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QUALIDADE DE ENERGIA E FILOSOFIA DE PROTECÇÕES EM REDES DE DISTRIBUIÇÃO 1 J. L. Pinto de Sá Professor Associado do Instituto Superior Técnico Colaborador da EFACEC - Sistemas de Electrónica SA RESUMO A qualidade da Energia Eléctrica é uma preocupação crescente tanto de fornecedores como de con- sumidores. Diversos estudos mostram, em particular, que o problema de qualidade que mais afecta hoje em dia os utilizadores é o dos microcortes, das interrupções breves e sobretudo das cavas de tensão re- sultantes de curto-circuitos nas redes. Neste artigo é discutido o critério da “Energia não fornecida” como base para avaliação dos custos sociais dessas falhas de tensão, e é mostrado que ele subavalia o custo das interrupções breves. Por outro lado, são referidas estatísticas que evidenciam serem os defeitos nas redes de distribuição primária (Média Tensão) os que afectam mais consumidores. É também mostrado que certas medidas que melhoram a fiabilidade dessas redes, do ponto de vista de interrupções de média e longa duração, podem ser contraproducentes do ponto de vista das cavas de tensão. Discute-se ainda como a adopção de apropriados Regimes de Neutro nas redes de Média Tensão tem um impacto importante mas limitado na qualidade da Energia. É depois mostrado como a rapidez de actuação das protecções é decisiva para a redução da duração das cavas de tensão, e são clarificados os factores de que depende essa rapidez. São nomeadamente revistas as diversas filosofias de protecção de Máxima Intensidade contra curto-circuitos nas redes de distribuição, e é mostrado como cada uma delas apresenta certas vantagens e limitações. Finalmente são enumeradas as novas possibilidades que a tecnologia digital de protecções proporciona e equacionados critérios de qualidade na apreciação de produtos disponíveis no mercado, do ponto de vista do seu contributo para a melhoria da qualidade da Energia fornecida. 1. A QUALIDADE DA ENERGIA NA PERSPECTIVA DOS CONSUMIDORES A qualidade de Energia Eléctrica é, do ponto de vista dos consumidores, a qualidade da tensão que recebem. Esta é caracterizável por parâmetros como a amplitude (de qualidade se disponível con- tinuamente dentro de uma certa banda), a forma (de qualidade se sinusoidal, sem distorções harmónicas), o equilíbrio no caso de tensões trifásicas, e a frequência. Com a interligação crescente das redes eléctricas, a estabilidade da frequência é em geral uma qualidade adquirida, salvo em certas situações raras. A prática ausência de harmónicas na tensão é também garantida, em geral, salvo se existirem na rede cargas importantes produtoras de distorções da corrente e se, adicionalmente, as potências de curto- circuito da rede forem baixas. As restrições à poluição harmónica das correntes pelos consumidores, em geral promovidas pelas empresas fornecedoras de Energia, visam em primeiro lugar limitar os seus efeitos sobre certos equipamentos da rede, como baterias de condensadores, filtros para telecomunicações e ligações de Neutro, assim como reduzir perdas (dado o aumento da resistência dos condutores com a frequência, particularmente sensível nos transformadores). A amplitude da tensão e a continuidade da sua disponibilidade são os parâmetros que mais importância têm para a caracterização da qualidade da Energia Eléctrica pelos consumidores. Em regime estacionário, esta amplitude situa-se em regra dentro de uma tolerância de ±10% relati- vamente aos valores nominais. A satisfação deste requisito é garantida pelos meios de regulação de tensão das redes, a menos que exista uma carga desproporcionada para a capacidade destas. Dadas as margens de segurança usualmente consideradas no seu projecto, tais situações são hoje em dia pouco frequentes. 1 Comunicação apresentada ao ELAB 1996, no Porto.

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QUALIDADE DE ENERGIA E FILOSOFIA DE PROTECÇÕES EM REDES DE DISTRIBUIÇÃO1

J. L. Pinto de Sá

Professor Associado do Instituto Superior Técnico Colaborador da EFACEC - Sistemas de Electrónica SA

RESUMO

A qualidade da Energia Eléctrica é uma preocupação crescente tanto de fornecedores como de con-sumidores. Diversos estudos mostram, em particular, que o problema de qualidade que mais afecta hoje em dia os utilizadores é o dos microcortes, das interrupções breves e sobretudo das cavas de tensão re-sultantes de curto-circuitos nas redes. Neste artigo é discutido o critério da “Energia não fornecida” como base para avaliação dos custos sociais dessas falhas de tensão, e é mostrado que ele subavalia o custo das interrupções breves.

Por outro lado, são referidas estatísticas que evidenciam serem os defeitos nas redes de distribuição primária (Média Tensão) os que afectam mais consumidores. É também mostrado que certas medidas que melhoram a fiabilidade dessas redes, do ponto de vista de interrupções de média e longa duração, podem ser contraproducentes do ponto de vista das cavas de tensão. Discute-se ainda como a adopção de apropriados Regimes de Neutro nas redes de Média Tensão tem um impacto importante mas limitado na qualidade da Energia.

É depois mostrado como a rapidez de actuação das protecções é decisiva para a redução da duração das cavas de tensão, e são clarificados os factores de que depende essa rapidez. São nomeadamente revistas as diversas filosofias de protecção de Máxima Intensidade contra curto-circuitos nas redes de distribuição, e é mostrado como cada uma delas apresenta certas vantagens e limitações.

Finalmente são enumeradas as novas possibilidades que a tecnologia digital de protecções proporciona e equacionados critérios de qualidade na apreciação de produtos disponíveis no mercado, do ponto de vista do seu contributo para a melhoria da qualidade da Energia fornecida.

1. A QUALIDADE DA ENERGIA NA PERSPECTIVA DOS CONSUMIDORES

A qualidade de Energia Eléctrica é, do ponto de vista dos consumidores, a qualidade da tensão que recebem. Esta é caracterizável por parâmetros como a amplitude (de qualidade se disponível con-tinuamente dentro de uma certa banda), a forma (de qualidade se sinusoidal, sem distorções harmónicas), o equilíbrio no caso de tensões trifásicas, e a frequência.

Com a interligação crescente das redes eléctricas, a estabilidade da frequência é em geral uma qualidade adquirida, salvo em certas situações raras.

A prática ausência de harmónicas na tensão é também garantida, em geral, salvo se existirem na rede cargas importantes produtoras de distorções da corrente e se, adicionalmente, as potências de curto-circuito da rede forem baixas. As restrições à poluição harmónica das correntes pelos consumidores, em geral promovidas pelas empresas fornecedoras de Energia, visam em primeiro lugar limitar os seus efeitos sobre certos equipamentos da rede, como baterias de condensadores, filtros para telecomunicações e ligações de Neutro, assim como reduzir perdas (dado o aumento da resistência dos condutores com a frequência, particularmente sensível nos transformadores).

A amplitude da tensão e a continuidade da sua disponibilidade são os parâmetros que mais importância têm para a caracterização da qualidade da Energia Eléctrica pelos consumidores.

Em regime estacionário, esta amplitude situa-se em regra dentro de uma tolerância de ±10% relati-vamente aos valores nominais. A satisfação deste requisito é garantida pelos meios de regulação de tensão das redes, a menos que exista uma carga desproporcionada para a capacidade destas. Dadas as margens de segurança usualmente consideradas no seu projecto, tais situações são hoje em dia pouco frequentes.

1 Comunicação apresentada ao ELAB 1996, no Porto.

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As redes eléctricas estão sujeitas, porém, a incidentes que perturbam transitoriamente a continuidade da tensão ou, mais rigorosamente, a estabilidade da sua amplitude.

Destes incidentes, os mais frequentes e com efeitos mais graves são os curto-circuitos. Mesmo as sobre-tensões resultantes de manobras ou descargas atmosféricas (directas ou indirectas), para lá de um certo valor ultrapassam as capacidades dos isolamentos e dão origem a curto-circuitos. Nos ramos em que estes ocorrem verifica-se tipicamente um aumento das correntes que conduz à actuação das protecções, inter-rompendo os circuitos e, com isso, causando cortes de tensão aos respectivos consumidores. Estes consumidores são assim sujeitos a cortes mais ou menos prolongados, havendo a consciência clara de que tais cortes significam prejuízos para as actividades sociais que dependem da Energia Eléctrica.

Porém, os curto-circuitos têm outro efeito que é por vezes subestimado mas que afecta, em regra, um número de consumidores muito maior do que o das vítimas directas dos cortes de tensão. Esse efeito é o das quedas de tensão manifestadas enquanto duram os curto-circuitos, e que afectam não só os ramos da rede percorridos pelas correntes de defeito como também outros na sua vizinhança. Uma vez eliminado o curto-circuito por actuação das protecções correspondentes, embora os consumidores directamente afectados possam sofrer um prolongamento da falta de tensão, esta retoma um valor normal no resto da rede, o que explica o carácter transitório das quedas de tensão observadas e a sua designação corrente de cavas (“sags”) *1+.

0%

57%

57%

64%

64%

77%

77%

77%

95%

0%

10%

10%

25%

25%

52%

52%

52%

90%

0%

Figura 1: Exemplo de perfis de tensões numa rede de distribuição durante curto-circuitos trifásicos depois e antes de um PT. A amplitude das cavas de tensão depende da “distância eléctrica” ao ponto de defeito.

Tradicionalmente, as empresas fornecedoras avaliam os prejuízos das interrupções de serviço (ou indis-ponibilidades de tensão) a partir da quantificação da “Energia não fornecida”. Partindo desse valor, é-lhe aplicado um factor multiplicativo que pretende representar o resultado, em termos de prejuízo final para os consumidores, das referidas interrupções. Estas avaliações são frequentemente utilizadas para fundamentar decisões de investimento no planeamento ou na automação da operação das redes.

Porém, desde os anos 80 que há uma preocupação internacional crescente com a correcção do conceito da “Energia não fornecida”, o que se tem traduzido em diversos estudos que, baseados em inquéritos directos aos consumidores, têm procurado obter uma avaliação mais exacta de como as interrupções e cavas de tensão se traduzem em prejuízos finais.

Alguns dos primeiros inquéritos directos aos consumidores foram realizados no Canadá 2, seguidos de

outros mais recentes no Reino Unido 3 e nos EUA 4. Na figura 2 apresenta-se um gráfico dos custos de

interrupção, por tipo de consumidor, extraído de 2.

Note-se que estes dados só contabilizam interrupções superiores a 2 segundos. Em todo o caso, é imedi-ato que a noção de um prejuízo simplesmente proporcional à “Energia não fornecida” só é adequada para os consumidores domésticos, para quem os danos são de facto aproximadamente proporcionais ao tempo de duração da interrupção e, portanto, à Energia. Infelizmente, outra evidência é que os prejuízos provo-cados pelas interrupções aos utilizadores empresariais são ordens de grandeza superiores aos sofridos pelos consumidores domésticos, sendo eles que, feita a média ponderada, largamente dominam os custos sociais totais.

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Figura 2: Custos médios por interrupção, em dólares canadianos por KW, para utilizadores industriais (1), de serviços (2), domésticos (3), e em média (4).

Estes resultados são corroborados por outros inquéritos semelhantes que mostram, por exemplo, que o prejuízo médio dos consumidores domésticos (nos EUA) é de cerca de 330$0/kWh (e só sensível para interrupções superiores a 1 minuto), sendo maior para famílias com crianças e menor para os idosos; e que entre os utilizadores do sector terciário são as actividades ligadas ao entretenimento as mais afectadas, se-guidas por todas as relacionadas com alimentação.

Todavia, um resultado unânime de todos os estudos mencionados é a enorme importância da estabi-lidade da tensão eléctrica para a actividade industrial - responsável, no nosso país, como se sabe, por perto de metade do consumo total de Energia eléctrica. Este facto, associado à quase insensibilidade à duração das interrupções da tensão para valores superiores a 2 segundos é evidenciado na figura 3.

Prejuízos médios, por utilizadorempresarial

10

100

1000

2'' 1' 20' 1 h 2 h 4 h

contos

$/interrupção,serviços$/interrupção,indústria

Figura 3: Prejuízos médios típicos por interrupção para utilizadores industriais e de serviços. De 2 segundos para 2

minutos de duração da interrupção, os prejuízos pouco aumentam!

Os elevados custos médios para a actividade industrial das interrupções, ainda que breves, da tensão,

escondem uma forte variabilidade desses custos com o tipo de actividade envolvida. Assim, 2 mostra que os prejuízos maiores por interrupção são atingidos nas indústrias ligadas ao papel e às minas, seguidas, por ordem decrescente, pelas de refinação de petróleo e pelos transportes, depois pela produção de curtumes, cimento, produtos alimentares e produtos eléctricos, seguida das indústrias de plásticos, vestuário e ma-deiras.

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A decomposição dos prejuízos causados pelas interrupções de tensão à actividade industrial mostra que se a perca de produção encabeça a lista de parcelas, ela é imediatamente seguida dos custos de arranque (praticamente invariantes com a duração da interrupção), e depois pelos danos sofridos pelo equipamento

fabril e pelas perdas de matéria prima 5.

As figuras anteriores reportam-se a consequências de interrupções de tensão com durações superiores a 2 segundos. Para cavas de tensão (reduções apenas parciais da amplitude da tensão) existem ainda

poucos dados estatísticos, mas um recente inquérito realizado nos EUA 4 inclui a averiguação do efeito de interrupções de tensão com durações de 1 a 2 segundos e o de cavas de tensão com 80% de amplitude e 0,5 segundo de duração.

O resultado obtido é que 65% dos grandes utilizadores empresariais sofrem prejuízos com interrupções de tensão entre 1 e 2 segundos, havendo 10% com danos superiores a 7 mil contos; enquanto para a cava de tensão a percentagem dos que sofrem prejuízos é ainda de 50%, com a maioria a sofrer danos negligenciáveis mas com 10% tendo ainda prejuízos superiores a 3,7 mil contos!

Se estes resultados forem ponderados com a muito maior frequência das cavas de tensão relativamente

à de interrupções (para os utilizadores), facilmente se compreende a afirmação contida em 6, segundo a qual “as cavas de tensão são o mais importante problema de qualidade da Energia encarado por muitos consumidores industriais”.

2. UTILIZADORES INDUSTRIAIS e QUALIDADE DA ENERGIA: O QUE SÓ PODE SER FEITO PELOS PRÓPRIOS UTILIZADORES

Na referência (6) é feita uma tentativa de análise das causas dos danos sofridos pelas instalações industriais com as cavas de tensão, mostrando-se que a moderna proliferação de sistemas informáticos no controlo industrial, particularmente sensíveis à estabilidade da tensão, é o principal factor responsável pela vulnerabilidade demonstrada . Os contactores e relés auxiliares, por um lado, e os motores eléctricos, por outro, são também equipamentos cuja vulnerabilidade a cavas e cortes de tensão é determinante no comportamento geral das instalações industriais, face aos curto-circuitos nas redes públicas.

Neste sentido é de particular importância a norma americana ANSI/IEEE 446 de 1987, que estabelece envolventes a serem satisfeitas pelo equipamento informático e relativas às variações de tensão. Na figura 4 mostram-se a curva inferior imposta por essa norma para o equipamento informático, conjuntamente com a de um outro equipamento particularmente importante no controlo industrial - os contactores2. A figura evidencia que a norma referida impõe alguma capacidade de armazenamento de energia ao equipamento informático, útil para cavas ou interrupções de tensão com durações até 10 ciclos (0,20 segundos), mas que esse equipamento não tem de ser capaz de suportar, para lá desse tempo limite, tensões inferiores a 87%.

Figura 4: Domínio de sensibilidade do equipamento informático industrial (norma ANSI-IEEE 446) e de contactores a cavas de tensão.

2 Os contactores, se bem que necessitando tipicamente de 85% ou mais do valor nominal de tensão para se armarem, para desarmarem necessitam que a tensão desça a valores de tipicamente 50%.

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É de mencionar que a capacidade de armazenamento de energia e, portanto, de imunidade a cavas de tensão de curta duração, é hoje encarada já como um objectivo de projecto por alguns fabricantes mundiais de autómatos programáveis, que prevêem expressamente para o seu equipamento a capacidade de suportar cavas de tensão durando 0,20 segundos. Normas semelhantes existem aliás para as próprias protecções digitais, que devem ser capazes de suportar cavas totais de tensão de 50 ms, tempo este esti-mado como o de actuação dos fusíveis que protegem os circuitos das redes de alimentação auxiliar em corrente contínua das subestações.

Esta capacidade é em regra satisfeita por condensadores existentes na alimentação dos equipamentos, mas não pelos contactores e outros relés auxiliares que porventura façam a interface entre o equipamento informático de controlo e o das fábricas.

Apesar da mencionada capacidade de armazenamento temporário de energia por parte dos equipamentos informáticos de controlo, para a grande maioria das interrupções e cavas de tensão não é possível evitar a sua falha de funcionamento. A única solução capaz de garantir imunidade mais prolongada a essas reduções da tensão é a disponibilidade, por parte dos próprios utilizadores, de fontes de alimentação ininterruptíveis (UPS) as quais, em regra, são capazes de manter uma alimentação contínua durante 10 ou mais minutos.

Os contactores e relés auxiliares, entretanto, diferem do equipamento informático em que por um lado não têm praticamente capacidade de armazenamento de energia, sendo desarmáveis por faltas de tensão que durem apenas 1 ciclo, mas por outro lado são menos sensíveis à amplitude das cavas de tensão. Com efeito, pode-se mostrar que se as instalações se ligarem à rede pública por transformadores DY0, mesmo com um Regime de Neutro solidamente ligado à terra um curto-circuito fase-terra franco na rede origina, em regra, uma tensão (em duas fases) com amplitude superior a 50% e, portanto, insusceptível de provocar o desarme de relés e contactores. Em todo o caso, a pretender imunizar-se os relés e contactores da insta-lação a cortes de tensão, por mais breves que sejam, só a disponibilidade de UPS é uma solução tecnica-mente possível3.

Finalmente vale a pena considerar os motores eléctricos dos utilizadores industriais.

As potências envolvidas na alimentação dos accionamentos electromecânicos dos grandes utilizadores industriais são ordens de grandeza superiores às requeridas pelo equipamento informático de controlo ou por contactores e relés auxiliares. Por conseguinte, a disponibilidade de UPS ou qualquer outra solução baseada em baterias como solução, por esses utilizadores, para a falha de alimentação dos seus accionamentos, é em geral economicamente incomportável.

Para uma capacidade prolongada de alimentação ininterrupta a accionamentos electromecânicos, em caso de corte de tensão na rede pública, a única solução é a disponibilidade de geração própria, acrescida dos convenientes dispositivos de protecção, separação de redes, e de capacidade de regulação em rede isolada. Felizmente essa capacidade é atributo de algumas das indústrias mais sensíveis aos cortes e cavas de tensão da rede pública, como são exemplo no nosso país as refinarias e as indústrias de celulose. A existência de geração própria em paralelo com a rede pública contribui também fortemente para reduzir, nas instalações industriais, as cavas de tensão associadas aos curto-circuitos exteriores a estas instalações.

Para muitas indústrias não é economicamente comportável a existência de geração própria. Porém, os accionamentos electromecânicos dispõem de uma reserva de energia muitas vezes considerável, na forma cinética. Esta energia é capaz de suportar pequenas interrupções e, sobretudo, cavas de tensão, desde que os sistemas de comando e controlo mantenham a sua eficácia durante essas perturbações da tensão. Sendo muitos desses accionamentos, hoje em dia, electrónicos (nomeadamente ASD - “Adjustable Speed Drivers”), nas suas versões modernas eles possuem a capacidade de manter o serviço, explorando precisamente a energia cinética do accionamento respectivo, com cavas de tensão durando em geral até 1 segundo.

3 Note-se que estes problemas afectam também, naturalmente, as próprias subestações e centrais das redes eléc-tricas, sendo corrente a existência de uma rede de serviços auxiliares em corrente contínua que alimenta tanto o equipamento informático como os relés auxiliares e bobinas de comando de disjuntores e outro equipamento de manobra. As baterias são, neste caso como nas UPS, onde é armazenada a energia eléctrica.

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Embora não existam publicados estudos sistemáticos relacionando a duração das interrupções e cavas de tensão com a probabilidade dos accionamentos electromecânicos, para as diversas indústrias, conseguirem retomar o serviço normal sem interrupção de serviço, os resultados mencionados atrás permitem tomar como indicação razoável que a maioria dos accionamentos conseguirá suportar cortes e cavas de tensão com durações até 0,5 segundos, e que só alguns conseguirão suportar cortes durando mais de 1 segundo.

É ainda de notar que o fenómeno de perda de velocidade e reaceleração dos accionamentos industriais é tanto mais susceptível de provocar danos quanto maior for essa perda de velocidade. A reaceleração, em particular, é feita à custa de um importante acréscimo da corrente de alimentação que pode, por sua vez, causar uma queda de tensão cujo efeito prolongará o da cava ou interrupção que a antecedeu - podendo acabar por levar ao colapso da instalação ou de outras na sua proximidade. Por conseguinte, quanto menor for a duração da cava ou falta de tensão associada aos curto-circuitos nas redes, menores serão a desaceleração e reaceleração dos accionamentos electromecânicos e mais provável será a sua manutenção em serviço.

3. ESTRUTURA DAS REDES DE DISTRIBUIÇÃO, REGIMES DE NEUTRO E QUALIDADE DA ENERGIA

As causas das perturbações de tensão que afectam a qualidade da Energia sofrida pelos consumidores ocorrem nas redes de Transmissão, e nas de Distribuição primária (Média Tensão) e secundária (Baixa Tensão).

Para além da maioria dos grandes utilizadores industriais ser, em regra, alimentada directamente pela rede de Transmissão ou pelos níveis de Tensão mais elevados da de Distribuição, vale a pena, para evitar dispersões de análise, notar os resultados de estatísticas realizadas, por exemplo, na Noruega, França ou Alemanha, sobre os níveis de tensão onde se originam a maioria das perturbações responsáveis por falhas

de qualidade da Energia. Assim, para a Noruega, por exemplo, têm-se os valores 74:

Nível da Rede Eléctrica % de Curto-circuitos % de Energia não fornecida

Transmissão 4 26

Distribuição, Média Tensão 32 66

Distribuição, Baixa Tensão 64 8

Apesar da importância que cada defeito na rede de Transmissão tem, é a rede de Distribuição de Média Tensão que é responsável pela maioria das perturbações sentidas pelos consumidores e, por isso, onde se desenvolve hoje em dia o maior esforço para a melhoria da qualidade da Energia.

0%

11%

11%

27%

31%

47%

38%

44%

89%

0%

Figura 5: A rede da figura 1, com interruptores e disjuntores. O funcionamento em malha fechada aumenta a

gravidade das cavas de tensão para consumidores afastados.

As medidas de melhoria da fiabilidade das redes de Distribuição, porém, têm quase sempre a perspectiva das interrupções de média e longa duração. Tal como sucede nas redes de Transmissão, poderá 4 Publicações de origem alemã mencionam percentagens de até 80 e 90% das perturbações sentidas pelos utilizadores como originadas na rede de Distribuição primária.

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supor-se que a existência de redundância activa nas redes, proporcionada por ligações em malha fechada, será a melhor garantia de continuidade do fornecimento de Energia. Porém, se tal é verdade para as interrupções, para as cavas de tensão o fecho de malhas reduz as “distâncias eléctricas” (aumenta as admitâncias entre nós), levando a mais consumidores as quedas de tensão associadas aos curto-circuitos. Este facto é ilustrado na Figura 5 para a rede já apresentada antes, agora munida de disjuntores e in-terruptores permitindo a exploração em malha fechada.

A existência, entretanto, de um maior número de aparelhos de corte distribuídos pela rede, permitindo o isolamento mais discriminado dos circuitos com defeitos é, certamente, uma garantia de redução dos cortes médios e prolongados para muitos consumidores. A possibilidade, em particular, de, por teleco-mando ou automação local, explorar a redundância passiva proporcionada pelo circuito em malha aberta para repor rapidamente a tensão a consumidores isolados, pode melhorar muitíssimo a qualidade das re-des do ponto de vista das interrupções de duração média e longa.

Redes de Distribuição com estas características são tipicamente as da América do Norte. Há, porém, que ter em conta as características específicas desta região, de que se pode destacar: a) as enormes áreas geográficas cobertas pelas redes de Distribuição primárias, resultantes por um lado da relativa fraca densidade populacional (nos EUA, 1/7 da europeia) e por outro lado da reduzida dimensão das redes de Baixa Tensão, por sua vez resultante da conjunção de um elevado consumo per capita com uma tensão monofásica de apenas 110 V; b) a prática de distribuir em Média Tensão com condutor de neutro (ligado à terra em múltiplos pontos), o que permite manter a rede em exploração com uma fase interrompida; c) o uso generalizado de fusíveis nas derivações e nos PT, bem como de Religadores nos ramos principais, proporcionando uma capacidade de corte rápido e muito selectivo dos curto-circuitos, a preços moderados.

Por outro lado, a avaliação da estrutura das redes de distribuição deve ter em conta que em muitas regiões da Europa, com realce para os países baixos, existe um predomínio da utilização de cabos subterrâneos em vez da prática generalizada de distribuição em linha aérea das redes norte-americanas ou japonesas, por exemplo.

Ora a percentagem de curto-circuitos em linhas aéreas e em cabos subterrâneos é largamente favorável a estes últimos, embora se se tiver em conta que cerca de 90% dos defeitos em linhas aéreas são transitórios, o que não sucede nos cabos subterrâneos, se verifique que o número de defeitos permanentes não difere substancialmente, por ano e km, entre linhas e cabos5.

Os cabos subterrâneos são, infelizmente, muito mais caros que as linhas aéreas (por km)6. Por outro lado, é frequente os grandes utilizadores industriais instalarem-se em zonas rurais ou semi-urbanas onde o preço dos terrenos e outros factores de produção é inferior, o que conduz a ser muito comum a sua ligação às redes públicas por linha aérea, contrariamente às actividades de serviços tipicamente concentradas nas zonas urbanas.

Por todas estas razões tem importância considerar a frequência média de curto-circuitos nas linhas aéreas em função do respectivo nível de tensão, assim como a percentagem relativa de defeitos fase-terra, como se faz na tabela seguinte para os 3 níveis de tensão mais comuns das redes aéreas de distribuição portuguesas. Note-se que estes números têm uma grande variância com as regiões e épocas do ano, mas são valores médios típicos.

Estes números evidenciam a maior susceptibilidade das linhas de tensão inferior a defeitos - o que está associado às menores distâncias de isolamento que as caracterizam. Por conseguinte, pode concluir-se que quanto mais alta a tensão, maior a qualidade da energia fornecível. O número de defeitos apenas polifásicos nos 15 KV iguala aproximadamente o número total de defeitos nos 60 KV, o que aconselha evidentemente a que os utilizadores industriais importantes se liguem ao mais alto nível de tensão

5Em regra, porém, os cabos são muito mais curtos que as linhas aéreas (5 km contra 30 km, em média, na França), o que está associado a serem típicos dos meios urbanos de grande densidade populacional. É por esta razão que o número de defeitos por cada cabo é, em regra, muito inferior ao de defeitos por cada linha aérea.

6 Embora o aumento dos custos dos direitos de passagem, para as linhas aéreas, conjugado com o aparecimento de novas tecnologias de abertura de valas para os cabos, tenda a reduzir essa diferença de custos...

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possível!

Nível de Tensão 60 KV 30 KV 15 KV

N.º de defeitos por ano e 100 km de linha, e % de defeitos não fase-terra.

10 25% (2,5)

20 30% (6)

30 35% (10)

Outra constatação é que os defeitos fase-terra são largamente dominantes, particularmente nos níveis de tensão superiores7. Ora a prática europeia de Distribuição em Média Tensão sem condutor de neutro, se torna impossível manter o serviço com uma fase interrompida como na América de Norte, permite em con-trapartida limitar o dano dos defeitos fase-terra através da escolha apropriada do Regime de ligação à terra dos pontos neutros nas subestações de distribuição (Regime de Neutro).

Em redes aéreas de pequena extensão, a manutenção do Neutro simplesmente isolado é uma solução eficaz e barata (particularmente por não requerer a construção de boas resistências de terra nas subestações). Sem percurso de retorno, as correntes de defeito fase-terra não podem existir. Infelizmente, este Regime de Neutro apresenta diversos inconvenientes, como o de sujeitar o isolamento das fases sãs relativamente à terra à tensão composta. Este inconveniente é agravado pelo facto de nestes Regimes de Neutro certos defeitos fase-terra intermitentes provocarem um tipo de sobretensões transitórias que con-duz, frequentemente, à disrupção do isolamento de uma das fases sãs no mesmo ou em outro circuito da rede, acabando por degenerar em curto-circuitos fase-fase através da terra e exigindo, muitas vezes, a desligação de dois circuitos.

Verifica-se também que quando as redes atingem uma extensão apreciável ou possuem extensões importantes em cabo subterrâneo, as suas capacidades à terra (e que constituem um percurso de retorno das correntes de defeito) acabam por atingir valores que tornam apreciáveis as correntes de defeito fase-terra. Este facto conduziu historicamente à prática, tradicional nos países do norte e leste da Europa, de ligação à terra do Neutro através de bobinas ressonantes (de Petersen) com as referidas capacidades8. Neste regime as correntes de defeito fase-terra são inócuas, e percentagem significativa delas (75%) auto-extinguem-se. Há ainda a considerar a vantagem que este Regime apresenta, relativamente ao isolado, de não se verificarem nele o tipo de sobretensões transitórias que provocam frequentemente a degene-rescência dos defeitos fase-terra em fase-fase (através da terra), embora também sujeitem as fases sãs às tensões compostas - e em permanência, se a sintonia for perfeita, dadas as assimetrias sempre existentes nas linhas.

O Regime de Neutro ressonante foi adoptado nos últimos anos pela EDF como Regime preferencial para a rede francesa. Progressos importantes nas tecnologias informáticas de controlo da ressonância e de lo-calização selectivas das linhas com defeito tornam este Regime tecnicamente mais perfeito, hoje em dia.

No entanto, da observação da tabela apresentada atrás facilmente se constata que é nos níveis superiores de tensão, nomeadamente 60 KV, que o Regime de Neutro ressonante tem um impacto mais favorável na qualidade da Energia: tanto por a percentagem de defeitos fase-terra ser maior nesses níveis de tensão, e portanto mais eficaz globalmente, como por ser nesses níveis de tensão que se ligam, em geral, os grandes utilizadores industriais que são as maiores vítimas dos cortes e cavas de tensão. Por isso, em países que tradicionalmente adoptam o Regime de Neutro ressonante como a Alemanha, esta opção é aplicada até aos 110 KV inclusive, (até aos anos 50 era até aos 220 KV). A contrapartida dessa opção é uma rigorosa exigência com a qualidade do isolamento das linhas, transformadores e restante equipamento das subestações e Postos de Transformação, dada a tensão composta permanente entre as fases e a terra para que têm de ser dimensionados.

Nos níveis de tensão inferiores (sobretudo 15 KV), as vantagens do Regime de Neutro ressonante, se bem que importantes, são globalmente muito menos eficazes - não conseguindo a auto-extinção de mais de 50% do elevado número total de defeitos que os caracterizam. Por outro lado, à medida que o processo

7 A frequência média de defeitos fase-terra em linhas aéreas de redes de Distribuição primárias é tipicamente 70% [10]. Na Muito Alta Tensão esta frequência chega a atingir mais de 90% (500 kV e superior).

8O tipo de clima destes países, com Invernos rigorosos dificultando a reparação das linhas em certas épocas do ano, foi um dos factores importantes no estabelecimento desta prática tradicional.

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de urbanização prossegue e a percentagem de cabos subterrâneos aumenta (com capacidades à terra da ordem das 40 vezes as das linhas aéreas), este Regime vai perdendo o seu interesse enquanto as suas exigências sobre os isolamentos aumentam. Não admira, por isso, que, para estes níveis de tensão inferiores, em certas regiões da Alemanha se assista agora a um movimento inverso ao que a EDF prossegue, com a transformação de redes ressonantes em redes ligadas à terra através de baixas impedâncias!...

É também importante notar que o Regime de Neutro ressonante exige protecções direccionais de elevada precisão, requerendo a medida da tensão residual9. Sendo por isso estas protecções relativamente dispendiosas, estes Regimes apenas as consideram, bem como aos disjuntores associados, nas subestações - com ausência, portanto, de aparelhos de corte disseminados pelas redes que permitem cortes muito mais selectivos dos circuitos avariados (como é típico da América do Norte). Ora se se considerar o elevado nú-mero relativo de defeitos polifásicos próprio destes níveis de tensão, facilmente se conclui que a auto-extinção de cerca de 50% dos defeitos é contrabalançada, para os cerca de 50% de defeitos restantes, e contrariamente às redes de tipo norte-americano, por cortes não selectivos de todos os consumidores alimentados por cada saída da subestação.

Permitindo protecções muito mais simples são os Regimes de Neutro de baixa impedância, onde é possível a instalação disseminada de detectores de defeito sensíveis apenas às correntes homopolares. Por outro lado, é de notar que as impedâncias de Neutro limitam não só as correntes de defeito como as quedas de tensão associadas, particularmente no Regime com Resistência limitadora, típico das redes aéreas, em que as correntes de defeito são limitadas a valores tão reduzidos que as cavas de tensão (para os defeitos fase-terra) são insignificantes para os circuitos vizinhos, especialmente a jusante dos transformadores DY0 típicos dos Postos de Transformação - assim se aproximando, deste ponto de vista crucial, da qualidade dos Regimes de Neutro isolado e ressonante.

A prática generalizada da religação automática, entretanto, permite em média a eliminação de 80% dos defeitos das linhas aéreas com uma só Religação rápida - não só de grande parte dos defeitos fase-terra, como também de parte dos defeitos polifásicos10. Uma religação rápida requer a desligação dos defeitos por actuação instantânea das protecções seguida de um tempo de isolamento que, na Média Tensão, pode ser de apenas 0,2 a 0,3 segundos. Como o tempo de eliminação de defeitos, composto pelo tempo de actuação da protecção e o tempo de abertura do disjuntor, se situa entre 0,10 e 0,20 segundos, para os circuitos atingidos pela Religação observa-se uma interrupção breve da tensão de 0,30 a 0,50 segundos, mas para os circuitos vizinhos só se manifesta uma cava de tensão durando de 0,10 a 0,20 segundos - portanto frequentemente inócua.

Dos 20% de defeitos que, em média, não são eliminados pela Religação Rápida, cerca de metade, ou 10% do total, são ainda elimináveis por uma nova Religação - lenta. A Religação Lenta tem tempos de isolamento compatíveis com as necessidades de rearme das molas de fecho dos disjuntores, não inferiores a 10 segundos - e com estes tempos, como se viu, os utilizadores de serviços e industriais sofrem já prejuízos significativos. Por outro lado, também é usual o disparo das protecções já não ser instantâneo, para permitir a operação de outras protecções a jusante ou de detectores de defeito relativamente lentos, o que conduz a tempos de eliminação de defeito que podem ir, como veremos adiante, muito para além do limite desejável de 0,5 segundos.

Na América do Norte é comum a instalação de Religadores (“Reclosers”) nos circuitos principais de saída das subestações. Sendo colocados a considerável distância das subestações, a potência de curto-circuito nos pontos onde são instalados é razoavelmente reduzida, não se requerendo, portanto, grande poder de corte a esses aparelhos. Os Religadores permitem a interrupção rápida de um número circunscrito de

9 O mesmo é geralmente considerado para os Regimes de Neutro isolado, mas de facto tal necessidade nem sempre é imperiosa. Só o é quando exista uma grande diferença de extensões de rede entre as diversas saídas de uma subestação, e quando estas são em número reduzido.

10 O Regime de Neutro Ressonante, ao pressupôr que os defeitos fugitivos se auto-extinguem devido às características do próprio Regime, não recorre habitualmente à Religação Automática. Face às estatísticas mostradas, vê-se que nos níveis de Tensão inferiores (p.ex. 15 KV) tal prejudica a eliminação de parte apreciável de defeitos polifásicos e mesmo fase-terra que são transitórios mas não auto-extinguíveis.

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consumidores, portanto com cavas de tensão de durações muito reduzidas para os ramos vizinhos, e circunscrevem também a Religação Lenta que executam apenas a esses utilizadores (a menos, naturalmente, que os defeitos sejam a montante do seu ponto de instalação).

Outra opção de disseminação de aparelhos de corte e de capacidade de isolamento selectivo de ramos em defeito, de menor qualidade que a dos Religadores mas mais barata, é a da instalação de Seccionadores automáticos (“Sectionalizers”). Sem poder de corte, eles exigem que a Religação Lenta seja efectuada nas subestações para, durante o Tempo de Isolamento, procederem ao corte definitivo dos circuitos a jusante. Exigem, como os Religadores, a incorporação de alguma forma de protecção, tipicamente detectores de defeito à terra, embora eventualmente mais simples.

A vantagem dos Reclosers relativamente aos Sectionalizers é a circunscrição das Religações Lentas a um número muito menor de utilizadores - o que é ainda reforçado, em regra, por uma filosofia de coordenação de protecções que garante durações muito reduzidas das cavas de tensão, como veremos no que se segue. Alguns Reclosers são aliás capazes de executar também Religações Rápidas (seguidas de uma ou mais Lentas), poupando a grande parte dos consumidores dos circuitos adjacentes até mesmo os 0,5 segundos de interrupção associada. A coordenação das protecções que incorporam com as da subestação, entretanto, requer uma engenharia que só tem tradições nos países de cultura anglo-saxónica.

4. FILOSOFIAS DE PROTECÇÃO de MÁXIMA INTENSIDADE EM REDES DE DISTRIBUIÇÃO

4.1 Protecção de Tempo Constante

Na Europa continental, e em particular na França e em Portugal, utilizam-se em regra protecções de tempo constante, também ditas de tempo definido ou independente. Estes tempos operacionais são reguláveis e são executados desde que a corrente observada ultrapasse um dado limiar de regulação (corrente operacional). A corrente operacional, pelo seu lado, é regulada de forma a garantir-se que é maior que qualquer corrente de carga possível, incluindo correntes de arranque (“cold load pick up”). Esta restrição conduz a regulações típicas da ordem das 2 vezes a corrente nominal, como ordem de grandeza, o que assegura uma grande sensibilidade às protecções.

Como o tempo operacional não depende do valor da corrente, não há necessidade de que esta seja observada com precisão, acima do valor operacional. Por conseguinte: a) os relés não têm que ser particularmente precisos na medida que efectuam; b) os Transformadores de Intensidade que fornecem a interface entre a rede e os relés não têm que ter nenhum dimensionamento particularmente cuidado no que respeita aos respectivos factores limites de precisão; c) não há necessidade de nenhum cálculo preciso das correntes de curto-circuito na rede para efectuar as regulações.

É esta grande simplicidade que está na raiz da tradição deste tipo de protecções. Por outro lado, a independência dos seus tempos de operação relativamente ao valor das correntes de defeito garante-lhes um comportamento bem determinado em situações em que os valores da corrente de curto-circuito são muito variáveis, como se elucidará melhor adiante.

A coordenação entre protecções que se situem em sequência no percurso de uma corrente de defeito é obtida, para cada relé, adicionando um tempo de intervalo à protecção a jusante (ou à que tiver maior tem-porização, no caso de haver várias derivações a jusante). Estes Intervalos Temporais de Coordenação (doravante designados pela sigla ITC) têm o valor necessário para garantir que, quando o defeito for a jusante do relé mais próximo, o disjuntor deste tenha tempo de eliminar o defeito e o relé ainda consiga re-armar-se antes de atingir o tempo operacional. A estas duas parcelas temporais há que acrescentar as possíveis imprecisões de temporização dos dois relés (considerando a possibilidade de simultaneamente o relé a jusante se atrasar e o a montante se adiantar), e uma margem de segurança adicional que, em geral, é da mesma ordem das imprecisões temporais de catálogo dos relés11.

Com disjuntores de 0,10 segundos de tempo de abertura e relés electromecânicos com precisões de 0,10 s., obtém-se um ITC típico de 0,5 segundos. Com relés estáticos mais modernos ou alguns digitais de

11

Isto é, o ITC deve cobrir o atraso com que muitos relés de Máxima Intensidade reagem à redução da corrente de defeito, atraso esse conhecido por “overshoot”.

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menor qualidade o ITC pode reduzir-se para 0,3 segundos. Na Figura 6 ilustram-se as temporizações obti-das, bem como os tempos de eliminação de defeito associados.

Infelizmente, e como se ilustra na mesma figura, a aplicação desta filosofia de protecção acarreta elevados tempos de eliminação de defeito na raiz das redes de distribuição, precisamente onde as correntes de defeito são maiores e maiores as cavas de tensão associadas para um maior número de uti-lizadores.

0,5 (0,6)

1,0 (1,1)

1,5 (1,6)

2,0 (2,1)

Figura 6: Rede protegida com relés de tempo constante. Entre parêntesis os tempos de eliminação de defeito.

4.2 Protecção Instantânea

A maioria dos relés de Máxima Intensidade electromecânicos e estáticos existentes nas redes de distribuição dispõem de um elemento “instantâneo” com uma corrente operacional regulável até 20 vezes a nominal. Este elemento, também conhecido por “high set”, pressupõe uma utilização de acordo com a filosofia amperimétrica.

Na filosofia amperimétrica a coordenação das protecções, a manutenção da selectividade do seu comportamento, é consegui-da não por adição de ICT a relés que comungam de sensibilidade aos mesmos defeitos remotos, como no caso anterior, mas sim garantindo que dois relés nunca são sensíveis aos mes-mos de-feitos. Isso comsegue-se, numa rede radial, em que a amplitude das correntes de defeito decresce para jusante, regulando a corrente operacional em função do valor da máxima corrente de defeito possível no nó imediatamente a jusante em que existem protecções. A este valor adiciona-se uma margem de segurança que cubra imprecisões nos parâmetros da rede em que se fundamenta o cálculo da corrente de defeito, e a imprecisão de medida do relé. Como este tem nesta filosofia uma actuação muito rápida (20 a 50 ms), tem que medir a corrente na presença de transitórios electromagnéticos que ainda não tiveram tempo de se amortecer e que introduzem uma imprecisão extra. Por estas razões, o factor de segurança de que é usual afectar o valor da corrente de defeito, para a determinação da corrente operacional, é da ordem de 1,2.

A protecção instantânea oferece, em princípio, a melhor qualidade de serviço, na medida em que permite a eliminação de defeitos no mínimo tempo possível (0,10 a 0,15 s., considerando o tempo de abertura dos disjuntores). Além disso, esta oferta é a custo marginal nulo do ponto de vista dos relés, visto que na sua maioria já integram este elemento mesmo quando são electromecânicos. Requer, todavia, o conhecimento do valor das correntes de curto-circuito nos troços da rede onde for aplicada, assim como um conveniente dimensionamento dos Transformadores de Intensidade para essas correntes.

Infelizmente, a protecção instantânea é pouco sensível: a maioria dos defeitos não são trifásicos e a máxi-ma potência de curto-circuito que há que considerar para a sua regulação só ocorre ocasionalmente. Além disso, a margem de segurança de 20% adicionada àquela corrente ainda dessensibiliza mais o relé. Por estas razões, a pro-tecção amperimétrica só pode ser usada em conjunto com uma cronométrica que lhe ofereça o complemento de sensibilidade necessário, embora ofereça tempos de eliminação de defeitos

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similares aos da protecção de dis-tância (1º escalão). Na figura 7 ilustram-se tempos de eli-minação de defeito típicos resultantes da combinação de um elemento cronométrico de tempo constante com um ele-mento amperimétrico.

t

d

A B C

Figura 7: Ilustração de tempos de eliminação de defeitos numa rede radial, com protecção de Máxima Intensidade de

Tempo Constante. Em A foi adicionado um elemento amperimétrico (“instantâneo”).

Em redes de cabos subterrâneos cuja impedância longitudinal é reduzida (por a sua reactância ser muito menor que as das linhas e por serem, em média, muito mais curtos), a necessária margem de segurança imposta pelos requisitos de selectividade e de segurança pode conduzir a que seja muito reduzida a porção de cabo efectivamente coberta pelo elemento instantâneo. Por outro lado, em regiões em que seja sensível, no valor da potência de curto-circuito à chegada, a grande variabilidade da potência de curto-circuito das centrais hidroeléctricas, o alcance real da protecção “instantânea” pode ser praticamente nulo!

É nas redes de Distribuição aéreas e para os defeitos polifásicos que a protecção instantânea tem a sua aplicação mais eficaz na redução dos tempos de eliminação de curto-circuitos - proporcionando um disparo muito rápido para os defeitos mais graves próximos dos pontos de instalação dos relés, aqueles que maiores cavas de tensão provocam. Todavia, quando associada a protecções de tempo constante, há que notar que, sempre que as correntes de defeito não alcancem o seu valor operacional, será esta protecção que actuará, com os seus tempos usualmente elevados - e essa será, na maioria dos defeitos, a regra.

Vale a pena comentar que, quando se pretenda tornar o alcance da protecção amperimétrica indepen-dente da variação da potência de curto-circuito, pode ser útil introduzir-lhe uma restrição de mínimo de tensão - ou mesmo substituí-la por uma protecção que combine a medida de tensão com a de corrente de forma a lograr independência dessa variação: a protecção de impedância.

4.3 Protecções de Tempo Inverso

A protecção de Máxima Intensidade de tempo inverso (ou dependente) foi historicamente a primeira a encontrar vasta aplicação, sendo a regra nos países de língua inglesa, nomeadamente na América do Norte. Isso deve-se ao facto de se aproximar, quanto ao comportamento, dos fusíveis. Estes, por sua vez, e pelo seu próprio princípio de funcionamento, ajustam-se naturalmente à relação inversa que existe entre intensidades de corrente e o tempo que os equipamentos protegidos as suportam sem dano, e embora exijam a sua substituição após operarem são, na Média Tensão, muito mais baratos que disjuntores.

t

d

A B C

Figura 8: Tempos de eliminação de defeitos com protecção de Máxima Intensidade de Tempo Dependente, com

elemento amperimétrico em A. A tracejado, os tempos correspondentes com protecção de tempo Constante.

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Na figura ao lado ilustram-se os ganhos em tempo de eliminação de defeito que a protecção de tempo inverso pode conse-guir, relativamente à de tempo constante. Elementos instantâneos podem também ser adicionados (a sua regulação não é afectada pela existência destes relés), o que permite melhorar ainda mais a regulação da própria protecção de tempo inverso.

Existem, tradicionalmente, 3 graus de dependência entre o tempo de operação e a intensidade da corrente nestas protecções, a que correspondem, por ordem crescente de inversão, as designações de nor-mal, muito e extrema (Figura 9).

Figura 9: Características tempo-corrente dos relés de tempo inverso.

Quanto mais inversa a relação entre o tempo de actuação da protecção e a intensidade da corrente, maiores os ganhos em tempo de eliminação conseguidos. Enquanto a relação normalmente inversa se aproxima no essencial da de tempo constante, é a extremamente inversa que melhor mimetiza a relação entre o tempo suportado pelos equipamentos e a intensidade da corrente de defeito, sendo a muito in-versa um meio termo. Em muitos casos, a aplicação deste tipo de protecções permite garantir tempos de eliminação de defeito inferiores a 0,5 segundos para a maioria dos defeitos relevantes em termos de cavas de tensão. Vale por isso a pena recordar as razões por que existem, tradicionalmente, estes 3 graus de inversão.

A característica extremamente inversa era, quando baseada em tecnologia electromecânica, de construção delicada e muito sensível à afinação dos relés - e também, por estas razões, usualmente mais cara. Quanto menor o grau de inversão, mais fácil o fabrico dos relés e mais estáveis eram as suas características. Por isso também a precisão da característica temporal era menor nos relés extremamente inversos.

Esta relação entre grau de inversão da característica e precisão temporal tinha reflexos nos ICT neces-sários para a coordenação. Por outro lado, a característica inversa pode permitir uma grande redução dos tempos de eliminação de defeito, mas sobretudo para as correntes elevadas associadas aos defeitos polifásicos mais graves em linhas aéreas, ou fase-terra nas Redes de Neutro solidamente à terra como as norte-americanas.

Figura 10: tempos de eliminação de defeito com protecções de tempo inverso combinadas com “instantâneas”

quando as potências de curto-circuito diminuem. A tracejado os tempos calculados para as potências de curto-circuito máximas.

Iop=2

normal

14

muito

extrema

T

Icc

t

d

A B C

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Para os defeitos fase-terra em Regimes de Neutro com impedância limitadora, ou para os defeitos poli-fásicos em redes em ca-bo, a redução das correntes a jusante das subestações é pouco sensível, só a ex-trema inversão permitindo apreciáveis reduções dos tempos de eliminação de defeito.

Para além das dificuldades construtivas mencionadas atrás para as características ex-tremamente in-versas, há a notar a complexi-dade de cálculo que todas estas protecções requeriam: além da necessidade partilhada com as protecções “instantâneas” de conhe-cimento das correntes de curto-circuito na rede, o cálculo da coordenação exigia traba-lhosos métodos gráficos. Por outro lado, exigindo a selectividade que a coordenação seja feita para as correntes de defeito máximas previsíveis, nas redes em que a potência de curto-circuito sofre importantes variações e em particular para os defeitos bifásicos, a extrema inversão pode acarretar um aumento significativo dos tempos de eliminação para a maioria dos defeitos12.

Uma situação, entretanto, em que as protecções de tempo inverso tradicionais permitem uma grande redução dos tempos de eliminação de defeito, ocorre quando associadas a Religadores em coordenação com relés de tempo inverso nas subestações, e tendo em conta as características dinâmicas destes relés.

Estas características dinâmicas traduzem-se na existência de um tempo de rearme (“reset”) considerável, e que replica aproximadamente o tempo de arrefecimento dos equipamentos a proteger e, especialmente, dos fusíveis. Quando associadas ao automatismo de religação automática, esta característica permite a drástica redução dos tempos de eliminação de defeito associados às Religações Lentas, dado que os relés, na ocorrência de religação sobre defeito, não partem da situação de repouso mas sim de uma situação intermédia entre essa e a de disparo.

Naturalmente, a coordenação exige que todos os relés obedeçam a características semelhantes.

5. A TECNOLOGIA DIGITAL DE PROTECÇÕES E O FIM DE LIMITAÇÕES TRADICIONAIS

As condicionantes que determinaram a tradição europeia, e particularmente a portuguesa, quanto à filosofia de aplicação das protecções de Máxima Intensidade, alteraram-se drasticamente com a consolidação neste domínio das tecnologias digitais nos últimos anos.

Os relés digitais já são os únicos oferecidos ao mercado e dispõem, quase sempre, tanto da opção de tempo constante como da de tempo inverso em qualquer dos seus graus de inversão - além da opção “instantânea” que as tecnologias anteriores também já integravam. Ou seja, ao contrário do que sucedia com as tecnologias anteriores, a protecção de tempo inverso passou a ser oferecida a custo marginal nulo relativamente à de tempo constante!

Com a tecnologia digital de relés surgiram também normas na Comissão Electrotécnica Internacional a definirem matematicamente a dependência inversa dos tempos de actuação com a intensidade da corrente de defeito, normas essas tão simples que permitem facilmente uma coordenação analítica sem recurso aos antigos métodos gráficos. Por outro lado, existem agora disponíveis, a preços da ordem de grandeza de 1 ou 2 relés, programas comerciais para uso em PC que automatizam muitos dos procedimentos de coordenação.

Entretanto, a tendência para a integração de mais e de novas funções nas protecções digitais tem-se acentuado. Vale a pena mencionar duas particularmente relevantes para o que se tem vindo a analisar:

a) Algumas marcas oferecem no mesmo relé um elemento amperimétrico, outro crono-métrico com opção entre tempo constante e tempo inverso (qualquer um dos 3 graus de inversão), e ainda um terceiro elemento de tempo constante. Na Figura ao lado ilustra-se a aplicação desta capacidade para garan-tir a limitação do tempo de eliminação de defeitos em redes com ocasionais potências de curto-circuito baixas.

b) Algumas marcas oferecem também mais que uma regulação programável, permitin-do a comutação au-tomática (por exemplo, a certas horas), ou tele-comandável, das regu-lações, o que pode também ser

12

A redução da potência de curto-circuito no ponto de chegada das subestações de distribuição, resultante da desligação de grupos hidroeléctricos nas horas de vazio e no Verão, piora em geral o efeito das cavas de tensão, o que é relevante para as indústrias importantes que trabalham em laboração contínua. Infelizmente é também nessas ocasiões que as protecções instantâneas e as de tempo inverso têm tradicionalmente um menor efeito.

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usado para adaptar a regulação à variação das potências de curto-circuito, ou a alterações na topologia das redes.

Figura 11: A rede da figura anterior, na situação de baixa potência de curto-circuito mas com tempos de eliminação de

defeitos limitados por uma 3ª característica de tempo constante.

Muitas outras funções tendem a ser integradas, em particular as de Unidade Terminal Remota (UTR) de equipamento. O conjunto de todas as funções de protecção associadas ao equipamento protegido são já oferecidas em algumas versões de algumas marcas (protecção contra defeitos à terra independente da de defeitos polifásicos, direccionalidade, protecção de máximo e de mínimo de tensão, de frequência, de detecção de condutores partidos, etc). Do ponto de vista do seu contributo para a qualidade da energia fornecida, porém, de seguida apenas se analisam as características das protecções de Máxima Intensidade com maior relevância.

6. CRITÉRIOS DE QUALIDADE DAS PROTECÇÕES DE MÁXIMA INTENSIDADE NA PERSPECTIVA DA QUALIDADE DA ENERGIA

Os tempos de eliminação de defeito atingidos nos relés mais a montante de uma sequência coordenada resultam, essencialmente, do valor dos ITC. Estes, como se viu atrás, incluem o tempo de abertura do disjuntor, as imprecisões temporais dos relés, o seu “overshoot”, e uma margem de segurança tipicamente proporcional às imprecisões de catálogo. Como os ITC se vão adicionando de jusante para montante, a temporização final resultante é essencialmente determinada pela precisão temporal das protecções. A título de exemplo e apenas para relés de tempo constante, considerem-se dois relés diferentes, com os seguintes dados:

Características Relé A Relé B

Precisão temporal 50 ms 10 ms Resolução da temporização 5% (por passos, numa tecla) 0,1% (digitado num teclado completo) “overshoot” 50 ms 20 ms tempo mínimo de operação 100 ms 30 ms

Para um disjuntor com tempo médio de abertura de 80 ms, e uma dispersão de 10 ms, temos para cálculo do ITC, admitindo uma margem de segurança igual à soma das imprecisões:

Relé A: t = (0,08 + 0,02) + 0,05x2 + 0,05 + 0,05 top + (0,125) 0,40 s

- + (0,06) 0,20 s

Se a rede dispuser de 3 relés em sequência (incluindo o da saída na subestação), e se o mais a jusante tiver a regulação mínima (disparo “instantâneo”), o tempo de eliminação de defeitos próximo da subestação será de 1,0 segundos com o relé A, e de apenas 0,5 com o relé B. Esta diferença pode significar a capacidade da maior parte dos accionamentos electromecânicos suportarem, ou não, as cavas de tensão associadas, sem interrupção de serviço, já que com os dados indicados, o elemento “instantâneo” eliminará defeitos em 0,20 segundos no relé A, e 0,12 no B - uma diferença que pode ser decisiva para os equipamentos electrónicos!...

t

d

A B C

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As precisões indicadas dependem, essencialmente, da potência de cálculo dos processadores dos relés.

Porém, para relés de tempo inverso a precisão da medida da corrente é também um factor decisivo, particularmente para as características extremamente inversas. Com efeito, existe um erro adicional na temporização destes relés que depende do erro de medida. Assim, para relés extremamente inversos uma medida com imprecisão de 5% acarreta, para correntes de defeito elevadas, uma imprecisão derivada de cerca de 10% na temporização. Este erro há que o adicionar ao inerente à própria temporização e vai repercutir-se em valores de ITC geralmente superiores aos requeridos pelos elementos de tempo constante.

A precisão da medida da corrente é elevada nos bons relés (garantindo precisões de medida de 2 e 3%). Esta precisão depende essencialmente da qualidade do projecto electrónico das protecções.

Um último factor tipificador da qualidade dos relés de tempo inverso é a sua característica dinâmica - ou seja, a forma como os relés se comportam com correntes de defeito evolutivas, e a forma como rearmam.

As normas da CEI nada impõem sobre este aspecto, o que manifesta a falta de tradição europeia na utilização das protecções de tempo inverso. Porém, as características dinâmicas são essenciais para garantir a coordenação dos relés não só com fusíveis, como entre si. Por essa razão, o IEEE promoveu a definição de normas alternativas que prevêem expressamente a caracterização dinâmica dos relés de tempo inverso,

obrigatórias para os equipamentos vendidos nos EUA 11. Este aspecto deverá naturalmente ser tido em conta na selecção deste tipo de protecções, embora de momento poucas marcas a ofereçam, ainda.

7. CONCLUSÕES

Do ponto de vista dos utilizadores da Energia Eléctrica, as cavas e cortes de tensão são sem dúvida o maior problema da qualidade da energia. As perturbações de curta duração da tensão, da ordem dos 2 segundos, provocam quase tantos prejuízos aos utilizadores industriais e de serviços como os cortes com durações de alguns minutos. Mesmo cavas de tensão de menor duração (a partir de 0,5 segundos) provocam prejuízos apreciáveis. Os danos associados resultam em primeiro lugar da vulnerabilidade da informática de controlo, depois da dos contactores e finalmente da dos accionamentos electromecânicos. Excepto para os últimos, só a disponibilidade pelos próprios utilizadores de fontes de alimentação ininterruptíveis (UPS) pode garantir imunidade.

Os cortes e cavas de pequena duração resultam principalmente de curto-circuitos nas redes de Distribuição em Média Tensão. Os Regimes de Neutro e a topologia destas redes têm uma influência apreciável sobre o efeito dos seus curto-circuitos para os utilizadores, mas a rapidez de actuação das protecções é um aspecto da maior importância para este efeito.

Os tempos de eliminação de defeitos proporcionados pelas protecções resultam em primeiro lugar da filosofia de coordenação adoptada. Os relés de tempo constante são os mais simples, mas também os que produzem cavas de maior duração. Os relés “instantâneos” e de tempo inverso, sobretudo extremamente inverso, produzem em regra actuações muito mais rápidas. Hoje em dia, as tecnologias digitais integram elementos de tempo inverso nas mesmas protecções que realizam a protecção de tempo constante, enquanto simultaneamente a disponibilidade de normas e de programas de apoio ao cálculo das coordenações tornou a sua engenharia muito mais acessível.

Neste contexto, as características das protecções digitais que mais contribuem para reduzir os tempos de eliminação de defeito são as precisões na medida do tempo e da corrente. A obediência a normas definidoras de comportamentos dinâmicos bem definidos e compatíveis são também um aspecto que garante correctos comportamentos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 - “Características da Tensão fornecida pelas redes de distribuição pública de Energia Eléctrica”, norma Nacional EN 50160 (adaptada da norma Europeia correspondente de 1994).

2 - G. Tollefson, R. Billinton, G. Wacker, E. Chan and J. Aweya, “A Canadian customer survey to assess power system reliability worth”, IEEE Transactions on Power Systems, Vol. 9, Nº 1, February 1994, pp. 443-450.

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14

3 - Kariuki K. K., Allan R. N., “Evaluation of reliability worth and value of lost load”, IEE Proceedings on Generation, Transmission and Distribution, Vol. 143, Nº 2, March 1996, pp. 171-179.

4 - M. J. Sullivan, B. N. Suddeth, T. Vardell, A. Vojdani, “Interruption Costs, Customer Satisfaction and Expectations for Service Reliability”, IEEE Transactions on Power Systems, Vol. 11, Nº 2, May 1996, pp. 989-995.

5 - R. K. Subramaniam, R. Billinton and G. Wacker, “Understanding Industrial Losses Resulting from Electric Service Interruptions”, IEEE Transactions on Industry Applications, Vol. 29, Nº 1, January/February 1993, pp. 238-243.

6 - M. F. McGranaghan, “Voltage Sags in Industrial Systems”, IEEE Transactions on Industry Applications, Vol. 29, Nº 2, March/April 1993, pp. 397-403.

7 - G. Kjolle, L. Rolfseng, E. Dahl, “The economic aspect of reliability in Distribution System Planing”, IEEE Transactions on Power Delivery, Vol. 5, Nº 2, April 1990, pp. 1153-1157.

8 - IEEE Working Group on Voltage Flicker and Service to Critical Loads, “Power Quality - Two Different Perspectives”, IEEE Transactions on Power Delivery, Vol. 5, Nº 3, July 1990, pp. 1501-1513.

9 - M. Junker, Th. Connor, “Exemple de changement du mode de mise a la terre du neutre dans un reseau regional 20 kV”, in actas da NMT 95, Mulhouse, France, Novembre 1995.

10 - A. Croguennoc, “Protection des réseaux à moyenne tension de distribution publique”, in Les Techniques de l’ingenieur, D4180, 1991.

11 - IEEE Working Group on Overcurrent Relays (de que o autor deste artigo foi membro), “Standard Inverse-Time Characteristic equations for overcurrent relays”, Standard IEEE/ANSI 37.132, IEEE, 1995”, IEEE Transactions on Power Delivery, Vol. 5, Nº 3, July 1997, pp. 1501-1513..