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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO - PUC - SP

    Andreia Perroni Escudero

    ADULTESCNCIA E IMAGEM

    O emergir do puer aeternus" nos meios de comunicao

    DOUTORADO EM COMUNICAO E SEMITICA

    So Paulo

    2012

  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO - PUC - SP

    Andreia Perroni Escudero

    ADULTESCNCIA E IMAGEM

    O emergir do puer aeternus" nos meios de comunicao

    DOUTORADO EM COMUNICAO E SEMITICA

    Tese apresentada Banca Examinadora da

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo,

    como exigncia parcial para obteno do ttulo

    de Doutor em Comunicao Semitica sob a

    orientao do Prof. Doutor Norval Baitello Jnior.

    So Paulo 2012

  • ESCUDERO, A.P. Adultescncia e Imagem. O emergir do puer aeternus" nos meios

    de comunicao. 2012. 139 pgs. Tese de Doutorado em Comunicao e Semitica

    Pontifcia Universidade Catlica, So Paulo, 2012

    Errata

    Pgina Linha Onde se L Leia-se

    13 incluir um nico caso. incluir um nico caso ou mltiplos casos.

    13 Para discutir esses fatos, a base tercia ser a de Norval Baitello Jnior. Sobre a Auto-referncia dos meios como base.

    Para discutir esses fatos, a base terica ser a de Norval Baitello Jnior sobre a Auto-referncia dos meios.

    14 A era de Gutenberg a transformao

    A era de Gutenberg propiciou a transformao

    23 (entre 25 e 40 anos) (entre 25 e 45 anos)

    35 Receber a velhice como um processo natural da vida cada vez mais raro e a idia da morte

    Receber a velhice como um processo natural da vida cada vez mais raro e a ideia da morte

    37 Hillman (...) assimtrico e denotando a

    Hillman (...) assimtrico e que denotam

    38 Rodap: Acesso em 19/01/2012.

    Acesso em 19/01/2012. Traduo da Autora.

    42 No h dvida, assim, de que o indivduo contemporneo no v (...)

    No h dvida, assim, de que o indivduo contemporneo v (...)

    43 Enfim, podem ser inmeras as caractersticas do indivduo puer aeternus ou Peter Pan, contudo, importante deixar claro que este estudo no apresenta o indivduo que apresenta alguns dos comportamentos citados como uma pessoa doente ...

    Enfim, podem ser inmeras as caractersticas do indivduo puer aeternus ou Peter Pan. importante deixar claro que este estudo no coloca o indivduo que apresenta alguns dos comportamentos citados como uma pessoa doente...

    46 2. A Ps-modernidade como Ambiente Propcio para a Asceno a Adultescncia e a Resgnificao do Sagrado

    2. A Ps-modernidade como Ambiente Propcio para a Asceno da Adultescncia e a Resignificao do Sagrado

    59 E por incrvel que parece, h esta possibilidade atravs dos mdias

    E por incrvel que parea, h esta possibilidade atravs dos meios

    66 (...) propondo amenizar o acentuado enfoque clnico que os junguianos do ao

    (...) propondo amenizar o acentuado enfoque clnico que os junguianos do ao tema abordando tambm implicaes espirituais.

  • tema abordando tambm implicaes tambm espirituais.

    69 Numa sociedade de consumidores, tonar-se uma mercadoria desejada (...)

    Numa sociedade de consumidores, tornar-se uma mercadoria desejada (...)

    88 Se os adolescentes um tempo de frustrao

    Se para os adolescentes um tempo de frustrao

    89 Rodap: (...) rpido? (...) rpido? (Traduo da Autora) 102 Se os meios de comunicao

    trabalhassem somente com o lado negativo do puer, ou que o eixo principal fosse a juventude, com certeza as pessoas (...)

    Se os meios de comunicao trabalhassem somente com o lado negativo do puer, com certeza as pessoas (...)

    103 A citao de Calligaris traz um fator de extrema importncia para este estudo, a ideia de que a vida adolescente a qual o adulto admira, saudosista e persegue compulsivamente uma (...)idealizao

    A citao de Calligaris traz um fator de extrema importncia para este estudo, a ideia de que a vida adolescente a qual o adulto admira, saudosista e persegue compulsivamente uma (...)idealizao

    105 Rodap: Eu prometo que eu no irei mudar/ Ento melhor desistir.

    Rodap: Eu prometo que eu no irei mudar/ Ento melhor desistir. (Traduo da Autora).

    107 (...) concebem imagens sonoras e visuais que se digladiam

    (...) concebem imagens sonoras e visuais que se digladiam

    113 A prpria moda cclica, mas aqui se ressalta o simblico que h atravs de alguns formatos que continua sendo reproduzido

    A prpria moda cclica, mas aqui se ressalta o simblico que h atravs de alguns formatos que continuam sendo reproduzidos

    118 E os meios de comunicao realmente tm esse poder de transformar tendncias em padres bsicos de consumo, com infinitas variaes, onde o indivduo por modismo ou por necessidade de socializao, afinal de contas estar dentro dos padres seguidos por personalidades

    E os meios de comunicao realmente tm esse poder de transformar tendncias em padres bsicos de consumo, com infinitas variaes, onde o indivduo por modismo ou por necessidade de socializao acaba aderindo aos formatos sugeridos ,afinal de contas estar dentro dos padres seguidos por personalidades

    121 Excluir nota 93 132 BAITELLO Jnior, N. O

    Homem que parou os relgios.

    BAITELLO Jnior, N. O Animal que parou os relgios.

    132 BAUDRILLARD, J. Simulacros e simulao. Lisboa: Relgio D'gua, 1991.

  • 132 BAUDRILLARD, J. O Sistema dos Objetos. So Paulo: Perspectiva, 2002.

    132 BERMAN, M. Tudo que Slido se Desmancha no A.

    BERMAN, M. Tudo que Slido Desmancha no Ar.

    132 CALLIGARIS, C. A Adolescncia. So Paulo: Publifolha, 2000.

    133 COELHO, J.T. Moderno Ps-Moderno: modos e verses.So Paulo: Iluminuras, 2001.

    134 MORIN, E. Introduo ao Pensamento Complexo. Porto Alegre: Sulina, 2005.

    135 PROSS, H. La Estructura Simbolica del Poder. Barcelona: G. Gili, s.d., 1989.

    135 YIN, R.K. Estudo de Caso Planejamento e Mtodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.

    136 BAITELLO JUNIOR, N. A sociedade das imagens em srie e a cultura do eco. Revista Faro, ano 1, n 2, s.d. Disponvel em: http://web.upla.cl/revistafaro/n2/02_baitello.htm - acesso em 22 de abril de2009.

    137 MIRANDA, L. e OLIVEIRA, P.R. O Empreendedorismo Evanglico dos Brothers: Bola de Neve Church e o Marketing Religioso. In: XII Congresso de Cincias da Comunicao. Intercom Jr. 2011.

    137 SORG, L. Ex apresentadora da BBC ganha processo judicial por discriminao de idade 12/01/2011. Disponvel em http://colunas.revistaepoca.globo.com/mulher7por7/2011/12/07/existe-uma-idade-limite-para-apresentadoras-de-tv/. Acesso em 31/01/2012.

    138 Informaes Verbais - BAITELLO Jr. N. Disciplina: As cincias da cultura e os domnios da imagem no curso de Ps Graduao de Comunicao e Semitica da Pontifcia Universidade Catlica de SP, em 11/09/2010

  • Banca Examinadora

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  • AGRADECIMENTOS

    No ato de agradecer sinto que nos tornamos verdadeiramente humanos. Colocamos

    em destaque nossa fragilidade, nossas limitaes e nossa real caracterstica

    gregria, de necessitar da comunidade para sobreviver, mas tambm, para realizar

    sonhos.

    difcil imaginar que h algum que termine um curso como este sem ter

    agradecimentos a fazer, afinal, trata-se de um tempo mpar de dedicao que

    disputa com o tempo da famlia, dos amigos, do trabalho e do lazer. Sendo assim,

    digo que o doutorado foi um projeto familiar.

    Agradeo, em primeiro lugar, Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de

    Nvel Superior CAPES, pela bolsa generosamente concedida. PUC pelo

    acolhimento e estrutura.

    Agradeo aos familiares pelo interesse e incentivo, em especial minha me, por

    no ter me deixado desistir.

    Agradeo ao meu marido, por contrariar as pesquisas sobre divrcios como

    resultado de cursos como este.

    A todos os amigos que se sentiram ignorados durante os perodos crticos deste

    projeto.

    Aos professores e pensadores que contriburam nesta construo.

    Nestes quatro anos, mudei de profisso, virei me pela segunda vez, perdi um pai

    querido e posso dizer que, somado a tudo isto, este tema foi motivo de crescimento,

    reflexo e amadurecimento. Tenho muito orgulho desta caminhada e,

    definitivamente, estou saindo dela muito diferente.

    Finalmente, muito obrigada ao meu orientador Norval Baitello Jnior, que

    acompanhou toda esta metamorfose com pacincia e cumplicidade, e que me

    apresentou diversos caminhos para desmembrar o tema em questo.

    Aos meus filhos queridos.... Estou de volta!

  • RESUMO

    Andria Perroni Escudero

    ADULTESCNCIA E IMAGEM

    O emergir do puer aeternus" nos meios de comunicao

    Palavras-chave: adultescncia, Iconofagia, imagem, lgica do consumo mdia, puer aeternus

    Atualmente, so muitos os fatores que comprovam que o adulto contemporneo, principalmente das grandes metrpoles capitalistas, possui hbitos, comportamentos e atitudes juvenilizados. Esta pesquisa parte da premissa de que os media tm papel essencial na criao dos padres de juventude (uniformizao) que serviro como referncia para esses adultos, incentivando uma demanda por produtos que assinalam esta tendncia, fornecendo-lhes identidade de acordo com os comportamentos que presumem ser mais interessante divulgar, economicamente falando. O objetivo central desta pesquisa analisar o papel dos meios de comunicao na criao e proliferao de padres estticos da cultura adultescente, entre indivduos de 25 a 40 anos de idade, concomitantemente com a necessidade do sistema de produo e do consumo na fortificao deste comportamento como forma de vida geradora de lucros. Porm, para se chegar a esta anlise, foi necessrio outro aprofundamento: a juventude tem seus encantos universais e seculares e, por isso, h a necessidade de trazer os aspectos arquetpicos do puer aeternus, pois estes acabam refletidos nos contedos miditicos e nos processos de identificao e projeo que atuam nos indivduos. O mtodo de pesquisa escolhido foi o exploratrio com estudo de mltiplos casos, assim, os objetos de estudo so fragmentos de produes cinematogrficas, televisivas, mdia impressa e internet, que configuram a esttica e o comportamento de juventude reproduzidos pelos adultescentes. Tendo em vista que abordar os conceitos de Auto-referncia na mdia, Construo de imagem, Crise da visibilidade e Iconofagia constituem a essncia desta pesquisa, esta anlise ser conduzida com base nos pensamentos do terico da comunicao Norval Baitello Jnior. Os pesquisadores Bystrina, Bauman, Debord, e Postman faro neste estudo a interseo entre a cultura das massas, a lgica do consumo e o campo da comunicao. Para melhor compreender os pensamentos e atitudes do puer aeternus, contaremos principalmente com os trabalhos dos psicoterapeutas Contardo Calligaris, Marie-Louise von Franz, James Hillman e Charles Melman.

  • ABSTRACT

    Andria Perroni Escudero

    ADULTESCENT AND IMAGE The arise of the "puer aeternus" in the mass media

    Key words: Adultescent, image, buyology, puer aeternus, mass media, iconophagy

    Currently, there are many factors that prove that the contemporary adult (especially in large capitalist cities) has habits, behavior and attitudes that are adultescent like. This research assumes that the media have an essential role in creating standards for the youth (standardization) that serve as reference for these adults, encouraging a demand for products that highlight this trend by providing identity to them according to the behaviors that the marketers assume to be more interesting to be spread in the media(economically speaking). The main objective of this research is to analyze the role of media in the creation and proliferation of the aesthetic kidult culture among individuals from 25 to 40 years old concurrently with the need of reinforcing this behavior as a lifestyle that generates profits. However, to achieve this analysis it was necessary to go deep inside another factor: the youth has its own universal and secular charms and therefore the need to bring the archetypal aspects of the puer aeternus, because they end up reflected in the media content and in the processes of identification and projection that are part of the individuals. The chosen research method was the exploratory one with the study of multiple cases, so that the objects of study are fragments of cinematographic or television productions and the printed media and internet media that determine the youth aesthetics and the behavior reproduced by the kidults. Considering that to address the concept of self-reference in the media, the self-image construction, visibility crisis and the iconophagy are the essence of this research, this analysis will be conducted based on the thoughts of the communication theorist Norval Baitello. The theorists Bystrina, Bauman, Debord, and Postman will perform in this study the intersection among the culture of the masses, the consumption logic and the communication field. To better understand the thoughts and the attitudes of the "puer," we will count mainly on the work of the psychotherapists Contardo Calligaris, Marie Louise Von Franz, James Hillman and Charles Melman.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Nenhuma entrada de ndice de ilustraes foi encontrada.

  • SUMRIO

    Nenhuma entrada de sumrio foi encontrada.

  • 11

  • INTRODUO .......................................................................................................... 12

    CAPTULO I .............................................................................................................. 18

    1 Aspectos Histricos e Arquetpicos da Adolescncia ....................................... 18

    1.1 Nostalgia Infantil no contexto do adulto contemporneo ............................ 18

    1.2 A criao do adolescente ......................................................................... 23

    1.3 O Arqutipo do Jovem Eterno e a Bipolaridade Arcaica ............................. 28

    1.4 Arqutipo do Puer Aeternus, leituras da psicologia e a relao com a

    Adultescncia ................................................................................................ 39

    CAPTULO II ............................................................................................................. 46

    2 A Ps-modernidade como Ambiente Propcio para a Asceno a

    Adultescncia e a Resgnificao do Sagrado ................................................... 46

    2.1 A Crise do indivduo ps-moderno .............................................................. 46

    2.2 O declnio do sagrado, a ressignificao de objetos e imagens. ................ 51

    2.3 A Religio Adultescente e o Adultescente em busca do Sagrado .............. 57

    2.4 Bola de Neve Church: a mais adultescente das religies ......................... 60

    2.5 Outras Consideraes sobre o Adultescente, a Religiosidade e Hipteses

    de Cura ........................................................................................................... 63

    CAPTULO III ............................................................................................................ 69

    3 A Adultescncia como reflexo do Sistema Capitalista de Produo .............. 69

    3.1 A Sociedade do Consumo, o Espetculo e o Tempo fatores de construo

    da imagem e comportamento puer ................................................................... 70

    3.2 A Ps-modernidade e as Novas Relaes de Trabalho ............................. 77

    3.3 Identidades em Metamorfose aliceradas pelas novas prticas de consumo81

    CAPTULO IV ............................................................................................................ 85

    4 A Construo da Imagem De Juventude Nos Anos 50 E 60 Alicerada Pelos

    Meios De Comunicao E Pelo Consumo ........................................................... 85

    4.1 O Irromper da Imagem de Juventude ......................................................... 85

    4.2 Baby Boomers e Gerao X - De uma pr-disposio de adotar imagens

    juvenis a comportamento epidmico scio-cultural ........................................... 89

  • 4.3 Produes Miditicas: Reflexos e refletores do estilo de vida

    adultescente ................................................................................................... 96

    4.4 Estratgias de Seduo e Perpetuao das Imagens de Juventude ........ 106

    CONCLUSO .......................................................................................................... 128

    BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 132

  • 11

    Ilustrao 1: Adultescncia - Etson Deleg Fonte: Autora

    As modas atuais esto pensadas para corpos jovens, e tragicmica a situao de pais e mes que se vem obrigados a imitar seus filhos na indumentria. Ns que j andamos na curva descendente da vida, vemo--nos na inaudita necessidade de ter que desandar um pouco o caminho percorrido, como se houvssemos errado, e fazer-nos de bom grado ou no, mais jovens do que somos. No se trata de fingir uma mocidade que se ausenta de nossa pessoa, mas o mdulo adotado pela vida objetiva o juvenil, e nos fora sua adoo. Como com o vestir, acontece com todo o resto: os usos, prazeres, costumes modas, esto talhadas medida dos efebos. Eu no sei se este triunfo da juventude ser um fenmeno passageiro ou uma atitude profunda que a vida humana tomou e que chegar a qualificar toda uma poca. preciso que passe algum tempo para averiguar este prognstico (ORTEGA Y GASSETE: 1959, p. 294)

  • 12

    INTRODUO

    Coleo de carrinhos e de bonecos, passear fantasiado, aniversrio com

    tema de heroi, jogos de vdeogame, frequentar parques de diverso, paqueras e

    namorinhos rpidos, tudo isto no doce respaldo do lar dos pais.

    Se estivssemos falando sobre a vida de alguma criana ou adolescente, no

    haveria qualquer tipo de estranhamento, afinal de contas, estes so praticamente os

    smbolos que regem esta fase da vida. Mas, por incrvel que parea, no estamos

    falando de adolescentes e sim de um mundo bem adulto: o mundo de adultos que

    resistem a crescer1.

    Estes hbitos no so identificados em grupos isolados, nem sequer causam

    estranhamento sociedade. Ento, no se trata de tendncia, mas de uma

    realidade j estabelecida.

    Os adultos, principalmente os das grandes metrpoles2, com mdia de idade

    entre 25 a 45 anos, tm apresentado comportamentos dignos de adolescentes nos

    ltimos tempos. E os meios de comunicao, por sua vez, refletem/retroalimentam o

    fenmeno a partir do momento em que inserem em suas produes e contedos

    editoriais personagens que agregam as mesmas caractersticas, para gerar

    projees e identificaes.

    Sendo assim, este trabalho surgiu do seguinte questionamento: seriam os

    meios de comunicao responsveis por estimular/condicionar e oferecer padres

    de juventude a serem seguidos? Por que razo seria isto vantajoso? Quando,

    exatamente, essa exacerbao da imagem juvenil nos meios de comunicao teve

    incio?

    Logo no comeo da pesquisa exploratria, para responder as perguntas

    acima, mostrou-se necessrio tirar o foco dos meios de comunicao e entender o

    indivduo ps-moderno, juntamente com o contexto em que est inserido. Para

    compreender esta realidade, um leque de outros questionamentos se abriu.

    1 Vrios nomes so dados para pessoas com este tipo de comportamento. Eles sero detalhados durante a tese. 2 Embora seja um fenmeno mundial, esta anlise se restringir a contedos, exemplos e pessoas do Brasil.

  • 13

    A mitologia, por exemplo, explica a fascinao que o arqutipo do puer

    aeternus (jovem eterno)3, exerce sobre a humanidade e que por isso mesmo se

    torna contedo inerente s mais diferentes produes miditicas.

    Contudo, so os tericos da psicologia que analisam a relao do indivduo

    puer com o arqutipo. Assim, o mtodo tomou um caminho interdisciplinar essencial

    para dar a real dimenso que o fenmeno apresenta, principalmente porque a

    prpria evoluo da raa humana e dos modernos sistemas de produo acabam

    por contribuir no processo.

    A utilizao do estudo de caso como mtodo de pesquisa foi escolhido

    porque, segundo Yin (1981), a melhor forma de se investigar um fenmeno atual

    dentro de seu contexto real, no qual as fronteiras entre o fenmeno e o contexto no

    esto claramente definidas. Tambm, segundo o autor, o estudo de caso pode

    incluir um nico caso.

    Nesta tese, a apresentao de mltiplos casos foi a melhor forma para

    ratificar uma das hipteses do projeto de pesquisa: os media tm papel essencial na

    criao de padres de juventude (uniformizao) que servem de referncia para

    esses adultos juvenilizados, incentivando uma demanda por produtos que assinalam

    esta tendncia, fornecendo identidade aos mesmos, de acordo com os

    comportamentos que se presumem ser mais interessante divulgar (economicamente

    falando). Para discutir esses fatos, a base terica ser a de Norval Baitello Jnior.

    sobre a Auto-referncia dos meios como base.

    Sendo assim, a inteno no ser o aprofundamento de cada caso escolhido,

    e sim como todos juntos se reafirmam e propagam a juventude como condio ideal

    de vida.

    Quanto estrutura, o trabalho apresentar-se- da seguinte forma:

    No Captulo I, so levantados aspectos histricos da adolescncia como fase

    de vida recm implantada na sociedade, alm de aspectos arquetpicos e

    psicolgicos do jovem eterno. O aspecto histrico ser abordado para esclarecer

    que a forma como o perodo juvenil era percebido nos sculos passados muito

    3 Este termo ser detalhado no Captulo I.

  • 14

    diferente da atualidade, em que ser jovem condio privilegiada e invejada.

    Naquele perodo, o ser criana baseava-se na incapacidade de desenvolver tarefas

    e a transformao em adulto (geralmente a partir dos sete anos) dava-se quando se

    estava apto a ajudar a famlia como mais um trabalhador. A era de Gutenberg a

    transformao da categoria juvenil atravs da escola e do tempo de aprender.

    A juventude tem seus encantos universais e seculares, e por isso, a

    necessidade de trazer os aspectos arquetpicos do puer aeternus, pois estes

    acabam refletidos nos contedos miditicos. Este mesmo captulo discute a funo

    arquetpica que torna o estado de juventude to atraente para a humanidade, o

    jovem eterno como elemento do imaginrio comum, os substratos mticos que

    formatam e conduzem esta postura e seus mecanismos de atuao na vida de cada

    indivduo. Tambm contribuem os textos da psicologia que analisam o arqutipo do

    puer em contrapartida com o indivduo contemporneo. Tudo isto para tentar compor

    parte relevante deste tema.

    No h dvidas de que o indivduo maduro e os smbolos que o representam

    esto em plena mutao. O Captulo II trata de como a falncia dos principais

    sustentculos da modernidade (a crise da cincia como verdade absoluta, da

    religio, dos valores familiares entre outros aspectos) afetaram a

    contemporaneidade. A fragmentao do indivduo, as mltiplas possibilidades que o

    cercam e a necessidade de prazer imediato tambm sero abordadas como fatores

    preponderantes para a ascenso do fenmeno. Contudo, a nfase deste captulo

    ser na falta de linhas mestra/grandes narrativas para seguir, e, por isso,

    acreditando ser possvel a identificao do pblico puer com os novos formatos

    religiosos miditicos e estticos apresentados pelas igrejas, principalmente as

    neopentecostais, colaborando para a proliferao do comportamento em foco.

    Aps esta anlise, trazido o caso da Igreja Bola de Neve Church que

    ratificar a tendncia. O captulo tem seu fechamento relacionando as formas como

    a igreja em seus novos parmetros necessitam do no-lugar para congregar seus

    fieis e lev-los a algum tipo de transcendncia, assim como o indivduo puer, imerso

    em todas as plataformas imagticas que constituem o seu modo de vida atual. O

    fechamento se d levantando-se a questo sobre as possveis formas de cura do

    indivduo regido pelo arqutipo do puer aeternus, atravs da religio.

  • 15

    Conforme a pesquisa ganha dimenso, torna-se muito clara a extenso do

    poder do sistema de produo capitalista e da mquina miditica na construo

    comportamental e esttica deste indivduo. No Captulo III, analisa-se a

    transformao ocorrida na sociedade de consumo no ltimo sculo, em que o tempo

    livre mercantilizado e a ordem a espetacularizao da vida, dos processos e do

    lazer. Para a consolidao deste estado, necessrio que o querer e desejar

    (objetos, experincias, fantasias) esteja embutido, permanentemente, na vida deste

    indivduo, e os produtores, por sua vez, tenham a capacidade de no s dar conta

    desta demanda constante, porm recicl-la para que novas demandas sejam criadas

    e o processo mantenha seu curso. A transformao da unidade de tempo do

    indivduo de cclico para pseudocclico, ou pontilhista tambm observada como

    consequncia da necessidade de fragmentao em instantes eternos, de diverso e

    realizaes atravs do consumo. As novas formas de produo de bens e a relao

    da empregabilidade entre empresrios e funcionrios tambm so avaliadas. Tudo

    isto com enfoque no fenmeno.

    Como ser detalhado posteriormente, priorizam-se funcionrios que

    funcionem dentro dos padres pr-estabelecidos pelo sistema. Este conjunto de

    caractersticas desejveis englobam, principalmente, a superficializao dos

    vnculos, a no-especializao, a disposio por mudanas, sejam geogrficas,

    profissionais, sociais e principalmente, a ausncia de apegos corporativos. Dentro

    deste contexto, as identidades efmeras so uma consequncia do processo. Neste

    momento, um paralelo entre estes fatos e a consolidao da esttica puer no adulto

    apresentado como base para o desenvolvimento do Captulo IV.

    Para finalizar, o ltimo captulo traz um pequeno histrico de como a imagem

    de juventude gradativamente comeou a ganhar espao na sociedade a partir da

    dcada de 1950 at se tornar atrativa para a classe adulta, chegando ao ponto de

    ser incorporada como ideal de vida. Os primeiros indcios contundentes neste

    sentido verificam-se a partir de 1980 e tem como protagonista a Gerao X.

    Tambm neste captulo que alguns acontecimentos prioritrios na criao

    das primeiras imagens sobre a juventude idealizada foram analisados. Soma-se

    esta composio miditica os esteretipos criados pelos prprios adultos sobre esta

    fase da vida.

  • 16

    Tipos diversificados de contedos miditicos que remetem a vrios aspectos

    adultescentes so aqui abordados, com a inteno de demonstrar como h

    diversas formas de retratar a juventude para gerar mimetismos, bem como os

    comportamentos do individuo puer perante cada um deles. O que une estas

    informaes a forma como o sistema miditico congrega todas as possibilidades,

    uma ratificando a outra, independente da plataforma. Esse processo que se iniciou

    no incio da ps-modernidade (por volta da dcada de 1950), culminou na realidade

    que temos hoje, tendo em vista que a imagem de juventude o fator primordial de

    reconhecimento do adultescente.

    As estratgias que as imagens de juventude utilizam para se perpetuarem

    atravs dos anos e os mtodos utilizados pelos meios para darem a visibilidade

    necessria para torn-las referncias sero, por fim, analisados. Toda esta

    composio, aliada aos fatores abordados anteriormente daro a dimenso dos

    motivos que fizeram o arqutipo puer aeternus emergir de forma to arrebatadora

    em nossa sociedade.

    impossvel catalogar, nesta tese, todos os comportamentos e fatos que

    poderiam reverter em uma esttica juvenilizada do adulto, por isso, restringimo-nos a

    alguns acontecimentos que acabam por revelar uma situao panormica do

    contexto da juventude tardia.

    Este fenmeno uma realidade que congrega outro to interessante quanto,

    o da senilizao das crianas e da prpria juventude. Enquanto os adultos se

    esforam para conseguir ser e mostrar-se mais juvenis, crianas e jovens vo

    direo contrria, esto amadurecendo precocemente, assumindo posturas e

    comportamentos que no condizem com sua idade, embora, pela teoria de Norval

    Baitello Jnior um fenmeno esteja intrinsecamente ligado ao outro. Infelizmente,

    esta realidade no ser aqui analisada, pois esta tese no comportaria dois temas

    de tamanha magnitude4.

    O universo das imagens que cercam o fenmeno rico e complexo, porm,

    poucos, mas significativos, foram os casos escolhidos para serem representativos do

    4 Aos interessados no tema, Neil Postman (Livro O desaparecimento da Infncia") e Norval Baitello Jnior. (A Era da Iconofagia) podero contribuir muito com informaes.

  • 17

    contexto. Indubitavelmente, um raio x digno do fenmeno juntamente com as

    imagens, teorias e estratgias imagticas que o abarcam um trabalho para uma

    vida, e certamente continuar aps a concluso desta tese.

    Os tericos que embasaram este estudo, no sentido de melhor compreender

    os pensamentos e atitudes do arqutipo puer aeternus refletidos no indivduo

    contemporneo foram os psicoterapeutas Contardo Calligaris, Marie-Louise von

    Franz, James Hillman e Charles Melman.

    Sabendo-se que o fenmeno nasce com a ps-modernidade, sero

    chamados reflexo os textos de Jameson, Lyotard, Baudrillard, Harvey e

    Habermas (obras especificadas na bibliografia) para contextualizar a pesquisa e

    traar um paralelo entre a ps-modernidade e o fenmeno em pauta. O surgimento

    de uma nova forma de sagrado, para suprir a lacuna trazida pelo movimento ps-

    moderno com relao religiosidade, s foi possvel com as contribuies de Vilm

    Flusser, Alberto Klein e Malena Contrera.

    Tendo em vista que abordar o conceito de imagem, visibilidade e vnculos

    constitui a essncia desta pesquisa, esta anlise foi conduzida tomando como base

    os pensamentos dos tericos da mdia Dietmar Kamper, Hanz Belting, Norval

    Baitello Jnior e Vilm Flusser, dentre outros constantes na bibliografia.

    Os tericos da comunicao Bystrina, Postman, Malena Contrera, Rose

    Rocha e o socilogo Edgar Morin, alm de Guy Debord e Baudrillard foram

    essenciais na interseco entre a cultura das massas, a lgica do consumo e o

    campo da comunicao.

  • 18

    CAPTULO I

    1 Aspectos Histricos e Arquetpicos da Adolescncia

    1.1 Nostalgia Infantil no contexto do adulto contemporneo

    Sou uma mulher madura Que s vezes anda de balano

    Sou uma criana insegura Que s vezes usa salto alto

    Sou uma mulher que balana Sou uma criana que atura.

    Martha Medeiros

    Certa vez, Nelson Rodrigues escreveu em uma crnica5 que o Brasil de 1920

    era uma paisagem de velhos ''(...) os moos no tinham funo, nem destino. A

    poca no suportava a mocidade''. Para tentar amenizar o fato de ser jovem, havia

    um esforo coletivo desta classe, no sentido de disfarar seu tempo cronolgico e

    aparentar mais idade. Era comum um homem de 25 anos cultivar seu bigode e zelar

    por ele, optar por roupas escuras e discretas e adotar o guarda-chuva ou a bengala

    como acessrio inseparvel, para ser identificado como um representante da classe

    dos 40 e 50 anos. Para ter o respeito e voz ativa perante a sociedade da poca, era

    necessrio pertencer categoria dos senhores.

    Pelo relato acima, pode-se perceber a grande discrepncia na forma como a

    sociedade do incio do sculo XX percebia o perodo juvenil se comparada com os

    dias atuais, em que a juventude no indivduo condio favorvel para aceitao e

    admirao social. Contudo, no basta aparentar juventude, pois o fenmeno vai

    alm da esttica, observando-a nos hobbies que se adotam, nas formas de

    entretenimento escolhidas, na maneira de se socializar, na forma de se comunicar,

    nas escolhas que se faz, independente da faixa etria. Assim, pode-se adotar a

    juventude como estilo de vida aos 80 anos.

    5 ''S os Idiotas Respeitam Shakespeare'', em ''O bvio Ululante'', Companhia das Letras, 1993, p. 158

  • 19

    Por no se tratarem de casos isolados, muitos so os exemplos que ratificam

    esta tendncia, demonstrando como as fronteiras entre o comportamento

    adolescente e adulto esto fludas. O indivduo maduro e os smbolos que o

    representam esto em plena transformao.

    Na grande imprensa, muitas matrias tm sido veiculadas6, dando nome e

    detalhes sobre a juvenilizao7 do adulto contemporneo, to facilmente identificvel

    no meio social, no meio artsitico, entre personalidades da poltica, do esporte, da

    msica, entre amigos e familiares de cada um de ns. Por exemplo, pode-se citar na

    categoria esportiva o tenista Guga8, 36 anos, visto como um eterno garoto na

    maneira de encarar a vida e de se divertir, com seu sorriso maroto e cabelos

    despentados comendo bananas nos grandes prmios ou surfando nas horas de

    lazer; entre os polticos, um bom exemplo foi Fernando Collor9 e seus esportes

    radicais, completamente dissonantes do perfil de um presidente da repblica, porm,

    com um apelo muito eficiente; entre empresrios a famlia Diniz10, eternamente

    jovem na aparncia e em suas preferncias por brinquedinhos caros, que em certa

    ocasio pagou por uma bicicleta em leilo R$80.000,00, alm de colecionar carros

    de corrida, etc.; a apresentadora Xuxa11, 48 anos, e seu jeito menina de ser, vestir e

    cantar; at mesmo na religio, como o pastor Rinaldo de Seixas Pereira, fundador da

    Igreja neopentecostal Bola de Neve Church que aos 39 anos apresenta um figurino

    surfwear, cabelos espetados e que adora surfar, ou ento, no caso de Robson

    6 Os alimentos que podem nos manter jovens por mais tempo 02/06/2004. A gerao sem idade Mulheres e homens maduros que j desfrutam dos formidveis avanos da medicina na conservao da Juventude 15/07/2009; A seduo dos jovens. Artigo publicado no jornal Folha de So Paulo em 20/09/1998; Os exageros da plstica, artigo publicado na revista Veja de 06/03/2002; Adolescendo Sndrome de Peter Pan para conquistar o pblico teen. Dirio Popular de Pelotas, 28/01/2006; A idade real seu corao, crebro, ossos, msculos podem ficar mais jovens por muito mais tempo 24/05/2006; Uma frentica necessidade de se sentir sempre jovem matria veiculada em 21/05/2007 no programa da Rede Globo de Televiso Mais Voc; Adolescncia Espichada Revista Veja Comportamento, Ed. 2.024, 05/09/2007; Porque eles nunca crescem: a sndrome de Peter Pan dos milionrios de calo... Revista Veja 04/02/2009; Corpo: 80% da sade e longevidade dependem apenas de quanto a pessoa conhece seu organismo 18/11/2009; etc. 7 A juvenilizao corresponde a um retardamento ontognico, isto , ao prolongamento do perodo biolgico da infncia e da adolescncia, e mesmo a uma falta de acabamento ontogentico, isto , a falta de acabamento na substituio das caractersticas juvenis pelas adultas. (MORIN: 2000, p. 83). Este conceito ser aprofundado ainda neste captulo. 8 Tenista brasileiro Gustavo Kuerten nascido em 10/09/76 com carreira de 1993 a 2008. Conquistou mais de 20 ttulos, inclusive de Roland Garros em 1997. 9 Fernando Collor 32 presidente do Brasil. Um dos principais diferenciais de sua campanha poltica foram os esportes radicais que praticava. 10 Famlia proprietria do Grupo Po de Acar. Informao retirada do site www.veja.abril.com.br, em 25/05/2011. 11 Maria da Graa Xuxa Meneghel, conhecida como Xuxa uma apresentadora de televiso e cantora de msicas infantis. J atuou como atriz e modelo, alm de ser empresria.

  • 20

    Rodovalho, de 50 anos, bispo da Igreja Sara Nossa Terra, que alm de ser judoca e

    praticar corrida e musculao, introduziu no templo junto com sua esposa aulas de

    hip hop, capoeira e funk.

    Seguem alguns outros fatos que ratificam a tendncia descrita:

    Hoje em dia comum nos depararmos com grupos de indivduos fantasiados em espaos pblicos, como em shopping centers ou feiras temticas. Esta

    prtica, denominada cosplays12 compartilhada por pessoas que se trajam

    como personagens de cinema, vivenciam e interpretam cenas de seus filmes

    preferidos, alm de diversos outros personagens fictcios, sem nenhum

    constrangimento, comportamento comum em crianas, porm que causa

    estranheza em adultos.

    Ilustrao 2: Cosplays Fonte: http://www.cosplaybr.com.br, acessado em 25/07/2011

    Os cantores brasileiros Paula Toller, 49 anos, e Lulu Santos, 58 anos, por exemplo, podem ser considerados representates da categoria dos jovens

    tardios. Suas canes retratam problemas juvenis e paixes platnicas,

    embora ambos j tenham h muito passado dos 20 anos. Ambos incorporam

    tpicos adolescentes na maneira de se vestir e de se comportar sobre os

    12 O cosplay (Costume Player) um hobby que consiste em fantasiar-se de personagens oriundos, em geral, de quadrinhos, games e desenhos animados japoneses. A prtica do cosplay tambm engloba personagens pertencentes ao vasto universo do entretenimento, como filmes, sries de TV, livros e animaes de outros pases. Em menor, escala h aqueles que se caracterizam como figuras histricas ou de criaes originais. Uma das principais caractersticas do cosplay que o praticante alm de criar os trajes, tambm interpreta o personagem caracterizado, reproduzindo os traos de personalidade como postura, falas e poses tpicas. O hobby costuma ser praticado em eventos que renem fs desse universo, como convenes de anime e games. (http://www.cosplaybr.com.br, acessado em 25/07/2011)

  • 21

    palcos, sem causar, contudo, estranheza no pbico. A descrio acima no

    pretende julgar se o comportamento acima faz parte de um posicionamento

    artstico ou se na vida real eles possuem tais caractersticas. O objetivo

    mostrar que tal forma de comportamento j faz parte da cultura

    contempornea e no traz qualquer tipo de estranhamento por parte do

    pblico, mas traz admirao e maior aceitabilidade social, principalmente

    perante o pblico mais jovem;

    O New York Times Book Review publicou em agosto de 2000 que 30% dos trs primeiros livros da srie Harry Poter foram comprados por e para leitores

    que tinham 35 anos ou mais (...). Outra pesquisa, realizada em maio de 2001,

    mostrou que entre os 1.373 entrevistados que estavam planejando comprar

    produtos Harry Poter, 57% eram crianas e 43% adultos; e entre os adultos,

    32% admitiram estar comprando algum desses produtos para si prprios

    (apud Borelli, 2008:62);

    Nos campi universitrios, tambm h vestgios deste juvenilizao13. cada vez maior o nmero de jovens que adiam sua formatura universitria (optando

    por intercmbios ou iniciando outros cursos) a fim de adiar tambm as

    responsabilidades que se apresentam aps este ritual de passagem: se tornar

    adulto, arrumar emprego, se adequar ao mercado de trabalho por si mesmo,

    sem o auxlio da faculdade, etc. Vincius de Freitas, de 23 anos, terminaria o

    curso de administrao na PUC no segundo semestre de 2005, mas adiou a

    formatura para julho de 2006, pois conseguiu um estgio e no quer

    desperdiar a oportunidade: Eu pensava: vou me formar e fazer o que

    depois? Vaga de trainee difcil. Preferi adiar a formatura. Farei s a

    disciplina estgio supervisionado II no semestre que vem.;

    Entre 2008 e 2010, houve aumento em 50% do nmero de homens que procuram um salo de beleza para tingirem seus cabelos14 informao

    publicada no jornal britnico The Telegraph de 05/03/2011 e que denota um

    claro interesse pelo rejuvenescimento;

    13 Conforme matria veiculada no site http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2005/10/11/460248/ sindrome-peter-pan-no-campus.html. 14 Pesquisa encomendada pela empresa de produtos de beleza LOreal.

  • 22

    A Consumer Electronics Association publicou, em 2006, pesquisa15 na qual desmitifica a ideia de que videogame coisa de criana, pelo menos nos

    EUA. De acordo com a Associao, um tero dos jogadores de games so

    adultos, que passam 10 horas semanais, ou mais, em frente de seu PC ou

    console domstico. Isso inclui jogadores entre 25 e 34 anos;

    Apesar de muitos serem profissionais bem sucedidos que j passaram dos 30 anos, acabam no resistindo ao prazer de colecionar bonecos e miniaturas.

    Com uma infinidade de opes no mercado (muitas delas verdadeiras

    fortunas) estes fs acabam fazendo o que for necessrio para aumentar o

    acervo. As vitrines das lojas especializadas no se restringem aos super-

    heris, estendem suas linhas aos personagens de filmes, animes e mangs

    japoneses, seriados de televiso, bandas de rock, cantores e esportistas. Este

    pblico adulto j representa mais de 40% dos compradores das miniaturas,

    que custam entre R$ 60,00 e R$ 120,00. Na lista dos mais procurados, esto

    os personagens do seriado Lost, dos filmes Matrix, O Senhor dos Anis,

    Guerra nas Estrelas e Harry Potter, as bandas Beatles e Led Zeppelin, alm

    dos atletas Ronaldinho Gacho e David Beckham16;

    Tambm no raro nos ltimos anos adultos que optam para em seus aniversrios trazerem temas juvenis que se referem ao cinema ou a

    personagens de desenhos das geraes com as quais eles esto mais

    familiarizados, como os dos anos 60, 70 e 80, resgatando de uma forma

    nostlgica a infncia/adolescncia17. Segue um exemplo:18: O funcionrio

    pblico Cristiano Rodrigues Montemor preparou para sua mulher Virgnia uma

    festa surpresa para comemorar seus 29 anos. Os dois realmente voltaram

    infncia. Depois de muito tempo longe de brinquedos, Cristiano, Vrginia e os

    convidados se divertiram no escorregador, trenzinho, labirinto, entre outras

    atraes. Dos cerca de 60 convidados, apenas cinco eram crianas. Todo

    15 Informao divulgada no site http://jogos.uol.com.br/ultnot/multi/ult530u3930.jhtm, acessado em 23/03/2006. 16 Matria divulgada na Revista Isto , Ed. 2005 de 04/2008 seo Comportamento. 17 http://www.guiasuafesta.com.br/site/artigos/festa-para-adultos-%e2%80%93-como-produzir-festa-tematicaspara-adultos, acessado em 20/05/2010. 18 http://www.guiadebuffetsinfantis.com.br/exibe_edicoes.php?id_edicao=27&id_indice=16, Buffets Infantis investem em festas para todas as idades acesso em 16/01/2012.

  • 23

    mundo brincou, conta Cristiano. A decorao do espao teve como tema a

    personagem japonesa Hello Kitty, uma das favoritas de Virgnia.

    impossvel enumerar todos os fatores que podem ser indcios de um adulto

    vivendo uma adolescncia tardia, at porque no h um conjunto estabelecido de

    situaes que determine tal status, tambm no a inteno desta pesquisa

    catalog-los. Porm, apenas para constar, todo comportamento, conduta ou esttica

    discrepantes ao esteretipo criado e disseminado nos ltimos sculos pela

    sociedade relacionados ao indivduo adulto, substitudos por aes/hobbies/

    comportamentos dignos da fase juvenil, podem ser considerados traos de um

    indivduo juvenilizado.

    A devida dimenso desta situao ser construda e analisada durante os

    captulos seguir, de acordo com o eixo principal deste trabalho: analisar o fenmeno

    da adolescncia que resiste em um nmero significativo de adultos na sociedade

    contempornea (entre 25 a 40 anos), concomitantemente com o papel dos meios de

    comunicao de massa na criao das imagens da esttica deste adulto

    adolescente, bem como na disseminao e incentivo de tal comportamento.

    Para isto, faz-se necessrio, em primeiro lugar traar neste captulo um breve

    histrico sobre a importncia progressiva que esta condio social que a juventude

    cunhou at a contemporaneidade. Tambm ser elucidativo abordar alguns

    aspectos indicadores da volatilidade desta fase de vida na histria do homem, bem

    como apontar o que torna a juventude to atraente humanidade, principalmente na

    ps-modernidade.

    1.2 A criao do adolescente

    O termo juvenil deriva de aeoum, cujo significado etimolgico refere-se

    quele que est em plena fora da idade19. Na antiguidade greco-romana, eram

    considerados jovens os que tinham entre 22 e 40 anos. Naquela cultura, a deusa

    romana Juventa era evocada justamente nas cerimnias do dia em que os

    19 Para maiores esclarecimentos ver NOVAES, R. e VANNUCHI, P. Juventude e Sociedade - Trabalho, Educao, Cultura e Participao. So Paulo: Editora Fundao Perseu Abramo /Instituto Cidadania, 2004, p.10.

  • 24

    mancebos (adolescentes) trocavam a roupa simples pela toga, tornando-se cidados

    de pleno direito.

    Atualmente, a Unesco indica que a adolescncia o perodo que se inicia aos

    15 anos de idade finalizando-se aos 24 anos20. No Brasil, os institutos de pesquisa

    Ipsos/Marplan e Ibope trabalham com este mesmo perodo para designar o indivduo

    jovem e de 12 anos completos at 18 anos incompletos para designar os

    adolescentes.

    Segundo o dicionrio Aurlio, a adolescncia seria o perodo da vida humana

    que sucede infncia e estende-se aproximadamente dos 12 aos 20 anos21.

    muito comum as pessoas se referirem aos termos jovem e adolescente

    como sinnimos, embora, de acordo com os conceitos apresentados, a juventude

    transpasse a adolescncia se prolongando um pouco mais.

    possvel perceber as pequenas variaes conceituais no que diz respeito

    faixa etria de um adolescente, principalmente no que se refere ao trmino do ciclo.

    Isso se d, talvez, porque o marco utilizado para calcular seu incio seja a puberdade

    ou o amadurecimento dos rgos sexuais, que est sujeito s variaes naturais da

    fisiologia de cada indivduo.

    J, quando se trata de aspectos psicossociais, dificilmente h variveis, e

    Edgar Morin traz uma definio primorosa deste perodo:

    A adolescncia seria a fase em que o jovem humano, j meio desligado do universo da infncia, mas no ainda integrado no universo do adulto, sofre indeterminaes, bideterminaes e conflitos. Por conseguinte, s pode haver adolescncia onde o mecanismo de iniciao, transformando a criana em adulto, se deslocou ou decomps-se, e onde se desenvolveu uma zona de cultura e de vida que no est engajada, integrada na ordem social adulta. (1986, p. 137).

    A adolescncia, assim como a infncia, so ciclos que sofreram grandes

    variaes durante os tempos. Na Idade Mdia, a infncia terminava aos sete anos,

    quando as crianas dominavam a palavra, imediatamente aps dava-se o incio da

    20 Definio extrada de www.unesdoc.unesco.org/images acessado em 18/12/2010. 21 A construo social da juventude pode se dar de forma muito variada nas diferentes sociedades e em diferentes momentos histricos. Assim, podemos dizer que cada grupo social lida e representa de maneira diversa esse momento. Essa diversidade se concretiza nas condies sociais (classes sociais), culturais (etnias, identidades religiosas, valores), de gnero, nas regies geogrficas, dentre outros. Analis-las separadamente ultrapassaria o escopo deste trabalho.

  • 25

    vida adulta. Segundo Neil Postman, isto ocorria por se tratar de uma civilizao

    imersa na oralidade, que no apresentava instituies segregadoras, como a escola,

    e at mesmo desconhecia o conceito de pudor. A criana da Idade Mdia tinha

    acesso a quase todas as formas de comportamentos comuns cultura. (...)

    Compartilhavam os mesmos jogos com os adultos, os mesmos brinquedos, as

    mesmas histrias de fadas (2008, p. 30).

    Na lngua falada e escrita tambm se verificava esta realidade. At o sculo

    XVII no havia nenhuma palavra (em francs, alemo ou ingls) para designar um

    jovem do sexo masculino entre os sete e 16 anos, tal qual seria a denominao

    adolescente hoje em dia. As palavras usadas para denotar estes jovens podiam

    referir-se tambm a homens de 30, 40 ou 50 anos.

    Para Postman, a inveno da prensa tipogrfica no sculo XV, bem como o

    surgimento do Renascimento, trouxeram, simultaneamente, alterao na diviso

    social, pois um ambiente simblico totalmente novo foi criado nas sociedades para o

    qual eram exigidas novas habilidades, atitudes, nova conscincia ordenadora. O

    adulto aprendeu a ler enriquecendo sua capacidade para o pensamento conceitual,

    desenvolvendo vigor intelectual. O conhecimento disseminado oralmente na Idade

    Mdia sem delimitao de idades comea a ter, na Renascena, carter individual,

    ou seja, as crianas passam a ser excludas do processo de informao construdo

    pela leitura. Assim, o individualismo sozinho no produziu a infncia, mas a lacuna

    entre os que sabiam e os que no sabiam ler.

    Na Idade Mdia no havia crianas porque no havia para os adultos meio de contar com informao exclusiva. As crianas so um grupo de pessoas que no sabem certas coisas que os adultos sabem. Na era de Gutenberg surgiu esse meio. (POSTMAN: 2008, p.99).

    J, para ries (1981), a constituio de um novo conceito de infncia tambm

    data do fim da Idade Mdia, marcada pelo ato de mimar e paparicar as crianas,

    vistas como meio de entretenimento dos adultos. No sculo XVII, as perspectivas

    transitam para o campo da moral, sob forte influncia de um movimento promovido

    por Igrejas, leis e pelo Estado, quando a educao ganha terreno: trata-se de um

    instrumento que surge para colocar a criana "em seu devido lugar. Embora com

    uma funo disciplinadora, a escola no nasce determinando uma idade especfica

    para a criana ingress-la, j que as referncias no eram o envelhecimento (ou

  • 26

    amadurecimento) do corpo. A educao apresenta uma funo prtica, ora de

    disciplinar, ora de proporcionar conhecimentos tcnicos. Desse modo, acabaram-se

    configurando escolas diferentes para a elite e para o povo.

    Assim, a fase que atualmente antecede a adulta foi inventada. As crianas,

    a fim de se tornarem adultas, teriam de aprender a ler, instruir-se, criar conscincia

    crtica, e para isso passariam pelas escolas e por todo um processo educacional,

    criando, a partir de ento, a adolescncia, atravs da delimitao do tempo de

    aprender.

    Segundo Morin (2000, p. 79-86), esta extenso da infncia, alm dos

    parmetros conhecidos na Idade Mdia, como perodo preparatrio para a vida

    adulta, foi uma consequncia da complexidade social em evoluo.

    Se traarmos um paralelo entre a sociedade em que os primeiros homindeos

    estavam inseridos at a sociedade atual, verifica-se o desenvolvimento vertiginoso

    do conhecimento necessrio para a sobrevivncia. Fala-se, ento, de memria, de

    possibilidades associativas das mais variadas, de aptides para tomada de decises

    e para encontrar solues nas condies mais diversificadas que levaram o crebro

    humano a sofrer uma reorganizao sistmica para dar conta de tudo isto (conforme

    conceito sobre a Complexidade de Edgar Morin detalhado nas prximas pginas).

    Pode-se dizer que do alargamento cerebral surgem a superioridade tcnica, social,

    cultural, etc. que se vive atualmente. Porm, h neste processo uma dialtica que

    precisa ser levada em considerao:

    Enquanto a evoluo (natural) do crebro homindeo produziu e desenvolveu a cultura, a evoluo cultural que, em seguida, empurra ou estimula o homindeo a desenvolver o seu crebro, quer dizer, a transformar-se em homem. (MORIN: 2000, p. 80).

    Assim, se levarmos em conta que a vida sociocultural progressivamente

    mais complexa, pode-se dizer que o perodo necessrio para que o indivduo se

    prepare para esta realidade mais longo. O prolongamento da infncia ou a lentido

    do desenvolvimento ontogentico favorece o aprendizado, o desenvolvimento

    intelectual alm da transmisso da cultura. Por tudo isso, h a necessidade de uma

    infncia longa, para integrar as estruturas socioculturais, permitindo o

    desenvolvimento cultural e afetivo do indivduo. Da, temos a individualizao dos

  • 27

    cuidados com a criana, que cada vez mais recoberta por carcias e atenes, na

    maior parte das vezes excessiva.

    (...) a complexidade sociocultural faz presso a favor de toda a mutao gentica que venha retardar o desenvolvimento ontogentico da criana o qual, no sapiens, demorar 13 anos a completar-se. (...) o atraso do desenvolvimento ontogentico tende a manter no adulto traos infantis ou juvenis, ou mesmo a deixar o processo inacabado (...) (MORIN: 2000, p.82)

    Por inacabado, entende-se que depois de finalizado o processo de infncia e

    juventude o crebro continua a buscar aprendizado, atravs de novas emoes,

    conhecimento, sensaes, profisses etc. Da surge o termo juvenilizao22. Suas

    contribuies so o prolongamento da infncia e penetrao do universo adulto na

    juvenilidade. Assim, este adulto pode apresentar gosto por brincadeiras,

    interrogaes das mais variadas, entre outros aspectos que acabam por integrar-se

    coletivamente. O homem pode no ser jovem fisiologicamente falando, porm, o

    pelo esprito que apresenta. No momento de tomar decises conta com a bagagem

    de uma vida j parcialmente vivida juntamente com uma pr-disposio de imaginar

    solues inusitadas.

    Um reflexo desta nova postura est na quantidade de pessoas que decidem

    comear uma nova vida profissional aps os 50 anos. Conforme a matria A Aurora

    dos Cinquentes23, os brasileiros entre 45 e 54 anos que se encontravam

    administrando negcios em estgio inicial totalizavam 7% em 2001 e hoje est em

    torno de 20%. J os que optam por formao universitria aps os 50 anos, em

    2000 totalizavam 8.700 pessoas e hoje o nmero est em torno dos 20.000. Com

    relao vida sentimental, no diferente. Em 1997 os homens que se casavam

    depois dos 50 totalizavam 26.846 e em 2006 o nmero chegou a 57.079. J as

    mulheres, 12.742 e 29.467 respectivamente.

    Mas, a juvenilizao no do brasileiro, e sim da espcie, conforme aponta

    pesquisa desenvolvida na Universidade de Harvard pela cientista Tanya Smith,

    tendo como base a antropologia evolutiva, segundo a qual o Neandertal atingia a

    maturidade mais cedo se comparado ao homem contemporneo. Chegar a esta

    concluso s foi possvel por meio da contagem de linhas dos dentes de fsseis

    22 A juvenilizao da espcie uma juvenilizao cerebral, quer dizer, a potencialidade de uma inteligncia e de uma sensibilidade jovem no adulto e at no velho. (MORIN: 2000, p. 83) 23 Revista Veja de 09/07/2008, Ed. 2.068, p. 88-100.

  • 28

    utilizando tomografia computadorizada e radiao sncrotron, alm de outras

    anlises comparativas entre as duas espcies. Ainda com base na pesquisa, o

    amadurecimento mais longo pode ter sido uma vantagem evolutiva em comparao

    com as espcies humanas extintas, alm da afirmao de que o desenvolvimento

    lento e a infncia prolongada so recentes e exclusivos para o gnero humano24.

    Por tudo isso, a juvenilizao do indivduo se relaciona com a natureza da

    espcie assegurando melhores condies de sobrevivncia. Porm, importante

    destacar que tais caractersticas so mais acentuadas em indivduos pertencentes

    s sociedades desenvolvidas a partir do projeto capitalista industrial ocidental,

    conforme ser detalhado no prximo captulo.

    Se a educao foi um divisor de guas na delimitao de um tempo novo, da

    qual emerge uma nova classe social, a juventude, muitas dcadas decorreram de

    sua inveno hegemonia percebida na atualidade, principalmente nas grandes

    metrpoles capitalistas.

    A seguir, a funo arquetpica que torna o estado de juventude to atraente

    para a humanidade; o jovem eterno como elemento do imaginrio comum; os

    substratos mticos que formatam e conduzem esta postura e seus mecanismos de

    atuao na vida de cada indivduo sero expostos.

    1.3 O Arqutipo do Jovem Eterno e a Bipolaridade Arcaica

    Embora apresentem amplas variaes em termos incidentes, de ambientes e de costumes, os mitos de todas as civilizaes oferecem um nmero limitado de respostas aos mistrios da vida. (CAMPBELL: 2005)

    A citao acima foi retirada do livro de Campbell O Heri de mil faces e

    refere-se s semelhanas encontradas nas narrativas mitolgicas do mundo inteiro,

    nas formas de entender e explicar seus seres, o ato cosmognico do mundo, a

    realidade, os sentimentos, as descobertas, etc., atravs de seus mitos25. Importante

    24 Artigo publicado na Agncia Fapesp em 16/11/2010 sob o ttulo Infncia mais Demorada. http://www.agencia.fapesp.br/materia/13044/infancia-mais-demorada.htm 25 De acordo com Mircea Eliade (1986, p. 84-88), o mito original conta uma histria sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do princpio. Em outros termos, o mito narra como -graas s faanhas dos Entes Sobrenaturais- uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo ou apenas um fragmento; uma ilha; uma espcie vegetal; um comportamento humano. sempre, portanto, a narrativa de uma criao porque relata de que modo algo foi produzido e comeou a ser. O mito narra apenas o que realmente ocorreu, o que se manifestou plenamente. Os personagens dos mitos so os Entes

  • 29

    salientar que, embora tenham explicaes muito semelhantes entre si para diversos

    fenmenos, trata-se de sociedades arcaicas sem a mnima possibilidade de trocas

    culturais que justificassem tais coincidncias.

    Uma das hipteses para povos to diferentes terem vises to semelhantes

    sobre os mesmos temas seria a fonte comum de que se alimentam tais narrativas: a

    Noosfera, esfera das coisas do esprito, saberes, crenas, mitos, lendas, ideias,

    onde os seres nascidos do esprito, gnios, deuses, ideias-fora, ganham vida a

    partir da crena e da f (MORIN: 2005, p. 44).

    Em outras palavras, a Noosfera pode ser considerada uma fonte coletiva de

    conhecimento e inspirao para a humanidade, onde so compartilhadas maneiras

    de ver, sentir e explicar as coisas do mundo.

    O Inconsciente Coletivo, termo criado pelo suo Carl Gustav Jung, aponta

    para a mesma compreenso. Seria a camada mais profunda da psique humana

    constituda pelos materiais que foram herdados da humanidade. nele que

    residiriam os traos formadores, tais como imagens virtuais, que seriam comuns a

    todos os seres humanos. O conjunto de imagens psquicas do inconsciente coletivo

    seriam os arqutipos26.

    Existem tantos arqutipos quantas as situaes tpicas da vida. Uma

    repetio infinita gravou estas experincias em nossa constituio psquica, no sob

    a forma de imagens saturadas de contedo, mas a princpio somente como formas

    sem contedo que representavam apenas a possibilidade de certo tipo de percepo

    e de ao. (JUNG: 1970, 53)

    Faz-se necessrio trazer estes conceitos para embasar o aspecto reincidente

    de um dos arqutipos mais conhecidos da humanidade, o do puer aeternus.

    Sobrenaturais. Eles so conhecidos, sobretudo pelo que realizaram no tempo prestigioso dos primrdios. O Dicionrio Bsico da Lngua Portuguesa Aurlio j trata esse uso das duas acepes da palavra (positiva e negativa), conforme segue: 1- Narrativa dos tempos fabulosos ou heroicos. 2- Narrativa de significao simblica, geralmente ligada cosmogonia, e referente a deuses encarnadores das foras da natureza e/ou de aspectos da condio humana. 3- Representao de fatos ou personagens reais, exagerada pela imaginao popular, pela tradio, etc. 4- Pessoa ou fato assim representado ou concebido. 5- Ideia falsa, sem correspondente na realidade. 6- Imagem simplificada de pessoa ou acontecimento, no raro ilusria, elaborada ou aceita pelos grupos humanos e que representa significativo papel em seu comportamento. 7- Coisa irreal; utopia. 26 A palavra arqutipo vem do grego achtypon, e significa "modelo", "padro". Termo tambm proposto por Jung para "sistemas de prontido para a ao e, ao mesmo tempo, imagens e emoes. So herdados junto com a estrutura cerebral - constituem de fato o seu aspecto psquico." (JUNG: 1970, p. 53).

  • 30

    Segundo Franz (1992) puer aeternus o jovem divino que, de acordo com o

    tpico mistrio eleusiano de culto me, veio ao mundo em uma noite para ser o

    redentor. O ttulo puer aeternus significa "juventude eterna".

    Um dos primeiros registros sobre a condio permanente de juventude em um

    indivduo deu-se no poema narrativo Metamorphoses de Ovdeo, do sculo VIII, e se

    referia a um deus criana da Antiguidade, Iaco. Este deus criana reunia

    caractersticas antagnicas de vida, de morte e de ressurreio agregando em si a

    juventude divina e eterna. Na mitologia grega, Eros e Dionsio tambm foram assim

    identificados. O mesmo equivale aos deuses orientais Tamuz, tis e Adnis; a deusa

    nrdica Iduna e a deusa grega Hebe, entre muitos outros (FRANZ: 1992, p. 9).

    Em muitas sagas mitolgicas, quem no contava com a juventude eterna

    poderia sair procura de alguma fonte que garantisse a imortalidade. A ideia

    universal: na mitologia grega, a ambrosia (manjar dos deuses) servida no Olimpo era

    to poderosa que se um humano a comesse lhe traria a vida eterna; na mitologia

    nrdica, as mas de Iduna poderiam trazer a vida eterna aos deuses que a

    comessem (j que nesta cultura no eram imortais); na Europa, a pedra filosofal

    tinha funo semelhante; na China e na ndia, acreditava-se que o ouro poderia ser

    o componente principal do elixir contra o envelhecimento. Um elixir chamado

    Waidanshu das mais antigas obras literrias conhecidas Gilgamesh, do 3 milnio

    a.C., conta a saga sobre o rei sumrio de mesmo nome que procura uma fonte

    milagrosa que cura e torna imortal, a famosa fonte da juventude, conforme o poema

    que fecha este subcaptulo. A imortalidade um dos grandes sonhos da

    humanidade e para atingir este objetivo a principal condio o afastamento

    decisivo da morte.

    Para Hillman, o arqutipo do puer tende a unificar tudo num s: o Heri, a

    Criana divina, as figuras de Eros, o Filho do Rei, o Filho da Grande Me, o

    Psicopompo, Mercrio-Hermes, Trickster e o Messias. Nele vemos um leque

    mercurial dessas personalidades: narcisista, inspirado, efeminado, flico, inquisitivo,

    inventivo, pensativo, passivo, fogoso, caprichoso. (1999, p.37)

  • 31

    Ivan Bystrina afirma que as narrativas mitolgicas fazem parte da categoria

    dos textos27 criativos e imaginativos (mitos, rituais, obras de arte, utopias) e tais

    textos esto localizados no centro da cultura humana e garantem no s a

    sobrevivncia fsica e material do indivduo, mas tambm a psquica. Segundo o

    autor, os textos criativos ou imaginativos fazem parte do sistema dos Cdigos

    Tercirios28, e sua estrutura, em sua origem e em sua manifestao mais arcaica,

    binria. Por esse motivo, a descrio do puer acima (conforme Hillman) contm em

    si caractersticas opostas, binrias, porm complementares.

    Por estrutura binria entende-se a forma de codificar/perceber a realidade de

    forma dual, conforme segue:

    No incio da cultura humana, a oposio mais importante era a vida e a morte. E toda a estrutura dos cdigos tercirios ou culturais se desenvolveu a partir desta oposio bsica: sade/doena, prazer/desprazer, cu/terra, esprito/matria, movimento/repouso, homem/mulher, amigo/inimigo, direito/esquerda, sagrado/profano, paz/guerra (...). Tais oposies binrias dominam com enorme fora o pensamento de nossa cultura particular e o desenvolvimento da cultura em geral. (BYSTRINA: 1995, p. 7)

    Ao dualizar o mundo em que vive, o homem o compreende melhor, tornando

    escolhas e aes mais fceis de realizar, alm de melhor interagir e explicar sua

    realidade. Essa forma de classificar o mundo tambm se reflete no uso constante de

    formas binrias nas narrativas que cria, desde as mais arcaicas, conforme citao,

    at os filmes hollywoodianos contemporneos, com seus mocinhos e viles, a luta

    do bem e do mal, etc.

    Sendo assim, o mito, como um texto imaginativo, reflete a dualidade do

    sistema cultural humano e tem como principal caracterstica o equilbrio do indivduo

    e de sua sociedade.

    Ainda segundo a teoria de Bystrina, a binaridade como mecanismo universal

    da cultura e como forma de organizao do pensamento humano atua em situaes

    prticas da vida e do cotidiano, porm no de forma simtrica. H uma desigualdade

    entre os polos. Cada lado possui pesos diferentes, assimtricos. 27 Textos so complexos de signos com sentido. Os textos e signos em si preenchem uma funo comunicativa, uma funo de participar, de informar no sentido amplo da palavra. Mas eles preenchem tambm outras funes, como, por exemplo, a funo esttica, ou emotiva e expressiva, ou ainda outras funes sociais (BYSTRINA: 1995, p. 4) 28 Os cdigos primrios regulamentam a vida biolgica do indivduo, sendo inerentes a sua vontade. Os cdigos secundrios so os de linguagem. Somente a partir dos cdigos tercirios, ou culturais que surgem os textos da cultura. (BYSTRINA: 1995, p. 5)

  • 32

    Por exemplo, o mal mais forte que o bem, o mesmo acontece com a

    escurido e a claridade, o cu e o inferno, a juventude e a velhice. H uma

    desigualdade entre os pesos de cada lado, pois o homem teme o negativo,

    impingindo-lhe mais poder29.

    O plo marcado ou sinalizado negativo percebido ou sentido muito mais fortemente que o plo positivo. Portanto, do ponto de vista da preservao da vida, sempre o plo negativo (a morte) que comemora a vitria. Esta a assimetria: a morte mais forte que a vida, na percepo comum. Por isso, em todas as culturas o homem aspira sempre a uma imortalidade, ou seja, a vida aps a morte. (BYSTRINA: 1995, p.8)

    A percepo dualstica tem incio a partir do momento em que o homem

    ganha conscincia de sua morte. Os pensamentos e discursos sobre a imortalidade,

    o reino dos cus, a salvao e todas as sugestes de uma vida melhor ps-morte,

    apresentadas pelas diferentes religies do mundo inteiro, procuram atrofiar a dor

    causada pela ameaa de extino do homem, pois o temor morte universal, bem

    como a crena na imortalidade.

    Da mesma forma que a morte traz a repulsa, a juventude traz o acalento, pois

    pelo ciclo natural da vida, no o jovem que est prestes a morrer, porque dele

    emana um mundo de possibilidades e a expectativa de novas experincias,

    descobertas e realizaes. ao jovem que dada a opo da escolha, enquanto a

    velhice vista como proximidade da morte, o polo negativo, assim como a juventude

    o polo positivo. Por isso, procura-se desesperadamente no envelhecer para no

    morrer. Surge, ento, uma alternativa busca da vida eterna atravs da religio e de

    suas promessas de ressurreio, como tambm a cristalizao da juventude

    esttica, buscando no envelhecer para, assim, no morrer.

    H uma interseco clara entre a teoria de Bystrina sobre a estrutura bsica

    dos cdigos tercirios e o estudo de James Hillman relativo ao arqutipo senex e

    puer. Alm do natural desdobramento binrio desse arqutipo, configuram-se em

    ambas as teorias aspectos de polaridade, valorao, retroalimentao e assimetria,

    conforme ser detalhado a seguir.

    29 Conforme a doutora em Semitica da Cultura Malena Contrera, que conviveu com Bystrina em viagem do semioticista pelo Brasil, o polo negativo no mais forte que o positivo, porm, o indivduo confere mais poder ao negativo j que este abarca situaes que lhe causam dor e angstia, coisas com que nem sempre conseguem lidar pacificamente, como o caso da morte.

  • 33

    Hillman (1999, p.28) faz um paralelo entre a dualidade contida em Cronos-

    -Saturno30 e o do senex/puer ratificando seu carter transitrio. Acrescenta que

    em nenhum deus grego o aspecto dual to real, to fundamental como na

    figura de Cronos: ele preto, inverno e noite, ainda que anuncie, atravs de seu

    dia, Sbado, o retorno da santa luz do Domingo... Seus aspectos morais tm dois

    lados. Rege a honestidade dos discursos - e a trapaa.

    E vai alm. Deus de temperamento frio, distante, triste e melanclico,

    patrono dos eunucos e selibatrios, com aspectos gananciosos e tirnicos, um

    deus da morte e dos mortos. E quando se trata da morte, vai alm das falncias

    biofsicas, pois abrange a morte do senex, dentro de sua ordem, perfeio e

    realizao matura. Porm, ao mesmo tempo deus da lealdade e da amizade;

    da agricultura que remete benevolncia, abundncia e renovao; regente das

    frutas e das sementes (da vida).

    Enfim, um deus to complexo e paradoxal que rene tanto polaridades

    positivas quanto negativas, assimtricas em sua natureza, assim como a

    personalidade humana, o bem e o mal dentro do indivduo. O senex e o puer de

    cada um, sem fronteiras ou delimitaes de espao de convivncia.

    ...no senex/puer, um ou outro mostrar aspectos de tais polaridades como brilho/escurido, acima/abaixo, fogo/terra, novo/velho, amor/poder, dnamo/ordem etc. Essas diferenas aparentemente extremas so diferenas que se encontram nos seus extremos; e so essenciais para a unidade senix-puer que sustenta os extremos polares do esprito. Juntos, senex e puer sustentam sua tenso, e so seu significado (HILLMAN: 1999, p.54).

    Senex e Puer, polos opostos, porm sinnimos de sequncia e transio. Pai

    tempo e jovem eterno, atados prpria natureza do desenvolvimento. Por isso no

    h separao real, definitiva entre os dois. So lados diferentes de uma mesma

    moeda.

    As caractersticas do senex so de uma persona rgida, envelhecida,

    extremamente austera e principalmente fechada para novas possibilidades. o

    tpico rabugento que alm de tudo tem problemas, tambm em relao integrao

    de sua anima. Em um ego senex, encontraremos um puer atuando na sombra e

    vice-versa. 30 De acordo com o autorizado estudo sobre Saturno do Instituto Warburg (HILLMAN, 1999, p.25)

  • 34

    Seria incongruente afirmar que h possibilidades de se fazer uma delimitao

    rgida na vida do indivduo impingindo-lhe fronteiras entre as fases puer e senex.

    Nas fases da vida, nas decises a serem tomadas h uma interseco natural

    entre ambas. Tentar delimitar caractersticas e aes primeira ou segunda

    metade incorreria em erro. O puer inspira o brotar das coisas; o senex governa a

    colheita. Mas florescer e colher do-se intermitentemente durante toda a vida

    (HILLMAN: 1999, p. 24)

    entre seus paradoxos que o arqutipo encontra equilbrio. Porm, em nossa

    sociedade, que preza tanto a esttica juvenil em que tudo o que novo adorado,

    enquanto o histrico descartado, apenas o puer valorado.

    Conforme Hillman, o puer no sabe nada sobre a espera, nem sobre escutar

    ou aprender, j que no foi feito para andar e sim para voar. A adolescncia

    negativa e maante, a falta de progresso e realidade tudo problema do puer.

    Mas, para Marie-Louise von Franz, a criana eterna tem tambm seu lado

    divino: sua espontaneidade, ingenuidade, inocncia cheia de vida, curiosidade,

    criatividade, a fora da renovao: o ncleo infantil a parte autntica da pessoa e

    que essa parte que sofre, que no consegue aceitar a realidade e que reage

    dentro do adulto como uma criana que diz: Quero tudo, e se eu no conseguir o

    mundo vai acabar (2005, p. 86).

    Alm disso, possui relacionamento intrnseco com a Grande Me. Abrange

    em si todas as possibilidades. primordialmente perfeito. Acredita-se perfeito, por

    isso, no h desenvolvimento. Essa perfeio, autossuficincia, o leva ao

    isolamento, pois no precisa de nada nem de ningum.

    De qualquer maneira, inegvel a tenso trazida pelo processo binrio e para

    isso h sempre um padro de soluo, uma ao criativa que tenderia a amenizar o

    conflito gerado (BYSTRINA: 1999, p. 8-9).

    Uma opo para a reduo da tenso binria a mediao. A mediao se

    d atravs da determinao de um terceiro elemento, cujo papel seria de apaziguar

    os outros dois polos. Entre os opostos cu e inferno, por exemplo, encontra-se a

    terra como mediadora. O mediador um elemento da cultura universal que transita

  • 35

    pelos dois polos, dentre os quais podem ser citados como mediadores, nas culturas

    arcaicas, os xams, os pajs, que circulam pelo mundo dos deuses e dos homens.

    Para separar as reas opostas, uma das condies o estabelecimento de

    fronteiras nesta zona intermediria, que so declaradamente sagradas e se

    constituem em obstculos entre as pessoas que se situam em ambos os lados.

    De acordo com Hillman (1999, p.11), no nosso sculo, o homem tenta libertar-

    -se dessas fronteiras eliminando-as ou, pelo menos, amenizando-as, como tende a

    eliminar seus ritos de passagem.

    Pode-se considerar a idade adulta como uma zona intermediria, uma

    separao decisiva entre o estado juvenil e a senilidade. O que se percebe que

    esta delimitao tambm est enfraquecendo em nossa sociedade, pelo nmero de

    adultos cada vez mais puerizados/juvenilizados. Se os mediadores existem para

    amenizar a tenso trazida pelos polos, a partir do momento que sucumbem, no h

    mais o equilbrio. E assim, h hoje uma exacerbao da juventude como forma de

    vida31, uma epidemia social que ganha a cada dia novos integrantes. Talvez seja por

    isso que a situao apresenta-se de forma desequilibrada, com uma nfase maior na

    cristalizao da juventude. Receber a velhice como um processo natural da vida

    cada vez mais raro e a idia da morte parece mais aterradora32. Bromberg (1994)

    ressalta que nossa cultura no v a morte como parte da vida e sim como

    castigo/punio.

    Existe ainda outra forma de suprimir a polaridade que a inverso

    (BYSTRINA: 2005, p. 6), em que se percebe uma tentativa de engajamento do

    negativo quando este insupervel.

    31 O assunto ganha com muita assiduidade capas de grandes publicaes, documentrios e reportagens como a da Revista Veja : Em Busca da Juventude: Como a cincia prolonga e melhora a vida de 25/07/1990; e A idade real na qual descrevia maneiras de manter a aparncia jovem atravs da alimentao e novas tcnicas de retardamento do envelhecimento, de 8/09/1999 e tambm da revista Isto : A vida sem rugas de 18/03/1998. 32 Segundo pesquisa realizada pela antroploga Silvia H.S.Borelli, para os jovens, hoje, a questo da exposio morte est muito ligada a essa ideia de uma vida mais frgil, descartvel. Tem a ver com a compreenso do tempo, com a velocidade da vida cotidiana, que nos expe muito mais a riscos. (Revista do Instituto Humanitas Unisinos IHU On Line de 26/10/2009, Ed. 312, ano IX; Pesquisa Revela o Maior Medo dos Paulistas: A Morte. Disponvel em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/release_maior%20MEDO.pdf. Acesso em 16/01/2012. O desenvolvimento de anlise sobre a postura do homem contemporneo com relao morte nesta tese desviaria seu principal objetivo, tendo em vista a complexidade do tema.

  • 36

    Anteriormente, a soluo para amenizar a descompensao entre os polos

    juventude e velhice era a inverso, quando se compensava a perda da juventude

    pelo respeito que a comunidade atribua ao ancio. Porm, quando este privado

    de uma das principais compensaes que a idade lhe assegura, como o respeito a

    sua experincia/vivncia e sabedoria adquirida com os anos, no resta mais nada a

    no ser evit-la ou reinvent-la, atravs de um processo de constante juvenilizao.

    Para James Hillman:

    ...os povos so novamente divididos segundo as categorias de idade e juventude. As principais categorias da estrutura social raa, regio, religio, classe, ocupao, economia, sexo so insuficientes. A moderna sociedade humana enfatiza novamente a diviso segundo nveis de idade. A juventude forma uma classe social, auto-centrada, no iniciada plos mais velhos e, portanto, amplamente sem comunicao para alm de si mesma. (1999, p.14-15).

    Conforme Morin o isolamento atrai a obsesso da morte (1970, p.265) e

    uma das caractersticas de nossos tempos a forma como este indivduo est

    centrado na solido (seja em suas relaes cada vez mais superficiais, seja na

    globalizao e seus mtodos de trabalho que o levam pelo mundo sem famlia ou

    amigos, seja pelo medo da violncia), teramos um indcio do motivo.

    Paralelamente, se levarmos em considerao todas as caractersticas citadas

    sobre o arqutipo do puer, a seguinte observao poderia ser colocada em foco:

    obviamente no raro encontrar em nossa sociedade pessoas/personalidades

    pueri. Isto porque a prpria definio de arqutipo remete a um comportamento

    comum reincidente, conforme Franz:

    um arqutipo um determinado conjunto de reaes, e uma pessoa pode parcialmente prever como um puer vai ser e como se sentir. Ele meramente o arqutipo do deus eternamente jovem, e portanto tem todas as caractersticas desse deus: seu desejo nostlgico pela morte; a convico de ser algum especial, ele o ser sensvel entre as ovelhas ignorantes (...) Quanto mais se identificar com o deus-criana, menos original ser a pessoa, apesar de seu julgamento contrrio (1992, 139)

    Mas, por mais reincidente que possa ser, o aspecto epidmico de tal

    comportamento exacerba as possibilidades contidas no arqutipo.

    tambm relevante chamar aqui a ateno sobre o carter frgil que esta

    personalidade costuma apresentar:

    Esses pueri so apenas gente-flor, como Jacinto, Narciso, Croco, cujas lgrimas nada so que flores do vento, anmonas dos deuses e cujo sangue apenas d rosas-Adnis e violetas-tis do pesar; so gente-flor

  • 37

    incapazes de suportar, carregar seu prprio significado at o fim, e como flores devem murchar antes das frutas e das sementes. (HILLMAN: 1999, p. 44).

    Atravs desta citao de Hillman, o processo dual vida e morte ressaltado.

    No entanto, o puer no mito pode ser eterno, mas no se espera isto no indivduo,

    pois, segundo Franz frequente o puer aeternus no sobreviver crise da meia-

    -idade (2005, p.91). preciso morrer para nascer, progredir e se desenvolver, e isso

    significa que a morte do puer pode significar aceitar envelhecer.

    Hillman e Bystrina apresentam em suas teorias alguns padres que

    amenizariam a tenso dos polos, j que se complementam no processo dialgico,

    polar, assimtrico e denotando a base de nossa cultura, refletindo bem a

    complexidade humana, presentes nas criaes mitolgicas.

    Porm, a anlise que aqui se estabelece a de que esses padres de

    reduo de tenso das polaridades no esto sendo eficientes em nossa sociedade,

    seja pela fluidez das fronteiras etrias, sociais, pela superficialidade das identidades

    ou pela m inteno das mediaes (conforme ser detalhado nos captulo III e IV).

    Desse modo, o indivduo que se identifica com este arqutipo acaba tendo uma

    polaridade intensificada e a outra praticamente anulada, principalmente no que se

    refere ao novo x velho (moda por exemplo), morte x vida e juventude x velhice,

    vertentes importantes para este estudo.

    Estariam os padres de soluo propostos para amenizar as tenses binrias

    (principlamentte de mediao e inverso) passando por um perodo de restruturao

    ou at anulao, o que acarretaria um desequilbrio estrutural principalmente no que

    tange a identidade do homem contemporneo?

    Antes de se analisar essa questo, as caractersticas que compem o

    indivduo regido pelo arqutipo do puer aeternus sero apresentadas, no seu perfil

    psicolgico, comportamento, hbitos, esttica, formas de relacionamento, e outros,

    para, ento, investigar como a ps-modernidade teria oferecido um ambiente

    favorvel emergncia deste arqutipo em nossa sociedade atual.

  • 38

    Epic of Gilgamesh33

    Gilgamesh, where are you hurrying to? You will never find the life for which you are looking. When the gods created man they allotted to him death, but life they retained in their own keeping. As for you, Gilgamesh, fill your belly with good things; day and night, night and day, dance and be merry, feast and rejoice. Let your clothes be fresh, bathe yourself in water, cherish the little child that holds your hand, and make your wife happy in your embrace; for this too is the lot of man. But Gilgamesh said to Siduri, the young woman, How can I be silent, how can I rest, when Enkidu whom I love is dust, and I too shall die

    and be laid in the earth for ever.34

    33 Gilgamesh (ou Gilgamexe) foi um rei da Sumria, de carter semi-lendrio, mais conhecido atualmente por ser o personagem principal da Epopeia de Gilgamesh, um pico mesopotmico preservado em tabuletas escritas com caracteres cuneiformes. Segundo a Lista de reis da Sumria, Gilgamesh foi o quinto rei da primeira dinastia de Uruk, datada de aproximadamente 2.750 AC. O poema pico conta as aventuras do rei que, ao perder seu melhor amigo Enkidu, desespera-se ao tomar conscincia de sua condio de mortal e lana-se ento numa busca pela imortalidade. http://www.gilgamesh.com.br/gilgamesh_pt.htm. Traduo do poema Epico de Gilgamesh: Gilgamesh, para onde voc est fugindo?/ Voc nunca econtrar a vida da forma como voc procura/ Quando os deuses criaram os homens/ alocaram neles a morte/ e mantiveram a vida sob sua guarda/Quanto a ti, Gilgamesh/ encha sua barriga com coisas boas/dia e noite, noite e dia, dance e seja feliz/faa festa e alegra-te/deixe suas roupas soltas/ banhe-se em guas/ acalente a criana que segura sua mo/ e faa sua esposa feliz em seus braos/ porque isto tambm a sorte do homem./ Mas Gilgamesh disse a jovem Siduri,/ como eu posso ficar calado/ como posso descansar/ quando Enkidu quem eu amo poeira/ e tambm eu vou morrer/ e ser colocado na terra para sempre? Disponvel em http://www.gilgamesh.com.br/gilgamesh_pt.htm. Acesso em 19/01/2012. 34 Atravs deste poema de quase 5.000 anos de existncia, percebemos que a morte sempre esteve espreita, entre os grandes temores da humanidade. Consequentemente, a procura por algo que trouxesse a imortalidade tambm faz parte desta histria. O que muda que de tempos em tempos emergem diferentes formas de amenizar este temor. A religio sempre foi a vlvula propulsora principal de apaziguamento, porm, h outras investidas em vertentes diferentes, como a busca por fontes de juventude milagrosas, como a realizada por Ponce de Len, ou a tentativa de desenvolver um elixir milagroso pela alquimia, ou ainda a forma como a contemporaneidade tenta cristalizar-se em juventude atravs das cirurgias plsticas, cosmticos fabulosos, guerra contra os radicais livres, etc.

  • 39

    1.4 Arqutipo do Puer Aeternus, leituras da psicologia e a relao com a Adultescncia

    A conexo entre o arqutipo do puer aeternus e o comportamento de muitos

    indivduos da contemporaneidade comeou a ser analisada pela psicoterapeuta

    Marie-Louise von Franz, que, em 1970, escreveu o livro Puer Aeternus, A Luta do

    Adulto contra o Paraso da Infncia. Baseada na psicologia junguiana35, Marie-

    -Louise von Franz (2005, p. 10 e 13) utiliza a nomenclatura puer aeternus para

    identificar indivduos com um complexo materno acentuado36, que em alguns casos

    acabam por apresentar caractersticas deste arqutipo.

    Marie-Louise von Franz diz que o homem que se identifica com o arqutipo

    puer aeternus permanece durante muito tempo como adolescente, isto , todas

    aquelas caractersticas que so normais em um jovem de dezessete ou dezoito anos

    continuam na vida adulta (1992). Uma sndrome contextual onde a juventude resiste

    no indivduo adulto, que no capaz de abandonar os sonhos e as fantasias da

    adolescncia.

    Durante sua obra cita algumas peculiaridades tpicas deste indivduo:

    dificuldades em se socializar; considera-se um indivduo especial; predomina atitude

    arrogante; apresenta falsos sentimentos de superioridade e ao mesmo tempo

    complexo de inferioridade; dificuldades em manter relacionamentos amorosos; no

    evitam situaes convencionais;(...) geralmente esto procura da religio

    autntica, uma procura tpica do final da adolescncia (FRANZ: 2005, p. 12);

    caractersticas de vida provisria; complexo de messias; problemas para tomar

    decises; atrao por esportes perigosos; impacincia; no gostam de assumir

    responsabilidade; so ingnuos. Alm disso, Franz pontua que o que nocivo nesta

    35 JUNG, C.G. Smbolos da transformao: preldios de uma anlise de esquizofrenia, Rio de Janeiro, Vozes, v. 5, 1952/1986. 36 Seguindo a perspectiva mais anterior (pr-alqumica) de Jung sobre o puer est M.-L. von Franz: Com o conceito da eterna juventude, puer aeternus, descrevemos em psicologia uma forma especfica de neurose dos homens, que diferenciada por uma fixao (Steckenbleiden) na idade da adolescncia como resultado de uma fortssima ligao com a me. As principais caractersticas so, portanto, aquelas correspondentes s elaboraes de C.G. Jung em seu ensaio sobre o arqutipo da me em seu Ueber religise Hintegrnde des Puer-Aeternus-Problems, em The Archetype, ed. A. Guggenbhl-Craig (Basilia:Karger: 1964), p. 141 e J.L. Henderson, Thresholds of Initiation (Middletown, Conn.: Wesleyan University Press: 1967), p.24 podemos conjecturar que, quando as coisas vo errado com o arqutipo de puer aeternus porque a me demasiadamente exigente ou demasiado repelente, frustrando assim o jovem em sua orientao normal ao princpio feminino, como uma funo de anima, ou porque o jovem, por uma outra razo qualquer cai numa atitude passivo-dependente em relao me ou sua substituta.(Hillman:1999, p.66)

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    personalidade o desejo de permanecer infantil: a preguia a impossibilidade de

    sair da cama nas manhs chuvosas, a estagnao. Gosta de sonhar com coisas

    grandiosas e mirabolantes, gosta de falar sobre elas com os amigos. Acha-se

    importante por suas ideias magnnimas, e por isso, no suportaria ser o ser normal

    que vive a realidade de suas responsabilidades. Isto o ser limitado para ele. S

    no percebe que a vida ilimitada que acha que vive o grande limitador de sua

    vida, de seu crescimento. (FR