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CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 59, p. 255-266, Maio/Ago. 2010 255 Irlys Alencar F. Barreira No intuito de ordenar espaços e devolver aos centros urbanos o papel hegemônico perdido, políticas urbanas contemporâneas vêm procurando fomentar diferentes modos de intervenção designados por “revitalização” ou “requalificação”. A cidade, voltada para a valorização de seu patrimônio histórico, torna-se então objeto de remodelações e reformas arquitetônicas, com vistas à preservação, ensejando imagens e marcas. Refletir sobre as intervenções em centros urbanos de metrópoles contemporâneas, incluindo experiências mais recentes realizadas em cidades nordestinas, constitui o objetivo central do presente artigo. Com menos interesse em fazer avaliações propositivas, o artigo analisa concepções e conflitos simbólicos que balizam práticas de “revitalização”. A presença de consumidores variados do espaço público (turistas, moradores, comerciantes etc.) e as polêmicas estabelecidas em torno dos investimentos cultu- rais e econômicos servirão de baliza para as ideias presentes no texto. PALAVRAS-CHAVE: centro urbano, “revitalização”, espaço público, turismo, metrópole. DOSSIÊ PULSAÇÕES NO CORAÇÃO DA CIDADE: cenários de intervenção em centros urbanos contemporâneos Irlys Alencar F. Barreira * Os centros urbanos cada vez mais apare- cem como expressão de zonas emblemáticas de cidades. Evocam o passado, momento no qual desepenhavam o papel de agregar funções admi- nistrativas e comerciais importantes, reportando- se também a um futuro e ao presente indefinidos quanto a possíveis formas de utilização de equipa- mentos e espaços considerados “históricos”. De fato, a ideia de centralidade parece ana- crônica face à tendência atual de a maioria das ci- dades se tornarem policêntricas, sem um lugar convergente de funções sociais. Se, em determina- do momento da história das urbes, o centro era percebido e vivido como um espaço de convivên- cia coletiva, as próprias definições topográficas atu- ais, definindo os limites onde começa e termina essa zona, são complexas, repercutindo sobre o sentido do lugar atribuído por seus moradores. 1 A multiplicidade de centros exprime as característi- cas atuais de metropoles, tornando-os muitas ve- zes desconectados entre si e postos em disputa pela hegemonia de atividades sociais. Refiro-me, particularmente, às funções de comércio e servi- ços, hoje difundidas em múltiplas áreas do espa- ço urbano. É notório observar que intervenções reali- zadas em várias cidades contemporâneas caracte- rizam-se pela busca de conferir aos locais públicos formas dinâmicas de utilização, baseadas em in- vestimentos comumente associados a comércio e lazer. Nessa direção, os espaços públicos passam a ser alvos de projetos que visam a “recuperar zonas degradadas”, imprimindo-lhes outras alter- nativas de utilização, oscilantes entre a afirmação de sentidos arcaicos e a incorporação de novos usos a antigas edificações. As expressões “requalificação” ou “revitaliza- ção”, 2 utilizadas para traduzir a tentativa de dina- * Doutora em Sociologia. Professora titular de Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Uni- versidade Federal do Ceará. Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades. Av da Universidade, 2995. Cep: 60020-181. Benfica - Fortaleza - Ceará - Brasil. [email protected] 1 Informantes de uma pesquisa sobre moradia, realizada em Fortaleza, no contexto da disciplina Sociologia Urba na, ministrada por mim, em 2008, demonstraram difi- culdades em se definirem como “moradores do centro” ou “moradores de área próxima ao centro”. 2 A respeito da terminologia utilizada como referência nas práticas e concepções de intervenção nos centros urbanos ver: “Re: atrás de, depois de...” (Vasconcellos; Mello, 2006).

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No intuito de ordenar espaços e devolver aos centros urbanos o papel hegemônico perdido,políticas urbanas contemporâneas vêm procurando fomentar diferentes modos de intervençãodesignados por “revitalização” ou “requalificação”. A cidade, voltada para a valorização de seupatrimônio histórico, torna-se então objeto de remodelações e reformas arquitetônicas, comvistas à preservação, ensejando imagens e marcas. Refletir sobre as intervenções em centrosurbanos de metrópoles contemporâneas, incluindo experiências mais recentes realizadas emcidades nordestinas, constitui o objetivo central do presente artigo. Com menos interesse emfazer avaliações propositivas, o artigo analisa concepções e conflitos simbólicos que balizampráticas de “revitalização”. A presença de consumidores variados do espaço público (turistas,moradores, comerciantes etc.) e as polêmicas estabelecidas em torno dos investimentos cultu-rais e econômicos servirão de baliza para as ideias presentes no texto.PALAVRAS-CHAVE: centro urbano, “revitalização”, espaço público, turismo, metrópole.

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PULSAÇÕES NO CORAÇÃO DA CIDADE:cenários de intervenção em centros urbanos contemporâneos

Irlys Alencar F. Barreira*

Os centros urbanos cada vez mais apare-cem como expressão de zonas emblemáticas decidades. Evocam o passado, momento no qualdesepenhavam o papel de agregar funções admi-nistrativas e comerciais importantes, reportando-se também a um futuro e ao presente indefinidosquanto a possíveis formas de utilização de equipa-mentos e espaços considerados “históricos”.

De fato, a ideia de centralidade parece ana-crônica face à tendência atual de a maioria das ci-dades se tornarem policêntricas, sem um lugarconvergente de funções sociais. Se, em determina-do momento da história das urbes, o centro erapercebido e vivido como um espaço de convivên-cia coletiva, as próprias definições topográficas atu-ais, definindo os limites onde começa e terminaessa zona, são complexas, repercutindo sobre osentido do lugar atribuído por seus moradores.1 A

multiplicidade de centros exprime as característi-cas atuais de metropoles, tornando-os muitas ve-zes desconectados entre si e postos em disputapela hegemonia de atividades sociais. Refiro-me,particularmente, às funções de comércio e servi-ços, hoje difundidas em múltiplas áreas do espa-ço urbano.

É notório observar que intervenções reali-zadas em várias cidades contemporâneas caracte-rizam-se pela busca de conferir aos locais públicosformas dinâmicas de utilização, baseadas em in-vestimentos comumente associados a comércio elazer. Nessa direção, os espaços públicos passama ser alvos de projetos que visam a “recuperarzonas degradadas”, imprimindo-lhes outras alter-nativas de utilização, oscilantes entre a afirmaçãode sentidos arcaicos e a incorporação de novosusos a antigas edificações.

As expressões “requalificação” ou “revitaliza-ção”,2 utilizadas para traduzir a tentativa de dina-

* Doutora em Sociologia. Professora titular de Sociologiado Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Uni-versidade Federal do Ceará. Bolsista de produtividade empesquisa do CNPq.Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades.Av da Universidade, 2995. Cep: 60020-181. Benfica -Fortaleza - Ceará - Brasil. [email protected]

1 Informantes de uma pesquisa sobre moradia, realizadaem Fortaleza, no contexto da disciplina Sociologia Urba

na, ministrada por mim, em 2008, demonstraram difi-culdades em se definirem como “moradores do centro”ou “moradores de área próxima ao centro”.

2 A respeito da terminologia utilizada como referência naspráticas e concepções de intervenção nos centros urbanosver: “Re: atrás de, depois de...” (Vasconcellos; Mello, 2006).

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mizar antigas áreas centrais, readaptando-as a fun-ções do presente, são recorrentes em discursos degestores e profissionais do urbanismo, ensejandoplanos e propostas de mudança na zona conside-rada como o “coração” da cidade.

No intuito de ordenar espaços e devolver aocentro o papel hegemônico perdido, as políticasurbanas contemporâneas vêm procurando fomen-tar ações culturais diferenciadas. Representaçõesbaseadas em supostos memorais confirmam luga-res emblemáticos, acionando narrativas baseadas naideia de um processo urbano a ser preservado. Acidade voltada para a valorização de seu patrimôniohistórico torna-se, então, objeto de remodelações ereformas arquitetônicas, com vistas à preservação,ensejando imagens e marcas (Vaz, 2008).

Refletir sobre algumas intervenções em cen-tros urbanos de metrópoles contemporâneas, inclu-indo experiências mais recentes realizadas em cida-des nordestinas, constitui o objetivo central do pre-sente artigo. Menos interessada em fazer avaliaçõespropositivas, pretendo analisar concepções e con-flitos simbólicos subjacentes a tentativas de“revitalização”. A presença de consumidores varia-dos do espaço público (turistas, moradores, comer-ciantes, etc.) e as polêmicas estabelecidas em tornodos investimentos culturais e econômicos servirãode baliza para as ideias presentes no texto.

PRESERVAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO: aidealização do espaço público

O princípio de “revitalização” dos centroshistóricos e a instauração de pontos turísticos sãocomuns à considerável maioria das metrópolesbrasileiras. O crescimento urbano das cidades e asde tentativas concomitantes de preservação de áre-as consideradas decadentes aparecem, nesse sen-tido, acompanhados de investimentos materiais esimbólicos em torno da manutenção de equipa-mentos com vistas a proteger aquilo que é designa-do como patrimônio.

Observa-se, no intento das reformas e nadefinição de zonas históricas urbanas, atuações

baseadas em concepções variadas. Algumas cami-nham na direção de animações culturais, incluin-do modelos de preservação de teor arquitetônicoassociados à dinamização econômica do local. In-vestimentos em moradias antigas, construção denovas e oferta especiais de serviços e lazer pontu-am parte significativa das experiências que se efe-tivam em metropoles contemporâneas.

O circuito das ações em torno de politicasurbanas não navega em águas tranquilas. Polêmi-cas referentes a empreendimentos efetivados emlocais “degradados” emergem com intensidade,pondo em pauta concepções sobre o espaço públi-co e sentidos atribuídos ao que e classificado comopatrimônio histórico. É sob o signo da mudança eda preservação que ações materiais e simbólicaspassam a pautar politicas urbanas, envolvendoagentes governamentais, especialistas e profissio-nais do urbanismo.

A experiência de reabilitação do Centro His-tórico de Recife3 traz elementos importantes parase pensar sobre intervenções e usos do espaçourbano associados ao tema da requalificação.

O plano estratégico de reabilitação do centroda capital pernambucana foi elaborado por arquite-tos e urbanistas ligados ao governo Jarbas Vascon-celos (PSDB). As concepções que animaram a pro-posta reconheciam a necessidade da interferênciados poderes publicos visando à reabilitação do lu-gar, incluindo a participação dos moradores comoinstrumento importante de ação política. O docu-mento que serviu de base à proposta criticava o pro-cesso gradativo de comercialização do local, opondoà atividade de consumo a necessidade de “apropria-ção do espaço público” para fins multifuncionais,incluindo o reforço à moradia.

O projeto “memória em movimento” firmavaseu objetivo na integração dos moradores às mu-danças em curso, considerando a necessidade desolidificar ações menos voltadas para o estímulo deatividades de consumo e mais interessadas na ma-nutenção de moradias. Havia o suposto de que aspostitutas e portuários tinham assegurado, por conta

3 As informações sobre a experiência de Recife estão base-adas fundamentalmente no livro de Leite (2007).

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de sua permanência no local, a preservação dosmonumentos antigos. Eram, portanto, atores rele-vantes na constituição da ideia de patrimônio.

Múltiplas iniciativas foram viabilizadas pormeio do projeto “memória em movimento”: a recom-posição da história do bairro por meio de entrevistascom antigos moradores, a valorização da habitação àmoda modelo de Bolonha e a defesa do uso da mora-dia para camadas populares, sem abdicar, no entan-to, da utilização da área para fins turísticos.

A implementação posterior do projeto de“revitalização” foi efetivada por meio de fases queincluíam assistência à população carente de saúdee educação, tornando-se símbolo de uma aliançaentre governo estadual e municipal4 (Leite, 2007).

Tratava-se de uma proposta flexível, execu-tada em continuidade, com objetivos precisos detransformar o bairro de Recife em Centro Metro-politano. A ideia era a de torná-lo modelo de espa-ço público e local de atração turística nacional einternacional.

Em que pese sua singularidade, o projetode revitalização do Centro de Recife repetiu umatendência que proliferou nas últimas décadas, emmetrópoles brasileiras e nordestinas, referente àtransformação de áreas marginais em complexoscentros de lazer. As descontinuidades entre aspropostas voltadas para o plano de devolução aolocal da vitalidade perdida e as práticas efetivas deuso do espaço emergiram, no entanto, no decorrerdo tempo.

No primeiro momento de reabilitação, asnoções de espaço público e cidadania encontra-vam-se enfatizadas, mesmo genericamente, confe-rindo sentido político ao plano de remodelaçãourbana. Sua concretização reforçaria as atividadesde lazer e consumo, acionando mais fortemente ocontrole sobre os usos do espaço.

Posteriormente, as experiências de inserçãodos moradores tornaram-se escassas, prevalecen-do a ideia de espetáculo e as tensões entre usos“devidos” e “indevidos”. Percebe-se, portanto, quea reconhecida dinamização do espaço público ati-

vou polêmicas sobre os temas do “esvaziamento”,a presença descontínua de visitantes e as dificul-dades de permanência de moradores. Discussõessobre a possibilidade de as políticas de patrimônioincorporarem usos locais emergiram nesse momen-to, repondo a pauta das tensões entre ocupação elegitimação de zonas requalificadas. Trata-se de umasituação também presente em outras experiênciasde remodelação urbana.

Em São Luís,5 o processo de investimentono Centro Histórico foi reforçado em 1997, oca-sião na qual a cidade era incluída na linha depatrimônio mundial pela Unesco. Os primeirostrabalhos sobre o levantamento do acervoarquitetônico e artístico partiram de reforços pro-movidos por essa instituição, contando com inter-ferência do arquiteto francês Michel Parent, tam-bém indicado para realizar relatório junto à Unescosobre o Pelourinho em Salvador. O Plano Munici-pal de Gestão do Centro histórico foi adotado pelaPrefeitura de São Luís, incluindo modelos de cir-culação viária e valorização do patrimônio imobili-ário por meio da indução de usos habitacionais,culturais e turísticos.

A tentativa de incorporar à proposta de“revitalização” práticas sociais diferenciadas e nãorestritas à oferta de espetáculos reconhecia a ne-cessidade de equacionar, de modo equilibrado, asfunções do passado e do presente. O turismo foium objeto considerado relevante nesse arranjocomplexo de ideias e ações, como reconhecida ati-vidade de animação do espaço público.

Não obstante a tentativa de controle dos usosdo espaço, explicitada nos critérios adotados paraa preservação do Centro Histórico da cidade deSão Luís, os investimentos na área de comércio eserviços potencializaram o declínio do Centro comoespaço de moradia. A política patrimonial produ-ziu, portanto, efeitos mais proeminentes no setorde serviços e comércio, que passaram a pautar-seprincipalmente pela oferta de bens culturais con-siderados “típicos” da capital maranhense. Semdesconsiderar a importância de intervenções esté-

4 Refiro-me à aliança entre o prefeito Joaquim Franciso(PFL) e o governador Jarbas Vasconcelos (PMDB).

5 As informações sobre São Luís foram baseadas funda-mentalmente em Espírito Santo (2006).

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ticas e culturais que vabilizaram a efervescênciado Centro Histórico da capital maranhense, obser-va-se que a relação complexa entre usuários, visi-tantes e moradores permanentes apareceu com niti-dez. Destaca-se assim, em São Luiz, dificuldadescomuns a outras cidades nordestinas atuais, refe-rentes ao equilíbrio da oferta de bens de lazer, con-sumo e moradia nas áreas consideradas históricas.

Reflexões sobre a necessidade de reforço aopatrimônio histórico do centro de Fortaleza foramtambém retomadas à luz de propostas de“requalificação”. Discursos sobre a necessidade deconservação de espaços e monumentos apontarama necessidade de resguardar o Centro da Cidade econservar a sua “história”. Revitalizar o decadentee preservar o antigo vem portanto, ao longo dotempo, se constituindo em lema de gestores ouplanejadores urbanos, preocupados em reverterprocessos de transformação característicos hoje damaioria das metrópoles.

Uma das propostas discutidas em váriosprojetos que visam a dinamizar o centro da Capi-tal Cearense é a de aproveitamento de moradiaspara as famílias de classe média. A hipótese decriação de corredores culturais, facilitando passa-gens entre pontos importantes, permitiria a valori-zação de equipamentos públicos, tais como o anti-go Parque da Cidade e sua ligação com a Praça Joséde Alencar, que abriga o teatro mais importante deFortaleza.

O Centro de Fortaleza viveu diferentes mo-mentos de intervenção. A remodelação da Praçado Ferreira, ocorrida em 1991, baseava-se na tenta-tiva de manter a “história do local” sem abdicardos novos usos. O projeto arquitetônico levou emconsideração a reforma de antigos monumentos eprédios, incrementando o aproveitamento de es-paços capazes de restaurar e incentivar formas va-riadas de sociabilidade. A possibilidade de ampli-ar e recuperar o espaço de moradia continua nohorizonte de algumas propostas cuja importânciajustifica-se diante da perda gradativa dehabitabilidade no local. Denota se que em que, emmenos de 10 anos, segundo um estudo feito pelaHabitafor, 5.904 habitantes deixaram de residir no

centro. Em 2000, conforme dados do IBGE, havia24.775 habitantes; em 1991, 30.000 (Cf. Jornal OPovo, 7/02/2009).

As polêmicas mais recorrentes a respeito doCentro de Fortaleza gravitam em torno da presençado comércio ambulante e categorias sociais consi-deradas expressões da desordem e da violência.6

Ao longo do tempo, o Centro tornou-se, de fato,um local de presença quase exclusiva de classespopulares, não obstante as tentativas mais recentesde programas de animação cultural que visam a as-segurar a frequência da classe média no local.

A criação de áreas contíguas à zona centralde Fortaleza, como o Centro Dragão do Mar de Artee Cultura, objetivava inserir a cidade no contextode reformas gerais, impedindo que a área reprodu-zisse o processo de verticalização em curso (Gondim,2006). O projeto original contemplava a ampliaçãodas áreas de intervenção, que deveriam integrar aPraia de Iracema ao centro da cidade. Essas refor-mas, que se efetivaram concomitantemente a mu-danças espaciais mais recentes – exemplificadas naverticalização, na instituição de áreas “nobres” e nadefinição de zonas consideradas “históricas” –, pro-duziram, simultaneamente, polêmicas entre mora-dores e consumidores visitantes (Barreira, 2007).

Outra experiência significativa de interven-ção realizada com vistas a consolidar o patrimôniohistórico local ocorreu no Centro Histórico de Sal-vador,7 tombado pela Unesco em 1985. Nesse in-tuito de preservação, o reforço à arquitetura coloni-al bem como o realce de tradições culturais foramfundamentais para a produção de um padrão turís-tico. Os processos consequentes de expulsão dapopulação, vigentes desde 1967, foram complexos,apontando saídas de moradores asseguradas pormeio de indenizações (Berdoulay; Paes, 2008).

Os conflitos entre o reforço ao fluxo turísti-6 Segundo dados da Secretaria do Centro, Fortaleza possui

981 ambulantes com termo de permissão distribuídosnos passeios e praças da área. No “beco da poeira”, nomeatribuído à localidade próxima ao centro que, nessemomento, acabou de vivenciar processo de transferên-cia, alojavam-se 2080 permissionários regularizados.

7 As reflexões sobre a experiência de Salvador foram obti-das, fundamentalmente, por meio do artigo de Berdoulay,Vincent; Paes Maria Tereza Duarte “Imagem epatrimonialização em planejamento urbano: Salvador(Bahia) e Bourdeaux em perspectiva” (2008).

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co no Pelourinho, com a valorização estética dapaisagem, em contraponto à ideia de espaço paramoradia, são considerados emblemáticos. A pri-mazia conferida à refuncionalização turística nãoeliminou uma subversão de territorialidades locais,como o comércio de produtos típicos baianos e aoferta de outros serviços construídos nas brechasda legalidade. O programa de recuperação do Cen-tro Histórico de Salvador, inaugurado em 1992,passou por várias etapas. A primeira fase compre-endeu a implantação de um centro comercial tu-rístico próximo ao Pelourinho. Os imóveis foramocupados por comércio, atividades culturais e ne-gócios ligados ao turismo.

Estratégias outras, que buscavam a diversi-ficação de atividades, foram implementadas comauxílio do Programa de Desenvolvimento do Tu-rismo (Prodetur). A concepção do plano de reabi-litação do Centro Antigo de Salvador, que envol-veu Governo do Estado, Prefeitura, Ministério doPlanejamento e Instituto do Patrimônio Histórico,teve por objetivo coordenar, de forma mais inte-grada, as diversas intervenções e projetos em cur-so. A criação do quarteirão cultural permitiu a di-versificação do público de visitantes.

Recentemente, a preocupação com a perma-nência da população no Centro de Salvador res-surge mais fortemente, considerando-se a suaimportancia para a continuidade temporal do em-preendimento, não assegurada pela presença ex-clusiva do turismo. O programa Monumenta doMinistério da Cultura, que prevê usos mistos eresidenciais para áreas de preservação, além dorestauro integral de imóveis importantes, vem cons-tituindo um reforço na consolidação de equipa-mentos urbanos multifuncionais.

Observa-se, nas experiências mencionadas,que a equação moradia versus investimentos emáreas de comércio, turismo e lazer estão postas comnitidez, pontuando conflitos simbólicos em tornodo tema do espaço público. Moradores, turistas evisitantes ocasionais expressam não só frequenciasdiversificadas, mas modos diferenciados de con-solidar e conceber as políticas de patrimônio. Ésintomático observar que, não obstante as diferen-

ças históricas e econômicas peculiares a cada ex-periência, existe um padrão que se torna quaseum modelo. Trata-se da questão da dinamizaçãode áreas que subvertem as formas originais de usodo espaço urbano, submetidas a operações derequalificação indutoras de outras formas de se-gregação social.

ESPAÇO PÚBLICO, PARA QUAL PÚBLICO?

Sennett, em livro polêmico intitulado Odeclínio do homem público (1999), chama a aten-ção para o desaparecimento gradativo de experiên-cias compartilhadas em espaços urbanos marca-dos pela lógica da evitação e reforço ao individua-lismo. Argumenta o autor a prioridade atualmenteconferida à visão íntima da sociedade, sendo omundo impessoal dos encontros anônimos consi-derado decepcionante e vazio. A crítica de Sennettfundamenta-se na necessidade de uma lógica dadiversidade, capaz de permitir a vigência de expe-riências coletivas peculiares à própria ideia de ci-dade. A teatralidade da vida social, implicando apresença de atores e papéis desempenhados noespaço público, viabilizaria o cumprimento dasregras do viver citadino.

Em uma outra perspectiva, baseada na ideiado espaço público como esfera de ação política,Habermas (1984) chama a atenção para a cidadecomo um local de encontro entre concepções epráticas diferenciadas. O sentido do público comolugar de troca de experiências subsidiaria um ide-al de convivência urbana entre diferentes,gradativamente subtraído pela lógica do consumoe a hegemonia do poder.

Os processos de ativação do espaço públi-co, materializados em intervenções pontuais aquirapidamente dscritas, parecem manter pouco diá-logo com noções de diversidade e frequencia deconsumidores. De fato, a própria ideia de públicoe o tipo de consumo encontra-se em questão.

Foi nos moldes de uma redefinição epermutabilidade dos locais de moradia, comércioe lazer que se realizou a ideia de recuperação de

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“zonas históricas” de cidades. Nessa direção, ocentro de cidades passou a constituir um dos lo-cais de produção de práticas culturais e políticasbaseadas em evocações à memória, simbolizandoa ideia de um espaço público a ser ativado ereconstruído.

No intuito de construir uma articulação har-moniosa entre passado, presente e futuro, os in-vestimentos comerciais e culturais vêm integran-do estratégias múltiplas. Rituais como o carnaval,festas populares, animação de praças e eventoscívicos buscam dinamizar antigos usos do espaçourbano, associados a formas contemporâneas deconsumo. Propostas recentes de reforma de cen-tros citadinos procuram, assim, conjugar interes-ses comerciais e turísticos, almejando a frequênciada classe média como garantia de sustentabilidadedos empreendimentos.

As interferências em centros urbanos evo-cam a utopia da convivência coletiva, acenandocom possibilidades de recompor espaços “esvazi-ados”. A ideia de “devolver a cidade aos morado-res” passa a ser veiculada com frequência em vári-os dicursos, sendo as operações e reformas reali-zadas em nome da virtualidade de uma históriaurbana a ser protegida.

Perspectivas mais amplas e recentes, desig-nadas por “globalização”, trouxeram referentesnovos para pensar sobre as cidades, elegendo acultura como elemento de ativação e manutençãode sociabilidade. Situações de homogeneidade eheterogeneidade foram também retomadas sob oângulo das dinâmicas culturais citadinas, marcadaspela permanente busca de valorização das identi-dades locais (Canclini, 1998).

No quadro das interações multiculturais, oturismo entrou como variável importante de obser-vação de uma produção ativa de lugares, competin-do na busca de qualidades especiais e no esforçode formar uma imagem distintiva das cidades. Oculto ao “diferente” e ao “exótico” foi priorizado emanálises voltadas para a constituição de narrativas epaisagens urbanas (Fortuna, 1999).

As novas formas de segregação espacial, nãorestritas ao tema das desigualdades econômicas,

ressurgem ao lado de conflitos simbólicos, ali-mentados na contenda entre lugares e memórias. Acidade cosmopolita, como palco de inúmeras inter-venções urbanas, promoveu uma reflexão sobre ostemas do patrimonio cultural, incluindo a delimita-ção e o uso dos espaços, as classificações e sentidoselaborados no cotidiano de práticas de atores soci-ais: moradores, comerciantes, visitantes etc.

Os investimentos urbanos, projetos e dis-cursos que acenam com a preservação do patrimônio,ligam-se a um processo que pode ser nomeado de“invenção das tradições” (Hobsbawm), presente emnarrativas e ícones que buscam recompor a origeme o crescimento de cidades.

O chamado “esvaziamento” de espaços urba-nos convoca uma reflexão sobre a própria ideia deusos ou apropriações de áreas públicas. Certeau(1994), observando a característica diversificada doconsumo urbano, para além das classificaçõeshegemônicas, considera que o próprio viver na cida-de é sinalizador de uma variabilidade de práticassociais ou usanças, expressivas da dimensão criativae relacional propiciada por moradores ou visitantes.

Na realidade, o uso dos espaços na cidadenão se separa de processos, conflitos e interven-ções políticas nos quais se percebe a emergênciade atores no fluxo das diferentes dinâmicasinterativas. A cidade, nesse sentido, é múltipla,não obstante sua capacidade de “se impor” a seusmoradores e visitantes, constituindo-se em umaespécie de unidade imaginária – identidade a par-tir da qual cada aglomerado urbano pretende afir-mar sua marca distintiva.

Reflexões sobre a vida urbana contemporâ-nea supõem, entre outras abordagens, uma obser-vação que capte os investimentos políticos paradar forma à cidade, articulados a disputas simbó-licas pelo uso e apropriação dos espaços. A cida-de, como totalidade e com suas materialidades plu-rais, trazem referentes importantes tanto para sepensar na expansão comum às metrópoles, comonos territórios específicos oriundos de cada locali-dade urbana. Em tal perspectiva, as cidades, as-sim como os bairros, trazem as marcas de seusatores, o fluxo das interações descontínuas e das

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sociabilidades conflitivas (Simmel, 2004).Na medida em que a construção do patrimônio

emerge na direção da visibilidade turística, a narrati-va da cidade torna o “passado” a ser apresentadoobjeto de recriação ou inventividade. Novas funçõespara velhos equipamentos e controle sobre “usosindevidos” configuram parte significativa das políti-cas e dos investimentos culturais e comerciais. Nun-ca é demais lembrar que as narrativas da cidade sãotambém narrativas para o consumo. A esse respeito,observa se que a hipervalorização de espectos estéti-cos do patrimônio sobrepõe-se ainda mais frequen-temente aos interesses e necessidades das popula-ções ocupantes de áreas protegidas. Arantes (2009,p.20) assevera que uma das possibilidades de en-trada para o tema da inserção do patrimônio nascidades é por meio do conceito de patrimônio sus-tentável urbano, que se associa à ideia de conserva-ção integrada de centros históricos. Essa perspecti-va estaria incorporada a significados e valores reco-nhecidos pelos habitantes da cidade, implicandousos efetivos e formas de apropriação do espaço.Ressaltam-se, assim, “os sentidos de lugar que nu-trem a experiência de habitar as cidades e o cons-tante refazer das identidades no espaço urbano(Arantes, 2009, p.18).

No âmbito das questões referentes a políti-cas de patrimônio, é importante verificar concep-ções e práticas que subsidiam a “requalificação”de espaços urbanos. O coordenador do serviço depatrimônio em Lyon, Bruno Delas,8 considera queuma das características de cidades latino-america-nas é a dificuldade de envolvimento dos habitan-tes no processo de elaboração da memória. O pro-fissional do patrimônio comentou o esvaziamen-to do Pelourinho em Salvador, considerando-oexemplo da dificuldade de permanência dos habi-tantes no local a ser preservado. Segundo ele, aconvenção que regulariza o tema do patrimôniomostra a responsabilidade das ações e os critériosde ordem ética e moral que não devem ser funda-mentados apenas com base na antiguidade do lo-

cal. Delas aponta a necessidade de renovação deuma filosofia atualizada da cidade, considerandoque “ela não e um museu, mas um ato de criaçãoarquitetural”. Na visão do chefe de serviço dopatrimônio, seria preciso também encontrar novasformas de uso para locais e equipamentos anacrô-nicos, por meio da ativação de outras funçõesemergentes. Nesse sentido, indaga: como restau-

rar uma antiga igreja ou hospital que não têm mais

a mesma utilidade do passado?

O risco de “esvaziamento do centro” pre-sente em Lyon é analisado por Authier (2003), ten-do como referência a gentrificação do antigo bairroSaint Georges. Verifica o pesquisador a convivên-cia de mobilidades diferenciadas, típicas de zonascentrais citadinas, nas quais ondas sucessivas deinstalação da população mobilizam parcelas dife-rentes das classes médias.

Em Lyon, propostas de uso do espaço, in-corporando segmentos sociais em busca de alter-nativas de moradia e incluindo a presença de ca-madas médias, antecedem a intervenção do poderpúblico. A retomada social do bairro de SaintGeorges vem ocasionando a presença mais nume-rosa de moradores transitórios, reforçando o riscoda divisão social. Diferentes concepções sobre autilização do bairro caracterizam a ocupação maisrecente do local. Observa Authier que, enquantoos operários revelam desinteresse no lugar demoradia, os estudantes e os executivos, identifica-dos com a proposta de revitalização, têm forte liga-ções com o bairro. O fato é que a identificação en-tre moradores e local de moradia incorpora temascomo funcionalidade, moda, investimento econô-mico etc, acionando um complexos de ações qua-se sempre não-convergentes.

O tema do “esvaziamento” ou acréscimo denovas funções ao centro de cidades pode também serobservado em Barcelona. O Centro Antigo não foi aban-donado pela classe média, embora sua presença estejarestrita a alguns lugares (Claver, 2003). A pesquisado-ra observa que o papel da intermediação pública foideterminante para o plano de “revitalização”, contan-do com a participação de diferentes atores sociais.A pressão dos movimentos sociais urbanos por

8 Entrevista concedida à autora em 2004, no âmbito doacordo Capes/Cofecub, envolvendo Universidade Fede-ral do Ceará e Université Lumiére Lyon II.

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mudanças na periferia, ocasionada pelo processode redemocratização, repercutiu sobre a versão do“centro degradado”, que é exemplificado na multi-plicação de bares e na presença de prostituição. Emfins dos anos 1970, houve a refuncionalização dezonas, separando-se áreas comerciais e residenciais,interferindo a prefeitura no incremento espaciaisde cultura e zonas comerciais alternativas. A diver-sificação no uso do espaço público em Barcelonareproduziu, no entanto, os riscos de novas formasde segregação e conflito entre usos do espaço.

Esse conjunto de experiências põe em ques-tão o dilema dos conflitos simbólicos que se efeti-vam em torno do uso do espaço público, tornandoos centros históricos uma espécie de termômetrodas transformações urbanas que vêm se processan-do em metrópoles nos últimos vinte anos. Destaca-se, nessa perspectiva, o alerta já enunciado por Jacobs(2000), sobre a necessidade da articulação ente di-nâmicas e diversidades como suportes fundamen-tais para a valorização e renovação de cidades. Éimportante não destruir o quadro das trocas tradi-cionais, assevera a estudiosa dos espaços de inter-venção urbana. Os centros históricos repõem, jus-tamente, o drama da dinamização e preservação davitalidade, criando tensões entre frequentadores emodos de apropiação do espaço.

Subjacente aos usos e apropriações do es-paço que fundamentam a polêmica do “esvazia-mento”, entra em jogo a presença do capital sim-bólico e comercial.

DESAFIOS DA INTERVENÇÃO: capital simbó-lico versus capital economico

Pensar o centro como patrimônio evoca osentido de passado e conservação. Supõe a urgên-cia de cuidar de “algo que precisa ser preservado eestá em risco de extinção”, tendo em vista a des-truição de antigos imóveis, a presença de ativida-des e usuários considerados indesejados, a trans-ferência de estabelecimentos importantes de comér-cio para outras localidades etc. Todas essas açõessão percebidas como sintomas de “desvitalização”

e ameaça ao patrimônio público. Sabe-se, no en-tanto, que bens materiais, ao longo do tempo, sãopassíveis de novos usos, e é justamente a transfor-mação de funções e de formas de ocupação quedesafia o discurso da preservação e dos conflitosde classe aí embutidos, a exemplo dos cortiços emSão Paulo (Kowarick, 2009).

Parte significativa dos argumentos de pro-fissionais do contexto urbano, assim como degestores públicos, baseia-se na existência de umpotencial econômico, cultural e comercial “poucoaproveitado”, o que deixa essa zona suscetível àdeterioração e ao “esvaziamento”. É caminhandonessa direção que políticas de intervenção urbanaem centros históricos elegem essa zona como con-texto privilegiado de investimentos legítimos, por-que considerados salvaguardas da memória e dossentidos de totalidade da metrópole.

De fato, desde o momento em que as cida-des se tornaram policêntricas, com redistribuiçãode funções comerciais e administrativas, acompa-nhadas de afastamento das classes mais favorecidaspara zonas mais distantes, o antigo centro perdeucredibilidade e passou a a abrigar formas de ocu-pação consideradas problemáticas. Projetos e in-tervenções voltadas para conter o “esvaziamento”ou regular formas indesejadas de ocupação inte-gram fortemente a agenda de políticos e gestores.

O centro da cidade é também visto comolugar histórico, no qual se desenvolvem as fun-ções básicas de negociação e troca. É a construçãode outros polos de aglutinação de atividades quecontribui para a difusão da ideia de “vazios”, fa-zendo emergir a seguinte questão: são os centrosvazios ou ocupados de forma considerada indese-jável? Em Fortaleza, por exemplo, a ideia de “esva-ziamento” está associada à presença ou ausênciada classe média. Assim como se diz que o espaçoestá “vazio” porque não é mais frequentado pelaclasse média, também se diz que a área está “mis-turada” quando setores populares mais ou menosintegrados à vida citadina asseguram uma presen-ça mais evidente. Ressalta-se, portanto, nessa si-tuação, o princípio de dupla segregação que en-volve classes populares e as camadas superiores,

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já enunciada por Preteceille no estudo da metró-pole parisiense (2003).

Confundindo-se com a ideia de espaço pú-blico, o centro das cidades também torna latente oconflito de classes ou a contradição entre funçõese modos de utilização da área. É na perspectiva deum sentido de “esvaziamento” do centro, na críti-ca à “invasão” dessa localidade por vendedoresambulantes e nas outras formas de ocupação des-se espaço, que as tentativas de intervenção, assimcomo os debates acadêmicos e jornalísticos, pas-sam a se efetivar com nitidez. Camelôs, prostitutase consumidores de drogas corporificam presenças“espúrias”, consideradas símbolos da “degradação”e da perda de credibilidade do local.

Se a ideia de “requalificação” presente namaioria das proposições de reforma urbana primapela valorização simbólica de espaços, instituindonarrativas com atribuições positivas dirigidas azonas consideradas representativos da cidade,supõe também novos investimentos imobiliários,tendo em vista atrair a presença da classe média. Énessa perspectiva que a cultura e o lazer aparecemcomo suportes fundamentais do binômio mudan-ça e preservação. A valorização de um público in-definido, o que aflui à cidade em momentosepisódicos (turistas) passa também a contar na ló-gica das tentativas de intervenção, aproximando-se de um urbanismo destinado a uma populaçãoflutuante, disposta ao consumo de “produtos cul-turais, fabricados, empacotados”, tal como pensouChoay (2001, p.211), referindo-se aos caminhosenfrentados pelas políticas de patrimônio.

A manutenção e reativação de centros his-tóricos traz consigo uma disputa entre diferentesformas de valorização do capital simbólico, postoem sintonia ou conflito com o capital econômico.Assegurar a manutenção de moradores, reforçar apresença de classes mais abastadas, de modo adefinir um padrão de consumo, ou investir sobreo incremento do turismo, constituem opções quese colocam permanentemente em confronto.

Por esse motivo, não há como tratar das ex-periências de dinamização dos centros históricossem considerar a problemática das desigualdades

sociais que interferem sobre os usos, apropiaçõesdo espaço e sentidos de patrimonialização. Nãodeixa de ser sintomático que cidades nordestinastenham utilizado investimentos turísticos por meiodo Programa Prodetur, com vistas a angariar divi-dendos econômicos, compensatórios de uma situ-ação de pouca industrialização e crise fiscal. A di-ficuldade de sustentabilidade de experiências vem,portanto, da dependência do turismo como formaquase exclusiva de dinamização de áreas urbanas.9

Mesmo na situação de Salvador, cujo crescimentoacelerado revelou-se superior ao de outras cidadesnordestinas na última década, ocorre umareconfiguração de territórios voltada para incremen-to do turismo, com investimentos em eventos cul-turais e enobrecimento de áreas, visando à difusãode uma imagem positiva da cidade.10

A natureza dos investimentos associados amodos diferenciados de consumo também interfe-re na destribuição, classificação e usos do espaço.Experiências baseadas no reforço ao lazer e à cul-tura, aí incluindo cenários “históricos” de visitação,empreendimentos diretamente associados à pre-sença de visitantes sazonais, episódicos ou per-manentes, têm implicações sobre a sustentabilidadedos empreendimentos.

Quando pesquisadores da Europa, EstadosUnidos e América Latina discutem os efeitos detentativas de requalificação nas áreas centrais, re-ferindo-se principalmente à expulsão de camadaspobres, outros analistas refletem sobre o “esvazia-mento” de centros por conta da retirada de fun-ções administrativas e comerciais, transferidas paraoutras regiões da cidade (Zachariasen, 2006).

As transformações atuais vividas nas urbescontemporâneas ensejam, nesse sentido, discursosfrequentemente alusivos a diferentes temporalidades.Nesse contexto, o espaço e a vida urbanos apare-cem como se fossem submetidos a sucessivas per-

9 Livramento M. observa que, no Brasil, particularmenteno Nordeste, desde o final dos anos 1980, a atividadeturística efetivada com recursos da Prodetur vem se as-sociando a políticas públicas locais de naturezadesenvolvimentista.

10 Para uma análise aprofundada da dinâmica metropolita-na e estrutura socioeconômica em Salvador, ver Carva-lho; Almeida; Azevedo, 2001.

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das que remontam à nostalgia de um tempo anteri-or de maior sociabilidade e intimidade com a me-trópole. Tempo no qual era possível ter controlesobre os processos de mudança.

Percepções sobre o que é considerado his-tórico, com repercussões sobre a valorização demonumentos e equipamentos, em detrimento damoradia, induzem a formas efêmeras ou transitó-rias de consumo, contribuindo para o chamado“esvaziamento”. Nesse sentido, políticas variadasde intervenção, que se tornam objeto especulaçãoem diferentes cidades, têm em comum a tentativade dar unidade espacial e temporal a vivênciasdescontínuas que caracterizam as metrópoles sub-metidas a processos de expansão, segregação.

Os pressupostos das reflexões contidas nesteartigo partiram da compreensão da cidade em suafeição dinâmica e plural – resultado de investi-mentos, usos diferenciados do espaço e disputassimbólicas mediadas por discursos ou narrativas.Para além de um ideal de unidade, a cidade repre-senta a conjunção de dinâmicas sociais. O riscode essencialização ou substantivação do espaçourbano existe quando pensamos a metrópole demodo estático e uniforme. Trata-se de um sensocontrário à sua dimensão plástica, moldada porpráticas e interações – projeção, no espaço, dasrelações sociais, tal como pensou Lefebvre (2000)em inúmeras de suas reflexões sobre a perspectivarelacional dos habitantes das cidades modernas.

Os centros históricos podem ser vistos comoespaços de idealização a participar de uma produ-ção representacional e imagética não necessaria-mente condizente com uma política urbanísticaorientada para investimentos de longo prazo. Ima-gens sem conteúdo, em muitas situações, caracte-rizariam o marketing das cidades, com a criaçãode hipercentros que se assemelham a liftings eoutras cirugias plásticas (Peixoto, 2008). O pes-quisador, observando experiências em cidades por-tuguesas, conclui que os centros históricos maiscoloridos e mais animados não necesariamenteadquirem mais vida própria, criando a distânciaentre imagem difundida e seu conteúdo.

O conjunto de intervenções discursos e

depoimentos, formadores de opinião sobre os pro-cessos urbanos contemporâneos, caracterizam o quevenho nomeando de “diálogo entre passado e pre-sente”. Entendo diálogo não como relação cordialentre temporalidades, mas apropriações do passa-do acompanhadas de investimentos materiais esimbólicos considerados expressivos do patrimôniolocal. Trata-se de uma metáfora que visa a apontaras diferentes formas de evocar o passado, vistotanto sob a óptica de um tempo mítico e sem retor-no, como também vivido em continuidade com osusos contemporâneos do espaço urbano. Com issoquero dizer que a “história ou memória da cida-de”, materializadas no conceito de patrimônio,expressam versões diferenciadas ou visões de umimaginário11 urbano nem sempre convergentes.

A perspectiva de acenos à “revitalização”supõe a possibilidade de construção de liames tem-porais dotados de narrativas múltiplas. Os apelosturísticos, as intervenções urbanísticas ou as pro-jeções arquitetônicas buscam, cada qual a seumodo, fortalecer a chamada “identidade urbana”,guardando o seu quinhão de passado. É nesseâmbito que a ideia de patrimônio suscita uma es-pécie de afinidade eletiva com a noção de mito,que “tem à sua disposição uma massa ilimitada designificantes” (Barthes, 1989, p.141).

Os discursos construídos sobre a cidade,associados a diferentes práticas sociais, expressamdiferentes momentos históricos e experiências.Uma negociação ou conflito entre os espaços quese preservam e os que se modificam indica o esta-belecimento de conexões que vão adquirindo ma-tizes diferenciadas, conforme as políticas de inter-venção urbana e o poder de imposição, parceriaou resistência de segmentos sociais.12

Longe da instituição de um consenso, asexperiências vigentes em vários contextos urbanosapontam processos como gentrificação, possibili-

11 Para o conceito de imaginário, ver, entre outros,Castoriadis, 1992.

12 Rubino (2009), refletindo sobre o conceito de“enobrecimento urbano”, chama a atenção para a neces-sidade de incorporar dados etnográficos às análises, con-siderando a hipótese da diversidade de ocupações emcidades e as razões múltiplas pelas quais determinadasclasses sociais vão morar no centro.

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dades de garantia de inclusão social, investimen-tos privados e múltiplas formas de ativação de umespaço considerado representativo da memóriaurbana. Trata-se de práticas políticas descontínuasque, não obstante contribuírem para a dinamizaçãodo espaço público, repõem o drama dos usos, dasapropriações e dos conflitos vigentes na sociedadeurbana contemporânea.

As tensões e pararadoxos da “revitalização”não constituem uma via de mão única que neces-sariamente transforma toda experiência de inter-venção em mero pastiche. Na realidade, a visibili-dade de práticas culturais e a incorporação de va-lor estético a zonas como Pelourinho, Centro deRecife, Centro Dragão do Mar em Fortaleza e Cen-tro de São Luís são indiscutíveis. O desafio prin-cipal é o de tornar essas áreas expressão e congre-gação de sentidos coletivos urbanos partilhados.Não necessariamente avesso ou imune aos confli-tos, mas aberto às negociações e percursos históri-cos que animam as pulsações da cidade.

(Recebido para publicação em julho de 2010)(Aceito em agosto de 2010)

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PULSATIONS EN PLEIN COEUR DE LA VILLE:Scénarios d’intervention dans les centres urbains

contemporains

Irlys Alencar F. Barreira Barreira

En vue d’organiser les espaces et de rendre auxcentres urbains leur rôle hégémonique perdu, lespolitiques contemporaines cherchent à promouvoirdivers modes d’intervention appelés “revitalisation” ou“requalification”. La ville, penchée sur la valorisationde son patrimoine historique devient alors l’objet detravaux de rénovations et de réformes architecturalesdestinées à la préservation, donnant lieu à des imageset à des marques. Réfléchir aux interventions qui ontlieu dans les centres urbains des métropolescontemporaines, y compris aux expériences plusrécentes réalisées dans des villes du nord-est, consti-tue l’objectif principal de cet article. Plutôt que devouloir faire des évaluations en vue de propositions,l’article analyse les conceptions et les conflitssymboliques qui jalonnent les pratiques de“revitalisation”. La présence de consommateursdiversifiés de l’espace public (touristes, habitants,commerçants, etc.) et les controverses établiesconcernant les investissements culturels etéconomiques serviront de jalon aux idées présentesdans le texte.

MOTS-CLÉS: centre urbain, “revitalisation”, espacepublic, tourisme, métropole.

PULSATIONS IN THE HEART OF THE CITY:scenarios for intervention in contemporary urban

centers

Irlys Alencar F. Barreira Barreira

In order to sort spaces and give back to urbancenters their lost hegemonic role, contemporary urbanpolicies have been seeking to foster different modes ofintervention called “revitalization” or “requalification”.The city, facing the valorization of its historicalheritage, then becomes the object of architecturalrenovations and reforms, aimed at preservation,allowing for images and brands. The central objectiveof this paper is to reflect on the interventions in thecontemporary metropolitan urban centers, includingthe most recent experiences conducted in Braziliannortheastern cities. This paper, less interested in makingpropositional assessments, analyzes symbolic conceptsand conflicts that guide practices of “revitalization.”The presence of various consumers of public space(tourists, residents, merchants etc.) and thecontroversies surrounding the cultural and economicinvestments will serve as a guide for the ideas in thetext.

KEYWORDS: urban center, “revitalization”, public space,tourism metropolis.

Irlys Barreira – Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo. Professora titular de Sociologia doPrograma de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará. Bolsista de produtividade empesquisa do CNPq. Prioriza em suas pesquisas o estudo dos rituais, práticas políticas e valores sócio-culturaisem diferentes contextos. É autora dos livros: O Reverso das Vitrines, Conflitos Urbanos e Cultura Política(Editora Rio Fundo, Rio de Janeiro, 1992), Chuva de papéis, ritos e símbolos de campanha eleitoral no Brasil(Editora Relume Dumará, Rio de Janeiro, 1998), Imagens ritualizadas, apresentação de mulheres em cená-rios políticos (Editora Pontes, São Paulo, 2008). Entre os trabalhos que enforcam mais especificamente o temadas cidades publicou: “Narrativas de Lisboa” (Almedina/Centro de Estudos Sociais – Coimbra, 2009); “Guiasturísticos em Berlim” (Revista Tempo Social – Universidade de São Paulo, 2005) e “Narrativas do Olhar:Fortaleza em Cartões Postais” (Editora Universidade Federal de Sergipe, 2008).