Quarta-Feira, 2 de Junho de 2021 Sumário

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A urgência de critérios para as nulidades penais (2) 2

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A urgência de critérios para as nulidadespenais (2)

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Daniel Zaclis, ADVOGADO, MESTRE E DOUTORANDOEM DIREITO PROCESSUAL PENAL PELA USP, É SÓCIODO CAZ ADVOGADOS

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF)dos processos da Lava Jato contra o ex-presidenteLula da Silva trouxe à tona, uma vez mais, o difíciltema das nulidades penais: a possibilidade de aJustiça, revendo seus próprios atos, declarar nula(sem efeitos) uma série de decisões - às vezes, umaação inteira - em razão de erros processuais.

Como um manual de instruções, as regras deprocesso penal preveem a forma, a anatomia dos atosprocessuais. Há um juiz competente para cada caso.Há uma maneira de citar o indivíduo contra quem recaia acusação. Há um jeito correto de interrogar o réu. Orespeito a essas formas confere legitimidade à penaimposta pelo Estado.

Ao mesmo tempo - e aqui está a causa de muitasconfusões -, a inobservância das regras processuaisnem sempre ocasiona a invalidação do processo.

Nem todo vício do processo gera nulidade, uma vezque as formas dos atos não constituem um fim em simesmo.

Cada regra processual detém uma finalidadeespecífica, que pode estar explícita ou implícita noordenamento jurídico. Se o defeito não afetar talfinalidade, em tese os atos processuais devempermanecer intactos.

Por isso o sistema de nulidades tem uma viga mestra:a regra do prejuízo. Nenhum ato deve ser anulado senão houver prejuízo para as partes.

Nascido no Direito francês, em pleno século 17, oadágio pas de nullité sans grief (sem dano não hánulidade) surge como reação dos tribunais para contera arbitrariedade dos reis, que à época detinham poderabsoluto para decidir sobre a nulidade dos processosjudiciais. Hoje a regra do prejuízo evita que processossejam anulados por prec ios ismos ou er rosinsignificantes, reservando a sanção de nulidadeapenas aos casos em que houver a comprovação deprejuízo para acusação ou defesa.

Em tese, a regra do prejuízo faz sentido. No entanto,

há um enorme dissenso sobre sua aplicação prática.Por exemplo, que critérios utilizar para aferição doprejuízo ou mesmo quais as hipóteses em que oprejuízo é inerente ao próprio vício. O resultado é umaaplicação caótica, provocando grande insegurançajurídica.

Há casos em que o prejuízo é evidente. Não sequestiona, por exemplo, a nulidade de uma sentençacondenatória proferida por um juiz que é irmão davítima. Ainda que existam provas consistentes parafundamentar a condenação, o prejuízo existeinegavelmente.

Em outros casos, no entanto, a solução não se mostratão trivial. Como demonstrar o prejuízo, por exemplo,da ausência de intimação para o acusado comparecerem audiência para oitiva de testemunha de acusação?Ora, uma vez que ele não esteve presente no ato,impossível fazer um juízo hipotético de como poderiasido - quais perguntas seriam feitas, etc. - com o seucomparecimento.

É razoável, portanto, haver hipóteses em que oprejuízo seja presumido.

No entanto, diante da falta de critérios claros, ostribunais têm ignorado a maioria dos defeitoscometidos no processo penal, sob a justificativa deausência de demonstração do prejuízo. Trata-se deuma saída simplista, que, além de não resolver oproblema, estimula a condução de processos de formairregular.

A própria separação, existente na doutrina, entrenulidades absolutas (insanáveis) e relativas (sanáveis)hoje é fluida. Não raras vezes, um tribunal caracterizaum erro como nulidade relativa e, no julgamentoseguinte, esse mesmo erro é tratado como nulidadeabsoluta.

Além disso, a legislação a respeito das nulidades estádefasada.

Enquanto os demais temas relevantes do Código deProcesso Penal sofreram profundas modificações, ocapítulo das nulidades permanece o mesmo desde adécada de 1940. Tal descompasso, causador demuitas incongruências e distorções, ficou ainda maisacentuado depois da Constituição de 1988, com a

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expressa previsão de inúmeros direitos do acusado.

O atual quadro abre um per igoso f lanco àdiscricionariedade judicial. Se a eventual anulação deatos processuais está sujeita à mera interpretaçãopessoal de cada julgador, sem critérios minimamenteobjetivos, o resultado são decisões contraditórias,desprovidas de racionalidade e causadoras deinsegurança e perplexidade.

Grandes operações investigativas foram - e, apermanecer o atual quadro, ainda serão - extintas numcenário de aplicação problemática, sem critériosobjetivos, das nulidades.

E não se pode culpar quem recorre aos tribunais paraver restabelecido o devido processo.

É imperiosa a necessidade de estabelecer um marcosólido no tratamento das nulidades.

Conceitos abstratos, manipuláveis caso a caso, sãoincapazes de oferecer um mínimo de segurança emassunto de tamanha relevância.

Na discussão sobre as nulidades, o que está envolvidoé muito mais que um conjunto de regras. É apossibilidade de qualquer cidadão - seja qual for suacor, seu credo, partido ou condição financeira - serjulgado de maneira igualitária.

Sem critérios seguros para lidar com as anomalias aprópria finalidade do processo se torna inócua.

D a n i e l Z a c l i s , A D V O G A D O , M E S T R E EDOUTORANDO EM DIREITO PROCESSUAL PENALPELA USP, É SÓCIO DO CAZ ADVOGADOS

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