QUANDO E COMO MUDARINOVAÇÃO Por Fabio Venturini dministrativa [email protected]...

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30 GESTÃO Educacional ® setembro de 2012 PARA ASSINAR: www.gestaoeducacional.com.br INOVAÇÃO Por Fabio Venturini [email protected] Gestão Administrativa E mbora o conceito de inova- ção seja fortemente ligado à tecnologia, fazer novo e di- ferente depende de outros aspec- tos. Segundo o consultor Clemente Nóbrega, autor do livro Innovatrix – Inovação para Não Gênios , a inovação ocorre com o desenvolvimento sis- temático de modelos de gestão com base na disrupção. O termo, oriun- do do inglês disrupting, embute a ideia de que os recursos tecnológi- cos devem ser usados para incluir um grande número de pessoas em algum processo que, não fosse pelas ferramentas empregadas, permane- ceriam sem acesso. “A revolução industrial e as di- versas tecnologias da produção de bens em massa baratearam a pro- dução e aumentaram o consumo, criando uma mentalidade indus- trial. Atualmente, o mundo se trans- forma muito rápido. A ideia é deslocar a mentalidade fabril, que enfatiza o pro- duto ou os serviços, para olhar ao que a sociedade precisa, para quais tarefas as pessoas não realiza- rão sem ajuda, e en- tão desenvolver um modelo de negócio que ofereça so- luções para essas necessidades”, explica. Nóbrega cita como exemplo a Encyclopaedia Britannica, que anunciou este ano o fim das suas edições impres- sas. Publicada pe- la primeira vez em 1768, atingiu em seu apogeu edi- ções anuais com 22 volumes em ca- pa dura, contendo verbetes escritos por especialistas das melhores ins- tituições do mun- do, atualizados anualmente. “Os vendedores visitavam la- res com crianças em idade escolar e QUANDO E COMO MUDAR A inovação tem sido tratada como aquisição de tecnologias. Embora esse seja um passo importante, a organização institucional e a concepção político-pedagógica precisam ser pensadas antes dos investimentos em sistemas digitais “A IDEIA É DESLOCAR A MENTALIDADE FABRIL, QUE ENFATIZA O PRODUTO OU OS SERVIÇOS, PARA OLHAR AO QUE A SOCIEDADE PRECISA”

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INOVAÇÃOPor Fabio Venturini [email protected]

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Embora o conceito de inova-ção seja fortemente ligado à tecnologia, fazer novo e di-

ferente depende de outros aspec-tos. Segundo o consultor Clemente Nóbrega, autor do livro Innovatrix – Inovação para Não Gênios, a inovação ocorre com o desenvolvimento sis-temático de modelos de gestão com base na disrupção. O termo, oriun-do do inglês disrupting, embute a ideia de que os recursos tecnológi-cos devem ser usados para incluir um grande número de pessoas em algum processo que, não fosse pelas ferramentas empregadas, permane-ceriam sem acesso.

“A revolução industrial e as di-versas tecnologias da produção de

bens em massa baratearam a pro-dução e aumentaram o consumo, criando uma mentalidade indus-trial. Atualmente, o mundo se trans-forma muito rápido. A ideia é deslocar a mentalidade fabril, que enfatiza o pro-duto ou os serviços, para olhar ao que a sociedade precisa, para quais tarefas as pessoas não realiza-rão sem ajuda, e en-tão desenvolver um modelo de negócio que ofereça so-luções para essas necessidades”, explica.

Nóbrega cita como exemplo a Encyclopaedia Britannica, que anunciou este ano o fim das suas

edições impres-sas. Publicada pe-la primeira vez em 1768, atingiu em seu apogeu edi-ções anuais com 22 volumes em ca-pa dura, contendo verbetes escritos por especialistas das melhores ins-tituições do mun-do, atualizados

anualmente. “Os vendedores visitavam la-

res com crianças em idade escolar e

QUANDO E COMO MUDARA inovação tem sido tratada como aquisição de tecnologias. Embora esse seja um passo importante, a organização institucional e a concepção político-pedagógica precisam ser pensadas antes dos investimentos em sistemas digitais

“A IDEIA É DESLOCAR

A MENTALIDADE FABRIL, QUE ENFATIZA O

PRODUTO OU OS SERVIÇOS, PARA OLHAR AO QUE A

SOCIEDADE PRECISA”

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ofereciam acesso ao conhecimen-to, de forma que os pais se sen-tiam preparando o filho para o mundo. A venda era fechada por US$ 2 mil”. Hoje, quem tem es-se valor para investir no futuro do filho compra um computador com conexão rápida à internet. As pessoas não compravam uma enciclopédia, mas se livravam da culpa por não fazer o melhor para garantir o futuro dos filhos. A ne-cessidade não mudou, o que se al-terou foi a forma de satisfazê-la”, analisa.

Nóbrega afirma que grande parte dos grupos educacionais brasileiros que se tornaram po-tências empresariais nas últimas décadas propôs-se a fazer o aluno passar no vestibular de uma insti-tuição de ensino superior renoma-da. “Não é isso que se deve fazer, mas era o que as pessoas queriam e o que elas compraram”, avalia.

As tecnologias da informação e comunicação, segundo o con-sultor, estão produzindo disrup-ção no setor educacional, o que implicará novos modelos de ges-tão. “A evolução das instituições de ensino também segue a lógica disruptiva e as novas tecnologias vão permitir a inclusão de massas populacionais que até então não tinham acesso ao serviço que se oferece”, sentencia.

MODELOS DE GESTÃOClemente Nóbrega afirma que an-tes de inovar é preciso “arrumar a casa”. Ele descreve três modelos de gestão típicos nas instituições de ensino. A escolha entre um de-les deve ser feita mediante análi-se da própria escola para identifi-car de onde podem vir “ameaças de disrupção que a tornariam ob-soleta”.

O modelo “solution shop” se ba-seia no desenho de soluções perso-

nalizadas, como nos processos de ensino com tutoria de interação e organização pedagógica customi-zada, tratando de problemas in-dividuais do aluno. “Existe nor-malmente em escolas antigas que atendem as elites. Conseguem co-brar caro por conta de nome, ex-celência e tradição, oferecendo o máximo de personalização a tur-mas pequenas”, explica.

Já na “cadeia de atividade de valor agregado”, a instituição de-senha uma solução padronizada, produz em “larga escala” e ofe-rece-a para uma ampla massa, com praticamente todos os pro-cessos centralizados. “Este mode-lo de mentalidade fabril enfrenta o mesmo problema de escolas pú-blicas, pois as pessoas aprendem de maneiras diferentes”, alerta Nóbrega. O consultor ressalta, po-rém, que grandes grupos empre-sariais compram escolas menores para ganhar escala, com a subs-tituição de pessoal especializado para oferecer valor na forma de “processos eficientes”.

No modelo “em rede”, a ins-tituição de ensino orquestra um conjunto de conhecimentos e pessoal que ofereça soluções pa-ra públicos específicos. A esco-la se posiciona no centro da rede, identifica o que os possíveis dis-centes necessitam e então ofere-ce a solução.

Para Nóbrega, futuramente o modelo “solution shop” será usa-do apenas em casos esporádicos. A disrupção deve se dividir en-tre a cadeia de atividade de va-lor agregado e o modelo em re-de. “O autor norte-americano Clayton Christensen afirma que, por volta de 2018, a maior par-te das ofertas educacionais nos Estados Unidos virá de redes ha-bilitadas por tecnologias. Aqui no Brasil não vejo muito este mo-

TICS: AVALIAR PARA INOVARAntes de investir para inovar, há al-guns parâmetros a se considerar so-bre as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Para Clemente Nóbrega, deve-se abordar “como promoverão disrupção”. Segundo Norberto Lamarra, “devem pro-mover a ação inovadora”. A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) alerta para três caracterís-ticas básicas das TICs:• Elas são parte de um contínuo

desenvolvimento de tecnolo-gias usadas na área educacio-nal, que podem apoiar e enri-quecer a aprendizagem, assim como giz e livros.

• Como qualquer ferramenta, as TICs devem ser usadas e adap-tadas para servir a fins educa-cionais, não o contrário.

• O seu amplo uso na educação é interferido por questões éticas e legais como propriedade do co-nhecimento, tratamento da edu-cação como mercadoria e globa-lização com diversidade cultural.

Depois de esclarecer os propósi-tos, o gestor pode fazer três per-guntas para verificar a pertinência da tecnologia analisada:• Como essas TICs podem ser uti-

lizadas para promover a educa-ção para toda a comunidade es-colar ao longo da vida?

• Como podem propiciar melhor equilíbrio entre ampla cobertu-ra e excelência na educação?

• Como podem contribuir para re-conciliar universalidade e especi-ficidade local do conhecimento?

• Como preparar a comunidade escolar para que possa domi-nar as demais tecnologias – que permeiam crescentemente to-dos os setores da vida – e tirar proveito delas?

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delo, mas ele tem um potencial enorme”, acredita.

PAPEL POLÍTICO-PEDAGÓGICO A educação e a saúde são os se-tores em que mais se encontram dificuldades para inovar e admi-nistrar lucrativamente, na ava-liação de Clemente Nóbrega. Coincidência ou não, são áreas de interesse público com grande in-fluência na formação e continui-dade das vidas em uma sociedade. Portanto, quando trabalhados pe-la iniciativa privada, não são uma mercadoria como qualquer outra, e suscitam o interesse e a partici-pação – no mínimo – das pessoas atendidas.

Segundo o professor Norberto Lamarra, diretor de Pós-Graduação em Políticas e Administração da Educação na Universidad Tres de Febrero (Argentina), na América Latina a escola não tem sido o cen-tro das decisões e do ordenamen-to da gestão de instituições de en-sino. “Está difícil compreender as políticas de educação centradas em ministérios, direções e mercado. O que não passa pela escola e pela sa-la de aula não passa pela educa-ção”, alerta.

A sugestão do educador para escolas públicas e privadas é de-mocratizar os processos de ensino e aprendizagem, com descentra-lização das estruturas de gestão para permitir a participação dos atores envolvidos: alunos, profes-sores e a sociedade, que será atin-gida pelos resultados positivos e negativos da educação praticada.

“Precisamos descentralizar a pertinência acadêmica e social em níveis global, nacional, esta-dual e local, com um currículo aberto, itinerante, que se adapte e se regionalize em cada área e com participação social. É importan-te que o planejamento estratégi-

co tome como base a instituição e o local em que ela se insere”, ava-lia Lamarra.

De acordo com o professor, em toda a América Latina há alguns consensos sobre o papel da edu-cação. Segundo o primeiro deles, a sociedade deve ser aberta ao co-nhecimento para promover desen-volvimento tecnológico e científi-co. Logo, a educação deve ser uma política de Estado com participação ampla, incluindo todos os setores da sociedade, demonstrando uma maior eficiência e pertinência.

Como a educação e o conheci-mento são temas centrais na me-lhoria da realidade latino-ameri-cana, informação e conhecimento têm cunho eminentemente políti-co. Por isso, para Lamarra, é ne-cessário que as instituições se or-ganizem para possibilitar que os alunos de todos os níveis se iden-tifiquem com valores que fortale-çam a democracia. “A escola é a formadora das crianças para se-rem fundamentalmente partici-pativas, com senso crítico, como atores sociais e políticos”, defende o professor.

Para atender a esses pontos de consenso, as instituições que tra-balham na área de educação de-vem conduzir os processos de ensi-no e aprendizagem de tal forma que primem pela criatividade, possibi-litando a ação inovadora com di-versificação das práticas de gestão e flexibilidade na organização cur-ricular, administrativa e mecanis-mos de reforma e transformação da própria instituição de ensino.

“Quando uma pessoa sai da uni-versidade, por exemplo, cerca de 60% do conhecimento obtido no seu curso já está obsoleto. Por isso é im-portante que os processos educacio-nais proporcionem o aprendizado de como continuar a aprender fora das instituições de ensino”, avalia.

Fotos: Divulgação/G

educ

Para Norberto Lamarra, a escola deve ser o centro da gestão e da inovação na área educacional

Clemente Nóbrega acredita no con-ceito de inovação disruptiva, que in-clui o uso de tecnologias para ampliar o acesso à educação

Com uma concepção de inova-ção no sentido de fazer algo no-vo, diferente da ideia de disrupção com viés mercadológico defendida por Clemente Nóbrega, Lamarra acredita que a organização políti-co-pedagógica das instituições de ensino também demanda que se desempenhe um papel de integra-ção entre a sociedade e a produção de conhecimento e o desenvolvi-mento científico e tecnológico. “Podem ser criados mecanismos de interação, com alternativas pe-dagógicas para estimular a capa-cidade de selecionar informações desde o início do ensino básico, criando um pensamento comple-xo e interdisciplinar”, sugere. G