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151 PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO: qualitativa ou quantitativa? Richard Medeiros de Araújo 1 Fabrício Pereira Gomes 2 Alba de Oliveira Barbosa Lopes 3 RESUMO As discussões entorno da ciência da administração nunca saíram da agenda de pesquisa. Nesse contexto, os caminhos metodológicos quantitativos e qualitativos na busca pela construção do conhecimento são formas de concepção distintas de fazer pesquisa. No primeiro instante, apesar de nascedouros distintos, as conjugações dessas duas perspectivas vêm se mostrando uma saída coerente para auxiliar nas respostas dos problemas científicos que emergem no campo das organizações. Assim, esse paper continua uma discussão teórica sobre como as características de cada percurso metodológico já descrito pode contribuir para avanços na apreensão dos fenômenos no mundo das organizações. Assim, percebe-se que os elementos conceituais que circundam cada pesquisa qualitativa ou quantitativa podem ser 1 Bacharel em Ciências Administrativas, pela UnP, Especialista em Finanças pela UFRN, Mestre em Administração pelo PPGA - Programa de Pós-Graduação em Administração da UFPB, e Doutor em Administração pelo PPGA - Programa de Pós-Graduação em Administração da UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor do Centro Universitário FACEX UNIFACEX. E-mail: [email protected] 2 Possui Graduação em Turismo pela Universidade Federal da Paraíba, Graduação em Administração pela Universidade Federal da Paraíba e Mestrado em Administração pela Universidade Federal da Paraíba. Atualmente trabalha na Petrobras - Petróleo Brasileiro - como Administrador Júnior. E-mail: [email protected] 3 3 Graduada e Mestre em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora do Instituto Federal de Pernambuco nos cursos de nível técnico, tecnológico e especialização. É doutoranda do programa de Pós-graduação em Administração, na linha de pesquisa Gestão e Políticas Públicas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]

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    PESQUISA EM ADMINISTRAO: qualitativa ou quantitativa?

    Richard Medeiros de Arajo 1

    Fabrcio Pereira Gomes 2

    Alba de Oliveira Barbosa Lopes3

    RESUMO

    As discusses entorno da cincia da administrao nunca saram da agenda de

    pesquisa. Nesse contexto, os caminhos metodolgicos quantitativos e qualitativos na

    busca pela construo do conhecimento so formas de concepo distintas de fazer

    pesquisa. No primeiro instante, apesar de nascedouros distintos, as conjugaes

    dessas duas perspectivas vm se mostrando uma sada coerente para auxiliar nas

    respostas dos problemas cientficos que emergem no campo das organizaes.

    Assim, esse paper continua uma discusso terica sobre como as caractersticas de

    cada percurso metodolgico j descrito pode contribuir para avanos na apreenso

    dos fenmenos no mundo das organizaes. Assim, percebe-se que os elementos

    conceituais que circundam cada pesquisa qualitativa ou quantitativa podem ser

    1 Bacharel em Cincias Administrativas, pela UnP, Especialista em Finanas pela UFRN, Mestre em

    Administrao pelo PPGA - Programa de Ps -Graduao em Administrao da UFPB, e Doutor em Administrao pelo PPGA - Programa de Ps-Graduao em Administrao da UFRN - Universidade

    Federal do Rio Grande do Norte. Professor do Centro Universitrio FACEX UNIFACEX. E-mail: [email protected] 2 Possui Graduao em Turismo pela Universidade Federal da Paraba, Graduao em Administrao

    pela Universidade Federal da Paraba e Mestrado em Administrao pela Universidade Federal da

    Paraba. Atualmente trabalha na Petrobras - Petrleo Brasileiro - como Administrador Jnior. E-mail: [email protected] 3 3 Graduada e Mestre em Administrao pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora do

    Instituto Federal de Pernambuco nos cursos de nvel tcnico, tecnolgico e especializao. doutoranda do programa de Ps-graduao em Administrao, na linha de pesquisa Gesto e

    Polticas Pblicas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]

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    trabalhados como uma lgica de complementao e convergncia, especialmente

    quando os objetos de investigao requerem amparos terico-metodolgicos de

    maior robustez. No se deve descartar a possibilidade da complementaridade, mas

    sim identificar sua possibilidade luz dos problemas de pesquisa que surjam nos

    mais diversos contextos sociais.

    PALAVRAS-CHAVE: ADMINISTRAO. METODOLOGIA CIENTFICA. PESQUISA

    QUANTI-QUALITATIVA

    INTRODUO

    A administrao, enquanto cincia, data do incio do sculo XX. Foi a partir

    dos estudos de Frederick Winslow Taylor, um engenheiro norte americano, que ela

    comeou a ser estruturada. Esse perodo ficou conhecido como o da administrao

    clssica. No segundo momento Jules Henri Fayol props um modelo cartesiano de

    organizao e de gerenciamento. Esses dois estudiosos marcaram a gnese da,

    hoje chamada, administrao cientfica. Depois, muitos pesquisadores comearam a

    investigar o mundo organizacional e as correlaes de diversas variveis pertinentes

    a esse meio. (ARAUJO e GOMES, 2004).

    Com o decorrer do tempo, o tema administrao passou a ganhar cada vez

    mais importncia na sociedade e no campo das cincias sociais. As empresas foram

    crescendo numa escala vertiginosa e ganharam propores gigantescas. Esse

    crescimento surpreendente do mundo organizacional teve influncia direta na vida

    das pessoas, independentemente se estas tinham laos estreitos ou no com as

    organizaes.

    As mudanas sociais, iniciadas com a revoluo industrial, possibilitaram o

    surgimento de uma nova era na humanidade. O modo da organizao, do trabalho,

    da convivncia, do lazer, enfim, o prprio comportamento humano como um todo,

    foi se adequando aos cenrios emergentes. Vivemos em uma sociedade de

    organizaes onde as mesmas ocupam cada vez um espao importante na vida das

    pessoas (ARAUJO e GOMES, 2004).

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    Em decorrncia desse quadro, os pesquisadores foram, paulatinamente,

    espertando o interesse em estudar o mundo das organizaes e consequentemente

    da administrao.

    Pesquisas comearam a ganhar grandes propores e importncia. Muitos

    pesquisadores passaram a investigar o meio organizacional sob diferentes

    perspectivas econmicas, sociais, tcnicas, polticas, entre outras. No nascedouro,

    as pesquisas em administrao, influenciadas pelo paradigma positivista dominante,

    adotaram uma filosofia de concepo de um mundo puramente pragmtico. Isso

    ainda persiste at os nossos dias, na qual, muitas das pesquisas organizacionais

    utilizam procedimentos metodolgicos estritamente quantitativos. No entanto, alguns

    estudiosos vm chamando a ateno da comunidade cientfica para a necessidade

    de ruptura desse paradigma. Cientistas esto apontando a importncia da

    implementao de um modelo metodolgico alternativo que oriente as pesquisas em

    administrao. (ARAUJO e GOMES, 2005).

    Um pensamento menos estruturado que reconhea a complexidade do objeto

    de estudo da administrao e do ser humano enquanto sujeito organizacional. Em

    face da atual conjuntura mundial e das bruscas transformaes econmicas, sociais

    e polticas pelas quais a humanidade vem passando, parece latente a necessidade

    de um modelo investigativo que oferea no apenas constataes, ou, refutaes de

    hipteses, mas que proporcione conhecimento aprofundado sobre as diversas

    questes organizacionais.

    Diante disso, a pesquisa qualitativa est buscando seu espao nas cincias

    sociais. Isto ocorre no como uma contraposio aos mtodos quantitativos, mas

    sim como um complemento a estes. O intuito de preencher as lacunas verificadas

    nas pesquisas quantitativas e a unio dessas duas abordagens de pesquisa vem

    sendo colocada como a sada para os problemas encontrados quando do uso

    isolado de uma delas.

    Esse papel se caracteriza como um ensaio terico. Foi realizado um

    levantamento do acervo referente ao tema estudado. Para tanto foram consultados

    livros, artigos cientficos, anais de congresso e revistas especializadas que tratavam

    do assunto. A ideia trazer reflexes sobre a pesquisa em administrao, seguindo

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    a ideia de Hatchuel (2005) ao destacar que a teoria da Administrao tem lidado

    com a complexidade das cincias sociais como um campo de mltiplos paradigmas.

    Para que se pudesse obter um entendimento mais acurado do tema, que

    complexo, foi necessria essa busca em fontes variadas. Sendo assim, se acredita

    ter conseguido abarcar fontes de naturezas diversas e, em razo disso, chegar a um

    conhecimento mais abrangente do objeto pesquisado. A inquietude sobre esse tema

    j constatado em Terence e Escrivo Filho (2006) e Cherobim et. Al (2003) quando

    discutiam que a conjugao das abordagens de pesquisa a serem abordadas neste

    ensaio um caminho e que pode ser trilhado pelo pesquisador sem a perda do rigor

    cientfico.

    1 PESQUISA CIENTFICA EM ADMINISTRAO

    De acordo com Lakatos e Marconi (1996, p. 15), pesquisar no apenas

    procurar a verdade; encontrar respostas para questes propostas, utilizando

    mtodos cientficos. Por essa definio vemos que a pesquisa no algo simples.

    Ela no pode ser entendida apenas como um simples processo investigativo, um

    mtodo simplrio de inquirio. A pesquisa visa obter compreenses aprofundadas

    acerca dos problemas estudados e requer um planejamento minucioso das etapas a

    serem observadas, como seleo do tema de pesquisa, definio do problema a ser

    investigado, processo de coleta, anlise e tratamento dos dados, e apresentao

    dos resultados.

    importante perceber que nem toda pesquisa cientfica, ou pelos menos,

    nem toda pesquisa possui fins cientficos. Como afirmam Barros e Lehfeld (2003, p.

    30) a pesquisa cientfica a explorao, a inquirio e o procedimento

    sistemtico e intensivo que tm por objetivo descobrir, explicar e compreender os

    fatos que esto inseridos ou que compem uma determinada realidade. Pode-se

    ver que a pesquisa cientfica exige certo grau de formalidade e h alguns pr-

    requisitos que devem ser observados para que a credencie como tal.

    Para desenvolver qualquer pesquisa essencial que se tenha um mtodo

    claramente definido e comprovadamente eficaz. De acordo com Fiorese (2003, p.

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    27) o mtodo (metodologia) o conjunto de processos pelos quais se torna possvel

    desenvolver procedimentos que permitam alcanar um determinado objetivo. De

    forma anloga se pode dizer que o mtodo exerce para o pesquisador a mesma

    funo do mapa para os viajantes.

    Uma estrutura metodolgica bem definida condio sine qua non para a

    realizao de uma pesquisa cientfica. Isso pode ser verificado nas palavras de

    Arajo (1993, p. 19) quando diz que a cincia , portanto, metdica e que a mesma

    pretende fornecer um modelo de realidade na forma de um conjunto de enunciados,

    que permitem obter explicaes acerca de fenmenos e que so, alm disto,

    suscetveis de algum tipo de confirmao ou refutao, enfim de validao. Bertero

    (2006) tambm corrobora com essa opinio ao analisar a produo cientfica na rea

    de administrao e expor que essas pesquisas possuem um grande desafio que

    est relacionado com o aprimoramento metodolgico e aumento do rigor, uma vez

    que a produo do pas tem crescido a cada ano, contudo ainda de pouco impacto

    e pouco reconhecida internacionalmente.

    O campo das cincias sociais, ao qual pertence a administrao, rico na

    utilizao de mtodos variados de investigao, e no poderia ser diferente, pois a

    organizao um dos principais objetos de estudo desse campo cientfico. Assim,

    fica evidente a necessidade de empregar modelos investigativos abrangentes que

    permitam compreender a complexidade e interao humana em suas mais

    minuciosas nuanas.

    A pesquisa cientfica em administrao ainda alvo de grandes discusses,

    visto que ela no possui um mtodo de investigao prprio. Para desenvolver seus

    estudos os cientistas organizacionais recorrem a modelos cientficos de pesquisa de

    outras reas do conhecimento, tais como os de estatstica, matemtica, e mais

    recentemente os de antropologia, sociologia e psicologia. Assim, aponta-se a

    necessidade pela descoberta de uma metodologia que consiga contemplar os

    diferentes aspectos das pesquisas organizacionais. Como lembra Santos (2007) a

    Administrao uma cincia social recente que emprestou princpios de diversas

    outras cincias como Sociologia, Economia, Psicologia, Cincia Poltica e mesmo da

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    Antropologia. Desse modo, suas fronteiras so estendidas para acolher princpios

    multidisciplinares.

    Em virtude da prpria natureza racionalista que foi dada administrao, as

    pesquisas nesse campo sempre utilizaram, em sua grande maioria, as metodologias

    quantitativas de pesquisa. Assim como na grande maioria das cincias o paradigma

    positivista esteve, e ainda est, fortemente presente nas metodologias de pesquisas

    na rea da administrao. Dada a complexidade envolvida na rea da administrao

    Whitley (1984) tece consideraes sobre as especificidades dos estudos no bojo da

    administrao em relao a outros campos do conhecimento, apontando que o fato

    do conhecimento ser produzido tanto na academia quanto nas organizaes

    contribui para uma alta fragmentao dos estudos, um baixo grau de coordenao

    de procedimentos e estratgias de pesquisa e, como consequncia um grau de

    incerteza maior no que tange possibilidade de reproduzir os resultados,

    prejudicando a qualidade da generalizao.

    Jackson (2006, p. 6) observa ainda a discusso sobre a diversidade de

    mtodos (e suposta supremacia da rea quantitativa sobre a qualitativa, o que

    comum na rea de administrao) no deveria ocorrer, uma vez adotada a

    metodologia, pois quando isso ocorre, espera-se que esses j estejam definidos por

    ela, ou seja, uma consequncia de deciso anteriormente tomada pelo pesquisador.

    Isso porque, a metodologia (ou teoria como tambm denominam) constri um

    esquema de referncia ex-ante que determina a ordem e relevncia dos fatos sob

    uma lgica ontolgica e epistemolgica especfica.

    Barbosa et al. (2012, p.11) observar que

    mesmo reconhecendo as diferenas significativas entre os paradigmas tradicionais de pesquisa, no podemos esquecer que eles so construes sociais e histricas e, portanto, no so definitivos, tampouco inviolveis ou santificados. Tratar as diferenas entre eles de forma dialgica pode gerar novas possibilidades de compreenso para os fenmenos e oferecer aos pesquisadores outras formas (no melhores ou piores, talvez mais ricas) de produzir conhecimento

    Diante da colocao dos autores citados anteriormente as escolhas

    metodolgicas na pesquisa cientfica em administrao devem ser almejadas

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    resguardando o que se denomina de coerncia terico-metodolgica, que garanta a

    consistncia do conhecimento gerado e no evidencie nenhuma fragilidade no rigor

    processual exigvel, assim a dialgica, dentro das diversas possibilidades, pode ser

    um apontamento que auxilia nesses atos do pesquisador.

    1.1 Abordagem de Pesquisa Quantitativa em Administrao

    Os mtodos quantitativos de pesquisa se baseiam no paradigma positivista,

    onde a racionalidade reina de forma absoluta. Este tipo de estudo, conforme

    Creswell (1994) investiga os problemas humanos ou sociais baseados no teste de

    teoria composto de variveis com nmeros e analisada com procedimentos

    estatsticos a fim de determinar se as generalizaes preditivas da teoria so

    verdadeiras. Demcrito, Descartes e Newton contriburam de forma decisiva para

    que o pensamento cientfico alcanasse um elevado grau de linearidade.

    O pensamento positivista influenciou inicialmente as pesquisas nas cincias

    naturais e exatas e, onde a objetividade, ao que pode parecer, prpria desse

    campo do conhecimento. Como afirma Alves (1996, p. 94): [...] nas cincias

    chamadas exatas, os ingredientes tm qualidade e uniformidade garantida. No

    que a cincia seja exata. O que ocorre que no h variaes.

    Em reas do conhecimento como matemtica, fsica e qumica, por exemplo,

    essa ideologia sempre gozou de muito respaldo, e isso acabou se espraiando para

    outros campos do saber, incluindo a administrao e outras cincias sociais que no

    possuam um mtodo de pesquisa prprio. Algumas das caractersticas do

    pensamento positivista so a unidade do mtodo cientfico, o carter eminentemente

    emprico e a forte influncia da matemtica. Alm disso, esta corrente defende a

    iseno de valor do pesquisador no transcurso do seu trabalho, alegando que o

    mesmo no pode contaminar os resultados da pesquisa com suas crenas, sua

    percepo, ou seja, no permitido ao pesquisador, segundo essa metodologia,

    fazer inferncias baseado na sua viso de mundo. Ele deve ser um sujeito neutro,

    preocupado apenas em mensurar friamente os fatos observados.

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    O propsito maior de uma pesquisa positivista , justamente, explicar a

    ocorrncia de um determinado fenmeno. Para tanto, so uti lizados nesse tipo de

    pesquisa, mtodos eminentemente quantitativos, ou seja, ancorados em nmeros

    que tentam, to somente, representar uma realidade temporal observada. O mtodo

    quantitativo de pesquisa tem no questionrio uma de suas grandes ferramentas. A

    validade da pesquisa quantitativa depende da construo cuidadosa do instrumento

    que requer o uso de medidas padronizadas e nas quais as perspectivas e

    experincias das pessoas so limitadas pelo uso de respostas predeterminadas.

    pelos resultados obtidos nessa tcnica de coleta de dados que so feitas as

    indues, que hora confirmam as suposies inicialmente levantadas pelo

    pesquisador, e hora as refutam.

    A ideologia positivista , at os dias atuais, a base da pesquisa em administrao.

    Apesar do objeto de pesquisa da administrao e das cincias sociais ser

    diferente daqueles das cincias naturais e exatas, os mesmos mtodos

    investigativos vm sendo, ao longo do tempo, empregados em ambos os campos.

    Pode-se dizer que a organizao e o seu ambiente, interno e externo, o principal

    objeto de estudo da administrao. Contudo, no podemos esquecer que as

    organizaes so compostas por pessoas. Alis, no h organizao sem pessoas.

    Pode sim haver casos raros de pessoas que no fazem parte de nenhuma

    organizao. Portanto, certo dizer que a administrao tem basicamente trs

    objetos de estudos: as pessoas no contexto organizacional, as organizaes

    propriamente ditas, e as relaes entre as organizaes e seu ambiente.

    Sendo assim, as pesquisas em administrao que utilizam uma metodologia

    quantitativa, ao que se observa, muitas vezes acabam por suprimir a devida

    importncia das pessoas nas empresas, fazendo com que alguns vieses sejam

    facilmente identificados. Talvez isso decorra do fato de que as pessoas no podem

    ser estudadas a partir, unicamente, de modelos estruturados, desprezando-se a

    natureza dicotmica do ser humano (racionalidade x intuio). Se bem que at

    mesmo nas cincias naturais e exatas h uma crtica ao uso indiscriminado dos

    mtodos quantitativos, visto que algumas verdades antes tidas como absolutas se

    mostraram vulnerveis (ARAUJO e GOMES, p. 4, 2005).

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    Por outro lado, um fator que alimenta essa utilizao exagerada de mtodos

    quantitativos em administrao advm do conceito, geralmente distorcido, do que

    organizao. A prpria ideia de que a organizao deve funcionar como um relgio

    carrega em si uma objetividade que na prtica no vivenciada. Outro pensamento

    que parece no se adequar realidade organizacional a teoria geral dos sistemas,

    que ficou conhecida na administrao como abordagem sistmica. Esse

    pensamento nasceu na biologia e representa os aspectos sistmicos peculiares

    natureza biolgica do ser humano (BERTALANFFY, 1969). Em virtude da ausncia

    de um mtodo prprio os cientistas organizacionais transportaram para a

    administrao essa teoria, e toda objetividade que ela carrega.

    Em contraposio a esse discurso funcionalista alguns autores criticam o uso

    de tais mtodos nas pesquisas sociais. De acordo com eles, os mtodos

    quantitativos so inapropriados para esse tipo de cincia, pois no conseguem

    abarcar a complexidade das

    questes que envolvem o ser humano. Assim, o emprego de mtodos apoiados

    unicamente na ideologia positivista parece no atender grande parte das questes

    que, diga-se de passagem, so imprescindveis melhor compreenso dos objetos

    estudados na administrao. (ARAUJO e GOMES, p. 4, 2005).

    O que se observa uma crescente preocupao dos pesquisadores desde a

    dcada de 70, especialmente da rea humana, com todo o cenrio da pesquisa

    cientfica. Isso pode ser evidenciado pelas palavras de Kaufmann (1977, p. 171):

    Nos ltimos anos, o termo crise tem sido frequentemente aplicado ao estado da cincia em geral ou de cincias e grupos de cincias em particular. Houve uma crise na fsica, uma crise na psicologia, e acima de tudo uma crise nas cincias sociais sociologia, economia, jurisprudncia, etc. O termo se refere, em primeiro lugar, ao aparecimento de dvidas a respeito de leis e mtodos anteriormente encarados como firmemente estabelecidos. Mas, aplicado s cincias sociais, indica, alm disso, uma profunda insatisfao com os resultados da investigao social.

    O estado de arte da metodologia cientfica apresenta um questionamento

    acerca do encaminhamento positivista nas pesquisas sociais. Apesar do sucesso

    dos mtodos quantitativos nas cincias naturais e exatas, j aconteceram diversos

  • 160

    casos, como a queda de alguns conceitos verdadeiramente dogmticos, que no

    resistem a uma investigao mais aprofundada e assim revelam sua fragi lidade.

    O campo da administrao conviveu muito bem com os mtodos quantitativos

    por um longo perodo, talvez at por falta de opo. Durante muito tempo esses

    mtodos eram a nica alternativa que os pesquisadores dispunham para executar

    seus trabalhos. Na verdade, o que ocorre que quando no se tem um instrumento

    adequado para realizar uma determinada tarefa, se buscam meios alternativos.

    isso que acontece com a cincia da administrao.

    Por ela no dispor de instrumentos de pesquisa prprios, se v obrigada a

    utilizar ferramentas de outros campos do conhecimento, e em decorrncia disso

    surgem os vieses. Entretanto, no se pode desprezar todo o conhecimento

    produzido pelas pesquisas quantitativas no campo das cincias sociais. Como

    afirma Demo (1995, p. 133), em termos quantitativos, as cincias sociais j

    dispem de bagagem aprecivel de pesquisa emprica e, por mais que existam

    vcios, limitaes e tambm mistificaes, um produto de particular significado

    metodolgico.

    No obstante, incorreto generalizar que os mtodos quantitativos so

    inadequados para pesquisas na rea da administrao. Como ela uma cincia que

    envolve vrios campos do saber, economia, sociologia, contabilidade, filosofia, s

    para citar alguns, existem casos em que esses mtodos so os mais indicados. H

    de se observar s peculiaridades de cada estudo a fim de adequar as ferramentas

    de investigao ao objeto estudado.

    1.2 Abordagem de Pesquisa Qualitativa em Administrao

    O estudo qualitativo exposto por Creswell (1994) como um processo de pesquisa

    que busca entender problemas humanos e sociais baseados na construo de uma

    descrio complexa e holstica do ponto de vista dos informantes. Se por um lado os

    mtodos quantitativos se fundamentam no pensamento positivista, os mtodos

    qualitativos tm uma orientao antipositivista, ou seja, so norteados pelo

    paradigma interpretativo e sua validade e confiana dependem da habilidade

  • 161

    metodolgica, da sensibilidade e da integridade do pesquisador. Dessa forma, a

    racionalidade cede espao subjetividade. A viso reducionista se amplia para a

    tentativa de entendimento aprofundado do objeto em estudo. (ARAUJO e GOMES,

    p. 7, 2005).

    Outra dissonncia entre essas duas abordagens que enquanto no

    positivismo o fim em si o explicativo, o propsito das pesquisas que seguem o

    paradigma interpretativo vai alm, necessrio interpretar os fatos em seus

    contextos, entender as relaes existentes entre as varveis expostas,

    intervenientes, ocultas etc.

    A abordagem interpretativa emergiu como uma alternativa de superao dos

    problemas identificados nos modelos de pesquisas positivistas. Solidificada em

    princpios prprios, a ideologia antipositivista rebate os fundamentos da filosofia

    funcionalista. Em princpio, o interpretativismo defende a utilizao de mtodos

    variados como anlise de contedo, grounded theory, pesquisa ao, mtodos

    etnogrficos, anlise de conversao, observao participante, entre outros. Em

    campos de estudo como antropologia e sociologia, esses mtodos j vm sendo

    empregados h bastante tempo. (ARAUJO e GOMES, p. 7, 2005).

    As teorias interpretativas defendem que o homem no pode ser estudado

    matematicamente, pois ele de nascimento, um ser extremamente complexo, e por

    essa razo no responde linearmente aos mesmos estmulos. Para Neves (1996, p.

    1), a pesquisa qualitativa : [...] um conjunto de diferentes tcnicas interpretativas

    que visam a descrever e a decodificar os componentes de um sistema complexo de

    significados. Tendo por objetivo traduzir e expressar o sentido dos fenmenos do

    mundo social [...]. Como se pode inferir por essa definio, na pesquisa qualitativa

    no h preocupao em produzir dados numricos manipulveis em frmulas

    matemticas e destinados construo de grficos e tabelas que retratam de forma

    reducionista os achados de pesquisa.

    A utilizao de mtodos qualitativos de pesquisa est em pleno crescimento.

    Como afirma Godoy (1995, p. 21) [...] hoje em dia a pesquisa qualitativa ocupa um

    reconhecido lugar entre as vrias possibilidades de se estudar os fenmenos que

    envolvem os seres humanos e suas intricadas relaes sociais, estabelecidas em

  • 162

    diversos ambientes. Com isso se percebe uma forte tendncia por uma maior

    utilizao dos mtodos qualitativos de pesquisa, sobretudo no campo das cincias

    humanas.

    No caso especfico da administrao h um aumento no nmero de trabalhos

    cientficos que vm fazendo uso de metodologias qualitativas. Um dos fatores desse

    crescimento a obteno de resultados mais fidedignos, uma vez que nessa

    tipologia metodolgica se prioriza a qualidade em detrimento da quantidade. Sendo

    assim, os achados de pesquisa se mostram mais prximos da verdade dos

    fenmenos.

    A operacionalizao na adoo de um mtodo qualitativo se faz

    dinamicamente ancorado pela anlise do fenmeno escolhido para ser estudado.

    No h a necessidade nem a preocupao em registrar freqncias relacionadas

    com o fenmeno, o que se busca um envolvimento ativo construtivo do

    pesquisador em todo o processo de pesquisa, desde a formulao da questo de

    pesquisa at as anlises dos achados. Um estudo qualitativo capaz de revelar

    uma riqueza maior de dados, bem como facilita uma explorao maior de eventuais

    contradies e paradoxos. Alguns dados s so coletados atravs de mtodos

    qualitativos, por exemplo, a tonalidade de voz dos respondentes, as alteraes das

    feies, as expresses corporais, as diferenas entre o discurso e o comportamento,

    alm de outras.

    A dimenso subjetiva do objeto de estudo s pode ser percebida mediante o

    uso e mtodos qualitativos de pesquisa. Embora exista uma variedade de

    instrumentos de coleta de dados, nenhum deles consegue suprimir o contato entre

    pesquisador e pesquisado. A interao entre o cientista e o objeto primordial na

    construo de uma teoria legitimamente fundamentada. Os benefcios da utilizao

    da pesquisa qualitativa administrao so vrios, por exemplo, a utilizao da

    pesquisa-ao para solucionar problemas administrativos, no sentido de interveno

    participativa. Tambm pode se utilizar a observao participante para mensurar,

    entre outras coisas, a reao de um consumidor ao provar um determinado produto,

    ou seja, pode ser usada como uma ferramenta mercadolgica. Outra tcnica que

    pode ser utilizada a etnografia para estudos de cultura organizacional que tentem

  • 163

    diagnosticar e gerenciar estrategicamente os modelos comportamentais das

    pessoas.

    O fato que hoje vem crescendo o nmero de trabalhos no campo da

    administrao que utilizam mtodos qualitativos de pesquisa, pois em face s

    mudanas por quais as organizaes vm passando h uma necessidade de no

    apenas entender, as de compreender os fenmenos sociais vivenciados. Isso j

    uma realidade muito forte em pases da Europa, por exemplo, os de lngua alem e

    mais recentemente os pases anglo-saxnicos (FLICK, 2004). Se o homem o

    principal objeto de estudo das cincias humanas, parece razovel reconhecer que

    sua complexidade requer trabalho rduo para ser desvendada. A proposta das

    metodologias qualitativas de pesquisa justamente preencher a lacuna ignorada

    pela corrente quantitativa.

    1.3 Pesquisa Quanti-Qualitativa em Administrao

    Os mtodos que combinam coletas e anlise de dados quantitativos e

    qualitativos so cada vez mais discutidos, contudo, sua utilizao ainda est em fase

    de institucionalizao. Esse tipo de pesquisa, conforme Creswell e Plano Clark

    (2011), tem sido desenvolvida e analisada profundamente em poucas reas como

    educao, sociologia, psicologia e cincias da sade, portanto, este artigo que

    busca discutir o emprego em administrao se torna relevante.

    Podem ser percebidos duas situaes em relao aos chamados mtodos

    mistos, multimtodos, estudos integrados ou pesquisas quanti-quali: situaes nas

    quais um ou outro mtodo se sobrepe ao outro, ou seja, existe a predominncia

    perceptvel e a situao onde existe uma integrao de abordagens metodolgicas e

    a no justaposio de mtodos. O enfoque misto pode ser englobado no mbito

    geral das cincias sociais como estratgia de triangulao metodolgica,

    desenvolvido por Denzin (1989). Ressalta-se, contudo, que a triangulao pode

    ocorrer no apenas entre mtodos e dados, mas entre pesquisadores e teorias

    distintas.

  • 164

    Em busca de uma definio mais precisa, recorre-se a Tashakkori e Creswell

    (2007, p. 4) no editorial do primeiro nmero da revista Journal of Mixed Methods, os

    quais descrevem este tipo de pesquisa como aquele em que o pesquisador coleta e

    analisa dados, integra as concluses e faz inferncias usando ambas as abordagens

    qualitativas e quantitativas em um nico estudo ou programa de investigao. O

    que os autores ressaltam na definio o conceito de integrao j destacado no

    pargrafo anterior.

    Teddlie e Tashakkori (2003) citado em Plye et al (2012) destacam trs

    abordagens relacionadas aos mtodos mistos: a) complementariedade; b) tenso

    dialtica; c) assimilao. A primeira se refere s pesquisas que apresentam os

    resultados qualitativos e quantitativos separadamente, mas os achados

    apresentados por cada abordagem evidenciam que estes so complementares entre

    si. A segunda abordagem ressalta que sempre haver divergncias entre os

    resultados quantitativos e qualitativos e o que destacado no estudo no so os

    achados em comuns e sim as discrepncias. Na terceira abordagem, os resultados

    so assimilveis, ou seja, o que ressaltado no so as discrepncias, como

    apresentado anteriormente, e sim s similaridades entre os achados.

    Aps as consideraes dos dois tipos de pesquisa, na seo anterior,

    apresenta-se um quadro resumo com os paradigmas das duas abordagens para em

    seguida expor a idia central deste artigo que a possibilidade de mesclar as duas

    abordagens, que no so excludentes, de forma a enriquecer as anlises

    desenvolvidas. O quadro a seguir apresenta, de forma didtica, as principais

    diferenas entre as pesquisas quanti e quali.

  • 165

    Quadro 1: Pesquisas quantitativas e qualitativas

    QUANTITATIVA QUALITATIVA

    REALIDADE A realidade objetiva e

    singular, afastada do

    pesquisador

    A realidade subjetiva e

    mltipla

    RELACIONAMENTO

    O pesquisador independente

    Pesquisador interage com a pesquisa

    VALORES Imparcial Parcial

    LINGUAGEM Formal, baseada em

    definies, voz impessoal Informal, voz pessoal

    PROCESSO DE

    PESQUISA

    Dedutivo Esttico (categorias isoladas

    antes do estudo)

    Indutivo Dinmico (categorias

    identificadas durante o processo)

    MTODOS Experimentos, surveys

    Estudos etnogrficos, estudos de caso,

    interacionalismo simblico, ground theory, estudos

    fenomenolgicos Fonte: Baseado em Creswell (1994, p. 5)

    Sob o paradigma quantitativo, como j exposto, um fenmeno s pode ser

    mensurado objetivamente usando instrumentos especficos que contribuem para o

    distanciamento e independncia do pesquisador em relao ao objeto de estudo. J

    o paradigma qualitativo percebe mltiplas realidades que escapam do controle rgido

    de um questionrio e que so expostas por meio das vozes e interpretaes dos

    informantes. Nesse tipo de estudo, os pesquisadores interagem com o objeto

    investigado e no qual os valores e ideias pr-concebidas influenciam a pesquisa.

    As definies das categorias de anlise tambm so distintas nas duas

    concepes metodolgicas. Nas pesquisas quantitativas, as teorias e hipteses so

    testadas na relao causa e efeito e os conceitos e variveis so escolhidas antes

    do estudo comear. O objetivo do estudo obter generalizaes que contribuam

    para a teoria e para a predio, explicao e entendimento sobre o fenmeno. Na

    pesquisa qualitativa, as categorias emergem dos pesquisados, no decorrer do

    estudo, e a questo da exatido no cabe no estudo e por isso o pesquisador deve

    informar os passos para a verificao com os informantes.

  • 166

    Para Arajo e Gomes (p. 7, 2005) O campo cientfico aponta uma tendncia

    para o surgimento de um novo paradigma metodo lgico. Um modelo que consiga

    atender plenamente as necessidades dos pesquisadores. Essa dicotomia positivista

    x interpretativo, quantitativo x qualitativo, parece estar cedendo lugar a um modelo

    alternativo de pesquisa, o chamado quanti-qualitativo, ou o inverso, quali-

    quantitativo, dependendo do enfoque do trabalho. Apreende-se disto o que Creswell

    (2007) focou quando descreveu que a possibilidade de se escolherem mtodos de

    carter quantitativos, qualitativos ou ainda mistos, e destaca que os mtodos

    qualitativos diferem dos quantitativos em relao nfase e forma, mas que no se

    pode afirmar que sejam opostos.

    Se por um lado, os pesquisadores das cincias naturais e exatas se mostram

    avessos s metodologias qualitativas, por outro, os cientistas sociais comeam a

    criticar o enfoque positivista (ARAUJO e GOMES, p. 7, 2005).

    Apesar da clara oposio existente entre as duas abordagens (quantitativa x

    qualitativa) muitos autores, especialmente os da rea social, colocam que o ideal a

    construo de uma metodologia que consiga agrupar aspectos de ambas as

    perspectivas, como o caso de Demo (1995, p. 231) quando diz que embora

    metodologias alternativas facilmente se unilateralizem na qualidade poltica,

    destruindo-a em consequncia, importante lembrar que uma no maior, nem

    melhor que a outra. Ambas so da mesma importncia metodolgica.

    Essa polarizao do mundo (bem x mal, amor x dio, grande x pequeno)

    prpria da ideologia positivista. Essa postura de extremos parece ser danosa para a

    cincia, pois s vezes dada ao objeto uma caracterstica que no condiz com sua

    realidade, mas com o que est mais prximo dele. Assim como o ser humano

    composto de duas dimenses, matria e esprito, tambm clara a idia de que

    todas as coisas mundanas possuem, ao menos, uma representao objetiva e outra

    subjetiva.

    A viso reducionista que tem imperado no campo cientfico ocasiona uma

    diminuio da importncia dos objetos. Esse aspecto meramente pragmtico da

    pesquisa

  • 167

    quantitativa acaba subjugando o rea l valor dos estudos. Por outro lado, autores

    defendem que a utilizao apenas de mtodos qualitativos no indicada, pois seria

    muito penoso construir teorias abrangentes a partir de estudos isolados. Assim, os

    aspectos objetivos so, por vezes, necessrios cincia. Se tomarmos por conta o

    campo das cincias sociais, sobretudo a administrao, veremos que j uma

    realidade a utilizao de abordagens mistas, ou seja, pesquisas que vm fazendo

    uso de ferramentas de ambas as perspectivas. Um discurso recente defendendo a

    importncia dos dois enfoques o de May (2004, p. 146):

    [...] ao avaliar esses diferentes mtodos, deveramos prestar ateno, [...], no tanto aos mtodos relativos a uma diviso quantitativa-qualitativa da pesquisa social como se uma destas produzisse automaticamente uma verdade melhor do que a outra -, mas aos seus pontos fortes e fragilidades na produo do conhecimento social. Para tanto necessrio um entendimento de seus objetivos e da prtica.

    No campo da administrao h um contexto favorvel a utilizao de

    metodologias de pesquisa que adotem um enfoque mltiplo. O cenrio

    organizacional , ao mesmo tempo, complexo e mutante. Se estudar o ser humano

    isoladamente j uma tarefa desafiadora, entend-lo no ambiente organizacional

    uma tarefa ainda mais rdua. O meio organizacional j possui uma riqueza de

    conhecimento considervel. Contudo, grande parte desse legado foi construdo

    apenas com pesquisas empricas, mediante uma viso racional da organizao.

    Sendo assim, alguns autores fazem srias crticas aos achados das pesquisas na

    administrao, alegando que esse conhecimento superficial, frgil.

    A administrao uma cincia multifacetada. Talvez ela seja a que congrega

    mais saberes de outras cincias, e em virtude disso ela no tenha conseguido at

    hoje criar um mtodo de pesquisa prprio. No estar errado dizer que a

    administrao une os dois enfoques metodolgicos atravs dos seus vrios campos

    de estudo. Se por um lado, a administrao tem a perspectiva quantitativa ao reunir

    reas como contabilidade, matemtica, estatstica, economia, tecnologia da

    informao, por outro, ela possui uma dimenso subjetiva muito forte em reas

    como sociologia, filosofia, psicologia e antropologia. Sendo assim, no parece

    apropriado um posicionamento em qualquer um dos extremos, sob pena de enviesar

    os estudos.

  • 168

    Ao contrrio do que se imagina, as pesquisas na rea da administrao no

    so fceis, ao menos que se queira ignorar uma de suas dimenses. Pesquisar em

    administrao exige, antes de tudo, reconhecer a necessidade de uma metodologia

    que permita ao pesquisador observar os diversos aspectos relacionados ao objeto

    em questo. O atual perodo metodolgico da pesquisa em administrao reflete

    justamente a tentativa de construo de uma abordagem que consiga abarcar as

    duas dimenses dessa rea. Ao que tudo indica, no futuro se ter um mtodo muito

    bem definido e posicionado ao centro dos dois enfoques. Essa postura central

    possibilita um leque maior de ferramentas para a operacionalizao da pesquisa,

    permitindo inclusive um deslocamento a um dos extremos, de acordo com as

    peculiaridades de cada objeto.

    Como observa Ghunter (2006, p. 203) ao tratar das especificidades da

    pesquisa cientifica

    Uma resposta ao problema de como lidar com os valores e o envolvimento emocional do pesquisador com o seu objeto por meio do controle das variveis do estudo. O contraponto feito entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa o de estudar um determinado fenmeno no seu contexto natural versus estud-lo no laboratrio. A primeira estratgia da pesquisa qualitativa implica em relativa falta de controle de variveis estranhas ou, ainda, a constatao de que no existem variveis interferentes e irrelevantes. Todas as variveis do contexto so consideradas como importantes. Na segunda estratgia da pesquisa quantitativa tenta-se obter um controle mximo sobre o contexto, inclusive produzindo ambientes artificiais com o objetivo de reduzir ou eliminar a interferncia de variveis interferentes e irrelevantes. Entre as variveis irrelevantes e potencialmente interferentes, incluem-se tanto atributos do pesquisador, por exemplo, seus valores, quanto variveis contextuais ou atributos do objeto de estudo que no interessam naquele momento da pesquisa.

    preciso, portanto, inicialmente romper com os dois paradigmas, positivista e

    interpretativo. Sair dos extremos e caminhar em direo ao centro, construo de

    um novo paradigma que necessariamente englobe aspectos distintos. Em pesquisa

    cientfica no se recomendam posicionamentos radicais. preciso reconhecer a

    fragilidade das verdades. Como afirma Alves (1996, p. 165), podemos ter certeza

    quando estamos errados, mas no podemos nunca ter a ce rteza de estarmos

    certos.

  • 169

    Antes de finalizar, contudo, os autores deste artigo querem ressaltar que

    apesar das inmeras vantagens da pesquisa mista, existem limitaes prticas de

    combinao dos mtodos que dependero da habilidade dos pesquisadores, o

    contexto da pesquisa e a disposio de recursos da pesquisa. Bryman (2007)

    destaca que a grande dificuldade est relacionada com fuso de anlise de dados

    qualitativos e quantitativos de forma a fornecer uma anlise integrada, mas que esta

    pode ser minimizada ao focar a necessidade da realizao da pesquisa em mtodos

    mistos. necessrio, tambm, que haja na equipe pesquisadores experientes para

    orientar as conexes entre os dados quantitativos e qualitativos. Para ele, outra

    dificuldade a falta de exemplos j consolidados de estudos com anlises

    integradas que poderiam atuar como referncia para os futuros pesquisadores. As

    foras e fraquezas das pesquisas esto sintetizadas no quadro a seguir, cabe,

    portanto, ao pesquisador avaliar as potencialidades e as demandas das mesmas.

    Quadro2: Foras e fraquezas das pesquisas mistas

    FORAS FRAQUEZAS

    Palavras, imagens e narrativas pode

    ser usado para acrescentar significado a nmeros da mesma forma que os nmeros podem ser

    utilizados para adicionar a preciso palavras, imagens e narrativa

    Pode ser difcil para um nico

    pesquisador realizar pesquisas quantitativas e qualitativas simultaneamente

    Pode responder a uma gama maior e

    mais completa de perguntas de pesquisa porque o pesquisador no

    se limita a um nico mtodo ou abordagem

    O pesquisador tem que dominar vrios

    mtodos e abordagens e compreender como integr-los de forma adequada

    Um pesquisador pode usar os pontos fortes de um mtodo para minimizar

    as deficincias de outro mtodo

    Consome mais recursos

    Pode fortalecer a evidncia de uma concluso por meio de convergncia

    e comprovao de resultados, como tambm para aumentar a generalizao dos resultados

    Fonte: Baseado em Johson e Onwuegbuzie (2004)

  • 170

    No existem modelos ou regras estabelecidas para a conduo deste tipo de

    pesquisa, entretanto, a integrao deve ser prioridade, expressa especialmente na

    apresentao dos achados. Sabe-se que demanda ao pesquisador mais

    conhecimento, tempo e habilidades relacionadas ao desenvolvimento das anlises

    quantitativas e qualitativas. Apesar dos obstculos existentes, contudo, os benefcios

    da pesquisa quanti-quali podem compensar essas barreiras e este artigo espera ter

    contribudo para demonstrar as potencialidades e possibilidades disponveis aos

    pesquisadores da rea de administrao.

    CONSIDERAES FINAIS

    Constata-se os debates em torno do fazer cincia em administrao, cada

    linha terica epistemolgica defende suas posies e argumentam com elementos

    ontolgicos. Cabe ressaltar que o objeto do estudo da administrao e per si

    complexo e no esttico o que exige avanos metodolgicos e instrumentais

    conceituais que tragam baila a possibilidade de uma apreenso coesa e coerente

    dos fenmenos estudados.

    As metodologias qualitativas alternativas, ancoradas na ideologia

    interpretativa, vm ganhando espao no cenrio cientfico, especialmente no campo

    das cincias sociais. Elas trazem consigo a proposta de preencher as lacunas

    deixadas pela ortodoxia metodolgica. (ARAUJO e GOMES, p. 10, 2005).

    importante entender que o campo das cincias humanas no pode ser

    visto sobre a mesma tica das cincias naturais e exatas. O objeto de estudo das

    cincias sociais naturalmente mais complexo e, por isso, exige mtodos

    investigativos prprios que respeitem suas peculiaridades.

    A tendncia na cincia, no que diz respeito s metodologias de pesquisa, a

    utilizao de abordagens mltiplas. Alguns autores argumentam que tanto o

    paradigma positivista quanto o interpreta tivo no conseguem isoladamente oferecer

    ferramentas apropriadas para as mais diferentes questes de pesquisa. Conforme

    Laflamme (2007), toda viso hierrquica ou excludente das duas abordagens

    prejudicial ao processo de pesquisa. A anlise qualitativa, no campo das cincias

  • 171

    humanas, completa a anlise quantitativa e vice-versa, j que elas permitem ter

    acesso as informaes especficas que enriquecem o conhecimento.

    A administrao uma das cincias que apresenta um dos mais elevados

    nveis de multidisciplinaridade. Essa pluralidade cientfica da administrao permeia

    reas quantitativas (matemtica, estatstica, contabilidade, economia) e reas

    qualitativas (fi losofia, sociologia, psicologia). Assim, fica muito clara a complexidade

    dessa matria, bem como a necessidade de empregar mtodos investigativos mais

    apropriados.

    Em razo da natureza complexa da administrao, que envolve variveis

    mltiplas, parece inadequado o uso de metodologias que se baseiam, to somente,

    em um paradigma metodolgico. preciso reconhecer que o objeto de estudo da

    administrao de difcil entendimento, e, por isso, necessita de uma metodologia

    que englobe os mais variados aspectos.

    O deve ser buscado, dependendo do objeto de pesquisa, as metodologias

    quanti-qualitativas, ou, quali-quantitativas. Os pesquisadores que antes se

    colocavam nos extremos do continuum - positivismo / interpretativismo esto se

    posicionando mais ao centro. Os resultados alcanados com o emprego dessas

    metodologias alternativas apontam para uma maior fidedignidade e validao das

    pesquisas. Se for certo que a verdade absoluta nunca alcanada, talvez a

    utilizao de abordagens mltiplas possa, ao menos, aproximar os pesquisadores de

    uma verdade temporal.

    Nesse limiar, como lembram Barbosa et al. (2012) a Administrao deve

    buscar a compresso pelo pluralismos e em contextos paradoxais explorando o

    objeto de investigao conciliando suas respectivas posturas ontolgicas,

    epistemolgicas e consequentemente metodolgicas . O que no se deve mais

    caminhar por uma discusso excludente, pois quem perde a prpria cincia, uma

    vez que necessita desses trs constructos para se validar e consolidar como o

    passo a passo para os investigadores crticos e reflexivos.

  • 172

    RESEARCH ADMINISTRATION: qualitative or quantitative?

    ABSTRACT

    The discussions surrounding the management science never left the research

    agenda. In this context, the quantitative and qualitative methodological approaches in

    the search for knowledge construction are different ways to design research. At first

    glance, though hatchers distinct conjugations of these two perspectives have been

    shown a way to assist in the consistent responses of scientific problems that emerge

    in the field of organizations. Thus, this paper continues a theoretical discussion about

    the characteristics of each methodological approach already described can

    contribute to advances in the apprehension of phenomena in the world of

    organizations. Thus, it is clear that the conceptual elements that surround each

    qualitative and quantitative research can be worked as a logical complementation

    and convergence, especially when subjects research protections require theoretical

    and methodological robustness. One should not rule out the possibility of

    complementarity, but to identify its possibility in light of the research problems that

    arise in various social contexts.

    KEYWORDS: ADMINISTRATION. SCIENTIFIC METHODOLOGY. RESEARCHES

    QUANTI-QUALITATIVE.

    REFERNCIAS

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