goergen, 1985, p. X).

Tornou-se então permitido e legítimo que se desenvolvesse um processo de

investimento social e pedagógico, considerando que a observação médica permanente,

com o seu recém-adquirido olhar, identificasse, selecionasse e controlasse (Foucault,

1991) o exercício das formalidades de transição de um ser dependente para um ser

independente e livre (Foucault, 1991).

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Este ser independente e livre deveria ser formado não apenas para a aquisição do

ler e do escrever, mas para aprender um ofício e dele tirar seu sustento. Mas esta

formação, do Estado Moderno, deveria ser inspecionada, não apenas pelo olhar didático,

mas pelo olhar médico.

A força da medicina era renovada: “durante a segunda metade do século

dezenove os cientistas apareceram à luz do dia, saudados pelos

membros mais inteligentes da sociedade como apóstolos que, de facto

eram, visto que, nessa altura, tinha começado a grande idade científica

do mundo”. O que era também de importância era saber-se abertamente

que os cientistas haviam contribuído tanto com dados materiais como

com ideias. (ALVES, 2012, p.33).

A partir da força da medicina adentrando o cotidiano das escolas, dos novos

métodos, da distinção entre ser normal e anormal e das preconcepções em relação ao outro

que foram transformadas, podemos nos questionar: o ensino para os anormais são

expectativas normativas ou exigências?

Estas expectativas passaram a ser normatizações e exigências da propagação de

uma educação racional e, acima de tudo, que desenvolvesse em seu âmago a “integração”

destes sujeitos à sociedade em ambientes específicos, ou seja

Se, por um lado, a escola normal se constitui na instituição social em

que se ensina a ensinar, em que se instituem os métodos pedagógicos e

se procura formar os responsáveis pela transmissão de conhecimentos

suficientes para a integração das novas gerações às exigências das

novas relações sociais baseadas na industrialização, e o hospital vai se

caracterizando não como o local de reclusão para que o doente

desenganado aguarde a morte, mas, crescentemente, como a instituição

privilegiada, com recursos humanos e equipamentos que possibilitem a

recuperação da normalidade do doente, surgem, por outro lado,

instituições que têm como função básica o isolamento de uma parcela

da população que, por características peculiares da sua anormalidade,

não têm, em última instância, possibilidade de ser curada: os hospícios

e as instituições para deficientes. (BUENO, 2016, p. 258).

Sob esta perspectiva educativa, Afonso e Afonso (2005) afirma que a pessoa

deficiente é o destinatário de escolas especiais, programas específicos, equipamentos e

ambientes adaptados, mas sempre encarada como objeto de um sistema e raramente como

um sujeito.

Contudo, além de o indivíduo deficiente ser caraterizado por seus estigmas tidos

como anômalos, uma nova perspectiva de ensino deveria “civilizar” o indivíduo diferente:

a “educagenia”, que não subestimava o respeito pela diferença “de sujeitos biológica e

socialmente diferentes” (Afonso e Afonso, 2005), pois no Brasil, tanto no período

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imperial quanto no republicano ampliaram-se espaços educativos especializados,

excluindo o “diferente” das salas de aula destinadas aos “normais”.

Para que a educação voltada a este público de fato tomasse fôlego, foi necessário

estabelecer padrões para determinar quais indivíduos estariam aptos a frequentar tais

ambientes educativos, e deste modo designar o mais apropriado para cada público.

Essa tríade, constituída pela Filologia, pela Medicina e pela Psicologia,

remonta aos séculos XVII e XVIII, onde decorreu o avanço das

descobertas científicas, um importante contributo das ciências

experimentais, nomeadamente da Filologia, da Medicina e da

Psicologia. Estas ciências tiveram, no século XIX, um significativo

desenvolvimento, que assinalou a sua relevância na ênfase especial

concedida ao estudo do desenvolvimento da criança (Ottavi, 2001). A

herança científica, da Medicina e da Filologia, no século XVII, iria

repercutir-se enquanto legado de grande centralidade ao longo do

século XVIII, nos aspectos da mestria do ensino. Nesse quadro,

emergiu, no último quartel de Setecentos, a ideia de um Curso

correspondente a um trabalho de sistematização pedagógica que

orientasse os futuros mestres na educação especial do surdo-mudo. Por

esta breve cronologia, ressalta o século XVIII, pelo que parte

significativa do presente estudo incidirá sobre a edificação e a

compreensão das transformações científicas e pedagógicas então em

curso. (ALVES, 2012, p.38).

Num contexto de normatizações e obrigações perante uns e outros, de civilizar os

sujeitos para “a ordem e o progresso” e para o concerto das nações e com a ascensão do

capitalismo, a valorização do que é ser útil ou inútil também promove a padronização de

sujeitos. Sendo assim, todas as coisas têm um preço e uma utilidade de valor delimitado.

Assim, a aquisição de uma competência é poder. (Foucault, 1998). O exercício do poder,

com apoio dos discursos político, pedagógico e científico, aponta para a “tecnologia

política do corpo”, passando a ser um mecanismo utilitário de inovação da “normatização

de corpos”.

Desse modo, o poder associado ao saber não apenas implica uma nova tecnologia,

mas aplica a estes espaços formas de controle por meio da modernização de técnicas, de

espaços e de métodos pedagógicos de ensino.

A dupla poder-saber desenrola-se em palco aberto e dinâmico. O

controle do corpo é assumido voluntariamente pelo objeto desta

microfísica institucional que constrói as novas bases do exercício de

dominação, tornando a alma na prisão física. (FOUCAULT, 1981, p.

29).

Diante deste contexto, o processo de inserção das crianças na sociedade e sua

respectiva adequação social provocaram mudanças na relação entre higiene, medicina e

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filantropia. Formação era sinônimo de modernidade, racionalidade e progresso. Eis o que

veremos no próximo capítulo: como o Império brasileiro, sob a perspectiva do espírito da

mudança e da inovação, implantou em nossa terra dois institutos destinados à Educação

dos diferentes, anormais e deficientes sensoriais.

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Capítulo 2. A criação de Institutos para educar cegos e surdos no

Império Brasileiro

A preocupação com a questão social se revela, ainda, na forma como

a sociedade procura ajustar os desajustados a fim de manter, além da

ordem social, a propriedade privada: “como manter a propriedade na

sociedade se uma parte tão ampla dela está desprovida de qualquer

bem, de sua subsistência e privada das demais proteções elementares?

(DONZELOT, 2007, p. 31).

Em 1807, devido aos atritos da Corte portuguesa com Napoleão, a família real

mudou-se para a Colônia, sob a proteção da Inglaterra (Aranha, 2006). A cidade do Rio

de Janeiro passou a ser a sede administrativa do governo e precisou adaptar-se ao grande

número de cortesãos que invadiram suas casas e ruas, dantes pacatas.

Com a vinda de D. João, o Brasil passou por modificações consideráveis: a

abertura dos portos, a criação da imprensa, da biblioteca e das academias, a ruptura do

pacto colonial, a tensão entre a aristocracia rural e os ricos comerciantes portugueses, a

alta taxação de impostos e as ideias iluministas contra o absolutismo criaram um clima

de animosidade e foram dando fôlego aos ideários de independência.

Devido às turbulências em Portugal, D. João VI retornou à metrópole em 1821,

deixando aqui o príncipe, que proclamou a Independência em 1822, assumindo o nome

de D. Pedro I. De acordo com Aranha (2006), esse movimento significou a vitória do

partido brasileiro, dos moderados, constituído por grandes proprietários de terra,

defensores da manutenção do escravismo.

Esse movimento também significou o afastamento com relação a Portugal e a

aproximação a um mundo ilustrado urbano-industrial, com a Inglaterra e a França

convertidas em ícones da civilização. A primeira pela força industrial - a ponto de fazer

com que o século XIX fosse designado “o século inglês”; a segunda pela ilustração que,

sob este ponto de vista, poderia ter o século XVIII chamado de “século francês”.

Porém em 1831 D. Pedro I abdicou da Coroa Brasileira para assumir o trono

português (como D. Pedro IV), e deixou seu filho D. Pedro de Alcântara como herdeiro

do trono do Brasil. Pelo fato de o sucessor ser menor de idade, o Brasil foi governado por

regentes até 1840, quando se iniciou o Segundo Império.

O Segundo Império foi marcado pela expansão do cultivo de café, pelo trabalho

assalariado de uma parcela significativa de imigrantes, principalmente a partir de 1870,

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pela guerra do Paraguai, pela atuação do Barão de Mauá, propiciando um pequeno surto

industrial com a produção de navios a vapor, a construção de estradas de ferro, a

instalação de telégrafo e a abertura de bancos (Aranha, 2006).

Nesse sentido, o século XIX brasileiro pode ser caracterizado como um tempo de

grandes deslocamentos em prol da transformação de sua estrutura para a composição de

um novo regime.

De colônia a Estado nacional independente. De anexo de Portugal a

Brasil. No caso do Rio de Janeiro, o grande desafio foi transformar uma

cidade colonial, sucessivamente, em sede do governo português, sede

do Estado imperial e sede da República. Isto é, promover uma

alavancagem de vila colonial a cidade. Em outras palavras, passar de

Sebastianópolis a Corte. O referido deslocamento supunha

transformações das mais variadas ordens: de infra-estrutura urbana

(água, iluminação e esgotamento sanitário, por exemplo), transporte

(arruamentos, carruagens, bondes e trens, dentre outros), economia

(instalação de fábricas e de estabelecimentos comerciais), política

(organização de partidos e sistema eleitoral), comunicação (imprensa,

correios e telégrafos), segurança (guarda nacional, polícia e sistema

judiciário) e cultural (biblioteca, jardim botânico, escola de belas-artes,

faculdades, escolas de primeiras letras e secundárias). (GONDRA,

2004, p. 21).

Neste clima, uma característica marcante do período imperial foi conformar os

desajustados, ou nas palavras de Gondra (2004), era preciso “educar e civilizar o país”

por meio dos valores da moral, da ética, da razão, da virtude, da justiça e na

autoconsciência do tempo vivido como portadores de um futuro possível (Monarcha,

2016).

Os anos oitocentos seriam um tempo de proposições para tais práticas - o que se

queria superar (a presença do discurso negativo e/ou crítico) e o que se queria constituir

(com discursos positivos e de projetos). Assim as iniciativas foram se sucedendo (Gondra,

2004).

As iniciativas se deram por meio de sujeitos encarnados porta-vozes dos interesses

gerais. Parafraseando Monarcha (2016), escritores, políticos, jornalistas, professores,

bacharéis, funcionários, médicos, militares, politécnicos, juristas, administradores. Em

suma, frações da inteligência brasileira se irmanaram numa comunidade de propósitos:

instruir a massa bruta de analfabetos, cuja linguagem, dizia-se, recordava a infância das

primeiras sociedades e os costumes de uma humanidade vivente no subsolo da história.

Resgatar essa humanidade sem voz foi uma das propostas de inovação e de

implantação de um modelo higiênico e de uma forma escolar da educação, que via a

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tríplice ramificação do ensino (moral, físico e intelectual) como mola propulsora da

ciência integral, da ciência da infância e da ciência da escola por meio de práticas médicas

e educacionais, intervenção social e civilizatória, normalização dos corpos, evidências

científicas e assistência.

2.1.A educação no período Imperial

Assim, durante o Império Brasileiro - caracterizado por uma sociedade rural e

desescolarizada – houve forte apoio dos monarquistas à ideia da criação de instituições

educacionais que dessem à nação a feição de país bem sucedido, o que poderia se refletir

nos cofres públicos, na proteção dos bolsos particulares e ainda garantissem a ordem e a

manutenção do modelo escravista.

As elites brasileiras que tomaram o poder em 1822 compunham-se de

fazendeiros, comerciantes e membros de sua clientela, ligados à

economia de importação e exportação e interessados na manutenção das

estruturas tradicionais de produção cujas bases eram o sistema de

trabalho escravo e a grande propriedade. Após a independência,

reafirmaram a tradição agrária da economia brasileira; opuseram-se às

débeis tentativas de alguns grupos interessados em promover o

desenvolvimento da indústria nacional e resistiram às pressões inglesas

visando abolir o tráfico de escravos. Formados na ideologia da

Ilustração, expurgaram o pensamento liberal das suas feições mais

radicais, talhando para uso próprio uma ideologia essencialmente

conservadora e antidemocrática. A presença do herdeiro da Casa de

Bragança no Brasil ofereceu-lhes a oportunidade de alcançar a

Independência sem recorrer à mobilização das massas. Organizaram

um sistema político fortemente centralizado que colocava os

municípios da dependência dos governos provinciais e as províncias na

dependência do governo central. Continuando a tradição colonial,

subordinaram a Igreja ao Estado e mantiveram o catolicismo como

religião oficial, se bem que, numa concessão ao pensamento ilustrado,

tenham autorizado o culto privado de outras religiões. Adotaram um

sistema de eleições indiretas baseado no voto qualificado (censitário),

excluindo a maior parte da população do processo eleitoral. Disputaram

avidamente títulos de nobreza e monopolizaram posições na Câmara,

no Senado, no Conselho de Estado e nos Ministérios. A adoção do

princípio da vitaliciedade para o Senado e o Conselho de Estado

assegurou continuidade às elites políticas que se perpetuaram no poder

graças ao sistema de clientela e patronagem vindo a constituir uma

verdadeira oligarquia (COSTA, 1999, p. 9 e 10).

Após a Independência (1822), com o advento da monarquia constitucional e sob a

influência das ideias liberais há muito infiltradas no Brasil, a educação, anteriormente

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concebida como um dever do súdito, passou a ser compreendida como um direito do

cidadão e um dever do Estado. Desde então,

Tornava-se necessário dotar o país com um sistema escolar de ensino

que correspondesse satisfatoriamente às exigências da nova ordem

política, habilitando o povo para o exercício do voto, para o

cumprimento dos mandatos eleitorais, enfim, para assumir plenamente

as responsabilidades que o novo regime lhe atribuía. Esta aspiração

liberal, embora não consignada explicitamente na letra da lei,

conquistou os espíritos esclarecidos e converteu-se na motivação

principal dos grandes projetos de reforma do ensino no decorrer do

Império (CARVALHO, 1972, p. 2).

Para garantir o novo regime, uma das medidas adotadas pelo governo foi a

institucionalização da educação em nosso país. A Assembleia Constituinte reunida em 1823

cuidou da instrução pública. Na Fala do Trono, por ocasião da abertura da Assembleia, em 3

de maio, o Imperador D. Pedro I declarou: “Tenho promovido os estudos públicos quanto é

possível, porém, necessita-se para isto de uma legislação particular”. Concluindo, fez um

apelo à Assembleia: “Todas estas coisas [do ensino] devem merecer-vos suma consideração”

(MOACYR, 1936, p. 31).

A promulgação da primeira Constituição Brasileira, em 25 de março de 1824,

definia juridicamente aqueles que usufruiriam a condição de cidadão, a quem ficava

assegurada a inviolabilidade dos direitos civis e políticos, tendo por base a liberdade, a

segurança individual e a propriedade. Estava constitucionalmente assegurada a liberdade

de expressão, a liberdade religiosa, o direito à propriedade, a instrução primária gratuita,

a independência do poder judicial, o fim do foro privilegiado, o acesso ao emprego

público por mérito, entre outros direitos (BRASIL. Constituição (1824), Título VIII).

Dentre os cidadãos, o texto constitucional incluiu os ingênuos e libertos nascidos no

Brasil, os filhos de pai brasileiro, os ilegítimos de mãe brasileira nascidos no exterior que

fixassem domicílio no Império e os filhos de pai brasileiro em serviço em país estrangeiro,

ainda que não se estabelecessem no Brasil, além de todos os nascidos em Portugal e suas

possessões que residissem no país por ocasião da Independência (BRASIL. Constituição

(1824), art. 6º).

No entanto, a educação no período imperial não seria para todos, visto que para

ser cidadão era preciso atender uma série de condições. Deste modo, para ter acesso à

escolarização era imprescindível, ser filho de um “cidadão” e apresentação da carteira de

vacinação.

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Os primeiros colégios brasileiros foram o Ginásio Pernambucano (1825), o

Colégio Estadual do Atheneu Norte-Riograndense (1834) e o Colégio D. Pedro II (1837).

No mesmo período de implantação destes colégios, um grupo de médicos implantou em

28 de maio de 1829 no Rio de Janeiro uma Sociedade Médica14 que se propunha tratar

dos interesses médico-sociais e do ensino da medicina, tudo isto sob os auspícios do

governo (Gondra, 2004).

Este grupo não se limitou apenas ao tratamento das questões da corporação

médica. Subgrupos surgiram e cada um passou a defender interesses ora partidários, ora

particulares ou opostos aos interesses maiores do governo. Sabendo de algumas oposições

e de seus reais desejos, este logo tratou de converter todos em aliados por meio da

transformação da SMRJ em uma instituição oficial: a Academia Imperial de Medicina

(AIM).

Em 1835, por iniciativa do ministro dos Negócios do Império, Antônio

Pinto Chinchorro da Gama, enviou-se ao legislativo um projeto de lei

que propunha a transformação da SMRJ. Em 8 de maio de 1835 foi

assinado o decreto oficial convertendo a SMRJ em Academia Imperial

de Medicina do Rio de Janeiro, dando-lhe inclusive novos estatutos. Tal

operação ocorreu sem que os deputados tivessem se pronunciado a

respeito. (GONDRA, 2004, p. 62).

Neste mesmo ano, enquanto a Academia Imperial de Medicina se tornava uma

instituição oficial, o projeto do deputado baiano Cornélio Ferreira França - sobre a criação

na capital do Império e nos demais distritos de cada província de uma cadeira para

professor de surdos-mudos e de cegos - não foi sequer submetido à discussão pela

Assembleia. A preocupação centrara-se na formação de alianças para a manutenção da

nova ordem e a educação, naquele momento, não era pauta prioritária.

A aliança estabelecida entre o Estado e a Medicina fazia com que os médicos

lutassem contra a antiga ordem colonial. O progresso aliou-se aos saberes médico-

14 Esse grupo era constituído por cinco médicos, a saber: Luiz Vicente De-Simoni, médico italiano que

viera para o Brasil em 1817; José Martins da Cruz Jobim, que foi diretor da Faculdade de Medicina do Rio

de Janeiro entre 1842 e 1872; Joaquim Candido Soares Meirelles, mineiro que, em 1822, tirara o curso na

antiga Academia Médico-Cirúrgica e que posteriormente se doutorara pela Faculdade de Medicina; José

Francisco Xavier Sigaud, natural de Marselha e que se formara em medicina pela Faculdade de Strasbourg;

e mais um outro médico francês, Jean Marie Faivre (Maia, 1995). Em sua tese de doutorado, Ferreira (1996)

apresenta um resumo biográfico bastante esclarecedor de cada um dos médicos que fundaram a SMRJ, no

qual mapeia o perfil sociocultural e a carreira profissional desses fundadores, examinando, principalmente,

os efetivos compromissos dos mesmos com o ideal higienista. Reconhece, ainda, o francês José Francisco

Xavier Sigaud (1796-1856) como o principal higienista deste grupo, responsável pela disseminação deste

ideário no interior da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (SMRJ), bem como no seu exterior

(GONDRA, 2004, p. 51 e 52).

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científicos-higiênicos, que passaram a ser incorporados na cidade e no campo. Medicina

e Estado convergiram, mas também divergiram - por vezes, tática e estrategicamente.

Nem sempre os dois poderes reconheceram o valor da aliança que haviam estabelecido.

Historicamente é possível perceber que em meio a atritos, intransigências e concessões,

estabilizou-se um compromisso: o Estado aceitou medicalizar suas ações políticas,

reconhecendo o valor político e moral das ações médicas (Gondra, 2004). Portanto,

Parece-me que esta leitura crítica do plano de estudos me permite, de

novo, fazer um remate de natureza genealógica. Tudo, mas realmente

tudo, no discurso dos representantes da Saúde Escolar se passava como

se a moralidade – na verdade o eixo central da escola moderna – tivesse

na figura do médico, e o que ela representava, o seu novo guardião. Foi

aí que desaguou a ênfase colocada na tópica da vontade. (...) É muito

importante que se reconheça a existência de factos apontando para uma

cumplicidade e, porque não ousar dizê-lo, uma inversão de hierarquia,

em que o médico-terapeuta pôde começar a falar das temáticas do

governo de si como se o seu conhecimento, de ciência certa, lhe

conferisse uma autoridade superior à daquele que tradicionalmente

vinha administrando a moral às populações. (Ó, 2004, p. 521).

Sob este prisma, os médicos passaram a ser entusiastas do ensino oficial e

institucionalizado, que até então se encontrava pouco desenvolvido (Gondra, 2004). As

experiências de educação na Corte registradas até então eram patrocinadas pela Igreja ou

pela elite da população. Diante deste quadro, era preciso inventar a escola. Para tanto,

[...] torna-se necessário identificar algumas destas ao longo do Império,

dentre as quais destaco a dos médicos, pois, a despeito daquele estado

de coisas, ou por conta dele, a medicina articulou um cuidadoso

discurso de regeneração, no interior do qual caberia aos colégios

exercer um papel decisivo. A educação foi, portanto, outro objeto para

o qual os médicos estenderam o seu discurso, procurando delineá-lo a

partir de sua perspectiva. Isto é, a educação em sua forma escolar

também foi pensada a partir de um discurso originário da medicina, cuja

preocupação maior estava centrada na necessidade de regeneração do

social. Dessa forma, seja na identificação, seja nas alternativas

propostas, podem-se perceber traços do modo médico no

desenvolvimento dessa dupla operação de apontar aquilo que requereria

cuidados/tratamento, bem como os modos de resolver os problemas

identificados. Cumpre, então, examinar a amplitude e características

desse corpo discursivo e, com isto, refletir acerca da tradição que,

segundo a hipótese deste trabalho, a partir daquele momento foi sendo

gerada (GONDRA, 2004, p. 107).

Como bem assinala Costa (1989), por meio dessas diferentes “entradas”, a

medicina foi se institucionalizando em relatórios, pareceres e discursos como: Discurso

Inaugural de instalação da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, de José Maria da

Cruz Jobim em 1831; Discurso sobre as moléstias que mais atingem a classe pobre do

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Rio de Janeiro, de 1835 e publicado na Revista Médica Brasileira da AIM em 1841 sob

coordenação do médico Francisco Xavier Sigaud; Relatório da Comissão de salubridade

da sociedade de medicina do Rio de Janeiro (Academia Imperial de Medicina; Reflexões

acerca do livre trânsito dos doidos pelas ruas do Rio de Janeiro, de José Francisco Xavier

Sigaud em 1835; Revista Médica Fluminense (1831 – 1841), contando como redatores os

médicos Joaquim Cândido Soares de Meirelles, José Martins da Cruz Jobim, Emílio

Joaquim da Silva Maia, José Bento da Rosa e José Pereira Rego. A Revista Médica

brasileira (1841 -1843) e os Annaes de Medicina Brasiliense (1845-1849) são exemplos

do trabalho da AIM.

Dentre os citados, destaca-se José Francisco Xavier Sigaud. Além de ser o

principal médico higienista, também era médico da família imperial (Cerqueira e Lemos,

2015). Em seus relatórios, os assuntos relacionados às doenças oriundas do clima e dos

olhos foram as que receberam maiores destaques. O segundo tópico pode estar

relacionado à busca de informações sobre a cegueira, pois Sigaud tinha uma filha cega,

Adéle Marie Louise Sigaud. Sobre este dado, o próximo subcapítulo apresentará mais

detalhes.

Após quase 30 anos da Primeira Constituição Brasileira, foi publicado o

Regulamento de 17 de fevereiro de 1854, demonstrando mais uma vez, em seu corpus

documental a questão da instrução como mecanismo de propiciar à nação as ideias de

“centro” e de “unidade” para que pudesse “[...] tomar o caráter de uma instituição

nacional”, conforme testemunho de Paranhos (1851 apud HAIDAR, 1972, p. 27). O

caráter de “nacional” deveria estar impregnado também dos princípios da moralidade, da

capacidade e da aptidão, que vão abrindo espaço para a formação de uma nova

“coreografia social” e sua respectiva importância em padronizar e classificar os sujeitos,

habilitando-os ou não ao convívio social.

Elaborado pelo Ministro Couto Ferraz, a premissa deste regulamento reformador

foi organizar administrativamente a instrução pública e uniformizar o ensino. As

primeiras medidas atingiram os cursos jurídicos, que passaram a se denominar Faculdades

de Direito, e as Faculdades de Medicina.

Além destas medidas,

O regulamento de Instrução Primária e Secundária do Município da

Corte, baixado com o Decreto 1.331A, de 17 de fevereiro de 1854, pelo

Ministro do Império do Gabinete Paraná, Luiz Pedreira do Couto

Ferraz, entre outras importantes providências, criou a Inspetoria Geral

da Instrução Primária e Secundária do Município da Corte, órgão ligado

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ao Ministério do Império e destinado a fiscalizar e orientar o ensino

público e particular dos níveis primário e médio na cidade do Rio de

Janeiro, e estruturou em dois níveis – o elementar e o superior – a

instrução primária gratuita, constitucionalmente prometida a todos.

Além disso, previu um sistema de preparação do professor primário e

estabeleceu normas para o exercício da liberdade de ensinar. (PERES,

2005, p. 11).

De aplicação restrita ao Município da Corte, o Decreto 1.331A de 1854 teve re-

percussão nacional. Atendendo ao desejo expresso do governo, então vivamente

empenhado em promover a uniformização do ensino em todo o Império, os presidentes

de províncias, delegados do poder central, procuraram voltar as atenções das assembleias

locais para as reformas realizadas na Corte. Graças a tais esforços, as principais medidas

propostas pela reforma Couto Ferraz reproduziram-se na legislação de quase todas as

províncias no decorrer dos anos 1850 e 1860 (HAIDAR, 1998, p. 67).

Pelo Regulamento de 1854, o ensino primário na Corte seria obrigatório, com

matrícula entre cinco e 15 anos, e vedada aos escravos. Nas escolas do 1º grau, de

instrução elementar, o currículo compreenderia: instrução moral e religiosa, leitura e

escrita, noções essenciais da geometria, princípios elementares da aritmética, sistema de

pesos e medidas do município. A coeducação foi proibida nas escolas para o sexo

feminino, porém existiria ainda o ensino de bordados e de trabalhos de agulha mais

necessários. Nas escolas do 2º grau, de instrução superior, o currículo abrangeria também:

desenvolvimento da aritmética em suas aplicações práticas, leitura explicada dos

Evangelhos e notícia de História Sagrada, os princípios das Ciências Físicas e da História

Natural aplicáveis aos usos da vida, geometria elementar, agrimensura, desenho linear,

noções de música e exercícios de canto, ginástica, e estudo mais desenvolvido do sistema

de pesos e medidas.

Em 1854 também foi inaugurado o Imperial Instituto dos Meninos Cegos e depois

de dois anos o Collegio Nacional de surdos-mudos de ambos os sexos. Foram criados

com a finalidade de regenerar - intelectual e moralmente - os indivíduos cegos e surdos-

mudos do Brasil.

Denominei aqui coreografia social no sentido de que, a partir desse momento, foi

preciso construir “uma mesma dança e um mesmo ritmo”, com elementos distintos mas

iguais para todos, visando a convivência. Não foi mera coincidência a participação da

medicina em prol da formação da população e do estabelecimento da primeira faculdade

destinada a este público. Também não foi coincidência a implantação de espaços

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educacionais especializados - voltados para a educação dos “infelizes” - pois esses

espaços foram criados não apenas para garantir um ordenamento normativo, mas como

símbolo de uma “inovação conservadora” que garantisse ao Imperador sua atuação por

meio do poder moderador. Deste modo, a criação e o estabelecimento de um Colégio para

cegos e outro para Surdos não tem relação com os parentes “deficientes” da Família

Imperial, como muitas bibliografias apontam.

A educação ingressara definitivamente na agenda das preocupações

sociais, sendo objeto de soluções variadas para atender a uma população

heterogênea que precisava ser minimamente educada e disciplinada,

contribuindo para a construção da ideia de Brasil, eles a colocam entre

as diversas ações empreendidas no período com a incumbência de

construir a nação brasileira. Seu objetivo é “ressaltar que a própria ideia

de Brasil vem sendo construída ao longo do tempo e nem sempre foi a

mesma, para o que concorre o lugar reservado à educação no âmbito

deste audacioso projeto. Inversamente, cabe discutir o que a educação

vem efetivamente fazendo para inventar o próprio Brasil. (BARROS,

2010, p. 292-293).

Porém a educação no período imperial não criou apenas escolas elementares,

internatos, asilos, colégios, liceus e academias superiores. Estabeleceu-se uma rede de

instituições e práticas civilizatórias, direcionadas à guarda, proteção e formação da

população em ambientes específicos para um público específico, como o Instituto

Imperial dos Meninos Cegos e o Instituto Imperial dos Meninos Surdos.

No entanto, a sociedade brasileira não formava um conjunto, mas uma hierarquia,

com camadas diferentes e desiguais, divididas em “coisas” (escravos e índios) e

“pessoas”, que compreendiam a “plebe” (a massa dos pessoas livres e pobres) e o “povo”

(a classe senhorial dos proprietários), ou seja, a educação não era para todos, pois a

preocupação com o povo não significava preocupação com a plebe (HILSDORF, 2005,

p. 43).

Deste modo, tanto o Imperial Instituto dos Meninos Cegos quanto o Instituto

Imperial dos Meninos Surdos garantiam escolaridade para aqueles meninos e meninas

cujas famílias pudessem “pagar” por seus estudos. Segundo o Relatório da Comissão

Inspetora do Império15 (1858), as crianças oriundas da plebe, que não podiam pagar por

15 Em 1854, houve a criação da Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária para fiscalizar e orientar

o ensino público e particular, estabelecendo as normas para o exercício de práticas pedagógicas. Os dados

consagrados nos relatórios da Comissão Inspetora do Império tinham como foco os aspectos sanitários, a

localização, a infra-estrutura, o orçamento, o quadro de funcionários e o funcionamento de cada órgão,

criando um suplemento específico para os Colégios destinados à educação dos deficientes sensoriais.

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seus estudos, eram financiadas ora por ordens religiosas, ora por famílias abastadas que

viam nesta modalidade de educação “redenção e piedade” para seus semelhantes.

Nesse período também se sucederam outras reformas. As de 1878 e 1879, do

Ministro do Império, Carlos Leôncio de Carvalho, professor da Faculdade de Direito de

São Paulo, não só modificou o ensino primário e secundário da Corte, mas ainda

estabeleceu normas para o ensino secundário e superior em todo o país:

O Decreto, de 20 de abril de 1878, alterou a estrutura curricular do

Colégio de Pedro II, introduziu a frequência livre e os exames vagos

(parcelados) de preparatórios aos cursos superiores e, também, isentou

os alunos acatólicos do estudo da religião, modificando o juramento

exigido para a concessão do bacharelado em letras, a fim de torná-lo

acessível aos bacharelandos acatólicos.

O Decreto, de 19 de abril de 1879, instituiu a mais ampla liberdade para

abrir escolas e cursos de todos os tipos e níveis, “[...] salvo a inspeção

necessária para garantir as condições de moralidade e higiene”.

Qualquer cidadão, nacional ou estrangeiro, poderia lecionar o que

quisesse, sem passar por provas de capacidade. (PERES, 2005, p. 15).

Além de alterar estruturas curriculares, introduzir exames e preparatórios, inserir

sujeitos acatólicos em estabelecimentos de ensino públicos, inspecionar segundo as

condições da moralidade e da higiene, o Decreto de 1879 também prometeu subvenções,

como caixas, bibliotecas e museus escolares; divulgou novidades de livros estrangeiros

como as “noções de coisas” e a “ginástica”; inseriu a prática do Ensino Intuitivo ou Lições

de Coisas nas Escolas Normais e ensino primário geral; facultou a instrução religiosa;

plantou a semente dos ginásios equiparados e das escolas normais livres; permitiu a

coeducação de meninos matriculadas em escolas femininas e oferta do turno noturno para

os colégios masculinos. Além de outros conteúdos, introduziu noções gerais dos deveres

do homem e do cidadão, noções de lavoura e horticultura, noções de economia social e

de economia doméstica para as meninas e prática manual de ofícios para os meninos

(ALMEIDA JÚNIOR, 1956, apud Peres, 2005).

Outro movimento que mudou os traços da educação no período imperial foram os

pareceres de Rui Barbosa publicados em 1882 e 1883. Os Pareceres foram elaborados

para servirem de subsídio à discussão do projeto de Reforma do Ensino Primário e

Secundário do Município da Corte e Superior em todo o Império, em substituição à

reforma instituída por Leôncio de Carvalho em 1879. Esses Pareceres podem ser

considerados um projeto de reforma global da educação brasileira. Como um verdadeiro

tratado, compreendeu praticamente todos os aspectos da educação: filosofia, política,

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administração, didática, psicologia, educação comparada (LOURENÇO FILHO, 1954

apud Peres, 2005).

Rui Barbosa fundamentou seu trabalho na análise das deficiências do país,

trazendo à tona teorias e práticas inovadoras, preconizando o novo por meio do exemplo

de experiências de alguns países europeus e dos Estados Unidos, promovendo o progresso

do ser humano e a redenção do país por meio da reforma da educação (Souza, 2000).

Esta reforma previa a oferta de ensino primário obrigatório gratuito e laico, dos

sete aos 14 anos, por meio de uma escola primária moderna, com ensino renovado e um

programa enciclopédico, que deveria utilizar o método intuitivo, conhecido também como

lições de coisas. Fundamentado especialmente nas ideias de Pestalozzi e Fröebel,

baseava-se num tratamento indutivo pelo qual o ensino deveria ir do particular para o

geral, do conhecido para o desconhecido, do concreto para o abstrato (Souza, 2000).

A adoção do método intuitivo também tinha como princípio a educação integral:

física, intelectual e moral. Indissociáveis corpo e espírito, a educação integral deveria

seguir as leis da natureza e a ciência seria o melhor meio para a disciplina intelectual e

moral. Esta concepção de educação integral, defendida por Spencer (1861) e

compartilhada por Rui Barbosa, tornou-se a referência pedagógica norteadora da seleção

dos conteúdos para a escola primária. Fundamentada em justificativas filosóficas e

pedagógicas, e acenando com uma nova cultura escolar para o povo, a educação integral

ampararia projeto de fundo político e social (SOUZA, 2000).

Mas as ideias do método intuitivo no Brasil não se fizeram presentes apenas com

os pareceres de Rui Barbosa. Estas ideias já tinham suas sementes plantadas desde a

introdução de estabelecimentos de ensino que previam os modelos europeus e norte-

americanos e divulgados em Congressos e Exposições Internacionais. Para a educação

dos cegos e surdos, em específico, analisaremos estas práticas no próximo capítulo.

Como vimos, a ligação entre medicina, ciência e exercício social do poder foram

compondo novas formas de organização da nação brasileira. Educar os corpos, normalizá-

los foi uma das preocupações do império. Porém, uma novo pensar acerca dos corpos

não-padrão tomaram fôlego nesse período e o olhar científico permeou uma emergência

transnacional em prol da inovação, da modernidade e do progresso.

A educação proposta previa “regenerar a espécie” não apenas para a inserção do

indivíduo na sociedade, mas “salvá-los da barbárie” a que foram submetidos por meio do

coroamento de Instituições específicas que serão apresentadas a seguir:

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2.2.Imperial Instituto dos Meninos Cegos

O atual Instituto Benjamin Constant (IBC) foi criado em 12 de setembro de 1854,

pelo Decreto Imperial Nº 1.428, com nome de Imperial Instituto dos Meninos Cegos

(porém era destinado à educação de ambos os sexos), tendo por objetivo a “correção de

um mal que até então assolava a sociedade”. Fundado na cidade de São Sebastião do Rio

de Janeiro, esse instituto foi solenemente instalado em 17 de setembro do mesmo ano, no

bairro da Saúde, Rua do Lazareto nº 3. (Sombra, 1983, p. 24)

O ensino dos cegos emergiu sob a inspiração educativa de famílias ilustres em

vários países europeus e no Brasil não foi diferente. A história do Instituto esteve atrelada

ao cego José Álvares de Azevedo, um menino de 10 anos de família abastada, contando

com o apoio do Dr. Maximiliano Antônio de Lemos, amigo de um tio seu, e ingressara

como aluno no Instituto das Crianças Cegas de Paris em 1844.

Este instituto foi fundado em 1784 pelo filantropo francês Valentin Haüy (1745-

1822). Um dos ilustres alunos deste Instituto foi Louis Braille, inventor do sistema

Braille16.

De 1844 a 1950, José Álvares de Azevedo aprendeu o sistema braille, além de ter

contato com diversas obras como Processo para escrever as palavras, a música e o canto,

por meio de pontos para uso dos cegos (1829). O período em que este jovem esteve no

Instituto de Paris foi o mesmo período em que Louis Braille propagava seu método.

Joseph Guadet (1795-1880), diretor do estabelecimento, publicou em 1849 O Instituto

dos Meninos Cegos de Paris, sua História e seu Método de ensino, obra que seria

traduzida por José Álvares de Azevedo. Guadet contribuiu positivamente para a difusão

16 Louis Braille nasceu em 4 de janeiro de 1809 em Coupvray, na França. Em 1812, acidentou-se na oficina

de correeiro de seu pai, ferindo um dos olhos com uma ferramenta, e perdeu a visão de ambos os olhos após

curto processo infeccioso. Em 1818 Louis Braille frequentou a escola de sua comunidade, ao lado de

crianças videntes, revelando grande aproveitamento nas aulas; mas, em 1819, ingressou como aluno na

Institution Royale des Jeunes Aveugles de Paris. Em 1821, conheceu Nicolas Marie Charles Barbier de la

Serre (1767–1841), oficial de artilharia do exército francês, que apresentou à direção do Instituto Real de

Jovens Cegos de Paris sua “Escrita Noturna” ou “Sonografia Barbier”, forma de escrita fonética que

empregava pontos em relevo, de aplicação limitada para as reais necessidades gráficas. Em quatro anos

Louis Braille aprimorou o sistema de Barbier. Em 1825 Louis Braille apresentou a primeira versão de seu

processo de leitura e escrita, com base no ponto em relevo, considerando-se universalmente o ano de 1825

como da invenção do sistema Braille. Em 1837, Louis Braille editou a versão final de seu Processo, a partir

de uma matriz de seis pontos em relevo, proposta que apresenta as letras do alfabeto, os sinais de pontuação,

sinais aritméticos e de álgebra elementar, uma codificação estenográfica, além de uma notação musical,

base do manual Internacional de Notação Musical, hoje empregado manualmente. Louis Braille faleceu em

6 de janeiro de 1852 em Paris, aos 43 anos (Cerqueira e Lemos, 2015, p. 75 e 76).

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do sistema Braille no mundo, através de seu acatado periódico L’Instituer des Aveugles

(1855-1863) (Cerqueira e Lemos, 2005).

Após permanecer em Paris por seis anos, José Álvares de Azevedo chegou de

volta ao Rio de Janeiro em 14 de dezembro de 1850, e se lançou à luta pela educação de

seus compatriotas, ora escrevendo artigos em jornais, ora ministrando aulas particulares

sobre os conhecimentos lá adquiridos.

Foi na condição de professor que se tornou amigo do Dr. José Francisco Xavier

Sigaud, francês naturalizado brasileiro, um dos principais higienistas e médico da Família

Imperial, a cuja filha cega, Adéle Marie Louise Sigaud, José Álvares de Azevedo ensinou

o sistema Braille. Entusiasmado com o brilhantismo do jovem e fascinado pelas

conquistas da filha, o dr. Sigaud passou a compartilhar com ele o desejo de criar no Brasil

um instituto para cegos seguindo os moldes franceses.

No fim de 1851, o Dr. Sigaud apresentou o jovem cego ao Barão de Rio Bonito,

pedindo-lhe que o levasse à presença do Imperador D. Pedro II. Este, ao vê-lo escrevendo

e lendo em Braille, teria exclamado: "A cegueira não é mais uma desgraça", palavras a

que, aliás, o Dr. Sigaud aludiria em seu discurso por ocasião da instalação do Instituto.

No mesmo ano, José Álvares de Azevedo publicou a tradução para o português da

obra de J. Guadet “O Instituto dos meninos Cégos de Paris – sua história, e seu méthodo

de ensino”, demonstrando a possibilidade de educar os cegos e de lhes dar a possibilidade

de reintegração à sociedade. A obra também tinha por finalidade sensibilizar a sociedade

brasileira para a fundação de uma escola nos moldes da de Paris, onde estudara (Cerqueira

e Lemos, 2015).

Na obra, Azevedo (1851) não apenas expressa gratidão e carinho filiais, como

também relata o modo de vida de um invisual, tido como “degenerado”:

A meu prezado pai, o senhor Manoel Alvares de Azevedo

Meu caro pai

Offerecendo-vos este opúsculo, que traduzi do francez, nada mais faço

do que cumprir um dever de reconhecimento. Com efeito; eu era, por

minha posição, destinado a viver desgraçadamente em uma ignorância

profunda, sem algum conhecimento dos deveres impostos a todos neste

mundo, e que cada um deve desempenhar segundo sua posição; eu não

teria conhecido esses gozos Moraes, que tantas vezes consolam o

homem oprimido sob o peso de seus infortúnios; em uma palavra, eu

teria vivido a vida do bruto, teria passado inapercebido nesta terra,

como um grão de areia impelido pelo vento; enfim, podera ser o ludibrio

de todo o desapiedado, que quisesse enganar-me, e em tão triste estado

arrastaria a existência a mais insipida, que se possa imaginar. Vós

comprehendeste –l’o bem! Assim, que depois de haver tudo tentado

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para me fazer recobrar o inapreciável sentido, de que Deos me privou,

vendo a inutilidade dos esforços e dos recursos da sciencia medica, vós

me enviastes á França para adquirir toda a instrucção compatível com a

minha cegueira. Nem a saudade que vos devia causar, e á minha

extremosa mãi, a minha longa ausência, nem o grande sacrificio

pecuniário, que vos foi preciso fazer, nada vos desanimou, nada vos fez

recuar! Agora, de volta da França, não é justo que vos pague o devido

tributo de gratidão? (AZEVEDO, 1851, p. III)

Esta gratidão não ficou apenas em palavras. Contando com o apoio do Imperador,

o Dr. Sigaud e José Álvares de Azevedo subscreveram um projeto de Lei requerendo um

local específico para meninos e meninas cegos. Após a redação deste documento, em

janeiro de 1853 entregaram o projeto ao Ministro Secretário de Estado dos Negócios do

Império, Luiz Pedreira do Couto Ferraz, que o apresentou à Assembleia Geral Legislativa

em maio daquele ano. Propunha a criação de uma escola para pessoas cegas, com

solicitação de um orçamento anual de 15 contos de réis e previsão para matrícula de 25

alunos. Embora a proposta não tenha chegado a ser apreciada, o Ministro tinha tal certeza

de sua aprovação que, mesmo antes de ela ser considerada, auxiliado pelos conhecimentos

de Azevedo começou a providenciar a vinda, diretamente de Paris, dos materiais escolares

indispensáveis aos futuros alunos (Cerqueira e Lemos, 2015).

O instituto era um internato onde crianças cegas de ambos os sexos recebiam

instrução primária e secundária, com currículo que previa educação moral, literária e

profissional, compatível com a idade e aptidão em todas as etapas de escolarização.

Seguindo os moldes parisienses, o ensino para os cegos deveria ser dividido em

três ramos: intelectual, musical e industrial, assim compreendidos:

O primeiro é destinado a cultivar uma inteligência por ventura brilhante,

a que quasi sempre a ignorancia empece o desenvolvimento, e que,

vivificada pela sciencia, produz muitas vezes belezas admiráveis. O

segundo, além de proporcionar uma distracção aos que pertencem ás

classes abastadas da sociedade, é um meio de existência para os menos

favorecidos da sorte. O terceiro é essencialmente um meio de vida para

aquelles a quem a natureza negou ouvido, ou vocação musical. Em

regra devem todos cultivar a educação intelectual; não é contudo

indispensavel que os que se dedicam á industria profundem o ensino

scientifico; até porque, salvas excepções, os que se ocupam

simultaneamente dos dous ramos, em nenhum fica perito e habilitado.

É facto ensinado pela experiência (ALVARES, 1851, p. VI).

José Álvares de Azevedo não conseguiu assistir a consolidação da obra que tanto

almejou. Em 17 de março de 1854 faleceu aos 19 anos no Rio de Janeiro, vítima de um

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abcesso por congestão. Seus escritos, livros, material de escrita, móveis, etc., foram

doados pelo pai à instituição a ser inaugurada (Cerqueira e Lemos, 2015).

Em sessão solene o Instituto foi inaugurado no dia 17 de setembro de 1854,

contando com a presença do Imperador e das mais altas autoridades da Corte. Foram

nomeados: Diretor, o Doutor José Francisco Xavier Sigaud (1796-1856); Comissário do

Governo junto ao Instituto, o Marquês de Abrantes e na condição de repetidor, o primeiro

docente cego do Instituto, Carlos Henrique Soares.

Segundo o decreto que determinou sua criação, o Instituto atenderia crianças de

seis a 14 anos, ministrando-lhes a instrução primária, a educação moral e religiosa, o

ensino de música, alguns ramos de instrução secundária e de ofícios fabris (Fulas, 2017).

O curso deveria ser ministrado em oito anos e as matérias teriam a seguinte distribuição:

Nos três primeiros anos: leitura, escrita, cálculo até frações decimais,

música e artes mecânicas adaptadas à idade e a força dos meninos. Na

leitura se compreende o ensino do catecismo. No quarto ano: gramática

nacional, língua francesa, continuação de aritmética, princípios

elementares de geografia, música e ofícios mecânicos. Do quinto ano

em diante, além das matérias do ano antecedente, o ensino de geometria

plana e retilínea; de história e geografia antiga, média e moderna; a

leitura explicada pelos evangelhos. No último ano: história e geografia

nacional e aperfeiçoamento da música e dos trabalhos mecânicos para

os quais maior aptidão tivessem mostrado os alunos.

A ordem e a distribuição das matérias do ensino poderiam ser alteradas

pelo Governo, sob proposta do direto, conforme a experiência o

aconselhasse.

Quanto ao processo de leitura e escrita: Seguir-se-á no Instituto, até

nova ordem do Governo, o método de pontos salientes de Mr. Luiz

Braille, adotado pelo Instituto de Paris. (CERQUEIRA e LEMOS,

2015, p. 80 e 81).

Dando início a suas atividades, o Instituto assumiu um modelo privado com

subvenções do governo e doações de particulares. Com capacidade para 30 alunos, foram

matriculados apenas 11, sendo nove meninos e duas meninas.

Segundo o Almanak Laemmert (1854), das vagas ofertadas, somente 20 seriam

gratuitas, cabendo aos demais o pagamento de pensão como costume da época. Para a

obtenção de uma vaga era preciso alguns comprovativos: atestado de cegueira

irreversível, atestado de ausência de doença infecto-contagiosa e epilepsia e, no caso das

famílias de baixa renda, uma declaração de pobreza.

Para o desenvolvimento das disciplinas, foram utilizados diversos recursos, num

primeiro momento todos oriundos do Instituto dos Jovens Cegos de Paris. Os materiais

utilizados foram: a impressão em braille de obras traduzidas em português - o Expositor

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Português, de Luiz Francisco Midosi, a Gramática de Antonio Alves Pereira Coruja, a

tradução portuguesa do Catecismo, os Princípios Elementares de Música por Coltat e

Remy e o Método de Música dos mesmos autores. Além das obras, para o ensino dos

jovens foram também empregados alfabetos em braille, pranchas para escrita em pontos

e as pranchas com tipos de algarismos portáteis, para a aritmética (Costa, 1863).

Figura 1. Prancha para escrita em braile

Fonte: Alfabeto braile em prancha de madeira. Acervo IBC. RODRIGUES, 2005.

Para demonstrar o quão frutífero eram os trabalhos desenvolvidos no Instituto, em

1855 os alunos realizaram as primeiras provas públicas de demonstração de seus estudos

elementares e de música. Do evento participaram autoridades do Governo, inclusive o

Imperador, que distribuía prêmios aos alunos que obtivessem êxito escolar e de

comportamento. Esta prática foi consolidada em eventos posteriores (Cerqueira e Lemos,

2015).

Com o falecimento do Dr. Sigaud em 1856, o Médico e Conselheiro Claudio Luiz

da Costa assumiu a direção do Instituto até 1869. Sua gestão foi marcada por diversos

eventos, como:

• Inauguração, em 1857, da Oficina Tipográfica do Instituto, que naquele momento

já contava com mais de 500 tipos metálicos de pontos, doados por seu aluno e

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repetidor Carlos Henrique Soares. A primeira obra transcrita foi História

cronológica do Imperial Instituto dos Meninos Cegos (1863). Em seguida

publicaram a Constituição Política do Império do Brasil (1865). O livro era tão

valorizado que se tornou um prêmio a ser dado aos bons alunos. Todo o acervo

produzido ficava na biblioteca do instituto para uso dos internos (CERQUEIRA;

PINHEIRO; FERREIRA, 2014 e FULAS, 2017).

Figura 2. Máquina de estereotipia

Figura 2. Máquina para Estereotipia utilizada no Século XIX para impressão de livros.

Fonte: RODRIGUES, 2005.

Figura 3. Constituição do Império do

Brasil em Braille (1865)

Figura 4. Constituição do Império

do Brasil em Braille (1865)

Fonte: Museu do IBC. Foto da autora, 2017.

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• Implantação da oficina de encadernação: Sob responsabilidade de João Pinheiro

de Carvalho, outro brasileiro cego formado pelo Instituto de Paris, que chegou ao

Brasil ainda jovem e em 1858 foi nomeado repetidor de primeiras letras, atuando

também como mestre da oficina de encadernação, emprestando ainda valiosa

colaboração na oficina tipográfica por sua invulgar habilidade manual (Almeida,

2014);

• Composição de um quadro de funcionários: O Instituto deveria sempre ser

presidido por um diretor nomeado pelo governo, subordinado ao ministro do

Império e deveria ser rigidamente inspecionado por um comissário. O Instituto

também contava com a presença de um médico, de um capelão, de inspetores e

professores para a manutenção tanto física quanto educativa deste

estabelecimento. Para o cuidado dos internos, muitos professores tornaram-se

residentes (Relatório da Comissão Inspetora do Império, 1858);

• Formação do quadro docente e funcional: Um exemplo a ser citado é o caso da

aluna Adéle Marie Louise Sigaud, filha do médico Sigaud. A menina ficara cega

logo nos primeiros meses de vida e aos dez anos aprendera a ler (por meio do

sistema Braille com seu mentor, Álvares de Azevedo), destacando-se na área

musical. Obteve tamanho sucesso escolar que, ao final do curso, tornou-se a

primeira professora cega do Brasil, lecionando para as meninas a disciplina de

música vocal e instrumental17. Vale ressaltar que outros, ao fim do curso,

tornaram-se tanto professores quanto funcionários do Instituto (ANEXO A).

• Aumento no número de alunos: Em 1859 o Instituto contava com 24 alunos, sendo

16 meninos e oito meninas. Os alunos eram oriundos de diversas províncias, sendo

13 do Rio de Janeiro, quatro da Bahia, três de Santa Catarina, um de São Paulo,

um de Minas Gerais, um do Espírito Santo e um aluno oriundo da Prússia

(Almanak Laemmert, 1859);

• Alteração do currículo em 1861: Inserção da matemática e ciências naturais. Para

ministrar tal disciplina, o diretor Claudio Luiz da Costa convidou seu genro

Benjamin Constant, que havia acabado de chegar da Guerra do Paraguai, para

lecionar no estabelecimento (Queiroz, Carrilho e Lopes, 2015). Iniciou suas

17 Além de se tornar a primeira professora cega do Brasil, Adéle mantinha estreito contato com o Instituto

dos Jovens Cegos de Paris por meio da troca de correspondências nas quais foram evidenciados trocas de

experiências entre os Institutos (Amado, 2017).

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atividades em 1862, e diante da dificuldade de transmitir os símbolos, aprendeu o

método braille para adaptar o conteúdo de suas aulas (Fulas, 2017);

• Mudança de endereço: Em 1866, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos teve sua

sede transferida para uma casa mais ampla, de dois pavimentos, alugada ao Conde

de Baependi, na Praça da Aclamação, 17, hoje Praça da República. A nova sede

da Gamboa se revelou inadequada para o atendimento por diversos problemas:

insalubridade do local, insuficiência no abastecimento de água e, como causa

imediata, os sucessivos desabamentos dos tetos, por apodrecimento de ripas e

barrotes, pondo em risco o mobiliário, os materiais e, sobretudo, a integridade

física de alunos e servidores (Cerqueira e Lemos, 2015).

A gestão do Doutor Claudio Luiz da Costa também consolidou práticas, como a

prática intensiva da cópia dos textos em reglettes. Havia estudantes treinados que liam

com a mão esquerda e, simultaneamente, copiavam com a mão direita, em escrita

contínua (Almeida, 2014).

Mesmo tendo alunos de ambos os sexos, meninos e meninas eram mantidos em

ambientes separados, e sua instrução seguia esta diferenciação: professoras para as

meninas e professores para os meninos (Relatório da Comissão, 1868).

No estabelecimento o ensino profissional era diferenciado. Para os meninos,

ensino da música vocal e instrumental, harmonia, regras de contraponto e instrumentação,

arte tipográfica, encadernação e afinação de piano. Para as meninas, a profissionalização

baseava-se nos estudos musicais e em trabalhos manuais com agulhas.

A preocupação com a educação dos cegos no Instituto era sua profissionalização,

pois deveriam ter condições de prover a própria subsistência após a conclusão de seus

estudos. Deste modo, educar e profissionalizar o cego deveria romper com a visão de

“mendicidade” e de “infortúnio” que se tinha destes sujeitos até então.

Segundo o Relatório da Comissão Inspetora do Império, a partir de 1865

verificou-se a presença de repetidores de exercícios. Sua função era a de transmitir os

conhecimentos aprendidos para aqueles que apresentassem maiores dificuldades ou para

os novatos. Desempenhavam a mesma função nas aulas de música e nas oficinas de

tipografia e de encadernação.

De acordo com o Almanak Laemmert (1854-1889), as visitas se realizavam todos

os domingos entre dez e 15:00 horas, para que os visitantes pudessem conferir as provas

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às quais os cegos estavam sujeitos. Além disso, todos os domingos e dias santos era

celebrada uma missa às nove horas da manhã.

Seguindo os princípios do Instituto parisiense, os alunos deveriam ser educados a

partir da manifestação de seu gosto e aptidão, com vistas à aprendizagem de um ofício.

Porém a disciplina que mais se destacava entre os alunos era a música, para a qual

demonstravam mais propensão e afinidade.

Figura 5. Alunos do Imperial Instituto de Meninos Cegos

Fonte: ALUNOS DO IMPERIAL INSTITUTO DE MENINOS CEGOS

Autor desconhecido, albumina, 23,5X16 cm, 1866.

Benjamin Constant, à esquerda na janela, foi professor do Instituto que, nesse período,

funcionava no Largo de Santana. Ao seu lado, seu sogro Claudio Luiz da Costa.

Museu Casa Benjamin Constant, Ibram, 2015.

Com o falecimento de Claudio Luiz da Costa, Benjamin Constant Botelho de

Magalhães assumiu a direção e ficou no cargo por vinte anos, de 1869 a 1889, período

em que aplicou seus ideais positivistas na reforma do estabelecimento (Cartolano, 1994).

Sobre sua administração, temos que

Benjamin Constant recebeu o Instituto consolidado e organizado,

porém mal instalado no prédio de número 127, da Praça da Aclamação

(ou Largo do Santana) para onde se mudara na década de 1860. Àquela

altura, a demanda por vagas crescia cada vez mais, inclusive das

províncias mais distantes, o que levou a idealizar a construção de um

edifício de grandes proporções, que não se cingisse às necessidades da

época apenas, mas pudesse atender a uma procura que, tudo indicava,

seria sempre ascendente. Baseava sua quase certeza na estimativa feita,

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por volta de 1870, em 12.000 deficientes visuais no país. (FERREIRA

e LEMOS 1995, p. 4).

Uma das primeiras medidas adotadas por Benjamin Constant durante o período

de sua gestão foi buscar subvenção do Império para a construção de uma nova sede para

a construção de um edifício que atendesse tanto as condições de salubridade quanto a

demanda. Em 1872, D. Pedro II doou um terreno na Praia Vermelha com uma área de

9.515 metros quadrados para a construção da nova sede. O projeto, vasto e elegante,

poderia abrigar de 400 a 500 alunos. A obra seguiu o estilo neoclássico dos prédios

vizinhos, a Escola da Marinha e o Hospício Pedro II (Cerqueira e Lemos, 2015).

De acordo com Araújo (1993), em 1873 Benjamin Constant apresentou ao

Governo um relatório sobre o movimento de alunos desde a fundação do Instituto: foram

matriculados 64 alunos de ambos os sexos; destes, 22 faleceram de diversas moléstias;

seis saíram por incapacidade de instrução em consequência de graves moléstias físicas e

mentais; dois foram expulsos por péssima conduta e apresentarem comportamentos

incorrigíveis e 16 deixaram a condição de alunos por terem concluído seus estudos.

Os concluintes exerceram diferentes profissões na sociedade, como professores,

organistas, afinadores de pianos e artesãos.

Em 1889, após 20 anos no cargo de diretor, com a proclamação da República,

Benjamin Constant afastou-se do cargo para assumir o Ministério da Guerra, e em seguida

foi 2º Vice-presidente da República do Governo Provisório.

Só em 1890 - um ano antes da morte de Benjamin Constant - foi concluída a

primeira etapa da construção e assim pode ser efetuada a mudança para a nova sede.

Construído no bairro da Urca no Rio de Janeiro, o novo edifício representava os

ideais de Benjamin Constant: seu propósito era elevar o número de discípulos, não apenas

para o despertar do conhecimento, mas também o de profissionalização em novos ofícios,

que estariam presentes nesta nova arquitetura: tornearia, obras de vime, sapataria,

alfaiataria e outras em que os meninos pudessem se desenvolver, como o curso de

ginástica elementar acomodado à condição dos cegos.

Deste modo, pudemos verificar que a história do Imperial Instituto dos Meninos

Cegos foi permeada por diversos problemas como o espaço físico e arquitetônico, o que

provocou mudanças. As práticas docentes vivenciadas, os métodos utilizados, os recursos

didáticos manipulados e sua relação com a formação do alunado serão temáticas do

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próximo capítulo, em que buscaremos mostrar e “dar cor” por meio do tato e da audição

a um mundo de “sombras”.

2.3.Imperial Instituto dos Surdos-Mudos de ambos os Sexos

Em 1852, o surdo Eduard Huet18(1822-1882) professor francês, ex diretor do

Instituto dos Surdos-Mudos de Bourges, na França, e antigo proprietário do Collégio

Francez Huet para meninos emigrou para terras brasileiras.

Nos primeiros anos, tentou estabelecer diversos contatos para fundar uma escola

para atendimento ao público surdo. Foi apenas com a conclusão do Imperial Instituto dos

Meninos Cegos do Brasil, em 22 de junho de 1855, que Huet foi apresentado ao

imperador. Foi nessa ocasião que Huet lhe entregou um relatório expondo a importância

de se fundar uma escola para surdos-mudos e as tentativas já feitas:

Seria desejável que se encontrasse um campo adjacente ao

estabelecimento, e bastante vasto, para poder encerrar todas as espécies

de culturas. Eu não me associei com M. de Vassimon por falta de meios,

e porque eu não tinha o local apropriado para as minhas visões. Espero

a sanção de nossa obra pelo estado, propondo-me a pedir ao Governo a

concessão de um terreno suficiente, de fácil cultura com respeito à idade

e a fraqueza das crianças, no qual será eregido um estabelecimento

monumental para a glória nacional, como o reino glorioso de Vossa

Majestade (Huet, 1855, apud ROCHA, 2008, p. 28).

Neste mesmo relatório, Huet expôs ao Imperador a importância de se oferecer a

esses sujeitos um ensino baseado em “aprender a ler com os olhos a fala e o nome de

todos os objetos da natureza” em prol de uma educação que tivesse como base o ofício,

apresentando ao governo duas propostas de criação deste estabelecimento: em uma, o

colégio seria de propriedade livre (particular), com concessão de bolsas e alguma

subvenção por parte do Império; em outra, as despesas totais seriam assumidas pelo

Império (pública). Caberia ao imperador a decisão. No entanto, Huet argumentou que,

por ter experimentado os dois modos como diretor no Instituto de Surdos-Mudos de

18 De acordo com Bentes e Hayashi (2016, p. 858) é válido notar, conforme assinalou Oviedo (2007), a

existência na literatura científica brasileira de diferentes grafias do nome de Hüet, tais como: Eduard Hüet

(Oviedo, 2007), Edouard Hüet ( Jannuzzi, 2004); Ernest Huet (Pinto, 2006); Ernesto Hüet (Corrêa, 2010);

Hernest Huet (Oliveira, 2012; Goldfeld, 2001).

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Bourges, considerava o modelo privado com subvenções nacional e particular o mais

adequado (Rocha, 2008).

O governo imperial apoiou a primeira proposta de Huet e destacou o Marquês de

Abrantes para acompanhar de perto o processo de criação da primeira escola para surdos

de ambos os sexos no Brasil. O novo estabelecimento começou a funcionar em 1º de

janeiro de 1856, nas dependências do Colégio de M. De Vassimon, segundo dados do

atual Instituto Nacional para a Educação dos Surdos, porém foi com a Lei n° 839, de 26

de setembro de 1857, que garantiu seu funcionamento com financiamento da Corte.

Deste modo, o Instituto Imperial para Meninos Surdos, direcionado a ambos os

sexos, passou a funcionar a partir de 1856 sob a o patrocínio do Governo Imperial e de

uma Comissão Inspetora. A educação dos meninos ficava a cargo de Huet (Diretor do

Estabelecimento) e das meninas ao cargo de Mme. De Vassimon e suas filhas.

Este estabelecimento tinha como princípio fundante a regeneração intelectual e

moral dos Surdos-Mudos do Brasil. Para a efetivação da matrícula, era preciso que o

aluno ou aluna tivesse entre sete e 16 anos de idade e apresentasse um certificado de

vacinação.

O curso completo era de seis anos e sua base curricular era semelhante à do

Instituto de Surdos Mudos de Paris, e era composta das seguintes disciplinas: escrita e

leitura, elementos da língua nacional com gramática, noções de religião e dos deveres

sociais (Catecismo), Geografia, História do Brasil, História Sagrada e Profana,

Aritmética, Desenho e Escrituração Mercantil. Eram dadas lições de pronúncia, de

articulação e de leitura aos indivíduos em quem se reconhecesse aptidão para tais

exercícios.

Também eram previstas lições de agricultura teórica e prática para os meninos e

trabalhos usuais de agulha para as meninas. O que chama a atenção neste item é que o

currículo adotado era o mesmo para todas as crianças que frequentassem a escola neste

período em nosso país.19

A pensão era de 500$000 rs. anuais, recebida em trimestres adiantados. Assim

como no caso do Instituto destinado ao meninos cegos, as famílias das crianças surdas

que não pudessem pagar pelos respectivos estudos, ora recebiam donativos de famílias

ilustres, ora de ordens religiosas.

19 Sobre o currículo escolar adotado no Instituto Imperial para os meninos Surdos e nos demais colégios do

Império, exploraremos este assunto nos próximos capítulos.

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Pela exemplar charidade de alguns distinctos bemfeitores, que se

responsabilisão pelas respectivas pensões, será admitido um certo

numero de Surdos-Mudos, cujas famílias, por falta de meios, não

possão satisfazê-las. As pessoas que pretenderem que seus filhos gozem

do beneficio da instrucção e da educação, ou sejão abastados; ou falta

de meios, devem dirigir-se por escripto ao Director, indicando-lhe com

a maior exatidão o nome, idade, sexo e morada do candidato.

(RELATÓRIO DA COMISSÃO INSPETORA DO IMPÉRIO, 1856, p.

406).

Após quatro meses de funcionamento, Huet escreveu à Comissão Diretora

responsável por acompanhar os trabalhos realizados no Instituto. Dentre os assuntos

pautados, agradeceu as contribuições do Teatro de São Januário e a subvenção financeira

do Império. Porém, neste mesmo relatório, solicitou outro lugar para o Instituto funcionar,

já que era necessário se submeter às regras do colégio que ocupava, não podendo

aumentar o tempo de aula, das 10 às 12 da manhã e das 15 às 17 da tarde. Huet mencionou

ainda a inadequação das instalações:

A casa atual não está em condições higiênicas favoráveis a saúde dos

alunos... as camas apertadas uma contra a outra o mais perto possível;

eu mesmo me vejo obrigado a dormir fora por falta de espaço, e como

os meus exercícios acontecem num salão, o uso do giz e dos quadros

cobre os móveis de poeira que os deteriora (apud ROCHA, 2008, p. 30).

Além desta solicitação, no mesmo relatório, Huet reitera os pedidos feitos no

relatório de 1855, como a criação de uma Instituição Imperial dos surdos-mudos, com as

mesmas vantagens do instituto de Cegos, inclusive com a mesma verba (15 contos de

réis) e concessão de 30 bolsas para os alunos.

De acordo com Rocha (2008), por determinação do Imperador D. Pedro II, mais

uma vez coube ao Marquês de Abrantes formar uma comissão com figuras importantes

do Império a fim de acompanhar os trabalhos do novo estabelecimento. Reunida em 3 de

junho de 1856 no Paço do Senado, a comissão foi assim composta: Marquês de Olinda,

Marquês de Monte Alegre, Conselheiro de Estado José da Silva, Prior do Convento do

Carmo, Abade do Mosteiro de São Bento, padre Dr. Joaquim Fernandes Pinheiro como

secretário e o Marquês de Abrantes como presidente.

Nessa reunião, decidiram promover a definitiva instalação do Instituto dos

Surdos-Mudos, procurar um prédio para o estabelecimento da sede e não remover os

alunos que já estudavam no Colégio D. Vassimon, antes que a esposa de Huet viesse

tomar conta das meninas.

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Um ano e meio após a solicitação, e com alguns alunos sendo subvencionados até

então pelos donativos da comissão inspetora, do Convento do Carmo, do Mosteiro de São

Bento e das matrículas particulares ou subvencionadas pelo Imperador, foi promulgada a

lei 939 de setembro de 1857 fixando despesas e orçamentos da Receita do Império para

os anos de 1858 e 1859.

A Comissão também conseguiu a transferência do estabelecimento para uma casa

maior. Em outubro de 1857, o Colégio dos surdos-mudos passou a funcionar no morro

do Livramento. O contrato de aluguel, assinado por três anos, era de dois contos de réis

ao ano. A quantia foi paga pelo Mosteiro de São Bento e pelo Convento do Carmo (Rocha,

2008).

Ao findar o ano, o Collegio de Meninos Surdos passou a ser administrado por

Huet e sua esposa Mme. Huet e respectivas filhas, com muito bons resultados, conforme

o Relatório de 1857:

O brilhante resultado que têm coroado os exames, os testemunhos

lisongeiros de satisfação e animação que o Director tem recebido de SS.

MM. H. e de todas as nossas grandes ilustrações, e o progresso pasmoso

dos discípulos, attestão a superioridade e efficiencia dos processos de

ensino adoptados pelo Sr. E. Huet.

Regenerar uma classe inteira de seres desgraçados muito tempo

abandonados, pô-los na posse de uma instrucção impossivel de adquirir

de qualquer outro modo, por meio de um methodo especial, restitui-los

á sociedade, á sua família, e pô-los em estado de poderem um dia dirigir

seus proprios negócios - tal tem sido o fim da fundação do

estabelecimento (RELATÓRIO DA COMISSÃO INSPETORA DO

IMPÉRIO, 1857, p. 437).

Após dois anos de funcionamento, algumas diretrizes de trabalho e de

funcionamento passaram a reger o cotidiano do Colégio, como por exemplo: a admissão

dos alunos (que poderia ser estabelecida por meio de três formas: pensionato completo,

meio pensionista ou gratuitamente), o recebimento de subvenção nacional e o aumento

da idade para permanência no Instituto que passara a ser dos sete aos 18 anos.

No mappa nº 1 de 1858 constavam 19 alunos matriculados, sendo 13 meninos e

seis meninas. O documento informava o nome, a naturalidade, a idade, a data de

admissão, as condições de admissão (se eram subvencionados pelo Império ou não) e

observações sobre o aspecto físico, comportamental e de inteligência dos alunos.

Dos 19 alunos matriculados, 12 eram do Rio de Janeiro, dois de Minas Gerais, um

de São Paulo, um de Niterói e três irmãos (dois meninos e uma menina) de Barra Mansa.

Nesse relatório, outro dado que se destaca é que dois alunos não estavam mais aptos a

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frequentar este estabelecimento devido a suas idades. Antônio Candido dos Reis (terceiro

da lista) com 28 anos e Antônio José de Azevedo (décimo primeiro da lista) com 23 anos.

Estes alunos, além de terem idade avançada, chamam a atenção pelo fato de o

primeiro ser pensionista particular e o segundo pensionista nacional, subvencionado pelo

Império. Em comum, ambos apresentam dificuldades na aquisição da “mímica”, e mesmo

sendo inteligentes, não conseguiram completar a segunda fase (Mappa, 1858).

A partir deste mappa, também se pode perceber que o método empregado por Huet

consistia, sobretudo, na mímica dos sinais. Os alunos que desenvolvessem boas aptidões

neste campo eram considerados de desenvolvimento satisfatório; porém estipulava níveis

de Inteligência: pouco inteligente, aplicado ou muito inteligente.

Figura 6. Mappa do pessoal ensinado no Instituto

Fonte: Instituto Nacional de Educação de Surdos. Foto da autora, 2015.

Em 1859, o lema a ser desenvolvido entre todos era a ordem e a moralidade em

prol de um regime disciplinar e econômico. Neste ano, o Instituto contava apenas com 17

alunos, de ambos os sexos. Ao contrário do Instituto destinado ao ensino dos cegos, o

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diretor dos alunos surdos-mudos elogiava o zelo, a dedicação e o desempenho tanto dos

alunos quanto o apoio do Império (Relatório da Comissão Inspectora do Imperio, 1859).

As verbas eram destinadas ao pagamento de um capelão, um professor de religião,

um inspetor de alunos, um médico, um professor, uma professora com habilitações

especiais20. As demais verbas deviam custear alimento, vestiário e mobília.

Em 13 de dezembro de 1861 houve mudança de gestão, que passou das mãos de

Huet ao capelão do Instituto. Isto ocorreu devido a problemas pessoais relacionados à sua

esposa, ocasionando a quebra de contrato com Huet. Com sua saída, assumiram o frei

João do Monte do Carmo e posteriormente Ernesto do Prado Seixas, que assumiria

interinamente até a chegada de um professor que estava se especializando no instituto de

Paris (Fulas, 2017). Este professor foi Manoel de Magalhães Couto, contratado para

trabalhar por cinco anos.

A partir de 1860 os Institutos para os Meninos Cegos e para os Surdos-Mudos

passaram a enfrentar diversas dificuldades financeiras, que variavam desde a equiparação

entre os salários dos diretores de ambos os Institutos, até os cuidados prediais em relação

à higiene e salubridade dos prédios.

Em 1864 houve diminuição no número de alunos. Os que se mantiveram-se

estudando no Instituto tinham subsídios de verbas imperiais ou provinciais. A diminuição

de verbas era tamanha que em 1865 houve uma drástica redução no número de

funcionários e de disciplinas, que assim podem ser elencados:

As materias leccionadas são: a língua nacional, arithmetica e álgebra,

historia e geografia, calligraphia, desenho, articulação artificial e leitura

sobre os lábios, accrescendo para as meninas trabalhos de agulha e

bordadura. O Director e a Directora ensinão todas as matérias, a

exceção somente do desenho que tem professor especial. Aqueles são

porém coadjuvados pelo Inspector dos alunos pelo Secretário, e pela

Inspectora das alumnas, que estão encarregados de algumas classes

inferiores. (RELATÓRIO DA COMISSÃO INSPETORA DO

IMPÉRIO, 1865, p. 19).

Nesse mesmo ano, os alunos também passaram a aprender outros ofícios, como

as profissões mecânicas, mas que ficaram apenas no plano teórico, pois seria preciso

estabelecer algumas oficinas para as atividades práticas e, por falta de verbas, foram

inviáveis. O único ofício que de fato era praticado era a marcenaria, mesmo que de

maneira provisória.

20 Não obtivemos dados de quais seriam estas habilitações especiais para ser uma docente do Instituto

Imperial para os Meninos Surdos.

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Mesmo apresentando dificuldades financeiras, a educação dos surdos era vista

como de muito sucesso. Pode-se verificar a importância deste estabelecimento para a

Capital em diversos registros nos relatórios, como exemplificado a seguir:

Não posso deixar de chamar a atenção da Assembleia Geral para este

útil estabelecimento. É grande o número de meninos surdos-mudos

indigentes, que vegetão pelas Provincias sem que o Instituto lhes possa

abrir suas portas, recusando-se a frequentes solicitações por carecer

inteiramente de recursos para sustental-os, e ser limitado o numero dos

pensionistas do Estado ao que está preenchido. O augmento deste

numero, e uma subvenção para se proverem definitivamente todas as

cadeiras, e estabelecerem-se algumas oficinas, organizando-se o

Estabelecimento sobre hases mais convenientes, e dando-se-lhe

caracter publico á semelhança do Instituto dos Meninos Cegos, seria

um grande passo para satisfazer aquella necessidade. (RELATÓRIO

DA COMISSÃO INSPETORA DO IMPÉRIO, 1865, p. 20).

Em 1867 o Instituto obteve um outra conquista: a promulgação do Decreto nº

4.026, de 19 de dezembro, dando regulamento provisório ao Instituto, e assim definindo

seu quadro de funcionários: um diretor, um professor, uma professora, um capelão, um

inspetor de alunos, uma inspetora de alunas, um roupeiro, uma enfermeira, uma

despenseira, uma criada, um cozinheiro e quatro serventes. Para o ensino, foram adotadas

as seguintes matérias: Leitura Escrita, Doutrina Cristã, Aritmética, Geografia com ênfase

no Brasil, Geometria elementar, Desenho Linear, Elementos da História, Português,

Francês e Contabilidade.

A crise na instituição foi exposta em 1868, quando o chefe da Seção da Secretaria

de Estado, Tobias Rabello Leite, realizou inspeção nas atividades e condições do

Instituto. Em seu relatório, apontou os desvios das atividades dos propósitos originais do

estabelecimento e que, ao invés de ser um espaço educativo, transformara-se em um

verdadeiro asilo de surdos.

Após o envio do relatório ao chefe da Seção da Secretaria de Estado, foi convidado

a ser diretor da Instituição. Tobias Leite aceitou o convite e permaneceu no posto até

1896, e lhe deu o impulso definitivo que o transformou em referência na educação de

surdos no Brasil (SOUZA, 2007, p. 85).

O principal objetivo a nortear o trabalho de Tobias Leite foi o de substituir o

caráter assistencial e asilar que havia impregnado a instituição pelo caráter educacional.

A meta era educar os surdos-mudos para a aquisição de uma profissão, pois assim que

concluíssem seus estudos poderiam garantir meios para a sua subsistência. Para tanto, o

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ensino agrícola era o mais indicado, devido às características econômicas do Brasil

naquela época.

Para o gestor, a comunicação era essencial para o desenvolvimento das relações.

Assim, a formação dos sujeitos deveria habilitá-los a utilizar uma linguagem que

permitisse “tirá-los” do isolamento provocado pela surdez. Esta linguagem poderia ser:

Escripta e vocal artificial. A preferencia entre estas duas linguagens é o

ponto que se debate entre as duas escolas da Europa, a allemã e a

franceza. Não vem ao caso expor os argumentos que de parte a parte

tem sido apresentados: basta-me dizer que a linguagem escripta é fácil

tanto ao surdo-mudo congênito, como o acidental, e que a linguagem

articulada artificial, sendo possível nos segundos, só por exceção o é

nos primeiros, e sempre tão imperfeitamente, que só por curiosidade é

tolerável. (Tobias Leite, 1869, p. 5 apud ROCHA, 2008, p. 41)

Durante os 28 anos em que dirigiu o Instituto dos Surdos-Mudos, Tobias Leite

empenhou-se na implementação, publicação e divulgação de uma série didática sobre o

trabalho do Instituto e sobre a importância da instituição, lutando contra a crença que

alguns tinham de que a educação dos surdos-mudos “era um luxo das nações civilizadas”.

Obras que revelaram tais iniciativas foram: Lições de linguagem portuguesa (1873);

Lições de geographia do Brasil (1873); Guia para professores primários, traduzido de

J.J.Valade-Gabel (1874); Iconografia dos sinais dos surdos-mudos (1875); Notícia do

Instituto dos Surdos-Mudos do Rio de Janeiro (1877); Compêndio para o ensino dos

surdos-mudos (1881).

Acrescenta-se como indicativo de seus esforços:

Não me limitei a isso: tendo notado que muitas pessoas, aliás,

ilustradas, ou pelo menos de elevada posição social, duvidavam da

possibilidade dos surdos-mudos receberem instrucção literária, exthahi

da melhor obra que conheço para o ensino desses infelizes, a do ilustre

professor Vallade Gabel, um compêndio para o ensino da língua

portuguesa; mandei-o imprimir a minha custa, e distribui gratuitamente

quatrocentos exemplares pelas províncias em que maior número há de

surdos-mudos, reservando o restante da edição para o serviço do

Instituto, por ser o único livro deste gênero que existe em nossa língua.

Mais teria feito neste sentido, si tivesse recursos na razão dos meus

desejos. (LEITE, 1873).

A eleição da obra de Vallade-Gabel por Tobias Leite deve-se ao fato de que era

preciso superar a questão da “caridade” que se havia instaurado no interior do Instituto.

Foi realizada uma tiragem de 500 exemplares dessa obra, enviados para as províncias de

São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Goiás. A obra de Valade-Gabel seria exemplo a ser

seguido pois, segundo o Guia para os professores primários começarem a instrucção dos

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surdos-mudos, em 1874 existiam 48 Institutos destinados à educação deste público em

Paris, enquanto que no Brasil tínhamos apenas um Instituto no mesmo período.

Divulgar essa obra era sinônimo de reiterar a necessidade de criação de outros

institutos nas províncias, cada qual atendendo as províncias próximas, e também o

estabelecimento de um curso normal para formação de professores, transformando o

instituto carioca num polo de referência nacional. Porém tal projeto não vingou (Fulas,

2017).

Mesmo este projeto não tendo vingado, os demais trabalhos em desenvolvimento

no Instituto ainda careciam de divulgação. Para popularizar a linguagem de sinais, em

1875 foi publicado um dicionário iconográfico, a Iconographia dos Signaes dos Surdos-

Mudos, de Flausino José da Gama.

A ideia de criar esta obra partira do aluno e posteriormente repetidor Flausino21,

ao tomar conhecimento da existência de um exemplar (na biblioteca do Instituto) de obra

semelhante, de autoria do professor surdo Pelisier, profissional do Instituto dos Surdos de

Paris. (Leite, 1875).

A obra de Flausino José da Gama (1875) era composta pela dactylologia dos

surdos-mudos e pelos “signaes” que envolviam os alimentos, as bebidas, os objetos de

mesa, os objetos para escrever, os objetos da aula, a individualidade, as profissões, os

animais, os pássaros, os peixes, os insetos, os adjetivos (inclusive em prol da formação

moral), os pronomes, os verbos, os advérbios, as preposições, as conjunções, as

interjeições e as interrogações.

21 Flausino José da Gama era filho de Anacleto José da Costa Gama. Surdo congênito, entrou para Instituto

em 1º de julho de 1869. Exerceu a função de repetidor no Instituto. Além de assistir e depois repetir as

lições do professor, deveria acompanhar os alunos no recreio e no retorno à sala de aula, bem como

acompanhar os visitantes do Instituto, pernoitar com os alunos internos, corrigir os exercícios e substituir

os professores. Um repetidor era nomeado se provasse estar habilitado quanto aos conteúdos da matéria

escolhida (Rocha, 2011).

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Figura 7: Iconographia dos sinais – Adjetivos morais

Fonte: GAMA, José Flausino da. Iconographia dos signaes dos surdos-mudos – Rio de Janeiro:

Typographia Universal E. & H. Laemmert, 1875, p. 32 e 33.

Durante os primeiros anos de gestão de Tobias Leite, além da divulgação do

trabalho do estabelecimento, alguns problemas permaneceram: o arrendamento do prédio

era renovado anualmente, porém não permitia a expansão de atividades e do número de

alunos. Com uma média de 19 a 20 alunos, entre meninos e meninas, a questão da idade

superior ao permitido ainda persistia (ALMANAK LAEMMERT, 1874).

Outro dado relevante é a permanência de meninas no quadro de alunos do

instituto. Essa característica de Escola-Instituição mista não era comum no século XIX e,

segundo o decreto, nem era prioridade no país. Para o diretor, as alunas deveriam ser

instruídas em casa, aprendendo atividades da rotina doméstica como cozinhar e bordar.

Desde a entrada do diretor no Instituto não foram mais matriculadas alunas e, em 1874,

no quadro de funcionários não havia mais o registro de professoras, por não mais

existirem meninas no instituto (ALMANAK LAEMMERT, 1874).

Em 1875 a nova sede do Instituto passou a situar-se na Rua Laranjeiras nº 60, sede

atual do Instituto (2017). Duas marcas distintivas de funcionamento entre os Institutos

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foram revelando-se no Almanak Laemmert (1856-1889): o Instituto dos Surdos-Mudos

recebia visitações todos os dias e não há registros de missas no Estabelecimento.

Figura 8. Imperial Instituto dos Meninos – Surdos de ambos os sexos

Fonte: Instituto dos surdos-mudos situado à rua Laranjeiras. LEITE, 1877.

A gestão de Tobias Leite foi caracterizada pela divulgação de obras, métodos e

recursos de ensino. Para tal empreitada, contou com a parceria do Doutor Joaquim José

Menezes Vieira que, além de ser diretor do Colégio Menezes Vieira, também era

professor de Linguagem Articulada no Instituto de Surdos-Mudos (Souza e Santana,

2012). Ambos conciliaram um currículo semelhante nos dois estabelecimentos de ensino,

com base no método intuitivo (Bastos, 2002).

Como em outras partes do mundo, também no Brasil há um movimento pendular

a respeito da educação do surdo, que oscila entre ensinar a língua oral e a língua de sinais.

Tobias Leite, referindo-se à melhor maneira de escolarizar os surdos, já em 1877 situou

a questão:

A comunicação com um surdo-mudo pode ser escripta, oral ou por

signaes. A escripta é o melhor e mais geral meio de comunicar com os

surdos-mudos. Os poucos que conseguem aprender a palavra articulada

evitão quanto podem, em parte pelo esforço que lhes é preciso, e, pelo

acanhamento que lhes causa a sensação desagradável que produz a sua

voz inevitavelmente gutural.

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Os allemães não pensão assim: considerão a palavra articulada como o

fim da educação dos surdos-mudos.

Nós e, e comnosco os Americanos e Ingleses, procuramos tirar proveito

a escripta e da palavra articulada, pois que nosso fim é que o surdo-

mudo se comunique com os seus considadãos pelo meio que lhe for

mais commodo. (LEITE, 1877, p. 25)

Após três anos da data de publicação do Notícias do Instituto dos Surdos-Mudos

(1877), o Congresso de Milão - inscrito na postulação de Le Goff (1990) e de Rocha

(2012) como um evento monumento – foi um divisor de águas na educação dos surdos,

pois recomendou o ensino da língua oral ou oralismo22, determinando, conforme relatório

apresentado por Kinsey:

I. O Congresso:

Considerando a incontestável superioridade da linguagem oral sobre a

de sinais na reintegração do surdo-mudo à sociedade, permitindo a mais

perfeita aquisição de conhecimento,

Declara:

Que se deve dar preferência ao Método Oral ao invés do método de

sinais para a educação e ensino do surdo-mudo. (ATAS DO

CONGRESSO DE MILÃO, 1880, p.4).

Este conceito gerou repercussões diferentes e visões antagônicas. No Brasil, a

partir das atas e pareceres do Congresso de Instrução do Rio de Janeiro, três anos após o

Congresso de Milão, registraram-se tais visões:

Os pareceres feitos pelo diretor, Dr. Tobias Leite, e pelo professor do

Instituto, Dr. Menezes Vieira, eram antagônicos e refletiam, em parte,

as discussões de Milão. O parecer do Dr. Menezes Vieira continha uma

minuciosa descrição da situação dos surdos no Brasil e no mundo, fruto

de uma viagem realizada à Europa. Segundo ele, existiam 364 Institutos

para Surdos espalhados pela Europa, Estados Unidos, Canadá e Japão.

Seu discurso tinha como tônica a importância de oferecer instrução às

pessoas surdas para torná-las produtivas e socialmente viáveis. Embora

reconhecendo o empenho do Dr. Tobias como diretor, fazia severas

críticas ao programa de ensino com foco na escrita e na

profissionalização. Discordava da orientação de oferecer a disciplina de

Linguagem Articulada somente para os mais aptos. Para ele, em

consonância com a deliberação de Milão, era fundamental o ensino

indistintamente dessa disciplina já que, dentre outros argumentos, os

exercícios para a articulação oral produziam um melhor desempenho

dos órgãos da respiração e consequente maior qualidade na oxigenação

cerebral. (ROCHA, 2008, p. 45-46).

22 Oralismo, ou método oral, é o processo pelo qual se pretende capacitar o surdo na compreensão e na

produção de linguagem oral, e que parte do princípio de que o indivíduo surdo, mesmo não possuindo o

nível de audição para receber os sons da fala, pode se constituir em interlocutor por meio da linguagem

oral. (Soares, 2005, p. 1)

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Parafraseando Rocha (2008), apesar de discordantes, os pareceres refletiram uma

mudança na mentalidade quanto à educação das pessoas surdas na segunda metade do

século XIX. A ideia de caridade deveria ser substituída pela formação de pessoas úteis.

Havia claramente três tendências nessa perspectiva: na Alemanha, na Inglaterra e nos

países escandinavos, a questão era formar cidadãos capazes de exercer seus direitos e

deveres. Na França e na Itália, ela estava mais ligada à política religiosa - o partido clerical

buscava fiéis para se fortalecer. Enquanto isso, nos Estados Unidos da América a ideia

era converter pessoas inúteis em trabalhadores.

Para o gestor Dr. Tobias Leite, a primeira e a terceira questões eram fundamentais

para o progresso do país, e se adaptavam à nossa realidade. Dessa forma, o ensino

primário e o agrícola permaneceram no currículo dos alunos, pois a finalidade era dotar

os alunos de conhecimentos para sua subsistência (Almanak Laemmert, 1881).

Analisando o Almanak Laemmert do período de 1854 a 1889, a disciplina

“Articulação artificial e da leitura sobre os lábios” era uma prática no Instituto desde 1864

até 1880 (ANEXO A). Após o Congresso, essa disciplina deixou de compor o currículo.

As únicas que permaneceram no campo para a aquisição da comunicação foram as aulas

de linguagem escrita e dito. O que chama a atenção é que em 1889, Tobias Leite emitiu

um relatório em que demonstrava que os alunos de linguagem articulada não haviam

adquirido nenhuma instrução, sendo que os da classe de linguagem escrita haviam

apresentado melhor desempenho (Souza, 2005 e Fulas, 2017).

Desse modo, pode-se inferir que a língua oral e a língua de sinais geraram grandes

rivalidades, tanto no campo teórico e nas práticas do Instituto quanto nas Exposições e

Congressos internacionais. Mesmo apresentando rivalidades, o método intuitivo se fez

presente antes e pós Congresso de Milão (1880). É esta história que vamos relatar no

próximo capítulo.

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Capítulo 3. Internacionalização e Transnacionalização de ideias para

educar cegos e surdos

Valores, normas de conduta e formas de produção da vida social e

cultural foram redimensionados em decorrência dos novos rumos,

traçados com base nas mudanças do regime político administrativo no

país. Na esteira dessas transformações, produziu-se o discurso sobre a

modernização educacional que teve na implantação/adoção do método

intuitivo um dos principais estandartes no campo pedagógico. Deve-se

ressaltar ainda que a propalada necessidade de modernização era

apresentada como possibilidade de equiparação do Brasil às nações

mais desenvolvidas e, da constatação do atraso nacional emergia a

seleção dos dispositivos capazes de contribuir para sua superação.

Assim, a difusão do método de ensino intuitivo integrou o conjunto de

medidas com vistas à implantação de um sistema de ensino, pensado

como instrumento para educação popular, no final do século XIX

(Valdemarin, 2010, p. 164 e 165)

Um dos estandartes da modernidade do século XIX foi a educação, sinônimo de

civilização das nações. Equiparar-se a tais, era a premissa da política brasileira, a qual

respaldou suas legislações em prol da mudança e da inovação de um país independente.

Essa educação adequada à modernidade deveria, por isso mesmo, romper com a

tradição herdada desde os tempos medievais. Segundo Valdemarin (2010), a educação

moderna teria buscado inspiração nas obras de alguns filósofos do século XVII, em

especial Francis Bacon, John Locke e David Hume, que se dedicaram a estudar as origens

do conhecimento, que seriam as sensações, fontes de todas as percepções que o indivíduo

poderia experimentar e sobre as quais operaria a reflexão para a produção das ideias.

3.1. Educar os sentidos por meio do método intuitivo

As sensações, canais que possibilitariam a aquisição do conhecimento pelos

sujeitos, concorreram para a formação, no século XIX, por intermédio do empirismo, de

uma concepção que valorizasse também os objetos práticos que, combinados com a

teoria, permitiriam o estabelecimento de novos significados para o conhecimento, dentre

eles, a sua aplicabilidade e utilidade (Burke, 2008 e Valdemarin, 2010).

A educação dos sentidos iria romper com velhas práxis educacionais, pois as

crianças aprenderiam por meio da observação do real e da percepção, da intuição, da

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manipulação e da experimentação dos objetos, ou seja, pela experiência, para que assim

fossem introduzidas atividades que desenvolvessem o raciocínio. Nessa medida, como

salienta Valdemarin (2006), a questão do método de ensino constituiu a questão

educacional por excelência nos séculos XVII, XVIII e XIX. Analisadas sob a perspectiva

histórica, as questões sobre como ensinar definiram práticas, estratégias e modelos de

formação docente, guiando inclusive os modelos sociais que as Nações requeriam para

tais contextos.

Na busca de valores formativos, o método intuitivo surgiu na Alemanha no final

do século XVIII, tendo como precursores Locke, Condilac, Rousseau, Pestalozzi,

Basedow, Campe, Fröebel, Diesterweg [...] “é essencialmente aquele que se faz pela via

da demonstração sensível, visível, palpável, o ensino pelos olhos” (Buisson, 1897, p.4)

ou seja, consistia na valorização da intuição como fundamento de todo o conhecimento,

isto é, a compreensão de que a aquisição dos conhecimentos decorria dos sentidos e da

observação (Remer e Stentzler, 2009).

A primeira característica do método intuitivo é a observação. Ela consiste em ver

e perceber, utiliziando como principal órgao dos sentidos o olho., mas não apenas ele:

O olho se antecipa ao seu trabalho de olhar, obcecado pelo seu próprio

passado, atento às insinuações do ouvido, do nariz, da língua, dos

dedos, do coração e do cérebro. O olho não é instrumento que funciona

sozinho, mas é membro obediente de um organismo complexo e

imprevisível. Não somente o como, mas também o que ele vê é regulado

pela necessidade e pelo preconceito. O olho seleciona, rejeita, organiza,

discrimina, associa, classifica, analisa, constrói. O olho não atua como

um espelho que capta e reflete itens sem atributo, mas registra coisas,

comida, pessoas, inimigos, estrelas e armas. Nada é visto desnudado

(Goodman, 1974, p.44 apud KOSMINSKY, 2008, p. 50).

A observação também não é um ato passivo, pois, como argumenta GAY (1988),

o encontro da mente com o mundo real propicia a experiência, que pode ser entendido

como uma organização de exigências apaixonadas, atitudes persistentes no modo de

encarar as coisas e de realidades objetivas que jamais serão refutadas.

Deste modo, podemos compreender que os sentidos são o apoio da experiência,

pois

A mente coleta no mundo suas fantasias, e até mesmo seus sonhos. E

se essas atividades obscuras da mente se apóiam tão pesadamente em

sons, imagens e odores, então a experiência diuturna de neuróticos

normais – a matéria prima de que é feita a história – deverá

obrigatoriamente cingir-se ainda mais fixamente aos imperativos

sociais, religiosos, econômicos e tecnológicos que, em conjunto,

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definem as possibilidades e impõem as limitações que se balizarão tanto

indivíduos quanto grupos. (GAY,1988, p. 21)

Por meio do concreto, do observável e do experienciável, a aprendizagem por

meio dos sentidos não limitava-se à mera “visão” ou ao mero “toque” passivos dos objetos

ou à contemplação das coisas, mas incluía a atividade intelectual por meio da qual eram

criados os objetos. Esse conhecimento, segundo Pestalozzi, seria manifestado de maneira

elementar pelo número, pela forma e pela palavra, que são os produtos da inteligência e

da memória e que deveriam ser considerados como meios para a progressiva precisão dos

conceitos. A educação pela prática revelaria o aprender trabalhando, o aprender fazendo.

Segundo o professor norte-americano Norman Alisson Calkins (1886), em seu

livro Primeiras Lições de Coisas – Manual de ensino elementar para uso dos paes e

professores23, o conhecimento das coisas tem início pelos sentidos, os quais são a ponte

entre o sujeito e o mundo exterior. As sensações levam à percepção das coisas e a atenção

dedicada ao que foi percebido induz à observação. É justamente aquilo que foi apreendido

por meio da observação que possibilita o entendimento e também o juízo. A partir da

observação das coisas, é possível compará-las, enumerá-las, associá-las, classificá-las

etc., e por meio desse procedimento exercitar o raciocínio e a reflexão, assim, alcançando

o conhecimento (Faria, 2017, p. 53).

Dada a proposição de que era preciso instruir pelas próprias coisas e não acerca

delas, pela experiência adquirida desde os lares e pelo cultivo das faculdades de

observação, as coisas passaram a ter um papel fundamental transformando-se na garantia

de que o conhecimento não seria apenas transmitido, memorizado e repetido, mas gerado

com base no contato do aluno com o objeto concreto, nas suas experimentações (Auras,

2005).

Esta nova concepção de aprendizagem inaugurou uma nova forma de organizar o

ensino e a escola para além do antigo tripé: palavra do mestre, quadro negro e compêndio;

impôs-se, então, a pedagogia dos sentidos, da manipulação das coisas e dos objetos e,

quando não fosse possível a presença direta destes, o contato da criança com imagens e

ilustrações (Auras, 2005).

As coisas das lições de coisas (Munakata, 2012) passaram a fazer parte das salas

de aula: globos terrestres, mapas, laboratórios, museus, livros ilustrados, formas

23 Obra traduzida/ adaptada para o português por Rui Barbosa em 1886.

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geométricas, esqueletos humanos, abecedários, microscópios, cadernos, excursões

pedagógicas, coleções, cartazes com imagens de plantas e animais (quadros do ensino

intuitivo), etc. e foram sendo transformados em novos instrumentos de trabalho do

professor, em facilitadores dores da aprendizagem dos alunos, posto que considerados

suportes imprescindíveis para as lições de coisas.

As lições de coisas são, como o próprio nome sugere, lições das coisas

pelas coisas, lição pelos olhos, pelos ouvidos, pelo tato, pelo cheiro,

pelo gosto. Trata-se, pois, da aplicação do método de ensino intuitivo

nas escolas, da sua transposição didática, estando, portanto, assentada

no postulado de que aprender supõe um indivíduo em contato com os

objetos a sua volta, numa experiência intransferível, subjetiva,

individual. Sua fórmula é bastante simples: parte-se da presença real ou

representativa (gravuras, desenhos, ilustrações) dos objetos/coisas,

combinada com a forma interrogativa, chamada socrática, inspirada na

conversação espontânea entre mãe e filho/a, chamada pelos partidários

do método de ensino intuitivo de “ginástica do espírito” (Auras, 2005,

p. 85)

3.2. O ideal médico-higienista de percepta

Além disso, para a constituição da escola moderna também concorreram, segundo

Gondra (2004), os ideários médico-higienista, em particular, o modelo dos higienistas

franceses, baseado no ideal de percepta, ou seja, a modelação dos sentidos por meio da

educação moral e intelectual. Tratava-se de ordenar e educar o sujeito formando-lhe a

pureza moral (como a boa vontade e as condutas adequadas), a capacidade intelectual e o

vigor físico em prol de pleno potencial de formação e desenvolvimento integral do

homem para o trabalho, o controle social e as formas de observação e de relacionamento

com o mundo.

Como aponta Gondra (2004), a partir deste modelo foi definido um amplo

programa de regras para o funcionamento dos colégios, compreendendo a localização e

arquitetura dos edifícios escolares, organização da rotina, práticas e hábitos que deveriam

ser desenvolvidos junto aos alunos, alimentação, exercícios corporais, cuidados com as

excreções dos organismos e com a educação dos sentidos, de modo a conservar e

desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e afetivas ou morais dos alunos. Tais regras

deveriam permear outra prática a ser estabelecida: a formação e capacitação profissional

de sujeitos, sustentando o referido padrão recolhido nos manuais da “modernidade”. Com

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isso, a educação dos sentidos passa a ter também uma finalidade prática, tornando

possível programas curriculares com tempos, espaços e materiais específicos para a

realização das atividade.

Esse modelo tornou também possível os estabelecimentos destinados à educação

das crianças anormais sensoriais. No caso dos Institutos de cegos e de surdos, o programa

concebido era mais denso e rígido, pois as atividades eram pensadas em regime de

internato. Eram internatos-oficina que praticavam uma pedagogia de conciliação entre a

educação intelectual e a formação artística e laboral.

A combinação da educação intelectual e higiênica com a evolução técnica tornou

possível a mecanização de algumas tarefas oficinais e a habilitação dos cegos para certas

tarefas de produção e distribuição – assim o trabalho tipográfico e a distribuição-venda

de impressos (folhetos, livros, editais). Idêntica evolução sucedeu com os surdos-mudos,

que passaram a assegurar certos trabalhos de rotina, enquadrados em circuitos mecânicos

de produção.

Para tanto, ensino profissional e intelectual, métodos e materiais de ensino não

ficaram guardadinhos em caixas. Mas sim, foram internacionalizados e

transnacionalizados por meio de exposições e Congressos em prol do “Concerto das

Nações”.

Correlativamente, analisando a reconstituição histórico-pedagógica do século

XVIII e no quadro das Luzes, foram criados e divulgados métodos de ensino em prol da

educabilidade dos cegos e dos surdos. Centrados na palavra, os métodos alfabetizadores

de Jacob Pereira, do Abade Deschamps e do Abade de L’Épée24 direcionados aos

educandos surdos e os métodos de Valentin Haüy e Louis Braille 25direcionados aos

24 Jacob Pereira e Abade Deschamps concentraram seus estudos na constituição de uma proposta educativa

que adotava um método de ensino que restituísse a fala à criança privada do sentido da audição, o qual

resultou o manual: Cours Élémentaire d’Éducation des Sourds et Muets, do Abbé Deschamps; já o segundo

corresponde à construção de um método que assentava na estruturação de sinais ou gestos, de uma forma

metódica, intentando alcançar uma gramática própria, que permitisse a comunicação dos surdos, ou a La

Véritable Manier d’Instruire les Sourds et Muets do Abbé de l’Épée (Alves, 2012).

25 Valentin Haüy fundou o primeiro instituto de educação para os meninos cegos em Paris, criando também

um programa para ensinar estes sujeitos a lerem por meio da gravação em alto-relevo de letras grandes, em

papel grosso. Um de seus alunos, Louis Braille, em 1824, adaptou a proposta de Haüy e de Barbier ao

sistema de comunicação chamado sonografia (método de comunicação tátil que utilizava 12 pontos em

relevo que produzia mensagens noturnas em períodos de guerra), criando assim, um novo sistema que

contava com apenas 6 pontos (Alves, 2012).

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educandos cegos foram divulgados e prosseguidos em diferentes locais, permitindo a

educação e disseminação destes por diversos países, inclusive o Brasil.

Com ecos dos estudos filológicos e da gramática, enquanto sistematização e

pragmática da Língua escrita, e do avanço da medicina e das disciplinas científicas, a

instrução dos cegos e surdos-mudos foi estabelecida pela ação metodológica,

experimental e de agenciamento, materializando a ideia de um curso para a reabilitação

da visão e da fala em prol da comunicação e da linguagem oral e escrita. Trata-se de um

agrupamento metódico de disciplinas científicas, que deveriam ser ensinadas por meio da

prática e da experiência, enquanto meio de inclusão religiosa e social.

Uma das ações metodológicas eleita para o desenvolvimento de tal modalidade

educativa foi o método intuitivo, reconhecendo que os sentidos, as sensações e as

sensibilidades são a porta para a aprendizagem de todo o conhecimento. (Aranha, 2006,

p. 232).

As sensações, canais que possibilitariam a aquisição do conhecimento pelos

sujeitos, concorreram para que, no século XIX, com intermédio do empirismo, fossem

objetos de análise de uma concepção que valorizasse também os objetos práticos que,

combinados com a teoria, permitiriam o estabelecimento de novos significados para o

conhecimento, dentre eles, a sua aplicabilidade e utilidade (Burke, 2008 e Valdemarin,

2010).

A educação dos sentidos iria romper com o empirismo tradicional e com velhas

práxis, pois as crianças aprenderiam por meio da observação do real e; da percepção, da

intuição, da manipulação e da experimentação dos objetos por meio da experiência, para

que assim , posteriormente, pudessem ser introduzidas atividades que desenvolvessem o

raciocínio.

Sob esta perspectiva, fundamenta-se um novo método de ensino em que

A matriz empírica, fundamento epistemológico subjacente ao método

de ensino intuitivo, foi, posteriormente, sintetizada e simplificada num

conjunto de regras que apresenta uma concepção do processo de

aprendizagem baseado nas percepções dos sentidos que, exercitadas e

dirigidas pelas atividades escolares, produziriam novas formas de

atuação e compreensão. Além disso, essa matriz foi utilizada também

para vincular o método de ensino à modernização, estabelecendo

identificação entre os objetivos educacionais, científicos e sociais. O

método de ensino seria, nessa perspectiva, o recurso pedagógico capaz

de atender às demandas da sociedade formando indivíduos portadores

das habilidades básicas – ler e escrever – e também valorizando o

progresso científico e industrial de modo a dar-lhe prosseguimento por

meio da formação escolar (Valdemarin, 2010, p. 166).

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Estas habilidades básicas, como a leitura, a escrita e a aquisição de conhecimentos

que despertassem para a profissionalização dos sujeitos foram fatores decisivos na

formação de sujeitos cegos e surdos. Eles não apenas formularam novos artefatos e novos

métodos para a educabilidade deste público, mas direcionaram os reflexos das mudanças

ocorridas no período imperial e que representaram o espírito de independência e de

transformação de um país.

Este pensamento encontra suporte em Hanna Arendt (2005, p. 285), na sua

compreensão da invenção do telescópio como fator fundamental de configuração da Era

Moderna. Para Arendt, “não são ideias, mas eventos que mudam o mundo: o sistema

heliocêntrico, como ideia, é tão velho quanto a especulação pitagórica e tão persistente

em nossa história quanto as tradições neoplatôncias, e nem por isso jamais mudou o

mundo ou a mente humana”.

Foram os eventos que propiciaram a transformação do mundo: Por meio das

Exposições Universais que condensaram o que o século XIX entendeu como

modernidade: o progresso construído sobre a ciência e a indústria; a liberdade entendida

como livre mercado; o cosmopolitismo baseado na ideia de que o conhecimento humano

e a produção seriam transnacionais, objetivos e sem limites (CPDOC/FGV, 2017).

No campo educacional, métodos de ensino inovadores, materiais que poderiam

ser manipulados e testados foram divulgados, levando a produção e circulação não apenas

de ideias, mas de mercadorias, de planos de estudos, da adoção de métodos, da

institucionalização de espaços e, da formação de educadores, como descrito por

Valdemarin (2010, p. 166 e 167):

Diversas iniciativas atestam a circulação das ideias e de objetos em

contextos espacialmente diferenciados: Ferdinand Buisson,

representante do governo francês na Exposição Universal realizada na

Filadelfia em 1876, colaborou com a repercussão do método por meio

do relatório da visita efetuada e do Nouveau dictionnaire de pédagogie

et d’instruction primaire, bem como pelos esforços para a remodelação

do sistema pedagógico francês sob a direção de Jules Ferry; Madame

Pape-Carpentier adaptou as ideias pestalozzianas e fröebelianas em

livros dedicados à metodologia de ensino infantil; Rui Barbosa traduziu

para a língua portuguesa as prescrições do método elaboradas por

Norman Allison Calkins; Menezes Vieira e Abilio Cezar Borges

valiam-se de sua aplicação para atestar as qualidades do ensino

ministrado, respectivamente, nos Colégios Abilio e Menezes Vieira do

Município da Corte, do qual eram diretores e proprietários; a Primeira

Exposição Pedagógica realizada no Brasil, em 1883, tinha entre os

expositores tanto as casas que importavam os materiais recomendados

pelos professores como seus produtores estrangeiros.

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Deste modo, a nossa intenção principal é expor, no olhar moderno, a formação do

habitus educacional que perpassou por experiências, por materialidades, por métodos e,

neste estudo em específico, como este habitus educacional disciplinou a visão, treinou os

ouvidos, refinou o olfato, domesticou o tato, aperfeiçoou o paladar e a fala na ausência

de um dos sentidos.

3.3. Exposições e Congressos: impulso para o “Concerto das Nações”

A industrialização e a urbanização das cidades no século XIX provocaram e

despertaram novos sentidos em prol de um transe lúdico entre o fetiche e a mercadoria

(Kuhlmann Júnior, 1996) arquitetando sobre as transformações urbanas, a profusão de

objetos e imagens e a compreensão espaço-tempo gerada pelas novas tecnologias de

transporte e comunicação.

Neste transe, também produziu novos olhares, sabores, barulhos, gostos e toques

acerca das vitrines, dos artefatos e das mercadorias, estes que foram expostos em cartazes,

catálogos, feiras e exposições internacionais. A primeira Exposição Universal aconteceu

em Londres de 1851.

As exposições tornaram-se momentos para a circulação e a apropriação de ideias

entre as nações expositoras e visitantes, local que visava o progresso técnico e científico,

pela comparação de procedimentos, resultados e inovações entre os expositores dos mais

diversos setores da sociedade. Participar das Exposições, absorver seu ideário, era estar

afinado ao “concerto das nações civilizadas”, sendo oportunidade para a aquisição, troca

de conhecimentos, propaganda e realização de negócios e crescimento do comércio

exterior. (Kulmann Júnior, 1996 e Madi Filho, 2013).

Além de promover a liberdade do livre comércio e o progresso fundamentado na

ciência e na indústria, o nacionalismo também passou a ser um requisito ontológico da

modernidade.

A segunda Exposição Universal, aconteceu em Paris e em sua sétima seção, no

campo acerca dos materiais de ensino elementar, foram abordados os materiais especiais

que deveriam compor o ensino dos cegos. De acordo com Grosvenor e Macnab (2013), o

relatório apresentou descrições detalhadas de “Máquinas para habilitar o cego para

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corresponder”, “máquinas de impressão em diferentes sistemas como o Lucas, Frere,

Moon e Braille” e "Livros, Mapas e Globos usados em sua educação" e a apresentação

de livros em relevo por parte da América, França, Alemanha, Escócia, Itália, Suécia,

Inglaterra e os Países Baixos.

De acordo com Moysés Kuhlmann Júnior (1996), a partir da terceira Exposição

Universal (1862), a “educação esteve presente em todos os eventos, ganhando espaço

para figurar ao lado da exibição da produção industrial e artística e da demonstração de

novidades tecnológicas”. Nelas, a educação foi prestigiada como “signo de modernidade”

e como “um dos pilares centrais para a normatização e edificação controlada da sociedade

ocidental moderna”.

Além das Exposições, os Congressos também serviram

Como apêndice ou anexo às Exposições, a realização de Congressos foi

um meio poderoso para privilegiar a circulação de ideias nos mais

variados ramos da indústria, saúde, agricultura, ciência e, também,

educação. Tal circulação de ideias entre as nações foi favorecida

também, pelos relatórios oficiais das Exposições feitos por comissões

de seus governos, pela tradução e utilização desses relatórios por nações

diversas e por congressos que acompanhavam as Exposições. Esse foi

um dos modos que ensejou a renovação dos métodos, programas e

materiais de ensino em várias localidades da Europa e Américas (Madi

Filho, 2013, p. 89

As primeiras exposições são caracterizadas por uma perspectiva mais paternalista

em relação às questões sociais. Posteriormente, há uma inflexão no sentido do caráter

“científico” das propostas. No caso brasileiro, incialmente se valoriza a educação

especial, como no catálogo da Exposição de 1866, que destaca os institutos para a

educação de cegos e surdos-mudos, existentes no Rio de Janeiro. Depois, fica evidente

uma ênfase crescente na infância e nas instituições a ela dedicadas. A educação

profissional, apregoada por todo o período, vai ganhando contornos mais técnicos,

embora nunca deixe de lado sua vinculação com o assistencialismo. A preocupação com

o ensino superior e as instituições científicas, bem como as instituições de cultura e a

imprensa – relacionadas à educação, componentes da cultura intelectual – também está

presente durante todo o período (Kuhlmann Jr., 1996, p. 88)

As exposições não só mostraram as realizações técnicas, materiais e científicas da

Idade Industrial, mas apresentaram avanços na educação: na arquitetura com a exibição

de edifícios escolares e instalações de ensino; na produção de materiais didáticos como

Page 113: PUC-SP Martins de Almeida.pdfda infância e, sobretudo, dos anormais sensoriais passaram a conceber distintas práticas pedagógicas: para a educação dos cegos, a aprendizagem da

110

com aparelhos técnicos, máquinas, livros didáticos especializados, trabalhos escritos por

alunos e literatura pedagógica (Fuchs, 2005, p. 52).

Os novos métodos de ensino, que circulavam nas Exposições Universais e nos

Congressos Pedagógicos ancoravam-se nas ideias de Pestalozzi, formuladas no início do

século XIX, e que, entendiam que como fundamento absoluto de todo conhecimento, os

indivíduos seriam dotados de uma força de intuição sensível (Anschauung) e de uma

consciência sólida dos objetos em seu entorno. A aprendizagem ocorreria pela educação

dos sentidos (Kuhlmann Jr., 1996).

O ensino pelos sentidos e a educação para a aprendizagem dos sentidos marca de

forma significativa a primazia da observação sobre a experimentação nas práticas

escolares. O método intuitivo, o ensino pelos sentidos, e a lição de coisas estimularam

uma produção variada de recursos didáticos que adentraram as Exposições Universais e

os Congressos Educacionais (Bastos, 2013).

Podemos verificar que as ideias sobre a educação dos sentidos adentra o campo

educacional brasileiro a partir da publicação do relatório de Hippeau, publicado em 1871:

Cultivar as faculdades pela ordem natural do seu desenvolvimento; por

consequência começar pelos sentidos; não dizer à criança nada do que

ela pode descobrir por si mesma. Reduzir cada objeto aos seus

elementos mais simples. Explicar apenas uma dificuldade de cada vez;

caminhar passo a passo, mas sem parar, pois que a medida da

informação não está no que o mestre pode dar, mas no que o discípulo

pode receber; dar a cada lição um fim determinado, imediato ou

próximo. Desenvolver a ideia, depois a palavra, aperfeiçoar a

linguagem, ir do desconhecido para o conhecido, do particular para o

geral, do concreto para o abstrato, do simples para o composto; primeiro

a síntese, depois a análise; seguir não a ordem do assunto, mas a ordem

da Natureza (Hippeau, 1871, p. 51-52 apud CHAMON, 2005, p. 149)

Nessa apresentação, encontram-se registrados vários elementos que indicam o

sentido da tradução e publicação desse relatório por parte do Estado imperial. A busca

pelo modelo civilizado do ponto de vista cultural, político e econômico, muito

provavelmente fez perceber, no relatório com as credenciais de um estudo francês,

aspectos que mereceriam ser expostos e tornados públicos de modo a conquistar adesões

para o mesmo. Embora o regime político fosse diverso, aproximações no que se refere à

idade da nação norte-americana, à crença na razão como condição para fazer emergir um

Estado forte e de um liberalismo que justifica a ausência do poder estatal, especialmente

nas questões de ordem social, podem ter feito com que se reconhecesse no livro do Sr.

Hippeau um guia para, finalmente, alavancar o Brasil ao nível do seu tempo e de incluí-

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111

lo no concerto das nações modernas e civilizadas. É, no entanto, na introdução e ao longo

do livro que os argumentos pró-América serão fortemente desenvolvidos (Gondra, 2004).

Para a área educacional, outro educador de destaque em Exposições e Congressos

foi Ferdinand Buisson. Intelectual e educador francês divulgou sua proposta de ensino

por meio das Exposições Universais. Entre os seus escritos, os mais citados e utilizados

são o Rapport sur l'instruction primaire à l'Exposition Universelle de Vienne en 1873,

o Rapport sur l'instruction primaire à l'Exposition Universelle de Philadelphie en 1876 e

a Conférence sur l'enseignement intuitif, faite aux Instituteurs délégués à L'Exposition

Universelle en 1878.

Suas ideias pedagógicas influenciaram de forma decisiva intelectuais brasileiros.

Para ele, a função da escola na sociedade moderna seria de fazer os homens "inteligências

esclarecidas e consciência de direitos" por meio do método intuitvo, que poderia ser

classificado em: sensível, mental e moral. O primeira deles é a intuição que ocorre a

partir dos sentidos: a intuição moral é a que remete à consciência (Faria, 2017, p. 51).

Para a divulgação deste método,

Uma das medidas largamente acionadas (tanto no Brasil como no

exterior) foi a produção, adaptação ou tradução de manuais didáticos

para uso de professores (em formação ou já formados). Tais

dispositivos apresentavam os novos procedimentos didáticos

juntamente com o conteúdo a ser ensinado nas diferentes séries da

escola graduada. Esses manuais, como alerta Choppin (2000, p. 110),

não são apenas “[...] um conjunto de folhas impressas que formam um

volume; são, definitivamente, um produto fabricado, difundido e

consumido [...]” e se inserem no mesmo esquema produtivo que os

outros materiais didáticos, isto é, dependem do contexto econômico,

político e das regras de avaliação emitidas por agentes governamentais.

Atendiam à necessidade de orientar a prática pedagógica de professores

exemplificando a estrutura das lições, descrevendo os passos metódicos

do processo de ensino que tinha início com a observação de objetos e

ascendia para a generalização. Cumpriam, portanto, a função apontada

por Michel de Certeau (1994, p. 42), de inserir o novo (o método) ao já

conhecido (o conteúdo) e a possibilidade de articular “[...] consumos

combinatórios e utilitários [...] uma maneira de pensar investida numa

maneira de agir, uma arte de combinar indissociável de uma arte de

utilizar.” (BASTOS, 2000, p.168)

A cada novo Congresso ou Exposição, novas ideias, novos materiaise novas

propostas de ensino adentraram e fizeram-se circular e iam adentrando e circulando o

campo da educação de cegos e surdos. De acordo com Mazzotta (2005) e Lemos e

Cerqueira (2015), em 1878, o Congresso Internacional realizado em Paris, contou com a

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112

participação de 11 países europeus e dos Estados Unidos, estabelecendo o Sistema Braille

e sua respectiva adoção de forma padronizada para uso na literatura, aritmética e

geometria, exatamente de acordo com a proposta de estrutura do Sistema apresentada por

Louis Braille em 1837, já referida anteriormente. Para a educação dos surdos, o grande

difusor do método foi o professor Dr. Joaquim José Menezes Vieira (1848-1897).

De acordo com Bastos (2000) e Faria (2017, p. 68):

Médico e educador, foi professor no Instituto dos Surdos-Mudos entre

1872 e 1888; fundador e diretor do Colégio Menezes Vieira, no Rio de

Janeiro de 1875 a 1887, anexo ao qual abriu, em 1875, o Jardim das

Crianças, o primeiro jardim de infância no Brasil, dirigido por sua

esposa D. Carlota Menezes Vieira; foi sócio fundador de várias

instituições de ensino, entre as quais a Associação Promotora da

Instrução do Rio de Janeiro (1874), a Associação Mantenedora do

Museu Escolar Nacional (1883) e a Sociedade Liga do Ensino (1884);

participou ativamente de vários eventos relacionados à educação, como

as Conferências Populares da Freguesia da Glória (1874), a Exposição

Pedagógica e Congresso da Instrução Pública (1883) e da Exposição

Universal de Paris (1889); e foi fundador e diretor, entre 1890 e 1897,

do Pedagogium.

Bastos (2000), Schelbauer (2003) e Faria (2017) apontaram em seus estudos que

o Dr. Menezes Vieira especializou-se em metodologias de ensino por meio de visitas aos

estabelecimentos de ensino da Europa, por meio de sua participação em Congressos e

Exposições, na tradução e divulgação de obras que foram aplicadas tanto no Instituto

Imperial de meninos surdos quanto no Colégio, o qual era o diretor.

Além de ser difusor de métodos, de materiais e de propostas, Dr. Menezes Vieira

também era professor do Instituto. Acreditava que a proposta de ensino aplicada ao

Colégio poderia ser aplicada ao Imperial Instituto dos Surdos, pois em ambos as crianças

poderiam desenvolver suas capacidades.

Segundo o Relatório da Exposição Universal realizada na Filadélfia em 1876, as

aulas no Instituto Imperial dos Surdos-Mudos eram providas dos principais objetos de

ensino, compreendendo estampas, mapas e globos geográficos, quadros iconológicos,

aparelhos para aritmética e uso do metodo Desuseau para exercícios ginásticos.

Diante do exposto, as gestões de Tobias Leite e o Dr. Menezes Viiera podem ser

caracterizados conforme o quadro:

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113

Quadro 3

Gestões de Tobias Rabello Leite (Imperial Instituto dos Surdos-Mudos –

1868-1896) e Joaquim Menezes Vieira (Colégio Menezes Vieira – 1875-1887), no

Rio de Janeiro

IMPERIAL INSTITUTO DOS SURDOS-

MUDOS

COLÉGIO MENEZES VIEIRA

Dirigido pelo médico Tobias Rabello Leite Dirigido pelo médico Joaquim Menezes Vieira

Método: ensino intuitivo Método: ensino intuitivo

Preocupação com higiene e arquitetura escolar

(salas amplas, arejadas, iluminadas, etc).

Controle do tempo e das atividades.

Preocupação com higiene e arquitetura escolar

(salas amplas, arejadas, iluminadas, etc).

Controle do tempo e das atividades.

Professores Menezes Vieira, A.J. de Moura e

Silva e Paulo Vidal

Professores Menezes Vieira, A.J. de Moura e

Silva e Paulo Vidal

Modernos aparelhos para a prática de ginástica Modernos aparelhos para a prática de ginástica

Museu escolar Museu escolar

Material didático importado (mapas, gravuras,

coleção de pesos e medidas, aparelho para ensino

de aritmética)

Material didático importado (mapas, gravuras,

coleção de pesos e medidas, aparelho para ensino

de aritmética)

O diretor e sua família residiam na escola. O diretor e o vice-diretor residiam na escola com

suas famílias.

Tobias Leite enviou para a Exposição de

Filadélfia o livro “Notícias do Instituto dos

Surdos-Mudos” e, também, trabalhos dos alunos

Menezes Vieira participou de exposições

internacionais.

Tobias Leite foi parecerista do Congresso de

Instrução

Menezes Vieira participou de exposições

universais

Tobias Leite, publicou, em 1871 “Notícia do

Instituto dos Surdos-Mudos” (reeditado em 1876,

1877 e 1887)

Menezes Vieira publicou, em 1879, “Notícia do

Jardim de Crianças anexo ao Colégio Menezes

Vieira”

Fonte: Bastos, 2000.

As duas últimas décadas do Império constituíram um período de grande efervescên-

cia de ideias, de difusão de filosofias cientificistas e liberais e, sobretudo, de valorização

da educação e preocupação com a sua problemática. Entre 1873 e 1888, realizaram-se no

Rio de Janeiro as Conferências Pedagógicas, de iniciativa do Senador Manuel Francisco

Correia. Na Escola da Glória, no Largo do Machado, estiveram conferencistas ilustres,

educadores, parlamentares, ministros que trataram, diante de um público interessado, dos

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problemas da educação, ao longo de dezoito anos. Até 1888, registraram-se um total de

50 conferências (Peres, 2005).

No ano de 1880, destacamos o Congresso de Milão, pois este foi um marco divisor

de águas para o ensino dos surdos. Sobre este assunto, abrimos um tópico a parte para

discussão.

Previsto para 1883, também no Rio de Janeiro, o Congresso de Instrução deveria

examinar as necessidades nacionais e formular planos de ensino para o Brasil, em todos

os graus. Conforme arquivo da Mesa Organizadora, Atas e Pareceres, resultantes de

sessões preparatórias, foram publicados em 1884. As teses sobre ensino primário,

propostas e recebidas pela Comissão do Congresso, referiam-se a temas como:

classificação das escolas primárias, medidas de inspeção, disciplinas a serem ensinadas,

método e programas de ensino, liberdade de ensino, coeducação, obrigatoriedade do

ensino primário, educação de adultos, educação de cegos e surdos-mudos, ensino

primário nos municípios rurais (Collichio, 1976).

O Congresso de Instrução não chegou a se realizar, mas a Exposição Pedagógica,

prevista como parte integrante dele, ocorreu a partir de 1º de junho de 1883. Conferências

efetuadas nesse evento foram publicadas em 1884 (Peres, 2005).

Os Congressos e as exposições promoveram métodos e materiais, mas também

provocaram embates teóricos e práticos. Para o nosso estudo em específico, o Congresso

de Milão foi um “marco divisor de águas” para a história da educação dos surdos.

3.3.1. Os impactos do Congresso de Milão para a educação dos surdos

O Congresso de Milão de 1880 foi um evento que tratou sobre o processo de

escolarização do público surdo. Este congresso tomou uma série de medidas que deveriam

ser aplicadas em todos os países que se dedicassem ao ensino deste público. A questão

central abordada foi a recomendação do uso de método oral. Além desta, o Congresso em

parceria com a Sociedade de Formação de Professores para Surdos e Difusão do Sistema

‘Alemão’ no Reino Unido (Society for Training Teachers of the Deaf and Diffusion of

the ‘German” System in the United Kingdom) adotou as seguintes medidas:

II. O Congresso

Considerando que o uso simultâneo da língua oral e da língua de sinais

oferece prejuízo à fala, à leitura labial e à precisão de ideias,

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Declara

Que se deve dar preferência ao Método Oral Puro.

III. Recomenda que os governos tomem as medidas necessárias para que

todos os surdos-mudos possam receber educação. (ATAS DO

CONGRESSO DE MILÃO, 1880, p. 5)

A realização deste evento concebeu, dentre outras medidas, a adoção de distintas

salas para educar os surdos-mudos conforme as suas necessidades:

Sr. Kierkegaard-Ekbohrn, Secretário da Corte Real da Suécia (Royal

Court of Sweden) e Reitor do Instituto para Surdos e Mudos (Institution

for the Deaf and Dumb), em Bollnas, narrou que, após a realização de

muitos congressos na Suécia, passou-se a acreditar que os surdos-

mudos deveriam ser divididos em três classes:

1. Alunos que conseguiriam aprender a falar;

2. Alunos que não conseguiriam aprender a falar (apesar de não

apresentassem deficiência intelectual notável);

3. Alunos imbecis (ATAS DO CONGRESSO DE MILÃO, 1880, p. 17)

Porém o método oral, tendo como aparato o método científico ainda permite o uso

de sinais metódicos, pois estes eram considerados inatos ao ser humano, e no início do

processo de escolarização, poderiam ser utilizados na escolarização dos surdos-mudos:

O PRESIDENTE tomou a palavra e relatou que, no dia anterior, a

Assembleia havia aprovado a deliberação, na qual declarava a

preferência do sistema articulatório ao sistema de sinais. Devia-se

escolher um dos métodos. Como a mãe verdadeira que, perante ao Rei

Salomão, preferiu preservar a vida de seu filho a reparti-lo, resolveu,

ele, o presidente, optar completamente a favor da fala. Requer muita

coragem ensinar somente por fala. Deve-se renunciar o uso de sinais.

No entanto, são permitidos poucos e simples gestos quando uma criança

inicia a vida escolar. É na sala de aula que começa a “redenção” do

surdo-mudo, que espera que seu professor o torne um ser humano,

permitindo que o aluno aprenda a mover, durante a fala, seus lábios e

não suas mãos, por meio de sinais. O Método Oral é possível, o Sistema

Misto é impossível e ilógico. Para transformar um bebê em um ser

humano falante, dê a ele o que as nossas mães nos deram: a linguagem.

O Sistema Misto é impossível, porque ao mover os dedos, as mãos, os

braços, a cabeça e o corpo inteiro ao mesmo tempo que os lábios, o

aluno se distrai. O método de sinais se opõe muito ao da fala. De todos

os movimentos para expressão de ideais, o labial é o mais perfeito.

Compreende-se tudo por esse maravilhoso instrumento, que é a boca,

tocado pelas mãos do divino. Paciência, paciência, paciência!

Instrutores devem concentrar seus esforços em ensinar a pronúncia com

calma, exatidão e perfeição. Assim, teremos a comprovação de que a

fala é o melhor e único método possível. (ATAS DO CONGRESSO

DE MILÃO, 1880, p. 24-25)

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A aplicação do método oral previa a tentativa de algo novo, contando com o

desenvolvimento das capacidades sensíveis dos alunos em prol do desenvolvimento do

espírito religioso e da moral.

Além de desenvolver esta espiritualidade, o método oral também tinha como base

usufruir das mesmas técnicas do método intuitivo, pois este considerava que os

conhecimento adquiridos jamais são esquecidos. Sendo assim, o Congresso determinou:

O Congresso:

Considerando os resultados obtidos por meio de diversas pesquisas

sobre surdos-mudos, que tinham há muito tempo desistido de frequentar

a escola, de todas as idades e condições, e que quando questionados

sobre vários assuntos, respondiam corretamente, articulando com

bastante clareza e conseguindo ler os lábios de seus interlocutores com

grande facilidade,

Declara:

1. Que os surdos-mudos, que aprenderam pelo Método Oral Puro, não

esquecem os conhecimentos adquiridos, mesmo após terem deixado a

escola, continuando a progredirem ainda mais por meio da conversação

e da leitura facilitadas.

2. Que, na conversas com pessoas ouvintes, os surdos-mudos utilizam

exclusivamente a fala.

3. Que a fala e a leitura labial são desenvolvidas pela prática, sendo um

conhecimento que não se perde. (ATAS DO CONGRESSO DE

MILÃO, 1880, p. 38-39)

Deste modo, as obras de Vallade Gabel ganham força para a educação dos surdos,

pois em 1880, no mesmo Congresso, foi determinado a superioridade do método intuitivo

e de sua respectiva educação, conforme atesta o relatório apresentado por Kinsey:

IV. O Congresso:

Considerando que o ensino de surdos, que utilizam o Método Oral Puro,

deve assemelhar-se, o máximo possível, ao ensino daqueles que ouvem

e falam,

Declara:

1. Que o meio mais natural e efetivo, pelo qual os surdos que falam

possam adquirir o conhecimento da linguagem, é através do método

“intuitivo”, que consiste em expor primeiro pela fala e, posteriormente,

pela escrita os objetos e os fatos que ocorrem diante dos olhos dos

alunos.

2. Que durante o período inicial ou maternal o surdo-mudo deve ser

conduzido à observação das formas gramaticais por meio de exemplos

e de exercícios práticos e que, na etapa seguinte, ele deve ser auxiliado

a deduzir as regras gramaticais, expressas com a máxima simplicidade

e clareza, a partir desses exemplos.

3. Que os livros, escritos com palavras e numa linguagem conhecida pelo

aluno, possam ser manuseados a qualquer momento. (ATAS DO

CONGRESSO DE MILÃO, 1880, p. 5 e 6)

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Diante da decisão do Congresso de Milão e atendendo aos pressupostos da

educação a partir do método intuitivo, foi publicado no Brasil o Compêndio para o ensino

dos surdos-mudos (1881)26. Parafraseando Rocha (2012), o livro foi dividido em duas

partes, sendo a primeira teórica em forma de perguntas e respostas e a segunda prática em

forma de lições. Uma das interrogações feitas logo no início do livro era de quais os meios

que se pode empregar para ser compreendido pelo surdo-mudo. A resposta em tom

diferenciado diz que com os surdos sem instrução usam-se fatos materiais, desenhos e

linguagem natural dos sinais. Com os surdos instruídos usam-se a palavra artificial

(expressão oral), o alfabeto manual e a escrita.

Seguindo as propostas do Compêndio (1881), a educação do surdo deveria iniciar-

se na família, fazendo-se necessário o uso da linguagem natural dos sinais, enquanto que

na escola, esta instrução deveria:

Se se trata somente de civilisar o surdo-mudo, e de fazer conhecer os

principaes deveres do homem para com Deus, para com a sociedade e

para comsigo mesmo, a linguagem natural dos signaes póde bastar.

Mas, se se lhe quer dar uma instrucção mais solida, ensinando-se-lhe a

lingua materna, para que possa entender-se com as pessoas ilustradas,

e para estender seus conhecimentos pela leitura, é preciso apoiar sua

instrucção principalmente na escripta e na dactylologia esclarecida pela

intuição. (LEITE, 1881, p. 3)

Para tal civilização, Tobias Leite, contava com o apoio do Ministro e Secretário

de Estado dos Negócios do Império, o Barão Homem de Mello, que em nota introdutória

do Compêndio (1881) salienta a importância de não apenas melhorar o ensino, mas

também de expandir e de vulgarizar a educação a todos os meninos privados das

faculdades necessárias ao desenvolvimento intelectual e das relações da vida social.

Seguindo os moldes parisienses de educação, o currículo consistia no ensino

elementar incorporado de algumas matérias do secundário. O curso de estudos completo

era de 8 anos, composto das seguintes disciplinas: Escrita e Leitura, Elementos da língua

nacional como Gramática, Noções de religião e dos Deveres Sociais (Catecismo),

Geografia, História do Brasil, História Sagrada e Profana, Aritmética, Desenho e

Escrituração Mercantil. Para as atividades linguísticas eram transmitidas lições de

26 Em 1881, um ano após o Congresso realizado em Milão, Tobias Leite, então diretor do Instituto manda

publicar, já em terceira edição, o Compendio para o Ensino dos Surdos-Mudos, tradução da obra do

professor Vallade Gabel, do Instituto dos Surdos da França. Os anos posteriores de sua publicação no Brasil

datam de 1871 e 1874, sendo o original lançado na França em 1863. Para este estudo, usam-se as obras de

1874 e 1881, por apresentarem conteúdos diferenciados.

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pronúncia, de articulação e de leitura aos indivíduos em quem se reconhecer aptidão para

semelhantes exercícios.

Deste modo, ideias foram apropriadas, práticas circularam e o “concerto das

nações” fizeram-se presentes entre os Institutos Imperiais de Cegos e Surdos por meio da

confecção e exposição de materiais nas Exposições, da tradução, adaptação e publicação

de obras didáticas e do início de práticas por meio das Lições de Coisas.

3.4. As práticas de ensino por meio das Lições de Coisas

Como vimos, o ensino intuitivo buscava instruir os educandos por meio da

sensibilidade, pela qual percebemos cores, formas, sons, luz etc., esta que prepara e

antecipa a intuição intelectual, quando então percebemos as relações (de igualdade,

causalidade etc.) entre as coisas. Ou seja, rejeitando a educação livresca, a criança deveria

aprender o mundo visível, pela observação e percepção das relações entre os fenômenos.

O ensino intuitivo condemna as nomenclaturas. Foge de tudo quanto é

arbitrariamente convencional e formalistico. Repudia as noções a

priori. Não tem por fito sortir a mente da creança de uma provisão, mais

ou menos copiosa, de informações a respeito das coisas reaes, mas

educar-lhe as faculdades no habito de desentranharem, com segurança,

do seio da realidade a expressão de sua natureza e das suas leis.

Circumscreve -se a parte cathechetica, didactica, expositiva da missão

do professor. Restitue aos factos, directamente consultados pelo

a1umno, a parte preponderante, que lhes cabe, na educação do homem.

Não permitte que o professor veja, oiça, compare, classifique, conclua

pelo discipulo. Cinge-se, quanto ser possa, a facilitar ao estudantinho

primario as condições da observação e da experiencia, solicitando-o

constantemente a exercer todas aptidões, sensitivas e mentaes que põem

a intelligencia em communicação viva com o mundo exterior. Não é

uma.secção do programma escolar, um assumpto independente, com o

seu espaço reservado: é o fundamento absoluto de toda a educação

elementar, o sôpro que há de animal-a em todas as suas partes, o

methodo que se deve apoderar exclusivamente de toda ella, e affeiçoal-

a inteiramente ás suas leis (CALKINS, 1886, p.XI)

Para a educação dos cegos e dos surdos, este método não apenas permitiu ver pelo

mundo do toque e ouvir pelo silêncio da palavra, mas permitiu a inserção de recursos de

ensino que viabilizaram conhecimentos. Conhecimentos estes que aconteceram em

tempos distintos, mas que precisaram das “Lições de Coisas”. Neste item apresentaremos

como a escrita braille e da leitura em relevo fizeram-se presentes na educação dos cegos

e como o método intuitivo propiciou modelos e práticas de ensino para os surdos.

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3.4.1. A aprendizagem da leitura por meio do toque

De acordo com Grosvenor e Macnab (2013), para ajudar os cegos, era necessário

que os outros sentidos forneçam a falta de olho. Para tanto, o ensino da leitura e das letras

deveriam ser preparadas de modo a serem palpáveis ao toque. A partir deste recurso que

Haüy criou o método de ensino em relevo. Este foi aprimorado por Dr. Guillié, que pode

ser assim compreendido, segundo as explicações de Guadet (1851, p. 80):

Pelo que toca á leitura, exercitam-se os meninos, que entram para a

Instituição, a reconhecer as letras; não se começa porém pelo alphabeto,

pelo a, b, c, etc., como se pratica com os meninos que tem vista; seria

isso criar difficuldades gratuitas. Neste estudo começa-se por se lhes

fazer apalpar o ponto, depois a vírgula, ensinando-lhes a sentir a

differença que ha entre o ponto, e o ponto com uma pequena cauda para

baixo, o que constitue a virgula; depois os dous pontos, o ponto de

admiração, os parenthesis... Passa-se depois ao estudo das letras,

principia-se pelo o, e immediatamente vê-se o o com toda a serie das

letras que chamamos simplices, l, b, i, j, d, etc. “Tudo isto se fazia então

com letras metálicas”. Conhecidas as letras isoladamente, ensina-se ao

cégo a distinguil-as em vogaes e consoantes, a formar syllabas,

palavras, e por fim, phrases.

No período Imperial Brasileiro, pudemos perceber que o foco do processo de

aprendizagem para os invisuais era o desenvolvimento das habilidades da leitura e da

escrita. As obras iniciais utilizadas no Instituto consistiam na grafia braille e na grafia de

Guillié. Com a publicação da Constituição em braille na década de 1860, percebe-se

apenas o uso do sistema braille. Os livros, a sua produção e encadernação eram tão

valorizados, que, segundo o Relatório da Exposição Universal de 1873, a Biblioteca do

Imperial Instituto dos Meninos Cegos era composta por mais de 1000 volumes.

Figura 9. Livro tábua dos sinais musicais

Fonte: Museu do IBC, meados do século XIX. Foto da autora, 2017.

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Além de utilizar como recursos pedagógicos a prancha para escrita em braile e

obras com letras em relevo, os materiais de José Alvares de Azevedo foram utilizados no

cotidiano do IBC no período imperial. Mas, infelizmente, não foram obtidos estes objetos

para consulta.

3.4.2. A aprendizagem da palavra por meio do método intuitivo

Para que as crianças surdas conseguissem aprender, o Guia (1874) e o Compêndio

(1881) foram organizados na forma de perguntas e respostas tendo como finalidade o

estabelecimento do diálogo entre os leitores; e na apresentação de materiais didáticos e

de objetos concretos, os quais tinham como objetivo, assegurar às crianças, por meio da

observação e da experimentação, o conhecimento das coisas e do mundo material.

A pergunta que se faz é? Como educar os surdos-mudos por meio do diálogo, da

observação e da experimentação?

O primeiro material a ser utilizado para tal instrução foi a obra A palavra e a

imagem, uma coleção de gravuras que representam os objetos materiais de que o surdo-

mudo deve aprender os nomes; as dificuldades estão graduadas de modo a facilitar o

trabalho; os assuntos dispostos de modo a interessar o aluno, e a leva-lo a achar a

significação de um grande número de palavras que não são explicadas diretamente pelo

desenho. (LEITE, 1874, p. XII)

Segundo o Guia (1874), deve-se proporcionar o ensino da fala de cada imagem ao

aluno de modo que ele consiga associar não apenas a fala ao objeto, mas a escrita ao

objeto.

Caso o aluno tenha dificuldades em exprimir por sons o nome de tais figuras (que

no início, este processo acontece via imitação), deve-se habituá-lo a exprimir seus

desejos, anseios ou o que representam as palavras representadas por meio da

dactilologia27 não recorrendo ao uso dos sinais arbitrários, conforme podemos observar:

27 Dactilologia, é a soletração de uma palavra utilizando o alfabeto digital ou manual de língua de sinais. O

alfabeto manual brasileiro tem sua base no alfabeto da Língua Francesa de Sinais e, neste, cada sinal

corresponde a uma letra. A dactilologia é comumente usada para expressar substantivos próprios, também

palavras que não possuem sinal conhecido, ou, ainda, palavras da língua portuguesa que foram incorporadas

à Libras e, por isso, são também soletradas como “nunca”, “oi” e “reais”. Fonte:

http://falandolibras.blogspot.com.br/2012/11/voce-sabe-o-que-e-datilologia.html. Acesso em: 15/02/2017

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Figura 10. Alfabeto dactilológico

Fonte: Compêndio para o ensino dos Surdos-Mudos, 1881.

A partir da aprendizagem dos signos (letras do alfabeto), dos símbolos (gravuras/

imagens) e da pronúncia dos nomes dos respectivos símbolos e signos, os educandos vão

passando pelo processo de phonomia, ou seja, o ato de realizar a leitura sobre os lábios

que pode acontecer de duas maneiras, ora por meio da articulação, ora por meio da palavra

artificial.

Estas maneiras podem ser explicitadas pela prática da:

• Leitura por meio da articulação, que acontecia quando o sujeito conhecia a palavra

por meio da visualização e compreensão do movimento dos lábios e das outras

partes da face por meio da fisionomia e da expressão visual e;

• Leitura por meio da articulação artificial, que acontecia quando o sujeito aprendia

a palavra apenas pelos órgãos da visão e do tato. Esta forma de aprendizagem da

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palavra (também chamada de palavra morta) não proporcionava a consciência da

pronúncia, acontecendo assim, uma espécie de mastigação28.

O desenvolvimento da aquisição da palavra escrita e oral por meio da experiência

se faz tão presente neste processo, que os sinais metódicos29 não deveriam ser utilizados,

conforme nos orienta GABEL:

P. Não seria melhor explicar-lhe por signaes o valor de cada

palavra empregada na ordem, ou no convite?

R. Não, por muitas razões: a primeira é que um grande numero de

signaes naturaes perdem sua significação na linguagem dos

factos; a segunda é que nunca se sabe bem as linguas que se têm

aprendido por tradução; a terceira é que a inteligência do surdo-

mudo deve ser cultivada como a do que falla; a quarta, emfim, é

que, procedendo-se por outro modo, o surdo-mudo não chegaria

a pensar por meio de palavras escriptas: condição indispensavel

para o bom proveito da sua instrucção. (1881 [1863], p. 13)

Vale ressaltar que, mesmo com a prática desta nova arte, alguns alunos não

compreendiam o método da phonomia para a aprendizagem da palavra. Neste caso, o

Guia (1881 [1863], p. 10) aponta que “...com os surdos-mudos sem instrucção usa-se dos

fatos materiais, do desenho, e da linguagem natural dos sinais. Com os surdos-mudos

instruídos usa-se da palavra artificial, do alfabeto manual e da escrita”.

A partir desta colocação, podemos perceber que nasce não apenas uma dualidade

de propostas de ensino para educar os surdos, mas também uma separação e classificação

daqueles que são habilitados ou não a receber determinada aprendizagem.

Visando atender estes dois públicos de educandos, a organização didática das

aulas previa a seguinte organização:

Linguagem dos fatos - o surdo deve visualizar o que os demais fazem;

• Desenho – reflexo da linguagem dos fatos;

• Aprendizagem da língua escrita - se o aluno ler o texto e realizar o proposto, isso

quer dizer que o menino adquiriu a aquisição da língua escrita. Esta aprendizagem

tem por base a definição dos seguintes versos, como exposto no Guia:

............. é a arte engenhosa

De pintar a palavra, e de falar aos olhos,

28 A mastigação pode aqui, ser compreendida, como a imitação dos lábios de outra pessoa, onde o aprendiz

não tem consciência do que está “falando”. 29 Segundo Gabel (1881 [1863], p. 19) Os sinais metódicos, oriundos da Língua de sinais, criados pelo

abade L’Epée, são sinais executados como os naturais com as mãos e com os braços, mas que,

acompanhando invariavelmente a ordem das palavras de cada frase, complicam-se muito na expressão do

gênero, do número da pessoa, do tempo, do modo, etc

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E por traços diversos, e por signaes vários

Dar côr e corpo aos pensamentos. (GABEL, 1881 [1863], p. 23)

Porém, o trabalho desenvolvido com a Linguagem dos fatos sofreu muitas

limitações, uma vez que, muitos sinais ou até mímicas são vagos para explicar os fatos,

principalmente o ensino dos substantivos abstratos (Leite, 1881).

Neste caso, a Linguagem dos sinais, mesmo não sendo a mais indicada, ela torna-

se mais eficiente aos menos inteligentes e aos alunos que estudam há pouco tempo nas

escolas especiais, pois o fundamental nestes casos é transformar estes indivíduos em

sujeitos honestos, tementes a Deus, a moral e aos bons costumes.

Já o trabalho com a escrita, desenvolverá no alunado não apenas a aquisição de

símbolos e signos, mas o desenvolvimento intelectual e psíquico, como a memória e o

conhecimento do significado de novas palavras que até então não poderiam ser explicadas

pela linguagem dos fatos e a dos sinais.

Entretanto, a escrita era vista como essencial no processo educacional do surdo,

mas a mesma não conseguia prender tanto a atenção da criança quanto a aprendizagem

da palavra, pois a palavra, mesmo sem a sua escuta, era o que dava ação e movimento

para a vida do sujeito. Podemos verificar tal afirmação no excerto explicativo e dialógico

de GABEL (1881 [1863], p. 31):

P. O ouvido, que é para nós uma das portas da inteligência, está sempre

fechada no surdo-mudo?

R. Sem duvida, mas segundo a expressão do abbade l’Epée, se faz entrar

pelas janellas dos surdos-mudos, isto é, pelos olhos por meio da

escripta, o que em nós entra pelos ouvidos por meio da palavra.

P. Visto que se póde instruir o surdo-mudo pela escripta, do mesmo

modo que as mãis ensinão aos que ouvem pela palavra, o que se deve

começar a ensinar o surdo-mudo?

R. A conhecer seu nome, e a acudir quando fôr chamado.

P. Como se consegue isso?

R. Inspirando-lhe o desejo de conhecer seu nome. Para isso mostra-se-

lhe tres ou quatro camaradas que se approximão do mestre logo que este

escreve o nome deles.

Atendendo ao proposto do método intuitivo, no qual consiste a promoção de

exercícios para aprimorar a criação de ideias, de experiências e neste caso em particular,

a palavra; apresentaremos o programa curricular do ensino da Linguagem a ser

desenvolvido em cada série30:

30 As turmas de surdos são divididas em séries e em graus. Deste modo, apresentaremos o que cada grau e

sua respectiva série devem aprender. Vale ressaltar que nos documentos utilizados para a realização deste

estudo, não são apresentadas justificativas para a separação das turmas em séries e em graus.

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1ª série do 1º Grau

Primeiramente ensina-se o surdo a reconhecer o nome das pessoas por meio de

ordenações, visto que, é na expressão de uma ordem, e na execução dessa ordem há

movimento, e ha vida. (GABEL, 1881 [1863], p. 35)

Neste primeiro momento, as lições de escrita não são abordadas, pois segundo o

Compêndio (1881, p. 32), estas atividades em nada desenvolverão a inteligência das

crianças.

Depois de aprendida esta fase, passa-se a ensinar, também por meio de ordenações

os verbos neutros. (os mais conhecidos são os verbos de ação). Vejamos o exemplo

abaixo:

O mestre chama, e manda:

Raul! Anda, salta, dansa.

Paulo! Corre, assopra, volta.

Pelo mesmo modo ensina-se: avançar, recuar, gritar, rir, jogar,

trabalhar, etc., e geralmente todos os verbos neutros que exprimem

acções, dependentes da vontade. (GABEL, 1881 [1863], p. 36)

Deste modo, as lições da palavra obedeciam o seguinte cronograma para a série:

Ensina-se primeiro os nomes, verbos neutros (ação) de forma imperativa e

consequentemente os substantivos, os pronomes, os advérbios de modo como docemente,

alegremente, lentamente, ligeiramente e adjetivos. As frases afirmativas e negativas eram

ensinadas ao mesmo tempo, pois a sua conclusão dependia exclusivamente da expressão

do aluno.

Vale ressaltar que é necessário que em cada lição se ensine coisa nova, reservando

sempre um tempo suficiente para a revisão das lições já dadas e que deveriam ser

repetidas até que o aluno as soubesse perfeitamente (Gabel, 1881 [1863], p. 45).

Para a efetividade destas lições eram utilizados como recursos o Livro de Gravuras

e a pedra (para a escrita), além das ordenações, imprescindíveis em cada nova etapa. Para

tanto, o professor deveria observar simetria nas lições; a simetria era para o olho, o que o

ritmo era para o ouvido, um útil auxiliar de memória (Gabel, 1881 [1863], p. 52).

Além do desenvolvimento do trabalho estimular a memória e a intuição como os

nomes, os pronomes, os verbos, os advérbios e os adjetivos por meio de atividades

concretas, tanto o Guia quanto o Compêndio revelavam que não poderiam ser deixados

de lado o ensino da abstração, como as preposições que não exprimiam relações entre

pessoas, coisas e ações, mas que seriam meios para a aquisição da palavra e da

comunicação.

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De acordo com Gabel (1881 [1863], p. 56):

P. Os nomes, os pronomes, os verbos, os adverbios e os adjectivos que

se têm ensinado, o têm sido pela intuição, mas as preposições exprimem

relações que não estão nem nas pessoas, nem nas cousas, nem nas

acções, que meios, pois, será preciso empregar para que o alumno as

comprehenda?

R. Constituidos como nós, os surdos-mudos podem também como nós,

perceber muitos objetos, e algumas das relações que eles têm entre si;

é, pois, a linguagem dos factos que lhes revela, como a nós, a

significação das palavras que exprimem essas relações, isto é, as

preposições.

Com isso, podemos evidenciar que o ensino tanto de palavras concretas quanto

abstratas deveriam ser igualitárias para ouvintes e surdos, já que

[...] o surdo-mudo possue naturalmente uma alma semelhante á nossa,

e quatro dos nossos sentidos exteriores; o que lhe falta, pois, para

abstrahir? Só uma uma lingua regular, e é precisamente o que nós

procuramos fazer-lhe adquirir. (GABEL, 1881 [1863], p. 56)

Sendo assim, todas as lições da palavra eram ensinadas, primeiramente no

singular, para depois serem ensinadas no plural, já que as lições no singular

proporcionavam maior poder de concentração da atenção do aluno sobre a significação

essencial das palavras, como podemos evidenciar na descrição abaixo:

Luiz! Marcha adiante de mim

Luiz! Marcha ao lado de mim

Luiz! Marcha atrás de mim

Luiz! Vai adiante da porta

Luiz! Vai ao lado da porta

Luiz! Vai atrás da porta

Luiz! Assenta-se sobre a cadeira

Luiz! Assenta-te sobre a mesa

Assim se ensina ao redor, entre, em depois, com, contra,

até, depois, perto, etc. (1881 [1863], p. 58)

2ª série do 1º Grau

A segunda série iniciava-se com o ensino do singular e do plural, sempre de modo

imperativo, como podemos exemplificar:

Paulo! Tu e eu marchamos

Paulo! Tu e eu saltemos

Paulo! Tu e eu voltemos

Paulo e Luiz! Vós e eu corramos

Paulo e Luiz! Vós e eu avancemos

Paulo e Luiz! Vós e eu recuemos

(GABEL, 1881 [1863], p. 61)

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Seguindo o exemplo dado e das demais lições envolvendo singular e plural,

podemos evidenciar que o trabalho pedagógico desenvolvido na segunda série deixa de

ser individualizado (relação professor e aluno, apenas) e passa a proporcionar um trabalho

de interação entre os alunos, pois as lições preconizavam ordenações entre os pares.

Estas atividades traziam diversos benefícios para a escrita do surdo porque

empregados para traduzir a frase escrita, não proporcionavam erros aos alunos. Esta

proposta de ensino, para os alunos surdos com dificuldades, já não era válida, visto que

era preciso o uso de sinais para comunicarem-se.

Para os alunos com dificuldades, esta abordagem de atividade, induzia muitas

vezes ao erro tanto de compreensão quanto de escrita. Este afirmativa faz-se valer,

segundo Gabel (1881 [1863], p. 64 e 65):

R: Diga-se, por exemplo, a um deles: dá-me o teu livro e traze meu

chapéo; si o surdo-mudo não tiver sido instruído pelo methodo intuitivo,

elle traduzirá a ordem na linguagem dos signaes, depois esperará que

lhe dêem um livro, e se apressará em trazer o seu chapéo.

P. Como se explica um tão grosseiro contrassenso?

R. É porque os sinais mímicos - tu – e – eu – dão o sentido absoluto

dessas palavras, e não o valor relativo. No pensamento de quem fala –

eu, meu – indicação a propria pessoa – teu, tu – a pessoa a quem se

dirige a palavra, e no pensamento deste, estas palavras têm uma

significação inversa.

Deste modo, as lições a serem desenvolvidas na segunda série seriam semelhantes

às da 1ª série e diferiam-se apenas na aprendizagem do singular e do plural. Para esta

série, também eram previstas atividades de escrita sobre a pedra, nas quais deveriam

consistir relatos da linguagem dos fatos, ou seja, a escrita de nomes vivenciados ora por

desenhos, ora pelo livro de gravuras, imagens e também na escrita de frases simples

vivenciadas pelas ordenações. Estas lições são essenciais porque além de

proporcionarem economia de tempo, desenvolvem a atenção e a memória, despertando

para a reflexão. (1881 [1863], p. 72)

1ª série - 2ºgrau

Assim como previstas nas outras séries, as atividades iniciavam-se com

ordenamentos, mas nesta fase, os ordenamentos e os exercícios acontecem nas relações

entre o professor e o aluno, e também nas atividades ordenadas para outros colegas de

classe.

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Mesmo com estas ordenações, nenhuma perturbação poderia acontecer neste

ambiente. Mas era preciso esta interação entre os alunos para que acontecesse a

aprendizagem e o conhecimento das três pessoas do discurso.

As lições deveriam acontecer num curto espaço de tempo e deveriam ser

“agitadas”, pois assim, o surdo se sentiria bem em aprender!

A repetição era um mecanismo de desenvolvimento da memória e todas as

atividades aplicadas deveriam ser refeitas pelo aluno, ou seja, todas as atividades que ora

foram ordenadas por meio de atividades orais, ora por atividades de leitura e de linguagem

dos fatos deveriam ser estudadas e recitadas.

De acordo com o Guia (1874, p. 78), os sinais mímicos não poderiam facilitar

estas diversas transformações de palavras, porque ao invés de serem úteis, eram

prejudiciais porque induziam ao erro.

Nesta série, as atividades teriam como foco os pronomes, originando o estudo da

1ª, 2ª e 3ª pessoa do singular e do plural. Para que o surdo soubesse diferenciar qual pessoa

do discurso estava sendo referendado, os olhos e o tato seriam os órgãos dos sentidos a

quem faria juz ao termo “olhos que escutam” e “mãos que falam” por meio do uso do

alfabeto manual:

P. Como se advertirá ao surdo-mudo que se exprime na terceira

pessoa, quando deve faze-lo pela primeira?

R. Procurando com os olhos, de modo que se finja que não é elle

quem falla. Então elle se apressará em mostrar com a mão a sua

propria pessoa e o signal, que aqui concorda com o seu

pensamento e com a palavra que elle deveria empregar, lhe fará

logo reconhecer e corrigir o erro.

P. O uso do alphabeto manual não contribue para dar a

intelligencia dos pronomes?

R. Quando se usa dessa especie de escripta volante olha-se para a

pessoa a quem se dirige; entretanto; quando se escreve na pedra,

volta-se as costas para com quem se falla.

Disso concluo que o alphabeto manual contribue para a

intelligencia dos pronomes. (1881 [1863], p. 78)

Deste modo, não apenas os pronomes e as pessoas do discurso deveriam atender

a um novo comportamento para a aprendizagem da comunicação e da palavra, mas

também, outros conteúdos deveriam seguir a mesma proposta. Um destes conteúdos que

passam por essa formatação são os verbos, pois a cada nova ação, deveriam ser utilizadas

mudanças de fisionomia para exprimir os sentimentos ou os significados do verbo.

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Vale ressaltar que, mesmo as atividades sendo de ordem imperativa, deveriam

levar a reflexão das ações, por isso, que os ordenamentos e as atividades diferenciavam-

se para o atendimento à essas crianças, como ilustrado abaixo:

O mestre escreve: João ordena

João! Manda Pedro tossir Pedro! Tosse

Proíbe-lh’o - não tussas mais

Manda-o tossir outra vez - tosse outra vez

Manda Carlos gritar Carlos! Grita.

Prohibe-lh’o - não grita mais

Manda-o gritar outra vez - grita outra vez

Fazendo-se comparar as partes da frase escripta pelo mestre com as da

proposição escripta pelo alumno, leva-se o surdo-mudo a notar que a

palavra – o - substitue aqui não um nome de pessoa ou de cousa, mas

o proprio verbo. (GABEL, 1881 [1863] p. 79)

2ª série – 2º Grau

A segunda série, tinha como foco o desenvolvimento e aprofundamento dos

conteúdos trabalhados nas séries anteriores. O foco, para esta série era o trabalho do

professor, direcionado ao desenvolvimento e progresso do aluno.

Série complementar

Nesta série eram previstas atividades com foco no desenvolvimento do ensino dos

pronomes de tratamento, dos tempos verbais e das lições de ação, para que não mais

existisse confusão entre imagem, objeto e palavra.

Para os alunos com facilidades de aprendizagem, não se fazia mais necessário

ensinar por sinais, uma vez que, os alunos aprendiam por intuição. Já para aqueles que

apresentavam dificuldades ao longo do processo educacional, a língua de sinais deveria

ser utilizada em casos específicos, como descritos a seguir:

P. Até aqui não se tem feito uso da linguagem dos signaes; não se presta

ella ao ensino da língua?

R. Presta-se, mas como o uso della póde trazer inconvenientes, é melhor

que o professor a não use senão com grande circumspecção.

P. Para ensinar algumas expressões, o mestre poderá sem inconveniente

usar dellas?

R. Principalmente para o ensino dos verbos que exprimão acções que

não possão ser executadas na aula (GABEL, 1881 [1863], p. 95).

3.4.3. A aprendizagem da aritmética para os surdos

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O ensino da disciplina de aritmética partia-se do concreto para o abstrato por meio

do uso de quadros e objetos que serviam para num primeiro momento a ideia de

quantificação. O compêndio assim explicava:

Para ensinar arithmetica aos surdos-mudos é preciso ter na aula

um quadro de madeira pintado de preto como este e uma porção

de botões de páo ou de osso com um só furo no centro, e uma

porção de fios de ferro do comprimento de um palmo, tendo em

uma das extremidades um gancho para dependura-los no estilete

ou ponta que deve estar cravado por baixo de cada numero, e na

outra uma volta, ou cabeça que não deixe sahir o botão nelle

enfiado. Manda-se o discípulo enfiar um botão em um dos fios de

ferro 2 no 2º, 3 no 3º, 4 no 4º, e dependura-los debaixo dos

numeros 1, 2, 3, 4 da casa das unidades, e escreve-se na taboa

preta sobre a qual deve estar posto o quadro, dependurado ou

escostado 1= 1 botão - , 2 = dous botões, - 3 = tres botões, e assim

sucessivamente até 9. (GABEL, 1881 [1863], p. 369 e 370).

Figura 11. Quadro preto para o ensino da arithmetica para surdos-mudos

Fonte: Compêndio para o ensino dos Surdos-Mudos. GABEL, 1881 [1863], p. 369 e 370

As próximas lições previam a quantificação por meio de ordenamentos, tais como:

“Antonio! Mostra um botão!”, depois a aprendizagem dos números, sua respectiva escrita

e posição no quadro numérico, como: “Antonio! Mostra duas unidades de botões!”. Os

exercícios previam sempre o ordenamento, estabelecendo a leitura labial e a prática por

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meio de materiais concretos que poderiam variar, como penas, lápis, lousas, livros,

pessoas e animais.

Depois da aprendizagem dos valores, as próximas lições consistiam nas operações

de adição, multiplicação, subtração e divisão, contando com o recurso de exercícios

práticos na madeira e depois sua execução por meio da escrita. Após a aprendizagem das

quatro operações, os alunos deveriam aprender as Regras, que podem ser assim

exemplificadas:

Praticando bem o surdo-mudo as quatro operações em numeros

inteiros, ensine-lhe tambem praticamente as regras:

Colloque-se sobre a mesa:

4 lapis

6 botões

2 tinteiros

5 pennas

E mande-se somar.

O surdo-mudo sommará e dirá: são 17.

O Professor perguntará: 17 o que ?

O surdo-mudo responderá, por exemplo, 17 lapis.

O Professor mostrará que os lapis são 4.

Se disser que são botões, o Professor contará os botões e mostrará

que são 6, e assim por diante até esgotar a lista dos objectos que

estiverem sobre a mesa.

Então juntará aos objectos que estiverem sobre a mesa outros

objectos idênticos, sommará e mostrará que botões sommão-se

com botões, pennas com penas, etc., e escreverá: quantidades

heterogêneas não se sommão, e mostrará que a palavra

heterogênea exprime – cousas de diversa natureza.

Collocando sobre a mesa numeros pares de botões, lapis, et., os

dividirá em numeros pares, e depois de mostrar praticamente o

principio, escreverá: os numeros pares são divisiveis por numeros

pares. (GABEL, 1881 [1863], p. 378 e 379).

Após a aprendizagem das lições envolvendo regras, a próxima lição consistia na

aprendizagem das frações e dos decimais. Para tal, utilizava-se como recurso uma folha

de papel e um objeto que pudesse ser facilmente dividido. Conforme operavam-se as

divisões por meio do material concreto, ia-se registrando tudo: meio, um terço, um

quarto... até chegar a ideia de décimos.

A partir deste momento, apresentava-se a ideia dos décimos, centésimos e

milésimos, contando sempre com o aparato do material concreto para a compreensão da

lição e da escrita para registrar o que foi aprendido.

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De acordo ainda com o compêndio, as atividades de resolução de situações-

problema envolvendo conceitos matemáticos eram aplicados por meio de diálogos, de

materiais concretos e de estampas, assim como as lições de metrologia, medidas de

capacidade, medidas de peso, medidas de superfície e medidas de volume.

Para ilustrar tais atividades, exemplificaremos a lição IX sobre medidas

de peso:

Isto chamma-se gramo. Serve para pesar carne, toucinho, assucar, café,

manteiga, etc.

Conta-se 1 grammo, 2 grammos, 3 grammos, 4 grammos, 5 grammos,

6 grammos, 7 grammos, 8 grammos, 9 grammos, 10 grammos, etc.

Dez grammo diz-se deca-grammo.

Cem grammos diz-se hecto-grammo.

Mil grammos diz-se kilo-grammo.

Dez mil grammos diz-se myria-grammo.

(GABEL, 1881 [1863], p. 393 e 394).

Após a explicação da disciplina com o professor, o mesmo exercício deveria ser

efetuado com o repetidor:

O PROFESSOR O DISCÍPULO

Como se chama isto? Isto chama-se grammo.

Para que serve o grammo? O grammo serve para pesar carne,

toucinho, assucar, café, manteiga,

etc.

Como se conta? Conta-se 1 grammo, 2 grammos, 3

grammos, etc.

Dez grammos como se diz? 10 grammos diz-se decagrammo.

Cem grammos como se diz? 100 grammos diz-se hecto-

grammo.

Mil grammos como se diz? 1,000 grammos diz-se kilo-

grammo.

Dez mil grammos como se diz? 10,000 grammos diz-se myria-

grammo.

(GABEL, 1881 [1863], p. 394).

3.4.4.O Museu escolar no interior do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos

Acompanhando as inovações que o método intuitivo proporcionava , foi publicado

no Relatório da Exposição Universal de 1873, no Relatório da Exposição Universal de

1876 e no Notícia do Instituto dos Surdos-Mudos do Rio de Janeiro de 1877, os diversos

materiais que compunham o Museu escolar do estabelecimento: globos e mapas

geográficos, coleções completas de padrões de pesos e medidas pelo sistema métrico,

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compêndios das aulas escritos em português e obras publicadas sobre a educação dos

surdos-mudos.

Seguindo os pressupostos do método intuitivo no período Imperial Brasileiro,

adotamos o mesmo conceito de Buisson citado por Verginoux (2014, p.124):

[...] o Dicionário de Buisson desenvolve a idéia da seguinte maneira:

"A expressão Museu Escolar pode ser aplicada a coleções de todos os

tipos, formado pelo professor para o seu ensino. Mas este termo

geralmente é tomado em um sentido mais estreito; ele designa

especialmente os objetos comuns que o professor usa no processo de

ensinar conhecido como lições de coisas. Um museu escolar é uma

coleção de objetos, alguns naturais, outros feito para que as crianças

sejam claras, idéias precisas sobre tudo ao seu redor”. 31

Acompanhando as inovações que o método intuitivo proporcionava, na gestão do

Professor Tobias Rabelo Leite foi criado um Museu Escolar no Instituto dos Surdos-

Mudos. Contando com a ativa parceria do professor Menezes Vieira, que durante suas

participações em Exposições e Congressos, promoveram a expansão deste. Em 1888, o

museu escolar era composto por mais de 3000 objetos (Almanak Laemmert, 1888). De

acordo com Bastos e Alves:

As vantagens que se colhem com o ensino com objetos do museu

são de fácil apreciação por qualquer pessoa que assista as lições:

ganha-se tempo, poupa-se trabalho, e, o que é de sabido valor,

capta-se facilmente a curiosidade dos discípulos e prende-se sua

atenção que é a dificuldade de quem ensina. Nas mãos de um

professor ilustrado e zeloso o Museu Escolar não se presta só ao

ensino de nomenclatura, usos e utilidade dos objetos que o

compõem, presta-se pelo método intuitivo a dar de quase todas as

ciências noções ao alcance da compreensão dos meninos, e que

lhe são de muito proveito não só para sua educação moral como

para as necessidades da vida. Se não me faltarem os meios

perseguirei no empenho de desenvolvê-lo tanto quanto for

exigido pelo ensino dos alunos do Instituto (BASTOS, 2002, p.

267 apud Alves, 2007, p. 93).

Infelizmente, não encontramos nenhuma peça do museu escolar correspondente

ao período de estudo. Os materiais presentes no INES são os manuais, compêndios, uma

ampla biblioteca com diversos livros oriundos de países europeus e dos Estados Unidos

31 No original: [...] le Dictionnaire de Buisson en développe l’idée de la façon suivante : “L’expression de

Musée scolaire pourrait s’appliquer aux collections de toute nature formées par le maître en vue de son

enseignement. Mais ce terme est pris en général dans un sens plus restreint ; il designe surtout les objets

usuels dont l’instituteur fait usage dans le procédé d’enseignement connu sous le nom de leçons de choses.

Un musée scolaire est donc une collection d’objets, les uns naturels, les autres fabriqués, destinés à donner

aux enfants des idées nettes, exactes, sur tout ce qui les entoure”.

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133

da América. Materiais produzidos pelos docentes e discentes obtidos são os livros de

diários de classe, relatórios dos professores; além de máquinas de escrever e cadernos de

alunos. Porém, estes materiais fizeram-se presentes neste ambiente e podemos verificar

seu uso por meio da obtenção de algumas fotografias obtidas em décadas posteriores ao

ano de 1880.

Pode-se observar que os materiais adotados percorreram o mundo e muitos deles

foram vistos e até mesmo adaptados em outros locais no início do período republicano,

como apresentaremos no próximo capítulo.

Vale ressaltar que outros alguns materiais utilizados no período do método

intuitivo foram “reinventados” pelo professor Geraldo Cavalcanti na década de 1980. Este

organizou no INES um espaço denominado Laboratório da Linguagem. De acordo com

Rocha (2008), estes materiais eram espalhados por todos os cantos, de diversas formas e

naturezas e, também o mesmo objeto apresentado em diferentes condições. Só para

ilustrar, uma chapinha de refrigerante era apresentada de distintas maneiras: amassada,

enferrujada e inteira. Ao lado de cada material, encontrava-se sua denominação. Por

problemas administrativos, o Laboratório foi encerrado no decorrer do curso. Os

materiais e objetos do professor Geraldo Cavalcanti estão sob cuidados da APADA –

Niterói (Associação de Pais e Amigos dos Deficientes de Audição em Niterói).

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Capítulo 4. A modernidade pedagógica Republicana e o conhecimento

científico

Nas duas últimas décadas do Império, vários movimentos e várias reformas

marcaram importantes questões que refletiram a inquietação do tempo, a fermentação que

se generalizava, o aparecimento de uma situação nova: a da liberdade dos sexagenários,

a da lei eleitoral, a da liberdade do ventre da escrava, a religiosa, a militar, enfim, o próprio

movimento republicano e a República (Cartolano, 1994).

Com a Proclamação da República, os republicanos vislumbravam na escola

pública a consolidação do novo regime que buscava na educação a possibilidade de

controle, modernização e regeneração social da sociedade.

Neste âmbito, o papel da educação foi hiperdimensionado: tratava-se de

dar forma ao país amorfo, de transformar os habitantes em povo, de

vitalizar o organismo nacional, de constituir a nação. Nele se forjava o

projeto político autoritário: educar era obra de moldagem de um povo,

matéria informe e plasmável, conforme os anseios de Ordem e

Progresso de um grupo que se auto investia como elite com autoridade

para promovê-los (CARVALHO, 1989, p. 9).

Segundo os reformadores republicanos, para solucionar o “caos” advindo do

Império, a escola passou a ser um mecanismo de inovação da República e para a

República tendo uma finalidade cívica, moral e instrumental, e acima de tudo moderna,

com novas técnicas científicas e racionais, com novos aparelhamentos de ensino, tendo

como intuito romper com o modelo arcaico em busca do moderno.

Deste modo,

[...] nota-se a vinculação entre novos materiais didáticos e métodos

pedagógicos. Assim como as instituições precisavam ser “novas”,

referendadas pela “ciência”, os métodos também precisariam ser:

constituía-se uma “pedagogia do progresso”. Há uma “base material” a

sustentar a produção dessas ideias, encontrada nos materiais didáticos,

nas mobílias e nos prédios escolares, que incorporavam as novas

relações de produção, matérias-primas, tecnologias e processos

produtivos, na elaboração desses instrumentos e de seus significados.

(KUHLMANN JÚNIOR, 1996, p. 185)

A partir deste dispositivo, coube ao Estado Nacional brasileiro reconhecer e

utilizar a escola como espaço legítimo de “formação das almas” (Carvalho, 1999) e de

inculcação de “novas significações imaginárias e sociais” (Baczo, 1990) que buscaram

na formação dos cidadãos brasileiros sentimentos nacionalistas coadunados com a nova

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ordem social preconizada pela instauração do governo republicano brasileiro (Almeida,

2013).

Para legitimar esta nova ordem e romper com os preceitos do Império, era preciso

estruturar a política, a economia e a sociedade de forma concreta e material por meio da

edificação não apenas de órgãos públicos, de praças e monumentos, mas de estruturas

imaginárias, culturais e simbólicas que, sob o prisma do liberalismo e do pensamento

científico positivista e romântico do período, institucionalizaram novos símbolos, signos,

imagens e rituais que por meio da educação pública viabilizaram o projeto republicano:

a unidade do povo brasileiro, pois

A Proclamação da República, em 1889, instituiu a reconstrução de um

projeto de nação calcado na necessidade de “formação das almas”,

como afirma Carvalho (1999). Sob um intenso debate político acerca

dos novos símbolos, imagens e projetos de nação que deveriam

representar a nova forma de governo, a educação pública passou a ser

vista como estrutura social responsável pela formação do povo, à luz

dos preceitos que os grupos hegemônicos idealizavam, tendo como

lema a “ordem e o progresso”. Neste contexto surgiram os Grupos

Escolares como instituições educativas representantes e legitimadoras

do novo ideário republicano, contribuindo para “corrigir” os vícios que

corrompiam a estrutura social e cultural do país. (FAGUNDES, 2010,

p. 50)

Corrigir a infância, afastá-la de um meio social permissivo e degradante, fazia

parte desse projeto progressista e civilizatório. Este projeto também abriu novas

possibilidades para a estruturação de uma ciência da criança para além dos limites da

antropometria e da eugenia. A psicometria e a pedagogia experimental, desdobravam-se

em ações laboratoriais em prol de uma pedagogia científica.

O estudo desse assunto e dos meios de correção assume cada dia

importância maior e só ele bastaria para pôr em relevo o fim

humanitário da pedagogia científica. Sem uma psicologia científica não

saberíamos estudar a criança no seu caráter especial, não poderíamos

distinguir o aluno de inteligência tarda do cretino, o imbecil do idiota.

Se há pouco essa criança estava perdida para a sociedade e relegada ao

manicômio a expiar a culpa dos pais, vê-mo-la atualmente, mercê de

um melhor estudo, entregue a institutos especiais ortofrênicos, onde se

educa e corrige para ocupar o seu posto no convívio social [...]. Os casos

de correção devidos à ciência pedagógica não se praticam em prisões,

mas em institutos educativos, com métodos racionais e científicos

(Thompson,1914, p. 16 e 17 apud CARVALHO, 2016, p. 404).

A escola pública passou a ser identificada com um campo de ação da organização

sanitária moderna. Os primeiros anos de escolarização, em especial, foram representados

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como instrumento necessário par o cuidado do corpo e da alma da criança, através do que

a aferição das potencialidades cognitivas, somado ao diagnóstico das deficiências

orgânicas resultou na conversão da infância em metáfora da nação a ser reexaminada e

tratada conforme os ditames da nova “ciência mãe”: “Instrução, educação sanitária,

educação física, alimentação, higiene do ensino e das oficinas de trabalho, escolha de

profissão, salário, higiene da habitação, serviços de saúde pública, organização de clubes

sociais, horas de trabalho e de repouso, organização hospitalar, exames médicos

preventivos, férias, assistência médica, social, moral e eugênica, toda organização do

mundo moderno, em suma, repousa sobre os conhecimentos médicos” (Freitas, 2002).

Formar as almas dos cegos e dos surdos-mudos, sob um novo regime e rumo ao

novo século era sinônimo de revisar práticas que oscilaram entre a tensão de um projeto

de sociedade e civilidade. A nova “ordem” e “progresso” estabelecida na República

visava uma pedagogia científica, calcada na constituição de um moderno “aparelho de

ensino” e valendo-se, também, das experiências acumuladas no país durante o Império e

das iniciativas implementadas, assumiu que foi preciso, primeiramente preconizar novos

ideais, como o de “normalizar” todos os sujeitos em prol da consolidação de um novo

regime e promoção do desenvolvimento social e econômico.

Para Leite (2005), esta nova forma escolar é solidária de outras transformações do

todo sócio-histórico: a constituição do Estado Moderno, a progressiva autonomização de

campos de práticas heterogêneas, a generalização da alfabetização e da forma escolar e a

construção de uma relação distanciada da linguagem e do mundo (relação escritural-

escolar com a linguagem e com o mundo). São formas de relações sociais tramadas por

práticas de normalização tornadas possíveis pela aceitação de novos sujeitos que

poderiam ser educados e civilizados.

4.1. Os Congressos e as Exposições invadem os cotidianos escolares

Nós, por assim dizer, domesticamos as forças da natureza até então

desconhecidas. Encontramos profusões de luzes, de forças

incalculáveis, o poder de transmitir com a rapidez de um raio nosso

pensamento até o fim do mundo. Devemos a um de nossos colegas, Sr.

Graham Bell, a possibilidade de transmitir a voz como o telégrafo

transmite o pensamento escrito. Aniquilamos a dor; descobrimos os

gérmens das doenças e os meios de destruí-los; levamos uma

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civilização benfeitora aos confins do mundo. Nossas obras de

solidariedade não foram menores; em toda parte vemos admiráveis

esforços para melhorar a sorte do fraco e do infeliz (Congresso

Internacional para estudo das questões de educação e assistência de

Surdos Mudos, 1900 [2013], p. 7)

As Exposições Universais atuaram como difusores de valores, mas de um modo

mais amplo do que é frequentemente sugerido em estudos recentes (Plum, 1979), onde

elas aparecem como veículos de propaganda de massa (Kosminsky, 2008). Os valores

modernos transmitidos nas Exposições e sua ascendência sobre o sentido visual da

sociedade burguesa do século XIX e início do século XX foram demarcadores da

construção de um habitus coletivo que definiu a visualidade no período (Kosminsky,

2008). Para Barbuy (1999), trata-se de um “veículo para instruir (ou industriar) as massas

sobre os novos padrões da sociedade industrial (um dever-ser de ordem social)”. De forma

semelhante, Reberioux (1979) considera que as Exposições são criações do mais alto grau

de representações mentais e de imaginários coletivos.

As grandes feiras privilegiavam a exibição e aquisição de

conhecimentos sobre tecnologias, lugares e sociedades distantes,

divulgando um saber com pretensões enciclopédicas e ideais

evolucionistas. Mas, ao mesmo tempo, atuavam com propósitos de

entretenimento e espetáculo. As Exposições ofereciam o deslumbre que

a tecnologia podia proporcionar, de um olhar para o passado a partir do

ponto de vista privilegiado do homem moderno, senhor de sua

superioridade sobre a natureza, mas também de um olhar para o futuro

a partir das possibilidades sugeridas pelos novos inventos e descobertas

(KOSMINSKY, 2008, p. 200)

As maravilhas das Exposições e dos Congressos trouxeram um olhar

“humanitário” fazendo com que a ciência, as artes e a indústria caminhassem rumo ao

progresso. No campo das “anormalidades sensoriais”, os métodos e os materiais faziam-

se presentes como forma de “esquecer” a deficiência original, ou seja, a partir da

percepção dos outros sentidos, o contato com outros objetos, a adaptação de sistemas e a

criação de códigos de linguagem, propiciariam a aprendizagem.

No ano posterior ao Congresso Internacional para estudo das questões de

educação e assistência de Surdos Mudos, a Exposição Universal, em Paris, marcou o

caráter de exposição-instrução, difundindo o método intuitivo e as lições de coisas (Silva,

2015), tornando-se uma doutrina pedagógica oficial (Barbury, 1999).

No Brasil, o método intuitivo impactou não apenas em práticas educacionais,

como na compra de materiais, na produção de livros e compêndios de ensino, mas

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também em legislações educacionais como o Decreto nº 981 de 1890 que em seu artigo

3º compreendia o curso de lições de coisas.

Mas a grande preocupação dos Congressos no início do século XX era o

rompimento com a ideia de caridade que fez-se presente nos institutos especializados. As

nações não deveriam apenas subvencionar e educar; era preciso expandir de modo a criar

oportunidades de subsistência pós formação e não o estabelecimento permanente dos

sujeitos no interior dos institutos como ora acontecia.

Para ilustrar os debates que estavam acontecendo sobre o processo educacional de

cegos e surdos no início do século XX, analisaremos os relatórios produzidos nos

Congresso Internacional para o Estudo das Questões de Educação e de Assistência de

Surdos-Mudos, apresentado na Exposição Universal de 1900, em Paris, e a Conferência

e Exposição Internacional de Educação dos Cegos, de 1905, em Edimburgo.

Para a realização do Congresso direcionado à educação dos surdos, os países que

encabeçaram tal evento foram os governos da Alemanha, da Áustria, da Bélgica, do

Brasil, da Dinamarca, dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da Hungria, da Itália, do

Japão, do México, da Rússia, da Romênia, da República do Equador, da Suíça; além dos

Conselhos Gerais da Gironda (Espanha), da Marne (Alemanha), do Creuse, do Drôme,

do Sena, do Baixo-Sena e dos Vosges (França)32.

Além de debater as questões de caridade até então ofertada nos institutos, o foco

do Congresso de 1900 era o de trazer à tona formas de assistir, “incluir”, educar e buscar

subvenções dos Estados para a escolarização deste público.

Basta notar que esta soma provém de subvenções departamentais,

comunitárias e de instituições de caridade privadas para entrever as

dificuldades que encontra a inclusão de uma criança surda-muda.

Enquanto o ingresso na escola é um direito para o que escuta, é um

favor para o surdo-mudo. Bem sei que a lei sobre a gratuidade e

obrigação de educação pública não fez exceções para desfavorecidos de

32 Os delegados dos governos estrangeiros designados foram – Alemanha: Sr. Gutzmann; Áustria: Sr. Louis

Schindler; Bélgica: Sra. Van Schelle, Diretora do Ministério da Justiça e, Grégoire, Diretor adjunto do

Instituto Provincial de Berchem – Saint-Agathe; Brasil: Sr. Dr. João Paulo de Carvalho; Dinamarca: Sr.

Forchhammer, Diretor do Instituto Real de Nyborg; Estados Unidos: Alexandre Graham Bell, Gallaudet

(Washington) e, Percival Hall (Washington); Grã-Bretanha: Sr. Eicholz, Inspetor de ensino; Hungria: Sr.

Etienne de kanocz; Itália: Sr. Professor Ferreri e, Abade Monaci; Japão: Sr. Tanimato; México: Sr. Adolpho

Huet e, Daniel Garcia; República do Equador: Sr. Dr. Ricardo Cucalor, Dr. Luis Vivanco e, Dr. Rafael

Rodriguez Zambrano; Romênia: Sr. Dr. Castiniu; Rússia: Sr.A. D’Ostrogradsky e, Schwann; Suíca: Sr. Dr.

Schwendt e; Suécia: Sr. Nordin. Para os Conselhos Gerais foram designados os delegados - Côte D’Or: Sr

Boyer; Creuse: o Dr. Villars, senador; Girande: Halphen, Conselheiro Geral; Marne: o Dr. Wiet,

Conselheiro Geral; Sena: Baguer, Diretor do Instituto departamental de surdos-mudos de Asnières; Vosges:

o Dr. Parisot.

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visão e audição, mas não fizemos nada para substituir a escola comum

na qual eles não podem entrar.

É necessário que a criança não seja educada com o pensamento de que

deve à caridade sua vida intelectual. A ideia de caridade evoca a

mendicância que a todo custo deve ser afastada de sua mente (Discurso

de LACHARRIÈRRE no Congresso Internacional para estudo das

questões de educação e assistência de Surdos Mudos, 1900 [2013], p.

7)

Outro tema tratado neste Congresso foi a diferença de oportunidades entre as

crianças oriundas de famílias abastadas e as crianças das famílias de operários. A

preocupação centrara-se na popularização da escola para os “desvalidos” socialmente e

economicamente, pois o primeiro público já recebia as condições necessárias de acesso à

“inclusão” social.

Se proclamei, senhoras e senhores, que a criança não podia dever sua

educação ao assistencialismo ou à caridade, não quis falar senão do

filho do operário dotado de boa saúde; mas a doença atinge todas as

idades, o desemprego a prepara, e a imprevidência ou a impossibilidade

de economizar fazem a velhice miserável (Discurso de

LACHARRIÈRRE no Congresso Internacional para estudo das

questões de educação e assistência de Surdos Mudos, 1900 [2013], p.

13)

A assistência e a caridade são os únicos meios, para os ricos, de honrar

suas fortunas. Fazer o bem é também consolo para aqueles que não são

felizes. Estas questões humanitárias são então a ordem do dia para todos

os países, e todos os tempos. Vosso Congresso muito menos deve negar

que ainda resta muita coisa e fazer pelos surdos-mudos, para não dizer

tudo está por fazer (Discurso de LACHARRIÈRRE no Congresso

Internacional para estudo das questões de educação e assistência de

Surdos Mudos, 1900 [2013], p. 13)

Deste modo, o Congresso deveria preocupar-se com os princípios saudáveis da

ciência pedagógica (Gallaudet, 1900), como os métodos de ensino, a criação de cursos

superiores para as crianças bem dotadas, cursos especiais para indivíduos surdos-mudos

retardados e o embate entre os ensinos da linguagem oral e da linguagem articulada e de

sinais. Sobre o último tema, foram apresentados diversos relatórios constando os

benefícios e as dificuldades de implantação de ensino para os surdos por meio da

linguagem oral. As discussões duraram dois dias e ao final, o congresso decidiu:

Voto III

O Congresso,

Considerando a incontestável superioridade da oralização sobre os

sinais para integrar os surdos-mudos à Sociedade, e dar-lhes um

conhecimento da linguagem mais perfeito,

Declara:

Manter as conclusões do Congresso de Milão.

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Emite o voto:

1º Que os que trabalham em instituições e os professores de surdos-

mudos concentrem seus esforços no sentido de estabelecer livros

escolares e material didático necessários ao ensino dos surdos-mudos;

2º Que os livros e o material assim formados em uma escola possam ser

adquiridos a preço de custo por outras escolas (RESOLUÇÃO DO

CONGRESSO INTERNACIONAL PARA ESTUDO DAS

QUESTÕES DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA DE SURDOS

MUDOS, 1900 [2013], p. 143).

Após os debates, a decisão mantivera-se a mesma do Congresso de Milão. O

método intuitivo deveria continuar permeando as atividades do aluno, que deveriam

consistir em designar, antes pela oralização e em seguida pela escrita, os objetos e os fatos

colocados diante dos olhos dos alunos.

Outra decisão tomada foi a questão da acessibilidade de todos os surdos à

instrução primária e profissional sob responsabilidade dos poderes públicos.

Voto IV

O Congresso,

Emite o voto:

Que os poderes públicos de diferentes países tomem as medidas

necessárias e forneçam os recursos suficientes para assegurar, a partir

da idade de escolaridade, a instrução primária e profissional a todo

surdo-mudo (RESOLUÇÃO DO CONGRESSO INTERNACIONAL

PARA ESTUDO DAS QUESTÕES DE EDUCAÇÃO E

ASSISTÊNCIA DE SURDOS MUDOS, 1900 [2013], p. 153).

Para as questões de acesso dos surdos às instituições de ensino, algumas medidas

também foram tomadas como: o estado do surdo-mudo, ou seja, as condições fisiológicas

do surdo para a entrada no instituto. Se a pessoa fosse considerada surda total ou surdez

psíquica poderiam matricular-se em institutos especializados. Para os surdos com certo

nível de audição ou com distintas inteligências, os debates não chegaram a uma decisão

conclusiva, porém, foram apresentados relatórios para este caso como: separar os alunos,

na medida do possível, em diversas instituições, ensino e método diferenciado para os

mais habilidosos.

Outra inovação para a educação dos surdos foi a apresentação da organização de

escolas preparatórias, de escolas maternais e dos jardins de infância no interior dos

institutos especializados. Paris, Estados Unidos, Balê, Londres, Dresden e Roma foram

os pioneiros a implementar esta modalidade de ensino para as crianças surdas com base

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no método de Fröebel33 (Congresso Internacional para estudo das questões de educação

e assistência de Surdos Mudos, 1900 [2013], p. 175).

No campo de assistência aos surdos, tema central do Congresso, foi aprovado a

criação de Sociedades de Tutela e de Inserção – como asilos e hospedarias. Estas tinham

como objetivo orientar os surdos e as suas famílias sobre a importância das atividades

educativas e do labor, viabilizando a superação frente as dificuldades enfrentadas. Diante

disto,

O Congresso,

Considerando que em razão de sua deficiência os surdos-mudos, uma

vez conduzidos à sociedade, têm necessidade de proteção especial e

eficaz, e que podemos acreditar que sua inferioridade incontestável e

infelizmente real em relação aos outros homens, juntamente com sua

inexperiência na vida comum, os faz vítima de especuladores

interesseiros.

Considerando que todas as obras de mutualidade, quaisquer que sejam

as formas que se revistam, são reconhecidas como úteis e mesmo

indispensáveis aos que falam e ouvem, e por mais forte razão as são

para os surdos-mudos que não podem, ao saírem dos estabelecimentos

de ensino, ser absolutamente assimilados aos outros homens.

Emite o voto:

Que os governantes de cada País, cada um naquilo que lhe concerne, se

juntando à iniciativa privada e continuando e completando sua obra,

favoreçam todas as obras mutuárias que dizem respeito aos surdos-

mudos (tais como associações de antigos alunos, sociedades de

assistência mutuária, associações de tutela, círculos, etc.) através de

medidas úteis (tais como subvenções, etc.) e em geral por todos meios

que estiverem em seu poder (ATA DO CONGRESSO

INTERNACIONAL PARA ESTUDO DAS QUESTÕES DE

EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA DE SURDOS MUDOS, 1900 [2013],

p. 198).

Outras resoluções em prol da assistência aos surdos foram tomadas como o

estabelecimento de oficinas de aprendizagem profissional e uma tutela para a inserção

dos antigos alunos anexo aos institutos, a parceria entre a beneficência privada e os

poderes públicos sob todas as formas, o estabelecimento das oficinas profissionais e as

33 O conceito fundamental da filosofia educativa de Fröebel é sua identificação com a natureza, cujas leis

podem ser aprendidas. Sua programação busca uma educação integral, harmônica e gradual, que se funda

em seis leis: 1) a lei do esférico (que tem como princípio a unidade entre o físico e a moral), 2) A lei do

equilíbrio (que se fundamenta na conciliação dos contrastes existentes na natureza como partir do conhecido

para o desconhecido por meio da comparação); 3) a lei das alterações (que tem por princípio a possibilidade

de conhecer novos objetos e novas ideias); 4) a lei das transformações – articulada em conjunto com a

quinta lei; 5) a lei da harmonia (pelas quais a natureza se desenvolve e se transforma harmonicamente para

atender e suprir as suas necessidades); 6) a lei do destino (pela qual todos os seres têm uma vocação e

devem desenvolvê-la, por meio da liberdade e da espontaneidade. A filosofia destas leis está presente em

seu sistema de ensino e nos exercícios que alcançaram uma nova infância, a qual, as crianças pudessem

desenvolver-se a partir de dons e ocupações, por meio da expressão, da liberdade e do sentimento (Almeida,

2013, p. 23).

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tutorias de inserção destinadas aos surdos-mudos, a associação da ciência médica e da

pedagogia, dos médicos e dos professores dos institutos, provendo apoio mútuo para dar

continuidade aos estudos de aperfeiçoamento nos quais pode ser suscetível a educação

física, intelectual e profissional dos surdos-mudos.

Tomo agora a análise os relatórios produzidos a partir da Conferência e Exposição

Internacional de Educação dos Cegos de 1905 em Edimburgo.

Para a realização do Congresso direcionado à educação dos cegos, os países que

encabeçaram tal evento foram os governos da Austrália, Aústria, Estados Unidos, Itália,

Portugal, Reino Unido34 e Suíça com apoio da associação Gardner’s Trust for the Blind35.

Em conexão com a Conferência, também foi decidido realizar uma Exposição

Internacional, compreendendo todos os tipos de aparelhos e técnicas educacionais e

técnicos, além da demonstração de diversos trabalhos produzidos pelos cegos, dentre

estes, as manufaturas oriundas do ensino profissional.

A proposta destes eventos, assim como no Congresso de Surdos, era demonstrar

que os cegos eram uma parte importante e influente da comunidade e estes não

precisavam ser alvo de piedade, mas de simpatia, do acesso e da oportunidade por parte,

inclusive, dos órgãos governamentais.

As questões centraram-se nas modalidades educacionais a serem ofertadas aos

cegos (jardim de infância, ensino primário, secundário e superior) e no tipo de oferta:

ensino especializado em internatos ou ensino residencial. Outros temas referiam-se ao

ensino da música como um avanço, à proposição do ensino dos jogos e da ginástica, à

realização de um levantamento estatístico para quantificar os cegos, ao barateamento de

livros, à adaptação de materiais como ardósias aritméticas, quadros em braille, mapas

geográficos, máquinas para escrita em braille e lições de coisas.

O Congresso também abordou a questão da assistência aos cegos pobres,

principalmente no que concerne ao vínculo empregatício:

O problema do emprego dos cegos é reconhecidamente difícil –

emprego que será ao mesmo tempo uma solução satisfatória e atenuante

da posição infeliz da classe e, fornecem trabalho e ganhos suficientes

34 O comitê organizador do evento contou com a participação de membros do Reino Unido como: Dr.

F.J.Campbell, Mr. W.H Illingworth, Mr. H. Stainsby, Mr. Henry J. Wilson, Rev.St. Clare Hill, Mr. F.J.

Munby, Mr H.W.P. Pine. 35 A associação Gardner's Trust for the Blind foi criada em 1882 tendo por objetivo fornecer assistência

financeira e técnica para fins de educação, treinamento e bem-estar social para pessoas cadastradas ou

deficientes visuais no Reino Unido. Para maiores detalhes da organização:

http://www.sightlinedirectory.org.uk/Listings/Details/2599/gardners-trust-for-the-blind (Acesso em 10 de

dezembro de 2017).

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para mantê-las em um grau de conforto e independência (RELATÓRIO

DA CONFERÊNCIA E EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL SOBRE

OS CEGOS, 1905, p. 136 e 137),36

Para garantir a empregabilidade dos cegos, a formação intelectual e profissional

deveria estar associada desde o ensino primário. Para a aquisição das habilidades

manuais, os métodos e os materiais fröebelianos passariam a compor o currículo e as

rotinas pedagógicas em escolas especializadas para cegos desde o jardim da infância.

Além de garantir formação, o Congresso apontava para a necessidade de firmar

parcerias para que estes jovens cegos pudessem ter local de trabalho. A escola, os serviços

públicos e privados e até mesmo as entidades religiosas deveriam ser partícipes deste

processo.

Assim como no Congresso direcionado aos surdos, a conferência de educação

dos cegos também apontava a necessidade de educar as crianças cegas “aptas” para a

aprendizagem e conforme as suas habilidades.

Crianças não sendo imbecis, e não sendo meramente aborrecidas ou

atrasadas devido a problemas mentais ou físicos, são incapazes de

beneficiar-se adequadamente das instruções nas escolas primárias

públicas comuns, mas não são incapazes, por esse defeito, de receber

benefícios em classes ou escolas especiais (RELATÓRIO DA

CONFERÊNCIA E EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS

CEGOS, 1905, p. 204)37

Por último, inclusive no anexo do documento, o braille mais uma vez é tido

como o código de leitura e escrita eleito para a aprendizagem dos cegos. Livros deveriam

ser adaptados para atender ao público. Os mesmos também deveriam ser transcritos

conforme a faixa etária do público atendido.

Conforme vimos, os Eventos em prol da educação dos deficientes sensoriais

apontavam dificuldades semelhantes e que necessitavam ser superadas. Porém, mesmo

com linguagens distintas, o método intuitivo ou lição de coisas continuava a ser um dos

métodos eleitos para o desenvolvimento deste alunado.

36 No original: The problem of the employment of the blind is admittedly difficult—employment which

will at once be a satisfactory solace and mitigant of the unfortunate position of the class, and provide work

and earnings sufficient to maintain them in a degree of comfort and Independence (Report of the

international conference on the blind and exhibition, 1905, p. 136 e 137) 37 Children not being imbecile, and not being merely dull or backward, Avho, by reason of mental or

physical

defects, are incapable of receiving proper benefit from the instruction in the ordinary public elementary

schools, but are not incapable, by reason of such defect, of receiving benefit in special classes or schools

(Report of the international conference on the blind and exhibition, 1905, p. 204)

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144

4.2. Classificar para educar

[...] Depois de Foucault, a historiografia da educação tem estado atenta

à pluralidade dos dispositivos científicos, religiosos, políticos e

pedagógicos de disciplinarização, na intersecção dos quais se produziu,

na modernidade, o que vem sendo chamado de “modelo escolar” ou de

“forma escolar” de educação. Por isso, para falar da história da

educação como história da disciplinarização das pessoas (penso a

higienização como um modo da disciplina), seria interessante espraiar-

se por esse longo processo histórico que constitui a escola como

instituição intrinsecamente disciplinar, e a modernidade como

sociedade da escolarização. (CARVALHO, 2016, p. 395)

Estas formas de exercício do poder dentro do ambiente escolar tem uma finalidade

mais ampla, gerindo a pedagogização do social, isto é, das relações sociais pela via da

impessoalidade das normas. Estas normas, no início do século XX traduziram-se, segundo

Thompson (1914) no disciplinamento da infância por meio da construção de um

conhecimento científico por meio da psicognóstica e a pedotécnica.

A primeira, estudando o “caráter específico da criança nas várias fases

da vida segundo o tipo normal e anormal”; a segunda, estabelecendo

“as normas traçadas ao método e à didática para o ensino se pôr em

harmonia com a natureza psicológica do escolar” (CARVALHO, 2016,

p. 400)

Com isso, uma nova concepção de educação é destinada ao público anormal: a

Educação Emendatória:

O conceito de educação emendatória tem suas origens na árvore de

Pizzoli, que representa o campo epistemológico da pedagogia.

Thompson, ao traduzir sua obra, entende que, a educação, assim como

uma árvore, se tiver suas raízes suspensas – arrancadas do solo em que,

verossimilmente, estariam plantadas – figuram um variado elenco de

“ciências subsidiárias: sociologia, legislação escolar, história da escola,

anatomia, fisiologia, antropologia, psicologia, higiene individual,

higiene coletiva, higiene da casa e da escola, ortofrenia, pedologia,

pediatria e arte didática”. Essas ciências se aglutinam, por grupos de

afinidade, constituindo veios confluentes em um corpulento tronco que

figura a pedagogia como “ciência da educação humana”. Do tronco –

descrito por Thompson como “grande foco para o qual converge e onde

encontra o centro de sua aplicação uma extraordinária variedade de

fatos” – saem dois subtroncos que representam, não mais ciências

pedagógicas, mas dois processos de educação e seus frutos. O primeiro

subtronco, estuante de vitalidade, com galhos apinhados de folhas e

frutos, era proposto como imagem dos processos de educação normal.

O segundo, raquítico, com folhas escassas e frutos murchos,

representava os processos da educação emendatória. Nos frutos

murchos e nas folhas raquíticas deste subtronco, eram nomeados os

destinatários das práticas pedagógicas emendatórias: criminosos,

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amorais, tarados, idiotas, cretinos, imbecis, surdos-mudos, cegos de

nascença e deficientes físicos. (CARVALHO, 2016, p. 401)

Deste modo, a árvore pedagógica de Pizzoli indica um modo de representar o

campo epistemológico da Pedagogia que pode ser ilustrativa da forma como o currículo,

ao separar e fragmentar sua ação com e sobre os sujeitos, produz a discriminação e as

representações sobre aqueles que são considerados inaptos ou incapazes.

Figura 12. Árvore Pedagógica de Pizzoli

Fonte: Pedagogia Scientifica, 1909 apud MENEZES e VIEIRA, 2016, p. 168.

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Para os destinatários das práticas emendatórias, os exames antropológicos38,

fisiológicos39, psicológicos40 e psíquicos41 tinham como pressuposto o desenvolvimento

das sensações e das emoções, que tinham

[...]uma considerável importância prática. Como as emoções

influenciam a nossa conduta diante de ocorrências presentes, os

sentimentos determinam antecipadamente a direção dessa conduta

diante de circunstâncias futuras, que podemos prever por meio do

raciocínio (Pizzoli, 1905, p.258 apud CENTOFANTI, 2002, p.80)

Para o desenvolvimento de tais habilidades, Pizzoli criou aparelhos e instrumentos

para uso em atividades pedagógicas. Exemplo disso é encontrado em Il tavolo

psicoscopico Pizzoli e l’educazionee dei sensi (gabinete psicoscópico Pizzoli para

educação dos sentidos) , onde os empregos são fartamente ilustrados (Centofanti, 2002).

38 Os exames antropológicos serviam ao posterior registro dos caracteres morfológicos gerais do organismo

individual do aluno, como estatura, peso, constituição, sexo, idade, harmonia geral na proporção do corpo.

Interessavam as características morfológicas externas relativas a forma, volume e proporção do crânio e da

face, do tronco e das articulações, bem como do cálculo de índice cefálico. Fazia-se o exame antropológico

dos caracteres morfológicos especiais de diversos órgãos dos sentidos específicos – olhos, nariz, ouvidos,

boca e dentes. A fim de “facilitar aos professores a prática desses exames” (1900, p.9), Pizzoli criou uma

tabela reproduzindo todos os órgãos na normalidade e as anomalias de conformação e desenvolvimento

mais frequentes (CENTOFANTI, 2002, p.78). 39 Os exames fisiológicos visavam ao registro das funções orgânicas e das funções de sentidos e

movimentos. Nas funções orgânicas, registravam-se as funções circulatórias e respiratórias. O exame dos

fenômenos de sensibilidade e motilidade, merecia, segundo Pizzoli (1900, p 9), muito escrúpulo e

diligência, pois significava a entrada “no território reservado aos fenômenos da mente”. O exame do sentido

do tato, permitia saber o grau em que se encontravam, no sujeito, as noções de forma, superfície,

consistência, posição, peso, resistência, quente e frio. Examinavam-se a sensibilidade básica, o sentido de

paladar e olfato, a orientação acústica e visual, bem como o grau de excitabilidade dos nervos e o sentido

dolorífico. Do sentido muscular, interessava obter dados sobre a energia, extensão, velocidade e duração

dos movimentos (CENTOFANTI, 2002, p.78). 40 O exame psicológico deve ser, sobretudo, um exame da sensibilidade nas suas várias formas e nas

diversas associações, uma vez que as sensações eram os elementos fundamentais dos fatos psíquicos. Para

a educação, os exames psicológicos tinham duas funções – a de conhecer o educando e a que permitiria,

pelo domínio dos mecanismos e das leis que governavam as funções psíquicas, o delinear dos princípios da

educação e a ajuda racional para aplicá-los. Aos educadores, interessariam os exames das funções sensoriais

e os das funções psíquicas, em cada um dos alunos, para que pudessem avaliar suas características, atitudes,

tendências, possíveis deficiências ou perversões morais ou intelectuais. (CENTOFANTI, 2002, p.79). 41 O exame das funções psíquicas tinha, por dado básico, a sensação, que se originava em estímulo

proveniente do mundo exterior, usando como porta de ingresso no organismo os órgãos dos sentidos

internos e externos (lado anatômico), uma via de percurso pelos nervos sensoriais e sensitivos (lado

fisiológico) e chegava ao destino, o cérebro, substrato material e base fisiológica da consciência, que iria

fixá-lo e elaborá-lo (lado psicológico). Para Pizzoli, a vida psíquica ficava assim resumida: os pensamentos

ocorrem na esfera representativa ou intelectiva; os sentimentos na esfera sentimental ou afetiva e a vontade

na esfera volitiva. (CENTOFANTI, 2002, p.79).

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Figura 13. Gabinete Psicoscópico Pizzoli, para a educação dos sentidos

Fonte: Gardini, 1995.

De acordo com Centofanti (2002), o desenho é original de Pizzoli, coletado por

Mario Gardini (1995). Tratava-se de um móvel que o autor denominou de “gabinete

portátil de psicometria”. Aproveitável dos dois lados, o gabinete continha um conjunto

de dispositivos que se prestava a diferentes “testes”, na concepção de Pizzoli. Era por

intermédio de aparelhos como esse que Pizzoli realizava seus “testes” e promovia o

exercício de desenvolvimento de habilidades do organismo físico (somatogenia) e do

psíquico (psicogenia).

Ao separar e classificar, torna-se preciso a relação de obrigações perante uns com

os outros, a fim de civilizar os sujeitos para “a ordem e o progresso” da nação, e com a

ascensão do capitalismo, a valorização do que é ser útil ou inútil também promove a

padronização de sujeitos. Sendo assim, todas as coisas têm um preço e uma utilidade de

valor delimitado. A aquisição de uma competência é, assim, poder. (Foucault, 2010, p.

243-248). O exercício, com o apoio do discurso político, pedagógico e científico, do que

Michel Foucault aponta como a “tecnologia política do corpo”, passa a ser mais um

mecanismo utilitário de inovação da “normatização de corpos”.

Assim, o poder associado ao saber não apenas implica uma nova tecnologia, mas

aplica formas de controle por meio da modernização de técnicas, de espaços e de métodos

pedagógicos de ensino.

A dupla poder-saber desenrola-se em palco aberto e dinâmico. O

controle do corpo é assumido voluntariamente pelo objeto desta

microfísica institucional que constrói as novas bases do exercício de

dominação, tornando a alma na prisão física. (FOUCAULT, 2010, p.

29).

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Este sistema de classificação é significativo, argumenta Foucault, por causa da

simples impossibilidade de cogitá-lo, expondo não apenas arbitrariedade, mas relações

de poder e de dominação entre os sujeitos. Para Darnton (1986, p. 249):

Confrontando-nos, bruscamente, com uma série inconcebível de

categorias, expõe a arbitrariedade da maneira como classificamos as

coisas. Ordenamos o mundo de acordo com categorias que

consideramos evidentes simplesmente porque estão estabelecidas.

Ocupam um espaço epistemológico anterior ao pensamento e, assim,

têm um extraordinário poder de resistência. Postos diante de uma

maneira estranha de organizar a experiência, no entanto, sentimos a

fragilidade de nossas próprias categorias e tudo ameaça desfazer-se. As

coisas se mantêm organizadas apenas porque podem ser encaixadas

num esquema classificatório que permanece inconteste. Classificamos

sem hesitar um pequinês na mesma categoria, como cães, embora o

pequinês talvez pareça ter mais características em comum com um gato

e o dinamarquês com um pônei. Se pararmos para refletir sobre as

definições da “condição de cão” ou outras categorias de classificação

da vida, não poderemos jamais levar adiante a atividade de viver.

Outros trabalhos que influenciaram os processos classificatórios educacionais

foram os estudos estatísticos de Lambert Adolphe Jacques Quételet)42, do higienismo e

da antropometria, observando-se uma inflexão na produção, que trouxe o conceito de raça

para o centro da reflexão sobre o desenvolvimento humano. Quetelet constituiu referência

básica nesse processo, ao inaugurar a estatística social. O matemático belga desenvolveu

estudos em diferentes campos, mas foi o primeiro a construir padrões de medida objetivos

e quantificáveis, aplicados ao desenvolvimento humano, estabelecendo uma relação entre

crescimento físico e raça/origem social. Quetelet mediu o crescimento de um grupo de

escolares comparando os processos de desenvolvimento físico e formulando a hipótese,

estatisticamente sustentada, de que haveria uma diferença na evolução do crescimento de

crianças de diferentes classes sociais (Gouvêa, 2008, p. 549).

42 Seu estudo foi pioneiro e contribuiu para a estruturação da antropometria, forjando posteriormente o

conceito de homem padrão (average man). Se os fenômenos analisados eram parte constitutiva da natureza

humana, estatisticamente verificáveis, seria possível determinar os padrões de normalidade física e

intelectual de uma dada população. O comportamento individual poderia, para o autor, ser comparado ao

coeficiente comportamental do homem padrão, que poderia ser graficamente visualizado pelo mapeamento,

na população, do desenvolvimento normal das características físicas e morais. Quetelet chamava esse

estudo de mecânica social. Ele publicou uma detalhada fundamentação da nova ciência, em 1842, intitulada

A treatise on man, and the development of his faculties. Quetelet pensava no conceito de homem padrão

considerando as qualidades físicas e mentais como propriedades reais de um povo ou raça, não como

conceitos abstratos. Seu trabalho contribuiu para a afirmação, característica do século XIX, de um substrato

cognitivo nas diferenças raciais. (Gouvêa, 2008, p. 548 e 549)

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Para solucionar o problema da educação dos anormais sensoriais, físicos,

intelectuais ou pedagógicos, foram criadas fichas médico-pedagógica para determinar

quais indivíduos deveriam ser selecionados para frequentarem às aulas de Institutos

específicos de ensino.

Estas fichas, elaboradas com a colaboração do professor, tinham como objetivo

identificar qual o grau de anormalidade de cada indivíduo, cabendo ao médico descobrir

as insuficiências sensoriais, as taras e as degenerações que atuam sobre o

desenvolvimento psíquico e físico do aluno.

A eficácia desta proposta deveria estar centrada na educação dos sentidos, sendo

esta a base da educação intelectual e moral do anormal sensorial, físico, intelectual ou

pedagógico, ou muitas vezes, chamado de TARDO ou RETARDADO (que segundo o

Doutor Menezes Vieira de Mello, seria o sinônimo para o anormal intelectual, pois este

compreende com dificuldades tudo o que lhe é proposto no processo de aprendizagem).

Para o Doutor Menezes Vieira de Mello:

Insisto neste particular, para evitar a confusão que habitualmente se faz,

inscrevendo sob a mesma rubrica todos os anormais, quando é sabido

que os cegos, os surdos-mudos, os idiotas, os imbecis, reclamam

institutos especiais a sua aprendizagem ou tratamento e, portanto,

escapam a alçada da escola de que me ocupo. (MELLO, 1917, p. 18)

A classificação da própria anormalidade foi amplamente discutida em espaços

específicos, não apenas para deficientes sensoriais, mas para distintas anormalidades. A

classificação também acometia no surgimento de classes distintas para educar conforme

o nível de aprendizagem, ou seja, primeiro passavam por um processo de classificação e

diferenciação diante a própria anomalia e depois, conforme o seu nível de

desenvolvimento.

Neste estudo, chamamos a atenção para dois dados que foram evidenciados a

partir da classificação dos anormais:

• O método a ser adotado é o mesmo, em todos os estabelecimentos de ensino,

sendo eles destinados para os normais ou para os anormais, tendo este como

aparato o desenvolvimento das sensibilidades e dos sentidos;

• O Doutor Menezes Vieira de Mello (1917) concentrou seus esforços em prol de

uma proposta pedagógica direcionada aos anormais intelectuais. Foi de suma

importância evidenciar que a sua proposta pedagógica, a possibilidade de

classificação das diversas anomalias, permitiu a aplicação destas mesmas fichas

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150

nos institutos especializados para a verificação do grau de inteligência dos alunos,

além de propor a superação de um olhar assistencialista para um olhar pedagógico

e clínico dos infantes e, neste caso, dos cegos e dos surdos-mudos.

Nesta acepção, a análise do indivíduo por meio de fichas vai incorporando e

corporificando um novo papel à institucionalização infantil: a de julgar e a de classificar

não apenas o físico ou o sensorial do infante, mas o intelecto de cada criança, por meio

de um composto que englobaria três grandes áreas do saber:

1º - O método médico, que tem por fim apreciar os sinais anatômicos,

psicológicos e patológicos da inferioridade intelectual;

2º - O método pedagógico, que aprecia a inteligência consoante a soma

dos conhecimentos adquiridos;

3º - O método psicológico, que faz observações diretas e mede o grau

de inteligência. (MELLO, 1917, p. 22)

Associando métodos e uniformizando orientações e prescrições, a formação para

o trabalho seria indispensável para o desenvolvimento humano. Para tanto, assim como

aponta o Doutor Menezes Vieira de Mello (1917), o trabalho no interior das escolas

deveria romper com a visão assistencialista que até então se tinha dos anormais e voltar

este olhar ao acompanhamento médico e pedagógico do cotidiano destes “infelizes” por

meio da prática e da observação, retirando-lhes tudo o que for possível para

desenvolverem-se não apenas psiquicamente, mas para relacionarem-se com a sociedade,

com Deus e com o trabalho.

Deste modo, os exames assim eram compreendidos:

1. O exame físico tinha por finalidade analisar as medidas anatômicas referentes a

estatura, peso, envergadura, perímetro toráxico, além do desenvolvimento da atividade

motora. Este exame era idêntico às fichas sanitárias dos escolares normais, inclusive

registrando-se a origem da família, a quantidade de membros que residem num mesmo

espaço e as condições profissionais para compreender se a anormalidade pode estar ligada

ao espaço em que o educando vive e convive;

2. O exame dos órgãos sensitivos, sensoriais e motores, que tinham por finalidade analisar

o crescimento e desenvolvimento do indivíduo por meio dos sentidos especiais, que

podem ser entendidos como

[...] a sensibilidade tátil, a sensibilidade à dor e a térmica podem ser

embotadas; o sentido muscular atenuado, a visão insuficiente, por

defeito da apreciação de distância, forma e cor; a audição perturbada

quanto a intensidade do som, direção e distância; o paladar e o olfato,

se bem que mais difíceis de apreciar, são igualmente comprometidos,

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segundo se depreende da falta de discernimento na escolha dos

alimentos pelos anormais.

As perturbações da motilidade são inseparáveis das perturbações

sensoriais, de que depende a coordenação dos movimentos. (MELLO,

1917, p. 19)

3. O exame intelectual que compreendia analisar várias áreas do desenvolvimento

humano como a memória, a atenção, a imaginação, a inteligência, a linguagem oral, a

linguagem escrita, a vontade, a afetividade, o instinto de conservação da espécie e a

emotividade.

O exame intelectual estava sob a alçada do professor, que teria como atribuição

teórica e prática identificar as necessidades, desenvolver e cultivar as faculdades do

intelecto do anormal, por meio de uma postura afável, buscando desenvolver ao máximo

os níveis intelectuais de aprendizagem dos educandos.

Estes níveis também estavam associados à questão do histórico familiar de cada

indivíduo, ou seja, a qual classe social pertencia, o convívio familiar que mantinha com

o educando, a probabilidade de viver em situações de vulnerabilidade (contato com

doentes e viciados) ou insalubridade, as condições econômicas, as noções de higiene e,

até mesmo, as condições de acesso ao uso e consumo de alimentação adequados – todos

esses aspectos poderiam desencadear anomalias, porém não estavam enumerados na

ficha.

Em muitos casos, a má alimentação ou a desnutrição já eram apontados como

causas prováveis da anomalia, mas não eram previstas nas fichas. Segundo Viera de

Mello,

Deixei de incluir na referida carteira os dados referentes ao estado

social, aos hábitos, à criminalidade e às moléstias transmissíveis dos

pais do escolar, por ser um assunto delicado, que só interessa à

terapêutica e a criminologia, e a escola, com seus meios didáticos

especiais, pode prescindir deles para cultivar as faculdades intelectuais

retardadas do aluno afetado. (MELLO, 1917, p. 23)

A escola vai adquirindo forma e codificando saberes e práticas escolares de modo

que o resultado seja a pedagogização não apenas das relações, mas das questões que

permeiam o cotidiano e que adentram os muros da escola, tornando possível a

sistematização e a produção de efeitos de socialização duráveis que acarretam até os dias

atuais na diferença, na discriminação e no preconceito.

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152

O espaço educativo em paralelo ao desenvolvimento da ciência moderna,

possibilitou a intervenção controlada. Para BUENO (2011), a descoberta de agentes

nocivos à saúde aumentou as possibilidades de sobrevivência do homem. O espaço criado

para esta sobrevivência e até mesmo para a civilização destes anormais foi a escola,

veículo de formação de almas de educandos normais e anormais.

Será possível encontrar uma “norma” que aproveite as boas intenções de todos,

atendendo por enquanto às solicitações do ambiente e, ao mesmo tempo, incutindo nesse

ambiente os elementos de experiência, que lhe faltam, para a compreensão total da

pedagogia científica?

4.3. Consolidação de práticas por meio do método intuitivo

No campo educacional, o método intuitivo ou lições de coisas representou nos

primeiros anos da República o signo da modernidade, da inovação e do progresso. Por

meio da experimentação, a inteligência iria se desenvolver. De acordo com o Dr. Severino

de Sá Brito (1891):

Em quaesquer que sejam as circumstancias, os ensinamentos práticos

que elles ahi obtem são de real valor como meio de adquirir o

conhecimento da verdade das cousas pela experiencia, e de um valor

inestimável como disciplina do espirito pelo desenvolvimento que traz

ao senso pratico. Tal é a applicação do methodo esperimental na

infancia. Depois deste estado passivo do espirito de receber por

inducção as ideais que vem do exterior, elle assume uma posição activa

jogando com os factos que se offerecem á sua reflexão e analyse. As

faculdades superiores apossando-se dos dados adquiridos pela certe za

material da observação e experiencia, combina-os, apanha as relações

que têm de commum e tira as lições. Com esta disciplina para o espirito,

fortifica-se o raciocinio sempre consequente com a evidencia dos

factos. E é depois desta elaboração mental que a intelligencia fórma um

julgamento criterioso, o do bom senso. De facto, nada póde desenvolver

melhor o espirito pratico do que este constante contacto com os meios

que a natureza nos rodeia e com os elementos que estão ao alcance do

homem para delles tirar proveito, applicando ás condicções de sua

existencia ou para seus divertimentos e gozo (apud GONDRA, 2004, p.

375 e 376).

Para a educação dos cegos e dos surdos, a educação dos sentidos trabalhou,

sobretudo, a percepção. Para conhecer experimentalmente o processo perceptivo foi

necessário manipular o mundo, ou seja, os estímulos físicos, e medir a transformação que

esta manipulação provocou na percepção. Desse modo, para investigar

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experimentalmente a percepção, é preciso concebê-la numa dupla articulação: de um

lado, como um acontecimento fisiológico que se origina no e depende do corpo como seu

substrato fisiológico. De outro lado, é preciso considerá-la como um evento psicológico

que, em última instância, representa o mundo físico, objetivo, concebido mecanicamente

como extensão e movimento (Crary, 1990; Moraes, 2007).

Desenvolver tais habilidades implicou a adoção de diversos materiais que fizeram-

se presentes não apenas em práticas pedagógicas, mas na construção da história de duas

instituições-modelo para a educação dos deficientes sensoriais no Brasil e divulgação de

experiências na Europa.

4.3.1.Instituto Nacional dos Meninos Cegos

Sob o regime republicano, o Instituto teve alterada sua denominação pelo

decreto n. 9, de 21 de novembro de 1889, que suprimiu o ‘imperial’ de vários

estabelecimentos subordinados à Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e a

diferentes esferas administrativas, e passou a denominar-se Instituto dos Meninos Cegos.

O Instituto dos Meninos Cegos passou a ter novo Regulamento em 1890,

conferindo-lhe outra organização e estabelecendo novas finalidades como: instrução

primária; educação física, moral e cívica; a instrução secundária

De acordo com o Decreto nº408 de 17 de maio de 1890:

Art. 9º Toda a instrucção theorica e pratica-profissional dada no

Instituto, em virtude deste regulamento, se dividirá em dous cursos

principaes: - um de instrucção litteraria e um de instrucção pratica-

profissional.

Art. 10. O curso litterario subdividir-se-ha em dous: - primario e

secundario; e será feito em oito annos, sendo tres para o primario e cinco

para o secundario.

Art. 11. Dentro deste prazo nenhum alumno gratuito poderá ser retirado

do Instituto sem motivo justificado.

Art. 12. O curso primario comprehenderá as seguintes materias: -

conhecimento do alphabeto, signaes de pontuação e dos algarismos, no

systema de pontos (methodo de Luiz Braille); conhecimento dos

algarismos ordinarios em typos maiores; ler e escrever no systema de

pontos e em caracteres ordinarios; - arithmetica pratica até fracções

decimaes e systema metrico; - noções elementares da grammatica

portugueza; - lições de cousas limitadas ao conhecimento dos objectos

mais triviaes do uso domestico; e noções de historia natural.

Art. 13. O curso secundario comprehenderá as seguintes materias: -

linguas portugueza e franceza; noções de historia geral e especialmente

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da do Brazil; geographia physica e politica; arithmetica theorica e

pratica com todo o desenvolvimento; algebra até equações do 2º gráo;

geometria elementar plana e no espaço; noções de trigonometria;

noções de cosmographia e de mecanica pratica, applicada ás machinas,

apparelhos, e instrumentos usados nas diversas sciencias, artes, officios

e industrias de que possam utilisar-se os cegos; sciencias physicas;

historia natural; instrucção moral e civica e elementos de pedagogia

(BRASIL,1890).

Para atendimento ao Decreto, contando com o apoio do Ministro da Instrução

Pública, Correios e Telégrafos, é constituída uma Comissão científica, integrada por dois

professores cegos, Augusto José Ribeiro (1854-1912) e João Pinheiro de Carvalho (ex-

aluno do Instituto de Cegos de Paris), secretariada pelos funcionários Fernando Ferreira

Lemos (1866-1962), para ir à Europa com a finalidade de: visitar instituições de cegos;

conhecer os avanços técnicos e pedagógicos da educação dos cegos; adquirir material

especializado como livros, mapas, instrumentos de escrita e outros; comprar

equipamentos diversos, de interesse para o avanço técnico do Instituto, inclusive um

grande prelo Marioni para a Oficina Tipográfica (Cerqueira e Lemos, 2005).

No final deste mesmo ano, são concluídas as obras de construção da primeira etapa

(ala direita) do prédio de três pavimentos, projetado para sediar o Instituto, na Urca,

podendo abrigar até 200 alunos. A transferência se completa em 26 de fevereiro de 1891.

Trata-se de metade do projeto previsto, pelo qual o edifício ocuparia um retângulo com

um pátio central (Cerqueira e Lemos, 2005).

No entanto, Benjamin Constant, idealizador das novas instalações, faleceu em 24

de janeiro de 1891, um mês antes da inauguração do novo prédio. Em homenagem ao

diretor, o nome do estabelecimento foi alterado para Instituto Benjamin Constant (IBC).

Figura 14: Instituto Benjamin Constant

Fonte: Praia da Saudade, hoje Avenida Pasteur, 350, Zona Sul do Rio de Janeiro, 1891. Marc Ferrez.

Coleção Gilberto Ferrez. Acervo Instituto Moreira Salles. INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT 150

ANOS, 2005, p. 13.

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Mendes e Ferreira (1995, p. 71) afirmam “ter sido Benjamin Constant aquele que

definitivamente consolidou o Instituto como escola, devendo-lhe o prestígio de âmbito

nacional que viria a alcançar como primeiro educandário para cegos na América Latina”.

Os professores enviados à Europa, retornam em maio de 1891 e, atendendo ao

Decreto, trazem alguns dos materiais necessário para a implementação do currículo.

Para a aprendizagem dos sistemas de pontos em braile e dos algarismos ordinários

em tipos maiores (formato da letra de fôrma/ bastão), foram compradas a máquina

Remington e regletes de mesa43. Também foram comprados “assinadores”, um modelo

de régua para a escrita convencional da língua. Este instrumento proporciona as noções

de espaço e tamanho para a escrita. A principal função deste recurso previa a

aprendizagem da escrita do nome do aluno ou para a produção de pequenos textos.

Figura 15. Máquina Remington

Fonte: Museu do IBC. Foto da autora, 2017.

43 A reglete é um instrumento usado para escrita manual do Braille. A palavra reglete tem origem na palavra

francesa règle que significa régua. A reglete é composta basicamente por uma régua-guia, entre cujas partes,

inferior e superior, a folha é colocada, além de um punção, que corresponde a uma caneta, com o qual o

papel é pressionado. A parte superior da reglete contém uma série de janelinhas alinhadas e a parte inferior

os conjuntos de seis concavidades que correspondem aos pontos que formam o braille. Cada janela dessa

corresponde a um código em Braille (o código Braille é composto por até seis pontos alinhados em duas

colunas). A quantidade de janelas e de linhas varia conforme o modelo da reglete. A reglete de mesa é

composta por uma placa ou prancheta (chamada de mesa) e uma reglete (régua-guia) que conta com pinos

na parte inferior para que ela seja presa a prancheta. O papel é introduzido entre a parte inferior e superior

da régua, permitindo a marcação dos caracteres em relevo pressionando-se o papel com o punção (TECE,

2003, p. 2)

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Figura 16. Reglete de mesa e punção

Fonte: Museu do IBC. Foto da autora, 2017.

Figura 17. Assinador

Fonte: Museu do IBC. Foto da autora, 2017.

A disciplina de noções elementares da história natural deveria limitar-se apenas

ao conhecimento adquirido pelo tato dos diversos seres que constituem os chamados três

reinos da natureza. Foram adquiridos animais taxidermizados, como aves, mamíferos,

inclusive um pinguim.

No ensino secundário, o estudo da geografia física seria introduzida. Globos em

relevo foram comprados. A peça é de ferro, sendo muito pesada. Para manusear o objeto,

a sugestão mais adequada era deixá-lo sobre a mesa e o aluno deveria levantar-se para

perceber os limites territoriais, os extremos do globo e os oceanos.

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Figura 18. Globo em relevo

Fonte: Museu do IBC. Foto da autora, 2017.

O estudo da música seria obrigatório para todos os alunos, compreendendo as

seguintes matérias: notações musicais, leitura e escrita da música no sistema de pontos,

teorias elementares e solfejo, execução no piano, o orgam e harmonium, execução nos

instrumentos de sopro, corda e percussão (Regulamento do Instituto Benjamin Constant,

1890).

No curso pratico-profissional haveria o estudo completo de música vocal e

instrumental, inclusive o estudo de orgam e harmonium; arte tipográfica no sistema de

pontos e no sistema ordinário; arte de encadernação. Para as meninas, havia o trabalho

com agulhas. A ginástica apropriada aos cegos deveria ser ministrada para ambos os sexos

(Regulamento do Instituto Benjamin Constant, 1890).

O Regulamento assim definiu a formação prático-profissional:

Art. 21. Devendo este curso comprehender o ensino do maior numero

possivel de trabalhos, artes, industrias e officios que são ou venham a

ser de reconhecida utilidade para os cegos, e proprios a facilitar-lhes

recursos de que possam viver, ou, ao menos, ganhar uma parte, de sua

subsistencia, tornando-os assim uteis a si, ás suas familias e á sociedade,

deverá ser ampliado, creando-se officinas, em que se ensinem diversos

officios, taes como: - de torneiro, charuteiro, cigarreiro, empalhador,

colchoeiro, tapeceiro, todos os trabalhos de cordoaria, fabrico de

escovas de diversas especies, esteiras, tapetes, cestas, etc. etc., á medida

que esta instituição for adquirindo o desenvolvimento exigido pelos

seus fins humanitários (REGULAMENTO DO INSTITUTO

BENJAMIN CONSTANT, 1890).

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A função de ditante-copista (uma vaga) foi criada neste regulamento, com aulas

três vezes por semana com duração de três horas (Fulas, 2017):

O Regulamento de 1890 criou o cargo de ditante-copista para ser

ocupado por um profissional, com status de professor, cujas atribuições

eram, entre outras: ditar a alunos, repetidores e aspirantes ao magistério,

designados pelo diretor, obras impressas ou manuscritas em caracteres

comuns, para que eles as escrevessem em braille. Os trabalhos

transcritos destinavam-se à biblioteca do Instituto. Um ou mais

exemplares eram copiados e encaminhados à impressão tipográfica,

para posterior uso dos alunos e dos professores cegos. Cabia, também,

ao ditante-copista corrigir os erros cometidos pelos alunos e auxiliar,

como revisor, em todos os trabalhos da tipografia, sempre que

determinado pela Direção (CERQUEIRA, PINHEIRO & FERREIRA,

2009, p. 5)

Em 1893, foi criado por um grupo de professores cegos e ex-alunos do Instituto,

o Grêmio Comemorativo Beneficente Dezessete de Setembro, cujos objetivos eram:

comemorar solenemente o dia 17 de setembro de 1854, data da instalação do Instituto

Benjamin Constant, promover a propagação da instrução e consequente redenção dos

cegos e auxiliar os ex-alunos que ainda não tenham encontrado a oportunidade de um

emprego. Posteriormente (1899), a entidade se transforma em Associação Protetora dos

Cegos Dezessete de Setembro (Cerqueira e Lemos, 2005).

Porém, a publicação do relatório Noticia histórica dos serviços, instituições e

estabelecimentos pertencentes a esta repartição, elaborada por ordem do respectivo

Ministério da Justiça e Negocios Interiores, do Doutor Amaro Cavalcanti (1898), revelou

que a maioria dos alunos que se formavam no Instituto, permaneciam como residentes,

caracterizando o estabelecimento não apenas como uma escola, mas como um asilo:

Um grande numero de afinadores de pianos, notando-se que a arte de

afinação é uma especialidade em que os cegos chegam a exceder em

pericia os videntes, porque nella predomina o sentido da audição, um

grande numero de organistas, de professores de piano, e mesmo de

sciencias e lettras, poderia ter o Instituto fornecido, influindo por essa

fórma poderosamente sobre a população céga do paiz, a qual

naturalmente seria attrahida, e não se conservaria retida no seio das

famílias, quando não entregue á mendicidade; mas, em vez disso, tem

infelizmente predominado a idéa de proteger como simples asylo,

tornando o Instituto o unico objectivo das aspirações dos cegos.

Este objectivo não é um mal; mas, quando o Instituto houver de asylar

ou amparar cégos que tenham concluído seus estudos, deverá fazel-o

em secções apartadas (CAVALCANTI, 1898, p. 6).

O relatório de Cavalcanti também apontou o número de alunos que formaram-

se desde o período de fundação do Instituto. Num total de 32 alunos, sendo 10 do sexo

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feminino e 22 do sexo masculino, assim descritos: do sexo feminino - Leopoldina Maria

da Conceição, Maria Antonia da Conceição Silva, Elisa Pinto de Miranda, Laudelina

Joaquina da Silva, Thereza Maria de Souza, Etelvina Fragoso, Elvira Theolinda dos

Anjos, Maria das Dôres de Castro, Carlota Rodrigues da Costa e Justina Rosa da Silva;

do sexo masculino – Carlos Henrique Soares, José Soares Pinto de Cerqueira, Firmino

Rodrigues de Oliveira, Possidonio de Mattos, Antonio Lisbôa Fagundes da Silva, Ignacio

dos Passos Ferreira, Felismindo Nogueira da Costa, Mariano Francisco da Silva, Augusto

José Ribeiro, Sebastião Gomes de Carvalho, Honorio Corrêa Lima, Frederico Meyer,

Mamede Henrique Torres, Antonio Francisco dos Santos, Francisco Gurgulino de Souza,

Antonio Ferreira do Rego, Henrique Alberto da Rocha, Francisco de Paula Souza, Cesario

Christino da Silva Lima, Manoel Bento de Souza, Mauro Montagna e Antonio Fernandes

da Silva.

Os próximos anos de funcionamento do Instituto foram marcados pela compra

de materiais como a máquina de estereotipia braile, a Stereotype-Maker, de fabricação

norte-americana, para impressão em chapas de metal, apresentação da banda do IBC em

diversos eventos da própria instituição, compra de instrumentos musicais como o piano

Pleyel de calda para concertos, popularização de métodos por meio da apresentação de

relatórios em Congressos e Exposições, criação dos cargos de médico oftalmologista e

leitor e abertura de outros estabelecimentos educacionais para a educação dos cegos,

como a Escola Profissional e Asilo para cegos adultos em Botafogo (1907) sob a direção

do professor cego Mauro Montagna e o Instituto de Cegos de Pernambuco (1909),

fundado pelo professor e ex-aluno do IBC Antonio Pessoa de Queiroz (Cerqueira e

Lemos, 2005).

Um novo regulamento para o Instituto é publicado em 1911. O decreto nº 9.026,

não alterava significativamente o regulamento de 1900, mas trazia como novidades para

o Instituto o ensino da música teórica, vocal e instrumental e o ensino das artes e dos

ofícios que estivessem ao alcance e utilidade do alunado. As lições de coisas por meio da

ação dos sentidos permaneciam no currículo e deveriam ser assim desenvolvidos:

Note-se, de passagem, que não é a vista, sinão o tato, que distingue o

homem de outros animais.

Sem desprezar as sensações elementares que nos veem ao cérebro

através do olfato e do paladar, passo a estudar o sentido da audição.

É inegável a ação preponderante do ouvido na formação mental da

creança cega ou vidente. A linguagem se forma das impressões

auditivas. A conversação não existiria sem o ouvido. Ouvindo, aprende-

se muito mais do que vendo. O ouvido é mais intelectual do que a vista,

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porque a audição leva idéas ao cérebro, e os olhos levam imagens

(MACHADO FILHO, 1913, p. 26 e 27).

O período de 1911 a 1920 foi marcado pela criação de uma cadeira de inglês e

pela atuação da senhora Maria Jacobina Rabello (Maroquinha Rabello). Ministrava

voluntariamente aulas de literatura aos alunos e trazia ao Instituto poetas, dramaturgos,

intelectuais e músicos; além de produzir peças teatrais com os alunos, realizando

apresentações públicas (Cerqueira e Lemos, 2005).

Em 1920 foi criada no Rio de Janeiro, a Liga de Proteção aos Cegos no Brasil.

Hoje extinta, a Liga constituiu-se, durante mais de quarenta anos, no maior centro

industrial no fabrico de vassouras, escovas e espanadores (Cerqueira e Lemos, 2005).

A partir do 1920, a construção de materiais pedagógicos no interior do Instituto

passou a ser uma prática adotada. Sob responsabilidade do professor de geografia, Mauro

Montagna, cego, foram criados mapas para exposições e uma mapoteca para a guarda de

mapas e de formas geométricas em relevo. Atualmente, os materiais destinados à

disciplina de geografia estão localizados na sala de maquetes do Instituto44, inaugurada

em 2009.

De acordo com Cerqueira e Lemos (2005, p. 97):

O professor de geografia Mauro Montagna, cego, apresenta na

Exposição Internacional Comemorativa do Centenário da

Independência do Brasil seu MAPA ANIMADO DA AMÉRICA DO

SUL. Confeccionado sob sua direção, com a colaboração de um

escultor e de um eletricista, foi executado em 75 dias. Esculpido em um

pranchão de madeira “Imbuya do Paraná”, mede 4 metros de

comprimento por 3 metros de largura, pesando 2.240 kilos. Estão

representados os oceanos, Atlântico e Pacífico, com diversas correntes

marinhas, 93 rios com água corrente, 26 vulcões com lampejos rubros

e fumaça, na Cordilheira dos Andes, 22 faróis com projeções luminosas

em cores alternadas ao longo do litoral. Mereceu o Diploma de Honra

conferido pelo Júri Internacional de Recompensas (Classes 106, 107).

Exposto no Museu Nacional, posteriormente, hoje, reduzido e sem

animação, se encontra implantado na parede do corredor da ala frontal

esquerda do prédio do Instituto.

44 A sala de maquetes faz parte do projeto do primeiro museu adaptado para portadores de deficiência visual

da América Latina, promovendo o acesso dos deficientes visuais à cultura e constituir um espaço de

integração de toda a sociedade. Somente na Espanha há um museu com as mesmas características. No IBC,

o 3º piso está reservado para a implantação deste museu, que terá cinco núcleos: Sala Nossa História, Sala

de Maquetes, Exposição de Objetos Tiflotécnicos, Sala de Exposições e Capela Santa Luzia. Os corredores

de acesso abrigarão exposições de fotografias antigas. Em 2009, foram inauguradas a primeira parte do

Projeto: a sala de maquetes e a sala de exposições. Disponível em:

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8359&catid=202 (Acesso em

20/12/2017).

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Figura 19. Réplica do mapa animado da América do Sul

Fonte: Sala de maquetes do IBC, Foto da autora, 2017.

A mapoteca, feita de madeira, pode ser assim descrita:

Descrição técnica MAPOTECA COM MAPAS EM RELEVO.

Madeira com duas séries de gavetas de duas profundidades, total de 246

gavetas com puxadores de metal acondicionando 221 mapas de madeira

esculpida em relevo da América do Sul, do Brasil e dos estados

brasileiros. Os mapas esculpidos em relevo são acondicionados em

sistema de encaixe nas gavetas cuja frente tem em geral a identificação

do conteúdo e número gravados na madeira, com o nome do estado ou

território, por exemplo, e a antiga numeração: “E D Goiás SE1116”, “E

D Spto Santo SE1161”, “T D Acre SE1093”; há também etiquetas em

braille coladas que à primeira vista parecem fazer parte do móvel. A

própria mapoteca tem o antigo número de registro gravado: “SE130”

(frente à direita do móvel). Faz parte do conjunto um mapa avulso da

baía de Guanabara com bordas espiraladas (150 x 104)cm. Design

Mauro Montagna, déc.1930 [CERQUEIRA, 2009]. A madeira é

encerada em todo o móvel, salvo na frente das gavetas com inscrições,

que receberam demão de verniz de proteção em vista do manuseio

frequente na época e as etiquetas em braille sob o verniz ficaram no tom

da madeira; as demais gavetas são enceradas. A mapoteca e os mapas

estavam sendo restaurados em 2009 e o restaurador foi orientado a

manter etiquetas em braille e o registro da diferenciação no tratamento

da madeira. Faltavam alguns puxadores de metal. Localização em

mar.2009: sala em fase de adaptação para exposições temporárias

(prédio principal, 3° piso). Numeração MEC-IBC: 02938 (no mapa

avulso) (RODRIGUES, GRANATO E THIESEN, 2015, p. 15)

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Figura 20. Mapoteca

Fonte: Sala de maquetes do IBC, Foto da autora, 2017.

Pode-se perceber também que os mapas que compõem esta coleção foram

produzidos em etapas e em tempos distintos. O mapa do Rio Grande do Sul, por exemplo

é feito de um material “cracolado”, ou seja, uma técnica que recorre ao uso de outros

materiais, propiciando a formação de um solo distinto do mapa do Estado da Bahia,

composto basicamente de madeira e ferro. Já o quadro referente às formas geométricas

utilizou apenas de linhas metálicas e de madeira para a sua confecção.

Figura 21. Dimensão da mapoteca

Figura 22. Mapa do Estado do Rio

Grande do Sul

Fonte: Sala de maquetes do IBC, Foto da

autora, 2017.

Fonte: Sala de maquetes do IBC, Foto

da autora, 2017.

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Figura 23. Mapa do Estado da Bahia

Figura 24. Formas geométricas

Fonte: Sala de maquetes do IBC, Foto da

autora, 2017. Fonte: Sala de maquetes do IBC, Foto da

autora, 2017.

Outro material utilizado no Instituto foram as chapas metálicas para facilitar o

manuseio das peças do cubaritmo. O cubaritmo, material composto por quadradinhos, em

que suas faces contém algarismos em braile, permitindo aos cegos realizar operações

aritméticas.

Figura 25. Chapa metálica para uso do cubaritmo

Fonte: Museu do IBC, Foto da autora, 2017.

A década de 1920 foi marcada, sobretudo, pela produção de materiais didáticos

no interior do Instituto e pela expansão de unidades de atendimento aos cegos, como a

fundação da União dos Cegos do Brasil pelo professor Mamede Francisco Freire (1925),

do Instituto São Rafael, em Minas Gerais (1926), da Associação Promotora de Instrução

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e Trabalho para os Cegos em São Paulo (1927) e do Instituto de Cegos Padre Chico em

São Paulo (1929) (Cerqueira e Lemos, 2005).

A fundação destas associações e destes institutos seguiam o mesmo modelo do

IBC: desenvolviam atividades que previam o ensino profissional, intelectual e musical.

4.3.2. Instituto Nacional dos Surdos-Mudos

Os primeiros anos da República no interior do Instituto foram marcados pelo

embate entre a linguagem articulada e a linguagem de sinais. No período de 1889 a 1898,

a cadeira de linguagem articulada foi extinta devido a proposta do ensino ser apenas oral.

Em agosto de 1896, Dr. Tobias vem a falecer e o professor Joaquim Borges

Carneiro passa a assumir interinamente a direção do instituto até fevereiro de 1897.

Mesmo com uma breve passagem pela direção do Instituto, conseguiu revogar a cadeira

de linguagem articulada. De acordo com o relatório de Cavalcanti (1898, p. 7):

Convencido de que todos os surdos-mudos podem adquirir a palavra

articulada, com excepção apenas daquelles em que a surdo-mudez é

symptomatica de lesões cerebraes ou bulbares que tenham

compromettido a integridade da intelligencia ou a dos centros motores

encephalicos, o seu primeiro cuidado foi restabelecer a cadeira de

linguagem articulada e leitura sobre os labios, a qual deixára de

funcionar desde 1889.

A retomada da disciplina de Linguagem articulada reabria também a discussão

recorrente desta área cujos primeiros protagonistas foram o Abade L’Eppe e o pastor

Samuel Heinecke. De acordo com Rocha (2008, p. 49):

Essa discussão revelava uma alternância nos programas desenvolvidos

pelo Instituto. As visões eram bastante distintas. Em uma, a disciplina

de Linguagem Articulada era defendida para todos, fundamental na

percepção de que as pessoas surdas podem viver naturalmente em

sociedade se a escola desenvolver todas as suas potencialidades,

inclusive a de falar. Em outra, a defesa por uma profissão e alguma

escrita para a comunicação básica refletia a ideia de meio-cidadão.

O embate entre as duas propostas de ensino eram característicos em diversos

países. O Dr. João Paulo de Carvalho, o próximo diretor do Instituto, esteve no Congresso

de Paris em 1900 e pode averiguar este entrave:

Um grande princípio domina todos os métodos: é a educação oral. Nós

queremos que nossos irmãos surdos-mudos sejam iguais a nós em

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inteligência, em saber, e na expressão de suas ideias. A fala somente

pode suprimir todas as barreiras e dar acesso a carreiras onde a perda

de audição não é um obstáculo absoluto. Mas o método oralista não foi

aplicado senão depois de vinte anos, e contamos muitas gerações de

surdos-mudos durante as quais a educação foi realizada pela escrita, e

que se exprimem por mímica e datilologia. Os que são desta época bem

longínqua formam uma família que tende a se isolar do mundo dos que

falam. Juntam-se a eles aquelas cuja oralização é defeituosa, e ninguém

duvida do retardo que carregam na realização dos progressos sociais

que aspiramos para eles (Discurso de LACHARRIÈRRE no Congresso

Internacional para estudo das questões de educação e assistência de

Surdos Mudos, 1900 [2013], p. 10)

Não nos pedimos senão uma coisa: que a nossa língua natural, a

linguagem dos sinais, não seja sacrificada pela linguagem articulada:

Eu sou pássaro,

Vede minhas asas,

Não as corteis!

Mãos a obra! Discutamos livremente em nossa alma e consciência!

(Discurso de DUSUZEAU no Congresso Internacional para estudo das

questões de educação e assistência de Surdos Mudos, 1900 [2013], p.

12)

Porém, o método adotado no Instituto dos Surdos-Mudos no Brasil foi o oral.

Após o Congresso, foi assinado o Decreto nº 3964, em março de 1901. Por meio dele, foi

mantido o plano de estudos estabelecido no regulamento de 1873 que preconizava o

ensino da Linguagem Articulada e da leitura sobre os lábios aos que tivessem aptidão.

Também foi criada mais uma vaga para professor repetidor, quatro no total, e ampliada a

entrada de alunos internos gratuitos, trinta e cinco ao todo. No mesmo ano, foi instituída

a oficina tipográfica cuja qualidade dos serviços era responsável pela grande procura de

entidades públicas e privadas para imprimir suas publicações (Rocha, 2008).

O Decreto de 1901, também seguiu as discussões do Congresso de 1900,

distinguindo o ensino conforme o grau de inteligência e de habilidade de cada aluno:

O ensino dos surdos-mudos, deveria comportar três categorias de

estabelecimentos: Para os inferiores, o ensino agrícola, não quero dizer

que a ciência agrícola possa passar sem uma mente aberta, mas a cultura

da terra permite a utilização dos braços; Para os de inteligência média,

os estudos profissionais tais como os que oferecemos hoje; Para as

inteligências dotadas, o ensino secundário (Discurso de

LACHARRIÈRRE no Congresso Internacional para estudo das

questões de educação e assistência de Surdos Mudos, 1900 [2013], p.

12).

Para a aplicação de todas estas atividades, o método que guiaria todas as

atividades propostas seria o intuitivo. Desde 1873, o método esteve alinhados às diversas

questões do campo da linguagem. Para ilustrar, durante a gestão de João Paulo Carvalho

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(1897-1903), o método adotado deveria ser oral. Na gestão do Doutor João Brasil Silvado

(1903-1907), o método adotado foi o combinado (linguagem de sinais e linguagem

articulada). Já na gestão do Doutor Custódio Ferreira (1907-1930), o método oral puro

passou a configurar a prática de todas as disciplinas.

A partir da análise dos diários de classe do período, pode-se perceber que as

turmas eram compostas por pouquíssimos alunos e cada pequeno grupo de alunos

aprendia um conteúdo distinto. Após o conteúdo aprendido, o mesmo era refeito pelo

repetidor, responsável pelo treino da linguagem oral. Porém, o conteúdo “Lição de coisas”

fez-se presente até a década de 1930, conforme ilustrado abaixo:

Figura 26. Diário de classe de 1913 da disciplina de Linguagem Articulada e Leitura

sobre os Lábios

Fonte: Arquivo do INES. Foto da autora, 2015.

O ensino profissional também marcou presença por meio das oficinas de

encadernação, que ofereciam aos surdos a oportunidade de aprenderem uma profissão na

gráfica. Nas primeiras décadas da república o trabalho realizado na gráfica, pelos surdos,

foi referência no Rio de Janeiro. Também nesta época a gráfica recebia encomendas de

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encadernação de quase todas as instituições públicas e particulares (PINHEIRO, 2013, p.

47).

Figura 27. Carimbo do departamento de encadernação do Instituto dos Surdos-Mudos

Fonte: PINHEIRO, 2013, p. 47

A gestão do Doutor Custódio Ferreira ficou marcada pela reconstrução e

ampliação do prédio na rua das Laranjeiras. Uma das razões para a reforma era a criação

da seção feminina, uma vez que as meninas vinham assistindo, escondidas, algumas aulas

no próprio instituto. Com a ampliação do estabelecimento, a sede do instituto serviu para

o funcionamento de diversas repartições federais, como a Comissão Rondon – que

proporcionou uma curiosa convivência entre surdos e indígenas –, o Juízo de Menores, a

Polícia de Focos do 1º Districto, a Inspetoria de Fronteiras e a Escola Nacional de

Educação Física de Desportos, que se apropriou do moderno ginásio esportivo que havia

sido construído para os surdos (Fulas, 2017).

Em 1926, a publicação da tese do Doutor Arnaldo de Oliveira Bacellar, pela

Faculdade de Medicina de São Paulo intitulada A surdo-mudez no Brasil, tratava sobre

diversos temas como: breve histórico sobre a questão da surdez e do surdo, etiologia,

anátomo-patologia, prevenção, legislação e, por fim, comentários sobre as instituições

brasileiras que atendem surdos. No item referente ao Instituto, Doutor Bacellar fez

pesadas críticas sobre a gestão do Dr. Custódio:

Visitamos este Instituto em Setembro passado, e, francamente, enorme

foi a nossa desilusão.

O Instituto propriamente funciona sómente na ala esquerda do prédio,

sendo a outra occupada por diversas repartições federaes.

Desde a entrada, nota-se em todos os cantos a falta de uma

administração energica e efficiente como requer um Instituto desta

natureza. Falta ordem, falta asseio, falta disciplina, falta tudo...

Alumnos maltrapilhos e descalços, recebendo instrucção péssima, não

por falta de professores ou incompetencia deles, muito pelo contrario,

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mas por falta absoluta de material escolar – não ha papel, nem lápis,

nem livros; a biblioteca e o museu aos poucos foram se dissolvendo,

pouco restando delles actualmente. Vai á aula o alumno que quer ir,

porquanto não ha quem o obrigue a isso.

Quanto a methodos de ensino, não existem, porquanto,

verdadeiramente, não existe ensino.

Não ha seleção de alunos – encontramos lá, desde o surdo mudo

verdadeiro, até o perfeito idiota. Numa das classes, tivemos occasião de

ver um rapaz, atrasado mental, que ouvia e fallava perfeitamente, e que,

pelo convivio com os surdos mudos, estava tomando os hábitos e os

gestos delles.

No estado em que está, o Instituto Nacional de Surdos-Mudos

representa o typo mais acabado de Instituto de “fachada”, estando

transformando em um máo e decadente asylo para aquelles infelizes

(BACELLAR, 1926, p. 101 e 102).

Porém, o que pode-se evidenciar, por piores as condições apresentadas pelo

Doutor Bacellar (1926) é que no instituto a educação dos surdos existia, embora fossem

aplicados os conteúdos somente para aqueles que conseguissem aprender. As salas eram

equipadas de acordo com o que o método propunha: quadros parietais e armários das

lições de coisas (Museu escolar).

Ampliando a imagem abaixo, pode-se perceber que o quadro parietal localizado à

esquerda, as figuras expostas referem-se a fauna e a flora brasileira, com enfoque na

diversidade. O quadro ao lado é de frases com emprego do verbo no imperativo. A

fotografia, mesmo que “produzida” para ser publicada, também nos apresenta outro dado:

a diversidade de faixa etária na classe e a presença do professor e do repetidor.

Figura 28. Aula da disciplina de linguagem articulada

Fonte: Sala de aula do professor João Brasil Silvado Junior, INES, 1930.

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O próximo registro aponta uma aula de datilografia, a qual os alunos deveriam

digitar a imagem projetada. De acordo com o caderno de um dos alunos do período, a

atividade previa que o aluno digitasse o texto, o professor corrigiria os erros ortográficos

e o aluno redigitava ou reescrevia o texto manualmente. Ao fundo da sala, também

podemos perceber o uso da obra A palavra e a imagem (1874), como já citado, uma

coleção de gravuras que assumia uma dupla função: uso do livro para aprendizagem

individual ou uso coletivo na classe como um quadro parietal.

Figura 29. Aula de datilografia do professor Geraldo Cavalcanti (Década de 30)

Fonte: Sala de aula do professor João Brasil Silvado Junior, INES, 1930.

A figura acima também nos permite compreender as mudanças de ideias que

passam a configurar em novos modelos pedagógicos. Segundo Cecília Meireles:

O mundo inteiro se vem interessando pelo cinema educativo. Todos

sabem que o cinema é um fator importantíssimo nas realizações da

Escola Nova. O interesse pelas películas, a apresentação rápida dos

assuntos, a facilidade de aprender vendo, todas as qualidades de

sedução e de persuasão que caracterizam a projeção cinematográfica

não podiam deixar de ser bem aproveitadas pelos educadores para

completarem suas aulas, para deleitarem seus alunos, e para lhes

oferecerem horizontes novos em todos os assuntos, permitindo-lhes

uma vastidão de cultura mais rápida de adquirir em quadros completos

que nas letras numerosas e nem sempre vívidas dos livros (DIÁRIO DE

NOTÍCIAS, Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1931).

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Deste modo, podemos perceber que as atividades do Instituto de Surdos-Mudos,

durante os primeiros anos da República, atendia ao básico previsto nas legislações. A

grandiosidade do seu prédio não representava o que era de fato proposto e veiculado.

Segundo o censo de 1920, a capital (Rio de Janeiro) possuía um total de 1.240 surdos.

Até 1930, o Instituto teve em média, 120 alunos e destes, poucos estavam matriculados

nos diários de classe e os demais, formados ou não, permaneciam residentes no

estabelecimento. Não é toa que os visitantes se assustassem ao ver a situação - a

instituição assumia três características: asilo, escola e residência.

4.4. Brasil: modelo para a metrópole?

As Exposições e os Congressos Nacionais e Internacionais propiciaram o

vislumbre, o desejo e o fetiche para a inserção de novas técnicas e de novas mercadorias

que se tornaram sinônimos de progresso e de ciência (Kuhlmann Júnior, 1996). Além dos

grandes “espetáculos” referendados nestes eventos, que propiciaram a circulação e a

apropriação de conhecimentos, as viagens de alguns educadores influenciaram não

apenas a inserção de metodologias estrangeiras no Brasil, mas, as experiências brasileiras

também fizeram-se presentes no continente europeu.

Uma destas viajantes foi a educadora do Instituto Imperial de Meninos Cegos,

Adéle Marie Louise Sigaud. A educadora, que sempre manteve contato com o Instituto

de Cegos de Paris, partiu para terras europeias em 1885. Seu primeiro destino foi Portugal,

onde se encontrou com outro educador francês, o cego Léon Jamet, organista na Igreja de

São Luís dos Franceses e ex-aluno do Instituto de Cegos de Paris (Amado, 2007).

Neste período, conheceram José Cândido Branco Rodrigues (1861-1926), um

jovem nascido no seio de uma família da alta burguesia lisboeta, que, ao ver seu avô

perder a visão, passou a dedicar-se à causa da educação e da assistência aos cegos de

Portugal, tornando-se o pioneiro no estabelecimento de condições que tornassem

possíveis a escolarização, a preparação profissional e intelectual dos deficientes visuais e

a sua progressiva inclusão social.

Para tal empreitada, no período de 1885 a 1888, Branco Rodrigues, como assim

passou a ser conhecido, aprofundou seus conhecimentos sobre a cegueira e os respectivos

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métodos de ensino empregados tanto no Brasil quanto na França com o apoio de Adéle e

Léon.

Com o apoio destes e do governo português, fundou em 1888 a Associação

Promotora do Ensino dos Cegos ensinando alguns alunos o braille. Entusiasmado com os

progressos de seus alunos, nos anos seguintes, passou a buscar outras instituições na

Europa e em Portugal que desenvolvessem tal trabalho educacional.

Em 1894, conheceu o Asilo de Cegos de Castelo de Vide45, uma instituição de

cunho particular que promovia o acolhimento e a educação deste público. Branco

Rodrigues vislumbrou neste local um potencial de implementação e divulgação de

métodos inovadores de ensino que aprendera durante suas viagens.

Contando com a parceria de Antonio José Repenicado, um dos diretores do

Asilo, passaram a repensar acerca das novas práticas assistenciais e educativas que

deveriam estruturar-se em três dimensões: intelectual, musical e industrial (sendo que a

intelectual cultiva a inteligência, a musical cultiva um meio de existência e também de

distração social e a industrial sendo um meio de vida) (Almeida e Henriques, 2017).

As mudanças centraram-se na implementação de um currículo que seguiu os

moldes brasileiros e franceses, baseado nas disciplinas de francês, geografia, história,

português, matemática e música; na diminuição da faixa etária para admissão na

instituição (a partir dos 6 anos) e na criação de oficinas profissionalizantes.

Sob este prisma, a educação da infância assumiu os patamares da modernidade,

por meio de vários enquadramentos institucionais, entre eles: a perspectiva

assistencialista (o cuidar), a perspectiva educativa (o educar) e a perspectiva industrial

(formação para o trabalho), estes que viabilizaram e alicerçaram a educação dos infantes

“anormais” e “desvalidos” (Fernandes, 2006).

Para garantir a “modernidade” neste espaço, divulgar tanto o trabalho do asilo

quanto das experiências educacionais das quais manteve contato e manter as oficinas

45 O Asilo de Cegos de Castelo de Vide, localizado na região alentejana de Portugal, foi instituído em 20

de julho de 1863 por João Diogo Juzarte de Sequeira Sameiro e por sua esposa D. Helena Isabel de Barros

Castel Branco Juzarte de Sequeira e Sameiro, um asilo de cunho privado, para manter cegos de ambos os

sexos em Castelo de Vide (Portugal). Esta instituição foi criada tendo como finalidade dar assistência,

primeiramente, aos membros da família Sameiro, que sofriam com o problema da cegueira e depois suas

portas foram abertas ao público invisual e desvalido. Para a manutenção do estabelecimento, contavam com

o pagamento de pensões e doações para os menos favorecidos. Atualmente, funciona como um asilo para

idosos e seu nome foi modificado para Fundação Nossa Senhora da Esperança em 1987.

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profissionalizantes instaladas no interior do asilo, Branco Rodrigues fundou o Jornal dos

Cegos.

O Jornal dos Cegos, uma revista de tiflologia, educação, ensino intelectual e

profissional dos cegos foi editada em Lisboa, no período de Novembro de 1895 a 1920,

num total de vinte e três volumes. O valor da venda dos jornais seria repassado às Oficinas

Branco Rodrigues e, posteriormente, às escolas de cegos de Lisboa e do Porto.

O Jornal dos Cegos veiculou experiências de diversos institutos estrangeiros e

alguns destes foram exemplificados com publicações como a Instituion Nationale des

Jeunes Aveugles (Paris), Asylo de rapazes entrevados e pobres de São João de Deus

(Paris), Escola Braille em Saint-Mandé (arredores de Paris), Instituto das irmãs cegas de

São Paulo (Paris), Real Colegio Normal e Academia de Música para os cegos (Londres).

Também foram divulgadas as oficinas profissionalizantes para meninos e meninas, as

aulas de música, ensino religioso e ginástica, o uso do braile, a imprensa braile, os

recursos pedagógicos empregados como mapas zoológicos, cubaritmo, método e

materiais de Fröebel, além da publicação de correspondências das quais Branco

Rodrigues estabeleceu contato (Alemanha, Australia, Aústria, Bélgica, Brasil, Canadá,

China, Dinamarca, Egito, Espanha, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha: Escócia,

Inglaterra e Irlanda, Holanda, Itália, Japão, México, Noruega, Rússia, Suécia e Suíça) e

dos trabalhos desenvolvidos no próprio Asilo.

Uma das personagens com qual Branco Rodrigues continuou mantendo contato

foi Adéle, a qual parabenizava-o pelos trabalhos desenvolvidos:

Meu Senhor - Seu artigo publicado ontem no Seculo tem vivamente a

prova o quão perseverante e generoso a sua causa em prol do sucesso e

da regeneração em favor dos cegos. Eu, como a sub-diretora da Escola

de Pedrouços, venhos expressar os mesmos sentimentos ao homem de

coração, que entende a utilidade de um trabalho tão humano e

simpatizante. Por favor, senhor, confie e confie na minha grande

consideração (JORNAL DOS CEGOS, nº 02, dezembro de 1895)46.

Em conformidade aos programas das instituições européias e do Brasil, o

método adotado no Asilo de cegos de Castelo de Vide atendeu ao seguinte currículo: a

leitura e a escrita em pontos salientes, segundo o sistema braile, a ortografia,o cálculo, o

46 A carta foi publicada em francês no Jornal dos Cegos. No original: Monsier – Votre article paru hier dans

le Seculo m’a vivementeému et me prouve combien vous êtes persévérent et généreux dansla poursite de l’

auvre régénération en faveur des aveugles. J’ai charge la sous-directive de l’École de Pedrouços d’ exprimer

mês sentiments à l’homme de coeur, qui comprend si bien l’utilité d’une aeuvre aussi humanitaire que

sympathique. Veuillez, Monsieur, m’ accorder votre confiance et croire à ma haute considerátion

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estudo pelo tato dos objetos usuais, as lições de coisas, a geografia, por meio de mapas

em relevo e globos especiais, fabricados na própria escola, as narrações mais importantes

da história nacional, a biografia dos grandes homens, os exercícios de recitação, as

explicações das palavras, a música. Aos 13 anos e depois de um exame de disciplinas que

aprenderam, os alunos entram para a oficina (Jornal dos Cegos, nº3 de janeiro de 1896).

O método intuitivo era o mais adequado, pois

Os nomes das acções familiares são depressa conhecidas pela sua

significação; para os nomes dos objectos, é necessário recorrer ás lições

de cousas; é apalpando os objetos que se substitue a observação visual.

O tacto dá-lhes a idéa da extensão, da grandeza, da espessura, do que é

áspero, do que é polido, do que é macio, do que é duro, e de todas as

fórmas geometricas; o relevo das fórmas humanas e das obras de arte

póde dar-lhe o sentimento do bello.

Mas é especialmente o sentido do ouvido que abre aos cegos horisontes

immensos, sobre as paixões da alma.

Distinguem, pelas modulações da voz das pessoas com quem fallam, os

sentimentos que as animam; a benevolencia, a bondade, a ternura, todos

os graus do contentamento e da tristeza, da alegria e do soffrimento, da

felicidade e do infortunio.

A musica não é uma arte de recreio para os cegos: é um poderoso meio

de educação moral (JORNAL DOS CEGOS, nº 06, Abril de 1896).

Um estudo que norteou as práticas do Asilo foi a obra Os cegos pelo cego M.

De la Sizeranne, publicados no Jornal dos cegos no período de 1896 a 1898. A obra

compreendia assuntos como: a psicologia do cego, a educação dos sentidos, a

aprendizagem por meio da natureza, a igualdade de comportamento entre os cegos e os

videntes, a comparação de aprendizagem entre o cego e o surdo, a educação física e moral,

o uso do sistema braile e a importância do conhecimento intelectual.

É verdade que o cego de nascença ficará privado de certas noções que

só os olhos podem dar, mas exagera-se muitas vezes o numero e a

impotancia d’essas noções. Em primeiro logar ha relativamente poucos

cegos de nascença, e alem d’isso não julgo temerario sustenta que,

philosophicamente, o sentido da vista não tem a prepoderancia que se

lhe tem attribuido á priori. O ouvido e o tacto ministram mais

conhecimentos, e especialmente mais conhecimentos precisos, do que

a vista, que engana muitas vezes e que necessita constantemente de ser

auxiliado pelo tacto, essa vista de perto. O ouvido põe o homem em

commnunicação directa com os seus similhantes, por consequencia

com o mundo moral e intellectual; o tacto, o gosto e ainda o ouvido é

que o põe em relação com o mundo physico. Que lhe falta então, e o

que é que a vista ajunta aos conhecimentos intellectuaes? (JORNAL

DOS CEGOS, nº17, Março de 1897, p. 135 e 136).

Para o desenvolvimento dos conhecimentos intelectuais, associado ao método,

foram utilizados os seguintes recursos de aprendizagem que visavam a lição de coisas:

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4.4.1. Ensino da escrita e leitura em braile e escrita comum

Para o desenvolvimento da escrita e da leitura, o sistema adotado foi a

aprendizagem do braile por meio do uso de placas, regletes e da punção.

Figura 30. Placas de mesa Figura 31. Reglete e punção

Fonte: Fundação Nossa Senhora da Esperança. Foto da autora, 2017.

Porém o sistema braile sofreu uma alteração em sua aplicabilidade. Segundo

Branco Rodrigues, foi associado o método estenographico ao braile, este que era uma

breviatura do sistema braile, modificando alguns sinais para melhor aplicabilidade à

língua portuguesa (Anexo B) (Jornal dos Cegos, nº39, janeiro de 1899).

4.4.2. Mapas em relevo

Os mapas utilizados no Asilo foram produzidos em relevo. Para a construção

do mapa, foram utilizados materiais como madeira, pinos de metal e pregos para

identificação das planícies, planaltos e limites territoriais. Estes poderiam ser utilizados

sobre as mesas ou expostos na sala, de modo que o aluno tivesse acesso ao mesmo.

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Figura 32. Mapa em relevo de Portugal

Fonte: Fundação Nossa Senhora da Esperança. Foto da autora, 2017.

4.4.3. Museu Tiflológico para o ensino dos cegos

Figura 33. Museu Tiflológico para o ensino dos cegos

Fonte: Fundação Nossa Senhora da Esperança. Foto da autora, 2017.

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Em exposição na lateral da Igreja da Fundação Nossa Senhora da Esperança, o

museu typholologico do Asilo de Cegos de Castelo de Vide foi instituído em fevereiro de

1899 tendo como base o ensino da história natural por meio do uso de animais

taxidermizados, da geografia por meio do uso de mapas, da matemática, por meio do uso

do cubaritmo, para as noções e habilidades da primeira infância, os materiais fröebelianos.

As coleções foram doadas pelo diretor do Instituto de cegos de Amsterdam, sr.

H.J.Lenderink, pelo barão de Rosenthal, consul de Portugal nos países baixos e Raphael

Bordallo Pinheiro (artista que doou inúmeros objetos).

A exposição comprehende: Uma collecção completa do material para o

ensino das lições de cousas, pelo methodo de Froebel, applicado ao

ensino dos cegos. Compõe-se de onze caixas contendo: Espheras,

cylindros, cubos, parallelipipedos, prismas, planchetas, tiras de papel e

madeira para entrelaçados e tecelagem, massos de pausinhos para a

formação de letras e objectos usuaes, círculos e semi-circulos de metal

para a formação de diversos desenhos, rolhas e ervilhas de cera,

desenhos explicativos impressos em papel e outros em madeira

recortada. Uma collecção de dezeseis solidos de madeira: cylindro,

pyramides conicas, triangulares, quadrangulares e truncadas, prismas,

etc. Uma collecção de dez medidas, em cartão, para solidos desde o

meio decalitro até ao meio hectolitro. Uma collecção de seis medidas

para liquidos, desde o centilitro até ao litro. Duas collecções de

alphabetos romanos em metal e em madeira e metal, para compor

palavras, e o respectivo componedor. Uma collecção de tres apparelhos

para calculo. Dois apparelhos para a escripta dos cegos. Uma collecção

zoologica composta de dez animaes, sendo quatro embalsamados e seis

em pasta. Os animaes embalsamados são: um pato, um coelho, uma

coruja e um esquilo. Os animaes feitos em pasta são: um boi, um

chimpanzé, um urso branco, um lobo, um veado e um elephante. Estas

collecções, que teem um grande valor pedagogico, são iguaes ás que se

adaptam no Instituto dos Cegos de Amsterdam, um dos mais completos

da Europa, e foram organisadas, a pedido do benemerito doador, pelo

director d'aquelle estabelecimento de ensino, sr. H. J. Lenderink. No dia

1 de março serão remettidas para as Officinas Branco Rodrigues de

Castello de Vide (JORNAL DOS CEGOS, nº42, abril de 1899, p. 337).

4.4.4. Animais taxidermizados

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Figura 34. Coleção de Aves Figura 35. Peixe

Fonte: Fundação Nossa Senhora da Esperança. Foto da autora, 2017.

Os primeiros animais taxidermizados do Asilo eram provenientes de

Amsterdam. Depois da implantação do Museu Tiflológico, os animais passaram a ser

provenientes das Universidades de Lisboa e de Coimbra. Estas duas instituições

encarregaram-se de doar um amplo acervo de aves, de um cervo, uma raposa, uma

jaguatirica, um rato do mato e um peixe em tamanhos naturais tendo como finalidade a

inovação do ensino.

Para a educação dos cegos, principalmente, os animais taxidermizados

provocaram estímulo sensorial e conhecimento da natureza, possibilitando-lhes

caracterizar cada animal conforme conheciam por meio de explicações e da imaginação,

além de promover a atenção.

A percepção sensorial dos objetos taxidermizados estava em estrito

vínculo com a produção de conhecimento sobre a natureza, animais

taxidermizados eram fontes de estudo da morfologia externa e vetores

para o conhecimento de suas relações no mundo natural. Pela

observação das imagens da coleção, percebe-se que não só os elementos

morfológicos, mas o próprio universo das cores e das formas da

natureza presentes nos pelos, nas penas, nas patas e nos bicos dos

animais, elementos que concorrem para a atração da atenção (MADI

FILHO, 2013, p. 62)

4.4.5. Biblioteca em braile

A Biblioteca em braile do Asilo de Castelo de Vide foi composta no fim do

século XIX, contando com doação de obras como as transcritas em braile pela Senhora

Maria da Madre de Deus Pereira Coutinho e das camadas da elite portuguesa, obras

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oriundas da Espanha e da Alemanha como os manuais didáticos Encyklopädisches

Handbuch des Blindenwesen (1899) e Lehrmittel und Schreibmaschinen der Blinde de

Von Director Schleussner (1906) e posteriormente, em meados do século XX, diversas

obras oriundas da Fundação Norina Dowill (Brasil).

Figura 36. Biblioteca em braile

Fonte: Fundação Nossa Senhora da Esperança. Foto da autora, 2017.

4.4.6. Jogos

Os jogos de alfabetização direcionados à educação dos surdos foram produzidos

conforme as orientações propostas por Gabel (1863). Estes jogos tinham como objetivo

a formação de palavras, escrita numérica e acentuação, contando com a participação tanto

dos professores quanto da própria família.

O jogo, intitulado de “Lição de coisas” foi produzido em 1915, direcionado ao

público surdo, normal e anormais intelectuais leves. Constituído de madeira, era separado

em pequenas caixas classificadas em: letras de fôrma/bastão maiúsculas e minúsculas,

letras de mão/cursivas maiúsculas e minúsculas, números e pontuações.

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Figura 37. Jogo: Lição de coisas

Figura 38. Jogo: Alfabeto maiúsculo

Figura 39. Jogo: Alfabeto minúsculo

Figura 40. Numerais

Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal. Foto da autora, 2017.

Desta maneira, o paradigma transnacional (Zucchi, 201247) fez-se presente no

interior do Asilo de Cegos de Castelo de Vide, demonstrando que modelos de ensino

circularam e fizeram-se presentes, contando inclusive com a participação da experiência

brasileira, a qual a antiga colônia transformou-se em modelo para a metrópole.

47 Também serviram como referências teóricas para a presente pesquisa autores que utilizaram em suas

análises históricas o ponto de vista transnacional. Nesse sentido, ao contrário de adotar o já questionado e

superado paradigma das “ideias fora de lugar”, esses autores ao investigar diversas questões históricas

refutam o princípio pelo qual as ideias ou conjunto de ideias formulados na Europa e nos Estados Unidos

serviriam como um “modelo” que, ao ser adotado por pessoas de outros países seria entendido sempre como

uma “cópia imperfeita” com relação àqueles que a pensaram “em primeiro lugar” (ZUCCHI, 2012, p. 18).

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Capítulo 5. Novas figuras; novos pensamentos

E há crianças que sofrem. E há crianças que ninguém sabe como

sofrem. Porque a infância traz por cima de si um ornamento de alegria

que brilha ainda, embora quando não há mais claridade em seu

coração.

E às vezes aparecem criaturas que pensam ser muito bondosas, e se

resolvem a proteger a infância, esperando fazê-la feliz. E chegam até a

ser sinceras... E inventam várias fórmulas para resolver essa suposta

felicidade. Fórmulas de gente grande: de quem está vendo sofrer,

apenas; de quem não sofre mais assim. Fórmulas sem compreensão.

Talvez bonitas. Mas inúteis. A criança continua para o além, com o seu

sofrimento.

Cecília Meireles. Rio de Janeiro. Diário de Notícias, 27 de abril de

1932.

A questão da escolarização permaneceu com um fator de extrema importância

para as oligarquias que estiveram no poder, durante a Primeira República (1889-1930).

A primeira República foi marcada por diferentes acontecimentos: o início da

nacionalização da economia após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), propiciando

uma lenta mudança no modelo agrário-exportador; a organização de sindicatos em prol

de leis que protegessem o operariado; fundação do Partido Comunista do Brasil em 1922

sob fortes influências dos movimentos de contestação sob a influência das greves e da

Revolução Russa de 1917; organização da Semana de Arte Moderna de 1922, reunindo

representantes da cultura, escultura, música, arquitetura e literatura que apresentaram

trabalhos em prol de uma nova estética nacional, desligada das influências europeias e

de críticas à velha ordem social e política; a quebra da Bolsa de Nova York (1929),

desencadeando no Brasil, a crise do café e o movimento político de 1930, que culminou

num Golpe de Estado, que depôs o presidente Washington Luís, impedindo a posse do

presidente eleito Júlio Prestes, pondo fim à República Velha ou Primeira República.

Na década de 1930, a educação brasileira passou por mudanças entre as quais se

destacam o debate em torno do cuidado, preservação e preparação da infância. O

movimento da Escola Nova trouxe uma proposta educacional renovadora, procurando

atender às mudanças sócio-econômicas e políticas que o país estava passando. Naquele

momento histórico começou a ser pensada uma nova forma de educar a criança pequena,

pois até então o que predominava eram as práticas fundamentadas em experiências

europeias (Marafon, 2004).

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A partir dos princípios da Escola Nova, tais como a criança como centro do

processo, pedagogia ativa, aprender fazendo, preparar para a autonomia, eram debatidas

as ideias de espaço de atendimento à(s) infância(s) – estas outras infâncias, que habitam

outras temporalidade, outras linhas, a infância minoritária e neste caso, a infância

anormal sensorial.

Essa infância, no decurso da década de 30 vai subordinar-se às novas premissas

educacionais oriundas do Ministério da Educação e Saúde Pública, criado em 1930 por

meio do Decreto nº19.402. Em 1931 editam-se diversos decretos regulamentando o

ensino no Brasil, conhecidos como “Reforma Francisco Campos”.

A reforma viabilizou não apenas novas estratégias e metodologias de ensino, mas

aperfeiçoou espaços e pensamentos, transformando os ambientes educacionais

especializados.

5.1. A Escola Nova

Sob o impacto da extraordinária difusão internacional da chamada pedagogia da

educação nova no período entre guerras, as concepções da escola e da natureza infantil

vão sendo gradativamente reconfiguradas no país, operando-se uma transformação sutil

nas representações das práticas escolares (Carvalho, 2002).

Essas transformações que agitavam o país não podiam deixar de repercutir

intensamente nos setores de educação e do ensino, ou seja, da transmissão da cultura. Os

educadores brasileiros, em oposição à velha escola, engajados na crítica à precária

“organização” escolar e aos atrasados métodos e processos de ensino, inauguraram o ciclo

das reformas de educação e ensino.

As ideias e diretrizes que procuravam concretizar-se nas realizações

dessas reformas, evidentemente, não surgiram por geração espontânea

na cabeça dos educadores. Elas eram impulsionadas, de um lado, pelas

condições objetivas caracterizadas pelas transformações econômicas,

políticas e sociais que delineamos anteriormente. De outro lado,

começaram a chegar até nós, da Europa do pós-guerra, um conjunto de

ideias que pregavam a renovação de métodos e processos de ensino,

ainda dominados pelo regime de coerção da velha pedagogia jesuítica.

Esse movimento de renovação escolar, que passou a ser conhecido

como o da “Escola Nova” ou “Escola Ativa”, baseava-se nos progressos

mais recentes da psicologia infantil, que reivindicava uma maior

liberdade para a criança, o respeito às características da personalidade

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de cada uma, nas várias fases de seu desenvolvimento, colocando o

“interesse” como o principal motor de aprendizagem. Era o que John

Dewey, considerado o maior filósofo e educador norte-americano,

pregava como uma verdadeira revolução – “a revolução copernicana”

– em que o centro da educação e da atividade escolar passava a ser a

criança, com suas características próprias e seus interesses e não mais a

vontade imposta do educador. Havia, além disso, após a catástrofe de

1914-1918, uma aspiração generalizada de que, através dessa educação

assim renovada, pudesse se conseguir a formação de um homem novo,

que passaria a encarar a convivência entre os povos, em termos de

entendimento fraternal, que conduziria a humanidade a uma era de paz

duradoura, em que os conflitos sangrentos fossem definitivamente

banidos e substituídos pelos debates e resoluções de assembleias em

que estivessem representados todos os povos (LEMME, 2005 [1984],

p. 167).

Os nomes das mais eminentes figuras de educadores que lideravam o movimento

da chamada Escola Nova, em vários países do mundo, inspiraram os educadores

brasileiros e passaram a se tornar familiares entre nós, por suas obras, que aqui chegavam

e eram ou não traduzidas, publicadas em revistas especializadas tais como: Claparède,

Binet, Simon, Decroly, Ferrière, Montessori, Durkheim, Kerschensteiner, Dewey,

Kilpatrick, Wallon, Piéron, Thorndike, e até mesmo, Lunatcharski, o primeiro ministro

da Instrução Pública da União Soviética, após a Revolução de 1917 (Lemme, 2005

[1984]).

A Associação Brasileira de Educação (ABE), fundada em 1924, assumiu a

liderança de todos esses movimentos de renovação da educação e do ensino no País,

apoiando e promovendo palestras, debates, cursos e conferências, convocando para isso

autoridades e especialistas, nacionais e estrangeiros. A partir de 1927, foram realizadas

uma série de conferências nas capitais brasileiras.

Com o movimento político de 30, Getúlio Vargas toma posse como chefe do

Governo Provisório, data em que se iniciava a Segunda República ou República “Nova”.

Cedendo às influências do movimento de renovação da educação e do ensino, foi criado,

pelo Decreto nº 19.402 de 14 de novembro de 1930, o Ministério da Educação e Saúde.

Para ministro foi nomeado Francisco Campos, elemento ligado às ideias e às realizações

do movimento de modernização do ensino (Lemme, 2005 [1984]).

Resultante da IV Conferência Nacional de Educação realizada no Rio de Janeiro

no final de 1931, um dos movimentos de modernização apontados foi o lançamento do

manifesto dos pioneiros em 1932, numa época repleta de grande expectativa de renovação

e de esperança por parte da elite intelectual de interferir na organização da sociedade

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brasileira por ocasião do rearranjo político decorrente do movimento político de 30

(Xavier, 2002).

Foram signatários do manifesto 26 intelectuais48, dando origem a um personagem

coletivo: Os Pioneiros da Educação Nova (Xavier, 2002), que assumiram o compromisso

de trabalho em prol da modernização da educação e das sociedades brasileiras.

Outro aspecto importante a destacar é o fato de o Manifesto ter sido

criado para erigir-se em momento de nossa memória educacional, e

como tal parece ter sido aceito. Funcionando como estratégia de

legitimação do grupo de educadores mais afeitos ao projeto de

modernização da sociedade brasileira, o Manifesto surge carregado de

um verdadeiro arsenal simbólico que atua no imaginário social,

construindo uma memória educacional que tem no próprio Manifesto o

marco da renovação educacional no Brasil. Além disso, atribui aos

pioneiros o papel heroico de salvar a nação pela organização da cultura.

Essa força simbólica foi conferida ao Manifesto, tanto por seu redator,

Fernando de Azevedo, que considerou o projeto proposto no documento

como a única via de salvação nacional, quanto pela reação católica que

o tomou como prova de um crime contra a nacionalidade (XAVIER,

2002, p. 9)

O manifesto ganhou estatuto de marco inaugural da renovação educacional do

Brasil, expressando um momento significativo do processo de especialização e

autonomização do campo educacional. De acordo com Lemme (2005 [1984]), o

documento era permeado por uma concepção de educação natural e integral do indivíduo,

com o respeito à personalidade de cada um, mas, ao mesmo tempo, sem esquecer que o

homem é um ser social e tem por isso deveres para com a sociedade: de trabalho, de

cooperação e de solidariedade. Seria, assim, uma educação acima das classes, que não se

destinaria a servir a nenhum grupo particular, mas aos interesses do indivíduo e da

sociedade em geral, que não devem ser conflitantes.

O documento também apontava a educação como um direito de todos, de caráter

laico, gratuito e público cabendo ao Estado, assegurar esse direito democrático. Os

métodos e processos de ensino obedeceriam às mais modernas conquistas das Ciências

Sociais, da Psicologia e das técnicas pedagógicas. Os mesmos critérios seriam adotados

para a medida da aprendizagem e a apuração do rendimento dos sistemas escolares. A

adoção de planos definidos iria romper com a ideia de uma série de ausências: de

48 Assinaram o manifesto: Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Afrânio Peixoto,

Paschoal Lemme, Roquete Pinto, Cecília Meirelles, Hermes Lima, Nóbrega da Cunha, Edgar Süssekind de

Mendonça, Armanda Alvaro Alberto, Venâncio Filho, C. Delgado de Carvalho, Frota Pessoa, Raul Briquet,

Sampaio Dória, Noemy Silveira, Atílio Vivacqua, Júlio de Mesquita Filho, Mario Cassanata, A. Almeida

Júnior, J.P. Fontenelle, Roldão Lopes de Barros, Paulo maranhão, Garcia de Rezende, Raul Gomes.

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organização e de unidade, de coesão e de continuidade, de espírito científico e filosófico

(Xavier, 2002).

A partir da publicação deste documento, o aluno seria educado de modo a “ver” e

a “fazer” as atividades propostas. Nesse sentido,

[...] uma nova dinâmica impulsionava as relações escolares. O

aluno assumia soberanamente o centro dos processos de aquisição

do conhecimento escolar: aprendizagem em lugar de ensino. A

psicologia experimental dava suporte à cientificidade da

pedagogia e produzia no discurso da escolarização de massas

populares o efeito da individuação da criança: o recurso aos testes

e à constituição das classes homogêneas pretendia assegurar a

centralidade da criança no processo educativo e garantir o

respeito à sua individualidade em uma escola estruturada para o

ensino de um número crescente de alunos. A regulação das

práticas escolares realizava-se pela contabilidade de ritmos e

produção de gestos eficientes. Os materiais da escola recebiam

outra importância porque imprescindíveis à construção

experimental do conhecimento pelo estudante. Os métodos

buscavam na sua “atividade” sua validação (VIDAL, 2015, p.

498).

Justifica-se assim a importância que o Manifesto atribuiu às reformas

educacionais: promover a educação de um povo analfabeto, desamparado, de uma

infância “anormal” por meio do estabelecimento de uma ponte que deveria associar e

absorver os valores modernos e a modernização do país, conjugando valores espirituais e

progresso material, a educação do povo e a economia do país (Xavier, 2002).

Ao definir a identidade do grupo, o Manifesto vai definindo

simultaneamente o contorno da nação do futuro. Nesse processo,

o contraste novo X velho comanda as críticas à fragmentação e

desarticulação do sistema de ensino, à falta de visão global das

elites bem como a falta de ação do Estado e das elites políticas na

solução dos problemas nacionais (XAVIER, 2002, p. 47)

De acordo com o Manifesto, essa missão só poderia ser efetivada por meio da

educação das massas e da garantia de continuidade do processo de seleção das elites

(Xavier, 2002). Para a implementação da proposta de uma “Escola Nova” e a efetivação

da “missão” proposta pelos pioneiros, foram necessárias reformas que normatizaram não

apenas espaços, mas possibilitaram uma nova arquitetura de organização do trabalho

pedagógico no interior os institutos especializados.

No entanto, a narrativa escolanovista visava a formação integral, acesso à

educação por todos e a gratuidade no ensino não foram consolidadas no interior dos

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institutos, muito pelo contrário, as propostas educacionais objetivaram a normalização de

educandos, de espaços, da Pedagogia Emendativa e encerramento das atividades

pedagógicas para as crianças cegas e surdas.

5.2. As reformas no Instituto Benjamin Constant

Com a posse do professor cego Horácio Mario de Castro Lima (1897-1963),

diplomado em 1927 pela Escola Remington do Rio de Janeiro, inicia-se o ensino de

datilografia no Instituto como uma disciplina e não mais como um recurso didático de

ensino, apenas (Cerqueira e Lemos (2005).

Para o desenvolvimento da disciplina, foram compradas máquinas de teclas braile,

oriundas da Dinamarca, 1930. A adoção da máquina deve-se ao fato de sua leveza,

propiciando facilidade de digitação dos códigos braile.

Figura 41. Máquina de tecla braile

Fonte: Museu do Instituto Benjamin Constant. Foto da autora, 2017.

Em 1932, o Instituto contava com 141 alunos. Novos materiais e novas atividades

passaram a desenvolver-se como: rádios para fins educacionais e recreativos, produção

de novas chapas para uso de regletes de mesa e cubaritmos, além do ensino de massagem

e de radiotelegrafia (Cerqueira e Lemos, 2005).

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O período de 1933 é marcado pela instalação do Museu do IBC contando com a

publicação em braile da primeira Constituição (1865), livro de matrículas, livros de

composições musicais e quadros com as pinturas dos primeiros diretores do Instituto,

além da imagem do Imperador.

Figura 42. Vitrines do Museu Benjamin Constant

Fonte: Vitrines do Museu Benjamin Constant. Acervo IBC. RODRIGUES, 2005.

Neste período, efetuam-se adaptações para a instalação do jardim da infância,

além de reformas de grande porte nas instalações elétricas e hidráulicas. Inaugura-se

também neste período um órgão de fabricação nacional, em madeira, para as aulas

instrumentais.

A formação neste período teve como foco a educação física sistematizada,

substituindo naturalmente a educação dos sentidos. De acordo com Aires da Mata (1931,

p. 51):

Trata-se, em suma, de alargar as quatro janelas perfeitas de que dispõe

o cego, afim de que a cámara maravilhosa em que a idéa desabrocha e

o raciocínio se expande, receba de fora a luz suficiente, matéria prima

das misteriosas transformações.

Vem aqui a pêlo notar que uma educação física metodizada,

inteligentemente conduzida desde a infáncia, dá ao cego um andar

seguro (corrigindo-lhe essa vacilação nos paços que tão nitidamente o

sublinha) graças ao desenvolvimento do senso de orientação e do senso

do obstáculo, mediante exercícios adequados. Não ha negar o alcance

prático dessa conquista.

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A vacilação, como a morosidade no andar, aliada á quietude de um

olhar apagado, sugere a idéa de incapacidade física e até intelectual.

Revigora falsos conceitos, e traz á tona a imagem pungintiva do cego

mendigo, que geralmente existe no espirito do vidente.

A educação física sistematizada tinha como premissa familiarizar a criança cega

ao seu espaço de convivência e conhecimento do próprio corpo, estimulando o

movimento intensivo, entendendo a ginástica como naturalmente indispensável, para

depois, transmitir aos sujeitos cegos a educação intelectual.

Segundo Aires da Mata (1931), a profissionalização do cego e o ensino de um

ofício seriam indispensáveis para a formação, pois permitiriam possibilidades de renda

tanto para a Instituição quanto para o sustento próprio do sujeito.

Para a formação intelectual dos cegos e para o progresso de tal modalidade

educacional, Aires da Mata (1931), também apontava para a necessidade de preparar

professores e diretores, na cultura e na pedagogia gerais do período, além de buscar uma

pedagogia especializada concernente ao cego e a cegueira.

Uma das pedagogias especializadas a ser adotada seria o paradigma da “Escola de

Métodos para a educação dos cegos”, em Roma, dirigida por Augusto Romagneli (1874-

1946), cego e doutor em Filosofia pela Universidade de Bolonha. Os seus estudos

concentravam-se sobretudo no compromisso de melhorar os métodos educacionais

voltados para a formação do caráter, orientação profissional e o exercício das diferentes

profissões em condições ideais.

Eventos como a revolução de 1930, o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova e

a promulgação da Nova Constituição em 1934, promoveram algumas transformações

tanto físicas quanto curriculares no Instituto. No ano anterior à interrupção das atividades

escolares do Instituto para a realização das obras de construção da segunda etapa de seu

prédio, o ensino ali ministrado compreendia:

Jardim de infância; Instrução Primária (3 anos); Educação Secundária

(cinco anos, assemelhada à oficial): português, francês, inglês,

geometria, aritmética, álgebra, geografia, história universal e do Brasil;

Educação Física; Ensino Musical: teórico, vocal e instrumental;

Teórico: teoria, solfejo, harmonia, contraponto, fuga, instrumentação,

orquestração e composição; Vocal: canto infantil, intermediário e coral;

Instrumental: piano, harmônio, violino, viola, violoncelo, contrabaixo,

instrumentos de sopro e de percussão; Ensino profissional: masculino,

feminino e misto; Masculino: tipografia e estereotipia (Braille);

encadernação, empalhação de móveis; afinação de pianos, estofaria;

colchoaria; confecção de escovas; vassouras; espanadores; confecção

de artefatos de madeira; couro e vime; radiotelegrafia. Feminino:

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Trabalhos de agulha e congêneres; economia doméstica. Misto:

datilografia e massoterapia (CERQUEIRA & LEMOS, 2005, p. 101).

O ano de 1937 foi definitivo para as reformas que deveriam ocorrer nos

estabelecimentos destinados à educação dos deficientes sensoriais. De acordo com os

decretos 1.542, de 01 de abril e 1.712 de 14 de junho, o Ministério da Educação foi

autorizado a alienar títulos disponíveis, pertencentes ao Instituto Benjamin Constant e ao

Instituto Nacional de Educação de Surdos-Mudos, devendo os recursos resultantes serem

empregados nas obras de remodelação de seus prédios.

Neste mesmo ano, em julho, o Instituto Benjamin Constant interrompe suas

atividades escolares por sete anos para a realização de obras de remodelação e ampliação

de seu edifício. No dia 17 de setembro foram entregues os certificados de conclusão de

curso aos alunos. As obras iniciaram-se em agosto, permanecendo as atividades

administrativas e técnicas (Cerqueira e Lemos, 2005).

Durante o período de obras (1937 – 1945) foram remodelados e criados os

seguintes espaços:

Obras realizadas nesse período, custeadas pelo Fundo Patrimonial do

Instituto e por créditos especiais do Governo (cerca de 10 mil contos de

réis), pelas quais o IBC, em linhas gerais, assume sua estrutura física

atual (19.954 metros quadrados no prédio principal e anexos):

- três pavimentos da ala frontal esquerda (incluindo escadarias);

- três pavimentos da ala lateral esquerda;

- três pavimentos da ala esquerda dos fundos;

- edificação para cozinha e lavanderia;

- passagens cobertas no pátio central;

- construção do auditório (hoje teatro);

- campo de educação física e playground;

- urbanização dos terrenos do IBC;

- prédio para o Jardim da Infância (hoje Biblioteca);

- prédio da imprensa Braille;

- doze casas residenciais para servidores (Rua Dr. Xavier Sigaud)

(CERQUEIRA & LEMOS, 2005, p. 102).

Dentre o período que o Instituto manteve suas portas fechadas para o atendimento

ao alunado cego, também se elaboraram grandes projetos de transformação nos âmbitos

administrativo, técnico, material, educativo, profissional e social da Instituição, visando

ampliar a abrangência e melhorar a qualidade de seu atendimento. Desmistificar e relatar

tais transformações poderá ser um dos objetos de estudo para futuras pesquisas.

5.3. A Pedagogia Emendativa no Instituto Nacional de Surdos-Mudos

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Enquanto a gestão do Doutor Custódio passava por diversas problemáticas e

críticas; os doutores Armando de Paiva Lacerda e o Doutor Henrique Mercaldo, tinham

seus trabalhos de reeducação auditiva reconhecidos em âmbito científico e foram

divulgados amplamente pela imprensa (Rocha, 2008). De acordo com esta mesma autora:

O reconhecimento público do importante trabalho desenvolvido pelo

Dr. Armando levou o chefe do governo provisório, Getúlio Vargas, em

1930, a nomeá-lo diretor do Instituto. Sua posse foi amplamente

divulgada pela imprensa. A princípio, o Dr. Custódio relutou em passar-

lhe o cargo, depois se rendendo às evidências declarou: Hoje não valho

mais nada: sou um vencido, um traste inútil que o governo

revolucionário pôs de lado (ROCHA, 2008, p. 64).

O início da gestão do Doutor Armando foi destinado a reorganizar a Instituição.

Na época, havia o problema das inúmeras repartições públicas que ocupavam boa parte

das instalações e a questão do acesso às meninas surdas ao Instituto, com uma forte

pressão de uma organização feminista denominada Aliança Nacional das Mulheres. Em

1932, finalmente, foi criada uma seção feminina com oficinas de costura e bordado,

funcionando apenas em regime de externato (Rocha, 2008).

Com o Decreto nº 24.794, de 14 de julho de 1934, Getúlio Vargas instituiu a

“Inspetoria Geral de Ensino Emendativo”, que tinha como objetivo separar socialmente

e institucionalizar crianças anormais de caráter, do psíquico e do físico. Jannuzzi (2006),

informa que o termo “emendativo” tinha origem latina, significando corrigir a falta, tirar

defeito.

Neste mesmo ano, foi publicada a obra Pedagogia Emendativa do Surdo-Mudo do

Doutor Armando Lacerda. Sua obra tinha como por finalidade “suprir as falhas

decorrentes da anormalidade, buscando adaptar o educando ao nível social dos normais”

(Lacerda, 1934, p. 6).

Essa relação da educação com a busca pela normalidade social poderia ser

associada aos modos pelos quais os surdos eram descritos. No mesmo manual, a

caracterização do surdo-mudo foi feita da seguinte forma:

A receptividade pedagógica das crianças em geral é assaz conhecida.

Essa condição favorável intervém do mesmo modo quando em jogo a

educação do surdo-mudo, não obstante a sua situação de inferioridade

em relação à criança normal (LACERDA, 1934, p. 5).

Neste mesmo manual, Lacerda aponta as diferenças de um aluno normal de um

aluno surdo:

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Privado do uso da palavra articulada pela deficiência das sensações

acústicas não lhe é possível definir e interpretar as formas e

manifestações ambientes, recorrendo à prática elementar da expressão

muscular ou gesticulada. A sua imaginação torna-se, desta maneira,

extremamente pobre no período inicial da sua vida intelectual. Falta ao

seu cérebro ensombrado, adormecido, o contato com a centelha divina

que ilumina a inteligência. Esse raio de luz só consegue despertá-la, se

conduzido através as vias artificiais do conhecimento da linguagem,

que se torna por este motivo, o ponto de apoio da instrução do surdo-

mudo (LACERDA, 1934, p. 6-7).

Segundo Witchs (2014), a inferioridade em relação à criança normal, a deficiência

das sensações acústicas, a imaginação extremamente pobre, o cérebro ensombrado e

adormecido: definitivamente essas não eram as características esperadas de um cidadão

brasileiro. Nesse sentido, seria preciso mobilizar alguns saberes médico-pedagógicos que

subsidiassem estratégias e técnicas possíveis para a normatividade dos comportamentos

do sujeito surdo brasileiro, como pode ser visto nos excertos abaixo:

Adquirindo um vocabulário artificial por intermédio dos sentidos

supletivos habilmente dirigidos e desenvolvidos com o fim de corrigir

a deficiência auditiva, ele consegue colocar-se em condições mais

vantajosas para a sua atuação no seio da sociedade. É óbvio que essa

atuação se acha na dependência da aquisição maior ou menor dos

elementos de cultura indispensáveis, inclusive do aprendizado de

ofícios que, como dissemos, fornece ao aluno os recursos para a

conquista da sua independência econômica. (LACERDA, 1934, p. 7)

Como qualquer criança, o surdo-mudo possui o instinto da palavra, mas

sendo privado do controle auditivo, não sabe a que correspondem os

movimentos dos lábios e da boca dos falantes. Este instinto deve ser

aproveitado, disciplinado, desenvolvido o mais cedo possível, por meio

de recursos engenhosos, valendo-se da vista e do tato, que constituem

o método oral. Não deixemos de reconhecer as vantagens que oferece

este método, o que, entretanto, não nos leva a ponto de nos colocarmos

entre os partidários do ensino oral exclusivo (LACERDA, 1934, p. 8).

Outro aspecto apontado no manual foi a adoção do método de ensino há cinco

décadas em vigor: o método oral puro. Como se observa, embora reconhecida as

vantagens desse método para a reabilitação dos surdos na sociedade, nem todas as fichas

são depositadas nele quando a valorização da língua nacional entra em jogo (Witchs,

2014). O diretor, portanto, se embasa nos estudos produzidos pelo médico alemão

Herderschée a partir de uma série de testes de Inteligência aplicados em surdos. Fazendo

uso da escala Herderschée, Lacerda (1934, p. 17) apresenta, em seu manual, uma

classificação de alunos surdos com inteligência considerada normal quanto a capacidade

auditiva e linguística e sua relação com o ensino emendativo.

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Nesse caso, o diretor Lacerda explica, em seu manual de 1934, como deve

acontecer o ensino na educação de surdos:

Esse ensino é quase todo ministrado por meio de experiências e ações,

expondo-lhes aos olhos dos alunos os objetos, os seres e as coisas com

a sua respectiva definição, devendo ainda ser qualificados e

relacionados, a fim de que as sensações supletivas, impressionando o

cérebro, permitam a exteriorização do pensamento, por meio da palavra

falada ou escrita. (LACERDA, 1934, p. 7)

O objetivo do método oral era dotar a criança surda de uma linguagem análoga à

fisiológica, proporcionando-lhe um entendimento mais regular com os indivíduos

normais e, portanto, mais favorável à situação social (Lacerda, 1934).

De acordo com Rocha (2008), para demonstrar os frutíferos resultados que o

Instituto vinha obtendo, o Jornal A Noite Ilustrada em 1936 realizou uma grande matéria

sobre o estabelecimento, com muitas fotografias que retratavam o ambiente das salas de

aula, das oficinas, dos pátios e dos alunos, em muitas das suas atividades.

Figura 43. Jornal A noite ilustrada de 01 de setembro de 1936

Fonte: Rocha, 2008, p. 75

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Em 1937, no intuito de auxiliar o ensino da linguagem habitual, tão útil ao surdo,

foi baixada uma portaria, recomendando a todos os funcionários do Instituto que usassem

sempre a linguagem falada ou escrita nas suas comunicações diárias com os alunos. Deste

modo:

O que se procura com este processo não é conseguir que os surdos

mudos ouçam distintamente as palavras ou as frases, mas contribuir

para que aprendam a falar de maneira mais natural, complementando-

se deste modo os efeitos da articulação e da leitura labial. A

aprendizagem da palavra articulada, tão longa e penosa pelos métodos

habituais, é facilitada consideravelmente (LACERDA, 1937, p. 9).

Porém, neste mesmo ano, as obras de ampliação tiveram início, transformando as

dependências da Instituição em um grande canteiro de obras. As aulas foram suspensas

por quase cinco anos e nesse período foram construídos o ginásio esportivo – considerado

um dos melhores da época –, as oficinas profissionalizantes, o elevador e o auditório.

Também foram realizadas obras de ampliação nos espaços do segundo e terceiro andar.

Essas ampliações ficaram conhecidas pelos funcionários do Instituto como “orelhas”

(Rocha, 2008).

A gestão do Doutor Armando Lacerda foi muito comemorada e marcada pela

imprensa, inclusive pela poetisa e signatária do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova,

Cecília Meireles, responsável pela página de Educação do Diário de Notícias. Ambos

identificavam-se com os ideais escolanovistas, sugerindo inclusive a renovação dos

métodos no interior do Instituto. Acompanhando os trabalhos do Instituto, Meireles

publicava sobre a educação da infância desfavorecida. Sua última publicação demonstra

a modernização vivenciada no instituto nos últimos anos:

O Instituto Nacional dos Surdos-Mudos há cerca de dez anos vem

realizando uma obra educacional de grande alcance, com a adoção de

práticas modernas e bases científicas no ensino especializado dos seus

alunos. Agora, o seu diretor, que é um entusiasta, em matéria de

educação de anormais, acaba de redigir um anteprojeto do regimento

daquele Instituto ampliando a sua órbita de ação, e convertendo-o num

estabelecimento modelar, de acordo com os mais recentes

ensinamentos da pedagogia.

Pelo atual regimento, fica o Instituto acrescentado de um curso normal,

de um internato feminino e de um jardim de infância.

Além dessas inovações que o regimento vem introduzir no Instituto, há

também a considerar a ampliação dada, no mesmo, aos serviços de

Clínica e de Pesquisas Pedagógicas. Assim, ademais das suas atividades

técnicas, no terreno clínico, o referido serviço dará maior expansão às

pesquisas médico-pedagógicas até agora realizadas, encarregando-se,

ao mesmo tempo, da seleção dos candidatos à matrícula e dos alunos já

admitidos, levando em consideração os índices da sua capacidade

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físico-fisiológica, auditiva-residual, mental e linguística, para melhor

distribuição dos alunos pelas várias classes e seções escolares. O

serviço ainda se encarregará dos estudos e pesquisas no campo da

acústica e da fonética, e da psicopedagogia, em relação com as

finalidades do estabelecimento (MEIRELES, A manhã, Rio de Janeiro,

30 de novembro de 1941).

A adoção de “práticas modernas” e o estabelecimento de clínicas no interior do

Instituto propiciaram a classificação entre os surdos, não apenas em suas características

fisiológicas, mas cognitivas. As “lições de coisas” desapareceram dos currículos e das

propostas de ensino, porém, o embate entre os métodos de utilizar a linguagem oral ou a

linguagem de sinais no Instituto sempre foram alvo de embates no interior deste

estabelecimento.

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Considerações Finais

As reformas pedagógicas não se justificam apenas com a introdução

de fatores pedagógicos concretos: com tabuleiros de areia para

ensinar geografia; jogos de linguagem e de aritmética; centro de

interesse, testes etc.

Se tudo isso não estiver aviventado por um “espírito” diferente, se tudo

isso não levar ao impulso de uma diretriz em harmonia com todos os

problemas sociais da atualidade, o que continua prevalecendo é a velha

escola de tico-tico, de fachada pintada de novo e professor mascarado

(Cecília Meireles, Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 22 de novembro

de 1930).

A história da criança “normal” esteve atrelada à história da criança “anormal cega

e surda”. A ideia de educar seres pequenos, em instituições específicas, surgiu da

necessidade de ver na infância um potencial de “força de trabalho” que apareceu com a

sociedade capitalista. Cuidar, escolarizar e preparar meninos e meninas sob os princípios

da educabilidade e da pedagogia moderna possibilitaram a construção dos novos lugares

das infâncias.

Para as crianças cegas e surdas, a educação deveria aproximar-se ao máximo da

educação geral, pois as capacidades cognitivas dos deficientes sensoriais eram idênticas

às dos normais. Era preciso civilizar, normatizar e naturalizar “excepcionalidades”, dar

assistência aos que necessitassem e adaptar métodos de aprendizagem.

Em articulação com o Estado, estes princípios fundamentaram a formação da

criança da nação brasileira. Os discursos acerca do “concerto das Nações” impulsionaram

metodologias que tiveram em seu âmago a modernidade, a inovação e o progresso. A

apropriação de tal ideário fez-se presente nos campos da política, da medicina e da

educação.

A viabilização deste projeto fez-se presente na criação de escolas elementares,

internatos, asilos, colégios, liceus e academias superiores, de caráter público/privado.

Civilizar intelectualmente e profissionalmente foram práticas direcionadas à guarda,

proteção e formação da população em ambientes específicos para um público específico,

como o Instituto Imperial dos Meninos Cegos (1854) e o Instituto Imperial dos Meninos

Surdos (1856).

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Para a propagação e consolidação destes estabelecimentos, chamo a atenção para

algumas figuras de destaque que contribuíram para a formação da história dos cegos e

dos surdos no Brasil.

As primeiras figuras de destaque na educação dos cegos foram José Álvares de

Azevedo e o Doutor Sigaud. Enquanto um buscava meios de divulgar todo o seu

conhecimento, o outro buscava meios de popularizar a saúde e a educação dos cegos. A

junção destes dois ideários permitiu tanto à filha de Sigaud, Adéle, a aprendizagem de

conhecimentos científicos e musicais quanto a apresentação de um projeto apresentado

ao Imperador sobre a educação dos cegos.

A implementação do instituto dos cegos viabilizou a do instituto dos surdos, sendo

Huet o responsável em fundar, dirigir, ministrar e regenerar estes pobres infelizes,

impossibilitados de escutar o mundo a sua volta.

Durante os anos de funcionamento destas duas instituições, vários acontecimentos

marcaram o cotidiano destas instituições: mudanças de endereços devido às condições

prediais insalubres, inspeções periódicas, aquisição de novos materiais, publicação e

divulgação de obras, participação em Exposições e Congressos Internacionais foram

grandes marcos na elaboração de relatórios.

Um destes marcos foi a divulgação de métodos de ensino por meio da publicação

de diversos guias e compêndios de ensino. Doutor Tobias Leite, diretor do Instituto

Imperial dos Surdos-Mudos foi um dos agentes que promoveram o trabalho do

estabelecimento tanto em território nacional quanto internacional. Em parceria com o

Doutor Menezes Vieira, novos métodos e materiais foram adquiridos e implementados,

servindo de modelo para duas instituições que atendiam públicos distintos.

Mesmo atendendo públicos distintos, os métodos e os materiais eram idênticos,

com a adoção do método intuitivo e a implementação de um museu escolar no interior

destas escolas. Os dois doutores formaram uma parceria na implementação de processos

inovadores para instituições, divergindo apenas em relação ao quesito “linguagem dos

surdos”.

A educação dos cegos também foi marcada pela publicação de obras em braile,

inclusive a própria Constituição Federal. Num país de iletrados, a impressão de uma

Legislação em braile demonstra a inovação de uma proposta de ensino. Acerca dos outros

materiais, não foram obtidos registros e nem os materiais pedagógicos do período

imperial que demarcassem quais recursos foram utilizados, pois as publicações e os

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materiais centraram-se em publicações de obras em braile e em premiações públicas que

contavam com a presença do Imperador.

Na impossibilidade de analisar os materiais pedagógicos, constatou-se a presença

e a adoção de métodos modernos aplicados no Instituto de cegos quando destacamos a

figura de Adéle, como já citada, filha do Doutor Sigaud. Educada em casa por José

Álvares de Azevedo, tornou-se professora do instituto lecionando diversas disciplinas

para as meninas. No período em que esteve no instituto, trocava correspondências com o

Instituto de Paris, aprimorando seus conhecimentos. Na década de 1880, viaja para a

Europa e, durante sua estadia em Portugal, promoveu, com a parceria de León e Branco

Rodrigues a institucionalização da educação dos cegos em Portugal por meio da fundação

da Associação Promotora de Cegos em Portugal.

O que chama a atenção desta figura na educação dos cegos é o seu perfil: mulher,

cega, filha de um médico da Côrte Imperial, educada em casa, torna-se a primeira

professora da primeira instituição de cegos no Brasil no século XIX, que não apenas

formou meninas, mas propagou seus conhecimentos tanto no país “colonizador” quanto

no país em que serviu de modelo para a implementação de métodos. Ou seja, a questão

de gênero não foi impeditivo para a sua ascensão, mas foi o seu status social que a

manteve numa posição privilegiada.

Após ilustrar algumas figuras, passemos a compreender os métodos de ensino

empregados na educação destes dois públicos.

Recorrendo a um termo utilizado por Bueno (2017) em uma de nossas aulas, a

“pedagogia da linguagem” tornou-se o mais adequado para compreendermos os

mecanismos utilizados por cegos e surdos para a aquisição da leitura, da escrita e da

comunicação. No caso dos cegos, a adoção do braile foi eleito como o sistema de escrita

e leitura. Já no caso dos surdos, o embate entre a linguagem de sinais e a linguagem oral

estiveram presentes durante o trajeto do nosso estudo. Porém, o que chamamos a atenção

é que, mesmo nesse embate, o método intuitivo fez-se presente para o desenvolvimento

destas práticas educacionais.

O foco deste estudo foi analisar como o método intuitivo desenvolveu-se em meio

a uma pedagogia da linguagem específica para dois distintos estabelecimentos.

Concebido como o mais adequado à instrução das classes populares, foi um dos principais

elementos da renovação educacional proposta em tais estabelecimentos, sendo debatido

em projetos de reforma, em pareceres, em conferências pedagógicas e experiências

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educacionais vinculadas a ações governamentais e particulares na tentativa de

modificarem a realidade da nação pela educação (Schelbauer, 2003).

Os objetos didáticos utilizados nos institutos assumiram uma tripla função:

responderam ao modelo da lição de coisas por meio de atividades que previam o

desenvolvimento dos sentidos, disseminaram o conhecimento e promoveram

conhecimento por meio de um caráter lúdico e disciplinador: “um elemento novo em sala

de aula torna-se o centro da atenção das crianças, instaurando assim algo que é comum a

toda a classe de alunos e ao professor, é aquilo que os une no caminho do conhecimento”

(Valdemarin, 2004, p. 176).

Porém, a realidade dos dois institutos apresentaram um outro extremo, nada

positivo: ao longo de sua trajetória, asselharam-se a espaços tidos como escola-asilo-

residência, ou seja, a maioria dos alunos que adentravam a instituição, ora se

transformavam em funcionários, ora em residentes, não propiciando a entrada de futuros

alunos.

Outro fator que chama a atenção é a questão da classificação na e para a prática

profisisonal: os alunos foram diferenciados segundo as suas aptidões e habilidades. Tanto

na prática cotidiana quanto nos debates em Congressos, esta postura deveria ser adotada.

Ou seja, para os que de fato aprendessem, eram propiciadas as melhores condições para

a conclusão dos estudos intelectuais e profissionais musicais; para os que apresentassem

dificuldades, desenvolver ao máximo as aptidões manuais para o trabalho.

As ideias da Escola Nova adentraram o instituto de uma maneira muito peculiar.

No IBC, a década de 30, foi marcada por reformas reorganização espacial das atividades,

com a instalação de novos ambientes. No INES, a pedagogia emendativa visava suprir as

falhas decorrentes da anormalidade, buscando adaptar o educando ao nível social dos

normais.

No que concerne a educação dos cegos e dos surdos, percebemos que o método

intuitivo foi utilizado como uma forma de aproximar ao máximo a educação especializada

da educação geral. Alguns dos materiais nem precisaram ser adotados, pois educar os

outros sentidos permitiria o acesso ao conhecimento.

Durante o período em estudo, pode-se verificar que o método intuitivo foi adotado

por quase 80 anos nas duas instituições. As mudanças de regime político (Império –

República) não influenciaram em práticas; mas sim, na construção e arquitetura de

espaços.

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De acordo com Bastos (2000), a apropriação dessas ideias deve ser também

compreendida na perspectiva de transferência de conhecimentos ou de um saber fazer,

dentro de uma hierarquia de estado de desenvolvimento de um país para outro. O mito da

cultura francesa fortalecia uma dissimetria nas relações entre os dois países. Não

esqueçamos que algumas destas ideias e práticas foram assimiladas no âmbito do

discurso; outras concretizaram-se em medidas reais. Mas todas marcaram o debate por

longo tempo, como tendências e propostas a serem concretizadas, mesmo que

tardiamente.

Porém, em 1937, os dois institutos especializados no atendimento aos cegos e aos

surdos da capital brasileira encerram suas atividades pedagógicas devido as obras de

reforma e ampliação dos estabelecimentos. Entretanto, as atividades técnicas e

administrativas continuavam desenvolvendo novas propostas de ensino. Reinauguradas

na década de 1940, “novas” metodologias foram aplicadas. Mas esta é uma outra história,

que poderá ser contada em futuros estudos e pesquisas.

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http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1331-a-17-fevereiro-

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http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-982-8-novembro-1890-

515569-publicacaooriginal-1-pe.html Acesso em: 25/02/2016.

Page 213: PUC-SP Martins de Almeida.pdfda infância e, sobretudo, dos anormais sensoriais passaram a conceber distintas práticas pedagógicas: para a educação dos cegos, a aprendizagem da

210

Anexos

Page 214: PUC-SP Martins de Almeida.pdfda infância e, sobretudo, dos anormais sensoriais passaram a conceber distintas práticas pedagógicas: para a educação dos cegos, a aprendizagem da

211

Anexo A

Quadro de funcionários do Imperial Instituto dos Meninos Cegos e

Surdos-Mudos no período de 1855-1867 (antes das gestões de Benjamin

Constant e Tobias Leite) segundo o Almanak Laemmert

1855

Quadro de funcionários do Imperial Instituto dos Meninos Cegos

Função Cargo

Director e médico Dr. José Francisco Sigaud*

Capellão da casa Conego Dr. Joaquim Caetano Fernandes

Pinheiro

Professor de Primeiras Letras Dr. Pedro José de Almeida*

Professor de Música J.J. Lodi (cego)*

Professora das meninas cegas Madame Adéle Maria Luiza Sigaud (cega)*

Repetidor dos estudos Carlos Henrique Soares (cego)*

Inspector da turma José Baptista Pezan Junior*

Porteiro da casa Martinho Antonio da Rocha* * Residentes do Instituto

1856

Quadro de funcionários do Imperial Instituto dos Meninos Cegos

Função Cargo

Director e médico Dr. José Francisco Sigaud*

Capellão da casa Conego Dr. Joaquim Caetano Fernandes

Pinheiro

Professor de Primeiras Letras Dr. Pedro José de Almeida*

Professor de Música Dr. Adolpho Maersch

Professora das meninas cegas Madame Adéle Maria Luiza Sigaud (cega)*

Repetidor dos estudos Carlos Henrique Soares (cego)*

Inspector da turma Manoel de Oliveira Santos*

Porteiro da casa Martinho Antonio da Rocha * Residentes do Instituto

1857

Quadro de funcionários do Imperial Instituto dos Meninos Cegos

Função Cargo

Director e médico Dr. Claudio Luiz da Costa*

Page 215: PUC-SP Martins de Almeida.pdfda infância e, sobretudo, dos anormais sensoriais passaram a conceber distintas práticas pedagógicas: para a educação dos cegos, a aprendizagem da

212

Vice-Diretor e Capellão da casa Conego Dr. Joaquim Caetano Fernandes

Pinheiro

Professor de Primeiras Letras,

arithmetica e grammatica

Dr. Pedro José de Almeida

Professor de Música vocal e

instrumental

Dr. Adolpho Maersch

Professora de primeiras letras,

arithmetica e grammatica das

educandas

Madame Adéle Maria Luiza Sigaud (cega)

Repetidor dos estudos Carlos Henrique Soares (cego)*

Inspectora das educandas, e guardas da

rouparia

-

Amanuense Manoel de Oliveira Santos

Porteiro e inspector dos meninos Paulino José* * Residentes do Instituto

Quadro de funcionários do Collegio Nacional de Surdos-Mudos – 1857

NÃO CONTÉM REGISTRO

1858

Quadro de funcionários do Imperial Instituto dos Meninos Cegos

Função Cargo

Director e médico Dr. Claudio Luiz da Costa*

Vice-Diretor e Capellão e Professor de

Doutrina Christã e História Sagrada

Conego Dr. Joaquim Caetano Fernandes

Pinheiro

Professor de Primeiras Letras,

arithmetica e grammatica

Dr. Pedro José de Almeida

Professor de Música vocal e

instrumental

Dr. Adolpho Maersch

Mestre da Officina Typographica Manoel Ferreira das Neves

Professora de primeiras letras,

arithmetica, grammatica e musica das

educandas

Madame Adéle Maria Luiza Sigaud (cega)

Repetidor dos alunos Carlos Henrique Soares (cego)*

Inspectora e repetidora das educandas,

e guardas da rouparia

Dona Maria Benedicta da Costa*

Amanuense Manoel de Oliveira Santos

Porteiro e inspector dos meninos Paulino José* * Residentes do Instituto

Quadro de funcionários do Collegio Nacional de Surdos-Mudos

NÃO CONTÉM REGISTRO

Page 216: PUC-SP Martins de Almeida.pdfda infância e, sobretudo, dos anormais sensoriais passaram a conceber distintas práticas pedagógicas: para a educação dos cegos, a aprendizagem da

213

1859

Quadro de funcionários do Imperial Instituto dos Meninos Cegos

Função Cargo

Comissario do Governo Imperial no

Instituto

Marquez de Abrantes

Director , médico e interino tesoureiro Dr. Claudio Luiz da Costa*

Capellão e Professor de religião Padre Bernardo José Lira

Professor de ler e escrever da classe dos

alunos; grammatica portugueza,

arithmetica, geographia e historia

Dr. Pedro José de Almeida

Professor de Música vocal e

instrumental da classe dos alumnos e

de contraponto

Guilherme Shulze

Professora na classe das alumnas, de

ler, escrever, musica vocal e

instrumental

Madame Adéle Maria Luiza Sigaud (cega)

Professora de língua franceza,

inspectora e repetidora das alumnas e

guarda de rouparia

Dona Maria Benedicta da Costa*

Mestra de costura e mais trabalhos

próprios das alumnas

Dona Rosa Albertina de Mello Figueiredo

Mestre de officina typographica Manoel Ferreira das Neves

Repetidor na classe dos alunos, de ler,

escrever, grammatica, arithmetica,

historia sagrada e doutrina christã

Carlos Henrique Soares (cego)*

Amanuense, continuo e sacristão Manoel de Oliveira Santos*

Porteiro e inspector dos meninos Paulino José* * Residentes do Instituto

Quadro de funcionários do Collegio Nacional de Surdos-Mudos

NÃO CONTÉM REGISTRO

1860

Quadro de funcionários do Imperial Instituto dos Meninos Cegos

Função Cargo

Comissario do Governo Imperial no

Instituto

Marquez de Abrantes

Director , médico e interino tesoureiro Dr. Claudio Luiz da Costa*

Capellão e Professor de religião Conego Bernardo Lyra da Silva

Professor de ler e escrever da classe dos

alunos; grammatica portugueza,

arithmetica, geographia e historia

Dr. Pedro José de Almeida

Page 217: PUC-SP Martins de Almeida.pdfda infância e, sobretudo, dos anormais sensoriais passaram a conceber distintas práticas pedagógicas: para a educação dos cegos, a aprendizagem da

214

Professor de Música vocal e

instrumental da classe dos alumnos e

de contraponto

Guilherme Shulze

Professora na classe das alumnas, de

ler, escrever, musica vocal e

instrumental

Dona Adéle Maria Luiza Sigaud (cega)

Professora de língua franceza,

inspectora e repetidora das alumnas e

guarda de rouparia

Dona Maria Benedicta da Costa*

Mestra de costura e mais trabalhos

próprios das alumnas

Dona Rosa Albertina de Mello Figueiredo

Mestre de officina typographica Manoel Ferreira das Neves

Repetidor na classe dos alunos, de ler,

escrever, grammatica, arithmetica,

historia sagrada e doutrina christã

Carlos Henrique Soares (cego)*

Amanuense, continuo e sacristão Americo Heraldo da Silva*

Porteiro e inspector dos meninos Joaquim José da Costa* * Residentes do Instituto

Quadro de funcionários do Collegio Nacional de Surdos-Mudos

NÃO CONTÉM REGISTRO

1861

Quadro de funcionários do Imperial Instituto dos Meninos Cegos

Função Cargo

Comissario do Governo Imperial no

Instituto

Marquez de Abrantes

Director , médico e interino thesoureiro Dr. Claudio Luiz da Costa*

Capellão e Professor de religião Conego Bernardo Lyra da Silva

Professor de ler e escrever da classe dos

alunos; grammatica portugueza,

arithmetica, geographia e historia

Dr. Pedro José de Almeida

Professor de Música vocal e

instrumental da classe dos alumnos e

de contraponto

Guilherme Shulze

Professora na classe das alumnas, de

musica vocal e instrumental

Dona Adéle Maria Luiza Sigaud (cega)

Professora de língua franceza,

inspectora e repetidora das alumnas

Dona Maria Benedicta da Costa*

Mestra de costura e mais trabalhos

próprios das alumnas

Dona Rosa Albertina de Mello Figueiredo

Mestre de officina typographica Manoel Ferreira das Neves

Page 218: PUC-SP Martins de Almeida.pdfda infância e, sobretudo, dos anormais sensoriais passaram a conceber distintas práticas pedagógicas: para a educação dos cegos, a aprendizagem da

215

Repetidor na classe dos alunos, de ler,

escrever, grammatica, arithmetica,

historia sagrada e doutrina christã

Carlos Henrique Soares (cego)*

Amanuense, continuo e sacristão Americo Heraldo da Silva*

Porteiro e inspector dos meninos Joaquim José da Costa* * Residentes do Instituto

Quadro de funcionários do Collegio Nacional de Surdos-Mudos – 1861

NÃO CONTÉM REGISTRO

1862

Quadro de funcionários do Imperial Instituto dos Meninos Cegos

Função Cargo

Comissario do Governo Imperial no

Instituto

Marquez de Abrantes

Director , médico e interino tesoureiro Dr. Claudio Luiz da Costa*

Capellão e Professor de religião Conego Bernardo Lyra da Silva

Professor de ler e escrever da classe dos

alunos; grammatica portugueza,

arithmetica, geographia e historia

Dr. Pedro José de Almeida

Professor de Música vocal e

instrumental da classe dos alumnos e

de contraponto

Guilherme Shulze

Professora na classe das alumnas, de

musica vocal e instrumental

Dona Adéle Maria Luiza Sigaud (cega)

Professora de língua franceza,

inspectora e repetidora das alumnas

Dona Maria Benedicta da Costa*

Mestra de costura e mais trabalhos

próprios das alumnas

Dona Rosa Albertina de Mello Figueiredo

Mestre de officina typographica Manoel Ferreira das Neves

Repetidor na classe dos alunos, de ler,

escrever, grammatica, arithmetica,

historia sagrada e doutrina christã

Carlos Henrique Soares (cego)*

Repetidor da classe de francez e da 2ª

classe de musica

João Pinheiro de Carvalho*

Amanuense, continuo e sacristão Americo Heraldo da Silva*

Porteiro e inspector dos meninos Joaquim José da Costa* * Residentes do Instituto

Quadro de funcionários do Collegio Nacional de Surdos-Mudos

NÃO CONTÉM REGISTRO

Page 219: PUC-SP Martins de Almeida.pdfda infância e, sobretudo, dos anormais sensoriais passaram a conceber distintas práticas pedagógicas: para a educação dos cegos, a aprendizagem da

216

1863

Quadro de funcionários do Imperial Instituto dos Meninos Cegos

Função Cargo

Comissario do Governo Imperial no

Instituto

Marquez de Abrantes

Director , médico e interino thesoureiro Dr. Claudio Luiz da Costa*

Capellão e Professor de religião Conego Bernardo Lyra da Silva

Professor de mathematica e de

sciencias naturaes

Bacharel Benjamin Constantino Botelho de

Magalhães

Professor de ler e escrever da classe dos

alunos; grammatica portugueza,

arithmetica, geographia e historia

Dr. Pedro José de Almeida

Professor de Música vocal e

instrumental da classe dos alumnos e

de contraponto

Guilherme Shulze

Professora na classe das alumnas, de

musica vocal e instrumental

Dona Adéle Maria Luiza Sigaud (cega)

Professora de língua franceza,

inspectora e repetidora das alumnas

Dona Maria Benedicta da Costa*

Mestra de costura e mais trabalhos

próprios das alumnas

Dona Rosa Albertina de Mello Figueiredo

Mestre de officina typographica Manoel Ferreira das Neves

Repetidor na classe dos alunos, de ler,

escrever, grammatica, arithmetica,

historia sagrada e doutrina christã

Carlos Henrique Soares (cego)*

Repetidor da classe de francez e da 2ª

classe de musica

João Pinheiro de Carvalho*

Amanuense, continuo e sacristão Americo Heraldo da Silva*

Porteiro e inspector dos meninos Joaquim José da Costa* * Residentes do Instituto

Quadro de funcionários do Collegio Nacional de Surdos-Mudos

NÃO CONTÉM REGISTRO

1864

Quadro de funcionários do Imperial Instituto dos Meninos Cegos

Função Cargo

Comissario do Governo Imperial no

Instituto

Marquez de Abrantes

Director , médico e interino thesoureiro Dr. Claudio Luiz da Costa*

Capellão e Professor de religião Conego Bernardo Lyra da Silva

Professor de mathematica e de

sciencias naturaes

Bacharel Benjamin Constantino Botelho de

Magalhães

Page 220: PUC-SP Martins de Almeida.pdfda infância e, sobretudo, dos anormais sensoriais passaram a conceber distintas práticas pedagógicas: para a educação dos cegos, a aprendizagem da

217

Professor de ler e escrever da classe dos

alunos; grammatica portugueza,

arithmetica, geographia e historia

Dr. Pedro José de Almeida

Professor de Música vocal e

instrumental da classe dos alumnos e

de contraponto

Guilherme Shulze

Professora na classe das alumnas, de

musica vocal e instrumental

Dona Adéle Maria Luiza Sigaud (cega)

Professora de língua franceza,

inspectora e repetidora das alumnas

Dona Maria Benedicta da Costa*

Mestra de costura e mais trabalhos

próprios das alumnas

Dona Rosa Albertina de Mello Figueiredo

Mestre de officina typographica Manoel Ferreira das Neves

Repetidor na classe dos alunos, de ler,

escrever, grammatica, arithmetica,

historia sagrada e doutrina christã

Carlos Henrique Soares (cego)*

Repetidor da classe de francez e da 2ª

classe de musica

João Pinheiro de Carvalho*

Amanuense, continuo e sacristão Manoel Caetano da Silva*

Porteiro e inspector dos meninos Joaquim José da Costa* * Residentes do Instituto

Quadro de funcionários do Collegio Nacional de Surdos-Mudos

Função Cargo

Director e chefe do ensino Dr.M. de Magalhães Couto*

Directora encarregada da educação

moral das alumnas, da administração e

economia domestica, da direção da

enfermaria, rouparia e engomado

Dona Francelina Garcez de Magalhães*

Professor do 1º e 2º anno, língua

nacional da classe dos alumnos

O Director

Professora de 1º e 3º anno da classe das

alumnas

A Directora

Professor de articulação ou da palavra

artificial e da leitura sobre os labios

para ambos os sexos

O Director

Professora de costura e mais trabalhos

de agulha para as alumnas

A Directora

Médico Dr. A Pereira Leitão

Capellão interino Padre Hilario da Fonseca e Silva

Repetidor da classe dos alumnos, 3º

anno

Vago

Repetidor da classe dos alumnos, 2º

anno

Espiridião Gonçalves Trina, alumno do

estabelecimento*

Repetidor da classe dos alumnos, 1º

anno

Tobias Marcellino de Lemmos, alumno do

estabelecimento*

Page 221: PUC-SP Martins de Almeida.pdfda infância e, sobretudo, dos anormais sensoriais passaram a conceber distintas práticas pedagógicas: para a educação dos cegos, a aprendizagem da

218

Repetidor da classe das alumnas, 3º

anno

Vago

Repetidor da classe das alumnas, 1º

anno

Maria Pereira de Carvalho, alumna do

estabelecimento*

Inspector de alumnos Vago

Inspectora de alumnas Vago

Porteiro Antonio Joaquim de Paula Leite*

Mestre e dono da Sapataria em que

aprendem os alumnos esse oficio

Domingos José Fernandes

Mestre alfaiate e dono da oficinna em

que aprendem os alumnos esse oficio

José Antonio Martins

Mestre marceneiro e dono da oficinna

em que aprendem os alumnos esse

oficio

Joaquim Gomes de Oliveira

Mestre marceneiro e dono da oficinna

em que aprendem os alumnos esse

oficio

Maximiano José de Azevedo

* Residentes do Instituto

1865

Quadro de funcionários do Imperial Instituto dos Meninos Cegos

Função Cargo

Comissario do Governo Imperial no

Instituto

Marquez de Abrantes

Director , médico e interino thesoureiro Dr. Claudio Luiz da Costa*

Capellão e Professor de religião Conego Bernardo Lyra da Silva

Professor de mathematica e de

sciencias naturaes

Bacharel Benjamin Constantino Botelho de

Magalhães

Professor de ler e escrever da classe dos

alunos; grammatica portugueza,

arithmetica, geographia e historia

Dr. Pedro José de Almeida

Professor de Música vocal e

instrumental da classe dos alumnos e

de contraponto

Guilherme Shulze

Professora na classe das alumnas, de

musica vocal e instrumental

Dona Adéle Maria Luiza Sigaud (cega)

Professora de língua franceza,

inspectora e repetidora das alumnas

Dona Maria Benedicta da Costa*

Mestra de costura e mais trabalhos

próprios das alumnas

Dona Rosa Albertina de Mello Figueiredo

Mestre de officina typographica Manoel Ferreira das Neves

Repetidor na classe dos alunos, de ler,

escrever, grammatica, arithmetica,

historia sagrada e doutrina christã

Carlos Henrique Soares (cego)*

Repetidor da classe de francez e da 2ª

classe de musica

João Pinheiro de Carvalho*

Page 222: PUC-SP Martins de Almeida.pdfda infância e, sobretudo, dos anormais sensoriais passaram a conceber distintas práticas pedagógicas: para a educação dos cegos, a aprendizagem da

219

Amanuense, continuo e sacristão Américo Heraldo da Silva*

Porteiro e inspector dos meninos Manoel Caetano da Silva* * Residentes do Instituto

Quadro de funcionários do Collegio Nacional de Surdos-Mudos

Função Cargo

Director e chefe do ensino Dr.M. de Magalhães Couto*

Directora encarregada da educação

moral das alumnas, da administração e

economia domestica, da direção da

enfermaria, rouparia e engomado

Dona Francelina Garcez de Magalhães*

Médico Dr. A Pereira Leitão

Capellão interino Padre Hilario da Fonseca e Silva

Professor do 1º e 2º ano, lingua

nacional da classe dos alumnos,

Professor de Calligraphia para ambos

os sexos e repetidor do 3º ano

Antonio de Padua Machado Junior*

Professor do 3º anno, lingua nacional O Director

Professora do 1º e 2º ano, lingua

nacional da classe das alumnas.

A Directora

Professor de elementos de arthmetica e

geographia, de articulação ou da

palavra artificial e da leitura sobre os

labios para ambos os sexos

O Director

Professor de Desenho Joaquim Ignacio da Costa Miranda Junior

Professora de costura e mais trabalhos

de agulha para as alumnas

A Directora

Repetidor do 2º anno, Secção A Espiridião Gonçalves Trina, alumno do

estabelecimento*

Repetidor do 2º anno, Secção B,

amanuense e inspector dos alumnos

Galdino de Magalhães Couto*

Repetidor do 1º anno Tobias Marcellino de Lemos, alumno do

estabelecimento*

Repetidor da classe das alumnas, 1º e 2º

anno

Maria Pereira de Carvalho, alumna do

estabelecimento*

Inspectora de alumnas Vago

Porteiro Antonio Pereira do Lago

Mestre e dono da Sapataria em que

aprendem os alumnos esse oficio

Domingos José Fernandes

Mestre alfaiate e dono da oficinna em

que aprendem os alumnos esse oficio

José Antonio Martins

Mestre marceneiro e dono da oficinna

em que aprendem os alumnos esse

oficio

Joaquim Gomes de Oliveira

* Residentes do Instituto

Page 223: PUC-SP Martins de Almeida.pdfda infância e, sobretudo, dos anormais sensoriais passaram a conceber distintas práticas pedagógicas: para a educação dos cegos, a aprendizagem da

220

1866

Quadro de funcionários do Imperial Instituto dos Meninos Cegos

Função Cargo

Comissario do Governo Imperial no

Instituto

Conselheiro Luiz Pedreira do Coutto Ferraz

Director , médico e interino thesoureiro Dr. Claudio Luiz da Costa*

Capellão e Professor de religião Conego Bernardo Lyra da Silva

Professor de mathematica e de

sciencias naturaes

Bacharel Benjamin Constantino Botelho de

Magalhães

Professor de ler e escrever da classe dos

alunos; grammatica portugueza,

arithmetica, geographia e historia

Dr. Pedro José de Almeida

Professor de Música vocal e

instrumental da classe dos alumnos e

de contraponto

Guilherme Shulze

Professora na classe das alumnas, de

musica vocal e instrumental

Dona Adéle Maria Luiza Sigaud (cega)

Professora de língua franceza,

inspectora e repetidora das alumnas

Dona Maria Benedicta da Costa*

Mestra de costura e mais trabalhos

próprios das alumnas

Dona Rosa Albertina de Mello Figueiredo

Mestre de officina typographica Manoel Ferreira das Neves

Repetidor na classe dos alunos, de ler,

escrever, grammatica, arithmetica,

historia sagrada e doutrina christã

Carlos Henrique Soares (cego)*

Repetidor da classe de francez e da 2ª

classe de musica e mestre da officina de

encadernar

João Pinheiro de Carvalho*

Repetidores adidos José Pinto Cerqueira* e Dona Leopoldina

Maria da Conceição

Amanuense, continuo e sacristão Américo Heraldo da Silva*

Porteiro e inspector dos meninos José Jacinto da Rocha Lima* * Residentes do Instituto

Quadro de funcionários do Collegio Nacional de Surdos-Mudos

Função Cargo

Director e chefe do ensino Dr.M. de Magalhães Couto*

Directora encarregada da educação

moral das alumnas, da administração e

economia domestica, da direção da

enfermaria, rouparia e engomado

Dona Francelina Garcez de Magalhães*

Médico Dr. João Pedro de Miranda

Capellão interino -

Professor do 1º e 2º ano, lingua

nacional da classe dos alumnos,

Professor de Calligraphia para ambos

os sexos

Silvio Pellico Ferreira de Souza*

Page 224: PUC-SP Martins de Almeida.pdfda infância e, sobretudo, dos anormais sensoriais passaram a conceber distintas práticas pedagógicas: para a educação dos cegos, a aprendizagem da

221

Professor do 3º anno, lingua nacional O Director

Professora do 1º e 2º ano, lingua

nacional da classe das alumnas.

A Directora

Professor de elementos de arthmetica e

algebra, de articulação ou da palavra

artificial e da leitura sobre os labios

para ambos os sexos

O Director

Professor de elementos de geographia e

de historia

Silvio Pellico Ferreira de Souza*

Professor de Desenho Joaquim Ignacio da Costa Miranda Junior

Professora de costura e mais trabalhos

de agulha para as alumnas

A Directora

Repetidor do 2º anno, Secção A Espiridião Gonçalves Trina, alumno do

estabelecimento*

Repetidor do 2º anno, Secção B,

amanuense e inspector dos alumnos

Galdino de Magalhães Couto*

Repetidor do 1º anno Tobias Marcellino de Lemos, alumno do

estabelecimento*

Repetidor da classe das alumnas, 1º e 2º

anno

Maria Pereira de Carvalho, alumna do

estabelecimento*

Inspectora de alumnas Vago

Porteiro Antonio Pereira do Lago

Mestre e dono da Sapataria em que

aprendem os alumnos esse oficio

-

Mestre alfaiate e dono da oficinna em

que aprendem os alumnos esse oficio

-

Mestre marceneiro e dono da oficinna

em que aprendem os alumnos esse

oficio

-

* Residentes do Instituto

1867

Quadro de funcionários do Imperial Instituto dos Meninos Cegos

Função Cargo

Comissario do Governo Imperial no

Instituto

Conselheiro Luiz Pedreira do Coutto Ferraz

Director , médico e interino tesoureiro Dr. Claudio Luiz da Costa*

Capellão e Professor de religião Conego Bernardo Lyra da Silva

Professor de mathematica e de

sciencias naturaes

Interinamente Bacharel Antonio Carlos de

Oliveira Guimarães

Professor de ler e escrever da classe dos

alunos; grammatica portugueza,

arithmetica, geographia e historia

Dr. Pedro José de Almeida

Professor de Música vocal e

instrumental da classe dos alumnos e

de contraponto

Guilherme Shulze

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222

Professora na classe das alumnas, de

musica vocal e instrumental

Dona Adéle Maria Luiza Sigaud (cega)

Professora de língua franceza,

inspectora e repetidora das alumnas

Dona Maria Benedicta da Costa*

Mestra de costura e mais trabalhos

próprios das alumnas

Dona Rosa Albertina de Mello Figueiredo

Mestre de officina typographica Manoel Ferreira das Neves

Repetidor na classe dos alunos, de ler,

escrever, grammatica, arithmetica,

historia sagrada e doutrina christã

Carlos Henrique Soares (cego)*

Repetidor da classe de francez e da 2ª

classe de musica e mestre da officina de

encadernar

João Pinheiro de Carvalho*

Repetidores adidos José Pinto Cerqueira* e Dona Leopoldina

Maria da Conceição

Amanuense, continuo e sacristão Américo Heraldo da Silva*

Porteiro e inspector dos meninos José Jacinto da Rocha Lima* * Residentes do Instituto

Quadro de funcionários do Collegio Nacional de Surdos-Mudos

Função Cargo

Director , tesoureiro e chefe do ensino Dr.M. de Magalhães Couto*

Directora encarregada da educação

moral das alumnas, da administração e

economia domestica, da direção da

enfermaria, rouparia e engomado

Dona Francelina Garcez de Magalhães*

Médico Dr. João Pedro de Miranda

Capellão interino -

Professor do 1º e 2º ano, lingua

nacional da classe dos alumnos,

Professor de Calligraphia para ambos

os sexos

Silvio Pellico Ferreira de Souza*

Professor do 3º anno, lingua nacional O Director

Professora do 1º e 2º ano, lingua

nacional da classe das alumnas.

A Directora

Professor de elementos de arthmetica e

algebra, de articulação ou da palavra

artificial e da leitura sobre os labios

para ambos os sexos

O Director

Professor de elementos de geographia e

de historia

Silvio Pellico Ferreira de Souza*

Professor de Desenho Joaquim Ignacio da Costa Miranda Junior

Professora de costura e mais trabalhos

de agulha para as alumnas

A Directora

Repetidor do 2º anno, Secção A Espiridião Gonçalves Trina, alumno do

estabelecimento*

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Repetidor do 2º anno, Secção B,

amanuense e inspector dos alumnos

Galdino de Magalhães Couto*

Repetidor do 1º anno Tobias Marcellino de Lemos, alumno do

estabelecimento*

Repetidor da classe das alumnas, 1º e 2º

anno

Maria Pereira de Carvalho, alumna do

estabelecimento*

Inspectora de alumnas Vago

Porteiro Antonio Pereira do Lago

Mestre e dono da Sapataria em que

aprendem os alumnos esse oficio

-

Mestre alfaiate e dono da oficinna em

que aprendem os alumnos esse oficio

-

Mestre marceneiro e dono da oficinna

em que aprendem os alumnos esse

oficio

-

* Residentes do Instituto

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Anexo B

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