Qualidade e interlocuções com as políticas públicas e...

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Qualidade e interlocuções com as políticas públicas e gestão da educação Marilene Gabriel Dalla Corte Andrelisa Goulart de Mello Joacir Marques da Costa (Organizadores)

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Qualidade e interlocuções com as

políticas públicas e gestão da educação

Marilene Gabriel Dalla Corte

Andrelisa Goulart de Mello

Joacir Marques da Costa

(Organizadores)

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Marilene Gabriel Dalla Corte

Andrelisa Goulart de Mello

Joacir Marques da Costa

(Organizadores)

QUALIDADE E INTERLOCUÇÕES COM AS POLÍTICAS

PÚBLICAS E GESTÃO DA EDUCAÇÃO

Santa Maria, RS, Brasil. LABORATÓRIO DE PESQ. E DOC. - CE

2014

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Q1 Qualidade e interlocuções com as políticas públicas e gestão da educação [recurso eletrônico] / Marilene Gabriel Dalla Corte, Andrelisa Goulart

de Mello, Joacir Marques da Costa (organizadores). – Santa Maria, RS : UFSM, Centro de Educação,

2014. 1 e-book

ISBN: 978-856112840-1

1. Educação 2. Gestão da educação. 3. Políticas

públicas I. Dalla Corte, Marilene Gabriel II. Mello,

Andrelisa Goulart de III. Costa, Joacir Marques da

CDU 37

Ficha catalográfica elaborada por Luzia de Lima Sant’Anna – CRB- 10/728 Biblioteca Central da UFSM

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema computacional. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

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COMITÊ ORGANIZADOR

Rosane Carneiro Sarturi – UFSM

Marilene Gabriel Dalla Corte – UFSM

Andrelisa Goulart de Mello – UFSM

Joacir Marques da Costa - UNIPAMPA

COMISSÃO CIENTÍFICA

Andrelisa Goulart de Mello – UFSM

Carla Cristina Dutra Burigo – UFSC

Elisiane Machado Lunardi – UNIFRA

Eliziane Tainá Lunardi Ribeiro – SEDUC-RS

Fernanda Figueira Marquezan – UNIFRA

Gabriel dos Santos Kehler – UFPEL

Joacir Marques da Costa – UNIPAMPA

Laura Wunsh – UFRGS

Marilene Gabriel Dalla Corte – UFSM

Monica de Souza Trevisan – UNIPAMPA

EDITORAÇÃO E CAPA

Evandro Bolzan (Pró-Conselho – UFSM)

Gabriel Marchesan (Pró-Conselho – UFSM)

Marilene Gabriel Dalla Corte (UFSM)

Marina Lara Silva dos Santos Teixeira (Bolsista OBEDUC/CAPES – UFSM)

COMITÊ DE APOIO TÉCNICO

Daiane Lanes de Souza (Licencianda Pedagogia UFSM)

Francine Mendonça da Silva (Pró-Conselho – UFSM)

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................9

POLÍTICAS CURRICULARES PARA A SOCIOLOGIA: DOCUMENTOS

OFICIAIS E SENTIDOS DA PRÁTICA NA BUSCA DA QUALIDADE DO

ENSINO............................................................................................................... 20

Joana Elisa Röwer Jorge Luiz da Cunha A GESTÃO DO/NO PROEJA: EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS DE UMA

REALIDADE ....................................................................................................... 32

Mariglei Severo Maraschin Vanessa Lago Sari Liliana Soares Ferreira

DO ASSISTENCIALISMO A OBRIGATORIEDADE: LIMITES E

POSSIBILIDADES DE UMA EFETIVA QUALIDADE NA EDUCAÇÃO

INFANTIL ............................................................................................................ 43

Daiane Lanes de Souza Guilherme Keiling Patrícia Miolo Rosane Carneiro Sarturi

GESTÃO EDUCACIONAL E O IDEB DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO

DE SANTA MARIA-RS ....................................................................................... 55

Andressa Aita Ivo

Álvaro Luiz Moreira Hypolito

UMA ANÁLISE DESCRITIVA DAS AÇÕES DESENVOLVIDAS NO

PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO NAS ESCOLAS ESTADUAIS DE

ENSINO FUNDAMENTAL DO MUNICIPIO DE SANTA MARIA ........................ 66

Elisiane Severo da Silva Elizandra Aparecida Nascimento Gelocha Maria Eliza Rosa Gama

POLÍTICAS PÚBLICAS E OS PROGRAMAS DE CORREÇÃO DE

FLUXO NO RS: EFEITOS DA RACIONALIDADE NEOLIBERAL NA

GESTÃO ESCOLAR ........................................................................................... 77

Alana Cláudia Mohr

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O PRINCÍPIO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA E A ORGANIZAÇÃO DO

TRABALHO DOCENTE: DISSOLUÇÕES ENTRE PROPOSTAS DE

CARÁTER DEMOCRÁTICO E/OU NEOLIBERAL ............................................. 89

Letícia Ramalho Brittes Joacir Marques da Costa

A FORMALIZAÇÃO DO SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO A PARTIR

DO CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO ............................................... 100

Clides Aliande Loreto Pereira Sueli Menezes Pereira

OS CONSELHOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO E GESTÃO

DEMOCRÁTICA NO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO ............................ 109

Diego Dartagnan da Silva Tormes Marina Lara Silva dos Santos Teixeira Francine Mendonça da Silva Marilene Gabriel Dalla Corte

O GESTOR ESCOLAR EM CONTEXTO DE DESIGUALDADES

EDUCATIVAS EM MOÇAMBIQUE .................................................................. 122

Alberto Bive Domingos

O GESTOR ESCOLAR COMO MOBILIZADOR PARA UMA GESTÃO

DEMOCRATICA E PARTICIPATIVA ................................................................ 134

Frederico Santos Ferreira Letícia Ramalho Brittes

O PERFIL DOS CONSELHEIROS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO DO

PRÓ-CONSELHO/UFSM: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DA 1ª E 2ª

EDIÇÕES .......................................................................................................... 141

Marina Lara Silva dos Santos Teixeira Francine Mendonça da Silva Marilene Gabriel Dalla Corte

A REESTRUTURAÇÃO DO ENSINO MÉDIO POLITÉCNICO NO

CONTEXTO DA QUALIDADE NA GESTÃO DE PROFESSORES DA

ESCOLA PÚBLICA: (IM)POSSIBILIDADES .................................................... 153

Ana Lucia da Luz Mazzardo Andrelisa Goulart de Mello Maria Carmen Soares Favarin Sonia Marli Righi Aita Rosane Carneiro Sarturi

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TRABALHO DOCENTE ENTRE LUGARES DE ‘FUGA(S)’ DA ESCOLA:

ENDEREÇAMENTOS DE PERFIS DOCENTES A PARTIR DO PIBID ........... 167

Gabriel dos Santos Kehler Álvaro Moreira Hypólito A GESTÃO PEDAGÓGICA DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO:

CONSTRUINDO UM ESTADO DO CONHECIMENTO E UM

MOVIMENTO PARA A ELABORAÇÃO DA MONOGRAFIA ........................... 175

Marciele Taschetto da Silva Silvia Maria de Aguiar Isaia

FATORES DE DESEMPENHO EM UNIVERSITÁRIOS BRASILEIROS .......... 186

Kalú Soraia Schwaab Paulo Sergio Ceretta Alexandre Costa

A CATEGORIA CAPITAL SOCIAL: REFERÊNCIA À GESTÃO

DEMOCRÁTICA DA UNIVERSIDADE ............................................................. 198

Valéria Fontoura Nunes

ENADE: RELAÇÃO ENTRE QUALIDADE E CURRÍCULO NO CURSO

DE PEDAGOGIA .............................................................................................. 208

Claudia D’Avila Mônica Trevisan Rosane Carneiro Sarturi

O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO: ELEMENTOS QUE

ENVOLVEM A SUA CONSTRUÇÃO COLETIVA NO CONTEXTO

ESCOLAR ......................................................................................................... 219

Marilene Gabriel Dalla Corte Luciana Guilhermano da Silva Gabriela Barichello Mello

A PERFORMATIVIDADE A LUZ DOS ESTUDOS DE STEPHEN BALL E

O EFEITO DO PRODUTIVISMO PARA A EDUCAÇÃO .................................. 229

Karine Sefrin Speroni

GESTÃO DEMOCRÁTICA: A EDUCAÇÃO EM TRANSFORMAÇÃO ............ 237

Giedre Oliveira Nascimento

ASPECTOS DO PENSAMENTO LIBERAL E DO NEOLIBERALISMO .......... 247

Bruna Lima

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O NEOLIBERALISMO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS: REPERCUSSÕES

NA ÁREA DA EDUCAÇÃO .............................................................................. 254

Andressa Wiedenhoft Marafiga Gabriela Fontana Gabbi Jucilene Hundertmarck

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APRESENTAÇÃO

É com satisfação que apresentamos esta obra relacionada ao constructo

dos quatro Eixos Temáticos do II Seminário Internacional de Políticas Públicas da

Educação Básica e Superior, o IV Seminário Internacional de Gestão Educacional, a

VIII Semana Acadêmica do Curso de Especialização em Gestão Educacional e a II

Semana Acadêmica do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa

Maria. Tal evento integrado reflete sobre bases epistemológicas e metodológicas

subjacentes às interfaces das políticas públicas e dos processos de gestão

educacional, na perspectiva de suscitar discussões acerca da qualidade da

educação básica e superior.

Na esteira dos movimentos das políticas educacionais há a exigência de

posicionamentos escolar sob o viés da qualidade do ensino e aprendizagem,

suscitando, cada vez mais, a necessidade de políticas públicas que fomentem a

inter-relação de diferentes aspectos e contextos educativos, tais como:

implementação de programas governamentais; reestruturação curricular; avaliação;

formalização do sistema municipal de ensino; criação e/ou atualização dos

conselhos municipais de educação, entre outros. A dimensão da qualidade

relaciona-se diretamente no trabalho docente e no contexto da gestão da educação

básica e superior, exigindo um profissional capaz de interagir com diferentes áreas,

promover ações pedagógicas dinâmicas, contextualizar e assumir postura

interdisciplinar.

Mediante estas perspectivas, esta obra engloba vinte e três artigos com a

intenção de promover espaços de discussões acerca da qualidade e das

interlocuções com as políticas públicas e gestão da educação.

Entre as temáticas basilares (qualidade, políticas públicas e gestão da

educação) há desdobramentos nos artigos, que perpassam dimensões do

currículo; do sistema de avaliação; do trabalho docente, (neo)liberalismo;

democracia; programas e ações de governo; modalidades e níveis educativos,

entre outros.

Os autores dos artigos são professores da Educação Básica e

Superior, bem como acadêmicos de cursos de graduação e pós-graduação, ambos

de diferentes Instituições de Ensino (Internacional e Nacional), os quais

contribuíram com as discussões suscitadas e, particularmente, com o

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aprofundamento teórico-metodológico e com a pluralidade de ideias e concepções

epistemológicas.

O primeiro texto, de Joana Elisa Röwer e Jorge Luiz da Cunha, Políticas

curriculares para a sociologia: documentos oficiais e sentidos da prática na

busca da qualidade do ensino, versa sobre identificar, analisar e compreender

as relações entre textos de orientação curricular para o ensino de

Sociologia/Ciências Sociais na educação básica, a partir da Lei nº 11.684/2008. As

análises realizadas focam os agentes construtores, os sentidos, os conteúdos, a

linguagem e as indicações didático-metodológicas. Os pesquisadores

compreendem que as tendências e os delineamentos das políticas curriculares

para a Sociologia/Ciências Sociais, na educação básica, ilustram a dicotomia entre

não construir currículos prescritivos e a necessidade da disciplinarização e

descrição curricular rumo a sua legitimação e reconhecimento social.

O segundo texto, A gestão do/no PROEJA: experiências desafios de uma

realidade, de Mariglei Severo Maraschin, Vanessa Lago Sari e Liliana Soares

Ferreira, objetiva mostrar a importância da Gestão de uma Escola Técnica

Federal na implantação e na manutenção de um Programa para a EJA e a

Educação Profissional (PROEJA), que surgiu em forma de Decreto nº 5.478/2005 e

que surpreendeu a todos que deveriam incluí-la em suas instituições. A partir da

análise de dados de uma pesquisa de cunho qualitativo, foi possível responder a

alguns questionamentos que diziam respeito à implantação do PROEJA na

instituição pesquisada, aos desafios de implantação do mesmo, à experiências dos

gestores com esta política e quais são os desafios para que seja possível dar

continuidade ao PROEJA, a visão dos gestores sobre a gestão e a experiência de

implantação do PROEJA Ensino Médio. A pesquisa teve como aporte teórico e

metodológico um estudo dialético, compreendido como possibilidade crítica de

analisar fenômenos, com base no Materialismo Histórico. Ao final, as autoras

destacam, através dos relatos dos gestores, alguns dos principais aspectos pelos

quais o PROEJA tem obtido êxito na realidade pesquisada.

No terceiro texto, de Daiane Lanes de Souza, Guilherme Keiling, Patrícia

Miolo e Rosane Carneiro Sarturi, Do assistencialismo a obrigatoriedade: limites

e possibilidades de uma efetiva qualidade na educação infantil, encontra-se a

análise de como a obrigatoriedade na educação infantil vem efetivando um novo

olhar político-pedagógico dessa etapa da educação básica. O estudo apresenta

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como base os dados estatístico-educacionais do Censo da Educação Básica do

período de 2007 a 2013, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Nesta direção, os autores discutem

e analisam a inter-relação da obrigatoriedade na educação infantil e a qualidade na

educação infantil.

O quarto texto, Gestão Educacional e o IDEB da Rede Municipal de

Ensino de Santa Maria-RS, de Andressa Aita Ivo e Álvaro Luiz Moreira Hypolito,

analisa o comportamento do resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação

Básica (IDEB) nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental da Rede Municipal

de Ensino de Santa Maria – RS, a partir do plano de ações realizado pela SMED. O

recorte temporal definido para a análise das políticas educacionais corresponde ao

período de 2009 a 2012, em que foram utilizados dados estatísticos, informações

disponibilizadas por meio impresso e eletrônico. A pesquisa aponta que a maioria

das escolas avaliadas obteve um crescimento nos resultados do IDEB, contudo, os

autores observaram que alguns mecanismos utilizados pelas escolas podem

facilmente burlar o sistema e mascarar os resultados no IDEB. Em suma, o

aumento do IDEB nem sempre significa uma melhora na qualidade da educação da

escola. Para os autores, a educação de qualidade não pode ser alcançada por

uma estratégia de testar alunos, de responsabilização dos professores, de

meritocracia e, sobretudo, pela transferência de responsabilidades por parte do

Estado para as instituições escolares.

O quinto texto, Uma análise descritiva das ações desenvolvidas no

Programa Mais Educação nas Escolas Estaduais de Ensino Fundamental do

Município de Santa Maria, de Elisiane Severo da Silva; Elizandra Aparecida

Nascimento Gelocha e Maria Eliza Rosa Gama, apresenta uma análise de como

se dá o processo de implementação do Programa Mais Educação nas escolas

pertencentes a 8ª Coordenadoria Regional de Educação (8ª CRE) no Município

de Santa Maria/RS. De acordo com as autoras, a proposta do Programa Mais

Educação (PME) visa à ampliação do tempo escolar e a organização curricular

na perspectiva da educação integral, o que implica a ampliação do espaço

escolar para a realização de atividades socioeducativas de forma a integrar

diferentes saberes, conhecimentos, cenários e agentes educativos que possam

colaborar para o desenvolvimento integral do indivíduo. Dessa forma, apontam que

o Programa Mais Educação é uma realidade nas escolas pesquisadas ofertando

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jornada ampliada, por meio de atividades socioeducativas no contraturno escolar,

porém acreditam que muito ainda deve ser debatido principalmente no que se

referem à construção de um projeto político-pedagógico (PPP) articulado com a

proposta curricular do Programa Mais Educação, traduzindo a forma de

organização pedagógica e curricular das atividades desenvolvidas nas escolas.

No sexto texto, Alana Cláudia Mohr, apresenta as Políticas Públicas e os

programas de correção de fluxo no RS: efeitos da racionalidade neoliberal

na gestão escolar, o estudo parte da perspectiva pós-estruturalista, desdobrando-

se através da problemática sob os enunciados produzidos pelo Neoliberalismo no

campo educacional, na medida em que, objetiva fazer aparecer às congruências

dos ditos cristalizados que cercam a educação contemporânea. Para tanto, a autora

toma como materialidade analítica os Programas de Correção de Fluxo adotados

na Rede Estadual do Rio Grande do Sul, “Se Liga” e “Acelera Brasil”, considerando

que estes são tecidos pela racionalidade neoliberal que vem nomeando, de

determinadas formas, os sujeitos, as ações, as condutas, as vidas. Assim, o texto

objetiva entender as condições de possibilidade que fizeram emergir os Programas

de Correção de Fluxo como uma necessidade da Educação para Todos, e

compreender como estes Programas vem funcionando como estratégia de

governamento dos sujeitos escolares e quais os efeitos deste governamento para

a gestão escolar na gerência dos “corpos”.

No sétimo texto, Letícia Ramalho Brittes e Joacir Marques da Costa

destacam O princípio da gestão democrática e a organização do trabalho

docente: dissoluções entre propostas de caráter democrático e/ou neoliberal,

no qual problematizam a institucionalização do Princípio da Gestão Democrática no

sistema público de ensino - a partir da Constituição Federal de 1988 e Lei de

Diretrizes e Bases (Lei 9.394/96) - e as implicações desta normativa na

configuração do trabalho docente. É interesse dos autores questionar como o

enfoque democrático, garantido em lei, tem atuado paralelamente à cultura da

performatividade que tem delineado novos papéis e novos perfis na configuração

do trabalho docente. O estudo indica que na cultura performativa, atuante no

trabalho docente, percebe-se a ausência do sentido de profissionalismo. Tais

práticas estão atreladas a um processo de autonomia imaginada, o que irá

garantir maior controle e adesão por parte do professorado às políticas de

responsabilização docente. Nesse sentido, o professor é peça fundamental para

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implementação das políticas, pois estará nele a resposta tanto para o sucesso

quanto para o fracasso escolar.

No oitavo texto, A formalização do Sistema Municipal de Ensino a

partir do Conselho Municipal de Educação, produzido por Clides Aliande Loreto

Pereira e Sueli Menezes Pereira, é destacado o Conselho Municipal de

Educação (CME), tendo por base pesquisas realizadas em 2013 em quatro

municípios da Região AMCENTRO do estado do Rio Grande do Sul. Nesse estudo,

as autoras apresentam um recorte da análise realizada, tendo como foco o CME

de dois municípios. As pesquisadoras acreditam que a autonomia do CME, como

órgão imprescindível para a existência do Sistema Municipal de Ensino, ainda não

se constitui em uma realidade, visto que se o CME não tem autonomia suficiente

para exercer todas as funções que são a ele destinadas, todo o Sistema fica

comprometido.

O nono texto, de autoria de Diego Dartagnan da Silva Tormes, Marina

Lara Silva dos Santos Teixeira, Francine Mendonça da Silva e Marilene Gabriel

Dalla Corte, intitulado Os Conselhos Municipais de Educação e gestão

democrática no plano nacional de educação, dedica-se ao mapeamento e

análise da conjuntura dos Conselhos Municipais de Educação do Estado do Rio

Grande do Sul, tendo como lócus de pesquisa o curso de Formação Continuada de

Conselheiros Municipais de Educação – Pró-Conselho/UFSM. Nessa produção, os

autores analisam como o Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001 e de 2014

abordam nas suas metas e estratégias a constituição de Conselhos Municipais de

Educação e a formação de Sistemas Municipais de Ensino (SME), bem como a

gestão democrática. O percurso teórico-metodológico delineia-se mediante a

abordagem quanti-qualitativa e imbrica-se ao estudo de caso dos Conselhos

Municipais de Educação do RS. Para os autores os CME são considerados

essenciais à consolidação da gestão sob preceitos democráticos, estabelecendo

interlocuções com as demandas socioeducacionais, no intuito de [re]construir e

[re]definir políticas públicas para a gestão educacional e escolar em instâncias

municipais.

O décimo texto, de Alberto Bive Domingos, O gestor escolar em

contexto de desigualdades educativas em Moçambique, demonstra os

pressupostos da ação pública em matéria de organização escolar despoletados no

sistema educativo moçambicano com a massificação do ensino, nos dois

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momentos da história do país. Neste contexto, o autor desenvolve como temáticas

as políticas públicas de educação inerentes aos valores de forte democratização

do ensino e da desregulação do direito à educação. Também, critica a gestão

política da diversidade social na escola, demonstrando as implicações no sistema

educativo e a maneira como afetam a vida social e local da população

desfavorecida, demonstrando, ainda, que a gestão da educação não é utilizada

adequadamente para a inclusão dos cidadãos nas decisões escolares que lhes

dizem respeito.

O décimo primeiro texto, o gestor escolar como mobilizador para uma

gestão democrática e participativa, de Frederico Santos Ferreira e Letícia

Ramalho Brittes, analisa a gestão democrática a partir de um olhar voltado para a

participação da comunidade escolar. Para os autores a análise do papel do gestor

na mobilização da comunidade cria mecanismos para que todos se sintam

participantes no processo de ensino desenvolvido na escola.

No décimo segundo texto, intitulado O perfil dos Conselheiros

Municipais de Educação do Pró-Conselho/UFSM: uma análise comparativa da

1ª e 2ª edições, de Marina Lara Silva dos Santos Teixeira, Francine Mendonça

da Silva e Marilene Gabriel Dalla Corte, encontra-se um mapeamento do perfil dos

conselheiros participantes do Curso de Formação Continuada de Conselheiros

Municipais de Educação, desenvolvido pelo Pró-Conselho/UFSM, ao longo de duas

edições (2013 e 2014) já concluídas. Mediante a análise do perfil dos conselheiros

partícipes do Pró-Conselho/UFSM, sob o olhar comparativo das referidas edições,

foi possível reconhecer quem são estes sujeitos, suas principais características,

assim como contextualizá-los em seus cenários de formação e atuação junto à

educação municipal no RS, sublinhando a indispensável e necessária qualificação

profissional. Logo, as autoras compreendem que dos Conselhos Municipais de

Educação decorrem experiências, vivências e atitudes e, por essa razão, devem ser

mapeados, conhecidos, analisados, revitalizados, problematizados e

constantemente fortalecidos no sentido de reconhecer o imprescindível papel

deste grupo na construção cotidiana de uma cultura democrática no contexto da

gestão da educação.

O décimo terceiro texto, de autoria de Ana Lucia da Luz Mazzardo,

Andrelisa Goulart de Mello, Maria Carmen Soares Favarin, Sonia Marli Righi Aita

e Rosane Carneiro Sarturi, A reestruturação do Ensino Médio Politécnico no

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contexto da qualidade na gestão de professores da escola pública:

(im)possibilidades, tem por objetivo, identificar como ocorreu o processo de

formação docente no contexto da gestão escolar na Rede de Ensino Estadual de

Educação Básica e como estes se apropriaram da proposta durante a

implementação da reestruturação curricular do Ensino Médio no RS. As autoras

problematizam o processo de formação docente na gestão escolar durante a

reestruturação do Ensino Médio Politécnico (EMP), destacando as possibilidades e

as impossibilidades para sua implementação e legitimação no contexto da escola,

utilizando a observação e recortes das falas dos sujeitos professores do EMP a

partir de entrevista semiestruturada, e tendo como lócus de investigação duas

escolas, que vivenciaram a reforma do Ensino Médio iniciada, no ano de 2012.

Os estudos procuraram aproximar a realidade do processo de reestruturação do

Ensino Médio, a partir da participação dos professores envolvidos com as

discussões sobre a formação docente em diferentes situações de possibilidades

e impossibilidades na implementação e legitimação da proposta de reestruturação

curricular no contexto da qualidade da gestão escolar do EMP.

O décimo quarto texto, Trabalho docente entre lugares de ‘fuga(s)’ da

escola: endereçamentos de perfis docentes a partir do PIBID, de Gabriel dos

Santos Kehler e Álvaro Luiz Moreira Hypolito, destaca como se produz-fabrica as

posições sujeito-docente de profissionalização, entre licenciados egressos de

Instituições de Ensino Superior - IES do Estado Gaúcho, que participaram do

Programa Institucional de Iniciação à Docência - PIBID e não foram trabalhar na

escola, ou se foram atualmente estão afastados da mesma. Metodologicamente,

os autores optaram pela abordagem em “Snowballsampling”, que no Brasil é

conhecida como amostragem em “bola de neve”, ou ainda “cadeia de

informantes”, até mesmo, pelas características próprias do campo: “capturar os

licenciados em fuga(s)”. O texto aborda que não basta o trabalho docente ser

valorizado no plano material (salários e condições de trabalho, dignos), é

necessário mudar culturalmente, o próprio lugar de responsabilidade, que

historicamente é ‘depositado’ ao professor, e que na atual conjuntura do

capitalismo, tem fundido à ideia de responsabilização individual. Os autores

apostam hipoteticamente, que a(s) “fuga(s) da escola” também pode se configurar

como “novas” formas culturais de resistência, em função de novos perfis docentes,

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que fogem inclusive aos endereçamentos de políticas de incentivo ao magistério

na educação básica, como o PIBID.

O décimo quinto texto, de Marciele Taschetto da Silva e Silvia Maria de

Aguiar Isaia, A gestão pedagógica do professor universitário: construindo um

estado do conhecimento e um movimento para a elaboração da

monografia, decorre de uma pesquisa do Estado do Conhecimento em que o foco

de investigação das autoras versou sobre os estudos realizados nos últimos anos

que contemplam o tema gestão pedagógica do docente universitário. Foram

analisadas publicações referentes ao período de 2008 a 2013, nos anais dos

eventos Anped Nacional, Anped Sul e na Revista Educação da Universidade

Federal de Santa Maria. O estudo apresenta uma abordagem quanti-qualitativa,

tendo como base o acesso ao conhecimento já existente sobre a temática. Os

resultados desta busca revelam que há uma crescente produção sobre o

ensino superior, contudo, grande carência de estudos com o foco na gestão

pedagógica e formação pedagógica do professor universitário.

O décimo sexto texto, dos autores Kalú Soraia Schwaab, Paulo Sergio

Ceretta e Alexandre Costa, intitulado Fatores de desempenho em universitários

brasileiros, investiga os fatores de desempenho dos estudantes brasileiros a

partir da pontuação do ENADE. Os autores utilizaram dados do INEP de 2012,

contando com uma amostra de 5.451 cursos, incluindo 17 diferentes cursos de

graduação dos sistemas de ensino público e privado. Na amostra contém as

médias de pontuação do ENADE de 443.782 alunos. No estudo, foram criados

três modelos de regressão linear ponderada para verificar os fatores que

influenciam o resultado do ENADE. Um dos modelos com amostra completa, um

somente com o sistema público de educação e outro com o sistema de ensino

privado. Os pesquisadores definiram o ENADE como variável dependente e ENEM,

escolaridade dos pais, infraestrutura, projeto político-pedagógico, professores

doutores e regime de contratação, como variáveis independentes. As principais

conclusões apontadas, sugerem que o governo deve fazer uma revisão das

políticas públicas de educação, principalmente dando ênfase à educação básica.

O décimo sétimo texto, A categoria capital social: referência à gestão

democrática da Universidade, de Valéria Fontoura Nunes, discute a categoria

capital social em Putnam como possível referência à gestão democrática da

universidade. Para a autora, o capital social pode auxiliar nas discussões acerca de

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uma gestão democrática da universidade, buscando-se uma integridade

institucional. Nessa acepção, a relação de uma instituição democrática com a

comunidade local fortalece e legitima a gestão, as práticas educativas e projetos

implantados. O estudo contribui à gestão democrática da universidade. Essa gestão

corresponde ao planejamento e à gestão transparentes. Bem como, pela

participação social nas tomadas de decisões institucionais.

O décimo oitavo, ENADE: relação entre qualidade e currículo no curso

de pedagogia, de Claudia D’Avila, Mônica Trevisan e Rosane Carneiro Sarturi,

analisa a relação entre as competências e habilidades compreendidas nas

provas do Exame Nacional de Desempenho do Estudante (ENADE), e as que

constam no currículo, do curso de Pedagogia de uma Instituição Federal de

Ensino Superior (IFES) do Estado do Rio Grande do Sul (RS). As autoras refletem

sobre aspectos importantes acerca das habilidades e competências presentes na

prova do ENADE, comparando com as competências citadas no PPC do curso,

buscando relacionar as influências da avaliação na qualidade da educação

ofertada. A metodologia proposta contempla uma abordagem quanti-qualitativa, e

para tanto, realizou-se um estudo documental e bibliográfico como forma de inferir

conceitos relacionados ao ENADE, as habilidades e competências inerentes a

formação em um curso de Pedagogia e a qualidade, bem como pesquisa na base

de dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (INEP). As pesquisadoras observaram que as

competências e habilidades constantes no currículo do curso de Pedagogia

avaliado estão em consonância com aquelas percebidas nas avaliações do

ENADE, considerando que se torna necessário que ocorram interlocuções entre

as instituições de ensino superior e os sistemas de avaliação do Governo Federal

para que se efetive uma oferta de educação de qualidade.

O décimo nono texto, das autoras Marilene Gabriel Dalla Corte, Luciana

Guilhermano da Silva e Gabriela Barichello Mello, O projeto político-pedagógico:

elementos que envolvem a sua construção coletiva no contexto escolar,

apresenta conceitos subjacentes ao processo de [re]construção do projeto

político-pedagógico (PPP) e sua importância para a cultura organizacional da

escola básica. As autoras, consideram que é importante nesse processo a

perspectiva da coletividade e envolvimento da comunidade e que o PPP delineia

aspectos subjacentes a realidade escolar, bem como apresenta seus princípios,

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pressupostos teórico-legais, intenções e prioridades. A construção do PPP exige um

trabalho abrangente, participativo, democrático, responsável, competente e

solidário, sendo que seu sentido empírico está, justamente, na capacidade de

implementação desse marco norteador no cotidiano da escola.

No vigésimo texto, A performatividade a luz dos estudos de Stephen

Ball e o efeito do produtivismo para a educação, de autoria de Karine Sefrin

Speroni, objetivou sob a forma de um ensaio teórico apresentar e problematizar o

conceito de performatividade, com base nos estudos de Stephen Ball, destacando

especialmente como um dos efeitos o produtivismo no cenário acadêmico

contemporâneo. A autora também resgata a definição empreendida por Foucault,

especialmente o conceito de tecnologia, de modo a aprofundar a conceituação

desenvolvida por Ball. Ao estabelecer essa discussão sobre o conceito de

performatividade distingue-se como um efeito a noção de produtivismo associada

às lógicas de avaliação da pós-graduação na contemporaneidade.

No vigésimo primeiro texto, de Giedre Oliveira Nascimento, Gestão

democrática: a educação em transformação, vislumbra-se um breve relato sobre

a trajetória da educação brasileira e seus objetivos, na perspectiva de compreender

o processo de democratização, sua efetivação e suas lacunas. Assim, o estudo

demonstra que a gestão democrática possuiu uma trajetória histórica permeada de

muitas lutas e mudanças, por esta razão, destaca-se a importância de um trabalho

que valorize as relações e as trocas.

No vigésimo segundo texto, Aspectos do pensamento liberal e do

neoliberalismo, Bruna Lima trata das questões relativas ao conceito de

liberalismo e sua evolução, bem como o de neoliberalismo. Para compreender

estas ideias, a autora realizou uma revisão bibliográfica de trabalhos de autores

que dedicaram suas pesquisas a compreensão destes conceitos, devido, entre

outros possíveis fatores, a sua complexidade e a aplicabilidade quando se pensa

em Gestão Educacional.

No vigésimo terceiro e último texto, as autoras Andressa Wiedenhoft

Marafiga, Gabriela Fontana Gabbi e Jucilene Hundertmarck, tratam do

Neoliberalismo e as políticas públicas: repercussões na área da educação,

o qual compreende o modelo neoliberal com intuito de refletir sobre suas

influências no contexto atual da educação. Para as autoras o referido modelo é

uma tentativa de limitar o Estado interventor, alegando que este, ao intervir tira a

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liberdade das nações econômicas, principalmente no que diz respeito à iniciativa

privada. Essa relação está diretamente relacionada e exerce influências na

área educacional, inclusive por meio das políticas vigentes na área. Dessa forma,

quando se propõe problematizar a qualidade na educação na perspectiva do

modelo neoliberal sabe-se que o que se considera, de forma majoritária, são

fatores relacionados a preparação para o trabalho / para o mercado. Nesse sentido,

as autoras discorrem um pouco sobre o papel da escola, que induzida pelo modelo

neoliberal acaba deixando de lado a formação integral dos sujeitos para priorizar a

formação da força de trabalho “qualificado” para o mercado.

A partir da apresentação dos vinte e três textos, imbricados à temática

central desse e-book, compreende-se a produção de movimentos de reflexão

crítica acerca do campo educacional, o qual oportuniza o diálogo e interlocução na

perspectiva da qualidade, das políticas públicas e da gestão. Outrossim, esses

movimentos inscrevem-se, particularmente, nos contextos da educação básica e

superior, sublinhando a qualidade no cotidiano do trabalho docente e na práxis

pedagógica. Espera-se que esta obra propicie aprendizagens e diferentes

interpretações. Boa leitura!

Marilene Gabriel Dalla Corte

Andrelisa Goulart de Mello

Joacir Marques da Costa

(Organizadores)

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POLÍTICAS CURRICULARES PARA A SOCIOLOGIA: DOCUMENTOS OFICIAIS E

SENTIDOS DA PRÁTICA NA BUSCA DA QUALIDADE DO ENSINO

Joana Elisa Röwer1

Jorge Luiz da Cunha2

INTRODUÇÃO

A reintrodução da obrigatoriedade da disciplina de Sociologia como

componente curricular em todos os anos do ensino médio dada pelo Decreto Lei

11.684 de 02 de junho de 2008 alterou a grade curricular das escolas de educação

básica e fomentou a discussão sobre os conteúdos curriculares desta disciplina,

sobre a formação de professores de Sociologia, sobre didáticas e metodologias,

sobre as relações entre educador e educando nas aulas de Sociologia, sobre seus

objetivos, sentidos e especificidades. As recentes publicações científicas sobre o

ensino de sociologia, como as sessões temáticas e os dossiês de periódicos

nacionais, assim como os debates desenvolvidos pela Associação Brasileira de

Ensino de Sociologia (ABECS) e os Encontros Nacionais sobre o Ensino de

Sociologia na Educação Básica (2009, 2011, 2013) configuram a qualidade e a

necessidade do desenvolvimento de pesquisas sobre essa temática.

Em que medida os textos de orientação curricular para a Sociologia

apresentam tendências ou divergências curriculares para o ensino na educação

básica, constituiu-se como questão de pesquisa. O objetivo central versa sobre

identificar, analisar e compreender as relações entre textos de orientação curricular

para o ensino de Sociologia/Ciências Sociais na educação básica, a partir da Lei

11.684 de 2008. Assim, um dos seus objetivos específicos refere-se à construção de

uma história recente das políticas de orientação curricular para o ensino de

Sociologia na educação básica. Como pesquisa documental este texto apresenta

análises das Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2006) e o

livro Sociologia da coleção Explorando o Ensino (2010), lançados pelo Ministério da

1 Licenciada em Sociologia (UFSM). Bacharel em Ciências Sociais (UFSM). Especialista em Gestão

Educacional (UFSM). Mestre em Educação (UFSM). Doutoranda em Educação (UFSM). E-mail: <[email protected]> 2. Licenciado em Estudos Sociais, História e Geografia (FISC). Mestre em História Social do Brasil (UFPR). Dr. em História Medieval e Moderna Contemporânea (Universitat Hamburg). Líder do Núcleo de Estudos sobre Memória e Educação – Clio/UFSM. Professor Titular da UFSM. E-mail: <[email protected]>

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Educação, pois este é compreendido como um complemento as OCEM (2006). As

análises realizadas focam os agentes construtores, os sentidos, os conteúdos, a

linguagem e as indicações didático-metodológicas. É pertinente destacar que o livro

Sociologia antecede a inclusão dos livros de Sociologia pelo Programa Nacional do

Livro Didático - PNLD, inclusos pela primeira vez no ano de 2012, porém sua análise

serve para visualizar como textos de orientação curricular lançados pelo Ministério

da Educação na circularidade ou não dos construtores podem apresentar suas

tendências e diferenças. Nesse sentido, espera-se que possamos contribuir com o

desenvolvimento das pesquisas sobre o ensino de Sociologia na busca de uma

qualidade do ensino escolar.

METODOLOGIA

Tendo por base Prodanov e Freitas (2013), compreendemos que esta pesquisa

em relação à abordagem do problema constitui-se como qualitativa. Em relação aos

seus objetivos caracteriza-se como uma pesquisa descritiva, na medida em que,

realiza um levantamento, ou seja, registra, analisa e ordena dados, ao observar a

frequência e as relações entre os objetos de análise. No caso, os agentes

construtores, os sentidos, os conteúdos, a linguagem e as indicações didático-

metodológicas para a Sociologia no ensino médio nos documentos e programas

didáticos selecionados. Em relação aos procedimentos técnicos se caracteriza como

uma pesquisa documental, pois tem como objeto documentos e textos educacionais,

oficiais e públicos, sendo analisados em relação aos objetivos da pesquisa.

A pesquisa documental “é destacada no momento em que podemos organizar

informações que se encontram dispersas, conferindo-lhe uma nova importância

como fonte de consulta” (PRODANOV & FREITAS, 2013, p. 56). Nesse sentido,

este trabalho congrega textos de construção dos conteúdos curriculares da

Sociologia a fim de visualizar suas convergências e dissonâncias.

O desenvolvimento da pesquisa ocorreu através de uma análise comparativa

de dois documentos de orientação curricular de caráter nacional, sobre o ensino de

Sociologia na educação básica, lançados pelo Ministério da Educação e construídos

em relação, a saber: as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, no

Volume de Ciências Humanas e suas Tecnologias, relacionados aos

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“Conhecimentos de Sociologia” (OCEM, 2006); e, o livro Sociologia: ensino médio da

Coleção Explorando o Ensino (2010).

DESENVOLVIMENTO: TEORIA, ANÁLISE E REFLEXÃO

Os documentos oficiais como as OCEM (2006) assim como o livro Sociologia

(2010) da Coleção Explorando o Ensino, distribuídos pelo MEC, aqui analisados,

constituem-se como referências curriculares, não tendo força de lei, como explicam

Menezes e Santos (2002). Apesar de terem caráter nacional, não possuem

obrigatoriedade de implementação, sendo interpretados pelas redes de ensino. No

entanto, tais características autorizam inferir que apesar de podermos lançar

algumas considerações sobre a construção curricular da sociologia para o Ensino

Médio e a sua história recente, após a obrigatoriedade dada pela Lei 11.684 de

2008, estas podem ser ponderadas como tendências e também como concepções

de determinados grupos envolvidos na construção dos saberes disciplinares, haja

vista, a dinamicidade que a educação é detentora entre os textos e as práticas e

linguagens cotidianas de sala de aula.

O grupo de construtores das OCME (2006), gestado no governo do Partido dos

Trabalhadores, no que tange a Sociologia, contou com professores pesquisadores

com ampla produção sobre o ensino de Sociologia e envolvidos na luta pela

obrigatoriedade da Sociologia na escola, como Amaury Cesar Moraes (USP),

Elisabeth da Fonseca Guimarães (UFU) e Nélson Dácio Tomazi (UEL, UFP e

escritor de livros didáticos para a Sociologia no ensino médio), sendo uma das

leitoras críticas a Professora Ileizi Luciana Fiorelli Silva (UEL), o que revela, por

exemplo, o seu tratamento como disciplina curricular e a problematização sobre a

redução da finalidade da sociologia compreendida como formação para a cidadania

e apresenta outros efeitos que a disciplina pode ter na educação básica.

Em 2010 é lançado pelo Ministério da Educação o livro Sociologia: ensino

médio da Coleção Explorando o Ensino, o texto que contou com a participação de

alguns dos autores das OCEM (2006), como o Professor Amaury Cesar Moraes

(USP), organizador da obra e, outros professores-pesquisadores reconhecidos da

área do Ensino de Sociologia como Ileizi Luciana Fiorelli Silva (UEL) e da

Antropologia como a Professora Cláudia Fonseca (UFRGS), é posto como um texto

de orientação para os professores, no sentido de aprimoramento do ensino da

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Sociologia e das atividades didáticas. O texto que segue as concepções das OCEM

(2006) e que foi escrito por professores que participaram da formulação das OCEM

(2006) e por especialistas da área das Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia e

Ciência Política), é percebido como um complemento as OCEM (2006) decorrente

da própria dinâmica de implementação da Sociologia no ensino médio. O livro não

constitui um programa de ensino, mas um auxílio para a elaboração de propostas

programáticas para a escola.

Se adotarmos uma perspectiva histórica do desenvolvimento e da

compreensão das intermitências da institucionalização da Sociologia na educação e

do modo como os documentos educacionais são formulados, poderemos perceber

que a institucionalização da Sociologia como disciplina escolar está relacionado as

concepções e ideologias de determinado tempo político, mas também dos atores

envolvidos e que possuem a capacidade de gestar, intervir, influir, sugestionar nos

espaços de decisões políticas e construção dos textos oficiais. Assim, os textos de

orientação curricular revelam tanto a política nacional como as concepções dos

diferentes grupos de agentes de formulação/redação destes textos.

Em relação às possíveis contribuições da Sociologia no ensino médio as

OCEM (2006) indicam: aproximar o jovem da linguagem sociológica; estruturar,

sintetizar e codificar os debates de temáticas sociais de relevância histórica ou

contemporânea; modificar concepções de mundo pela compreensão de diversas

pesquisas sobre o social que revelam outras realidades e interpretações; e,

reconstruir e desconstruir modos de pensar. Em relação aos objetivos as OCEM

(2006), pontuam como papel central da Sociologia, além da contribuição na

formação da criticidade e da cidadania, expostas pelos PCNEM (1999), o

desenvolvimento dos processos de estranhamento e desnaturalização.

Segundo as OCEM (2006) o estranhamento significa, de modo geral, pôr em

evidência os fatos cotidianos e interpretá-los como objetos de estudo da Sociologia

ao compreender as causas, as regularidades e como estes influenciam os

indivíduos. A desnaturalização significa compreender as regras, as normas, os

valores, as instituições sociais no seu processo histórico e dinâmico. As OCEM

(2006, p. 107) afirmam que “só é possível tomar certos fenômenos como objeto da

Sociologia na medida em que sejam submetidos a um processo de estranhamento,

que sejam colocados em questão, problematizados”.

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Carvalho Filho (2014) ao discorrer sobre a Sociologia no ensino médio situa,

como as OCEM, o estranhamento e a desnaturalização como seus princípios

epistemológicos que a caracterizam como uma ciência compreensiva e explicativa:

O estranhamento [...] significa admiração, espanto, a primeira condição se colocar a questão inicial: por quê? O que faz isso ser assim e não de outra forma? Essa postura suscita explicação, e a busca da explicação possibilita consequentemente a desnaturalização do mundo das coisas. (CARVALHO FILHO, 2014, p. 72).

O livro Sociologia também pontua como princípios epistemológicos da

Sociologia no ensino médio o desenvolvimento do estranhamento e da

desnaturalização. Há no texto um delineamento e um reforço desses princípios

como uma “disposição necessária” no dizer de Moraes (2010, p.46). Contudo,

compreendemos que estranhamentos e desnaturalizações são possibilidades de

sentidos, objetivos e efeitos da Sociologia como disciplina escolar, como sentidos da

prática. Há no livro Sociologia uma subseção dedicada a definição destes conceitos-

processos o que revela a ênfase dada a eles. Moraes (2010) que discorre sobre o

estranhamento e a desnaturalização, dá a seguinte definição do que é estranhar:

Estranhar, portanto, é espantar-se, é não achar normal, não se conformar, ter uma sensação de insatisfação perante fatos novos ou do desconhecimento de situações e de explicações que não se conhecia. Estranhamento é espanto, relutância, resistência. Estranhamento é uma sensação de incômodo, mas agradável incômodo – vontade de saber mais e entender tudo –, sendo, pois, uma forma superior de duvidar. Ferramenta essencial do ceticismo. Problematizar um fenômeno social é fazer perguntas com o objetivo de conhecê-lo: “– Por que isso ocorre?” “– Sempre foi assim?” “– É algo que só existe agora?”. [...]Estranhar situações conhecidas, inclusive aquelas que fazem parte da experiência de vida do observador, é uma condição necessária às Ciências Sociais para ultrapassar – ir além – interpretações marcadas pelo senso comum, e cumprir os objetivos de análise sistemática da realidade. (MORAES, 2010, p. 46).

Estranhar e desnaturalizar são processos interligados, pois se estranhar é pôr

em evidência ao perguntar “Por quê?”, desnaturalizar significa procurar compreender

as interpretações e explicações sobre as relações sociais de modo não naturalizado,

ou seja, compreender a historicidade dos fenômenos sociais e compreendê-los

como decorrentes das razões humanas, das ações humanas, isto é, como produtos

culturais-sociais. O estranhamento e a desnaturalização recaem tanto sobre os

fenômenos sociais como sobre as explicações desses fenômenos, assim

proporciona estados de suspensão de saberes e procura por outras compreensões,

em processos sempre dinâmicos.

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Em relação aos conteúdos, as Orientações Curriculares Nacionais para o

Ensino Médio (2006), no Volume de Ciências Humanas e suas Tecnologias,

relacionados aos “Conhecimentos de Sociologia” de modo diverso do que propõem

para as demais disciplinas curriculares das Ciências Humanas (Filosofia, Geografia

e História) não seleciona conteúdos, mas apresenta uma análise de possíveis

recortes programáticos, metodologias e recursos didáticos. O foco é o tripé

conceitos-temas-teorias postos como mutuamente referentes, na relação com o

contexto social dos educandos e na problematização da realidade.

Neste sentido de articulação em que o educador determina a ênfase ou a

referência a um deles para, posteriormente, elaborar as correlações, é que as

OCEM (2006) lançam algumas indicações de conceitos, temas e teorias a serem

trabalhados no Ensino Médio, embora ressaltem as possíveis vantagens e

desvantagens das escolhas realizadas.

Conceitos: burguesia; ideologia; indivíduo; sociedade; trabalho; produção;

classe social; poder; dominação; cultura; mudança social;

Temas: questão racial; etnocentrismo; preconceito; violência; sexualidade;

gênero; meio ambiente; cidadania; direitos humanos; religião e religiosidade;

movimentos sociais; meios de comunicação de massa;

Teorias: teoria funcionalista; teoria marxista; teoria compreensiva; teoria

fenomenológica; teoria estruturalista; teoria dialética.

Contudo, mesmo as OCEM (2006) ao apresentar os conteúdos como uma

proposta de trabalho e não como um programa fechado, como também destacam

Casão e Quinteiro (2007), representa sentidos, concepções e funcionalidades que

constituem os campos curriculares. Como expõe Apple (2011, p.71):

O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam o povo.

Da mesma forma, o livro Sociologia (2010) mesmo ao apresentar-se como um

subsídio aos professores e não como um programa de ensino revela o delineamento

curricular que a Sociologia vem adquirindo. A postura assumida pelos construtores

dos textos de orientação curricular, como os analisados, de não apresentarem

delimitações, mas possibilidades, insere-se na dualidade de não oferecer currículos

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prescritivos ao mesmo tempo em que há a necessidade de compor conteúdos e

metodologias, pois também é a especificidade que dá sentido a disciplina na escola.

Goodson (2007) defende a necessidade da mudança das políticas públicas

curriculares, de um currículo prescritivo para um currículo como identidade narrativa,

“de uma aprendizagem cognitiva prescrita para uma aprendizagem narrativa de

gerenciamento da vida” (GOODSON, 2007, p. 242). Duas questões centrais são

pontuadas: a ineficiência do currículo prescritivo na flexibilização do mundo do

trabalho e a necessária relação entre aprendizagens e histórias de vida como

possibilidade de sentido ao aprendido e assim de transformação de si e do social.

Para este autor, a qualidade do ensino não se resume a propor novas orientações

curriculares, pois as disciplinas escolares não são construídas de modo

desinteressado, tendo uma estreita relação entre prescrição e poder, mas é

necessário ocorrer alterações na estrutura das orientações tendo como primeiro foco

o sujeito em si e para si e não a construção de um sujeito para uma coletividade.

Contudo, como Goodson (2007) pontua as reflexões sobre um currículo narrativo

estão no começo e assinalamos que as orientações que se apresentam, encontram-

se na perspectiva de saber da sua não neutralidade, de não querer ser prescritiva,

mas na impossível tarefa de não delimitar e por isso produtora de exclusões.

Nesse sentido, os temas das Ciências Sociais propostos pelo livro Sociologia

(2010), são: (1) A juventude no contexto do ensino da sociologia: questões e

desafios; (2) Trabalho na sociedade contemporânea; (3) A Violência: possibilidades

e limites para uma definição; (4) Religião: sistema de crenças, feitiçaria e magia; (5)

Diferença e Desigualdade; Sociologia, Tecnologias de Informação e Comunicação;

(6) Cultura e alteridade; (7) Família e parentesco; Grupos étnicos e etnicidades; (8)

Democracia, Cidadania e Justiça; Partidos, Eleições e Governo; (9) O Brasil no

sistema internacional.

Se comparados os conteúdos das OCEM (2006) e o livro Sociologia (2010)

pode-se perceber ausências de conteúdos indicados pelas OCEM (2006) no livro

Sociologia (2010), assim como também outras perspectivas. A opção temática do

livro Sociologia não é justificada a não ser por ser temas de pesquisa dos

professores universitários que redigiram os capítulos. Tal justificativa é superficial e

mascara, por não se colocar como um programa, mas um subsídio aos professores

do ensino médio, o que Goodson (2007) pontua nas políticas curriculares da relação

entre prescrição e poder. A escolha de uma ênfase dos conteúdos e a justificativa da

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mesma deve ser permeada por questões do campo teórico das Ciências Sociais,

enquanto ciência; da história e dos contextos sociais-culturais, dos objetivos da

educação e, em específico, das Ciências Sociais como disciplina escolar; e, as

características do desenvolvimento e de aprendizagem dos jovens e adolescentes

do ensino escolar. Embora os temas compreendam grande parte das sugestões das

OCEM (2006) há ausências de explicações conceituais e delineamentos teóricos, no

sentido da sua historicidade.

Assim, para ressaltar, o livro Sociologia (2010) corresponde aos conteúdos

das Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia e Ciência Política) e, ao contrário das

OCEM (2006) realiza uma escolha programática, apesar de não querer se identificar

como um programa, como já citado, ao elencar como foco os temas das Ciências

Sociais, servindo os conceitos e teorias para compreendê-los. O texto quer ser um

subsídio para os professores deixando em aberto a possibilidade de negociações de

acordo com as características do sistema de ensino específico. Contudo, podemos

perceber alguns delineamentos: (1º) a ênfase temática para o ensino de Sociologia

(Ciências Sociais) no Ensino Médio; (2º) a importância dada às três áreas das

Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia e Ciência Política); (3º) um olhar para a

juventude; (4º) uma perspectiva de temas contemporâneos; e (5º) indicações

didático-metodológicas, sugestões práticas de construção das aulas de Sociologia.

Contudo, como afirma Lopes (2004, p. 111):

Toda política curricular é constituída de propostas e práticas curriculares e como também as constitui, não é possível de forma absoluta separá-las e desconsiderar suas inter-relações. Trata-se de um processo de seleção e de produção de saberes, de visões de mundo, de habilidades, de valores, de símbolos e significados, portanto, de culturas capaz de instituir formas de organizar o que é selecionado, tornando-o apto a ser ensinado [...] toda política curricular é uma política cultural, pois o currículo é fruto de uma seleção da cultura e é um campo conflituoso de produção de cultura, de embate entre sujeitos, concepções de conhecimento, formas de entender e construir o mundo.

As OCEM (2006) ainda chamam a atenção sobre o tipo de linguagem a ser

utilizada, como citado abaixo:

(...). A linguagem da Sociologia não nos deve passar despercebida, sob pena não só de um empobrecimento do que é ensinado e aprendido, mas sobretudo de se passar a idéia de que existiria uma “linguagem dos fatos” (Popper, 1974), de que não existiria mediação entre o sujeito e o mundo, ou mesmo que a linguagem da Sociologia fosse “transparente” e não constituísse um problema sociológico. (OCEM, 2006, p. 109).

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A linguagem específica da Sociologia é construída a partir do momento que ela

constitui-se como um saber especializado sobre a explicação dos fenômenos

sociais, através de metodologias e processos de codificação/tradução próprios. O

desenvolvimento desta área do conhecimento permitiu tanto a apropriação de

paradigmas e conceitos comuns a várias disciplinas como cultura, estrutura, sistema;

a re-interpretação de fenômenos sociais como conflitos, ideologias, assim como, a

construção de conceitos próprios como anomia e carisma, o que configura a

linguagem sociológica. Não se pode perder de vista que a Sociologia é detentora de

uma linguagem específica, advinda de um campo específico do saber no qual ela

deve ser compreendida pelos estudantes para que esses possam repensar e recriar

a realidade a partir destes conhecimentos, mas também que estes devem ser

levados a compreender a linguagem sociológica inserindo-se em outros processos

discursivos e interpretativos. Dessa forma, a aquisição da linguagem sociológica é

inerente à interpretação dos contextos e relações sociais.

Essa afirmação embasa-se na perspectiva histórico-cultural de Vygostky (1989)

da relação entre pensamento e linguagem em que a relação entre o pensamento e a

palavra constitui-se como um processo, uma dinâmica contínua, em que o

pensamento nasce através das palavras. Assim, as palavras exercem função central

no desenvolvimento do pensamento e da consciência, na medida em que, toda

palavra representa uma consciência e que a própria estrutura da língua influencia o

modo como percebemos o mundo e a nós mesmos. O conceito de mediação

pedagógica torna-se central no processo educativo, compreendido o professor como

um mediador no processo de construção do conhecimento, de forma ativa e crítica

(MENEZES & SANTOS, 2002). Os recursos didáticos e as práticas de ensino

constituem também esse exercício da mediação pedagógica, pois esta também se

realiza diante dos instrumentos de ensino para que os estudantes consigam

significar e atribuir sentidos entre conhecimentos e contextos.

Dessa forma, em relação às práticas de ensino e os recursos didáticos as

OCEM (2006) no que tange a Sociologia indicam aulas expositivas mescladas com

seminários; excursões, visitas a museus, parques ecológicos; leitura e análise de

textos; cinema, vídeo; fotografias; charges, cartuns e tiras; como dispositivos de

reflexão, compreensão e construção dos conhecimentos sociológicos. A realização

de pesquisas pelos estudantes é posta como ponto central e como critério de

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qualidade do ensino de sociologia, pois a pesquisa sobre o social constitui-se como

especificidade e legitima a própria Sociologia como ciência.

No livro Sociologia (2010) em relação às sugestões metodológicas e os

recursos didáticos é dada ênfase a pesquisa na variabilidade da sua natureza, dos

seus objetivos e dos seus procedimentos técnicos, ressalvadas as limitações da sua

realização na dinâmica escolar. Todos os nove temas apresentados pelo livro

Sociologia (2010) apresentam uma ou mais sugestões de possibilidades de

pesquisa, seja a pesquisa de opinião, pesquisa histórica, realização de enquetes,

pesquisa documental, realização de entrevistas, pesquisa em dados estatísticos,

investigação etnográfica. O segundo maior recurso didático indicado é a utilização e

análise de filmes e documentários; seguido de análises de músicas; leitura e análise

de textos; uso de fotografias; dinâmicas e exercícios de sensibilização. Excetuando

a sugestão de visitação a comunidades indígenas e quilombolas não há outras

referências de excursões, visitas a museus e parques ecológicos, como orientado

nas OCEM (2006).

Os recursos didáticos podem ser compreendidos como dispositivos de reflexão

e como meios de compreensão de determinados assuntos/conteúdos. Dessa forma,

práticas de ensino, recursos, conteúdos, sentidos e objetivos necessitam ser

aspectos coerentes entre si no desenvolvimento das aprendizagens. Ademais, os

recursos didáticos podem aparecer como meios de problematizar os contextos de

vida dos estudantes na perspectiva da relação entre a base nacional comum e a

parte diversificada. Dessa forma, assinalamos que a qualidade da implementação

das políticas públicas curriculares também decorre da reflexão sobre os recursos

didáticos, na medida em que, eles contribuem para as aprendizagens dos conteúdos

curriculares. Como afirma Lopes (2004, p. 111) ao dizer que a política curricular é

“uma política de constituição do conhecimento escolar: um conhecimento construído

simultaneamente para a escola (em ações externas à escola) e pela escola (em

suas práticas institucionais cotidianas)”. Ou seja, o currículo é dinâmico e constroem-

se em negociações e hibridismos entre práticas, contextos, leis, sentidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises das OCEM (2006) e do livro Sociologia (2010) indicaram: (1) a

construção de redes humanas de gestão/construção dos textos oficiais; (2) a ênfase

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no desenvolvimento do estranhamento e desnaturalização como objetivo e sentido

da Sociologia na escola; (3) um percurso de tendência temática para o ensino de

Sociologia/Ciências Sociais por parte dos textos de orientação curricular; (4) a

necessária aquisição da linguagem sociológica pelos estudantes; e, (5) em relação

às indicações didático-metodológicas o destaque e a defesa da realização de

pesquisas pelos alunos no ensino médio. As conclusões versam sobre compreender

que as tendências e os delineamentos das políticas curriculares para a

Sociologia/Ciências Sociais na educação básica ilustram a dicotomia entre não

construir currículos prescritivos e a necessidade da disciplinarização e descrição

curricular rumo a sua legitimação e reconhecimento social.

REFERÊNCIAS

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A GESTÃO DO/NO PROEJA: EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS DE UMA

REALIDADE

Mariglei Severo Maraschin1

Vanessa Lago Sari2

Liliana Soares Ferreira3

INTRODUÇÃO

O estudo exposto neste artigo objetiva mostrar a importância da Gestão de

uma Escola Técnica Federal na implantação e na manutenção de um programa para

a EJA e a Educação Profissional – PROEJA - que surgiu em forma de decreto no

5.478 de 24/06/2005 e que surpreendeu a todos que deveriam incluí-la em suas

instituições. A realidade que trazemos aqui, diz respeito a uma Escola Técnica

Federal, vinculada a Universidade Federal de Santa Maria a qual é composta por 67

docentes, 28 técnicos administrativos e 1.800 alunos distribuídos em 13 cursos

técnicos e superiores (e estagiários). O PROEJA nesta instituição possui somente

um curso que recebe um público bastante heterogêneo que vai desde os dezoito aos

quase cinquenta anos de idade. Os alunos, oriundos de escolas públicas, ingressam

no curso em busca de uma melhoria em sua vida profissional. Muitos não

frequentam uma sala de aula há muitos anos, pois tiveram de interromper seus

estudos para poderem trabalhar. Outros, no entanto, são alunos jovens que saíram

da EJA de uma escola pública e resolveram dar continuidade aos estudos

concluindo o ensino médio e, com ele, um curso técnico.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E METODOLOGIA

A pesquisa realizada baseia-se no método histórico-dialético, que define que

baseado no conhecimento na sua forma mais contemporânea, é que se pode

compreender a realidade e a própria ciência na sua historicidade.

Os processos de trabalho e as tecnologias correspondem a momentos da evolução das forças materiais de produção e podem ser tomados como um

1 Pedagoga. Mestre em Educação. Doutoranda em Educação PPGE/UFSM. Professora do

CTISM/UFSM. E-mail: <[email protected]> 2 Professora de Letras. Mestranda em Educação PPGE/UFSM. Professora da Rede Particular de Uruguaiana. E-mail: <[email protected]> 3 Doutora em Educação. Professora do PPGE/UFSM. E-mail: <[email protected]>

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ponto de partida histórico e dialético para o processo pedagógico. Histórico porque o trabalho pedagógico fecundo ocupa-se em evidenciar, juntamente aos conceitos, as razões, os problemas, as necessidades e as dúvidas que constituem o contexto de produção de um conhecimento. A apreensão de conhecimentos na sua forma mais elaborada permite compreender os fundamentos prévios que levaram ao estágio atual de compreensão do fenômeno estudado. Dialético porque a razão de estudar um processo de trabalho não está na sua estrutura formal e procedimental aparente, mas na tentativa de captar os conceitos que o fundamentam e as relações que o constituem. Estes podem estar em conflito ou ser questionados por outros conceitos. (RAMOS, 2009, p. 4)

Nesse contexto, o objetivo desse estudo foi verificar a gestão e a experiência

de implantação do PROEJA em uma Escola Técnica Federal a partir das falas dos

gestores. Com isso, buscou-se conhecer a história e o processo dialético de

construção e implementação desta política. Dessa forma, busquei discutir a gestão,

o PROEJA e a relação entre estas duas categorias na práxis. Entende-se aqui por

práxis

[...] a ação, a atividade, e , no sentido que lhe atribui Marx, à atividade livre, universal, criativa e auto-criativa, por meio da qual o homem cria (faz, produz), e transforma (conforma) seu mundo humano e histórico e a si mesmo; atividade específica ao homem, que o torna basicamente diferente de todos os outros seres. (BOTTOMORE,1997).

Considerando-se o fato de que o ser humano é capaz de criar e transformar o

meio em que vive, é possível afirmar que após um tempo de implementação do

programa pode-se criar, repensar, retomar e reconstruir algumas práticas referentes

ao às questões envolvidas, tanto de seleção, quanto de manutenção (formas de

avaliação, currículo integrado, etc) e permanência (índices de evasão) do programa.

Assim sendo, é perceptível o papel da gestão na manutenção do programa,

levando em consideração que, é através das discussões e reconstruções, que se

pode realizar melhorias e cooperar para que o programa obtenha sucesso. É através

da capacidade de criar e transformar o mundo que o homem pode transformar

também a realidade em que está inserido.

Diante disso, este estudo constituiu-se de forma que a equipe gestora de uma

Escola Técnica Federal fosse ouvida, relatando, através de uma entrevista semi-

estruturada, suas experiências, tanto de implantação do programa como de

manutenção, suas principais experiências e quais são os maiores desafios

encontrados para dar continuidade ao PROEJA. Foram ouvidos o diretor da

instituição, o vice-diretor, o diretor de ensino e o coordenador do PROEJA e, a partir

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dos relatos de cada um, foi possível elencar alguns fatores importantes que, nas

palavras dos entrevistados, podem levar ao sucesso ou ao fracasso do programa.

Para Triviños (1987) a entrevista semi-estruturada tem como característica

questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se

relacionam ao tema da pesquisa. Os questionamentos dariam frutos a novas

hipóteses surgidas a partir das respostas dos informantes. O foco principal seria

colocado pelo investigador-entrevistador. Complementa o autor, afirmando que a

entrevista semi-estruturada “[...] favorece não só a descrição dos fenômenos sociais,

mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade [...]” além de

manter a presença consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta de

informações (TRIVIÑOS, 1987, p. 152).

A entrevista semi-estruturada é uma das formas para produzir dados. Ela se

insere em um espectro conceitual maior que é a interação propriamente dita que se

dá no momento da coleta. Nesse sentido, a entrevista pode ser concebida como um

processo de interação social, verbal e não verbal, que ocorre face a face, entre um

pesquisador, que tem um objetivo previamente definido, e um entrevistado que,

supostamente, possui a informação que possibilita estudar o fenômeno em pauta, e

cuja mediação ocorre, principalmente, por meio da linguagem.

Na proposição objetivada a esse fim, utilizou-se da Análise de Conteúdo. Os

procedimentos para essa técnica se constituem basicamente em: pré-análise,

exploração do material, tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

Para o processo inicial de análise, tem-se a “fase despreocupada”, contudo

organizativa. Esta, denominada como leitura flutuante, que, como a própria

caracterização suscita, é um olhar geral que o pesquisador lança sobre os dados e,

em decorrência busca genericamente pensar como poderá organizar, em blocos, as

informações pertinentes e os sentidos constituídos. Nesta fase, realizou-se a

transcrição das entrevistas e organizou-se em blocos conforme as categorias:

histórico do PROEJA na Instituição, organização da gestão dos cursos PROEJA, o

papel da gestão na implantação dos cursos, as dificuldades na implantação dos

cursos, as principais experiências e, por fim, os desafios da gestão na

implantação/continuidade do programa.

Em um segundo momento, já transpostas a pré-análise e a exploração do

material, passou-se o tratamento dos dados, que se constitui pelas inferências que,

em síntese, compõem a necessidade de induzir a partir dos fatos. Todavia, para

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alcançar esse processo de análise é necessário codificá-lo, ou seja, transformá-lo,

dar o salto de processos meramente pragmáticos, próprios de sua organização

inicial, para o seu tratamento em análise.

Assim, neste estudo, organizou-se um referencial teórico sobre gestão e

PROEJA e, após, a análise das entrevistas considerando o processo dialético da

implantação e gestão do PROEJA na realidade pesquisada.

A gestão surgiu como forma de buscar valorizar a administração no ambiente

de trabalho, no intuito de tentar superar as suas fragilidades de modo que, ao ser

orientada por princípios democráticos, pudesse reconhecer a importância da

participação consciente e esclarecida de todos os envolvidos no processo de

organização educacional.

A gestão democrática é entendida como a participação efetiva dos vários

segmentos da comunidade escolar, pais, professores, estudantes e funcionários na

organização, na construção e na avaliação dos projetos pedagógicos, na

administração dos recursos da escola, enfim, nos processos decisórios da escola.

Portanto, tendo mostrado as semelhanças e diferenças da organização do trabalho

pedagógico em relação a outras instituições sociais, enfocamos os mecanismos

pelos quais se pode construir e consolidar um projeto de gestão democrática na

escola.

Para Janela Afonso (2010) a gestão é entendida como órgão que

operacionaliza e implementa as orientações e políticas da instituição, podendo ser

centralizadora, controladora, produtivista, competitiva e de modo geral, atrelada a

demandas do mercado ou de outro modo, democrática, autônoma e participativa, o

que eleva o seu compromisso com os interesses da coletividade.

Nesse sentido, está posto no Plano Nacional de Educação que “a gestão deve

estar inserida no processo de relação da instituição educacional com a sociedade,

de tal forma a possibilitar aos seus agentes a utilização de mecanismos de

construção e de conquista da qualidade social na educação (BRASIL, 2001)”.

Para Dourado (2006) a gestão democrática, como instrumento de participação

e autonomia, é um processo contínuo que almeja a transformação da instituição e da

própria sociedade na qual está inserida.

Nesta direção, entendemos que a gestão democrática não se constrói somente

com a vontade de mudar, mas requer o reconhecimento do contexto na qual a

instituição, de modo especial neste estudo, a universidade, está inserida, pois as

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políticas externas embora anunciem a importância da gestão democrática, de outro

modo, engessam, essa construção, quando não disponibilizam recursos suficientes,

quando intensificam o trabalho dos profissionais, quando atrelam os Projetos

Pedagógicos aos interesses do mercado, dentre outros fatores corrosivos à

implementação de um processo participativo com exercício da autonomia. Também,

os sujeitos educacionais, em especial os gestores, precisam reconhecer-se como

profissionais e/ou estudantes ativos e comprometidos com o desenvolvimento da

sociedade em primeira instância e não com o mercado.

Para Dourado,

[...] a gestão democrática é entendida como processo de aprendizado e de luta política que não se circunscreve aos limites da prática educativa, mas vislumbra, nas especificidades dessa prática social e de sua relativa autonomia, a possibilidade de criação de canais de efetiva participação e de aprendizado do “jogo” democrático e, consequentemente, do repensar das estruturas de poder autoritário que permeiam as relações sociais e, no seio dessas, as práticas educativas (DOURADO, 2006, p. 79).

A gestão democrática, portanto, não está construída e determinada, mas é um

processo em construção que se contrapõe às políticas neoliberais que reduzem a

autonomia à possibilidade da universidade buscar novas formas de aquisição de

recursos no mercado. Uma gestão democrática requer a presença do Estado a

serviço da instituição pública, gratuita e de qualidade, que conjuntamente com a

sociedade, possa reorientar as suas ações pelas escolhas de prioridades advindas

das demandas sociais, além do que os compromissos políticos educacionais devem

refletir os interesses da maioria e não de pequenos grupos políticos e econômicos

defensores da universidade gerida por grupos empresariais e pautada sob princípios

economicistas.

Diante desta realidade, surge então a Educação de Jovens e Adultos, EJA,

que, em síntese, trabalha com sujeitos marginais ao sistema, com atributos sempre

acentuados em consequência de alguns fatores adicionais, como raça/etnia, cor,

gênero, entre outros. De acordo com o Documento Base do PROEJA, negros,

quilombolas, mulheres, indígenas, camponeses, ribeirinhos, pescadores, jovens,

idosos, subempregados, desempregados, trabalhadores informais são emblemáticos

representantes das múltiplas apartações que a sociedade brasileira, excludente,

promove para grande parte da população desfavorecida econômica, social e

culturalmente (BRASIL, 2007).

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De acordo com o Documento Base do PROEJA Médio, a sociedade brasileira

ainda não conseguiu reduzir as desigualdades socioeconômicas e muitas famílias

são obrigadas a buscar no trabalho das crianças uma alternativa para ajudar a

compor a renda mínima. Dessa forma, rouba-se o tempo da infância e o tempo da

escola das crianças que retornam, mais tarde, à EJA, por perceberem a falta que faz

a escolaridade em suas vidas. Inúmeras vezes, ao buscarem trabalho, acabam por

dar-se conta da falta que a escolaridade faz, refletindo diretamente nos postos de

trabalho disponíveis, desobrigando, assim, o sistema capitalista da responsabilidade

que lhe cabe pelo desemprego estrutural (BRASIL, 2007).

Demerval Saviani, ainda na década de 80, defende o acesso cultural e

educacional nos mesmos moldes que tem as classes dominantes, ou seja, o acesso

a todo patrimônio cultural produzido pela humanidade, mas que está concentrado

nas elites, que dele se apropriou: “o dominado não se liberta se ele não vier a

dominar aquilo que os dominantes dominam” (SAVIANI, 1986). Assim, no interior

dos embates que há décadas se estabeleceu entre duas concepções: aquela que

defende a formação integral e outra que defende a manutenção da separação entre

uma escola que ensina a pensar e outra que ensina a fazer, surge o PROEJA.

Pensado como uma alternativa para restaurar o direito à educação que foi negado a

parcela significativa da população brasileira, e inspirado nas discussões que

situamos acima, o PROEJA possui um caráter contraditório.

Nesse sentido, o que realmente se pretende é a formação humana, com

acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos

produzidos historicamente pela humanidade, integrada a uma formação profissional

que permita compreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na

busca de melhoria das próprias condições de vida e da construção de uma

sociedade socialmente justa. A perspectiva precisa ser, portanto, de formação na

vida e para a vida e não apenas de qualificação do mercado ou para ele. (BRASIL,

2007)

Além da oferta do ensino fundamental, também é possível a integração da EJA

à cursos de Educação Profissional, o que possibilita ao aluno, além de alcançar o

nível de ensino que deseja, fundamental ou médio, também uma qualificação

profissional que o permita atuar no mundo do trabalho.

Segundo o documento base do PROEJA, o primeiro princípio diz respeito ao

papel e compromisso que entidades públicas integrantes dos sistemas educacionais

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têm com a inclusão da população em suas ofertas educacionais. O princípio surge

da constatação de que os jovens e adultos que não concluíram a educação básica

em sua faixa etária regular têm tido pouco acesso a essas redes. O segundo

princípio, decorrente do primeiro, consiste na inserção orgânica da modalidade EJA

integrada à educação profissional nos sistemas educacionais públicos. Assume-se,

assim, a perspectiva da educação como direito, assegurada pela atual Constituição

no nível de ensino fundamental como dever do Estado. (BRASIL, 2007)

A ampliação do direito à Educação Básica, pela universalização do ensino

médio constitui o terceiro princípio, face à compreensão de que a formação humana

não se faz em tempos curtos, exigindo períodos mais alongados, que consolidem

saberes, a produção humana, suas linguagens e formas de expressão para viver e

transformar o mundo. Dentre os princípios do PROEJA, um deles compreende o

trabalho como princípio educativo, enquanto que a pesquisa é definida como

fundamento da formação do sujeito contemplado nessa política, por compreendê-la

como modo de produzir conhecimentos e fazer avançar a compreensão da

realidade, além de contribuir para a construção da autonomia intelectual desses

sujeitos/educandos. Por fim, considera-se as condições geracionais, de gênero, de

relações étnico-raciais como fundantes da formação humana e dos modos como se

produzem as identidades sociais. (BRASIL, 2007)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após realizado este estudo no qual buscou-se saber qual a visão dos gestores

de uma Escola Federal sobre a gestão e a experiência de implantação do PROEJA

ensino médio, pode-se afirmar que a equipe gestora possui importância, tanto na

implementação, quanto na manutenção do programa. Com base na fala dos

entrevistados, foi possível perceber que todos eles, independentemente do cargo

que ocupam, possuem uma preocupação com a manutenção do programa -

PROEJA - e, por estarem atentos a este programa, estão sempre na busca de

melhorias para o melhor andamento do mesmo.

As turmas de PROEJA que ingressam na instituição são, de fato, bastante

heterogêneas. Nas últimas edições, percebeu-se o crescente aumento de jovens na

faixa etária dos dezoito aos vinte anos, reflexo este que se dá pelo fato de, a cada

vez mais a EJA – Educação de Jovens e Adultos – transformar-se em um depósito

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de pessoas que possuem dificuldades de aprendizagem e não levam a sérios seus

estudos. Por outro lado temos pessoas que não puderam concluir seus estudos por

terem de trabalhar na idade em que deveriam estar frequentando a escola. Estes,

muitas vezes, retornam aos bancos escolares depois de muitos anos e são os que

mais possuem dificuldades em acompanhar os conteúdos trabalhados, no entanto,

são os mais persistentes diante das dificuldades.

Inicialmente, quando questionados acerca do histórico do PROEJA na

instituição, todos os entrevistados declararam que o Decreto 5.478, de 24/06/2005

foi, de início, um pouco assustador e que não se sabia como seria implantado o

PROEJA na instituição, afinal, era uma novidade e, alguns professores, por ser uma

imposição do gpverno, não reagiram bem ao programa. Nesse momento, a gestão

foi muito importante no sentido de refletir sobre a melhor forma de implantação e o

curso que seria ofertado. Aprendeu-se, aos poucos, a trabalhar com o desconhecido

e a entender a realidade de cada aluno que frequentava as aulas.

Após a implantação resolveu-se, então, por meio das reuniões com os

envolvidos, que o PROEJA teria uma coordenação individual, para gestão específica

do programa. Após ouvir a todos os relatos dos gestores entrevistados, percebeu-se

que, o motivo pelo qual o PROEJA tenha dado certo nesta instituição, foi pelo fato

de possuir uma gestão própria, que permite dar maior atenção aos alunos e,

também, aos professores envolvidos com o programa.

Diante disso, a gestão possuiu e ainda possui um papel de suma importância,

tanto na implantação do programa, quanto na manutenção do mesmo, que, graças

aos esforços conjuntos, consegue obter sucesso em todas as suas edições, fazendo

que o curso se mantenha com o passar dos anos. Outra questão relevante é o fato

de que, muitos alunos que não possuem trabalho e que, somente com o valor do

auxílio que lhes é dado não conseguem se manter, trabalham dentro da própria

instituição e recebem um auxílio por realizarem esse tipo de trabalho.

Outro ponto relevante a se destacar foram as dificuldades de implantação do

PROEJA e que, aqui, dizem respeito ao desconhecimento deste programa por parte

dos gestores da instituição. Segundo relato dos gestores, no início, muito se discutia

sobre se fariam ou não o PROEJA, no entanto, a gestão foi muito importante no

sentido de “se temos que fazer, que façamos da melhor forma possível” (Gestor C).

Tal aspecto motivou os professores e fez com que melhorias fossem feitas a cada

nova turma de PROEJA.

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Diante das melhorias com o passar dos anos, experiências surgiram e foram

compartilhadas. A primeira delas diz respeito à forma de avaliação utilizada pelos

professores. Não era possível avaliar os alunos do PROEJA levando-se em

consideração somente os conteúdos trabalhados durantes as aulas. Não se podia

fazer provas da mesma forma como os outros cursos faziam. Era preciso avaliar

além dos conteúdos e foi assim que, após muitas conversas da equipe gestora,

resolveu-se avaliar os alunos pelo seu desempenho, interesse e pela sua evolução

com o passar do semestre.

Outro aspecto relevante também diz respeito ao currículo que passou a não ser

fragmentado e que trouxe um diálogo maior entre algumas disciplinas. Essas

mudanças permitiram que os alunos pudessem fazer relações entre as disciplinas o

que torna o aprendizado mais fácil.

Por fim, tratando-se de das dificuldades encontradas para manter o programa,

a mais recorrente, analisando-se a fala dos professores, é a questão da evasão.

Segundo relatos dos gestores, muitas vezes, é preciso conversar com os pais dos

alunos ou os chefes do local onde trabalham para que incentivem o aluno a dar

continuidade aos estudos. Para os jovens que ingressam no Programa, três anos de

estudo mais o estágio demoram muito a passar. Qualquer oportunidade de emprego

que dê a eles subsídios para se sustentares já é um motivo para evadirem do curso.

Por tal motivo, o aluno só dará continuidade ao curso se ele de fato crer no curso e

nas melhorias que o mesmo pode resultar na vida de cada um. De fato, o PROEJA é

um projeto de vida. É preciso acreditar nele para que se possa usufruir de seus

benefícios.

Além do mais, o PROEJA é um desafio político, pois, com o passar do tempo,

devido ao seu alto nível de evasão, tem sido substituído por outras políticas. Neste

caso, baseado no relato dos gestores, o Pronatec vem para “suprir” esta carência

deixada pelo PROEJA. Ressalta-se que todos os profissionais envolvidos no

PROEJA o faziam por vontade própria e sem receber subsídios por estarem atuando

no programa.

Desse modo, sob opção de abordagem dialética do materislismo-histórico e

teórico-metodológico na perspectiva crítica de abordagem sobre o real, acredita-se

em primeira instância, que a criação do PROEJA deu-se para suprir a necessidade

de atender aos jovens e adultos que não puderam concluir seus estudos no período

normal por algum motivo e que, agora, retornam às salas de aula para dar

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continuidade à sua formação. O Programa cumpre este papel, no entanto, a grande

discussão está em como fazer isso da melhor forma possível, já que inúmeros

fatores contribuem para que os estudantes, muitas vezes também trabalhadores,

distanciem-se novamente da escola.

Assim sendo, conforme relatado neste estudo, a gestão educacional possui

uma importância fundamental para a permanência desses alunos em sala de aula.

Trata-se de um trabalho árduo e difícil, mas, nas palavras de um dos gestores

entrevistados, “é compensador”.

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DO ASSISTENCIALISMO A OBRIGATORIEDADE: LIMITES E POSSIBILIDADES

DE UMA EFETIVA QUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Daiane Lanes de Souza1

Guilherme Keiling²

Patrícia Miolo³

Rosane Carneiro Sarturi4

INTRODUÇÃO

A educação infantil, primeira etapa da educação básica brasileira, tem passado

nas últimas décadas por diversas reformulações, perpassando modificações na faixa

etária que atende e na obrigatoriedade do ensino.

Desde a promulgação da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL,

1996), a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a educação infantil passa a ser vista como

efetivamente uma etapa da educação, tornando-se obrigatória a partir da sanção da

Lei 12.793, de 04 de abril de 2013 (BRASIL, 2013).

Este processo de reestruturação das práticas escolares influencia tanto os

aspectos estruturais da educação infantil (como o aumento no número de vagas em

função da demanda) quanto àqueles que concernem propriamente a qualidade da

educação que é ofertada neste momento, perpassando pela formação inicial dos

profissionais que terão suas práticas escolares em instituições que ofertam

educação infantil e pela avaliação da aprendizagem dos educandos.

Zabalza (1998) aponta que o grande desafio da educação infantil hoje refere-se

a qualidade, pois, inicialmente, esta ficou em segundo plano: preocupava-se mais

com a ampliação do atendimento em creches, que se deu através de repasses de

recursos públicos a entidades filantrópicas e/ou comunitárias, que geralmente

funcionavam em condições precárias, sem formação profissional adequadas, sem

espaço físico ideal; as pré-escolas municipais aumentavam a oferta de vagas,

1 Acadêmica do curso de licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista de Graduação OBEDUC/CAPES. E-mail: <[email protected]> ² Pedagogo. Acadêmico do curso de Especialização em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: <[email protected]> ³ Pedagoga. Acadêmica do curso de Especialização em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: <[email protected]> 4 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Adjunta do Departamento de Administração Escolar da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: < [email protected]>

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colocando, na maioria das vezes, maior números de crianças por turma, não

considerando o trabalho pedagógico que estava sendo desenvolvido e nem por

quem.

Neste sentido, este artigo tem como objetivo compreender como a

obrigatoriedade na educação infantil vem efetivando um novo olhar politico

pedagógico nesta etapa de ensino, baseado nos dados estatísticos educacionais e

nos documentos legais que legitimam essa etapa de ensino.

METODOLOGIA

A metodologia proposta contempla uma abordagem mista, ou seja, quanti-

qualitativa, através da análise documental das políticas públicas educacionais atuais

para a educação infantil.

Segundo Triviños (1987), a pesquisa qualitativa permite analisar os aspectos

implícitos ao desenvolvimento das práticas organizacionais e a abordagem descritiva

é praticada quando o que se pretende buscar é o conhecimento de determinadas

informações, sendo este um método capaz de descrever com exatidão os fatos e

fenômenos de determinada realidade. Já a pesquisa quantitativa, segundo

Richardson (1989) oportuniza maior confiabilidade aos resultados ao estabelecer

uma estrutura definida ao respondente, diminuindo, deste modo, a heterogeneidade

dos dados. De acordo com Vergara (2006), a pesquisa quantitativa busca mensurar

os dados e generalizar os resultados para a população estudada.

Desse modo, a metodologia será baseada na relação dos dados estatísticos

educacionais do Censo da Educação Básica, educação infantil, creche e pré-escola

2007 a 2013, com os dados estatísticos do Censo demográfico do Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatístico IBGE com dados de crianças de zero a cinco anos, dos

anos de 2007 a 2010, visto que nos anos de 2011 a 2013 ainda não há dados

disponíveis, embasando-se na análise bibliográfica do conceito de qualidade e suas

relações com as políticas de educação infantil.

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QUALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONTEXTO HISTÓRICO E POLÍTICO

A fim de compreender a efetivação da educação infantil no Brasil, bem como

sua evolução do assistencialismo a conquista do direito, serão abordados temas

históricos e políticos nos tópicos a seguir.

Contexto histórico

No Brasil, no final dos anos 1890 começam a surgir às primeiras escolas para a

infância, as creches e jardins de infância apresentavam-se como alternativa às mães

trabalhadoras para que não abandonassem seus filhos. Em 1889 inaugura-se a

primeira creche do Estado, a Creche da Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado,

no Rio de Janeiro, que atendia aos filhos de operários. Homens lutavam por

melhores condições de trabalho, e mulheres por um espaço onde pudessem deixar

seus filhos enquanto trabalhavam (KULHMANN JR, 1998).

Nesta época, não havia um conceito bem definido sobre as especificidades da

criança, e a mesma era “[...] concebida como um objeto descartável, sem valor

intrínseco de ser humano” (RIZZO, 2003, p. 37). Fatores como o alto índice de

mortalidade infantil, a desnutrição generalizada e o número significativo de acidentes

domésticos, fizeram com que alguns setores da sociedade, dentre eles os religiosos,

os empresários e educadores, começassem a pensar em um espaço de cuidados da

criança fora do âmbito familiar. Com esta preocupação, traduzida como “[...]

problema, que a criança começou a ser vista pela sociedade, e com um sentimento

filantrópico, caritativo, assistencial é que começou a ser atendida fora da família”

(DIDONET, 2001, p. 13).

Neste sentido, buscava-se através da escola uma normatização das classes

trabalhadoras, uma equidade entre este grupo, bem como a universalização do

ensino, antes destinado prioritariamente às classes mais altas. Inserir os filhos de

trabalhadores nas escolas desde pequenos possibilitava ao estado promover uma

educação com cunho moral a toda a população, desde sua inserção em espaço

escolar, como meio de consolidar ideais de cidadania e de preparar estas crianças

para seu futuro na sociedade do trabalho: pensava-se em uma educação mais moral

do que intelectual, sempre com foco na profissionalização (KULHMANN JR, 1998).

No entanto, mesmo com o foco voltado para uma educação profissional, o

atendimento ao pré-escolar passa a ser responsabilidade efetiva do setor público

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apenas após a década de 1930, onde a educação escolar começa a ser reconhecida

como necessária (MARAFON, 2014).

Em contrapartida, as décadas seguintes foram marcadas por mudanças na

legislação, com a promulgação da Lei 5692/71, que modifica a concepção do ensino

de 1º e 2º graus e, na década de 90, com a sansão da nova LDB Lei 9.394/96, como

o prelúdio de mudanças sociais, modificando a visão e a função da educação infantil

perante a sociedade.

Em retrospectiva evidencia os últimos 20 anos como o período em que mais

mudanças aconteceram para a área da educação da primeira infância; período que

deixa como legado um conjunto de importantes normativas que precisaram ser

implementadas e, em certos casos, ainda regulamentadas no âmbito dos sistemas

estaduais e municipais, pois,

Declarar um direito é muito significativo. Equivale a colocá-lo dentro de uma hierarquia que o reconhece solenemente como um ponto prioritário das políticas sociais. Mais significativo ainda se torna esse direito quando ele é declarado e garantido como tal pelo poder interventor do Estado, no sentido de assegurá-lo e implementá-lo. (CURY, 2002, p. 259).

Assim, a vinculação das escolas de educação infantil ao sistema educacional

“representa uma conquista do ponto de vista da superação de uma situação

administrativa que mantinha um segmento de instituições educacionais específico

para os pobres [...]” (KUHLMANN JR., 1999, p. 55).

Desse modo, uma forma interessante, para pensar a qualidade no atendimento

à criança relaciona-se à ideia de garantia e efetivação de seus direitos, já

consagrados universalmente e, do ponto de vista legal, a qualidade da educação

pode ser considerada como uma das maiores preocupações da sociedade na

atualidade.

De acordo com o documento “Educação de Qualidade para Todos” (UNESCO,

2007), ao nos referirmos à qualidade da educação não dispomos de um conceito

único, trata-se de um conceito com grande diversidade de significados, porque

implica um juízo de valor concernente ao tipo de educação que se queira para

formar um ideal de pessoa e sociedade. As qualidades que se exigem do ensino

estão condicionadas por fatores ideológicos e políticos, esses fatores são dinâmicos

e mutantes, razão por que a definição de uma educação de qualidade também varia

em diferentes períodos, de uma sociedade para outra e de alguns grupos ou

indivíduos.

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Assim, a qualidade na educação, bem como o discurso social de qualidade,

visto anteriormente, podem ser considerados como uma ‘questão de múltiplas

respostas’ (OLIVEIRA e ARAÚJO, 2005). Campos e Haddad (2006, p.112)

destacam que:

Em contrapartida, há também o reconhecimento de que uma educação de qualidade é um direito de todos, em qualquer parte do mundo. Ou seja, faz parte dos direitos humanos fundamentais, sendo hoje uma condição para o desenvolvimento pleno das pessoas em sociedades cada vez mais complexas e em um mundo cada vez mais interligado. O acesso é um primeiro passo no direito à educação, mas seu pleno exercício exige que seja de qualidade promovendo o pleno desenvolvimento das múltiplas potencialidades de cada pessoa com aprendizagens socialmente relevantes e experiências educacionais pertinentes às necessidades e características dos indivíduos e dos contextos nos quais se desenvolvem (FERREIRA, 1998 apud UNESCO, 2007, p. 32).

A educação infantil começa a se firmar “como porta de entrada da educação

básica, direito da criança e opção da família” (GOMES, 2009, p. 55). É importante

ressaltar que, mesmo sendo considerada, hoje, como um direito da criança, e que a

própria LDB ressalta que a matrícula na pré-escola é dever da família, a fala de

Gomes como opção nos remete a importância da mesma na concepção de

educação da sociedade. Quando a educação passa a assumir caráter de

obrigatoriedade, compreendida como um direito público e subjetivo e não como

dever, significa que ela está agindo no cerne da sociedade, proporcionando às

famílias reflexão acerca da importância deste ensino para o processo de

desenvolvimento bio-psico-social das crianças.

Políticas Públicas

A Constituição Federal de 1988 já garantia como direito a crianças de zero a

seis anos de idade uma educação de qualidade, ou seja, no seu art. 206º, no qual se

afirmam os princípios sob os quais o ensino deve ser ministrado (contido no inciso

VII, que aponta a “garantia de padrão de qualidade”), como um dos norteadores

também para as instituições de educação infantil (BRASIL, 1988). Desta forma, com

base neste artigo percebe-se que, no plano legal, a oferta da educação infantil não

deve ser uma obrigação do Estado, apenas, mas necessita ser oferecida com

qualidade. (CORRÊIA, 2001).

A educação infantil hoje, frente às novas necessidades educacionais da

população e a concepção educativa que vem arraigada a educação infantil a partir

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da sanção da LDB em 1996 (BRASIL, 1996) necessita ter o compromisso com a

educação e a formação global dos educandos, deixando claro o papel do professor

neste processo.

Zabalza (1998, p.40) destaca que a educação infantil pode e deve potencializar

o desenvolvimento global da criança acrescentando que “a educação infantil é uma

etapa eminentemente educativa e, portanto, destinada a tornar possíveis progressos

pessoais que não seriam alcançados se a escola não existisse”.

Em 1998 é sancionado o Referencial Curricular Nacional para a Educação

Infantil (RCNEI) que consiste em um “conjunto de referências e orientações

pedagógicas, não se constituindo como base obrigatória à ação docente” que define

as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), estas sim,

com um caráter normativo (1999) “reforça a faixa etária de 0 a 6 anos como um todo

íntegro e delimitador das matrículas nas unidades de Educação Infantil” e estabelece

os “fundamentos norteadores que devem orientar os projetos-pedagógicos

desenvolvidos nas instituições” (BRASIL, 2004, p.63). A criança, vista como um

sujeito de direitos.

O Plano Nacional de Educação (PNE), com validade de dez anos, foi aprovado

em 2001, a partir do reconhecimento de que “os progressos nesse campo

necessitam de esforços continuados e coordenados, que não alcançam resultados

em prazo curto” o que leva a necessidade de “um plano que seja compromisso de

Estado e não apenas de um governo” (BRASIL, 2004, p. 64). O PNE definiu como

seu objetivo e meta a “elaboração de diretrizes nacionais e de padrões mínimos de

infra-estrutura, para as instituições de Educação Infantil” (2001, p. 65), tendo como

pressuposto aspectos quantitativos e qualitativos.

O PNE, define também que a qualidade do ensino só poderá ocorrer se houver

a valorização dos profissionais do magistério, a qual só será alcançada por meio de

uma política global capaz de articular a formação inicial, as condições de trabalho, o

salário, a carreira e a formação continuada. Assim, a melhoria da qualidade da

educação básica depende da formação de seus docentes, o que decorre

diretamente das oportunidades oferecidas a eles. A melhoria na qualidade da

formação dos professores com nível superior, por sua vez, está condicionada à

qualidade da escolarização que lhes foi oferecida no nível básico, fechando um ciclo

de dependência mútua, evidente e positiva entre os níveis educacionais.

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Em 2006, o Ministério da Educação MEC publica o documento Parâmetros de

Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006), versão definitiva, que tem por

objetivo “estabelecer padrões de referência orientadores para o sistema educacional

no que se refere à organização e funcionamento das instituições de educação

infantil” (BRASIL, 2006, p. 8), assegurando a qualidade na educação, a fim de

propiciar aos educandos um desenvolvimento global em seus aspectos físico,

psicológico, intelectual e social.

O documento é organizado em dois volumes: o primeiro aborda aspectos para

a definição de parâmetros de qualidade para a educação infantil no país,

apresentando concepções necessárias para esta definição como os conceitos de

criança, de pedagogia, de educação, bem como a trajetória e tendências da

qualidade na educação infantil. No segundo, apontam-se as competências dos

sistemas de ensino e a caracterização das instituições de educação infantil a partir

de definições legais.

Neste sentido, o desdobramento dos Parâmetros de Qualidade para a

Educação Infantil (BRASIL, 2006) seria a definição dos indicadores de qualidade.

Com efeito,

Quando pensamos em qualidade [...] o mais importante é entendermos que, para superar as marcas da tradição histórica, não podemos sair apressadamente atrás de soluções fáceis, de adotar os novos preceitos sem uma profunda reflexão sobre as nossas propostas e práticas. (KUHLMANN JR., 1998, p. 189).

Em um país como o Brasil, marcado por enormes diferenças sociais, a

preocupação com a desigualdade não pode ser esquecida em nome do respeito às

diferenças. O acesso à educação é um fator importante na construção de uma

sociedade mais igualitária e aí se inclui uma educação infantil que promova o

desenvolvimento integral das crianças pequenas.

IMPACTOS DA AMPLIAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: ANÁLISE A PARTIR

DOS DADOS ESTATÍSTICOS EDUCACIONAIS

A partir das análises documentais é possível verificar que o grande desafio é

democratizar e universalizar o acesso à educação Infantil. Para tanto, buscou-se

analisar as variações do acesso às vagas a creche e pré-escola, em termos totais,

conforme gráfico abaixo.

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Gráfico 1: Variações do acesso às vagas a creche e pré-escola.

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos Relatórios do Censo Escolar (2007-2013)

De acordo com o gráfico 1, percebe-se que no ano de 2007 existiam

10.956.920 crianças aptas para frequentar a creche, ou seja, com idade entre zero e

três anos. Destes, apenas 1.579.581 frequentaram a creche, o que representa

14,41% do total. Dentre os anos de 2008 a 2013 verifica-se um crescimento

constante na quantidade de crianças que frequentaram a creche, atingindo um total

de 2.730.119 de matrículas em 2013. Quando analisado o censo populacional entre

os anos de 2007 a 2011, nota-se uma redução no número de crianças nessa faixa

etária dos anos de 2007 a 2009. Em 2010, em comparação a 2009, verifica-se um

crescimento, que não se mantem no ano de 2011, em que ocorre um significativo

decrescimento, atingindo o nível de 10.485.209 de crianças com idade entre zero e

três anos.

Observa-se um aumento no número de matriculas de 7,5%, entre 2012 e 2013,

correspondendo a 89.328 novas matriculas é resultado do reconhecimento desta

como primeira etapa da educação básica, bem como de políticas públicas

educacionais, tais como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) e o Programa

Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Pública de Educação

Infantil (ProInfância).

No que se refere a pré- escola, constata-se que, no ano de 2007, existiam

5.928.375 crianças aptas para frequentar essa etapa de ensino, destes 4.930.287

frequentavam a pré- escola, o que equivale a 83,16%. Quando analisado ao longo

do tempo 2007 a 2013 percebe-se que em 2009 houve um aumento no número de

matrículas nessa etapa de ensino, seguido por períodos de decrescimento entre os

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anos de 2010 e 2011, voltando a crescer nos anos de 2012 a 2013. No entanto,

quando analisado o crescimento populacional nos anos de 2007 a 2011 verifica-se

um decrescimento entre os anos de 2007 a 2009 e um crescimento no ano de 2010,

voltando a decrescer no ano de 2011. Já na pré-escola, entre 2012 e 2013,

observou-se que o número de matrículas aumentou de 4.754.721 para 4.860.481,

totalizando um aumento de 2,2%. Isso se deve principalmente, a Emenda

Constitucional n. 59/2009 (BRASIL, 2009) e da aprovação da Lei n. 12.796 (BRASIL,

2013), homologada em 04 de abril de 2013, que tornou obrigatória a entrada de

crianças na educação infantil aos quatro anos de idade.

A partir das análises pode-se perceber que apesar da legitimação das políticas

públicas para a educação infantil, garantindo o direito ao acesso a pré-escola, o

número de vagas ofertadas não apresenta significativo crescimento quando

comparado ao crescimento populacional.

Outro dado relevante disponibilizado pelo Censo Escolar (INEP, 2011; 2012)

mostra o percentual de professores com formação inicial de ensino superior atuantes

na educação infantil, no ano de 2011 o número com formação superior era de 56,9

%, no ano de 2012 o número chega 63,6 %, o que equivale a um aumento de 6,7%

de professores com formação de nível superior atuando nessa etapa de ensino. Isso

se deve dentre outras políticas de formação continuada municipais, a também a

grande expansão do ensino superior no Brasil nesse período.

Frente a esse contexto, Rosemberg (2010, p. 171) defende que ponto de

partida, deve ser “a expansão da oferta de vagas em creches e pré-escolas de

qualidade para as crianças de 0 a 6 anos, que cumpram, com equidade, o direito à

educação das crianças e o direito dos pais”. Essa oferta de vagas com qualidade

está alicerçada a formação inicial do docente em exercício, o que legitima a

formação inicial em nível superior nessa etapa de ensino.

CONCLUSÃO

A partir das análises foi possível compreender que a qualidade é algo

dinâmico, não estanque, qualidade se constrói no cotidiano escolar de forma

permanente. Não há a possibilidade de pensar a qualidade na educação, aqui

especificamente na educação infantil sem considerar o contexto escolar: estrutura

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física das instituições, aspectos culturais da comunidade escolar e formação de

professores.

Desse modo, é possível perceber que a garantia do direito ao acesso a

Educação Infantil a partir da lei nº 12.796 de 03 de abril de 2013 é um passo

importante para a implementação da qualidade na educação infantil, em

contrapartida exige que além do acesso sejam pensadas políticas de permanência,

a fim de garantir uma educação de qualidade para as crianças de zero a cinco anos.

Os dados estatísticos educacionais (Censo Escolar, INEP) evidenciam que

apesar da legitimação das políticas públicas para a educação infantil e todas as

discussões sobre a efetivação do direito a educação de qualidade, o número de

vagas ofertadas para essa etapa de ensino ainda é insufienciente quando

comparadas ao número de crianças com idade de zero a cinco anos no Brasil, o que

demonstra que ainda há muito a refletir, pesquisar e propor acerca da qualidade

deste nível da educação.

Determinar qualidade para a educação infantil não pode acabar em uma

redução de conceito, ou em apenas alguns padrões mínimos, a qualidade da

Educação Infantil requer a implementação de atos que garantam que todas as ações

sejam educativas, de modo que promovam o desenvolvimento global, em seus

aspectos físico, psicológico, intelectual e social, bem como a ampliação de vagas, a

fim de atender a totalidade da população de zero a cinco anos. Assim, a melhoria da

qualidade da educação básica está alicerçada a formação inicial do docente em

exercício, o que legitima a formação inicial em nível superior nessa etapa de ensino.

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GESTÃO EDUCACIONAL E O IDEB DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE

SANTA MARIA-RS

Andressa Aita Ivo1

Álvaro Luiz Moreira Hypolito2

INTRODUÇÃO

Desde a década de 1990 o Ministério da Educação tem atuado diretamente na

elaboração de um amplo sistema de avaliações em larga escala, como o Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), Exame Nacional do Ensino

Médio (ENEM), Prova Brasil, Provinha Brasil, dentre outros. Além das avaliações o

MEC também criou o Índice de Desenvolvimento da Educação (IDEB), a fim de

assegurar uma melhoria da qualidade da educação no Brasil.

Os novos paradigmas de gestão que tem influenciado as políticas públicas de

educação implicam em uma reorganização do espaço escolar, assim, muitas ações

oriundas dos órgãos nacionais, estaduais e municipais, responsáveis pelos sistemas

educacionais, imprimem um novo formato a gestão escolar.

Neste sentido a Secretaria Municipal de Educação de Santa Maria – RS vem

empreendendo um conjunto de ações, voltadas para a melhoria da qualidade da

educação na rede municipal, tendo como principal parâmetro o Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)3, que tem no Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE)4 a estrutura básica da política, nacional para a

educação.

Em meio a este cenário, as prefeituras têm buscado por estratégias e planos

de ações capazes de responder as demandas do PDE. Assim, uma das metas da

SMED foi inicialmente desenvolver ações junto às escolas com IDEB igual ou menor

do que a média nacional5, referente ao ano de 2009, uma vez que a secretaria se

1 Doutora em Educação – UFSM. E-mail: <[email protected]> 2 Doutor em Educação – UFPel. E-mail: <[email protected]> 3 O IDEB foi elaborado pelo MEC a partir de estudos realizados pelo INEP, para avaliar o nível de aprendizagem dos alunos. O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas avaliações do Inep, o Saeb – para as unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil – para os municípios. 4 O PDE foi lançado em 2007 por meio do Ministério da Educação (MEC), com o objetivo de melhorar substancialmente a educação oferecida às crianças, jovens e adultos. O PDE contempla o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. 5 Em 2009 a média nacional do IDEB para os anos iniciais da rede municipal foi igual a 4.4 e a média nacional do IDEB para os anos finais foi igual a 3.6. Informações obtidas em:

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propõe a melhorar a qualidade da educação no município, fazendo com que todas

as escolas obtenham resultados satisfatórios na prova Brasil e tenham IDEB acima

da média nacional.

O problema de pesquisa que orientou esta investigação foi: quais as

repercussões do plano de ações da SMED para o resultado do IDEB das escolas da

Rede Municipal de Ensino?

Assim, neste artigo buscou-se analisar o comportamento do resultado do IDEB

nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental da rede municipal de Santa Maria –

RS, a partir do plano de ações realizado pela SMED.

O recorte temporal definido para a análise das políticas educacionais

corresponde ao período de 2009 a 2012. Foram utilizados como materiais de

pesquisa dados estatísticos, informações disponibilizadas por meio impresso e

eletrônico levantadas junto a SMED, ao site do Instituto de Estudos e Pesquisas

Nacionais (INEP), portal do MEC e Portal IDEB Meritt, jornais, documentos legais

como pareceres, resoluções, leis, entre outros, e dados qualitativos provenientes da

pesquisa de campo realizada no município.

A REDE MUNICIPAL DE ENSINO MAPEADA EM INDICADORES

Tendo em vista que grande parte do plano de ações da SMED tem como

objetivo melhorar o rendimento das escolas na Prova Brasil, os dados relativos à

quantidade de escolas que realizam a Prova Brasil, revelam que, de um total de 80

escolas que compõem a rede municipal de ensino, apenas 34 escolas6 participam da

Prova Brasil.

Além disso, é importante salientarmos que o plano de ações da SMED, foi

desenvolvido apenas com as escolas que na avaliação de 2009 obtiveram média

igual ou abaixo da média nacional nos anos iniciais ou finais (totalizando 21

escolas), o que restringe ainda mais o campo de atuação da SMED, no sistema

municipal de ensino.

Após o plano de ações da SMED, desenvolvido durante os anos de 2010 e

2011, com preparação das escolas para a Prova Brasil, os dados relativos a

ideb.inep.gov.br/resultado/resultado/resultadoBrasil.seam?cid=452280 acessado em 29 de agosto de 2012 as 16h32min. 6 De acordo com as normas do MEC, só realizam a prova Brasil as turmas com no mínimo 20 alunos, fator que justifica a quantidade de escolas da rede municipal, que participam da prova Brasil.

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avaliação de 2011 nos revelam que, nos anos inicias, do total de 19 escolas que

realizaram a prova, 15 escolas (78,94%) obtiveram, em 2011, um crescimento no

IDEB, 3 escolas (15,78 %) baixaram a média e 1 escola (5,26 %) manteve a mesma

média da avaliação do ano anterior.

Figura 1 – Evolução do IDEB nos anos iniciais das escolas que participaram do plano de ações da SMED.

Fonte: Portal IDEB (MERRITT, 2012).

No que se refere aos anos finais, os dados mostram que das 4 escolas

estudadas de forma quantitativa, o IDEB aumentou em 3 escolas e somente em uma

a média baixou.

Figura 2 – Evolução do IDEB nos anos finais das escolas que participaram do plano de ações da SMED.

Fonte: Portal IDEB (MERRITT, 2012).

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É muito provável que o plano de ações da SMED, seja em grande parte o

responsável pela melhoria dos índices da rede municipal de ensino, entretanto, é

necessário levar em consideração todos os aspectos relativos ao indicador de

aprendizado e ao Indicador de Fluxo, como já apontamos anteriormente.

Sendo assim, acreditar fielmente que uma média elevada no IDEB signifique

uma educação de qualidade seria, no mínimo, leviano pois um alto índice não

representa a melhoria de todos os alunos, já que se um determinado número de

alunos sair-se bem na prova, a média subirá, mesmo que muitos outros continuem

com baixíssimo nível de aprendizagem escolar.

Além disso, ao analirsamos o IDEB das escolas é fundamental lançar um olhar

para os indicadores de Aprendizado e de Fluxo. Nesse sentido, observamos que em

89,47% das escolas o Indicador de Aprendizado teve um acréscimo, o que

teoricamente significa uma melhora nos resultados dos alunos em português e

matemática na Prova Brasil.

Entretanto, esta melhora no indicador de aprendizado pode estar associada ao

treinamento contínuo, com aplicação de versões anteriores da Prova Brasil,

realização de simulados, preparação dos alunos para a resolução das questões, e

outras estratégias utilizadas pela SMED em conjunto com as escolas. Esse plano de

ações, que antecipa a Prova Brasil pode, na realidade, servir para mascarar os

resultados e não corresponder a uma real melhoria na aprendizagem dos alunos.

Ainda assim, a maioria das escolas possuem médias abaixo do valor adequado

para o indicador de Aprendizado que é 6, como mostra a fig. 3.

Figura 3 – Evolução do Indicador de aprendizado nos anos iniciais das escolas que participaram do plano de ações da SMED.

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Fonte: Portal IDEB (MERRITT, 2012).

Este mesmo fenômeno pode ser observado em outros Estados, como aponta a

pesquisa realizada por Schneider e Nardi (2012) considerando um conjunto de

municípios catarinenses. Conforme apontam os autores, o conjunto de municípios

avaliados vem demonstrando crescimento no seu IDEB, muito embora os dados

revelem a baixa pontuação na proficiência dos alunos em Língua Portuguesa e

Matemática. A maioria dos municípios investigados pelos autores não alcançaram as

médias adequadas no indicador de aprendizado.

Schneider e Nardi (2012) acrescentam que a melhora nas taxas de aprovação

registradas nos municípios pesquisados, teve grande influência no crescimento do

IDEB.

Quanto ao Indicador de Fluxo, da rede municipal de ensino de Santa Maria, os

dados revelam que em 84,21% das escolas este indicador teve um crescimento, o

que siginifica dizer, que a taxa de aprovação nos anos iniciais aumentou na maioria

das escolas. O valor máximo para este indicador é 1, que siginificaria a aprovação

de todos os alunos.

Como mostra a fig. 4, apenas três escolas apresentam valores abaixo de 0,80

e as demais possuem médias próximas de 0,90.

Figura 4 – Evolução do Indicador de Fluxo nos anos iniciais das escolas que participaram do plano de ações da SMED.

Fonte: Portal IDEB (MERRITT, 2012).

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Quanto aos anos finais, os dados mostram que apenas uma escola baixou o

Indicador de Fluxo, enquanto que as demais tiveram um acréscimo. Contudo, os

valores são mais desfavoráveis nos anos finais, se comparados com os anos

iniciais, uma vez que podemos constatar um índice de reprovação mais alto nos

anos finais, chegando a 0,68 no caso da escola 2, como mostra a fig. 5.

Figura 5 – Evolução do Indicador de Fluxo nos anos finais das escolas que participaram do plano de ações da SMED.

Fonte: Portal IDEB (MERRITT, 2012).

Em estudo realizado por Paz e Raphael (2010), observou-se que os municípios

que, em 2007, encontravam-se no topo da escala nacional da qualidade da

educação, nos anos iniciais do ensino fundamental, conforme IDEB alcançados,

tiveram a taxa de fluxo como principal responsável para a melhoria de seus índices.

Ainda que as escolas da rede municipal de ensino de Santa Maria tenham

apresentado, de modo geral, melhoria no Indicador de Aprendizado, também

podemos observar as altas taxas no Indicador de Fluxo, sobretudo, nos anos iniciais.

O Indicador de Anprendizado apresentou crescimento nas quatro escolas

estudadas quantitavamente, ainda assim todas as escolas obtiveram resultados

abaixo do valor adequado em Matemática e apenas uma escola obteve média acima

do valor adequado em Português.

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Figura 6 – Evolução do Indicador de Aprendizado nos anos finais das escolas que participaram do plano de ações da SMED.

Fonte: Portal IDEB (MERRITT, 2012).

Ao analisarmos a performance das escolas de acordo com a localização

geográfica no município de Santa Maria, os dados revelam que a maioria das

escolas localizadas na região do centro da cidade, tanto aquelas de anos iniciais,

como as de anos finais, têm IDEB acima da média do município, como apontam as

fig. 7 e 8.

Já as escolas localizadas na periferia do município apresentam uma situação

diferente, em especial aquelas que trabalham com os anos iniciais. Como mostram

os dados, das escolas localizadas na periferia, 70,83% apresentam IDEB abaixo da

média municipal nos anos iniciais e 61,35% possuem IDEB abaixo da média

municipal nos anos finais.

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Figura 7 – IDEB das escolas localizadas no centro e na periferia da cidade referente aos anos iniciais.

Fonte: Portal IDEB (MERRITT, 2012).

Figura 8 – IDEB das escolas localizadas no centro e na periferia da cidade referente aos anos finais.

Fonte: Portal IDEB (MERRITT, 2012).

Esses resultados nos permitem concluir que, de modo geral, as escolas

localizadas no centro da cidade, possuem um melhor desempenho nas avaliações

externas, alcançando os melhores índices. Tal análise coincide com diferentes

estudos (Barros et al, 2001; Torres, Ferreira e Gomes, 2005; Soares, 2005; Almeida

e Stoco, 2012) que apontam para o fato de persistirem significativas desigualdades

no interior do sistema escolar, inclusive as que decorrem regiões em que se

localizam as escolas.

De acordo com estudos realizados por Torres, Ferreira e Gomes (2005),

mesmo quando são controladas as variáveis clássicas, como renda, sexo, raça e

escolaridade dos pais, ainda assim, persistem importantes diferenciais entre

indivíduos com caracteristicas sociais similares, quando são moradores de regiões

diferentes da cidade, sendo a performance escolar dos moradores de áreas pobres

e periféricas significativamente pior.

O estudo de Merchán Iglesias (2009) corrobora com essa ideia, em pesquisa

desenvolvida em Andalucía (Espanha), o autor constatou que existe uma relação

direta entre os resultados dos alunos com outros indicadores de contexto, que são

claramente dependentes do anterior, tais como: “escolaridade dos pais, expectativa

dos pais em relação ao nível de estudo almejado para os filhos, tempo que os pais

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dedicam a leitura e a quantidade de livros presentes em casa” (MERCHÁN

IGLESIAS, 2009, p. 8).

Os resultados dessas pesquisas reforçam a ideia de que o nível

socioeconômico dos alunos deve ser considerado como uma variável relevante nas

análises de avaliação do desempenho do aluno e da escola. E, portanto, deve ser

considerado também no momento em que as políticas publicas são pensadas, ou

elaboradas.

Cabe ressaltar que a agenda política engendrada para a Educação Básica no

Brasil, tem como meta fazer com que todas as escolas de Educação Básica do país

alcancem à média 6,0, índice até 2022. A fixação da média 6,0 pelo Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC),

considerou o resultado obtido pelos países da OCDE, uma vez que 6,0 foi a nota

obtida pelos países desenvolvidos que ficaram entre os 20 mais bem colocados do

mundo.

Agora será possível comparar o resultado obtido pelos países desenvolvidos

com os resultados esperados pelo Brasil, o que torna possível que esses países

alcancem tais médias? Do mesmo modo, cabe ressaltar o que significaria para o

Brasil alcançar à média 6.0, esse índice corresponderia a uma educação de

qualidade? Estarão os nossos alunos 6,0 no mesmo nível dos alunos de outros

países, como a Finlândia, China, Coréia, Canadá? O que tem por trás desse índice?

Com base na análise realizada aqui, até o momento e levando em

consideração outras pesquisas, conforme já citamos anteriormente nesta tese, os

resultados obtidos pelas escolas no IDEB em todo o território brasileiro, ainda

levantam muitos questionamentos. Sobretudo no que tange ao índice de fluxo,

utilizado para a composição do IDEB, além, é claro, de outros mecanismos

(simulados, treinamento dos alunos, pré-seleção dos alunos que realizam a Prova...)

que podem ser utilizados para mascarar os resultados das escolas na Prova Brasil.

Ao se comparar os resultados dos alunos de países desenvolvidos com os

alunos do Brasil, diversas variáveis que geralmente são descartadas, devem ser

consideradas, começando pelo nível sócio-econômico dos países, fator de suma

importância ao se tratar de educação. Do mesmo modo, cabe uma análise acerca

das condições de trabalho dos docentes, infraestrutura das escolas, classe social

dos alunos, dentre outros aspectos.

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A não consideração desses elementos na formulação das políticas públicas

educacionais ou na realização de análises comparativas entre os resultados obtidos

pelos alunos de países desenvolvidos com os alunos dos demais países é

negligente e superficial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não temos a pretensão, nessas considerações finais, de encerrar o debate

acerca das políticas educacionais no Brasil nas últimas décadas, e sim ampliar as

reflexões acerca dessas e seus efeitos sobre o contexto escolar.

A partir da análise quantitativa empreendida nesse estudo acerca do IDEB das

escolas da rede municipal de ensino, foi possível constatar que na avaliação relativa

ao ano de 2011 a maioria das escolas avaliadas obteve um crescimento nos

resultados do IDEB. Uma vez que, o cálculo do IDEB é composto pelo Indicador de

Aprendizado e Indicador de Fluxo, entendemos necessário analisar os resultados

das escolas em cada indicador.

No que tange ao Indicador de Aprendizagem, é preciso considerar que esse

crescimento pode estar atrelado a muitos fatores, que podem mascarar os

resultados, como, por exemplo, o treinamento contínuo dos alunos para a realização

do exame com aplicação de versões anteriores da Prova Brasil, a realização de

simulados, tanto pela escola, como pela SMED, a seleção prévia dos alunos que

realizam a Prova, dentre outros. Do mesmo modo o Indicador de Fluxo tem sido alvo

de muitas escolas, na tentativa de melhorar os seus resultados no IDEB, no caso da

rede municipal de ensino de Santa Maria observamos um crescimento desse

Indicador na maioria das escolas, o que significa uma maior aprovação dos alunos.

Assim, podemos observar que alguns mecanismos utilizados pelas escolas

podem facilmente burlar o sistema e mascarar os resultados no IDEB. Em suma, o

aumento do IDEB nem sempre significa uma melhora na qualidade da Educação da

escola.

Não estamos negando a relevância dos sistemas de avaliação, os resultados

importam como indicadores, mas não podem definir o que vem a ser uma boa

educação. As avaliações externas não podem orientar as políticas educacionais e a

tomada de decisões, com essa ênfase simplista e reducionista nos resultados das

avaliações, o que distorce e degrada o significado e as práticas da educação. A

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educação de qualidade não pode ser alcançada por uma estratégia de testar alunos,

de responsabilização dos professores, de meritocracia e, sobretudo, pela

transferência de responsabilidades por parte do Estado para as instituições

escolares.

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UMA ANÁLISE DESCRITIVA DAS AÇÕES DESENVOLVIDAS NO PROGRAMA

MAIS EDUCAÇÃO NAS ESCOLAS ESTADUAIS DE ENSINO FUNDAMENTAL DO

MUNICIPIO DE SANTA MARIA

Elisiane Severo da Silva1

Elizandra Aparecida Nascimento Gelocha2

Maria Eliza Rosa Gama3

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A discussão em torno das políticas públicas educacionais tem sido objeto de

intenso debate por se tratar de um tema complexo no campo das ciências sociais,

em especial na área da educação, que coloca em pauta a qualidade do ensino

público em resposta a determinadas demandas e interesses sociais. Ciente disso, o

Governo Federal criou em 2007 o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE),

que aponta múltiplas ações em todos os níveis e modalidades da educação, mais

especificamente a educação básica, com número maior de ações voltadas para o

ensino fundamental, em regime de colaboração entre a União, Estados, Distrito

Federal e os Municípios.

Dentre as várias ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), uma

foi escolhida como objeto de estudo, o Programa Mais Educação (PME), cuja

proposta visa à ampliação do tempo escolar e a organização curricular na

perspectiva da educação integral, o que implica a ampliação do espaço escolar para

a realização de atividades socioeducativas de forma a integrar diferentes saberes,

conhecimentos, cenários e agentes educativos que possam colaborar para o

desenvolvimento integral do indivíduo.

A partir dessas considerações, procuramos analisar como se dá o processo de

implementação do Programa Mais Educação nas escolas estaduais de ensino

fundamental pertencente a 8ª Coordenadoria Regional de Educação (8ª CRE) no

Município de Santa Maria/RS, como instrumento de coleta de dados foi realizada

1 Pedagoga. Acadêmica do Curso de Pós-Graduação em Gestão Educacional - CEGE/UFSM. E-mail: <[email protected]> 2 Pedagoga. Mestranda em Educação – PPGE/UFSM. E-mail: <[email protected]> 3 Doutora em Educação. Professora do Centro de Educação – ADE;CE/UFSM. E-mail: <[email protected]>

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entrevista semiestruturada com (6) seis professores coordenadores das referidas

escolas. O trabalho apresentará um recorte de uma pesquisa mais ampla, delimitou

a sua amostra a questões importantes para o estudo em questão.

Para a realização deste artigo utilizamos o aporte teórico baseado nos autores:

Gadotti (2009), Luck (2009), Moll (2009), Teixeira (1959) e Veiga (2003). Propomos

uma breve análise sobre os documentos legais que respalda a Educação Integral:

Constituição Brasileira de 1988, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de

1990, Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE) de 2007, e o Plano Nacional de Educação

(PNE) de 2011-2020. Para alcançar o objetivo proposto, foi utilizada a pesquisa de

cunho qualitativo baseado nas leituras de Minayo (2008) e Chizzotti (2009).

EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL: CONTEXTO HISTÓRICO E

POLÍTICO

A educação integral foi introduzida no Brasil, a partir da década de 30, em um

período em que a sociedade brasileira passava por momentos de mudanças

importantes em várias esferas: econômica, política, cultural e educacional. Neste

período surgiu o interesse de diferentes grupos sociais pela renovação do ensino,

influenciados pelo movimento da Escola Nova, fazia-se críticas à escola tradicional,

questionando o papel conferido na época ao professor e a escola. Em meio a esse

contexto, um grupo de educadores e intelectuais lançou em 1932, o Manifesto dos

Pioneiros da Educação Nova. Entre os intelectuais estava Anísio Teixeira que se fez

presente na luta por uma educação de qualidade no âmbito educacional e político, a

partir de implantação de projetos políticos educacionais em várias regiões do país.

Durante a sua trajetória, Anísio Teixeira foi responsável pelo primeiro projeto de

educação integral, em Salvador, na década de 50, o Centro Educacional Carneiro

Ribeiro. Na década de 60, com a construção de Brasília, Anísio Teixeira foi

convidado pelo presidente Jucelino Kubicheck a dar continuidade ao seu projeto. Na

época, foi construído a escola-parque que oferecia atividades culturais, esportivas e

artísticas. Meados dos anos 80, foram construídos, os CIEPs - Centros Integrados

de Educação Pública, denominada como “Escola pública de tempo integral”, oferecia

além do ensino do 1º grau, esportes, eventos culturais, quatro refeições diárias e

assistência médica, destinado a atender as massas populares discriminadas.

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Após a criação dos CIEPs, no Rio de Janeiro, também tivemos a experiência

dos Centros Integrados de Apoio à Criança - (CIACs). Em 1990, o então presidente

Fernando Collor de Mello (primeiro presidente eleito pelo voto direto), retomou o

projeto de escola pública em tempo integral, dando-lhe um caráter mais assistencial

e mudando o nome para Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente –

(CAICs), programa federal implantado em vários estados brasileiros a partir de 1991.

Nessa perspectiva, a educação integral é um compromisso articulado a fim de

garantir proteção e desenvolvimento integral às crianças, jovens e adolescentes,

tendo também os princípios legais. Podemos identificar algumas referências sobre a

legislação brasileira, a partir da Constituição Federal de 1988, que traz no (art.6º)

“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o

lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

A educação integral aparece no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA,

Lei 8.069/90, atribuindo uma legislação específica á proteção de crianças e

adolescentes no (art.3º):

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Por sua vez, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394/96), responsável

pela definição e regularização do sistema de educação brasileira preconiza no

(art.34) “A jornada escolar no ensino fundamental em pelo menos quatro horas de

trabalho em sala de aula sendo progressivamente ampliado o período de

permanência na escola”.

O novo Plano Nacional de Educação (2011-2020), no mesmo viés da LDB, faz

referências à educação infantil destacando a necessidade da adoção progressiva do

atendimento em tempo integral. Quanto ao ensino fundamental, à lei refere-se à

ampliação progressiva da jornada escolar. O novo Plano Nacional de Educação

(PNE) apresentou a meta 6, destinada a educação em tempo integral em 50% das

escolas públicas de educação básica. Como verificamos a educação integral, voltou

ao debate, tendo como suporte a valorização de políticas sociais que mesclam a

oferta do ensino básico regular com as políticas educacionais. Segundo Gadotti,

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A educação integral envolve o entorno das escolas, ampliando a cultura da escola para além dos muros da unidade escolar. O debate atual sobre a questão da jornada integral, da educação integral ou escola de tempo integral ocorre no momento em que o Brasil está vivendo o desafio da qualidade de sua educação básica. (GADOTTI, 2009, p.51).

As leis estabelecidas no país vêm para garantir a proteção integral de crianças,

jovens e adolescentes, garantindo-lhes as necessidades básicas de aprendizagem.

Nesta perspectiva a educação integral começa a se configurar como realidade nas

escolas da rede pública através do Programa Mais Educação (PME).

Programa Mais Educação: Tempos, espaços e oportunidades educativas

O referido programa é uma política nacional de educação criado em 2007,

durante o mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva, e instituído pela Portaria

Interministerial nº 17/2007, embasada no Plano de Desenvolvimento da Educação

(PDE), cuja proposta visa à ampliação do tempo escolar e a organização curricular

na perspectiva da Educação Integral.

O Programa Mais Educação torna-se importante para o âmbito escolar, tendo

como principal objetivo promover à mediação entre a escola, família e a

comunidade, através do processo educacional minimizando as desigualdades

sociais, combatendo a evasão escolar, a distorção idade/série; prestando

atendimento á criança, adolescente e jovem através de atividades que desenvolva

as linguagens artísticas, práticas esportivas, literárias e estéticas.

As atividades desenvolvidas no programa são divididas em macro campos área

do conhecimento são eles: acompanhamento pedagógico (letramento e

matemática), educação ambiental, educação econômica, esporte e lazer, educação

em direitos humanos, artes e educação patrimonial, uso de mídias, entre outros.

Além das atividades descritas, a outras são ofertadas como: formação cultural,

social, artística, música, teatro, dança e artesanato. Os alunos participantes devem

estar inscritos no mínimo em cinco oficinas diferentes. Estas por sua vez, devem

contemplar as áreas de estudo proporcionando novas experiências, habilidades e

saberes, não ficando a prática pedagógica reduzida à transmissão de um

conhecimento pronto, mas na realização de pesquisas, análises e descobertas.

Nessa perspectiva, o programa implica as variáveis de tempo, espaço e

oportunidades educativas, dentro das suas especificidades na ampliação da jornada

levando as instituições educacionais a construir novas propostas curriculares

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voltadas para a aprendizagem nas quais a ação educativa articule entre as distintas

áreas dos saberes. Para Moll (2009) o Programa Mais Educação representa uma

grande oportunidade para as instituições educacionais.

[...] a ampliação da jornada, na perspectiva da educação integral, auxilia as instituições educacionais a repensar suas práticas e procedimentos, a construir novas organizações curriculares voltadas para concepções de aprendizagens como um conjunto de práticas e significados multirreferenciados, inter-relacionais e contextualizados, nos quais a ação educativa tenha como meta tentar compreender e modificar situações. (MOLL, 2009, p. 36)

Para coordenar a parte pedagógica e administrativa do programa no âmbito

escolar, a Secretária de Educação disponibiliza um professor da rede com vínculo

na escola com dedicação no mínimo vinte horas, este será o “professor

coordenador”, responsável pelas atividades desenvolvidas junto aos monitores.

Nesse contexto todos envolvidos no processo assumem responsabilidades

distintas, que tendem para o mesmo fim, ou seja, garantir a execução das atividades

propostas de forma a alcançar os objetivos, por meio de uma rede de colaboração

no âmbito escolar (gestores, professores, monitores, funcionários, alunos e os pais).

Isso implica na participação e construção do Projeto Político-Pedagógico (PPP) com

objetivos e metas. Segundo Veiga:

Se, por um lado, a coordenação do processo de construção do projeto pedagógico é tarefa do corpo diretivo e da equipe técnica, por outro, é corresponsabilidade dos professores, dos pais, dos alunos, do pessoal técnico administrativo e de segmentos organizados da sociedade local, contando, ainda, com a colaboração e assessoria efetivas de profissionais ligados à educação (VEIGA, 2003, p. 31).

A implementação do programa é de responsabilidade da Secretaria de

Educação Básica (SEB/MEC) junto às Secretarias Estaduais e Municipais de

Educação. Seu financiamento é garantido através da resolução do Programa

Dinheiro Direto na Escola (PDDE), e pelo Programa Nacional de Alimentação

Escolar (PNAE), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

OS CAMINHOS PERCORRIDOS PELA PESQUISA

Para alcançar o objetivo aqui proposto, lançamos mão de uma pesquisa de

cunho qualitativa, por entendermos que este tipo de pesquisa responde as questões

muito particulares e precisas permitindo a compreensão de um fenômeno específico.

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Os sujeitos desta pesquisa foram os professores coordenadores de (6) seis

escolas estaduais do ensino fundamental. Sendo cinco (5) escolas urbanas e uma

(1) escola rural. O instrumento de coleta de dados utilizado neste trabalho foi à

entrevista semiestruturada que tem como finalidade coletar informações para

posteriormente fazer uma análise dos relatos colhidos junto aos sujeitos.

Todas as entrevistas foram previamente agendadas por telefone com os

professores coordenadores, o que possibilitou o contato mais direto, no sentido de

inteirar suas opiniões sobre o Programa Mais Educação (PME). Antes de cada

entrevista, foi explicado a finalidade da visita e o objetivo da pesquisa. A entrevista

“não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como

meio de coleta dos fatos relatados pelos atores [...]”. (MINAYO, 2002, p. 57)

Para análise e interpretação dos dados obtidos através das entrevistas

buscamos a interlocução entre o aporte teórico do programa, e as falas dos

entrevistados. Adotamos as iniciais de PC - Professor Coordenador e as iniciais

(1EA), (2EB), (3EC), (4ED), (5EE) e (6EF) que representam as escolas pesquisadas.

ANÁLISES E CONSTATAÇÕES DOS DADOS

A partir das reflexões apresentadas anteriormente e buscando aprofundar a

discussão sobre o tema, iremos elencar alguns pontos importantes e relevantes da

pesquisa, sendo esta um recorte de uma pesquisa mais ampla. Aos professores

coordenadores (PC), foi solicitado inicialmente que respondessem as seguintes

questões quanto: o processo de interlocução entre o Programa Mais Educação e a

escola, o processo de seleção dos professores para atuar no Programa Mais

Educação, os critérios de seleção utilizados para o encaminhamento dos alunos ao

Programa Mais Educação, as atividades realizadas no Programa Mais Educação e o

plano de trabalho que orienta as ações desenvolvidas no PME.

Sobre o processo de interlocução entre o Programa Mais Educação e a escola,

os professores coordenadores (PC) responderam, que o processo ocorreu através

de um cadastro junto a 8ª CRE. Para confirmar a adesão ao programa, cada escola

preencheu um plano de atendimento disponível no endereço eletrônico

(simec.mec.gov.br) declarando macro campos e atividades que serão realizadas, o

número de alunos, entre outras informações. Segundo o PC,

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Para participar do Programa Mais Educação a escola se cadastrou via SIMEC, de acordo com as orientações da 8ª CRE. (PC - 4ED)

Complementando a primeira análise, os recursos financeiros do programa são

repassados diretamente ás escolas através da resolução do Programa Dinheiro

Diretas na Escola (PDDE) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

(FNDE), em conta corrente da Unidade Executora Própria (UEX). Os recursos são

utilizados para alimentação, aquisição de materiais, contratação de serviços e o

pagamento dos monitores. Conforme a fala do (PC-5EE),

Os recursos são repassados pelo PPDE e FNDE para uma conta administrativa pelo CPM (Presidente) e Diretora – Banco do Brasil. Estes recursos são destinados á escola conforme as oficinas e atividades selecionadas pela escola. Para isso é preciso duas rubricas. A rubrica de custo também é destinada para a (alimentação, compra de materiais e pagamento dos monitores) cada um recebe R$ 60,00 por turma, totalizando os provenientes até R$ 300,00.

Entre os recursos previstos pelo PDDE/FNDE está o pagamento do monitor,

conforme a citação acima. O valor é determinado pelo MEC, às escolas não tem

autonomia de alterá-lo. Segundo o Manual Operacional de Educação Integral (2012),

o trabalho de monitoria deve ser desempenhado por estudantes universitários de

formação especifica nas áreas de atuação ou pessoas da comunidade com

habilidades apropriadas. Verificamos através do relato do PC,

Os monitores geralmente são estudantes universitários com formação específica nas áreas de atuação. O contrato é feito diretamente na escola utilizando o termo de adesão. (PC - 6EF)

Quanto ao processo seletivo para escolher o professor coordenador, fica a

cargo do gestor da escola que indicará o professor com vínculo na própria instituição

com dedicação de no mínimo vinte horas. Essa afirmação é constatada na fala dos

professores, pois todos foram convidados pela direção para participar do programa.

Segundo as orientações do programa cabe ao professor coordenador à

responsabilidade do acompanhamento pedagógico e administrativo, participar das

reuniões da Coordenadoria da Educação, promover junto a gestão da escola a

seleção dos monitores para atuar nas oficinas atendendo as exigências do

programa.

Os professores entrevistados das respectivas escolas (1EA), (2EB), (5EE) e

(6EF), participaram de encontros de formação e capacitação organizados pela a 8ª

Coordenadoria Regional de Educação (8ª CRE), Seminário Educação Integral,

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Comitê Mais Educação dos Vales, e um curso promovido em parceira com a

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Reiterando essa formação tinha um

total de 130h que seria concluído no início do ano de 2014 com um seminário final.

Sim, participo de reuniões, Comitê Mais Educação dos Vales e uma formação na (UFSM). Esses Comitês locais coordenam o processo de articulação com a comunidade, ao mesmo tempo em que ajudam na articulação entre os novos saberes, novos espaços, políticas públicas e o currículo escolar estabelecido. (PC - 6 EF)

Sim, para a atuação na coordenação do Programa sempre são realizadas formações pela 8ª CRE, SEDUC e MEC. (PC – EA)

Em relação os critérios de seleção utilizados para o encaminhamento dos

alunos ao programa, as escolas pesquisadas priorizam os alunos com bolsa família,

dificuldade de aprendizagem série/idade e vulnerabilidade social o que propõe como

meta do programa. De acordo com os professores coordenadores (PC), as oficinas

ofertadas pelo programa têm o intuito de melhorar o rendimento escolar e diminuir

as desigualdades educacionais e sociais valorizando a cidadania e a autonomia.

De acordo com as escolas pesquisadas as oficinas são desenvolvidas

conforme os macro campos: acompanhamento pedagógico (letramento e

matemática) Taekwondo, capoeira, percussão, dança, canto coral, jornal escola,

xadrez, rádio, técnica agropecuária. As atividades ofertadas pelas escolas totalizam

de cinco a seis atividades são distribuídas e adaptadas de acordo com a realidade

da escola. Como exemplo, a escola rural que oferta aos alunos do programa uma

oficina de agropecuária tendo um monitor técnico na área, entre outras. Segundo o

PC, “São desenvolvidas as atividades de letras, matemática, técnico em

agropecuária, percussão, música e dança” (PC - 2EB).

Atrelado ao espaço físico para a realização das atividades, as escolas (2EB),

(3EC), (4ED), e (6EF) estão em processo de adaptação, pois ainda há carência de

espaços amplos, outros espaços são ocupados como: o pátio, sala de multimídia,

biblioteca e o salão da própria comunidade. Segundo os professores coordenadores,

a falta de espaço físico, nunca foi motivo para que os alunos ficassem desprovidos

das oficinas, pautando-se na utilização dos espaços escolares e não escolares.

Mediante aos relatos, destacamos que todas as escolas possuem um plano de

trabalho organizado entre os professores coordenadores e monitores, algumas

escolas organizam através de decreto, projetos e metas que norteiam as ações do

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programa de forma a integrar diferentes saberes e conhecimentos dos alunos. Como

podemos verificar,

Sim, pelo Decreto Nº 7.083, mas construímos um projeto em cada oficina. (PC - 1EA) Sim, juntamente com os monitores elaboramos o projeto que irá nortear as ações dentro do plano de trabalho. (PC - 6EF) Sim, o plano de trabalho é definido através de metas, para que as metas sejam alcançadas é preciso trabalhar em cima das dificuldades dos alunos de forma contextualizada e interdisciplinar juntamente com os conteúdos do turno regular. (PC - 3EB)

Conforme a citação acima o Decreto Nº 7.083, art. 2º, é o primeiro princípio do

programa que corresponde as disciplinares curriculares com diferentes campos de

conhecimentos e práticas socioculturais. Quanto ao Projeto Político-Pedagógico

(PPP), das (6) seis escolas pesquisadas, (4) quatro delas estavam em processo de

reformulação. No entanto, salientamos que as atividades precisam estar interligadas

e explicitas no projeto político-pedagógico da escola e articuladas aos documentos

norteadores do programa e todos envolvidos no processo tenham conhecimento

para que possam junto aos seus gestores articular propostas que contemple o PPP

da escola, tendo em vista as necessidades educacionais dos alunos. Segundo Lück:

Todos os estabelecimentos de ensino têm a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica (Art. 12º. da Lei 9.394/ 96), também referida em outro artigo da LDB como projeto pedagógico da escola (Art. 14º. inciso I). [...] conjunto e direção ao processo pedagógico intencional a ser promovido na escola, mediante a contribuição de seus professores e demais membros da comunidade escolar. (LÜCK, 2009, p.38)

O Projeto Político-Pedagógico constitui-se em diferentes ações que através da

realidade, os educandos constituem conhecimento. Nessa perspectiva, a instituição

deve apresentar sua proposta pedagógica respeitando os interesses da população,

aceitando a participação da comunidade escolar na forma como produz, divulga e

socializa o conhecimento, integrando a ação educativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para alcançarmos o objetivo aqui proposto foi feito um estudo sobre as

políticas públicas educacionais, baseada na concepção da Educação Integral e a

caracterização do Programa Mais Educação fundamentada na Portaria nº 17/2007,

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cuja proposta visa à ampliação do tempo escolar e a organização curricular no

oferecimento de atividades socioeducativas.

As informações levantadas através desse estudo apontaram alguns impactos

importantes quanto á implementação do programa, principalmente no que se refere

ao espaço físico, as escolas pesquisadas estão em processo de adaptações

ampliando no sentido de melhor acolher os alunos, pois algumas escolas ainda

apresentam carência de espaços mais amplos para um melhor desenvolvimento de

suas atividades. No que diz respeito o tempo escolar são destinadas sete horas

diárias, incluindo alimentação e oficinas no contraturno resultando na permanência

dos alunos em um período maior no âmbito escolar. Para mediar às atividades cada

escola indicou um professor da própria instituição para ser o coordenador

responsável pelo programa juntamente com os monitores.

Compreendemos que o trabalho realizado pelas escolas propicia o

desenvolvimento integral dos alunos de acordo com a proposta do programa,

através de atividades socioeducativas que promovem a integração dos

conhecimentos curriculares e sociais. Entretanto as atividades da jornada ampliada

precisam estar ligadas ao Projeto Político-Pedagógico (PPP). Conforme determina a

Portaria n° 17, ao afirmar que é necessário: “[...] integrar as atividades ao projeto

político-pedagógico das redes de ensino e escolas participantes” (art. 6°, III).

Contudo, concluímos que o Programa Mais Educação instituído no município

de Santa Maria/RS em 2010, é uma realidade nas escolas pesquisadas. Tendo em

vista que o processo de implementação constitui-se em um esforço do governo

federal em garantir a educação integral para crianças, adolescentes e jovens na

educação básica. O estudo sobre a educação integral trouxe à tona alguns aspectos

que podem servir de base para novas discussões sobre o Programa Mais Educação,

principalmente no que se refere à construção de um Projeto Político Pedagógico

articulado com a proposta curricular do Programa Mais Educação, traduzindo a

forma de organização pedagógica e curricular das atividades desenvolvidas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Educação integral/educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira - Mapeamento das experiências de jornada escolar ampliada no Brasil. Brasília: MEC/SECAD, 2009.

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_______. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.

______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Dispõe sobre As Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF, 23 dez. 1996.

CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 10ª Ed. São Paulo: Cortez, 2009.

GADOTTI, M. Educação Integral no Brasil: Inovações em Processo. São Paulo, Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2009. (Educação Cidadã 4)

LÜCK, H. Dimensões de gestão escolar e suas competências. Curitiba, Editora Positivo, 2009.

MANUAL OPERACIONAL DE EDUCAÇÃO INTEGRAL. Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Brasília/DF, 2012.

MINAYO, M. C. de S. (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008.

MOLL, J. Município que educa: nova arquitetura da gestão pública. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire (Ed,L), 2009.

PORTARIA NORMATIVA INTERMINISTERIAL Nº 17, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa Mais Educação, que visa fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades sócio-educativas no contraturno escolar. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 abr. 2007b.

PROJETO DE LEI DO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (PNE 2011/2020): projeto em tramitação no Congresso Nacional / PL nº 8.035 / 2010 / organização: Márcia Abreu e Marcos Cordiolli. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2011. 106 p. (Série ação parlamentar; n. 436)

TEIXEIRA, A. Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.31, n.73, jan./mar. 1959. P.78-84.

VEIGA, I. P. A. Perspectivas para reflexão em torno do projeto político-pedagógico. In: VEIGA, I.; RESENDE, L. M. (orgs). Escola: espaço do projeto político-pedagógico. São Paulo: Papirus Editora, 2003. 200 p.

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POLÍTICAS PÚBLICAS E OS PROGRAMAS DE CORREÇÃO DE FLUXO NO RS:

EFEITOS DA RACIONALIDADE NEOLIBERAL NA GESTÃO ESCOLAR

Alana Cláudia Mohr1

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, principalmente após a Declaração Mundial de Educação

para Todos (1990), tem sido cada vez mais comum a criação de políticas e

programas que visam atender as mais variadas necessidades das populações

emergentes. Com crescimento demasiadamente expansivo, os programas vêm

oferecendo recursos que dão condições para que os sujeitos conduzam suas

condutas para um empreendedorismo de si, um investimento em si.

Estes recursos vão desde abastecimento de gás, recurso para a alimentação e

se estendem a ações como cotas em universidades, benefício para atividades

culturais, de iniciativa e provimento do Estado, bem como a ações que objetivam

maquiar os altos índices de reprovação e evasão escolar como é o caso dos

Programas de Correção de Fluxo, que também são programas de iniciativa privada,

como as Organizações Não Governamentais – ONGs (Instituto Ayrton Senna).

Neste estudo parto do entendimento que ações e programas deste cunho são

estratégias de governamento da contemporaneidade, que vem sendo desenvolvidas

para assegurar o controle sobre todos os sujeitos, a condução das condutas.

Durante a graduação tive a oportunidade de conhecer “outras” turmas para

além das tradicionalmente organizadas por série/ano, as turmas de correção de

fluxo: “Se Liga” e “Acelera Brasil”. Foi neste momento, que indagações e

questionamentos iniciais começaram a ganhar forma: Qual o objetivo destas

“turmas”? Como é feita a escolha/avaliação dos alunos encaminhados? Como os

conteúdos organizados nacionalmente em cartilhas poderão contribuir no ensino e

aprendizagem destes alunos? De que forma estes programas são oferecidos e

implementados nas escolas? Quais as condições de possibilidade fizeram emergir

estes programas? Como a Gestão Escolar vem conduzindo estas medidas? Entre

outras questões.

1 Graduação em Educação Especial. Especialista em Gestão Educacional. Mestre em Educação. Doutoranda em Educação. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: <[email protected]>

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Para dar início a problematização intencionada neste trabalho, primeiramente

busquei informações no site da Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do

Sul (Seduc) sobre os Programas de Correção de Fluxo adotados pela Rede

Estadual. A Rede Estadual de ensino conta com três programas para atender

alunos em defasagem idade/série/ano: Trajetórias Criativas, Acelera Brasil e Se

Liga.

Diante disso, opto por tomar destes Programas, os programas “Acelera Brasil”

e “Se Liga”, juntamente com as Políticas e Legislações da Educação, como corpus

de análise desta investigação. Essa escolha acontece em função de que a

organização dos programas “Se Liga” e “Acelera” se dá por uma instituição privada,

o Instituto Ayrton Senna, que a partir da parceria com o Estado, instituição pública,

são implementados nas escolas.

Nesse sentido, este estudo adota como materialidade analítica os Programas

de Correção de Fluxo “Acelera Brasil” e “Se Liga”, considerando que estes são

tecidos pela racionalidade neoliberal que vem nomeando, de determinadas formas,

os sujeitos, as ações, as condutas, as vidas.

Partindo de estudos e leituras da perspectiva pós-estruturalista, a qual tem

como um dos principais estudiosos, o filosofo francês Michel Foucault, passo a ter

outras maneiras de olhar e de problematizar situações postas como verdades únicas

em nosso cotidiano. Deste modo, ancorada na noção de governamentalidade

proposta por este autor é que início o movimento analítico proposto neste trabalho.

Para isto, tomo juntamente com Foucault a governamentalidade como conjunto de

técnicas e procedimentos a serviço de um tipo de racionalidade, que se constitui no

triplo soberania-disciplina-gestão governamental, tomando o sentido de governo

político e de governo como condução das coisas, do Estado e da população, ou

seja, das pessoas (FOUCAULT, 2010).

Assim, sob o aporte teórico oferecido pelos estudos pós-estruturalistas, busco

neste trabalho entender as condições de possibilidade que fizeram emergir estes

Programas como uma necessidade da Educação para Todos, e compreender como

estes Programas vem funcionando enquanto estratégia de governamento dos

sujeitos escolares.

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AVENTURANDO-SE COM A MATERIALIDADE ANALÍTICA

Partindo da compreensão de que não se pode falar de qualquer coisa em

qualquer época, a análise que pretendo desenvolver neste trabalho vai em direção

ao entendimento de que um determinado objeto (como o conjunto de enunciações

sobre os Programas de Correção de Fluxo) “existe sob determinadas condições, na

dinâmica de um feixe de relações, e que há condições de aparecimento histórico de

um determinado discurso, relativas às formações não discursivas (instituições,

processos sociais e econômicos)” (Fischer, 2001, p. 221). Conforme Fischer (2001),

tudo isso pode ser aprendido e descrito a partir dos próprios textos; a partir deles, é

possível destacar as regras pelas quais o jogo de relações entre o discursivo e o não

discursivo, em uma determinada época, fazem aparecer aquele objeto, e não outro,

como objeto de poder e saber.

Nesse sentido, é ainda, os efeitos de verdade desses discursos aqui

analisados, que engendram forças e que disputam espaços de poder, relações de

saber-poder que operam estratégias discursivas capazes de produzir determinadas

ações e configurações da gestão escolar; de capturar os “comportamentos” dos

sujeitos através dos discursos.

A partir disso, trago a seguir, a contextualização e explicação dos Programas e

de como estão organizados e planejados para a implementação nas escolas

públicas. As informações dos Programas “Se Liga” e “Acelera” foram retiradas,

integralmente, do Guia de Tecnologias Educacionais 2011/2012 do Ministério da

Educação (MEC). Este documento está disponível no site do MEC na Secretária de

Educação Básica (SEB), e conforme lá explicitado é composto pelas tecnologias

pré-qualificadas em conjunto com as tecnologias desenvolvidas pelo MEC. Com

essa publicação, o MEC visa a oferecer aos gestores educacionais uma ferramenta

a mais que os auxilie na aquisição de materiais e tecnologias para uso nas escolas

públicas brasileiras. Ele está organizado em cinco blocos de tecnologias, nos quais

os programas de Correção de Fluxo, “Se Liga” e “Acelera Brasil”, estão alocados

neste Guia no eixo referente ao Ensino-Aprendizagem.

O “Se Liga” é um programa de gestão da alfabetização, caracterizado pela

conjugação de princípios, metodologias e materiais pedagógicos pensados e

planejados para propiciar o desenvolvimento de habilidades de leitura, escrita e

cálculo. Lançado em 2001, consiste em oferecer ações de alfabetização para

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crianças repetentes no Ensino Fundamental por não saber ler nem escrever,

possuindo como objetivo a diminuição da evasão escolar. Os procedimentos deste

projeto têm início a partir da avaliação dos alunos que repetem o ano letivo, uma ou

mais vezes.

Nesta avaliação, feita pela escola, são destinados ao “Se Liga” os alunos que

não alcançam os índices almejados pelos fundadores do programa. Sendo assim, os

alunos passam a frequentar salas com no máximo 25 estudantes, atendidos por um

professor da rede de ensino, capacitado a implementação do Programa. O

diferencial da metodologia é a ênfase dada à leitura, bem como a utilização de

materiais que facilitam a aquisição do conhecimento.

O Se Liga é implementado na rede pública de ensino (municipal e/ou estadual)

após diagnóstico da alfabetização. Os alunos são identificados com base nos

resultados da aplicação de teste de alfabetização de titularidade do Instituto Ayrton

Senna (IAS). As turmas são formadas e durante o ano letivo estarão sob a

responsabilidade de profissionais pertencentes ao quadro de pessoal da rede onde

ele acontece, após capacitação.

Já, o Programa “Acelera Brasil” foi lançado no final da década de 90, em 1997.

Consiste em um Programa de cunho emergencial criado para corrigir o fluxo no

Ensino Fundamental. O programa propõe ações para que os alunos alcancem à

série/ano correspondente a idade ideal. Para tanto, alguns alunos realizam mais de

uma série no período de um ano letivo. O programa tem o objetivo de equilibrar a

distorção entre idade e série/ano e com isto influenciar positivamente nos índices de

evasão e repetência escolar.

Da mesma forma que o “Se liga” o Programa “Acelera” agrupa os alunos em

turmas de 25 alunos. Neste espaço, durante 200 dias letivos, os alunos são

atendidos por professores da rede de ensino. Estes professores são devidamente

capacitados para aplicar a metodologia do projeto, que se ancora em um material

didático específico, de cunho nacional, disponibilizado aos professores e alunos dos

Programas.

O Acelera Brasil é um programa de correção de fluxo para alunos matriculados

prioritariamente do 2º ao 4º ano do Ensino Fundamental, alfabetizados, e que

tenham, no mínimo, dois anos de distorção idade/série. Objetiva propiciar a esses

alunos a oportunidade de desenvolver as habilidades relativas à primeira fase do

Ensino Fundamental, para que possam chegar, o mais rápido possível, à série

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correspondente às suas idades. Trabalha com turmas heterogêneas em idade e

série de origem.

A GESTÃO DA EDUCAÇÃO: EFEITOS DA RACIONALIDADE NEOLIBERAL NA

GERÊNCIA DA ESCOLA PARA TODOS

Na lógica Neoliberal, o princípio de Educação para Todos se constitui como um

princípio de relação entre a escola e todos os sujeitos, como um princípio de relação

do Estado com a população. O Estado tem a função de organizar e implementar

determinadas ações e políticas que visem dar condições de possibilidade para o

aumento dos índices educacionais, para a promoção de uma Educação para Todos

de qualidade, ou seja, o Estado oferece a implementação dos Programas de

Correção de Fluxo, e esta implementação só é possível através de parcerias com

outras instituições. Feito seu “papel”, o Estado deposita no sujeito-aluno a

responsabilidade de desenvolver condições de participação, todos devem ter

condições de investimento em si para se autogestar, alcançando possibilidades de

participação e avanços em seu processo de escolarização. Segundo Drabach,

A política neoliberal empregada tanto na reforma do Estado quanto na reforma da gestão educacional se baseia no princípio de que são os fatores internos, problema técnicos que impedem o desenvolvimento dos sistemas de ensino. Por isso defende-se uma gestão escolar fundada nos princípios da globalização, do neoliberalismo, inclusive como forma de reduzir a pobreza, uma vez que estaria preparando trabalhadores com as qualidades exigidas pelo mercado. (DRABACH, 2011, p. 4)

Tomando essa forma de compreender o presente e aquilo que tem sido

produzido e que vem organizando os sistemas educacionais do país, compreendo

que as ações organizadas e operadas pelos Programas de Correção de Fluxo, além

de terem o objetivo de alavancar e melhorar os índices educacionais, agem também

sob o sujeito-aluno no sentido de conduzi-lo a norma, a normalização, garantindo a

segurança de todos, da população, uma vez que, conduzindo os sujeitos a estes

espaços de “correção”, estes não estarão a margem do Estado, e sim no setor

governado, configurando-se assim enquanto uma estratégia de governamento.

Dessa forma, entendo também que, essa condução dos sujeitos-alunos para

estes espaços de “correção” só se tornou possível a partir de uma gestão da

educação, ou seja, houve um esforço e investimento muito produtivos na

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mobilização de todos para o envolvimento e comprometimento com a educação, e

isso ocorreu porque houve condições de possibilidade para tal.

Nesse contexto, a partir do princípio da Educação para Todos, a intenção neste

momento está em tensionar e problematizar a necessidade de uma outra forma de

gerenciar a Escola, já que esta vem configurando-se como uma Escola para Todos,

cada vez mais inclusiva, cujo objetivo principal é promover a inclusão de todos,

combatendo o fracasso escolar, a evasão e a repetência/retenção. Para isso, tomo a

gestão escolar como responsável pela gerência dos “corpos”, da condução das

condutas dos indivíduos que transitam pela instituição escolar.

Considerando que os Programas de Correção de Fluxo são implementados

através da solicitação da própria escola, a partir dos índices avaliados no Censo

Escolar e no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), podemos

considerar que esta escolha é feita de forma liberal e autônoma. Ou seja, a gestão

escolar tem autonomia e liberdade em solicitar ou não a implementação e realização

destes Programas na sua escola, no entanto, cabe ressaltar que está escolha está

estreitamente subjetivada pela auto - responsabilização por seus resultados.

Adrião (2006) coloca a autonomia como o centro da ressignificação dos

mecanismos da gestão democrática, na lógica gerencial. Esta lógica, por sua vez, é

entendida no sentido da responsabilização das unidades escolares pelo sucesso ou

o fracasso das políticas educacionais. A autora destaca ainda que, o discurso sobre

a autonomia escolar, nessa perspectiva da gestão gerencial, tem por objetivo

“qualificar o movimento em direção à responsabilização das unidades escolares,

enquanto unidades produtoras das mazelas do ensino fundamental e como tais,

responsáveis primeiras pela correção destas mesmas mazelas”. (ADRIÃO, 2006,

p.68).

Nesse contexto, Drabach (2011) ao contextualizar as palavras de Adrião

(2006), ressalta que diferentemente do objetivo que permeava a autonomia como

construtora da democracia, na década de 1990 ela passa a ser adotada como meio

que contribui para aumentar a eficiência da escola, maximizando os resultados

educacionais. Portanto, o que acontece no modelo de gestão gerencial é a

transferência de funções para a escola em nome da autonomia que traz em seu bojo

o significado supostamente democrático. Na verdade a sua adoção não passa de

um mecanismo para viabilizar a implementação de práticas mercadológicas no

âmbito educacional. (DRABACH, 2011).

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Nessa direção, feita a opção, pela escola, por solicitar e implementar estes

Programas, determinadas ações são colocadas em operação para que estes

Programas “funcionem”. Uma delas refere-se a formação de todos os envolvidos

com a aplicação e implementação dos Programas de Correção de Fluxo nas suas

respectivas escolas. Estes recebem formação e informação sobre os Programas,

suas ações, metodologias, avaliações, etc., como o excerto abaixo nos mostra.

Os gestores educacionais e os professores recebem capacitação e uma equipe acompanha o passo a passo dos programas para que qualquer problema possa ser resolvido durante o processo, sem comprometer o aprendizado do aluno. As famílias são mobilizadas a participar da formação de seus filhos. (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2013).

Com o objetivo de capacitar os docentes que serão responsáveis pela aplicação dos programas Se Liga e Acelera Brasil em sala de aula, a Secretaria de Estado da Educação do Rio Grande do Sul, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, realizou uma formação presencial em abril, reunindo mais de 400 professores. Em 2012, os dois programas juntos beneficiarão mais de 2.700 alunos da rede estadual de ensino daquele Estado. (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011).

Com a capacitação específica, e o envolvimento e comprometimento da gestão

escolar na implementação dos Programas de Correção de Fluxo, a gestão passa a

assumir determinadas funções e a operar determinadas ações em prol do sucesso e

da garantia da eficiência destes Programas com os objetivos para os quais se

comprometem. O excerto acima ainda nos indica que além dos gestores

educacionais, a família também deve ser mobilizada. “A gestão escolar pressupõe

participação efetiva de todos os segmentos da comunidade escolar no

gerenciamento da instituição” (HATTGE, 2009, p. 137).

A participação na lógica da gestão gerencial consiste no estabelecimento de

parcerias com setores sociais que se disponham a colaborar com a melhoria do

ensino público (DRABACH, 2011). O movimento “Todos pela Escola”, colocado em

vigor em 2006, delega para a sociedade civil, através de estratégias de

governamento, a condução dos sujeitos ao trabalho voluntário, a responsabilidade

pela manutenção dos estabelecimentos de ensino, pela realização de atividades

extracurriculares e a prestação de outros serviços desenvolvidos de forma solidária

no âmbito da escola. Ou seja, articula-se os princípios da autonomia e participação

da gestão democrática, em uma lógica da gestão gerencial, em tempos de

Neoliberalismo.

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Dessa forma, as escolas, ao fazerem a escolha por estes Programas, passa a

ter um projeto educativo que organiza diferentes ações em prol do princípio da

Educação para Todos, preocupando-se com os alunos em distorção idade-série,

com os índices educacionais que vem apresentando nas avaliações (Censo Escolar

e Ideb). Pensando que, a escola, na figura do gestor escolar torna-se responsável

pelos seus resultados, esta busca através de determinadas ações e estratégias

mudar sua “imagem”, e assim opta por aderir e implementar os Programas de

Correção de Fluxo. Essa é uma estratégia, colocada em operação pelo Estado,

para governar com mais eficácia e economia. Popkewitz (apud SILVA, 1998, p. 9)

nos lembra que essa é uma “tendência que tem como quadro político mais amplo

precisamente o esforço de extensão da esfera da autonomização da sociedade que

caracteriza o neoliberalismo”.

Partindo do entendimento, conforme previsto na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (1996), de que a gestão escolar deve estar pautada e subsidiada

pelo princípio da gestão democrática, aspectos referentes à autonomia, participação

e autogestão configuram-se como fundamentais nesse novo modo de gerir a escola,

que vem sendo exigido na contemporaneidade. Neste documento, podemos

perceber a participação, a autonomia pedagógica e administrativa das escolas

sendo asseguradas.

Art. 14º. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes;

Art. 15º. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público. (BRASIL, 1996, p. 7)

Assim, a escola enquanto uma instituição que vem sendo produzida para ser

cada vez mais autônoma, acreditando ter a liberdade de livre escolha, vem sendo

conduzida a este modo. “Dessa forma, as escolas estão sendo chamadas a se

autogerirem” (HATTGE, 2009, p. 140). Ou seja, o Estado investe em determinadas

políticas e ações com o intuito de produzir a escola enquanto uma instituição

produtiva para o governo, de forma que, ela se autogerindo, a partir dos princípios

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de autonomia e livre participação de todos da comunidade escolar, ao mesmo tempo

que é governada, possa também governar, empreendendo investimentos em si

próprio e nos alunos para alcançarem determinados objetivos, que no caso desse

trabalho, estão sendo olhados os objetivos em relação aos índices educacionais

referente aos alunos em distorção idade/série.

[...] Supostamente, um leque de opções se abra a sua frente. Basta fazer as escolhas certas, e qualquer um pode obter sucesso. [...] Esses sujeitos não serão simplesmente governados, Mas autogovernados, porque escolhem acreditando escolherem de forma autônoma. Também não podemos esquecer que essa autonomia das escolas e dos sujeitos é econômica para o Estado, que se desobriga de suas funções, porém, continua exercendo o controle, através de mecanismos de avaliação, prestação de contas e outros dispositivos acionados no interior do sistema educacional. (HATTGE, 2009, p. 140)

Nesse sentido, o que me interessa observar é que, as escolas sendo

produzidas para agirem e se configurarem de tal forma, com liberdade e autonomia,

significa assumirem também a responsabilidade por essa gestão, e autogestão. As

escolas passam a assumir a responsabilidade por suas ações, resultados, índices,

ou seja, passam a serem produzidas pelo que elas mesmas produzem. Os discursos

neoliberais, conforme Hattge (2009, p. 142) “se esforçam por construir e difundir a

ideia de que cada um é responsável por sua qualificação [...] podemos dizer que, ao

adquirirem autonomia, as escolas também se tornam responsáveis pelos seus

resultados”.

As escolas e os sujeitos, quando investidos dessa “autonomia”, passam a

assumir as responsabilidades por seus atos e escolhas, e, claro, pelas

consequências destes. A escola ao ser avaliada como uma escola com índices de

alunos em distorção idade/série elevados, deve tomar atitudes e posicionamentos

para mudar estes índices. O Estado oferece ações para esta mudança, os

Programas de Correção de Fluxo, cabe a escola escolher se quer ou não

implementar estes Programas. Cabe ressaltar que esta escolha é feita, a partir do

investimento do Estado, em cima de inúmeras estratégias que produzem estes

Programas como a melhor opção a ser feita.

Essas estratégias estão relacionadas as Políticas Públicas de Educação do

País, além de inúmeras publicações e propagandas enaltecendo e expondo os bons

resultados alcançados por estes Programas, como pode ser visualizado novamente

no excerto abaixo.

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Para 70% dos diretores de escolas, os dois programas contribuíram para modificar a visão dos processos de ensino e aprendizagem, inclusive das turmas regulares. 90% deles disseram ser a favor da continuidade dos programas nas escolas. Em relação aos professores, 60% dos que deram aulas pelo Acelera Brasil e 80% dos professores do Se Liga acreditam que os programas modificaram suas visões dos processos de ensino e aprendizagem (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2012, p. 1).

Portanto, a autonomia delegada às instituições escolares e a possibilidade de

poderem escolher ou não a implementação dos Programas de Correção de Fluxo

ofertados pela Rede Estadual de Educação, leva ao governamento dos sujeitos, a

um maior direcionamento de suas ações para que atendam e evoluam nos índices

educacionais colocados e esperados para a Escola e região. Esse governamento é

operado de forma sutil e produtiva, a partir do funcionamento de determinadas

estratégias já discutidas neste trabalho.

ALGUMAS POSSÍVEIS CONSIDERAÇÕES...

As condições de possiblidades para a emergência dos Programas de Correção

de Fluxo enquanto estratégia de governamento para que o sujeito, que está na

condição de sujeito desviante, se torne sujeito-aluno da escola contemporânea, é

que ele esteja incluído na escola, ou seja, que ele seja mais um número nos índices

pretendidos, que ele faça parte e participe da lógica do Neoliberalismo.

Em geral, práticas e pequenas técnicas como: tabelas, gráficos, índices,

formulários, fabricam e fixam o indivíduo e sua diferença à medida que acumulam e

ordenam uma massa de significações. O sujeito obediente é produzido e sustentado

por esse poder pouco notado e difícil de denunciar: um poder que circula através

das práticas disciplinares numa rede de instituições sociais tais como a escola

(PIGNATELLI, 2011).

Campanhas governamentais baseadas em estatísticas, índices, pesquisas

acadêmicas, ações da mídia, entre outros mecanismos, “são postos em

funcionamento para operar o convencimento de todos sobre a necessidade de

transformação da escola em um espaço aberto a diversidade” (MENEZES, 2011, p.

51).

Nesta direção, os Programas de Correção de Fluxo ao funcionarem enquanto

estratégia de governamento operam a partir das ações e orientações estipuladas,

práticas discursivas que buscam enquadrar os indivíduos, dentro do contexto

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escolar, produzindo-os sujeitos-alunos a partir de uma norma. Ou seja, os

Programas de Correção de Fluxo, enquanto estratégia de governamento, validaram-

se como um saber verdadeiro e legítimo, o qual dificilmente é contestado. Esse

efeito da não contestação pode ser percebido na organização e divulgação dos

índices e resultados (estatísticos) alcançados coma implementação destes

Programas. Esses dados contribuem para a produção de representações sobre a

eficácia destes Programas para atuarem na reparação dos índices de alunos em

distorção idade/série no Brasil. E, ainda, operam na condução das condutas dos

sujeitos, governando-os para o discurso de que uma boa educação significa baixos

índices de aluno sem distorção idade/série, portanto, estes devem sair desse lugar,

e migrarem para os índices dos alunos que avançaram em seu processo de

escolarização.

Não tenho o intuito de dizer o que é ou não verdadeiro ou correto a partir

destes Programas, nem de esgotar as possibilidades de tensionamentos e

desdobramentos das ações operadas e dos dados estatísticos publicados. Queria

sim, a partir do uso de determinados conceitos e filiações teóricas, tensionar e

problematizar algumas questões relacionadas a estes Programas, como estão

organizados e objetivados, a condições de possibilidade que balizam a emergência

destes para o governamento da condução das condutas; e os efeitos desta

estratégia de governamento para a educação, e para a gestão escolar.

REFERÊNCIAS

ADRIÃO, T. Educação e produtividade: a reforma do ensino paulista e a desobrigação do Estado. São Paulo: Xamã, 2006.

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_____. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Censo Escolar. Censo Escolar 2012. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_censo_educacao_basica_2012.pdf Acesso 14 out. 2013

_____, MEC. Guia de Tecnologias Educacionais 2011/12. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2011. 196 p. Disponível em http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000016303.pdf Acesso 21 ago. 2013.

DRABACH, N. P. Gestão Gerencial: A Ressignificação Dos Princípios Da Gestão Democrática. Anais ANPAE. 2011. Disponível em http://www.anpae.org.br/simposio2011/cdrom2011/PDFs/trabalhosCompletos/comunicacoesRelatos/0413.pdf Acesso dez. de 2013.

FISCHER, R. M. B. Foucault e a Análise do Discurso em Educação. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 197-223, nov/ 2001.

_____. A Governamentalidade. In: MOTTA, M. B. Ditos & Escritos IV: estratégia, poder-saber. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 281-305

_____. O Uso dos Prazeres e as Técnicas de Si. In: MOTTA, M. B. Ditos & Escritos V: Ética, sexualidade, política. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010a, p. 192-217.

HATTGE, M. D. Empresariamento da educação e autonomia escolar: estratégias de governamento na escola inclusiva. In: LOPES, M. C.; HATTGE, M. D. (Orgs.) Inclusão Escolar: conjunto de práticas que governam. Belo Horizonte: Autêntica. 2009, p. 131- 148.

MENEZES, E. da C. P. A maquinaria escolar na produção de subjetividades inclusivas. Tese de Doutorado. Programa de Pós Graduação em Educação. Universidade do Vale dos Sinos, 2011.

PETERS, M. Governamentalidade Neoliberal e educação. In: SILVA, T. T. da. O sujeito da educação: estudos foucaultianos. 8 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. p. 211-224

PIGNATELLI, F. Que posso fazer? Foucault e a questão da liberdade e da agência docente. In: SILVA, T. T. (Org.). O sujeito da educação: estudos foucaultianos. 8 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

SILVA, T. T. da. As pedagogias psi e o governo do eu. In: SILVA, T. T. da (Org.) Liberdades reguladas: a pedagogia construtivista e outras formas de governo do eu. 2 ed. Petropolis: Vozes, 1998. p. 7-13.

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O PRINCÍPIO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

DOCENTE: DISSOLUÇÕES ENTRE PROPOSTAS DE CARÁTER DEMOCRÁTICO

E/OU NEOLIBERAL

Letícia Ramalho Brittes1

Joacir Marques da Costa2

INTRODUÇÃO

Em meados dos anos 1990, empreendeu-se, no Brasil, um processo de

reformas da matriz neoliberal3 que resultou na desconstrução dos compromissos

ético-políticos e sociais firmados pelo Estado na Constituição de 1988. De uma

forma associada e subalterna, esse processo inseriu o Brasil no atual quadro

hegemônico mundial, introduzindo um conjunto de “hábitos da educação privada e

de suas sensibilidades comerciais e “moral utilitária” na prática educacional” (BALL,

2004). Tal reforma efetivou nas políticas públicas, através da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96) e demais instrumentos legais, um

procedimento educacional pulverizado e compensatório.

É no contexto dessa problemática que se inserem as atuais políticas que

organizam e escola e o trabalho docente, gerando uma série de contradições nos

campos de atividades do setor público, provocando, segundo Ball, uma fragilidade

nos papeis, nas identidades e nas relações de trabalho que estão sendo criadas em

conformidade com essa lógica mercadológica (BALL, 2004), ocorrendo assim

[...] a instauração de uma nova cultura de performatividade competitiva que envolve uma combinação de descentralização, alvos e incentivos para produzir novos perfis institucionais. Esse processo de transformação se inspira tanto em teorias econômicas recentes como em diversas práticas industriais "que vinculam a organização e o desempenho das escolas a seus ambientes institucionais" (Chubb & Moe, 1990, p. 185) por meio de um sistema de recompensas e sanções baseado na competição e na performatividade. (BALL, 2004)

1 Professora de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no Instituto Federal Farroupilha. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas - RS (UFPel). E-mail: <[email protected]> 2 Professor do Ensino Superior na Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA. Doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria – RS (UFSM). E-mail: <[email protected]> 3 Conforme Harvey, o neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livres comércios (2008, p.12)

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Nessa perspectiva, a presente proposta de estudo problematiza a

institucionalização do Princípio da Gestão Democrática4 no sistema público de

ensino, que ocorreu especificamente nesse contexto, e as implicações desta

normativa na configuração do trabalho docente. Interessa-nos problematizar como o

enfoque democrático, garantido em lei, tem atuado paralelamente à cultura da

performatividade que tem delineado novos papéis e novos perfis na configuração do

trabalho docente. Para tanto, realizou-se uma pesquisa de cunho bibliográfico para

subsidiar a discussão em torno das dissoluções que têm sido geradas no trabalho de

enfoque democrático no contexto das diretrizes de políticas públicas que tem

organizado o trabalho dos professores.

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NA PERSPECTIVA DA GESTÃO

DEMOCRÁTICA

Baseando-se nos princípios de democracia, participação coletiva, qualidade e

autonomia, é estabelecido este modelo de gestão nas escolas sendo,

primeiramente, assegurado na Constituição Federal de 1988 e, mais tarde, na LDB

n° 9.394/96.

De encontro ao enfoque tecnocrático que situava a Administração Escolar5 no

âmbito da Administração Geral6, foram desenvolvidas algumas propostas que

previam a participação da comunidade escolar, no âmbito educacional. Neste

cenário, ocorre também a transição do termo Administração Escolar para o termo de

Gestão Escolar, o qual deriva de uma concepção mais generalizada, a Gestão

Educacional. Em acordo com Sander, [...] “a gestão da educação abarca desde a

formulação de políticas e planos institucionais e as instituições escolares até a

4 Conforme Sander, esse modelo de gestão é voltado para a cidadania e tem uma orientação política e cultural. (SANDER, 2005, p. 126). 5 As primeiras teorizações sobre Administração Escolar foram desenvolvidas no Brasil a partir da década de 1930. Segundo Sander, tratava-se de uma teoria que, embora se apresentasse como educacional, era pautada nos princípios da Abordagem Clássica da Administração, condizente com o enfoque tecnocrático da educação (1995, p.14). 6Especificamente, no âmbito da Teoria Clássica da Administração, representada por duas correntes teóricas: a americana, representada por Taylor, que se preocupava em aumentar a eficiência da indústria por meio da racionalização do trabalho do operário; e a francesa, representada por Fayol, que se deteve em propor um aumento da eficiência da empresa por meio de sua organização e da aplicação de princípios gerais da administração em bases científicas. Nessa concepção, a atenção era predominada para a estrutura organizacional e a departamentalização (...) esse cuidado com a síntese e visão global permitia a melhor maneira de subdividir a empresa sob centralização de um chefe principal. (CHIAVENATO, 2000, p.45)

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execução, a supervisão e a avaliação das atividades de ensino, pesquisa e extensão

e a administração dos recursos financeiros, materiais e tecnológicos” (SANDER,

2005, p. 127). Assim, pode-se perceber que, além das questões administrativas, o

conceito de gestão irá incluir um cuidado com o pedagógico, ação que terá impacto,

também, sobre o trabalho docente.

Nesse sentido, este estudo almeja investigar que implicações o modo de

Gestão Democrática gera sobre o trabalho docente, uma vez que este princípio

torna-se uma normativa prevista em lei e que as escolas públicas no geral são

organizadas em acordo com essas determinações, torna-se relevante, doravante,

questionar que noção de democracia este tipo de gestão supõe.

No momento conturbado de reabertura política do país a palavra democracia

soava como reivindicação de liberdade e participação das camadas populares nas

decisões do Estado. No entanto, o projeto neoliberal adentrou este cenário, forjando

espaços para se instalar nos governos de modelo social democráticos. Com a fusão

da reorganização democrática no país e da implementação de políticas neoliberais

nas instituições públicas, o resultado de tal ação não poderia ser outro senão o de

uma confluência perversa7, visto que se trata de dois projetos políticos antagônicos:

de um lado, um projeto cujo enfoque é democrático, de natureza participativa; de

outro, um projeto de enfoque produtivo, baseado na cultura da organização-

empresa, cujo motor de suas decisões é o capital. Nessa perspectiva,

[...] A disputa política entre projetos políticos distintos assume então o caráter de uma disputa de significados para referências aparentemente comuns: participação, sociedade civil, cidadania, democracia. A utilização dessas referências, que são comuns, mas abrigam significados muito distintos, instala o que se pode chamar de crise discursiva: a linguagem corrente, na homogeneidade de seu vocabulário, obscurece diferenças, dilui nuances e reduz antagonismos. Nesse obscuramento se constroem subrepticiamente os canais por onde avançam as concepções neoliberais, que passam a ocupar terrenos insuspeitados. Nessa disputa, onde os deslizamentos semânticos, os deslocamentos de sentido, são as armas principais, o terreno da prática política se constitui num terreno minado. [...] Aí a perversidade e o dilema que ela coloca, instaurando uma tensão que atravessa hoje a dinâmica do avanço democrático no Brasil. (DAGNINO, 2004, p.198)

Como fruto desse contexto, o modo de Gestão Democrática no Ensino Público

denota uma polissemia do termo democracia. Assim, essa dualidade de interesses

remete-se ao que Antunes irá denominar fetichização da democracia, que

corresponde ao culto à sociedade democrática como uma instância realizadora da 7Expressão usada por Dagnino (2004) para designar a fusão dos dois projetos políticos em questão.

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utopia do preenchimento, capaz de desenvolver a “crença na desmercantilização da

vida societal e no fim das ideologias” (ANTUNES, 1995, p. 165).

De fato, vive-se um tempo de embate dual entre essas concepções em que se

percebe um “[...] obscuramento de distinções e divergências, por meio de um

vocabulário comum e de procedimentos e mecanismos institucionais que guardam

uma similaridade significativa” (DAGNINO, 2004, p. 200). Na escola não é diferente.

Esses deslizamentos semânticos, naturalizam algumas práticas8 e são recorrentes

na circularidade do discurso pedagógico dos professores que, em conformidade com

as exigências impostas pelo Estado através das políticas educativas e curriculares,

submetem-se ao projeto político neoliberal, que traz para o cotidiano escolar a

aplicação da teoria do Gerenciamento da Qualidade Total9, que se instala nessas

instituições através de um vocabulário de apelo democrático, com o uso recorrente

de expressões como autonomia, eficiência, avaliação de desempenho,

produtividade, descentralização, etc. Mas que no entanto, são palavras que ensejam

práticas que correspondem aos interesses de uma classe social bem definida10. A

esse respeito, Wood declara que

[...] a democracia no sentido literal de “governo do povo” não tem necessariamente o mesmo significado para todos. Pode significar simplesmente que o “povo” como um agregado político de cidadãos individuais, tem o direito de votar de tempos em tempos em representantes e funcionários, mas também pode ter sentido social mais profundo, relacionado com o “demos”, o povo comum desafiando a dominação de classe dos ricos. Esse “governo do povo”, ou poder popular, é o que a palavra democracia significa literalmente. (WOOD, 2003, p. 201)

É nesse sentido que a noção de democracia veiculada pelo Princípio da

Gestão Democrática assume um sentido paradoxal, pois a mesma democracia que

se apresenta em prol da participação da comunidade escolar nas decisões da

escola, também se revela uma prática autoritária, na medida em que se submete

aos ditames do projeto neoliberal. Nessa conjuntura, o neoliberalismo tornou-se

8Tais práticas subjazem pressupostos do Gerenciamento da Qualidade Total dentro de esquemas pré-estabelecidos, fechados e uniformizados (MACHADO, 1994, p.19), revelando posições autoritárias que se apresentam na perspectiva de busca pela ‘qualidade’. 9Na teoria do Gerenciamento da Qualidade Total (GQT), segundo Chiavenato, a obrigação de alcançar qualidade está nas pessoas que a produzem. (...) Nesses termos, o objetivo é fazer com que cada pessoa seja responsável pelo seu próprio desempenho e que todos se comprometam a atingir a qualidade de maneira altamente motivada (2000, p. 664, 665). No âmbito escolar essa lógica implica no aumento da autonomia escolar visando o fortalecimento do trabalho docente e de seu poder sobre o trabalho pedagógico (...) que define muito mais o conteúdo e a forma do processo do trabalho docente, ou seja, daquilo que deve ser ensinado e revertido em índices (HYPÓLITO, 2002, p. 279) que explicitem a noção de qualidade de forma quantitativa. 10Dito de outra forma, a classe detentora dos meios de produção: a burguesia.

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hegemônico como modalidade de discurso (HARVEY, 2008, p. 13; BERNSTEIN,

1990, p. 216), cuja funcionalidade é estabelecer a base discursiva tanto para a

expansão quanto para a crescente diferenciação dos agentes de controle

simbólico11. Com o crescente controle do Estado sobre suas próprias agências de

controle simbólico, especialmente a educação, em todos os níveis, os agentes

dominantes são extraídos do campo de produção, assumindo funções gerenciais

cruciais (BERNSTEIN, 1990, p.192). Nessa perspectiva, o critério orientador para a

organização do discurso pedagógico é o seu grau de relevância para o mercado.

O discurso educacional torna-se multifacetado. Conforme Bernstein, revela-se

um “discurso cada vez mais especializado e separado”12, ocasionando uma ruptura

entre aquele que conhece e aquilo que é conhecido (1990, p. 218). Dessa maneira,

a educação implica em um processo de desumanização, como se o conhecimento e

os conhecedores atuassem em mercados independentes. Nessa lógica

mercadológica opera a polissemia do termo gestão democrática, que além de

atender a interesses antagônicos, gera efeitos de sentidos sobre o trabalho docente

através da estruturação do discurso pedagógico na escola.

Conforme se discutiu anteriormente, o Princípio da Gestão Democrática,

enquanto política educativa, apresenta-se na forma de lei com o objetivo de garantir

a autonomia da escola pública, a participação dos professores e da comunidade

escolar na elaboração do projeto pedagógico da escola, bem como garante a

participação da comunidade local em conselhos escolares. De fato, essas

determinações conferem aos professores e à comunidade o direito de exercer o

controle democrático sobre os serviços educacionais oferecidos pelo Estado,

garantindo também a participação desses agentes no fazer pedagógico.

No entanto, tais declarações operam na lógica do controle simbólico, ou seja,

são reguladas por um conjunto de agências e agentes que se especializam nos

códigos discursivos das instituições que dominam. Tais agentes regulam os meios,

os contextos e as possibilidades dos recursos discursivos. (BERNSTEIN, 1990, p.

190).

11Os agentes de controle simbólico atuam no campo de controle simbólico, representando um conjunto de agências/agentes que se especializam nos códigos discursivos que eles dominam, regulando os meios, os contextos e as possibilidades dos recursos discursivos. (BERNSTEIN, 1990, p.190) 12Bernstein considera uma disciplina um discurso separado, especializado, com seu próprio campo intelectual de textos, práticas, regras de admissão, modos de exame e princípios de distribuição de sucesso e privilégios. O autor acrescenta ainda que elas são orientadas para o seu próprio desenvolvimento e não para aplicações fora delas mesmo. (BERNSTEIN, 1990, p.218)

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A IMERSÃO DO TRABALHO DOCENTE NA CULTURA DA PERFORMATIVIDADE

Ao encontro do que se discutiu até aqui, pode-se compreender que, no caso

dos professores, constituindo-se em um modo de garantirem suas condições de

existência, o trabalho configura-se “[...] no capitalismo, em uma das suas formas de

expressão” (KUENZER, 2002, p.82). Nesse sentido, a finalidade do trabalho

pedagógico, como modalidade de trabalho na sociedade capitalista, “[...] é o

disciplinamento para a vida social e produtiva, em conformidade com as

especificidades que os processos de produção, em decorrência do desenvolvimento

das forças produtivas, vão assumindo”. O disciplinamento, neste viés de

compreensão, implica o desenvolvimento de uma concepção de mundo tão

consensual quanto seja possível (KUENZER, 2002, p. 82), em acordo com as

demandas e “[...] necessidades de valorização do capital” (Idem). É nesse contexto

que se desenvolvem as políticas educativas no Brasil, conduzidas por organismos

internacionais. A nova regulação dessas políticas pode ser percebida através da

[...] centralidade atribuída à administração escolar nos programas de reforma, elegendo a escola como núcleo do planejamento e da gestão; o financiamento per capita, com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF); a regularidade e ampliação dos exames nacionais de avaliação institucional e os mecanismos de gestão escolares que insistem na participação da comunidade (OLIVEIRA, 2005, p. 130)

Desde então, as políticas para a educação, inseridas no contexto neoliberal,

têm incluído o princípio da competência do sistema escolar, que visa a uma

subordinação do sistema educativo ao mercado, ao mesmo tempo em que propõe

modelos gerencialistas de avaliação do sistema. A palavra ‘qualidade’ é

ressignificada, passando a atender objetivos mercadológicos, conforme Hypolito

esclarece

[...] No campo da educação, o conteúdo dos discursos hegemônicos na luta pela qualidade de ensino é importado do campo produtivo, reforçando a lógica e a mística da igualdade de mercado, do “deus mercado”. A ideologia da qualidade total, fortemente reificada na lógica de mercado, age tanto no campo administrativo-organizacional do processo de trabalho escolar e docente como na reprodução de um “novo modelo disciplinador menos visível” dos próprios agentes envolvidos no processo de ensino. Isto é, as políticas neoliberais para a organização da educação têm sido orientadas, em boa parte, para uma conformação (mercadológica) crescente da subjetividade dos agentes educacionais e de sua cultura de trabalho. (HYPOLITO, 2002, p.278).

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Nesse cenário, destaca-se um elemento cujo papel é crucial no conjunto das

políticas educacionais: a performatividade que, em acordo com Ball (2004),

“funciona de diversas maneiras para "atar as coisas" e reelaborá-las, permitindo que

o Estado se insira profundamente nas culturas, práticas e subjetividades das

instituições do setor público e de seus trabalhadores, sem parecer fazê-lo”. Além

disso, a performatividade atua no deslocamento de significados, produzindo novos

perfis profissionais e garante o "alinhamento". Assim, o sentido do trabalho docente

se desloca da noção originária de práxis13 para o trabalho inserido na lógica do

capital, conferindo abertura aos sistemas de gestão14 genéricos que visam a "obter"

desempenho, melhoria da qualidade e eficácia.

Dessa maneira, a performatividade gera um processo de estranhamento15

sobre o trabalho, em que muitos profissionais da educação tornam-se

irreconhecíveis para si mesmos. Diante da possibilidade de exercer sua iniciativa

individual, esses professores, inseridos na estrutura discursiva do mercado, acabam

presos a um processo de reificação16 em que a força de trabalho do ser humano

torna-se objeto, um bem de mercado; e o modo de produção dominante parece

adquirir valor vital nas relações sociais, impondo a lógica política, ideológica e

econômica do capital.

Na dimensão de um novo panopticismo de gestão (de qualidade total e

excelência) “o ato de ensinar e a subjetividade do professor sofrem profundas

13Entende-se por práxis, em acordo com o que Vásquez postula em sua obra intitulada Filosofia da práxis, uma atividade humana transformadora da natureza e da sociedade. Nesse plano, a filosofia se torna consciência, fundamento teórico e seu instrumento. A relação entre teoria e práxis é para Marx teórica e prática; prática, na medida em que a teoria, como guia da ação, molda a atividade do homem, particularmente a atividade revolucionária; teórica, na medida em que esta relação é consciente. Nesse sentido, pode-se considerar que a práxis é, portanto, a revolução, ou crítica radical que, correspondendo a necessidades radicais, humanas, passa do plano teórico ao prático. (2007, p. 109, 117) 14A esse respeito, Ball acrescenta que a gestão apresenta-se como uma ciência promíscua. Não tem relação necessária com substância ou processo. E na medida em que a gestão, no setor público, está se transformando numa função genérica, ela favorece o que Wright (2001) chama de "liderança bastarda" — uma liderança movida pelas preocupações políticas oscilantes do governo e as vicissitudes do mercado educacional. (BALL, 2004) 15Através do processo de objetificação do trabalho que, segundo Ball (2004), através da performatividade, objetifica e mercantiliza o trabalho do setor público, e o trabalho com conhecimento (knowledge-work) das instituições educativas transforma-se em “resultados”, “níveis de desempenho”, “formas de qualidade”. (BALL, 2004). 16Conforme Marx (1984) [a], na conjuntura do capital o produto do trabalho humano é visto - como mercadoria para a troca - aparece como se tivesse vida própria, autônoma. A reificação é exatamente a relação dos homens mediada por esta coisa - a mercadoria. Os sujeitos (os seres humanos) tornam-se coisas e a coisa (a mercadoria) vira protagonista. As relações sociais passam a ser relações “coisificadas” (reificadas), pois esta é a forma de sociabilidade imposta (conquistada) pelo sistema do capital.

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mudanças com as novas formas de controle empresarial” (Idem). Dentre os efeitos

causados por essa lógica empresarial, no controle das atividades pedagógicas,

destaca-se o desenvolvimento de um processo de individualização crescente, que

inclui a destruição das solidariedades baseadas numa identidade profissional

comum. Neste cenário, as políticas neoliberais e neoconservadoras buscam,

conforme Hypolito e Vieira, “[...] reconstruir a hegemonia conservadora e a

consequente legitimação da lógica do mercado, o que irá exigir do professorado uma

relativa identificação com as aspirações e necessidades da classe dominante.”

(2002, p.276), evidenciando-se assim valores da cultura-empresa no interior das

escolas públicas.

Nesse contexto, inserem-se as atuais políticas que organizam e escola e o

trabalho docente, gerando uma série de contradições nos campos de atividades do

setor público, provocando, segundo Ball, uma fragilidade nos papéis, nas

identidades e nas relações de trabalho que estão sendo criadas em conformidade

com essa lógica mercadológica, ocorrendo assim [...] a instauração de uma nova

cultura de performatividade competitiva que envolve uma combinação de

descentralização, alvos e incentivos para produzir novos perfis institucionais (BALL,

2004).

Assim, as políticas curriculares, inseridas no contexto neoliberal, têm incluído o

princípio da competência do sistema escolar, que visa a uma subordinação do

sistema educativo ao mercado, ao mesmo tempo em que propõe modelos

gerencialistas de avaliação do sistema.

Nessa perspectiva, observa-se que a concepção de currículo no decorrer das

últimas décadas tem acompanhado as reformas neoconservadoras, tomando a

forma de uma proposta curricular que prioriza a relevância que conteúdos escolares

possam ter para o mercado. No que tange à organização do trabalho docente,

observa-se, ainda conforme Hypolito que “[...] o ato de ensinar e a subjetividade do

professor sofrem profundas mudanças com as novas formas de controle

empresarial” (HYPOLITO, 2002, p. 278).

Assim sendo, apresenta-se no cenário educacional um conjunto de práticas

influenciadas por organismos internacionais que desenvolvem a cultura da

performatividade docente e, ao mesmo tempo, em disputa nesse território, estão as

orientações de cunho democrático que supõe que sejam fortalecidas práticas de

participação, autonomia e descentralização.

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Dentro dessa tentativa de confluir projetos antagônicos entre si, o que se

sugere neste estudo, é que os professores tenham acesso a esta discussão que vai

além das determinações legais e/ou de inculcações de uma ordem neoliberal no

intuito de se tornarem conhecedores de ações que têm sido postas em prática nas

escolas. Sem analisar o amplo contexto social, histórico e político em que a

educação insere-se, sustentamos ser a luta por transformação um trabalho vão, pois

acreditar em mudança sem que se analise o que inspira e determina ações no

âmbito educacional é uma forma de se distanciar de propostas que efetivem a práxis

democrática tanto em relação ao currículo quanto ao trabalho docente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, dentre os efeitos causados pela lógica empresarial, através

do apelo da cultura da performatividade no controle das atividades pedagógicas,

destaca-se o desenvolvimento de um processo de individualização crescente, que

inclui a destruição das solidariedades baseadas numa identidade profissional

comum.

Frente às “novas” exigências importadas do campo produtivo, os profissionais

da educação têm sofrido um processo de minimização de autonomia em seu

trabalho diante das políticas públicas regulamentadas por organismos internacionais,

seguindo orientações de reformas curriculares e educativas que acompanham as

reformas neoconservadoras.

Nessa perspectiva, concorda-se com Garcia quando a autora afirma que

estamos diante de um processo em que “o trabalho docente está se transformando

em uma ocupação flexível que se caracteriza por habilidades de cunho

eminentemente instrumental” (GARCIA, 2010, p. 234). O que, ainda em acordo com

a autora, corrobora com a tese de Freitas, que defende ser este um processo de

desprofissionalização docente. Segundo ela, “[...] essa tendência se expressa na

medida em que a política pública em si privilegia centralmente a avaliação e a

certificação de competências, enfatiza habilidades e conteúdos de cunho

eminentemente instrumental relacionados à gestão do ensino e da sala de aula”.

(apud GARCIA, 2010).

Com base neste modelo performativo de formação docente, percebe-se a

ausência do sentido de profissionalismo, em que, segundo Ball, individualmente,

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mais uma vez, fabricamos a nós mesmos, na tentativa de nos articular dentro dos

jogos representacionais de competição, intensificação e qualidade (2010, p. 39).

Tais práticas estão atreladas a um processo de autonomia imaginada, o que irá

garantir maior controle e adesão por parte do professorado às políticas de

responsabilização docente. Nesse sentido, o professor é peça fundamental para

implementação das políticas, pois estará nele a resposta tanto para o sucesso

quanto para o fracasso escolar.

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A FORMALIZAÇÃO DO SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO A PARTIR DO

CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

Clides Aliande Loreto Pereira1

Sueli Menezes Pereira2

INTRODUÇÃO

Este texto vincula-se ao Projeto de Pesquisa intitulado “Sistema Municipal de

Ensino e Conselho Municipal de Educação: realidade e viabilidades” em

desenvolvimento no Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Gestão

da Educação- GEPPGE. O referido projeto, ainda em sua fase inicial, objetiva

verificar a existência e o funcionamento dos Sistemas Municipais de Ensino na

Região Central do Rio Grande do Sul – Região AMCENTRO –, legalmente

instituídos por lei municipal e seu órgão regulador e fiscalizador que se identifica na

existência do Conselho Municipal de Educação, bem como suas implicações na rede

de escolas municipais da região.

Neste contexto, discute-se a descentralização do Estado na qual o município,

como poder local, assume relevante importância, considerando a estrutura político-

administrativa posta pela Constituição Federal de 1988 – CF/88 – que, ao promover

maior descentralização ao Estado brasileiro, outorgou novas competências e

atribuições aos entes federados.

Regulamentada na Constituição Federal de 1988, portanto, a autonomia

municipal implica na proposta básica do presente texto, enquanto o mesmo busca

analisar, através de pesquisa qualitativa de caráter documental, o Sistema Municipal

de Ensino para o que se faz necessária a existência de uma Secretaria Municipal de

Educação (SMEd) como órgão normativo e um órgão regulador e fiscalizador, o

Conselho Municipal de Educação (CME) de modo a garantir, de acordo com o artigo

15 da LDB/96, que os sistemas de ensino assegurem “às unidades escolares

públicas de educação básica que os integram, progressivos graus de autonomia

pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de

direito financeiro público”.

1Acadêmico do Curso de Letras da UFSM. Bolsista de Iniciação Científica. E-mail: <[email protected]>. 2 Doutora em Educação. Professora do PPGE/CE/UFSM. E-mail: <[email protected]>.

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Como modelo político-administrativo a descentralização é concebida como a

redistribuição de poder entre instâncias governamentais, entre poderes estatais,

entre o Estado e a sociedade – redistribuição de competências, de recursos, de

encargos originários dos organismos centrais, o que implica em uma redivisão do

trabalho entre diferentes instâncias do sistema. Cumpre ressaltar que a

descentralização é uma política instrumental e não um fim em si mesma e o êxito

deste processo só é avaliável através de seus resultados no confronto com os

objetivos propostos de uma realidade dada.

São as consequências dos novos tempos de economia globalizada, pela qual

as contradições inerentes ao próprio sistema capitalista permitem que estruturas

centralizadas percam espaço para as decisões locais, colocando novos desafios

para a sociedade.

Neste cenário se formaliza o Sistema Municipal de Ensino – SME, permitindo

aos municípios criar suas próprias regras de gestão educacional, o que consagra o

poder local como lócus de decisões significativas para a sociedade.

No dizer de Monlevade (1997, p.124), esta é uma grande inovação.

Cada município tem o direito de se constituir em um sistema de ensino, o que significa pelo menos três coisas: uma rede de escolas mantidas e administradas pelo poder municipal; um órgão gestor, como já a maioria dos municípios tem na forma de uma Secretaria Municipal de Educação; e um órgão normativo – O Conselho Municipal de Educação – com um corpo de leis e normas próprias de seu sistema. É a consagração da autonomia municipal na área da educação.

A partir de dados documentais, este texto trata mais especificamente do

Conselho Municipal de Educação, tendo por base pesquisas realizadas em 2013 em

quatro municípios da Região AMCENTRO.

O CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

Os Conselhos Municipais de Educação, apesar de terem sido propostos pelos

Pioneiros da Educação Nova, especialmente Anísio Teixeira em 1925, no entanto,

somente após a criação do Sistema Municipal de Ensino pela CF/1988 houve um

estímulo à criação do Conselho nos municípios com funções próprias relativas ao

SME. Até então, os municípios dependiam das decisões dos Conselhos Estaduais

de Educação os quais foram previstos pela Constituição Federal de 1934 e

referendados na Constituição de 1946, mas efetivamente criados com a LDB- Lei

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4024 de 1961. A existência dos Conselhos, tanto Estaduais como Municipais passou

a ser objeto privativo das leis orgânicas de Estados e Municípios, respectivamente.

Antes de 1988 os Conselhos tinham a função técnica de planejamento e gestão

do ensino, devendo colaborar com o governo na definição de normas, disciplinando

matérias e métodos de ensino, elaboração de compêndios escolares,

credenciamento e fiscalização de instituições de ensino, etc. Eram funções

desempenhadas, inicialmente por funcionários públicos com cargos de chefia e

diretores de escolas.

Na atualidade, o Conselho Municipal de Educação (CME) é um órgão que

proporciona autonomia aos municípios nas questões educacionais. Devem ser

representativos da comunidade de modo a deliberar coletivamente, ocupando

espaço de destaque na normatização da política municipal de educação, bem como

na elaboração do Plano Municipal de Educação (PME). Isto ocorre porque, sendo

“órgãos colegiados de caráter normativo, deliberativo e consultivo (...) interpretam e

resolvem, segundo suas competências e atribuições a aplicação da legislação

educacional” (CURY, 2000, p.44).

Nesta perspectiva, a CF/88 situou o cidadão na condição de governante, não

mais de mero governado. Neste cenário, os movimentos pela democratização da

gestão pública requerem, hoje, dos conselhos a posição de responder às aspirações

da sociedade e, em nome dela, exercer suas funções. Nesse espírito, os conselhos

de educação, especialmente os municipais, assumem uma nova natureza: a de

órgãos de Estado.

Bordignon (2009), faz a diferença entre órgãos de governo e órgãos de Estado.

Para ele, os conselhos assumem feição de órgãos de governo quando na sua

composição e no exercício de suas funções, expressam, traduzem, legitimam junto à

sociedade, a vontade de determinado governo.

Como órgãos de Estado, considerando o caráter de perenidade do Estado, os

Conselhos são constituídos como tal quando representam e expressam a vontade

nacional, formulando estrategicamente as políticas educacionais. Lembra o autor

que

Nos regimes republicanos democráticos, os interesses do Estado se identificam com os dos cidadãos, com vontade nacional. [...] [Os Conselhos] agem como órgãos de Estado quando se constituem em fóruns articuladores da diversidade social; quando falam ao governo em nome da sociedade para apontar as suas intencionalidades; quando formulam

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políticas educacionais para além da transitoriedade dos governos e suas vontades e preferências singulares. (BORDIGNON, 2009, p. 62).

Na ótica democrática os conselhos passam a representar, hoje, uma

estratégia privilegiada de democratização das ações do Estado, o que requer uma

representação social bastante significativa da sociedade onde o mesmo se insere.

A representatividade social é uma das características do conselho. Demanda número de vagas que permita presença das diferentes categorias sociais situadas no município e o equilíbrio da diversidade. A média nacional de vagas dos atuais conselhos municipais se situa entre 9 e 35 componentes. Conselhos muito pequenos não se caracterizam como conselhos uma vez que a pluralidade social e o diálogo interpares ficam muito limitados. (BORDNIGNON, 2009).

A representatividade social se justifica pelas múltiplas funções conferidas para

qualquer CME, pois, segundo MEC/SEB/UFSC (2009, p.44-45), se salientam: a)

função consultiva, que é responsável por responder os questionamentos de qualquer

grupo ou entidade; b) função propositiva, em que o conselho propõe sugestões e

opiniões para as deliberações feitas pelo executivo; c) função mobilizadora

relacionada à mobilização da comunidade em geral para acompanhamento e

controle dos serviços referentes à educação; d) função deliberativa, juntamente com

a Secretaria de Educação. É através dessa função que são tomadas decisões e

elaboração de documentos importantes para o bom funcionamento da educação

municipal; e) função normativa, na qual cabe ao município a elaboração de normas e

interpretação da Legislação e normas educacionais; f) função de acompanhamento

de controle social e função fiscalizadora, funções essas que referem-se ao

acompanhamento da execução das políticas públicas e verificação da legislação,

bem como acompanhamento dos planos e projetos de aplicação de recursos,

prestação de contas e solicitação de esclarecimentos em casos de irregularidades

licitatórias, ou de outra natureza referente à aplicação de recursos para a educação.

Isto implica que o CME tem atribuições próprias, não devendo, portanto ser um

órgão da SMEd. São órgãos distintos, mas complementares, integrando o Sistema

Municipal de Ensino.

Nesta direção o CME deve ter a comunidade ali representada, visto que

através da participação, a constituição da representatividade social de um Conselho

é um elemento crucial no desempenho das funções que lhe cabem, para o que

devem ser regulamentados por lei municipal e possuir regimento próprio no qual

devem constar as atribuições de seus membros em Comissões e pessoal de apoio.

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104

O CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO NA REALIDADE INVESTIGADA

Em 2013, foram analisados o Sistema Municipal de Ensino de quatro

municípios da Região AMCENTRO/RS. Este texto é um recorte da análise realizada,

tendo como foco o CME de dois municípios, aqui denominados A e B.

O município A possui Lei municipal que cria o Sistema Municipal de Ensino.

Em seu artigo 12 assegura que o CME será composto por 9 (nove) membros e o

artigo 13 trata dos membros do conselho, afirmando que estes deverão ser apenas

professores integrantes do Magistério Municipal e Estadual. Por sua vez, a lei

municipal que cria o Conselho Municipal de Educação ratifica a Lei anterior quanto à

representação social, evidenciando em seu artigo 4º que os professores deverão ser

indicados pela SMEC, Associação de Professores Municipais, Entidades Sociais,

Escolas da Rede Estadual e Poder Legislativo, o que demonstra uma representação

social insuficiente para considerar que o CME seja efetivamente democrático e

efetivamente representativo da sociedade de modo a exercer as funções que lhe

cabem.

Na mesma lógica, o município B cria por legislação própria o seu CME e, em

seu artigo 2º, apresenta a composição de 9 (nove) membros indicados pela

prefeitura municipal, Sindicato dos professores municipais, escolas estaduais,

CPERGS, escolas particulares, poder legislativo, ensino superior, CPMs das escolas

sediadas no município e alunos, o que indica também uma representação social

mínima, não atingindo representantes das entidades e associações municipais de

outras áreas de modo a abranger a comunidade em geral.

Concentrando as indicações em órgãos representativos de professores com a

agravante da indicação ser de competência do governo municipal, ficam limitadas as

funções que deverá exercer o CME, especialmente a função fiscalizadora. Neste

contexto o Regimento Interno do CME do município B praticamente reproduz a

legislação quanto a representação social que, sendo mínima, impede a criação de

grupos de trabalho com funções definidas que garantam com que as atribuições do

CME sejam efetivamente cumpridas, pois é pertinente que os conselhos municipais

se dividam em câmaras ou comissões e plenária.

A autonomia, assim como a participação social, é um dos princípios da gestão

democrática do ensino público. Ela pode ser entendida como uma forma de

integração que “pressupõe interdependência entre entes vinculados pela natureza

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de suas funções, pela complementação de atribuições e pela capacidade de

cooperação que forem capazes de desenvolver” (MEC/SEB/UFSC, 2009, p. 58).

Sobre este aspecto o município A em análise, apresenta uma característica

que se evidencia como grande contradição, considerando que é um município

emancipado no ano de 1992 e ainda se vale da Legislação do município do qual se

emancipou, aqui denominado município C. Isto se verifica na Lei que cria o

Conselho Municipal que, em seu artigo 1º determina: “Fica criado o Conselho

Municipal de Educação de A em cumprimento ao Artigo XXX, da Lei Orgânica do

Município C, órgão vinculado administrativamente à Secretaria Municipal de

Educação e Cultura.” Ao vincular a Lei municipal à legislação de outro

município, pode-se considerar que o município A não se vale de sua autonomia por

estar atrelado à lei orgânica de outro município.

Nesta mesma direção, a Lei que cria o CME, determina uma dependência de

decisões do Conselho Estadual de Educação, numa situação que foi criada pela

legislação do período da ditadura civil-militar de 1964 que instituiu a criação de

Conselhos Municipais de Educação com 9 (nove) membros e sem autonomia. Para

qualquer decisão deveriam ser consultados os Conselhos Estaduais. Nesta lógica, a

lei do Conselho Municipal de Educação do município A em seu Artigo 10, determina

que “ao Conselho Municipal de Educação” compete:

[...] g) Opinar sobre criação, funcionamento e desativação de escolas da Rede Municipal de Ensino, enquanto não lhe forem delegadas as atribuições pelo Conselho Estadual de Educação;

h) Manter intercâmbio com o Conselho Estadual de Educação, com os demais Conselhos Municipais e instituições congêneres;

i) Exercer as atribuições que lhe forem delegadas pelo Conselho Estadual de Educação.

O município B, por sua vez, alterando dispositivos da lei municipal de 1993,

inscreve na lei municipal de 1994, em seu artigo 9º que o Conselho Municipal de

Educação deverá manifestar-se “previamente, sobre criação, funcionamento e

desativação de Escolas da Rede Pública Municipal, enquanto não lhe forem

delegadas as atribuições pelo Conselho Estadual de Educação”.

Esta é uma particularidade, portanto, dos dois municípios em análise, assim

como a representatividade social mínima de 9 (nove) membros, visto que, através da

Lei que cria o CME em cada um dos municípios, fica definida a dependência de

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decisões do Conselho Estadual de Educação, o que tira toda a autonomia do

município na criação do seu próprio sistema conquistada com a Constituição Federal

de 1988.

Neste cenário, podem-se identificar situações comuns dos municípios em

análise: a pouca representatividade social, considerando que os CMEs são

constituídos de apenas nove membros que, por serem mais representativos do

próprio magistério não integram a comunidade através de suas instituições sociais e

políticas; a dependência do Conselho Estadual em várias situações apontadas na

legislação, entre outras características, sendo que a mais importante é o fato da

mesma pessoa assumir, tanto a SMEd, como o CME nos dois municípios, o que

impede com que as funções do CME sejam efetivamente cumpridas e se formalize

um Sistema Municipal de Ensino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os municípios, antes da CF/88, eram dependentes do Estado e da União pela

hierarquia mantida entre eles. Porém, a partir da CF/88 os municípios passam a ter

novas atribuições e responsabilidades e assumem autonomia política,

administrativa, financeira e normativa.

Este quadro caracteriza a descentralização de poder e competências entendida

como um processo de transferência total ou parcial de funções das organizações

burocráticas públicas estatais para as instituições sociais, quadro este em que se

inserem, de forma exemplar, as políticas educativas que, sob as teses de

descentralização e autonomia, fazem da organização da educação uma tarefa

complexa para o que a comunidade escolar deve estar atenta no sentido de ocupar

o espaço local de modo a fazer das instituições educativas, espaços de cidadania a

serviço dos interesses sociais.

Abre-se, portanto, proposto pela própria estrutura do capital, um espaço para o

exercício do poder a ser assumido pela sociedade, o que permite que a mesma

pegue as rédeas de seu próprio desenvolvimento e busque instrumentos

institucionais para o aperfeiçoamento do desenvolvimento humano. O processo atual

é mais ágil, mais eficiente e, aproveitar este potencial para construir um mundo mais

justo e solidário, se constitui no grande desafio para a sociedade como um todo e

nela, a comunidade escolar.

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A autonomia, assim como a participação social, é um dos princípios da gestão

democrática do ensino público. Ela pode ser entendida como uma forma de

integração que “pressupõe interdependência entre entes vinculados pela natureza

de suas funções, pela complementação de atribuições e pela capacidade de

cooperação que forem capazes de desenvolver” (BRASIL, MEC/SEB/UFSC, 2009b,

p. 58).

Nesta lógica, a partir da Constituição Federal de 1988, os municípios ganham

autonomia para a criação de seu próprio Sistema de Ensino, sendo o Conselho

Municipal de Educação o principal órgão para a criação do Sistema Municipal de

Ensino, devendo tanto o Sistema, como o Conselho serem criados por lei municipal

própria. Quanto ao funcionamento, é essencial que o conselho tenha normas claras

definindo suas competências próprias, seu espaço de poder. O CME deve, portanto,

ter legislação própria e elaborar seu próprio regimento nos termos e limites da lei de

criação de modo a especificar suas funções e atribuições.

Como salienta Bordignon (2009), os Conselhos devem ser considerados

órgãos de Estado de modo a não ficarem atrelados a um poder governamental. Isto

leva ao aspecto referente a duração de mandatos uma vez que mandatos muito

curtos dificultam um dos papéis fundamentais do conselho que é o de garantir a

desejável estabilidade e sequência das políticas educacionais para além da

transitoriedade dos mandatos executivos. O tempo médio do mandato tem sido entre

2, 4 e 6 anos com direito a uma recondução.

Quanto à escolha do presidente, é da tradição do conselho a eleição pelos

pares, condição essencial para autonomia do conselho. O exercício da presidência

pelo Secretário de Educação ou por alguém por ele indicado, como foi observado no

estudo realizado, traz desvantagens para ambos os lados e descaracteriza a criação

de um Sistema Municipal de Ensino.

Conclui-se, portanto, que a autonomia do Conselho Municipal de Educação

como órgão imprescindível para a existência do SME, ainda não se constitui em uma

realidade, como se observou nos municípios A e B, visto que, se o CME não tem

autonomia suficiente para exercer todas as funções que é a ele destinado, todo o

Sistema fica comprometido.

Reverter este quadro implica em compreender criticamente as novas

determinações do capital, a partir da descentralização, pelas quais os sistemas e as

instituições educativas poderão conquistar o espaço possível de autonomia e

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construir uma organização educativa voltada para os interesses sociais e não usar

desses espaços, legalmente instituídos, para fazer dos Sistemas de Ensino mais

uma peça do mercado, o que implica no conhecimento das políticas educacionais

consubstanciadas no conjunto das políticas sociais e econômicas e da clareza dos

objetivos da educação neste contexto.

REFERENCIAS

BORDIGNON, G. Gestão e Educação no Município: sistema, conselho e plano. São Paulo: Ed. Ed,L/Instituto Paulo Freire, 2009.

BRASIL, Ministério de Educação e Cultura. Lei 9394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

BRASIL, MEC/SEB/UFSC. Concepção, estrutura e funcionamento: o contexto de atuação, natureza e organização dos Conselhos Municipais de Educação. Caderno 1 vol. 1, 2009a.

BRASIL, MEC/SEB/ UFSC. Pró-Conselho – Formação continuada de Conselheiros Municipais de Educação. Caderno 1, vol. 2, 2009b.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

CURY, C. R. J. Os Conselhos de Educação e a gestão dos sistemas. In: FERREIRA, N. S.: AGUIAR, M. A. (Org.). Gestão da Educação: impasses, perspectivas e compromissos. São Paulo: Cortez, 2000, p.43-60.

MONLEVADE, J. Educação pública no Brasil: contos e descontos. Brasília: Idéia, 1997.

PEREIRA, S. M. Sistema Municipal de Ensino e Conselho Municipal de Educação: realidade e viabilidades. Projeto de Pesquisa, 2013. 35 p.

PEREIRA, S. M.. Políticas educacionais no contexto do Estado neoliberal: a descentralização de poder em questão. Políticas Educativas, Campinas, v.1, n.1, p. 16-28, out. 2007.

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OS CONSELHOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO E GESTÃO DEMOCRÁTICA NO

PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

Diego Dartagnan da Silva Tormes1

Marina Lara Silva dos Santos Teixeira2

Francine Mendonça da Silva3

Marilene Gabriel Dalla Corte4

INTRODUÇÃO

Este estudo apresenta dados parciais a respeito de um projeto de pesquisa em

andamento do Observatório de Educação – OBEDUC/CAPES5, “Interlocuções entre

políticas públicas e ações pedagógicas: limites e possibilidades”, vinculado ao grupo

de pesquisa Elos, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

De maneira geral, as discussões que se inserem no bojo desse projeto de

pesquisa objetivam identificar e analisar os limites e as possibilidades das ações

pedagógicas no contexto da gestão educacional, a partir dos impactos e desafios

enfrentados pelos sistemas e interferência das políticas públicas nas reformas

educacionais a partir do processo de interlocução entre Educação Básica e Superior.

Em específico, objetiva-se delinear e analisar os limites e as possibilidades dos

Conselhos Municipais de Educação, vinculados ao Pró-Conselho no Rio Grande do

Sul, em especial na região da AMCENTRO.

Nesse contexto, é objetivo desse estudo analisar como o Plano Nacional de

Educação (PNE) de 2001 e o de 2014, abordam nas suas metas e estratégias a

constituição de Conselhos Municipais de Educação e a formação de Sistemas

Municipais de Ensino (SME), bem como a gestão democrática. Para o desenvolvimento da

análise são considerados pressupostos legais e empíricos a Lei de Diretrizes e Bases da

1 Prof. da Rede Municipal de Ensino de Farroupilha. Mestrando em Educação (PPGE/UFSM). Bolsista junto ao Observatório de Educação (OBEDUC/CAPES), desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Elos – PPGE/UFSM. E-mail: <[email protected]>. 2 Acadêmica do Curso de Licenciatura em Matemática/UFSM. Bolsista junto ao Observatório de Educação (OBEDUC/CAPES), desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Elos – PPGE/UFSM. E-mail: <[email protected]> 3 Pedagoga. Acadêmica do Curso de Especialização em Gestão Educacional, UAB/UFSM, <[email protected]> 4 Profª. Dra. Adjunta do Departamento de Administração Escolar, do Centro de Educação, da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. E-mail: <[email protected]> 5 Pesquisa realizada com apoio do Programa Observatório da Educação, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.

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Educação Nacional (LDBEN), a Constituição Federal (CF), além dos dados

relacionados a informações da UNCME-RS e do Pró-Conselho/UFSM.

METODOLOGIA

O delineamento metodológico dessa pesquisa ancora-se no estudo de caso

quanti-qualitativo, o qual se constitui como modalidade do fazer investigativo,

delimitando o contexto, tornando-o particular e representativo de uma prática

estudada no contexto da UNCME-RS e do Pró-Conselho no RS. Conforme Yin

(2005), os estudos de caso podem proporcionar significativo avanço no

conhecimento real do contexto, e esse tipo de investigação é essencial à descrição e

à análise de dados que não se tem controle específico sobre os acontecimentos.

A abordagem quanti-qualitativa (MICHEL, 2005; MINAYO, 2010) está

relacionada a dados estatísticos e subjetivos os quais, nessa pesquisa, estão sendo

categorizados, organizados e analisados a partir dos propósitos explícitos na

problemática e objetivos delineados. As pesquisas quantitativas “[...] são

amplamente utilizadas quando a intenção é garantir a precisão dos resultados,

evitando distorções de análise de interpretação e possibilitando, em consequência,

uma margem de segurança quanto às inferências” (MICHEL, 2005, p. 33). A

pesquisa qualitativa ocupa-se com a realidade que não pode ser quantificada ou

mensurada, pois trabalha com informações subjetivas como valores, atitudes,

motivos, crenças, concepções, entre outros (MINAYO, 2010).

Realiza-se a análise documental, como técnica de coleta de dados, tendo por

foco a legislação vigente referente a Constituição Federal de 1988, a Lei de

Diretrizes e Bases Nacionais (Lei nº 9.394/96), o Plano Nacional de Educação 2001-

2010 (Lei nº 1.172/2001), o Plano Nacional de Educação 2014-2024 (Lei nº

13.005/2014). A análise documental vem permitindo uma nova interpretação, bem

como complementar sobre a temática investigada.

Esta pesquisa do Observatório de Educação tem como lócus de investigação,

nessa produção, informações contidas no site da União Nacional dos Conselhos

Municipais de Educação6 (UNCME-RS) e dados subjacentes a um questionário

online aplicado aos cursistas do Pró-Conselho/UFSM, composto com perguntas

6 Disponível em: <http://www.uncmers.com.br/2013/>

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abertas e fechadas e disponibilizado no ambiente Moodle. O questionário misto

constitui-se um instrumento primordial para a obtenção dos dados objetivos e

subjetivos, permitindo captar respostas precisas quanto a conjuntura dos CME e

SME partícipes do curso, bem como as vivências e o ponto de vista dos cursistas

sobre algumas questões do tema pesquisado.

A análise de conteúdo tem a finalidade de realizar entrelaçamentos a partir dos

preceitos teóricos-legais e dados da empiria dos CME e SME do RS, na perspectiva

da descrição, análise e interpretação tendo por base os preceitos de Bardin (1979)

discutidos por Gomes (2010).

ENTRELAÇAMENTOS DOS ASPECTOS TEÓRICO-LEGAIS E EMPÍRICOS: POR

UMA ANÁLISE CONTEXTUAL

Refletir sobre a gestão democrática no Brasil também é um exercício acerca da

natureza dos Conselhos Municipais de Educação e da formulação de políticas

públicas. Nesse sentido, muitos são os discursos, ranços e avanços, ao longo da

história educacional brasileira, rumo a um sistema educacional plural e democrático;

diversos atos jurídicos ao longo do século XX foram desenhando esse caminho. Um

deles foi a Constituição Federal de 1934, que iniciou um caminho rumo à

descentralização da gestão ao afirmar que

Art 151 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal organizar e manter sistemas educativos nos territórios respectivos, respeitadas as diretrizes estabelecidas pela União.

Parágrafo único - Os Estados e o Distrito Federal, na forma das leis respectivas e para o exercício da sua competência na matéria, estabelecerão Conselhos de Educação com funções similares às do Conselho Nacional de Educação e departamentos autônomos de administração do ensino.

Embalados pelo Movimento dos Pioneiros da Educação os legisladores

brasileiros da década de 30 conceberam a CF/1934 que, ao que se pode ler nos

artigos acima citados, já apontava certa descentralização da gestão e autonomia

educacional aos Estados. Isso demonstra que o governo estava inclinado a ampliar

o debate público e descentralizar algumas ações educacionais, bem como permitir

que os Estados e o Distrito Federal discutissem educação em cada um de seus

territórios.

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Mais de 40 anos depois, emergidos de um grande período de sufocamento das

liberdades individuais e da democracia em si, os brasileiros começaram a viver o

espírito de democratização das “Diretas Já” e da construção de uma nova

Constituição da República. A Constituição Federal de 1988, nascida de um amplo

espírito de democracia nacional, foi também chamada de constituição cidadã uma

vez que dotou o munícipe de direitos e poder.

No que diz respeito à educação, surgiu um novo princípio nacional: gestão

democrática, conforme disposto no Art. 206: “O ensino será ministrado com base

nos seguintes princípios: [...] VI - gestão democrática do ensino público, na forma da

lei” (BRASIL, 1988). Pode-se perceber que entre outros princípios constitucionais há

o de gestão democrática, estabelecida na forma da lei de cada ente federado. É

justamente nessa situação que encontra-se outra novidade da CF/88: “Art. 211 – A

União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de

colaboração seus sistemas de ensino”.

O princípio da gestão democrática articula-se ao que aponta o Art. 211 que

determina, ao usar um verbo mandatório “organizarão” seus sistemas de ensino que

os municípios organizem seus próprios sistemas educacionais. Articula-se pois,

descentraliza-se e democratiza-se a participação dos munícipes ao instituir-se um

sistema municipal de ensino. Sistema esse que, por tradição republicana, configura-

se e operacionaliza-se através dos conselhos, nesse caso, os conselhos municipais

de educação. Assim, quer por tradição, quer por decisão constitucional, a

democratização da gestão na educação encontrou nos sistemas municipais de

ensino, materializados nos conselhos municipais de educação, um terreno fértil para

sua efetivação. Essa descentralização e autonomia educacional construída pelo

Brasil não foi mera mudança no texto legal, como afirma Bordignon (2009, p. 19):

A descentralização do ensino, por meio de sistemas articulados, na concepção dos pioneiros, não significa mera transferência de responsabilidades da União para os entes federados. Significava, muito mais, compartilhamento de poder e de responsabilidades. A descentralização remete à questão do poder local e de abertura de espaços para a abertura da cidadania, via participação.

Ainda, apontando a importância do processo de gestão democrática, afirma

Werle (2008, p. 499):

Portanto, os CME são concebidos não como meros órgãos administrativos, burocráticos e reguladores da educação escolar local, mas como instâncias protagonistas nas dimensões políticas, cultural e pedagógica da

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política/gestão educacional municipal, tendo como horizonte a efetivação, no espaço local, do direito à educação com qualidade

O período da década de 90 foi muito efervescente na educação nacional não

somente pelo debate e pela sanção da LDBEN nº. 9.394/96 que reafirmava os

princípios constitucionais da gestão democrática e dos sistemas municipais de

educação, como também pelo debate e aprovação do Plano Nacional de Educação

que iniciou sua tramitação em 1998 e só foi aprovado em 2001 através da Lei nº.

1.172.

O PNE de 2001 foi aprovado depois de três anos de tramitação e muito debate

no Congresso Nacional e na sociedade educacional brasileira. A leitura das atas das

sessões de tramitação deixa claro que o principal embate encontrava-se em tentar

equilibrar a realidade de um país injusto e desigual com a capacidade do Estado em

resolver essas demandas. Por fim, um texto com amplo e detalhado diagnóstico da

realidade educacional brasileira, estabelecendo objetivos e prioridades, dividido em

níveis, etapas e modalidades educacionais, com sete artigos e aproximadamente

286 metas foi aprovado pelo Congresso e sancionado pela Presidência da

República.

As metas foram distribuídas em seis capítulos e onze subtítulos e, entre esses

capítulos, encontravam-se metas estabelecidas dentro de um capítulo que o plano

chamou de “Financiamento e Gestão”, em que foram construídas 18 metas para o

financiamento e 26 metas para a gestão. Os conselhos municipais de educação e a

gestão democrática ficaram enquadrados no subtítulo referente à gestão do PNE.

No Capítulo V “Financiamento e Gestão” encontra-se o item 11.3.2 intitulado

“Gestão” no qual há cinco7 metas que dizem respeito à gestão democrática e aos

conselhos municipais de educação.

21. Estimular a criação de Conselhos Municipais de Educação e apoiar tecnicamente os Municípios que optarem por constituir sistemas municipais de ensino.

22. Definir, em cada sistema de ensino, normas de gestão democrática do ensino público, com a participação da comunidade.

23. Editar pelos sistemas de ensino, normas e diretrizes gerais desburocratizantes e flexíveis, que estimulem a iniciativa e a ação inovadora das instituições escolares. (BRASIL, 2001)

7 Foram transcritas somente as três metas que citam nominalmente os elementos estudados nesse

texto: gestão democrática e Conselhos Municipais de Educação.

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Num plano tão extenso pode parecer, a julgar pela quantidade pequena de

metas, que, naquele momento, os legisladores e a sociedade educacional brasileira

não se importaram com os CME e com gestão democrática. Contudo, não se pode

esquecer que esse foi o primeiro PNE elaborado democraticamente e o primeiro sob

a nova organização federativa brasileira, na qual aparecem os sistemas municipais

de ensino e o princípio da gestão democrática.

A meta 21 constitui-se um avanço significativo na concepção de educação

brasileira que, ao converter-se como meta do PNE, assinala um compromisso do

então governo federal e, por conseguinte do país, com a criação de SME, de CME e

fortalecimento da gestão democrática. Essa meta, além de estimular esses

elementos determinava que o MEC apoiasse tecnicamente os municípios que

optassem em criar seu SME. Nesse ponto, cabe refletir se tal meta planejada no fim

da década de 90 foi cumprida no decorrer na primeira década do século XXI ou ficou

como uma das metas não atingidas.

Para isso, considerando a grande amplitude de mais de cinco mil municípios no

Brasil, optou-se por estabelecer um recorte, especificamente no Rio Grande do Sul

para verificar se houve aumento na criação de CME e SME e como se deu esse

apoio técnico do MEC. Aqui se recorre ao site8 da União Nacional dos Conselhos

Municipais de Educação, seção Rio Grande do Sul (UNCME-RS) no qual são

encontrados levantamentos sobre a criação de CME no RS que demostram os

seguintes dados.

GRÁFICO 1: Municípios que criaram CME até o ano de 2012, no RS.

FONTE: Site UNCME-RS, 2014.

8 Disponível em: <http://www.uncme.com.br/>

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O gráfico demonstra o número de CME criados no RS até 2012, divididos em

regiões segundo a FAMURS (Federação das Associações dos Municípios do Rio

Grande do Sul). Nesse contexto, são 345 CME criados até 2012. Mas, além da

quantidade de conselhos criados, ou seja, mais de dez anos depois da aprovação do

PNE, o período de criação dos SME verifica-se que houve um esforço dos

municípios para atender as metas. Nesse caso, a UNCME-RS apresenta outro

gráfico em parceria com o Conselho Estadual de Educação do RS.

GRÁFICO 2: Municípios que instituíram seus SME no RS até o ano de 2012. FONTE: Site UNCME-RS, 2014.

Com a leitura do segundo gráfico pode-se perceber que, no RS, a meta de

criação de CME e de SME foi, consideravelmente cumprida, uma vez que o estado

tem 497 municípios e já possui 345 Conselhos, equivalente a 69% de municípios

com CME, e desses, 259 já fazem parte de um Sistema, constatando-se que 52%

dos municípios já possuem SME.

Também, buscou-se aproximações com dados da pesquisa desenvolvida pelo

Observatório de Educação/CAPES, supra mencionado, junto ao Programa Nacional

de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação (Pró-Conselho)

desenvolvido pela UFSM no RS. É um programa de governo criado em 2001 com a

finalidade de contribuir para o fortalecimento da gestão democrática educacional, a

partir da formação continuada de Conselheiros Municipais de Educação e da criação

de novos CME e SME, entre outras metas.

Os dados do Pró-Conselho/UFSM corroboram com esse cenário. Nas duas

primeiras edições já concluídas do curso, verificou-se que 145 municípios já

participaram do Pró-Conselho/UFSM, sendo um percentual de 29% do total de

municípios no RS. Desse contingente de municípios partícipes do Pró-

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Conselho/UFSM, 137 possuem CME ativo (94%), 5 estão com o CME inativo (4%) e

apenas 3 responderam que o município não possui CME (2%).

Outra informação importante de se registrar é a data de criação dos CME dos

municípios partícipes do Pró-Conselho/UFSM, considerando os conselhos ativos e

os inativos, desses apenas 4 municípios não informaram a data de criação. Destaca-

se os dados no gráfico a seguir:

GRÁFICO 3: Data de criação do CME nos municípios participantes do Pró-Conselho/UFSM.

FONTE: Questionário Online, 1ª e 2ª edição Pró-Conselho/UFSM, 2013/2014

No que se refere a autonomia e recursos disponíveis para a atuação dos CME,

os dados da pesquisa mostram que dos 137 municípios com CME ativo, apenas 21

possuem espaço próprio para realizar as suas atividades, 52 possuem espaço

conjugado com outro órgão, 6 CME possuem espaços alugados, 54 não possuem

espaço próprio e 4 não responderam a questão. Diante desse cenário, percebe-se

que apenas 20% dos CME possuem espaço próprio para realizar as suas atividades.

Outro dado demonstra que apenas 27% dos CME possuem recursos financeiros a

partir de repasses articulados a autonomia financeira, outros 73% dependem de

recursos destinados principalmente pela Secretaria Municipal de Educação.

Esta pesquisa também revela que as principais dificuldades enfrentadas pelo

CME estão justamente relacionadas a não possuir autonomia financeira (com 67%);

a falta de espaço próprio (com 60%); pouca valorização e compreensão sobre a

função e abrangência de um Conselho Municipal de Educação em seu município

(55%); falta de equipamentos e material de consumo (42%); não conseguir manter a

anuidade em dia da UNCME/RS (30%); falta de internet (14%); pouco diálogo entre

o Conselho e a Secretaria de Educação (11%); os atos normativos (entre eles

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Resoluções e Pareceres) não são considerados pela Secretaria de Educação

(9,5%). Compreende-se que se faz indispensável a criação de CME e SME com

elementos necessários aos processos decisórios e descentralizadores do poder nas

instâncias municipais, entretanto é, também, indispensável que hajam boas

condições de trabalho pautadas nos princípios democráticos, entre eles a

autonomia, a coletividade, a participação, a transparência e a descentralização do

poder.

Com relação ao Sistema Municipal de Ensino (SME), dos 145 municípios do

RS partícipes da pesquisa junto ao Pró-Conselho/UFSM, apenas 25% não possuem

SME, 71,5% possuem e 3,5% não responderam. A data de criação desses Sistemas

pode ser visualizada no gráfico abaixo, sendo que 30% dos municípios não

responderam:

GRÁFICO 4: Data de criação do SME nos municípios participantes do Pró-Conselho/UFSM. FONTE: Questionário Online, 1ª e 2ª edição Pró-Conselho/UFSM, 2013/2014

Durante o período de vigência do PNE (2001-2011) o MEC, também, buscou

cumprir sua parte na lei no que diz respeito a apoiar tecnicamente os municípios que

instituírem seus SME. Isso ocorreu, a partir de 2001, por meio do Programa Nacional

de Capacitação de Conselhos Municipais de Educação (Pró-Conselho). Tal

programa lançou uma série de cadernos pedagógicos com textos orientadores para

os municípios entenderem essa nova organização educacional. Além de

fundamentação teórica, a intenção do MEC era instrumentalizar os CME como

órgãos da gestão democrática no âmbito do município de tal forma que o programa

foi reorganizado em 2003. A partir do ano de 2009 o Pró-Conselho passou a ser

realizado na modalidade de educação a distância ofertado em Ambiente Virtual de

Ensino e Aprendizagem – AVEA (Plataforma Moodle).

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A partir daí, segundo dados disponibilizados pela Secretaria de Educação

Básica, através da Diretoria de Apoio à Gestão Educacional, em reunião ocorrida no

ano de 2014, entre a UNCME/RS e as coordenações do Pró-Conselho no Brasil, no

período de 2009 a 2011 foram disponibilizadas um total de 6.400 vagas para

conselheiros municipais de educação participarem do curso, sendo que houve um

total de concluintes na ordem de 2.758 (43%). Esses dados demonstram que o MEC

esteve empenhado em cumprir a meta 21 do PNE de 2001, entretanto é importante

que esse comprometimento se concretize no âmbito dos municípios.

Mais de uma década depois do PNE aprovado em 2001, precisamente em

2014, foi aprovado, após ampla e conflituosa discussão, iniciada em 2009, o novo

PNE com vigência até 2024. Esse plano, aprovado sob a Lei nº. 13.005/2014,

também abordou a questão da gestão democrática, mas de uma maneira diferente.

O novo PNE contém 14 artigos com vários incisos e parágrafos em 20 metas

especificadas. Cada uma das metas possuem várias estratégias somando, ao final,

um número tão grande de metas e estratégias a serem cumpridas quanto PNE

2001/2011.

Esse novo PNE destinou um espaço para a gestão democrática, não somente

nas metas e estratégias, mas já nos seus artigos iniciais ao dispor:

Art. 2o – São diretrizes do PNE: [...]

VI – promoção do princípio da gestão democrática da educação pública; [...]

Art. 9o – Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão aprovar leis específicas para os seus sistemas de ensino, disciplinando a gestão democrática da educação pública nos respectivos âmbitos de atuação, no prazo de 2 (dois) anos contado da publicação desta Lei, adequando, quando for o caso, a legislação local já adotada com essa finalidade. (BRASIL, 2014)

Ao mencionar já nos artigos da lei, e não somente nas metas e estratégias, o

Brasil reitera e demonstra a importância do cumprimento do princípio constitucional

de democratização da gestão da educação. A partir da sanção desse novo PNE, a

gestão democrática não fica somente como meta, mas, também, como lei a ser

cumprida por todos os entes federados num prazo de dois anos, a exemplo da meta

19 do referido Plano.

Aqui temos outras questões interessantes articuladas à gestão democrática.

Nesse novo Plano a gestão democrática é entendida como um princípio que abarca

“critérios técnicos de mérito e desempenho” e, como já ocorre, consulta pública à

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comunidade escolar. Na meta 19 constam, ainda, nove estratégias as quais

transcreve-se apenas algumas:

19.1) priorizar o repasse de transferências voluntárias da União na área da educação para os entes federados que tenham aprovado legislação específica que regulamente a matéria na área de sua abrangência [...];

19.2) ampliar os programas de apoio e formação aos (às) conselheiros (as) dos conselhos de acompanhamento e controle social do Fundeb, dos conselhos de alimentação escolar, dos conselhos regionais e de outros e aos (às) representantes educacionais em demais conselhos de acompanhamento de políticas públicas, garantindo a esses colegiados recursos financeiros, espaço físico adequado, equipamentos e meios de transporte para visitas à rede escolar, com vistas ao bom desempenho de suas funções; [...]

19.5) estimular a constituição e o fortalecimento de conselhos escolares e conselhos municipais de educação, como instrumentos de participação e fiscalização na gestão escolar e educacional, inclusive por meio de programas de formação de conselheiros, assegurando-se condições de funcionamento autônomo; [...] (BRASIL, 2014)

O Congresso Nacional, ao aprovar essas estratégias, quis comprometer os

municípios e estados com aquilo que lhes é mais precioso: o recurso público. Isso

porque na estratégia 19.1 o atual PNE permite que as transferências voluntárias de

recursos sejam feitas somente aos municípios que já tenham aprovadas leis de

gestão democrática. Isso pode fazer com que esse princípio constitucional possa ser

discutido e buscado na prática, ou pelo menos na lei, no âmbito de todos os

municípios brasileiros. Já as metas 19.2 e 19.5 citam literalmente a existência dos

conselhos como elementos dentro do princípio da gestão democrática e mencionam

a necessidade de estimular a constituição e o fortalecimento desses órgãos

colegiados o que, pelo menos no texto da lei, demonstra a compreensão do

legislador de que o princípio da gestão democrática vai muito além da mera eleição

de diretores e passa, também, pela eleição e constituição de conselhos como os de

educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As duas Leis nº. 1.172/2001 e nº. 13.005/2014, ambas aprovando os PNE no

Brasil, mencionam e fortalecem o princípio constitucional da gestão democrática e

mencionam os conselhos de educação. No PNE de 2001 a preocupação era

estimular a criação de CME e a instituição dos SME. Já no PNE de 2014 além de

manter a continuidade ao processo de criação dos CME e SME, a preocupação

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encontra-se em fortalecer os CME inclusive com cursos e condições de

funcionamento. Os dados empíricos apontados e analisados anteriormente sinalizam

essa mudança de postura, ainda que o recorte seja de somente o RS, uma vez que

houve aumento significativo na criação de CME após 2002, ano seguinte da

aprovação do PNE, e também um número expressivo de municípios que já

instituíram seus SME. Ainda precisamos avançar em aspectos que contribuam para

consolidação não só de preceitos e espaços democráticos, mas que a autonomia

como um princípio fundamental da democracia se constitua no cotidiano da gestão

da educação municipal.

Com o estudo comparativo dos dois PNE, fica evidente a necessidade de

ações e de programas, a exemplo do Pró-Conselho, com a finalidade de contribuir

com a formação continuada dos conselheiros de educação e, também, para auxiliar

na criação dos CME nos municípios onde não existam tais instâncias colegiadas,

bem como a [re]articulação dos SME.

Parece razoável afirmar que o desafio no primeiro PNE era criar os conselhos

de educação e os sistemas municipais de ensino numa tentativa de mudar a cultura

centralizadora brasileira e de cumprimento do que estabelecia a CF e a LDBEN.

Mais de dez anos depois o desafio continua sendo esse, mas amplia-se para o

fortalecimento institucional desses atores do princípio constitucional da gestão

democrática, uma vez que, segundo os dados do RS, houve um aumento expressivo

na criação desses órgãos.

Parece ser prudente também afirmar, a partir de todos os marcos legais

apresentados, que o Brasil vem construindo um sólido e irreversível caminho

democrático que fortalece não somente o munícipe de poder como todo o sistema

educacional.

REFERÊNCIAS

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O GESTOR ESCOLAR EM CONTEXTO DE DESIGUALDADES EDUCATIVAS EM

MOÇAMBIQUE

Alberto Bive Domingos1

INTRODUÇÃO

O trabalho discute a ação do gestor escolar em contexto de desigualdades

educativas focalizando a educação como um imperativo constitucional por estarem

em causa valores da civilização, cidadania e democracia secularmente voltados ao

abandono. Ocupa uma posição de primariedade e supremacia em relação a todos

artífices da moral quando as crianças têm a oportunidade de aceder a uma

educação e adquirir valores que fomentem práticas sociais, económicas e políticas

de sustentabilidade e de justiça social minorando a pobreza. Explica que a escola

não é democrática quando na sua prática trata todo mundo do mesmo jeito, pois as

crianças chegam à escola numa situação desigual, resultando naquilo que Antunes,

(2000:76), reconheceu que a prática da “indiferença às diferenças, acaba por saldar-

se na estigmatização das diferenças”. Isto é, com a independência nacional ocorrida

em 1975 o sistema educativo conheceu um movimento invulgar no acesso de

crianças vindas de camadas sociais que não tiveram oportunidades educativas. A

chegada em massa de alunos às escolas e aos vários níveis do sistema educativo.

A procura social da educação e mais recentemente pelas universidades levando à

passagem de um ensino destinado a uma elite para um ensino de massas. Em

termos metodológicos usamos abordagens qualitativas do tipo estudo de caso

naturalístico que mescla várias técnicas de investigação no âmbito da sociologia das

organizações, sobretudo a análise documental da legislação e algumas entrevistas

de campo na dedução da prática organizacional da escola, o que foi possível

constatar que as políticas educativas das Leis 4/83 e 6/92 basearam-se numa

correlação estreita à massificação do ensino. Na organização e numa sociologia da

1 Graduado em Psicologia e Pedagogia pela Universidade Pedagógica de Moçambique – Maputo. Mestre em Administração Educacional pela Universidade do Minho em Portugal. Doutorando em Educação na

Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita e Filho”. Bolsista CNPq/MCT-Mz no Brasil. Docente da Universidade Pedagógica de Moçambique, Delegação de Quelimane. E-mail:

<[email protected]>; <[email protected]>.

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ação organizacional estão, porém, carregadas de contradições, que resultam da

falta de autonomia escolar e da democratização da gestão na escola de massas, o

que trouxe problemas entre o projeto de democratização e das esperanças de

sucesso social. E a democratização impactou no funcionamento da escola causando

a fraca qualidade de ensino.

A MATERIALIZAÇÃO DA ESCOLA DE MASSAS

Enfatizados os debates pedagógicos e a produção académica sobre a

implantação da gestão democrática incidindo a reflexão e ação na coerência entre

teoria e prática, entre conteúdo e forma, entre processo e produto, mais do que

garantir igualdade no sistema educativo, evidenciou-se a equidade, que também

significou diferenciação do ensino, adaptando-se aos contextos locais e aos

diferentes tipos de públicos. Surge o inevitável insucesso escolar que pode ser

medido de uma forma quantitativa pelas taxas de reprovação, abandono e

repetência, e de forma qualitativa pela desmotivação, pela formação inadequada do

indivíduo para desempenhar uma dada tarefa laboral, nos moldes meritocráticos.

Aliás, perante um espirito de “crítica da indiferença diante das diferenças”

(DEROUET, 2002, p. 8), o Ministério de Educação (MINED), inspirado na célebre

frase “Fazer da escola uma base para o povo tomar o poder”, isto é, interessado na

educação do povo, adoptou uma ação voluntarista criando nos artigos 7 e 8, do

Regulamento Geral das Escolas do Ensino Básico (REGEB), os Conselhos de

Escolas2 que devem funcionar em todas as escolas do Ensino Básico e secundário

no País. O conceito de Escola-comunidade educativa evoluiu de acordo com a

progressiva democratização do Estado, estando muito ligado à própria gestão das

escolas, onde tudo sobre a escola constituía-se como “proposições dos professores

junto com os demais membros da comunidade escolar” (SIMÃO, 2012, p. 15), como

fator de eficácia e de igualdade na diferença de oportunidades. Estiveram em causa

reflexões da implementação da gestão democrática, o modo como a escola

estruturaria, seus princípios pedagógicos, seus objetivos, sua metodologia, seus

projetos, suas relações internas e, também, externas com as famílias e com a

comunidade.

2 “O Conselho de Escola é o órgão máximo do estabelecimento do Ensino Básico e que tem como objetivos ajustar as diretrizes e metas, estabelecidas a nível central e local, à realidade da Escola, bem como garantir a sua gestão democrática solidaria e corresponsável” (MINED, 2003).

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O Novo Sistema Nacional de Educação (SNE) concretizava-se também, com a

territorialização das políticas escolares de modo a atender as necessidades

diferenciadas através das Zonas de Influência Pedagógica (ZIP) no desenvolvimento

social de trabalho com a diferença, em territórios de população desfavorecida. Isto,

com base na “delimitação de uma área de ação e determinação dos seus problemas

específicos” (GARCIA, 2008, p. 212). Princípios e novos modos de regulação do

sistema educativo, que chamam a atenção para a variedade de referências que

animam a sociedade e se propõem a definir a democracia como um modo de

governo que respeita essa pluralidade. Discute-se o ideal de igualdade de

oportunidades para alunos de diferentes classes sociais que repousassem sobre um

compromisso entre dois princípios: a exigência cívica de igualdade e a necessidade

de operar uma seleção que perpassasse a divisão do trabalho, como redução dos

direitos para permitir a participação de todos na tomada de decisões. A igualdade é

entendida “como a capacidade de criar uma consciência comum e uma

solidariedade colectiva, a capacidade de satisfazer os consumidores inseridos num

mercado” (DEROUET, 2002, p. 9). Recai a descentralização das escolas que

impõem perfis ao diretor da escola como um agente para o sucesso dos programas

e aos professores na elaboração de soluções locais (capazes de fornecer conteúdos

úteis, pertinentes, rigorosos e atualizados), pela avaliação imposta aos

estabelecimentos de acordo com indicadores estabelecidos de sucesso dos alunos.

Consequentemente, a criação de concorrência entre estabelecimentos, os diretores

das ZIPs ao reterem os alunos das classes médias pela constituição de turmas

“especiais”, reforçavam a segregação escolar e pela avaliação, as escolas

procuravam aumentar as suas classificações, e por conseguinte, a reprodução das

desigualdades sociais. Em regra ao centralismo no sistema educativo, o insucesso

escolar atribui-se a falta de aplicação das orientações oficiais pelos professores,

sendo que as causas são imputadas: i. ao aluno: pela falta de “habilidades e

capacidades e ao mau desempenho” (ESPER & OLIVEIRA, s.a), é a "teoria dos

dons", ou, o "fatalismo biológico", ou ainda, a pedagogia do pecado original” (LODI,

1971, p. 121; BARROSO, 1995, p. 738; LIMA, 1998, p. 118-119; DOMINGOS, 2010,

p. 66); ii. à sociedade: pelo meio onde vive o indivíduo (fatalismo sociológico), bairro

rico ou pobre, nível cultural, expectativas, acesso a bens de consumo, a material

escolar, etc.; herança cultural, (socialmente, o governo usa medidas de

descriminação positiva como bolsas de estudo, fornecimento de residências

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estudantis, material gratuito, entre outras); iii. a escola: a galvanização no

movimento das escolas eficazes (liderança forte com expectativas positivas no ethos

(efeito de pigmaleão), onde a organização e a cultura próprias da escola dificultam a

integração do aluno; iv. ao sistema educativo: com problemas de organização

escolar, as assimetrias da rede escolar (escolas com alunos a mais e outras com

menos, o número de escolas por região); as infraestruturas de apoio ao ensino, os

cursos e os meios disponíveis que não são os mesmos nas diversas regiões do país

(o sul é normalmente mais favorecido que o norte); bem como a qualidade dos

professores, com pouca formação, dos conteúdos adaptados a diferentes tipos de

alunos e da criação de medidas de adaptação dos saberes aos alunos. Os métodos

didático-pedagógicos incompatíveis com os conteúdos de ensino.

Na perspectiva da teoria contingencial (FERREIRA, 2001, p. 77; CASTRO,

2007, p. 136-137), onde as “escolas são refratárias a previsões deterministas”3, a

racionalidade organizacional é em função das suas especificidades e das

circunstâncias do momento. Tendo em conta que “a educação tem como finalidade ´

preparar os homens para o desempenho das suas responsabilidades´, com vista à

obtenção do ´bem comum´ como meio de corrigir o que de mão existe no homem”

(STOER, 2008, p. 21). Há necessidade de desenvolver um modelo meso de

comunicação mais alargado, onde o Estado e o mercado devem-se complementar

visando: construir um meio de convivência democrática para: a) a resolução de

problemas interpessoais e intergrupais, diminuindo e resolvendo conflitos e tensões;

para favorecer a coesão e unidade dos grupos; para assegurar a valorização das

pessoas e dos grupos de trabalho, enquanto meio para a afirmação e expressão das

opiniões; b) preservar a garantia do bem-estar social dos públicos escolares, através

de um mercado regulado, com mecanismos de representação e participação que

levem a um sistema democrático mais justo e igualitário, onde todos decidem sobre

si na construção de "um mundo menos desagradável, menos cruel e menos

desumano"4. Segundo Sá & Antunes (2007, p. 130) relativizando a atividade e ação

educativa, atendendo as especificidades sociais das crianças e promovendo a

gestão da diversidade social, desde a sala de aula até, em termos administrativos, o

que passa pela responsabilização autonomizada das escolas. De acordo com Stoer

3 http://rmoura.tripod.com/socedu.htm (Extraído no dia 29/11/2013). 4http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0871((Extraído no dia 20/08/2013)).

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(2008, p. 138), os jovens são duplamente “desqualificados”, primeiramente, pela

instituição educativa e depois pelo mercado de trabalho, havendo necessidade de

mediação da relação entre a estrutura de classes e a identidade do jovem. Portanto,

a massificação do ensino significou uma sequência negativa do mau funcionamento

da escola de massas, isto porque se limitou a aplicar os princípios da escola de

elites a uma população mais numerosa e bastante heterogénea, trazendo os

seguintes problemas adicionais: i) aumento da burocracia na escola e no sistema

educativo como antagonismo da pedagogia; ii) aumento do centralismo autoritário,

incompatível como o propósito da educação de massas; iii) degradação da

qualidade elitista anterior e o não desenvolvimento de uma qualidade localizada em

coerência com a educação autonomizada de massas.

A POLÍTICA DA DEMOCRATIZAÇÃO LIBERAL

O projeto societal educativo de escola de massas da segunda explosão escolar

está veiculado a Lei 6/92, que trouxe expectativas positivas de imprimir no sistema

educativo uma “ideologia nacionalista” (STOER, 2008, p. 30), capaz de vencer os

dois passados, colonial e do centralismo burocrático que derivaram de uma nação

de elite, e do centralismo hierarquizado respectivamente do regime pós-

independência herdado que se assentava em três pilares: a) Garantir a formação

integral e harmoniosa através do aperfeiçoamento das faculdades intelectuais, do

desenvolvimento físico, das virtudes morais e cívicas; b) Preparar todos os cidadãos

para tomarem parte ativa na vida social e como cidadãos participantes na vida do

país; e, c) Estimular o amor pela Pátria e por interesses superiores à nação, bem

como no reconhecimento regional e internacional. Estas políticas ocorreram durante

o período de pleno emprego e democratização escolar, isto é, a democratização e

às necessidades sócio profissionais marcharam ao mesmo tempo. Durante o

período, também houve maior acesso de alunos aos diversos níveis do sistema de

ensino e pela liberalização do Estado à prática educacional, naquilo que Cunha,

(2007), compreendeu na teoria da reprodução social de Bourdieu e Passeron este

tipo de ensino como uma relação formalmente igualitária, que reproduz e legitima as

desigualdades pré-existentes". As desigualdades sociais são reproduzidas no

interior da escola, na medida em que a sua cultura de saberes e habilidades é

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apropriada mais facilmente pelos alunos de classes sociais privilegiados e

favorecidos pelas atmosferas sócio familiares.

Portanto, Moçambique sendo um país periférico na teoria mundo recobre-se a

explicação de que as desigualdades diante da escola parecem ter cada vez mais

origem cultural e menos socioeconômica, isto significa que o fator língua portuguesa

embora oficial na Constituição da República é de uma minoria e “a persistência das

desigualdades seria resultado do reforço das desigualdades culturais e de um recuo

das desigualdades de origem socioeconômica”. (LANGOUËT, 2002). Deste modo, o

“capital cultural”, (SÁ & ANTUNES, 2007, p. 147-148), constitui o elemento da

herança familiar que teria o maior impacto na definição do destino escolar. Seria

uma espécie de “rentabilização pedagógica”, na medida em que a posse do capital

cultural favorecesse o desempenho escolar, uma vez que facilita a aprendizagem de

conteúdos e códigos que a escola veicula e sanciona. Hoje, a escola é vista na

extensão da lógica de mercado no sistema educativo – em detrimento da tradicional

função cultural, os consumidores a competirem e, como os consumidores não são

iguais há clivagem sociológica (SILVA, 2007, p. 262), ou seja, a questão do habitus

de classe, contextos diferentes de racionalidade das escolhas, mobilização desigual

das famílias (DUBET, 2004; STOER, 2008, p. 88).

O seu contributo para a prática profissional na escola, consciencializa na

medida em que se deseja que a escola seja um local de incentivo, de desafios, com

um projeto pedagógico viável à comunidade escolar, que leve ao desenvolvimento

dos professores, alunos, e sobretudo, à valorização e reconhecimento do

profissionalismo do professor. E que a escola seja um local de cultura e ensino e

aprendizagem, onde o professor esteja preparado para enfrentar com sucesso os

problemas da escola de massas (multiculturalidade, conflitos de valores, subculturas

de oposição a escola), opondo-se ao desenvolvimento e reprodução de concepções

que conduzam a discriminação (GOMES, 1997, p. 48). Portanto, “a democratização

no acesso à educação não significa necessariamente democratização no sucesso”,

daí a necessidade de reconstrução para a sua melhoria (SOUSA, s.a, p. 4), pois,

segundo Dubet, (2004, p. 540), “uma meritocracia escolar justa não garante a

diminuição das desigualdades”. Há necessidade da Escola estar preparada para

acolher e não gerar exclusões à diversidade social e cultural, mas que tudo passa

pelo investimento nos professores e na sua estrutura organizacional, onde num nível

micro, se dará atenção à ação do professor em classe, ao tipo de relação que

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estabelece com seus alunos e nos métodos pedagógicos que utiliza. Interessará

também a introdução de inovações pedagógicas. A lógica puramente igualitária não

compactua a introdução de mecanismos compensatórios eficazes e centrados nos

alunos e em seus trabalhos como estudos dirigidos, preparação específica para

concursos e exames. É, o que alguns autores chamam de "democracia qualitativa",

ou seja, “democracia aprofundada” (SOTER, 2008, p. 142-145), pois, a realização do

princípio de igualdade de sucesso, depende de uma confrontação cultural no interior

da escola de massas e ela só pode, valorizando dentro da escola as culturas da

comunidade local, e só assim, se pode falar de uma “escola democrática e não

meritocrática” (SILVA, 1996, p. 28). Conforme Freire (1975), a escola deve ser vista

com as suas “relações de poder”, pois, as questões de educação não são só

pedagógicas, mas sim políticas como a autonomia da escola, dos seus professores

e alunos e, aconselha os professores a terem a consciência de que, os que

aprendem são tal como os que ensinam, seres sociais portadores de um mundo

muito especial de crenças, significados, valores, atitudes e comportamentos

adquiridos fora da escola e que importa contemplar.

Portanto, não é nos indivíduos ou em grupos sociais que se encontra o

mecanismo da distribuição da oportunidade educacional, mas na própria cultura

académica e essa cultura está subjugada na reprodução das desigualdades que é

também, feita nas escolhas do bom curso, boa escola e a escolha da boa turma, (SÁ

& ANTUNES, 2007, p. 141), bem como pela “promiscuidade pedagógica” - as aulas

particulares de explicações, fatos que os órgãos de gestão das escolas devem

prestar atenção na promoção do interesse geral e na garantia da escola

democrática. Os diplomas obtidos em certos estabelecimentos são totalmente

desvalorizados porque o seu valor não procede, nem dá sanção possível ao

mercado de trabalho, nem dá sanção às performances escolares, porque a sua

determinação fica condicionada ao tipo de escola que transmite a sua relação de

reconhecimento com a sociedade (POUPEAU & GARCIA, 2008, p. 276). O ideal de

igualdade ou a “escola para todos” é a que não quer excluir ninguém, mas também,

a que não garante condições de aprendizagem escolar suficiente para os mais

desfavorecidos pela cultura escolar legitima. O sistema de ensino é monopolizado

pelos "herdeiros", porque há “manutenção do status quo” (SOUSA, s.a, p. 5), pela

vinculação de uma cultura académica mais próxima da cultura familiar de certos

alunos e mais afastada da cultura popular ou a considerada marginal à escola. A

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autonomia das escolas tem de se estender mais no sentido de descentralizar o

processo de tomada de decisão para as escolas, através de fortalecimento dos

órgãos deliberativos, pedagógicos e administrativos. As escolas têm de desenvolver

a capacidade de construir os seus projetos políticos e pedagógicos adequados à

realidade da sua região. O projeto curricular tem de ser elaborado de acordo com o

contexto de aprendizagem de cada criança. E o processo de financiamento tem de

conferir maior autonomia financeira às escolas para elas poderem financiar os seus

projetos.

A GESTÃO ESCOLAR NA CONSTRUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO

No quadro do carácter estruturante e transversal do gestor e no

aprofundamento de questões conceptuais, temáticas ou metodológicas, podemos

questionar como é que a escola favorece os herdeiros? Na perspectiva de Bourdieu

(1982) e Stoer, (2008, p. 86), definem “a acção pedagógica como uma forma de

violência simbólica”. Assim, no habitus, as pessoas obedecem regras sem vontade

própria e até às vezes sem saber, o que impõe contradição ao ato educativo, pois na

escola, cada um, quer seja, docente, aluno quer filho do rico ou pobre, faz o que

gosta e não o inverso

Os professores quando não se sentem à vontade na escola trazem consequências no funcionamento como os atrasos sistemáticos, falto de assiduidade ou absentismo. Por isso, é preciso combinar exigências e estar de lado do professor, sobretudo a atuação do dirigente da escola (Notas de campo).

E, assim, o gestor escolar é mobilizado a participar da reprodução das

desigualdades sociais através do cumprimento nos atos meramente administrativos

traduzidos através de um modelo de gestão fortemente centralizado, adoptando

mecanismos de controlo administrativo de nível hierárquico superiores às escolas,

como a avaliação externa dos inspetores, supervisores e auditores, no qual as

autoridades centrais influenciam a gestão quotidiana das escolas (DOMINGOS,

2010). A utilização do capital cultural e do ethos, ao se combinarem concorrem para

definir as condutas escolares e as atitudes diante da escola, que constituem o

princípio de eliminação diferencial dos alunos das diferentes classes sociais

(BOURDIEU, 1998, p. 50). As aprendizagens na escola ocorrem sempre numa

dialética de duas instituições familiar e pedagógica, o que se pode concluir, que a

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sua interação deve ser harmoniosa, portanto, nenhuma reforma educativa deve

ocorrer se se pretender que tenha sucesso sem o respeito recíproco, ainda que

também se repense na estrutura da escola.

A Gestão participativa tem muito a ver com o Conselho de Escola, envolvendo membros de direção, alunos, pais, a estrutura de base e sociedade onde está a escola (Notas de campo).

Há necessidade da não exclusão nas reformas, estrutura, conteúdos,

metodologias, sistema de avaliação e interação didática, pois, a escola é uma

confluência institucional do interesse geral, devendo aumentar esforços no sentido

de criar uma sociedade solidária, ou “organização e comunidade educativa” (LIMA,

1998, p. 142; FORMOSINHO, 1989, p. 56), onde todos possam com dignidade

exercer a cidadania e dar oportunidades aos excluídos cultural e socialmente.

Portanto, as ações humanas também, se afastam de um puro senso prático de

rotinas e de racionalidades a priori, que “individualizam a responsabilidade da gestão

da escola ao seu diretor, reproduzindo as intencionalidades das políticas

hegemónicas” (LOPES, 2002, p. 5). Isto é, a escola nunca é homogénea5 e o

homem está cada vez mais a atuar de forma a enfrentar situações novas que

obrigam a formular estratégias e maneiras de pensar.

As competências do diretor da escola são de planificar as atividades, incluindo as pedagógicas, supervisão e controlo. As [...] para a tomada de decisões mãe que fazem com que as atividades da escola ocorram com sucesso para os objetivos desejados não [...] as decisões são de prestação de resultados finais. [...] tem um papel e atuação limitada [...] devia agir como um político, fazer com que as decisões do MINED e da escola se cruzem com os interesses comunitários para serem implementadas com sucesso na escola (Notas de campo).

Neste sentido, o gestor escolar deve ver a escola como um mosaico cultural,

atuando numa pluralidade de esquemas, pois, o ambiente familiar nem sempre é

coerente com o ambiente escolar, forçando-se assim, como sujeito a examinar a

realidade, reconsiderando os contextos e os objetivos iniciais das políticas que

visem atenuar as desigualdades no sistema educativo.

5 De acordo com Antunes (2000, p. 78), “a suposta uniformidade curricular é desfeita através de processos escolares: i) produção de diferentes pedagogias para diferentes grupos de alunos que conduzem a oportunidades de acesso ao e apropriação do conhecimento; ii) interação seletiva dos professores com alunos de diferentes grupos sociais, com base em modelos de aluno ideal em processos de rotulagem moral e académica que influenciam as práticas pedagógicas, proporcionando experiências e oportunidades muito dispares e […] condicionando os resultados e percursos escolares”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O texto procura discutir a problemática da gestão escolar na relação entre

sucesso escolar e reforço de situações sociais privilegiadas, tal como entre fracasso

escolar e situações sociais desfavorecidas, defendendo que a gestão escolar

confirma e reforça a cultura das classes privilegiadas com base nos processos

escolares envolvidos. E ainda, convoca a todos os setores sociais para que

fundamentem os pressupostos democráticos, da cidadania e da democracia

participativa, dos valores cívicos, dos direitos humanos e da não‐violência nas

questões de educação. Por dentro da escola, as estruturas organizacionais devem

promover modelos de convivência mobilizando a sociedade sobre a organização

escolar para que “façamos do ensino de qualidade uma tarefa de todos nós”, cujas

ações consistem em “reconhecer e favorecer o investimento dos docentes no

desenvolvimento da sua competência pedagógica profissional” (ANTUNES & SÁ,

2008). Através da promoção da mediação e negociação, com base numa autonomia

da escola e, numa pedagogia diferenciada, a prática pedagógica do professor

precisa de ser reavaliada e atualizada permanentemente, para promover

educacionalmente a todos alunos. E garantir uma educação para todos, como

compromisso educativo da construção, prestígio, favorecimento e igualdade de

oportunidades em atividades escolares, na massificação escolar, também, para

reforçar à educação para a vida como forma de vencer a pobreza.

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O GESTOR ESCOLAR COMO MOBILIZADOR PARA UMA GESTÃO

DEMOCRATICA E PARTICIPATIVA

Frederico Santos Ferreira1

Letícia Ramalho Brittes2

INTRODUÇÃO

O presente texto tem como objetivo principal analisar a gestão democrática a

partir de um olhar voltado para a participação da comunidade escolar. Analisando o

papel do gestor na mobilização da comunidade criando mecanismos para que todos

se sentem participantes no processo de ensino desenvolvido em sua escola,

pretendemos acerca do desafio principal para construção da gestão participativa:

fazer com que todos se sintam responsáveis e construtores da educação que

desenvolve na sua instituição, sendo capazes de transformação e mudança da

própria realidade. Logo, o problema do gestor democrático é fazer com que todos se

sintam engajados no processo de formação.

Assim, buscamos verificar as conquistas que a educação tem quando a

sociedade assume o papel da educação na sua realidade. Perceber que a

comunidade tem uma função social na construção de uma educação de qualidade.

Como engajar a comunidade no processo da gestão democrática e participativa?

COMO MOBILIZAR A COMUNIDADE ESCOLAR PARA PARTICIPAR JUNTO NO

PROCESSO DE CRIAÇÃO DE UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA:

O grande desafio do gestor que propõe um projeto de gestão tendo como

alicerce a gestão democrática se depara com a falta de participação e

comprometimento da comunidade escolar, por professores, alunos e pais. E

também, na dúvida de qual maneira vai conseguir mobilizar a comunidade para que

pensem juntos trabalham juntos num mesmo projeto. Segundo Lück,

1 Graduado em Filosofia. Aluno do curso de Especialização em Gestão Escolar do Instituto Federal Farroupilha – Campus Júlio de Castilhos. Professor do Instituto Estadual de Educação Vicente Dutra E-mail: <[email protected]> 2 Professora de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no Instituto Federal Farroupilha. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas - RS (UFPel). E-mail: <[email protected]>.

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Uma forma de conceituar a gestão é vê-la como um processo de mobilização da competência e da energia das pessoas coletivamente organizadas para que, por sua participação ativa competente, promovam a realização o mais plenamente possível, dos objetivos de sua unidade de trabalho, no caso dos objetivos educacionais. (LÜCK, 2006, p. 21).

A busca pelo pensar juntos, caminhar juntos e trabalhar juntos percebe-se um

comprometimento do gestor, na luta por uma unidade. E este desafio de criar uma

escola de qualidade, uma escola de todos passa pelo paradigma de criar maneiras

de motivação para que todos se sintam participativo no processo de ensino da

instituição.

A gestão democrática está inserida e interagida numa sociedade, com

questões sociais, com anseios da comunidade, com preocupações comuns que

fazem parte do seu cotidiano. E desta maneira,

O conceito de gestão, portanto, parte do pressuposto de que o êxito de uma organização social depende da mobilização da ação construtiva conjunta de seus componentes, pelo trabalho associado, mediante reciprocidade que cria um “todo” orientado por uma vontade coletiva. Esta, aliás, é condição fundamental para que a educação se processe de forma efetiva no interior da escola, tendo em vista a complexidade de seus objetivos e processos. (LÜCK, 2006, p. 22).

A gestão que busca a participação de todos, é uma ação construtiva que busca

a compreensão do que acontece dentro da instituição educacional num olhar que

desenvolve e conscientiza que os objetivos alcançados foram conquista de todos,

que na solução dos problemas, só vai se realiza se todos se unirem em torno da sua

solução. O gestor através de um trabalho associado e compartilhado busca a

vontade do coletivo, do processo de inclusão na participação democrática e

verdadeira.

Quando a gestão se abre para uma participação coletiva através de trabalhos

associativos, a escola da propriedade para as pessoas adotarem uma “autoria”

sobre o seu trabalho e ter a certeza que os resultados alcançados são de sua

responsabilidade. Isto se dá pela participação competente, que oportuniza o agente

de construir sua autonomia.

Para que esta autonomia aconteça é preciso superar às pseudoparticipações

da comunidade escolar na participação democrática da escola. Como por exemplo,

reuniões que os professores e pais chegam para tomar decisões onde as questões

foram problematizadas pelo gestor e sua coordenação pedagógica, o restante ficou

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excluído do processo de construção, aspecto importante para uma gestão

democrática.

A partir da minha experiência como professor vivencio reuniões onde se fala e

nada se resolve, onde a “direção” através da sua centralização tenta impor suas

ideias, fugindo assim, do debate do diálogo e da construção. Reuniões que às vezes

o cafezinho dos professores ou lugar da sala dos professores se torna mais

importante que o processo de ensino que ocorre no estabelecimento. Percebemos

assim, reuniões que afetam a motivação da comunidade escolar, devemos construir

e organizar projetos de participação, que produza um espírito de comprometimento

com a autonomia desta comunidade e principalmente que os docentes se sintam

protagonistas da educação desenvolvida, com qualidade e que seja de todos. E que

está autonomia seja o elo determinante para uma participação competente.

Assim, este comprometimento pela construção de uma gestão democrática e

participativa, gera alguns objetivos, de acordo com Lück:

É pelo compromisso e em nome da construção de uma sociedade democrática e da promoção de maior envolvimento das pessoas nas organizações sociais em que atuam, com as quais se relacionam e, das quais dependem, que se favorece a realização de atividades que possibilitem e condicionem a participação. Essas atividades, portanto, são previstas com um triplo objetivo: a) o de promover a construção coletiva das organizações, b) os de possibilitar a aprendizagem de habilidades de participação efetiva e concomitante, c) o de desenvolver o potencial de autonomia das pessoas e instituições. Daí a sua importância não apenas para a gestão educacional democrática, tal como proposta em lei, mas como condição para a vivência e aprendizagem democrática de todos os seus participantes e, em especial, de seus alunos. (LÜCK, 2006, p. 26).

Portanto, o gestor só conseguirá mobiliza comunidade escolar para a criação

de uma gestão democrática, se os membros desta comunidade se sentirem

verdadeiramente participativo desta construção. Compreender que o compromisso

pela democratização da escola é um anseio, e uma necessidade social, onde as

pessoas se sintam atuantes e envolvidas nas instituições que elas fazem parte.

Porém, o triplo objetivo que Heloísa Lück nos ensina e nos compromete como

atuantes numa instituição são de que devemos promover a construção coletiva da

gestão, possibilitando a participação efetiva e significativa nas aprendizagens deste

processo, desenvolvendo as potencialidades das pessoas que sejam autônomas,

isto é, uma autonomia no crescimento pessoal e coletivo desenvolvendo as relações

pessoais, sociais e democráticas existentes no ambiente, criando um mesmo

caminho e um mesmo objetivo. Quando a equipe diretiva realizar dentro de sua

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gestão este tríplice objetivo percebemos que realmente ela está conseguindo

mobilizar toda a comunidade escolar para a construção e criação de uma gestão

democrática e mais importante ainda, verdadeiramente participativa.

A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE PARA CONSTRUÇÃO

DE UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA

O processo educacional que nos encontramos, está inserido num sistema

governamental onde o Estado rege nossa educação e às vezes devemos caminhar

conforme o que eles pensam e dizem a respeito da educação. Entendemos que

seus belos discursos e seus planos de governos educacionais não condizem com a

realidade que vivenciamos na nossa educação. Há uma falta de atitudes concretas

que priorizem realmente o ensino, fala-se em qualidade de ensino, de estruturação

dos espaços físicos, implantação do ensino-tecnológico, porém as vontades políticas

estão distante da verdadeira realidade que se encontram as nossas escolas.

Acredito que a escola que os nossos políticos afirmam só deva existir no plano do

“mundo das ideias” de Platão. Pois, os recursos destinados para o ensino e a

garantia de condições para exercer uma aprendizagem significativa para as

crianças, os jovens e adolescentes está longe acontecer.

É preciso e se faz necessário que a sociedade civil assuma o papel pela

educação, que comece a sentir responsável pelo ensino desenvolvido nas

instituições educacionais perto de suas casas. E que o gestor que administra uma

instituição de ensino deve ter a clareza que a transformação da educação só será

concretizada se a sociedade num todo abraçar a causa pela educação. E como já

afirmamos isto só será possível se a sociedade se sentir participativa e construtora

do processo de ensino.

A força que vem da sociedade que assume o papel da educação na sua

realidade como uma conquista social, junto a uma gestão democrática, que valoriza

o diálogo, a cooperação, o comprometimento de todos, consegue superar o sistema

e desenvolver na sua realidade uma educação significativa, atuante e consciente de

sua atuação como agente transformador.

Assim, reafirma Paro:

Por isso, parece haver pouca probabilidade de o Estado empregar esforços para a democratização do saber sem que a isso seja compelido pela

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sociedade civil. No âmbito da unidade escolar, esta constatação aponta para a necessidade de a continuidade participar efetivamente da gestão da escola de modo a que esta ganhe autonomia em relação aos interesses dominantes representados pelo Estado. E isso só terá condições de acontecer “na medida em que aqueles que mais se beneficiarão de uma democratização da escola puderem participar ativamente das decisões que dizem respeito a seus objetivos e às formas de alcançá-los”. (PARO et al. Apud PARO, 2000, p. 40).

A autonomia da gestão escolar será possível junto com a sociedade civil.

Porém, como a escola é capaz de enfrentar a sistematização do Estado? Somente

com a democratização da escola, quando houver participação ativa da sociedade a

respeito dos objetivos da educação realizada neste ambiente de ensino. E toda

sociedade pode tornar realidade está autonomia, tornando-se possível uma gestão

desvinculada do Estado. E está liberdade é definida por projeto engajado por todos

os seguimentos que compõe a comunidade escolar, tendo a mesma fala, o mesmo

diálogo, enfim o mesmo discurso. Quando unirmos os seguimentos que estão

presentes em todos os setores da escola, conseguiremos criar força participativa e

projeto educacional, organizando e realizando uma educação de qualidade e que

seja realmente de todos.

A importância da participação da sociedade está na construção de uma escola

pública que desempenha um papel educacional significativo para comunidade em

que ela pertence. Comprometida com a transformação da sociedade, transformação

que ocorre através dos conhecimentos e competências que o aluno desenvolveu na

sua aprendizagem. Uma comunidade consciente que tem o ensino público como um

direito e também como um dever, de participar, de ajudar e de cobrar de nossos

governantes, ações que melhorem a educação pública.

A COMUNIDADE ESCOLAR ENGAJADA NUM PROJETO DEMOCRÁTICO DO

ENSINO

Quando falamos num projeto de gestão que visa buscar a autonomia das

pessoas envolvidas, devemos pensar numa participação que faça com que elas se

sintam comprometidas e empenhadas na construção e execução deste projeto

democrático de ensino. Um modelo baseado no engajamento e na doação pelo

ensino público reflete o anseio daqueles que se envolve com a educação. Logo,

O engajamento representa o nível mais pleno de participação. Sua prática envolve o estar presente, o oferecer ideias e opiniões, o expressar o

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pensamento, o analisar de forma interativa as situações, o tomar decisões sobre o encaminhamento de questões, com base em análises compartilhadas e envolver-se de forma comprometida no encaminhamento e nas ações necessárias e adequadas para a efetivação das decisões tomadas. Em suma, participação como engajamento implica envolver-se dinamicamente nos processos sociais e assumir responsabilidade por agir com empenho, competência e dedicação visando promover os resultados propostos e desejados. Portanto, é muito mais que adesão, é empreendedorismo comprometido. (LÜCK, 2006, p. 47).

Precisamos que os agentes que promovam o ensino estejam presentes no

processo de educação, que não tenham medo de dividir responsabilidades. Que

sejamos capazes de acertar e também de errar, mas que ao errar toda a

comunidade assume junto este erro, para que possamos aprender e a crescer com

ele. Que aja um empenho e um comprometimento, para que ação e atuação de

todos os agentes da instituição alcancem os objetivos e as metas propostas e

desejadas. Este empreendedorismo comprometido que afirma Lück é que quando

uma sociedade engajada investe em uma educação de qualidade todos saem

ganhando.

Em que sentido a sociedade sai ganhando? Sabemos da importância que tem

a educação na vida das pessoas e na transformação social, podemos afirmar que

sai ganhando na unidade e na conquista por uma educação pública de qualidade,

uma educação que promova valores de solidariedade e de responsabilidade entre as

pessoas.

E o cerne da construção de uma gestão democrática que tem como princípio

de sua participação o engajamento é o Projeto Político Pedagógico, pois ele vai nos

dar a direção e os objetivos que a escola quer alcançar. Assim, Lück em seu livro “A

gestão Educacional: uma questão paradigmática”, afirma que:

No caso da gestão escolar, corresponde a dar vez e voz e envolver na construção e implementação do seu projeto político-pedagógico a comunidade escolar como um todo: professores, funcionários, alunos, pais e até mesmo a comunidade externa da escola, mediante uma estratégia aberta de diálogo e construção do entendimento de responsabilidade coletiva pela educação. (LÜCK, 2006, p. 81).

É importante relatar e descrever que para haver a participação engajada da

comunidade é necessário que a mesma faça parte do processo de elaboração e

construção do Projeto Político Pedagógico, pois dar voz e vez é estar aberto para

construção do documento que rege o estabelecimento de ensino, e tal deve ser

construído através do diálogo que envolva todos os seguimentos, e que as

responsabilidades sejam assumidas pelo coletivo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término deste trabalho percebemos que o gestor que busca uma

participação democrática só conseguirá mobilizar a comunidade escolar se este

conseguir fazer com que está se sinta participante e responsável pelo ensino

desenvolvido na sua instituição de ensino. E a conquista por uma participação

autônoma de todos faz com que o gestor seja capaz de dialogar com os vários

seguimentos.

Quando a comunidade está unida num ideal de educação ela consegue ter

força política, conseguindo ter conquistas significativas com relação à autonomia da

escola diante o poder do Estado. Uma comunidade escolar capaz de reivindicar as

necessidades que precisam e contribuindo para construção de uma escola de

qualidade.

Uma gestão democrática capaz de engajar toda comunidade, contribuindo com

seus anseios e sonhos na construção do ensino da sua realidade. Portanto, um

gestor capaz de motivar, escutar e deliberar responsabilidades para uma verdadeira

participação democrática.

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O PERFIL DOS CONSELHEIROS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO DO PRÓ-

CONSELHO/UFSM: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DA 1ª E 2ª EDIÇÕES

Marina Lara Silva dos Santos Teixeira1

Francine Mendonça da Silva 2

Marilene Gabriel Dalla Corte3

INTRODUÇÃO

O presente artigo está relacionado ao projeto “Interlocuções entre políticas

públicas e ações pedagógicas: limites e possibilidades”, do Observatório de

Educação/CAPES (OBEDUC)4, vinculado ao grupo de pesquisa Elos, da

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). De modo geral, este projeto tem por

objetivo identificar e analisar os limites e as possibilidades das ações pedagógicas

no contexto da gestão educacional, a partir dos impactos e desafios enfrentados

pelos sistemas e interferência das políticas públicas educacionais nas reformas

educacionais a partir do processo de interlocução entre Educação Básica e Superior.

Delinear e analisar os limites e as possibilidades dos Conselhos Municipais de

Educação, vinculados ao Pró-Conselho no Rio Grande do Sul, considerando a sua

conjuntura, proposições e orientações de políticas públicas e marcos legais, assim

como de ações desenvolvidas junto as Mantenedoras e Escolas públicas, entre

outros aspectos subjacentes ao perfil e atuação dos Conselheiros, diz respeito a um

dos objetivos norteadores do OBEDUC.

Nesse sentido, este texto contempla resultados parciais da pesquisa em

andamento pelo observatório e objetiva apresentar um mapeamento do perfil dos

conselheiros participantes do Curso de Formação Continuada de Conselheiros

Municipais de Educação, desenvolvido pelo Pró-Conselho/UFSM, ao longo de duas

edições (2013 e 2014) já concluídas. Cabe destacar que o Programa Nacional de

1 Acadêmica do curso de Licenciatura em Matemática. Bolsista OBEDUC/CAPES – UFSM. E-mail: <[email protected]> 2 Pedagoga. Especializanda em Gestão Educacional UAB/UFSM. Colaboradora OBEDUC/CAPES – UFSM. E-mail: <[email protected]> 3 Doutora em Educação. Professora Adjunta do Departamento de Administração Escolar, do Centro de Educação, da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Professora pesquisadora junto ao Observatório de Educação (OBEDUC/CAPES), desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Elos – UFSM. E-mail: <[email protected]> 4 Esta pesquisa realiza-se com apoio do Programa Observatório da Educação, da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/Brasil.

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Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação (Pró-Conselho) foi instituído

pela SEB/MEC para desenvolver a política de democratização da gestão

educacional e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) é gestora desse

Programa, via curso de formação continuada no Rio Grande do Sul - RS e, portanto,

este projeto de extensão constitui-se lócus de pesquisa do Observatório de

Educação.

ASPECTOS TEÓRICOS-METODOLÓGICOS

Essa pesquisa ancora-se na metodologia quanti-qualitativa (Lima, 2004),

justamente, por captar, tratar e analisar dados estatísticos e subjetivos, assim como

no estudo de caso na perspectiva da educação comparada, o qual se constitui

modalidade investigativa, delimitando o contexto, tornando-o particular e

representativo de uma prática estudada e analisada no Estado do Rio Grande do

Sul, tendo como lócus de pesquisa as 1ª e 2ª edição do Pró-Conselho/UFSM.

Segundo Yin (2005) são os estudos de caso de cunho analítico os que podem

proporcionar significativo avanço no conhecimento real do contexto e esse tipo de

investigação é essencial à descrição e à análise de dados que não se tem controle

específico sobre os acontecimentos. Portanto, não é possível ou desejável

manipular as causas e consequências comportamentais e/ou institucionais.

Na perspectiva da educação comparada estudos ganham espaço e

descortinam esclarecimentos acerca da vida coletiva, dos processos nacionais e

internacionais, a partir da organização de sujeitos, de grupos focais, das instituições,

das proposições, articulações e consecução das políticas públicas e inter-relações

com múltiplos fatores, entre eles, econômicos, culturais e educacionais, assim como

das necessidades e condições básicas de vida em sociedade, entre outros aspectos.

Para tanto, Monarcha e Filho (2004) colocam que

Não é de estranhar que em tudo isso o processo educacional assuma importância decisiva, projetando-se na forma dos sistemas nacionais de ensino. A Educação Comparada os toma, numa dada época, como objeto especial de indagação, admitindo que, a partir deles, as forças sociais possam ser caracterizadas, verificadas em seus nexos de dependência e, enfim, devidamente compreendidas numa estrutura orgânica. Dessa forma, vem a estabelecer hipóteses e a compor modelos, segundo os quais cada sistema especial, sistemas afins ou famílias dos sistemas possam ser melhor compreendidos e, afinal, explicados. Nesse conjunto de idéias reside o que podemos chamar o pressuposto fundamental dos estudos comparativos de educação. A ele acompanha um segundo, complementar.

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Consiste em admitir que, pela ação ordenada dos sistemas de ensino, se bem fundados, a ação educativa intencional tenha ação de retorno sobre o processo educacional e, enfim, sobre condições básicas de toda a vida social. (p. 18)

Em atendimento aos propósitos macro e micro do Observatório de Educação,

esta pesquisa utiliza dados subjacentes de um questionário misto aplicado online

aos cursistas partícipes do Pro-Conselho/UFSM, assim como das fichas de cadastro

preenchidas no ato da matrícula no curso, constituindo um banco de dados por

representatividades de cada regional e respectivos municípios partícipes junto ao

Pró-Conselho, relacionado a conjuntura dos CME no RS, entre outros aspectos da

formação e atuação dos conselheiros e técnicos de educação.

Cabe destacar que algumas informações das fichas de cadastro, foram

apresentados aos cursistas de forma diferente no ato da inscrição, pois a ficha foi

repensada e reformulada de uma edição para outra, considerando o fato de que

eram necessárias algumas especificações a mais em relação a aspectos

importantes para o delineamento do perfil dos conselheiros. Assim,

consequentemente o perfil dos cursistas da 1ª oferta da 2ª edição, possuem

algumas especificações a mais que não foi possível obter no delineamento do perfil

dos conselheiros da 1ª edição.

Dos 176 municípios participantes nesta abordagem preliminar da pesquisa, 78

municípios são constituintes da 1ª edição do Pró-Conselho/UFSM e 98 municípios

são integrantes da 2ª edição do curso. Em ambas as edições do curso os municípios

foram subdivididos e agrupados de acordo com as regiões de abrangência da

Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (FAMURS)5.

Dessa forma, todas as regiões do estado, segundo esta organização, foram

representadas pelos cursistas no Pró-Conselho/UFSM, tornando possível o

mapeamento do perfil dos conselheiros participantes das duas edições já concluídas

do Pró-Conselho.

FORMAÇÃO CONTINUADA DE CONSELHEIROS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO

Especialmente por considerar que os Conselhos de Educação, em especial os

Conselhos Municipais, são indispensáveis para dar sentido à gestão democrática da

educação e responder aos novos desafios colocados para a educação no século

5 Regiões de abrangência encontram-se no site <http://www.famurs.com.br/>.

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XXI, e consequentemente aos entes federados, (BORDIGNON, 2009), é que se faz

necessário, cada vez mais, se constituírem espaços democráticos de definição e

consecução de políticas educacionais sólidas e que contribuam para a qualidade da

educação básica.

Compreende-se, também, a formação continuada como investimento para a

transformação no exercício da profissão (GOMEZ, 1997), destacando o papel

importante dos conselheiros municipais de educação em seu grupo de pares frente à

qualificação da educação, como também a representatividade desse grupo na

construção cotidiana de uma cultura no contexto de democratização da gestão da

educação municipal. Assim, seguindo uma visão sistêmica, o Ministério da

Educação estruturou suas políticas em quatro eixos norteadores: Educação Básica,

Educação Profissional e Tecnológica, Educação Superior e Educação Continuada

(BRASIL, 2007).

O Curso de Formação Continuada de Conselheiros Municipais de Educação,

voltado para a qualificação da educação básica, é desenvolvido em parceria com

Instituições de Ensino Superior públicas, e desde o seu início vem contando cada

vez mais com a participação de novas instituições. Para os anos de 2014 e 2015, o

Programa já conta com a parceria de 18 universidades que contemplam todos os

estados no Brasil: entre elas a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) no

estado do Rio Grande do Sul (RS).

O PRÓ-CONSELHO/UFSM COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO CONTINUADA

Segundo Ferreira (2006), a formação continuada é uma realidade no panorama

educacional brasileiro e mundial, não só como uma exigência que se faz devido aos

avanços da ciência e da tecnologia que se processaram nas últimas décadas, mas

como uma nova categoria que passou a existir no mercado da formação contínua. É

neste contexto que está em curso a formação de um “novo cidadão do mundo” por

necessidade de sobrevivência, e considerando as tantas transformações

econômicas, sociais, políticas e culturais, cada vez mais faz-se necessário uma

formação continuada e de qualidade.

Durante sua vida profissional, considera-se necessário que o professor

prepare-se para realizar diferentes atividades que podem vir surgir, muitas vezes,

além de ser professor, de estar em sala de aula, este profissional da educação

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desempenha algumas atividades que envolvem o planejamento de estratégias, de

marcos legais, como a questão do Conselho de Educação como lócus de gestão

colegiada da educação.

Neste sentido, acredita-se que os conselheiros precisam ser preparados para

enfrentar os desafios das suas funções e se constituírem protagonistas no processo

de gestão democrática, precisando conhecer e dominar os preceitos relacionados a

legislação educacional para que possam desempenhar com competência e

comprometimento as suas funções. A formação continuada dos conselheiros

municipais de educação é essencial para o aprimoramento dos conhecimentos e

subsídios para a atuação qualificada, consolidação do trabalho desenvolvido pelos

respectivos órgãos colegiados e, também, para a [re]articulação e/ou criação dos

CME onde não existam. É nesse processo de qualificação da formação e atuação,

em que a teoria se une a prática, é que os conhecimentos legais oportunizados pelo

curso de formação continuada potencializa o enriquecimento da prática da gestão da

educação municipal dos conselheiros e técnicos.

Dessa maneira, o Pró-Conselho, como mecanismo das políticas públicas de

formação e desenvolvimento profissional e de democratização da gestão

educacional, permite “[...] ter uma visão mais detalhada da legislação que organiza o

sistema educacional brasileiro” (UFSC, 2009, p. 39). Para tanto, o ambiente do curso

que está dividido em módulos com diferentes abordagens (Módulo 1 - Educação e

Tecnologia; Módulo 2 Princípios, Estrutura e Funcionamento do CME; Módulo 3 –

Subsídios para Atuação do Conselheiro; Módulo 4 – Conselho Municipal e as

Políticas Públicas; e o Módulo 5 – Projeto Integrador), está articulado, justamente,

para instrumentalizar e capacitar os conselheiros e técnicos partícipes desse

processo de fortalecimento dos CME no Brasil. Apesar do conteúdo ser organizado

em estrutura modular, os módulos são complementares e dão subsídios teóricos e

práticos para a elaboração do Projeto Integrador ao final do curso, tendo como ponto

de partida e chegada o contexto da educação municipal de cada integrante do curso.

O PRÓ-CONSELHO NA UFSM: UM OLHAR NO PERFIL DOS CURSISTAS

Ao mapear a conjuntura dos dados oriundos relacionados aos conselheiros da

1ª edição e 1ª oferta da 2ª edição do Pró-Conselho no RS, optou-se, neste texto, por

traçar um perfil descritivo e estatístico desses participantes, utilizando-se das

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categorias de análise já citadas.

Observou-se que dos 71 conselheiros que responderam ao questionário da 1ª

edição, 89,03%, são mulheres e 10,97% são homens. Entretanto, dos 83

conselheiros da 2ª edição que contribuíram com a pesquisa, cerca de 96,38% são

mulheres e 3,61% são homens. Identificou-se a concentração de cursistas por faixa

etária, sendo esta organização, em que se partiu dos 25 anos de idade, conforme

demonstra o gráfico 1:

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

25 à 30 anos 31 à 35 anos 36 à 40 anos 41 à 45 anos 46 à 50 anos 51 à 55 anos 56 à 60 anos Acima de 60

anos

1ª EDIÇÃO

2ª EDIÇÃO

GRÁFICO 1: Participação por faixa etária FONTE: Elaborado pelas autoras.

Ressalta-se considerável participação dos cursistas na faixa de 41 a 50 anos,

em ambas as edições, entretanto nota-se que na 1ª edição a participação foi de

17,42%, ou seja, menor do que a da 2ª edição, com participação de 24,20%.

Todavia, houve maior participação da 1ª edição, na faixa etária entre 46 e 50 anos,

cerca de 29%, e nesta mesma faixa na 2ª edição, houve um percentual de 16,87%.

Quanto à formação profissional dos participantes do Pró-Conselho, observa-se

de maneira geral que um número expressivo possui graduação e especialização,

sendo poucos os casos de escolaridade em nível médio e, ainda, alguns em nível de

mestrado. Na 1ª edição identificamos seis casos de cursistas que possuem nível

médio, representando um percentual de 3,87% dos participantes, todavia na 2ª

edição nenhum conselheiro informou ter esse grau de formação. Quanto ao

percentual de graduados da 1ª edição, 96,13% informaram sua área de formação

inicial ou apenas que eram graduados, porém sem a identificação do curso. Na 2ª

edição 95,18% informaram ser graduados e 4,42% não informaram nada a respeito

de sua formação.

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No gráfico 2 é possível a visualização dos principais cursos de formação inicial

das duas edições já concluídas do Pró-Conselhos.

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

30,00%

35,00%

40,00%

45,00%

50,00%

GRÁFICO 2: Formação Profissional FONTE: Elaborado pelas autoras.

De modo geral, as áreas de graduação relacionam-se em sua maioria com os

cursos licenciaturas. Atrelado a isso é predominante o número de cursistas com

formação em Pedagogia, pois na 1ª edição obtivemos 30,32% de conselheiros com

essa formação, e na 1ª edição da 2ª oferta, cerca de 43,37% dos participantes.

Outros cursos de licenciatura, como Letras, Matemática, Química, História,

aparecem como cursos de formação inicial dos conselheiros em ambas as edições,

variando a diferença entre os percentuais, como visualiza-se no gráfico 2. Entretanto

observa-se que cursos fora da área das licenciaturas também fazem parte da

formação dos participantes do Pró-Conselho, como é o caso do curso de

Administração e Administração de Empresas, porém identifica-se essa situação

apenas na 1ª edição. Além disso, os cursos de filosofia e sociologia também foram

identificados apenas na 1ª edição do curso.

Quanto aos cursistas especialistas, em ambas as edições, a grande maioria

possui esta habilitação. Cerca de 70% dos cursistas da 1ª edição são especialistas e

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86,9% na 2ª edição, todos com formação nas mais diversas áreas. Entretanto, os

cursos de Gestão Escolar, Orientação e Supervisão Escolar destacam-se pelos

percentuais mais altos em ambas as edições, seguidos pelos cursos de

Psicopedagogia. Ainda há casos em que os cursistas apenas sinalizaram ser

especialistas não informando em qual curso. Além disso, observa-se que a

variedade de cursos é maior na 2ª edição, pois representam o percentual de 30,95%

enquanto que na 1ª edição identificamos apenas 0,65%. Entre eles encontram-se os

cursos de Mídias na Educação, Educação Infantil e cursos relacionados as áreas

específicas do conhecimento como, por exemplo, Matemática, área das linguagens,

história. No gráfico 3, podemos visualizar esses dados.

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

30,00%

35,00%

GRÁFICO 3: Cursos de Especialização FONTE: Elaborado pelas autoras.

Destacando-se pelo grande percentual de cursistas que não possuem o título

de mestre identificamos que estes representam 92,26% dos cursistas na 1ª edição e

91,67% na 1ª oferta da 2ª edição, ou seja, apenas 7,74% e 9,52%, respectivamente

por edição são mestres. De modo geral, comparando as duas edições, as áreas de

formação à nível de mestrado estão relacionadas a Educação, Política e Gestão

Educacional, Ciências Biológicas, Gerência em Serviços e Educação Especial.

Outro aspecto analisado foi o tempo de atuação dos cursistas no magistério.

Para a tabulação deste dado, subdividiu-se os cursistas por categorias estabelecidas

de cinco em cinco anos, como é visível no gráfico abaixo.

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0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

30,00%

Menos de 5anos

Entre 6 e 10anos

Entre 11 e 15anos

Entre 16 e 20anos

Entre 21 e 25anos

Entre 26 e 30anos

Mais de 30anos

Nãoinformaram

GRÁFICO 4: Tempo de atuação no magistério FONTE: Elaborado pelas autoras.

Constatou-se que em ambas as edições os maiores percentuais de

concentração de cursistas com tempo de atuação no magistério estão na faixa de 10

a 25 anos. É considerável a participação de conselheiros no Pró-Conselho que

atuam entre 6 e 10 anos no magistério, sendo que estes encontram-se em início de

carreira praticamente, pois os mesmos representam cerca de 14,84% na 1ª edição e

13,09% na 1ª oferta da 2ª edição. Os índices mais elevados deste aspecto,

identificam-se na faixa dos 21 e 25 anos de atuação no magistério, o que de certa

forma relaciona-se com a idade dos conselheiros. Observa-se, porém que na 1ª

edição a concentração de conselheiros com este tempo de serviço foi maior do que

na 1ª oferta da1ª edição, como revelam os percentuais de 24,52% e 19,04%

respectivamente. Todavia, houve uma grande diferença entre os conselheiros que

informaram esse dado no questionário ao analisarmos as duas edições,

praticamente o dobro, cerca de 7,74% na 1ºª edição e 15,48% na 2ª edição.

Como já mencionado anteriormente, as fichas de cadastro de uma edição para

outra foram reformuladas, resultando numa especificação maior do perfil dos

conselheiros da 2ª edição em relação a 1ª edição.

Sendo assim, quanto à função exercida ou representatividade no CME, na 1ª

edição, identificou-se que as realidades são diversas, pois temos muitos municípios

participantes do Pró-Conselho que ainda não possuem CME ou que estão em fase

de reestruturação, ou seja, nesses casos não há uma representatividade no CME e

sim uma função exercida nas Secretarias de Educação. Já na 1ª oferta da 2ª edição

identificou-se uma efetiva participação de conselheiros de municípios que possuem

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CME, e que não somente representam a secretaria, mas também outros segmentos

constituintes do Conselho Municipal, como é o caso das escolas, universidades,

sindicatos, etc.

Analisando a 1ª edição, identificou-se que 45,80% dos cursistas que

representam a Secretaria Municipal de Educação de seu município também atuam

nela, em diferentes setores, desde o administrativo até o pedagógico, com bastante

casos de chefes de departamentos e ainda 3,87% que não atuam na Secretaria mas

que a representam no CME, esses cursistas na maioria dos casos são professores

de escolas municipais.

Na 1ª oferta da 2ª edição, notou-se que 30,95% dos cursistas representam

Escolas municipais no CME, sendo que destes, cerca de 3,57% atuam na Secretaria

Municipal de Educação. Também identificou-se que dos 29,76% representantes da

Secretaria no CME, grande maioria, com o percentual de 21,43%, atuam nela e

apenas 9,52% não atuam dentro da mesma.

Na 1ª edição constatou-se que os cursistas presidentes dos CMEs

representam 16,12% de participação, e os vice-presidentes 5,80%, estes no geral,

são professores tanto na rede pública municipal ou estadual quanto na rede privada.

Há casos em que os presidentes dos conselhos trabalham nas secretarias.

Entretanto na 2ª edição, apenas conseguimos identificar que há uma pequena

representação de professores estaduais e da rede privada e federal nos CME destes

municípios, cerca de 2,38% e 1,19%, respectivamente. Além disso, não obtivemos a

informação de que se os cursistas representantes das escolas eram também

presidentes ou vice-presidentes como na edição anterior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados parciais apresentados neste artigo delineiam alguns percursos

até então trilhados, que, em nossa compreensão, dão visibilidade ao Pró-Conselho

como projeto de extensão lócus de pesquisa do Observatório de Educação,

possibilitando assim que sejam compartilhados, divulgados e disponibilizados os

dados, resultados e aspectos característicos que permeiam este curso de formação

continuada. Bem como, apresentam o perfil dos cursistas participantes do Pró-

Conselho na UFSM, ao longo das duas edições já concluídas (2013-1º/2014).

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Assim, o processo de formação desenvolvido no curso de formação continuada

de conselheiros municipais de educação oportuniza uma reflexão sobre os saberes

e fazeres da docência, bem como, inter-relações com as políticas públicas para a

educação básica e gestão educacional. Considera-se, assim, a relevante

contribuição para o entendimento de quais saberes docentes fundamentam sua

prática político-pedagógica, visualizando quais contribuições significativas que esses

saberes trazem à práxis de conselheiros municipais de educação e quais as

implicações dos saberes docentes para a democratização dos CMEs e respectivas

redes/sistemas municipais de ensino.

Deste modo, considera-se que os Conselhos Municipais de Educação são

necessários para consolidar uma gestão sob os preceitos democráticos, e que, cada

vez mais, se faz necessário a capacitação dos sujeitos que atuam junto a esses

órgãos colegiados. Somado a isso, é imprescindível que estes sujeitos possam

reconhecer a necessidade de estabelecer processos dialógicos com as demandas

sociais e, sobretudo, educacionais de seus municípios, no sentido de [re]construir e

[re]significar, de maneira responsável e participativa, políticas públicas para as

etapas e as modalidades da educação básica.

Mediante a análise do perfil dos conselheiros partícipes do Pró-

Conselho/UFSM, sob um olhar comparativo de edições, é possível reconhecer quem

são estes sujeitos público alvo do curso, suas principais características, assim como

contextualizá-los em seus cenários de formação e atuação junto à educação,

sublinhando a indispensável qualificação profissional. Logo, compreende-se que dos

Conselhos Municipais de Educação decorrem experiências, vivências e atitudes e,

por essa razão, devem ser mapeados, conhecidos, analisados, revitalizados,

problematizados e constantemente fortalecidos no sentido de reconhecer o

imprescindível papel deste grupo na construção cotidiana de uma cultura

democrática no contexto da gestão da educação.

REFERÊNCIAS

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153

A REESTRUTURAÇÃO DO ENSINO MÉDIO POLITÉCNICO NO CONTEXTO DA

QUALIDADE NA GESTÃO DE PROFESSORES DA ESCOLA PÚBLICA:

(IM)POSSIBILIDADES

Ana Lucia da Luz Mazzardo1

Andrelisa Goulart de Mello2

Maria Carmen Soares Favarin3

Sonia Marli Righi Aita4

Rosane Carneiro Sarturi5

INICIANDO AS DISCUSSÕES

O presente texto, articulado com o eixo temático: Qualidade e interlocuções

com políticas públicas e gestão, é um recorte da pesquisa realizada pelo Grupo Elos

da UFSM. A preocupação de investigação com o Ensino Médio no RS, surge, a

partir dos estudos das políticas públicas educativas permeadas pelas ações e

estratégias governamentais, na tentativa de (re)conhecer nas práticas escolares as

relações pedagógicas para o fomento equitativo e qualitativo do ensino público.

Nesse sentido, governos estaduais e escolas estão se posicionando para

adequar e/ou modificar suas propostas pedagógicas. Caso este, observado no

Estado do Rio Grande do Sul que, que em 2011, através da Secretaria de Educação

(SEDUC), lançou uma proposta denominada de: “Proposta Pedagógica para o

Ensino Médio Politécnico e Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio –

2011-2014”, como documento-base para todas as escolas estaduais públicas (RIO

GRANDE DO SUL, 2011). De acordo com Azevedo e Reis (2013), “[...] assume-se o

compromisso como governo à frente do Estado de propor uma política educacional

capaz de modificar o quadro de crise em que se achava o Ensino Médio Gaúcho”

(p.34).

1 Professora de Escola de Educação Básica no município de Júlio de Castilhos – RS, integrante do Grupo de Pesquisa Elos e colaboradora do OBEDUC. E-mail: 2 Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação – UFSM, integrante do Grupo de Pesquisa Elos e colaboradora do OBEDUC. E-mail: <[email protected]> 3 Professora de Escola de Educação Básica no município de Santa Maria – RS, integrante do Grupo de Pesquisa Elos e bolsista OBEDUC – CAPES/Brasil. E-mail:<[email protected]> 4 Doctoranda de La Universidad de Valéncia- España, coordenadora pedagógica de Escola de Educação Básica no município de Santa Maria – RS, integrante do Grupo de Pesquisa Elos e bolsista OBEDUC – CAPES/Brasil. E-mail:<[email protected]> 5 Professora Doutora Associada I do Departamento de Administração Escolar do Centro de Educação – UFSM/ Brasil, coordenadora do projeto OBEDUC – CAPES/Brasil. E-mail:<[email protected]>

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Este documento-base considerado parte do Plano de Governo para o Rio

Grande do Sul no período 2011-2014 (RIO GRANDE DO SUL, 2011), é organizado

a partir dos documentos legais nacionais tais como: LDB – Lei nº 9.394/96 (BRASIL,

1996), Parecer CNE/CEB nº 5/2011, aprovado em 5 de maio de 2011 que apresenta

as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) (BRASIL, 2011),

posteriormente definido pela Resolução nº 2 CNE/CEB (BRASIL, 2012), que no

momento estava em tramitação para homologação no Ministério da Educação

(MEC).

O documento-base configura intenção e preocupação para o atendimento dos

jovens entre 15 e 17 anos, direcionando-os para a vivência efetiva de suas práticas

sociais, as quais estarão interligadas ao mundo do trabalho. Desta forma, o currículo

propõe como ação pedagógica para o EMP o desenvolvimento dos conhecimentos,

considerando a relação histórica da humanidade e suas correlações sociais,

econômicas, culturais e políticas, por meio de uma proposta curricular na qual

promove a formação integral politécnica a partir dos aspectos teórico e

metodológicos da interdisciplinaridade; trabalho como princípio educativo; pesquisa

e avaliação emancipatória (RIO GRANDE DO SUL, 2011).

Assim, esse texto tem por objetivo identificar como ocorreu o processo de

formação docente no contexto da gestão escolar na Rede de Ensino Estadual de

Educação Básica e como estes se apropriaram da proposta durante a

implementação da reestruturação curricular do Ensino Médio no RS. O problema

que movimentou o estudo esteve sinalizado por: Como ocorreu o processo de

formação docente na gestão escolar durante a reestruturação do Ensino Médio

Politécnico (EMP), destacando as possibilidades e as impossibilidades para sua

implementação e legitimação no contexto da escola?

No que se refere aos aspectos teóricos metodológicos, o estudo caracteriza-se

como qualitativo do tipo pesquisa participante de cunho descritivo, ou seja, “trabalha

com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos

valores e das atitudes” (MINAYO, 2013, p. 21). A pesquisa qualitativa do tipo

participante segundo Neto (1994, p.59) responde a questões através do “contato

direto do pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a

realidade dos atores sociais em seus próprios contextos”, constituindo-se a essência

do trabalho de campo e de coleta das informações.

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Assim, para a coleta de dados utilizou-se a observação participante e recortes

das falas dos sujeitos professores do EMP a partir de entrevista semi estruturada.

Foram realizadas 10 entrevistas com docentes do EMP em duas escolas estaduais

de Educação Básica, uma no município de Julho de Castilhos e outra localizada na

região leste de Santa Maria que estão inseridas no contexto da reforma do Ensino

Médio iniciada, no ano de 2012.

Para este artigo selecionou-se alguns fragmentos das falas dos sujeitos

entrevistados. Salienta-se, que as entrevistas foram voluntárias nas duas escolas,

para identificar as falas destes sujeitos foram utilizou-se letras do alfabeto em negrito

e maiúsculas, tais como: X; Y; Z; W e H.

Cabe destacar que a discussão nos leva a enfatizar que realizar pesquisa a

partir da interlocução entre a política pública, no caso, da implementação da

proposta de reestruturação do Ensino Médio Politécnico, com o dia a dia da escola,

no qual as práticas estão sendo gestadas, pode ser uma possibilidade de mediação

entre o que se espera (texto político) do que se pode fazer (contexto prática

educativa), elencando a parir das vozes dos entrevistados e o que dizem os autores

sobre as temáticas levantadas no texto, caminhos significativos para que a

implementação e legitimação possa se dar num contexto democrático, participativo e

discutido com quem está, efetivamente no contexto de trabalho, como por exemplo,

os professores, importantes gestores neste processo (LÜCK, 2006; 2008;

KUENZER, 2013; MAINARDES, 2007).

A estrutura do texto está organizada em três partes, sendo esta a primeira, as

considerações iniciais que pontua, especialmente a temática estudada, o objetivo,

problematização, o lócus da entrevista, seus sujeitos e a metodologia da pesquisa

realizada. Dando continuidade se apresenta uma breve situação legal do contexto

das políticas públicas para a reestruturação do Ensino Médio no Rio Grande do Sul,

considerando as interferências das políticas públicas educativas internacionais e

nacionais.

A seguir apresenta-se uma parte importante da pesquisa quando se garante o

espaço da interlocução entre os professores, gestores do cotidiano da escola e os

autores que tratam da questão da gestão escolar da proposta de reestruturação do

EMP. Para finalizar, porém sem concluir definitivamente o debate, se apresentam as

conclusões, considerando os dados levantados a fim de nos aproximarmos das

possibilidades e impossibilidades sobre a implementação e legitimação das práticas

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escolares a partir das relações de gestão da formação docente diante da proposta

de reestruturação curricular do Ensino Médio Politécnico.

POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS: O CONTEXTO DA PROPOSTA DE

REESTRUTURAÇÃO CURRICULAR PARA O ENSINO MÉDIO POLITÉCNICO DO

RS

De modo geral, quando se trata de assuntos investigativos das políticas

públicas educacionais, tem-se uma grande quantidade de estudos que versam sobre

as relações teóricas. São estudos que pretendem analisar documental e

bibliograficamente a trajetória burocrática de operacionalização das políticas

públicas educacionais (MAINARDES, 2007; VIEIRA, 2009). No entanto, é importante

que pesquisas desse porte considerem a interlocução com o contexto de

implementação e legitimação no espaço escolar, isso implica (re)conhecer a

participação dos sujeitos envolvidos. Pois:

[...] Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira as quatro à tarde. Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma, como educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática (FREIRE, 1991, p. 58).

Essa reflexão remete-nos a um fato que precede a qualquer questão

relacionada com as discussões sobre políticas públicas, ou seja, existe um sujeito

que as colocará em prática e este, necessariamente precisa estar preparado. Por

isso, a formação pedagógica e continuada desses sujeitos é fundamental para o

desenvolvimento do processo de gestão escolar.

Para Vasconcellos (2002), reforçar a importância da formação do educador faz-

se necessário, porque é preciso considerar o campo do trabalho docente, o qual tem

experiência prática, porém os estudos de cunho teórico são secundarizados, ou

seja, estuda-se pouco sobre as dimensões pedagógicas de atuação. A reflexão

enfoca precisamente o ponto de partida desta discussão. Falar em políticas públicas

relacionadas à formação docente e ao mesmo tempo tentar aproximá-las das

práticas cotidianas da gestão escolar requer-se um mínimo esforço de

reinterpretação das reformas para o Ensino Médio no Brasil e suas interlocuções no

Rio Grande do Sul.

Ao conceber o Ensino Médio, como etapa final da Educação Básica, a Lei de

Diretrizes e Base (LDB) – Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), destaca como uma de

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suas finalidades a consolidação dos conhecimentos adquiridos no Ensino

Fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos. Para tanto, as escolas

recebem a incumbência de organizar propostas curriculares que viabilizem

pedagogicamente conexões com a legislação vigente, bem como, atenda as

peculiaridades e as dimensões teórico-metodológicas das Diretrizes Curriculares

Nacionais (DCNs).

Nesse sentido, no ano de 2011 foi proposto pela Secretária de Educação do

Estado do RS uma “Proposta Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico e

Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio – 2011-2014” (RIO GRANDE DO

SUL, 2011), que vem fazer cumprir o que dispõe a LDB – Lei nº 9.394/96 (BRASIL,

1996), a começar no 1º ano do Ensino Médio com implementação gradativa nos

demais anos de estudo.

Porém, cabe acrescentar que desde Jomtien (1990), na Tailândia, com a

Educação para Todos, Dakar, (2000) e suas seis metas básicas a serem

alcançadas, tendo como objetivo a garantia de democratização, acesso,

permanência e qualidade da educação para todos, bem como Beijim (2001), vem

buscando-se reforçar o compromisso assumido desde aquela década,

oportunizando, ao longo dos anos, aos países participantes, um maior prazo para

atender o compromisso assumido com os organismos internacionais para

implementar as intenções almejadas pela UNESCO.

Percebe-se que existe uma intenção, desde muito tempo de mobilizar a

comunidade escolar para dar conta dessa escola contemporânea que a sociedade

atual exige. Com isso, é preciso acrescentar que a LDB – Lei nº 9.394/96 (BRASIL,

1996), sinaliza uma reformulação pedagógica nas escolas, que está sendo esperada

para dar conta do estipulado na Lei e no avanço da sociedade como um todo.

Embora a LDB de 1996 tenha preconizado aspectos para a democratização do

ensino, ainda é preciso continuar avançando, sobretudo no que tange a etapa final

da educação básica. No Brasil, as possibilidades de transformação do Ensino Médio

se corporificou com mais afinco a partir de 2010, momento que se identificou um

quadro de crise neste nível de ensino. Assim, em 2010 se pode perceber que a

Educação básica foi contemplada com o Parecer CNE/CEB nº 07/10 (BRASIL

2010a) e a Resolução nº 4 do CNE/CEB de julho de 2010 (BRASIL, 2010b), que

definiram as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica

(DCNEB).

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Na sequência, também importante para a discussão, traz-se o Parecer

CNE/CEB nº 5/2011 (BRASIL, 2011) com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Ensino Médio, definidas na Resolução nº 2 CNE/CEB de janeiro de 2012 (BRASIL,

2012), a qual menciona que a organização curricular deve ser observada “pelos

sistemas de ensino e suas unidades escolares”, aplicadas a “todas as formas e

modalidades de Ensino Médio, complementadas, quando necessário, por Diretrizes

próprias” (BRASIL, 2012, p.1).

As DCNEM (BRASIL, 2012) retomam algumas referências legais e conceituais

já estabelecidas no Artigo 35º da LDB, Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), bem como,

sinaliza a forma de organização do Ensino Médio. No Artigo 5º da Resolução nº 2

CNE/CEB, identifica-se que a intenção é a formação integral do estudante, sendo o

trabalho um princípio educativo e a pesquisa um princípio pedagógico,

fundamentado na interdisciplinaridade e na contextualização dos conhecimentos a

partir da historicidade e experiência social dos sujeitos envolvidos no processo de

aprendizagem (BRASIL, 2012).

Cabe destacar, que desde a implantação da LDB (BRASIL, 1996) até as

DCNEM (BRASIL, 2012), o país e as escolas como um todo vêm procurando

adequar-se à determinação legal. No Rio Grande do Sul, antes mesmo da

aprovação da Resolução nº 2 CNE/CEB de janeiro de 2012 (BRASIL, 2012) já se

discutia a reforma educativa para essa etapa de ensino, a qual foi iniciada

efetivamente, em 2011.

A proposta pedagógica que dimensionava a reestruturação curricular para o

Ensino Médio, assombrou e preocupou uma grande maioria de professores, pais e

alunos. Este assombro, deu-se pelo choque de ideias e intenções, porque a maioria

dos professores já tinha sua rotina de trabalho organizada e preparada. Com a

proposta elaborada pela SEDUC/RS, precisaram repensar o seu fazer pedagógico

conforme o instituído. Observa-se que a proposta do EMP chegou, como muitas

outras propostas de reformas educativas, para pensar a questão pedagógica das

escolas, na qual, a mudança de paradigma passa da escola como instituição de

ensino para instituição educacional, em que, o professor deixa de ser o foco e a

aprendizagem, como um todo e para todos, assume o protagonismo (AZEVEDO;

REIS, 2013).

O texto da proposta para o Ensino Médio Politécnico determina o

aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o

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desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico (RIO GRANDE

DO SUL, 2011). Traz os princípios e conceitos básicos que colaboram para o

repensar novas práticas, a politecnia, o trabalho como princípio educativo, a

interdisciplinaridade, a pesquisa como princípio pedagógico e a avaliação

emancipatória, todos articulados as áreas de conhecimento.

Quando se traz a importância de se conhecer o conteúdo da proposta

pedagógica do EMP e, em especial, os princípios curriculares que a fundamentam,

reporta-nos a uma questão pertinente: Trata-se da qualidade na educação pontuada

como fator essencial no processo educativo e que as instituições, os sujeitos e os

governos buscam este entendimento quando apresentam propostas ou reformas na

educação.

FORMAÇÃO DOCENTE E OS ASPECTOS DA GESTÃO ESCOLAR: DISCUTINDO

E CONCLUINDO TRANSITORIAMENTE A QUESTÃO DA QUALIDADE DA

IMPLEMENTAÇÃO CURRICULAR DO EMP

Para compreender as relações que se estabelecem no espaço escolar, faz-se

necessário acompanhar o processo de mudança. Em meio a esse, não apenas a

escola precisa mover-se para gestar o seu espaço e atividades docentes

pedagógicas, mas a própria sociedade necessita reconhecer-se como gestora

(LÜCK, 2008).

Para Lück (2008) [...] “vivemos em uma condição de transição dialética entre

um paradigma e outro, de que resultam tensões e contradições próprias do processo

a serem encaradas como naturais” (p.39). Essa lógica é manifestada sobretudo,

quando identifica-se como ocorreu o processo de formação docente no contexto da

gestão escolar na Rede de Ensino Estadual de Educação Básica e como estes se

apropriaram da proposta durante a implementação da reestruturação curricular do

Ensino Médio no RS.

A dialética dessa relação promovida pela subjetividade mostra que a

objetividade exterior não pode ser entendida “tão mecanicamente”, por isso Gramsci

(1989) questionava: “pode existir uma objetividade extra-histórica e extra-humana?

Mas quem julgará esta objetividade?” (p.169). Nesse sentido, observou-se que é

imprescindível identificar o indivíduo como sujeito, pois ele é parte de todo o

processo de transformação.

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Nesse sentido, a partir da percepção do sujeito e pesquisador em relação ao

papel do Ensino Médio no lócus escolar é que se pode levantar algumas

possibilidades e impossibilidades vivenciados na implementação do Ensino Médio

Politécnico. Para tanto, identificou-se que os entrevistados de ambos os espaços

formativos estabelecem uma relação de trabalho na escola, sendo que, 50% tem

uma carga horária de 20h semanais na escola e os demais 50%, desempenham a

docência em 40h semanais. Desse modo, cabe discutir um ponto sensível, o tempo

dispensado para desenvolver o trabalho numa determinada escola, ou duas, ou

mais, no qual, o docente de 40 horas semanais pensa a escola, vive o processo de

uma maneira diferente do professor de 20h, pois, os que tem mais tempo no espaço

participam das discussões de uma forma mais integrada, comprometem-se mais

com a produção, criação das atividades realizadas no espaço educativo.

Dos professores entrevistados observou-se que a metade trabalha na escola a

menos de dez anos, porém os demais entrevistados estão, no espaço, a mais de 15

anos. Estes dados nos levam a levantar duas questões: A primeira voltada para que

a quantidade de tempo na escola pode dar uma ideia de integração maior com a

comunidade escolar e conhecimento de suas demandas. A outra ligada ao menor

tempo de trabalho na escola pode suscitar também a ideia de que o processo de

conhecimento parece absorto, no caminho e que com o tempo se acomoda, no

sentido de conhecer e se adaptar ao espaço da escola.

Outra dimensão a considerar, refere-se a questão de identificar se o docente se

sentiu gestor no processo de reestruturação do E.M na escola. Quanto a essa

questão, observou-se que uns 90% dos entrevistados não se sentiram gestores no

processo de reestruturação do Ensino Médio Politécnico, possivelmente, com a

relação à questão de conhecimento do conceito de gestão que está intimamente

ligado ao enfoque dado à temática ou o paradigma que perpassam da administração

para gestão educacional, compreendendo os princípios de gestão.

Cabe destacar que, no contexto da educação, em geral, quando se fala em participação, pensa-se em processo a ser realizado na escola, deixando-se de abranger o segmento de maior impacto sobre o sistema de ensino como um todo: a gestão de sistema, realizada por organismo centrais as secretarias de educação- e respectivos órgãos regionais. Entende-se, no entanto, que o conceito de gestão, tendo em vista seu caráter paradigmático, não se refere a este ou aquele seguimento, mas ao sistema de ensino como um todo, tanto horizontal quanto verticalmente e, portanto, não se constitui em uma função circunscrita a quem detém o cargo/ função uma unidade maior de trabalho (LÜCK, 2011, p. 36) grifo nosso.

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Outra questão elencada para justificar o não sentimento/entendimento de

gestão por parte dos professores pode estar ligada ao desconhecimento da proposta

pedagógica para o EMP, bem como, a falta de discussão do mesmo no espaço da

escola, por falta de tempo ou priorização deste tempo. Observa-se essa ideia

quando a professora X diz que:

No primeiro momento foi uma surpresa e aconteceram os enfrentamentos, como tudo o que vem de cima para baixo.

O entendimento do senso comum das palavras de “cima para baixo” remete a

desapropriação dos pressupostos legais e teóricos que subjazem as reformas que

vem sendo estabelecidos desde os anos 90. Ou seja a professora não faz a devida

conexão entre os paradigmas expressos na reforma atual do Ensino Médio com as

orientações anteriores que de uma certa maneira são as mesmas. Para Oliveira

(2013):

É possível inferir que a importância atribuída à gestão da educação no atual momento fundamenta-se numa tentativa de reestruturação do sistema de ensino influindo nos seus objetivos, funções, atribuições, competências e acesso. Porém, essas tendências não são produtos de escolhas isoladas ou projetos específicos, ao contrário, respondem a exigências internas e muito mais o fazem com relação aos constrangimentos externos, é o que pode ser constatado quando se observam as orientações das propostas elaboradas em âmbito federal, estadual e em muitos casos municipal e as comparam às recomendações dos Organismos Internacionais (p.96).

Essas afirmações conduzem à necessidade de considerar a formação docente

e o seu tempo de estudo dedicado a interpretação dos documentos legais que

versam sobre as políticas públicas educacionais. Aliado a temática tempo de estudo

na escola sobre a proposta de reestruturação, observou-se que a média

estabelecida pelos entrevistados, foi de aproximadamente 2h semanais.

Pontua-se na fala de Y quando este traz o tempo destinado aos estudos

referentes a proposta pedagógica para o EMP no primeiro ano da implementação

em 2012 e no segundo em 2013:

No primeiro ano foram realizados horários semanais com 2h. No 2º ano foram reuniões quinzenais para tentar organizar o seminário integrando as disciplinas.

Observa-se que o processo é lento e carece de que as escolas priorizem o

pedagógico, organizando espaços para discussão da proposta. Neste sentido, em

parte, alguns entrevistados mencionaram que se organizaram e buscaram entender

a proposta nas reuniões de estudo, é o que nos diz, Z:

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No ano da implantação foi quando iniciei na escola de ensino médio, foi difícil entender qual era a intenção real da proposta, tínhamos em média 2h semanais mas ninguém sabia muito bem o que fazer. Depois fomos estudando a proposta e sentindo as dificuldades em aplicá-la. Agora temos as reuniões do pacto, com muito estudo e pouco tempo para planejamento de atividades integradoras.

Percebe-se na fala, que a professora traz para a discussão uma possibilidade

de implementar a proposta, ou seja, a solução poderia estar no tempo destinado a

formação pedagógica. Ela menciona o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do

Ensino Médio, projeto do Governo Federal que oportuniza um espaço maior e

próprio para as discussões sobre a reformulação do Ensino Médio, pois além de

bolsas de estudos para professores participantes como fomento e valorização, as

escolas precisaram se reunir para discutir os seis cadernos iniciais. A professora Z,

levanta outra problemática, que está situada na falta de tempo para planejamento de

atividades integradoras. Este desafio apresenta-se para ser vencido e organizado

pela gestão da escola como um todo, priorizando espaços de discussões, estudo e

planejamento.

No decorrer do estudo sobre a reestruturação do EMP observou-se que uma

entrevistada aponta para uma outra possibilidade de tempo de estudo para

conhecimento da proposta, como verifica-se a seguir com o sujeito W:

Na escola não foi disponibilizado encontros para reestruturação como as demais, mas foi enviado por e-mail o material para estudo.

Neste sentido, os professores desta escola continuam trabalhando de forma

isolada, desconectada da proposta que prima pelo encontro, diálogo e trocas. Esse

fragmento da fala do sujeito W nos permite refletir sobre a qualidade dessa

formação, pois como trabalhar questões tão específicas que envolvem a

reestruturação curricular do EMP sem o contato direto e sem o diálogo em equipe?

De acordo com Lück (2008) "[...] a dinâmica das interações, em decorrência do que

o trabalho como prática social passa a ser o enfoque orientador da ação do

dirigente, executada nas organizações de ensino de forma compartilhada e em

equipe” (p.38). Essa consciência é importante para possibilitar a legitimação das

propostas curriculares, caso contrário ocorrerá a impossibilidade de implementação.

Diante desses aspectos, quando abordados sobre a possibilidade para

implementação da proposta de reestruturação nas escolas observou-se, conforme

H, que o limite pode estar ancorado na forma de organização que dificulta o

processo de gestão da implementação mais eficiente.

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Se tivesse tempo e uma organização flexível em horários e espaços é uma forma de produzir conhecimento – o aluno poderia compreender melhor os conteúdos se conseguíssemos integrar as disciplinas.

Também, com relação a questão de possibilidades para implementação da

proposta de reestruturação do Ensino Médio Politécnico X destacou que:

Acho que a proposta certamente vai trazer benefícios aos alunos. O principal ponto é a pesquisa como instrumento para elaborar seu próprio conhecimento e trabalhar melhor a questão do “fazer”. Onde o aluno tenha a oportunidade de ver os conteúdos de diferentes disciplinas como um todo.

A professora X, trouxe o princípio da pesquisa e a produção do conhecimento,

a partir da mesma, como importante parte no processo. Comunga da mesma ideia a

professora H que salienta:

Já que a pesquisa como princípio pedagógico é um elemento forte na proposta, não existem salas a disposição para se pensar em salas temáticas, não tem professor somente na nossa escola para trabalhar com mais comprometimento, não temos horários flexíveis para realizar reuniões por área ou por temas para integrar as disciplinas, os horários são todos formatados iguais para todas as turmas não permitindo aumentar determinado momento para concretizar um trabalho.

Outra fala marcante é apresentada pela colega Y, para ela:

São inexistentes as possibilidades. Se tivéssemos infraestrutura adequada e pessoal disponível para planejamento ainda poderia ter expectativa de mudança. Não temos estrutura física adequada, nem equipamentos modernos, se quer a internet tem velocidade que permite trabalhar. Mas hoje já observo os colegas e vejo uma certa falta de esperança nas mudanças.

Neste caso, apresenta-se o descontentamento e descrédito por parte dos

colegas professores frente as propostas educacionais, uma vez que as políticas

públicas chegam até as instituições educativas que organizam-se da melhor forma,

porém sem as mínimas condições de infraestrutura, recursos humanos, físicos,

tempo para estudo, tendo a escola com os parcos recursos que dispõem dar um

jeito para sua implementação (AITA, 2009).

A professora W alerta para uma a questão já levantada. A questão de que o

professor necessita se identificar com a proposta. Esse identificar, pode estar

relacionado com o desconhecimento do texto, os interesses e intencionalidades

subjacentes ao texto ou ao discurso nela apresentados e/ou ainda com a formação

deste sujeito que não o aproxima de seus fundamentos.

[…] Se faz necessário, mas não tem como acontecer de “uma hora para outra”. Estamos tentando algumas formas para reestruturar o sistema educacional, isso já é um grande passo. Precisamos nos identificar com essa proposta para haver mais comprometimento.

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A respeito da proposta, percebe-se nas falas dos sujeitos que se gerou um

desconforto no meio educacional das escolas médias, temor, e muita resistência,

porque seus sujeitos não se sentiram partícipes da elaboração do documento

(MELLO, 2014). Estes foram considerados apenas agentes passivos para a

viabilização da proposta pedagógica do EMP e não ativos no processo de

construção da mesma, pois o que se percebe é que, na maioria das vezes, os

professores não são vistos como profissionais qualificados e capazes de pensar sua

própria prática.

Esse é outro desafio que chega a escola, ou seja, os sujeitos não são

considerados na hora da elaboração de estratégias que dizem respeito ao seu

cotidiano. Percebe-se o quanto essas práticas refletem a concepção de gestão,

forjando conceitos e desqualificando o papel do professor como agente construtor e

ativo de suas próprias propostas curriculares e, principalmente, no silenciamento de

sua participação na formação de projetos específicos e da autonomia na tomada de

decisões (MELLO, 2014). Essa observação também se constituiu nas falas dos

sujeitos entrevistados, quando se abordou sobre as impossibilidades na

implementação da proposta pedagógica do EMP, assim pontua-se a fala do sujeito

X:

O sistema de funcionamento – horários pré-determinados dificulta o trabalho diferente.

Neste sentido observa-se que existe o reconhecimento de que a forma de

organização da estrutura de ensino, a partir das determinações engessa a

possibilidades de se tentar organizar algo diferenciado. Primeiro pelo simples fato de

que o sistema é fechado e segundo, porque, por ser ou estar fechado não se

encontra forma de pensar diferente. Outra questão sobre a impossibilidade remete a

discussão para a estrutura física das escolas como aborda Y quando coloca:

A infraestrutura física da escola – não existem salas disponíveis para trabalho diferente com mesas e equipamentos adequados.

Outra impossibilidade elencada pelos professores entrevistados está fixada

num elemento chave, o trabalho em mais de uma escola, o que dificulta o

entendimento, comprometimento de um todo como aborda Z na sua fala:

A dificuldade em realizar reuniões com todo o grupo – muitos professores em duas ou três escolas diferentes, professores com muitas atividades dificulta o comprometimento com diversas escolas.

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Considerando a fala dos sujeitos, temos uma breve noção da forma como

ocorreu o processo de formação docente e principalmente o modo que foi gestado a

relação teórica do texto da proposta pedagógica para o EMP e sua implementação

na prática escolar, o que permite questionar o processo de gestão e a qualidade do

mesmo. Ao mensurar a qualidade da educação considerando as interlocuções com

as políticas públicas e a gestão, não se pode esquecer que existem as

possibilidades e as impossibilidades que estão subjacentes na implementação e

legitimação. Portanto, para que ocorra o empoderamento dos princípios curriculares

da reestruturação do EMP, bem como, do sentido conceitual da gestão escolar, será

necessário o comprometimento responsável de todos pela educação.

REFERÊNCIAS

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TRABALHO DOCENTE ENTRE LUGARES DE ‘FUGA(S)’ DA ESCOLA:

ENDEREÇAMENTOS DE PERFIS DOCENTES A PARTIR DO PIBID

Gabriel dos Santos Kehler1

Álvaro Moreira Hypólito2

PROJEÇÕES INICIAIS

Este ensaio é recorte do projeto de tese, o qual se intitula, “Trabalho docente

entre lugares de ‘fuga(s)’ da escola: endereçamentos de perfis docentes em uma

política de formação”, em andamento (2013-2016), que por sua vez, tem como

problemática: Como se produz-fabrica as posições sujeito-docente de

profissionalização, entre licenciados egressos de Instituições de Ensino

Superior - IES do Estado Gaúcho, que participaram do Programa Institucional de

Iniciação à Docência - PIBID3 e não foram trabalhar na escola, ou se foram,

atualmente estão afastados da mesma?

Destarte, com a intencionalidade, ainda em fase projetiva, traçaram-se

objetivos: a) Mapear os licenciados de IES entre os limites geográficos do Estado do

Rio Grande do Sul/RS, que durante os seus respectivos Cursos de Licenciaturas,

participaram do PIBID, e não estão trabalhando em escolas de Educação Básica, ou

se trabalharam por um pequeno período (em média dois anos), hoje estão afastados

e/ou envolvidos em outras atividades profissionais; b) Desenvolver um campo de

estudos da temática de profissionalização docente pelo “abandono” da escola, por

compreender que o mesmo além de ser uma emergência do mundo do trabalho

contemporâneo, quase não tem sido foco de discussões no campo educacional; c)

Diante da realização da revisão da literatura, ainda que breve, sobre o que vem

sendo produzido sobre o PIBID, não fora encontrada nenhuma crítica ao programa,

ao contrário, o seu direcionamento formativo vem sendo tratado como “a redenção”

1Doutorando em Educação do Programa de Pós-graduação em Educação – PPGE da Universidade Federal de Pelotas – UFPel. Linha de Pesquisa: Currículo, Profissionalização e Trabalho Docente. E-mail: <[email protected]> 2 PhD em Curriculum and Instruction - University of Wisconsin – Madison/USA. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação – PPGE da Universidade Federal de Pelotas – UFPel. Linha de Pesquisa: Currículo, Profissionalização e Trabalho Docente. E-mail: <[email protected]> 3 Cabe ressaltar, que o Programa Institucional de Iniciação à Docência – PIBID foi eleito como pano de fundo e recorte dos sujeitos a serem pesquisados, com uma das políticas de formação docente, que por sua vez, vem endereçando modos de “ser docente” e até mesmo, redimensionando o currículo dos Cursos de licenciaturas, cada vez mais “práticos” e menos teóricos.

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da educação, tanto no âmbito escolar, como da ressignificação da teorização da

prática curricular na Universidade.

Com o intuito de aprofundar as questões projetadas à priori, a seção que

segue, aborda no âmbito da fundamentação teórica, a discussão estabelecida entre

trabalho e currículo, como desafio de enfrentar, na medida do possível, aspectos

epistemológicos, conceituais e propositivos sobre a problemática aqui abordada.

CONSTRUCTO TEÓRICO

Trabalho e o Campo Curricular: disputas de significados e ampliações de

sentidos

Ao encontro sociológico da materialidade crítica da categoria trabalho, que

aqui, optou-se pelo embasamento de autores, como o filósofo húngaro István

Mészáros (1995,1996, 2005, 2009) e o brasileiro Ricardo Antunes (1995, 1998,

2004, 2009), ambos inspirados sob a economia política da obra marxiana, ‘O

Capital’, tem no trabalho, a base das múltiplas determinações de exploração

humana. Ademais, o trabalho para Marx (2002) em sua dimensão primeira,

constitutiva da dinâmica organizativa do social, é fundante, categoria antropológica,

que em seus valores de uso e relação da natureza social do trabalho, na lógica

capitalista, reduz-se à “fabricação” ideológica de sentidos de segunda ordem.

No campo educacional, essa correlação de forças e interesses em disputas

veio constituindo-se, por meio da “educação escolarizada”, o estranhamento do

trabalho ao próprio trabalhador. A educação escolar, por sua existência contraditória,

não cumpriu a promessa do “devir” moderno em “libertar a humanidade”, mas

acabou por escravizá-la e fixar distintamente lugares sociais de classes antagônicas.

Entretanto, com a crise dos moldes e acúmulo de produção das décadas de

sessenta e setenta do século XX, essas ligações se tornam mais “sofisticadas,

invisíveis e confluídas”, como efeitos da própria reconfiguração do capital, que se

metamorfoseia de sua forma clássica liberal à neoliberal. Assim, nuances discursivas

são comuns em reformas educacionais, incorporando sob o viés toyostista, termos

como flexibilização, performatividade e gerencialismo, entre outros tantos sentidos,

inseridos na “guerra semântica” de significação do mundo.

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Nessa perspectiva, especificamente nas últimas três décadas, com a crise dos

modelos fordista/taylorista, a palavra de ordem passou a ser “flexibilidade”. Esta, em

consonância com a máxima do Estado neoliberal, e/ou como defende Giddens

(2001), o “Terceiro Setor”, Estado de quase mercado, contribui para (re) configurar

as políticas públicas, cada vez mais de governo, já que tanto em uma concepção

neoliberal, como na de Terceira Via, não rompem com os argumentos falaciosos que

explicam o Estado mínimo - “aparentemente seria uma proposta de Estado mínimo,

configura-se como realidade de Estado mínimo para as políticas sociais e de Estado

máximo para o capital” (PERONI, 2003) – reforçando a necessidade de uma

solidariedade por parte da sociedade civil em relação às responsabilidades sociais.

Nesse contexto, chama-se a atenção para as intencionalidades e

endereçamento oriundos das políticas públicas educacionais, em especial as de

formação de professores, pois as mesmas, sob “orientações performáticas” às

necessidades de inovação e novas práticas educativas, também formatam as novas

formas de “ser professor”. Estes, com perfis docentes preferencialmente mais

flexíveis, práticos e subjetivados a auto-reponsabilização pelo sucesso e/ou fracasso

da educação, como um todo, já não necessitam realizar o seu ‘trabalho’ em sentido

crítico. Ademais, os próprios sentidos do trabalho são deslocados com a

reestruturação produtiva do capital, assim como o conjunto das estruturas sociais e

representações institucionais (escola, sindicato, partido político, o próprio Estado,

etc).

Deste modo, os defensores da prática afirmam que a teoria é pouco efetiva,

pois parece distante das necessidades relativas aos problemas encontrados nas

situações diárias de trabalho, por exemplo. Já os que defendem a teoria constatam

que não há como solucionar um problema, definitivamente, sem contar com uma

teoria que oriente e redimensione os caminhos da ação. Os argumentos dos

pragmáticos e dos teóricos são plausíveis, no entanto, acredita-se que a teoria

imbricada na prática seja mais eficaz para o trabalho de produção de

conhecimentos, com proposições de transformação. Por isso, compartilha-se o

entendimento de que todo trabalho pedagógico deveria estar pautado por uma

noção de práxis. Assim, ao considerar a noção de práxis, está-se propondo que há

uma relação intrínseca entre educação e práxis. “Práxis não é entendida como

técnica, ou como somente teoria, objetivando a inter-relação indissociável entre

técnica e teoria, a explicação dos fenômenos” (CORDOVA, 1994, p. 42).

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Entretanto, vivenciam-se tempos de descrenças e rechaços em relação à

teoria, o conhecimento produzido nas universidades e os saberes do cotidiano

escolar parecem estar cada vez mais afastados, as próprias políticas educacionais,

nunca desinteressadas, vêm se constituindo em um direcionamento

contundentemente para a prática e metodologicamente receituárias, como pode ser

observado no caso do PIBID4, que por sua vez, objetiva:

Incentivar a formação de docentes em nível superior para a educação básica;

Contribuir para a valorização do magistério;

Elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de licenciatura, promovendo a integração entre educação superior e educação básica;

Inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem;

Incentivar escolas públicas de educação básica, mobilizando seus professores como coformadores dos futuros docentes e tornando-as protagonistas nos processos de formação inicial para o magistério;

Contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à formação dos docentes, elevando a qualidade das ações acadêmicas nos cursos de licenciatura (PIBID, 2008).

Quanto a essas projeções, chama-se a atenção especialmente para o quarto

ponto, em que é nítido o viés pragmático para a formação, que sob endereçamentos

ao desenvolvimento de “experiências metodológicas, tecnológicas e práticas

docentes”, enfatiza-se o tipo de profissional que “deve” (sentido radical) ser formado

e consequentemente ir trabalhar na escola. Ora, infere-se assim, ser eficazmente

necessária a “fabricação” de docentes práticos, porque com subsídios teóricos, já

não condizem com as necessidades imediatistas da sociedade capitalista

contemporânea, e tão pouco com a confluída escola moderno-capitalista.

4“Uma iniciativa para o aperfeiçoamento e a valorização da formação de professores para a educação

básica, concedendo bolsas a alunos de licenciatura participantes de projetos de iniciação à docência desenvolvidos por Instituições de Educação Superior (IES) em parceria com escolas de educação básica da rede pública de ensino. Os projetos devem promover a inserção dos estudantes no contexto das escolas públicas desde o início da sua formação acadêmica para que desenvolvam atividades didático-pedagógicas sob orientação de um docente da licenciatura e de um professor da escola” (PIBID, 2008). Disponível em: http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid (Site acessado em 30/08/2014).

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ASPECTOS METODOLÓGICOS

Seção de cunho operacional à moviment’(ação) metodológica tem como

intenção, descrever as ferramentas utilizadas para o mapeamento dos sujeitos da

pesquisa e o recorte do campo. Assim, nessa busca pelos sujeitos/interlocutores da

pesquisa, que comporão a categoria - “licenciados em fuga(s)”, faz-se mister uma

metodologia-técnica de mapeamento que opere em rede, de forma que não se fixe

em enquadramentos, como o estudo de caso (tradicionalmente utilizada em

pesquisas em Educação), que aqui, além de limitar as possibilidades de pretensa

generalização5, necessária ao rigor de proposição de uma tese (mesmo que, sempre

de forma relativa), compreende-se como improdutiva às finalidades desta, pois pela

característica própria dos sujeitos. Estes terão de ser “capturados” nos/aos entre

lugares do campo, em suas respectivas situações de “ocultamento e de difícil

mapeamento”.

Destarte, em consonância a essas necessidades, optou-se pela utilização da

metodologia “Snowball sampling”, que no Brasil é conhecida como amostragem em

“bola de neve”, ou ainda “cadeia de informantes” (ALBUQUERQUE, 2009). Autores

como Goodman (1961), Biernacki; Waldorf (1981), Albulquerque (2009), Baldin e

Munhoz (2011) sistematizaram a utilização da metodologia de amostragem em

cadeia por referência, metodologia muito utilizada em pesquisas com usuários de

drogas. A respectiva metodologia, que será chamada pelo uso mais informal, bola

de neve, consiste em escolher participantes iniciais para a pesquisa, que por sua

vez indicarão outros sujeitos para participarem da mesma, até que seja atingido o

ponto de saturação de dados, isto é, quando as informações passam a se repetir e

nenhuma novidade é trazida a mais para a investigação (BECKER, 1997).

Portanto, a snowball sampling utiliza uma espécie de rede para compor uma

amostragem (BALDIN; MUNHOZ, 2011). Nesse sentido, Albuquerque (2009)

enfatiza que a utilização da bola de neve serve para coletar o máximo possível de

informações sobre os membros de uma rede, sendo recomendável para populações

de difícil acesso ou grupos grandes. Igualmente, acredita-se que esta metodologia é

5 Cabe ressaltar que aqui a visão generalista de um paradigma é sempre relativa, que para Thomas Kuhn: “São as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornece problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (Kuhn, 1991, p.13). Nesse sentido, não é possível uma visão de total concordância nas Ciências Sociais e Humanas, ou seja, um paradigma, mas apenas pré-paradigmáticas.

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a mais apropriada para o desenvolvimento desse estudo, que ainda em fase

projetiva, já vem se estruturando e apontando encaminhamentos, como se expõe na

próxima seção.

ENCAMINHAMENTOS CONTINGENTES: FASE PROJETIVA

O estudo, como já mencionado, está em fase inicial, pois é recorte de um

projeto, mas aqui cabe apontar o desenvolvimento do mesmo e o que se encaminha

para sua efetivação:

a) Realizaram-se definições teóricas, como autores de “fronteira”, pois se

abandonou a ideia de inicial, em trabalhar apenas com autores que operem com o

materialismo histórico de análise, pois isso limitaria a própria produção/fabricação do

objeto, que pela sua caracterização é de cunho pós-estrutural, ou seja, no âmbito

propositivo de tese: A “fuga”, além de ser um problema das relações de trabalho

contemporâneas, também se configura como novas formas culturais de resistência;

b) Será necessário mapear (ampliar) as produções na área, especialmente nos

Grupos de Trabalhos – GT’s da Anped6: GT 09: Trabalho e Educação e o GT 12:

Currículo;

c) Realizar os primeiros contatos com os sujeitos para obter uma prévia sobre o

campo.

E, dessa forma, em consonância aos objetivos traçados, se tem a lucidez da

necessidade, sempre que necessária, em ir adequando as ferramentas de operação

teórico-metodológicas às necessidades do campo, que por sua vez, nunca é

fechado e tão pouco, é fixo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS – A GUISA DE CONTINUIDADES

“Ao todo, você é apenas mais um tijolo no muro”

(The Wall - Pink Floyd).

6 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Site disponível em:

http://www.anped.org.br/ (acessado em 20/07/2014).

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A propositiva, por ora, sustenta-se para além das questões clássicas

imbricadas ao mundo do trabalho, logo, ao trabalho docente (lutas de classes,

resistência, intensificação/precarização/auto-intensificação da exploração do

trabalho humano), inevitavelmente há também, aspectos da cultura operando para

que licenciados, mesmo que formados em cursos de licenciaturas, não queiram-

pretendam-vislumbrem realizar suas respectivas carreiras no magistério da

educação básica.

Então, acredita-se que não basta que o trabalho docente seja valorizado no

plano material (salários e condições de trabalho, dignos), é necessário mudar

culturalmente o próprio lugar de responsabilidade, que, historicamente é depositado

ao professor, e que na atual conjuntura do capitalismo, tem fundido à ideia de

responsabilização individual, principalmente pelas políticas de formação docente.

Destarte, se aposta hipoteticamente, que a “fuga da escola” pode se configurar

como “novas” formas culturais de resistência, em função de novos perfis docentes,

que fogem inclusive aos endereçamentos de políticas de incentivo ao magistério na

educação básica, como o PIBID.

REFERÊNCIAS

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A GESTÃO PEDAGÓGICA DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO: CONSTRUINDO

UM ESTADO DO CONHECIMENTO E UM MOVIMENTO PARA A ELABORAÇÃO

DA MONOGRAFIA

Marciele Taschetto da Silva1

Silvia Maria de Aguiar Isaia2

INTRODUÇÃO

A elaboração de um trabalho acadêmico exige uma leitura da realidade do

campo em estudo. Sendo assim, a construção do Estado do Conhecimento é um

processo essencial, pois possibilita ao pesquisador conhecer os avanços, outras

perspectivas de pesquisa, situações emergentes e novos rumos na produção de um

trabalho inovador.

De acordo com Mazzotti (2006), a produção do conhecimento é sempre uma

atividade coletiva realizada pela comunidade cientifica, pois cada nova investigação

se insere, complementando ou contestando contribuições anteriormente dadas ao

estudo do tema. Desse modo, é um processo continuado de busca que é muito

importante, uma vez que permite ao pesquisador avaliar a importância e a

confiabilidade dos resultados das pesquisas, identificando os pontos de consenso,

de divergências e trazer à tona as regiões de sombra e lacunas que envolvem a

área estudada.

Este trabalho compreende o estudo referente aos eventos ANPED, ANPED

SUL e a Revista Educação da UFSM, tendo como foco investigar em que medida os

estudos realizados no período de 2008 a 2013 contemplam a gestão pedagógica do

docente universitário.

A justificativa pelo foco deste estudo estar centrado na gestão pedagógica do

professor universitário se dá pelo fato de considerarmos a gestão da sala de aula o

que caracteriza a profissão docente, contudo sabemos que, essa atividade é

desvalorizada nas IES, uma vez que a entrada e progressão na carreira docente

estão vinculadas à produção científica.

1 Pedagoga. Acadêmica do Curso de Especialização em Gestão Educacional e do Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: <[email protected]>. 2 Doutora em Educação: Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM. Professora adjunta do Centro Universitário Franciscano - UNIFRA. Pesquisadora Produtividade em Pesquisa CNPq. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Trajetórias de Formação (GTFORMA). E-mail: <[email protected]>.

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PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS

Na tentativa de se chegar a uma resposta significativa à indagação deste

trabalho, optamos por uma abordagem quanti-qualitativa. A escolha era pesquisar a

quantidade de trabalhos que foram publicados no período de 2008 a 2013 sobre a

gestão pedagógica e o ensino universitário e a incidência deste estudo quantitativo

para compreendermos a subjetividade trazida nestes estudos referentes a esta

temática.

O corpus investigativo foi composto por trabalhos publicados na Anped e

Anped Sul, nos GT 4 (Didática), GT 8 (Formação de Professores) e GT 11 (Políticas

de Ensino Superior) e na Revista Educação da UFSM.

Primeiramente, houve a busca de títulos e a busca em diversos sites de

eventos e revistas com base de dados confiáveis e reconhecidos pela CAPES, em

busca de referencial significativo. Foram desconsiderados os repositórios que não

apresentavam nenhum trabalho ou quantidade mínima de trabalhos sobre a

temática. As palavras-chave que nortearam a busca foram: 1) Gestão pedagógica;

2) Docência superior; 3) Gestão da aula; 4) Formação de formadores; 5)

Organização pedagógica.

Após a classificação dos trabalhos pelos títulos, o segundo passo foi realizar a

leitura dos resumos para vislumbrar se o trabalho realmente correspondia com a

temática pretendida. A medida que a pesquisa avançava, aparecia algumas

dificuldades como, por exemplo, resumos que não condiziam com o título

apresentado, resumos com poucas informações, tornando necessário o

aprofundamento na leitura de todo o trabalho e isso demandou muito tempo.

Durante o processo de levantamento de dados, foram encontrados 1022

trabalhos, mas categorizados 296, pois se referiam especificamente sobre o tema

ensino superior. Destes, apenas dezoito foram analisadas em profundidade, tendo

por base: a forma como o tema é abordado e a coerência entre a obra e a temática

objeto desse estudo.

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PANORAMA GERAL DOS TRABALHOS ANALISADOS

Para melhor vislumbrar o levantamento de dados realizado, a tabela abaixo

explicita a relação geral de trabalhos publicados anualmente, voltado para o tema

ensino superior, em cada um dos repositórios pesquisados.

TABELA 1 - Trabalhos analisados, ANPED, ANPED SUL e Revista Educação, 2008-2013.

Local: Evento/Revista

2008 2009 2010 2011 2012 2013 Total por evento

Anped 31 22 21 24 23 16 137

Anped Sul 40 - 62 - 51 - 153

Revista Educação 2 1 1 11 - 3 18

Total 41,47% 28,04% 30,88% 39,77% 23,19% 22,89% 308

Fonte: ANPED, ANPED SUL e Revista Educação, 2008-2013.

Apesar das reuniões da Anped Sul não ocorrerem anualmente, mas a cada

dois anos, foi possível considerar o desempenho de publicações com o foco no

ensino superior, visto a seu vasto índice de participação de trabalhos, que chega a

ultrapassar as publicações sobre esse tema da ANPED. Lembrando que, para se

chegar a porcentagem, considerou-se a quantidade total de trabalhos publicados em

cada um dos eventos e revista.

Percebe-se que não há uma linearidade em relação a quantidade de

publicações sobre o tema, pois em 2008 podemos verificar que houve um elevado

índice percentual de publicações sobre o tema, apesar da Revista Educação UFSM

não contribuir muito com tal resultado. E, os índices mais baixos de publicações

encontram-se nos anos de 2009, 2012 e 2013.

Há outros dois fatores que merecem destaque. O primeiro é em relação a

significativa abundância de publicações com o foco no ensino superior na Anped

Sul, que, apesar de ocorrer a cada dois anos, a quantidade de artigos publicados

nesses três encontros analisados superou a quantidade de publicações dos cinco

últimos encontros da Anped Nacional. Isso é um dado curioso, pois a Anped além de

ocorrer anualmente, é um evento nacional e que possui os mesmos eixos de

trabalhos da Anped Sul.

O segundo fator é a quase ausência de publicações sobre o ensino superior na

Revista Educação da Universidade Federal de Santa Maria. Talvez isso se deva ao

fato do periódico ser quadrimestral e, que cada edição aborda uma temática

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bastante específica e, nenhum dos periódicos referentes ao período analisado

apresentava enfoque especificamente no ensino superior.

O destaque às publicados sobre o ensino superior nos últimos cinco anos

nestes três repositórios é dado com a intenção de percebermos a disparidade dos

estudos que vem ocorrendo, que, se por um lado os eventos possuem a cada ano

maiores números de publicações, vemos que houve uma queda na publicação de

estudos sobre o ensino superior nos últimos dois anos. Mas o enfoque deste

trabalho é exatamente mostrar que dentro dos eixos sobre ensino superior, se

buscou estudos que considerassem a aprendizagem docente, a gestão pedagógica

e a formação pedagógica. A ideia era iniciar abordando sobre as publicações no

ensino superior, devido a possibilidade de visualizar o tema de forma mais ampla,

para depois focar na formação pedagógica do professor universitário, para

tentarmos perceber se há um equilíbrio e se os estudos que vem sendo realizados

sobre a docência universitário consideram a importância da formação pedagógica.

Na tentativa de sintetizar esta pesquisa, vejamos os gráficos a seguir,

considerando os dados de cada evento/revista separadamente:

GRÁFICO 1 – ANPED 2008-2013 Fonte: ANPED, 2008-2013.

Considerando o período dos últimos cinco anos, percebemos que do total de

288 trabalhos publicados nos três GT’s analisados, 137 estavam relacionados a

temática ensino superior, representando um dado bastante significativo. Contudo,

apenas quatro trabalhos apresentavam em suas palavras-chave ou apresentavam

como foco no decorrer das produções a importância da formação pedagógica dos

professores universitários. E, como verificamos no gráfico, não houve publicações

referentes a gestão pedagógica do professor universitário.

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GRÁFICO 2 – ANPED 2008-2013 Fonte: ANPED, 2008-2013.

Em um total de 507 trabalhos publicados no período considerado para a

análise, 153 destes estudos enfocavam o ensino superior. Lembrando que esta

soma leva em conta apenas os três GT´s analisados: GT 4 – Didática, GT 8 –

Formação de Professores e GT 11 – Política de Educação Superior.

Apenas 4 destes trabalhos apresentavam a formação pedagógica como

palavra-chave e/ou como foco imprescindível para a profissão docente. E, assim

como na ANPED, na ANPED SUL não encontrou-se nenhum trabalho relativo ao

tema gestão pedagógica.

GRÁFICO 3 – Revista Educação UFSM 2008-2013 Fonte: Revista Educação UFSM, 2008-2013.

Na Revista Educação da UFSM, nota-se uma diferença muito grande entre o

número de trabalhos publicados no decorres dos últimos cinco anos e o número de

trabalhos sobre o tema ensino superior. Também percebe-se que, assim como nos

anais dos eventos ANPED e ANPED SUL, não há publicações sobre o tema gestão

pedagógica.

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A gestão de sala de aula se constrói a medida que o professor se compromete

com seu projeto de ensino, organizando e articulando saberes necessários para a

formação de seus alunos e, consequentemente, para a sua própria formação,

considerando seu papel como formador e como membro de uma instituição que

possui um projeto político e, que conta com o participação do docente para a

efetivação desses objetivos almejados. A gestão pedagógica envolve todos os

âmbitos da docência, desde os saberes didáticos, visão social e compreensão das

possibilidades e limitações de cada contexto, conhecimentos específicos da área,

conhecimentos experienciais da profissão, produção dos conhecimentos, até a

capacidade do professor de fazer a articulação de todos esses conhecimentos,

direcionando-os ao ensino, que é o que caracteriza e dá sentido à profissão

professor.

Nesse sentido, consideramos as práticas pedagógicas destacadas no texto

como. Contudo, em vista da importância do reconhecimento da profissão professor

como gestor do seu ensino, optou-se por deixar separado, para este trabalho, os

temas Formação Pedagógica e Gestão de sala de aula, para verificarmos se o termo

gestão aparece nas publicações e em que medida, relacionado às atividades do

professor em sala de aula. Desse modo, como resultado desta busca, percebemos

que não há qualquer trabalho que considere o enfoque ou trabalhe com o conceito

de gestão do pedagógico nestes três eventos e revista, fato este que preocupa, pois

ao mesmo tempo em que nos indica que se existe a preocupação pelos

pesquisadores com a formação pedagógica, o que também não foi um dado

significativo, desconsideram a autonomia do professor como gestor de seu processo

de ensino e aprendizagem. Além disso, outro fator observado é de que todos os

trabalhos encontrados que se referiam sobre gestão e ensino superior estavam

ligados às funções de direção e coordenação, o que nos direciona a dedução de

uma possível falta de compreensão ou de desvalorização da gestão do ensino.

É importante destacar que os três repositórios analisados podem ser

considerados uma amostra da situação geral dos estudos que vem sendo realizados

e publicados em outros eventos, pois, para a produção deste trabalho foi revisitado

outros eventos/revistas em busca de um escopo considerável sobre a temática

gestão pedagógica. Como o encontrado teve significância mínima ou nula, a escolha

deu-se por apresentar apenas as análises destes três eventos/revista.

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ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED

foi fundada em 1976, tendo por finalidade o desenvolvimento da pós-graduação e da

pesquisa na área de Educação. Desse modo, a escolha por esse evento para a

busca de materiais relevantes pra minha pesquisa, deu-se pelo fato de se tratar de

um evento consolidado, reunindo inúmeras publicações referentes a variadas

temáticas que são subdivididas em Grupos de Trabalhos – GT’s. Para este trabalho,

optou-se em focar a busca por trabalhos nos GT 4 – Didática, GT 8 – Formação e

Professores e no GT 11 - Política de Educação Superior. A pesquisa por trabalhos

do evento abrange os últimos cinco anos (2008-2013).

No período de 2008 a 2013 o evento ocorreu nas cidades de Caxambú/MG,

dois anos consecutivos, Natal/RN, Porto de Galinhas/PE e recentemente na cidade

de Goiânia/GO.

Como demonstrado anteriormente, durante este período de cinco anos, foram

publicados 288 trabalhos referentes aos três GT’s pesquisados, onde 137 destes

referem-se ao ensino superior, apenas 04 dão ênfase na formação pedagógica e

aprendizagem docente e nenhum refere-se a gestão de sala de aula.

Curiosamente três dos trabalhos encontrados que fazem menção a importância

da formação pedagógica e aprendizagem docente foram publicados na 35ª Reunião,

sendo dois pertencentes ao GT 4 e um ao GT 8. O quarto trabalho encontrado foi

publicado na 36ª Reunião. Vejamos a seguir:

TABELA 2 - Trabalhos analisados ANPED, 2008-2013.

GT TÍTULO DO TRABALHO AUTORES

GT 8

Aprender a ensinar, construir identidade e profissionalidade docente no contexto da universidade: uma realidade possível

Áurea Maria Costa Rocha Maria da Conceição Carrilho de Aguiar. – UFPE

GT 4

Docência na educação superior e a construção da profissionalidade docente em cursos de licenciatura: Continuidades e rupturas

Cristina Maria D'ávila Teixeira– UFBA E UNEB

GT 4

A persistente dissociação entre o conhecimento pedagógico e O conhecimento disciplinar na formação de professores: Problemas e perspectivas

José Carlos Libâneo - PUC-GOIÁS

GT 8

Pedagogia universitária: construções possíveis nas diferentes áreas de conhecimento.

Silvia Maria de Aguiar Isaia Adriana Moreira da Rocha Maciel - UNIFRA e UFSM

Fonte: ANPED, 2008-2013.

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ANPED SUL - Seminário de Pesquisa em Educação da Região SuL

A ANPED SUL se vincula as Reuniões da ANPED, devido a proximidade de

seus objetivos, de contribuir com a consolidação da pós-graduação e pesquisas na

área da educação, contudo é uma iniciativa dos programas da Região Sul. A ANPED

SUL, também conhecida como o Seminário de Pesquisa em Educação da Região

Sul, ocorre a cada dois anos. Como o foco deste trabalho engloba as publicações

dos últimos cinco anos, consideramos as Reuniões ocorridas nos anos de 2008,

2010 e 2012, respectivamente nos Estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande

do Sul.

A organização da ANPED SUL também é por GT’s, sendo assim, trabalhou-se

com os mesmos três GT’s que utilizamos para analisarmos as publicações da

ANPED: GT 4: Didática, GT 8: Formação de Professores e GT 11: Política de Ensino

Superior. Como mencionado anteriormente, a busca na ANPED SUL teve como

resultado dos últimos três eventos um total de 507 trabalhos constituintes dos três

GT’s. Encontrou-se 153 trabalhos em que o foco era o ensino superior e destes,

apenas 4 apresentavam de forma consistente a importância da formação

pedagógica e aprendizagem docente. Como no evento da ANPED, também não foi

encontrado nenhum trabalho referente a gestão de sala de aula. Vejamos a seguir a

relação dos trabalhos encontrados

REVISTA EDUCAÇÃO – UFSM

A Revista Educação publica artigos referentes à prática ou pesquisa sobre

educação. Suas publicações tiveram início no ano de 1970, contudo, sua versão

eletrônica ocorreu mais tarde, em 2000. A revista publica em média quarenta e cinco

artigos anualmente, possuindo periodicidade quadrimestral e, está classificada no

Qualis/CAPES no extrato B1.

Na pesquisa realizada na revista foi considerado as publicações referentes aos

cinco últimos anos. Sendo que, anualmente são publicadas pelo menos três

periódicos, a análise envolveu quinze revistas. Desse modo, encontrou-se 227

artigos, sendo 22 com enfoque no ensino superior e apenas seis considerando a

formação pedagógica docente. Não houve publicações no período de 2008 a 2013

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sobre o tema gestão pedagógica/gestão de sala de aula. Dos trabalhos encontrados,

ganham destaque:

TABELA 3 - Trabalhos analisados Revista Educação UFSM, 2008-2013.

Fonte: Revista Educação UFSM, 2008-2013.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finaliza-se a construção desse trabalho com a certeza de que é preciso buscar

mais aportes sobre o tema: gestão pedagógica, em vista da sua ausência em

publicações, sinalizando certa emergência em estudos que considerem a gestão

pedagógica como componente essencial da prática do professor universitário.

Os estudos encontrados que consideram a importância da formação

pedagógica para a prática docente, em geral discutem a constituição da profissão e

os saberes necessários para tal função. Consideram a complexidade da formação,

bem como a emergência de investimentos na profissão, principalmente no que diz

respeito a formação inicial e permanente que considere o pedagógico como pilar

balizador da profissão.

Desse modo, os trabalhos analisados apresentam aportes consistentes no

que se refere a importância da formação pedagógica do professor universitário,

expondo resultados que se entrelaçam e se somam no que diz respeito a

consciência de que a formação docente deve exigir não só o domínio de uma área

específica, mas também da especificidade da área pedagógica, pois isso é o que

caracteriza sua profissão.

GT TÍTULO DOTRABALHO AUTORES

Gt 11

Caminhos da docência pedagógica na docência universitária

Cecília Broilo; Ilza Jardins; Marta Quintanilha Gomes; Mauricio Cesar Vitória Fagundes – UNISINOS

Gt 11 Profissionalidade docente na educação superior: Mestres ou cientistas?

Bazzo, Vera Lúcia - UFSC

Gt 11 Aprender e ensinar na universidade: a docência na perspectiva da epistemologia da aprendizagem

Altair Alberto Fávero; Marta Marques - UPF

Gt 8 Formação pedagógica em cursos de licenciatura: um relato sobre as produções acadêmicas encontradas nos anais da ANPED e do ENDIPE

Tania Mara Vizzotto Chaves – UFSM

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REFERÊNCIAS

ALVES-MAZZOTTI, A. J. A revisão bibliográfica em teses e dissertações. In: BIANCHETTI, L.; MACHADO, A. M. (Orgs.). A bússola do escrever: desafios e estratégias na orientação e escrita de teses e dissertações. 2ed.Florianópolis/São Paulo: UFSC/Cortez, 2006. p.25-41 ]

ANAIS DA VII ANPED SUL, Seminário de pesquisa em educação da região sul. 7ª edição, 2008, Santa Catarina: Itajaí. [trabalhos apresentados]. Univali: Itajaí, 2008.

ANAIS DO VIII ANPED SUL, Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sul. 8ª edição, 2010, Paraná: Londrina. [trabalhos apresentados]. UEL: Londrina, 2010.

ANAIS DO IX ANPED SUL, Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul. 9ª edição, 2012, Rio Grande do Sul: Caxias do Sul. [trabalhos apresentados]. UCS: Caxias do Sul, 2012.

ANAIS DA 31ª REUNIÃO ANUAL DA ANPED. 31ª, 2008, Minas Gerais: Caxambú. [trabalhos apresentados]. Caxambú: 2008.

ANAIS DA 32ª REUNIÃO ANUAL DA ANPED. 32ª, 2009, Minas Gerais: Caxambú. [trabalhos apresentados]. Caxambú: 2009.

ANAIS DA 33ª REUNIÃO ANUAL DA ANPED. 33ª, 2010, Paraná: Londrina. [trabalhos apresentados]. Londrina: 2010.

ANAIS DA 34ª REUNIÃO ANUAL DA ANPED. 34ª, 2011, Rio Grande do Norte: Natal. [trabalhos apresentados]. Natal: 2011.

ANAIS DA 35ª REUNIÃO ANUAL DA ANPED. 35ª, 2012, Pernambuco: Porto de Galinhas. [trabalhos apresentados]. Porto de Galinhas: 2012.

ANAIS DA 36ª REUNIÃO ANUAL DA ANPED. 36ª, 2013, Goias: Goiânia. [trabalhos apresentados]. UFG: Goiânia, 2013.

BEHARES, L. E. Consideraciones sobre el sentido de las “pedagogías” y las “didácticas” universitarias, con especial referencia a la experiência uruguaya. Revista Educação, UFSM: Santa Maria, v. 36, n. 3, p. 337-350, set./dez. 2011.

BEHRENS, M. A. Docência universitária: formação ou improvisação? Revista Educação, UFSM: Santa Maria, v. 36, n. 3, p. 337-350, set./dez. 2011.

DORNFELD, C. B.; ESCOLANO, Â. C. M. Didática e práticas pedagógicas no ensino superior: a visão dos alunos de um curso de graduação em Ciências Biológicas. Revista Educação, UFSM: Santa Maria, v. 34, n. 2, p. 373-390, maio/ago. 2009.

IMBERNÓN, F. M. La formación pedagógica del docente universitário. Revista Educação. UFSM: Santa Maria, v. 36, n. 3, p. 387-396, set./dez. 2011.

MARCELO GARCÍA, C.; DOMÍNGUEZ, C. Los profesores como diseñadores: nuevas tareas para los docentes universitários. Revista Educação, UFSM: Santa Maria, v . 36, n. 3, p. 365-386, set./dez. 2011.

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PASSOS, I.; VEIGA, A. A docência na Educação Superior e as didáticas especiais: campos em construção. Revista Educação. UFSM: Santa Maria, v . 36, n. 3, p. 387-396, set./dez. 2011.

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FATORES DE DESEMPENHO EM UNIVERSITÁRIOS BRASILEIROS

Kalú Soraia Schwaab1

Paulo Sergio Ceretta2

Alexandre Costa3

INTRODUÇÃO

Fatores de desempenho de alunos tem sido objeto de debate entre

educadores, acadêmicos e formuladores de políticas em todo o mundo. O

desempenho dos alunos na graduação pode ser afetado por inúmeros fatores, como

o próprio desempenho no ensino médio, a escolaridade dos pais, a situação

socioeconômica, o plano político pedagógico, o regime de trabalho dos professores,

entre outros. No entanto, uma vez que existem diferenças culturais e políticas entre

os países e nas políticas públicas específicas para a educação, considerando que,

tais diferenças podem desempenhar um papel importante nos fatores que afetam

este desempenho, é relevante analisar as particularidades de cada país.

Neste artigo, analisa-se o desempenho de estudantes de graduação do Brasil.

Para isso, faz-se necessário mencionar algumas características do Sistema

Educacional Brasileiro.

A percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) gasto em educação em 2011 foi

de 6,1. Sendo que, aproximadamente 5,04% em Educação Básica e 1,04% em

Ensino Superior, de acordo com o INEP (2014). A estimativa do valor acumulado do

investimento público direto em educação no mesmo ano, por aluno ao longo da

duração teórica dos estudos foi de R$ 142.291. Dado que, R$ 59.502 na Educação

Básica (cumulativo a 14 anos), e R$ 82.789 no Ensino Superior (cumulativo a 4

anos), de acordo com o INEP (2014).

O Governo Federal aumentou a oferta de vagas no ensino superior em vários

aspectos nos últimos anos. De acordo com dados do Censo da Educação Superior,

1 Mestranda em Gestão de Organizações Públicas – Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Graduada em Administração - UFSM. E-mail: <[email protected]> 2 Doutor em Engenharia de Produção - Universidade Federal de Santa Catarina. Graduado em Administração – UFSM. Mestre em Engenharia de Produção pela UFSM. Professor Associado do Departamento de Ciências Administrativas da UFSM. E-mail: <[email protected]> 3 Graduado em Administração - UFSM. Mestre em Administração – UFSM. E-mail:

<[email protected]>

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entre 1999 e 2011, o número de instituições aumentou em 115,59%, o número de

cursos em 242,64% e o número de alunos matriculados aumentou 184,38%.

A política para o setor da educação superior foi baseada na criação do

Programa de Apoio e Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais (REUNI). A expansão da Rede Federal de Educação Superior teve início

em 2003 com a interiorização dos centros universitários de universidades públicas.

O REUNI visa ampliar o acesso e a permanência dos alunos no ensino superior.

Outras políticas para o setor foram baseadas na facilidade de acesso as vagas nas

instituições privadas: a) Programa de Financiamento Estudantil (FIES4) e b)

Programa Universidade para todos (ProUni5). Os alunos podem competir com base

no Exame Nacional de Estudantes do Ensino Médio (ENEM) e em critérios de renda

para obter financiamento ou bolsas de estudo em instituições privadas de ensino

superior. Importante observar que, em todas as novas formas de acesso às vagas e

programas do Governo Federal está vinculada a nota do ENEM.

O ENEM é semelhante ao teste Scholastic Assessment Test (SAT), realizado

nos Estados Unidos para os estudantes que saem do ensino médio, sendo utilizado

como critério de acesso às universidades. O ENEM foi criado em 1998 e foi

inicialmente usado para avaliar a qualidade da educação nacional. Sua segunda

versão começou em 2009, tendo como principal mudança poder ser utilizado como

forma de entrada na universidade. Em 2014, de acordo com o INEP (2014), há

8.721.946 inscritos, e 85% dos candidatos estão na faixa etária de 15 a 29 anos.

Ainda segundo o INEP (2014), o ENEM é usado pela maior parte dos candidatos

como forma de ingresso ao ensino superior. A maioria das instituições públicas

aderiu ao Sistema de Seleção Unificada (SISU6). A partir de sua base de dados, o

SISU dá acesso a 67 instituições públicas, 1.447 cursos e 51.412 vagas, conforme o

MEC (2014).

Em relação ao sistema educacional brasileiro cabe ainda destacar o Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES7), que consiste em três

4 O FIES foi criado em 1999, destina-se a financiar a totalidade ou parte da graduação de estudantes

que não podem arcar com os custos de sua formação em organizações privadas. 5 O ProUni foi criado em 2004, confere aos estudantes de baixa renda bolsas de estudos completas ou parciais em instituições privadas. 6 O SISU é um sistema informatizado, gerenciado pelo MEC, no qual instituições públicas de ensino superior oferecem vagas a candidatos participantes do Enem. 7 Criado pela Lei nº. 10.861 em 2004, os resultados da avaliação permitem dar uma visão geral sobre

a qualidade dos cursos e instituições de ensino superior do país.

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componentes principais: a avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho

dos alunos. Ele tem uma série de instrumentos complementares: auto-avaliação,

avaliação externa, Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE),

avaliação de ferramentas de graduação e de informação (censo e cadastro). A

operacionalização do SINAES é de responsabilidade do Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP8). O ENADE, instrumento utilizado pelo

SINAES, tem como objetivo avaliar o desempenho do aluno em relação ao conteúdo

programático previsto nas diretrizes curriculares do curso de graduação, e as

habilidades e competências em sua formação. O ENADE tem notas de 1 a 5. Cada

edição do ENADE lida com uma tecnologia semelhante, de acordo com a área de

conhecimento a que pertencem. Trienalmente são avaliados todos os cursos do

país.

O objetivo desta pesquisa é investigar os fatores de desempenho dos

estudantes brasileiros a partir da pontuação do ENADE, e ainda, verificar se há

diferenças destes fatores entre o sistema de ensino público e privado. A importância

deste estudo está em, a partir da identificação destes fatores, servir de subsídio aos

educadores e formuladores de políticas a conceberem mudanças para melhorar o

desempenho do aluno e a eficiência global do sistema de ensino.

O estudo está organizado, além desta introdução, em mais quatro tópicos. No

próximo, apresenta-se uma breve revisão de estudos sobre fatores de desempenho

acadêmico. No terceiro, apresenta-se o método utilizado. Em seguida, apresentam-

se os resultados, e no último, encontram-se as conclusões.

REVISÃO DE LITERATURA

Muitos pesquisadores realizaram estudos detalhados sobre os fatores que

contribuem para o desempenho do aluno em diferentes níveis educacionais e em

diferentes países. Por exemplo, um estudo relevante realizado no Brasil, foi o de

Zoghbi et al. (2013). Eles realizaram um estudo para estimar a eficiência das

instituições de ensino superior no Brasil, com ênfase em seus determinantes, tendo

especialmente em conta a eficiência relativa de instituições públicas e privadas

sobre a aplicação dos seus recursos. A diferença entre as notas dos alunos 8 O INEP é uma autarquia federal vinculada ao MEC, cuja missão é promover estudos, pesquisas e

avaliações sobre o Sistema Educacional Brasileiro com o objetivo de apoiar a formulação e implementação de políticas públicas para a educação.

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concluintes e ingressantes no ENADE 2007 foi utilizada para medir o desempenho.

A amostra consistiu em 164 universidades (88 privadas e 76 públicas). Eles

compararam o desempenho relativo destas universidades na oferta de educação

com uma função de produção de fronteira estocástica. As variáveis utilizadas foram:

Número total de professores por aluno matriculado (trabalho); Número total de

computadores por aluno matriculado (capital); e Exigência de um plano pedagógico

completo, procedimentos de ensino e de avaliação bem definidos (tecnologia).

Os resultados de Zoghbi et al. (2013) produziram quatro implicações. Em

primeiro lugar, o fator trabalho (professor por aluno) afeta negativamente a diferença

na pontuação ENADE, que, em princípio, seria contra-intuitivo. A estimativa

separada, no entanto, usando a pontuação de alunos do primeiro ano e de

estudantes do último ano como resultado, indica que a entrada de trabalho afeta o

primeiro, mas não o último. Em segundo lugar, a entrada de capital afeta

positivamente a diferença na pontuação ENADE, como esperado. Em terceiro lugar,

a existência de um plano pedagógico afeta negativamente a diferença na pontuação

ENADE, e as razões para isso são as mesmas associadas ao efeito negativo do

professor por aluno. As características socioeconômicas dos alunos parecem ser

importantes para explicar os resultados. Se este for realmente o caso, a ineficiência

aumenta com universidades públicas. Em termos de política, os autores sugerem

que a distribuição de recursos para as universidades públicas deve estar relacionada

com o seu desempenho. Universidades que desperdiçam menos recursos (produzir

mais com a mesma quantidade de recursos) devem receber transferências mais

altas do governo. No que diz respeito às instituições privadas, a recomendação

política é fortalecer o monitoramento e manter o encerramento das universidades de

baixa qualidade como o MEC começou a fazer recentemente.

Outra pesquisa sobre desempenho de estudantes brasileiros é a de Cavalcanti

et al. (2010). Eles usaram um conjunto de dados para quantificar a diferença no

desempenho dos alunos de escolas públicas e privadas no exame de vestibular da

Universidade Federal de Pernambuco. Eles descobriram que os resultados dos

testes de alunos de escolas públicas são, em média, cerca de 4,2-17% menor do

que os de alunos de escolas particulares. A fim de controlar a capacidade cognitiva

dos alunos usaram o resultado do ENEM. O modelo com a variável ENEM explica

cerca de 70% da variabilidade total nos resultados do vestibular, enquanto que o

modelo com a especificação mais completa, mas sem o controle ENEM, explica

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cerca de 36% dessa variabilidade. Eles usaram o Método de Regressão Quantílica.

A amostra contou com 54.877 alunos. Entre estes, 63% e 37% vêm de escolas

privadas e públicas, respectivamente. As duas principais variáveis utilizadas são:

pontuação no vestibular, e desempenho dos alunos em seu primeiro ano na

universidade.

Cavalcanti et al. (2010) mostraram que, uma vez que os alunos estejam na

universidade, aqueles de escolas públicas obtêm desempenho semelhantes aos de

escolas privadas. Mas há uma forte barreira para alunos da rede pública entrar em

cursos competitivos. A fração de estudantes de escolas públicas que ingressa em

cursos mais competitivos, como jornalismo, direito, medicina e engenharia eletrônica

é quase nulo. Por outro lado, para cursos menos competitivos a percentagem de

estudantes que vêm de escolas públicas é muito maior. Os resultados fornecem

evidências quantitativas que a visão comum de que o sistema de ensino superior

brasileiro é elitista e um importante canal para a desigualdade.

Shoukat et al. (2013) realizaram uma pesquisa para investigar os fatores que

afetam o desempenho acadêmico dos alunos de pós-graduação da Universidade da

Islamia. As variáveis pesquisadas foram o desempenho acadêmico como variável

dependente e sexo, idade, curso, escolaridade, status socioeconômico, área

residencial, desempenho no ensino médio, horas de estudo diárias e moradia como

variáveis independentes. Para esta análise, modelo de regressão linear, análise de

correlação e estatística descritiva foram utilizados. Os resultados revelaram que

idade, status sócio-econômico e horas de estudo diário contribui de forma

significativa no desempenho acadêmico dos alunos.

Outro estudo recente sobre o assunto foi realizado por Agasisti & Longobardi

(2014). Eles usaram a Organização para a Cooperação Econômica e

Desenvolvimento (OCDE) e o Programa Internacional de Avaliação de Alunos

(PISA), com dados de 2009 para estudar os fatores associados com a probabilidade

de alunos pobres serem resilientes, ou seja, a obtenção de boas notas nas provas,

apesar de sua condição socioeconômica desfavorecida. Eles restringiram a amostra

de estudantes para aqueles que eram socialmente desfavorecidos e aqueles que

frequentavam escolas desfavorecidas. Foi incluído na amostra 47.963 alunos

carentes de 3.625 escolas, o que representa cerca de 16% e 33% de toda a amostra

da OCDE-PISA 2009, respectivamente. Os resultados revelaram que não só

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características individuais dos estudantes são relevantes, como um clima escolar

positivo está estatisticamente associado à resiliência.

Ainda, Triventi (2014) e Darolia (2014) examinaram os efeitos do aluno

trabalhar durante o ensino superior com relação a progressão acadêmica, na Itália e

Estados Unidos, respectivamente. Os resultados indicam que há uma auto-seleção

positiva no mercado de trabalho, especialmente para poucas horas de trabalho.

Esses estudos mostraram uma penalidade na progressão acadêmica apenas para

os trabalhadores de muitas horas.

MÉTODO

Foram utilizados dados do INEP 2012, que envolvem uma amostra de 7.117

cursos, incluindo 179 diferentes cursos de graduação do sistema de ensino público e

privado. Alguns aspectos metodológicos referentes às pontuações do ENADE a

serem incluídas na análise empírica: a) em primeiro lugar, restringiu-se a amostra do

ENADE para notas maiores do que 1 - isto é importante porque esse resultado pode

não mostrar a realidade devido a um possível boicote dos alunos ao exame; e b)

excluiu-se os cursos que não tinham nota ENEM. Então a amostra ficou em 5.451

cursos, que consistem em 687 públicos e 4.764 da rede privada de ensino,

envolvendo 443.782 alunos.

Para verificar o desempenho dos alunos, como modelo econométrico,

escolheu-se a regressão linear ponderada. As variáveis utilizadas são: ENADE - é

um indicador que mede o desempenho de estudantes de graduação do ano de

2012; ENEM - é um indicador que avalia o desempenho do aluno ao final do Ensino

Médio; Pais - é uma pontuação referente à escolaridade dos pais; Infraestrutura - é

uma pontuação dada a infraestrutura do curso; Projeto - é a classificação dada ao

projeto político pedagógico do curso; Doutores - é a pontuação média de

professores doutores do curso; e Regime - é a nota dada ao tipo de regime de

trabalho dos professores, quando dedicação exclusiva, a nota é máxima. ENADE é

considerada a variável dependente, e ENEM, Pais, Infraestrutura, Doutores, Projeto

9 Administração, Direito, Ciências Econômicas, Psicologia, Ciências Contábeis, Design, Turismo,

Secretariado Executivo, Relações Internacionais, Tecnologia em Marketing, Tecnologia em Processos Gerenciais, Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos, Tecnologia em Gestão Financeira, Tecnologia em Gestão Comercial, Tecnologia em Logística, Jornalismo e Publicidade e Propaganda.

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e Regime são as variáveis independentes. Os dados do INEP 2012 foram

compilados, classificados e codificados no Software R.

Medindo a importância das variáveis

Um modelo linear pode ser escrito por: onde é uma

constante, são os coeficientes desconhecidos que representam o

impacto, sobre , e é a parte não explicada de , geralmente chamado de erro.

Os coeficientes e são estimados através da minimização da soma

do erro ao quadrado. Dessa forma, como se apresenta na Tabela 1, a variância total

pode ser decomposta em duas partes: i) a variância explicada e; ii) variância não

explicada.

Tabela 1 - Decomposição da variância total

TSS ESS RSS

Nota: TSS= Variância total; ESS= Variância explicada; RSS= Variância não explicada. Fonte: Dados de Pesquisa, 2014.

O coeficiente de determinação R2 mede a proporção da variação em y que é

explicada pelos regressores p no modelo e podem ser gravados em .

A importância de uma variável pode ser definida de diversas maneiras diferentes,

ver Nathans et al. (2012) para uma visão geral. Considera-se uma variável

importante se é informativo sobre a resposta e, assim, se a sua inclusão no preditor

aumenta a variância explicada ou, equivalentemente, reduz o erro de previsão. Para

quantificar a importância das variáveis explicativas um grande número de critérios

tem sido sugerido (Grömping, 2007).

Johnson & Lebreton (2004) definem importância relativa como a contribuição

proporcional de cada regressor para R2, considerando tanto o efeito direto e seu

efeito indireto quando combinada com outras variáveis na equação de regressão. A

materialidade refere-se à quantificação da contribuição de um regressor individual

em um modelo de regressão linear múltipla.

Vários métodos para a avaliação da importância relativa em modelos lineares

têm sido propostos na literatura. Neste estudo, são utilizados os métodos First, Last,

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LMG, Betasq, Genezi e CAR, para um melhor aprofundamento ver Johnson &

Lebreton (2004), Genizi (1993), Pratt (1987), Lindeman et al. (1980) e Zuber &

Strimmer (2011).

RESULTADOS

Algumas funções de regressão foram usadas para ajustar a regressão linear

ponderada. Verificou-se que a amostra não apresenta multicolinearidade e

autocorrelação, apenas heterocedasticidade, mas foi ajustado. A Tabela 2 fornece

os coeficientes estimados e seus respectivos p-value. Cada termo de erro no modelo

de regressão de mínimos quadrados ponderados inclui um peso associado ao

número de alunos por curso analisado. A ponderação é necessária devido ao fato

que cada curso apresenta um número diferente de alunos que realizaram as

avaliações do ENADE. Os coeficientes do modelo são obtidos de forma a minimizar

o erro quadrado ponderado

Tabela 2 - Coeficientes do modelo de regressão ponderada, amostra total e subamostras. Erros padrão robustos a heterocedasticidade (HC1). ENADE, Brasil - 2012.

Amostra Total Público Privado Diferença Coeff p-value Coeff p-value Coeff p-value Coeff p-value

Intercept -3.034 0.000 -2.848 0.000 -1.575 0.000 -1.274 0.032 ENEM 1.366 0.000 1.507 0.000 0.878 0.000 0.628 0.000 Pais -0.075 0.000 -0.208 0.004 -0.041 0.034 -0.167 0.025 Infraestrutura 0.018 0.297 0.008 0.843 0.103 0.000 -0.095 0.030 Projeto 0.188 0.000 0.274 0.000 0.164 0.000 0.110 0.026 Doutores -0.057 0.000 0.028 0.456 -0.070 0.000 0.097 0.013 Regime 0.047 0.001 -0.026 0.412 0.015 0.329 -0.041 0.236

R2 0.251 0.000 0.293 0.000 0.189 0.000 N 5451 687 4764

Nota: Valores em negrito são estatisticamente significantes. Fonte: Dados de Pesquisa, 2014.

Para o total da amostra, encontra-se que as notas ENEM, Projeto e Regime

têm coeficientes significativos e positivos, de modo que, o aumento destas variáveis

causa impactos positivos no ENADE. Um fator interessante é que a influência das

variáveis Pais e Doutores é negativa, ou seja, uma qualificação mais elevada dos

pais e professores implica uma redução na pontuação ENADE. O modelo tem um R2

ajustado de 25%. Quando se analisa separadamente as subamostras (público e

privado), descobre-se que há muitas diferenças significativas entre as duas. O efeito

do ENEM, Pais e Projetos no ENADE é muito maior na subamostra do sistema de

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ensino público. Outra constatação é que o modelo pode explicar a maior parte da

pontuação ENADE nos cursos públicos (R2 ajustado 29%) do que no sistema de

ensino privado (R2 ajustado de 19%). Observa-se também que, Doutores na

subamostra pública não influenciam o ENADE, enquanto que, na subamostra

privada o efeito é negativo.

Figura 1 - Importância relativa composição ENADE – Amostra completa (En=ENEM; Pa=Pais; In=Infraestrutura; Pr=Projeto; Do=Doutores e Re=Regime).

Fonte: Dados de Pesquisa, 2014.

Figura 2 - Importância relativa composição ENADE - Sistema Público de Educação (En=ENEM; Pa=Pais; In=Infraestrutura; Pr=Projeto; Do=Doutores e Re=Regime).

Fonte: Dados de Pesquisa, 2014.

Figura 3 - Importância relativa composição ENADE - Sistema Privado de Educação (En=ENEM;

Pa=Pais; In=Infraestrutura; Pr=Projeto; Do=Doutores e Re=Regime). Fonte: Dados de Pesquisa, 2014.

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Nas Figuras 1, 2 e 3 apresenta-se a importância relativa de cada variável a

partir da decomposição do R2. Utilizam-se os métodos First, Last, LMG, Betasq,

Genizi e CAR para analisar. Na amostra total, constata-se que, independentemente

do método utilizado, as variáveis ENEM e Projeto são predominantes. A variável

ENEM é de aproximadamente seis vezes mais relevante do que a variável Projeto

na composição do R2. As demais variáveis têm uma pequena contribuição. Quando

se analisa o sistema de educação pública, encontra-se uma terceira variável,

Doutores, que aparece como um importante determinante da pontuação ENADE. As

outras duas variáveis continuam a pontuação ENEM e Projeto. No sistema de ensino

privado, identifica-se que a importância relativa das variáveis é mais distribuída, a

variável ENEM perde um pouco para determinar a pontuação ENADE. Porém, as

duas variáveis, ENEM e Projeto continuam relevantes. A outra variável relevante na

composição do R2 é a Infraestrutura, que no sistema de ensino privado é uma

variável importante na composição da pontuação ENADE.

CONCLUSÃO

Esta pesquisa teve como objetivo investigar os fatores de desempenho dos

estudantes brasileiros a partir da pontuação do ENADE. Para tanto, criou-se três

modelos de regressão ponderada, um para a amostra completa, um para o sistema

público de educação e outro para o sistema de ensino privado. Definiu-se ENADE

como variável dependente e ENEM, Pais, Infraestrutura, Projeto, Doutores e Regime

como variáveis independentes. Apresenta-se a importância relativa de cada variável

a partir da decomposição do R2, através dos métodos First, Last, LMG, Betasq,

Genizi e CAR.

Após a montagem dos modelos, pode-se concluir que a variável ENEM,

definitivamente interfere positivamente no desempenho dos alunos. Uma vez que,

esta variável tem coeficientes significativos nos três modelos construídos e ainda,

independentemente do método de decomposição do R2, é a mais relevante da

composição da pontuação ENADE. Este resultado mostra que o aluno que tem

melhor desempenho no ensino médio, consegue absorver melhor o conteúdo e obter

melhores resultados de desempenho na graduação. Diante disso, o governo deve

fazer uma revisão das políticas públicas de educação, principalmente na educação

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básica, para que se possa ter um melhor aproveitamento deste ensino, que é o

principal determinante no desempenho dos estudantes universitários.

De acordo com todos os modelos criados e a decomposição do R2, a variável

Projeto é a segunda maior contribuinte interferindo no desempenho do aluno. Assim,

as instituições públicas e privadas que construírem um adequado Projeto Político

Pedagógico impactarão positivamente no desempenho de seus alunos. Na

subamostra do sistema de ensino privado especificamente, e na amostra completa,

a variável Doutores, contribui negativamente na pontuação do ENADE. Uma

provável explicação para a influência negativa dos professores doutores, é que os

professores mais qualificados são requisitados de uma maior dedicação aos cursos

de pós-graduação do que para os de graduação.

Os 5.451 diferentes cursos analisados pertencem ao campo das ciências

sociais aplicadas, ciências humanas e cursos de tecnologia. Estes cursos têm como

característica comum não exigirem tanta infraestrutura, por exemplo, laboratórios

experimentais e salas de conferências altamente equipadas, o que pode explicar a

não influência da variável Infraestrutura para os resultados do sistema de educação

pública. No entanto, a questão permanece: por que a influência dessa variável nos

cursos do sistema de ensino privado?

Por fim, a influência negativa da variável Pais chama a atenção, pois

estudantes com pais em maiores níveis de escolaridade, de ambos os sistemas de

educação, público e privado, tentem a obterem menores notas no ENADE. Este

resultado contradiz outros estudos, sendo incompatível com o estudo de Cavalcanti

et al. (2010), que observaram que a escolaridade da mãe é um fator determinante

importante no desempenho.

REFERÊNCIAS

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CAVALCANTI, T.; GUIMARAES, J.; SAMPAIO, B. Barriers to skill acquisition in Brazil: Public and private school students performance in a public university entrance exam. The Quarterly Review of Economics and Finance. Vol 50, 395–407, 2010.

DAROLIA, R. Working (and studying) day and night: Heterogeneous effects of working on the academic performance of full-time and part-time students. Economics of Education Review, Vol 38, 38–50, 2014.

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GENIZI, A. Decomposition of R2 in multiple regression with correlated regressors. Statistica Sinica, Vol 3, 407–420, 1993.

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JOHNSON J. W; LEBRETON, J. M. History and Use of Relative Importance Indices in Organizational Research. Organizational Research Methods, Vol 7, 238–257, 2004.

LINDEMAN, R. H.; MERENDA, P. F; GOLD, R. Z. Introduction to bivariate and Multivariate Analysis. Scott Foresman, Glenview, IL, 1980.

MEC. Cresce o número de vagas, instituições participantes e cursos ofertados no SISU. Portal do MEC, Brasil. Acesso em 27 de Maio de 2014. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20482:cresce-o-numero-de-vagas-instituicoes-participantes-e-cursos-ofertados-no-sisu&catid=212

NATHANS, L. L.; OSWALD, F. L.; NIMON, K. Interpreting Multiple Linear Regression: A Guidebook of Variable Importance. Practical Assessment, Research & Evaluation, 17 (9), 2012.

PRATT, J. W. Dividing the Indivisible: Using Simple Symmetry to Partition Variance Explained. In Proceedings of Second Tampere Conference in Statistics, eds. T. Pukkila and S. Puntanen, University of Tampere, Finland, pp. 245–260, 1987.

SHOUKAT, A.; HAIDER, Z.; KHAN, H.; AHMED, A. Factors Contributing to the Students Academic Performance: A Case Study of Islamia University Sub-Campus. American Journal of Educational Research, Vol 1, no. 8, 283-289, 2013.

TRIVENTI, M. Does working during higher education affect students’ academic progression? Economics of Education Review, Vol 41, 1–13, 2014.

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ZUBER, V.; STRIMMER, K. High-Dimensional Regression and Variable Selection Using CAR Scores. Statistical Applications in Genetics and Molecular Biology, Vol 10, 1, Article 34, 2011.

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A CATEGORIA CAPITAL SOCIAL: REFERÊNCIA À GESTÃO DEMOCRÁTICA DA

UNIVERSIDADE

Valéria Fontoura Nunes1

INTRODUÇÃO

A gestão institucional caracteriza-se por diferentes níveis de exigências. Para

uma Instituição de Ensino Superior (IES) – e, ainda federal –, há vários requisitos

necessários na constituição de sua estrutura e no delineamento de suas práticas. A

legitimidade de qualquer IES está amparada na legislação federal. Contudo, isso

não é suficiente, pois, além do aspecto jurídico, uma IES necessita do

reconhecimento social. Esse só pode assegurar legitimidade por meio de sua

inserção na comunidade local e regional.

No Brasil, as normas que regulamentam o ensino superior, como o Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) institucionalizada pela Lei

Federal nº 10.861/2004. Esse documento define as dimensões que compõe a

identidade institucional. Em síntese, as dimensões apontam para a missão

institucional, a estrutura didático-pedagógica, a organização e gestão, as políticas

para o ensino, pesquisa, pós-graduação e extensão e, ainda, o planejamento e

avaliação, bem como a responsabilidade social.

Em vista disso, este artigo tem como objetivo discutir a categoria capital social

em Putnam como possível referência à gestão democrática da universidade. Nesse

sentido, o capital social pode auxiliar nas discussões acerca de uma gestão

democrática da universidade, buscando-se uma integridade institucional. O conjunto

dessas questões constitui o alicerce que sustenta a inter-relação que perfaz os

princípios normativos da instituição.

A base teórica está em Robert David Putnam, o qual desenvolve os indicadores

de capital social. O autor institui a categoria capital social como fator da organização

social. Os indicadores como redes, normas e confiança são formas que permitem

ações e colaborações para benefícios mútuos. Assim, por meio da categoria capital

social, busca-se o compromisso institucional em prol da realidade social.

Desse modo, a aproximação da categoria capital social com a gestão

democrática da universidade ocorre pela maior responsabilidade no planejamento

1 Mestranda em Educação PPGE/UFPEL. E-mail: <[email protected]>

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das instituições de ensino superior. Principalmente, nas temáticas referidas como a

inclusão de grupos sociais e étnico-raciais, o compromisso com o desenvolvimento

humano e cooperação ao desenvolvimento social pela formação das pessoas. Como

também, do caráter científico e pelo comprometimento social entre instituição e

comunidade local.

O artigo se estrutura assim: primeiramente, apresento a discussão sobre a

categoria capital social. Em seguida, abordo a gestão democrática da universidade.

Por fim, exponho as considerações finais.

A CATEGORIA CAPITAL SOCIAL

Robert D. Putnam e seus colaboradores investigaram o desenvolvimento

institucional dos governos regionais entre 1970 e 1980. A averiguação ocorreu em

vinte regiões italianas. O relato desse estudo está no livro Making Democracy Work:

Civic Tradicions in Modern Italy publicado pela primeira vez em 1993.

O governo italiano estabeleceu uma política voltada ao protagonismo dos

governos regionais em 1970. Em vista disso, Putnam (2006) estabeleceu um quadro

de estudo tendo como preocupação a seguinte interrogração: Quais são as

condições necessárias para criar instituições fortes, responsáveis e eficazes?

Nesse estudo, o autor procurou examinar as características do contexto social

com maior influência no desempenho do papel institucional. A pesquisa

desenvolveu-se a partir de dois focos: a) como a mudança institucional influenciou a

identidade, o poder e a estratégia dos atores políticos; e b) como o empenho

institucional foi condicionado pela história.

Com bases nessas diretrizes, Putnam delineia indicadores (redes, cooperação,

engajamento, confiança, por exemplo) que contribuiriam ao capital social de

instituições democráticas. Esses indicadores instituem características de ordem

social, cultural e institucional para a produção de interações sociais e benefícios

compartilhados. Sua estratégia foi montada fundamentada no que ele define sobre a

categoria capital social: como redes de engajamento cívico, as normas de confiança

mútua e o sistema de participação social (PUTNAM, 2006).

No entanto, muito antes de Putnam, o significado de “capital social” aparece

em Lyda Hanifan, o qual salientou, em 1916, a respeito da importância dos vínculos

comunitários relacionados ao sucesso escolar. Segundo Putnam, Hanifan foi

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[…] un joven educador [...], pero llegó poco a poco a la conclusión de que los graves problemas sociales, económicos y políticos de las comunidades en las que trabajaba sólo podían resolverse reforzando las redes de solidaridad entre sus ciudadanos” (PUTNAM, 2003, p. 10).

A partir da década de 1980, o conceito de capital social ganha reforço com os

estudos de Coleman (1990), Bourdieu (1998), Putnam (2006) entre outros. Nesse

período, termos como confiança, reciprocidade, rede, normas e coesão social

começam a ser difundidos nos âmbitos de pesquisas e projetos sociais.

James Coleman comparou os desempenhos e resultados de escolas públicas e

católicas entre 1980 e 1982. Para o autor, o capital social seria definido por sua

função, essa consiste em aspectos da estrutura social que facilitam as ações dos

atores sociais. (COLEMAN, 2000).

Por sua vez, Bourdieu considera que o capital social está relacionado à posição

dos atores em um espaço social. Para o autor, o capital social pertence ao indivíduo

e pode produzir benefícios, inclusive econômicos. Conforme Bourdieu, a categoria

capital social consiste em:

Um conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 1998, p. 67).

Embora as considerações de Bordieu e outras abordagens sobre a categoria

capital social, a sua consolidação ocorre com Putnam. O autor considera que as

normas e cadeias de relações sociais constituem formas de capital social, do mesmo

modo que a confiança multiplica-se com o uso e diminui com o descaso. Em vista

disso, as formas de capital social precisam ser estáveis e necessitam ser contínuas

na estrutura social. Assim, na constituição de confiança mútua, é necessário

fortalecer o sistema de participação e cooperação entre instituições e comunidade.

Segundo Putnam,

A confiança promove a cooperação. Quanto mais elevado o nível de confiança numa comunidade, maior a probabilidade de haver cooperação. E a própria cooperação gera confiança. A progressiva acumulação de capital social é uma das principais responsáveis pelos círculos virtuosos [..]. (PUTNAM, 2006, p. 180)

Nessa perspectiva, a categoria capital social diz respeito a diversas

características de organização social, como confiança, normas e sistemas de

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participação. Esses indicadores contribuem para o espírito público da sociedade, por

meio da ação coletiva e colaborativa. Por isso, o acúmulo de capital social fortalece

o papel institucional e beneficia a comunidade cívica. A vida comunitária está

instituída pelo contrato social entre instituições e comunidade. Daí, pois, o capital

social para Putnam (2006) ser um atributo do tecido social, que normalmente

constitui um bem público, ao contrário do capital convencional, que usualmente é um

bem privado.

Em virtude disso, percebe-se o potencial analítico da categoria capital social.

Ela destaca diferentes possibilidades para agirmos em conjunto para benefícios

compartilhados. Assim, o capital social é uma forma de cooperação e redes sociais.

Essas formas são fontes para a confiança mútua e para normas efetivas. Na

concepção de Marcello Baquero, o capital social diz respeito:

A prática da participação e de trabalho em equipe (associações), seguindo normas convencionais pode ajudar a inculcar valores e o ensinamento de procedimentos na promoção da convivência democrática [...] No contexto da construção democrática, o capital social deve se referir especificamente àquelas associações que de fato podem contribuir para gerar cidadãos mais politizados e críticos e orientados para alcançar objetivos comuns e que dêem retorno à comunidade (BAQUERO, 2001, p. 56).

Nesse contexto, os indicadores de capital social como redes, normas de

reciprocidade e confiança fortalecem os laços dos grupos na sociedade. Essas

normas e valores promovem a colaboração social.

D’ Araújo (2010) corrobora com Putnam quando destaca que a confiança é o

componente básico do capital social. Conforme a autora, o capital social seria o

conjunto de normas sociais e redes de cooperação e confiança. As fontes de capital

social seriam a reciprocidade e o sistema de participação cívica. Nas palavras da

autora,

Tudo isso representa uma ampla gama de possibilidades de cooperação horizontal. São participações em que cada um tem um grau de pertencimento e de importância relativamente igual e que possibilitam melhor informação, promovem as regras de reciprocidade, aumentam os custos potenciais de transgressão, redimensionam a confiança e possibilitam futuras colaborações (D’ ARAÚJO, 2010, p. 19).

Valendo-se disso, a categoria capital social refere-se à capacidade de vivermos

em sociedade. A interação social entre instituições e comunidade compõem as

redes de relacionamentos para o bem comum. Nesse sentido, essa categoria tem

influenciado muitas pesquisas em diferentes áreas. As investigações estão em, por

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exemplo: no desenvolvimento local, na organização social, na articulação entre

Estado e sociedade, nos vínculos familiares, no incremento de políticas públicas,

dentre outras. Nessa acepção, muitos pesquisadores brasileiros estão delineando

suas investigações de acordo com a categoria capital social. Por conta dessa

relação, o capital social pode contribuir para as discussões acerca de uma gestão

democrática da universidade, buscando-se uma integridade institucional. Essa

relação será analisada na continuação.

PARA UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA UNIVERSIDADE

A gestão universitária é definida pelo seu Plano de Desenvolvimento

Institucional (PDI). Esse é um instrumento de planejamento e gestão que compõe a

identidade institucional. Por meio desse instrumento, metas e objetivos são traçados,

as estruturas organizacional e pedagógica orientam os programas, atividades e

práticas educativas implantadas (BRASIL, 2006). Nessa perspectiva, o planejamento

da gestão institucional deve permitir o diálogo entre a instituição de ensino superior e

a comunidade para gerar princípios e abordagens, os quais difundirão melhores

práticas em uma solidariedade social.

A Constituição Federal no Artigo 207 institui que “as universidades gozam de

autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e

obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

Dentre as finalidades da educação superior determinado pelo artigo 43 da LDB de

1996, o item VI estabelece que as instituições deverão:

[...] estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade.

Enfim, muitas normas orientam o ensino superior e traçam metas, princípios e

objetivos, sobretudo, para as instituições públicas. Dessa forma, impõem-se maior

responsabilidade aos planejamentos das instituições federais de ensino superior,

como a inclusão de grupos sociais e étnico-raciais, o compromisso com o

desenvolvimento humano e cooperar ao desenvolvimento social pela formação das

pessoas, do caráter científico e pelo comprometimento social entre instituição e

comunidade.

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203

Nesse contexto, Santos (2010) defende uma reforma universitária capaz de

responder às demandas sociais, a sua responsabilidade social e vinculada como

bem público. Assim, a universidade deve criar condições para reduzir as

desigualdades e ampliar as oportunidades de acesso a todos. Nesse sentido, o

desafio da universidade é justamente desenvolver suas atividades, programas e

práticas educativas. Como também, colocar em prática a gestão democrática da

universidade.

Com base nessa relação, a realidade social exige maior compromisso da

gestão universitária. Os seus projetos e práticas educativas devem estar alinhados

as demandas sociais. Segundo Cóssio,

A gestão universitária na perspectiva de uma institucionalidade democrática não se limita à gestão de recursos ou a sua captação, tampouco se submete aos princípios de capital, como uma organização empresarial, mas assume o caráter público da educação e o papel social que lhe é confiado na produção/veiculação do saber, na manutenção cultural e no estímulo ao pensamento crítico (CÓSSIO, 2008, p. 28).

A gestão democrática baseia-se no aperfeiçoamento da convivência humana, a

qual reconhece as diferenças, inclui as minorias e as múltiplas identidades. Dessa

forma, implica no exercício coletivo e participativo nas tomadas de decisões e para

novos avanços institucionais e sociais. Na análise de Luce e Medeiros, a gestão

democrática da educação está associada:

[...] ao estabelecimento de mecanismos institucionais e à organização de ações que desencadeiem processos de participação social: na formulação de políticas educacionais; na determinação de objetivos e fins da educação; no planejamento; nas tomadas de decisão; na definição sobre alocação de recursos e necessidades de investimento; na execução das deliberações; nos momentos de avaliação. Esses processos devem garantir e mobilizar a presença dos diferentes atores envolvidos nesse campo, no que se refere aos sistemas, de um modo geral, e nas unidades de ensino – as escolas e universidades (LUCE; MEDEIROS, 2006, p. 4-5).

Esse cenário multifacetado é legitimado pelo respeito à coletividade, na

confluência de ideias, na negociação de várias lógicas e interesses. Ressalta-se o

confronto e o equilíbrio de diferentes influências internas e externas. Esse processo

sinaliza a cidadania e a participação para bens comuns e para a solidariedade

comunitária.

Chauí (2003) afirma a universidade como instituição social. A relação entre

universidade e sociedade explica o reconhecimento público e a legitimidade da

universidade pública como instituição social, num princípio de diferenciação que lhe

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204

confere autonomia perante outras instituições. A autonomia do saber ocorre no

sentido que o conhecimento é guiado por suas próprias necessidades de invenção,

descoberta ou transmissão. Nesse sentido, a universidade concebe-se como uma

instituição republicana, pública e laica. Assim, tornou-se inseparável da ideia de

democracia e de democratização do saber, concebida como constitutiva da

cidadania pela necessidade das lutas sociais e políticas a partir das revoluções

sociais.

Com base nisso, acredito que a universidade pública, instituição social, deve

apresentar, além de relevância acadêmico-científica, relevância social. A

universidade deve ser culturalmente engajada e comprometida com a solução dos

problemas da sociedade, como: a superação da pobreza crônica, o fim do

analfabetismo, a geração de alternativas econômicas, entre outras. Nessa

perspectiva, reafirmar sua autonomia pensada, como autodeterminação das políticas

acadêmicas, dos projetos e metas universitárias e da autônoma condução

administrativa, financeira e patrimonial. Essa autonomia, conforme Chauí (2003),

terá sentido se: a) internamente, houver o funcionamento transparente e público das

instâncias de decisão; b) externamente, as universidades realizarem, de modo

público, o diálogo e o debate com a sociedade civil organizada e com os agentes do

Estado, tanto para oferecer a todos as informações sobre a vida universitária, como

para receber críticas, sugestões e demandas vindas da sociedade e do Estado.

Nesse sentido, a categoria capital social pode servir de referência acerca de

uma gestão democrática da universidade. Os indicadores de capital social, como

redes de contato, normas de reciprocidade, confiança mútua e sistemas de

participação parecem fundamentais para o exercício das práticas institucionais.

Esses indicadores dão legitimidade ao planejamento e à gestão democrática.

A busca por uma gestão mais democrática da universidade perpassa pelo

compromisso institucional, a cooperação entre instituição e comunidade e sistemas

de participação sociais horizontais. Tomando-se por base esses indicadores, a

categoria capital social em Putnam (2006) nos oferece princípios para a convivência

social. São princípios que beneficiam bens públicos.

Essa relação próxima entre universidade e comunidade tem a finalidade de

legitimar os programas e práticas educativas institucionais. O pertencimento da

comunidade à instituição vai ao encontro de uma maior integridade das ações

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205

universitárias. Isso corresponde ao que Putnam (2006) defende para as instituições

democráticas

Gestão democrática é o alicerce para uma relação de cooperação e confiança

mútua entre a instituição e a comunidade local. Delineia-se uma rede

relacionamentos sociais que fomentam a qualidade de vida em sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo objetivou discutir a categoria capital social em Putnam como

possível referência à gestão democrática da universidade. Nesse contexto, os

indicadores de capital social podem delinear as discussões acerca de uma gestão

democrática da universidade, buscando-se os bens públicos entre as instituições e

comunidades. O compartilhamento dessas discussões institui a consolidação da

inter-relação que perfaz a normativa institucional.

Nessa acepção, a relação de uma instituição democrática com a comunidade

local fortalece e legitima a gestão, as práticas educativas e projetos implantados.

Para que isso ocorra, os indicadores como, redes de contato, reciprocidade,

confiança mútua e sistemas de participação são fundamentais. Tais indicadores de

capital social determinam as relações sociais para benefícios mútuos.

Dessa forma, a gestão democrática da universidade consiste no planejamento

institucional. Ele tem o compromisso com a inclusão de grupos sociais e étnico-

raciais, com o desenvolvimento humano e social, com a manutenção da cultura e no

estímulo ao pensamento crítico. O reconhecimento das diferenças e das múltiplas

identidades robustece a convivência humana. Assim, constitui-se a cidadania e a

solidariedade comunitária.

Portanto, o presente estudo contribui à gestão democrática da universidade.

Essa gestão corresponde ao planejamento e à gestão transparentes. Bem como,

pela participação social nas tomadas de decisões institucionais. As práticas

educativas e projetos, por exemplo, devem cooperar ao meio social e na defesa do

meio ambiente. Logo, envolve a confiança nas relações humanas para bens

comuns.

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206

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988.

BRASIL, Decreto n. 5.773, de 09 de maio de 2006. Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de ensino. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5773.htm>. Acesso em 26 ago. 2014

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm > Acesso em 26 ago. 2014.

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CHAUÍ, M. de S. A universidade pública sob nova perspectiva. Conferência de abertura da 26ª reunião anual da ANPED, Poços de Caldas, 5 de outubro de 2003. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n24/n24a02.pdf>. Acesso em 01 jun. 2014.

COLEMAN, J. S. Foundations of social theory. Third. printing. Cambrige, MA: Harvard University Press, 2000.

CÓSSIO, M. de F. Políticas institucionais de formação pedagógica e seus efeitos na configuração da docência e na qualidade universitária: um estudo

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http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/13275/000642611.pdf?sequence=1>. Acesso em 26 ago. 2014.

D’ ARAÚJO. M. C. S. Capital Social. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

LUCE, M. B.; MEDEIROS, I. L. P. (orgs.). Gestão escolar democrática: concepções e vivências. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006. Disponível em: <file:///C:/Users/Valeria/Downloads/Texto_08_LUCE_MEDEIROS.pdf>. Acesso em 26 ago. 2014.

PUTNAM, R. D. El declive del capital social: un estudio internacional sobre las sociedades y el sentido comunitario. Barcelona: GALAXIA GUTENBERG, 2003.

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207

PUTNAM, R. D. Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

SANTOS, B. de S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010.

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208

ENADE: RELAÇÃO ENTRE QUALIDADE E CURRÍCULO NO CURSO DE

PEDAGOGIA

Claudia D’Avila1

Mônica Trevisan2

Rosane Carneiro Sarturi3

INTRODUÇÃO

Tendo em vista as atuais políticas para formação dos professores, no curso de

Pedagogia; as atuais políticas de avaliação definidas pela Lei que cria o Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Superior SINAES, (BRASIL, 2004), em especial

o Exame Nacional de Desempenho do Estudante (ENADE), indagamo-nos sobre a

relação entre as competências e habilidades que constam no currículo de um curso

de Pedagogia da uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES) do estado do

Rio Grande do Sul (RS) e as competências e habilidades e compreendidas nas

provas do ENADE, considerando os anos de 2008 e 2011.

Tal indagação surge de pesquisas que vem sendo desenvolvidas no Projeto

“Interlocuções entre políticas públicas e ações pedagógicas: limites e possibilidades”

com apoio do Programa Observatório da Educação, da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/Brasil.

A definição das competências e habilidades previstas no currículo do curso de

Pedagogia, da mesma forma aquelas que são priorizadas em avaliações externas

como o ENADE, demonstra que professores a atual política pretende formar.

Salientamos o grande desafio educacional sempre presente, e a necessidade de

reflexão sobre a formação e atuação dos professores de modo que se reflita sobre a

qualidade desta formação para os desafios da profissão docente no contexto

Nacional.

1 Acadêmica do curso de licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa Maria

(UFSM). E-mail: <[email protected]> 2 Pedagoga. Mestra em Educação pela UFSM. Técnica Administrativa em Educação na UNIPAMPA. Professora no curso de Pedagogia da URCAMP/Bagé - RS. E-mail: <[email protected]> 3 Doutora em Educação. Professora Associada I do Departamento de Administração Escolar do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), RS, Brasil. E-mail: [email protected]

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PPC: COMPETÊNCIAS E HABILIDADES PARA A FORMAÇÃO DOCENTE

O Projeto Pedagógico de Curso (PPC) é o documento que baliza os

parâmetros para a ação educativa, fundamentado em consonância com o projeto

pedagógico da instituição, garantindo a formação global do acadêmico de acordo

com os objetivos de cada curso. O PPC analisado será de um curso de Pedagogia a

distância de uma IFES pública do RS, identificado neste artigo como Curso de

Pedagogia EAD.

O PPC do curso de Pedagogia EAD tem como balizadores a Resolução

CNE/CP nº 1, de 18 de fevereiro de 2002 (BRASIL, 2014c), que define as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica e a

Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006 (BRASIL, 2006), que institui as

Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Pedagogia.

Conforme informações constantes no PPC, as atividades do curso são

desenvolvidas em sua maioria a distância, através de ambiente virtual de

aprendizagem, integrando professores e alunos em diferentes tempos e diferentes

espaços.

Considerando o espaço-tempo de ensino-aprendizagem dos cursos EAD, o

PPC deste curso organizou sua matriz curricular visando a expansão além de seu

espaço físico, com o objetivo de formar profissionais em nível superior para a

docência na educação básica (educação infantil e anos iniciais), ensino normal e

educação de jovens e adultos (EJA). Diante de situações específicas do cotidiano

escolar, a formação deste profissional com o objetivo de consolidar os

conhecimentos inerentes a prática nas diversas modalidades nas quais o pedagogo

atuará, exigirá competências pedagógicas e metodológicas do docente necessárias

a atuação profissional, sendo estas norteadoras das práticas nos diferentes âmbitos

de atuação docente.

Perrenoud (2000, p. 15) define competência como a: “[...] capacidade de

mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situações". Ainda,

pode ser compreendida como a "aptidão para enfrentar uma família de situações

análogas, mobilizando de uma forma correta, rápida, pertinente e criativa, múltiplos

recursos cognitivos: saberes, capacidades, micro competências, informações,

valores, atitudes, esquemas de percepção, de avaliação e de raciocínio.

(PERRENOUD, 2002, p. 19).

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210

Nesse sentido, considerando o perfil de profissional formado pelo curso de

Pedagogia EAD, o professor que irá atuar nas escolas e que terá a incumbência de

formação de competências pessoais em seus alunos (MACHADO, 2002), necessita

ter sua formação inicial pautada igualmente no desenvolvimento de competências.

Estas competências profissionais revelam-se a partir de um professor reflexivo, que

considere a avaliação como parte integrante do processo de formação, tendo como

finalidade "a orientação do trabalho dos formadores, a autonomia dos futuros

professores em relação ao seu processo de aprendizagem e a qualificação dos

profissionais com condições de iniciar a carreira" (BRASIL, 2014c).

O PPC do curso em destaque aponta que é necessário conceber a formação

do professor sob uma visão profissional ampla e integrada entre os aspectos da

formação e da ação profissional, ou seja, entre a teoria e a prática, entre o processo

de qualificação inicial dos professores e sua atuação, tanto em instituições escolares

como não escolares. O referido projeto aponta para uma formação acadêmica

baseada no desenvolvimento de saberes, competências e habilidades subjacentes

ao campo de atuação do profissional formado.

Machado (2002) ressalta que não existe competência sem referência a um

contexto, através do qual ela se materializa. Ou seja, as competências só podem ser

desenvolvidas intrinsecamente ao contexto profissional do acadêmico que está

sendo formado.

Considerando a valia do conhecimento do contexto de atuação do acadêmico,

o PPC do curso de Pedagogia EAD, baseado na Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de

maio de 2006 (BRASIL, 2006), considera como central para a formação do

licenciado em pedagogia:

I - o conhecimento da escola como organização complexa que tem a função de promover a educação para a cidadania;

II - a pesquisa, a análise e a aplicação dos resultados de investigações de interesse da área educacional;

III - a participação na gestão de processos educativos e na organização e funcionamento de sistemas e instituições de ensino. (BRASIL, 2006, art. 3º).

A formação deste profissional, apto para atuar em diferentes contextos e que

considere os mesmos, respeitando as especificidades dos sujeitos partícipes de sua

prática perpassa o currículo do curso, pensado e elaborado com o fim precípuo de

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211

formar profissionais com competências e habilidades para o trabalho nos diferentes

espaços-tempos.

A matriz curricular do curso de Pedagogia EAD (que é parte integrante do PPC)

elenca uma gama de disciplinas que contemplam a formação para as diversas

modalidades de ensino a qual o formando sairá habilitado a atuar. Dentre estas, há

uma disciplina denominada Seminário Integrador, que prevê ações conjuntas entre

as disciplinas conceituais e a prática educativa, com o objetivo de articular

interdisciplinarmente os sabres teóricos e as práticas educativas previstas na matriz

curricular para a realização do curso.

Perrenoud (2002) aponta que:

A formação de professores deveria ser orientada para uma aprendizagem por problemas para que os estudantes se confrontassem com a experiência da sala de aula e trabalhassem a partir de suas observações, surpresas, sucessos e fracassos, medos e alegrias, bem como de suas dificuldades para controlar os processos de aprendizagem e as dinâmicas de grupos ou os comportamentos de alguns alunos. (p. 22).

A colocação de Perrenoud vem ao encontro da proposta da disciplina de

Seminário Integrador, que articula as experiências de sala de aula ao processo de

aprendizagem do acadêmico, visando o desenvolvimento de competências e

habilidades que proporcionarão ao futuro pedagogo saber agir, saber fazer e saber

compreender (MACEDO, 2002).

Alessandrini (2002) indica que a noção de competência refere-se a capacidade

de compreender determinada situação e (re)agir frente a ela, avaliando a situação

com o objetivo de encontrar a melhor forma de atuação.

A questão da avaliação no âmbito das competências não refere-se apenas a

avaliação pontual de determinada situação, mas implica na avaliação que engloba

desde as disciplinas, perpassando pelas habilidades (micro) e findando nas

competências (macro). A avaliação concerne tanto ao processo de ensino-

aprendizagem quanto a qualidade da educação ofertada.

Perrenoud (2002) aponta algumas características da avaliação que deveriam

permear a formação dos professores: avaliação só incluir tarefas contextualizadas;

avaliação referir-se a problemas complexos; avaliação contribuir para que os

estudantes desenvolvam suas competências; avaliação exigir colaboração entre os

pares; autoavaliação como parte da avaliação. A possibilidade de refletirmos um

currículo

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As competências profissionais a serem constituídas pelos professores em

formação, de acordo com as Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores

da Educação Básica (BRASIL, 2014c), devem ser a referência para todas as formas

de avaliação dos cursos, sendo estas: “[...] feitas por procedimentos internos e

externos, que permitam a identificação das diferentes dimensões daquilo que for

avaliado”.

O PPC do curso de Pedagogia EAD propõe avaliações no âmbito micro e

macro, que se dividem em avaliação da aprendizagem e avaliação institucional. A

avaliação da aprendizagem, conforme o PPC analisado, é concebida como meio de

acompanhamento, reorientação e reconhecimento de saberes, competências,

habilidades e atitudes, em que são sugeridos quatro níveis de avaliação:

acompanhamento pelo professor; auto avaliação; avaliação presencial;

acompanhamento através do Seminário Integrador.

A avaliação institucional considera as referências do Projeto de

Desenvolvimento Institucional (PDI) desta IFES que segue as orientações expressas

pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Todas as

Instituições de Educação Superior no Brasil são avaliadas externamente pelos

instrumentos previstos no SINAES, entre eles, o ENADE, além disso, prevê-se o

desenvolvimento de processos de autoavaliação tanto da instituição, quanto do

curso. Uma das premissas do SINAES está na globalidade dos instrumentos

utilizados permitindo que se possa traçar um panorama da qualidade da educação

que está sendo ofertada, a outra premissa é o vínculo dos processos avaliativos ao

planejamento. Esta relação toma uma perspectiva pedagógica na avaliação, no

entanto, depende das diversas instâncias institucionais compreender e desenvolver

a avaliação neste sentido. Avaliar numa perspectiva pedagógica possibilita pensar

na qualidade do trabalho que é desenvolvido e, na consecução dos objetivos

previstos pelo curso, neste caso o curso de Pedagogia.

Thurler (2002, p. 64) afirma que "a qualidade é assegurada, de um lado, por

uma verificação regular do desempenho dos alunos, e de outro, pelo controle

externo da competência dos professores". Neste sentido, faz-se necessária uma

breve análise do relatório do Exame Nacional de Avaliação de Desempenho

(ENADE), no que concerne as habilidades e competências avaliadas para uma

formação inicial de qualidade, a fim de verificar-se há coesão das competências e

habilidades expressas no PPC, em relação aquelas que os instrumentos de

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avaliação consideram como importantes para o efetivo desenvolvimento da

formação em Pedagogia.

ENADE: AVALIAÇÃO EXTERNA NO ÂMBITO DAS COMPETÊNCIAS E

HABILIDADES

O SINAES, implementado pelo Governo Federal através da Lei nº 10.861, de

14 de abril de 2004 (BRASIL, 2004a), vem com o intuito de romper com o sistema de

avaliação vigente até então, que pressupunha uma avaliação regulatória e

fragmentada das IES. Como objetivo principal do SINAES, propõe a melhoria da

qualidade da educação superior.

O SINAES utiliza instrumentos e índices diversificados para a avaliação dos

pilares instituição, curso e desempenho do Estudante (ENADE), sendo o foco

principal para observarmos as competências e habilidades relacionadas ao curso de

Pedagogia, a avaliação ENADE.

O ENADE caracteriza-se por uma avaliação externa, num formato de prova em

larga escala que pretende avaliar a trajetória de formação comparando resultados de

ingressantes e concluintes. No entanto, seus resultados também são utilizados com

a finalidade de regular a oferta da Educação Superior no País, por compor outros

índices como o Conceito Preliminar de Curso (CPC), determinante para a

Renovação do Reconhecimento dos cursos de graduação, conforme expresso pela

Portaria Normativa 4/2008 (BRASIL, 2008).

Os instrumentos que compõe o ENADE são questionário socioeconômico aos

estudantes; questionário para definição do perfil do curso aos coordenadores; prova

com componentes de formação geral e prova com componentes de formação

específicos da área do curso.

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CONHECIMENTOS AVALIADOS EM 2008 CONHECIMENTOS AVALIADOS EM 2011

Conhecimentos pedagógicos de formação geral: a) conhecer a realidade dos diferentes espaços de atuação e suas relações com a sociedade, de modo a propor intervenções educativas fundamentadas em conhecimentos filosóficos, sociais, psicológicos, históricos, econômicos, políticos, artísticos e culturais; b) conhecer e analisar as políticas educacionais e seus processos de implementação; c) compreender o desenvolvimento e a aprendizagem de crianças, jovens e adultos, considerando as dimensões cognitivas, afetivas, socioculturais, éticas e estéticas. d) articular as teorias pedagógicas e às de currículo no desenvolvimento do processo de ensino e de aprendizagem, na elaboração e avaliação de projetos pedagógicos, na organização e gestão do trabalho educativo escolar e não-escolar.

Conhecimentos pedagógicos de formação geral: No Componente de Formação Geral foram verificadas as capacidades dos graduandos de ler e interpretar textos; analisar e criticar informações; extrair conclusões por indução e/ou dedução; estabelecer relações, comparações e contrastes em diferentes situações; detectar contradições; fazer escolhas valorativas avaliando consequências; questionar a realidade e argumentar coerentemente. Foram ainda verificadas as seguintes competências: projetar ações de intervenção; propor soluções para situações-problema; construir perspectivas integradoras; elaborar sínteses; administrar conflitos; e atuar segundo princípios éticos.

Conhecimentos das áreas específicas: a) conhecer e articular conteúdos e metodologias específicas à Educação Infantil e aos anos iniciais do Ensino Fundamental de crianças, jovens e adultos; b) selecionar e organizar conteúdos/ temas, procedimentos metodológicos e processos de avaliação da aprendizagem, considerando as múltiplas dimensões da formação humana; c) promover, planejar e desenvolver ações visando à gestão democrática nos espaços e sistemas escolares e não escolares; d) conhecer e desenvolver o processo de construção e avaliação do projeto pedagógico, de currículos e programas na área da educação.

Conhecimentos das áreas específicas: I - avaliar o desempenho dos estudantes de graduação em Pedagogia, levantando indicadores para ações que promovam a melhoria da formação do Pedagogo;

II - contribuir para o diagnóstico da formação do Pedagogo tendo como referência o Parecer CNE/CP nº 5/2005, Parecer CNE/CP n° 3/2006 e a Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura

Quadro 1: Competências e Habilidades para o curso de Pedagogia, apresenta-se os conhecimentos avaliados no ENADE em 2008 e 2011.

Fonte: Elaborado pelos autores com base no Relatório do Curso de Pedagogia a partir de análise de dados constantes em relatório do INEP (BRASIL, 2008 e 2011).

A prova do ENADE é composta por questões objetivas e discursivas. No

entanto, em ambas, percebe-se a necessidade de relação entre teoria e prática.

Freire (1996) preconiza a ideia de que ensinar não é transferir conhecimento, e

Perrenoud complementa apontando que "[...] aprender não é primeiramente

memorizar, estocar informações, mas reestruturar seu sistema de compreensão de

mundo" (PERRENOUD, 2000, p. 30). Assim, é possível afirmar que tanto o currículo

do curso analisado, quanto as competências expressas na prova, demonstram a

busca pela formação do profissional que mobilize seus conhecimentos relacionando-

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215

os a prática, pois a atividade docente necessita desta interlocução constante entre

teoria e prática, entre reflexão e ação

Em relação aos resultados, observa-se que o curso em questão alcançou tanto

em 2008, quanto em 2011 o Conceito QUATRO no ENADE, em uma escala de UM

a CINCO. Conforme o Relatório do ENADE 2008:

A prova foi respondida por 247 estudantes, sendo 117 ingressantes e 130 concluintes. Todos os resultados do curso foram obtidos com base nas análises que consideraram o peso amostral de cada estudante convocado e presente no exame, podendo, portanto, ser estendidos para o total de estudantes ingressantes e concluintes da instituição. (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2008b).

Em 2011 somente concluintes participam da prova, conforme as alterações de

procedimento previstas pela avaliação do ENADE, de acordo com o Relatório de

Curso a prova foi resolvida por 281 estudantes Concluintes. (INSTITUTO NACIONAL

DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2011b).

Ressaltamos que os resultados obtidos são divulgados de modo geral por

instituição, curso e município, gerando um único relatório que inclui mais de um

curso de Pedagogia ofertado pela IFES.

Analisando os resultados da prova, é possível observar que o curso de

Pedagogia, tanto em 2008, quanto em 2011, obteve resultados superiores em

comparação com a Média Nacional, conforme é observado no quadro abaixo:

Quadro 2: Comparativo no desempenho ENADE 2008 e 2011. Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos Relatórios do curso de Pedagogia no ENADE 2008 e

2011.

Percebe-se uma ligeira queda do curso no desempenho da formação

específica entre 2008 e 2011, e uma ligeira elevação no Desempenho da média

nacional, entretanto, o curso segue superior a média nacional.

A percepção dos acadêmicos quanto ao que foi solicitado na prova, em termos

de conteúdos de disciplinas (que referem-se as habilidades), em sua maioria,

ENADE 2008 Pedagogia

ENADE 2008 média

nacional

ENADE 2011 Pedagogia

ENADE 2008 média

nacional

Componente de Formação Geral (concluintes) 53,5 48,2 54,7 48,4

Componente de Formação Específica(concluintes) 61,8

49,1

58,1 47,5

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216

contempla de forma afirmativa a relação entre as disciplinas da matriz curricular do

curso e as questões da prova (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E

PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2011), corroborando para a

confirmação do desejo coletivo de uma educação de qualidade. Assim:

Para que a avaliação não seja nem imposta, nem reduzida a falsas aparências, mas transformada em vontade coletiva de desenvolver a qualidade do sistema, deve haver um acerto entre as autoridades escolares e os atores da base. Ambas as a partes tem de concordar em empreender uma análise de suas práticas e em partilhar e explorar o conjunto dos sabres existentes: saberes da experiência, dados empíricos, resultados de avaliações diferentes, etc. (THURLER, 2002, p. 68).

Neste sentido, tanto a avaliação da aprendizagem quanto a avaliação externa

do Desempenho do Estudante, tem como objetivo identificar os impactos dos

processos de ensino-aprendizagem na qualidade da educação inicial ofertada nos

cursos de formação de professores, baseando os resultados destas em ações

futuras para a manutenção da qualidade da educação.

CONSIDERAÇÕES

Utilizar os dados do ENADE para a reflexão a respeito de competências e

habilidades que vem sendo desenvolvidas no curso de Pedagogia pode colaborar

para o desenvolvimento do currículo, considerando que o curso de Pedagogia

trabalha na formação dos professores para Educação Infantil e Anos Iniciais do

Ensino Fundamental.

Quando o SINAES afirma como finalidade o desenvolvimento da efetividade

acadêmica e social, o respeito à diferença e a autonomia das instituições, traz

também em sua concepção a qualidade na diversidade (MOROSINI, 2001).

Neste sentido, as competências e habilidades desenvolvidas, buscam levar a

formação de um profissional com senso crítico, reflexão a respeito da realidade de

sua atuação e de sua própria prática. Estas competências e habilidades são

inicialmente desenvolvidas pela formação no curso de Licenciatura em Pedagogia,

mas precisam de constante aperfeiçoamento para evoluir com os desafios da prática

pedagógica.

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217

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O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO: ELEMENTOS QUE ENVOLVEM A SUA

CONSTRUÇÃO COLETIVA NO CONTEXTO ESCOLAR

Marilene Gabriel Dalla Corte1

Luciana Guilhermano da Silva2

Gabriela Barichello Mello3

INTRODUÇÃO

Esse trabalho de pesquisa possui íntima interlocução com conhecimentos

relacionados à temática gestão escolar e educacional, amplamente discutidos no

Grupo de Pesquisa Elos/UFSM e no Projeto Observatório de Educação

(OBEDUC/CAPES) “Interlocuções entre políticas públicas e ações pedagógicas:

limites e possibilidades”, desenvolvido pelo Grupo Elos da Universidade Federal de

Santa Maria (UFSM).

O Projeto Político-Pedagógico é um documento resultante e mobilizador do

planejamento da instituição escolar; nele a comunidade escolar traduz sua

concepção de educação, suas prioridades e metas nos recursos e ações político-

pedagógicas e financeiras, assim como seus princípios filosóficos e políticos. Este

documento defende uma filosofia e está alinhado as diretrizes da educação nacional

com a realidade da escola, expressando sua autonomia e definindo seu

compromisso com a comunidade, em especial o educando.

O interesse em abordar este tema está, justamente, no sentido de refletir sobre

a importância do Projeto Político-Pedagógico (PPP) no âmbito escolar, bem como o

processo de [re]construção desse marco norteador das concepções e ações

educativas da escola. Para tanto, nesta pesquisa, problematiza-se: Quais são os

conceitos que os autores e legislação da área da educação atribuem ao PPP? Quais

1 Doutora em Educação. Professora Adjunta do Departamento de Administração Escolar, do Centro de Educação, da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Professora pesquisadora junto ao Observatório de Educação (OBEDUC/CAPES), desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Elos – UFSM. E-mail: <[email protected]>. 2 Graduanda em Pedagogia – Licenciatura da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bolsista do Programa em Licenciatura PROLICEN – UFSM. Integrante do Grupo de Pesquisa Elos – UFSM. E-mail: <[email protected]>. 3 Graduanda em Educação Especial - Licenciatura na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bolsista do Programa em Licenciatura FIPE – UFSM. Integrante do Grupo de Pesquisa Elos – UFSM. E-mail: <[email protected]>

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os principais preceitos e encaminhamentos alusivos ao processo de [re]construção

de um Projeto Político-Pedagógico?

Tendo em vista tais questionamentos, objetiva-se nesta produção delinear a

partir dos preceitos teórico-metodológicos de uma pesquisa bibliográfica, as

principais concepções, orientações e elementos básicos relacionados ao processo

de [re]construção do PPP da escola básica. Busca-se embasamento nas

predisposições da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional – LDBEN n° 9.394

(BRASIL, 1996), na Resolução CNE/CEB n° 04 (BRASIL, 2010) a qual estabelece

Diretrizes Gerais para a Educação Básica, bem como em referenciais teóricos que

abordam a temática em estudo.

A pesquisa bibliográfica está se desenvolvendo com base em processos

destacados por Gil (2002): escolha do tema; levantamento bibliográfico preliminar;

formulação do problema; elaboração do plano de assunto; busca de fontes; leitura

do material; fichamento; organização lógica do assunto e redação do texto. Tem

subsidiado a compreensão abrangente e em profundidade da temática norteadora

de dois projetos: FIPE-Enxoval e Prolicen, agregados ao OBEDUC/CAPES supra

citado. Ambas as pesquisas voltadas ao contexto da escola básica de educação

infantil e de ensino fundamental, em instâncias municipais, e inter-relacionadas ao

assessoramento que a Secretaria Municipal de Educação e o Conselho Municipal de

Educação dão as escolas municipais quanto ao processo de [re]construção e

consecução do PPP.

Para Lima (2004), pesquisa bibliográfica é a atividade de localização e consulta

de fontes diversas de informação escrita orientada pelo objetivo explícito de coletar

materiais mais genéricos ou mais específicos a respeito de um tema. A pesquisa

bibliográfica tem como objetivo construir hipóteses acerca do problema evidenciado,

aprimorando as ideias, fundamentando o assunto em questão e desenvolve-se

através da análise de vários autores e legislação pertinente quando necessário, o

que permite o aprendizado sobre determinadas áreas do conhecimento, fornecendo

bagagem teórica sobre saberes culturais e científicos já produzidos sobre a temática

pesquisada o que permite a visibilidade de conceitos.

Lima (2004, p. 39) esclarece que:

No contexto de pesquisa acadêmica, os textos teóricos assumem uma importância relevante, tanto como apoio para o pesquisador formular e justificar os problemas e as hipóteses que irá explorar como na definição de um método de análise da questão tratada (explicitado no conteúdo do

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quadro teórico da monografia ou do relatório de pesquisa) e no contexto do exercício analítico da problemática.

Neste contexto, Furlan apud Lima (2004) afirma que os textos teóricos são

obras que expressam um conhecimento de mundo, expressam saberes produzidos

pelos homens ao longo da história, que carregam os significados impressos pelo

tempo e espaço que são produzidos e expressam o enfretamento de seus autores

com o mundo. Para tanto, nessa produção optou-se por apresentar um estudo de

cunho bibliográfico acerca da temática norteadora que permeia o universo dessa

rede de estudos entre Fipe, Prolicen e Observatório de Educação.

ELEMENTOS CONCEITUAIS E PROCEDIMENTAIS ACERCA DO PROCESSO DE

[RE]CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA ESCOLA

BÁSICA

Segundo o dicionário Priberam1 da Língua Portuguesa (2013), a palavra

‘gestão’ significa o processo de gerenciamento, administração de um lugar, e a

palavra ‘democrática’ está relacionada à ato movida pela democracia, ou seja, a

ação de um sujeito em um determinado governo exercido pela soberania do povo de

forma direta ou indiretamente. Como princípio para reflexão, ao estabelecermos à

união do significado dessas palavras a gestão democrática se refere a um processo

administrativo, no qual os todos os sujeitos se envolvem ativamente e efetivamente,

assim contribuindo para a tomada de decisões.

Destaca-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), Lei nº

9.394/96, um dos princípios para o ensino, no Art. 3º, que a gestão é concebida

como “gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação dos

sistemas de ensino” (BRASIL, 1996). Também, encontra-se no Art. 14 da LDB que:

Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (BRASIL, 1996)

1 Disponível em: <http://www.priberam.pt/DLPO/gestão> Acessado em 01/set.

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A participação efetiva de toda a comunidade escolar, sejam eles os

profissionais da educação, os educandos, os pais e a comunidade, entre outros, faz-

se imprescindível. Como preveem as bases da legislação, cabe a cada instituição

regulamentar e dar consecução à gestão democrática e, nesse sentido, encontra-se

o Projeto Político-Pedagógico e a participação efetiva no Conselho escolar como

mecanismos de democratização da escola básica, mas, também, verifica-se a

possibilidade das comunidades escolares de conquistarem sua autonomia

administrativa, pedagógica e financeira. Os princípios e mecanismos da gestão

democrática, expressos na Constituição Federal e na LDBN, tornam-se visíveis e

viáveis se forem priorizados e desenvolvidos na base dos sistemas de ensino que

são as escolas de educação básica.

A gestão democrática poderá se efetivar no contexto escolar, no momento em

que houver entrosamento, articulação de ideias e coletividade de professores,

alunos, funcionários e pais na busca participativa e compartilhada dos ideais e ações

basilares para a escola. Dessa forma, requer uma equipe com plenas condições

para pensar, refletir e colocar em ação os objetos propostos pelo grupo, de maneira

colaborativa, cooperativa, participativa com responsabilidade e flexibilidade. E todo

esse conjunto de preceitos e ações educacionais se faz presente e se concretiza na

elaboração e consecução do Projeto Político-Pedagógico da Escola.

Os mecanismos da gestão e a sua compreensão que trarão subsídios para

“superar a limitação da fragmentação e da contextualização e construir, pela ótica

abrangente e interativa, a visão e orientação de conjunto, a partir da qual se

desenvolvem ações articuladas e mais consistentes” (LÜCK, 2006, p. 43). Sendo

que os desafios da gestão democrática são muitos, mas compreendendo seu

significado e enfrentando as dificuldades e problematizando a colaboração do grupo,

os contextos escolares irão se modificar e a gestão mais compartilhada acontecerá.

Para melhor entender a importância de um Projeto Político-Pedagógico (PPP),

é necessário contextualizar os conceitos que constituem esse documento. Marques

(1995, p. 95-96), reflete acerca das terminologias “projeto”, “político” e “pedagógico”:

Projeto porque intencionalidade em que articulam as perspectivas da atuação solidária dos instituintes da escola, perspectivas que necessitam das definições, sob pena de predominarem interesses alheios aos da comunidade a que serve a escola e dos que a fazem em seu dia-a-dia [...] Projeto político, porque se trata de opções fundamentalmente éticas no sentido das aprendizagens que a cidadania responsável e competente na sociedade contemporânea plural e diferençada, em amplo debate, julgue

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exigidas [...] Projeto pedagógico, porque nele se devem articular o entendimento compartilhado pelos integrantes do universo escolar sobre o que fazer, como e no interesse de quem, com a organização e condução das práticas nos limites do possível, mas sobretudo, no pleno aproveitamento das potencialidades todas abertas à capacidade da imaginação criadora e às audácias da vontade coletiva.

Com base nas definições, pontua-se que tais dimensões “projeto, político e

pedagógico” constituem-se como eixos que dão sustentabilidade às intenções e

ações educativas da escola. Projetar, pensar, definir e agir com consciência e

responsabilidade requer clareza do que se quer, do porquê se quer, como se vai

fazer, com quem e quando. Logo, um Projeto “Político” e “Pedagógico” é condição

imprescindível à comunidade escolar, pois necessita ser resultante de criação sócio

histórica e tornar-se condição básica para conduzir as práticas educativas.

Para a elaboração do Projeto Político-Pedagógico a escola deve considerar a

realidade social e buscar, através da ação colegiada e participativa, um tipo de

organização que dê forma aos seus objetivos e intenções, podendo construir uma

escola inovada e democrática, deixando de lado o modelo engessado do passado.

Na Resolução CNE nº4, de 13 de julho de 2010, no Art. 43 consta que:

O projeto político-pedagógico, interdependentemente da autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira da instituição educacional, representa mais do que um documento, sendo um dos meios de viabilizar a escola democrática para todos e de qualidade social. (BRASIL, 2010)

O PPP precisa ser compreendido pela comunidade escolar como uma forma de

percepção e observação, discussão e definição dos problemas e prioridades da

escola, tendo por base os preceitos de um processo democrático com tomada de

decisões que tem a visão de superar as relações autoritárias corporativas e

competitivas, buscando romper com a rotina burocrática e a centralização do poder

no contexto escolar. É, efetivamente, uma ação educativa de formato intencional,

com sentido declarado, tem como compromisso a coletividade e a participação,

assim como o compromisso e a corresponsabilidade entre os sujeitos que compõe a

realidade escolar.

O desenvolvimento do PPP requer reflexão na organização de ações e a na

participação de todos – professores, funcionários, pais e alunos, num processo

coletivo e colaborativo de construção e consecução; sua sistematização nunca é

definitiva, o que exige planejamento participativo que se aperfeiçoa constantemente.

Assim, o PPP apresenta-se como fundamental no avanço das redes de ensino, pois,

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por meio dele são articulados os pressupostos e as intenções compartilhadas pelos

integrantes do meio escolar sobre como agir, por interesse de quem, com a

organização e encaminhamento das práticas e, principalmente, buscando o pleno

aproveitamento das potencialidades e capacidades coletivas.

Para Veiga (2001) o PPP é um importante instrumento de trabalho, que

responde as seguintes perguntas: O que vai ser feito? Quando? De que maneira?

Por quem? Para chegar a que resultados? Ou seja, nele são definidos todos os

princípios, prioridades, ações administrativas e pedagógicas que se pretende para

efetivar a aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes. Além disso, esse

documento

[...] explica uma filosofia e harmoniza as diretrizes da educação nacional com a realidade da escola, traduzindo sua autonomia e definindo seu compromisso com a clientela. É a valorização da identidade da escola e um chamamento à responsabilidade dos agentes com as racionalidades internas e externas. Esta ideia implica a necessidade de uma relação contratual, isto é, o projeto deve ser aceito por todos os envolvidos, daí a importância de que seja elaborado participativa e democraticamente. (VEIGA, 2001, p. 110).

A autora, também coloca que o PPP é “[...] a própria organização do trabalho

pedagógico da escola como um todo, sendo construído e vivenciado em todos os

momentos, por todos os envolvidos com o processo educativo da escola” (VEIGA,

2001, p. 11). Quando se aborda da importância de ser elaborado participativa e

democraticamente, a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional – LDBEN n.°

9.394/96 declara, no Art. 14, que os sistemas de ensino precisam levar em

consideração os princípios de “I – participação dos profissionais da educação na

elaboração do projeto pedagógico da escola; II – participação das comunidades

escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes” (BRASIL, 1996),

reafirmando a importância de tal prática.

O PPP é diferenciado de escola para escola, pois precisa ser espelhado no seu

próprio contexto local, pois dá voz à escola e é a efetivação de sua identidade e de

sua autonomia. Nele são planejadas ações coerentes, que possam ser executadas

com a mobilização dos “diferentes setores na busca de objetivos comuns e, por ser

de domínio público, permite constante acompanhamento e avaliação”. (VEIGA,

2001, p. 112).

Santos Filho (2012, p. 128) acrescenta que:

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Como recurso teórico, o projeto representa a sistematização de conceitos relativos a tarefas de educar. Como recurso metodológica, é um instrumento operacional que serve para diagnosticar o sistema educativo, avaliá-lo e orientar as ações tendentes à superação de suas deficiências ou à sua transformação global. No projeto educativo se formula as linhas teleológicas e normativas de uma concepção pedagógica.

Projetando, dessa forma, as aspirações, os desejos e ações que permitam a

conquista de uma realidade, que ainda não existe, ou que está próxima de existir. O

PPP, nessa perspectiva, é concebido a longo prazo, visando à continuidade e a

coerência das ações educativas da escola. “Embora não seja um documento

inalterável, não deverá submeter-se a profundas e constantes alterações anuais”

(FILHO, 2012, p.131). Em geral, a sua duração e consistência político-pedagógica

vai depender do compromisso de todos (pais, alunos, professores, funcionários,

entre outros), mas, essencialmente, da permanência e do envolvimento dos

profissionais da educação que estarão presentes na elaboração, na singularidade

das suas convicções e ações pedagógicas na realidade escolar.

Filho (2012), também, salienta que o PPP precisa ter uma vinculação estreita

com o projeto histórico do país e que “Junto com as forças progressistas da

sociedade, a escola e a universidade, por meio de sua atuação crítica e construtiva,

devem ser entendidas como partes importantes de uma práxis transformadora” (p.

131). O significado de educação de qualidade, a qual é esperada para educandos e

educadores, se faz presente tanto na formulação e planejamento de mudanças,

quanto em sua realização, consolidação e avaliação. Neste aspecto, o PPP contribui

como um movimento de criação de uma nova cultura, inovadora, que expressa o

desejo de novas práticas para a conquista de uma nova sociedade mais justa e

democrática para todos os cidadãos. Assim sendo e partindo das categorias próprias

do ato educativo, o PPP necessita ser retratado:

[...] pela identidade, a missão da escola, sua filosofia de trabalho, seus valores humanos e pedagógicos, sua clientela e os resultados que se propõe a atingir; pela racionalidade interna, a organização - administrativa, pedagógica e financeira - que lhe permitirá alcançar esses resultados com eficiência e eficácia; pela racionalidade externa, a definição de linhas de trabalho e de objetivos que sejam reconhecidos e avaliados pela comunidade e, finalmente, pela autonomia, o projeto pedagógico inserir-se na totalidade do sistema nacional de educação ao mesmo tempo em que o transcende para atender às necessidades e às características específicas de seus alunos, realçando o papel de mediação da escola. (VEIGA, 2001, p.117).

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A [re]construção de um PPP de acordo com Veiga (2001, p. 111) requer

atender as seguintes etapas:

1. Análise da situação - levantar indicadores pessoais e escolares dos alunos (se possível, comparar esses últimos como avaliações de outras escolas, cidades, estados) e indicadores sobre a equipe pedagógica; levantar as condições materiais e financeiras; examinar o entorno da escola e as possibilidades de um trabalho conjunto ou enriquecido pela comunidade; 2. Definição dos objetivos - discutir os objetivos nacionais, acrescentando-lhes outros que atendam à realidade da escola, tendo presentes sua função e seu compromisso social; 3. Escolha das estratégias - levantar quais são os pontos fortes e fracos da escola, identificar quais os que precisam de apoio externo, estabelecer prioridades, apontar o reforço necessário; 4. Estabelecimento do cronograma e definição dos espaços necessários; 5. Coordenação entre os diferentes profissionais e setores envolvidos, zelando sempre pela primazia do pedagógico sobre as ações culturais e assistenciais; 6. Implementação;7. Acompanhamento e avaliação. Essas etapas podem sobrepor-se e devem ser acompanhadas e avaliadas permanentemente.

A elaboração do PPP exige um trabalho abrangente, participativo,

democrático, responsável, competente, solidário, e há sentido se for possível

implementá-lo no cotidiano da escola. De forma mais específica Filho (2012) elenca

as partes principais desse documento:

1. A identidade da escola (Quem somos?) – A escola estabelece seus âmbitos de identidade (definição institucional, estilo de educação, dimensões educáveis, estilo de ensino/aprendizagem e modelo de gestão), explicita suas características peculiares e diferenciadoras e expressa os posicionamentos fundamentais de seu modelo educativo. 2. As intenções e objetivos gerais da escola (Que pretendemos?) – A escola traduz em objetivos gerais os princípios de identidade adotados. Tais objetivos devem ser possíveis, claros, compreensíveis e avaliáveis. Devem ainda ser definidos nos seguintes âmbitos: pedagógico, gestionário, humano, de serviços e de relação com a comunidade local. 3. A estrutura organizacional (Como nos organizamos) – O alcance dos objetivos implica a mobilização de elementos humanos, materiais e formais da instituição. É conveniente que a cada princípio de identidade, do projeto educativo, corresponda um órgão encarregado de sua implementação. Alguns órgãos poderão ser unipessoais; outros, colegiados, com as características de flexibilidade, responsabilidade e gestão democrática. (p.148)

Portanto, o Projeto Político-Pedagógico pode, sim, constituir-se em um plano

educacional significativo de ações participativas e colaborativas, comprometido com

a qualidade do ensino e da aprendizagem. Entretanto, é preciso que toda a

comunidade escolar esteja envolvida no processo de sua construção e, em especial,

os professores tenham conhecimento aprofundado acerca dos principais elementos

que constituem esse processo de construção e elaboração do PPP na realidade da

educação básica.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados, ainda parciais, estão possibilitando o conhecimento teórico e

legal sobre a importância do Projeto Político-Pedagógico no âmbito escolar. É visto

que a missão educativa de uma escola é comum em todas as escolas de um

sistema de ensino e específica à sua realidade, observando especialmente os

preceitos expressos na legislação vigente e pertinente à educação básica. As

especificidades do PPP observam, sobretudo, as escolhas, as prioridades, os

valores e as preferências de cada escola, assim como a adequação às

necessidades das crianças e às características da comunidade local.

A contribuição, compreensão das políticas públicas, dos processos de gestão

educacional e sua trajetória no decorrer da história ampliam o embasamento para

ações conscientes no contexto da escola, ou seja, neste processo todos os sujeitos

da comunidade escolar agir como gestores capazes de buscar estratégias para a

efetivação da qualidade tão almejada; estas presentes e claras no PPP. Assim,

constituindo-se num processo mútuo e permanente que envolve o aluno e o

professor e demais sujeitos envolvidos, os resultados fornecidos pelos mecanismos

de avaliação possam servir como respaldo capaz de informar, redirecionar e orientar

o planejamento do PPP da escola. É o desafio à reflexão acerca das ações

vivenciadas, e a condução das atividades frente aos percalços no contexto escolar,

desta forma a equipe gestora atue em conjunto para a efetivação da gestão

democrática e elaboração do PPP.

Conforme as discussões teóricas desse estudo, o Projeto Político-Pedagógico

não se constitui um conjunto de planos e projetos dos professores da escola, muito

menos um documento que trata somente de diretrizes pedagógicas. É, sobretudo,

resultante da reflexão sobre a realidade da escola; é um instrumento que permite

clarificar a ação educativa da instituição em sua totalidade. É um documento que vai

além do restrito agrupamento de planos e atividades diversificadas, já que é um

instrumento de trabalho o qual indica direção a seguir, sendo construído com a

participação coletiva dos segmentos da comunidade escolar. Sua construção

necessita de ações compartilhadas, colaborativas, de enfrentamento aos desafios,

de opções por mudanças e compromissos para com a qualidade da educação

básica.

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Por fim, cabe destacar que a conjuntura das pesquisas Fipe, Prolicen e

Obeduc/Capes estão permitindo reconhecer os elementos básicos para a

[re]construção dos PPPs das EMEIs e das EMEFs do município de Santa Maria-RS,

entretanto, nesta produção optou-se pela apresentação de elementos constituintes e

procedimentais do processo que envolve conhecer, compreender e construir um

PPP de escola básica.

REFERÊNCIAS

BRASIL. LDBEN. Lei nº. 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2013.

BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 04/2010.Diretrizes Gerais para a Educação Básica. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2013.

Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em: <http://www.priberam.pt/DLPO/gestão> Acessado em 1º de setembro de 2014.

FILHO, J. C. S. (Org). Projeto Educativo Escolar. RJ: Vozes, 2012.

LIMA, M. C. Monografia: a engenharia da produção acadêmica. São Paulo: Saraiva, 2004.

LÜCK, H. Concepções e processos democráticos de gestão educacional. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. Série: Cadernos de Gestão.

MARQUES, M. O. A aprendizagem na mediação social do aprendido e da docência. Ijuí: UNIJUÍ, 1995.

VEIGA, I. P. A. (Org.). Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. Campinas: Papirus, 2001.

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A PERFORMATIVIDADE A LUZ DOS ESTUDOS DE STEPHEN BALL E O EFEITO

DO PRODUTIVISMO PARA A EDUCAÇÃO

Karine Sefrin Speroni1

INTRODUÇÃO

As mudanças sociais na contemporaneidade vêm desencadeando novas

formas de ser. Frente a esse cenário a noção de produtividade voltada à

performance vem sendo inserida e transcendendo ao modelo econômico. Desse

modo, sendo engendrada através das políticas públicas que associadas a uma

perspectiva neoliberal, passam a incidir na forma como as pessoas se relacionam,

na cultura, na vida cotidiana. Essa lógica que emprega a produtividade como

governo dos outros, de certo modo, empreende a regulação da conduta dos

indivíduos que passam a ser investidos na escola, na universidade, ou seja, a todo

instante e nas instituições – que sob a influências dos discursos das políticas

públicas – passam a ser capturados por feixes de forças sendo regulados e

normalizados. Nesse contexto atual que age a tecnologia da performatividade

desencadeando o efeito do produtivismo, especialmente na universidade.

Desde cedo passamos a ser investidos por políticas de recondução à

produtividade, seja pela obrigatoriedade de escolarização na terna infância que está

vinculada a esses discursos com enfoque no desenvolvimento de habilidades.

Habilidades estas que serão necessárias à preparação de capital humano. Nesse

sentido, tanto as políticas voltadas ao ensino básico quanto às direcionadas pós-

graduação se articulam sob a ótica de discursos neoliberais, as quais reconduzem a

uma nova sujeição, ou seja, princípios que governam e ordenam as individualidades

(POPKEWITZ, 2008). Dentre esses modos, podemos destacar o intelectual,

especialmente o acadêmico em educação.

Frente a essa leitura do presente esse estudo sob forma de um ensaio teórico

problematiza a noção de intelectual e com enfoque nos conceitos de

performatividade bem como a regulação da conduta sob a via do produtivismo. Ao

apresentar tais conceitos busca-se discutir como emergem algumas fragilidades

1 Doutoranda Em Educação (PPGE/UFPel). Mestre em Educação (PPGE/UFSM). Especialista em Mídias na Educação e Gestão Educacional (UFSM). Graduada em Educação Especial. Acadêmica do Curso de Pedagogia/EAD (UFSM). Especializanda do Curso de Atendimento Educacional

Especilaizado (UFC). E-mail: <[email protected]>

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relacionadas à área das Ciências Sociais e Humanas, principalmente a Educação,

ao serem atravessadas por essas óticas que imperam na contemporaneidade.

Como aporte teórico metodológico, busca-se articular a discussão através de

algumas ferramentas provindas dos estudos de Stephen Ball e Michel Foucault.

Para discussão sobre tecnologia da performatividade e produtivismo busca-se

inspiração nos estudos de Stphen Ball, especialmente nas obras contemporâneas

em que o autor aborda o tema em questão. Cabe destacar que Ball desenvolve seus

estudos sob luz da sociologia, campo do saber e nessa linha de pesquisa também

investiga a noção de performatividade com enfoque em Lyotard e algumas

ferramentas dos estudos de Michel Foucault. Nesse sentido o artigo ensaia sobre a

produção desse novo intelectual na contemporaneidade estabelecendo um diálogo

com alguns conceitos desenvolvidos por Ball (2005, 2010, 2011).

A PERFORMATIVIDADE E O PRODUTIVISMO SEUS TERRORES E SABORES...

A definição desse novo modo de produção de subjetividades na

contemporaneidade, a performatividade, essencialmente é caracterizada como uma

abordagem com ênfase na performance, no desempenho de excelência. Nesse

sentido, a performatividade segundo Stephen Ball (2010) refere-a uma tecnologia,

do mesmo modo, uma cultura, um meio de regulação.

Para compreender a noção de performatividade cabe elucidar que Stephen Ball

se aproxima de algumas ferramentas foucaultianas, especialmente a noção de

tecnologia. Para que possamos observar as teias que tecem os estudos de Ball

(2010, 2005), resgato a definição de Michel Foucault sobre tecnologia,

especialmente a apresentada na obra “Em defesa da sociedade”, que reúne as

aulas ministradas pelo autor, sobretudo a qual foi proferida em 17 de março de 1976.

Para esse autor há duas tecnologias que são introduzidas em tempos diferentes e

que são sobrepostas uma para o controle da população: a tecnologia do corpo em

que esse é individualizado como organismo e outra em que o corpo é “recolocado no

processo biológico de conjunto” (FOUCAULT, 2010, p.297).

Assegurando assim entre os homens uma regulamentação as tecnologias por

Foucault (1976) apresentadas podem ser ilustradas por duas séries: “a série corpo –

organismo – disciplina –instituições; e a série população- processos biológicos –

mecanismos regulamentadores – Estado” (FOUCAULT, p.298). Diante desses

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conceitos de disciplina de regulamentação surge a norma que se desmembra em

duas: norma da disciplina e norma da regulamentação. Nesse ponto de articulação

pode-se observar que Ball (2010, 2005) sob inspiração foucualtiana promove

algumas possibilidades de leitura do cenário atual em nossa sociedade

caracterizando a performatividade como uma tecnologia de fabricação de

subjetividades.

Associando a leitura do cenário contemporâneo na atualidade podemos

considerar que a performatividade é uma dessas tecnologias por onde age o

biopoder. Por biopoder sob luz dos estudos foucaultianos podemos compreender

essa relação de controle da população, uma sob o corpo a alma, uma fabricação e

outra mais ampla que governa a vida. Podemos fazer alusão a esse conceito ao

aproximarmos da discussão sobre a pós-graduação especialmente sobre as lógicas

que empreendem as avaliações de desempenho as quais se centram em uma

norma instituída baseada na produtividade.

Esta lógica a performatividade desencadeia mecanismos onde prima o

julgamento, o efeito e comparações entre os indivíduos (BALL, 2010). Esse

processo está atravessado por noções advindas do neoliberalismo, quando passa a

transcender a esfera econômica e passa incidir na forma como seres humanos

relacionam-se entre si. Nesse contexto performatividade passa ser equacionada

como um instrumento de governamento, de governo de conduta do cenário

contemporâneo. Com tais imperativos dessa nossa era os aspectos éticos e

considerações acerca do humano passam a ser submersos dando vazão a uma

nova lógica que desencadeia efeitos de recondução à competição e desempenho

por melhoria da performance. Para Ball (2010)

A performatividade trabalha de fora para dentro e de dentro para fora. No que se refere a trabalhar de dentro para fora, performances objetivam, por um lado, a construção cultural, a instilação do orgulho, a identificação e “um amor ao produto ou uma crença na qualidade dos serviços” prestados (Willnott,1992, p. 63). De outro lado, avaliações e classificações, postas dentro da competição entre grupos dentro das instituições, podem engendrar sentimentos individuais de orgulho, de culpa, de vergonha e de inveja – que tem uma dimensão emocional (status), assim como (a aparência de) racionalidade e objetividade. (p.40)

Nesse sentido, Ball (2010) vem a salientar os processos de sujeição. Ball alerta

sobre os efeitos de lógicas que empreendem o governo dos outros, ou seja, da

tecnologia da performatividade e como passa incidir na forma como as pessoas se

relacionam. O que o autor nos esclarece é que performatividade age como uma

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força onde perpassa poder, ou seja, das capturas constantes na fabricação de um

sujeito cada vez mais ativo e produtivo para ser útil à sociedade. A noção de poder

teve ser compreendida como algo produtor de individualidades, assim o indivíduo é

fruto de relações do poder e saber (FOUCAULT, 2010). Nesse ponto de articulação

que a noção de poder deve ser equacionada não como algo que se detém, mas sim

como aquilo que:

[...] não é substancialmente identificado com um indivíduo que possuiria ou que o exerceria devido a seu nascimento; ele torna-se uma maquinaria de que ninguém é titular. Logicamente nessa máquina ninguém ocupa o mesmo lugar; alguns lugares são preponderantes e permitem produzir efeitos de supremacia (FOUCAULT, 2010, p. 219).

Pode-se destacar que Foucault estabelece que o poder circula, como algo que

funciona em cadeia. “[...] o poder se exerce em rede e, nessa rede, não só os

indivíduos circulam, mas estão sempre em posição de ser submetidos a esse poder

e também de exercê-lo” (FOUCAULT, 2010, p. 35). Articulando essa noção Ball

desenvolve sobre performatividade como uma arte de governo na

contemporaneidade e aponta os reflexos dessa engendraria que se articula tanto na

formação de professores quanto na função desempenhada pelo intelectual na

atualidade.

No cenário acadêmico, como um campo por onde as verdades são instituídas

há essa fabricação do intelectual sob lógicas que empreendem a comparação entre

as performances dos professores pesquisadores e desencadeiam efeitos de

competição entre os pares e entre programas de pós-graduação. Frente a esse

contexto Ball (2005) enfatiza que:

A performatividade é alcançada mediante a construção e publicação de informações e de indicadores, além de outras realizações e materiais institucionais de caráter promocional, como mecanismos para estimular, julgar e comparar profissionais em termos de resultados: a tendência para nomear, diferenciar e classificar (BALL, 2005, p. 554).

Ao se referir sobre a proposta das políticas de reformas atuais para formação

de professores, Ball (2005) destaca que “As tecnologias de política envolvem a

utilização calculada de técnicas e artefatos para organizar forças humanas e

capacidades em redes de poder funcionais” (BALL, 2005, p. 545). Isso significa dizer

que as políticas atuais cooperam para a fabricação de novas subjetividades

vinculadas ao que poderíamos denominar de novo tecnicismo. Uma vez que agem

forças, novas racionalidades instituídas por políticas públicas e de formação docente

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as quais conduzem a uma a formação cada vez mais técnica. Isso não ocorre

apenas na formação inicial, mas também está inscrita nessa lógica da pós-

graduação que empreende seleções cada vez mais especializadas para que os

intelectuais que visa formar se mantenham cada vez mais produtivos. Portanto, ao

resgatar sobre as políticas instituídas pelas reformas educacionais Ball (2005)

profere que: “Em cada tecnologia da política da reforma estão inseridos e

determinados novos valores, novas identidades e novas formas de interação” (BALL,

2005, p. 546). Constituindo-se assim um novo intelectual professor técnico.

Nesse ponto de articulação que a performatividade age como um mecanismo

que desencadeia efeitos na constituição identitária dos professores, e especialmente

daqueles indivíduos inseridos no contexto da pós-graduação. O que chamaria das

maquinarias que tem raízes no neoliberalismo e se traduzem sob gerencialismo

hoje. Isso quer dizer que a nova forma de controle está alicerçada, portanto, na

concepção de avaliação por indicadores e cumprimento de metas:

Em essência, performatividade é uma luta pela visibilidade. A base de dados, a reunião de avaliação, a análise anual, a elaboração de relatório, a publicação periódica dos resultados e das candidaturas à promoção, as inspeções e a análise dos pares são os mecanismos da performatividade. O professor, o pesquisador e o acadêmico estão sujeitos a uma miríade de julgamentos, mensurações, comparações e metas. Informações são coletadas continuamente, registradas e publicadas com freqüência na forma de rankings. O desempenho também é monitorado por análises dos pares, visitas locais e inspeções (BALL, 2005, p. 547-548).

. Isso desencadeia efeitos de regulação. O intelectual hoje necessita estar

entre os padrões produtivistas do que o sistema e a cultura acadêmica instituída

compreende por normal. Além do mais, há por parte dos intelectuais a mobilização

ao cumprimento de metas dada a rapidez das avaliações que são desencadeadas

por diferentes meios, órgãos, retroalimentando um sistema que institui como padrão

de qualidade o produtivismo. E nesse contexto,

Há um fluxo de novas necessidades, expectativas e indicadores que nos obriga a prestar contas continuamente e a ser constantemente avaliados. Tornamo-nos ontologicamente inseguros: sem saber se estamos fazendo o suficiente, fazendo a coisa certa, fazendo tanto quanto os outros, fazendo tão bem quanto os outros, numa busca constante de aperfeiçoamento, de ser melhor, ser excelente, de uma outra maneira de tornar-se ou de esforçar-se para ser o melhor – a infindável procura da perfeição (BALL, 2005, p. 549)

Esses efeitos da performatividade associados à lógica do produtivismo

especialmente no contexto da pós-graduação reconduzem a formação do intelectual

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cumpridor de metas, retro alimentador desse sistema. O que cabe destacar é que o

poder que empreende essa lógica que está na condução da individualidade e tais

concepções e tecnologias que também provém do neoliberalismo acarretam na

constituição de um profissional que sofre determinada crise de identidade entre a

pesquisa, ou seja, entre ser cientista e ser docente.

Cada vez mais, escolhemos e julgamos nossas ações, e elas são julgadas por outros, com base na contribuição que fazem para o desempenho organizacional, apresentado em termos de resultados mensuráveis. As crenças não importam mais – é a produção que conta. As crenças fazem parte de um discurso ultrapassado, cada vez mais fora de lugar. (BALL, 2005, p. 554)

O cuidado que devemos ter ao entender como opera essa lógica da

performatividade é de que essa possui reflexos a educação enquanto uma ciência

que está alicerçada em valores éticos e culturalmente constituídos e especialmente

frente as “estruturas segmentadas de conhecimento” (BALL, 2011).

O rankiamento das instituições ocasiona sentimento de competição entre os

pares. O diálogo interinstitucional fica fragilizado em face dessa busca constante por

aperfeiçoamento das instituições que desencadeiam um processo de cobrança que

perpassa o programa de pós-graduação os docentes que necessitam se manter no

quadro produtivista.

O uso de planilhas avaliativas não leva em consideração as subjetividades

envolvidas no processo de consolidação de um programa de pós-graduação. Esse

rankiamento desencadeia novas formas de exigir a produção tanto docente quanto

discente.

Não se trata de a performatividade atrapalhar o trabalho acadêmico real; ela é um veículo para modificar o que o trabalho acadêmico de fato é. No cerne da tese de Lyotard está seu argumento de que a mercadorização do conhecimento é uma característica-chave do que ele chama de “condição pós-moderna”. Isso envolve não somente uma avaliação diferente, mas transformações fundamentais nas relações entre o aprendente, a aprendizagem e o conhecimento, “uma exteriorização completa do conhecimento” (Lyotard, 1984, p.4). Conhecimento e relações de conhecimento, incluindo as relações entre aprendentes, são dessocializadas (BALL, 2010, p. 50).

Esses são alguns dos efeitos dos conceitos de performatividade frente a noção

de intelectual que está sendo engendrada na atualidade por políticas que cooperam

com premissas do neoliberalismo. Na área da educação esse processo deveria ser

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diferencial, pois lida-se com a subjetividade, com processos de ensino-

aprendizagem que são particulares.

O desenvolvimento de estudos no campo da ciência da educação pelas

diferentes abordagens e complexidade de se explicar e investigar o humano,

demanda princípios éticos além do estudo sistemático, pois a realidade é complexa

e o estudo teórico possibilita compreender um recorte da mesma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As aproximações empreendidas por Ball aos estudos foucaultianos nos

permitem compreender a densidade de alguns conceitos que esse sociólogo põe em

articulação ao empreender a discussão sobre a performatividade e seus efeitos.

Especialmente a associação ao produtivismo e noção de intelectual que emerge

hoje nas políticas de incentivo à produção.

A função do intelectual na contemporaneidade também vem ganhando outras

abordagens e sendo atravessada por discursos que dão lugar a uma noção

tecnicista, ou seja, de intelectual e professor que desempenha atividades

pragmáticas, emergindo o que poderíamos denominar de “técnico em educação”. O

intelectual como outrora balizador e catalisador de movimentos de luta, de caráter

social, vem sendo suprimido por uma noção de intelectual como cumpridor de metas

e tarefas. Estes são alguns dos imperativos de uma cultura acadêmica que se

instala na atualidade, especialmente no Brasil através do modelo de avaliação. A

questão central para essa discussão diz respeito às lógicas que empreendem a

performance e seus efeitos para a produção do conhecimento na área da educação.

Avaliações associadas à lógica neoliberal vêm desencadeando uma nova

noção de intelectual performativo, produtivo, uma vez que as metas instituídas por

esse modelo empreendido pela CAPES, e não só no Brasil, mas também em outros

países, são fixas e audaciosas mudando a forma como os sistemas de ensino

universitários passam a se organizar para manter os indicativos previamente

estabelecidos do que vem sendo considerado como qualidade. Gerando, assim,

processos de formação de novas subjetividades conduzidas por essa lógica que tem

seus pilares no alto desempenho e na performance.

Surge, assim, um novo intelectual na atualidade: performativo e produtivo.

Nesse ponto de articulação essa fabricação de um novo intelectual que Ball nos

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possibilita refletir sobre as formas que estão sendo instituídas emergindo

questionamentos que nos permitem dialogar que tipo intelectual está sendo

fabricado. Por fim, será possível resistir a essas tecnologias da perfomatividade e

constituir resgate de um outro modo de subjetivação?

REFERÊNCIAS

BALL, S. Profissionalismo, gerencialismo e performatividade. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 126, p. 539-564, set./dez. 2005.

_______. Performatividades e Fabricações na Economia Educacional: rumo a uma sociedade performativa. Educação e Realidade. 35(2):37-55 maio/ago, 2010.

_______. Intelectuais ou técnicos? O papel indispensável da teoria nos estudos educacionais. Políticas Educacionais: questões e dilemas/ Stephen Ball, Jeferson Mainardes (org.). São Paulo, Cortez, 2011.

FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Org. trad. Roberto Machado. Rio de janeiro, Edições Graal,1979. 28ª reimpressão, 2010

_______. Em Defesa da Sociedade. Trad. de Maria E. Galvão. SP: Martins Fontes, 2005.

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GESTÃO DEMOCRÁTICA: A EDUCAÇÃO EM TRANSFORMAÇÃO

Giedre Oliveira Nascimento1

INTRODUÇÃO

O presente trabalho abordou temas referentes à história da educação no Brasil

e sobre o processo de democratização da escola, buscando soluções para essas

questões. Para cumprir o objetivo proposto, realizou-se pesquisa bibliográfica e

documental a fim de problematizar e subsidiar a temática.

Procura-se inicialmente entender o conceito de democracia. Algumas

definições nos trazem a ideia de que Democracia é um sistema de governo em que

todos os cidadãos tenham direitos iguais e participem igualmente no

desenvolvimento e na criação de leis. Destacando que a democracia abrange as

condições sociais, econômicas e culturais. A terminologia grega “dēmokratía” ou

"governo do povo" pressupõe uma organização criada com o povo e para o povo.

Em praticamente todos os governos democráticos em toda a história antiga e

moderna, a cidadania democrática valia apenas para uma elite de pessoas, até que

a emancipação completa foi conquistada para todos os cidadãos adultos na maioria

das democracias modernas através de movimentos por sufrágio universal durante os

séculos XIX e XX.

No ambiente escolar a democracia é muito mencionada, mas na realidade

algumas escolas ainda conservam uma determinação heterogestionária, onde a

equipe diretiva toma as decisões e apenas comunica suas decisões à comunidade

escolar. Com este pensamento, na busca de alternativas para facilitar esse

processo, pretende-se, analisar o papel da educação na construção de uma

sociedade mais justa e fraterna, que busque a inclusão no universo escolar, a

relação da gestão democrática com uma educação emancipatória.

Por este viés, a escola deve ser um local privilegiado para desenvolver

potenciais, deve estar bem estruturada e administrada e, para isso, deve ter a

autonomia necessária para executar as ações planejadas num todo.

1 Professora Municipal e Estadual. Acadêmica do Curso de Especialização em Ensino da Sociologia –

UFRGS. E-mail:<[email protected]>

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Buscando uma gestão democrática, onde todos os segmentos possam

participar com autonomia. Podendo assim realizar modificações no cotidiano da

escola, contribuindo para a construção e o desenvolvimento dos diferentes tipos de

aprendizagens.

GESTÃO NA EDUCAÇÃO E A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

A escola como conhecemos atualmente é uma construção recente,

antigamente a escola tinha como principal objetivo a formação eclesiástica, o

Período Jesuítico (1549 - 1759) tinha objetivos catequéticos, em função da Reforma

Protestante e a expansão do luteranismo na Europa. Logo surge o Período

Pombalino (1760 - 1808) que ao contrário das escolas Jesuítas que pretendiam

defender os interesses da fé, Marquês de Pombal pretendia organizar a escola a fim

de defender os interesses do Estado.

Após surge o Período Joanino (1808-1821), este período foi marcado pela

vinda da Família Real para o Brasil em 1808 e permite romper com a situação

anterior. Para suprir as necessidades de estadia no Brasil, D. João VI abriu

Academias Militares e Escolas de Direito e Medicina. Após este período inicia-se o

Período Imperial (1822 – 1888), quando D. João VI volta para Portugal em 1821 e

em 1822 D. Pedro I proclama a Independência do Brasil, tendo em 1824 a primeira

Constituição brasileira, que dizia no art. 179 que a instrução primária é gratuita para

todos os cidadãos. Nesta época institui-se o Método Lancaster, onde o aluno

treinado ensinava um grupo de dez alunos sob a responsabilidade de um inspetor.

Após este período inicia-se o Período da Primeira República (1889-1929), onde

a República proclamada adotou o modelo político americano, notando-se a

influência da filosofia positivista. Surge a Constituição de 1891, que separa o Estado

da Igreja, prevê direitos civis, insinua direito à educação. Surge então o Período da

Segunda República (1930 – 1936), onde a revolução de 30 marcou a entrada do

Brasil no mundo capitalista, exigindo mão-de-obra qualificada, surge a Constituição

de 1934 que busca a democracia, marcada pela Era Vargas, liberal e inspirada nos

ideais da Escola Nova, nesta Constituição tem um artigo específico para educação

onde consta o PNE, a obrigatoriedade e gratuidade do primário, organiza os

sistemas e a vinculação de recursos.

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No Período do Estado Novo (1937 - 1945) nasce então a Constituição de 1937,

com o golpe do Estado Novo essa Constituição é oposta a de 1934, possui um texto

autoritário decretado e exige a contribuição para o caixa da escola, acabando com a

gratuidade e omite a vinculação de recursos. Após surge o Período da Nova

República (1946 - 1963), com o fim do Estado Novo adotou-se uma nova

Constituição de cunho liberal e democrático, com o final da segunda Guerra e a

queda de Vargas, surge a Constituição de 1946, retomando capítulo para a

educação retornando a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário,

juntamente com a vinculação orçamentária.

Em 1964-1985 aconteceu o Período Militar, o golpe causa um grande

retrocesso, pois aborta as iniciativas em revolucionar a educação brasileira,

acusando as propostas de ensino como comunista e subvertas, nesta época muitos

professores foram presos. Inicia-se o Período da Abertura Política (1986-dias

atuais), onde no início as questões educacionais perderam o sentido pedagógico

com uma característica política.

Nos dias atuais a educação é pensada e planejada através das orientações da

LDB e das Diretrizes Curriculares. A Lei nº 9394/96, no Art.2º, estabelece que a

educação é um processo amplo e visa ao pleno desenvolvimento do educando que,

desde o início de sua vida, apresenta ritmos e maneiras diferentes para realizar toda

e qualquer aprendizagem.

É visível que a educação é permeada de objetivos, em alguns momentos a

educação busca o controle através da espiritualidade, em outros momentos objetiva

preparar para a guerra ou para o trabalho. A preocupação com os índices de

analfabetismo é evidente; décadas atrás esse indicador já preocupava gestores.

Atualmente vivemos um momento grandioso com Pacto Nacional pela Alfabetização

na Idade Certa porque neste momento a educação objetiva contribuir com a

formação de seres realmente humanos e pensantes, ativos e criativos, que saibam

viver e conviver em sociedade, interagindo, questionando, compreendendo a

realidade ao seu entorno, para assim poder fazer interferências que realmente

possam contribuir com a formação de uma sociedade realmente justa e fraterna.

O ser humano é ser de múltiplas dimensões. Aprende em tempos e ritmos

diferentes, num processo contínuo de descobertas. Entendemos que o

conhecimento deve ser construído e reconstruído progressivamente e deve ser

abordado em sua totalidade. Por esta razão a gestão democrática- participativa é tão

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importante, pois viabiliza o debate e a liberdade de participação. De acordo com

Müller,2011, p. 87. “A democracia participativa é considerada um modelo ou ideal

que justifique o exercício do poder político apoiado no debate público entre cidadãos

livres e em condições iguais de participação”.

A educação abrange os processos de ensino e aprendizagem, onde a

formação do indivíduo é o maior objetivo, buscando prepará-lo para a vida em

sociedade e também para auxiliá-lo no seu desenvolvimento. Uma concepção de

gestão escolar democrática, busca definir as ações a serem trabalhadas na escola,

que propiciem esse desenvolvimento, buscando a participação e comprometimento

da comunidade escolar em que a mesma está inserida.

Segundo o documento base da Conferência Nacional de Educação, a CONAE,

A educação com qualidade social e a democratização de gestão implica em garantir os direitos à educação para todos por meio de políticas públicas materializadas em programas e ações articuladas, com acompanhamento e avaliação da sociedade tendo em vista a melhoria dos processos de organização e gestão dos sistemas e das instituições educativas. ( 2010, p.41 )

Através deste documento, onde houve a participação de toda a comunidade

educacional, a sociedade definiu metas e diretrizes a serem seguidas na educação,

através de debates em todo o país e a construção coletiva de um documento que

definiu uma educação de qualidade a todos os alunos e do compromisso das

políticas públicas nacionais. Estas medidas têm por objetivo garantir o direito de

todos a uma escola de qualidade que promova a aprendizagem de todos.

GESTÃO NA ESCOLA: UMA DISCUSSÃO TEÓRICA

Democracia é um sistema onde a participação de todos se torna essencial,

valorizando a interação e o diálogo, um sistema que permite a troca de ideias, de

pensamentos, o respeito e a valorização do ser humano. A escola deve ser o local

onde a democracia possa ser efetivada. Penin (2002, p. 33) observa:

[...] a escola é espaço de construção de relações que imprimem marcas naqueles que por ali transitam. Se estas relações são permeadas por princípios democráticos – respeito ao outro, solidariedade, liberdade – as pessoas crescem no aprendizado e no exercício da democracia, caso contrário, a escola terá falhado em parte de sua missão. Porque para além da função de socializar o saber sistematizado, a ela cabe ensinar a convivência democrática, o respeito aos direitos e deveres individuais e coletivos. Esta é uma aprendizagem que começa na escola e prossegue ao longo da vida.

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Por esta razão o papel da escola é tão importante, é na escola que

aprendemos a conviver, que conseguimos entender o sentido da democracia, do

respeito aos outros. Esse aprendizado nos acompanha durante toda a vida, se

crescemos em um ambiente democrático e acolhedor, conseguiremos nos tornar

adultos comprometidos com esse sistema.

O Brasil já avançou em direção à democratização do acesso e da permanência

dos alunos, pois a maioria das crianças está na escola. A implantação de nove anos

de duração vem colaborar para que o aluno ingresse mais cedo na escola e assim

desenvolva seu potencial, tendo um tempo maior para alfabetizar-se.

Gestão democrática conforme a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação LDB de 1996 que compuseram o cenário jurídico legal,

determinam a gestão democrática como princípio na forma da lei, mas essas

conquistas só conseguem ser obtidas através da convivência no cotidiano escolar. O

gestor consciente trabalha em conjunto, passo a passo rumo à concretização de

uma gestão realmente democrática que possa trazer para a escola melhorias

administrativas e pedagógicas. A escola precisa para isso o apoio, a participação de

todos os que estão engajados na educação para que se construa uma escola com

qualidade, priorizando o diálogo como forma de reflexão sobre o papel da gestão

democrática, procurando desenvolver uma visão sobre os valores da escola e os

objetivos que se pretende alcançar.

Percebe-se a necessidade de uma gestão mais participativa, que contribua de

forma a aceitar o diálogo e a troca de experiências para o desenvolvimento das

ações a serem desenvolvidas com a comunidade escolar. Segundo Libâneo (2003)

que propõe “a necessidade de combinar a ênfase sobre as relações humanas e

sobre a participação das decisões com as ações efetivas para atingir os objetivos da

escola”.

Em muitas escolas a escolha do gestor é por eleição, mais em alguns casos a

escolha feita por indicação política partidária, sendo indicado o gestor não tem total

liberdade de ação, pois aquele que é indicado pelo poder executivo não tem

autonomia suficiente para tomar decisões e elaborar um plano, muitas vezes este

plano não condiz com o dos governantes e os gestores indicados se sentem

impotentes por não conseguirem desenvolver ações apropriadas para suprir as

necessidades da comunidade escolar.

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Segundo Paro (2001.p.69) “[...] o processo de democratização da escolha de

diretores tem contribuído para se repensar a gestão escolar e o papel do diretor”. Há

uma tendência de entender o diretor como líder da comunidade e como gestor

público da educação e não como mero representante ou preposto de um

determinado governo. Entende-se que o diretor escolhido pela comunidade

desenvolve um trabalho mais direcionado a comunidade que está inserida e não

como um cumpridor de ordens que nem sempre é democrático.

Para concretização de uma gestão democrática, a escola deve incentivar a

criação de Conselho Escolar, Conselho de Classe, Grêmio Estudantil e Associação

de Pais e Mestres, entre outros segmentos. Onde todos os representantes

trabalhem priorizando o diálogo, a interação e a troca de idéias para a melhoria da

educação.

O trabalho da escola deve priorizar a educação, o desenvolvimento humano e

social de todos os indivíduos. Compreendendo o ser humano como um ser de

relações e histórico, que está no mundo e constrói sua história.

Por este viés a escola deve ter claro seu papel na sociedade. De acordo com

Silva et. al. (2005, p.85)

A educação, como prática social, é produto e produtora de história. É uma realidade histórica construída pelos homens no forjamento de si próprios. A consciência, a compreensão e, portanto, o estudo deste processo ou (r)evolução da produção da existência humana é de fundamental importância para o profissional envolvido nesta prática social.

Sendo assim, uma escola de qualidade deve ir além da transmissão do

conhecimento. Uma escola comprometida com a formação dos indivíduos deve criar

situações que contribuam para que os alunos se desenvolvam como seres

realmente humanos, que respeitem uns aos outros e o meio em que estão inseridos.

E é nesse sentido que a tarefa do Gestor é tão importante propondo ações

objetivas, priorizando a participação de todos envolvidos na comunidade escolar,

como nos diz Paro (2008) “prever relações humanas horizontais de solidariedade e

cooperação, superando a lógica da hierarquização das relações”. A cooperação e

participação são a chave para a construção de uma gestão democrática, não há

democracia, onde não existe interação, solidariedade e um trabalho coletivo, onde

todos envolvidos sintam-se a vontade para dialogar e trocar ideias, em prol da

construção de uma escola realmente democrática.

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GESTÃO DEMOCRÁTICA: A EDUCAÇÃO EM TRANSFORMAÇÃO

Na escola a Gestão Democrática segue os princípios definidos na Constituição

Federal de 1988 e na LDB, Lei 9.394/96. A Constituição deu início a democracia na

gestão escolar, no art. 206, inciso VI está descrito que “o ensino deverá ser

ministrado com base nos seguintes princípios: Gestão Democrática do ensino

público na forma da Lei (BRASIL, 1988 p. 128). Segundo a LDB 9.394/96 no Art. 14:

Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I- Participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II- Participação das comunidades escolares e locais em Conselhos Escolares ou equivalentes. (BRASIL, 2004, p.32

A gestão democrática abrange o exercício de poder incluindo a tomada de

decisão a forma de planejamento e avaliação, sendo assim tem que fortalecer a

participação da comunidade escolar e local descentralizando os processos de

decisão e dividindo responsabilidades.

De acordo com Müller (2011, p. 84)

A gestão democrática pretende dar oportunidade a um grupo de pessoas de participarem na discussão de possibilidades para a escola. Essa concepção pretende conectar a concepção de ideias e a sua aplicação, o pensar e o fazer e a conciliação entre teoria e prática.

A gestão democrática participativa constitui a maneira de organização das

escolas, onde o exercício da cidadania e as experiências desenvolvidas marcam o

diferencial das demais e os alunos, pais, professores, funcionários e membros da

comunidade educam e são educados na construção do bem público comum a todos,

o gestor têm a função de acompanhar o desempenho de todos os segmentos, sendo

que a escola é um espaço de práticas pedagógicas com o objetivo de integrar ao

mundo em que está inserido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através deste trabalho é possível perceber que a educação vive em constante

transformação, desde o início foi influenciada por diferentes períodos que foram

marcados pelo tempo histórico e a estrutura da sociedade da época. Inicialmente a

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educação era vinculada a igreja e logo passou a ser marcada pela necessidade de

formar cidadãos competentes para o trabalho, com o surgimento das Constituições a

educação começou a ser pensada, demonstrando uma pequena preocupação com a

Democracia na Gestão Escolar. Foi através da LDB e as Diretrizes Curriculares que

a democracia começou a ser realmente priorizada.

Atualmente estamos vivenciando muitas ações voltadas para a democratização

e qualidade da educação, destaco o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade

Certa, que visa a alfabetização de todas as crianças até os 8 anos de idade,

mobilizando Municípios e Estados em prol deste objetivo. Esse direito é uma das

formas mais profundas de garantir a efetivação da democracia, garantindo acesso a

todos, valorizando os professores através de formações continuadas, possibilitando

muitas construções e trocas em prol da alfabetização.

Concomitante a este acontecimento, estamos presenciando a era digital, onde

o acesso à informação através dos meios virtuais é muito rápido, por este viés não

há como preservar métodos tradicionalistas, onde as relações ocorrem de forma

hierarquizada, onde o professor é o dono do saber e o aluno um ser passivo, onde o

diretor toma todas as decisões de forma individualista, como se o seu olhar fosse o

único meio de conhecer e saber.

Os 4 pilares da Educação preveem o Aprender a conhecer, o Aprender a fazer,

o aprender a viver juntos e o Aprender a ser. (Delors et al., 1996). Destes destaco o

“Aprender a viver juntos”, que pressupõe entre outras questões o respeito aos

valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz. A democracia deve

propiciar este viver juntos, para contribuir com a educação, por esta razão a

democracia é essencial para que possamos conseguir avançar rumo a uma

educação de qualidade, buscando o acesso, priorizando o diálogo e troca de ideias,

onde toda comunidade escolar se sinta encorajada a pensar e a planejar ações que

contribuam com a melhoria na qualidade de ensino e aprendizagem, construindo

passo a passo uma comunidade verdadeiramente democrática. Como pontua

Libâneo (2005, p. 14), “As intervenções dos profissionais da educação e dos

usuários na gestão escolar fazem dela uma comunidade democrática de

aprendizagem”.

Uma construção só é possível quando o alicerce é sólido e bem construído,

se a equipe diretiva conseguir ter essa consciência é possível construir uma escola

onde todos tenham liberdade de expressão e ação, basta que cada envolvido na

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comunidade escolar se posicione a favor da educação e da democracia, tendo em

vista que unidos conseguimos ir além.

REFERÊNCIAS

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______, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Texto constitucional de 5 de outubro com as alterações adotadas pelas emendas institucionais n. 1/92 a 19/98 e pelas Emendas Constitucionais de revisão n. 1 a 6/94. 10. Ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação e Publicações, 1998.

______, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96, Brasília, 1996

DELORS, J. et al. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. 4ªed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 1996.

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LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F. de & TOSCHI, M. S. Educação Escolar: política, estrutura e organização. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2005. (coleção docência em formação, coordenação: Antônio Joaquim Severino e Selma Garrido Pimenta).

MARIA, J. A. U. História da Educação Resumo. Disponível em http://educacaodialogica.blogspot.com/2008/04/histria-da-educao-resumo.html. Acesso em 11 de outubro de 2011.

MÜLLER, A. J. Supervisão Escolar / Antonio José Müller. Indaial Uniasselvi, 2011. 148 p. Il.

PARO, V. H. Qualidade de ensino: a contribuição dos pais. São Paulo: Xamâ, 2000.

PENIN, S. T, de S. Refletindo sobre a função social da escola. In: VIEIRA, S. L. (Org.). Gestão da escola: desafios a enfrentar. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

______. Gestão Democrática da escola pública.3. Ed. São Paulo: Ática, 2008

PRAIS, M. de L. M. A Administração Colegiada na Escola Pública, 2. ed. Campinas:Papirus,1992.

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WITTMANN, L. C. A prática da gestão democrática no ambiente escolar / Lauro Wittmann, S. R. K. – Curitiba: Ibpex, 2010. – (Série Processos Educacionais)

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ASPECTOS DO PENSAMENTO LIBERAL E DO NEOLIBERALISMO

Bruna Lima1

INTRODUÇÃO

Este texto apresenta o conceito de liberalismo em sua complexidade e como

ele tem se adaptado a diferentes contextos ao logo da história. O objetivo aqui não é

compreender conceitos como “estado de bem estar social” e “neoliberalismo”, por

exemplo, apenas como meros desdobramentos do clássico conceito de liberalismo,

mas compreender m pouco de suas especificidades.

No intuito de tentar compreender o que cada um destes termos significam e

como foram construídos em diferentes contextos é que este trabalho se propõe. Isso

é feito a partir de uma análise bibliográfica de trabalhos que distam sobre a temática

e de alguns outros que propõem inclusive análises mais práticas que envolvem a

aplicação destes conceitos.

Observou-se a importância de se desenvolver um estudo sobre estes conceitos

dada a importância dos mesmos para a compreensão de como as políticas públicas

relacionadas a gestão educacional são fundamentadas. Nesse sentido buscou-se

uma conceituação clássica do liberalismo até, em seguida uma discussão sobre

neoliberalismo.

O LIBERALISMO EM SUA CONCEPÇÃO CLÁSSICA

O liberalismo é uma expressão ou fenômeno histórico que surgiu na Europa,

durante a Idade Moderna, mais especificamente “quando o absolutismo era forte na

França a autoridade dos reis” (PADOIN, ROSSATO; 2013, p.43). Neste contexto, o

termo liberalismo era permeado por um conjunto de ideias de caráter econômico e

político que se vinculavam a burguesia, em oposição a nobreza feudal. De forma

geral, pode-se dizer que as ideias liberais primavam pela individualidade, ou seja,

pela garantia das liberdades individuais, ganhando força e legitimação com as

teorias contractualistas. Economicamente, o liberalismo primava pelo mercado

baseado na livre iniciativa, de forma que o Estado não intervisse nas questões

econômicas. 1 Acadêmica do Curso de Especialização em Gestão Educacional da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail:<[email protected]>.

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No trabalho de Bianchetti (1997), o autor expressa a dificuldade de se estudar

as raízes históricas do liberalismo clássico, muito em função das múltiplas

interpretações que se tem dos clássicos. Na tentativa de historiar o termo liberalismo

o autor destacou que ele representa não só rupturas, mas também continuidades e

retrocede até a Idade Média para tentar explicar isso um pouco melhor e de forma

mais didática. Para ele o liberalismo apresenta uma ruptura com a ordem medieval,

que estava organizada hierarquicamente e fundamentada em determinações

externas a ação do homem, mas apresenta continuidades, pois tem em essência

uma concepção que transfere para a “ordem da natureza” os fundamentos das

desigualdades sociais.

Nesse caso, para ele, o termo liberalismo é utilizado em pelo menos três

sentidos, que podem ser separados para uma melhor compreensão, porém são

indissociáveis, são eles: como concepção do mundo ou filosofia centrada no

indivíduo; como teoria política que se preocupa com as origens e a natureza do

poder e como teoria econômica organizada sobre as leis do mercado e que

fundamenta as relações de produção capitalista. Há ainda três tendências que se

desenvolvem dentro desta concepção e podem ser definidas como conservadoras,

moderadas e democráticas. A particularidade de cada um desses modelos está

fundamentada na concepção de poder e no contexto que envolve as relações

econômicas, mas possuem uma unidade que seria a concepção de individualidade,

ou seja, do indivíduo como átomo social.

Esta ideia do indivíduo como átomo social, ou centro microcósmico do universo

teve origem com o Renascimento, quando passamos a ter entre as ideias principais

a convicção do progresso humano, o racionalismo, a riqueza, a civilização e o

domínio da natureza. Porém, todas estas ideias passaram por um processo de

afirmação nos séculos posteriores, quando a burguesia hegemonizou a

transformação do mundo feudal.

Nesse contexto, temos alguns autores que desenvolveram ideias que

constituem uma espécie de trajetória do pensamento liberal. Entre eles, destacam-

se Thomas Hobbes (1588-1679), que viu a natureza do poder baseada no indivíduo

e a organização política como a adição de vontades individuais, porém não

cooperativas e o Leviatã como o mediador das disputas entre os homens. John

Locke (1632-1704) que considerou que a igualdade e a liberdade se constituem em

sociedade civil por meio de um contrato, para ele, o consenso aparece como sendo

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o principal legitimador das sociedades políticas. Ele também considerou que a

propriedade privada seria o resultado da capacidade individual e a lei como

instrumento de regulação das relações entre os homens. É importante destacar que

estes autores se aproximam e divergem em várias questões, mas cabe salientar que

enquanto Hobbes defende a centralização do poder, Locke a divisão de poderes, por

exemplo.

O século XVIII foi um período de prosperidade e expansão econômica, isso

muito em função da Revolução Industrial que transformou as relações sociais, além

de produzir um grande avanço da ciência e do conhecimento geral. As novas

classes sociais com interesses antagônicos se identificaram com as ideias que

representavam melhor seus interesses, criando um novo tipo de conflito entre a

racionalidade e o determinismo. Além disso, a Revolução Francesa, que derrotou

definitivamente a monarquia feudal, abriu uma nova disputa pelo poder.

Nesse período Bianchetti (1997) destacou o pensamento de J.J. Rousseau

(1712-1778). Ao contrário de Hobbes e Locke, Rousseau coloca a sociedade como a

principal responsável pela corrupção, principalmente pela introdução da divisão do

trabalho e da propriedade privada e não na natureza humana. Para ele, o contrato

não é uma relação entre os indivíduos e o soberano (Hobbes), nem um acordo entre

indivíduos isolados (Locke), mas sim um pacto com a comunidade dos homens,

definida como sendo o sujeito e direito político e cada indivíduo como cidadão e

corpo político não aparece como sendo a soma das vontades individuais, mas sim a

vontade geral, construída como a cessão que cada indivíduo faz de sua soberania.

Nesse caso, pode ser observado que este autor defendia uma espécie de

democracia representativa, diferente dos demais.

Bianchetti (1997) também destacou algumas ideias de Tocqueville e Bobbio,

entre elas a de que a o liberalismo não se relaciona com a democracia de forma

direta, que existiu uma contraposição histórica entre eles durante uma grande fase.

O LIBERALISMO DEMOCRÁTICO E O ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL

O Liberalismo democrático é uma adequação do conceito clássico de

liberalismo, devido ao contexto que o mesmo estava sendo utilizado. A ideia de

liberalismo democrático surgiu na Europa do século XVIII, dada a influência que a

Revolução Industrial exercia naquela sociedade. O contexto que envolvia o

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crescimento industrial, aumento da população urbana, más condições de trabalho,

entre outras questões, exigiram que o liberalismo ganhasse uma forma mais

humanizada, que voltasse uma maior atenção para as demandas sociais. Ou seja,

as camadas desfavorecidas passaram a requerer uma maior atenção, porém cabe

ressaltar que isso ocorreu principalmente pela inserção das ideias socialistas e

anarquistas que passavam a penetrar neste cenário, principalmente no século XIX.

Nesse sentido temia-se que as camadas populares pudessem se organizar e

provocar algum tipo de desordem, capaz de abalar a forma como estava organizada

a sociedade. Neste caso, portanto, o liberalismo passou a defender uma suposta

igualdade social e uma melhoria nas condições de vida da população.

Norberto Bobbio (2000) aprofundou o estudo do conceito de liberalismo,

destacando os a existência dos regimes democráticos liberais. Para o autor existe

uma interdependência entre os dois conceitos, mas uma concepção liberal não é

necessariamente democrática dada a complexidade de ambos os conceitos.

O Estado de bem-estar social também pode ser considerado como uma nova

adequação do liberalismo, agora no início do século XX, quando mais

especificamente, após a crise de 1929 o Estado passou a assumir um caráter mais

intervencionista. Esta ação foi necessária devido aos grandes problemas

econômicos que esta crise causou em nível mundial.

Diante deste cenário, Estado liberal teve que se reorganizar para reativar a

economia, “com a construção de grandes obras públicas, aumentou a taxa de

emprego, foram concedidos créditos às empresas, além de serem implementadas

medidas assistenciais aos trabalhadores (auxílio para doença, desemprego,

invalidez, maternidade, velhice e aposentadoria)” (MARTINS; ARANHA, 2005, p.

307).

O NEOLIBERALISMO

O neoliberalismo surgiu a partir do momento em que o Estado de bem-estar

social passou a se tornar endividado, dado ao grande número de demandas sociais.

O excessivo número de despesas acaba gerando desequilíbrios econômicos que por

sua vez acabam acarretando em instabilidade social.

Com isso, o retorno da ideia de uma menor intervenção estatal, passou a ser

defendida, sendo representada principalmente pelas políticas de privatizações de

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setores estatais, a fim de reduzir os custos do Estado, transferindo-os para a

iniciativa privada.

Bianchetti (1997) destacou a existência de uma hegemonia neoliberal nas

últimas décadas do século XX, com o ressurgimento de um pensamento defensor do

status quo, capitalista, dentro de uma concepção política mais próxima dos elitismos

sociais que da democracia, no qual esta última aparece como um mero mecanismo

para escolher e autorizar governos. A respeito do neoliberalismo, o autor considera

este como um termo complexo, que não deve ser considerado apenas como uma

estratégia de acumulação capitalista. Segundo ele, estamos vivendo um momento

de crise de paradigmas, na qual muitas das categorias de análise das Ciências

Sociais precisam ser revistas a fim de que este termo tão complexo não seja

reduzido apenas a uma tendência do pensamento liberal.

O autor também situou a ascensão do pensamento neoliberal a crise do

pensamento keynesiano. Este teve seu marco o período posterior a Grande

Depressão e sustentava a ideia de que o Estado deveria interferir na economia de

mercado com a finalidade de diminuir o desemprego e aumentar a produção,

evitando flutuações dramáticas no processo de acumulação de capital. Porém, como

este modelo não conseguiu dar conta de conter as crises cíclicas do capitalismo,

sobrou espaço para teorias que contrariavam a ação do Estado na economia.

Dessa forma, Bianchetti (1997), defende a ideia de que os novos poderes

econômicos surgidos desta conjuntura representam os interesses dos bancos

internacionais que, em um primeiro momento, foram os que adotaram um papel ativo

na reciclagem dos petrodólares. Com isso, o capitalismo financeiro cria uma nova

ordem internacional capitalista, que passa a controlar o fluxo de capitais e

estabelecer as condições em que este capital é distribuído. Esse novo tipo de

modelo, por sua vez, acaba favorecendo o controle das economias dos países

devedores pelos organismos financeiros internacionais e, além disso, impondo

condições para refinanciamentos. É justamente nesse momento, que a ortodoxia

neoliberal passa a ser um programa completo, aplicado tanto a países centrais,

quanto a periféricos.

Bianchetti (1997) faz um destaque especial para o neoliberalismo na América

Latina, que acompanha os governos militares da década de 1970. Em função de

uma grande crise econômica que antecedeu os regimes militares, somado a

necessidade de conter as revoltas sociais, os governos militares promoveram um

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ajuste econômico que se propunha a reordenar a economia, completando-se com

uma reformulação política que evitasse crises de governabilidade, fazendo com que

o ajuste político, pautado pela ordem social fosse necessário para o estabelecimento

do ajuste econômico, no Brasil, este ajuste econômico ficou conhecido como

“milagre econômico brasileiro”. Isso demostra a compatibilidade das ideias

neoliberalistas com regimes autoritários. Também é necessário destacar a presença

da ideia de desenvolvimentismo, que embora Bianchetti (1997) não desenvolva

muito, está presente nestes governos autoritários latino-americanos e apresenta o

controle político como elemento fundamental para a estabilização econômica e

atendimento das demandas capitalistas externas.

CONCLUSÃO

Algumas questões que foram previstas na introdução foram confirmadas no

decorrer introdução deste trabalho, entre elas, a complexidade que envolve o

conceito de liberalismo. De acordo com o que foi exposto, este é um conceito que

teve origem no século XVIII e desde então não deixou de ser utilizado, seja na sua

forma clássica ou em outros conceitos que adaptam algumas características ao

contexto histórico, no qual está sendo utilizado, mas mantém, pelo menos alguns

dos princípios fundamentais do liberalismo.

Nesse sentido, as ideias liberais ultrapassaram séculos de história, ganhando

novas formas e significações de acordo com o contexto em que o conceito foi/é

utilizado. No entanto, este mesmo não perdeu a sua essência principal vinculada a

garantia das liberdades individuais, defesa de um Estado laico e não-

intervencionista. Destaca-se também que no liberalismo há a defesa do

parlamentarismo, de acordo com o qual, “o voto significa o livre consentimento do

cidadão, representa a superação das antigas teorias segundo as quais o poder vem

de Deus ou da tradição familiar” (MARTINS; ARANHA, 2005, p. 306). Além disso, o

liberalismo também mantém como um dos seus princípios a legalidade, no qual

todos seriam, ou pelo menos deveriam ser iguais perante a lei.

Por fim, cabe destacar que o estudo destes conceitos nos serve para

compreender como muitas das políticas públicas, principalmente as relacionadas a

gestão educacional foram e são pensadas na atualidade. Além disso, este trabalho

atenta para a importância que se tem o estudo de conceitos clássico que muitas

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vezes acabam sendo utilizados de forma equivocada e fora de seu contexto devido a

falta de referência e reflexão sobre eles.

REFERÊNCIAS

BIANCHETTI, R. G. Modelo Neoliberal e Políticas Educacionais. São Paulo: Cortez Editora, 1997.

BOBBIO, N. Liberalismo e Democracia. São Paulo: Brasiliense, 2000.

MARTINS, M. H. P; ARANHA, M. L. de A. Temas de Filosofia. São Paulo: Moderna, 2005, p. 299-317.

PADOIN, M. M.; ROSSATO, M. (orgs.). Parlamentares Gaúchos: Gaspar Silveira Martins. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2013, p. 43-50.

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O NEOLIBERALISMO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS: REPERCUSSÕES NA ÁREA

DA EDUCAÇÃO

Andressa Wiedenhoft Marafiga1

Gabriela Fontana Gabbi2

Jucilene Hundertmarck3

INTRODUÇÃO

O presente texto objetiva apresentar um estudo acerca das redefinições do

liberalismo clássico, caracterizando a corrente que absorveu seus conceitos sociais:

o neoliberalismo, com o intuito de refletir sobre as influências desse modelo no

contexto atual da educação.

No que se refere à metodologia utilizada para a organização desse estudo, a

partir da leitura e análise das contribuições de autores como Bianchetti (1997),

Hayek (1980) e Libâneo (2010), na perspectiva de pesquisa bibliográfica. Essa obra

contribuiu para percebemos a influência exercida pelo neoliberalismo na educação,

a partir das políticas implementadas pelo governo e, nesse sentido, procuramos

aprofundar a pesquisa teoricamente a partir de novos embasamentos com o intuito

de compreender possíveis repercussões do neoliberalismo expressas,

principalmente, nas políticas públicas implementadas na área educacional no Brasil.

Para tanto, discorreremos sobre o papel da escola, que induzida pelo modelo

neoliberal acaba deixando de lado a formação integral dos sujeitos para priorizar a

formação da força de trabalho “qualificado” para o mercado.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O conceito neoliberal surgiu, principalmente, entre o final da década de 70 e

início da década de 80 com a crise do Estado Benfeitor que teve seu auge nas

décadas de 50 e 60. No modelo do estado de bem-estar-social, que tem em Jonh

Maynard Keynes um de seus principais nomes,

1 Acadêmica do curso de Especialização em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Santa Maria- UFSM. Licenciada em Pedagogia. E-mail: <[email protected]> 2 Acadêmica do curso de Especialização em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Santa Maria- UFSM. Licenciada em Pedagogia. E-mail: <[email protected]> 3 Acadêmica do curso de Especialização em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Santa Maria- UFSM. Licenciada em Pedagogia. E-mail: <[email protected]>

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A maior parte dos países capitalistas desenvolvidos adotam a doutrina de Report Beveridge e a política econômica keynesiana. Report Beveridge (1942) tratava de afrontar as circunstâncias da guerra e suavizar as desigualdades sociais através de uma dupla distribuição de renda que atuasse sobre a segurança social e outras subvenções estatais. Por sua vez, a teoria keynesiana intentava empalidecer os efeitos da depressão atuando sobre a demanda através do Estado. (PICÓ, 1987, p. 32)

Buscando atribuir ao Estado o direito e o dever de garantir benefícios sociais

como a criação do salário mínimo, do seguro-desemprego, assistência medica e

redução da jornada de trabalho, essas teorias tiveram grande influência na

renovação das teorias clássicas, bem como na reformulação da política de livre

mercado.

Com a crise Benfeitora (1973), marcada pela crise do Petróleo, em um contexto

de excessivas especulações financeiras, dentre eles o milagre econômico brasileiro

ocorrido durante o Regime Militar (1968-1973) se apresenta o neoliberalismo.

Vale ressaltar, todavia, dois aspectos fundamentais: primeiro, o neoliberalismo teorizado por Hayek não significa o fim do novo liberalismo/social-liberalismo de Keynes e Dewey ou mesmo uma negação de todos os fundamentos do liberalismo clássico, e sim uma nova, grande e complexa rearticulação do liberalismo, imposta pela nova ordem econômica e política mundial; segundo, é comum, atualmente, o uso da expressão neoliberalismo em referência ao liberalismo de Keynes e Dewey ou ao neoliberalismo de Hayek e de organismos internacionais como ONU, FMI e Banco Mundial. (LIBÂNEO, 2010, p.86)

Os neoliberais entendem economia e política de forma independente, não

apreciando intervenções políticas no aspecto econômico. Nesse sentido, o Estado

passa a assumir seu papel de forma minimalista exercendo as funções de

policiamento, justiça e defesa nacional; desestatização, desregulamentação e

privatização; bem como a desqualificação dos serviços e das políticas públicas.

Defendendo a não participação do estado na economia, a corrente neoliberal

apoia a liberdade de comércio, acreditando ser essa a premissa para o crescimento

econômico e para o desenvolvimento social do país. Nesse entendimento a

circulação de capitais fica mantida a um mínimo de sujeitos.

A análise histórica mostra-nos que a lei do livre mercado levou o capitalismo à esquizofrênica lógica de concentração, acumulação e centralização de capital e, consequentemente, a crises cíclicas cada vez mais profundas. A cada nova crise a sociabilidade capitalista engendra novos complicadores e formas mais sutis e violentas de exclusão. (BIANCHETTI, 1997, p.92)

Assim, a economia defendida por essa corrente visa o estabelecimento de

mercado auto regulável, com enfoque na livre concorrência; fortalecimento da

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iniciativa privada com uma política de privatização das empresas estatais; livre

circulação de capitais internacionais e medidas contra o protecionismo econômico.

Nesse sentido, o governo ocupado por Fernando Henrique Cardoso- FHC

retrata uma forma aberta neoliberal adotada no Brasil, sendo um período marcado

pela privatização de várias empresas do Estado.

A alternativa neoliberal que avassala o mundo neste final de século, apoiada ideologicamente pela ideia de fim da história, fim das ideologias e impossibilidades de uma alternativa socialista, constitui-se na verdade num ataque frontal à classe trabalhadora, seus ganhos históricos e à utopia de estruturação de uma sociedade fundada na solidariedade e na igualdade: socialismo com efetiva democracia. (BIANCHETTI, 1997, p.12)

O referido governo foi marcado pela estabilidade econômica alcançada pelo

Plano Real, constituída pela privatização de empresas estatais e mudanças na

forma de gestão das políticas públicas, ocasionando a descentralização do poder de

administração expresso na Constituição Federal de 1988.

A descentralização foi apresentada como alternativa de gestão das políticas

públicas e sociais, ampliando e favorecendo aos atores políticos, o qual alguns

cargos políticos passaram a ganhar maior prestígio, como os governadores e

prefeitos, ou seja, a descentralização do poder foi uma estratégia usada para o

fortalecimento do mesmo, como exemplo, proporcionando autonomia os municípios

para desenvolver suas próprias leis conforme as necessidades da região.

Segundo Oliveira,

[...] As reformas educacionais nos anos 1990, no Brasil, tiveram como grande foco a gestão, buscaram por meio da descentralização administrativa, financeira e pedagógica promover a ampliação do acesso à educação básica no país a partir de uma lógica racional, que tinha como paradigma os princípios da economia privada (2011, p.326).

Quando nos referimos ao entendimento de democracia visualizamos um

princípio diferenciado da democracia direta, que primava pelo governo do povo

realizado no social/liberalismo e passamos a observar um ideal de democracia

indireta com ênfase na democracia política em função do Neoliberalismo de

mercado.

Bianchetti (1997), ao referir-se ao ressurgimento neoliberal, apresenta uma

comparação feita por Macpherson, a qual se refere à democracia como um

mecanismo de mercado, onde os consumidores seriam os votantes e os políticos os

empresários. Os neoliberais tornam-se receosos diante do termo democracia, pois

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consideram que a vontade da maioria não representa os valores da continuidade

histórica de uma sociedade, o modelo Neoliberal não acredita em um valor universal.

Hayek, teórico neoliberal, chega a questionar a legitimidade do sistema

democrático afirmando que

Este sistema não só tem produzido muitos resultados que não agradam a ninguém, inclusive nos países em que de modo geral tem funcionado bem, mas também tem provado ser impraticável na maioria dos países, onde as instituições não estavam restringidas por fortes tradições sobre as tarefas apropriadas das assembleias representativas. (HAYEK, 1980, p. 84)

Percebemos o interesse da perspectiva neoliberalista em atribuir ao princípio

democrático a responsabilização pela satisfação de interesses individuais dos

sujeitos, no entanto não se menciona a verdadeira origem da concentração de

riquezas gerada pelo modo de produção capitalista.

Exclui-se dessa consideração o fato de que a concentração da riqueza não foi o resultado da vigência da democracia como forma de governo, e sim das características de um determinado modo de produção- capitalista- onde o poder que se expressa nas instituições políticas é o resultado do controle dos mecanismos de produção. (BIANCHETTI, 1997, p. 86)

O fim da Segunda Guerra Mundial marcou o avanço da tecnologia, bem como

o aumento do consumo, dirigindo a sociedade para um rumo consumista. Com isso,

houve incentivos para o acontecimento da globalização econômica com capitais,

serviços e produtos circulando por todo o mundo. Nesse sentido, o neoliberalismo

tem na globalização econômica seu princípio.

Essa nova ordem, caracterizada pelo rápido e avassalador desenvolvimento do capitalismo em escala global, que atinge os mais diversos cantos do planeta e, especialmente, todos os setores da sociedade, enseja a criação de um contexto favorável à promoção da lógica do mercado como a única capaz de solucionar os problemas sociais. Com isso, busca-se desqualificar as bandeiras de luta dos movimentos progressistas e reinventa-se uma espécie de defesa do individualismo e do “cada um por si”, também sintetizada nas propostas do neoliberalismo. (ANDREDTTI, 2010, p. 187)

Nesse contexto, o fenômeno da globalização acompanha ainda a desvantagem

da concentração de riquezas, já que grande parte do dinheiro concentra-se nos

países mais desenvolvidos, aumentando o número de pessoas desempregadas e

vivendo em condições de extrema pobreza.

Enquanto nas concessões liberais-sociais se reconhece a desigualdade derivada do modo de produção capitalista e, portanto, aceita-se a intervenção do Estado para diminuir as polarizações, o neoliberalismo

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rechaça qualquer ação estatal que vá além da de ser um “arbitro imparcial” das disputas. (BIANCHETTI, 1997, p. 88)

Os neoliberalistas entendem o estado como o principal responsável pelos

problemas ocasionados no funcionamento do livre mercado, alegando um

constrangimento provocado nos agentes econômicos privados.

Imersos nesse contexto de mercado a seleção dos indivíduos ocorre baseada

em critérios naturais de aptidão e de inteligência, por meio de uma seletividade

meritocrática, a “seleção dos melhores”. A educação perde a ênfase de escola

única, pública, gratuita, laica, universal e obrigatória, com vistas na formação para a

cidadania e passa a envolver o ensino privado apresentando uma escola

diferenciada, para formação das elites intelectuais e, é claro, tendo em vista as

demandas e exigências impostas pelo mercado e transformando a atividade

educacional em um lucrativo negócio.

No neoliberalismo, a educação não é incluída no campo social e político, sendo

integrada ao mercado.

Deste modo o neoliberalismo, ao rejeitar a planificação social, deixa livre às leis da oferta e da demanda as características e orientação do sistema educativo. O mecanismo do mercado é auto-regulador, o que melhor equilibra as demandas surgidas do setor produtivo com a oferta proveniente das instituições educativas. (BIANCHETTI, 1997, p. 94)

Percebe-se uma inversão do caráter educativo da escola na perspectiva da

lógica de mercado, onde os problemas sociais, culturais e políticos trabalhados

acabam sendo transformados em questões de atributo técnico e administrativo.

Quanto à relação das políticas educacionais seguimos com a mesma lógica: a

do mercado. Se a base da economia deve ser formada por empresas privadas

(defesa dos princípios capitalistas), a educação não é diferente. Como Bianchetti

afirma, “a articulação do sistema educativo com o sistema produtivo deve ser

necessária. O primeiro deve responder de maneira direta à demanda do segundo”

(1997, p. 94). Nesse sentido, a educação é colocada na lógica de um bem

econômico, e deve responder do mesmo modo que uma mercadoria responde à lei

da oferta e da demanda.

Assim, entende-se que as políticas educacionais estão intimamente ligadas ao

sistema de governo. Como afirma Akkari,

[...] nas sociedades democráticas, onde as eleições são o sistema de designação dos governantes, as políticas educacionais se encontram

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frequentemente no centro do debate eleitoral. Portanto, as políticas educacionais são constantemente avaliadas e discutidas. (2011, p. 12).

A avaliação fornece o resultado que o Estado quer saber sobre seu

investimento, pois as políticas querem argumentos para debater a educação, assim,

é necessário provar o que se fala.

Pensar as políticas e a gestão da educação no Brasil, sobretudo a partir da defesa de um padrão de qualidade socialmente referenciada, nos insere no desafio de pensar a lógica centralizada e autoritária que tem permeado as políticas educacionais para todos os níveis de ensino [...] (DOURADO, 2007, p. 938).

Pode-se usar como exemplo de lógica centralizada e autoritária, o sistema

adotado para a seção sindical dos docentes da Universidade Estadual do Ceará

(UECE) - Sinduece, que publicou uma reportagem4 no dia 13 de agosto de 2014 a

qual menciona palavras da professora Marilena Chauí, quando afirma: “É um crime o

currículo Lattes”. De acordo com os informativos presentes na publicação, a

professora Marilena proferiu uma aula Magda sobre o tema “Contra a Universidade

Operacional” no dia 8/8 no auditório da faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

USP- FAU-USP.

Durante a aula a professora critica os parâmetros e critérios de avaliação da

produtividade baseados em quantidade, tempo e custo e apresenta seu

entendimento em relação à forma de organização do currículo: “Esse horror do

currículo Lattes. É um crime o currículo Lattes! Porque ele não quer dizer nada. Eu

me recuso a avaliar alguém pelo Lattes!”.

Em relação a isso, a Sinduece comenta que a universidade brasileira

submeteu-se a uma ideologia neoliberal da sociedade de mercado ou a “sociedade

administrada” transformando direitos sociais, como o da educação, em serviços,

atribuindo à instituição um caráter de gerenciamento empresarial.

Nesse sentido, as avaliações realizadas na educação servem para um objetivo

muito claro de estratégia do governo: justificar escolhas anteriores. Portanto, o

governo avalia para mostrar a sua eficácia (resultado) e não a sua eficiência

(processo), afinal satisfaz dados quantitativos para provarem que seus investimentos

estão rendendo “bons frutos”, de acordo com a sua lógica.

4 Disponível em http://sinduece.org.br/noticias/destaque/e-um-crime-o-curriculo-lattes-diz-marilena-chaui/

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Percebemos que a escola, cada vez mais, está trabalhando na perspectiva de

garantir aos sujeitos direitos que o Estado não os dá. Portanto, o Estado exime-se

de sua função, desobrigando-se da organização e gestão cotidiana, atribuindo aos

pais, professores e níveis intermediários e locais. Deste modo, esse papel

secundário que assume o Estado em relação à educação, é um apoio à iniciativa

privada. Como afirma Bianchetti, “[...] se o Estado ajuda os setores privados a

desenvolverem a tarefa educativa, liberam-se dos gastos e de manutenção dos

estabelecimentos e da estrutura burocrática” (1997, p. 98). Assim, eleva-se a

tendência pela educação privada como portadora de maior qualidade, e a educação

pública decresce diante disso.

Diante de tudo isso, o modelo Neoliberal defende a descentralização como

estratégia de eficiência administrativa e redução de custos. Essa transferência de

responsabilidades para domínios menores é uma das questões que o neoliberalismo

propõe: a diminuição das ações do modelo central, o Estado. Estamos há muito

tempo vivendo a educação do mercado, a educação responde a uma demanda da

sociedade. O modelo Neoliberal não parece ter desaparecido afinal o mesmo

beneficia as empresas, e onde ficam os que necessitam de ajuda? Os países pobres

e/ou em desenvolvimento acabam sofrendo com a política Neoliberal, afinal, os ricos

beneficiam-se, e os pobres sofrem com o desemprego e baixos salários.

Corroborando com Frigotto apud Bianchetti “[...] a opção neoliberal implica o

retrocesso à barbárie com a exclusão das maiorias” (1997, p. 12).

Pode-se colocar em pauta para discussão, a questão “qualidade”, tendo em

vista que esse tema torna-se central nos debates das conferências internacionais.

Como por exemplo, “Conferência Mundial sobre Educação para Todos” de Jomtien,

Tailândia no ano de 1990. O termo qualidade é o principal, como ter uma educação

de qualidade? Como desenvolver os países? Tudo a partir da erradicação da

pobreza. Entretanto, tudo gira em torno do capital destinado a esse investimento,

como afirma Bianchetti,

O elemento comum das propostas do Banco Mundial é o traço economicista de seus programas que promoviam, entre outras políticas: limitação da responsabilidade do Estado na sustentação do sistema educativo, estabelecendo como prioridade o nível básico de formação; introdução dos mecanismos de mercado nas relações entre os gastos que intervêm no processo educativo, envolvendo a família no seu financiamento; a promoção dos valores próprios do ideário Neoliberal como modelo social, etc. (BIANCHETTI, 1997, p. 248).

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A educação assim é vista como sobrevivência das necessidades básicas, os

projetos que estão cada vez mais presentes no âmbito escolar visam suprir

carências, ajudar ao combate à pobreza, porém questões que não dependem

apenas da escola, mas sim de instituições maiores. E, a escola acaba deixando de

lado a sua função: a do conhecimento. Pois, acaba muitas vezes tendo apenas um

caráter assistencialista.

Conforme Minto (2010) a organização da escola foi sendo adaptada às

supostas flexibilidade, criatividade e racionalidade da empresa capitalista. Nessa

realidade, a educação vem sendo entendida em relação a pressupostos

mercadológicos, sendo o mercado o responsável por incluir as pessoas no círculo de

conquistas sociais.

Hoje uma escola desejável; a escola que se almeja, é aquela que consegue

competir no mercado, tendo os alunos como consumidores, já que os professores

são treinados para capacitar esses consumidores para o mercado de trabalho.

As próprias políticas públicas implementadas no país refletem o caráter

neoliberal com entendimentos mercadológicos acerca da educação. A Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9394) apresenta dentre alguns de seus

objetivos a garantia do padrão de qualidade, destacando que a educação escolar

deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social, fornecendo meios para

que os sujeitos possam progredir no trabalho. Neste sentido, a aquisição de novas

habilidades e competências se apresentam como condições de garantia da

uniformização global de atuação no mercado.

O movimento de reformas permitiu maior flexibilidade e autonomia por parte

das governanças locais, resultando em responsabilidade ações para além dos

governantes, no sentido da educação escola, que também inclui gestão, discentes e

docentes.

Percebe-se algumas inversões quando utilizamos termos como aquisição ao

invés de construção; ter ao invés de ser. Termos que se apresentam de forma cada

vez mais distanciada do processo de humanização e reconstrução social,

priorizando apenas a qualificação profissional para atuação no mercado. A

preocupação vem sendo o investimento na formação de trabalhadores adaptáveis,

flexíveis a adquirir novos conhecimentos técnicos, que visem atender a demanda do

mercado globalizado.

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O conjunto de reformas para a educação brasileira formada pelos períodos

descritos nesse artigo proporciona aos estudiosos da área de gestão escolar, pensar

sobre aspectos relacionados à qualidade na educação através das diferentes

reformas políticas, por meio de documentos elaborados que pudessem atender, de

certa forma, as necessidades do sistema de educação escolar.

Segundo Dourado,

Pensar qualidade social da educação implica em assegurar um processo pedagógico pautado pela eficiência, eficácia e efetividade social, de modo a contribuir com a melhoria da aprendizagem dos educandos em articulação a melhoria das condições de vida e de formação da população (2007, p. 940).

Sendo assim, o conceito de qualidade deve estar relacionado às políticas

públicas que são criadas no intuito de transformação do cenário educacional,

juntamente com a gestão democrática para a criação de novos parâmetros de

indicadores de qualidade, garantindo além do acesso a permanência, para que

possam ser refletidas as mudanças que irão adiante ao ambiente escolar

abordando, também, fatores extraescolares.

CONCLUSÃO

Consideramos a importância de estudos desse viés para a formação de

professores e atuantes na área de gestão educacional, tendo em vista, que para

idealizar e organizar mudanças com a preocupação de melhorar a qualidade do

ensino, precisamos primeiramente visualiza-las para a partir disso reunir esforços

com intuito de transformação.

Entendemos, também, que muito ainda precisamos estudar e dialogar para

compreender os diversos entrelaçamentos existentes por trás de toda historicidade

envolvida no contexto do modelo do neoliberalismo, suas causas e consequências, e

que quanto mais avançarmos neste sentido, maior será nossa compreensão acerca

da diversidade de repercussões existentes dele para área da educação.

Tornou-se possível estabelecer entendimentos em relação ao modelo

neoliberal, considerando, em especial, a participação mínima do estado nos rumos

da economia; a base econômica formada por empresas privadas; o aumento da

produção, tendo em vista o desenvolvimento econômico, bem como a defesa dos

princípios econômicos do capitalismo constituem-se enquanto princípios básicos do

neoliberalismo. Sabemos que o referido modelo é uma tentativa de limitar o Estado

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interventor, alegando que este, ao intervir tira a liberdade das nações econômicas,

principalmente no que diz respeito à iniciativa privada. Todos estes aspectos estão

diretamente relacionados e exercem influências na área educacional, inclusive por

meio das políticas vigentes na área. Neste sentido, quando pensamos em qualidade

na educação na perspectiva do modelo neoliberal sabemos que o que se considera,

de forma majoritária, são fatores relacionados a preparação para o trabalho/ para o

mercado. Por este motivo, a organização da escola foi sendo adaptada aos ideais da

empresa capitalista, aos pressupostos mercadológicos, onde se consiga preparo

para competir no mercado, de forma que os alunos sejam os consumidores e os

professores os responsáveis pelo treinamento desses consumidores.

REFERÊNCIAS

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ANDREDTTI, A.; LOMBARDI, J. C. História da Administração escolar no Brasil. Campinas, SP: Editora Alinea, 2010.

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9394/96. Brasília: 1996.

DOURADO, L. F.; Políticas e Gestão da educação básica no Brasil: Limites e

perspectivas. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100 – Especial,

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OLIVEIRA, D. A.; Das políticas de governo à política de Estado: reflexões sobre a

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Reportagem com Marilena Chauí. Disponível em:

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